Videoclipe - O Elogio Da Desarmonia

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 102

Videoclipe

O elogio da desarmonia

1
Thiago Soares

Videoclipe
O elogio da desarmonia

Recife
2004

2
3
“É uma metáfora elétrica
o corpo é sério
os olhos
uma caixa de enigmas
fecho-os
desculpem-me
não entendo
tudo que é humano
é-me
estranho”

Sebastião Uchoa Leite

4
SUMÁRIO

Prefácio – O videoclipe, ou a forma cultural do


pós-modernismo, por Ângela Prysthon 05

Introdução 09

1. Constituintes da linguagem videoclíptica 12

2. Videoclipe, o elogio da desarmonia 20

3. A construção das paisagens sonoras 27

4. Híbrido, transtemporal e neobarroco 33

5. Bakhtin, gênero e MTV 37

6. Atualizando as tipologias do videoclipe 49

7. Pressupostos do estilo em videoclipe 56

8. O ´artístico´ e o ´comercial´: um amálgama 61

9. Experiência brasileira: a Conspiração 65

10. As imagens afetivas no videoclipe 72

11. O videoclipe no alvo da moda 82

12. Para analisar um videoclipe 90

5
PREFÁCIO

O videoclipe, ou a forma cultural do pós-modernismo

Se tivéssemos que eleger a forma cultural mais


representativa dos últimos 30 anos da cultura ocidental, talvez
nos deparássemos necessariamente com o videoclipe. Algumas
das imagens mais reveladoras sobre a cultura de massas do final
do século XX e início do século XXI são trechos de videoclipes:
Michael Jackson breakdancing como um zumbi em Thriller;
Madonna parodiando Marilyn Monroe em Material Girl; Prince
dentro de uma banheira em When Doves Cry; o gigantesco
paletó de David Byrne em Psycho Killer do Talking Heads; um
quê de Caravaggio nas cenas do videoclipe do REM, Losing My
Religion; as inventivas animações nos clipes de Peter Gabriel da
segunda metade dos anos 80, como Sledgehammer; a postura
messiânica de Bono Vox em Sunday Bloody Sunday do U2; Kurt
Cobain e o visual grunge no clipe Smells Like Teen Spirit do
Nirvana; Britney Spears no espaço em Ooops, I Did it Again; a
metamorfose de Björk em Cocoon; Christopher Walken dançando
e se contorcendo num hotel de luxo no clipe Weapon of Choice
de Fatboy Slim; o jogo de espelhos e a idéia da repetição em Let
Forever Be do Chemical Brothers. São apenas alguns poucos
exemplos desse gênero audiovisual que demonstram a sua
evolução e consolidação.
Mas não é somente pelo seu valor histórico ou
documental que o videoclipe é importante para a compreensão
da cultura contemporânea. Nos seus mais variados aspectos, o
videoclipe sintetiza o contemporâneo na sua aproximação da
indústria cultural com a vanguarda, na diluição da radicalidade
inovadora a partir de claras intenções comerciais, na sua
fragmentação imagética, na sua despreocupação narrativa ou no
apelo das narrativas mais básicas e simples, na sua inclinação
parodística, na sua rapidez, no excesso neobarroco de alguns de
seus estilos, nas suas conexões com as tecnologias de ponta, na

6
sua recuperação displicente e desatenta do passado, nas suas
superposições de espacialidades e temporalidades, no fascínio
de uma superficialidade hiperreal. Vemos, assim, que suas
principais características se aproximam enormemente das
definições mais gerais associadas ao pós-modernismo.
As várias estéticas do videoclipe seriam, pois, uma
espécie de versão resumida e específica do estilo pós-
modernista, compreendendo num universo mais circunscrito as
linhas mestras definidoras do pós-moderno (o hibridismo, o
pastiche, a hiperrealidade, o descentramento, a fragmentação, a
volta a algumas formas tradicionais de representação, o
desencaixe entre os seus vários elementos, a coleção
desordenada, um certo apelo da nostalgia, a constituição de uma
história e uma tradição pop). Fredric Jameson vai mais além e
identifica o vídeo (tanto na sua forma mais comercial, como na
sua encarnação experimental) como o “candidato mais provável
à hegemonia cultural” (JAMESON: 1991, 69) no capitalismo
tardio. Assim, se o pós-modernismo é a lógica cultural do
capitalismo tardio, o videoclipe seria a forma cultural pós-
moderna que melhor ilustraria o funcionamento dessa lógica do
ponto de vista estético. Como afirma Steven Connor:

O vídeo exemplifica de maneira


particularmente intensa a dicotomia pós-
moderna entre estratégias disruptivas de
vanguarda e os processos mediante os
quais essas estratégias são absorvidas e
neutralizadas. (CONNOR, 1993, 129)

A minha intenção com este preâmbulo é demonstrar e


enfatizar a relevância que esta forma cultural tem tanto para a
fundação e consolidação das estéticas contemporâneas, como
para o entendimento das mesmas; é sublinhar sua atualidade,
seu interesse e sua pertinência como objeto de estudo.
Paradoxalmente, é curioso notar que há pouquíssimos trabalhos
acadêmicos que considerem mais detidamente o videoclipe, que
tentem dar conta dos seus mais variados aspectos ou mesmo
que documentem as suas manifestações mais preeminentes,
especialmente em língua portuguesa. Nesse sentido, essa bela

7
coletânea de artigos sobre o videoclipe que Thiago Soares nos
apresenta vem adequada e brilhantemente preencher um certo
vácuo, vem corrigir essa relativa omissão.
Entretanto, refletir sobre um tema importante até então
pouco estudado não é o único mérito, nem de perto o mais
preciso para qualificar o livro de Thiago. Videoclipe, o elogio da
desarmonia é um primoroso conjunto de estudos que revela as
mais variadas nuances sobre o seu objeto. Desde a
conceituação do videoclipe como gênero, passando por algumas
peculiaridades da linguagem do videoclipe e elementos
constitutivos básicos, pela atualização oportuna e apropriada da
sua tipologia, além da indispensável trajetória histórica do
formato, pelas relações entre imagem e música, pelas ligações
entre produção e consumo de clipes e entre publicidade e arte,
até análises mais esquemáticas sobre correntes estilísticas e
clipes, e um registro mais local na descrição da experiência
brasileira da produtora Conspiração. No seu percurso, Thiago
cataloga os pressupostos da linguagem videoclíptica e se coloca
como crítico atento dos resultados estéticos de exemplos (muito
bem escolhidos, aliás) dessa linguagem.
Conhecia as muitas qualidades do pesquisador Thiago
Soares desde a sua dissertação de mestrado sobre as relações
da obra de Caio Fernando Abreu com a cultura pop – mais
especificamente com a linguagem do videoclipe –, mas
Videoclipe, o elogio da desarmonia apresenta um maior alcance,
interessa a um público muito mais amplo. Neste livro, Thiago
consegue ser, simultaneamente, panorâmico e específico,
abrangente e profundo, introdutório e original. Ele transita pelos
meandros semiológicos do videoclipe, pela materialidade do seu
objeto com rigor e método, mas não deixa de demonstrar a
agudeza e o espírito do crítico cultural que é, não se esquiva em
nenhum momento da discussão estética que vai muito além do
ímpeto classificatório. Em Videoclipe, o elogio da desarmonia, é
notável não apenas o conhecimento detalhado do seu autor
sobre a história e os códigos do videoclipe, como também a
dedicação apaixonada e o discernimento com os quais ele se
debruça sobre os artefatos dessa cultura.
Como nota pessoal a esse prefácio, diria que é
extremamente lisonjeiro e gratificante ser uma das primeiras

8
leitoras do livro de Thiago Soares por inúmeros motivos. Listo
aqui alguns deles, quiçá os mais óbvios: porque aprendi muito
sobre um tema que me interessa; porque fruí de um texto
excelente – que combina argúcia, inteligência, estilo e precisão;
porque tive acesso a uma bibliografia meticulosa; porque, com a
publicação deste pequeno volume, posso recomendar aos meus
muitos alunos que trabalham com o assunto um livro que articula
teoria, história e crítica do videoclipe com destreza e propriedade.

Angela Prysthon
Janeiro de 2004

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna. Introdução às teorias


do contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1993.

JAMESON, Fredric. Postmodernism Or, The Cultural Logic of


Late Capitalism. New York/London: Verso, 1991.

9
INTRODUÇÃO

Comecemos pelo começo: parte da minha inquietação


acerca do videoclipe surgiu durante o mestrado que desenvolvi
no Programa de Pós-Graduação em Letras – Teoria da Literatura
na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) sob a
orientação dos professores Alfredo Cordiviola (Literatura) e
Ângela Prysthon (Comunicação). Ao estabelecer conexões entre
os textos literário e audiovisual, encontrei no videoclipe um
gênero televisual dotado de ressonância analítica e que serviu de
“ponte” para que eu pudesse adentrar à seara literária através de
um viés mais pop. À medida que eu ia tentando articular o texto
literário ao audiovisual (o videoclipe), encontrava brechas,
pontos, tópicos que o videoclipe evocava e que precisavam de
uma reflexão mais sistemática.
Tais inquietações me fizeram propor ao Departamento de
Comunicação Social da UFPE a inserção, em caráter
excepcional, de uma disciplina em graduação com o título de
Linguagem Videoclíptica, para tentar resolver certos problemas
metodológicos sobre o videoclipe. Parte do resultado da tentativa
de sistematizar uma série de teóricos que já tinham escrito algo
sobre o clipe ou “pegar carona” em estudiosos de áreas afins
(cinema, publicidade, moda, teoria da literatura...) está neste livro
que chamei de Videoclipe, o elogio da desarmonia. O título pega
carona numa das mais comuns características do videoclipe, a
citação. Utilizo aqui o sub-título, “O Elogio da Desarmonia”, que,
na verdade, é o título de uma obra clássica dos estudos das artes
escrita por Gillo Dorfles. Assim, esta publicação já traz, no seu
próprio título, o conceito que rege seu(s) objeto(s).
Tentei formatar a obra de forma que ela não soasse por
demais acadêmica, já que enxergo no tema, uma área de
interesses também fora das universidades. Assim, começo o livro
contando um pouco sobre os constituintes da linguagem do
videoclipe, as primeiras experiências na associação entre música

10
e imagem, não procurando datas ou limites históricos, mas
enxergando cada um dos momentos desta associação como
pontos a serem desvendados. Passo por abordagens mais
estruturais, notando que o clipe abarca em sua estrutura noções
de conflito na montagem, tento “visualizar” paisagens nos fluidos
sonoros das canções e chego ao momento em que categorizo o
videoclipe a partir de três concepções: o hibridismo, a
transtemporalidade e o neobarroco.
Trago à tona a discussão sobre o escorregadio conceito
de gênero e situo a relevância da MTV como texto-e-contexto da
linguagem videoclíptica. Senti necessidade também de atualizar
os conceitos propostos pela acadêmica norte-americana E.Ann
Kaplan (e que muitos consideram “caducos”), sobretudo porque,
particularmente, simpatizo com a sistemática da autora,
principalmente, quando trabalho seus conceitos nas aulas de
graduação. As cinco tipologias propostas por Kaplan abrem
caminho para a discussão sobre a questão do estilo na direção
do videoclipe e arregimento meus conceitos tomando como base
as recorrências existentes nos clipes dos diretores Michel Gondry
e Spike Jonze.
Tentando relativizar as correntes teóricas que enxergam
o videoclipe apenas como artefato irmanado da vídeo-arte,
proponho a união do “artístico” e do “comercial” no clipe como
fundamental na manifestação da linguagem videoclíptica na
MTV. Parto, então, para reflexões acerca dos clipes da
Conspiração, a mais bem sucedida produtora de videoclipes do
Brasil, enxergando em seus vídeos, a encenação da
problemática da representação discursiva da pós-modernidade.
Tento criar categorias conceituais que abarquem novas
manifestações no audiovisual no âmbito do videoclipe, como o
conceito de “imagem afetiva”, e trago parte do referencial dos
estudos acadêmicos sobre moda para apreender a instabilidade
imagética do artista de música pop. Por fim, me arrisco a criar
uma base metodológica para análise de videoclipes, como
instrumental para sala-de-aula.
Este livro é minha forma de agradecimento aos
professores do Departamento de Comunicação Social da UFPE,
em especial a Alfredo Vizeu e Ângela Prysthon, por terem aceito
e “encampado” a proposta da disciplina Linguagem Videoclíptica,

11
a Cristina Teixeira e Isaltina Gomes, pelas valiosas correções, a
Eduardo Duarte, pelo despertar para a imagem e a todos que
contribuíram para a execução deste trabalho. Muitos dos
conceitos pensados neste livro foram oriundos de profícuas
discussões no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE,
onde trago meus agradecimentos ao meu orientador Alfredo
Cordiviola e aos professores Dóris Cunha, Sônia Ramalho, Maria
do Carmo Nino, Lourival Holanda, Nelly Carvalho, Yaracylda
Coimet e Sebatién Joachim, com quem cursei disciplinas. Tenho
que agradecer à coordenadora da Universidade Salgado de
Oliveira (Universo), Solange Tavares, onde leciono, pelo carinho
e respeito e à professora Marta Rocha. Aos amigos Schneider
Carpeggiane, Carolina Monteiro, Roberta Ramos, Lorena
Mascarenhas, Carol Almeida e Renata do Amaral, meu muito
obrigado pela companhia. A todos da Folha de Pernambuco,
jornal onde trabalho, meus sinceros agradecimentos.

Thiago Soares
Recife, janeiro de 2004

12
1. Constituintes da linguagem videoclíptica

Alguns estudiosos já tentaram detectar especificidades


da linguagem do videoclipe, elencando uma série de
características técnicas que apareciam na estrutura do clipe.
Oscar Landi, Peter Weibel, Arlindo Machado e Juan Anselmo
Leguizamón estão entre os nomes que se preocuparam com a
normatização dos elementos visuais constitutivos do videoclipe,
deixando um legado para que se entenda de que forma os signos
sejam devidamente contextualizados e historicizados. Oscar
Landi vai chamar tais características de “sintomas” da
constituição da linguagem videoclíptica, não sendo, logicamente,
a enumeração dessas características um pressuposto para que
se tenha configurado um videoclipe. Consideramos a
terminologia “sintoma” utilizada por Landi como fundamental para
que consigamos desconstruir de maneira semiótica o videoclipe,
gerando, mais do que um efeito de produção de sentido, uma
abordagem pedagógica do fenômeno. A “colagem” eletrônica,
através da inserção de outras naturezas de imagem (vindas,
inclusive, de outros gêneros audiovisuais) é apontada como
Landi como a “espinha dorsal” de onde se parte a constituição da
linguagem (não só do videoclipe, mas) do vídeo. Aspectos como
divisão e simultaneidade nas imagens videoclípticas geram a
fragmentação da narrativa e do significado, podendo acarretar
em adiamentos de sentido ou um “soterramento” deste sentido (o
sentido encontra-se “submerso”, no meio das tramas de imagens
“recortadas”). Tais elementos são decisivos para a constituição
da não-linearidade de seqüências.
A manipulação digital de cores e formas pode gerar, no
videoclipe, uma artificialidade na composição imagética através
de transformações geométricas, destacamentos cromáticos ou
efeitos gráficos. Neste sentido, podemos falar de uma
proximidade do videoclipe com o conceito de simulação – ou de

13
consciência de realidade simulada. Constituintes de edição como
a fusão e a sobreposição de imagens acarretam uma dissolução
das unidades de planos, com possibilidade de gerar conflitos de
ângulos e enquadramentos. Podemos falar também de uma
montagem rápida (planos que duram pouco na tela), de uma
precisão na edição (corte) e num uso de iluminação em
semelhança com os spots publicitários. Dança, desenho animado
e imagens computadorizadas também são elencados por Oscar
Landi como constituintes da linguagem videoclíptica. Tais
elementos, logicamente, mais do que inseridos numa estrutura,
fazem parte de uma prática comunicacional, gerando, com isso,
uma dependência entre forma e conteúdo – onde podemos nos
referir a uma interdependência contínua.
Como, neste capítulo, procuramos mapear a linguagem
do videoclipe, identificando elementos constitutivos básicos, é
importante que façamos um trajeto pela relação histórica que se
estabelece na idéia de sincronizar música e imagem – o princípio
basilar do que veio a se chamar videoclipe. Segundo J. Wyver,
desde o início do século XX que as projeções de cinema eram
acompanhadas por música. E a escolha da partitura estava
relacionada ao teor das imagens apresentadas. Dessa forma, era
a partir da imagem que se construía a música – um efeito
inverso, se pensarmos como, mais comumente, se produzem os
videoclipes atualmente. Entre as décadas de 20 e 30, o jazz,
então um gênero musical que tentava alçar sua legitimação,
passou a ser um manancial para produção de “números
filmados”, sobretudo de artistas como Duke Ellington e Woody
Herman. Em 1927, estreou nos cinemas O Cantor de Jazz, com
Al Jolson, o primeiro filme “cantado” da história do cinema. Foi na
década de 40 que o cineasta alemão Oskar Fischinger desenhou
a seqüência de abertura de Fantasia, da Disney, um filme que
viria construir uma relação profundamente sinestética entre
música e imagem no desenho animado. A música, executada por
diferentes instrumentos e em diversos timbres, reverberava em
desenhos abstratos que construíam um bailar imagético de
acordo com o que era tocado.
A articulação entre as canções e a escolha direta do
público veio se sedimentar na metade da década de 40, com o
que Raúl Durá-Grimalt chamou de “vitrolas de fichas visuais”,

14
objetos comuns em bares nos Estados Unidos, onde era possível
visualizar números musicais em preto e branco a partir da
inserção de moedas. As “vitrolas de fichas visuais” eram um
aprimoramento das famosas jukebox e continham, efetivamente,
um projetor de “diferencial”. Imagens de pés dançantes fundiam-
se com cenas de trompetistas e um artista virou uma espécie de
símbolo das “vitrolas de fichas visuais”: Bing Crosby. Mas, o
“reinado” de tal artefato não duraria muito tempo, pois em 1949 a
música galgaria sua cada vez mais incisiva “invasão” na
televisão, através do programa Paul Whiteman’s Teen Club, na
rede norte-americana ABC. A partir de então, já na década de 50,
não só a televisão, mas também o cinema passou a exercer
importante papel na disseminação dos números musicais,
“alimentando” assim, a indústria fonográfica. Números como o de
Bill Haley & The Comets cantando Rock Around The Clock no
filme Blackboard Jungle, de Richard Brooks, deram início a uma
profícua relação entre cinema e música, que iria consagrar,
sobretudo, o nome de um artista: Elvis Presley. Com o montante
arrecadado nos filmes de Elvis Presley, o diretor Richard Thorpe
(de Jailhouse Rock) produziu números musicais voltados
efetivamente para divulgação de artistas como Chuck Berry e
Little Richard. O cinema, como assegura Durá-Grimalt, foi um
dos meios responsáveis pela inserção do rock na esfera do
consumo da conservadora sociedade norte-americana.
Foi no final da década de 50, que a Inglaterra viu nascer,
na rede de televisão BBC, o programa 6’5 Special, dedicado a
apresentações musicais. Enquanto isso, na França, donos de
casas noturnas, para incrementar a “oferta” de seus
estabelecimentos, puseram em funcionamento o sistema
Scopitone, um projetor leve, de 16 milímetros, dedicado a exibir
vídeos de artistas em evidência (sobretudo do rock francês). A
tentativa não era apenas exibir performances dos cantores, mas
respeitar uma espécie de desenvolvimento autônomo entre a
imagem e o som. Fizeram parte destas experiências exibidas no
Scopitone, curtas como Walk on By, sobre canção de Dionne
Warwick, e Calendar Girl, com música de Neil Sedaka. A
decadência do rock francês e o posterior “domínio” de artistas
ingleses e norte-americanos na França fizeram com que as
experiências visuais com o Scopitone fossem abandonadas,

15
ficando a cargo da televisão e do cinema o vínculo entre a
música pop e a imagem. Em 1964, o filme A Hard Day’s Night,
com os Beatles e dirigido por Richard Lester, veio dar forma ao
que Durá-Grimalt chamou de “um antecedente próximo do
videoclipe”. A articulação entre canção e edição, o “quadro-
dentro-do-quadro”, o sistema de foto-montagem, a mescla de
elementos ficcionais e documentais e um certo grau de
imprevisibilidade, fragmentação e dinamismo põem A Hard Day’s
Night como um objeto, inclusive, que veio compor, do ponto de
vista do marketing, uma importante “pontuação” na carreira dos
Beatles. Em 1966, os Beatles produziram dois videoclipes
baseados, respectivamente, nas canções We Can Work it Out e
Paperback Writer e lançaram, já em 1968, o desenho animado
Yellow Submarine.
O final dos anos 60 foi marcado pelo início da
disseminação do sistema portátil de captação de imagem e do
uso, cada vez mais freqüente, do vídeo-tape pelas emissoras de
televisão. Delineou-se, assim, um movimento de vídeo-
experimental ou de vídeo-arte, que, inspirado no cinema
experimental, problematizou o conceito de televisão comercial
partindo em direção a uma legitimação de uma estética da
televisão comunitária, trabalhando, sobretudo, com o alicerce da
manipulação da imagem. No Brasil, a TV Viva foi o principal
expoente das experimentações com vídeo que popularizariam o
conceito de TV comunitária, enquanto que na Argentina, a
experimentação no campo do vídeo esteve mais próxima do
terreno acadêmico, na Universidade de Buenos Aires (UBA),
através da Cátedra La Ferla de Imagen y Sonido. De acordo com
Juan Anselmo Leguizamón, a vídeo-experimentação serviu para
que, enfim, o vídeo pudesse traçar uma trajetória que o
distanciasse da gramática visual do cinema. O vídeo foi utilizado
como campo de investigação formal e expressiva, assumindo um
forte caráter reflexivo, problematizando o conceito de interação
entre planos e rompendo com a pretensa unicidade de uma
narrativa audiovisual. Leguizamón defende, ainda, que tais
experimentações foram relevantes para a formação de um novo
hábito perceptual no campo do audiovisual, criando novos
paradigmas para se falar numa poética do audiovisual. Enquanto
isso, as relações entre experimentos artísticos com vídeo e a

