Reconhecimento e Inclusão Das Pessoas Com Deficiência
Reconhecimento e Inclusão Das Pessoas Com Deficiência
Reconhecimento e Inclusão Das Pessoas Com Deficiência
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, vol. 13, p. 17-37, jul./set. 2017
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Heloisa Helena Barboza, Vitor de Azevedo Almeida Junior
Keywords: Disabled people; Recognition; Inclusion; Social model.
Summary: Introduction – 1 From integration to the inclusion of the person with disabilities – 2
Effects of adopting the social model of disabilities – 3 Recognition as an indispensable factor for
inclusion – 4 Legal challenges to the effectiveness of inclusion – 5 Conclusion
Introdução
A questão da deficiência humana não recebeu atenção maior do legislador
constituinte de 1988, não obstante tenha este contemplado algumas situações
de vulneração, como as da infância, adolescência e envelhecimento, conferindo
lhes proteção especial. Os dispositivos dedicados às pessoas com deficiência
procuram dar-lhes proteção no trabalho e tem feição assistencialista, voltada à
habilitação e reabilitação para fins de sua integração à vida comunitária.
Contudo, a incorporação à ordem constitucional brasileira da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, por força do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009,
revolucionou o tratamento da questão, ao colocá-la no patamar dos direitos
humanos e ao adotar o denominado modelo social de deficiência.
Os fortes impactos da Convenção de 2008 no ordenamento jurídico só
foram sentidos efetivamente após a edição da Lei nº 13.146, de 06 de julho de
2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência –
também de nominada de Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD). Destinado
expressamen te a assegurar e promover, em condições de igualdade, o
exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com
deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania, o EPD cria os
instrumentos necessários à efetivação dos di tames constitucionais, dentre os
quais se inclui profunda alteração do regime de capacidade jurídica, previsto no
Código Civil, cujas consequências se alastram praticamente por todo
ordenamento jurídico.1
Embora tenha o EPD largo alcance, atingindo a um só tempo diversas norma
tivas infraconstitucionais, constata-se que sua efetividade está vinculada ao
reco nhecimento, como concebido por teóricos contemporâneos, como Charles
Taylor, Axel Honneth e Nancy Fraser. Na verdade, o reconhecimento, nessa
perspectiva
1
Sobre o assunto permita-se remeter a BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA JUNIOR, Vitor de Azevedo.
A capacidade civil à luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de
(Org.). Direito das pessoas com deficiência psíquica e intelectual nas relações privadas – Convenção
sobre os di reitos da pessoa com deficiência e Lei Brasileira de Inclusão. Rio de Janeiro: Processo, 2016,
p. 249-274. Cf., ainda, BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA JUNIOR, Vitor de Azevedo. A
(in)capacidade da pessoa com deficiência mental ou intelectual e o regime das invalidades: primeiras
reflexões. In: EHRHARDT JR., Marcos (Org.). Impactos do novo CPC e do EPD no direito civil brasileiro.
Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 205-228.
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Desde 1988, indaga-se: o Preâmbulo faz parte da Constituição da República? Conforme Celso Ribeiro
Bastos e Ives Gandra Martins, o conjunto de afirmações ali contidas são palavras do constituinte que
externam os valores e princípios fundamentais que serão tratados no texto constitucional. Não
obstante, de acordo com os mencionados autores, há quem o considere juridicamente irrelevante. O
Preâmbulo constitui “o título de legitimidade da Constituição, quer quanto a sua origem, quer quanto
ao seu conteú
do (legitimidade constitucional material)”, segundo José Joaquim Gomes Canotilho, citado pelos
autores. Parece inegável sua função de auxiliar na interpretação dos dispositivos constitucionais,
embora não pre valeça sobre os mesmos, os quais como assinalado, retomam e discorrem sobre o ali
contido (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil, v. 1.
São Paulo: Saraiva, 1988, pp. 408-409). Doutrina mais recente igualmente nega força normativa
autônoma ao Preâmbulo, mas igualmente reconhece a possibilidade de ser “empregado como reforço
argumentativo ou diretriz her menêutica” (SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel.
Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 363).
