O Olhar Da Neurociência Sobre o Despertar Espiritual

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Copyright© Rubens Camargo Siqueira

10200/1 – 100 – 100 – 2022

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Arte-final de Capa: Evellyn da Costa
Diagramação: Valdir Colonhezi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S632o

Siqueira, Rubens Camargo


O olhar da neurociência sobre o despertar espiritual / Rubens Camargo Siqueira. - 1. ed. - São Paulo :
Scortecci, 2022.

Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5529-748-5

1. Neurociências. 2. Neurociências - Aspectos religiosos. 3. Espiritualidade. 4. Consciência. I. Título.

21-75245

CDD: 612.8
CDU: 612.8:2

Camila Donis Hartmann - Bibliotecária - CRB-7/6472

Rua Deputado Lacerda Franco, 98

São Paulo - SP - CEP 05418-000

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Epígrafe
O propósito maior tanto para a ciência quanto para a espiritualidade é a
busca da verdade e a compreensão da natureza essencial da realidade. O
objetivo da ciência é uma compreensão completa dos princípios fundamentais
subjacentes ao universo físico em todas as suas diversas formas. A
espiritualidade é o despertar da sabedoria sobre como nos relacionamos
afetivamente uns com os outros e com o mundo. A ciência busca iluminar
nossas mentes, enquanto a espiritualidade busca despertar nossos corações.
Cada um é necessário para a plena fruição do outro.
Embora alguns possam considerar a ciência antagônica ou contraditória à
religião e espiritualidade, a verdade é que o apego compulsivo a doutrinas e
dogmas particulares são inimigos tanto da ciência quanto de uma compreensão
mais profunda da espiritualidade. Historicamente, a ciência muitas vezes
parece estar em desacordo com a religião. No entanto, existe uma forma de
espiritualidade com a qual a ciência não discorda. Curiosamente, os místicos de
todas as tradições religiosas parecem estar substancialmente de acordo. O
místico cristão, o místico sufi e o mestre zen parecem estar em perfeito
acordo, mesmo quando muitos religiosos (que ainda não tiveram o despertar
espiritual) estão brigando uns com os outros por pequenas diferenças
doutrinárias. O filósofo do século XX Aldous Huxley se referiu a essa
invariante mística entre culturas e épocas como filosofia perene. Nesse nível de
religião/espiritualidade não há conflito algum com a ciência.
Estes laços entre a ciência e espiritualidade estão sendo cada dia mais
estreitados e nessa obra pretendo mostrar os passos da neurociência e
neuroteologia rumo a compreensão do fenômeno do despertar espiritual
também conhecido como despertar da consciência.
Autor
Sumário
Epígrafe
1 – Espiritualidade e mística
2 – Uma nova cosmovisão e a transcendência
3 – O que é neuroteologia?
4 – Neuroteologia e a experiência mística (fundamento do despertar espiritual
ou da consciência)
5 – O que são experiências místicas que levam ao despertar?
6 – Uma abordagem neurocientífica associada à teologia das experiências
místicas do despertar espiritual ou da consciência
Conclusão
Referências
Sobre a obra
Sobre o autor
Introdução
Vivemos em tempos verdadeiramente emocionantes, tempos em que uma
transformação espiritual radical está ocorrendo no nível mais profundo de
consciência. Estamos perante um novo desafio de substituir a velha forma de
vida que não é funcional por uma nova forma de existência. No velho mundo,
gostávamos de fatores externos e acreditávamos que o mundo material é nossa
única realidade. Tudo isso nos fez sentir vazios e solitários por dentro,
sentindo-nos insatisfeitos, privados da alegria, do amor e da harmonia que
sempre buscamos. O novo mundo é uma nova dimensão da existência, aqui e
agora. Baseia-se no entendimento consciente de que existe alguma inteligência
superior no Universo, uma força criativa que é a fonte e a base de toda a
existência.
Para entrarmos nessa nova dimensão da consciência é preciso passarmos
pelo processo de despertar.
Despertar significa que não vivemos mais em um mundo de sonhos.
Porque o mundo “normal” é como um sonho! Pensamos no futuro e no
passado, tudo é filtrado pelo ego e passamos nossa vida inconscientemente.
Mas, quando estamos acordados e vivemos conscientemente, o ego perde o
controle sobre nós e se desintegra. Nossa consciência se eleva acima do ego.
Quanto mais despertos estamos, mais harmonia com nós mesmos existe.
Quanto mais forte o ego, mais nos separamos uns dos outros. O ego turva e
perturba tudo. Quando não há ego, não há identificação com formas, e nos
tornamos pessoas mansas e gentis, sem o desejo de provar a nós mesmos e
alimentar o ego. Tornamo-nos um canal puro para o Universo. Muitos passam
suas vidas em três estados de consciência: vigília, sono e sonho. E eles
simplesmente morrem no final.
Quando começamos a acordar, alcançamos a passagem para um estado
superior, que é o quarto estado de consciência, denominado consciência
espiritual.
Cada transformação tem que começar conosco, em um nível individual, e
depois se refletir em todo o mundo. Cada um de nós cria separadamente sua
própria realidade, e nosso despertar e presença consciente são o início da
libertação da armadilha da mente e de seus paradigmas. Nosso despertar é
uma mudança na consciência. Um novo estado em que, em vez de nos
perdermos na mente e em seus pensamentos, estamos despertos e presentes, e
nos reconhecemos como uma consciência que está por trás desse despertar. O
processo de despertar inclui a cognição de si mesmo e das outras dimensões
da existência. Envolve conhecer nosso lado espiritual, que conhecemos apenas
inadequadamente. É o reconhecimento do eu invisível, do eu superior. É um
processo de conectar o divino e o material do nosso corpo e do nosso espírito.
É um reconhecimento da presença. É um corpo não mental que não se
identifica com o ego, pensamentos e emoções.

Falamos sobre um vazio onde o observador deveria estar, um eu superior


que está sempre desperto e torna possível que tenhamos um corpo,
pensamentos, sentimentos, emoções e desejos. Concentramos nossa atenção
em nós e observamos nosso eu ilimitado e etérico. E então há um salto por
cima da cerca que divide a consciência física da não física e, finalmente, nos
tornamos verdadeiros filhos de Deus que não estão aqui apenas para existir e
se conformar, mas para ser e fazer muito mais. Quando nos deparamos com
nosso espírito pela primeira vez, conhecemos diferentes consciências de nosso
ser. Começamos a sentir a necessidade de nos desligarmos do sistema, de nos
desidentificarmos de muitas coisas e de nos tornarmos inclusivos.

