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Nada Sobre Nós, Sem Nós: Uma Análise da

Legitimidade Jurídica da Convenção Sobre os


Direitos das Pessoas com Deficiência
Rafael Barreto Souza*

Introdução. 1 A abordagem da deficiência na esfera internacional. 2 A


Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. 3 Incorporação
da convenção no ordenamento brasileiro. 4 Legitimidade da convenção.
Considerações finais. Referências.

RESUMO
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi
incorporada ao ordenamento brasileiro com status equivalente
a emenda constitucional em 2008. Este tratado contou com a
maior participação da sociedade civil mundial até então vista
nas Nações Unidas, sendo elaborado com legitimidade demo-
crática inédita. O presente artigo busca entender o histórico da
elaboração da Convenção a partir da participação da sociedade
civil. Igualmente, tenta-se analisar como se dá a legitimidade
do tratado a partir da participação em sua gênese.
Palavras-chave: Direito Internacional. Pessoas com Defici-
ência. Legitimidade.

INTRODUÇÃO
Em 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identi-
ficou que no Brasil há aproximadamente 45,6 milhões pessoas com pelo menos
um tipo de deficiência, o que equivale a 23,8 por cento da população nacional.1
A deficiência atinge, portanto, praticamente um em cada quatro brasileiros.
No mundo, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que haja mais de
650 milhões de pessoas com deficiência.2 Trata-se de uma realidade inescapável
que tem ganhado um espaço progressivamente maior no debate dos círculos
jurídicos e de políticas públicas.
* Advogado e Professor. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ce-
ará. Mestre em Estudos do Desenvolvimento pelo Institut de Hautes Études Internationales
et du Développement (IHEID), na Suíça. Assessor Jurídico do Centro de Defesa da Criança
e do Adolescente (CEDECA Ceará) e Professor de Direito do Centro Universitário Christus
(UniChristus) em Fortaleza, Ceará. Também possui atuação profissional em Direito Adminis-
trativo, Políticas Públicas e Direitos Humanos. Contato: [email protected].

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Rafael Barreto Souza

Pessoas com deficiência são a minoria que cresce mais rapidamente a


nível global, principalmente devido à prolongação da expectativa de vida. Um
número cada vez maior de pessoas devem adquirir impedimentos decorrentes da
idade avançada e potencialmente se tornarão pessoas com deficiência frente à
sua interação com as barreiras na sociedade.3 Esta realidade apresenta desafios
importantes os quais a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência junto com seu Protocolo Adicional buscam remediar.
A Convenção surge a partir de uma intensa mobilização do movimento
de pessoas com deficiência em meados dos anos 1990. Este tratado se construiu
a partir de proposições da sociedade civil, da academia e de representantes
estatais, sendo aprovada em 13 de dezembro de 2006 e entrando em vigor dois
anos depois. Igualmente, trata-se do primeiro tratado de direitos humanos a ser
aprovado pelo Congresso Nacional brasileiro com o status equivalente a emen-
da constitucional através do Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009, pelo
procedimento legislativo disposto no artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição
Federal de 1988. Assim, o tratado também é o primeiro a integrar o chamado
bloco de constitucionalidade formal e material brasileiro. Os direitos previstos
na Convenção são, portanto, desde então direitos fundamentais constitucionais
de eficácia imediata.
O presente artigo busca analisar como se deu o processo de elaboração
do tratado, como esse modo de construção diferiu da práxis transnacional,
como a Convenção se situa no contexto brasileiro e, principalmente, como
a legitimidade jurídica na qual o documento se fundamenta pode auxiliar na
garantia de sua eficácia.

1 A ABORDAGEM DA DEFICIÊNCIA NA ESFERA INTERNACIONAL


Até 2007, as pessoas com deficiência não haviam sido explicitamente
reconhecidas em nenhum instrumento internacional de direitos humanos de
natureza jurídica cogente. Nenhuma das convenções, pactos ou declarações de
direitos humanos que dispõem de cláusulas de igualdade e não discriminação
trazem entre o rol de circunstâncias humanas protegidas da discriminação
a deficiência.4 A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, por
exemplo garante em seu artigo 2o:
Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento,
ou qualquer outra condição.
Apesar de se elencar explicitamente elementos como raça, cor, sexo,
língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou
social, riqueza e nascimento, a temática da deficiência está omissa. Poder-se-ia
apenas incluí-la como “qualquer outra condição”, partir da abertura normativa

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fornecida no dispositivo. De forma similar, dispõem os dispositivos de antidis-


criminação do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 e do
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também de
1966. Portanto, os direitos das pessoas deficiência eram direitos que careciam
de tutela.
Frédéric Mégret alega que “de muitas formas, a Convenção da Deficiência
está simplesmente, mas de modo coercitivo, reafirmando o óbvio: ou seja, que
as pessoas com deficiência têm direito aos mesmos direitos que todos.”5 Ape-
sar de óbvio pela abertura de incidência normativa residual, não se percebe o
cumprimento desses direitos. Por quê? Uma obviedade residual talvez não seja
tão evidente quanto se imagine. Incluir a deficiência na panaceia de quaisquer
outras condições humanas sujeitas à opressão e exclusão indubitavelmente não
contribui para uma reforma social, atitudinal e de políticas públicas. A invisi-
bilidade das pessoas com deficiência é apontada por ativistas e por pessoas com
deficiência como uma razão essencial pela qual a deficiência não recebe maior
aporte de recursos públicos ou maior atenção no cenário político. Defende Flá-
via Piovesan6 que a construção de um tratado novo e específico contribui para
“processos que se abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana.”
A partir da noção de que a temática estaria renegada a normas residuais
e de que haveria uma necessidade imperiosa de maior atenção às violações de
direitos sofridas por pessoas com deficiência em todo o mundo, surge a proposta
de se elaborar um tratado internacional de direitos humanos sobre pessoas com
deficiência. Reiterar o óbvio seria o pontapé inicial necessário para a mudança.
A Convenção não é, entretanto, o primeiro documento internacional a
mencionar, ainda que sem obrigatoriedade jurídica, a deficiência como matéria
de direitos humanos. Na década de 1970, começou-se a aceitar internacio-
nalmente a inclusão dos direitos das pessoas com deficiência como parte dos
direitos humanos. Esta abordagem iniciou um novo debate, ainda que sob uma
perspectiva de tutela, sendo parcialmente excludente, e sujeitando direitos a
critérios de possibilidade e discricionariedade para serem postos em prática.7
Durante este período, assinam-se, no âmbito das Nações Unidas, a
Declaração sobre os Direitos das Pessoas Deficientes Mentais em 19718 e
a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Deficientes em 1975.9 A nível
regional, a Organização dos Estados Americanos (OEA), elabora em 1988
um Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos,
conhecido também como Protocolo de San Salvador, que trata da “proteção
de deficientes” em seu artigo 18, o qual se embasa fundamentalmente no
paradigma médico-individual e de segregação: “Toda pessoa afetada por di-
minuição de suas capacidades físicas e mentais tem direito a receber atenção
especial, a fim de alcançar o máximo desenvolvimento de sua personalidade.”
Em 1999, a mesma organização adota a Convenção Interamericana para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras
de Deficiência, ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo no 198, de 13

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de junho de 2001, conhecida como a Convenção da Guatemala.10 Nota-se,


contudo, maior amplitude conceitual neste instrumento e avanços quanto à
inclusão. Seu artigo primeiro aponta:
Artigo 1.1 O termo ‘deficiência’ significa uma restrição física,
mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que
limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da
vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social.

