A Estética Da Hiperestilização em Videoclipes Narrativos: Um Estudo Sobre A Videografia Da Artista Melanie Martinez

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação

XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Cascavel - PR – 31/05 a 02/06/2018

A estética da hiperestilização em videoclipes narrativos: um estudo sobre a


1
videografia da artista Melanie Martinez

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Silvia Cristina França LIMA
3
Rodrigo OLIVA
Universidade Paranaense, Umuarama, PR

Resumo

Na contemporaneidade, o videoclipe apresenta intenso hibridismo entre as linguagens


do vídeo e do cinema. Machado (2007, p.78) discute que a hibridização e a
convergência dos meios implicam em movimentos de trânsito e tensões nas formas
audiovisuais. Verifica-se, também, que o estilo representa novas características e
personalidade, por meio do uso de recursos estéticos, no formato do videoclipe. Este
estudo apresenta uma análise da obra da cantora Melanie Martinez, cujas marcas
representativas de um estilo se conectam com a estética da hiperestilização, evidenciada
pelo uso saturado de recursos estéticos da linguagem do cinema (OLIVA, 2017).

Palavras-chave: ​cinema; videoclipe; estética da hiperestilização.

Introdução

O presente artigo científico faz parte das discussões de um Projeto de Iniciação


Científica que promove o entendimento de como as linguagens do cinema e a do
videoclipe se interconectam e se relacionam, buscando ampliar o debate sobre as
linguagens e seus desdobramentos narrativos, estéticos e da forma como são
produzidos.

1
Trabalho apresentado no IJ 4 - Comunicação Audiovisual do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Sul, realizado de 31 de maio a 2 de junho de 2018.
2
Acadêmica do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Paranaense (UNIPAR), e-mail:
[email protected]​.
3
Docente do curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Paranaense e Doutor em Comunicação e
Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná, e-mail: [email protected]

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O recorte desta apresentação se atém às experiências audiovisuais da cantora


Melanie Martinez que, por meio da expressão do videoclipe, se promove através de
estilos que se assemelham a representações hiperbólicas e surrealistas. É notório em seu
trabalho alguns temas e recursos expressivos que operam com questões ligadas a
narratividade, pois seus videoclipes contam histórias, bem como da forma como os
recursos expressivos são apontados.
Parte-se do referencial teórico promovido a partir da ideia de ampliação das
narrativas em videooclipes (OLIVA, 2017), discute-se o conceito de estética da
hiperestilização para fundamentar a análise proposta. Portanto, este artigo se configura
num estudo abrangente sobre as relações existentes entre o cinema e o videoclipe,
pensadas a partir de um processo de estilização, fundamentado nos recursos que são
comuns na obra da cantora.

O videoclipe e as suas relações narrativas: A expansão da narrativa

O videoclipe é um gênero do audiovisual que surgiu, inicialmente, como uma


força de apoio para vender música e imagem do artista. Tratava-se apenas da síntese da
música de trabalho escolhida pelo artista e seus produtores (SOAR​ES, 2013, p. 92),
caracterizado por uma linguagem de sincronização de imagem e som, visualidade
fragmentada e limitado ao tempo da música. Na contemporaneidade, com o advento da
internet e devido a possibilidade de ampliação do tempo do vídeo, uma liberdade maior
foi dada aos produtores e aos espectadores, influenciando diretamente na forma de se
produzir vídeos, surgindo então videoclipes mais longos e que se objetivam a contar
histórias. Aliado a esse fato, há a possibilidade de experimentação de novas técnicas de
edição e composição de imagem, surgidos com a evolução tecnológica, que
influenciaram nas experimentações audiovisuais.
Hoje, o videoclipe está além de uma simples forma de entretenimento, a nova
liberdade proporcionada pela internet trouxe à tona experimentações imagéticas e
narrativas, apresentando intenso hibridismo entre as linguagens do vídeo e do cinema. É
comum a criação de narrativas, onde histórias são contadas, com a existência de

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personagens, presença ou não do intérprete da música, além da inserção de elementos


externos à música, como falas, textos sobre as imagens - ​letterings e a ampliação de
possibilidades nos movimentos de câmera e ângulos.
Diante dessa contextualização é estabelecido então o conceito de ​narrativas
dilatadas​, a ampliação ​da “narrativa em nível temporal e espacial, quer pelo tempo total
ou não da música” (OLIVA, 2017, p. 114), usado para entender como a linguagem
videoclípica, no trânsito do cinema, televisão e internet, se molda a partir das
influências da linguagem cinematográfica.

