Ana Rita Gil
Ana Rita Gil
Ana Rita Gil
COMISSÃO CIENTÍFICA
DIRETOR
M. Januário da costa Gomes
COMISSÃO DE REDAÇÃO
Pedro infante Mota
catarina Monteiro Pires
Rui tavares lanceiro
Francisco Rodrigues Rocha
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Guilherme Grillo
PROPRIEDADE E SECRETARIADO
Faculdade de direito da universidade de lisboa
alameda da universidade – 1649-014 lisboa – Portugal
ESTUDOS DE ABERTURA
ESTUDOS DOUTRINAIS
3
João de Oliveira Geraldes
277-307 sobre os negócios de acertamento e o artigo 458.º do código civil
On the declaratory agreements and the article 458 of the Civil Code
José Luís Bonifácio Ramos
309-325 do Prémio ao Pagamento da Franquia e Figuras afins
From Premium to Deductible Payments and Related Concepts
Judith Martins-Costa | Fernanda Mynarski Martins-Costa
327-355 Responsabilidade dos agentes de Fundos de investimentos em direitos creditórios
(“Fidc”): riscos normais e riscos não suportados pelos investidores
Liability of Agents of Receivables Investment Funds: normal risks and risks not borne by investors
Luís de Lima Pinheiro
357-389 o “método de reconhecimento” no direito internacional Privado – Renascimento
da teoria dos direitos adquiridos?
The “Recognition Method” in Private International Law – Revival of the Vested Rights Theory?
Mario Serio
391-405 contract e contracts nel diritto inglese: la rilevanza della buona fede
Contract e contracts: a relevância da boa fé
Miguel Sousa Ferro | Nuno Salpico
407-445 indemnização dos consumidores como prioridade dos reguladores
Consumer redress as a priority for regulators
Peter Techet
447-465 carl schmitt against World unity and state sovereignty – schmitt’s concept of
international law
Carl Schmitt contra a Unidade Mundial e a Soberania do Estado – O Conceito de Direito Internacional
de Schmitt
Pierluigi Chiassoni
467-489 legal Gaps
Lacunas jurídicas
Rafael Oliveira Afonso
491-539 o particular e a impugnação de atos administrativos no contencioso português e da
união europeia
Private applicant and the judicial review of administrative acts in the Portuguese and EU legal order
Renata Oliveira Almeida Menezes
541-560 a justiça intergeracional e a preocupação coletiva com o pós-morte
The inter-generational justice and the collective concern about the post-death
Rodrigo Lobato Oliveira de Souza
561-608 Religious freedom and constitutional elements at the social-political integration
process: a theoretical-methodological approach
Liberdade religiosa e elementos constitucionais no processo de integração sociopolítica: uma abordagem
teorético-metodológica
4
Telmo Coutinho Rodrigues
609-640 “com as devidas adaptações”: sobre os comandos de modificação nas normas remissivas
como fonte de discricionariedade
“Mutatis mutandis”: on modification commands in referential norms as a source of discretion
ESTUDOS REVISITADOS
Pedro de Albuquerque
657-724 venda real e (alegada) venda obrigacional no direito civil, no direito comercial e
no âmbito do direito dos valores mobiliários (a propósito de um estudo de inocêncio
Galvão telles)
Real sale and the (so-called) obligational sale in civil law, in commercial law and in securities law
(about a study of Inocêncio Galvão Telles)
JURISPRUDÊNCIA CRÍTICA
Jaime Valle
791-802 a quem cabe escolher os locais da missão diplomática permanente? – comentário
ao acórdão de 11 de dezembro de 2020 do tribunal internacional de Justiça
Who can choose the premises of the permanent diplomatic mission? – Commentary on the Judgment
of 11 December 2020 of the International Court of Justice
5
Jorge Duarte Pinheiro
803-815 Quando pode o estado separar as crianças dos seus progenitores? – o caso Neves
Caratão Pinto c. Portugal
In which circumstances can a State separate children from their parents? – case neves caratão
Pinto v. Portugal
6
O caso Neves Caratão Pinto c. Portugal: (mais) um
olhar do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
sobre a aplicação de medidas de promoção e proteção
a crianças em perigo
The case Neves Caratão Pinto vs. Portugal: one (more) look
at the application of promotion and protection measures
to children at risk by the European Court of Human Rights
Resumo: no caso Neves Caratão Pinto c. Abstract: in the case of Neves Caratão Pinto
Portugal, o tribunal europeu dos direitos c. Portugal, the european court of Human
Humanos condenou o estado Português Rights condemned the Portuguese state
por violação do artigo 8.º da convenção for violating article 8 of the european
europeia dos direitos Humanos, devido convention on Human Rights, due to the
à aplicação, a dois menores, de medidas de application of protection measures to two
promoção e proteção que implicaram a sua minor children, which entailed, for many
retirada da casa materna e o acolhimento years, their removal from the maternal home
junto de outros familiares durante largos and their placement with other family mem-
anos. a duração das medidas, a falta de ava- bers. the duration of the measures, the lack
liação adequada da necessidade de renovação of adequate assessment of the needs to renew
das mesmas, e a falta de garantia efetiva de them, and the suspension of the mothers’
um direito de visita à recorrente-mãe, bem visits, as well as the excessive length of
como a duração excessiva dos processos, the proceedings, led the strasbourg judges
levaram a que os juízes de estrasburgo to conclude that the state had made an
concluíssem que as medidas estaduais haviam illegitimate interference in the applicant’s
constituído ingerências ilegítimas na vida family life.