A partir da década de 1980, o discurso sobre a deficiência começa a mu-


dar e seguir em direção à perspectiva das barreiras sociais, distanciando-se da
perspectiva da deficiência como atributo de ordem médica e apenas envolvendo
o indivíduo. Assim, o ano de 1982 foi escolhido como o ano internacional
das “pessoas deficientes”, no qual a ONU adota o Programa de Ação Mundial
(WPA, sigla em inglês) para Pessoas Deficientes. Este Programa foi o único
documento internacional que tratava da deficiência que entrou no rol das
cláusulas preambulares da Convenção Internacional. As Declarações dos anos
1970 foram expressamente excluídas do texto convencional devido à pressão
e à incidência das organizações da sociedade civil que demandavam que tais
instrumentos ficassem omissos. Visava-se evitar qualquer relação entre estas
Declarações – tidas como retrógradas e excludentes – e a Convenção, impe-
dindo assim que se valesse delas para a interpretação e aplicação dos direitos
prescritos no novo tratado.11
Alguns anos mais tarde, em 1989, a Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança inclui a primeira referência específica e explícita envolven-
do crianças com deficiência em um tratado internacional de direitos humanos.
Ademais, este tratado inclui a deficiência, ainda que somente a física, no rol
da norma geral de antidiscriminação. Em 1993, a Assembleia Geral da ONU
também adota as Regras Padrões sobre Equalização de Oportunidades para Pes-
soas com Deficiência.12 Durante as décadas de 1980 e 1990, muitas conferências
internacionais envolveram a temática da deficiência, merecendo destaque os
documentos oriundos de eventos que trataram da deficiência transversalmente
dentro de temáticas fundamentais aos direitos humanos, notadamente na Quarta
Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Beijing, China em 1995,
e no Comitê Preparatório para a conferência do Programa das Nações Unidas
para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) em Istambul, Turquia em
1996.13Contudo, os direitos previstos de tais documentos careciam de coercibilida-
de jurídica, visto que eram instrumentos meramente declaratórios – i.e. soft law.14

2 A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA
Em 2001, o Estado do México propôs durante a Segunda Conferência
Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Co-
nexas de Intolerância em Durban, África do Sul, a redação de um instrumento

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internacional de direitos humanos específico sobre pessoas com deficiência. No


mesmo ano, na 56a Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque, EUA,
o governo mexicano reiterou a proposta e a Resolução no 56/168 foi aprovada
por consenso, sequer exigindo-se uma votação. Assim, estabeleceu-se, através
desta resolução, o Comitê ad hoc sobre uma Convenção de Proteção Ampla e
Integral de Proteção dos Direitos e Dignidade das Pessoas com Deficiência,15 o
qual permitiu a participação e inclusão de qualquer Estado-membro interessa-
do.16 A Convenção deveria ser ampla de modo a prover uma proteção através
de uma visão holística, incorporando os elementos de desenvolvimento social,
direitos humanos e não discriminação.17 O documento deveria ser integral, de
maneira que se tornasse um instrumento nuclear do Direito Internacional dos
Direitos Humanos – não uma fonte normativa subsidiária de tratados existen-
tes. Destarte, o tratado de deficiência deveria deter o mesmo status normativo
internacional das demais convenções de direitos humanos.
Inicialmente, o secretariado do Comitê ad hoc foi lotado sob a égide do
Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC, sigla em inglês)
e não sob o Escritório do Alto Comissariado de Direito Humanos. Esta lotação
curiosa reflete a ainda latente visão na organização multilateral de que a temá-
tica da deficiência envolveria somente a esfera de desenvolvimento social e não
propriamente o campo de direitos humanos. Talvez isso tenha ocorrido também
devido à adoção do Comentário Geral18 do Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais19 da ONU (CESCR, sigla em inglês) de 1994, que trata
especificamente de pessoas com deficiência, o qual assevera, “a deficiência está
proximamente ligada a fatores econômicos e sociais – condições de vida em
muitas partes do mundo são tão desesperadoras que a provisão de necessidades
básicas para todos prejudica ainda mais as pessoas com deficiência,” e acrescenta
“mesmo em países com um padrão relativamente alto de vida, as pessoas com
deficiência são frequentemente negadas a oportunidade de gozar em plenitude
os direitos econômicos, sociais e culturais.” A despeito de subsistir indubitavel-
mente uma relação entre a deficiência e o desenvolvimento social, o discurso
sobre os “direitos das pessoas com deficiência” aos poucos se consolidou e se
hegemonizou dentro do Comitê ad hoc.
A primeira sessão do Comitê ad hoc ocorreu entre 29 de julho e 9 de
agosto de 2002 com a participação de 80 Estados-membros e diversas orga-
nizações não governamentais representativas de pessoas com deficiência,
de âmbito internacional, regional e nacional.20 Durante as duas primeiras
sessões, o Comitê ad hoc travou longas discussões e aliviou tensões quanto ao
seu mandato e programa de trabalho. Muitas delegações questionavam se a
Resolução no 56/168 lhes daria competência para esboçar uma convenção de
caráter cogente. Alguns Estados sugeriram que, a fim de evitar duplicidade e
instrumentos sobrepostos, poder-se-ia apenas fazer um protocolo opcional ao
Pacto de Direitos Civis e Políticos. Todavia, prevaleceu a visão de que o Comitê
ad hoc, de fato detinha competência para redigir um esboço de um tratado. Ao
final da segunda sessão, determinou-se a criação de um Grupo de Trabalho para