Um dos centros desta discussão se atém a uma específica consideração


sobre uma abertura para videoclipes que contam histórias. Verifico
uma tendência que vai na contramão dos vídeos de natureza rápida e
curta, mas que em determinadas produções prolonga o tempo da
música, com pausas, atuações de personagens, inserção de diálogos e
outros elementos estruturantes da linguagem que descaracterizam os
paradigmas clássicos e convencionais do videoclipe. (OLIVA, 2017,
p. 123).

Sendo assim, é característico do videoclipe contemporâneo a tendência pela


tentativa de representar histórias apoiado, na maioria dos casos, na estrutura básica das
narrativas cinematográficas, que de acordo com Block (2010, p. 233) dividem-se em:
exposição, em que os fatos e personagens são apresentados; o conflito, onde há o
clímax, definido pelo ápice da história, e a resolução, onde a história se finda,
oferecendo ou não, uma conclusão de pensamento ao espectador.
Essa estrutura já foi adotada lá atrás no famoso videoclipe ​Thriller (Jhon Landis,
1983), para o artista pop Michael Jackson, abertamente inspirado em clássicos filmes B
de zumbis e considerado um marco na história do videoclipe, e mais recentemente, no
vídeo ​Mrs. Potato Head (Melanie Martinez, 2016), que ​critica a busca pela perfeição
estética, realizado para a artista Melanie Martinez, objeto de estudo deste artigo. Ambos
os vídeos apresentam um prólogo sem música, introduzindo os personagens e a história,
com um clímax bem definido, no caso do primeiro, a aparição dos zumbis e no segundo
os problemas resultantes das cirurgias plásticas realizadas por uma das personagens. Por
fim, há conclusão, com a protagonista acreditando estar acordada de um sonho, em

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Thriller​, e em ​Mrs. Potato Head​, a segunda personagem, representada pela cantora,


entendendo que a busca desmedida por perfeição estética pode não oferecer os
resultados desejados.

Videoclipe narrativo é aquele se aproxima da prosa narrativa do


cinema e é o mais analisado, porque, logo que surgiu o videoclipe,
alguns poucos clipes desse primeiro tipo foram realizados por
personalidades do meio cinematográfico, como uma espécie de
musicais de curta-metragem. (GUIMARÃES, 2007, p. 125).

A partir desse conceito de narrativas dilatadas inseridas aos videoclipes, novas


possibilidades criativas e imagéticas surgem, ampliando o uso dos componentes do
cinema no vídeo, fazendo com que se unam de tal forma que pode ser até difícil
“caracterizar de onde vem a imagem” (OLIVA, 2017, p. 129), ou seja, a confluência de
linguagens é tão expressiva que se torna difícil separar videoclipes de filmes
curtas-metragens.
Desta relação intensa de hibridização de linguagens, associado a identificação do
estilo do artista, reconhecido como características de personalidade, em suas produções
audiovisuais, Oliva (2017) propõe o conceito de ​Estética da Hiperestilização​,
evidenciado nas obras aqui analisadas da cantora ​pop​ Melanie Martinez.

A Hiperestilização como percurso teórico

Ao analisar o conceito de narrativas dilatadas e da hibridização das linguagens


do cinema e videoclipe, o conceito de estética da hiperestilização se apresenta essencial
para se entender as características proeminentes do videoclipe atual.
De acordo com Oliva (2017) a estética da hiperestilização nasce do uso saturado
da linguagem do filme dentro do vídeo que:

(...) em processos híbridos, configuram-se em formatos que diferem da


natureza clássica das linguagens do cinema e do videoclipe, apontando
para expressões hiperbólicas, ampliadas e esgotadas em suas próprias
incrustações (...). (OLIVA, 2017, p. 132).

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Isso aponta, de acordo com o autor (2017, p. 132) videoclipes que se aproximam
dos filmes de curta duração, com narrativas ampliadas. Para Lipovetsky e Serroy (2009,
p. 279), o clipe conta uma história:

(...) cuja trama tem a ver com a canção: é onde se mantém a ligação
com o cinema enquanto narrativa-em-imagem. Estamos a anos-luz dos
primeiros clipes que se contentavam em registrar frontalmente um
cantor cantando a sua canção. Um clipe é um filme, que se apresenta
como tal e que se alimenta da visão e do estilo que o cinema lhe
oferece. (LIPOVETSKY; SERROY, 2009, p. 279).