O Despertar espiritual ou da Consciência é um processo que permite


entender o que está além desse plano de existência. E ter a percepção de que
esse além não se encontra em algum lugar no céu, mas, sim, dentro de você, e
só pode ser acessado por um processo interno.
Como diz Jung: “Até que você se torne consciente, seu inconsciente vai
comandar a sua vida, e você chamará isso de destino”. É comum encontrar
pessoas que se acham vítimas de tudo e que dizem que o destino não foi muito
generoso com elas. Essas pessoas estão certas, se não viverem uma vida
despertas serão vítimas do próprio estado de sono, ou do estado de
inconsciência.
Para entender o que é o Despertar, é necessário compreender que a
maioria da humanidade vive em um estado de Consciência adormecida. A
causa desse “sono profundo” ou “estado de hipnose” em que vive a
humanidade está no apego pelo nosso ego e fascinação pelas coisas materiais.
As pessoas estão tão fascinadas pelas coisas do mundo material e
tridimensional que se esqueceram completamente da importância de olharem
para dentro e se conectarem com elas mesmas através de um processo de
abertura a uma nova forma de conhecimento.
Para abrirmos para essa nova realidade, dependemos de uma mudança
interna radical em cada um de nós. Precisamos nos livrar do controle do ego,
pois essa é a fonte de todo o sofrimento humano. Sob o domínio do Ego,
somos incapazes de ver a dor que infligimos, a nós mesmos e aos outros.
É o julgo duro do ego que nos aprisiona no nosso instinto animal mais
básico, o modo de luta ou fuga, que nos tira da criação e nos joga na
sobrevivência.
Nós nos sentimos ansiosos, estressados, depressivos, empurramos a vida
com a barriga, tentamos resolver conflitos na base da força, combatemos a
intolerância com mais ódio e intolerância, estamos sempre reagindo e com isso
parece que não saímos do lugar.
O primeiro passo para despertar a consciência é saber que estamos
dormindo. E o ato de compreender que estamos dormindo é algo muito
difícil, porque normalmente a maioria das pessoas está absolutamente
convencida de que está desperta, ou seja, muitos acreditam que a ilusão que
vivem é a verdadeira realidade.
Quando um homem compreende que está “dormindo”, inicia então o
processo do despertar espiritual ou da consciência.
Portanto, o despertar acontece quando você não está mais vivendo em um
mundo de sonho, no qual você filtra tudo através do seu ego e se concentra no
futuro e no passado. Em vez disso, você tem uma consciência quase
simultânea de seu eu individual e da conexão entre isso e tudo o mais.
Imagine que você está assistindo a um filme e suas emoções e fisiologia se
comportam como se você estivesse vivenciando a cena. Nesse momento, a
experiência do filme parece real – seu coração dispara, você se sente animado,
com medo ou esperançoso. Então seu celular toca ou a pessoa atrás de você
tosse alto e você é levado de volta a uma realidade diferente: você está sentado
em um cinema e se dá conta de que tudo aquilo era apenas um filme de ficção,
sem realidade em si. Quando temos o despertar, ocorre fenômeno semelhante,
saímos do sonho do mundo e descobrimos a verdade.
Dentro do universo da espiritualidade temos a expressão Metanoia
(μετάνοια), que é uma palavra grega que significa “arrependimento”,
“conversão” e que na essência quer dizer “mudança de mentalidade, de
pensamento ou de caminho”. No Velho e no Novo Testamento, duas palavras
são usadas para expressar arrependimento. No Velho Testamento, as palavras
são nicham e shubh. Nicham tem como significado estar sentindo, ser movido à
piedade, ou arrepender-se dos erros; é frequentemente usada quando trata de
uma mudança ou possível mudança nos planos de Deus
(Gn 6:6,7; Ex 32:12,14; Dt 32:36). Essa palavra também é usada para descrever
a tristeza pelo pecado em seres humanos (Jz 21:6,15; Jó 42:6; Jer 8:6). Porém, a
forma mais encontrada é a palavra shubh, que significa voltar atrás, ir na direção
oposta. Isso realça o fato de que o arrependimento significa uma mudança de
direção, do caminho errado para o caminho certo; significa abandonar o
pecado (1Rs 8:35), a iniquidade (Jó 36:10), a maldade e os maus caminhos (Ne
9:35).
No Novo Testamento, as palavras empregadas são metanoia e epistrepho.
Ambas as palavras são utilizadas na Septuaginta para traduzir nicham e shubh,
respectivamente. Geralmente, metanoia parece enfatizar a mudança interior
envolvida no arrependimento, enquanto epistrepho realça a mudança na vida
exterior que implementa e expressa a mudança interior.
Com o nome de metanoia o Evangelho designa uma total mudança
interior, uma conversão radical, uma transformação profunda da mente e do
coração.
Jesus, o Cristo, inicia seu ministério público convidando justamente à
metanoia: “Convertei-vos (metanoeite) e crede na Boa Nova”. Como se pode
ver, essa expressão designa muito mais que uma mera “mudança de
mentalidade”, designa uma conversão total da pessoa, uma profunda
transformação interior. Quer dizer, “não se trata só de um distinto modo de
pensar em nível intelectual, mas da revisão à luz dos critérios evangélicos das
próprias convicções vitais”. A metanoia é uma mudança na mente e no
coração, é a transformação radical que alcança o ser humano em sua realidade
mais profunda, permitindo-lhe viver uma coerência cada vez maior entre a fé
crida e a vida cotidiana. A metanoia leva finalmente a viver a vida ativa
segundo o desígnio divino.
A metanoia leva o velho homem (profano, mundano) a transformar-se
num novo homem (espiritualizado, Iniciado). Rohden (1990) descreve as
características do homem velho (profano) e do homem novo (espiritualizado
ou iniciado). O homem profano, vítima de ignorância (falta dessa visão
espiritualizada), procura debelar os negativos da vida, os males, atacando-os
diretamente, de frente e não compreende que a treva não é senão a ausência de
luz, e que o único meio de acabar com a escuridão é substituí-la pelo oposto,
suplantar a ausência pela presença de luz.
Entretanto, o autor chama a atenção para o aspecto da transformação, pois
para atingir essa metanoia é preciso primeiro esvaziar o ego (os cristãos
chamavam de mortificação dos pecados), porque Deus não enche o que está
cheio, só enche o que está vazio. A teoplenitude está na razão direta da
egovacuidade, e na razão inversa da egoplenitude, ou seja, do egoísmo. A
egoevacuação, ou seja, a morte do ego é tarefa do homem e a teoplenitude é
obra da graça divina, pois ninguém pode “receber” sem ser “receptivo”. Não
há como o reino de Deus conviver com o império do ego. Ou Deus derrota o
ego, ou o ego derrota Deus.
O saber espiritual não é intelectivo, mas intuitivo, e por isso encontra-se
em uma outra direção. O homem profano compreende o mundo através de
sua intelectualidade, entretanto, para compreender o mundo espiritual, ele não
deve intensificar a sua inteligência, que seria a continuação de uma linha
horizontal, mas sim tomar uma outra direção, uma direção da verticalidade.
Evidentemente, não atingimos uma linha vertical, multiplicando-se as
horizontais, ou seja, é necessário abandonar esse plano e mudar a direção.
Essa mudança da horizontal para a vertical, que é a metanoia, consiste em
um novo início, uma direção inédita, uma “vida nova”, um “renascimento pelo
espírito”, o descobrimento de um novo mundo até então coberto e ignorado.
Não é uma “continuação” de algo preexistente, mas é um “novo início”, um
fato virgem, absolutamente original (ROHDEN, 1990).
Merton (2006) explica que o homem não espiritualizado é dominado pelo
corpo e seu contato com a realidade é através dos cinco sentidos. Mas os
sentidos só atingem diretamente as coisas materiais. A matéria não é de forma
alguma um mal em si, e consiste em coisas boas, entre outras, o próprio corpo
e as paixões que foram feitas por Deus. Entretanto, a grande questão é: quem
está no comando? A razão, por exemplo, pode ser manejada e dominada pelas
paixões. Portanto, o navio pode ser bom, mas está perdido.
O processo de metanoia leva a uma autorrealização e nos tornamos
conscientes de que somos bem diferentes de nosso “eu mesmo” empírico
normal. Lembramos que esse processo é infelizmente raro, principalmente nos
dias de hoje, pois como a metanoia é proveniente de uma obra divina, uma
graça, para obtê-la é necessário darmos um salto fora de nós mesmos; temos
que estar dispostos a abandonar tudo o que é nosso, todos os nossos planos,
nossas hesitações e todos os nossos julgamentos. Isso não quer dizer que
devemos deixar de pensar e agir, com nossos compromissos do dia a dia, mas
significa que estaremos prontos para qualquer mudança radical que a ação de
Deus possa fazer em nossa vida.
O grande apego às coisas materiais e o egoísmo do homem de hoje
consistem no principal fator limitante de se obter a metanoia, funcionando
como uma espécie de bloqueio a essa grande mudança.
Muitas doutrinas religiosas ensinam que, para se atingir a espiritualidade, é
preciso mudar o comportamento moral, ser virtuoso, produzir boas obras etc.
Entretanto, o verdadeiro caminho é justamente o contrário. A partir do
momento em que o indivíduo passa pelo processo de metanoia, os valores
como altruísmo, amor, benevolência, alegria, confiança, espírito de caridade e
conciliação brotam automaticamente, não necessitando de um “esforço” para
fazê-los, pois eles fazem parte de um homem espiritualizado.
O conhecimento existencial da bondade de Deus só é possível quando
experimentamos a bondade de Deus no próprio Deus, isto é, como Ele
mesmo a “experimenta”. Portanto, nossa experiência de sua bondade é uma
experiência de infinita liberdade, de infinita doação e de infinito altruísmo.
O elemento fundamental para o desenvolvimento da metanoia, do
despertar da consciência é a experiência mística.
1
Espiritualidade e mística
Espiritualidade e mística têm significados semelhantes, mas não idênticos.
A mística se refere à experiência de Deus, ao passo que a espiritualidade se
refere a todo o processo de crescimento, da inautenticidade à relação concreta
com Deus e à posse de sua verdade como imagem de Deus. Espiritualidade é,
portanto, um termo mais amplo. A palavra “mística” vem do adjetivo grego
mystikos, sendo este derivado dos verbos myo (fechar olhos e boca para gerar
um mistério internamente) e myeo (penetrar no mistério) (TANQUEREY,
1961).
Na Patrística, o adjetivo místico descrevia o conteúdo misterioso e objetivo
de palavra e sacramento, seja como significado profundo da Escritura, seja
como Palavra de Deus ou como presença real na eucaristia. Assim o corpo
místico de Cristo se referia mais à eucaristia do que à Igreja. Dionísio
Areopagita acrescentou o elemento da experiência. Através dos séculos,
principalmente nos tempos modernos, a ênfase pessoal e subjetiva assumiu o
significado primário.
Às vezes, a mística é ampla categoria de várias experiências religiosas
esotéricas. Outras vezes, ela se refere a formas mais elevadas de experiência de
Deus que se encontram só nos santos. Recorrendo a Rahner, pode-se definir a
experiência como a única experiência do Espírito Santo dado e recebido com
fé e amor, e presente como a realidade transcendente inerente a todas as
atividades morais do homem. Essa orientação da graça para Deus é a
experiência atemática, anônima, da comunicação pessoal de Deus. Dão-se
assim muitas manifestações que diferem umas das outras somente pelos graus.
Essas experiências são chamadas também contemplação, e, por definição, são
todas infusas (BORRIELLO, 2003).
Portanto, a mística sempre foi considerada a busca pela descoberta do
caminho interior que conduz o ser humano ao encontro pessoal com Deus. A
bem da verdade, a mística é algo que não existe apenas na tradição cristã.
Todas as religiões e seitas não cristãs, como o budismo e o islamismo, por
exemplo, possuem sua dimensão mística no que concerne à interpretação e
vivência de seus credos próprios.
Quando se fala da mística cristã, está se tratando de uma realidade
totalmente diferente, apesar de esta possuir algumas semelhanças quanto às
místicas de outros seguimentos. No entanto, a despeito das semelhanças, a
mística cristã se difere das demais por se tratar do impulso amoroso interior
que nos coloca rumo ao contato pessoal com Deus através de uma amizade
rica e profícua com Jesus Cristo.
A mística cristã tem sua origem na própria história do desenvolvimento da
relação de Deus com a humanidade. Relação esta que ficou registrada nas
páginas das Sagradas Escrituras, tanto do Velho quanto do Novo Testamento.
Sendo assim, podemos afirmar que a mística cristã se origina das páginas da
Bíblia. Não é o nosso objetivo detalhar pormenores do conteúdo místico das
Escrituras, principalmente no Novo Testamento. Mas vale sublinhar que os
dois grandes expoentes místicos encontrados nas páginas neotestamentárias
são exatamente os escritos dos apóstolos João e Paulo. Em suas imagens
acerca de Jesus como logos, luz, pão da vida, videira onde os ramos devem
permanecer, bem como nas imagens que descrevem nossa união com Cristo,
como, por exemplo, a do corpo humano, encontram-se uma linguagem e um
apelo para uma experiência essencialmente mística (MAIA, 2012).
Levando em consideração o sentido mais prático da mística como o
experimentar Deus, podemos considerar seis áreas da experiência cristã como
o itinerário interior e exterior que traça os caminhos da mística (SIQUEIRA,
2020):

• O Caminho Contemplativo (contemplação) – O termo contemplar, isto é,


examinar por longo tempo, com admiração, compõe-se de duas palavras: cum e
templum; cum = com, indica simultaneidade e contemporaneidade, comunhão e
união; templum = espaço celeste, espaço circunscrito pelo céu alcançado pelo
olhar, ou templo consagrado a uma divindade; juntas, as duas palavras
assumem o significado de habitar esse espaço celeste ou templo divino. Na
filosofia grega anterior ao neoplatonismo, contemplação era sinônimo de
intuição racional; a partir do neoplatonismo, com Plotino, essa atividade é
distinta da intuição, mediante a qual se conhece o objeto. Do neoplatonismo
em diante, até os primórdios do cristianismo, seguindo as pegadas da Bíblia e
das obras de Filon de Alexandria, os padres começaram a considerar a
contemplação como meditação da alma sobre si mesma, tendo em vista a sua
gradual purificação para aproximar-se de Deus.
No decorrer do tempo vão se delineando duas correntes: o intelectualismo,
de derivação tomista, que considera a contemplação, sobretudo como ação da
inteligência que gera o amor; e a outra, o voluntarismo, representado por São
Boaventura e por Duns Scoto (1308), que considera a contemplação como
amor e fruto do amor.
Em última análise, contemplação indica um maravilhamento, admiração,
outra denominação de fé diante do mistério transcendente de Deus Pai que se
manifesta no Filho, por meio do Espírito. Em resumo, contemplação é o
maravilhamento que gera o silêncio deslumbrado, provocado pela escuta do
Deus inefável. É o silêncio contemplativo, que não significa ausência de
palavras ou de sons, mas na plenitude da Palavra ou harmonia suprema, razão
pela qual a contemplação é uma espécie de imersão na luminosidade da
comunhão plena com o Deus Trindade de Amor: De fato, o verbo hebraico
nbt, que costuma ser traduzido por contemplar, na realidade indica a ação de
“escavar”, de perfurar a superfície da realidade para alcançar o núcleo secreto
que contém os sinais de mistério. Por esse motivo, o “Contemplai o Senhor e
sereis radiantes” (Sl 34:6) indica a transparência de espírito, ainda límpido,
contempla Deus sem ver a sua face, que escuta sem ouvir a sua voz, que
responde à sua vontade sem conhecê-la. Embora nessa aproximação de Deus
o homem precise compreender, pois é dotado de razão e inteligência, as coisas
que realmente contam são: a contemplação e o amor; únicos meios capazes de
captar o essencial, que é invisível aos olhos da razão. É a misteriosa capacidade
de conhecimento na fé, em que as razões da inteligência não são eliminadas
nem ultrapassadas (BORRIELLO et al., 2003).
Aqueles que andam nesse caminho priorizam o recolhimento e o silêncio
interior como via que nos conduz à perfeição, ou seja, à união com Deus.
Temos na tradição católica romana e na ortodoxa grega os grandes blocos
representantes desse caminho místico. O mais interessante é perceber nisso a
maravilhosa tradição dos Pais do Deserto como fonte comum dessas duas
confissões contemplativas.

• O Caminho Pneumatológico – Os seguidores desse caminho veem na


realização do Espírito Santo na vida do crente em Jesus uma via para a
experiência com Deus. A presença do Espírito habitando no corpo do cristão
lança a base teológica para a experiência do “retorno ao centro”, tão difundido
na mística do caminho contemplativo. Devemos perceber com isso que não
estamos tratando de vários caminhos diferentes para se atingir um objetivo em
comum. Mas de aspectos diferentes de uma mesma realidade que se tocam e
complementam-se mutuamente. Há um forte apelo místico naquilo que a
Bíblia descreve como o ministério do Espírito Santo na vida do cristão: Ele é
como o amor derramado nos corações dos crentes (Rm 5:5); Ele ora em nós
(Rm 8:15); Ele nos une a Deus; Ele investiga os aspectos mais profundos de
nosso ser dando voz aos anseios para os quais não encontramos palavras em
oração (Rm 8:26). O Espírito Santo, definitivamente, é imprescindível na
vivência mística cristã.