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fazer um esboço preliminar do texto. Este documento constituiu a base textual


das seis próximas sessões.
Em 2005, o presidente do Comitê ad hoc, o embaixador neozelandês Don
MacKay, lançou uma versão sintética com as principais propostas juntamente
com um texto justificativo da proposta tal como a mesma se encontrava.21 A
partir deste emboço do presidente, incorporou-se ainda a ideia de se ter um
mecanismo de monitoramento da implementação da Convenção, ideia que
veio dar origem ao atual Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiên-
cia, a partir do Protocolo Facultativo à Convenção. O presidente do Comitê
justificou este mecanismo afirmando que o tratado em questão seria “uma
Convenção de implementação [...] dispondo de um código detalhado sobre
como direitos existentes deveriam ser postos em prática em relação às pessoas
com deficiência.”22
Durante este processo houve consultas regionais em 2003: em Quito,
Equador abrangendo as Américas; em Bruxelas, Bélgica para os países da Eu-
ropa; em Johannesburgo, África do Sul envolvendo o continente africano; em
Bangkok, Tailândia para Ásia e Oceania; e em Beirute, Líbano para o Oriente
Médio.23 Houve também massiva e inédita participação da sociedade civil em
seu processo de elaboração. As organizações da sociedade civil com status de
observadores, não apenas estiveram presentes nas reuniões oficiais do Comitê
ad hoc, mas fizeram intervenções em Plenário, propuseram discussões e reali-
zaram colocações por escrito, com textos concretos que facilitaram o processo
de elaboração do documento. Além disso, esse foi o documento internacional
construído com a maior participação direta de pessoas com deficiência e de
organizações de pessoas com deficiência na história.24 As organizações não
governamentais de deficiência montaram uma rede internacional denomina-
da International Disability Caucus (IDC) – ou simplesmente Caucus – a fim
de aumentar sua incidência política no processo de elaboração do tratado.25
Ao total foram mais de 400 ONGs e organizações de pessoas com deficiência
(DPOs, sigla em inglês).26
Por fim, em 13 de dezembro de 2006, chegou-se a um consenso sobre
o que poderia vir a ser o texto final e em 30 de março de 2007, ocorreu a
cerimônia de assinatura da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com De-
ficiência e seu Protocolo Facultativo na sede da ONU em Nova Iorque. Este
foi o tratado de direitos humanos negociado e aprovado mais rapidamente da
história das Nações Unidas. Trata-se de um recorde, concluindo-se o processo
em apenas quatro anos, entre 2002 e 2006.27 Igualmente, a Convenção teve o
maior número de assinaturas quando do lançamento de um tratado de direitos
humanos; oitenta e um Estados Partes mais a União Europeia.28 Em julho de
2014, 172 Estados haviam assinado e 147 ratificado a Convenção, dos quais
104 haviam assinado e 84 ratificado o Protocolo Facultativo.29
Kayess e French sublinham que a Convenção é “a exposição de direitos
humanos mais densa da história da ONU.”30 Em parte devido a tal densidade,

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também é o primeiro tratado de direitos humanos no âmbito das Nações Unidas


a trazer títulos para seus artigos, de modo facilitar a sua acessibilidade.

3 INCORPORAÇÃO DA CONVENÇÃO NO ORDENAMENTO


BRASILEIRO
O Brasil assinou o instrumento em 30 de março de 2007 em conjunto
com os demais países presentes à cerimônia de assinatura, no entanto só veio
a depositar o instrumento de ratificação em 1o de agosto de 2008. O Poder
Executivo encaminhou a Convenção em língua portuguesa ao Congresso Na-
cional por meio da Mensagem (MSC) no 711/07, datada de 02 de outubro de
2007. Inicialmente recebida pela Presidência da Câmara dos Deputados para
análise e votação, a Mensagem seguiu para o Senado Federal.31
Paralelamente, a sociedade civil brasileira se organizou e lançou a campa-
nha “Assino Inclusão” em setembro de 2007, a fim de pressionar os parlamentares
para a ratificação do tratado com quórum qualificado conforme procedimento do
parágrafo 3o do artigo 5o da Constituição Federal. Lopes ressalta que o movimento
se formou “a partir de uma coalizão de membros da sociedade civil, organizações
não governamentais militantes na área dos direitos humanos e da deficiência,
autoridades públicas e acadêmicas.”32 Dentro deste movimento pró-ratificação, o
Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência (CONADE) e a antiga Coorde-
nadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE)33
tiveram papel protagonista na mobilização parlamentar.
Laís Vanessa Carvalho de Figueirêdo Lopes esclarece que, ao chegar à
Câmara dos Deputados em novembro de 2007, o Deputado Federal Arlindo
Chinaglia (PT) propôs a criação de uma Comissão Especial para apreciar e
proferir parecer sobre a Mensagem Presidencial. Dias depois aprovou-se igual-
mente o requerimento de tramitação em regime de urgência. Assim, já em maio
de 2008 todos os documentos estavam à disposição do plenário da Câmara dos
Deputados.34 Entre os parlamentares não haveria discordância sobre o mérito
da ratificação, ou seja, todos concordariam com o conteúdo da Convenção e
que a mesma deveria ser incorporada ao ordenamento brasileiro.
A divergência sobreveio no que tange à adoção do procedimento do
parágrafo 3o do artigo 5o da CF/88, e naturalmente a respeito de conceder ao
tratado status equivalente a emenda constitucional. Este parágrafo foi introduzi-
do em 2004 pela Emenda Constitucional nº 45, trazendo a seguinte prescrição:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos
humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Na-
cional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

A inclusão buscou, portanto, garantir a constitucionalidade formal


às normas internacionais de direitos humanos. O parágrafo 2o do artigo 5o

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– mantido integralmente após a EC no 45/2004 – visava, o estabelecimento


de uma constitucionalização material devido à abertura genérica do orde-
namento a “direitos e garantias [...] não excluem outros decorrentes [...] dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”
O parágrafo 3º, por sua vez, almeja a incorporação formal das normas de
direitos humanos ao bloco de constitucionalidade, propondo a equivalência
a emendas à Constituição.
A dúvida recaiu sobre a obrigatoriedade ou não da adoção do parágrafo 3º
na ratificação de tratados internacionais, uma vez que seu núcleo verbal incita
a dubiedade. O texto dispõe que “tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados [...]” segundo o procedimento das emendas
constitucionais transformar-se-ão em normas formalmente constitucionais. A
locução “que forem” tem interpretação ambígua, uma vez que poderia implicar na
facultatividade da adoção ou não do procedimento constituinte derivado. Caso
se compreenda que o procedimento é facultativo, poder-se-ia incorrer na situação
juridicamente intricada de subsistirem tratados internacionais de direitos humanos
aprovados com status de emenda constitucional e outros aprovados com status de
lei ordinária, mesmo após a EC nº 45/2004. Assim, pelo método de interpretação
gramatical, o constituinte derivado aparenta haver consentido na coexistência de
tratados internacionais com stati diferentes.35 Apesar disso, vislumbrar tal incon-
gruência levanta forte oposição. Um ordenamento que admita e preze pela primazia
dos direitos fundamentais não poderia albergar esta incoerência.
Sublinha-se que a submissão de tratados porvindouros ao procedimento
qualificado é entendida por certos juristas como obrigatória. Celso Lafer aponta
que, a partir da vigência da Emenda Constitucional no 45, “os tratados internacio-
nais a que o Brasil venha a aderir, para serem recepcionadas formalmente como
normas constitucionais, devem obedecer ao item previsto no novo parágrafo 3º
do art. 5º.”36 Emerique e Guerra, por outro lado, admitem a possibilidade jurídica
de normas de direitos humanos com stati diferentes.37 Ressaltam que, caso o quó-
rum qualificado não seja atingido, mas somente uma maioria simples aprová-los,
os tratados de direitos humanos serão “internalizado[s] em consonância com a
compreensão defendida pela corrente da supralegalidade.” Assim, Emerique e
Guerra aceitam que subsistam no ordenamento normas de direitos humanos
com status de norma constitucional e status de norma infraconstitucional. De
modo semelhante se manifesta Rodrigo d’Araujo Gabsch, “o novo dispositivo
não obriga o Poder Legislativo a adotar este processo para os acordos de direitos
humanos que lhe venham a ser submetidos; apenas o autoriza a fazê-lo.”38
Este entendimento é veementemente rechaçado por Cançado Trindade.
O magistrado contende que o parágrafo 3º, bem como os adeptos à categori-
zação hierárquica plural, manifesta um “retrocesso provinciano [que] põe em
risco a interrelação ou indivisibilidade dos direitos protegidos em nosso país
[...], ameaçando-os de fragmentação ou atomização, em favor dos excessos de
um formalismo e hermetismo jurídicos eivados de obscurantismo.”