16
cada vez mais próxima influência da linguagem publicitária
“mostravam suas garras”: ao mesmo tempo que o diretor Jean-
Luc Godard dirigia o clipe One Plus One, dos Rolling Stones, a
Coca-cola passava a adotar uma estética musical em seus
anúncios utilizando canções populares nos spots de TV.
A década de 70 chegou com a produção de um filme a
partir do concerto Live at Pompeii, do Pink Floyd e com o impulso
de vendas acarretado por um videoclipe: em 1975, depois de
inúmeras exibições do clipe Bohemian Rhapsody, dirigido por
Bruce Gowers para o Queen, no programa Tops of the Pops, da
BBC, o disco do grupo chegou ao topo de vendas – não
impulsionado pela execução nas rádios, mas sim, pela ostensiva
exibição do clipe na TV. Na mesma BBC, o programa The Kenny
Everett Vídeo Show passou a “concorrer” com o Tops of the
Pops, tendo início uma salutar disputa pela disponibilização dos
vídeos nos programas, que viria a culminar com a percepção da
necessidade de um canal que fosse uma espécie de “FM
televisiva” (termo empregado por Durá-Grimalt). Em 1981, o
serviço Nickelodeon do canal a cabo da Warner, que já exibia um
programa dedicado aos vídeos musicais chamado Popclips,
adquiriu a capacidade de exibição na TV em som estéreo, o que
proporciona um território propício à exibição de clipes vinte e
quatro horas por dia. Foi assim que, segundo J. Wyver, nasceu a
Music Television (MTV), que oficialmente começou a operar em
1º de agosto de 1981, tendo exibido como primeiro clipe, Video
Killed the Radio Star, do Buggles. É relevante citar que, no final
dos anos 70 e início dos 80, houve uma grande proliferação do
gênero musical no cinema norte-americano: American Graffiti
(1973), Os Embalos de Sábado à Noite (1977), Abba – O Filme
(1977), Grease – Nos Tempos da Brilhantina (1978), entre
outros.
Em 1983, o videoclipe adquiriu um novo status como
divulgador de um produto que não era o disco de um
determinado artista. Depois que Adrian Lyne finalizou seu então
novo filme Flashdance, o próprio diretor faz um clipe de três
minutos que serviu de “material de divulgação” da obra,
inaugurando, assim, uma nova técnica de mercado: promoção de
um filme “casada” com clipe, disco, livro, etc. Os anos 80 se
delineavam, assim, como profundamente importantes num

17
ordenamento das relações entre a indústria fonográfica,
cinematográfica e televisiva. Ainda em 1983, foi produzido o clipe
Thriller, dirigido por John Landis para canção de Michael
Jackson, que além de reforçar a independência da imagem sobre
a canção (o tempo de duração do vídeo é maior que o tempo de
duração da música), se tornou o mais vendido homevideo até
então. Em junho daquele ano, foi criado o American Video
Awards, uma premiação para clipes que serviria de “incentivo”
para acirrar ainda mais a disputa das redes de televisão pela
exclusividade do material exibido – fazendo com que a MTV
assinasse, inclusive, contrato de exclusividade com gravadoras
como a Sony. Em 1985, o vídeo musical passou a integrar um
projeto de ajuda internacional com o USA for Africa, que lançou o
especial We Are The World. A perspectiva mais “universal” da
MTV fez com que se criassem novas “praças” para a emissora.
Dessa forma, em 1987, teve início, com o clipe Money For
Nothing, do Dire Straits, as atividades da MTV Europa. Enquanto
isso, o cineasta Martin Scorsese (de Taxi Driver) dirigia Michael
Jackson no videoclipe Bad, mais uma aproximação entre a
indústria fonográfica e o cinema, que foi lançado oficialmente em
1988, com uma pré-estréia na rede CBS, como parte integrante
de um filme cujo título era Michael Jackson – The Legend
Continues.
No final dos anos 80 e início dos 90, começaram as
insinuações de censura na MTV. Artistas negros acusam a
emissora de racismo por exibir maciçamente vídeos de artistas
brancos. A MTV divulga nota refutando tais acusações,
explicando que “se tratava de uma conjuntura da própria indústria
fonográfica”. A emissora voltou a ser acusada de banir o clipe
This Note’s For You, dirigido por Julien Temple (do filme Absolute
Begginers), sobre canção de Neil Young, de sua programação.
Segundo Andrew Goodwin, o clipe (realmente) raramente era
exibido na programação. Em 1990, nova história de censura:
Madonna lançou o vídeo de Justify My Love, que foi proibido de
exibição (por seu teor erótico) tanto na MTV quanto na BBC.
Aproveitando-se da proibição, Madonna utilizou tal cerceamento
como estratégia de venda e comercializou o clipe em formato de

18
1
vídeo-single . A cantora viria utilizar a MTV nas suas estratégias
promocionais, ao dar um beijo na boca das cantoras Britney
Spears e Christina Aguilera, no Vídeo Music Awards 2003,
depois da baixa repercussão nos Estados Unidos de seu CD
American Life.
Foi em 1990 que a MTV Brasil iniciou suas atividades
exibindo como primeiro videoclipe Garota de Ipanema, na voz (e
imagem) de Marina Lima. A MTV Brasil, além de proporcionar a
disseminação do que podemos chamar de uma cultura
videoclíptica no País, veio fomentar a produção de clipes de
bandas nacionais. Artistas como Paralamas do Sucesso, Skank,
Titãs, Charlie Brown Jr., entre outros, cientes do potencial
mercadológico dos videoclipes, se “aproximam” a então
produtoras publicitárias para iniciar a disseminação de uma
cultura imagética do clipe. Espelhando-se no Video Music
Awards norte-americano, foi criado, em 1995, o Vídeo Music
Brasil (VMB), numa tentativa de “aquecer” a disputa entre clipes
nacionais “mais ousados e criativos”. Neste terreno, a
Conspiração acabou se destacando por seus inúmeros prêmios
no VMB. Em 1997, a MTV Brasil passou a “abrir” mais sua
programação (antes restrita a gêneros um tanto quanto mais
“cosmopolitas”: rock e pop, sobretudo), exibindo clipes de artistas
nacionais de pagode, axé music e sertanejo (gerando,
previsivelmente, uma polêmica na audiência). Desde então, a
MTV Brasil passou a investir também na criação de programas
da linha de talk shows ou entretenimento, que não trazem,
exclusivamente, videoclipes. Isso gera, mais uma vez, um
questionamento: estaria a MTV perdendo suas características
originais de emissora “oficial” dos videoclipes?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DURÁ-GRIMALT, Raul. Los videoclips – Precedentes, orígenes y


características. Valencia: Universidad Politécnica de
Valencia, 1988.

1 O vídeo-single seria um derivado do single – CD que vem com uma faixa que vai ser

“trabalhada” na divulgação do álbum nas rádios e, em geral, contém, além da comumente


referida “música de trabalho”, alguns remixes e versões inéditas.

19
GOODWIN, Andrew. Dancing in the Distraction Factory – Music
Television and Popular Culture. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1992.

LA FERLA, Jorge. El medio es el diseño. Buenos Aires:


Ediciones Universitarias UBA, 1996.

LANDI, Oscar. Devórame otra vez – Qué hizo la television con la


gente, qué hace la gente con la televisión. Buenos Aires:
Planeta, 1992.

LEGUIZAMÓN, Juan Anselmo. Videoclips – Una exploración en


torno a su estructuración formal y funcionamiento socio-
cultural. Santiago del Estero, 1997. 117 f. Tese. Faculdad
de Humanidades, Universidad Nacional de Santiago del
Estero.

MACHADO, Arlindo. A Arte do Vídeo. São Paulo: Brasiliense,


1988.

MACHADO, Arlindo (org.). Made in Brasil – Três décadas do


vídeo brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, 2003.

WEIBEL, Peter. Videos musicales: Del Vaudeville al Videoville.


Madrid: Telos, 1987.

WYVER, J. La imagen en movimiento. Valencia: Filmoteca


Generalitat Valenciana: 1992.

20
2. Videoclipe, o elogio da desarmonia

O videoclipe é um gênero televisivo tal qual as ficções


seriadas, os telejornais e as telenovelas. Quando tratamos de
gênero, precisamos destacar: algo deve estar categorizado num
gênero a partir de elementos de linguagem estabilizadores de
determinada categoria. Ou seja, quando lidamos com aspectos
estabilizadores de gênero, falamos em balizas, em noções que
norteiam determinada linguagem. Portanto, é comum, nos
pegarmos observando: “mas nem sempre é assim”. Procede:
nem sempre é assim. Mas, há certos balizamentos que nos
indicam o caminho de quase-sempre-é-assim. Estamos nos
apoiando, portanto, nos conceitos de gênero e na idéia do
“quase”. Trazendo à tona afirmativas de que “quase-sempre”
acontece dessa maneira.
Prosseguindo: por associar música, imagem e
2
montagem no encadeamento de imagens, o videoclipe acabou
se transformando num poderoso instrumental de divulgação de
artistas da música pop. A popularização do videoclipe deu-se,
sobretudo, nos anos 80 através da criação da Music Television, a
MTV – uma emissora de televisão primeiramente a cabo e depois
aberta dedicada a exibir ininterruptamente videoclipes. A própria
nomenclatura que define o videoclipe já nos apresenta uma
característica: a idéia de velocidade, de estruturas enxutas. A
princípio, o clipe foi chamado simplesmente de número musical.
Depois, receberia o nome de promo, numa alusão direta à
palavra “promocional”. Só a partir dos anos 80, chegaria
finalmente o termo videoclipe. Clipe, que significa recorte (de

2
O ritmo no videoclipe pode não vir expresso exclusivamente através da edição (montagem).
Há videoclipes como os da cantora Björk ou do grupo Massive Attack, por exemplo, que não
trazem “cortes”. Isto demonstra que o videoclipe é uma mídia extremamente plural, onde
diversas formas de linguagens se imbricam.

21
jornal, revista, por exemplo), pinça ou grampo, enfoca justamente
o lado comercial deste audiovisual.
Temos delineada uma primeira característica do
videoclipe: a noção de recorte, pinça ou grampo. As imagens que
ilustram o videoclipe são “amostras para vendagem”, portanto,
devem ter rápido “prazo de validade”. Consumir logo antes que
estrague, parece ser a norma. Além deste princípio, o de possuir
imagens rápidas e instantâneas, o videoclipe pode ser
caracterizado por uma noção de ritmo. O ritmo das imagens. Em
alguns momentos, o que vai se destacar no videoclipe não é
especificamente sua natureza fotográfica (imagética), mas sim,
uma relação de grafismo visual e rítmico.

“Muitas vezes, se critica o clipe por sua


montagem demasiado rápida, seus planos
de curtíssima duração e o encavalamento de
diversas tomadas dentro do mesmo quadro.
(...) As imagens do clipe têm sido tão
esmagadoramente contaminadas pelas suas
trilhas musicais que acaba sendo inevitável
sua conversão (...) numa calculada, rítmica e
energética evolução de formas no tempo.”
(Machado, 2001: 178)

Percebemos que estamos lidando com uma mídia


audiovisual constituída por imagens “pinçadas”, “recortadas” e
que estas imagens não precisam necessariamente “durar” na
tela. É a tônica de uma mídia galgada na velocidade das
imagens, naquilo que já nasce fadado a ter um fim. As imagens
videoclípticas são assim: fruto de um eterno devir. Elas parecem
feitas para serem “cortadas”, editadas, montadas, pós-
produzidas. Estamos lidando com a idéia da montagem, que teve
no cineasta russo Sergei Eisenstein, o seu maior entusiasta. É a
montagem, sua técnica e reverberação que escolhemos como
diretriz desta primeira reflexão acerca do videoclipe, como forma
de estabelecimento daquilo que chamamos de “elogio da
desarmonia” (para usarmos um termo do teórico Gillo Dorfles).
São as unidades constituintes do clipe, suas justaposições e

22
conflitos de planos que poderão gerar uma primeira inferência
acerca desta mídia.
Como atesta Jacques Aumont, “a montagem consiste em
três grandes operações: seleção, agrupamento e junção – sendo
a finalidade das três operações obter, a partir de elementos a
princípio separados, uma totalidade que é o filme.” (Aumont,
1995: 54). “Montemos” de forma justaposta esta assertiva de
Jacques Aumont a uma outra: “A justaposição de dois planos
deve assemelhar-se a um ‘ato de criação’: cada corte deve gerar
um conflito entre dois planos unidos, fazendo com que na mente
do espectador surja um terceiro conceito que será precisamente
aquilo que Eisenstein chama de imagem” (Leone; Mourão, 1987:
51).
Vejamos que as assertivas tratam de assuntos vizinhos:
se a primeira agrega uma noção de “união” de planos, do plano
como um elemento capaz de gerar um significado harmônico e
totalizante; a segunda refere-se a Eisenstein trazendo uma noção
de montagem como desmembramento, corte, ruptura, gerando
também um significado que pode ser totalizante, mas certamente
não será harmônico. O fim mantém-se: a concepção de algo que,
metonímico (a parte), chega ao todo. Mudam os meios: harmonia
versus desarmonia. Como estamos lidando com balizas de
gênero, ficamos com a desarmonia geradora, o conflito como
elemento pulsante da obra. Elegemos as forças internas da obra,
através da montagem, como os elementos capazes de fazer com
que o material artístico seja, substancialmente, fruto de um
“choque criativo”. Para Eisenstein, “o próprio pensamento lógico,
considerado como arte, apresenta um (...) mecanismo dinâmico”.
Ele continua:

“(...) a montagem é o meio de desdobrar o


pensamento por meio de partes filmadas
singulares. Mas, de meu ponto de vista, a
montagem não é um pensamento composto
de partes que se sucedem, e sim um
pensamento que nasce do choque de duas
partes, uma independente da outra (princípio
“dramático”). [grifos do autor]” (apud Alberta,
2002: 85)

23
A teoria de Eisenstein é marcadamente formalista na sua
concepção de entendimento do filme enquanto algo estrutural,
regido por forças. O próprio cineasta se atém com afinco a
identificar os pormenores constitutivos da obra cinematográfica,
resgatando assim o princípio do método da imanência textual (no
caso, aqui, o “texto cinematográfico”). O quadro fílmico, para
Eisenstein, é uma célula de montagem, uma molécula e a noção
de conflito vai estar no âmbito de sua articulação.

“O conflito dentro de uma tese (pensamento


abstrato)
formula-se na dialética do título,
forma-se espacialmente no conflito interno
do quadro, - e
explode, em intensidade crescente, na
montagem-conflito dos
intervalos entre os quadros. [grifos e
disposição do autor]” (apud Alberta, 2002:
89)

Sobre a noção de intervalo, de espaços entre quadros e


sobre a perspectiva do desvio na cultura contemporânea, Gillo
Dorfles observa que é preciso exaltar o desvio ou o intervalo
como realizadores de um novo valor expressivo. O conceito de
intervalo não deve ser tomado como pausa entre estímulos
sensoriais, mas a partir de uma idéia da presença de uma
possibilidade criativa renovada durante e após as pausas e as
interrupções. O mesmo procede para o conceito de desvio: não
deve ser encarado como interrupção ou afastamento de um
caminho mais tranqüilo,

“mas também [a partir] da idéia de renovação


e reelaboração, enfim tornada possível pela
brusca interrupção que terá tido lugar no
percurso habitual de um acontecimento
artístico. Ambos os fenômenos, por
conseguinte, tanto o intervalo quanto o
desvio, podem ser considerados como

24
promotores de nova e diferente possibilidade
inventiva.” (Dorfles, 1986: 90)

O videoclipe agrega, portanto, os conceitos de conflito


gerador de idéia, a partir dos estudos de semiótica russa de
Eisenstein, além de ocupar um lugar na esfera midiática como
um objeto marcadamente desarmônico. E é pelo fato de ser
desarmônico que o videoclipe rege tantas noções existentes na
sociedade contemporânea. Neste sentido, a desarmonia
existente no clipe é integradora de uma máxima da
contemporaneidade que, de alguma maneira, “exige” a existência
de forças criadoras que vão de encontro ao princípio estático da
regularidade. Como já havia atestado Renoir, “a única
possibilidade de manter o sabor da arte é inculcar nos artistas e
no público a importância da irregularidade. Irregularidade é a
base de qualquer arte”. Dessa forma, poderemos estabelecer um
diálogo dos escritos de Renoir, Eisenstein e Dorfles com os de
Vitor Chklovski no tocante à desautomatização da linguagem
como forma de instigar uma atitude reflexiva do leitor/espectador.
Chklovski em seu A Arte como Procedimento vai defender a
desautomatização a partir da dicotomia linguagem poética-
linguagem cotidiana, ressaltando que a linguagem poética
(desautomatizadora) “chama” pela atenção do espectador,
tirando-o de um “ser-aí” estático e convidando-o para um jogo de
linguagem. Adentramos, então, no terreno da desarmonia que “é
o resultado de uma desarticulação na integração das unidades
ou partes constitutivas do objeto, daquilo que é visto. Ela se
caracteriza pela apresentação de desvios, irregularidades e
desnivelamentos visuais, em partes ou no objeto como um todo”.
(Gomes Filho, 2002: 54)
Todo, partes, recortes, elementos que, juntos, formarão
um objeto, na maioria dos casos desarmônico (o videoclipe) –
como as relações artísticas na pós-modernidade. O que vai ser
relevante para se dar o efeito rítmico, em geral, “movimentador”
da desarmonia no videoclipe é a pouca duração da imagem na
tela e como esta imagem se articula com sua antecedente e
subseqüente, de forma a que venha expressa a noção de conflito
e estranhamento (desautomatização). O conceito de ritmo, no

25
videoclipe, traz agregado uma outra idéia que precisamos trazer
à tona: a descontinuidade.

“[No videoclipe] tudo muda na passagem de


um plano a outro: a indumentária dos
intérpretes, o lugar onde se ambienta a
canção, a luz que banha a cena, o suporte
material (filme ou vídeo de bitolas distintas) e
assim por diante. Os planos de um videoclipe
(...) são unidades mais ou menos
independentes, nas quais as idéias
tradicionais de sucessão e de linearidade já
não são mais determinantes, substituídas
que foram por conceitos mais flutuantes,
como os de fragmento e dispersão.”
(Machado, 2001: 180)

Falamos deste conjunto de imagens recortadas,


descontínuas e detentoras de ritmo, imagens que bailam, ou
melhor, pulsam (dependendo da cadência da música utilizada).
Tomemos como ponto de intersecção a existência de áreas de
convergência no que diz respeito à música, imagem e montagem
(edição) no que concerne ao videoclipe. A noção de
convergência situa estes três vetores de forças do videoclipe
como elementos que, ora poderão dialogar com congruência
conceitual, ora, hierarquicamente, poderão se sobrepor
conceitualmente a outro elemento. É interessante percebermos
que, no videoclipe, o entre-lugar das suas forças constituintes
poderão dizer ainda mais sobre sua estrutura que, propriamente,
tentar buscar uma “gaveta”, um local seguro para tais vetores de
forças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALBERTA, François. Eisenstein e o construtivismo russo. São


Paulo: Cosac & Naify, 2002.

AUMONT, Jacques et al. A estética do filme. Campinas: Papirus,


1995.

26
CARVALHO, Vânia. História, arte e indústria do videoclipe.
Recife, 1992. Monografia (Graduação em Comunicação
Social) – Departamento de Comunicação Social,
Universidade Federal de Pernambuco. 37 f.

CHKLOVSKI, Viktor. A arte como procedimento. In:


EIKHENBAUM et al. Teoria da literatura – formalistas
russos. Porto Alegre: Editora Globo, 1978. p. 39-56.

DORFLES, Gillo. O elogio da desarmonia. Lisboa: Edições 70,


2001.

EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Editor, 1990.

LEONE, Eduardo; MOURÃO, Maria Dora. Cinema e montagem.


São Paulo: Ática, 1987.

GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto. São Paulo: Escrituras,


2002.

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo:


Senac, 2001.

SCHNAIDERMAN, Boris. Prefácio. In: EIKHENBAUM et al.


Teoria da literatura – formalistas russos. Porto Alegre:
Editora Globo, 1978. p. IX-XXII.

TUDOR, Andrew. Teorias do cinema. São Paulo: Martins Fontes,


1999.

27
3. A construção das paisagens sonoras

É preciso compreender de que forma a música está


inserida na dinâmica do videoclipe. Como o elemento musical vai
dialogar com a imagem e com a edição. Afinal de contas, a
música é tanto o constituinte videoclíptico que evoca uma
espécie ou efeito de narrativa quanto responsável, de maneira
geral, pelo ritmo da montagem do vídeo. Se a canção apresenta-
se mais “rápida”, por exemplo, através de melodias eletrônicas e
batidas sincopadas, há uma tendência a que o videoclipe
também se referencie com uma edição “rápida”. O efeito
contrário, de um videoclipe de uma música mais lenta, também
implicará, de maneira geral, a que se tenha uma edição menos
frenética. Mais uma vez, é preciso relativizar: estamos tratando
de generalizações, tendências. Há videoclipes, sobretudo de
música eletrônica, que subvertem esta implicação: apresentam,
por exemplo, imagens não-editadas (e “lentas”, por exemplo)
com uma canção de batidas frenéticas.
A noção de edição também parece problemática no
videoclipe. A movimentação de câmera e as mobilidades dentro
de um mesmo plano também fornecem subsídios para a
apreensão de um efeito de montagem que se apresenta no clipe.
Como exemplo, podemos citar o clipe Bebendo Vinho, sobre
canção do grupo Ira!, que abarca o conceito de plano-seqüência
(tomada sem corte), mas cuja movimentação de câmera fornece
subsídios para se perceber um efeito de montagem tal qual, por
exemplo, há no filme Festim Diabólico, de Alfred Hitchcock, onde
as mudanças de ambientes evocam uma sensação de novos
quadros que se apresentam ao longo da narrativa. Devemos nos
remeter ao conceito de “efeito” de montagem, uma vez que se
torna praticamente impossível, com os inúmeros artifícios de
produção e pós-produção nas ilhas de edição, identificar até
onde, por exemplo, o que aparece no vídeo é gerado na edição

28
propriamente dita ou oriundo de efeitos especiais. Esta aparente
“confusão” fica evidenciada no videoclipe Imitation of Life, sobre
música do grupo REM, onde uma única imagem é aproximada-e-
afastada bruscamente, gerando um efeito de zoom sobre
determinada zona desta imagem. Assim, não fica claro, a olhos
leigos, se aquilo se trata de algo que é captado na câmera ou se
é um efeito de pós-produção. O mesmo efeito de edição, que
mais do que revelar limites de cortes entre determinadas cenas,
aponta elos entre as situações apresentadas, pode revelar um
“efeito” de plano-seqüência, como no vídeo Don’t Let Me Get Me,
protagonizado por Pink, onde a partir de visíveis efeitos
especiais, o espectador vivencia uma série de situações do
cotidiano da cantora-personagem sem que haja cortes entre as
cenas (a “câmera” passeia por determinados ambientes e realiza
estripulias visuais – como entrar no olho da própria cantora e a
cena seguinte estar “acontecendo” no fundo dos olhos da
personagem – dando uma nítida noção de que foram utilizados
efeitos especiais). O problemático no tocante à edição do
videoclipe é o fato de que dois conceitos coabitam o audiovisual:
tem-se, por exemplo, consciência de que se está diante de algo
produzido através de efeitos especiais, mas, ainda assim, fica
evidenciado o princípio do plano-seqüência ou do zoom (ou de
inúmeros outros conceitos de mobilidade de plano) no clipe.
Prova de que o videoclipe é uma mídia audiovisual
“escorregadia” em seus conceitos.
Retomando o princípio deste capítulo, iremos vislumbrar
relações existentes entre a música e a concepção do videoclipe a
partir não do conceito apenas de narrativa audiovisual, mas
tentando abarcar idéias que visam ampliar ainda mais as
relações existentes entre música e imagem. Para Jeder Janotti
Jr,