Ademais a essas características de contar histórias, a hiperestilização define


também, vídeos “que trabalham com excesso de estilismo” (OLIVA, 2017, p. 132), que
apesar de, talvez, causar certo estranhamento, começa a “se instaurar com frequência
nas artimanhas estéticas e estilísticas dos audiovisuais contemporâneos” (OLIVA, 2017,
p. 132).
Sendo assim, Melanie Martinez é exemplo da aplicação da estética da
hiperestilização devido ao uso saturado de linguagens cinematográficas empregues aos
seus videoclipes, principalmente o recurso narrativo e a estética surrealista, aliados ao
seu estilo ostensivamente personalizado.

O surreal em Melanie Martinez

“​You seem to replace your brain with your heart/You take things so hard and
then you fall apart/You try to explain, but before you can start/Those cry baby tears
4
come out of the dark ” (​Cry Baby​, Melanie Martinez, 2016). Assim começa a faixa
título do álbum da jovem cantora norte americana Melanie Martinez, já deixando claro o
tipo de obra a ser encontrada. ​Cry Baby é um álbum pessoal, confessional e intimista,
mas não pequeno ou simples em temáticas e visualidades. Para seu álbum de estreia,
lançado no ano de 2015, Melanie Martinez cria um alter-ego, a personagem ​Cry Baby​,
uma jovem inconsistente, insegura e depressiva. As letras das músicas e as histórias

4
​Tradução livre: Você parece que troca seu coração com seu cérebro/Você leva as coisas para o lado pessoal e
começa a chorar/Você tenta explicar, mas antes que você possa começar/Aquelas lágrimas de bebê chorona surgem
do escuro.

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mostradas nos vídeos tocam em feridas sociais, com críticas a padrões estéticos e
familiares, abuso infantil e de drogas, violência, sequestro, assassinatos, amores que não
funcionam e medos, imaginários ou não.
A videografia da artista conta com treze videoclipes, todos gravados para o
álbum ​Cry Baby, que narra vivências da personagem criada por Melanie desde o
nascimento, história narrada na faixa título do álbum, seu crescimento em uma família
disfuncional, apresentada nas faixas ​Dollhouse e ​Sippy Cup, ​inseguranças,
arrependimentos e paixões, em ​Mrs. Potato Head ​e Soap, ​respectivamente, até
sequestro e pedofilia, narrados nos vídeos de Tag, You're It ​e ​Milk and Cookies​, que
estão disponíveis na plataforma ​YouTube como um vídeo único, pela sequencialidade da
narrativa, mas que podem ser vistos individualmente.
​O primeiro detalhe a se discutir que caracteriza a hiperestilização é, justamente,
o tratamento narrativo dedicado aos videoclipes. Dez desses vídeos contam histórias,
sem necessariamente interromper a música com falas, fugindo do pressuposto básico da
linguagem audiovisual cinematográfica em que o videoclipe narrativo se baseia. A
narrativa dos vídeos é dilatada, a música cantada se torna apoio ao que o vídeo está
contando e não o contrário, como era típico da linguagem videoclípica tradicional. Em
alguns dos vídeos o tempo da música é expandido, com a inserção de prólogos sem a
música que nomeia o clipe e até falas.
A linguagem cinematográfica se faz presente em toda a composição do álbum,
desde o tratamento narrativo dedicado a maioria dos videoclipes, como citado, até o
emprego da estética surrealista. Eduardo Peñuela Cãnizal, em seu texto ​Surrealismo
(2006, p. 143) ​fala do surrealismo no cinema, que veio da estética na pintura, como um
movimento de vanguarda surgido na década de 1920, que baseia seus princípios nos
processos oníricos, com obras que desejavam romper as fronteiras entre realidade e
sonho, consciente e inconsciente.
O movimento surrealista trouxe ao cinema novas possibilidades de se contar
uma história, onde o inconsciente toma forma e imagens aparentemente desconexas
criam sentido a partir das relações estabelecidas entre elas. E o videoclipe, devido
também ao seu caráter de tempo diminuto comparado à filmes longa metragem, está se

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aproveitando dessa estética para contar suas histórias, expandindo as possibilidades


visuais e narrativas.