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direção dos destinatários das normas constitucionais que dão a esses valores
conteúdo específico.3
Em uma sociedade pluralista, contudo, a probabilidade de
desconhecimento, invisibilidade ou mesmo de desrespeito às diferenças e
vulnerabilidades, é fato que não escapou da atenção do legislador constituinte,
que contemplou desde logo alguns grupos com normas próprias. Nesse
sentido, o elenco dos direitos fundamentais constantes da Lei Maior reafirma
serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo
vedada qualquer forma de tratamento desumano ou degradante, mas proíbe
particularmente qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de
admissão do trabalhador portador de deficiência (art. 5º, III e 6º, XXXI).
As pessoas com deficiência, além dos incisos já citados, receberam trata
mento na Constituição de 1988, no que respeita: à reserva de percentual dos
cargos e empregos públicos (art. 37, VIII); à adoção de requisitos e critérios di
ferenciados para a concessão de aposentadoria (art. 40, §4º, I e 201, §1º); à
assistência social com o objetivo de habilitação, reabilitação e promoção de sua
integração à vida comunitária (art. 203, IV); à garantia de um salário mínimo de
benefício mensal, desde que comprovem não possuir meios de prover a própria
ma nutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art.
203, V); à garantia de atendimento educacional especializado,
preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208, III); à garantia de acesso
adequado a logradouros e edifícios de uso público e a veículos de transporte
coletivo, a depender de dispo sições legais infraconstitucionais (art. 227, §2º e
244).
Não obstante sua inegável importância, tais disposições têm feição assis
tencial e se encontram voltadas para a integração das pessoas com deficiência
à vida comunitária. O exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança e o bem-estar dessas pessoas careciam, porém, de outras medidas
mais efetivas para seu pleno desenvolvimento individual.
Mais do que integrar é preciso incluir as pessoas com deficiência na so
ciedade. Essa constatação foi feita desde a década de 1990, especialmente no
campo da Educação, no qual as pessoas com deficiência eram designadas
como “pessoas com necessidades especiais” (PNE), expressão que traduz a
ideia de integração que orientava à época o tratamento da questão.
Como esclarecem José Francisco Chicon e Jane Alves Soares, em
meados do século XX (1950), houve um movimento que tendia a aceitar as
pessoas, então
3
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.649, voto da rel. min. Cármen Lúcia, julg. em 8 mai.2008,
publ. 17 out. 2008. Disponível: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>. Acesso em:
16 jan. 2017.
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SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1997,
p. 41. 8 MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Ser ou estar, eis a questão: explicando o déficit intelectual. Rio de
Janeiro: WVA, 1997, p. 145.
9
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos, cit., p. 41. 10 SASSAKI,
Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos, cit., p. 43. 11 A Convenção foi adotada
em 13.12.2006 (A/RES/61/106) e aberta para assinatura em 30.03.2007. Entrou
em vigor em 03.05.2008. Sobre a Convenção ver: <https://www.un.org/development/desa/disabilities/
convention-on-the-rights-of-persons-with-disabilities/the-10th-anniversary-of-the-adoption-of-conventio
n-on-the rights-of-persons-with-disabilities-crpd-crpd-10.html#background>. Acesso em: 12 jan. 2017.
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A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. 2. ed., Brasília: MTE, SIT, 2007. 13
Dados que tomam como base as estimativas da população mundial de 2010. Informações extraídas do
Relatório da Organização Mundial de Saúde (WHO) sobre pessoas com deficiência. Tradução disponível
em:
<http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.
pdf>. Acesso em: 23 ago. 2015.
14
Disponível: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-06-29/pessoas-com-deficiencia-repre
sentam-24-da-populacao-brasileira-mostra-censo>. Acesso em: 10 jan. 2017.