• O Caminho Compassivo – Aqui temos a conjunção entre vida contemplativa


e vida ativa como os dois fundamentos da espiritualidade cristã. Os que
trilham essa vereda veem no encontro com Deus o pano de fundo para a
ministração junto ao mundo. Os místicos do caminho compassivo, a exemplo
da grande Madre Teresa de Calcutá, devotam sua vida no cuidado dos pobres,
na promoção da justiça e da igualdade, com o intuito de enxergar a face oculta
de Jesus por detrás do rosto do homem sofredor. Esse caminho místico
experimenta a Deus no mistério da experiência de servir em amor ao próximo
(cf. Mt 25:34-40).

• O Caminho da Santificação – Esse é o caminho dos que buscam a


conformidade com Cristo. Tem na imitação da vida de Jesus a realização de
sua mística pessoal. Sem dúvidas a grande obra que representa essa tendência
espiritual é o livro A Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis. O símbolo bíblico
do caminho místico da santificação é a famosa declaração paulina – Estou
crucificado com Cristo. Já não sou eu quem vive, mas, Cristo vive em mim... (Gl 2:20).
Mais uma vez encontram-se os caminhos místicos se entrecruzando: no
sentido de que a santificação só é possível pela ação do Espírito Santo na vida
do cristão (caminho pneumatológico) e que no desejo dessa vida santa muitos
foram os que se entregaram às práticas ascéticas e à vida de recolhimento
(caminho contemplativo).

• O Caminho do Intelecto – Tem no estudo das Sagradas Escrituras o caminho


para o aprofundamento da compreensão e experimentação da vida em Deus.
É a vida centrada na Palavra, que retira desta as bases para sua experiência com
Deus e no mundo. Aqui se encerram dois aspectos dessa tradição, um deles, o
da meditação bíblica, tem na Lectio Divina sua principal impressão, e a
dimensão kerigmática com a pregação e ensino dos mistérios da Palavra de
Deus sobretudo do Evangelho de Cristo. Novamente chamamos a atenção
para os caminhos que se tocam, pois temos no movimento monástico (caminho
contemplativo) o principal divulgador da prática da leitura orante das Escrituras
(Lectio) e no caminho pneumatológico a busca pelo poder que deve acompanhar a
exposição das Escrituras.

• O Caminho Sacramental ou Cósmico – Esse é um caminho místico em que se


encontra e busca a Deus na contemplação e admiração da Natureza. A
Natureza, com sua exuberância e beleza de formas, se torna um lugar
privilegiado de encontro com Deus. O místico percebe e “enxerga” Deus em
todas as manifestações e belezas no mundo natural e da vida. A Natureza é o
espelho onde o místico contempla e encontra Deus (extraído do Orkut –
Comunidade Místicos Católicos – fórum de discussão).

O místico desse caminho, em vez de enxergar o mundo físico, as artes e


outras expressões culturais humanas como impedimentos para a vida
espiritual, vê neles um “não sei o quê” a mais, uma percepção intuitiva de algo
divino e transcendente por detrás dessas realidades.
Todos os caminhos acima referidos visam a um único propósito: conduzir-
nos a um encontro unitivo e transformador com o Senhor Jesus Cristo. Isso
porque toda mística cristã que se preze deve resultar numa conformação com
a vida de Cristo. Encerro esta breve exposição com as palavras de Grun
transcritas de seu esclarecedor livro Mística – Descobrir o Espaço Interior:
Em Cristo, Paulo encontrou uma nova identidade, passou a ser sua própria essência interior.
Em sua mística do Cristo, está expresso que não se trata apenas de chegar a um contato pessoal
e íntimo com Cristo, porém, mais que isso, alcançar um ser em Cristo, uma plena
transformação no Cristo, passando a ser Cristo o nosso verdadeiro ser, o cerne de nossa
personalidade interior; vivemos em função dele, e não mais em função do ego. (2012, p. 37)
2
Uma nova cosmovisão e a transcendência
Quando conseguimos atingir o despertar espiritual ou da consciência, no
processo de metanoia, entramos em um mundo que desconhecíamos, com
uma nova cosmovisão sobre o que entendíamos de realidade, portanto, um
plano transcendente. O plano espiritual ou transcendental não é algo superior,
ou ainda algo que venha a quebrar as leis da natureza, nem tão pouco um
conceito mágico/fantástico. Este seria o domínio do sobrenatural, que diverge
de transcendental no sentido que este último está além dos limites ou
simplesmente não é afetado por eles. Enquanto, o sobrenatural é uma ruptura
nas leis naturais ou físicas de um sistema, de caráter não aceito pela ciência. O
transcendental é tido como o domínio ou amplitude total desse sistema, de um
modo inconcebível para aqueles que estão limitados ao sistema, e não
mensurável através de conceitos científicos.
Como esta mudança é radical e transformadora, os religiosos traçaram um
paralelo, comparando o plano espiritual ao que os físicos denominaram quarta
dimensão.
Quando alguém nasce num mundo tridimensional, sua consciência fica
limitada pelos cinco sentidos, dando início à ideia da separatividade e do
egoísmo. A percepção do universo como um processo aberto em quatro
dimensões permite a expansão da consciência para além da
tridimensionalidade. Corresponde ao despertar consciencial no plano
espiritual, permitindo a compreensão de que todas as formas do universo
constituem uma só comunidade, mostrando as possibilidades ilimitadas de
cooperação entre os homens. Assim, os pequenos eus individuais passam a ver
a vida em conjunto e se comprometem com ela. O homem teme tanto perder
esse Eu, que se agarra a uma noção limitada de tempo e espaço para produzir
uma falsa impressão de continuidade psicológica. Quando o eu abandona sua
couraça psicológica, consegue então olhar para seu potencial Divino, em que o
ser humano encontra paz e felicidade.
Vamos usar uma linguagem mais concreta para visualizar a possibilidade da
existência da 4ª dimensão: desenhe uma linha reta e outra formando um
ângulo de 90º. Você criou uma realidade plana, bidimensional, com
comprimento e largura. Na base de encontro das duas linhas, coloque sua
caneta erguida com base na junção das duas linhas, e terá uma realidade
tridimensional, com largura, comprimento e altura, como a que vivemos.
Agora, para criar uma 4ª realidade ou dimensão, temos que criar uma linha reta
perpendicular com todas as outras. Parece um paradoxo, mas aponta,
literalmente, para outra dimensão de nossa consciência.
Pensar na existência de um mundo de 4ª ou 5ª dimensão desafia nosso
entendimento tridimensional, mas em síntese seria aquela realidade que
desponta quando se esgotam todas as possibilidades de alcance da 3ª
dimensão. Se olharmos a história, observamos que é exatamente assim que
funciona. Quando, no final do século 19, a ciência descobriu outros estados
mais sutis que os clássicos: o gasoso, o sólido e o líquido; como foi o caso da
descoberta da Radioatividade, da física quântica e da teoria do big bang (a
grande explosão cósmica que atraiu o universo para um mundo
tridimensional); a realidade da 4ª dimensão entra no aspecto espiritualista.
Trata-se, portanto, da existência de um plano mais sutil da realidade,
correspondendo ao astral dos espiritualistas, ao akasha dos hindus (que é o
registro cósmico de todo acontecimento dentro do universo), e ao fogo
Divino dos persas.
Cientificamente, foi chamado de campo mórfico por Rupert Sheldrake
(CHO, 2012), o que vai de encontro à teoria de Albert Einstein, que diz que a
4ª dimensão é o tempo, bem como a todas as teorias de cunho espiritualista
citadas acima. Em todos os casos, a existência sutil é registrada no espaço
quadridimensional, incluindo passado, presente e futuro potencial, de tudo e
todos contidos no universo. A 4ª dimensão contém todas as modificações que
ocorrem no espaço, ao longo do tempo. O nosso hemisfério direito do
cérebro é capaz de captar o sentido do conteúdo da 4ª dimensão, onde o
eterno é aqui e agora, e é uma função do universo quadridimensional. Estamos
imersos nele o tempo todo, como afirmava Einstein ao dizer que tempo e
espaço são inseparáveis. O maior desafio do homem, principalmente neste
momento de transição, é justamente tentar captar algo desse infinito universo
da 4ª dimensão, trazendo-o para o estreito mundo tridimensional.
A partir do momento em que atingimos esse plano, entendemos a
diferença das duas realidades descritas desde a época de Platão e que
permanece até os dias de hoje à disposição de todos os interessados na
transformação espiritual. Esse plano espiritual ou transcendente pode ser
atingido ou compreendido, passando a ser um estado de espírito, ou grau de
consciência. Nessa categoria, aplica-se, por exemplo, o Nirvana budista e a
salvação cristã.
Em última análise, a Transcendência é o objetivo das religiões, como forma
de o homem se religar ao ser superior ou criador. Por isso é tradicionalmente
dito que o Estado Transcendental é possível de ser alcançado por todos os
seres humanos, através dos dogmas aplicados por determinada religião ou
ideologia, como resultado ou durante uma jornada espiritual, sendo geralmente
advento de um processo de autoconhecimento e/ou práticas que tornariam o
ser gradativamente melhor até atingir uma iluminação. É dito que a ação
transcendental é não apenas impossível, como incompreensível para aqueles
que não estejam em comunhão com esse estado, ou ser que a engendrou.
Assim a partir do momento em que um indivíduo consegue atingir essa
espiritualidade ou transcendência, passa a sentir uma grande dificuldade em
explicar a alguma pessoa que ainda não experimentou esse estado por tratar-se
de uma outra realidade.
Aqui citamos uma das passagens mais conhecidas da filosofia, que é a
alegoria da caverna de Platão, quando ele usa esse artifício para explicar que,
quando uma pessoa conhece uma outra realidade (aqui podemos utilizar esse
estado de espiritualidade ou sabedoria), ao voltar para descrever o que
vivenciou, não será compreendida.
Alegoria ou Mito da Caverna de Platão
Imaginemos um muro bem alto separando o mundo externo e uma caverna. Na caverna existe
uma fresta por onde passa um feixe de luz exterior. No interior da caverna permanecem seres
humanos, que nasceram e cresceram ali.
Ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder mover-se, forçados a olhar somente a
parede do fundo da caverna, onde são projetadas sombras de outros homens que, além do
muro, mantêm acesa uma fogueira. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm
de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser
eles as falas das mesmas. Desse modo, os prisioneiros julgam que essas sombras sejam a
realidade.
Imagine que um dos prisioneiros consiga se libertar e, aos poucos, vá se movendo e avance na
direção do muro e o escale, enfrentando com dificuldade os obstáculos que encontre e saia da
caverna, descobrindo não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, e mais
além todo o mundo e a natureza.
Caso ele decida voltar à caverna para revelar aos seus antigos companheiros a situação
extremamente enganosa em que se encontram, correrá, segundo Platão, sérios riscos – desde o
simples ser ignorado até, caso consigam, ser agarrado e morto por eles, que o tomaram por
louco e inventor de mentiras.
Platão não buscava as verdadeiras essências na simplesmente Phýsis, como buscavam
Demócrito e seus seguidores. Sob a influência de Sócrates, ele buscava a essência das coisas
para além do mundo sensível. E o personagem da caverna, que acaso se liberte, como Sócrates
correria o risco de ser morto por expressar seu pensamento e querer mostrar um mundo
totalmente diferente. Transpondo para a nossa realidade, é como se você acreditasse, desde que
nasceu, que o mundo é de determinado modo, e então vem alguém e diz que quase tudo aquilo
é falso, é parcial, e tenta te mostrar novos conceitos, totalmente diferentes. Foi justamente por
razões como essa que Sócrates foi morto pelos cidadãos de Atenas, inspirando Platão à escrita
da Alegoria da Caverna pela qual Platão nos convida a imaginar que as coisas se passassem, na
existência humana, comparavelmente à situação da caverna: ilusoriamente, com os homens
acorrentados a falsas crenças, preconceitos, ideias enganosas e, por isso tudo, inertes em suas
poucas possibilidades. (PLATÃO, 1999)

Em outra interpretação dessa nova realidade, observamos no evangelho


segundo Marcos 2:18-22.
Os fariseus não entendiam o que Jesus explicava: para que possamos fazer sacrifícios ou jejuar,
é preciso que tenhamos um motivo justo e não apenas para cumprir tabela ou por obrigação.
Tudo o que nós fazemos forçados ou obrigados não tem ressonância em nós e, por isso, não
ajudará no nosso crescimento. O que adianta jejuar, por jejuar? O que adianta fazer o sacrifício
se o coração não acompanha a ação? Precisamos dar um sentido às nossas ações para sermos
sincero no que realizamos.
O homem de mentalidade mundana não entende as coisas do espírito. O remendo novo em
pano velho rasga-o; o vinho novo em odre velho rompe-o. Jesus nos adverte que para
sabermos entender as coisas do alto nós precisamos nos renovar e nascer de novo com uma
nova visão sobre a realidade da vida. Para acolher o novo nós precisamos de nova mentalidade
e de abertura interior a fim de que aconteça em nós a purificação necessária e nos tornemos
pessoas renovadas.

