O Direito Administrativo em Moçambique
O Direito Administrativo em Moçambique
O Direito Administrativo em Moçambique
Licenciatura em Direito
DIREITO ADMINISTRATIVO
O tutor: Dr.
Março, 2019
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Conteúdo
INTRODUÇÃO............................................................................................................................3
A sujeição da administração pública a regras distintas do direito privado...................................6
Os poderes.....................................................................................................................................7
O poder da decisão........................................................................................................................8
Decisão administrativa como uma técnica de governança eficaz.................................................8
O poder decisório unilateral..........................................................................................................8
O Princípio da Separação dos Poderes..........................................................................................9
O Poder Administrativo..............................................................................................................10
Manifestações do Poder Administrativo.....................................................................................10
O poder de execução...................................................................................................................10
Os processos judiciais.................................................................................................................10
O Poder de execução forçada......................................................................................................11
As decisões individuais de natureza administrativa e/ou financeira...........................................15
As decisões individuais de natureza administrativa....................................................................16
As decisões individuais de natureza financeira...........................................................................17
A protecção contra as acções em responsabilidade.....................................................................18
A protecção contra as injúrias e violências.................................................................................18
Decisões administrativas e sujeições...........................................................................................19
CONCLUSÃO............................................................................................................................20
Bibliografia..................................................................................................................................21
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INTRODUÇÃO
O Direito Administrativo faz parte do ramo do direito público, cuja principal característica é a
desigualdade jurídica entre as partes envolvidas. Por um lado, a Administração Pública defende
interesses colectivos; por outro, o particular. Se houver conflito entre esses interesses,
prevalecerá a comunidade colectiva, representada pela Administração Pública. Em Direito
Público, a Administração Pública estará sempre em um nível superior ao privado,
diferentemente do que é visto no Direito Privado.
Administração Pública é sujeita ao controlo dos tribunais comuns e às leis ordinárias como
qualquer cidadão e só eles actuam em relação com os particulares com prévia intervenção do
Poder judicial.
Nesta perspectiva, o direito é "um", no sentido de que, em princípio são as mesmas regras que
regem todas as relações jurídicas dentro de um mesmo Estado, qualquer que seja a natureza
dessas relações jurídicas.
Para ser mais rigoroso, isto não quer dizer que não existe um "Direito Administrativo" nos
países anglo-saxónicos. Em bom rigor, em todos os Estados, quaisquer que sejam, existe
necessariamente, do ponto de vista material, um conjunto de regras que se chama "Direito
Administrativo", que rege a organização e as competências das autoridades administrativas e
define os direitos e as garantias dos administrados quando eles sofrem um prejuízo em relação
às essas autoridades. O que não existe nesses países é um “modelo europeu” e, sobretudo, um
“modelo francês” de Direito Administrativo.
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Na prática, pode-se verificar, de uma maneira geral, que, apesar das diferenças que subsistem
entre os dois sistemas, os direitos administrativos dos países anglo-saxónicos continuam a se
desenvolver e distinguir-se de uma maneira mais clara dos princípios do Direito Privado.
Resultam dessa situação várias consequências: os agentes administrativos não estão sob a
autoridade directa dos tribunais comuns e das leis gerais, mas sim sob a autoridade hierárquica
de superiores que pertencem ao Poder Executivo e a sua actuação é regulada por leis e
regulamentos especiais; as autoridades administrativas gozam do "privilégio da execução
prévia", e as suas decisões gozam de "executoriedade" sem que seja necessário nenhuma
autorização prévia do Poder judicial; os agentes administrativos processados em
responsabilidade têm, até um determinado ponto, uma garantia administrativa; não existe só
uma espécie de jurisdição, mas uma dualidade de jurisdições, isto é, há uma jurisdição
administrativa ao lado da jurisdição comum, e essas duas ordens de jurisdições são
constitucionalmente separadas.
A análise da referida questão, numa perspectiva histórica, permite responder pela afirmativa à
pergunta da existência de um regime administrativo em Moçambique. Com efeito, a política de
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Apesar de constituir, segundo a fórmula de PROSPER WEIL, "um direito político" cuja
existência "... é em alguma medida o resultado de um milagre" - o Governo é o único que
detém directamente a força pública. - Pode-se dizer que o Direito Administrativo é um direito
ao serviço exclusivo do Poder Público e da Administração Pública.