“o videoclipe carrega consigo as


possibilidades da fruição musical e da
imagem não como representação, mas como
uma associação de sensações
caleidoscópicas. A imagem assume o status
de impura (ou suja) se comparada à pureza
(ou limpeza) da sonoridade fora do

29
imbricamento imagético.” (Janotti Jr., 1995,
1)

O que Jeder Janotti Jr conceitua diz respeito ao fato de


que nem sempre, no videoclipe, as imagens dialogantes com a
música trazem uma “representação” daquilo que é “dito” na
canção. Tanto Janotti quanto Arlindo Machado apontam
conceitos que levam o videoclipe para o terreno da sinestesia, ou
seja, da sonoridade que evoca uma determinada referência
cromática ou conjunto de formas abstratas correlatas. Do grego,
a palavra sinestesia (sin + aisthesis) quer dizer reunião de
múltiplas sensações (ao invés, por exemplo, de anestesia, ou
“nenhuma sensação”). Quando tratamos de sinestesia no terreno
do audiovisual podemos chamar atenção para outros conceitos
que podem ajudar na percepção do videoclipe de forma mais
sistemática. O primeiro é o de paisagem sonora e o segundo, de
esferas de som.
A paisagem sonora configura-se num constituinte
sinestésico: é música coisificada em imagem, gerando um efeito
virtual de ouvir algo e “estar” na música. Ou, “estar” no som. O
conceito de paisagem sonora, por exemplo, ajuda a perceber
como se constroem as diegeses de alguns videoclipes. O ar
soturno presente em clipes do grupo inglês Portishead diz
respeito a uma construção de paisagem sonora que tem início na
própria audição da canção e passa pela idealização/construção
do videoclipe dentro de determinados parâmetros sonoros. Ao
mesmo tempo que os acordes da axé music apresentam uma
confluência de paisagem sonora eufórica, clara, diurna. O
conceito de paisagem sonora vai situar o videoclipe dentro de
uma ótica naturalmente imbricada com a própria origem da
canção. Esta paisagem sonora será coisificada, “implantada”,
construída a partir das noções de roteirização, direção de arte,
direção de fotografia, planejamento de planos e edição.
Dentro do conceito de paisagem sonora, podemos
encontrar ainda algumas subdivisões que acharão ressonância
no princípio de que a própria paisagem sonora é passível de
abarcar variações de sons que encontrarão reverberação na
planificação imagética do videoclipe. Ou seja, há casos em que o
efeito sinestésico pode se apresentar não como um constituinte

30
máximo na visualidade do videoclipe, mas revelando-se como um
detalhe na construção de alguns vídeos. É, então, que propomos
a visualização das esferas de som em alguns clipes, como
elementos que podem identificar uma referência sinestésica entre
a música e a imagem. Precisamos chamar atenção que estamos
tratando, por enquanto, das esferas do som e não ainda da
canção que, segundo classificou Edgar Morin, é quando o som
“encontra” a letra, partindo para uma nova articulação poética e
formulando, por isso, uma cadeia mais complexa de sentidos –
cadeia esta que vai se configurar exatamente na problemática de
abarcar definições mais “seguras” entre canção e imagem no
clipe.
Enquanto a criação de paisagens sonoras trata do
entorno, da inserção do espectador no ambiente do som, do
pórtico de entrada para o universo do artista da música pop, as
esferas do som partem para uma noção mais detalhada, mais
localizada deste ambiente. Numa perspectiva de desconstrução
semiótica do videoclipe, a paisagem sonora estaria articulada aos
cenários de enunciação do artista na música que ele escolhe
para se “transformar” em clipe, compondo, portanto, uma
referência icônico-simbólica para tal conjunto sígnico. Em se
tratando das esferas de som, por ser um vestígio, um elemento
colocado, sugerido, quase que preterido entre as inúmeras
superfícies de sons que se apresentam na música pop,
estabelecemos uma construção sígnica a partir do conceito de
índice. É comum assistirmos a clipes do recente movimento
chamado “new metal”, do qual apareceram bandas como Linkin
Park, Limp Bizkit ou Korn, onde o ambiente soturno do vídeo
(confluência da paisagem sonora originária da própria música)
ganha “estouros”, “pipocos”, tremulâncias de câmeras que
acabam sendo geradas a partir de superfícies de som que estão
quase “soterradas” pelas outras planícies de som “mais
audíveis”. Em alguns casos, pode-se construir uma relação direta
entre os elementos sinestésicos de detalhes evocados a partir
das esferas de som e a planificação de um ambiente sonoro
trazido à tona pelo conceito de paisagem sonora.
A revisão da disco music pelo grupo Dee Lite no
videoclipe Groove is in The Heart pode apresentar referências a
uma abordagem de paisagens sonoras e de esferas do som. A

31
própria disco music, com suas batidas espaçadas e configuração
lúdica com a múltipla utilização das funções do teclado, propõe
uma abordagem imagética mais “leve”, lúdica ou pueril. O que se
vê no clipe Groove is in The Heart, portanto, é a construção de
uma paisagem sonora a partir de elementos cíclicos, coloridos e
giratórios inseridos através da técnica do chromakey. As
inúmeras outras superfícies sonoras da música vão sendo
traduzidas através de uma série de movimentos cíclicos que
podem ser apresentados como sínteses do conceito de esferas
do som.
O clássico videoclipe Bohemian Rapsody, sobre canção
do Queen, também pode ser abordado a partir dos dois conceitos
que apresentamos: a paisagem sonora evocada pela música
transmite o efeito de construção de um ambiente propício ao eco,
como se houvesse uma reverberação na própria canção que
precisasse ser devidamente ambientada pelo audiovisual. A
criação de uma imagética caleidoscópica em Bohemian Rapsody
configura-se num ponto de abordagem entre o efeito sinestésico
e a proposição de um “local” onde a música seja “traduzida” em
imagens. As inúmeras esferas do som em Bohemian Rapsody
ganham contornos de uma espécie de “derrubada de dominós”
pelas imagens que vão aparecendo a partir de um efeito de
“fundo infinito” sobre a tela, de forma que quem está assistindo
ao videoclipe, parece estar diante de uma tela repleta de
espelhos e com um fundo infinito onde som e imagem se
encontram para gerar um efeito sinestésico.
Efeitos como o existente em Groove is in The Heart
(gerados em pós-produção) ou em Bohemian Rapsody (alguns
gerados na câmera, no momento de captação) apresentam a
perspectiva do efeito de câmera/edição como artefato capaz de
produzir a tensão sinestésica. No entanto, a paisagem sonora
pode ser, antes, um capricho de produção da direção de arte de
um videoclipe, como é o caso do vídeo Smells Like Teen Spirit,
sobre música do Nirvana, em que a distorção da guitarra da
música aliada a um vocal “gritado” por Kurt Cobain funcionam
como elementos capazes de buscar uma associação entre a
referência cromática quente (laranja/amarelo/vermelho) geradora
de uma paisagem sonora que, em muito, assemelha-se a uma
idealização do inferno. Como se não bastasse esta macabra

32
construção de ambientação, há ainda algumas esferas de som
que acabam “sujando” ainda mais a sonoridade da música.
Assim, da mesma forma que a música vai ficando cada vez mais
“suja” sonoramente, o videoclipe também ganha elementos de
sujeira conceitual: fumaça, fogo, quebra-quebra. A reverberação
da sonoridade na imagem cria, portanto, uma paisagem sonora
macabra e uma série de esferas de som que vão “sujando” mais
ainda a imagem. Som e imagem, portanto, viram um construto a
partir de idéias de paisagem sonora e de esferas de som.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BASBAUM, Sérgio Roclaw. Sinestesia, arte e tecnologia. São


Paulo: Annablume, 2002.

JANOTTI JR., Jeder. O videoclipe como forma de experiência


estética na comunicação contemporânea. Disponível em:
<http://www.sergiomattos.com.br> Acesso em: 26 de junho
de 2003.

33
4. Híbrido, transtemporal e neobarroco

Quando nos remetemos ao videoclipe, estamos tratando


de um conjunto de fenômenos de criação nos meios de
comunicação de massa angariados na idéia do hibridismo. Como
gênero televisual pós-moderno que é, o videoclipe agrega
conceitos que regem a teoria do cinema, abordagens da própria
natureza televisiva e ecos da retórica publicitária. Estes tópicos
estão reunidos sob a perspectiva de que, como atesta Arlindo
Machado, a especificidade da linguagem do vídeo talvez seja não
ter especificidade. Em outras palavras: se é possível estabilizar a
dinâmica das articulações na criação a partir do vídeo, este
sustentáculo é o do hibridismo.

“O vídeo é um sistema híbrido; ele opera


com códigos significantes distintos, parte
importados do cinema, parte importados do
teatro, da literatura, do rádio e, mais
modernamente, da computação gráfica, aos
quais acrescenta alguns recursos
expressivos específicos, alguns modos de
formar idéias ou sensações que lhe são
exclusivos.” (Machado, 1997: 190)

O que Arlindo Machado chama atenção é para o fato de


que só é possível falar em uma especificidade da linguagem do
vídeo a partir de uma nova forma de articular. Se André Bazin já
chamava o cinema de “linguagem impura” (pois agregava
códigos do teatro, da dança, da literatura, rearticulando-os), o
vídeo leva esta experiência ao extremo. Com a fácil mobilidade
das câmeras, o vídeo não só acelerou (ainda mais) o processo
de cognição do espectador, como impôs uma nova experiência

34
do ver em sintonia com distorções, recortes e limitações típicas
deste aparato técnico. Como observa Arlindo Machado,

“uma semiótica das formas videográficas


deve ser capaz de dar conta do fundamental
hibridismo do fenômeno de significação na
mídia eletrônica, da instabilidade de suas
formas e da diversidade de suas
experiências, sob pena de reduzir toda a
riqueza do meio a um conjunto de regras
esquemáticas e destituídas de qualquer
funcionalidade.” (Machado, 1997: 192)

Chamamos atenção, portanto, para a percepção da


esfera videográfica (onde se insere o videoclipe), para além de
um fenômeno formal, além, portanto, de uma estética
fragmentária, propondo a perspectiva de que o videoclipe é,
antes de tudo, um fenômeno cultural. Para Néstor Garcia
Canclini, o videoclipe é um elemento da contemporaneidade que
presentifica a hibridização cultural, provocando, sobretudo, uma
ruptura com o conjunto fixo de arte-culta-saber-folclore-espaço-
urbano. Junto às histórias em quadrinho, aos videogames, às
fitas cassetes e às fotocopiadoras, o videoclipe, ainda segundo
Canclini, seria responsável por uma não só não-hierarquização
dos fenômenos culturais, mas também por uma banalização dos
bens culturais simbólicos que se reconheciam “intocáveis”.
Nestes pressupostos de ruptura oriundos do cruzamento
entre o erudito, o popular e o massivo, abolindo suas fronteiras,
podemos perceber, a partir dos conceitos de Canclini, que o
videoclipe é um gênero televisual deliberadamente transtemporal,
ou seja, imagens promovem uma mescla de épocas distintas,
convivendo de uma forma marcadamente diegética. A
transtemporalidade no videoclipe promove, assim, a inserção de
referências de época, anulando uma suposta hierarquia do
passado sobre o presente. O presente é uma articulação entre
como este passado é visto e como o passado gostaria de ser
visto. A transtemporalidade tem a função de se articular às
formas narrativas presentes no videoclipe, propondo a junção do
antigo não só como reverência, mas, sobretudo, como

35
negociação do passado com o presente. A transtemporalidade
pode ser percebida em clipes que achatam a aparente distância
entre os conceitos que regem a criação deste gênero audiovisual.
Como, por exemplo, em Amor I Love You, onde a cantora Marisa
Monte vive uma história de época, com figurino e direção de arte
“históricos”, propondo uma negociação com o passado através
do conceito de requinte, classicismo e glamour. Parte da tradição
bárbara evocada na imagética dos grupos de heavy metal
também encontra ressonância no conceito de transtemporalidade
apontado por Canclini. Trata-se do deslocamento e da
convivência de tradições e, sobretudo, renovação de preceitos
simbólicos, que encontram uma nova forma de “atuar” na
contemporaneidade. O deslocamento de espaços e tempos para
uma nova dinâmica articulatória já foram propostas por artistas
plásticos como Duchamp e Margritte. Por isso, cabe questionar
de que forma a reorganização sígnica se insere no audiovisual e
como estão situados os quadros de negociação entre o que
insere e o que é inserido.
O hibridismo no videoclipe proclama também uma
espécie de estética da homenagem, inserindo, portanto, a
discussão do clipe na dinâmica dos conceitos de
intertextualidade e dialogismo postulados por Julia Kristeva e
Mikhail Bakhtin, respectivamente. Ora, se estamos falando sobre
um gênero cuja estabilidade se dá a partir do conceito de
hibridismo, propomos também a diluição do conceito de plágio,
do “que veio primeiro”, sendo cabível a idéia de que, em muitos
casos, não se sabe de onde partiram as idéias no audiovisual. O
videoclipe, nesta perspectiva, apresenta-se para ser “usufruído”
na sua efemeridade, sendo visto como algo que é dotado de uma
cultura do agora e onde certos preceitos da inserção de
elementos de linguagem funcionam como um catalisador daquilo
que podemos chamar – remetendo-nos a um conceito do filósofo
Antônio Cícero – do agoral. O agoral assim como a
contemporaneidade se configuram em pontos de vista. Dessa
forma, o videoclipe se localiza em algum lugar no agoral, a partir
da perspectiva de que este lugar de onde é enunciado o clipe
está em relação a outro (um passado ou um futuro), criando,
assim, novas instâncias articulatórias de linguagem. O videoclipe,

36
como já propôs Juan Anselmo Leguizamón, proclama o agora,
evidencia os desgastes da história do audiovisual.
Postulamos o videoclipe como um fenômeno tipicamente
pós-Pop Art, mesclando experiências cotidianas e formas
artísticas. Ao unir ferramentas de montagem de vanguardas
cinematográficas, cinema gráfico, videoarte e elementos
tipicamente surrealistas, notamos que o videoclipe aponta o
desejo por uma estética, talvez, galgada no êxtase da
superficialidade, remontando-nos a uma espécie de cultura do
escombo, da ruína e do desperdício, propondo, portanto, como já
advertiu Omar Calabrese, um prazer através da série, da
repetição, do gozo desta série e do mesmo. O mais do mesmo. O
clipe localiza-se naquilo que o próprio Calabrese pontua como
prazeres neobarrocos, evocando, assim, uma dinâmica das
fissuras do desejo pela completude, quando tudo que o clipe
pode oferecer é o incompleto, o corte, o rasgo. Neste sentido, é
melhor se remeter a Omar Calabrese, ao definir que o
neobarroco

“encontra-se na procura de formas – e na


sua valorização -, em que assistimos à perda
da integridade, da globalidade, da
sistematicidade ordenada em troca da
instabilidade, da polidimensionalidade, da
mutabilidade. É por isso que uma teoria
científica que diz respeito a fenômenos de
flutuação e turbulência, e um filme que
concerne a mutantes de ficção científica são
aparentados: porque cada âmbito fala de
uma orientação comum do gosto. Não se
descobriu a ordem do caos, não só por não
se poder fazê-lo, como, e principalmente,
porque interessa pouco.” (Calabrese, 1987:
10)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. Conflitos
multiculturais na globalização. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1997.

37
_____. Culturas híbridas. São Paulo: Edusp, 1998.

CALABRESE, Omar. A idade neobarroca. Lisboa: Edições 70,


1987.

MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas:


Papirus, 1997.

38
5. Bakhtin, gênero e MTV

Teórico social e literário russo, Mikhail Bakhtin é um dos


mais funcionais pensadores do século XX, sendo autor de
conceitos que envolvem desde a filosofia de linguagem,
passando pela psicanálise e chegando à crítica literária. Autor e
colaborador de obras como O Marxismo e A Filosofia da
Linguagem, O Freudismo: Uma Crítica Marxista e Questões de
Estética e de Literatura, os preceitos bakhtinianos, a partir da
emergência dos estudos que percebiam áreas de intersecção
entre a comunicação, a lingüística, a teoria da literatura e a
sociologia, passaram a ser largamente utilizados como
instrumentais/ferramentas de análise/compreensão dos objetos
comunicacionais. Categorias e termos criados por Mikhail Bakhtin
como “dialogismo”, “carnavalização” e “polifonia” apresentam
tantas nuances semânticas quanto aplicabilidades teóricas. É no
esteio das aberturas latentes na(s) teoria(s) bakhtiniana(s), que
propomos vislumbrar uma aproximação dos conceitos do
pensador russo com o videoclipe.
O primeiro ponto que faz com que os conceitos de
Bakhtin sejam funcionais no contato com o videoclipe é a noção
de gênero proposta pelo pensador russo. Tomando o postulado
de que pensar um gênero é, fundamentalmente, privilegiar uma
abstração, estabelecer parâmetros para a eleição de um princípio
que, mesmo não sendo o todo, representa este todo, criando
regularidades esquemáticas através de temas, retóricas e
enunciados, o gênero origina um tecido estável onde transitam
estas tramas de linguagens que encontram espaços de
intersecção. O gênero, para Bakhtin, é fruto de elaborações de
tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo, portanto, o
enunciado o reflexo das condições específicas e finalidades das
esferas de linguagem da atividade humana. Ou seja, temos um
enunciado a partir da seleção operada nos recursos de

39
linguagem, mas, também, e, sobretudo, na construção
composicional.

“Os três elementos (conteúdo temático, estilo


e construção composicional) fundem-se
indissoluvelmente no todo comunicacional e
todos eles são marcados pela especificidade
de uma esfera de comunicação. Qualquer
enunciado considerado isoladamente é,
claro, individual, mas cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos
relativamente estáveis de enunciados, sendo
isso que denominamos gêneros do discurso.”
(Bakhtin, 1997: 279)

O videoclipe configura-se num gênero audiovisual na


medida em que é possível identificar tipos relativamente estáveis
de enunciados (alta freqüência na edição, imagética com alto
poder de saturação cromática, presença do artista dublando a
canção, opção pela música pop, etc), no entanto, estamos
tratando de categorias relativamente estáveis. O que significa
destacar a palavra “relativamente” na medida em que há (e ainda
mais no videoclipe) alterações nestes enunciados de forma que o
gênero não seja descaracterizado. Poderíamos ficar tentados a
pensar que a diversidade de gêneros do discurso é tamanha que
não haveria terreno para seu estudo. Nosso desafio é justamente
adentrar a seara do gênero videoclíptico, percebendo que há
formas de perceber que, mesmo fluido e “escorregadio”, é
possível estabelecer parâmetros normativos para uma
abordagem acadêmica do fenômeno.
Como já assinalou Todorov, Mikhail Bakhtin oferece à
análise cultural uma visão unitária e transdisciplinar das ciências
humanas e da vida cultural, baseada na natureza textual comum
de seus materiais. A visão bakhtiniana de “texto”, como atesta
Robert Stam, se refere a todas as produções culturais enraizadas
na linguagem (e, para Bakhtin, não existe produção cultural fora
da linguagem), tendo o salutar efeito de derrubar os muros não
apenas entre os conceitos de cultura popular e de elite, mas,
também, entre texto e contexto. O “dentro” e o “fora” da

40
linguagem, para o pensador russo, são artificiais, uma vez que o
fluxo regular permite uma permeabilidade entre os dois. Assim, a
partir destes princípios bakhtinianos, podemos inferir: não é
possível pensar o videoclipe fora da esfera da Music Television
(MTV), do mesmo modo que não se pode pensar a MTV fora do
conceito da pós-modernidade.
Como atesta Andrew Goodwin, a estética do videoclipe
foi decisiva para que a MTV se inserisse na dinâmica do pós-
modernismo, anulando fronteiras entre o publicitário, o
jornalístico, o artístico. Através de uma suposta “anarquia” (é este
o termo utilizado pelo autor), tem-se configurada uma quebra de
fronteiras claras entre os gêneros televisivos, transformando a
MTV (uma emissora dedicada 24 horas à exibição de
videoclipes) num amálgama em que vinhetas se assemelham a
spots publicitários que se assemelham a videoclipes que se
assemelham a matérias jornalísticas. Esta aparente quebra de
fronteiras vem flagrar questões apontadas por Steven Connor e
David Harvey como espinhas dorsais do que viria a ser o
“modelo” pós-moderno: a crise de identidade, de historicidade e
de representação. Extinguem-se as formas puras e os
constituintes que se enquadram nesta visibilidade pós-moderna
acabam aderindo ao que André Bazin vem considerar como
3
“formas impuras” de artisticidade .
Esta crise que, numa assertiva mais ousada, vai clamar
pela “crise dos paradigmas”, leva-nos a perceber que as quebras
de fronteiras entre gêneros, estilos, a incorporação de sistemas
alheiros, diz respeito ao que Linda Hutcheon vai considerar como
uma “poética do pós-modernismo”, ou seja, o entendimento do
pós-moderno dentro da perspectiva das subjetividades
contemporâneas e o apontamento para uma nova sensibilidade
na assimilação dos textos culturais. Neste sentido, as “novas
sensibilidades” apontadas por Hutcheon funcionam como uma
forma de entender que os objetos artísticos criados ou regidos
pela dinâmica da contemporaneidade tendem a ser “acelerados”,
fragmentados, dispersos e descentralizados tanto pela influência
do capital de giro quanto pelo consumo capitalista. Estamos,

3
O teórico francês refere-se especificamente sobre o cinema. Pegamos emprestado o
conceito para trabalhar no âmbito do videoclipe.

41
portanto, apontando caminhos que nos conduzem a perceber
que os bens culturais (artes plásticas, teatro, cinema, literatura)
devem não somente se inserir na lógica cultural do capitalismo
tardio, para utilizarmos o termo criado por Fredric Jameson,
temendo serem “soterrados” pela própria dispersão gerada na
sociedade contemporânea, mas acabam sendo reflexo
(incorporando, ridicularizando, rompendo) com uma espécie de
subjetividade capitalista.
Produtos regidos por esta subjetividade capitalista
encontram um “ir adiante”, um “além” do expresso no próprio
produto, como coadunante com uma poética do capitalismo –
articulando clichês, simulacros, estética publicitária e
desterritorialização como uma forma de fomento artístico ou
comercial. Esta nossa observação

“faz parte de uma percepção de um quadro


em que os meios de comunicação de massa
se apresentam cada vez mais presentes no
cotidiano não podendo mais serem pensados
na esfera da reificação e da manipulação, o
que não implica numa despolitização, mas
ter um olhar a partir da compreensão de que
as experiências dos sujeitos
contemporâneos são indissociáveis da
cultura visual midiática, razão pela qual
podemos falar em narrativas que se
confrontam e dialogam.” (Lopes, 2003: 40)

Percebemos que a articulação entre o videoclipe e a


MTV faz parte de uma dinâmica que prevê que a linguagem está
ligada aos modos de produção e aos efeitos de sentido dos
meios de comunicação de massa. A estética do videoclipe é,
portanto, um meio para a percepção de que estamos diante de
um quadro sustentado por uma subjetividade capitalista.
Voltamos a Bakhtin para percebermos, no esteio da teoria
marxista, de que processos culturais são intimamente ligados a
relações sociais, onde a cultura imbrica as contradições da
sociedade. Compreender a concepção bakhtiniana de linguagem
constitui um veículo para entender redes mais complexas de

42
signos ideológicos, podendo perceber que, mais do que reflexo
da sociedade, os meios de comunicação de massa originam
novas subjetividades sociais.
É através deste princípio de existência de uma
subjetividade social que apontamos novos aspectos da obra de
Mikhail Bakhtin como fundamentais para o diálogo com os meios
de comunicação de massa, e mais especificamente, com o
videoclipe. Um dos termos criados pelo pensador russo é o de
“polifonia” que, desde já, apresenta-se interessante de ser
compartilhado com o audiovisual a partir da idéia de que o
polifônico é o de “vários sons”. Termo derivado da música, o
polifônico, para Bakhtin, formula uma referência à complexa
interação de vozes na obra de Dostoiévski e chama a atenção
para a coexistência, em situações textuais, de uma pluralidade
de vozes que não se funde numa consciência única, existindo
registros de que há o que Robert Stam vai chamar de
“dinamismo dialógico”. Num artigo chamado Mikhail Bakhtin e a
Crítica Cultural de Esquerda, Robert Stam, um dos mais
eloqüentes teóricos da relação existente, sobretudo, entre os
conceitos bakhtinianos e o cinema, chama a atenção para o fato
de que o termo polifonia implica, necessariamente, em
conseqüências políticas.