A influência do cinema surrealista na linguagem do videoclipe é


notável, já que a experimentação do formato projetará uma série de
videoclipes cujas imagens traçam conexões com as imagens
sistematizadas pela vanguarda surrealista. Por meio desta
dessacralização da imagem realista, o diálogo da estética com as
criações dos vídeos são recorrentes, atribuindo este fato a uma
caracterização da imagem do videoclipe. (OLIVA, 2017, p. 48).

Melanie abusa de elementos e visualidades surrealistas em suas obras, no uso da


cor, que beira ao psicodélico, elementos “estranhos” inseridos às cenas, como máscaras
de animais e em procedimentos de mixagem de imagens. A estética é também aplicada
como a representação visual e liberação de repressões e traumas de sua personagem,
expressando, em imagens, toda a “loucura” da ​Cry Baby​, resultante das conturbações de
sua vida.
Melanie aplica a cor rosa e pitadas de azul, em tons pastéis, nos figurinos e
cenários dos vídeos para brincar com a pureza de sua personagem frente as letras das
músicas, que são agressivas e críticas. Já o azul, quando em tons mais escuros, para a
artista, o significado é outro. É comum encontrar forte iluminação azul quando há
perigos próximos, antecipando ao espectador que algo pode não estar bem, e quando
personagens estão envolvidos em situações desconfortáveis ou sentem-se tristes, num
clima soturno e melancólico.

Figura 1 - Influência das cores: o azul

Frame do videoclipe ​Sippy Cup ​(2015)

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Ainda sobre o estilo personalizado da artista, verifica-se o emprego de uma


estética infantilizada. Há um paradoxo entre o mundo real e perigoso presente nas letras
e histórias narradas nos vídeos com o visual da artista, que se fantasia de criança,
carregando sempre figurinos com babados e laços, em cenários decorados com
brinquedos e artigos infantis. Esse visual “boneca” e infantil tem inspiração direta com
as Lolitas, nome que remete à personagem Lolita do romance homônimo do
russo-americano Vladimir Nabokov (1955), além de estar relacionado à uma moda
Nipônica.

Figura 2 - Figurino e cenário infantilizados

Frame do videoclipe​ Dollhouse ​(2014)

Aliados a essas características presentes nos vídeos, há ainda, incorporados ao


instrumental das músicas, sons artesanais de brinquedos ou outros, como bolhas de
sabão e líquidos escorrendo.

Analisando o estilo vinculado a estética da hiperestilização

Para ​Bordwell (2013, p. 17), estilo é o uso sistemático e significativo de técnicas


de mídia cinema em filme e envolvem encenação, iluminação, enquadramentos,
ambientação e outros aspectos relacionados à edição e som. Fazendo um paralelo com a
linguagem do videoclipe, podemos identificar esses mesmos traços nos vídeos
produzidos para a cantora Melanie Martinez. Os vídeos trabalham a iluminação e as
cores de modo a ambientar a história, há personagens, elementos e quadros comuns a

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todas as obras. Todos os vídeos aqui citados seguem a linha narrativa cinematográfica
básica, conforme já apresentado, com exposição, conflito e resolução (BLOCK, 2010, p.
233), não obrigatoriamente nessa ordem.
Os videoclipes seguem histórias individuais da personagem ​Cry Baby​, alter-ego
de Melanie, mas se vistos de maneira ampla, os vídeos mantêm conexão direta entre si,
além de todo o visual e características. Seguindo a sequência das faixas no encarte do
álbum, a história da personagem se expande e se torna contínua, em que é possível ver
desde o nascimento à entrega a insanidade, de uma pessoa maltratada por questões
pessoais.
Cry Baby ​(2016), a faixa que nomeia o álbum, é o nascimento da personagem
Cry Baby​. Uma mulher grávida, a mãe, entra em trabalho de parto e dá à luz devido a
uma paulada na barriga dada pelo médico, que veste uma máscara de coelho. Uma
Melanie bebê chora pelos descasos da mãe até que inunda o quarto. Está dada a largada
pelo mundo louco da “bebê chorona”.
A estética surrealista aqui é identificada por meio do parto da mãe que, com a
paulada recebida, dá a luz a doces, os brinquedos distribuídos pelo quarto da Cry Baby​,
que se movem sozinhos, o choro excessivo capaz de inundar o quarto e a representação
do médico mascarado de coelho. Esse personagem mascarado participa também da
encenação em ​Mrs. Potato Head​, realizando cirurgias plásticas de resultados
desastrosos.
Seguindo a história, temos ​Dollhouse (2014). Numa metáfora a casa de bonecas,
a família da personagem é apresentada. ​Cry Baby e a família vivem uma falsa perfeição.
A mãe é traída e para esconder a dor se torna alcoólatra, o irmão usa drogas. Através da
letra, Melanie fala com uma terceira pessoa para que reconheça a podridão escondida
por trás das cortinas. Essa terceira pessoa é representada por uma criança, que não faz
parte dessa dinâmica familiar e que assiste aos personagens dentro da casa de bonecas,
mas também somos nós, espectadores, já que Melanie atua como intérprete
protagonista, cantando a música quase que integralmente olhando para a câmera. A
maquiagem dos personagens é carregada e todos portam-se como bonecos, sem fluidez
nos movimentos e expressões. A iluminação azul se faz presente na maior parte do