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A par da interpretação gramatical, a hermenêutica jurídica fornece outras


ferramentas interpretativas. O arcabouço de relações jurídicas e finalidades
sociais atualmente cingidas pela ordem constitucional do Estado Democrático
de Direito brasileiro coloca-se de modo a superar a literalidade exegeta. Glauco
Magalhães Filho preleciona que é possível adotar-se outras modalidades inter-
pretativas para normas jurídicas. Salienta-se que a tese de inexistência de stati
díspares para tratados de direitos humanos se baseia em: interpretação lógica,
seja pela pesquisa de sentido à luz de quaisquer elementos exteriores, seja pela
compatibilização com a vontade do legislador; interpretação sistemática, que
interpreta a norma à luz das demais normas e dos princípios do ordenamento; e
na interpretação teleológica, a partir do fim ou vantagem social a que se destina
a norma.39 Tal veia interpretativa tem sido adotada por Tribunais Superiores,
como no Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, in casu:
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO
ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO FISCAL.
DEPOSITÁRIO INFIEL [...] EMENDA CONSTITUCIONAL
Nº 45/2004. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA.
APLICAÇÃO IMEDIATA. ORDEM CONCEDIDA. PRE-
CEDENTES. 1. A infidelidade do depósito de coisas fungíveis
não autoriza a prisão civil. 2. Receita penhorada. Paciente com
78 anos de idade. Dívida garantida, também, por bem imóvel.
3. Aplicação do Pacto de São José da Costa Rica, em face da
Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu modificações
substanciais na nova Carta Magna. 4. § 1º, do art. 5º, da CF/88:
“As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata”. 5. No atual estágio do nosso ordenamento
jurídico, há de se considerar que: - a) a prisão civil de depositário
infiel está regulamentada pelo Pacto de São José da Costa Rica,
do qual o Brasil faz parte; - b) a Constituição da República, no
Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), Capítulo I
(Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), registra no § 2º
do art. 5º que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por
ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”. No caso específico, inclui-se
no rol dos direitos e garantias constitucionais o texto aprovado
pelo Congresso Nacional inserido no Pacto de São José da Costa
Rica; - c) o § 3º do art. 5º da CF/88, acrescido pela EC nº 45, é
taxativo ao enunciar que “os tratados e convenções internacio-
nais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos
votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais”. Ora, apesar de à época o referido ato ter sido
aprovado com quórum de lei ordinária, é de se ressaltar que ele
nunca foi revogado ou retirado do mundo jurídico, não obstante
a sua rejeição decantada por decisões judiciais. De acordo com
o citado § 3º, a Convenção continua em vigor, desta feita com

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força de emenda constitucional. A regra emanada pelo dispositivo


em apreço é clara no sentido de que os tratados internacionais
concernentes a direitos humanos nos quais o Brasil seja parte
devem ser assimilados pela ordem jurídica do país como normas
de hierarquia constitucional; - d) não se pode escantear que o § 1º
supra determina, peremptoriamente, que “as normas definidoras
dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
Na espécie, devem ser aplicados, imediatamente, os tratados in-
ternacionais em que o Brasil seja parte; - e) o Pacto de São José
da Costa Rica foi resgatado pela nova disposição constitucional
(art. 5º, § 3º), a qual possui eficácia retroativa; - f) a tramitação
de lei ordinária conferida à aprovação da mencionada Conven-
ção, por meio do Decreto nº 678/92 não constituirá óbice formal
de relevância superior ao conteúdo material do novo direito
aclamado, não impedindo a sua retroatividade, por se tratar de
acordo internacional pertinente a direitos humanos. Afasta-se,
portanto, a obrigatoriedade de quatro votações, duas na Câma-
ra dos Deputados, duas no Senado Federal, com exigência da
maioria de dois terços para a sua aprovação (art. 60, § 2º). [...] 8.
Recurso em habeas corpus provido para conceder a ordem. (RHC
200502114587/RS, Relator(a): Ministro JOSÉ DELGADO, Pri-
meira Turma, julgado em 09/05/2006, DJ 09/05/2006. PG:00249
LEXSTJ VOL.:00215 PG:00277).

Posicionar-se pela recepção constitucional dos tratados anteriores à


Emenda Constitucional no 45/2004 realmente parece ser a postura mais acer-
tada para a salvaguarda dos direitos fundamentais já previstos nos 250 artigos
do Texto Constitucional, nas numerosas normas de tratados já incorporados
à ordem jurídica brasileira e nas tantas mais quantas sobrevierem através de
futuras convenções internacionais. Quanto aos tratados prospectivos, tam-
bém em vista dos princípios constitucionais humanistas basilares, deve-se
rejeitar a discricionariedade do Congresso Nacional em apreciar tratados de
direitos humanos conforme qualquer outro procedimento o qual não seja o
de emenda constitucional.
Na análise da Convenção, o consenso entre os parlamentares não foi
imediato. Contudo, na primeira sessão, em 13 de maio de 2008, a aprovação
com status constitucional, conforme o §3º do artigo 5º, obteve 418 votos favo-
ráveis, 11 abstenções e nenhum voto contrário à proposta. Na segunda sessão,
dia 28 de maio de 2008, a aprovação se repetiu com 356 votos favoráveis, seis
abstenções e nenhum voto contrário.
Após a aprovação em dois turnos na Câmara, o texto convencional, já
com status de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), seguiu para o Senado
Federal. A Casa Superior do Congresso Nacional aprovou, dia 2 de julho de
2008, em duas sessões realizadas em ato contínuo, com 56 votos favoráveis
e nenhum contrário. O quorum mínimo para a sua aprovação com status de

222 R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 11, n. 15, p.213-234, jan./dez. 2011
Nada Sobre Nós, Sem Nós: Uma Análise da Legitimidade Jurídica da
Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

emenda à Constituição foi deste modo atingindo. O Decreto Legislativo no


186/2008, dia 9 de julho de 2008, incorporou a Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo no Brasil com status
de norma formalmente constitucional.40 Em 25 de agosto de 2009, o Presidente
da República promulgou e fez publicar a Convenção e o Protocolo Facultativo
através do Decreto Presidencial no 6.949/2009, conforme suas competências
previstas no artigo 84, IV da Constituição. O Decreto Presidencial é realizado
no Brasil para dar execução ao tratado a nível interno. Internacionalmente, a
obrigatoriedade começa desde o depósito do instrumento de ratificação,41 o que
in casu se deu com base na autorização parlamentar concedida pelo Decreto
Legislativo no 186/2008.
A aceitabilidade do conteúdo previsto no tratado e sua ratificação enquanto
emenda constitucional se deveu não somente à pressão interna dos movimen-
tos pelos direitos das pessoas com deficiência no Brasil, mas também devido ao
consenso internacional formulado através de um processo bastante participativo
em âmbito internacional, que reuniu centenas de entidades de pessoas com de-
ficiência de todo o mundo em torno das sessões do Comitê ad hoc.