familiar da recorrente. Keywords: children’s Protection Measures;
Palavras-chave: Medidas de Promoção e Right to respect for family life; european
Proteção de crianças e Jovens; direito ao court of Human Rights; article 8 of the
*
Professora auxiliar convidada da Faculdade de direito da universidade de lisboa e investigadora
do centro de investigação de direito Público. e-mail: [email protected].
respeito pela vida Familiar; tribunal europeu european convention on Human Rights;
dos direitos Humanos; artigo 8.º da Placement in foster families; visitation rights.
convenção europeia dos direitos Humanos;
Medida de acolhimento junto de outro
familiar; direito de visita.
1. Introdução
1
acórdão de 13 de julho de 2021, queixa n.º 28443/19.
2
Para uma análise deste método de decisão, v. JoRGe duaRte PinHeiRo, “direito ao respeito pela
vida familiar”, a.vv., Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais,
Paulo Pinto de albuquerque (org.), vol. ii, universidade católica editora, 2019, pp. 1511-1537,
susana alMeida, Familia a la luz de Convenio Europeo de Derechos Humanos, Juruá editorial, 2016.
766
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
razões muito fortes podem ditar a separação de crianças dos seus progenitores. o
acórdão vem, pois, na linha de uma jurisprudência pacífica do tedH em matéria
de proteção do direito à manutenção da unidade familiar, na qual se inserem, aliás,
como se verá, outras condenações do estado Português.
a decisão em presença tem, porém, um aspeto menos comum, por tecer
considerações em relação a um processo ainda em curso nos tribunais portugueses
– o processo de regulação das responsabilidades parentais dos menores envolvidos.
importará analisar de que forma poderá esta condenação influenciar o processo
pendente, bem como contribuir para a prevenção de outras violações do artigo
8.º cedH pelas autoridades portuguesas.
ii. o caso teve na sua origem uma queixa deduzida pela mãe de duas crianças
gémeas, d. e t., que haviam sido objeto de uma medida de promoção e proteção
de confiança a outros membros da família. tais medidas haviam sido inicialmente
aplicadas na sequência de várias denúncias de conflitualidade entre os progenitores,
alcoolismo do pai e negligência em relação às crianças. Quando os menores tinham
apenas quatro meses, a 30 de março de 2012, foi celebrado um acordo de promoção
e proteção, através do qual foi aplicada a medida de apoio junto de outro familiar,
prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea b) e 40.º da lei de Proteção de crianças e
Jovens em Perigo (lPcJ)3. um dos menores ficaria à guarda da filha maior da
3
lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada, por último, pela lei n.º 26/2018, de 05/07.
recorrente (F.), e o outro à guarda dos tios paternos (a.). as famílias de acolhimento
ficaram vinculadas a promover o encontro entre os irmãos e a permitir a visita dos
progenitores. a recorrente e o companheiro ficaram vinculados a respeitar o
quotidiano das famílias de acolhimento, a visitar as crianças, de preferência aos
fins-de-semana e na casa dos avós paternos, mediante aviso e combinação prévia.
a mãe comprometeu-se ainda a “procurar emprego ativamente”, bem como
alojamento adequado que permitisse o regresso rápido das crianças aos seus cuidados.
o pai, por seu turno, deveria procurar tratamento para o problema de alcoolismo.
Findo o prazo desta primeira medida, a situação foi reavaliada: a mãe invocava
já ter encontrado emprego e ter-se separado do pai, pelo que já não existiria um
ambiente inseguro no seu lar. a comissão de Proteção de crianças e Jovens
(cPcJ) visitou a casa da mãe, considerando haver condições adequadas para
acolher as crianças. Já o pai veio ao processo opor-se a que a recorrente recebesse
as crianças, alegando que esta não tinha as necessárias capacidades parentais. Por
seu turno, as famílias de acolhimento referiam que as visitas da mãe às crianças
não se processavam de forma serena, pelo que era seu entendimento que esta
ainda não conseguiria proporcionar um ambiente adequado para os filhos. a
cPcJ propôs então a renovação da medida por mais seis meses, mas com alargamento
dos contactos entre a progenitora e os menores. Por oposição dos cuidadores a
tal alargamento e impossibilidade de celebração de um acordo de promoção e
proteção daí decorrente, foi o processo remetido ao tribunal competente. em
sede judicial, foram as medidas renovadas pelo prazo proposto. nesta renovação,
porém, determinou-se que as visitas da mãe – tendo em conta os relatos de alguma
agitação das mesmas, “deveriam ser mais espaçadas”, em fins-de-semana alternados,
e supervisionadas.