JEAN RIVERO deixou claro que: "Por um lado, as regras do direito administrativo diferem das
regras do direito privado, conferindo poderes aos órgãos públicos que não existiam nas relações
entre os indivíduos: são todas as prerrogativas do poder público. Mas, pelo contrário, o direito
administrativo impõe muitas vezes à administração obrigações muito mais restritas do que as
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do direito privado, que, por exemplo, escolhem livremente o fim das suas actividades, enquanto
a administração se dedica ao exercício exclusivo do interesse geral. Eles escolhem livremente
seus empreiteiros, enquanto que para a Administração essa escolha resulta em grande parte de
processos de designação automáticos, seria possível multiplicar os exemplos dessas excepções
à lei comum, o que torna a Administração não mais poderosa, mas ligada, do que indivíduos
privados. Quase todas as regras do direito administrativo podem remontar a uma ou outra
destas derrogações ao direito privado - derrogações para re derrogações por menos - ambas as
quais podem ser explicadas pelas necessidades do interesse geral e, por vezes, pelas
necessidades do serviço público. "
Assim, é a luz destes parâmetros que analisarão o Direito Administrativo moçambicano, isto é,
um direito que confere à Administração prerrogativas sem equivalentes nas relações privadas
(A) e um direito que impõe as disciplinas da Administração mais estritas que as que são
indivíduos submetidos. As prerrogativas da administração moçambicana à luz da lei em vigor
Um dos princípios estruturantes do regime administrativo é que a Administração deve ter os
privilégios e poderes para desempenhar com eficiência as tarefas e tarefas que lhe são
atribuídas de interesse público. As prerrogativas da administração moçambicana podem ser
classificadas em duas grandes categorias. Em primeiro lugar, a Administração Pública tem
poderes sobre os indivíduos (a); em segundo lugar, a administração pública goza de protecções
especiais que lhes são concedidas pela ordem legal contra a acção privada.
Os poderes
O poder da decisão
Lato senso a decisão é um ato jurídico pelo qual uma autoridade administrativa modifica a
ordem jurídica. O termo está expressamente consagrado na Constituição da República no que
diz respeito à determinação do alcance do conhecimento do Tribunal Administrativo.
O poder de decisão unilateral pode ser definido como o poder de modificar unilateralmente o
sistema legal por autoridade exclusiva e sem a necessidade de obter o acordo da parte
interessada.
Segundo, no nível individual, com a possibilidade de tomar decisões que se aplicam em casos
individuais e concretos. É o caso, por exemplo, quando o Ministro da Mulher e Acção Social
delega poderes ao Director de Recursos Humanos do seu ministério, nomeadamente quando o
Primeiro-ministro anula um prémio ou quando o Ministro do Interior emite uma ordem de
expulsão. Cidadão estrangeiro.
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Este princípio consiste numa dupla distinção: a distinção intelectual das funções do Estado, e a
política dos órgãos que devem desempenhar tais funções – entendendo-se que para cada função
deve existir um órgão próprio, diferente dos demais, ou um conjunto de órgãos próprios.
a) A separação dos órgãos administrativos e judiciais: Isto significa que têm de existir
órgãos administrativos dedicados ao exercício da função administrativa, e órgãos dedicados ao
exercício da função jurisdicional. A separação das funções tem de traduzir-se numa separação
de órgãos.
b) A incompatibilidade das magistraturas: não basta porém, que haja órgãos diferentes: é
necessário estabelecer, além disso, que nenhuma pessoa possa simultaneamente desempenhar
funções em órgãos administrativos e judiciais.
O Poder Administrativo
Falar em poder executivo, de modo a englobar nele também as autarquias locais e outras
entidades, não é adequado. Assim, preferível usar a expressão poder administrativo, que
compreende de um lado o poder executivo do Estado e das outras as entidades públicas
administrativas não estaduais. A Administração Pública é, efectivamente, uma autoridade, um
poder público – é o Poder Administrativo.
O poder de execução
A Administração dispõe de duas vias para garantir o cumprimento material das suas decisões:
uma via que se pode considerar de “comum” no sentido de que a Administração como o
particular pode recorrer ao juiz para fazer cumprir a sua decisão (2.1); a segunda é mais
original, é a própria Administração que, sem a intervenção prévia de qualquer autoridade
judicial, procede ela própria, à execução material das suas decisões: é o Poder de execução
forçada (2.2.).
Os processos judiciais
Estes processos são essencialmente de natureza penal. Se um particular recusa cumprir com
uma decisão administrativa, ele poderá ser processado perante a jurisdição penal e condenado a
penas de multas e de prisão consoante a gravidade da infracção cometida. Esta situação
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Não existe no ordenamento jurídico moçambicano normas jurídicas que regulam, de forma
geral, a execução forçada. Pelo contrário, são vários diplomas que estabelecem, caso a caso, o
regime aplicável num determinado sector.
a) O Poder Regulamentar:
Estes regulamentos que a Administração Pública tem o Direito de elaborar são considerados
como uma fonte de Direito (autónoma).
