Boletim N° 037
Boletim N° 037
Boletim N° 037
Assessores:
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
1 Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
Sumário
1- Tema: Descumprimento das condições do regime aberto - Extinção da pena - Impossibilidade ...... 5
2- Tema: Situações excepcionais podem impedir prisão domiciliar para mães mesmo após alterações
do CPP.......................................................................................................................................... 6
DIREITO PENAL:
1- Tema: Art. 33, § 4º, da Lei de Drogas - Inexiste direito subjetivo à redução em seu grau máximo ... 13
2
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
ESTUDOS DO CAOCRIM
1. No delito de tráfico de drogas, não faz jus à atenuante da confissão o acusado que afirma a
propriedade das drogas para uso próprio. Precedentes.
2. In casu, o paciente não confessou que estaria traficando drogas, mas, tão somente, admitiu que a
substância entorpecente apreendida em seu poder seria para consumo próprio. Portanto, não incide
ao caso a atenuante prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal, não sendo possível, por consequência,
promover a sua compensação com a agravante da reincidência.
STJ- AgRg no HC 448.692/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado
em 26/06/2018, DJe 01/08/2018
AGENTE QUE NEGOU A PRÁTICA DO DELITO DE TRÁFICO E AFIRMOU SER USUÁRIO DE DROGAS.
DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.
STJ-AgRg no HC 442.885/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em
07/06/2018, DJe 20/06/2018
3
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
1. Não há falar em descumprimento do julgado do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que faltou o
anterior reconhecimento, na origem, da dita confissão espontânea, sendo, portanto, inviável a
compensação com a reincidência constatada.
2. Conforme a revisão criminal, o reclamante apenas confessou ser o possuidor da droga para consumo
próprio, não tendo confessado em nenhum momento o cometimento do tráfico.
3. Reclamação improcedente.
STJ-Rcl 35.076/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/02/2018,
DJe 27/02/2018
1. Deve-se indeferir liminarmente o habeas corpus impetrado como substitutivo recursal, se for
possível à defesa manifestar sua irresignação pela vida adequada e não sobressair, do ato inquinado
coator, patente ilegalidade. Busca-se, com isso, evitar a subversão da essência do remédio heroico e o
alargamento inconstitucional da competência desta Corte Superior para o julgamento desse tipo de
ação de impugnação autônoma, consoante determinam os arts. 34, XVIII, e 210 do RISTJ e a reiterada
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
2. No caso em exame, o acusado não confessou o tráfico de drogas, mas admitiu, tão somente, o porte
de substância entorpecente destinada ao consumo próprio. Não se aplica ao réu, portanto, a
atenuante prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal.
STJ- AgRg no HC 411.440/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
24/10/2017, DJe 06/11/2017
4
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
STJ- HC 445.879/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe
04/02/2019
1. Se a Paciente não compareceu em Juízo para o cumprimento das condições impostas ao regime
aberto, não há como computar o respectivo período como pena efetivamente cumprida.
2. Ordem denegada.
Inteiro teor
STJ- HC 380.077/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe
06/11/2017
ORDEM DENEGADA.
1. Se o apenado descumpre as condições do regime aberto ou não comparece para dar cumprimento
às condições impostas, não há falar em extinção da pena pelo cumprimento da pena remanescente, o
qual sequer se inicia efetivamente em tais casos. Precedente do STJ.
2. O descumprimento das condições impostas no regime aberto mostra-se incompatível com a sua
finalidade ressocializadora, porquanto acarreta a frustração dos fins da execução, além de configurar,
em tese, falta disciplinar de natureza grave, nos termos do inciso V do art. 50 da Lei de Execução Penal
- cujo reconhecimento é apto a interromper o prazo para a aquisição de futuros benefícios, além de
importar em regressão de regime -, inexistindo, pois, constrangimento ilegal a ser sanado.
3. Ordem denegada.
Inteiro teor
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
5
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
Para que o condenado ingresse no regime aberto deverá não apenas cumprir os requisitos (objetivos
e subjetivos) comuns a qualquer transferência, previstos no art. 112 da LEP, mas também aceitar o
programa e as condições impostas pelo juiz (art. 113), as condições obrigatórias previstas em lei (art.