4 LEGITIMIDADE DA CONVENÇÃO
A participação popular na elaboração da Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência a nível internacional foi inédita. Foram centenas
de organizações de e para pessoas com deficiência envolvidas no processo e
algumas milhares de pessoas com deficiência diretamente engajadas nos debates
e proposições.
A existência de organizações estabelecidas em rede compostas por nume-
rosas outras ONGs de abrangência local, nacional e regional contribuiu bastante
para a incidência contundente da sociedade civil no processo. Entre os atores
centrais estava a International Disability Alliance, organização guarda-chuva
criada em 1997 envolvendo organizações mundiais de variados segmentos de
deficiência, como a Disabled People’s International (DPI), Inclusion Interna-
tional, Federação Mundial dos Surdos, Federação Mundial dos Surdo-cegos,
União Mundial dos Cegos, Rede Mundial de Usuários e Sobreviventes da
Psiquiatria, e Down Syndrome International. Somaram-se à aliança de organi-
zações mundiais, numerosas organizações regionais e nacionais, com destaque
no contexto latino-americano para a Red Latinoamericana de Organizaciones
No Gubernamentales de Personas con Discapacidad y sus Familias (RIADIS).
A IDA foi assim instrumental no estabelecimento do International
Disability Caucus (IDC), a rede da sociedade civil que foi a principal
responsável por emendas, intervenções e incidência através de pronuncia-
mentos em plenário, bem como informalmente nos corredores do Palais
des Nations e do Palais Wilson42 durante as sessões do Comitê ad hoc em
Genebra, Suíça.43

R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 11, n. 15, p.213-234, jan./dez. 2011 223
Rafael Barreto Souza

No que tange à participação do corpo diplomático brasileiro, as análises


tendem a realçar o espírito cooperativo e a abertura ao diálogo. Opina Izabel Maria
Madeira de Loureiro Maior, “Não existe quem tenha participado que deixe de
atestar a parceria da sociedade e do governo brasileiros. Fato novo, intrigante e
instigante, marcará para sempre o peso e o valor da voz daqueles que estão à mar-
gem dos fatos.”44 A elaboração da Convenção de forma participativa encontrou
abertura nos corredores das Nações Unidas junto às variadas delegações presentes.
Os esforços da sociedade civil se congregavam em torno do lema “Nada
para nós, sem nós”, uma premissa de empoderamento, inclusão e participação
direta nos processos que impactam as pessoas com deficiência. O mote surgiu
a partir do trabalho do estadunidense James I. Charlton,45 o qual influenciou
profundamente o imaginário do movimento de pessoas com deficiência quanto
à perspectiva de participação direta e não de substituição.
O modo de elaboração da Convenção se considera o mais participativo
da história dos tratados de direitos humanos das Nações Unidas. Este fato apor-
ta elementos de legitimidade até então desconhecidos à dinâmica diplomática
conservadora da ONU. Tradicionalmente, a negociação e redação dos tratados
são realizadas por diplomatas e/ou por embaixadores detentores de poderes pleni-
potenciários para atuar representando seus Estados. Contudo, tais representantes
não eleitos dispõem de, no mínimo, uma legitimidade democrática limitada.
Legitimidade democrática é um elemento fundamental ao debate do
Direito Internacional dos Direitos Humanos. Embora comumente interpretada
como temática afeta exclusivamente às relações de poder intraestatal, importa
indagar quais são os fatores envolvidos na garantia de sua aceitação social,
convencimento interestatal e, principalmente, de cumprimento e implemen-
tação. Não obstante, aponta-se uma análise do ponto de vista do Estado para,
em seguida, expandir o escopo.
Ingeborg Maus defende, “O Estado não tem que seguir um fim jurídico
próprio, e sim, que o fim jurídico consiste exclusivamente na compatibilização
das prerrogativas dos indivíduos entre si.”46 Entende, portanto, que a finalidade
precípua do Estado é harmonizar a convivência entre os indivíduos, apesar de
que o mesmo ainda não haja conseguido harmonizar conceitualmente e de modo
satisfatório as autonomias pública e privada.47 É exatamente na interface, entre
a autonomia privada – i.e. auto “própria” + nomos “norma” – e as prerrogativas
públicas, que se desenvolvem os entraves político-jurídicos e a luta por direitos.
Dentro do sistema sociopolítico corrente, o processo legislativo é o
principal mediador desta relação conflitiva entre o convívio social e as prerro-
gativas individuais. Do ponto de vista jurídico, a maior fonte de legitimidade
para restrição da autonomia seriam as leis. Jürgen Habermas 48 preconiza, no
entanto, que “o processo legislativo [deve] se apoia[r] no princípio da soberania
do povo.” Surge, na visão do jurista, um paradoxo aparentemente invisível no
processo de formação estatal moderno: o paradoxo da gênese da legitimidade

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Nada Sobre Nós, Sem Nós: Uma Análise da Legitimidade Jurídica da
Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