A Administração Pública goza de um poder regulamentar, porque é poder, e com tal, ela tem o
direito de definir genericamente em que sentido vai aplicar a lei. A Administração Pública tem
de respeitar as leis, tem de as executar: por isso ao poder administrativo do Estado se chama
tradicionalmente poder executivo. Mas porque é poder, tem a faculdade de definir previamente,
em termos genéricos e abstractos, em que sentido é que vai interpretar e aplicar as leis em
vigor: e isso, fá-lo justamente elaborando regulamentos.
Este poder é um poder unilateral, quer dizer, a Administração Pública pode exercê-lo por
exclusiva autoridade sua, e sem necessidade de obter acordo (prévio ou à posteriori) do
interessado.
Por exemplo: é a Administração que determina o montante do imposto devido por cada
contribuinte.
A Administração declara o Direito no caso concreto, e essa declaração tem valor jurídico e é
obrigatória, não só para os serviços públicos e para os funcionários subalternos, mas também
para todos os particulares.
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Pode a lei exigir, e muitas vezes exige, que os interessados sejam ouvidos pela Administração
antes desta tomar a sua decisão final.
Pode a lei, e permite, que os interessados recorram das decisões unilaterais da Administração
Pública para os Tribunais Administrativos, a fim de obterem a anulação dessas decisões no
caso de serem ilegais. A Administração decide, e só depois é que o particular pode recorrer da
decisão. E não é a Administração que tem de ir a Tribunal para legitimar a decisão que tomou:
é o particular que tem de ir a Tribunal para impugnar a decisão tomada pela Administração.
Consiste este outro poder, na faculdade que a lei dá à Administração Pública de impor
coactivamente aos particulares as decisões unilaterais que tiver tomado. O recurso contencioso
de anulação não tem em regra efeito suspensivo, o que significa que enquanto vai decorrendo o
processo contencioso em que se discute se o acto administrativo é legal ou ilegal, o particular
tem de cumprir o acto, se não o cumprir, a Administração Pública pode impor coactivamente o
seu acatamento.
O privilégio de execução prévia é definido pela alínea g) do Artigo 1 do Decreto n.º 30/2001,
de 15 de Outubro como “poder ou capacidade legal de executar actos administrativos
definitivos e executórios, antes da decisão jurisdicional sobre o recurso Interpostos pelos
interessados”. Este privilégio constitui, de acordo com a alínea a) do Artigo 16 do referido
Decreto uma garantia da Administração Pública; como estabeleceu a Primeira Secção no
Acórdão WACKENHUT MOÇAMBIQUE, LIMITADA, de 30 de Outubro de 2007, os
principais atributos que caracterizam o acto administrativo são: “... a imperatividade, que
consiste na prerrogativa que tem a Administração Pública de fazer valer a sua autoridade,
tornando obrigatório o conteúdo do seu acto para todos aqueles a quem mesmo se dirige, os que
têm de o acatar, no caso dos particulares; e a exigibilidade/auto- executoriedade, em virtude dos
quais, em face do não acatamento ou incumprimento da decisão, pelos particulares, a
Administração Pública, em consequência do privilégio de execução prévia de que goza, pode
impor e mandar cumprir, coactivamente e por meios próprios, as obrigações criadas pelo acto
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É importante realçar que esta prerrogativa de execução prévia está sujeita a uma obrigação: a
Administração não pode renunciar neste privilégio. Com efeito, as prerrogativas da
Administração Pública não lhes são atribuídas nem no seu próprio interesse, e nem no interesse
dos funcionários, mas, pelo contrário, pela prossecução do interesse geral. Assim, a
Administração não pode renunciar ao privilégio de execução prévia, mesmo se desejá-lo.
E de novo, nesta matéria, como é próprio do Direito Administrativo, esse regime é diferente
para mais, e para menos. Para mais, porque a Administração Pública fica a dispor de
prerrogativas ou privilégios de que as partes nos contractos civis não dispõem; e para menos,
no sentido de que a Administração Pública também fica sujeita a restrições e a deveres
especiais, que não existem em regra nos contractos civis.
A prestação forçada pode ter, também, um carácter temporário. É o caso, em particular, quando
a Administração, pelas necessidades impostas pela execução de uma obra pública, ocupa,
temporariamente, o terreno de um particular e isto, mesmo se este não concorda com esta
medida.
Em terceiro lugar, o regime da função pública integra numerosos actos unilaterais que a
Administração realiza desde o ingresso do agente na função pública até a sua reforma (por
exemplo, despachos de despromoção, demissão ou expulsão).
Assim, a Administração tem a possibilidade de tomar medidas que podem se impor a toda uma
categoria de particulares ou a todos eles.
Esta prestação pode ter um carácter definitivo. É o caso, em particular, numa situação
A prestação forçada pode ter, também, um carácter temporário. É o caso, em particular, quando
a Administração, pelas necessidades impostas pela execução de uma obra pública, ocupa,
temporariamente, o terreno de um particular e isto, mesmo se este não concorda com esta
medida.