a partir de 2014, os processos de proteção foram divididos, em função da re-
sidência dos menores: o processo de d. passou para o tribunal de lisboa, e o
processo relativo a t. para o tribunal de amadora-sintra. os dois tribunais con-
tinuaram a decidir pela renovação sucessiva das medidas de acolhimento junto de
outro familiar. na base destas várias renovações esteve sempre a tomada em
consideração dos relatórios das entidades envolvidas, que davam conta de que as
visitas não se passavam de forma tranquila: a mãe demonstrava uma permanente
angústia junto das crianças, não respeitava o espaço das mesmas e era conflituosa
com as famílias de acolhimento. os tribunais competentes requereram várias
perícias psiquiátricas à progenitora que, no entanto, relataram que a mesma não
sofria de qualquer problema de saúde mental, apesar da agitação e angústia que a
separação dos filhos lhe provocava, bem como os sentimentos de revolta em relação
às medidas aplicadas aos menores.
768
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
as visitas da mãe aos menores, que até 2014 se vinham a realizar de forma
supervisionada e bimensal foram, entretanto, interrompidas para ambos os filhos
por decisão judicial. após essa data, passaram suceder-se, de forma incerta, períodos
de reencontros e períodos de interrupção de convivência. estes últimos chegaram
a perdurar por mais de um ano, interpolados de pequenos períodos de contactos,
sempre supervisionados.
havia melhorado substancialmente. Por outro lado, a suspensão das visitas havia
provocado uma quebra gravosa do direito à unidade familiar – tão mais incompreensível
quando o pai dos menores não havia sofrido medida equivalente.
a recorrente não contestou a legalidade das medidas de ingerência, mas alegou
que as mesmas não possuíam um fim legítimo, nem eram proporcionais aos fins visados.
no seu entender, as autoridades nacionais haviam feito prevalecer os interesses das
famílias de acolhimento sobre os seus interesses como mãe, não tendo, aliás, tido
em conta os conflitos existentes entre ambas. Mais invocou não constar do processo
nenhum elemento que demonstrasse a falta de aptidões parentais, e que as numerosas
avaliações psicológicas a que se havia submetido não haviam determinado nenhuma
perturbação para além da angústia decorrente da separação dos filhos.
neste seguimento, concluiu que as autoridades portuguesas não haviam levado
a cabo as medidas necessárias para assegurar o retorno das crianças aos cuidados
maternos ou de garantir um direito de visita.
a recorrente invocou ainda a violação do direito a um processo equitativo,
garantido no artigo 6.º da cedH, em particular devido à demora excessiva dos
dois processos de proteção e à multiplicação de diligências, com reenvios sucessivos
de um tribunal a outro. no seu entender, tal demora contribuiu para uma rutura
dos laços familiares, levando uma situação de facto dificilmente ultrapassável. a
recorrente invocou ainda que os menores nunca haviam sido ouvidos nem sujeitos
a qualquer avaliação psicológica.
ii. o Governo Português por seu turno, invocou que inicialmente se haviam
tomado todas as medidas necessárias para garantir o exercício do direito de visita
à recorrente. no entanto, devido a alguns comportamentos desta, relatados pelas
famílias de acolhimento, entendeu-se ser necessária a sua supervisão, e mesmo a
sua suspensão. tais decisões fundaram-se no facto de a recorrente manter uma
atitude hostil em relação à intervenção, bem como ao facto de as visitas acarretarem
a desestabilização dos filhos.
no que toca à violação do direito a um processo justo e equitativo, o Governo
considerou que a recorrente teve acesso a um processo justo, tendo tido a oportunidade
de ser ouvida, deduzir as pretensões tidas como convenientes, apresentar provas e
fazer recursos. no que toca à duração do mesmo, o Governo indicou a necessidade
de se agir com prudência na matéria, face à premência dos interesses dos menores
envolvidos.
770
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
4
assim, também, Paulo GueRRa e Helena bolieiRo, A Criança e a Família – uma Questão de
Direitos, coimbra editora, 2ª edição, 2014, p. 33. sobre o regime constitucional das matérias
objeto do direito da Família, v. JoRGe duaRte PinHeiRo, O Direito da Família Contemporâneo,
5.ª edição, almedina, 2016, pp. 66 e ss. sobre os deveres de proteção no contexto do direito das
crianças, v. JosÉ de Melo aleXandRino, “os direitos das crianças – linhas para uma construção
unitária”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 68, i, janeiro 2008, p. 304.
5
sobre o regime da regulação das responsabilidades parentais, v. JoRGe duaRte PinHeiRo, O Direito
da Família Contemporâneo, cit., p. 218 e ss.
já, pois, para algumas considerações feitas pelo tedH em relação a tal processo
que merecerão reflexão mais à frente.