a partir da legalidade. Nos debates jurídicos propedêuticos, dicotomiza-se o


Direito sob a ótica metafísica do direito natural e da moral em oposição à
legalidade pura. Todavia, a partir de Immanuel Kant, o conceito de moral se
desengata do conceito do Direito, de maneira que “o sistema jurídico que se
tornou inteiramente autônomo tem que sobreviver com suas ficções autopro-
duzidas.”49 Kant compreende que o contrato social – aquele que supostamente
celebraram os seres humanos em sua gênese a fim de possibilitar a formação
da sociedade – não seria um contrato para uma determinada finalidade e sim
um fim em si mesmo. A convivência em sociedade seria a finalidade única e
precípua do contrato social. A partir da aceitação coletiva das limitações às
autonomias individuais, teria se permitido o estabelecimento de sociedades
livres de uma conflitualidade destrutiva permanente.
O pensamento positivista de Hans Kelsen também propôs o desfazimento
do laço entre as esferas normativas da moral e do Direito. A doutrina kelseniana
estabelece que é a forma a responsável por revestir as decisões e competências
jurídicas de sua força de obrigatoriedade.50 Destarte, os direitos subjetivos em
geral seriam definidos como interesses protegidos objetiva e juridicamente por
normas jurídicas expressas.51 A lei se tornaria a fonte primária da legitimidade
para a imposição estatal – i.e. pública – sobre a autonomia das pessoas. Re-
gredindo na análise, entretanto, não se consegue esclarecer de onde o Direito
positivo, per se, obtém sua legitimidade.
Buscando responder a esta indagação, expoentes da Escola de Frankfurt
refutam a concepção de que o contrato seja desprovido de valores. Maus argui,
em análise do posicionamento kantiano, que “pode-se instituir grande ordem e
paz na opressão geral.”52 A autora propõe que se deve contrapor o pactum subjec-
tionis ao pactum unionis, ou seja, deve ser garantida uma segurança democrática
de liberdade que seja alicerçada não sobre uma mera constitucionalização ou
legalização formal – que pode tender à opressão e à sujeição popular a um poder
autoritário – e sim sobre a socialização do poder. De modo análogo aposta Haber-
mas, em referência a Thomas Hobbes, “Se assumirmos a perspectiva de Kant [...],
descobriremos [...] em Hobbes o teorizador de um Estado constitucional burguês
sem democracia, muito mais do que o apologeta do absolutismo desenfreado.”53
Contende-se que a fonte de toda legitimidade certamente não estaria no
processo de legiferação per se, mas se encontraria no princípio da soberania do
povo.54 Soberania popular fundamentaria, por seu turno, a democracia. Sem o
valor democrático, a harmonia social poderia até ser alcançada e a legitimidade
estritamente legal estabelecida, contudo tal feito se daria provavelmente à reve-
lia dos valores de justiça social e teria sua estabilidade política comprometida.
Kant, conforme mencionado supra, é apontado como precursor da noção de
legitimidade formal firmada somente sobre leis. O filósofo defende que o Direito
se caracterizaria por ser um “conteúdo especial” incorporado ao contrato social,
o qual constituiria o modelo ou o intermediador para uma socialização sob o
domínio das normas jurídicas.

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Rafael Barreto Souza

Por outro lado, Habermas percebe a moral e a democracia como estando


interligadas, de modo que o Direito não constituiria um intermediador entre o
princípio da moral e o princípio da democracia, e sim, “o verso da medalha do
próprio princípio da democracia.”55 O Direito teria assim elementos morais e
valores sociais em sua constituição; a soberania popular seria o meio de garantir
sua implementação, já que estaria no interesse do povo a realização destes va-
lores. Os direitos humanos são vistos, nesta ótica, ora como um desdobramento
efetivamente jurídico – quando já reconhecidos e instituídos –, ora como es-
forços de aplicação erga omnes de normas morais em disputa política – quando
ainda em contenção sociopolítica. Contratualistas democráticos, notadamente
Kant e Jean-Jacques Rousseau, já admitiam subliminarmente essa relação de
concorrência entre os direitos humanos – enquanto adágio de cunho moral – e
o princípio da soberania do povo.56
Entende-se também que a soberania popular seria a fonte mesma dos
direitos subjetivos, formalmente estabelecidos ou não. Direitos subjetivos
desempenhariam um papel central na moderna compreensão do Direito, uma
vez que corresponderiam à esfera de liberdade de ação subjetiva, ou seja, estes
direitos determinariam o campo de permissibilidade para o livre emprego da
vontade individual.57 Esta relação não está todavia bem delimitada e desafia
até os dias atuais a análise e compreensão dos fenômenos sociopolíticos no seio
da regulamentação jurídica.
Leis, direitos humanos, soberania popular e legitimidade democrática
coexistem por meio de relações de poder. Pretender a primazia dos direitos
humanos pressupõe a constatação de que “a justiça é indissociável do poder.”58
Essas relações de poder se sobreporiam ao Direito, disputando-o. As desigualda-
des existentes, a opressão sobre certos grupos sociais e a resistência à exclusão,
tudo se agregaria na equação da qual resultariam as realidades sociojurídicas.
Expoentes dos estudos jurídicos críticos que desenvolvem sua argumen-
tação sobre os preceitos realistas de crítica ao Direito, arrazoam a existência de
uma relação simbiótica entre Direito e poder; “para muitos, o Direito é política.”59
Sem chegar a almejar reduzir o objeto de análise a adágios ontológicos pouco
esclarecedores, cabe ressaltar o posicionamento de Habermas, que proclama,
“o direito não pode satisfazer apenas às exigências funcionais de uma sociedade
complexa, devendo levar em conta também as condições precárias de uma
integração social.”60 As condições de integração social dizem respeito a outro
conceito intrinsecamente relacionado à noção de direitos subjetivos: a cidadania.
Boaventura de Sousa Santos inaugura um conceito de cidadania basea-
do na ideia de pertença. O sentimento de pertença social se traduz na visão
eurocêntrica enquanto cidadania. São cidadãos aqueles que pertencem ao
corpo social, que nele estão incluídos e dentro do qual gozam de mobilidade.
O conceito problematiza-se quando contraposto à ideia de direitos humanos:
“Todos são humanos, mas só alguns são cidadãos.”61

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Nada Sobre Nós, Sem Nós: Uma Análise da Legitimidade Jurídica da
Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

Há cidadãos e há não-cidadãos, há os que gozam de direitos e os que não.


Hanna Arendt preconiza a ideia de que a cidadania seria “ter direito a ter direitos.”62
Logo, não seria a condição humana ou a efetiva inserção no meio social que atribuiria
direitos subjetivos às pessoas, senão algo distinto. Cidadania seria algo essencialmente
excludente e fundado em regras jurídicas que garantem stati sociais diferenciados.
Essa dinâmica de diferenciação, no que tange ao gozo de direitos, se mostra bastante
problemática na ordem mundial atual, emoldurada por iniciativas do neoliberalismo,
em que o Estado-nação sofre um processo de enfraquecimento de sua habilidade de
implementar direitos.63 Não obstante, hoje a cidadania “apesar de ser cada vez mais
precária para quem a tem, é cada vez mais preciosa para quem a não tem.”64.
O Direito e, particularmente, os direitos humanos são fundamentais na
busca da emancipação social e na busca da cidadania. Assim, devem estar conec-
tados a uma globalização contra-hegemônica ou a partir de baixo, com base em
que se pode vislumbrar uma dimensão jurídica de lutas globais em prol de direitos.
Santos discorre a respeito da emergência de um “cosmopolitismo subalterno” ou
“cosmopolitismo dos oprimidos”, conforme o qual se percebem grupos sociais, redes,
iniciativas, organizações e movimentos de tipo local, nacional e transnacional ativos
no esforço de enfrentar a globalização neoliberal excludente e de lhe contrapor
alternativas.65 Neste sentido, um dos instrumentos desta luta contra-hegemônica
se perfaz através da legalidade cosmopolita em oposição à legalidade demoliberal.
A legalidade cosmopolita – ou internacional – é utilizada como
ferramenta por estes grupos subalternos para se integrarem em mobilizações
políticas mais amplas e criar acordos supraestatais que assegurem certos direitos,
em superação da cidadania nacional e fundada na condição fundamental de ser
humano. Tal legalidade por meio do Direito Internacional dos Direitos Huma-
nos tem aprofundado a globalização contra-hegemônica. Desafia-se o Direito,
paradoxalmente, através da luta em âmbito global por um novo Direito e por
direitos cada vez mais inclusivos.66
O processo de elaboração da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com deficiência se insere justamente neste cenário cosmopolitismo subalterno
em prol da inclusão e da visibilidade de direitos antes ofuscados pelo manto
generalista das cláusulas de não discriminação. Muito mais do que não ser
discriminado – como forma de não agir dos Estados – lutou-se pela participa-
ção direta e efetiva, pela inclusão e por uma vida em igualdade de condições
com as demais pessoas. Tratou-se de uma tratado internacional que sobreleva
uma igualdade material complexa, um Direito com base democrática e uma
legitimidade que unisse a forma à substância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreende-se que a soberania popular seria fonte fundamental de
legitimidade do Direito, uma vez que estaria fundada em valores morais com-
partilhados pelo povo – i.e., direitos humanos. O modelo democrático, mesmo