“Embora todas as culturas sejam polifônicas,


por incluírem sexos, profissões e grupos
etários distintos, algumas são marcantes por
sua polifonia étnica. A cultura-fonte
multiétnica de Bakhtin, existindo na
encruzilhada da Europa com a Ásia,
forneceu inúmeros exemplos de polifonia
cultural. Os países das Américas, no Novo
Mundo, similarmente, exibem uma miríade
de vozes culturais – a dos povos indígenas
(por mais oprimida e abafada que seja esta
voz), a dos afro-americanos (não importa
quão distorcida ou sufocada), e as das
comunidades judaica, italiana, hispânica e
asiática – cada uma das quais condensa, por
sua vez, uma multiplicidade de acentos

43
sociais relacionados com o sexo, a classe e
o lugar.” (Stam, 1996: 164)

Ora, grande parte da força das narrativas oriundas dos


países colonizados vai se originar justamente da sua capacidade
de encenar estes conflitos de vozes, percebendo, assim, uma
rearticulação nas formas outrora estanques destas narrativas.
Um exemplo clássico de como se articulam os princípios de
polifonia de Bakhtin e as narrativas (primeiramente literárias) diz
respeito ao livro Macunaíma, escrito em 1928 por Mário de
Andrade. “Orquestrando” palavras de origem indígena, africana e
européia, a linguagem do romance demonstra o material
sincrético resultante das trocas culturais na cultura brasileira.
Macunaíma é, em si, o epicentro das raízes culturais do Brasil. É
dentro deste fluxo de trocas simbólicas que se manifestam
através da linguagem que o conceito de polifonia bakhtiniano
pode ser interessante para “ler” algumas obras videoclípticas. Em
outras palavras: culturas polifônicas podem gerar obras galgadas
na orquestração de vozes em prol de um “ideal”. Esta “união de
forças” voltada a um princípio vai ser a força motriz do filme
Fama, de Alan Parker, onde jovens representantes de diversas
comunidades (negra, porto-riquenha, judaica e gay) promovem
uma certa busca por uma “utopia de expressão artística”. O
mesmo “engrossar de coro” de vozes pode ser visto no videoclipe
da música We Are The World, onde artistas (brancos e negros)
cantam em tom de louvação evangélica uma canção com o
intuito de ajudar vítimas da fome na África. As nuances
polifônicas no videoclipe podem adquirir status no esteio do
marketing a partir da configuração de que o propício da
“unificação utópica” é um dos alicerces do ideal da música pop
“consciente e responsável”. Por isso, videoclipes como Knocking
On Heaven’s Door, cantado pela roqueira teen Avril Lavigne, ou
séries de discos (e vídeos) com o selo da entidade Red Hot,
dedicadas a ajudar vítimas da Aids, se configuram um terreno
propício de uma materialidade da utopia presente na música pop:
a de que a música une, congrega, fortalece e salva. A música
pop e o videoclipe encontram-se articulados aos princípios de
polifonia bakhtiniano tanto da perspectiva de que se trata da
projeção de uma orquestração possível de “contrários” como no

44
fato de que, quando possível, esta “orquestração” pode agir em
prol de um projeto utópico.
O diálogo destas vozes polifônicas ganha, em alguns
casos, tom celebratório, como aponta Bakhtin, permitindo a
existência de um texto adicionador, tolerante e permissivo.
Sendo, então, o ato de troca verbal ou cultural, também, uma
atitude modificadora. A recente disseminação em maior escala
da cultura hip hop, nos Estados Unidos, vem flagrar questões
celebratórias sobretudo no videoclipe – principal veículo de
divulgação destes artistas. A polifonia tolerante ganha nuances
imagéticas, principalmente, através de clipes de artistas de
origem latina e integrados à indústria fonográfica norte-
americana. A cenografia do gueto, do subúrbio e da cultura de
rua destas localidades pode ser vislumbrada em clipes como All I
Have, protagonizado por Jennifer Lopez, Love at First Sight,
sobre canção de Mary J. Blidge ou Dilemma, com Nelly e Kelly
Rowlands. O bairro é um local apaziguador de vozes, palco da
encenação de histórias de amor que trazem como protagonistas,
em geral, mulheres latinas e negros do gueto. Interessante
perceber que, nestes ambientes, não há geração de conflitos,
sendo o gueto um local da celebração da diferença e da
unificação das vozes.
O princípio de orquestração destas vozes também é
incrementado por uma estética publicitária (de forte saturação
cromática, referenciais de figurino e direção de arte
assemelhando-se a editoriais de moda de revistas
especializadas), evocando que, no centro deste “paraíso
polifônico”, há espaço para o consumo. Carros, marcas de roupa,
tipos específicos de tênis, acessórios: cria-se um jogo de
referências a determinadas culturas que adentra ao terreno da
moda, buscando, sobretudo nos códigos gerados a partir da
roupa, uma noção de pertencimento a determinada “voz”, como
princípio identitário. O videoclipe I Want You, com a cantora
mexicana Thalia e o rapper Fat Joe, diz respeito a esta
articulação da polifonia adentrando ao terreno das codificações
da moda e da publicidade. A alegria de fazer parte do gueto e a
leveza no gestual da cantora confluem para a percepção de
espaços polifônicos celebradores das diferenças étnicas. Vale
ressaltar que, como artifício de marketing, a gestão do princípio

45
de polifonia de Bakhtin vai encontrar cada vez mais espaço no
concorrido mercado fonográfico norte-americano. É preciso
fazermos uma advertência: a polifonia não consiste num mero
aparecimento de um representante de um determinado grupo,
mas na elaboração de um cenário textual em que se promova a
orquestração das vozes e a integração entre elas.
Os vestígios de culturas inseridas numa dinâmica
polifônica aparecem em cenários, gestuais, vestimentas, formas
de se expressar, de falar. Em alguns momentos, a
simultaneidade harmônica das trocas culturais pode permitir o
embate de vozes que dizem respeito a sexo, classe ou lugar. No
caso do videoclipe Can’t Hold Us Down, com a cantora Christina
Aguilera e participação da rapper Lil’Kim, tem-se a configuração
de um ambiente polifônico, com a normatização da ação inserida
num gueto suburbano norte-americano e uma aparente
confluência harmônica da narrativa. Nos acordes iniciais da
canção e nas primeiras imagens do videoclipe, somos
“apresentados” ao lugar e aos personagens integrantes deste
ambiente: em meio a ruas tranqüilas, de muros pichados, há uma
série de afro-americanos e latinos desenvolvendo atividades de
lazer. Até que a cantora Christina Aguilera adentra o cenário e
recebe uma “passada de mão” nas nádegas. Começa a “discutir”
com o personagem que realizou tal ato e a letra da canção se
configura na indignação da personagem de Aguilera com tal ato.
Temos, portanto, delineado neste videoclipe, o princípio de
polifonia não mais agregador, pacífico, como projeto utópico e
idealista, mas conflituoso, em função de um sub-conflito de sexo
(o homem que “incita” a mulher), provocando uma reordenação
das vozes polifônicas.
A configuração polifônica em tom de um novo
arregimento para os conflitos na diegese do videoclipe ganha
saldo resolutivo no vídeo A Minha Alma (A Paz que Eu Não
Quero), do grupo O Rappa. A ambientação do clipe num domingo
numa favela carioca (quando, tradicionalmente, as pessoas
descem o morro em direção à praia) e o posterior embate entre a
polícia e os favelados situa o clipe não numa esfera de sub-
conflito de gênero (evocando uma problemática sexual), mas,
sim, a dinâmica um tanto hegemônica/contra-hegemônica no
domínio do morro e na política urbana carioca. A perspectiva é

46
ordenada contextualmente com referência a uma luta de classes
rearticulada ao cenário urbano carioca. Se é possível perceber
maneirismos estéticos na articulação entre vídeos que trazem o
conceito de polifonia em vozes pacificadoras (estética
publicitária, codificação da moda, etc), podemos inferir
referências semelhantes para clipes que apresentam esta
perspectiva mais “conflituosa”. No caso do vídeo A Minha Alma
(A Paz que Eu Não Quero), recursos estéticos como o uso da
câmera na mão ou a opção pelo registro em preto-e-branco
aproximam o audiovisual a uma modelização de linguagem
documental baseada na instantaneidade (a tremulância da
câmera) e uma suposta “seriedade social” do registro em preto-e-
branco. Ainda tentando refletir a respeito dos conceitos de vozes
mais conflituosos (e que têm como epicentro a terminologia de
Bakhtin), podemos vislumbrar que esta perspectiva presente no
videoclipe A Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero) é síntese de
uma estética cinematográfica brasileira do final da década de 90
e início do ano 2000, podendo ser aproximada a filmes como O
Invasor, Cidade de Deus e Carandiru. Estamos, talvez, tentando
encontrar objetos que conectem intersecções ao amplo conceito
bakhtiniano de polifonia.
Migrando de um esfera mais conflituosa para outra
essencialmente alegórica, partiremos para a manipulação e
articulação do conceito bakhtiniano de “carnaval” ao universo
videoclíptico. Bakhtin esboçou suas primeiras idéias sobre o
termo “carnaval” em Problemas da Poética de Dostoiévski, sendo
em Rabelais e Seu Mundo, que a noção ganhou nuances mais
claras e definidas. Para o pensador russo, o carnaval pode ser
definido como a transposição para a arte do espírito festivo
popular, oferecendo ao povo um ingresso numa esfera simbólica
de liberdade utópica. O termo foi criado como forma de
estabelecer parâmetros de reflexão sobre obras de escritores
como Rabelais, Shakespeare, Cervantes e Diderot, propondo
associações entre a cultura popular e o suposto “imaginário
utópico” existente nas obras de alguns autores. O carnaval,
portanto, expressaria esta “vida imaginária” do povo (uma
“segunda vida”, como nomeia Robert Stam), destruindo, ao
menos num campo simbólico, as hierarquias opressivas,

47
redistribuindo os papéis segundo uma lógica utópica. Trata-se da
criação de jogos lúdicos e críticos com os discursos oficiais.
É possível derivarmos e encontrarmos relações entre o
termo bakhtiniano e sua ressonância nas manifestações do
carnaval brasileiro, festividade que cristaliza o dinamismo de
culturas profundamente polifônicas. Para o antropólogo Roberto
da Matta, por exemplo, no carnaval do Brasil há uma celebração
coletiva entre o sagrado e o profano, onde indivíduos socialmente
marginalizados (pobres, negros, homossexuais) assumem o
centro simbólico da vida em sociedade. Assim, durante alguns
dias, o carnaval adentra a uma seara de permissividade social,
promovendo um impulso libertário de seu sistema simbólico,
subvertendo a hierarquia e criando um cenário de aparente
liberdade utópica. Voltando ao termo bakhtiniano, temos que
ressaltar ainda outros tópicos relacionados ao “carnaval” de
Bakhtin: a valorização do Eros e da força vital e a idéia de
subversão social e perspectiva contra-hegemônica do poder
estabelecido.
Tentaremos apreender outras formas de dizer o conceito:
o carnaval bakhtiniano seria uma espécie de cultura oposicionista
do oprimido, o mundo oficial visto “de cabeça para baixo” ou a
declaração do fim (ao menos por alguns dias) das estruturas
sociais opressivas. A efemeridade no carnaval, segundo Bakhtin,
vai fornecer subsídios a que pensemos o “evento” enquanto um
“tempo entre parênteses” ou um espaço localizado de trocas
simbólicas. É neste “tempo entre parênteses” que o favelado vira
rei na avenida Marquês de Sapucaí, a mulata é ressaltada nos
bailes de carnaval e o travesti atinge a sua glória efêmera. O
“tempo entre parênteses” permite que percebamos que o
carnaval não se transforma numa revolução, mas que
movimentos oposicionistas e revolucionários, em sua grande
maioria, podem adquirir aspectos carnavalescos.
Para chegarmos à relação que pode ser construída entre
o termo bakhtiniano de carnaval e o videoclipe, precisamos,
antes, pensar como o conceito pode ser articulado ao universo
das comédias musicais de Hollywood. Para Richard Dyer, as
comédias musicais hollywoodianas apresentam um mundo
utópico que se caracteriza pela energia (liberdade dos gestos,
efervescência da dança e dos movimentos), pela abundância

48
(excesso de informação visual, estética um tanto kitsch), pela
intensidade (teatralidade) e pela comunhão (perda do eu, gozo
coletivo), de forma que estes aspectos enumerados pelo autor
podem ser também vislumbrados em manifestações
carnavalescas. É possível, portanto, estabelecer formas de ver o
videoclipe como um espetáculo carnavalesco, quebrando as
fronteiras entre opressor e oprimido, favorecendo uma
negociação descentrada e franca das diferenças sociais.
Negociação esta “emoldurada” pelos princípios do prazer e do
pluralismo liberal, em que a própria luta acaba transformando-se
num espetáculo. Podemos traduzir alguns destes conceitos no
videoclipe She Works Hard For The Money, com a cantora
Donna Summer, onde percebemos a coreografia de diversos
tipos de trabalhos femininos, evocando a celebração da
solidariedade entre mulheres. A perspectiva, neste clipe, não é
de alienar o papel social da mulher, mas de promover um outro
viés de entendimento da inserção da mulher no mercado de
trabalho através da espetacularização deste cotidiano. Elementos
visuais que celebrem uma utopia multiétnica em que, por
exemplo, policiais, padres ou políticos deixem de lado sua
autoridade para dançar também podem ser inseridos numa
espécie de estética carnavalesca presente no videoclipe e que
aparece derivada dos conceitos de Bakhtin. Voltamos a afirmar
que a perspectiva de Bakhtin para o carnaval se adequa ao
videoclipe, pois cria no audiovisual um espaço de tolerância,
enaltecendo as diferenças e fazendo com que as margens
interroguem o centro de forma um tanto quanto “feliz” e
estetizada. Pensar alguns destes termos oriundos de Bakhtin,
tentando inseri-los nas articulações dos meios de comunicação
de massa é valorizar a realidade do prazer presente nos mass
media, reconhecendo até zonas limítrofes de condições de
alienação. Ou seja, é tentar entender que os meios de
comunicação de massa articulam a elaboração de uma lógica
social dos desejos pessoal e coletivo, desmistificando, talvez, a
idéia de que estruturas políticas e ideológicas apenas canalizam
nossos desejos para a opressividade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

49
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.

_____. Questões de Estética e de Literatura – A Teoria do


Romance. 5.ed. São Paulo: Editora Hucitec/Annablume,
2002.

BAKHTIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e Filosofia da


Linguagem. 8. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.

CONNOR, Steven. Cultura Pós-moderna. São Paulo: Edições


Loyola, 1999.

DYER, Richard. Entertainment and Utopia. In: ALTMAN, Rick


(org.). Genre: The Musical. London: RKP, 1981.

HARVEY, David. Condição Pós-moderna. 11. ed. São Paulo:


Edições Loyola, 2002.

HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-Modernismo: História,


Teoria, Ficção. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

JANOTTI, JR. Jeder. Aumenta que isso aí é rock and roll. Rio de
Janeiro: E-papers, 2003.

LOPES, Denilson. O homem que amava rapazes e outros


ensaios. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002.

STAM, Robert. Mikhail Bakhtin e a Crítica Cultural de Esquerda.


In: KAPLAN, E.Ann (org). O Mal-Estar no Pós-Modernismo
– Teorias, práticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1988. p. 149-184.

TODOROV, Tzvetan. Mikhail Bakhtin: The Dialogical Principle.


Minneapolis: Minnesota Press, 1984.

50
6. Atualizando as tipologias do videoclipe

O videoclipe é objeto de estudos de correntes teóricas da


contemporaneidade que enxergam nesta mídia, uma forma de
perceber tanto como estão regidas as regras que ditam a
estabilidade deste gênero televisivo, quanto o videoclipe
enquanto fenômeno social, abrindo possibilidades de enxergar,
através do clipe, ecos de comportamentos da juventude, da
sociabilidade, da sociedade urbana e da publicidade. Entre os
teóricos que já versaram sobre o videoclipe, dois ganham
destaque por situar o videoclipe no campo do conceito: os norte-
americanos Andrew Goodwin e E. Ann Kaplan. O primeiro, autor
de Dancing in the Distraction Factory, faz um longo apanhado
sobre o vídeo musical, remontando à tradição do cinema da
associação entre música e imagem a partir de O Cantor de Jazz,
estrelado por Al Jolson em 1927, “o primeiro filme falado do
cinema mundial”. Goodwin situa o videoclipe numa perspectiva
acadêmica, estabelecendo elos entre a estética videoclíptica (que
4
chegou a popularizar, posteriormente, a utilização do chromakey
na televisão) e o desenvolvimento da Music Television (a MTV).
Ainda para Goodwin, há uma tendência a se analisar o
videoclipe a partir de uma ótica formalista/estruturalista, já que os
meandros e artifícios estruturais dos clipes são sedutores e
extremamente bem articulados. O autor permite-se, inclusive,
repensar as estruturas de análise dos videoclipes, uma vez que
não cabe, segundo ele, encarar o videoclipe a partir de uma
diegese fechada e ficcional, mas, sim, na inserção deste gênero
televisivo no trânsito da música pop – em que ficção e realidade

4
Elemento visual bastante utilizado nos primórdios do videoclipe onde o artista é captado
(“gravado”) sobre um fundo infinito verde ou azul e, em seguida, outras imagens são inseridas
nesta área neutra. Videoclipes com chromakey: Groove is in the Heart, de Dee Lite; Fever, de
Madonna e, mais recentemente, Cara Estranho, do Los Hermanos.

51
se complementam, se negam e se interpenetram. O olhar que
Goodwin vai lançar sobre o videoclipe privilegia uma perspectiva
que encarna mecanismos de visualização do musical: através da
sinestesia, da evocação imagética a partir da canção, da dança e
da estetização gráfica videográfica. O videoclipe é um poderoso
instrumental para repensar as estratégias de incorporação
discursiva e de citação no audiovisual.
Já E.Ann Kaplan, em Rocking Around the Clock, lê o
videoclipe, na maioria dos casos, através da psicanálise de Freud
e Lacan, encontrando reverberação para suas observações em
posturas cênicas, atitudes e conceitos que permeiam o universo
videoclíptico. Kaplan, situada nos estudos de cinema e
feminismo, trata o videoclipe também como um território de
incorporação do modelo de cinema de Hollywood. Neste sentido,
o videoclipe faria, em alguns casos, a reprodução estrutural do
cinema norte-americano comercial, trazendo à tona uma série de
referências a gêneros ou a personagens destes filmes. É E.Ann
Kaplan que vai elencar algumas características estáveis do
videoclipe. Segundo a norte-americana, é possível reconhecer a
tipologia no videoclipe em cinco categorias (segundo temas e
conteúdos): a) romântico, b) socialmente consciente, c) niilista, d)
clássico, e) pós-moderno. Neste capítulo, vamos tomar a
liberdade de, a partir dos conceitos de Kaplan, ampliar a
discussão acerca das categorias propostas pela autora,
enxergando que, com as novas tecnologias e os incrementos de
linguagem do videoclipe, parte da abordagem de Kaplan mostra-
se obsoleta para os padrões da atual programação de clipes da
Music Television (MTV).
O vídeo romântico apóia-se na narrativa, em temas como
a perda ou o reencontro, ao lado de projeções de
relacionamentos “normais”. Descende do modelo de construção
de clichês da publicidade, através de uma estetização da vida
cotidiana relacionada às esferas afetivas. O vídeo romântico
seria, numa linhagem psicanalítica, localizado num ambiente pré-
edipiano, onde não há corrosão de relacionamentos, tudo soa
aparentemente inaugural, com personagens ainda pouco
moldados pelo social. Esta tipologia videoclíptica seria derivada
de uma ideologia típica do rock suave dos anos 60, com uma

52
certa inocência, aparente ar naif e simplicidade em cores,
iluminação e cenografia.
Nada parece estar fora do lugar ou tudo parece
longinquamente idílico, como no vídeo Hello, com o cantor Lionel
Ritchie, típico exemplar desta categoria, onde se tem uma
narrativa mostrando o relacionamento entre um homem e uma
mulher cega (remontando a temática homem-apaixona-se-por-
deficiente explorada pelo cinema comercial americano no
melodrama Filhos do Silêncio, com William Hurt). A ausência ou
a espera por um amor também podem ser encarados como
temas de vídeos românticos, como Time After Time, com Cyndi
Lauper. As figuras paternas, como em Papa Don’t Preach, a
partir de canção de Madonna, revelam o embate entre uma
garota que quer ter um bebê, mas esbarra na intransigência do
pai que não aceita seu romance.
E.Ann Kaplan elege também o vídeo socialmente
consciente como parte integrante de sua classificação. Segundo
a teórica, esta natureza videoclíptica pode mesclar elementos
narrativos ou não-narrativos, no entanto, é a postura ideológica
politicamente explícita que define o vídeo desta categoria: “o
vídeo socialmente consciente é, do ponto de vista de seu
enunciado, o que mais próximos nós temos da tradição moderna
da cultura de esquerda que, deliberadamente, se posiciona
contra a dominante burguesia da sociedade”. (Kaplan, 1987: 65)
É, portanto, um tipo de vídeo onde há um explícito
posicionamento contra as forças hegemônicas. Esteticamente,
como a própria Kaplan atesta, não aponta diretrizes muito
limítrofes acerca da opção pela narração ou não-narração. O que
parece estabilizar a categoria é, quase sempre, uma postura
agressiva do artista como reforço do discurso imagético
engendrado pelo videoclipe. Obras como Authority Song, com
John Cougar, Look Back in Anger, a partir de canção de John
Osborne ou Mother’s Talk, com o Tears for Fears podem ser
elencadas. Grupos musicais de tradição no discurso político
como os irlandeses do U2 (Sunday Bloody Sunday, Miss
Sarajevo) ou do Cranberries (Zombie) também possuem
videoclipes socialmente conscientes com características mais
poéticas. O Rage Against the Machine em seus clipes Bulls on
Parade e People of the Sun parecem deixar o discurso social e