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Dados que tomam como base as estimativas da população mundial de 2010. Informações extraídas do
Relatório da Organização Mundial de Saúde (WHO) sobre pessoas com deficiência. Tradução
disponível em:
<http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLET
O. pdf>. Acesso em: 2 dez. 2016.
16
Adota-se aqui o entendimento de SASSAKI, Romeu Kazumi. Deficiência Mental ou Intelectual? Doença
ou Transtorno Mental? Atualizações semânticas na inclusão de pessoas. Revista Nacional de
Reabilitação, São Paulo, ano IX, n. 43, mar./abr. 2005, p. 9-10. Segundo o autor: “Consideremos, em
primeiro lugar, a questão do vocábulo deficiência. Sem dúvida alguma, a tradução correta das palavras
(respectivamente, em inglês e espanhol) “disability” e “discapacidad” para o português falado e escrito
no Brasil deve ser
deficiência. Esta palavra permanece no universo vocabular tanto do movimento das pessoas com
deficiência como dos campos da reabilitação e da educação. Trata-se de uma realidade terminológica
histórica. Ela denota uma condição da pessoa resultante de um impedimento (“impairment”, em
inglês). Exemplos de impedimento: lesão no aparelho visual ou auditivo, falta de uma parte do corpo,
déficit intelectual”. Disponível:
<http://www.planetaeducacao.com.br/portal/impressao.asp?artigo=1321>. Acesso em: 15 jan. 2017.
17
PALACIOS, Agustina. El modelo social de discapacidad: orígenes, caracterización y plasmación en la
Convención Internacional sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad. Cermi. Madrid:
Cinca, 2008, p. 37.
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PALACIOS, Agustina. El modelo social de discapacidad, cit., p. 67.
19
PALACIOS, Agustina. El modelo social de discapacidad, cit., p. 68.
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25
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20
PALACIOS, Agustina. El modelo social de discapacidad, cit., pp. 106-107.
21
PALACIOS, Agustina. El modelo social de discapacidad, cit., pp. 107-108.
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22
PALACIOS, Agustina. El modelo social de discapacidad, cit., p. 108.
23
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos, cit., pp. 44-45.
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fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e
cidada nia. Constitui, portanto, o instrumento principal de efetivação do modelo
social, ao convocar instituições públicas e privadas para o processo de
inclusão.
Do mesmo modo são chamados todos os setores da sociedade, de modo
coletivo ou individual. É o que se constata das definições ali estabelecidas para
fins de aplicação do EPD, que delineiam os contornos da interação exigida,
espe cialmente considerando como barreiras qualquer entrave, obstáculo,
atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da
pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à
acessibilidade, à liberdade de mo vimento e de expressão, à comunicação, ao
acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança (art. 3º, IV).
A relação é meramente exemplificativa, cabendo destacar, dentre a
classificação constante do referido dispositivo legal, a referência a “barreiras
atitudinais”, entendidas como atitudes ou comportamentos que impeçam ou
prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de
condições e oportunidades com as demais pessoas (art. 3º, IV, e).
Como decorrência necessária do primeiro efeito acima mencionado,
merece destaque a afirmação da capacidade civil das pessoas com deficiência
para o exercício de direitos existenciais, como casar, ter filhos, como prevê o
art. 6º, pre servando o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à
privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto, mesmo em caso de
curatela, que passa a constituir medida extraordinária, a exigir explicitação das
razões e motivações na sua definição por sentença (art. 85, §1º).
24
“O reconhecimento entrou no discurso filosófico na obra de Hegel, mas acabou preterido. Atribui-se a
Charles Taylor o resgate do conceito em sua obra The politics of recognition” (ASSY, Bethânia; FERES
JUNIOR, João. Reconhecimento. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de Filosofia do
Direito. São Leopoldo, RS: Unisinos, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, pp. 705-710).
25
TAYLOR, Charles. The Politics of Recognition. In: Multiculturalism: examining the politics of recognition.
New Jersey: Princeton, 1994, p. 25. Disponível em:
<http://elplandehiram.org/documentos/JoustingNYC/ Politics_of_Recognition.pdf>. Acesso em: 30 nov.
2016.
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30 Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, vol. 13, p. 17-37, jul./set. 2017
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34
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética?, cit., pp. 111-112.
35
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética?, cit., p. 114.
36
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética?, cit., p. 118.
37
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética?, cit., p. 119.
38
FRASER, Nancy. Reconhecimento sem ética?, cit., p. 120.