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Rafael Barreto Souza

a nível internacional, seria o instrumento, talvez o mais adequado encontrado


até o momento, para viabilizar um poder estatal legiferante legítimo. Ultima-
mente, porém, pressiona-se para que a democracia não se resuma à perspectiva
representativo-eleitoral; a participação cidadã direta faz-se imperiosa.
Embora a nível interno, os Estados têm administrado esses anseios popu-
lares através de mecanismos como referendos, plebiscitos, conselhos paritários de
direitos e outros mecanismos de participação, na esfera internacional as iniciativas
participativas ainda se mostram tímidas. As Nações Unidas ainda se estruturam em
alicerces estritamente estatocêntricos e fortemente apoiados na noção de soberania
nacional. Debates, negociações e acordos internacionais têm sido caracterizados
pela participação de plenipotenciários estatais de corpos diplomáticos, os quais
não dispõem de representatividade eleitoral e estão virtualmente desvinculados
dos freios e contrapesos democráticos, bem como dos anseios populares. No en-
tanto, a sobriedade dos corredores cinza da ONU vem sendo disputada por setores
crescentes de uma sociedade civil rica em diversidade que exige a quebra de seus
protocolos estáticos, concebidos há dois séculos, em prol de uma organização que
se aproxime e que corresponda às demandas sociais mundiais.
A participação da sociedade civil no processo de construção da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência decorre do desdobramento destes
anseios. Nunca a inserção da agenda de um movimento foi tão levada em conta
em um documento juridicamente vinculante transnacional como o foi na Con-
venção. Tratou-se fundamentalmente da luta por cidadania de um segmento que
sofre exclusão a nível mundial, por parte do Estado, da comunidade, da família.
As pessoas com deficiência, em muitas partes do globo, são tidas como seres
subumanos e disfuncionais. A negação de cidadania se deve em grande parte à sua
exclusão social por barreiras sociais de natureza física, comunicativa e atitudinal.
Excluir-lhes do convívio social também lhes retira a autonomia e impede-lhes de
exercer seus direitos em igualdade de condições com as demais pessoas.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência constituiu-
-se sob intensa participação da sociedade civil mundial e apresenta uma legi-
timidade, sob a ótica da soberania popular e da democracia, inédita entre os
tratados internacionais de direitos humanos. Alicerçada em tão consistente
fundamento, dificilmente passará a ser um tratado pro forma. A legitimidade
assegura uma pressão executória latente que virá, possivelmente em breve,
beneficiar as pessoas com deficiência com mudanças concretas em suas vidas.
Considera-se que “finalmente, empoderou-se a maior minoria do mun-
do”67, através da participação direta dos sujeitos de direito envolvidos. Por outro
lado, poder-se-ia asseverar que a maior minoria veio a empoderar a Convenção.
A legitimidade democrática interpõe uma força sociopolítica inovadora ao
instrumento. Tal singular processo poderá oxigenar os anseios cosmopolitas
para inclusão social das pessoas com deficiência com força inaudita. O Brasil
certamente não ficará à margem das mudanças.

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Nada Sobre Nós, Sem Nós: Uma Análise da Legitimidade Jurídica da
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calendario-7a12/event/57-dia-internacional-da-pessoa-portadora-de-deficiencia>, acesso em: 20 ago. 2013.
2 OMS, Organização Mundial de Saúde, What is being done to improve the daily lives of people with disabi-
lities? WHO, disponível em: <http://www.who.int/features/qa/16/en/index.html>, acesso em: 3 ago. 2013.
3 WENDELL, Susan, The Rejected Body: Feminist Philosophical Reflections on Disability, [s.l.]: Routledge
Chapman & Hall, 1996, p. 18.
4 KAYESS, Rosemary; FRENCH, Phillip. Out of Darkness into Light? Introducing the Convention on the
Rights of Persons with Disabilities, Human Rights Law Review, v. 8, n. 1, p. 1–34, 2008, p. 12.
5 The Disabilities Convention: Towards a Holistic Concept of Rights, The International Journal of Human
Rights, v. 12, n. 2, p. 261–278, 2008, p. 263.
6 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um estudo comparativo dos sistemas
europeu, interamericano e africano, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 8.
7 Artigo1o “A pessoa deficiente mental tem, na máxima medida possível, os mesmos direitos que os demais
seres humanos.” (Declaração sobre os Direitos das Pessoas Deficientes Mentais, 1971)
8 Original: Declaration on the Rights of Mentally Retarded Persons (1971)
9 Original: Declaration on the Rights of Disabled Persons (1975)
10 SCHULZE, Marianne, Understanding The UN Convention on the Rights of Persons with Disabilities:
A Handbook on Human Rights of Persons With Disabilities, 3. ed. New York: Handicap International, 2010.
11 KAYESS; FRENCH, op. cit., p. 24.
12 ONU, Assembleia Geral, United Nations Standard Rules on the Equalization of Opportunities for
Persons with Disabilities adopted by General Assembly Resolution n. A/RES/48/96, 1993.
13 UN ENABLE, Secretariat for the Convention on the Rights of Persons with Disabilities (SCRPD), The
United Nations and Persons with Disabilities Chronology: 1980’s - present, United Nations. Disponível em:
<http://www.un.org/disabilities/default.asp?id=125>, acesso em: 6 ago. 2013.
14 KAYESS; FRENCH, op. cit.
15 Original: Ad Hoc Committee on a Comprehensive and Integral International Convention Protecting the Rights
and Dignity of Persons with Disabilities.
16 KAYESS; FRENCH, op. cit., p. 17–18.
17 SCHULZE, op. cit., p. 18; KAYESS; FRENCH, op. cit., p. 20.
18 CESCR, Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, General Comment
No. 5 (1994): Persons with disabilities (Annex IV), 1994.
19 Comitê com secretariado lotado sob o Escritório do Alto Comissariado de Direito Humanos.
20 LOPES, Laís Vanessa Carvalho de Figueirêdo, Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
da ONU, seu Protocolo Facultativo e a Acessibilidade, Dissertação de Mestrado em Direito, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, São Paulo, 2009.
21 KAYESS; FRENCH, op. cit., p. 18–19.
22 COMITÊ AD HOC SOBRE A CONVENÇÃO SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, Committee
negotiating convention on rights of disabled persons concludes current session. Chairman Says Draft Convention
Sets Out “Detailed Code Of Implementation and Spells Out How Individual Rights Should Be Put into Practice”,
United Nations General Assembly SOC/4680. United Nations. Disponível em: <http://www.un.org/News/
Press/docs/2005/soc4680.doc.htm>,.
23 LOPES, op. cit., p. 54.
24 KAYESS; FRENCH, op. cit., p. 3.
25 LOPES, op. cit., p. 55.
26 KANTER, Arlene S., The Law: What’s Disability Studies Got to Do with It or an Introduction to Disability
Legal Studies, Rochester, NY: Social Science Research Network, 2011, p. 471.
27 DA FONSECA, Ricardo Tadeu Marques. A ONU e o seu conceito revolucionário de pessoa com
deficiência, Todos Nós. Unicamp. Disponível em: <http://styx.nied.unicamp.br/todosnos/noticias/a-
-onu-e-o-seu-conceito-revolucionario-de-pessoa-com-deficiencia/>,. Acesso em: 9 jul. 2012.
28 KAYESS; FRENCH, op. cit., p. 2.
29 ONU, United Nations Treaty Collection, Convention on the Rights of Persons with Disabilities - Status,
United Nations. Disponível em: <http://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_
no=IV-15&chapter=4&lang=en>, acesso em: 8 jul. 2013.
30 KAYESS; FRENCH, op. cit., p. 22.
31 LOPES, op. cit., p. 74.