115), demonstrar capacidade para o trabalho e aptidão para viver em semiliberdade (art. 114).
2- Tema: Situações excepcionais podem impedir prisão domiciliar para mães mesmo após alterações
do CPP
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o juiz pode negar a conversão da
prisão preventiva em domiciliar para gestantes ou mães de filhos pequenos ou com deficiência caso
entenda que está diante de uma situação excepcional, conforme admitido pelo Supremo Tribunal
Federal (STF) no Habeas Corpus 143.641.
A decisão da Quinta Turma foi tomada no julgamento dos HCs 426.526 e 470.549, nos quais a defesa
alegava que as pacientes teriam direito à prisão domiciliar prevista no artigo 318, V, do CPP.
No primeiro caso, de relatoria do ministro Joel Ilan Paciornik, houve pedido de vista do ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, que, em concordância com o relator, negou o pedido. Já no segundo
processo, de relatoria do ministro Reynaldo, a turma concedeu a ordem de ofício para que a ré passe
ao regime domiciliar.
Histórico
Em fevereiro de 2018, a Segunda Turma do STF, em julgamento de habeas corpus coletivo (HC
143.641), determinou, por maioria, a substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as
mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, salvo nos
casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes
ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos
juízes que denegarem o benefício.
6
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
A decisão impôs, com suas ressalvas, o atendimento aos incisos III, IV e V do artigo 318 do CPP, segundo
os quais o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for imprescindível
aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência, gestante ou mulher
com filho de até 12 anos incompletos.
Entretanto, em dezembro de 2018, sobreveio a Lei 13.769, que acrescentou os artigos 318-A e 318-B
no CPP, prevendo que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável
por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que não tenha
cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa e que não tenha cometido o crime contra seu
filho ou dependente.
Poder-dever
Ao analisar os casos, a Quinta Turma destacou o fato de que o texto da nova lei suprimiu a
discricionariedade do juiz para negar a prisão domiciliar em casos de situações excepcionais, hipótese
prevista no HC coletivo julgado pelo STF.
“Com a publicação da nova lei, não resta dúvida que se trata de um poder-dever para o juiz aplicar o
benefício, ressalvados os casos em que tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa
ou contra seu filho ou dependente. Assim, forçoso reconhecer o caráter objetivo de aplicação da nova
lei, com a substituição do termo poderá (artigo 318, caput) por será (artigo 318-A, caput), sempre que
apresentada prova idônea do requisito estabelecido na norma (artigo 318, parágrafo único)”, afirmou
o ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
Em seu voto, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca citou decisão do ministro Sebastião Reis Júnior,
da Sexta Turma, e artigos doutrinários que respaldam esse entendimento.
Casos diferentes
Durante o julgamento, os relatores também ressaltaram a diferença entre as situações tratadas nos
dois habeas corpus. Para eles, a análise precisa levar em conta as particularidades do caso concreto,
devendo-se observar se a presença da mãe pode representar risco direto aos direitos das crianças
menores ou dos dependentes.
7
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
“Assim, é certo que da situação evidenciada nos autos verifica-se a excepcionalidade prevista no
mencionado julgado, tendo em vista que, conforme fundamentado pelas instâncias ordinárias, a
paciente é apontada como líder do tráfico de entorpecentes na região, exercia suas atividades
mediante utilização de arma de fogo, e foi apreendida grande quantidade de drogas sob sua
responsabilidade (470g de maconha e 857g de cocaína)”, afirmou o relator, ministro Joel Ilan Paciornik.
Já no caso do HC 470.549, mesmo a ré tendo o benefício negado nas instâncias anteriores sob o
argumento de que sua presença não seria imprescindível, já que contava com a ajuda da avó e da mãe
para os cuidados com os filhos, a turma julgadora concluiu não haver impedimento para a concessão
da prisão domiciliar.