53
político ainda mais verborrágico. No Brasil, bandas como O
Rappa, com seus videoclipes A Minha Alma (A Paz que Eu Não
Quero) e O Que Sobrou do Céu também se aproximam deste
conceito.
A categorização da americana E.Ann Kaplan segue com
os vídeos considerados niilistas, onde se mapeiam
características não-narrativas, acentuando uma mistura de temas
como sadismo, masoquismo, homossexualismo e androginia.
Numa comparação com os gêneros do rock, o vídeo niilista
estaria próximo do heavy metal, do punk ou do glam rock (onde
vocalistas do sexo masculino assumiam posturas/indumentária
femininas). Associando-se à linhagem temática freudiana de
E.Ann Kaplan, os clipes desta categoria teriam seus artistas,
personagens ou enredos engendrados na fase fálica. Elementos
de autoridade como o próprio niilismo (a crença de que nada tem
valor, o despojamento), a anarquia e a violência pontuariam este
tipo de audiovisual. É uma natureza imagética que, segundo
Kaplan, no clipe, vai buscar referências estéticas no
Expressionismo Alemão, a partir da composição de uma direção
de fotografia elaborada para gerar mistério, estranhamento, um
uso constante do efeito de luz-e-sombra e a encenação
privilegiando a ambigüidade da monstruosidade. Como aponta
Kaplan, “estes vídeos diferem dos românticos no agressivo uso
de câmera e edição, lentes grande angulares, tomadas de zoom
e rápida montagem”, como forma de exploração de uma energia
sexual contida. A questão do gênero neste videoclipe parece
apontar para um hibridismo entre o masculino e o feminino, ou,
como atesta a teórica, numa “sexualização alienígena”.
Não é difícil encontra exemplos de vídeos desta
natureza: Rebel Yell, com Billy Idol; Rock You Like a Hurricane,
sobre canção do Scorpions; Shot in The Dark, com Ozzy
Osbourne e, mais recentemente, MObscene, sobre música do
Marilyn Manson. A ambigüidade, por exemplo, no visual dos
integrantes do Scorpions, ou das maquiagens carregadas dos
integrantes do Kiss levam esta categoria do videoclipe a uma das
mais evidentes e, conseqüentemente, mais datadas. Há uma
mudança na relação de ambigüidade nos artistas que integram
seus vídeos na linhagem niilista: cada vez mais, o gênero
feminino integra-se ao masculino, promovendo uma co-habitação

54
que se assemelha ao travestismo. Da indefinição sexual na
performance do Ozzy Osbourne, passando pela teatralização do
feminino na postura de David Bowie, da androginia meio-
inocente-meio-rebelde do Placebo e chegando ao clímax do
feminino-bizarro na estética visual de Marylin Manson, o
videoclipe niilista criou bases para que artistas femininas também
bebessem da sua fonte.
O despojamento de Sinéad O’Connor no vídeo Nothing
Compares 2U, onde, sozinha, a cantora de visual careca, chora a
perda de um amor, situa-se em terreno niilista, pela atitude de
ausência de valoração através da não-estetização cenográfica e
pela postura andrógina da artista. Justify My Love, de Madonna,
contando com elementos antinarrativos e uma opção pela
androginia derivada de uma estética pós-nazista, além da atitude
sádica e voyeurística da personagem-cantora, apresenta uma
série de personagens também andróginos que funcionam como
“afrouxamento” da tensão narrativa. Entre as cantoras, é talvez a
islandesa Björk que tenha maior incidência de videoclipes niilistas
em sua obra. A violência corporal associada a uma androginia
expressionista em Big Time Sensuality, a robotização da
personagem em Hyperballad e All is Full of Love (este último,
acrescido de um ato sexual entre robôs), além de uma androginia
com toques de monstruosidade em Hunter e Hidden Place situam
o vídeo niilista apresentado por Björk na esfera da música
eletrônica – atualizando os conceitos desenvolvidos por Kaplan
para os “vídeos de rock”. Performances ao vivo, que podem vir
acrescidas de imagens “de fora” do palco, funcionam como um
elemento de demonstração das múltiplas facetas de um artista,
como no videoclipe Sing For The Moment, com o rapper Eminem,
em que o cantor aparece em vários momentos de sua turnê, em
vários países, demonstrando uma modulação na aparência do
artista, elevando-o a uma categorização amorfa.
Chegamos à categorização dos videoclipes clássicos,
segundo E.Ann Kaplan, em seu livro Rocking Around the Clock.
De acordo com a autora, “os vídeos clássicos, ora empregam a
estrutura característica de Hollywood do olhar masculino dirigido
voyeuristicamente para figuras femininas transformadas em
objetos de desejo por esse olhar”, ora “empregam ou parodiam
gêneros hollywoodianos como o terror, o suspense e a ficção

55
científica”. Na modelização clássica do videoclipe, voltamos
quase que completamente ao terreno dos vídeos narrativos: a
postura amorosa-sexual presente nos personagens dos clipes
chamam pelo fetichismo a partir do olhar do homem. A
autoridade é masculina, segundo Kaplan: ou seja, homem é
sujeito, mulher é objeto.
A incorporação de gêneros cinematográficos
hollywoodianos é a tônica do vídeo Thriller, com Michael
Jackson, um dos marcos da história do videoclipe, que trabalha a
configuração estético-narrativa do gênero terror-adolescente. Na
incorporação do gênero de ficção científica, há Shock the
Monkey, com Peter Gabriel ou Oops... I Did it Again, sobre
canção de Britney Spears. A transformação da mulher em objeto
de desejo a partir do olhar masculino vai encontrar dois exemplos
na videografia da cantora Madonna: os clipes Material Girl e
Open Your Heart. No primeiro, Madonna é cobiçada por um
diretor de cinema após ver uma performance da cantora cercada
por homens (numa referência à clássica cena Diamond Are Girl’s
Best Friend, de Marylin Monroe, em Os Homens Preferem as
Loiras); no segundo, a cantora interpreta uma dançarina de peep
5
show que é “olhada” por uma série de tipos físicos masculinos,
mas opta por ser “amiga” de uma criança. Nos dois vídeos, a
narrativa serve para negar a postura, a princípio, revelada pelo
olhar masculino: a de “garota materialista” ou “objeto sexual”. Em
Material Girl, há uma dupla referencialidade com a categoria de
videoclipe clássico: há tanto o olhar masculino voyeurístico sobre
a mulher (o personagem que fica observando a performance de
Marylin, o diretor que deseja a personagem de Madonna) quanto
a incorporação, com certo tom de paródia, do gênero comédia-
romântica-musical presente em Os Homens Preferem as Loiras –
citado imageticamente em Material Girl.
A quinta categoria de videoclipe a que se refere E.Ann
Kaplan é a do vídeo pós-moderno, ou seja, aquele que “recusa
em assumir uma posição clara diante de suas imagens, seu
hábito de margear a linha da não-comunicação de um significado
claro”. Temos, portanto, uma natureza de significação galgada

5
Clubes onde dançarinas fazem strip-tease ou sexo ao vivo sendo observadas por homens a
partir de cabines individuais.

56
em imagens que não alinhavam uma cadeia coerente, criando,
além de um efeito achatador, a recusa de uma posição clara para
o espectador. Tem-se, portanto, uma descentralização
discursiva, que talvez, impeça que o espectador perceba
tomadas de posições mais evidentes por parte do realizador. O
videoclipe pós-moderno também aponta para um reordenamento
do clichê, através da utilização do pastiche, da citação
“desterritorializada”, sem apontar elos com a coisa-citada. Há
uma característica presente neste tipo de videoclipe que é o
nonsense, o sem-sentido com toques cômicos, irônicos. Fazem
parte dos clipes pós-modernos aqueles também em que o fluxo
imagético parece soterrar de vez o fio narrativo, criando, assim,
uma associação, algumas vezes longe de formar um todo
combinatório, de recortes de imagens sem projeção rítmica,
criadas apenas para gerar um efeito sinestésico.
Um exemplo desta natureza de achatamento das
referências através do pastiche é o clipe Radio Ga Ga, com o
grupo Queen. Como observa E.Ann Kaplan, há referências desde
a Triunfo da Vontade, o polêmico documentário nazista de Leni
Riefenstahl até brincadeiras com a série de cinema Jornada nas
Estrelas e com o clássico filme de Fritz Lang, Metropolis.
Observa-se que há, neste vídeo, uma redimensionalização dos
conteúdos imagéticos, provocando no espectador uma aparente
confusão intertextual: o que Jornada nas Estrelas faz junto a
Triunfo da Vontade? É esta atitude, ou melhor, é a atitude de
aproximar conceitos inaproximáveis através do pastiche que vai
se configurar uma das características do videoclipe pós-moderno.
Por outro lado, há aqueles vídeos que negam completamente a
referencialidade narrativa ou intertextual e são, em si, apenas
fluxos de imagens desconexas cuja função é gerar um efeito
sinestésico em que assiste. Uma série de experiências
videoclípticas feitas pelo cineasta Derek Jarman para o grupo
inglês The Smiths parecem se enquadrar nesta normatização. Os
clipes das músicas The Queen is Dead, There is a Light that
Never Goes Out e Panic, dirigidos por Jarman, em alguns
momentos são somente sinestesia (coisificação imagética do
som), gerando uma ausência de narrativa que insere o
espectador na “viagem” visionária do realizador. Imagens soltas

57
de rosas, tochas de fogo, rostos, vão surgindo e criando um
amálgama de sensações de que o som foi petrificado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
GOODWIN, Andrew. Dancing in the Distraction Factory – Music
Television and Popular Culture. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1992.

KAPLAN, E.Ann. Rocking Around the Clock – Music Television,


postmodernism & consumer culture. Nova Iorque/Londres:
Methuen, 1987.

_____. Feminismo/Édipo/Pós-modernismo: O Caso da MTV. In:


_____. O Mal-Estar no Pós-Modernismo – Teorias,
práticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. p. 45-
63.

58
7. Pressupostos do estilo em videoclipe

O videoclipe que, em tese, nos interessa trazer à tona


nesta publicação é o massivo. Aquele em que o nível de
produção e difusão é articulado às grandes redes de
entretenimento, marco da indústria fonográfica, enfim, um
produto que existe porque é consumido. Consumido como um
bem articulado a artistas da música pop, tendo como alvo,
principalmente, o público jovem. É como marco integrante do que
podemos chamar de cultura juvenil que o videoclipe se insere:
sua vitalidade depende, essencialmente, dos mecanismos de
consumo deste público, sendo, assim, um texto audiovisual que
vai, em grande parte, inserir elementos de outras estratificações
culturais, no âmbito da cultura jovem. Sendo produto audiovisual
contemporâneo, o videoclipe é parte de um processo histórico
dinâmico, onde produtores e consumidores “se encontram” no
meio e, também, de onde partem definições acerca dos usos do
clipe. De forma que a existência do videoclipe pressupõe uma
configuração estrutural e de uso, compreendendo uma lógica de
produção, dentro de uma escala de circulação e de consumo.
Podemos falar, portanto, de uma existência social dinâmica dos
videoclipes.
Esta existência social dinâmica parece articular dois
segmentos da comunicação de uma maneira bastante peculiar: o
cinema e a publicidade. Do cinema, o videoclipe irmanou-se de
uma configuração de linguagem que pode partir de analogias a
escolas e movimentos de vanguarda, passando por “ousadias”
técnicas e principal manancial de citações, chegando a uma
estruturação narrativa concentrada – peculiar da linguagem do
curta-metragem, por exemplo. Da publicidade, o clipe bebe da
fonte dos maneirismos estéticos típicos dos produtos
audiovisuais feitos para o consumo, compreendendo uma
produção que “já pensa” no destino final daquele produto: o

59
mercado. Comecemos percebendo como as relações entre
videoclipe e cinema estão imbricadas.
A produção de videoclipes virou uma das maiores vitrines
de trabalhos para cineastas de todo o mundo. Podemos perceber
uma profícua troca entre aqueles que fazem filmes e produtoras
que se destinam à produção de clipes – e vice-versa. Não é de
hoje que a produção de clipes funciona como escola para
diretores (Jake Scott, de Plunkett & Macleane, e Mark Pellington,
de Arlington Road, começaram fazendo vinhetas na MTV
americana dos anos 80), mas hoje a penetração deles no mundo
do cinema e dos comerciais é muito maior, caracterizando a
atividade como um “tubo de ensaio” para carreiras cada vez mais
promissoras. Dirigir videoclipes pode fazer com que o profissional
trabalhe em condições, em geral, mais desfavoráveis que no
cinema e na publicidade e com o fator-tempo também mais
“enxuto”. Orçamentos para videoclipes (que dependem do capital
das gravadoras) estão exigindo cada vez mais criatividade e
ousadia que, propriamente, gastos vultuosos com produção.
O mundo do hip hop, nos Estados Unidos, é um dos mais
promissores do mercado. Foi dirigindo nomes como Busta
Rhymes, Puff Daddy e Nas, que o diretor Hype Williams se
firmou como um dos mais poderosos e influentes diretores de
clipes dos EUA. Hype Williams acaba de iniciar uma promissora
carreira em Hollywood com o filme Belly, demonstrando que
profissionais que começaram na indústria da música estão, hoje,
oscilando entre a publicidade e o cinema – fazendo a ponte entre
a “verba” e a “arte”. A revista americana The Source divulgou, em
2002, uma lista com os mais poderosos diretores de comerciais
do mercado norte-americano. Boa parte deles tem videoclipes no
currículo. É o caso de Spike Jonze, que aparece no segundo
lugar: além de ter feito inúmeros vídeos de skate (experiência
mais galgada na videoarte), dirigiu premiados clipes de Björk (It’s
Oh So Quiet), Fatboy Slim (Weapon of Choice), Daft Punk (Da
Funk) e Beastie Boys (Sabotage). A cooperativa sueca de
criação Traktor, que está na quarta posição da lista, tem sido
premiada sucessivamente em Cannes e também por vídeos de
artistas como Basement Jaxx e Fatboy Slim. Um dos recentes
exemplares desta cooperativa foi o clipe Die Another Day, de
Madonna. O casal Valerie Faris e Jonathan Dayton, que nos

60
anos 90 ficou conhecido por premiados clipes do Smashing
Pumpkins e do Red Hot Chili Peppers, hoje é responsável por
bem-sucedidas campanhas de clientes que vão da MTV à
Volkswagen. Roman Copolla, que, apesar do sobrenome famoso,
ficou conhecido por clipes de bandas como The Strokes e The
Vines, teve seu primeiro longa-metragem, CQ, elogiado pelas
críticas européia e americana. Também fazendo carreira no
cinema estão Michel Gondry, conhecido por clipes de Björk,
Radiohead e Sinéad O’Connor, e Tarsem, diretor de Losing My
Religion, do R.E.M., que chamou atenção com o filme A Cela,
com Jennifer Lopez.
Vamos nos ater ao trabalho de Michel Gondry, um diretor
de clipes que provocou uma salutar “pequena revolução” no
conceito de vídeos musicais e, por extensão, no audiovisual.
Michel Gondry é autor de produções que desafiam a lógica. É
dele, por exemplo, o clipe de Human Behaviour, de Björk, em que
a cantora passeia por uma floresta onírica de contos (e
pesadelos) infantis tomada por efeitos de animação gráfica e
bonecos -como um urso de pelúcia gigante. Em Fell in Love with
a Girl, também dirigido por Gondry, a dupla The White Stripes é
recriada em pecinhas de Lego. Gondry foi um dos responsáveis
para a sedimentação da idéia de que os clipes não devem seguir
apenas o padrão de "câmera centralizada no artista fazendo
playback", passando a investir em outras linguagens e
tecnologias, prontos para "inspirar" inúmeros diretores, da
publicidade ao cinema. De posse de aparato tecnológico, é de
Michel Gondry a criação do efeito "bullet time" – igual à
"paradinha no ar" de Matrix-, que o diretor inseriu num comercial
da Smirnoff no ano de 1996. Logicamente, que todo mundo
achou que Gondry “copiou” tal cena de Matrix. Estamos falando,
portanto, não só do videoclipe “bebendo” na fonte do cinema,
mas o cinema “sendo inspirado” pelo clipe.
É óbvio que videoclipes ainda são vistos mais como
spots publicitários do que como “pílulas cinematográficas”. No
entanto, é bastante perceptível atualmente a dupla-via de
influências: cinema como videoclipe, videoclipe como cinema. A
obra de Michel Gondry é uma espécie de retomada do estado de
pureza original do cinema, se lembrarmos que essa arte é, em
princípio, uma seqüência de ilusões para contar uma história.

61
Nos vídeos para Let Forever Be (Chemical Brothers), Come into
My World (Kylie Minogue) ou The Hardest Button to Button
(White Stripes), Gondry usa alta tecnologia com "cara" de
trucagens primitivas, que remetem a técnicas como o uso de
espelhos para emular imagens caleidoscópicas e seriais, ou stop-
motion - recurso usado em animação de bonecos, aqui aplicada
em pessoas -, entre outros. Em comum, conceitos de histórias
dentro de histórias. O francês faz parte da mesma turma de
Spike Jonze e Charlie Kaufman (respectivamente diretor e
roteirista de Quero Ser John Malkovich), mas ainda não achou
seu “lugar ao sol” no cinema. Após sua estréia, a comédia
Human Nature, com Tim Robbins, fez Eternal Sunshine of the
Spotless Mind (O Eterno Brilho do Sol na Mente sem Mancha),
com Jim Carrey e roteiro de Kaufman.
A obra videoclíptica de Michel Gondry está articulada a
de outro diretor de clipes/filmes não só do ponto de vista
situacional (ambos são profissionais do videoclipe que migraram
para o cinema), mas também a partir de intersecções estéticas.
Precisamos trazer à tona, além da obra de Michel Gondry, a de
outro diretor de clipes, o já citado Spike Jonze. Tanto Gondry
quanto Spike Jonze parecem criar uma estética nonsense para
sua obra videoclíptica, gerando assim, um fator que dispensa a
narrativa e leva o significado contido na diegese audiovisual para
além do visualmente exposto. O estética nonsense (que poderia
ser traduzida, grosseiramente, como “sem sentido”) conta com
aparatos visuais que remetem a uma trama simbólica dos
elementos encenados, quase sempre, pendendo para uma
sensação extrema - de riso, de drama, de terror. No caso dos
videoclipes tanto de Gondry quanto de Spike Jonze, há uma
premente atmosfera nonsense, levando o espectador a indagar o
que está sendo mostrado no vídeo. Se em Human Behaviour
(dirigido por Gondry), somos apresentados a uma Björk
transitando por uma floresta cheia de referências infantis e sendo
perseguida por um urso de pelúcia gigante, em Da Funk (dirigido
por Spike Jonze), um aparente boneco em forma de cachorro
ganha vida nas ruas, pedindo esmola, pegando ônibus,
comprando no camelô como se fosse um transeunte qualquer –
mesmo sendo um cachorro!

62
A completa dissociação entre a letra da música e aquilo
que visualmente está sendo mostrado também pode ser
caracterizada como uma amostragem do que chamamos de
estética nonsense no videoclipe. Se Michel Gondry opta por
utilizar uma estética pueril na concepção de Fell in Love With a
Girl, do The White Stripes, criando uma relação arbitrária entre o
que é dito na letra da canção e efetivamente o que é mostrado
(os integrantes da banda como se fossem bonecos de Lego);
Spike Jonze leva esta experiência ao extremo em Electrobank,
do Chemical Brothers, em que estabelece uma conexão entre as
batidas sincopadas da música eletrônica e a leveza de uma
apresentação de solo em ginástica olímpica. Aparentemente, não
há qualquer conexão entre as batidas da música e o bailar da
ginasta. Ao longo do videoclipe, somos induzidos a perceber uma
articulação entre as batidas da música do Chemical Brothers e as
quedas da atleta em cena. O nonsense em Spike Jonze
perpassa também a vídeo-experiência, como no clipe Praise You,
de Fatboy Slim, dirigido pelo próprio Jonze, em que o realizador
capta a desconfiança de transeuntes (provavelmente) de um
shopping, diante de uma performance de live theater. A
percepção da estruturação de determinados videoclipes e a
recorrência de maneirismos estéticos pode nos inferir a perceber
que é possível levantar hipóteses sobre uma certa autoralidade
no terreno do videoclipe. A noção autoral de determinados
diretores vai estar associada ao estilo que seria

“indissociavelmente vinculado a unidades


temáticas determinadas e, o que é
particularmente importante, a unidades
composicionais: tipo de estruturação e de
conclusão de um todo. (...) O estilo entra
como elemento na unidade de gênero de um
enunciado.” (Bakhtin, 1997: 284)

É importante ressaltarmos que a estilística no videoclipe


se dá dentro de um determinado contexto, atrelada a um já
anterior estabelecimento do próprio gênero, não sendo, com isso,
uma criação autônoma e dissociada. Os elementos que
constituem o estilo de um determinado diretor não se limitam a

63
modificar a ressonância deste próprio estilo num determinado
gênero, que passa a se renovar e se articular a outras dinâmicas
de estabilidade.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins


Fontes, 1997.