6
sobre o papel do sistema de promoção de proteção de crianças e jovens em perigo, v. aRMando
leandRo, “o papel do sistema de promoção de proteção de crianças em Portugal – o definitivo
balanço de 14 anos de vigência”, in aa.vv., I Congresso de Direito da Família e das Crianças, Paulo
Guerra (org.), almedina, 2016. sobre o regime da lPcJ e, geral, v. Paulo GueRRa e Helena
bolieiRo, A Criança e a Família, cit., p. 33 e ss.
7
sobre a sujeição de crianças a contexto de violência doméstica, v., entre nós, ana teResa leal,
“crianças expostas à violência familiar: vítimas (in)directas do crime de violência doméstica”,
Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2020-i, pp. 147-172 e sÉRGio MiGuel JosÉ coRReia,
“Maus tratos parentais – considerações sobre a vitimização e vulnerabilidade da criança no contexto
parental-filial”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ano lXii, 2021, n.º 1,
tomo 2, pp. 899-941.
8
sobre este ponto, v. Paulo GueRRa e Helena bolieiRo, A Criança e a Família, cit. p. 41 e ss.
772
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
9
as medidas encontram-se divididas entre medidas a ser aplicadas “em meio natural de vida” e
medidas de colocação (artigo 35.º, n.º 2 da lPcJ). integram as primeiras o apoio junto dos pais,
o apoio junto de outro familiar, a confiança a pessoa idónea e o apoio para a autonomia de vida.
as segundas consistem no acolhimento residencial e na confiança a pessoa selecionada para a adoção,
a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
10
assim, também, JoRGe duaRte PinHeiRo, O Direito da Família Contemporâneo, cit., p. 289 e
ss.
a última fonte do direito referida pelo tedH foi a convenção dos direitos
da criança de 1989. esta referência é também um aspeto constante nos casos em
que estão envolvidas crianças, suprindo a falta de uma referência na convenção a
um princípio do “interesse superior da criança”11.
11
note-se, porém, que o artigo 5.º do Protocolo n.º 7 faz referência ao interesse dos filhos na
determinação, em condições de igualdade, dos direitos e responsabilidades dos cônjuges. sobre a
ampla referência ao “interesse superior da criança” na jurisprudência do tedH, v. lÍGia abReu,
“crianças” in aa.vv., Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos
Adicionais, vol. iii, universidade católica editora, 2020, p. 2770 e ss.
12
acórdão de 21/06/1988, Berrehab c. Países Baixos, queixa n.º 10730/84.
13
acórdão de 08/07/1987, B. c. Reino Unido, queixa n.º 9840/82.
14
note-se, porém, que o tedH tem já também considerado poder constituir vida familiar a união
entre crianças e adultos, não obstante a ausência de ligação biológica, precisamente em alguns casos
de acolhimento familiar. assim, no caso Moretti e Benedetti c. Itália considerou poderem existir tais
laços, tendo em conta o tempo decorrido em que a criança viveu com a família de acolhimento, a
774
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
ii. uma ingerência15 consiste numa medida que afete uma vida familiar existente:
sejam decisões concretas – v.g. afastamento de membros da família, de privação
de contactos, sejam medidas gerais com aplicação a número indeterminado de
casos. a ingerência pode constituir uma atuação positiva do estado, ou uma
omissão, quando sobre este recaía uma obrigação positiva. de facto, o tedH tem
continuamente afirmado que decorre do artigo 8.º da cedH não só o dever de
abstenção de interferência arbitrária na vida familiar, mas ainda o dever de agir
para garantir esse direito, quando o mesmo esteja afetado por algum motivo16.
nenhuma das partes contestou ter existido uma ingerência estadual na vida
familiar da recorrente. o tedH considerou que logo a primeira medida, decidida
através de acordo de promoção e proteção, consubstanciava já uma ingerência.
neste contexto, teve em conta o facto de a recorrente ter assinado o acordo quando
se encontrava num contexto de conflito conjugal e de fragilidade emocional – e,
por isso, de “grande vulnerabilidade”. equiparou, assim, uma medida tomada com
a concordância da recorrente a uma medida tomada contra a sua vontade.
seguidamente, o tedH analisa se a ingerência foi legítima, i.e., se cumpriu
todos os requisitos enunciados no n.º 2 do artigo 8.º, a saber: (1) estar prevista na
lei, (2) visar um fim legítimo e (3) ser necessária numa sociedade democrática.
trata-se de uma tríade de condições, inspirada no artigo 29.º da declaração
universal dos direitos Humanos, e que podem ser resumidas às exigências de
legalidade, legitimidade e necessidade17.
qualidade dos laços estabelecidos e o papel assumido pelos adultos na vida do menor (acórdão de
27/04/2010, queixa n.º 16318/07).