“Embora a paciente seja investigada por tráfico, não é reincidente, o fato que deu origem à prisão em
exame não ocorreu na residência onde moram os filhos, bem como não envolveu atuação de
organização criminosa, tanto que foi denunciada apenas pelo crime de tráfico de drogas”, destacou o
relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A Lei 13.769/18 alterou o Código de Processo para nele inserir o artigo 318-A, segundo o qual a prisão
preventiva decretada sobre a “mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas
com deficiência será substituída por prisão domiciliar”, desde que a presa: I – não tenha cometido
crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II – não tenha cometido o crime contra seu filho ou
dependente.
A interpretação literal do novo disposto nos leva a à conclusão de que a intenção do legislador foi criar
um poder-dever para o juiz, isto é, somente os crimes cometidos com violência ou grave ameaça contra
a pessoa e contra o próprio filho ou dependente poderiam impedir que mulheres gestantes ou
responsáveis por criança ou pessoa com deficiência permanecessem presas cautelarmente. Neste
passo, a nova lei é mais pródiga na concessão do benefício do que foi a decisão do STF no habeas
corpus coletivo 143.641/SP (j. 20/02/2018), cujo acórdão reconhece que “situações
excepcionalíssimas” podem fundamentar a denegação da prisão domiciliar. Nesta ressalva é possível
inserir crimes que, não obstante cometidos sem violência ou ameaça, guardam acentuada gravidade.
O STJ tem decisões nas quais se refere a situações excepcionalíssimas referentes à prática de tráfico
de drogas:
8
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
“O fato de a acusada comercializar entorpecentes em sua própria residência, local onde foi apreendida
quantidade relevante de cocaína, já embalada em porções individuais, além de outros petrechos
comumente utilizados para o tráfico de drogas, evidencia o prognóstico de que a prisão domiciliar não
cessaria a possibilidade de novas condutas delitivas no interior de sua casa, na presença dos filhos
menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza o acolhimento do pleito” (STJ – RHC 96.737/RJ, j.
19/06/2018).
A nosso ver, a interpretação literal não é a melhor saída, pois desconsidera o cometimento de crimes
graves como o tráfico de drogas, a participação em associações e organizações criminosas voltadas à
prática do próprio tráfico, fraudes de grande vulto e até mesmo determinadas figuras tipificadas na Lei
13.260/16, que trata do terrorismo.
A prisão domiciliar é, em si, uma medida de natureza cautelar e deve ser analisada sob as diretrizes
estabelecidas no art. 292 do Código de Processo Penal, o qual dispõe que as medidas previstas no
Título IX devem ser aplicadas de acordo com a necessidade e com adequação da medida à gravidade
do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
Ora, afirmar que o juiz é obrigado à substituição, sem considerar particularidades e circunstâncias do
crime imputado à acusada, opõe-se abertamente às regras gerais para a concessão de cautelares.
A substituição automática também acaba por violar o disposto no art. 5º da Constituição Federal, que
garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Diante do plexo de direitos e garantias explicitados na Constituição, têm o legislador e o juiz a
obrigação de proteger os bens jurídicos de forma suficiente. Em outras palavras: é tão indesejado o
excesso quanto a insuficiência da resposta do Estado punitivo. A obrigação de que o juiz substitua a
prisão preventiva pela domiciliar torna evidentemente falha a proteção de que se incumbe o Estado.
9
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
Na decisão em comento o STJ nos dá razão ao ponderar que, mesmo diante do texto do art. 318-A, as
circunstâncias excepcionais mencionadas pelo STF não podem ser ignoradas.
Em seu voto, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca admite que o art. 318-A do CPP estabelece um
poder-dever do juiz, ou seja, reconhece-se o caráter objetivo da norma, que em regra deve ser aplicada
diante de situações que se subsumam às suas disposições. Isto, no entanto, não afasta os requisitos
impostos pelo STF no habeas corpus coletivo, que, segundo o ministro, continua aplicável porque a Lei
13.769/18 contém clara omissão.
A decisão é salutar, porque, além de adequar o procedimento às regras gerais para a concessão de
cautelares no processo penal, garante que a análise da substituição da prisão preventiva seja mais
criteriosa e condizente com a natureza e as circunstâncias do crime imputado.