64
8. O “artístico” e o “comercial”: um amálgama

Pretendemos não somente discutir a estética do


videoclipe a partir de tópicos comparativos, mas também,
perceber que as linhas que regem a produção e o consumo do
videoclipe vão além de pressupostos que ditam o fato de que há
fronteiras bem definidas nos conceitos que regem a relação entre
videoclipe-cinema-e-publicidade. Vejamos: é senso comum, ouvir
assertivas que situam um certo videoclipe mais “comercial” e
outro mais “artístico”. Ora, Backstreet Boys, Britney Spears, KLB,
Rouge protagonizam videoclipes mais “comericiais”. The Strokes,
The White Stripes, Los Hermanos e Arnaldo Antunes trazem
vídeos mais “artísticos”. Esta abordagem entre o “comercial” e o
“artístico” no videoclipe parece nos remontar ao que propomos
anteriormente: uma discussão de como o clipe está articulado
tanto à publicidade quanto à linguagem cinematográfica. Neste
sentido, por exemplo, seria estanque e pouco profícua a idéia de
que artistas ditos “alternativos” produziriam videoclipes, também,
“alternativos”. Não entremos na seara de discutir o conceito de
“alternativo”, mas, a mesma divisão feita entre o “comercial” e o
“artístico” no videoclipe pode ser ampliada para o conceito de
que o “comercial” é, também, mainstream, central, epicentro, e o
“artístico” seria, portanto, o “alternativo”, o “à margem”, o
periférico. Não sejamos tão bipolarizados.
A contemporaneidade prevê uma maleabilidade
conceitual que nos leve a perceber que não podemos (nem
devemos) traçar fronteiras/linhas divisórias marcadas para
elementos dotados do dinamismo das esferas de consumo.
Propomos, portanto, uma quebra destes marcos limítrofes entre o
comercial e o artístico, o centro e a periferia, o mainstream e o
alternativo. Não devemos tratar estes conceitos (que sabemos
ser profundamente cambaleantes, efêmeros e transitórios) a
partir de marcos rígidos. Hoje, os núcleos de produção massiva
de clipes (e aí, destacamos diretores e produtoras) estão

65
inseridos na dinâmica do marketing das grandes gravadoras
(agentes financiadores dos videoclipes), sendo, por isso, um
veículo de associação entre a tônica musical e a imagética, entre
o artista e o conceito que se faz deste artista. O videoclipe é este
meio de criação de um conceito de um determinado artista da
música pop e, em função disso, temos que considerar que, mais
do que preceitos de ordem “artística” ou “comercial”, tais
conceitos habitam uma esfera de consumo. Ou seja, se existem
aplicabilidades para os termos “artístico” e “comercial”, tais
terminologias conceituais estão articuladas ao que podem gerar
enquanto consumo. Em outras palavras: tanto o “artístico” quanto
o “comercial” se remontam às lógicas do capitalismo, que
determinam o direcionamento de certos artistas da música pop
dentro da indústria fonográfica.
Os exemplos clareiam nossas hipóteses. Artistas, em
tese, mais “comerciais”, como Kylie Minogue, por exemplo,
deveriam executar (através de uma lógica estanque e bipolar)
apenas videoclipes mais “publicitários”, mais mainstream. No
entanto, Kylie Minogue teve um de seus vídeos, o já citado Come
into My World, dirigido por Michel Gondry, em tese, um diretor de
clipes mais “alternativos”. O detalhe é que entre os artistas para
quem Gondry já criou videoclipes estão Björk, Chemical Brothers
e The White Stripes – que, também numa dinâmica bipolar,
estariam longe da esfera “comercial” e “publicitária” de Kylie
Minogue. Precisamos perceber que o videoclipe pode
arregimentar aquilo que chamamos de metafísica da imagética
publicitária. Ou seja, o clipe tem o poder de gerar o conceito
acerca do produto (no caso, o artista de música pop) e, deixando
a bipolaridade conceitual de lado, podemos perceber que aquilo
que rege os extremos entre o “artístico” e o “conceitual” são
sumariamente amalgamados. Portanto, dentro das estratégias de
marketing e promoção das gravadoras, é preciso perceber de
que maneira é mais interessante que o artista apareça: se mais
“publicitário”, se mais “artístico” (confesso que os termos podem
até não ser os mais apropriados, mas funcionam,
momentaneamente).
A relação por demais próxima que o videoclipe
estabelece com os elementos de linguagem publicitária fornece
subsídios para que pensemos que, mesmo o clipe que se irmana

66
de uma estética mais próxima da vídeo-experiência ou da
videoarte, traz, em si, uma noção de objeto de consumo, de um
produto imagético que vai se configurar num construto da obra de
determinado artista. Entendemos que o quadro contemporâneo
fornece as janelas para que se ampliem as relações entre
determinados artistas da música pop e a imagem “de consumo”
destas pessoas para com um público-alvo. A subjetividade
capitalista estará sendo regente da existência do objeto dentro da
dinâmica contemporânea. Recorremos ao aspecto que nos tira
da estrutura, que nos leva para além do elemento posto nas
obras. Vamos nos encaminhar para o terreno do simbólico
porque, segundo conceitos de Lucia Santaella e Winfried Nöth,

“é por força de uma idéia na mente do


usuário que o símbolo se relaciona com seu
objeto. Ele não está ligado àquilo que
representa através de alguma similaridade
(caso do ícone), nem por conexão causal,
fatual, física, concreta (caso do índice). A
relação entre o símbolo e seu objeto se dá
através de uma mediação, normalmente uma
associação de idéias que opera de modo a
fazer com que o símbolo seja interpretado
como se referindo àquele objeto.” (Santaella,
2001: 63)

O terreno do simbólico, como atestam Santaella e Nöth,


vai estar ligado a uma relação entre símbolo e objeto de forma a
que a operação de reconhecimento do simbólico seja efetivada.
Em outras palavras, o simbólico situa-se num território de
mediações, mais especificamente, de associações de idéias
correlatas. Para entendermos mais claramente como se dá a
associação neste âmbito, de forma que esta relação não seja
entendida, apenas, como algo de similaridade ou conexão
física/causal, precisamos nos remontar ao conceito de legi-signo,
termo batizado por Pierce. O legi-signo seria “uma regra que
determinará que [o símbolo] seja interpretado como se referindo
a um dado objeto”. Estes conceitos parecem nos fornecer
instrumentos para que pensemos que os videoclipes são

67
detentores de uma confluência simbólica, de uma subjetividade
oriunda do sistema capitalista que precisa articular elementos
existentes no seio da sociedade de consumo – sejam estes
elementos de ordem mais “artística” ou mais “comercial”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DURAND, Jacques. Retórica e Imagem Publicitária. In: METZ,


Christian et al. A Análise das Imagens. Rio de Janeiro:
Vozes, 1973. p. 19-59.

GUIMARÃES, César Geraldo. Para não ceder à destruição atual.


In: RUBIM, Antônio Albino C.; BENTZ, Ione Maria G.;
PINTO, Milton José (orgs.). Produção e recepção dos
sentidos midiáticos. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

JAMESON, Fredric. O Pós-modernismo e a sociedade de


consumo. In: KAPLAN, E.Ann (org). O Mal-Estar no Pós-
Modernismo – Teorias, práticas. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1988. p. 25-44.

PÉNINOU, Georges. Física e Metafísica da Imagem Publicitária.


In: METZ, Christian et al. A Análise das Imagens. Rio de
Janeiro: Vozes, 1973. p. 60-81.

SANTAELLA, Lucia. Imagem – Cognição, Semiótica, Mídia.


Iluminuras: São Paulo, 2001.

68
9. Experiência brasileira: a Conspiração

O ano de 1995 foi particularmente interessante para a


disseminação e o reconhecimento do público brasileiro para sua
própria produção de videoclipes. Neste ano, foi ao ar a primeira
edição do Vídeo Music Brasil (VMB), evento no formato do Video
Music Awards (VMA), angariado pela Music Television (MTV) e
que tinha a função de premiar, como num Oscar, os profissionais
e artistas responsáveis pela produção e execução dos clipes no
Brasil. A chegada do VMB veio tanto dar fôlego a uma incipiente
“indústria” nacional produtora de clipes, quanto fazer com que os
clipes nacionais se “destacassem” em relação aos clipes
internacionais na programação da MTV Brasil. Na primeira
premiação do VMB, o vídeo que venceu nas principais categorias
do evento foi Segue o Seco, música cantada por Marisa Monte,
em clipe dirigido por Cláudio Torres. Este vídeo acabou sendo
sintomático na sedimentação de uma das mais importantes
produtoras de cinema e vídeo do País, a Conspiração.
Articulada ao conceito que explicamos anteriormente (de
unir preceitos das linguagens publicitária e cinematográfica), a
Conspiração ganhou mais visibilidade no que concerne à
produção de clipes depois das edições do VMB – palco em que
seus clipes sempre ganhavam inúmeros prêmios. Desta forma, o
VMB chegou para incitar a “fogueira das vaidades” das
produtoras de vídeo e publicidade do País, e instigá-las a
produzir clipes com linguagem cada vez mais elaborada. Tal qual
uma salutar competição entre agências de publicidade, a
produção de videoclipes ganhou também um ponto de partida e
de chegada com o Vídeo Music Brasil e a Conspiração acabou
sendo “vencedora” em diversos anos do evento. Criada em 1991,
a Conspiração, em si, já representa bem a dicotomia que une a
produção de clipes: trata-se de uma associação de profissionais
da indústria de entretenimento com o grupo financeiro Icatu,

69
atuando nas áreas de publicidade, cinema, TV e internet. A sede
da Conspiração fica no Rio de Janeiro e no seu escritório em São
Paulo são realizados mais de duzentos comerciais por ano,
longas-metragens, videoclipes, programas de TV, documentários,
animação, efeitos visuais, serviços de pós-produção e de
internet. Percebe-se como o sistema de produção de clipes é
massificado.
A Conspiração tem entre seus clientes contas de peso
como Mastercard, Coca-Cola, Pepsi-Cola, Gatorade, Fiat,
Mercedes-Benz, TIM, Telefonica, Reebok, Penalty. Seus oito
diretores prestam serviços para as grandes agências do país –
McCann Erickson, Almap/BBDO, DM9DDB. No cinema, os
longas-metragens da Conspiração são distribuídos no Brasil e
mundialmente por Columbia TriStar, Sony Pictures Classics e
Warner Bros. Entre suas produções, destaque para Eu Tu Eles,
de Andrucha Waddington (seleção oficial do Festival de Cannes
2000) e O Homem do Ano, de José Henrique Fonseca. Já as
produções de TV (ficção, documentários e musicais) são exibidas
em canais como HBO Brasil, GNT, Multishow, MTV, Band, Globo
e distribuídas para mais de trinta países. A Conspiração já
recebeu 32 prêmios VMB da MTV Brasil, incluindo Melhor
Videoclipe do Ano por quatro anos consecutivos.
Já que estamos nos referindo à produção de videoclipes,
vamos nos ater a este segmento na nossa abordagem da
Conspiração. As obras produzidas pela Conspiração vêm flagrar
não só uma articulação de proximidade entre as linguagens
publicitária e cinematográfica, como já explicamos anteriormente,
mas também problematizar a questão da representação da
identidade brasileira na pós-modernidade. Como atesta Ângela
Prysthon, numa breve síntese da cultura audiovisual brasileira
nas últimas duas décadas, as produções realizadas, sobretudo
nos anos 90, põem em xeque dois modelos de discurso da
identidade nacional: um baseado num certo pós-modernismo
“internacionalizante” (típico dos anos 80), assimilando tendências
estéticas tipicamente yuppies e outro pós-modernismo periférico,
que visa trazer à tona uma condição de país periférico e de
modernização lenta e incompleta.

70
“Assim, o segundo pós-moderno brasileiro
[periférico] vai tentar fazer a equação
modernista e rearticular a identidade
nacional justamente com a consciência da
globalização cultural. (...) Não se trata de
uma vanguarda lançando idéias originais: a
idéia de rearticulação da tradição e da
identidade nacional com uma roupagem
‘globalizada’ não só faz parte do
establishment, como assegura o
funcionamento do mercado cultural no Brasil
de hoje.” (Prysthon, 2002: 77)

Os conceitos de discurso mais “internacionalizante” e de


rearticulação da tradição parecem estabelecer um diálogo com
os princípios da linguagem publicitária e cinematográfica
presentes no videoclipe nacional. Se, como objeto publicitário, o
videoclipe almeja uma certa “limpeza conceitual” que reverbera
na percepção do planejamento de cada elemento estético
disposto no audiovisual, em contrapartida, são inseridas idéias
que negociam com o princípio da tradição e da identidade
nacional. Este aparente conflito encenado no videoclipe, que
evoca o princípio do funcionamento do mercado cultural
brasileiro, vai ser fundamental para entender um certo apego dos
produtores nacionais do audiovisual por uma estetização da
miséria, do subalterno e dos mecanismos sociais da periferia.
Nesta perspectiva, o videoclipe configura-se um espaço híbrido,
onde a idéia de globalização apresenta-se como um filtro
estetizante do recorte empreendido como síntese da identidade
nacional.
Esta problemática que une dois modelos do discurso
pós-moderno (o “internacionalizante” e o periférico) vai ser
encenada, por exemplo, no videoclipe Segue o Seco, dirigido por
Cláudio Torres, em música cantada por Marisa Monte. Ao inserir
a questão do sertanejo, do drama da falta d’água e da
religiosidade no clipe, temos a percepção de que está
configurada a apreensão dos desvalidos como forma de síntese
visual da canção, formando, com isso, um quadro que enxerga
no subalterno uma forma de legitimação discursiva. No entanto,

71
ao contrário de um suposto despojamento nos mecanismos
estéticos de captação e montagem (típicos, por exemplo, do
Cinema Novo), tem-se, agora, o aspecto social visto não como
ponto de partida para uma articulação estética (a “Estética da
Fome”, de Glauber Rocha), mas como elemento encenado de
uma estética (ou “cosmética”, como poderia supor Ivana Bentes)
que retira um certo tom politicamente engajado, uma técnica
visivelmente “limitada” e cria uma maneira pós-moderna de se
referir ao subalterno. O videoclipe Segue o Seco encena a
problemática de negociar um modelo “internacionalizante” de
discurso, propondo uma forma globalizada de “dizer” o social –
que reproduz, em grande escala, a relação entre cinema e
publicidade empreendida pela produtora Conspiração.
O modelo “internacionalizante” a que nos referimos vai
estar presente numa apurada direção de fotografia (com evidente
planejamento de iluminação) e direção de arte que abarca a
construção de um “sertão montado” em estúdio. A precisão do
solo rachado em estúdio vai estabelecer diálogo com a mais que
precisa fotometria da luminosidade em tons amarelados presente
no videoclipe. Dessa forma, figurantes (homens e mulheres de
rostos enrugados) realizam ações como clamar por água, rezar,
enquanto a câmera desliza por entre gravetos dispostos em
estúdio e carcaças e esqueletos de animais ganham status de
figuração na cenografia. Marisa Monte surge como uma espécie
de voz de clemência para a dor encenada, sendo, portanto, na
diegese videoclíptica, o que poderíamos chamar de porta-voz
dos subalternos encenados. O evidente flerte de Segue o Seco
com a estética publicitária (encenação em estúdio, planejamento
de direção de arte e de fotografia) vem flagrar a forte aliança
entre as linguagens publicitária e cinematográfica na produção
audiovisual da Conspiração.
O videoclipe Segue o Seco, dirigido por Cláudio Torres,
pode ser aproximado esteticamente de outro produto
cinematográfico da Conspiração, o filme Eu Tu Eles, dirigido por
Andrucha Waddington. Em Eu Tu Eles, apesar da trama ser
marcadamente rodada em cenários externos, dispensando o
recurso de estúdio existente em Segue o Seco, podemos nos
referir, em termos de resultado, a efeitos estéticos semelhantes.
O sertão imagético presente em Eu Tu Eles assemelha-se, pela

72
precisão dos recursos de luz e de direção de fotografia, ao
“sertão encenado” em estúdio de Segue o Seco, de forma que
temos imbricadas, portanto, não só as duas linguagens matrizes
da constituição do videoclipe (a publicitária e a cinematográfica),
mas também é trazida à tona a problemática da representação
dos discursos pós-moderno “internacionalizante” (que almeja “ser
como” as produção hollywoodianas) e periférico (que evidencia
problemas terceiro-mundistas).
A título de registro, vamos categorizar os principais
realizadores da Conspiração, procurando tecer considerações
sobre os videoclipes produzidos por cada um deles. É importante
percebermos como, no Brasil, a produção de videoclipes está
inserida numa dinâmica que reforça a aproximação entre as
realizações cinematográfica e publicitária. Comecemos pelo
diretor Andrucha Waddington que, em publicidade, dirigiu
campanhas internacionais para Reebok, Pepsi, Gatorade, entre
outras. No cinema, lançou, num curto espaço de tempo, dois
longas metragens: Gêmeas e Eu Tu Eles. Em ambos, fica clara a
opção por uma realização marcadamente inspirada em preceitos
de precisão técnica. Filmou também Viva São João!,
documentário sobre as festas juninas do Nordeste, que tem como
“condutor” o cantor Gilberto Gil. Dirigiu videoclipes de vários
artistas, entre eles Skank, Arnaldo Antunes, Djavan, Caetano
Veloso e Marina Lima. No Video Music Brasil, da MTV, ganhou
os prêmios: Escolha da Audiência 1995 (Paralamas do
Sucesso/Uma Brasileira); Videoclipe do Ano 1996 (Paralamas do
Sucesso/Lourinha Bombril); Escolha da Audiência 1996
(Skank/Garota Nacional); Melhor Videoclipe 1997 (Paralamas do
Sucesso/Busca Vida); Melhor Videoclipe 1998 (Paralamas do
Sucesso/Ela Disse Adeus). Andrucha Waddington foi
responsável por grande parte da iconografia da banda Paralamas
do Sucesso, uma das mais evidenciadas nas premiações do
Vídeo Music Brasil, tendo criado uma série de clipes que
estabelecem uma síntese dos discos da banda. Através da
perspectiva dos clipes dos Paralamas do Sucesso, é possível
perceber como o conceito de álbuns mais “animados” do grupo,
como Vamo Batê Lata, geraram clipes que também procuravam
transmitir uma certa euforia do pop rock brasileiro nos anos 90.
Da “brincadeira” de linguagem do meta-clipe (ou o videoclipe que

73
retrata a gravação de um videoclipe), em Uma Brasileira,
passando pelo princípio metonímico do recorte e justaposição de
imagens em Lourinha Bombril chegando ao refinado princípio de
citação a filmes mudos em Ela Disse Adeus, percebe-se como
Andrucha Waddington operacionalizou, junto aos Paralamas do
Sucesso, conceitos em imagens que são sintéticas dos
“momentos” da banda.
Outro diretor de clipes da Conspiração, Breno Silveira, na
verdade, é originalmente, formado em Fotografia para Cinema
pela École Louis Lumière Vaugirard, de Paris. Dirigiu campanhas
para empresas como General Motors, Ford, Honda, Itaú e
MasterCard. Como diretor de fotografia, fez mais de 20 longas
(Carlota Joaquina, de Carla Camuratti; Traição, de Arthur Fontes,
Cláudio Torres e José Henrique Fonseca; Gêmeas e Eu Tu Eles,
ambos de Andrucha Waddington, entre outros. Em 2000, dirigiu o
documentário para TV Amyr Klink – Mar Sem Fim. Co-dirigiu
especiais de música de Gilberto Gil e Paralamas do Sucesso e
dezenas de videoclipes, recebendo prêmios da MTV como
melhor fotografia de videoclipe em 1995 (Segue o Seco, de
Marisa Monte). Em 2000, junto a Kátia Lund (co-diretora do filme
Cidade de Deus, junto a Fernando Meirelles) venceu no VMB os
prêmios de melhor videoclipe segundo público e crítica, melhor
videoclipe de rock, melhor direção e melhor fotografia, todos por
A Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero), d’O Rappa, um dos
mais audaciosos projetos em videoclipe no País, por unir uma
certa estética documental num tema que viria a ser um dos
mananciais do cinema brasileiro no final dos anos 90 e início de
2000: a violência urbana e os conflitos sociais. O clipe também
veio somar à carreira do grupo carioca O Rappa, reforçando
ainda mais o comprometimento da banda com questões de
ordem social na dinâmica urbana carioca.
Recorremos ao nome de Cláudio Torres para
sintetizarmos parte da produção de clipes brasileiros angariados
pela Conspiração. Torres dirigiu campanhas publicitárias para
Unibanco, Kaiser, Mercedes Benz, Smirnoff, entre outras marcas,
tendo estado à frente também do episódio Diabólica, do longa-
metragem Traição. Fez especiais musicais com Marisa Monte e
Paralamas do Sucesso e vários videoclipes, conquistando em
1995 os prêmios de melhor direção e melhor videoclipe da MTV

74
com Segue o Seco, de Marisa Monte. Nomes como José
Henrique Fonseca, Carolina Jabor e Toni Vanzolini também
compõem a produção de videoclipes da Conspiração, uma
produtora que ajuda a perceber como se delineia as teias de
relações existentes entre o clipe, a publicidade e o cinema no
Brasil, construindo elos estéticos e revelando novas
problemáticas de representação acerca do País.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CONSPIRAÇÃO. Rio de Janeiro. 2002. Disponível em


www.conspiracao.com.br Acesso em 20 de dezembro de 2003.

PRYSTHON, Angela. Cosmopolitismos periféricos – Ensaios


sobre modernidade, pós-modernidade e estudos culturais na
América Latina. Recife: Bagaço, 2002.

_____. Rearticulando a tradição: rápido panorama do audiovisual


brasileiro nos anos 90. In: Revista Contraponto, Niterói (RJ), n.7,
p. 65-78, 2º sem. 2002.

75
10. As imagens afetivas no videoclipe

Este capítulo visa lançar uma reflexão acerca da


utilização de vídeos pessoais ou de família no discurso
videoclíptico. Tal recurso pode ser percebido como uma forma de
resgate de um possível discurso afetivo, que tenta aproximar
espectador (consumidor) e esfera midiática. O uso de vídeos
familiares no âmbito do videoclipe também pode ser encarado
como uma espécie de contraponto ao excesso “cegador” de
imagens da contemporaneidade, fazendo com que os meios que
utilizem tais recursos ganhem status de legitimidade,
autenticidade e “pureza”. A opção pela terminologia “vídeos
pessoais/familiares” deu-se em função dos meios de captação
das referidas imagens originarem “produtos” muito semelhantes.
Portanto, para melhor compreensão do texto, os vídeos pessoais
são aqueles que mostram fragmentos de vida de um indivíduo ou
de seu grupo social (excetuando-se a família). Já os vídeos de
família, necessitam da interação indivíduo-meio familiar.
Pretendemos, portanto, transcorrer um percurso reflexivo acerca
da utilização desta natureza imagética na mídia, tentando
mapear, através de esboços teóricos, uma “área de trânsito” que
abrigue uma possível hibridização entre mídia e linguagem
afetiva, achando uma nova área de situação do videoclipe que
derive do binômio publicidade e cinema – já exposto
anteriormente.
Para tanto, nosso trajeto prevê perceber como aquilo que
chamamos de esfera midiática se instrumentaliza da “pureza” das
imagens videográficas pessoais ou familiares, formatando um
contraponto ao excesso de estetização, por exemplo, da imagem
publicitária – principal manancial imagético dos videoclipes.
Flagramos esta recente tendência na produção de videoclipes e
poderemos exemplificar tais recorrências através de clipes como
No Recreio, a partir de música da cantora Cássia Eller; Epitáfio,

76
canção dos Titãs, e Diário de Um Detento, canção dos Racionais
MCs. Nosso percurso teórico vai partir de uma abordagem mais
generalizada do que consideramos imagens afetivas (fotográficas
e videográficas) tentando estabelecer um elo entre tais imagens
e a noção de afetividade.
Antes de, propriamente, vislumbrarmos de que forma os
videoclipes delimitados por esta análise estão inseridos na
dinâmica da afetividade, temos que tentar perceber o porquê das
imagens já trazerem imbuídas uma espécie de silêncio
sentimental – algo que evoca, chama, pede pela lembrança. Em
Ontologia da Imagem Fotográfica, ao comparar o processo da
captação da imagem fotográfica à mumificação, André Bazin dá
pistas sobre este possível “silêncio sentimental”: a imagem que é
captada por uma máquina eterniza-se, é “capturada” e figura
como um fragmento de tempo prestes a ser (re)visto, rearticulado
pelo suporte. A imagem técnica, como situaria o poeta Antônio
Cícero, prevê que “guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la
6
por/ admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.”
Portanto, dentro da perspectiva de Bazin, estamos lidando com a
imagem técnica “mumificada”, eternizada e que “guarda” algo.
Guarda, nem que seja apenas a possibilidade de “iluminar” algo.
Vamos adentrar ao âmbito da imagem fotográfica como
recorte necessário para entender de onde pode vir a relação
afetiva que o indivíduo desenvolve com as imagens técnicas –
sobretudo a fotografia. Fotografia que é registro racional de algo
que, mesmo que icônico, guarda uma linearidade com o índice,
de forma que sua estrutura acomode a duplicidade do signo: ao
mesmo tempo que é extensão, a fotografia é criação sobre o real.
Criação que é escolha, fragmento, momento – mesmo que se
mantenham conservadas as relações indiciais no corpo da
imagem fotográfica. A perspectiva da fotografia como extensão
do homem, canal afetivo da captação de um intervalo de tempo,
vem delimitada por Roland Barthes, em A Câmera Clara, no
momento em que o autor nega-se a mostrar uma imagem que
havia sido citada durante sua explanação: a fotografia de sua

6
Neste poema, Guardar, Antônio Cícero faz uma referência metalinguística à escritura do
poema. Tomando liberdade em função da arbitrariedade sígnica (da palavra), trouxemos tal
fragmento como extensão e possibilidade de leitura da linguagem fotográfica.