Uma das mais famosas conversões ou metanoias foi a de Agostinho de


Hipona (Santo Agostinho), que aos 32 anos de idade teve a experiência de
Deus e deixou nas frases o exato significado do encontro com a verdade e a
compreensão de onde Ele está:
Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Eis que habitáveis dentro de
mim, e eu lá fora a procurar-vos! Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes.
Estáveis comigo, e eu não estava convosco!
Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Porém chamastes-
me com uma voz tão forte que rompestes a minha surdez! Brilhastes, cintilastes e logo
afugentastes a minha cegueira! Exalastes perfume; respirei-o, suspirando por Vós. Saboreei-
Vos, e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me e ardi no desejo de sua paz. (SANTO
AGOSTINHO, 2002)
3
O que é neuroteologia?
A neuroteologia, também conhecida como bioteologia, neurociência da
religião ou neurociência espiritual, é uma disciplina científica que estuda os
processos cognitivos que produzem experiências subjetivas tradicionalmente
categorizadas como religiosas ou espirituais relacionando-os com padrões de
atividade no cérebro, descobrindo como e por que evoluíram nos humanos, e
os seus benefícios.
Newberg (2018) define neuroteologia como “o campo de estudo que
conecta as neurociências com a religião e a teologia” (NEWBERG, 2018).
Aldous Huxley
(NEWBERG, 2018) usou o termo neuroteologia pela primeira vez no romance
utópico Island. A disciplina estuda a neurociência cognitiva da experiência
religiosa e da espiritualidade. O termo também é às vezes usado em um
contexto menos científico ou em um contexto filosófico. Alguns desses usos,
de acordo com a comunidade científica convencional, se qualificam como
pseudociência. Huxley o usou principalmente em um contexto filosófico.
Atualmente, o uso do termo neuroteologia em artigos científicos já é
comum. Uma pesquisa no serviço de indexação de citações fornecido pelo
Institute for Scientific Information retornou 68 artigos em dezembro de 2020.
Uma busca no Google Acadêmico na mesma época retornou várias páginas
com livros e artigos científicos com a palavra neuroteologia no título ou
resumo.
A neuroteologia procura compreender Deus, a crença e a fé, a alma, a teologia,
a religião e a espiritualidade, o cérebro e a mente e, ainda, a ciência se utilizando
simultaneamente dos recursos científicos e da religião. A abrangência de sua
atuação compreende o ser humano holisticamente. A relação entre o cérebro e
a mente com o corpo humano aumenta ainda mais o lastro científico que
ampara a neuroteologia.
A neuroteologia está aberta para contribuições da psicologia, da psiquiatria,
das ciências cognitivas, da biologia e da genética, da endocrinologia e ainda a
outras macro e microáreas das neurociências.
A proposta da neuroteologia é trabalhar, pesquisar e observar
cientificamente o cérebro humano na relação com o sagrado. Seu foco está no
cérebro e na mente humana, e não na experiência religiosa em si, muito menos
na ciência como um cientificismo. As ferramentas surgem das áreas de
conhecimento da neurociência especialmente por meio das novas gerações de
equipamentos médicos como ressonância magnética funcional, pet scan e
estudos eletrofisiológicos. Interessante é perceber que, a partir de um
mapeamento cerebral é possível observar o comportamento da mente durante
experiências religiosas consideradas benéficas e ou maléficas.
Consideram-se, para o estabelecimento dos princípios da neuroteologia, os
fundamentos históricos – uma observação histórica do desenvolvimento do
pensamento religioso ao longo dos séculos em relação à mente humana –,
científicos e teológicos – o reconhecimento das condições científicas e
teológicas contemporâneas. Só a partir da consideração de tais fundamentos é
que se pode falar a respeito dos objetivos fundamentais da neuroteologia, que,
de acordo com Newberg (2018), podem ser:
• Melhorar nossa compreensão acerca da mente e do cérebro humano;
• melhorar nossa compreensão acerca da religião e da teologia;
• melhorar a condição humana, particularmente no contexto de saúde e bem-estar;
• melhorar a condição humana, particularmente no contexto da religião e da espiritualidade.
(NEWBERG, 2018)

A neuroteologia também se preocupa com o lado espiritual, procurando


responder perguntas como: “O que significa, definitivamente, ser uma pessoa
espiritual?”; “O que significa ser uma pessoa religiosa?”; “Como é possível um
desenvolvimento moral a partir da religião/espiritualidade?”. Para responder a
tais perguntas, a neuroteologia busca observar quais práticas e crenças podem
ser mais efetivas no desenvolvimento do ser humano, de maneira específica
para cada uma das perguntas acima feitas. Tais descobertas possuem um viés
duplo: (1) definições que podem caracterizar de modo mais claro, a partir da
observação da relação entre o corpo e o cérebro, o que é “ser espiritual”, “ser
religioso” etc.; e (2) descobrir meios adequados para incrementar o
desenvolvimento espiritual/religioso orientando os “sistemas de crenças e
práticas” para serem mais
hábeis em suas tarefas (desenvolvimento de liturgias e rituais mais efetivos).
De acordo com Newberg (2018), a neuroteologia reúne, a partir dos
resultados das suas pesquisas, informações que, em última instância, pode
trazer condições de esclarecer questões como:

• O que o ser humano pensa sobre o mundo?


• O que o ser humano pensa sobre a natureza e sobre a realidade?
• Como o ser humano elabora conceitos de certo e errado?
• O que o ser humano pensa acerca da verdade? Ou o que é a verdade?

Tais questionamentos tendem a caminhar na direção do esclarecimento das


experiências religiosas e espirituais humanas – são essas experiências ilusões,
delírios? Ou tais indivíduos vislumbram uma realidade mais profunda acerca
da realidade? Será que, ao vivenciar a experiência religiosa, o ser humano
apenas estimula determinadas áreas do seu cérebro e sua mente então percebe
Deus? Ou, de fato, o cérebro humano tem condições de perceber a existência
de um ser definido como Deus e, a partir dessa percepção, realmente
experimenta um tipo de relacionamento transcendente?
A mente está inextricavelmente ligada à jornada espiritual e moral de uma
pessoa. Conforme observado por Hans Küng em Toward a Global Ethic (1988),
os componentes fundamentais da maioria da ética religiosa são um
compromisso com a não violência e a reverência pela vida, justiça em questões
econômicas e jurídicas, veracidade e tolerância e igualdade para todos.
Portanto, explorar o relacionamento entre a mente e a crença religiosa e o
diálogo usando métodos científicos modernos e conhecimento médico
forneceria uma visão adicional sobre a vida espiritual e moral dos praticantes
religiosos. Com o avanço da medicina moderna, novas técnicas de
neuroimagem começaram a desenterrar como a mente altera e contribui para a
vida religiosa e o diálogo inter-religioso. Essas considerações foram geralmente
excluídas da conversa até recentemente, quando apenas uma concepção
materialista da mente foi levada em consideração séria e científica. No entanto,
há uma consciência crescente entre as comunidades religiosas, científicas e
médicas sobre a natureza complexa e integral das experiências religiosas para a
identidade individual.
Embora alguns acreditem que a experiência religiosa emerge de um único
local neuroanatômico, estudos relacionados a uma exata localização do
chamado “ponto de Deus” são controversos. Além disso, experimentos
recentes mostraram que a experiência religiosa, como muitos processos
neuronais, está localizada em todo o cérebro e se comunica em redes neurais
intrincadas no córtex e nas regiões límbicas. Por exemplo, estudos que
examinaram a função neural de praticantes religiosos durante a meditação,
oração, canto e outros rituais religiosos mostraram que os sistemas límbicos e
a atividade do córtex pré-frontal interagem para modular e silenciar a atividade
de diferentes regiões do cérebro (SHUKLA e cols., 2013).
Dessa maneira, diferentes regiões do cérebro interagem para reduzir a
atividade neuronal e produzir um estado de calma em que sentimentos
religiosos de unidade e unidade podem ocorrer (SHUKLA e cols., 2013).
Vários estudos foram realizados para avaliar e analisar as crenças, respostas,
pensamentos e inibições humanas que estão ligadas a Deus e à religião. A
sensação de união com Deus ou às vezes experiências ainda maiores que estão
ligadas à iluminação, às emoções e à consciência do corpo e da mente estão
ligadas a todo o cérebro como um todo (KOPEL e cols., 2019).
Ainda, quanto às perspectivas da própria neuroteologia, aquela relacionada
à saúde parece ocupar um lugar de destaque. Atualmente, muitos estudos
apontam para a influência das práticas espirituais na saúde humana – auxílio
no tratamento de ansiedade e depressão, melhora da imunidade e, inclusive,
aumento da longevidade dos sujeitos envolvidos em tais práticas (NEWBERG,
2010). Senão, vejamos:
[...] muitos estudos demonstraram que as práticas religiosas e espirituais têm um efeito benéfico
na psicologia humana como estratégias de enfrentamento, e também em termos de
sentimentos e humor. Essas atividades também demonstraram beneficiar nossos corpos,
reduzindo a pressão arterial [PA] e a frequência cardíaca [FC], ao mesmo tempo em que
melhoram nosso sistema imunológico. Há até evidências de que esses tipos de práticas podem
afetar a expressão genômica humana. Então, se reconhecermos esses vários efeitos fisiológicos
e clínicos, parte da razão para conduzir a pesquisa em neuroteologia é entender o que são esses
elos e encontrar maneiras de otimizar os efeitos estudados [...] (NEWBERG, 2018)