Clique aqui para ter acesso a manifestação do Promotor de Justiça de Marília, Dr Rafael Abujamra,
sobre a prisão domiciliar para presas gestantes e mães ou responsáveis por crianças ou pessoas com
deficiência.
A Segunda Turma afetou ao Plenário o julgamento de agravo regimental interposto contra decisão que
negou seguimento à reclamação na qual se questionam as espécies de prisão em face das quais a
audiência de custódia é imperativa.
A reclamante aponta ofensa à autoridade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF)
em medida cautelar em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 347 MC), que
determinou a realização de audiência de custódia no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas,
contado a partir do momento da prisão.
Sustenta que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) não observou a decisão do STF
ao restringir, por meio da Resolução 29/2015, as hipóteses de audiência de custódia aos casos de
flagrante delito. Alega que, independente do título prisional, o preso deve ser apresentado, no prazo
de 24 horas, à autoridade judicial. Requer a procedência da reclamação a fim de que seja determinada
ao TJRJ a realização da audiência de custódia para as demais hipóteses de prisão.
O ministro Edson Fachin (relator) negou provimento ao agravo regimental e manteve o entendimento
proferido em sua decisão monocrática no sentido da não configuração da aderência estrita entre a
decisão reclamada e o paradigma invocado. Segundo ele, não é possível extrapolar os limites do que
decidido até agora em medida cautelar na ADPF, cuja extensão, se o Plenário assim entender, poderá
ir além na apreciação do seu mérito. O relator foi acompanhado pela ministra Cármen Lúcia.
10
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
Na decisão monocrática, o ministro Fachin considerou que o Plenário, ao julgar a ADPF 347 MC, fixou
a obrigatoriedade da audiência de custódia apenas para os casos de prisão em flagrante. Para ele,
embora o Plenário tenha determinado “aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto
dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em
até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a
autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão”, não afirmou a
necessidade dessa providência nos casos de prisão preventiva, temporária ou definitiva decretada por
juízes ou tribunais.
Em divergência, o ministro Gilmar Mendes deu provimento ao recurso para julgar procedente a
reclamação e determinar que o TJRJ realize a audiência de custódia em todas as hipóteses de prisões
cautelares, até mesmo temporárias e preventivas.
Para o ministro Gilmar Mendes, o acórdão do Plenário não limitou a determinação da audiência de
custódia exclusivamente aos casos de prisão em flagrante, mas indicou, de modo genérico, o
comparecimento do preso à autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento
da prisão.
Frisou que a ADPF 347 e as demais ações conexas envolvem diversos temas complexos relativos ao
sistema penitenciário por vezes não decididos ou bem esclarecidos em uma única ação ou decisão. A
complexidade e a variedade das questões discutidas e a necessidade de se resolverem essas novas
demandas que surgem no transcorrer desses processos são características específicas das ações
estruturais e do “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro se comparados
com o processo tradicional idealizado para resolução de uma disputa entre partes estabelecida em
torno de um objeto bem definido.
Concluiu que, nesse sentido, o julgamento da reclamação permite ao STF integrar, esclarecer e
reafirmar uma das políticas judiciárias estabelecidas na ADPF 347 em coordenação com a
regulamentação fixada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para superação desse “estado de coisas
inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro, em vez de delegar essa tarefa a cada um dos
tribunais do País.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A audiência de custódia se apresenta como cautela que atende, basicamente, à Convenção Americana
de Direitos Humanos (art. 7. 5), impondo a apresentação do preso a um juiz ou a autoridade que exerça
função assemelhada, legalmente constituída. No mesmo sentido, o art. 9, 3 do Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York.
11
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
A matéria ainda não recebeu tratamento legal, conquanto esteja em trâmite, no Congresso, projeto
de lei que a regulamenta. Por ora, vem prevista na Resolução n. 213/2015, do Conselho Nacional de
Justiça e em normas internas de tribunais. Assegura-se prévia entrevista entre o preso com seu
advogado ou, à falta deste, com um defensor público. Após formular perguntas de cunho pessoal,
referentes à “qualificação, condições pessoais, tais como estado civil, grau de alfabetização, meios de
vida ou profissão, local da residência, lugar onde exerce sua atividade, e, ainda, sobre as circunstâncias
objetivas da sua prisão”, sem adentrar o mérito dos fatos em si, é concedida a palavra ao Ministério
Público e à defesa, após prévia entrevista entre o preso com seu advogado, sendo convertida ou não
a prisão em flagrante em preventiva.