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vídeo, sendo mais intensa quando o uso de drogas é revelado e em closes nos
personagens, como no rosto triste da mãe ao saber da traição do marido.
Ainda sobre disfunções familiares, em ​Sippy Cup (2015), novos segredos são
revelados. A mãe está cada vez mais se afundando em seu vício em álcool e um
assassinato acontece. Inserido ao instrumental da música está o som de líquido
derramado. Aqui há a presença ativa de apenas duas personagens, a mãe e a ​Cry Baby​.
O tempo, espaço e ações de cada uma são bem definidos, mesmo sem a existência de
falas. A cor predominante no vídeo novamente é o azul, carregado na iluminação do
quarto da ​Cry Baby​, antecipando no espectador um desconforto em relação ao clima
soturno e melancólico empregado a esse ambiente, o que se mostra fundado, já que ao
final do vídeo ficamos sabendo que a personagem é ali mantida sedada pela mãe.
Em se tratando da forma em que as imagens são inseridas e mixadas no quadro,
Soap (2015) é o videoclipe que mais aproveita da estética surrealista. A história aqui é
não linear, iniciando com um prólogo sem música e com fala. ​A ação do vídeo acontece
quase que inteiramente dentro de um banheiro em que há uma grande banheira. Há um
personagem masculino em cena. As luzes piscam frequententemente, deixando o visual
psicodélico. Ocorrem momentos em que a mixagem da imagem se dá por incrustação,
combinando fragmentos de imagens de origens diferentes, como quando uma pequena
TV disposta próximo à banheira liga e roda um vídeo de Melanie cantando dentro de
uma outra banheira cheia de espuma. Oliva (2017, p 65), a partir de um estudo de
Dubois (2004), afirma que “a incrustração da imagem se caracteriza pela junção de duas
imagens, geralmente de bases temporais e espaciais opostas”.
Os segundos finais do videoclipe são marcados por psicodelia intensa. Bolhas de
sabão saídas da boca da cantora voam pelo ambiente e Melanie novamente aparece
cantando em uma banheira com espumas, com o recurso de sobreposição de imagens,
como se “coladas” umas sobre as outras, formando imagens fantasmagóricas.
Há ainda, entre os videoclipes ​Cry Baby​, ​Sippy Cup e ​Soap uma outra
similaridade: a cantora é inserida como intérprete de sua música de forma entrecortada à
história que está sendo contada. Ela aparece no quadro em closes e primeiros planos,

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cantando com expressões faciais e movimentos exagerados, em um outro cenário, com