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V., por todos, na literatura internacional: BERESFORD, Peter. Poverty and Disabled People: Challenging
Dominant Debates and Policies. In: Disability & Society, v. 11, n. 4, 1996, pp. 553 -567. 40 Durante a 9ª
sessão da Conferência dos Estados Partes da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência
(CDPD), realizada em 14 de junho de 2016, foi divulgado que alguns “estudos apontam que pessoas com
deficiência são mais propensas a experimentar a pobreza e essa condição social também aumenta a
incidência de problemas de saúde. Em todo o mundo, 20% das pessoas mais pobres têm algum tipo de
deficiência e 80% das pessoas com deficiência vivem em países em desenvolvimento” (Informação
disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-inclusao-de-pessoas-com-deficiencia-e-funda
mental-para-a-implementacao-da-agenda-2030/>. Acesso em: 13 dez. 2016).
41
Mais Qualidade de Vida para as Pessoas com Deficiências e Incapacidades – Uma Estratégia para
Portugal. Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG) e Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empre sa (ISCTE), 2007, p. 23. Disponível em:
<http://www.crpg.pt/estudosProjectos/Projectos/modelizacao/
Documents/Mais_qualidade_de_vida.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2016.
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Afirma-se, por outro lado, que a pobreza, por si só, é um fator de “produção de
deficiências e incapacidades”, em razão das características como o meio onde
as pessoas convivem, o déficit informacional, as condições insalubres de
habitação, estilos de vida e padrões de consumo que envolva comportamento
de risco, incipi
ência de práticas de prevenção e fraca incidência de cuidados de saúde.42 A
promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, expressão legal da
Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência acolhida como emenda
consti tucional em nosso ordenamento, desafia uma cultura ainda vigente no
país que é a invisibilidade, na medida em que essas pessoas têm seus direitos
sistematica mente desrespeitados, inclusive pelo próprio Poder Público, que
num círculo vicio so de omissão, mantém esse grupo vulnerado à margem da
proteção legalmente estabelecida. Insta consignar que antes da aprovação da
Lei Brasileira de Inclusão já vigoravam leis voltadas à tutela dos direitos das
pessoas com deficiência, de que são exemplos as Leis nº 7.853, de 24 de
outubro de 1989, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de
deficiência e sua integração social, e nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que trata
da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Observa-se que apesar do
manto protetivo das leis citadas, entre outras, ainda em vigor, o que se verifica
é o contínuo desrespeito ao disposto nessas normas.
Depreende-se, portanto, que o desafio na tutela integral das pessoas com
deficiência reside na ineficácia social das normas que decorre em boa medida
de sua invisibilidade e não reconhecimento, eis que desde a década de 1980 já
existe legislação específica, mas a situação pouco avançou na defesa dos
direitos desse grupo vulnerável. De início, convém ressaltar que a promulgação
do EPD possui forte valor simbólico e pedagógico, eis que substitui o modelo
da integra
ção pelo paradigma da inclusão social, que visa concretizar a igualdade
material, a fim de assegurar, com paridade de oportunidade, o direito à saúde,
educação, lazer, transporte, moradia, trabalho, entre outros. Há que se
ressaltar ainda que a adoção do modelo social de deficiência, deixando no
passado o entendimento patologizante, é um importante passo rumo à
efetividade da tutela da pessoa com deficiência, além de colaborar para a
mudança de percepção da sociedade em relação a esse grupo populacional.
Apesar dessas considerações, é forçoso reconhecer que a Convenção e o
Estatuto apresentam feição repetitiva, por vezes insistente em certos aspectos.
42
Mais Qualidade de Vida para as Pessoas com Deficiências e Incapacidades – Uma Estratégia para
Portugal. Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG) e Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empre sa (ISCTE), 2007, p. 23 (Disponível em:
<http://www.crpg.pt/estudosProjectos/Projectos/modelizacao/
Documents/Mais_qualidade_de_vida.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2016).
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43
PERLIN, Michael L. International human rights mental disability law. Oxford: Oxford Univ. Press, 2012, p.
34. 44 V. ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro, São Paulo: Geração Editorial, 2013.
45
Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2016/07/lei-de-cotas-para-pessoas-com
deficiencia-completa-25-anos>. Acesso em: 14 fev. 2017.
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Além disso, estudos ainda comprovam que “as pessoas com deficiência estão
sendo subaproveitadas”,46 demonstrando uma realidade repleta de obstáculos
para o pleno acesso de pessoa com deficiência ao mercado de trabalho em pari
dade de oportunidades.