Como a matéria é tratada por meio de Resolução do Conselho Nacional de Justiça, não há, ainda, um
tratamento uniforme em todo país. “Assim, cada estado irá regulando as formas de tornar viável a
iniciativa, obviamente sem fugir das regras da Resolução 213 do CNJ. Por exemplo, em comarcas
contíguas poderá haver um plantão regionalizado que receba os autuados em flagrante de todas as
unidades judiciárias. A audiência de custódia por vídeo conferência que, em alguns locais, constitui um
absurdo, em outros pode mostrar-se como uma necessidade absoluta. O prazo de 24 horas, em regiões
distantes poderá ser flexibilizado, por ser de cumprimento impossível”, nas palavras de Vladimir Passos
de Freitas, em artigo publicado sob o título “Precisamos dar um passo à frente com as audiências de
custódia” (site do Conjur de 11.11.2018).
A audiência de custódia (ou de apresentação), como visto, tem dupla finalidade: de proteção, a fim de
tutelar a integridade física do preso, e de constatação, aquilatando, de acordo com as circunstâncias
do caso concreto, a necessidade de ser mantida a prisão do autuado.
Discute-se se a audiência se aplica apenas no caso do flagrante, divergindo a Corte Maior. Nos termos
da Resolução 213/2015 do CNJ, o dever de apresentação de toda pessoa presa abrange o flagrante
(art. 1º) e outras prisões, como temporária, preventiva ou definitiva (art. 13).
12
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
DIREITO PENAL:
1- Tema: Art. 33, § 4º, da Lei de Drogas - Inexiste direito subjetivo à redução em seu grau máximo
STJ- AgRg no AgRg no AREsp 1205580/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA
TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 14/12/2018
1. Consoante o art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, o agente poderá ser beneficiado com a redução de 1/6
(um sexto) a 2/3 (dois terços) da pena, desde que seja primário, portador de bons antecedentes, não
se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
3. No caso dos autos, o colegiado regional, respeitando os critérios legais estabelecidos pelo art. 33, §
4º, da Lei n. 11.343/2006 e, ainda, com observância aos pormenores da situação concreta, entendeu
pela aplicação da causa especial de diminuição da pena na fração de 1/6 (um sexto), destacando que
o agravante, embora não integrasse organização criminosa, teria se associado, de maneira pontual, a
organização criminosa de tráfico internacional de drogas, atuando como "mula".
4. Revela-se suficiente a fundamentação da Corte local, quanto à não incidência da minorante em seu
grau máximo, haja vista a maior reprovabilidade da conduta, sobretudo porque o agravante tinha
conhecimento de estar a serviço de organização criminosa de tráfico internacional. Precedentes.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
13
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
No delito de tráfico (art. 33, caput) e nas formas equiparadas (§ 1.º), as penas poderão ser reduzidas
de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário (não reincidente), de bons antecedentes
e não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (traficante, agindo de
modo individual e ocasional). Os requisitos são subjetivos e cumulativos, isto é, faltando um deles,
inviável a benesse legal.
O entendimento dominante era no sentido de que a causa de diminuição de pena não retirava a
hediondez do crime, tanto que, em 2014, o STJ editou a súmula nº 512 exatamente nesses termos.
Ocorre que, em 23/06/2016, julgando o habeas corpus 118.533/MS, relatado pela Min. Cármen Lúcia,
o STF decidiu que o privilégio não se harmoniza com a hediondez do crime de tráfico, razão pela qual,
uma vez aplicada a minorante, afasta-se o caráter hediondo do delito. Em razão disso, o STJ cancelou
a súmula nº 512.
