COMUNIDADE: A Busca Por Segurança No Mundo Atual - Zygmunt Bauman
COMUNIDADE: A Busca Por Segurança No Mundo Atual - Zygmunt Bauman
COMUNIDADE: A Busca Por Segurança No Mundo Atual - Zygmunt Bauman
A obra Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, escrita por Zygmunt
Bauman, é composta por nove capítulos, uma pequena introdução e um posfácio. Para
melhor compreendê-la, é necessário um prévio conhecimento de alguns conceitos criados
pelo autor pois, nela, ele se utiliza novamente de suas já consagradas expressões (como
modernidade líquida e modernidade sólida), além de revisitar - com mais detalhes - o
conceito de comunidade cabide, ideia que já havia sido pincelada em na sua obra
Modernidade Líquida. Seus capítulos, os quais serão aqui comentados, nos fazem refletir a
inserção do indivíduo no mundo atual e são terrenos férteis para se construir distintos
olhares sobre questões que, via de regra, têm passado despercebidas de quem vive as
constantes e velozes mudanças dos tempos atuais.
No primeiro capítulo, A agonia de Tântalo, o sociólogo começa contando sobre este
mito grego: Tântalo era um filho bem quisto de Zeus, mas que cometeu o crime de
compartilhar o conhecimento divino com os seres humanos. Em razão disso, sofre a
seguinte punição: tem ao seu dispor frutas e água para saciar sua fome ou sua sede mas, no
momento de ingeri-los, vê seu alimento ser levado pelo vento. Por meio da punição de
Tântalo, a história mítica revela a mensagem que, para encontrar a felicidade
despreocupada, deve-se manter a inocência. Mesma mensagem é trazida, segundo Bauman,
pela história bíblica de Adão e Eva, na medida em que os dois foram expulsos do paraíso
por comerem do fruto do conhecimento.
Essas duas narrativas são revisitadas no conceito de comunidade, sobre a qual
Bauman discorre que o entendimento entre as pessoas que dela fazem parte é dito de
natureza tácita, não sobrevivendo ao auto exame. Se a comunidade fala ou reflete acerca
de si mesmo - isto é, se se autoconhece -, gera uma contradição. O autor, então, se utiliza
de uma divisão de Robert Redfield 2 , o qual explica por que, em uma verdadeira
comunidade, não há motivo pra reflexão: uma comunidade é distinta de outros grupos de
humanos, com seu início e fim bem delimitados; pequena, estando à vista de todos os seus
1 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pelotas e aluna do Mestrado Profissional em Educação e
Tecnologia, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (Pelotas – RS).
2 Antropólogo, sociólogo e etnolinguista americano.
membros; e auto-suficiente, atendendo a todas as necessidades dos que dela fazem parte.
Bauman nos explica que essa divisão não é aleatória. A distinção é a divisão clara
entre o nós e o eles e não deve haver ambivalência nesse sentido. Pequenez significa que a
comunicação dentro do grupo é densa, colocando os significados que eventualmente vêm
de fora em desvantagem. Por último, auto-suficiência é o isolamento em relação aos
membros de fora do grupo. A comunidade natural é, portanto, feita de homogeneidade.
Quando a comunicação entre os que estão dentro da comunidade e os que estão fora se
intensifica, a homogeneidade desaparece. Segundo Bauman, a fronteira que separava o
dentro e o fora foi brutalmente atingida pelo surgimento dos meios de transportes e da
informática, que aumentaram o fluxo de pessoas e de informações, de modo que o que
resta hoje para aqueles que ainda procuram o conforto comunitário é um acordo artificial
que está sempre à mercê de vigilância, reforço e defesa.
Assim surge a questão da individualidade como a substituta post mortem da
comunidade. Em tempos de globalização, a busca da identidade é o caminho que promete
trazer segurança e confiança. Do conjunto dessas individualidades surge o que Bauman
denomina de comunidades cabides, que de maneira bem vulnerável buscam oferecer
algum porto seguro contra as incertezas enfrentadas individualmente. É nesse sentido que
ele amarra as comunidades contemporâneas ao Mito do início do capítulo, na medida em
que afirma que “os contemporâneos em busca da comunidade estão condenados à sina de
Tântalo” (BAUMAN, 2003, p. 22). No segundo capítulo, A reinserção dos desenraizados,
Bauman se aprofunda um pouco nas questões que envolvem a dicotomia segurança versus
liberdade. Desde que surgiu, a individualização expressou a troca desses dois valores
humanos – abre-se mão da liberdade pela segurança.
Para poucos abastados, tal mudança não trouxe tantas consequências já que, em
razão de seus privilégios, puderam exercer sua liberdade pessoal com segurança,
alcançando um certo nível de emancipação individual. Contudo, para as massas dos menos
afortunados, essa mutação originou uma rotina de supressão. A outrora vigilância exercida
pela comunidade foi substituída pela rigorosa e exaustiva rotina das indústrias capitalistas
e, a honra do trabalho bem-feito (típico dos artífices e artesãos), pelo controle do capataz.
Assim, duas tendências descenderam do capitalismo moderno: a substituição do
entendimento natural da comunidade pela rotina projetada artificialmente e
permanentemente monitorada; e a tentativa de ressuscitar o sentido comunitário dentro
variedade. Enquanto as pessoas comuns estão presas ao chão, essa elite global, segundo o
autor, passa sua vida em uma zona de livre comunidade.