232 R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 11, n. 15, p.213-234, jan./dez. 2011
Nada Sobre Nós, Sem Nós: Uma Análise da Legitimidade Jurídica da
Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência

32 Ibid., p. 79–80.
33 A CORDE foi instituída através do Decreto Presidencial no 93.481/1986. Atualmente foi substituída pela Secre-
taria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência criada a partir do Decreto no 7.256/2010.
34 LOPES,op. cit., p. 79–80.
35 LOPES, Anselmo Henrique Cordeiro, A força normativa dos tratados internacionais de direitos
humanos e a Emenda Constitucional no 45/2004. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus.com.br/
revista/texto/6157/a-forca-normativa-dos-tratados-internacionais-de-direitos-humanos-e-a-emenda-
-constitucional-no-45-2004>. Acesso em: 10 out. 2012.
36 LAFER, Celso, A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações inter-
nacionais, [s.l.]: Manole, 2005, p. 17.
37 EMERIQUE, Lilian Balmant; GUERRA, Sidney, A incorporação dos tratados internacionais de direitos
humanos na ordem jurídica brasileira. Revista Jurídica, v. 10, n. 90, p. 1–34, 2008, p. 22.
38 GABSCH, Rodrigo d’Araujo, Aprovação de Tratados Internacionais pelo Brasil: Possíveis opções
para acelerar o seu processo. Brasília: Fundação Alexandre Gusmão - FUNAG, 2010, p. 106.
39 MAGALHÃES FILHO, Glauco Barreira, Hermenêutica Clássica Jurídica, Belo Horizonte: Manda-
mentos, 2002.
40 LOPES, 2009, op. cit., p. 82–83.
41 MELLO, Celso D. de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, 15. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2004, p. 241.
42 Respectivamente, os edifícios da sede da Organização das Nações Unidas e da sede do Escritório do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, ambos localizados em Genebras, Suíça.
43 IDA, International Disability Alliance, International Disability Alliance - About us, Disponível em:
<http://www.internationaldisabilityalliance.org/en>. Acesso em: 10 jul. 2013.
44 Apresentação, in: DE RESENDE, Ana Paula Crosara de; VITAL, Flavia Maria de Paiva (Orgs.), A
Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência Comentada, Brasília: Secretaria Especial dos
Direitos Humanos da Presidência da República, 2008, p. 21.
45 CHARLTON, James I. Nothing About Us Without Us: Disability Oppression and Empowerment, [s.l.]:
University of California Press, 1998.
46 MAUS, Ingeborg. In: BARRETO, Martonio Mont’Alverne; ANTONIUK, Elisete (Trad.). O Direito
e a Política: Teoria da Democracia. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 56.
47 HABERMAS, Jürgen, Direito e Democracia Entre Facticidade e Validade. 4. ed. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, v. 1, p. 115.
48 Ibid., p. 114–115.
49 Ibid., p. 118.
50 Ibid., p. 115;117.
51 Ibid., p. 118.
52 HABERMAS, Jürgen. In: SIEBENEICHLER, Flávio Beno (Trad.). Direito e Democracia Entre
Facticidade e Validade. 4. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. 1, p. 17.
53 MAUS, op. cit., p. 122–123.
54 Ibid., p. 122.
55 Ibid., p. 128.
56 Ibid.
57 Ibid., p. 113.
58 Ibid. p. 36.
59 KANTER, op. cit., p. 443.
60 HABERMAS, op. cit., p. 114.
61 YOUTUBE. Boaventura de Sousa Santos - A cidadania a partir dos que não são cidadãos, Coimbra:
[s.n.], 2012.
62 ARENDT, Hannah. The Origins of Totalitarianism. [s.l.]: Harcourt Brace Jovanovich, 1973, p. 279.
63 SIEBERS, Tobin, Disability and the Right to Have Rights, Disability Studies Quarterly, v. 27, n. 1/2,
2007.
64 YOUTUBE. Boaventura de Sousa Santos, op. cit.
65 SANTOS, Boaventura de Sousa, Poderá o direito ser emancipatório?, Revista Crítica de Ciências
Sociais, n. 65, p. 3–76, 2003, p. 11–12; 27.
66 Ibid., p. 36–37.
67 KAYESS; FRENCH, op. cit., p. 4.

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Rafael Barreto Souza

NOTHING ABOUT US, NOTHING WITHOUT US:


AN ANALYSIS ON THE JURIDICAL LEGITIMACY OF
THE CONVENTION ON THE RIGHTS OF PERSONS
WITH DISABILITIES

ABSTRACT
The Convention on the Rights of Persons with Disabilities was
introduced into the Brazilian legal system with a Constitutional
Amendment status, in 2008. This convention was negotiated
with the wider participation of “civil society” ever seen in
the UN, which means unprecedented democratic legitimacy.
This essay aims to present the history process, which led to
the elaboration of this convention with the participation of
“civil society”.
Keywords: International Law. Persons with Disabilities.
Legitimacy.

234 R. Opin. Jur., Fortaleza, ano 11, n. 15, p.213-234, jan./dez. 2011

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