Em terceiro lugar, o regime da função pública integra numerosos actos unilaterais que a
Administração realiza desde o ingresso do agente na função pública até a sua reforma (por
exemplo, despachos de despromoção, demissão ou expulsão).
Ela pode, também, impor modificações unilaterais do contrato, tais como um aumento ou
redução do volume das obras.
Administração como “sujeito activo da relação tributária” pode cobrar impostos ou seja, a
Administração é “titular de direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias” quando
autorizada por lei enquanto é vedado a um particular exercer um poder tributário sobre um
outro particular.
As protecções
Nesta perspectiva, pode-se distinguir dois tipos de protecção: a dos seus agentes (A); e a dos
seus bens (B).
Os funcionários das administrações públicas dispõem de uma protecção particular que lhe é
garantida, não apenas no seu interesse, mas, também, no interesse da administração.
Dois pontos de vista podem ser analisados para ilustrar esta protecção. Primeiro do ponto de
vista civil, os funcionários beneficiam de uma protecção contra as acções em responsabilidade
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(a); segundo, do ponto de vista estatutário, os funcionários beneficiam de uma protecção contra
injúrias e violências a eles dirigidas (b).
Regra geral, caso um funcionário cause danos decorrentes de um facto ilícito culposo não é ele
próprio que deverá reparar o prejuízo causado, mas a própria Administração, o que constitui, ao
mesmo tempo, uma prerrogativa, ou seja, a protecção dos funcionários, e uma sujeição porque
a Administração deverá indemnizar a entidade prejudicada no lugar do funcionário causador do
prejuízo.
Sendo o facto ilícito praticado pelo agente no exercício das suas funções e por causa desse
exercício, a responsabilidade compete a Administração ou seja, pelos danos produzidos é
responsável a pessoa colectiva de direito público a que pertença o agente; no caso contrário,
isto é, se o funcionário excedeu os limites das suas funções – os “actos e decisões (...) não
forem praticados dentro da sua competência legal, com observância das formalidades essenciais
estabelecidas na lei e para os fins desta” - responsabilidade compete exclusivamente aos
titulares dos órgãos e aos agentes da pessoa colectiva de direito público, ou seja, pelos danos
produzidos é responsável, única e exclusivamente, a pessoa do seu autor.
No plano estatutário, uma protecção é reconhecida aos funcionários contra injúrias e violências
de que podem ser vítimas no exercício das suas funções. Esta protecção é expressamente
afirmada no Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (alíneas c) e k) do Artigo 42)
e mais particularmente, no Código Penal. Com efeito, o Artigo 182.° do referido Código prevê
que: “O crime declarado no artigo precedente, cometido contra algum agente da autoridade ou
força pública (...) no exercício das respectivas funções, será punido com prisão até três meses”
e que: “Se as ofensas corporais, de que trata o artigo antecedente, forem praticadas contra as
pessoas designadas no artigo 182.°, Serão punidas com as penas estabelecidas para as ofensas
corporais nos artigos 359.° e seguintes, mas sempre agravadas”. Do mesmo modo a coacção
contra empregado público é punido nos termos do Artigo 187.° do Código Penal.
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Numerosas sujeições enquadram o regime jurídico das decisões da Administração dentro das
quais se pode destacar o princípio de intangibilidade das decisões individuai constitutivas de
direitos (1.1.), o princípio de publicidade da actividade administrativa (1.2.) o princípio de
prossecução do interesse público (1.3.).
As decisões, quer regulamentares quer individuais, são oponíveis aos particulares depois de
terem sido levadas ao seu conhecimento pela publicação ou pela notificação.
CONCLUSÃO
Não se pode esquecer, parafraseando PROSPER WEIL que: “... A conquista do Estado pelo
direito é relativamente recente e não está ainda terminada em toda a parte. Os lentos progressos
da organização internacional revelam-nos, num outro aspecto, esta repugnância de qualquer
“soberania” em admitir outro julgamento além do seu”. O Direito Administrativo materializa o
processo de autolimitação do Poder Público através do que MAURICE HAURIOU chamava a
“instituição administrativa”.
Bibliografia
HAURIOU M., Précis de Droit Administratif et de Droit Public, Paris, Recueil Sirey, 11ª ed.,
1927, p. 1.
LAWSON F.H., "Le droit administratif anglais", RIDC, 1951, pp. 412-426
RODRIGUES QUEIRÓ A., Lições de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra - 1976, p. 140
CISTAC G., Manual de Direito das Autarquias Locais, Ed. Faculdade de Direito da UEM -
Imprensa Universitária, 2001.