Em decorrência dessa nova orientação, o STJ passou a adotar o entendimento de que é permitida a
concessão de indulto a condenado pelo crime de tráfico privilegiado, considerando inviável negar o
benefício com base em entendimento jurisprudencial já superado (HC 435.156/SP, j. 19/04/2018).
A incidência da causa de diminuição da pena pode ser balizada pela natureza e pela quantidade da
droga (art. 42), que podem não só influenciar na extensão da redução como também podem mesmo
obstá-la, como vem decidindo o STJ:
“2. A teor do disposto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico
de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente
primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades delituosas ou integrarem
organizações criminosas. 3. Na falta de parâmetros legais para se fixar o quantum dessa redução, os
Tribunais Superiores decidiram que a quantidade e a natureza da droga apreendida, além das demais
circunstâncias do delito, podem servir para a modulação de tal índice ou até mesmo para impedir a
sua aplicação, quando evidenciarem o envolvimento habitual do agente no comércio ilícito de
entorpecentes. Precedentes” (HC 400.528/SP, DJe 18/08/2017).
“Cumpre destacar que, em sessão realizada no dia 19.12.2013, o Pleno do STF, ao julgar os HCs 112.776
e 109.193, ambos da relatoria do Min. Teori Zavascki, firmou orientação no sentido de que, em caso
de condenação por tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da droga apreendida
apenas podem ser levadas em consideração em uma das fases da dosimetria da pena, sendo vedada
sua apreciação cumulativa. Na ocasião, ficou consignado que cabe ao juiz escolher em qual momento
da dosimetria essa circunstância vai ser levada em conta, seja na primeira, seja na terceira, observando
14
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
sempre a vedação ao bis in idem. No presente caso, o Juiz de 1º grau, ao realizar a fixação da pena,
levou em consideração a quantidade e a natureza da droga tanto na primeira quanto na terceira fase
da dosimetria para elevar a pena do recorrente, o que é vedado nos termos da jurisprudência desta
Corte. Assim, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional debatida e
pela reafirmação da jurisprudência desta Corte, de modo a fixar o entendimento no sentido de que as
circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração
apenas em uma das fases do cálculo da pena” (ARE 666.334 RG/AM, DJe 06/05/2014 – trecho do voto
do min. Gilmar Mendes).
É motivo para a não incidência da minorante o fato de o agente responder a inquéritos ou a ações
penais.
Sabe-se que, na aplicação da pena, o juiz só pode considerar maus antecedentes as condenações
transitadas em julgado. Não é possível exasperar a pena com fundamento em inquéritos policiais e em
ações penais em andamento (súmula nº 444 do STJ). No entanto, a Terceira Seção do STJ firmou o
entendimento de que inquéritos policiais e ações penais em curso podem ser utilizados para afastar a
causa de diminuição de pena no tráfico sob o argumento da dedicação do agente a atividades
criminosas. De acordo com o tribunal – cujas 5ª e 6ª Turmas eram divergentes –, o fato de o agente
ser investigado ou réu em outros feitos criminais não impossibilita automaticamente a aplicação da
minorante, mas tampouco impede que o juiz deixe de aplicá-la se, analisando as circunstâncias,
considerar que o agente não faz jus ao benefício legal. A cláusula de diminuição de pena não pode ser
aplicada de forma desmedida, pois se destina a beneficiar somente aqueles que praticaram de forma
eventual o crime de tráfico (EREsp 1.431.091/SP, j. 14/12/2016).