77
mãe com cinco anos, em um jardim de inverno com teto de vidro.
Percebendo que, para os leitores, aquela foto tão explorada por
sua retórica poderia constatar de uma verdadeira decepção no
ato da observação, Roland Barthes a guarda e, percorrendo os
meandros da imagem fotográfica, chega à pergunta: “será que eu
a reconheceria (grifo do autor)? O ato de “descongelamento”
emocional, desautomatização do olhar, capitaneado pela
presença de uma imagem, atesta que é na perspectiva do
reconhecimento que se situa o princípio da afetividade evocado
pela imagem. O reconhecimento que é, conseqüentemente, a
extensão do homem: a imagem que eu reconheço é também a
imagem que eu sou. O ato de olhar como exterioridade, máscara
(como propõe Barthes), mas, também, o olho como “janela da
alma”, em conexão com o que o poeta Manoel de Barros chama
7
de “olhar de dentro” . Olhar é, portanto, estrada do fora para
dentro. Para um dentro que, certamente, não tem fundo e é o
cerne das discussões sobre a subjetividade na leitura e/ou
apreensão da imagem. É, agora, nesta perspectiva “de dentro”,
que faremos considerações sobre os elos existentes entre a
imagem e as emoções. Para Francis Vanoye,

“observa-se uma divisão entre abordagens


‘neutras’ da emoção, considerada como
reguladora da passagem à ação, e
abordagens mais negativas, que consideram
a emoção como sinal de disfunção correlata
a uma baixa dos desempenhos do sujeito”
(apud Aumont, 2001: 122).

O que interessa-nos, neste capítulo, é justamente a


primeira definição trazida por Francis Vanoye: a de que a
emoção é abordada como “reguladora da passagem à ação”.
Esta passagem a que o autor se trata, tem como força motriz a
idéia de que “as imagens provocam processos emocionais
incompletos”, como situa Aumont. Em sua natureza
“aprisionadora”, a imagem acaba coisificando o processo: ela é a
incompletude que é “preenchida” pelo observador – spectator,

7
Em depoimento no filme Janela da Alma (2001), de João Jardim e Walter Carvalho

78
para utilizarmos um termo barthiano. A trajetória de uma imagem
ao longo do tempo e do espaço, interpretada e sentida pelos
diferentes receptores, não importando qual seja o objeto da
representação (ou qual o vínculo que possa eventualmente existir
entre o receptor e essa representação) será elaborada a partir de
um complexo processo de construção e posterior “inserção”
deste receptor (spectator) nas tramas imagéticas. É a realidade
exterior de uma imagem (sua exterioridade maior, suas verdades
explícitas) servindo de portal para uma realidade interior (suas
histórias particulares, ficcionais, segredos implícitos). O que
abordamos por realidade interior, parece-nos ser uma espécie de
cenário, ponta de iceberg, para um processo sucessivo e
interminável (tão interminável quanto forem os olhares lançados
sobre aquela imagem) de criações sobre as imagens expostas.
Um alimento para o imaginário que terá nas imagens de família,
uma espécie de concentração da subjetividade e da afetividade
(já presentes na imagem fotográfica), sendo portanto, um vasto
campo de exploração pelos meios de comunicação de massa.
Tendo constatado que a imagem é este terreno vasto de
incorporação de afetividades e, portanto, um local de onde
partem inúmeros processos cognitivos de criação precisamos,
agora, refletir sobre uma categoria específica da imagem: a
pessoal/familiar. Aquela que, privada, tem um trânsito por vielas
seguras, familiares, em circuito micro, não dialogando com o
público. A imagem familiar é dotada, portanto, de uma espécie de
certeza de que o que realmente importa é o registro como forma
de eternizar e resgatar um acontecimento privado (familiar). De
acordo com Miriam Moreira Leite, em Retratos de Família, são as
ocasiões “lembráveis” que são também “fotografáveis”
(casamentos, batizados, aniversários, festas). Até porque,
segundo a autora, “a memória da imagem não só difere da
memória da palavra como chega, em alguns casos, a substituir a
própria memória. Algumas pessoas não se lembram do que
aconteceu, mas da imagem do que aconteceu.” (Leite, 2000: 18).
Evocamos, então, a imagem como memória – não
exclusivamente a memória de quem viveu efetivamente a
situação do registro, mas uma memória afetiva que permeia a
exterioridade destas imagens pessoais/familiares. E ao
chegarmos às imagens pessoais/familiares, precisamos entender

79
as marcas que fazem com que tais imagens sejam percebidas
enquanto “imagens íntimas” ou privadas. As marcas das imagens
pessoais/familiares são traduzidas através de duas sub-
categorias: os retratos (imagens de personagens) e as imagens
situacionais. Na primeira categoria, temos a perspectiva do
8
camera conscious , ou seja, “câmera consciente” – o(s) objeto(s)
sabem que estão sendo captados, posam, “metamorfoseiam-se”
(segundo Barthes), e atuam segundo papéis que eles acham que
exercem no contexto privado. Na segunda categoria, há um
camera consciousness marcado na bidimensionalidade da
imagem (os objetos não olham diretamente para a câmera),
embora não se tenha a certeza de que eles (os objetos) saibam
que estão sendo registrados.
Marcas estéticas também levantam questões sobre a
natureza das imagens familiares. A imagem “tosca” sobretudo na
sua composição, com pontos “estourados” ou sem apresentar a
precisão que pode ser oferecida pela fotometragem pode evocar
9
o amadorismo peculiar nos eventos privados . O despojamento
cênico e a ausência de precisão na luminosidade também são
indícios de uma natureza imagética que traga à tona o conceito
de lembrança. Esta noção de “imagem de lembrança”
ligeiramente “tosca”, imprecisa e amadora, situa-se no campo da
categorização de imagem mental feita por Lucia Santaella e
Winfried Nöth e, mais ainda, numa espécie de versão
romantizada das “imagens de lembrança”. Em outras palavras,
temos no consenso da categorização das imagens
pessoais/familiares, a versão idealizada de que as imagens
privadas precisam, para se auto-afirmarem enquanto “imagens
pessoais/de família”, trazerem tais “sintomas” de amadorismo.

Notamos, com isso, que a imagem pessoal/de família


utilizada pela mídia é a idealizada: “tosca”, imprecisa, como se
houvesse na imprecisão, nas marcas da ausência de uma

8
Os termos camera conscious e camera consciousness são utilizados pelo articulista Arnaldo Jabor
em seu livro Os Canibais Estão na Sala de Jantar. Ele não cita a fonte de tais expressões.
9
Este “amadorismo” intencional vai ser um dos sustentáculos de movimentos
cinematográficos contemporâneos, como o Dogma 95 (ver Festa em Família), ou de uma
cinematografia “alternativa”, que ganhou status nos Estados Unidos na década de 90.

80
profissionalização, algo de “admirável”, de “nobre” e de autêntico.
Os meios de comunicação de massa bebem, portanto, na fonte
da autenticidade (ou pretensa autenticidade) das imagens
pessoais/familiares como forma de apresentar uma extensão de
afetividade que é peculiar deste tipo de material imagético. E é
nesta relação entre os meios de comunicação (sobretudo a
publicidade) e a afetividade que discorre o especialista em
marketing de varejo, Luiz Alberto Marinho:

“Os executivos de marketing estão sendo


obrigados a substituir argumentos racionais,
como qualidade, preço baixo e prazo de
garantia, por outros que apelam para a
emoção, como design, modernidade e
glamour.” (Marinho, 2002: 166)

Se nos lembrarmos da assertiva de Francis Vanoye, já


mencionada, de que a emoção desencadeia um processo de
ação, encontramos reverberação na defesa de Luiz Alberto
Marinho de que os profissionais de marketing terão que utilizar
seu instrumental “emotivo” para atingir o público. Algo que já é
feito na publicidade: a Nike, por exemplo, deu início à utilização
da história real de seus atletas patrocinados como forma de
estreitar os elos com seus consumidores nos anos 90. No Brasil,
o Banco Real e a Natura contam histórias de seus clientes sem o
verniz jornalístico do repórter-entrevistando-o-cliente. Trata-se de
uma abordagem mais documental, com imagens familiares dos
próprios clientes (não se sabe se verídica ou forjada), que ganha
status de elemento enunciativo “sentimental”. Segundo Rolf
Jansen, em The Dream Society, “os consumidores estariam
comprando estas histórias e suas associações emocionais e não
simplesmente produtos e serviços dessas empresas” (apud
Marinho, 2002: 166).
Em âmbito videográfico, as imagens pessoais/familiares
povoam, sobretudo, os videoclipes – mídia que, conforme atesta
Décio Pignatari, é onde “a TV encontra sua poética”. Segue o
autor: “E aqui temos mais um aspecto relevante da poética do
clipe: o fato de ter de converter-se em prosa narrativa, em
efabulação, para poder constituir-se” (Pignatari, 1995: 239). Se

81
justapormos esta necessidade a que se refere Pignatari, de
“efabulação”, ao que Arlindo Machado chama de “forma
autônoma, na qual se podem praticar exercícios audiovisuais
mais ousados”, temos no ambiente videoclíptico um espaço para
proliferação do uso dos retratos ou vídeos pessoais/familiares. O
exemplo mais evidente desta utilização, se deu no clipe Epitáfio,
do grupo Titãs, em que todas as imagens constituintes são
pessoais/familiares. Trata-se de vídeos em bitolas diferentes
(alguns assemelhando-se a Super-8), que, articulados, geram
uma atmosfera de “lembrança”, de imagem “tosca”, tal qual a
necessidade discursiva peculiar de alguns produtos publicitários.
A perspectiva revisionista da canção (“Devia ter amado mais/ Ter
chorado mais/ Ter visto a sol nascer”) parece atender a uma
perspectiva pessoal, de resgate de “coisas boas”, enfim, trata-se
de uma canção de chama pela memória afetiva de quem a ouve.
Vídeo e letra da canção se hibridizam e parecem adquirir a
mesma função, por exemplo, que os vídeos pessoais/familiares
presentes no videoclipe No Recreio, canção de Cássia Eller.
Assim como em Epitáfio, todo o clipe de No Recreio é composto
por imagens pessoais/familiares da cantora Cássia Eller,
imagens videográficas que trazem, em si, características dos
vídeos pessoais caseiros: baixa resolução cromática, oscilação
nas linhas componentes da imagem, evidência do pixel e
letterings trazendo datas e meses do ano. Estes aspectos são
evidências estéticas não de uma “falha”, mas de uma intenção
em desautomatizar o olhar a partir de uma dada referência.
A mesma normatização pessoal está presente no
videoclipe Diário de Um Detento, dos Racionais MCs. As
inúmeras bitolas usadas no vídeo, a oscilação entre colorido e
preto-e-branco, além da utilização de vídeo e fotografia de
maneira não-ordenada, situam o clipe numa esfera entre o
documental e a ficção, sem terreno sedimentado em nenhum dos
dois. Se em Epitáfio, os vídeos pessoais/familiares servem para
evocar a “imagem da lembrança”, em Diário de Um Detento,
sobretudo as fotografias pessoais, adquirem valor social, ganham
uma tônica de documento. Em síntese, Epitáfio parte da
imagética pessoal/familiar e adentra ao terreno da ficção. Já
Diário de Um Detento, parece partir do pessoal para voltar ao
pessoal na forma de documento. O processo de deslocamento

82
da imagem privada para o âmbito público, do eixo
pessoal/familiar para a esfera midiática, envolve, mais do que
uma questão de afetividade e relações duais, algumas vezes
contraditórias, um adentramento às discussões à respeito da
ética das imagens. No artigo O Ético no Estético, Karl Heinz
Bohrer traça uma trajetória das discussões que procuraram
mapear as relações existentes entre ética e estética no campo
das artes. Chamam nossa atenção as considerações feitas por
Robert Musel que, deixando de lado as perspectivas “grandes”,
totalizadoras da obra artística, considera que o afeto pode ser
colocado em sintonia entre o estético e o ético. O afeto, segundo
Musel, este “estímulo imaginativo” até então desconsiderado
pelos teóricos antecedentes, pode ser uma ponte das relações
construídas entre estética e ética – a ética aqui como “estado
imaginativo”, algo reflexivo e aglutinador de diferenças. Discorrer
sobre este aspecto ético visa lançar uma luz sobre de que forma
ética e afetividade se articulam à utilização de imagens
pessoais/familiares no espaço midiático – e, principalmente, no
videoclipe. E se estamos tratando de aglutinar diferenças, juntar
opostos (o privado e o público, o particular e o geral, o silêncio
familiar e a comunicação de massa), nossa argumentação
parece se encaminhar para a articulação de dois eixos
aparentemente antagônicos, mas que, encontram, na perspectiva
midiática, um sentido de existência: das necessidades afetivas e
revisionistas do público e tentando não esgotar o seu próprio
repertório, os meios de comunicação de massa passam a
perceber uma necessidade de “afetivizar” seu discurso,
promovendo, assim, a inserção das imagens pessoais/familiares
na sua esfera.
Abre-se uma “clareira” na abordagem das imagens
videoclípticas. Sobretudo, no que tange à escolha por uma
imagem pessoal/familiar, muitas vezes, como menos resolução,
de composição tosca ou sem a precisão de uma fotometria
correta, indicando que, na “saciedade cegadora” da imagética
contemporânea, é preciso criar arestas e lacunas que
desautomatizem o olhar “de superfície”, quebrando com o
horizonte de expectativas de quem olha, provocando-lhe uma
espécie de “susto”, de freio. Já atesta Nelson Brissac Peixoto: “O
indivíduo contemporâneo é em primeiro lugar um passageiro

83
metropolitano: em permanente movimento, cada vez mais longe,
cada vez mais rápido”. Parece-nos que um dos elementos que
poderia se configurar neste “freio” à velocidade da
contemporaneidade seja a desautomatização articulada pelos
meios de comunicação de massa (que, por sua vez,
tradicionalmente, são veículos “aceleradores” do olhar
superficial). Estariam as imagens familiares inseridas numa
busca pela “ordem do pessoal, da subjetividade, sem lugar no
universo do arquétipo e da simulação” (Brissac, 2002: 364)? Em
outras palavras, o autor fala da busca por uma estética “da
inocência” desacelerando o processo cognitivo. O uso das
imagens videográficas pessoais em videoclipes está articulada à
dicotomia metafórica que apresentamos no início desta
explanação: se o silêncio está articulado às imagens familiares, o
barulho, logo, na nossa construção metafórica, seria coisificado
nas imagens midiáticas, sendo preciso, portanto, saber quando
silenciar o “barulho” das imagens contemporãneas. A
reprodutibilidade cada vez mais evidente e aperfeiçoada de
paradigmas de construção de imagens na publicidade altera,
como já constatado por Nelson Brissac Peixoto, as suas
condições de interpretação. Como acredita Miriam Moreira Leite:

“O valor de culto das imagens dá lugar ao


valor de exibição. E a multiplicação das
imagens feita a ponto de anular a percepção
de seu observador conduz ao problema da
saciedade da percepção. Em imagens
publicitárias (...) recobre-se de insólito a
imagem ou então exarcebam-se a tal ponto
as características positivas da imagem que
elas rompem a saciedade para o já visto e
criam uma nova configuração espacial do
que já nem era mais observado.” (Leite,
2000: 24-25)

Cabe, talvez, ao papel da imagem pessoal/familiar,


apresentar-se como um elemento silenciador dentro do barulho
da imagética midiática contemporânea. No videoclipe, as
imagens videográficas afetivizam a diegese narrativa sendo

84
capaz de servir de “freio” e de forma de desautomatização do
espectador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AUMONT, Jacques. A imagem. 5. ed. Campinas: Papirus, 2001.

BARTHES, Roland. A câmara clara. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova


Fronteira, 2000.

BAZIN, André. Ontologie de l’image photographique. Paris: Éd.


du Cerf, 1945.

BOHRER, Karl Heinz. O ético no estético. In: ROSENFIELD,


Denis L (org.). Ética e estétita. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2001. P. 9-22.

JABOR, Arnaldo. O filme de Rimbaud fez antes do cinema. In: Os


canibais estão na sala de jantar. 4. ed. São Paulo:
Siciliano, 1993. p. 60-64.

JANOTTI, JR. Jeder. Afeto, autenticidade e socialidade: Uma


abordagem do Rock como fenômeno cultural. In: GOMES,
Itania Maria Mota; SOUZA, Maria Carmem Jacob de.
Media & Cultura. Salvador: Edufba, 2003. p. 77-96.

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São


Paulo: Ateliê Editorial, 1999.

LEITE, Miriam Moreira. Retratos de família. 2. ed. São Paulo:


Edusp/Fapesp, 2000.

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo:


Senac, 2000.

MARINHO, Luiz Alberto. Sonhos de consumo. In: REVISTA GOL.


São Paulo: Paulo Anis Lima, n. 7, set. 2002. p.166.

85
_____. Razão ou emoção?. In: REVISTA GOL. São Paulo: Paulo
Anis Lima, n. 8, out. 2002. p.166.

PEIXOTO, Nelson Brissac. O olhar do estrangeiro. In: NOVAES,


Adauto (org.). O olhar. 9. reimp. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002.

PIGNATARI, Décio. Letras artes mídia. São Paulo: Globo, 1995.

SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Imagem – cognição,


semiótica, mídia. 3. ed. São Paulo: Iluminuras, 2001.

86
11. O videoclipe no alvo da moda

Os conceitos fluidos que cercam o videoclipe podem ser


apreendidos a partir de referenciais acadêmicos da moda.
Tomamos a moda não a partir de uma confluência de tendências
ou apontamentos “para a próxima estação”, mas, tendo
consciência de sua relevância enquanto codificação de gênero,
classe social, status, conceito, etc. A moda sempre esteve
relacionada ao universo ficcional, mesmo quando está sendo
apresentada num desfile. O chamado “conceito” que determinada
marca quer sugerir a cada nova coleção, na maioria das vezes, é
uma ficção sobre a própria roupa, sendo, portanto, a vestimenta,
um artefato que serve de “pedra de toque” para o que se quer
dizer sobre o “ambiente ficcional” evocado por tal peça. Enfim, o
terreno da moda é cercado por instâncias ficcionais que têm a
capacidade de inserir um objeto essencialmente comercial numa
peculiar trama de ficções.
Em outras palavras: através da moda, podemos
perceber, também, como os conceitos de “artístico” e “comercial”
(já vislumbrados diretamente relacionados ao videoclipe) são
frouxos e fluidos, uma vez que não são poucos os artistas
plásticos e dramaturgos que criam desfiles para grifes.
Postulamos, portanto, que a moda, sob o prisma da dualidade
entre o “comércio” e a “arte”, tem semelhanças conceituais com o
videoclipe, pois ambos podem gerar tramas ficcionais, a partir de
uma série de signos, cuja ordem se destina ao comércio, mas
que ganham nuances estéticas com efeito de ordem artística. Um
imbricamento entre os conceitos de moda e videoclipe deve dar
conta do fato de que é a moda o principal responsável pelo
caráter singular do artista da música pop. Sendo, com isso, o que
ele veste, a principal “porta de acesso” ao universo ficcional que
determinado artista pretende evocar.