A realização de dois grandes eventos esportivos na cidade do Rio de
Janeiro no ano de 2016 demonstrou, mais uma vez, a indiferença em relação
às pessoas com deficiência. Nos Jogos Paralímpicos, diferente das
Olimpíadas, foi grande a dificuldade para a venda de bilhetes – apesar de mais
baratos – e a obtenção de patrocínios.47
Diante desse quadro, realça-se a função promocional48 do EPD e da Con
venção, na medida em que a promulgação de uma lei geral sobre os direitos da
pessoa com deficiência, que reflete normas constitucionais incorporadas após a
internalização do CPDP, desafia intérpretes e operadores do direito, bem como
as instituições competentes, a transformarem a atual “cultura de indiferença”
causada pela invisibilidade e exclusão das pessoas com deficiência em nossa
sociedade. Para tanto, é preciso celebrar as diferenças e valorizar a diversidade
humana, de modo a beneficiar toda a sociedade que passa a conviver com dife
rentes visões de mundo.
Nesse sentido, indispensável promover a autonomia da pessoa com defi ciência
para decidir sobre sua própria vida e para isso se centrar na elimina ção de
qualquer tipo de barreira, para que haja uma adequada equiparação de
oportunidades. Isso provoca o empoderamento da pessoa com deficiência que
passa a tomar suas próprias decisões e assumir o controle do seu projeto de
vida. Entretanto, para que essa independência seja viável e real, é
imprescindível a implementação de políticas públicas, programas sociais e
serviços adaptados que permitam a superação das barreiras, mas que, em
muitos casos, encontrará limite na reserva do possível em razão da
necessidade do aporte de recursos financeiros para a efetiva e plena fruição
dos direitos assegurados às pessoas com deficiência, como a adaptação
arquitetônica de imóveis, adaptação de veícu los utilizados no transporte
coletivo, adaptação de material didático nas escolas, contratação de intérpretes
de Libras (Língua Brasileira de Sinais), entre outros.
46
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria de Estado dos Direitos das Pessoas com
Deficiência. Pessoas com deficiência no trabalho – Criando Valor pela Inclusão. Disponível em:
<http://www.pessoacom
deficiencia.sp.gov.br/Content/uploads/20131210182610_CartilhaPessoascomdeficiencianotrabalho.pdf>
. Acesso em: 14 fev. 2017.
47
Disponível em: <http://esporte.ig.com.br/olimpiadas/2016-08-31/jogos-paralimpicos-patrocinio-conta.
html>. Acesso em: 14 fev. 2017.
48
Cf. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do Direito. Barueri: Manole, 2007,
passim.
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Tal cenário, contudo, não pode ser, mais uma vez, fator para a perpetuação da
indiferença e inobservância dos direitos conquistados.
Considerado o modelo social, o maior desafio, no entanto, a ser
enfrentado reside no reconhecimento das pessoas com deficiência como parte
da diversida de humana e principalmente na conscientização do muito que
podem acrescer à sociedade, pois como destacou Agustina Palacios:
5 Conclusão
A adoção do modelo social para compreender o fenômeno da deficiência é
uma das grandes conquistas promovidas pela Convenção e pelo EPD, que têm
como premissas a inclusão plena da pessoa com deficiência e o dever do Poder
Público e da sociedade de tornar o meio em que vivemos um lugar viável para a
convivência entre todas as pessoas – com ou sem deficiência – e em condições
de exercerem seus direitos, satisfazerem suas necessidades e desenvolverem
suas potencialidades. Deve-se, de uma vez por todas, abandonar o
comportamento social que nem considera ter como presentes as pessoas com
deficiência, de modo a romper com a indiferença e invisibilidade que rotulam há
tempos esse grupo vulnerado.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência, na linha da Convenção dos
Direitos da Pessoa com deficiência, de envergadura constitucional, substituiu o
paradigma da integração social pelo modelo social, que se traduz na inclusão
radical e plena, que exige efetiva participação da sociedade nesse processo e
que essa se mo
difique, para atender às necessidades de todos seus integrantes. Para alcançar
o objetivo central do EPD, é essencial que as pessoas com deficiência sejam
49
PALACIOS, Agustina. El modelo social de discapacidad, cit., p. 104.
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