Questão interessante diz respeito à aplicação da causa de diminuição de pena em favor do agente que
serve de transportador da droga (o conhecido “mula”). Há quem sustente que o fato é indicativo
bastante de participação em organização criminosa, fator impeditivo da minorante. O STJ tem tanto
decisões nas quais aplica a minorante quanto outras nas quais a afasta, sempre considerando o caso
concreto. Em síntese, o tribunal não considera que o fato de o agente servir de transportador da droga
caracterize uma presunção absoluta de que integra a organização criminosa à qual esteja servindo. São
as circunstâncias da prática criminosa que indicam a extensão de sua colaboração. E, note-se, este
papel pode servir inclusive para balizar a quantidade da diminuição da pena, caso a minorante seja
aplicada:
“2. Em consonância com o entendimento desta Quinta Turma, foi ressaltado que a simples atuação do
indivíduo flagrado no transporte eventual de droga alheia (“mula”) não pode levar à conclusão de que
integre organização criminosa para efeito de afastar a incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei
n. 11.343/06. 3. Todavia, a referida minorante foi afastada pois, no caso, as instâncias ordinárias
15
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
concluíram, com base nos elementos de prova, que o réu “não se trata indivíduo que se apresente
totalmente desvinculado de organizações criminosas ou sobre quem não pairem indicativos de que
tenha como meio de vida a dedicação ao crime, notadamente em razão “das anotações de viagens
anteriores havidas no passaporte do acusado, viagens estas de curta duração (Azerbaijão – 1 semana;
Geórgia – 1 dia) e cujo propósito evidentemente não foi aquele mencionado pelo réu na versão que
trouxe à baila em seu interrogatório (procura de um trabalho temporário) tudo a indicar que foram
realizadas com o mesmo propósito que a viagem feita ao Brasil e que culminou com sua prisão, ou
seja, a traficância de drogas.” 4. Com efeito, “esta Corte tem entendido que a atuação como
transportador de droga, aliada à presença de elementos que demonstram, concretamente, a
vinculação com organização criminosa, é fundamento idôneo para afastar a redução aqui pleiteada.”
(AgRg no AREsp 736.510/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2017,
DJe 10/05/2017)” (AgRg no HC 241.072/SP, DJe 18/08/2017).
“2. Descabe afastar a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06
com base em mera conjectura ou ilação de que o réu integre organização criminosa. Precedentes. 3.
O exercício da função de “mula”, embora indispensável para o tráfico internacional, não traduz, por si
só, adesão, em caráter estável e permanente, à estrutura de organização criminosa, até porque esse
recrutamento pode ter por finalidade um único transporte de droga. Precedentes” (HC 134.597/SP,
DJe 09/08/2016).
Direito subjetivo do réu – A simples leitura do parágrafo pode induzir o intérprete a imaginar que o
benefício está na órbita discricionária do juiz. Contudo, parece-nos que, preenchidos os requisitos, o
magistrado não só pode, como deve reduzir a pena, ficando a sua discricionariedade (motivada)
limitada à fração minorante.
Ementa:
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
16
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
Apesar de haver doutrina lecionando não ser possível tentativa no dolo eventual, argumentando que,
nessa espécie, o agente não tem vontade de realizar o resultado (apenas o aceita como possível),
prevalece a tese em sentido contrário. A lei equiparou, em termos de vontade, o dolo eventual ao dolo
direto, sendo possível o “conatus” nos dois casos. Nesse sentido, explica Hungria:
“Se o agente aquiesce no advento do resultado específico do crime, previsto como possível, é claro
que este entra na órbita de sua volição: logo, se, por circunstâncias fortuitas, tal resultado não ocorre,
é inegável que o agente deve responder por tentativa. É verdade que, na prática, será difícil identificar-
se a tentativa no caso de dolo eventual, notadamente quando resulta totalmente improfícua (tentativa
branca). Mas, repita-se: a dificuldade de prova não pode influir na conceituação de tentativa”
(Comentários ao Código Penal. vol. I, t. II. p. 262).
17
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
Notícias STF
19 de fevereiro de 2019
20 de fevereiro de 2019
2- 1ª Turma mantém execução da pena de fazendeiro condenado pelo assassinato de Dorothy Stang
3- Decano declara omissão legislativa e afirma que homofobia representa forma contemporânea de
racismo
4- Ministro Fachin vota pela aplicação da Lei do Racismo à homofobia e à transfobia até edição de lei
específica
5-Ministro julga inviável HC de Lula contra decisão do STJ que não admitiu recurso especial
Notícias STJ
18
Boletim Criminal
Comentado – n°037
Fevereiro 2019
21 de fevereiro de 2019
6 - Continuidade delitiva reduz pena de empresário condenado por falsificar publicação de editais
19