Entre os benefícios observados, resultantes da contemplação de Deus ou


da meditação – considere que o ritual é o diferencial, e não a realidade de Deus
em si –, pode-se citar os seguintes (NEWBERG, 2015): (a) aprimorar a
neuroplasticidade do cérebro; (b) desenvolver o sentimento de compaixão; (c)
controle e redução do sentimento de raiva; (d) promover sentimentos de fé e
esperança.
Newberg parece fomentar o uso terapêutico da religião, uma vez que,
segundo as pesquisas realizadas pela neuroteologia, os benefícios relacionados
à saúde podem ser observados em práticas de oração, meditação e
contemplação, abarcando todas as religiões e práticas espirituais. Ainda, de
acordo com Newberg, a indicação clínica das práticas religiosas e espirituais
deve levar em consideração a experiência pessoal de cada sujeito. Tal indicação,
por parte dos médicos, psiquiatras, psicólogos e terapeutas parte sempre da
experiência de cada sujeito, de tal modo a indicar a prática de acordo com os
sistemas de crença de cada um. Mais uma vez, enfatiza-se que a prática traz
benefícios, independentemente da realidade, do Deus ou da crença do sujeito
(ALTERNATIVE AND COMPLEMENTARY THERAPIES, 2015).
4
Neuroteologia e a experiência mística
(fundamento do despertar espiritual ou da
consciência)
A neuroteologia pode envolver muitos aspectos da religião e
espiritualidade. As áreas do cérebro associadas à experiência, cognição e
emoções são todas utilizadas para influenciar a capacidade humana de manter
crenças religiosas e espirituais, realizar rituais e práticas e ter experiências
religiosas e espirituais. Mas, ao longo de tudo isso, persiste uma ideia de como
o campo da neuroteologia pode contribuir para nossa compreensão
epistemológica da realidade. Consideramos como parecemos estar para sempre
presos dentro de nosso cérebro, de forma que é quase impossível fazer
qualquer afirmação epistemológica definitiva sobre o mundo. A questão
fundamental é: como sabemos o que é realmente real? A resposta a essa
pergunta dá uma volta estranha, mas importante, no contexto da
neuroteologia.
A premissa dos campos da neurociência cognitiva e da neuroteologia é que
tudo é interpretado e manipulado de alguma forma pelo cérebro. Embora
estejamos presos no cérebro, fazemos o possível para fazer inferências sobre o
mundo. Devemos decidir quais informações são precisas e, portanto,
representam algo que existe externamente versus informações que são
imprecisas e não representam algo que existe externamente. Em um nível
mundano, se temos um problema no trabalho, devemos determinar se é um
problema real e, em caso afirmativo, quais elementos são mais relevantes e, em
seguida, elaborar um plano para resolvê-lo.
Quando se trata de questões filosóficas ou teológicas, devemos determinar
quais conceitos refletem a verdadeira realidade, quais questões precisam ser
abordadas e como podemos resolvê-las da melhor maneira. Também temos
que considerar como a realidade é construída e como os aspectos
supostamente físicos e não físicos interagem. Os aspectos físicos da realidade
pertencem às ciências naturais da física, química e biologia. Os aspectos não
físicos incluem sentimentos humanos ou consciência e possivelmente
entidades sobrenaturais, como espíritos ou Deus.
Embora as áreas do cérebro envolvidas em fazer essas determinações não
tenham sido totalmente identificadas, podemos sugerir que várias áreas do
cérebro, como o tálamo, sistema límbico e áreas de memória, estão envolvidas.
Mas como começamos a pensar se algo é real ou não? E será que podemos
sair do nosso cérebro para saber se estamos certos? Ao tentar determinar o
que é real, geralmente contamos com várias qualidades básicas das coisas. Por
exemplo, uma mesa parece real, pois podemos tocá-la, podemos cheirá-la e, se
sairmos da sala, esperamos que ela ainda esteja lá quando voltarmos (a menos
que alguém a tenha movido). Essas qualidades dos objetos, às vezes chamadas
de qualia, nos ajudam a determinar o que é real (RAMACHANDRAN, 2014).
Mas por que qualquer uma dessas qualia parece real para nosso cérebro? De
uma perspectiva neuroteológica, pode não haver solução para o problema da
realidade, a não ser como algo real, qualquer coisa, parece para nós
(D’AQUILI EUGENE, 1999).
O sentido do tato ou do olfato, o sentido de persistência ao longo do
tempo, todas essas qualidades e muitas outras eventualmente determinam o
quão real algo parece para nós. Se você sente que o toque de uma mesa é real,
isso contribui para a sua sensação de que a mesa é real. Se você estender a mão
em direção à mesa e sua mão passar por ela, provavelmente questionará sua
realidade. De uma perspectiva biológica, o psiquiatra e neurocientista Shitij
Kapur (2003) sugeriu que a dopamina nos ajuda a determinar quais coisas são
importantes, convertendo várias informações sensoriais do ambiente em coisas
que devemos evitar ou engajar (GYATSO, 1999). Este é um processo
fundamentalmente importante que o cérebro usa para nos ajudar a determinar
como devemos abordar a realidade.
Kapur (2003) também sugere que, quando esse sistema falha, a pessoa
pode desenvolver psicose ou alucinações. Mas mesmo essa teoria biológica não
nos ajuda a entender a experiência subjetiva da realidade e como sabemos que
o que nosso cérebro nos diz que é real realmente é. Até a existência de Deus é
processada pelo cérebro, talvez com base em nossos níveis de dopamina, de
modo que algumas pessoas sentem que Deus é inegavelmente real, enquanto
outras acham que Deus é inegavelmente irreal. Aqueles que acreditam em
Deus sentem que Deus está sempre lá e existe como qualquer outra coisa no
universo. Eles sentem a presença de Deus como sentiriam a presença de outra
pessoa. Estudos de pesquisa mostraram, por exemplo, que pessoas que oram a
Deus de forma conversacional têm atividade cerebral que é essencialmente a
mesma de quando estão conversando com outra pessoa (SCHJOEDT, 2009).
E lembre-se do estudo de Sam Harris (2015) que descobriu funções cerebrais
semelhantes entre as pessoas contemplando ideias religiosas versus fatos
cotidianos. Parece que não importa como cortemos os qualia de qualquer
coisa, se algo é fisicamente real ou não é determinado, em última análise, por
quão real nos parece. No entanto, é absolutamente essencial esclarecer que
nosso sentimento da realidade de algo não tem influência real sobre o fato de
ser real, objetivamente real – a menos, é claro, que possamos encontrar uma
maneira estranha de realmente sair do nosso cérebro. É por isso que as
experiências místicas são cruciais tanto para a neuroteologia quanto para nossa
compreensão da verdadeira natureza do universo. Como veremos, as
experiências místicas parecem ser as mais reais de todas as experiências que os
humanos têm. E ocasionalmente têm outro elemento único – experiências
místicas às vezes fazem a pessoa sentir como se tivesse ido além de seu
próprio cérebro –, algo que definimos anteriormente como impossível, pelo
menos de uma neurociência cognitiva perspectiva. Então, vamos usar a
neuroteologia para explorar as experiências místicas com mais detalhes para
ver até onde elas podem nos levar.
5
O que são experiências místicas que levam
ao despertar?
Embora seja difícil estabelecer uma hierarquia clara de experiências
religiosas e espirituais, as experiências descritas como místicas parecem residir
no extremo do espectro. As experiências místicas parecem representar a forma
mais intensa de experiências religiosas e espirituais, tanto em termos dos
elementos inerentes à própria experiência quanto dos aspectos
transformacionais da experiência. Determinar a natureza subjetiva das
experiências místicas é o primeiro passo para entendê-las e avaliar se elas
podem nos ajudar com as questões epistemológicas mais amplas. Ao avaliar
alguns dos elementos mais comuns das experiências místicas, podemos usar a
neuroteologia para construir um modelo neurofisiológico de tais experiências.
Para tanto, podemos começar com várias análises históricas da experiência
mística.
Em seu clássico The Varieties of Religious Experience (2019), William James
descreveu uma experiência mística como tendo as seguintes características:

• Inefabilidade ou indescritibilidade. Uma qualidade noética em que o estado


carrega uma sensação de conhecimento superior.
• Transiência, uma vez que esses estados não são sustentados por um longo
período de tempo.
• Passividade na qual a pessoa se sente “como se sua própria vontade
estivesse em suspenso, e às vezes como se ele fosse agarrado e sustentado por
um poder superior”.

O notável estudioso do misticismo Underhill Evelyn (2019) definiu as


experiências místicas da seguinte forma: As experiências místicas são “ativas e
práticas, não passivas e teóricas. Além disso, as experiências místicas são um
processo de vida orgânico, algo que todo o eu faz”. Os objetivos da
experiência mística são transcendentais e espirituais, em comparação com
outras experiências do universo material. O objeto sendo experimentado não é
“meramente a Realidade de tudo o que é, mas também um Objeto de Amor
vivo e pessoal, nunca um objeto de exploração”. A experiência é representativa
de uma “união viva” com esta Unidade, que é uma forma de vida aprimorada.
O historiador do budismo Robert Gimello (2012) também definiu a
experiência mística:
Uma experiência mística é um estado de espírito, alcançado comumente por meio de algum
tipo de autocultivo, do qual os itens seguintes são geralmente ou frequentemente as
características salientes, mas não necessariamente as únicas:
• Um sentimento de unidade ou unidade, definido de várias maneiras.
• Uma forte confiança na “realidade” ou “objetividade” da experiência, ou seja, uma convicção
de que é de alguma forma reveladora da “verdade”.
• Uma sensação de inaplicabilidade final à experiência da linguagem convencional, ou seja, uma
sensação de que a experiência é inefável.
• A cessação das operações intelectuais normais (por exemplo, dedução, discriminação,
raciocínio, especulação etc.) ou a substituição por algum modo de intelecto “superior” ou
qualitativamente diferente (por exemplo, intuição).
• Uma sensação de coincidência de opostos, de vários tipos (paradoxalmente).
• Um tom afetivo extraordinariamente forte, novamente de vários tipos (por exemplo, alegria
sublime, serenidade absoluta, grande medo, prazer incomparável, etc. – muitas vezes uma
combinação incomum desses).