87
Estamos adentrando ao âmbito da moda e seus
significados, que têm em Ferdinand de Saussure e em Roland
Barthes, os principais teóricos do que se convencionou chamar
semiologia da moda. Aspectos como a denotação e a conotação
podem ser um caminho um tanto quanto simples para perceber
como a roupa que determinada pessoa veste numa trama
ficcional está articulada à própria diegese narrativa. Dessa forma,
é comum se analisar filmes, fotografias e vídeos através desta
bipolaridade: percebendo se o jogo de significados da roupa
compõe uma relação de denotação ou de conotação com a
narrativa.
Mas, este conceito parece não bastar quando estamos
lidando com aspectos tão fluidos quanto os presentes no
videoclipe. Por isso, como atesta Malcom Barnard, há duas
explicações recorrentes para a origem ou geração de significado
na roupa. A primeira localiza a origem deste significado fora da
roupa, em alguma autoridade externa, como o estilista ou o
usuário. A segunda vai localizar a geração deste significado na
própria roupa, nas texturas, cores e formas e respectivas
permutas. O que tentaremos perceber é como estas duas
implicações de significados da roupa estão encenadas no
videoclipe, podendo gerar uma relação mais denotativa ou
conotativa do artista em determinado vídeo. Estes conceitos
oriundos da moda são basilares no entendimento também da
dinâmica da música pop, que prevê uma constante mutabilidade
e uma nova adequação a cada momento específico da carreira
de um determinado artista.
Situar o significado da roupa em alguma instância
estática é tirar a dinâmica comunicacional da moda. Por isso, não
podemos nos referir ao significado da roupa como sendo “do”
estilista. Enquanto signo arbitrário que é, a roupa abarca um
conjunto de constituintes geradores de significados que não
podem ser visto de maneira estanque. Dizer que o significado de
uma roupa pertence ao estilista é arrancá-la de um cenário
social, tirando-lhe de uma instância de encenação. A roupa,
enquanto código cultural, encena algo, está em diálogo com
quem a veste e onde ela atua. Mas, com isso, não estamos
retirando a importância do estilista na geração de significados da
peça. O estilista é a figura que empresta uma aura de descoberta

88
sobre o significado de determinada roupa, sendo, com isso,
fundamental para um diálogo com a música pop e com o
universo do videoclipe. Neste capítulo, para falarmos do
processo de geração de significados na moda e posterior
ambiente de semiose entre o conceito de determinado artista e a
moda, daremos um recorte teórico sobre a cantora Madonna,
dona de uma vasta obra de videoclipes e condizente com o
universo conceitual aqui abarcado.
A cantora norte-americana Madonna adentrou ao meio
acadêmico como forma de pensar questões relativas à
construção da identidade midiática. Teóricos, como os já
introduzidos neste trabalho Andrew Goodwin, E.Ann Kaplan e
mais Douglas Kellner e Camille Paglia escreveram uma série de
artigos explorando as facetas da cantora que, através das
modificações e modulações discursivas, conseguiu instaurar o
discurso, por exemplo, a favor e contra o feminismo. Madonna,
na verdade, teve sua primeira representatividade acadêmica
sendo uma “bandeira” das teóricas feministas que pregavam a
atitude da mulher “sem máscaras”. Assim a define Kaplan:

“Madonna representa a heroína do pós-


modernismo feminista por combinar uma
ingênua carga sedutora com um corajoso
tipo de independência. Ela costuma transitar,
portanto, entre construções de identidades
masculinas e femininas, mas, longe da
bipolaridade, aparenta estar fazendo o seu
jogo.” (Kaplan, 1987: 126)

O que Kaplan quer dizer é que Madonna não


corresponde à bipolaridade advinda da modernidade (homem-
mulher, arte erudita-arte popular, cinema-TV, ficção-realidade,
público-privado, interior-exterior). Seu conceito enquanto artista
pop é justamente o de mesclar tais eixos polarizadores, criando
novas categorias, desequilibrando a aparente rota precisa do
meio artístico na modernidade. É neste sentido que Madonna
adentra ao conceito pós-moderno: ela desestabiliza o eixo entre
o homem e a mulher e, principalmente, entre o público e o

89
privado. Fiel crítica do feminismo norte-americano, a antropóloga
Camille Paglia atesta:

“O feminismo contemporâneo, que começou


rejeitando Freud por seu suposto sexismo,
fechou-se às idéias de ambigüidade,
contradição, conflito, ambivalência. Sua
psicologia simplista é ilustrada pelo novo
furor sobre o estupro nos encontros
românticos: ‘Não’ sempre quer dizer ‘não’.
(...) ‘Não’ sempre fez, e sempre fará, parte
do perigoso e atraente ritual da corte e
sedução sexuais, visíveis até no reino
animal.” (Paglia, 1993: 17)

Camille Paglia defende a idéia do jogo implícito na


ambigüidade discursiva da mulher. Ao contrário do que as
feministas pregariam, até então, “nada de máscaras”, a
antropóloga enxerga como a mulher é “sempre máscaras”. E é
este jogo de máscaras do qual faz parte a cantora Madonna. As
várias facetas da cantora foram descritas pelo teórico Andrew
Goodwin: “A imagem de Madonna foi extremamente importante
para os últimos anos da década de 80, relocalizando a idéia de
que a cantora era uma figura camaleônica cuja identidade
mantinha-se instável”. (Goodwin, 1992: 101) Esta instabilidade
das personagens criadas por Madonna é que vai impulsionar
Douglas Kellner a situar Madonna na questão da moda e da
identidade. Segundo ele,

“o modo como Madonna usava a moda na


construção de sua identidade, deixava claro
que a aparência e a imagem ajudam a
produzir o que somos, ou pelo menos o
modo como somos percebidos e nos
relacionamos. Portanto, Madonna
problematizava a identidade, revelando seu
caráter de construto e sua possibilidade de
ser alterada.” (Kellner, 2001: 341)

90
É neste jogo entre ser e parecer, entre usar ou não usar
máscaras que poderemos situar a obra videoclíptica de
Madonna. As inúmeras “personagens” já construídas por
Madonna ao longo de sua carreira passam: a) pela garota que é
seduzida pelo fotógrafo de moda, mas na verdade é apaixonada
pelo garoto pobre do bairro (Borderline); b) pela atriz que
interpreta uma “garota materialista”, mas para conquistá-la não é
preciso “anéis de diamantes”, e sim, romantismo (Material Girl);
c) pela dançarina que seduz a todos fazendo strip-tease num
peep-show, mas tem a ingenuidade de ficar “amiga” de uma
criança (Open Your Heart); d) pela mulher que “se deixa
acorrentar” e dá as ordens para seu amado (Express Yourself);
e) pela diva-distante e enigmática, típica dos cartazes de
Hollywood (Vogue); f) pela mulher elegante que se deixa permitir
em orgias entre homens e mulheres (Justify My Love e Erotica);
g) pela apaixonada transitando por lugares “exóticos” (Secret e
Take a Bow); h) pela mulher que ironiza e parodia suas próprias
personas (Human Nature e Hollywood). Percebamos que
estamos diante de um verdadeiro amálgama de tipos e de temas
femininos conduzidos por uma subjetividade midiática geradora
de uma instabilidade da identidade da mulher e sua força (e
presença) criada a partir da ambigüidade deste discurso.
É a moda que vai situar Madonna neste terreno de
instabilidades. As roupas usadas pela cantora são evocativas das
inúmeras fases pelas quais sua carreira já atravessou. Das
aplicações de rendas sobre as roupas, dando uma impressão de
que a “roupa de cima” ganhava nuances de “roupa de baixo”
(como nos clipes Lucky Star e Like a Virgin), passando pelo
pastiche do vestido usado por Marilyn Monroe em Os Homens
Preferem as Loiras (no clipe Material Girl), chegando a uma
evidenciada ênfase sobre seu próprio corpo (no corpete de Open
Your Heart), Madonna encenou, primeiramente, uma evidência,
através da roupa, de seus atributos corporais (o close no umbigo
da cantora no clipe de Lucky Star foi alvo de um ensaio de
Camille Paglia, o vestido de Material Girl evidencia as curvas
femininas, suas pernas são largamente exploradas em Open
Your Heart). A moda evidencia tal referencialidade corporal,
sendo um constituinte da fase em que se tem mais bem
constituído o gênero feminino na identidade de Madonna.

91
Em seguida, durante a realização da turnê de shows
Blonde Ambition (Ambição Loira), percebemos a constituição de
roupas realizada dentro de uma perspectiva mais agressiva e
com a eleição de um estilista como aporte conceitual da
espetacularização da artista. Foi Jean-Paul Gaultier o
responsável pelo sutiã em formato de seios pontiagudos que
Madonna usou na polêmica encenação de Like a Virgin, durante
aquela turnê, onde a cantora simulava masturbação em cena,
tendo sido alvo de polêmicas junto à Igreja Católica. A escolha de
um estilista como constituinte realizador dentro da esfera de
consumo da música pop tem a função de gerar novas balizas
conceituais acerca de determinado artista, sendo um importante
epicentro de encenações de novas articulações destes conceitos.
A agressividade da vestimenta criada por Jean-Paul Gaultier para
a turnê Blonde Ambition vai estar articulada à própria noção de
“nova” identidade de Madonna: uma mulher que dita as regras
nas relações afetivas e “manda” no seu parceiro, como no clipe
da canção Express Yourself, onde, temos, numa “fábrica”,
homens como trabalhadores em série que estão “a serviço” de
Madonna. A mulher “que manda”, de imposições e vontades,
além de ser distante e enigmática, ganhará reforço na
caracterização do clipe Vogue, onde a cantora, a partir da
referência a uma série de vestidos e cenas clássicas do cinema,
reforça sua característica de “estrela distante”.
A turnê The Girlie Show, onde as roupas de Madonna
foram criadas pelos estilistas Dolce & Gabanna, deu início a uma
fase em que a cantora começou a mesclar referências dos
gêneros feminino e masculino, como codificação de uma
personalidade forte e impositiva, ao mesmo tempo que se
desenha uma condição marcadamente auto-depreciativa como
condição de supremacia. As roupas usadas por Madonna no The
Girlie Show reforçavam uma concentração informacional nos
seios da cantora (há uma série de tops), mesclando tal natureza
de indumentária com roupas marcadamente masculinas (como a
estetização da vestimenta do marinheiro no trecho de La Isla
Bonita, a militarização da roupa em Holiday e o clima bermuda-
jeans-e-camiseta-branca em Everybody). Esta mesma mescla de
gêneros masculinos e femininos parece se articular nos
videoclipes de Madonna neste período. A ambigüidade sexual na

92
vestimenta de Rain, a profunda concentração de atenção nos
decotes em Secret (condizente com uma sexualização dos
próprios guetos negros americanos – onde se passa o clipe) ou a
referência a uma mulher trans-histórica em Frozen situam esta
etapa da carreira de Madonna como mais amorfa no quesito das
identidades feminina e masculina.
Uma ênfase maior na construção de uma identidade
masculina através da moda (tomando a identidade como uma
codificação) vai se dar durante a turnê Drowned World. Madonna
não evidencia mais partes do corpo outrora destacadas pelas
suas roupas (seios, pernas) e, com indumentárias de referência
pós-punk (Impressive Instant), ciber-quimonos (Sky Fits Heaven)
ou de estetização do cowboy (Don’t Tell Me), a cantora constrói
seu discurso de ordem de gênero mais masculino. Destacamos a
ambigüidade da roupa usada por Madonna no momento da
canção Lo Que Siente La Mujer (versão em espanhol de What it
Feels Like For a Girl), onde vemos a parte frontal de um vêstido
que, por baixo, traz uma calça como segundo componente
indumentário. Nos videoclipes desta fase, é perceptível a
marcada caracterização das roupas tradicionalmente de ordem
masculina (o estilo cowboy nos clipes de Music e Don’t Tell Me) e
o macacão (no clipe de What it Feels Like for a Girl). Como a
tônica do artista da música pop é a reinvenção, Madonna,
amparada nas instâncias discursivas galgadas na pós-
modernidade, brinca com os gêneros, com os códigos,
reinterpretando-os e re-significando-os.
Estudos acadêmicos que visam dar conta dos fenômenos
da música pop precisam acenar para os inúmeros processos de
semiose existentes nas instâncias de criação dos bens culturais
(CD, show, videoclipe). A moda é, assim, um importante
elemento condutor de uma codificação que visa, quase sempre,
agregar signos conceituais que unam o CD, o show e o
videoclipe de um artista. De forma que, a utilização de
determinado estilista, a escolha por tal figurino ou a criação de
uma trama ficcional de um videoclipe estão inseridos numa
dinâmica conceitual, que prevê uma série de traduções estéticas
como aparato de uma construção e posterior consumo de um
deste artista.

93
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARNARD, Malcom. Moda e comunicação. Rio de Janeiro:


Rocco, 2003.

BENSTOCK, Shari; FERRISS, Suzanne (orgs.). Por dentro da


moda. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

CASTILHO, Kathia; GALVÃO, Diana (orgs.). A moda do corpo o


corpo da moda. São Paulo: Editora esfera, 2002.

GOODWIN, Andrew. Dancing in the Distraction Factory – Music


Television and Popular Culture. Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1992.

KAPLAN, E.Ann. Rocking Around the Clock – Music Television,


postmodernism & consumer culture. Nova Iorque/Londres:
Methuen, 1987.

KELLNER, Douglas. Madonna, moda e imagem. In: _____. A


Cultura da Mídia. São Paulo: Editora da Universidade do
Sagrado Coração, 2001. p. 295-334.

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero – A moda e seu


destino nas sociedades modernas. 3. reimp. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.

PAGLIA, Camile. Sexo, arte e cultura americana. São Paulo:


Companhia das Letras, 1993.

PALOMINO, Érika. A Moda – Coleção Folha Explica. São Paulo:


Publifolha, 2002.

94
12. Para analisar um videoclipe

Qualquer iniciativa que se destina a propor uma grade


metodológica de análise de algum objeto comunicacional
compreende um feito perigoso. Perigoso porque estamos
lidando, sobretudo, com um objeto (o videoclipe) que é amparado
na idéia do hibridismo. O nosso desafio, neste capítulo, é propor
uma sistemática de análise que consiga dar conta das
características amorfas tão presentes no videoclipe e, ainda
assim, fazê-la respeitando o fato de que, como já observou
Andrew Goodwin, não se deve analisar o videoclipe de maneira
formalista/isolacionista. Mas sim, entendendo que o signo
disposto no videoclipe representa, antes, uma dinâmica que
perpassa os modos de produção, realização e consumo deste
objeto. Precisamos amparar nossas inferências recorrendo a
uma série de teóricos que podem facilitar nosso acesso a uma
sistemática que dê conta de todo o processo. Assim, utilizaremos
para compor a nossa proposta metodológica, os conceitos de
Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, de Dominique Maingueneau
e de Roland Barthes.
Antes de começarmos a discorrer sobre nossa
sistemática, precisamos entender o que significa analisar uma
obra audiovisual. Segundo Vanoye e Goliot-Lété, interpretar uma
obra audiovisual é lhe impor limites, desconstruí-la e reconstruí-
la. Dessa forma, temos que ter a consciência despertada por
Umberto Eco de que a interpretação tem limites. Ela se configura
no limite que é imposto. Podemos enumerar, de acordo com
Vanoye e Goliot-Lété, algumas normatizações interpretativas
para o audiovisual: a) semântica, que remete aos processos de
sentido que o “leitor” fomenta ao que lê ou ouve; b) crítica, que
examina porque e como, no plano de organização estrutural, o
texto produz sentido (sentido encarado como as conexões
existentes entre o que se exprime e como se exprime); c)

95
utilitária, que prevê o audiovisual como acesso a um contexto de
produção da obra, podendo ser um instrumental para o analista
pensar algo além da estrutura. Neste âmbito da interpretação,
tenta se estabelecer conexões, conjecturas e hipóteses
levantadas pelo analista e que serão respaldadas pelos signos
em questão (entendendo que o signo pressupõe uma quebra de
fronteiras entre texto e contexto). As três naturezas
interpretativas do audiovisual, segundo Vanoye e Goliot-Lété,
servem de pontapé inicial da etapa marcadamente descritiva de
toda análise. Descrever é, sistematicamente, entender sobre
determinada tessitura de imagens, vislumbrando clareiras e
brechas no que podemos chamar de “intervalos” de conceitos.
Pensando especificamente o videoclipe, desconstruir um
signo ou buscar uma interpretação de cunho utilitário é: a) buscar
relações existentes entre o que está exposto no videoclipe e o
contexto em que o referido clipe foi lançado, entendendo o
contexto, sobretudo, como uma referência ao universo do artista
em questão; b) vislumbrar de que forma o diretor do clipe está
articulado ao artista que protagoniza o vídeo; c) delinear de que
maneira se dá o processo de semiose do conceito de um álbum
(CD) com o videoclipe; d) perceber como os maneirismos
estéticos de um videoclipe são parte integrante de uma dinâmica
estratégica das gravadoras.
Não é função de uma análise tentar explicar o texto
audiovisual, mas questionar de onde vem o sentido que se atribui
ao texto. A análise de um videoclipe, diante do que expomos, tem
a perspectiva de achar um lugar entre autor (quem cria, quem
dirige), texto (constituintes de ordem estrutural e técnica) e
contexto (quem consome, em que circunstâncias se cria), de
forma que não se encontre um ambiente seguro para tais
vetores, mas sim, um lugar que esteja suspenso e galgado no
entendimento de que estamos diante de um signo estético, com
toda a ambigüidade e arbitrariedade que lhe são peculiares.
Numa análise, deve-se evidenciar papéis ficcionais e sociais
protagonizados no clipe, tentando entender como se encaixam
determinados personagens num “lugar” da sociedade. É função
da análise também perceber como se dão as lutas ou desafios
propostos (quando há) por uma narrativa no videoclipe e de que
forma aparecem lugares e são concebidos os espaços temporais.

96
Analisar um videoclipe é interrogar o clipe: por que foi feito desta
forma? Atrelado a que contexto se tem configurado determinado
maneirismo estético? O clipe galgado na narrativa está inserido
numa dinâmica da sociedade encenada, operando com escolhas,
organizações de elementos, decupando o real a partir de uma
configuração de imaginário que condiga às estratégias de
divulgação de determinado artista da música pop. Temos,
portanto, um ponto de vista musical para aspectos do mundo.
Para continuarmos nossas inferências sobre a atividade de
analisar um videoclipe, precisamos dar conta de um conceito que
serve de ajuda no momento de articular os elementos de ordem
estética que se apresentam no audiovisual. Para isso,
recorreremos a dois autores que propõem uma sistemática
interessante na maneira com que se diz um videoclipe. São eles,
Dominique Maingueneau e Roland Barthes. De Maingueneau,
podemos apreender o princípio de que o videoclipe é constituinte
de um cenário enunciativo, “ao mesmo tempo condição e
produto, ao mesmo tempo ‘na’ e ‘fora’ [da obra], essa cenografia
constitui um articulador privilegiado da obra e do mundo”.
(Maingueneau, 2001: 121) O cenário enunciativo (ou a
cenografia) de um videoclipe compreende, ao mesmo tempo, os
elementos dispostos e que “encenam” a canção e de que forma
esta encenação se articula ao mundo, ao contexto do artista pop
e das gravadoras. Estamos falando de coordenadas que servem
de referências à enunciação: um protagonista da ação da
linguagem (o artista pop) e sua ancoragem espacial e temporal.
Cabe como princípio de análise de um videoclipe, questionar:

a) Como se apresenta o artista que canta a canção do


videoclipe. Ele pode ser personagem, protagonista ou
cantar e acabar “contando” uma história que tem outros
personagens envolvidos. Cabe indagar como este artista
se movimenta no clipe, a dança (e de que forma esta
dança dialoga com a montagem ou com o contexto) e
como se apresenta visualmente o artista (pode-se
entender os processos de semiose do visual de um
álbum fonográfico para um videoclipe). A ausência de um
artista no vídeo também pode ser indicadora de uma
postura mercadológica.

97
b) Como se delineia o espaço do cenário do videoclipe.
Aspectos como direção de arte, desenho de produção e
decoração de set, figurino, maquiagem e direção de
fotografia são fundamentais no entendimento de como a
dinâmica do entorno influencia no conceito que envolve
determinado artista e o clipe que se originará deste
conceito. A direção de arte vai ser fundamental na
percepção de até que ponto se cria uma configuração de
unidade entre as concepções visuais de um álbum
fonográfico e de um videoclipe ou onde podemos
vislumbrar limites entre tais elementos. A direção de arte
vai compor a identidade visual de um produto
audiovisual, sendo resultado, portanto, de uma
articulação entre técnica e conceito, princípio e fim. Para
tratarmos da direção de arte, precisamos desconstruir a
atividade analítica da imagem, como propôs Roland
Barthes com a imagética publicitária, em dois campos: os
signos icônicos e os signos plásticos. Os signos icônicos
na direção de arte de um audiovisual são compostos por
ambientes construídos/captados a partir de um
significante real, pela edificação/escolha de locais onde
se passarão as ações e como estes locais serão
encenados. Num âmbito mais específico desta categoria
de signo icônico da direção de arte, podemos perceber
como o desenho de produção e a decoração de set
imbricam princípios peculiares de diegese de um
videoclipe. Já os signos plásticos evocados por Barthes
visam categorizar e desconstruir os elementos de ordem
de efeito de pós-produção no videoclipe. Texturas,
interferências gráficas, digitais, enfim, um manancial de
efeitos que, aos olhos do analista, compõem um contexto
significativo do clipe. O figurino e a maquiagem também
se configuram em peças importantes na percepção da
natureza de criação artística e estética que compõe o
vídeo. Destacamos o fato de que tanto o figurino quanto
a maquiagem do artista que canta a canção têm uma
importância fundamental na percepção dos processos de
semiose entre o conceito de um álbum fonográfico e o

98
videoclipe. A direção de fotografia diz respeito ao
constituinte de planejamento de luz que vai “agir” sobre o
cenário, criando atmosferas mais ou menos sombrias, de
acordo com o que se propõe como roteiro ou concepção
sinestésica do videoclipe. Como já apontamos
anteriormente, precisamos destacar que, na atividade
analítica de um videoclipe, é mais apropriado falarmos
em “efeitos” de sentido que determinados constituintes
técnicos podem abarcar que, propriamente, nomear tal
artefato técnico - exceto quando se tem acesso a tal
informação. Lembramos que, oficialmente, não se fala
sobre roteirização de videoclipe, mas, entendemos que
esboços narrativos presentes em clipes são, em alguns
casos, frutos de roteiros informais, às vezes, rascunhos
de personagens ou situações – daí a semelhança que se
pode perceber entre certos videoclipes marcadamente
narrativos e curtas-metragens cinematográficos.

c) Como se ancora o tempo no videoclipe. A articulação


do tempo no clipe é também parte integrante de um
cenário de enunciação deste audiovisual. O tempo pode
vir expresso tanto no tempo da ação que se desenvolve
no videoclipe (daí, poderíamos falar de uma velocidade
ou lentidão da narrativa) quanto no maneirismo de corte
ou das técnicas de fusão entre imagens (podendo falar,
em contrapartida, de uma velocidade ou lentidão do ritmo
do clipe). Portanto, falar em tempo no clipe pode estar
relacionado ao tempo de duração da diegese da história
que se conta ou do ritmo que se impõe a este clipe,
estando, na maioria das vezes, o ritmo do clipe
relacionado às técnicas de montagem deste vídeo. É
importante perceber mecanismos de demonstração da
passagem do tempo no videoclipe: as diluições ou
supressões temporais, como forma de aceleração ou
retardamento do ritmo na narrativa. Elencamos também
as técnicas de montagem (sobretudo as montagens
paralelas, com duas ações acontecendo ao mesmo
tempo e em espaços distintos) como elementos estéticos
constituintes da noção de tempo no videoclipe. A

99
montagem como artefato rítmico no videoclipe também
vai ser decisiva não só na apreensão do tempo, mas,
também, apresenta-se responsável por uma nova forma
de “coreografar” o videoclipe.

A funcionalidade destes conceitos que apresentamos


depende tanto do quanto de informação o analista detém sobre o
próprio videoclipe quanto do contexto artístico em que o clipe foi
gerado. É essencial não perdermos a noção de que analisar um
videoclipe é impor uma série de limites que visam orientar tal
análise para a construção de uma articulação profícua entre os
sistemas de representação do artista, dos conceitos gerados por
este artista e do mundo. Quando propomos esta análise, temos
consciência de que não estamos aprisionando significados, mas
tentando captar de que forma os significados são construtos de
ordem estética e cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AUMONT, Jacques. A imagem. 5. ed. Campinas: Papirus, 2001.

BARTHES, Roland. O Óbvio e O Obtuso. São Paulo: Editora


Nova Fronteira, 1996.

JOLI, Martine. Introdução à análise de imagens. Campinas:


Papirus, 1999.

MAINGUENEAU, Dominique. O Contexto da Obra Literária –


Enunciação, Escritor, Sociedade. São Paulo: Martins Fontes,
1995.

PIGNATARI, Décio. Signagem da televisão. São Paulo:


Brasiliense, 1989.
_____. Letras artes mídia. São Paulo: Globo, 1995.

RECTOR, Monica; TRINTA, Aluizio Ramos. Comunicação do


corpo. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995.

100
TÁVORA, Artur da. Comunicação é mito. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.

VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise


fílmica. 2. ed. Campinas: Papirus, 2002.

VILLAÇA, Nizia. Paradoxos do Pós-moderno: sujeito & ficção.


Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

101
Este livro foi produzido em janeiro de 2004 na
Cidade do Recife – Pernambuco. Utilizou-se a fonte
ITC Officina Sans Book, Garamond e Foodshow,
sobre papel 90g/m2, impresso pela Livrorapido.

102

Você também pode gostar