15
apesar de algumas divergências na doutrina, considera-se que as ingerências corresponderão a
verdadeiras restrições ou intervenções restritivas ao direito a levar a cabo uma vida familiar protegida
pelo n.º 1 do artigo 8.º da cedH. dando conta das várias flutuações terminológicas na doutrina,
que oscilam entre a qualificação como “limitações”, “restrições”, “interferências”, “condições” v.
vincent coussiRat-coustÈRe, “article 8 §2”, aa.vv., La Convention Européenne des Droits de
l’Homme – Commentaire Article par Article, louis edmond Pettiti, emmanuel decaux & Pierre-Henri
imbert (dir.), economica, 1999, p. 323 e ss., e PeteR KeMPees, “«legitimate aims» in the case-law
of the european court of Human Rights”, aa.vv., Protection des Droits de l’Homme: la Perspetive
Européenne, Paul Mahoney, Franz Matscher, Herbert Petzold & luzius Wildhaber (ed.), carl Heymanns
verlag KG, 2000, p. 659.
16
acórdão de 13/06/1979, Marckx c. Bélgica, queixa n.º 6833/74.
17
nos termos do artigo 29.º da dudH, “no exercício destes direitos e no gozo destas liberdades
ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover
o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas
exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática”. também aí,
pois, se fazem exigências respeitantes à origem da restrição – que tem de estar prevista na lei –, bem
como respeitantes à prevenção de arbitrariedade – a restrição ter de visar um dos fins enumerados.
em primeiro lugar, a ingerência tem de estar prevista na lei. este requisito visa
garantir a prevenção de decisões administrativas arbitrárias e o respeito pelo princípio
da igualdade. de acordo com a jurisprudência pacífica do tedH, “lei” deve ser
entendida em sentido material: deverá fazer parte do direito vinculante do estado,
pelo que estão, assim, abrangidas as convenções internacionais aplicáveis na ordem
interna, bem como os atos regulamentares que tenham por base uma lei interna.
o tedH exige ainda que a lei tenha certas “qualidades”: tem de ser acessível,
justiciável, previsível e suficientemente clara18.
no caso, as partes também não contestavam que a ingerência se encontrava
prevista na lei. apreciando, o tedH constatou que a medida de proteção se
encontrava prevista nos artigos. 35.º, n.º 1, alínea b) e 40.º da lPcJP, e que as
responsabilidades parentais haviam sido fixadas provisoriamente com base nos
artigos. 1907.º e 1918.º do código civil, e do artigo 28.º da lei n.º 141/2015
de 8 de setembro, pelo que cumpriam o requisito da legalidade.
em segundo lugar, a medida de ingerência tem de prosseguir um fim legítimo.
o n.º 2 do artigo 8.º enumera, de forma taxativa, os fins que podem ser tidos
como legítimos19, a saber: a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da
ordem e a prevenção de infrações penais, a proteção da saúde e da moral, a proteção
dos direitos e liberdades de terceiros, bem como o bem-estar económico do país.
alguns destes motivos remetem para alguma margem de apreciação dos estados,
que estão melhor posicionados para aferir se um destes interesses se verifica na
prática. Mas é o tedH que procede à qualificação do fim em presença, e o enquadra
numa destas categorias, independentemente da qualificação estadual.
como se viu, as partes divergiam neste ponto. o tedH foi de opinião de
que tanto a medida de promoção e proteção como as suas renovações haviam sido
tomadas para se prosseguir um fim legítimo: proteger as crianças de risco de
negligência e de um ambiente familiar inseguro. assim, tais medidas inserir-se-iam
no fim de proteção dos direitos e liberdades de terceiros: no caso, a proteção do
“direito à saúde” e dos “direitos e interesses das crianças”. É de estranhar a especificação
destes “direitos” assim enumerados, já que os últimos são extremamente vagos.
a medida tem, depois de ser “necessária numa sociedade democrática”. a doutrina
tem considerado que se trata, aqui, da convocação do princípio da proporcionalidade
no entanto, contrariamente à dudH, que estabeleceu uma cláusula geral de restrição, na cedH
optou-se por se estabelecer cláusulas de restrição por cada direito individualmente considerado.
18
v. acórdão no caso Slivenko c. Letónia, 09/10/2003, queixa n.º 48321/99.
19
Para uma análise detalhada do significado de cada um dos “fins legítimos” enumerados, v. PeteR
KeMPees, “«legitimate aims»”, cit., 660 e ss.
776
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
20
sobre o princípio da proporcionalidade na jurisprudência do tedH v., em geral, MaRc-andRÉ
eissen, “le Principe de Proportionalité dans la Jurisprudence de la cour européenne des droits
de l’Homme” Documentação e Direito Comparado, n.º 55/56, 1993, p. 279.