Em Linguagem e Consciência Mística, o erudito Streng F. (1984) observou que


“o termo misticismo tem sido usado para se referir a uma variedade de
fenômenos, incluindo experiência oculta, transe, uma vaga sensação de
inquietação inexplicável, súbitas visões e palavras extraordinárias de seres
divinos ou sensibilidade estética”. O estudioso Ninian Smart (1999) tentou
diferenciar experiências místicas que surgiram em tradições como o budismo
ou o hinduísmo, que estão associadas a experiências internas de caráter
universal da consciência, a partir de experiências místicas em tradições
monoteístas, que estão associadas à experiência de um outro divino. Esse
outro é geralmente atribuído a Deus ou a algum ser sobrenatural.
Smart (1999) definiu as experiências de um outro divino como
“numinosas” em contraste com as experiências de uma percepção ou
consciência universal, que ele chamou de mística. O estudioso de filosofia W.
T. Stace (1970) delineou as características das experiências místicas como
extrovertivas ou introvertivas. Stace definiu as experiências místicas
extrovertivas como consistindo nos seguintes sentimentos: A Visão
Unificadora – todas as coisas são um. A apreensão mais concreta do Um
como uma subjetividade interna, ou vida, em todas as coisas. Objetividade ou
realidade. Bem-aventurança ou paz. O sagrado ou divino. Paradoxicalidade,
alegada pelos místicos como inefáveis experiências místicas.
Na verdade, pode ser que a experiência seja afetada pelo ponto de partida
cultural. Neste momento, não há pesquisas suficientes para delinear claramente
as diferentes características das experiências místicas, pois elas se relacionam
com vários tipos de indivíduos e origens culturais ou espirituais.
6
Uma abordagem neurocientífica associada à
teologia das experiências místicas do
despertar espiritual ou da consciência
Essas definições mais clássicas de experiências místicas e seus elementos
foram baseadas principalmente em descrições históricas de tais experiências.
No entanto, uma reformulação mais recente de nossa compreensão dessas
experiências pode ajudar a melhor vinculá-las aos processos cerebrais. No
estudo de Newberg A. (2010) de várias práticas religiosas e espirituais, o autor
percebeu o quão crítico seria ter melhores informações sobre as características
fenomenológicas dessas experiências para verificar se havia semelhanças e
diferenças entre indivíduos e tradições. Mais importante, sentiu que
precisávamos de dados não apenas dos místicos da história, mas também de
pessoas comuns. Esse foi o ímpeto para a pesquisa on-line que descreveu
anteriormente, na qual as pessoas forneciam informações sobre si mesmas e
sobre suas experiências espirituais mais intensas. Também perguntou às
pessoas sobre as circunstâncias que envolvem suas experiências. Sentiu que
poderia haver informações muito importantes sobre o momento e os eventos
que levaram a suas experiências espirituais. Uma experiência mística associada
a um estado de quase morte pode ser muito diferente de uma associada com
meditação. Além disso, uma vez que qualquer problema médico ou psicológico
pode contribuir para mudanças na fisiologia do cérebro, ele percebeu que uma
compreensão tão completa quanto possível era garantida para cada um desses
indivíduos.
A peça central da pesquisa on-line foi o espaço narrativo fornecido para as
pessoas descreverem suas experiências em detalhes. Newberg e seus
colaboradores (2015) debateram por algum tempo sobre a melhor maneira de
fazer a pergunta, porque queriam que fosse aberto o suficiente para que as
pessoas se sentissem à vontade para escrever o que fosse mais relevante para
elas, mas não tão amplo que acabassem recebendo informações que não
fossem úteis. Então decidiram o seguinte: “Por favor, descreva com o máximo
de detalhes possível sua experiência espiritual mais intensa”. A incerteza
inerente de se todas as experiências descritas pelos participantes da pesquisa
representaram experiências místicas verdadeiras ou algum outro tipo de
experiência espiritual deve ser observada. Uma questão fascinante a esse
respeito é se há um “salto quântico” que ocorre entre um tipo de experiência
espiritual e outro. Certamente, uma experiência espiritual que uma pessoa tem
enquanto participa de um serviço religioso padrão é marcadamente distinta de
uma experiência mística. No entanto, algumas experiências espirituais intensas
podem ter uma grande coincidência com experiências tipicamente
consideradas místicas. Por um lado, com base em parte em avaliações
fenomenológicas, bem como em uma compreensão da biologia subjacente,
esperaram um continuum de experiências. Eles esperavam que as experiências
espirituais se tornassem cada vez mais intensas à medida que padrões
específicos de atividade cerebral são alterados durante o processo.
A noção de um continuum é baseada em parte no trabalho anterior de
Newberg com Eugene d’Aquili (1999). Eles propuseram um “continuum
unitário” no qual as pessoas experimentam um senso progressivo de conexão
ou unidade com o mundo. Pode-se ver como esse continuum surge em uma
variedade de experiências comuns. Em nossa vida cotidiana, tendemos a
experimentar o mundo de maneira separada. Reconhecemos a nós mesmos e
como nosso self é diferente de outras pessoas e outros objetos no mundo.
Podemos ter uma sensação de conexão com um bom amigo com quem
sentimos um forte grau de ressonância interpessoal. Outro ponto nodal ao
longo do caminho pode ser um sentimento de amor romântico que temos por
um cônjuge ou parceiro, resultando em um profundo senso de conexão. O
próximo ponto nodal pode ser um sentimento de conexão com todas as
pessoas dentro de uma comunidade espiritual, especialmente dentro do
contexto de rituais. À medida que avançamos ao longo do continuum unitário,
podemos sentir um forte senso de conexão com Deus e, em última análise,
podemos não ser mais capazes de usar a palavra conexão porque sentimos que
não há nada a que estar conectado. Tudo se torna uma unidade singular. Este
estado unitário absoluto é o sentido mais profundo de unidade ao longo do
continuum. É também o estado descrito por estudiosos de experiências místicas.
No estado de unidade absoluta, não há organismo individual, objeto ou
qualquer distinção em qualquer coisa no universo.
A questão permanece se há um salto identificável entre esses diferentes
estados, tanto subjetiva quanto fisiologicamente, ou se eles estão ao longo de
um continuum. Essa era uma pergunta que eles esperavam ter respondido até
certo ponto por meio dessa pesquisa on-line. Ao tentar avaliar a ampla gama de
experiências que nossos entrevistados descreveram, percebemos que as
pessoas provavelmente se concentraram nos recursos que eram relevantes para
elas e podem ter omitido outras características que, embora relevantes, podem
não ter sido as mais proeminentes para elas. Por exemplo, se uma mulher
sentiu uma incrível sensação de amor durante uma experiência mística, ela
pode se concentrar nesse sentimento de amor. Ela pode descrever como se
sentiu amada, a fonte do amor e como o amor a fez se sentir por todo o
corpo. Ela pode excluir de sua descrição a experiência de um senso de unidade
com Deus porque, embora o tenha sentido, esse não foi o aspecto mais
proeminente da experiência para ela. Vivenciamos um fenômeno semelhante
na área médica o tempo todo. Ao perguntar a um paciente como ele está se
sentindo, a resposta inicial usual é “muito bem”. Só depois de começarmos a
fazer perguntas específicas sobre seus sintomas ou condições é que
descobrimos como a pessoa está realmente se sentindo. Portanto, os
pesquisadores combinaram uma questão geral sobre a experiência espiritual
com questões específicas sobre as características da experiência. Essas
perguntas incluíam o seguinte:
Quando você teve a experiência, como ela se comparou ao seu senso usual
de realidade? Que sentimentos emocionais você teve durante a experiência?
Que visões ou sons você experimentou antes, durante ou depois dessa
experiência? Quais habilidades incomuns você teve durante ou depois dessa
experiência? Usando uma abordagem chamada análise de conteúdo, que
explora a frequência com que palavras diferentes são usadas e como essas
palavras estão conectadas umas às outras, poderiam explorar com muito mais
detalhes a natureza e os vários elementos dessas experiências. Os
pesquisadores tinham esperança de que pudessem, em última análise,
correlacionar os elementos subjetivos com processos cerebrais específicos
como parte da abordagem neuroteológica.
De uma perspectiva neuroteológica, outra questão problemática é que
observar as mudanças neurofisiológicas durante as experiências místicas é
muito difícil. As experiências místicas são imprevisíveis. Além disso, essas
experiências são tão poderosas e intensas que é difícil interrompê-las para
estudá-las. Não se pode dar um tapinha no ombro de alguém para determinar
se essa pessoa atingiu ou não o Nirvana, mas sim esperar até que a experiência
termine para descobrir como o indivíduo a experimentou. Esse requisito
“posterior ao fato” para determinar se uma experiência mística de fato ocorreu
torna qualquer estudo neuroteológico mais difícil. Portanto, os pesquisadores
(NEWBERG e cols., 2015) obtiveram apenas as contas retrospectivas
fornecidas pelos respondentes da pesquisa para usar como dados para tentar
relacionar aspectos de experiências espirituais a processos cerebrais
específicos. No final, os pesquisadores categorizaram os elementos dessas
experiências em cinco componentes principais:

• Um senso de intensidade.
• Um senso de clareza.
• Um senso de unidade.
• Um senso de entrega.
• Um efeito transformacional.