No quinto capítulo, Duas fontes do comunitarismo, Bauman traz para discussão,
novamente, a figura do novo cosmopolita. Esse é exatamente o indivíduo que considera
não precisar da comunidade, pois ela traz a ideia, segundo o sociólogo, de uma obrigação
fraterna, partilhando vantagens entre os seus membros. Assim, o comunitarismo acabou se
tornando sinônimo de uma filosofia dos fracos, onde a obrigação de compartilhar não é
bem vista. Outro esclarecimento importante neste capítulo é a questão da comunidade
estética, conceito kantiano3 adotado por Bauman. Embora a elite cosmopolita se esforce
para se manter longe da obrigação fraterna de uma comunidade natural, isso não significa
que eles não façam parte de um tipo específico de comunidade, como bem expresso no
excerto a seguir:
A nova elite do poder, então, abandonou as ambições que eram comuns às elites
modernas, qual seja, a ambição de produzir uma nova e melhor ordem e a busca por um
projeto de “alta civilização, alta cultura e alta ciência” (BAUMAN, 2003, p. 70). Como
consequência de tudo isso, as reinvindicações de reconhecimento tornaram-se sectárias. A
forma de reverter essa situação seria, conforme Bauman, substituir o contexto da auto-
realização pelo da justiça social, onde as demandas por reconhecimento seriam veículos de
integração e não de divisão. O sétimo capítulo, Da igualdade ao multiculturalismo,
começa tratando das minorias étnicas. Bauman afirma que elas são uma espécie de exceção
à desintegração da comunidade ortodoxa. Entretanto, no caso dessas minorias, não se trata
de uma opção: não há consentimento por parte daqueles que pertencem a este grupo e os
seus limites são impostos de fora, por parte das comunidades mais poderosas.
O fenômeno da minoria étnica tem relação, segundo o autor, “com a passagem do
estado moderno de construção da nação para o estágio pós-Estado-nação” (BAUMAN,
2003, p. 83). No Estado-nação não deveria haver diversificação étnica entre os súditos e a
produção de lealdade e obediência patrióticas eram as palavras de ordem. Eram duas as
facetas de construção desse Estado-nação: a nacionalista, que ocorria por assimilação, e a
liberal, que ocorria por perecimento. A face nacionalista era a mais severa: se o uso da
persuasão e da doutrinação não funcionasse, era utilizado o uso da força e coação. Quanto
à face liberal, ela tinha uma imagem mais benévola e possuía aversão à coação, porém
recusava liberdade aos inimigos da liberdade e tolerância aos que não possuíam tolerância
(BAUMAN, 2003, p. 84). Em ambos os casos, o resultado foi o mesmo: não havia espaço
Ainda que confinadas em um mesmo gueto, isso não significa que as pessoas que
ali residem formem uma verdadeira comunidade, pelo contrário. A humilhação pública a
que todos são submetidos conjuntamente só alimenta o ódio e desprezo mútuos. Há um
sentimento de que parecer com o outro o torna mais indigno do que já é. Nas palavras de
Bauman, “gueto quer dizer impossibilidade de comunidade” (BAUMAN, 2003, P. 111). No
último capítulo da obra, Muitas culturas, uma humanidade?, para abordar a questão das
culturas e sua relação com a humanidade, o sociólogo começa tratando do
multiculturalismo como a forma com que as classes ilustradas fazem a reconciliação das
diversas classes à nova realidade.
ansiedade. Toda essa insegurança e ansiedade voltam-se para os cuidados com a proteção,
tomando o lugar do espaço que deveria ser preenchido pela comunidade. Algumas tarefas
não podem e não devem ser enfrentadas individualmente e, por isso, seguir esfarelando a
noção de comunidade não acarretará nenhum bem.
Comunidade: a busca por segurança no mundo atual é um livro denso e que
explora o mundo globalizado sem romantismos, a partir de um ponto de vista realista,
característica do autor da obra. Entretanto, esse não é um livro pessimista, pelo contrário:
ao expor as inquietudes da contemporaneidade, Bauman nos oferece a oportunidade de
refletir e rever alguns dos nossos hábitos cotidianos e nossos posicionamentos sociais. A
partir desta obra específica, passamos a meditar acerca da importância da comunidade e
da sociedade nas nossas decisões individuais. De posse da informação de que o bem
comum já não tem a mesma relevância que já exerceu no início da modernidade, é possível
orientar as novas gerações a repensarem uma forma de vida que não priorize somente a
autonomia, mas que viabilize a convivência pacífica e coletiva. Neste aspecto, a obra
mostra todo o seu potencial como leitura a ser utilizada em estudos na área da educação:
as diferenças sociais entre os alunos de diferentes escolas (públicas e particulares) e a
inserção desses alunos no mercado de trabalho são temas que podem ser debatidos a partir
das perspectivas baumanianas - quando nos fala do gueto, por exemplo, o autor abre a
possibilidade para que o professor reflita a respeito do ambiente em que aquele aluno foi
criado, facilitando o diálogo em docente e educando. Este é apenas um exemplo de como
tal obra pode acrescentar valorosas camadas para discussões no campo a Educação motivo
pelo qual indicamos sua leitura.
REFERÊNCIAS