21
Refere o tedH: l’intérêt de l’enfant doit passer avant toute autre considération, para. 10. o tedH
segue, assim, de perto, a formulação do artigo 3.º da convenção dos direitos da criança. v., sobre
este ponto, o caso Maumousseau e Washington c. França, acórdão de 06/12/2007, queixa n.º 25803/94.
22
sublinha o tedH que “todas as autoridades públicas estão vinculadas pela obrigação positiva
de tomar as medidas necessárias de forma a facilitar a reunião da família logo que possível. assim,
o acórdão de 10/09/2019, Strand Lobben e outros c. Noruega, queixa n.º 37283/13.
de ingerência devem ser temporárias e ter como fim último a reunião da família23; (7)
ainda assim, tal obrigação positiva não é absoluta, pois pode suceder que os menores
já tenham residido durante um longo período de tempo com outras pessoas, e não
possam ver esses novos laços quebrados repentinamente; (8) nessa eventualidade,
podem ser necessários preparativos para a reunificação familiar – tais preparativos
dependerão das circunstâncias específicas de cada caso e da cooperação de todos os
envolvidos; (9) em casos extremos, tais como os de violência ou negligência, o
tedH aceita a hipótese de quebra definitiva da unidade familiar, atendendo a que
esta será a única forma de proteção do interesse superior da criança.
o tedH admite uma certa margem de apreciação aos estados na matéria:
reconhece que as autoridades nacionais estão mais próximas dos factos para tomarem
as decisões que se afigurem mais adequadas, dentro das existentes no direito
interno, não tendo o tedH por função “substituir-se” àquelas para determinar
quando é necessário tomar a cargo um menor. Já no que toca, porém, às restrições
aos direitos de visita dos pais, e às garantias de manutenção dos laços familiares,
o tedH exerce um controlo mais rigoroso. neste aspeto, pois, a margem de
apreciação dos estados diminui consideravelmente.
iv. aplicando estes princípios ao caso sub judice, o tedH começou por analisar
a medida de proteção, aplicada por acordo, a 30 de março de 2012. tendo em conta
a sujeição dos menores à já referida conjuntura de violência, o tedH considerou
que a mesma se havia fundado em motivos “pertinentes” e “suficientes”.
analisou seguidamente as renovações sucessivas dessa medida. no entender
do tribunal, os motivos que justificaram a primeira renovação já se apresentavam
menos prementes, tendo em conta que a recorrente havia cumprido os compromissos
a que se havia vinculado: tinha arranjado emprego e alojamento adequado, e as
duas perícias médicas a que se havia submetido tinham afastado hipóteses de
patologia mental. o tedH considerou que a primeira renovação, fundada na
alegada falta de aptidões parentais da recorrente, se havia apoiado apenas nos tes-
temunhos do ex-companheiro da recorrente e das famílias de acolhimento. ora, estes
últimos haviam, no decurso do processo, reconhecido a sua falta de objetividade
na análise da situação, o que teria sido agravado com a deterioração das relações
com a recorrente. assim, não se poderia considerar que a renovação da medida
fora fundada em “motivos pertinentes e suficientes”. o tedH considerou que
não resultava de forma clara dos autos que confiar os menores às famílias de
23
acórdão de 27/11/1992, Olsson c. Suécia, queixa n.º 13441/87.
778
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
v. Muito embora os menores não tenham sido parte do processo – o que levou
a que o tedH não analisasse o direito destes a manter uma vida familiar normal
– não deixou de tecer breves considerações sobre as posições dos mesmos. assim,
apesar de reconhecer a eventual dificuldade, por parte de qualquer das famílias de
acolhimento, em acolher simultaneamente as duas crianças, sublinhou que a
separação prolongada dos irmãos gémeos ia contra o seu interesse superior24. teria
24
v., neste contexto, o acórdão de 10/04/2021, Pontes c. Portugal, queixa n.º 19554/09 e o acórdão
de 25/02/2020, Y.I. c. Rússia, queixa n.º 68868/14.
sido interessante saber o ponto de vista do tedH sobre uma potencial violação do
artigo 8.º, agora na perspetiva dos menores envolvidos. de facto, a necessidade de
respeito pela convivência familiar entre os irmãos tem sido também tida como
essencial para uma garantia plena do artigo 8.º25. neste ponto, é importante referir
a decisão no já citado caso Olsson c. Suécia, pelas inegáveis semelhanças com o caso
presente. naquele, também as autoridades estaduais haviam colocado dois irmãos
em famílias de acolhimento separadas, a uma distância significativa uma da outra,
bem como dos respetivos progenitores. embora não se possa transpor estas considerações
de forma acrítica para o caso em presença, já que as crianças aqui foram acolhidas
junto de seus familiares, o tedH poderia ter analisado se o estado poderia ter
procurado e optado por medidas alternativas que evitassem a separação da fratria26.
25
assim, v. o acórdão de 06/04/2010, Mustafa e Armagan c. Turquia, queixa n.º 24014/05.
26
assim, em sentido semelhante, o caso Wallová e Walla c. República Checa, decidido no acórdão
de 26/10/2006, queixa n.º 23848/04.