No geral, esses cinco elementos centrais se alinham com muitas descrições


de experiências místicas fornecidas por estudiosos do misticismo. Uma
vantagem desses elementos centrais é que existe uma base empírica mais
profunda para apoiá-los. No entanto, é sempre importante para teorias em
evolução incorporar trabalhos anteriores. Além de fazer avançar essas
caracterizações anteriores de experiências místicas, outra vantagem de
considerar os elementos centrais atuais é que eles são mais fáceis de vincular
aos processos neurofisiológicos.
De uma perspectiva neuroteológica, isso é importante porque nos
permitirá amarrar todos os diferentes tipos de experiências religiosas e
espirituais em uma estrutura abrangente. Também poderemos ajudar a
determinar os elementos centrais da espiritualidade mais intensa, a experiência
mística ou iluminista, tornando-se um outro universo das possibilidades da
neuroteologia como um campo de estudo único e valioso.
Descrições de experiências místicas, tanto históricas quanto as identificadas
nessa pesquisa, quase sempre descrevem algo tão intenso que desafia qualquer
descrição. Para o indivíduo, a experiência é a experiência mais poderosa, mais
bela e mais emocional jamais imaginada. Um homem de 46 anos que
participou dessa pesquisa forneceu a seguinte descrição: Eu, como um ser
inominável, mas individual, estava viajando por uma montanha-russa infinita
como ondas de pura luz branca extática. O êxtase foi avassalador e aumentou
e diminuiu de intensidade com as ondas de luz. O caminho da luz parecia
infinitamente longo em ambas as direções. A sensação do ser e da luz era
INFINITAMENTE MAIS REAL do que qualquer coisa que eu já tivesse
experimentado.
Você pode ver na descrição o uso de palavras como puro, extático e
avassalador para descrever a incrível intensidade da experiência. Quer uma
pessoa experimente amor, Deus ou consciência infinita, a experiência é sempre
tão intensa que sua descrição parece estar além da capacidade de palavras. A
intensidade da experiência é parte do que a define como uma experiência
profundamente importante. Do ponto de vista do cérebro, experiências
intensas são frequentemente associadas a mudanças de atividade no sistema
límbico.
A amígdala é a parte do cérebro que se torna ativa quando algo de
importância motivacional ocorre, e estudos de varredura do cérebro
mostraram que a amígdala está envolvida com a intensidade de várias
experiências (BONNET e cols., 2015). Assim, a conexão entre a atividade da
amígdala e a intensidade de uma experiência mística é provavelmente uma
parte fundamental dessa ligação neuroteológica. Um outro aspecto é a
intensidade da realidade da experiência, conforme destacado na citação do
entrevistado da pesquisa. As letras maiúsculas usadas para
“INFINITAMENTE MAIS REAL” foram usadas para ajudar a enfatizar a
intensidade da experiência. Praticamente todos os que tiveram tal experiência a
descrevem como real, talvez mais real que as experiências cotidianas.
O que significa ser “mais real”? Um exemplo comum é acordar de um
sonho. Não importa o quão real o sonho pareça, quando acordamos,
imediatamente relegamos o sonho a um estado inferior de realidade. Nosso
estado de vigília é mais real do que o estado de sonho. Mas para a pessoa que
tem uma experiência mística, é como acordar novamente. A diferença é que
nossa realidade cotidiana usual é agora relegada a uma posição inferior (ou
seja, a realidade cotidiana é considerada tão irreal quanto um estado de sonho),
e o estado místico representa a verdadeira realidade.
A noção de realidade não é bem compreendida da perspectiva do cérebro
humano. Poucos dados foram obtidos para ajudar a identificar as áreas do
cérebro envolvidas em nossa capacidade de avaliar o quão real é algo que
sentimos. Uma possibilidade é que seja um processo integrado que envolve
centralmente o tálamo. Lembrando que o tálamo é uma estação de
retransmissão chave no cérebro que recebe informações dos órgãos sensoriais
e as integra a muitas outras áreas do córtex. Ao fazer isso, o tálamo nos ajuda a
estabelecer nossa percepção da realidade. Assim, o tálamo, junto com suas
interconexões com outras áreas do cérebro, pode ser um regulador chave no
que diz respeito à nossa percepção da realidade.
Em apoio a essa possibilidade, estudos de varredura do cérebro
demonstraram mudanças na atividade talâmica durante práticas e experiências
espirituais intensas. (NEWBERG e cols., 2015). Newberg observou mudança
na atividade talâmica como resultado da realização de um programa simples de
meditação por apenas doze minutos por dia durante oito semanas
(NEWBERG e cols., 2010). Podemos então imaginar os tipos de mudanças
que podem ser observadas depois de realizar uma prática espiritual por muitos
anos ou ser transformado por uma experiência mística. A atividade talâmica
também pode estar associada ao segundo componente central da experiência
mística, uma sensação de clareza. Praticamente todas as pessoas descrevem um
profundo senso de compreensão e sabedoria que surge de uma experiência
mística. Colocando em termos leigos, a pessoa “entende” pela primeira vez.
Ele ou ela sente que agora tem um entendimento completo de como o
universo funciona, um senso de significado e propósito na vida e um
entendimento de qualquer relacionamento que ele ou ela possa ter com o
divino ou sobrenatural. Esse senso de clareza provavelmente também deriva
da atividade no tálamo, uma vez que se integra com outras áreas do cérebro.
Em uma experiência mística, velhas ideias e sistemas de crenças não são mais
considerados válidos e são substituídos por um novo sistema que encontra sua
origem na intensidade da experiência.
As áreas de ordem superior do cérebro também são responsáveis por
integrar a experiência ao sistema de crenças da pessoa. Ideias relacionadas à
causalidade, simbolismo, emoções e realidade são trazidas para esta experiência
e como ela se relaciona com as crenças religiosas e espirituais da pessoa. O
senso de self da pessoa se dissolve e todas as coisas, incluindo o self, tornam-se
um. Uma vez que a pessoa experimenta tornar-se parte de uma unidade maior,
ela não se sente mais presa ao corpo ou ao cérebro. A pessoa experimenta
mover-se além do self do ego para se tornar parte de um self universal maior.
Além disso, uma vez que não há distinção entre qualquer tipo de experiência
subjetiva interna e uma perspectiva objetiva externa, a pessoa também percebe
a experiência de ir além.
Com relação a tal experiência unificadora, Albert Einstein escreveu: É
muito difícil explicar esse sentimento a alguém que não o tem, especialmente
porque não existe uma concepção antropomórfica de Deus correspondente a
ele. O indivíduo sente o nada dos desejos e objetivos humanos e a sublimidade
e a ordem maravilhosa que se revelam tanto na Natureza quanto no mundo do
pensamento. Ele vê a existência individual como uma espécie de prisão e quer
experimentar o universo como um único todo significativo (HOFFMAN,
2006). William James tinha o seguinte a dizer sobre as experiências místicas:
Em estados místicos, ambos nos tornamos um com o Absoluto e nos
tornamos conscientes de nossa unidade. Esta é a tradição mística eterna e
triunfante, dificilmente alterada por diferenças de clima ou credo.
No hinduísmo, no neoplatonismo, no sufismo, no misticismo cristão,
encontramos a mesma nota recorrente (JAMES, 2019). Outro relato
significativo de um dos participantes da pesquisa de Newberg foi de uma
mulher de 43 anos da Índia, com a seguinte descrição (com as palavras em
letras maiúsculas enquanto ela os escrevia): Durante minha experiência de pico
de meditação, lágrimas escorriam pelo meu rosto, quando experimentei a
sensação de “UNIDADE” com todos os seres. Meu corpo estava muito leve e
não havia separação entre mim e outra realidade externa. Não havia nenhum
senso de “AUTO”. Foi único. Nessas citações, vemos semelhanças na
descrição do senso de unidade que é um componente central das experiências
místicas. Também consideramos onde a experiência unitária pode surgir
dentro do cérebro humano. O lobo parietal parece desempenhar um papel
importante nas experiências unitárias. A diminuição da atividade no lobo
parietal, que pode refletir o bloqueio da atividade de entrar nele, foi observada
em numerosos estudos de varredura do cérebro de práticas religiosas e
espirituais (NEWBERG, 2003). O lobo parietal funciona normalmente
pegando informações sensoriais do corpo para criar nosso senso de identidade
e uma representação tridimensional do espaço. À medida que a entrada nessa
área diminui, ela não possui mais as informações para gerar o senso de
identidade e espaço. E é precisamente essa perda de senso de identidade e
espaço que é descrita nas experiências místicas.
Outro ponto fascinante é sobre moralidade e ética. Como tudo é
considerado um durante uma experiência mística, temos uma nova
compreensão sobre a ação moral a partir dessa perspectiva mística de unidade
absoluta. Todas as coisas são entendidas como positivas e negativas no que diz
respeito à moralidade. Qualquer ato necessariamente faz com que algum
padrão anterior se afaste da unidade para que outro padrão se mova em
direção à unidade. Em um nível profundo, não importa o que façamos, algum
dano surgirá disso. No entanto, no nível do ser unitário absoluto, não só pode
não haver um verdadeiro senso de moralidade, mas não pode haver qualquer
ação que seja puramente moral ou imoral. Cada ação pode ser considerada de
ambas as perspectivas para determinar quais aspectos são morais e quais são
imorais para encontrar um caminho entre os dois. Veja o exemplo de correr
em um campo gramado para salvar uma criança de um carro em chamas. A
maioria consideraria que a moralidade de salvar a criança supera em muito a
imoralidade de destruir algumas folhas de grama e alguns insetos.
Curiosamente, isso pode depender da perspectiva dada, uma vez que uma
pessoa que experimenta o ser unitário absoluto simpatizará profundamente
com as folhas da grama e também com os insetos. Nesse sentido, a ação não é
puramente moral ou imoral, mas tem componentes de ambas. Alguém que
experimenta o ser unitário absoluto pode ser capaz de avaliar a perspectiva
moral absoluta de todo o universo com relação a qualquer evento dado.
O próximo elemento central das experiências místicas é uma sensação de
entrega. As pessoas que estão tendo uma experiência mística sentem que a
experiência está acontecendo com elas, não como se estivessem fazendo isso
acontecer de propósito. No entanto, a experiência não é inerentemente passiva,
pois a pessoa está altamente envolvida; o que acontece é que a pessoa sente
que está permitindo que isso aconteça com ela – ela se entrega a isso. Um
sentimento de entrega foi descrito em muitas experiências espirituais
diferentes, tanto historicamente quanto na pesquisa de Newberg. O exemplo
clássico vem da tradição do Islamismo. O próprio nome Islã significa se
render, e as pessoas que seguem a tradição devem se render a Deus. Da mesma
forma, quando Newberg fez o estudo de pessoas falando em línguas,
descobriu que elas não se percebiam fazendo o falar em línguas acontecer.
Newberg disse a uma participante do estudo que, durante uma das varreduras
cerebrais, ela seria instruída a começar a falar em línguas, mas ela
imediatamente o corrigiu: “Não, não, não, não podemos falar em línguas
propositalmente; em vez disso, podemos nos colocar na mentalidade que nos
permite ter acesso ao falar em línguas”. Embora virtualmente todos nessa
pesquisa pudessem falar em línguas durante o estudo, eles aderiram à noção de
que não era algo que eles poderiam fazer acontecer de propósito. Eles só
podiam se preparar para a experiência e esperar que acontecesse. Uma
sensação de rendição também tem a ver com outro conceito moderno
conhecido como agência. Quando as pessoas têm experiências místicas, elas
tendem a atribuir a causa da experiência a um agente externo, que pode ser
Buda, Deus, a consciência universal ou o próprio universo. O fato de uma
pessoa poder vivenciar algo ou outra pessoa fazendo a experiência mística
acontecer contribui para sua importância no contexto do pensamento
religioso. Afinal, se Deus está induzindo uma experiência de iluminação em
alguém, então Deus certamente deve existir, e existir de uma forma compatível
com a experiência mística.
Cito mais um participante da pesquisa de Newberg, uma católica de 48
anos que fez a seguinte descrição: Eu estava angustiada. Eu estava perdida e
não tinha noção da direção de Deus. Eu gritei, mas nada veio a mim. De
repente, tive a experiência de Deus me perguntando se eu faria alguma coisa.
Esta não era uma voz audível, mas sim um conhecimento interior. Eu disse
que sim, mas fui recebida com silêncio. Outro dia se passou, e então Ele
perguntou se eu estaria disposta a desistir de tudo por Ele, até mesmo de
minha fé religiosa e salvação. Isso me surpreendeu. Eu não conseguia acreditar
que Ele pediria isso de mim. Então esperei e tentei discernir se era Deus quem
estava me perguntando isso ou algum outro espírito. Orei por mais alguns dias
e a angústia aumentou. Finalmente, eu desisti de tudo, incluindo minha fé e
minha salvação, e apenas por um motivo. Eu amava tanto a Deus que
realmente desistiria de tudo para me conectar com ele. Eu disse que sim e, em
um instante, Deus me devolveu tudo, transformado. Ele me libertou. Daquele
dia em diante, um novo relacionamento existiu entre mim e Deus. Está sempre
presente: sem distância, sem separação. Isto é! Como isso mudou? Não estou
apegada a doutrinas, dogmas ou rituais. Eu vejo a ação de Deus ao meu redor.
A noção de entrega também tem implicações interessantes para a
compreensão biológica de como as práticas de meditação e oração ajudam a
trazer iluminação ou experiências místicas intensas. A pesquisa sugeriu que a
maioria das práticas meditativas, particularmente aquelas que envolvem
concentração intencional, estão associadas ao aumento da atividade do lobo
frontal
(BARNBY, 2015). Isso é consistente com o que está envolvido em qualquer
tarefa de concentração da atenção. Quanto mais nos concentramos em algo,
mais nossa atividade do lobo frontal aumenta para controlar e regular os vários
tipos de processos envolvidos na tarefa. Mas outra coisa pode acontecer
durante a meditação intensa ou práticas de oração. Quando uma experiência
mística começa, as pessoas sentem que a concentração não pode mais ser
mantida. Eles se sentem como se tivessem entregado sua obstinação ao
processo.
Estudos de imagens cerebrais mostram que, durante as práticas que
provocam um sentimento de rendição, a atividade do lobo frontal diminui
(principalmente no córtex pré-frontal). Nossos estudos de tomografia cerebral
de falar em línguas e oração islâmica, que estão associados a um sentimento de
rendição, mostraram diminuição da atividade do lobo frontal durante a prática.
Outros estudiosos sugeriram que a diminuição da atividade do lobo frontal,
também chamada de hipofrontalidade, está associada a poderosas experiências
de fluxo, experiências espirituais e até iluminação. Mark Waldman e Newberg
argumentaram que não é apenas a diminuição da atividade do lobo frontal que
é importante no que diz respeito à sensação de rendição, mas também a
magnitude da diminuição (WALDMAN; NEWBERG, 2020). Se a atividade do
lobo frontal aumentar dramaticamente durante a meditação e depois cair para
níveis bem abaixo do normal, a magnitude dessa queda é substancial e pode