figurino diferenciado, de forma que haja suspensão dos espaços temporais e espaciais.
Essas aparições podem ser entendidas como ganchos visuais inseridos ao
videoclipe, já que são cenas que, por causarem uma quebra na linha narrativa, prendem
a atenção do espectador na ansiedade em ver o que acontecerá a seguir, quando a
história retornar, pois, de acordo com Soares (2013, p. 115) através de seus estudos de
Goodwin (1992), ganchos são “uma espécie de localização, na imagem, de uma
estratégia utilizada para manter o espectador assistindo ao clipe”, ou seja, as quebras
narrativas funcionam como um incentivo visual à permanência do espectador ao
videoclipe.
Pensados e distribuídos como um curta metragem, ​Tag, You’re It e ​Milk and
Cookie​s (2016) são vídeos diferentes, que contam uma mesma história. O primeiro foge
totalmente do jogo de cores que acontece nos videoclipes anteriores, mas ainda assim, a
cor tem papel importantíssimo para situar a narrativa. A obra fala de sequestro e abuso
infantil, então tudo perdeu o brilho, as roupas e cenários estão inundados por uma
coloração branca acinzentada, a figurante tem olhos completamente negros e até o
cabelo da protagonista está dividido nas cores preto e cinza.
A jovem ​Cry Baby vai fazer compras e acaba sendo dopada e sequestrada pelo
lobo mau disfarçado de sorveteiro, um personagem com uma máscara de lobo,
conferindo o toque surreal à obra, mas que também escancara, de maneira metafórica, a
realidade perigosa de confiar em estranhos.
Na sequência, em ​Milk and Cookies, ​as cores estão de volta. A história acontece,
em uma pequena cozinha com paredes cor de rosa, em que a personagem é mantida em
cativeiro e planeja sua vingança: matar o lobo mau com biscoitos envenenados.
Novamente há incorporações de cenas performáticas da cantora interpretando a música,
inseridas entrecortando a narrativa. Em um ambiente inteiramente azul, Melanie tem sua
cabeça disposta sobre uma mesa e protegida por uma redoma de vidro. Essas cenas
oferecem um diálogo com a expressão “dar de bandeja”, já que o sequestrador tomou a
jovem ​Cry Baby​ sem nenhuma dificuldade.

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Talvez o videoclipe em que a crítica e a consciência social estão mais explícitas


seja ​Mrs. Potato Head (2016), penúltimo vídeo lançado pela artista. Diferentemente de
todos os outros, duas histórias são narradas e não há interferência da cantora como
intérprete. A primeira história acontece ainda no prólogo. ​Cry Baby é jovem e insegura
com sua aparência física e chora enquanto assiste na TV um comercial de pílulas de
emagrecimento.
A segunda história acontece dentro da TV, e só nesse momento que a música se
inicia. A narrativa segue, linearmente, uma bela e inocente jovem que se submete a
tratamentos estéticos até que se torna uma versão deformada de si mesma. Um
personagem mascarado de coelho é o cirurgião plástico e a sala de cirurgias é iluminada
por azul, ampliando o clima sombrio e a sensação de desconforto causadas pelas
gráficas cenas de cortes e enxertos. Assim que a música acaba, saímos da TV e
retornamos à primeira história, que nos presenteia com a redenção da ​Cry Baby​, que
entende que tamanha busca por perfeição pode não oferecer bons resultados.
Através do brinquedo “cabeça de batata”, música e videoclipe criticam de
maneira explícita os ideais de beleza, potencializado pela cultura das cirurgias plásticas
e a influência da mídia, que injetam na sociedade, a todo momento, imagens de corpos
inalcançáveis para a maioria das mulheres e centenas de tratamentos estéticos de gostos
duvidosos.
A maioria dos videoclipes apresentados usam de prólogos, com sons externos à
música que os nomeiam, para introduzir a história e apresentar os personagens. Há
também, em todos os vídeos, infantilização nos figurinos e cenários, narrativas que
oferecem críticas sociais e melancolia em diferentes graus de intensidade, há excessos
visuais representados por caretas e expressões exageradas, como a tristeza da
personagem protagonista no vídeo ​Cry Baby e a inserção de cenas escatológicas de
cortes de peles e enxertos, em Mrs. Potato Head​, além da psicodelia e estética
surrealista que inserem elementos e procedimentos de mixagem de imagens que
oferecem maneiras diferenciadas de contar as histórias.
O excesso de estilismo dos videoclipes, por meio de temáticas semelhantes,
narrativas dilatadas, influência de estéticas, signos, cores, figurinos e cenários, identifica

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a marca da artista e causa uma ideia de saturação repleta de exageros visuais e recursos
cinematográficos.

Considerações Finais

A confluência entre as linguagens do cinema e do videoclipe é característica


marcante na videografia de Melanie Martinez. A estética da hiperestilização é conectada
ao seu estilo, expresso com personalidade e requintes de exagero em seus videoclipes,
saturados de recursos estéticos da linguagem cinematográfica, principalmente na
articulação e inspiração na estética surrealista.
Com este trabalho foi possível identificar como as linguagens do cinema e do
videoclipe se interconectam, bem como ampliar o debate sobre os conceitos de
hiperestilização e narrativas dilatadas, a partir da obra de Melanie Martinez. Portanto,
verifica-se na videografia da artista aspectos que vem sendo destacados como fatores
importantes da confluência e hibridismo das linguagens frente ao audiovisual
contemporâneo.

Referências

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São Paulo: Elsevier, 2010.

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