27
sobre a jurisprudência do tedH em matéria do direito a um processo equitativo à luz do artigo
6.º da cedH v. MaRco caRvalHo Gonçalves, “direito a um Processo equitativo e Público”,
aa.vv., Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos..., cit., pp. 931-964 e, na mesma
obra, MaRia benedita uRbano, “duração excessiva do Processo”, pp. 965-979.
28
acórdão de 31/01/2021, queixa n.º 61226/08.
780
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
29
o tedH tem sublinhado a importância do direito ao procedimento como meio de garantir e
efetivar direitos fundamentais substanciais previstos na cedH. v. inter alia, a decisão de 24/04/2008,
C.G. e outros c. Bulgária, queixa n.º 1365/07.
30
assim, também, o acórdão de 08/07/1987, W. c. Reino Unido, queixa n.º 9749/82.
31
acórdão de 6/96/2003, Maire c. Portugal, queixa n.º 48206/992.
32
v. acórdão de 12/07/2001, K. e T. c. Finlândia, queixa n.º 25702/94.
33
Para um panorama desta jurisprudência, v. ana Rita Gil, “a convivência Familiar nos casos
de Regulação e exercício das Responsabilidades Parentais à luz da Jurisprudência do tribunal
europeu dos direitos Humanos”, Revista do Ministério Público, n.º 53, Jan-Mar. 2018, pp. 61-91.
v., em particular, o muito citado acórdão de 21/12/1999, Salgueiro da Silva Mouta c. Portugal,
queixa n.º 33290/96. neste caso, Portugal foi condenado por ter decidido sobre a atribuição da
guarda e responsabilidades parentais com fundamento na orientação sexual do pai.
782
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
ii. Foram também já vários os casos em que o tedH condenou Portugal por
violação do artigo 8.º na vertente adjetiva. na maior parte destes casos esteve em
causa a demora excessiva do processo – ponto que é especialmente valorizado de
forma negativa pelo tedH, tendo em conta os efeitos do tempo na deterioração
dos laços familiares. assim, no caso Santos Nunes c. Portugal36, o tedH censurou
que a execução de uma sentença, que havia atribuído a titularidade do exercício
das responsabilidades parentais ao pai biológico, apenas tivesse sido executada
quatro anos e meio depois da sua prolação37. uma condenação semelhante foi feita
no caso Reigado Ramos c. Portugal, em que o tribunal censurou a falta de medidas
34
acórdão de 16/02/2016, queixa n.º 72850/14.
35
o caso apresentava ainda conteúdos igualmente complexos, que não cabe aqui explorar, por
remeterem para outros princípios, como seja o facto de a decisão das autoridades nacionais ter
também tido como fundamento o facto de a recorrente não ter cumprido compromisso de se
submeter a esterilização por laqueação de trompas.
36
acórdão de 22/05/2012, queixa n.º 61173/08.
37
acórdão de 22/05/2012, queixa n.º 61173/08.
38
acórdão de 22/11/2005, queixa n.º 73229/01.
39
acórdão de 31/01/2021, queixa n.º 61226/08.
40
sobre este ponto v. ana Rita Gil, “a convivência Familiar...”, cit., p. 59 e ss.
41
são vários os casos em que a condenação do estado Português se fundou em tal demora: o caso
Maire c. Portugal (acórdão de 26/06/2003, queixa n.º 48206/99) talvez seja o mais impressivo:
neste caso, as autoridades portuguesas demoraram mais de quatro anos, após o pedido apresentado
pela autoridade central francesa, para localizar a criança. v. ainda o acórdão 01/02/2011, Dore
c. Portugal, queixa n.º 775/08 e acórdão de 01/02/2011, Karoussiotis c. Portugal, queixa n.º
23205/08.
784
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
131. La requérante allègue qu’elle n’a revu son fils que le 4 janvier 2020 (...), ce
que ne conteste pas le Gouvernement. 132. En ce qui concerne T., la Cour relève (...) Si
le droit de visite a été rétabli le 13 octobre 2016 (...) à raison d’une rencontre par mois,
il a été interrompu le 23 février 2017 en raison du retrait de l’association qui était chargée
des rencontres médiatisées (...), puis suspendu de nouveau par décision du tribunal de
42
na sequência de recurso interposto também junto do tribunal constitucional, este julgou in-
constitucional, por violação do artigo 20, n.º 1 e 4 da constituição, a interpretação normativa
extraída do artigo 685.º, n.º 2, do código de Processo civil, aplicável subsidiariamente por força
do disposto no artigo 126.º da lei de Proteção de crianças e Jovens em Perigo, segundo a qual a
contagem do prazo para recorrer de decisão judicial que aplique a medida de promoção e proteção
de confiança de menores a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura
adoção prevista naquela lei tem início a partir do dia da respetiva leitura, desde que a ela tenham
assistido os interessados, mesmo quando não tenham advogado constituído no processo nem lhes
seja facultada no dia da leitura da decisão uma cópia da mesma por eles requerida. cf. acórdão
243/2013, de 10/05/2013. Para um comentário a esta decisão, v. JoRGe duaRte PinHeiRo, “caso
liliana Melo”, in Estudos de Direito da Família e das Crianças, aaFdl, 2015, pp. 383-388.