resultar em fortes sentimentos de rendição e intensas experiências místicas.
Uma analogia que Newberg usou para explicar a importância dessa
magnitude tem a ver com o que acontece quando você pula de um degrau. Se
você subir dois degraus e pular para baixo, não acontecerá muita coisa. Se você
subir uma escada até ficar a três metros do chão, ao pular, você sentirá algo
muito diferente e poderá quebrar um osso. Se você escalasse a três metros do
solo e pulasse em uma piscina vazia de três metros de profundidade, o salto
total seria de seis metros e poderia feri-lo gravemente ou matá-lo. A questão
aqui é que a magnitude da queda é crucial em termos da magnitude da
experiência. Da mesma forma, no cérebro, uma simples diminuição na
atividade do lobo frontal pode estar associada a uma leve experiência de
rendição, talvez enquanto ouve uma bela música. Mas levar a atividade do lobo
frontal a um estado intensificado durante uma prática como a meditação e, em
seguida, experimentar uma queda substancial pode resultar no tipo de
mudança dramática que se poderia esperar que estivesse associada às
experiências místicas. Isso nos ajuda a entender por que práticas espirituais
como a meditação são tão úteis para induzir experiências místicas. Elas ajudam
a preparar o cérebro para as mudanças substanciais que estão por trás dessas
experiências poderosas.
O componente central final das experiências místicas, o efeito
transformacional, não está tanto relacionado à experiência em si, mas ao seu
impacto ou efeito posterior. Parte do que distingue as experiências místicas de
outros estados espirituais é que o elemento transformador tem efeitos
duradouros em praticamente todas as partes da vida de uma pessoa. Na
pesquisa on-line de Newberg e colaboradores (2015), pediu-se às pessoas que
avaliassem como vários aspectos da vida mudaram após sua experiência, e
mais de 90 por cento afirmaram que esses domínios foram alterados para
melhor como resultado de sua experiência. As melhorias foram
experimentadas em seu senso de espiritualidade e, em menor medida, sua
religiosidade. Para esses indivíduos, essas experiências parecem radicalmente
diferentes e mais profundas do que as experiências mais tradicionais, baseadas
em dogmas ou crenças de uma determinada tradição religiosa. A intensidade e
o poder da experiência os levam a um reino que parece espiritual, em vez de
vinculado a um sistema de crenças religiosas específico. Além do senso de
espiritualidade, as pessoas também descrevem melhorias significativas em seu
senso de significado e propósito na vida. Como resultado da clareza da
experiência, eles agora sentem que sabem o que precisam fazer para viver de
forma sagrada. Para alguns, isso se torna até uma espécie de vocação com o
objetivo de viver de acordo com os ideais expressos e percebidos em sua
experiência mística (NEWBERG; WINTERING, 2015).
Como resultado de todas essas mudanças, as pessoas também tendem a
sentir que sua saúde psicológica e até física melhora. Elas se sentem melhor
com suas vidas e, como há reduções nos sentimentos de depressão e
ansiedade, experimentam uma melhora geral em sua sensação de bem-estar. As
pessoas até descrevem melhorias em como percebem seus relacionamentos
interpessoais. As pessoas costumam descrever um maior senso de compaixão,
perdão e empatia para com os outros, o que melhora a qualidade de seus
relacionamentos. Em nossa pesquisa, as mulheres em particular relataram uma
ligação entre os estados místicos que vivenciaram e um forte senso de família e
comunidade. E se os relacionamentos e a perspectiva de vida mudam, as
pessoas normalmente também sentem que agora trabalham com mais
eficiência e gostam mais de seus empregos. O aspecto transformador dos
estados místicos, independentemente de eles surgirem de um ritual religioso,
prática espiritual, enteógeno (é uma substância alteradora da consciência que
induz ao estado de êxtase) ou qualquer outra causa. É único.
A maneira como normalmente entendemos o cérebro é que ele muda
lentamente com o tempo. À medida que avançamos no sistema educacional,
aprendemos matemática todos os dias e todos os anos e desenvolvemos um
senso abrangente de como envolver as áreas quantitativas de nosso cérebro.
Não ligamos um interruptor de repente para entender álgebra ou geometria.
As experiências místicas, por outro lado, parecem ter um tipo de efeito
completamente diferente. Essas experiências, que duram apenas de segundos a
minutos, parecem reconectar o cérebro completamente neste curto período de
tempo. É notável que todas as diferentes maneiras como uma pessoa pensa
sobre o mundo podem mudar radicalmente de um momento singular de
iluminação mística.
Neurofisiologicamente, parece haver duas explicações possíveis. Uma é que
as crenças e os comportamentos associados à transformação mística sempre
existiram dentro do cérebro e, ainda assim, eram incapazes de serem acessados
na vida cotidiana da pessoa. A implicação é que a mente mística é um
componente interno do cérebro humano. Por alguma razão, conforme
crescemos, perdemos a capacidade de nos conectar com a parte mística de nós
mesmos. Ficamos atolados nas minúcias de nossas vidas e no materialismo da
sociedade. Dessa perspectiva, é necessária uma experiência mística para
desbloquear essa área do cérebro e suas funções. Não é diferente dos videogames
que exigem que você atinja uma determinada pontuação para desbloquear um
novo nível ou personagem.
Um estudioso que apoiaria essa perspectiva é Jill Bolte Taylor, que escreveu
sobre sua própria experiência mística no livro My Stroke of Insight (TAYLOR,
2008). Taylor era uma neurocientista em ascensão que, na casa dos trinta anos,
sofreu um derrame como resultado de uma ruptura de um aneurisma cerebral.
O derrame danificou substancialmente o lado esquerdo do cérebro. Mas,
durante o derrame, ela teve uma experiência mística na qual se sentiu
intimamente interconectada com todas as coisas do universo. Ela argumenta,
com base em sua experiência e em sua patologia única, que o lado esquerdo de
seu cérebro, o lado científico, sempre impediu que o lado direito expressasse
esses profundos sentimentos de conexão e intuição. Quando o derrame
danificou o lado esquerdo do cérebro, liberou o lado direito do cérebro para
que ela pudesse ter as poderosas experiências místicas que continua a ser capaz
de evocar.
Taylor acredita que os elementos místicos sempre existiram em seu
cérebro; era apenas uma questão de libertá-los. No caso dela, a liberação
ocorreu em decorrência de uma situação patológica. Para muitos outros, a
liberação pode resultar de experiências induzidas por drogas, experiências de
quase morte, práticas de meditação ou oração, ou uma das muitas outras
experiências que as pessoas relataram. A segunda explicação possível para o
efeito transformador das experiências místicas é que o cérebro é capaz de se
religar em um período muito curto. As conexões neurais que existem dentro
do cérebro estão mudando constantemente e, talvez com um súbito surto de
atividade, uma variedade de mudanças e conexões entre os neurônios podem
mudar drasticamente, de modo que todo o padrão e rede de atividade do
cérebro também mudam. Sabemos que cada neurônio pode se conectar a
milhares de outros neurônios. Nem todas essas conexões são totalmente
funcionais, portanto, há muitas conexões basicamente esperando nos
bastidores.
É possível, então, que uma experiência mística ocorra como resultado de
algum nível extremo de funcionamento fisiológico que também cria
rapidamente um conjunto totalmente novo de conexões neurais. Qual dessas
duas explicações possíveis é a correta? Mais dados são necessários para
entender completamente como as experiências místicas podem resultar em um
efeito transformador em um período tão curto de tempo. Este é um desafio
importante para pesquisas neuroteológicas futuras. Devemos também
considerar outras possibilidades com base em como entendemos a capacidade
do cérebro de mudar.
O campo da neuroplasticidade pode ajudar a elucidar esses tipos de
mudanças. A neuroteologia pode ser capaz de ensinar algo à neurociência por
causa da rápida transformação que parece ocorrer de uma forma pouco
ortodoxa durante essas experiências místicas. Um último ponto com relação ao
aspecto transformador das experiências místicas nos traz de volta às mudanças
que ocorrem no lobo frontal. O lobo frontal, com suas funções executivas,
normalmente permite que nosso cérebro mantenha crenças diferentes em seus
respectivos “recipientes”. Essencialmente, o lobo frontal nos ajuda a organizar
nossos sistemas de crenças. Pode ser considerado um grande arquivo com
várias pastas que representam os domínios específicos de crença que
defendemos; por exemplo, crenças em relacionamentos, crenças no trabalho,
crenças morais e crenças religiosas. O lobo frontal mantém todas essas crenças
bem organizadas. Então, o que acontece quando a atividade do lobo frontal de
repente experimenta uma queda dramática e rápida? A diminuição significativa
na atividade do lobo frontal experimentada durante uma experiência mística é
semelhante a tirar todas aquelas pastas do armário, jogá-las para o alto e, em
seguida, colocá-las rapidamente de volta no armário. Este é um momento
transformador, uma reorganização de tudo o que uma pessoa acreditava
anteriormente. Voltando às nossas duas explicações possíveis, ambas poderiam
ser explicadas com base nessa analogia. Por um lado, os “arquivos” já estavam
lá; eles estão apenas reorganizados agora. Por outro lado, também é possível
que não só os arquivos sejam reorganizados, mas também novos arquivos
sejam adicionados em um período muito curto.
Embora uma maior compreensão dos processos neurofisiológicos
associados às experiências místicas tenha nos fornecido um conhecimento
mais completo de como essas experiências funcionam e têm impacto sobre
nós, ainda há muito a aprender. É aqui que a neuroteologia pode ajudar:
fornecendo uma estrutura para conceituar e estudar experiências místicas. A
neuroteologia pode até mesmo quebrar a questão mais crítica: se as
experiências místicas nada mais são do que uma manifestação da função do
cérebro, ou se o cérebro permite que os humanos acessem algum nível mais
fundamental de realidade, que chamamos de mística. Colocado de outra
forma, de uma perspectiva mais religiosa, podemos ponderar se a experiência
de uma união mística com Deus é impulsionada pelo cérebro ou impulsionada
por Deus.
Uma vez que tudo é um, as pessoas que passam por essas experiências pelo
menos se sentem como se tivessem ido além do cérebro – a experiência
conhecida como autotranscendência. Se podemos sair de nosso cérebro, ainda
é uma questão que precisa ser respondida. No entanto, as experiências místicas
são os únicos estados que conheço em que as pessoas pelo menos dizem que
saíram do cérebro. E por causa dessa descrição, parece essencial tentar
compreender essas experiências o mais plenamente possível. Além disso, como
essas experiências não são apenas subjetivas, mas parecem ter uma variedade
de mecanismos cerebrais observáveis associados a elas, a neuroteologia pode
ser a abordagem definitiva para uma solução para o complicado problema de
saber o que é realmente real. Talvez, combinando a experiência pessoal de ir
além do cérebro com o conhecimento científico do que está acontecendo no
cérebro, possamos encontrar uma solução epistemológica para nossa
experiência da realidade. Podemos encontrar uma maneira de determinar se o
que experienciamos subjetivamente corresponde ao que é objetivamente real.
Saber o que é realmente real é uma aspiração semelhante a (e relacionada a)
uma teoria do campo unificado e um objetivo valioso para uma abordagem
neuroteológica das experiências místicas.
Conclusão
O despertar espiritual pelo processo da metanoia não é apenas uma
mudança externa de voltar-se para Deus, antes é uma mudança interior que
perpassa toda a pessoa e afeta as dimensões da vida, sendo um ato de razão e
um ato de vontade, é considerada um valioso Dom de Deus. A metanoia
nunca é um fim em si mesmo, mas apenas um começo que resulta em
mudança exterior e de comportamento. É fundamental para o
desencadeamento da metanoia, a experiência mística.
As experiências místicas parecem representar a forma mais intensa de
experiências religiosas e espirituais, tanto em termos dos elementos inerentes à
própria experiência quanto dos aspectos transformacionais da experiência.
Determinar a natureza subjetiva das experiências místicas é o primeiro passo
para entendê-las e avaliar se elas podem nos ajudar com as questões
epistemológicas mais amplas. Ao avaliar alguns dos elementos mais comuns
das experiências místicas, podemos usar a neuroteologia para construir um
modelo neurofisiológico de tais experiências.
A espiritualidade e, em especial, a experiência mística capaz de uma
mudança radical na mente e no comportamento continua sendo um mistério
para a neurociência apesar de vários estudos tentarem localizar o “ponto de
Deus” onde supostamente seria desencadeado tal fenômeno. A experiência da
transcendência continua sendo um evento fascinante e um grande desafio para
neuroteologia, constituindo-se num grande tema para um elo entre a ciência e
a fé.
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Sobre a obra
O despertar espiritual ou da consciência é um processo que permite
entender o que está além desse plano de existência. E ter a percepção que esse
além não se encontra em algum lugar no céu, mas, sim, dentro de você e só
pode ser acessado por um processo interno.
Dentro do universo da espiritualidade temos o termo metanoia, palavra
grega que significa “arrependimento”, “conversão”, e que na essência quer
dizer uma mudança na cosmovisão, de pensamento, de caminho, ou seja, uma
transformação na mente. Metanoia designa muito mais que uma mera
“mudança de mentalidade”, designa uma conversão total da pessoa, uma
profunda transformação interior.
O objetivo desse livro é definir e descrever os elementos associados ao
processo do desenvolvimento da metanoia, incluindo o conceito de
espiritualidade e conversão, como também o olhar da neurociência sobre o
fenômeno da experiência mística, evento esse considerado essencial ao
desenvolvimento da metanoia e ao despertar da consciência.
As experiências místicas parecem representar a forma mais intensa de
experiência religiosa e espiritual, tanto em termos dos elementos inerentes à
própria experiência quanto dos aspectos transformacionais da experiência.
Ao avaliar alguns dos elementos mais comuns das experiências místicas,
podemos usar a neurociência associada à teologia para construir um modelo
neurofisiológico de tais experiências. A experiência da transcendência continua
sendo um evento fascinante e um grande desafio para neurociência,
constituindo num grande tema para um elo entre a ciência e a fé.
Sobre o autor

Dr. Rubens Camargo Siqueira

Médico oftalmologista especialista em retina, com doutorado em Ciências


Médicas pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado pelo CNPQ.
Fez graduação e pós-graduação em Teologia, Filosofia e também
especialização em Neurociência.
Criou o programa para desenvolvimento pessoal chamado “Inteligência
Existencial”.
Tem vários livros de medicina e também sobre espiritualidade. Pela
Scortecci Editora, publicou Metanoia – A transformação do coração (2ª edição;
2020) e Os passos para um novo EU – Um despertar para uma nova visão do mundo e de
si mesmo (2021).

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