Sintra le 17 octobre 2017 au motif que ces rencontres déstabilisaient T. (...). Il ressort du
dossier que les rencontres entre la requérante et son fils T. ont repris, avec également la
participation de D., le 4 janvier 2020 (...).
133. La Cour note que, pour fonder la suspension du droit de visite de la requérante
vis-à-vis de son fils T., le tribunal de Sintra s’est référé à un rapport social de l’ECJ de
Sintra du 30 août 2017 (...). Celui-ci n’explique toutefois pas en quoi les rencontres avec
la requérante déstabilisaient l’enfant T. (...), d’autant que la dernière reencontre avec T.
remontait à février 2017.
43
sobre os efeitos das decisões prolatadas pelo tedH, v., por todos, Rui GueRRa da Fonseca,
“acórdãos e decisões e os respetivos efeitos”, in aa.vv., Comentário da Convenção Europeia dos
Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, vol. iii, universidade católica editora, 2020, p. 3149
e ss.
786
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
iii. o tedH tem evitado especificar que medidas devem os estados adotar
para cumprir as suas decisões nas dimensões referidas44. Para tal contribui o
44
assim o referiu o tedH no caso Airey c. Holanda: it is not the Court’s function to indicate, let
alone dictate, which measures should be taken. cf. acórdão de 09/10/1979, queixa n.º 6289/73.
como refere Rui GueRRa da Fonseca, a determinação de medidas particulares tem um caráter
excecional, ocorrendo somente em casos em que o tedH identifica apenas uma atuação possível
para obviar à continuidade da violação. cf. “acórdãos e decisões...”, cit., p. 3164. tem-se assistido,
porém, à prolação crescente dos chamados “acórdãos piloto” ou “quase piloto”, em que o tedH
aponta para a necessidade de os estados adotarem medidas gerais na esfera interna para se conformarem
plenamente com o conteúdo da convenção. tais medidas poderão consistir na alteração de legislação,
de práticas administrativas ou de condições materiais. sobre os julgamentos piloto, v. JaKub cZePeK,
“the application of the Pilot Judgment Procedure and other Forms of Handling large-scale –
iv. as considerações tecidas devem agora ser transpostas para o caso presente.
como se viu, o estado Português foi condenado por violação do artigo 8.º por
três razões: (1) por não ter cumprido a obrigação positiva que lhe cabia, de reunir
a família biológica logo que possível, ao proceder a renovações sucessivas e infundadas
das medidas de promoção e proteção aplicadas aos menores, (2) por ter restringido
dysfunctions in the case law of the european court of Human Rights”, International Community
Law Review, 20 (2018), pp. 347-373.
45
sobre este ponto, v. aRMando RocHa, Contencioso dos Direitos do Homem no Espaço Europeu,
universidade católica, 2010, p. 164. tal deferência justifica-se não só pela soberania dos estados,
mas ainda pelo princípio da subsidiariedade, tendo em conta que os estados estão melhor posicionados
para escolher, dentro das medidas previstas no seu ordenamento jurídico, qual aquela que melhor
se coaduna com o respeito pelas obrigações derivadas da condenação. como bem aponta Rui
GueRRa da Fonseca, “tais medidas podem ser de âmbito geral ou concreto, e implicar indiferen-
ciadamente (da perspetiva do tedH) a intervenção de qualquer uma das funções do estado,
conjunta ou disjuntivamente”. v. “acórdãos e sentenças...”, cit., p. 3173.
46
aRMando RocHa, op. cit., p. 167 e FiliPa aRaGão HoMeM, O Tribunal Europeu dos Direitos
Humanos e o Sistema de Proteção de Direitos Fundamentais, almedina, 2019, p. 35.
47
aRMando RocHa, Contencioso dos Direitos do Homem, cit., 171. e ainda nuno PiçaRRa, “Recurso
de Revisão de «decisões inconciliáveis»: com a convenção europeia dos direitos do Homem –
anotação ao acórdão do tca norte de 8.7.2011”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 92,
Março/abril, 2012, pp. 49-65. v., contudo, quanto a este ponto, o acórdão proferido a 11.07.2017
no caso Moreira Ferreira c. Portugal, queixa n.º 19867/12. o código do Processo civil prevê, desde
2007, o recurso de revisão de decisão transitada em julgado quando “inconciliável com decisão
definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa do estado português” (artigo 696.º,
alínea f )). o mesmo dispõe o artigo 449.º, n.º 1, alínea g) do código de Processo Penal.
788
o caso Neves Caratão Pinto c. Portugal
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