Boletim N° 028
Boletim N° 028
Boletim N° 028
Assessores:
Fernanda Narezi Pimentel Rosa
Marcelo Sorrentino Neira
Paulo José de Palma
Ricardo José Gasques de Almeida Silvares
Rogério Sanches Cunha
1 Analista Jurídica
Ana Karenina Saura Rodrigues
Boletim Criminal
Comentado – n° 028
Novembro 2018
Sumário
2- Tema: Roubo com Arma branca - Lei nº 13.654/ 2018. A “novatio in mellius” não impede a. sua
consideração como circunstância judicial desfavorável ................................................................... 4
DIREITO PENAL:
1- Tema: Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, inclusive nas formas equiparadas, é
crime hediondo, segundo STJ ........................................................................................................ 8
3 - Tema: Corrupção passiva. Art. 317 do CPC. Expressão "em razão dela". Equiparação a "ato de
ofício". Inviabilidade. Ações ou omissões indevidas fora das atribuições formais do funcionário
público. Condenação. Possibilidade ............................................................................................. 12
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ESTUDOS DO CAOCRIM
O art. 148 do Estatuto da Criança e do Adolescente nada prevê em relação à competência da Vara da
Infância e da Juventude para o julgamento de crimes praticados contra a criança e o adolescente.
Por esse motivo, em princípio, a Vara da Infância não detém tal competência, restrita às Varas
Criminais.
Contudo, esse não foi o posicionamento que prevaleceu no Supremo Tribunal Federal, o qual
reconheceu ser legítimo que o Tribunal de Justiça, ao estabelecer a organização e divisão judiciária,
poderá atribuir a competência para o julgamento de crimes sexuais contra crianças e adolescentes ao
Juízo da Vara da Infância. A propósito:
“Habeas corpus. Penal. Processual penal. Lei estadual. Transferência de competência. Delitos sexuais
do código penal praticados contra crianças e adolescentes. Juizados da infância e juventude. Violação
do art. 22 da CF/1988 e ofensa aos princípios constitucionais. Não ocorrência. Ordem denegada. I – A
lei estadual apontada como inconstitucional conferiu ao Conselho da Magistratura poderes para
atribuir aos 1.º e 2.º Juizados da Infância e Juventude, entre outras competências, a de processar e
julgar crimes de natureza sexuais praticados contra crianças e adolescentes, nos exatos limites da
atribuição que a Carta Magna confere aos Tribunais. II – Não há violação aos princípios constitucionais
da legalidade, do juiz natural e do devido processo legal, visto que a leitura interpretativa do art. 96, I,
a, da CF/1988 admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por
deliberação dos Tribunais. Precedentes. III – A especialização de varas consiste em alteração de
competência territorial em razão da matéria, e não alteração de competência material, regida pelo art.
22 da CF/1988. IV – Ordem denegada” (HC 113.018, 2.ª T., j. 29.10.2013, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJe 14.11.2013).
Em conformidade com o precedente, portanto, tem-se que a lei estadual poderá autorizar o Tribunal
de Justiça do Estado a expandir a competência da Vara da Infância e da Juventude para a apuração de
crimes praticados contra a criança e o adolescente.
Agora, com o advento da Lei n. 13.431/2017, mais uma “porta se abre”. Seu art. 20 diz que o Poder
Público poderá criar delegacias especializadas no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de
violência. Até a criação do órgão especializado, a vítima será encaminhada prioritariamente à delegacia
especializada em temas de direitos humanos. O art. 23, por sua vez, trata da organização judiciária,
facultando aos órgãos responsáveis criar juizados ou varas especializadas em crimes contra a criança
e o adolescente, sendo que, até a sua implementação, o julgamento e a execução das causas
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decorrentes das práticas de violência ficarão, preferencialmente, a cargo dos juizados ou varas
especializadas em violência doméstica e temas afins.
Sobre o tema, sugerimos a leitura de mais um impecável parecer subscrito pelo I. Procurador de
Justiça, Dr. Sérgio Neves Coelho, acompanhado do acórdão no mesmo sentido.
2- Tema: Roubo com Arma branca - Lei nº 13.654/ 2018. A “novatio in mellius” não impede a. sua
consideração como circunstância judicial desfavorável.
Em que pese o esforço dos MPEs, de praticamente todos os Estados, no sentido de convencer o
Judiciário da inconstitucionalidade formal da mudança legislativa, tem prevalecido no STJ que a Lei
13.654/18 efetivamente aboliu a causa de aumento referente à arma branca no crime de roubo,
revogação que acaba retroagindo para alcançar fatos pretéritos.
Com a novel Lei, somente a arma de fogo majora a pena do delito (§2º.-A). O novo aumento (2/3),
contudo, é irretroativo, pois mais gravoso do que o patamar anteriormente previsto (1/3 até a 1/2).
Deve ser alertado que, mesmo após a edição da Lei 13.654/2018, o emprego de arma branca, embora
não configure mais causa de aumento do crime de roubo, poderá ser utilizado para majoração da pena-
base, quando as circunstâncias do caso concreto assim justificarem. Nesse sentido: HC 436314/SC, Rel.
Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe 21/08/2018, e AgRg no AREsp
1340032/PI, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 23/10/2018
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A Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem de habeas corpus e
revogou a liminar anteriormente deferida, em que se pleiteava a anulação de intimação realizada por
meio de publicação da qual constava somente o nome por extenso de advogado já falecido,
acompanhado da expressão “e outros”.
A Turma entendeu que não houve prejuízo ao impetrante nem, consequentemente, incidência de
nulidade insuperável, pois havia outro advogado constituído à época da referida intimação, o qual
seguiu interpondo recursos – recurso em sentido estrito e embargos infringentes decididos por
Tribunal de Justiça, além de recursos especial e extraordinário, ambos com trânsito em julgado –, o
que afasta a existência de teratologia. Ressaltou que, antes da intimação, a defesa não havia informado
ao Tribunal acerca do falecimento do advogado intimado, incidindo no art. 565 do Código de Processo
Penal (1), que veda a arguição de nulidade à parte que tenha lhe dado causa.
Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que reconheceu a existência de nulidade na intimação
realizada mediante publicação apenas com o nome do advogado falecido.
(1) CPP: “Art. 565. Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que
tenha concorrido, ou referente a formalidade cuja observância só à parte contrária interesse. ”
HC 138097/SP, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 23.10.2018.
(HC-138097)
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Tratando-se de advogado constituído pelo réu, pelo querelante e pelo assistente de acusação, não há
necessidade de sua intimação pessoal, obrigatória apenas para o defensor nomeado e para o
Ministério Público, nos termos do § 4º do art. 370 do CPP. É efetuada a intimação pela imprensa, por
meio do Diário Oficial. Esse Diário Oficial pode ser, também, o eletrônico (DJe), naqueles juízos que
dispuserem desse serviço.
Tratando-se de banca que conte com mais de um advogado, a jurisprudência do STJ se posiciona no
sentido que basta a intimação de um deles. É medida salutar, pois não faria sentido lançar no Diário
Oficial rol constando, por vezes, dezenas de advogados, componentes de um escritório. Presume-se,
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ademais, que os advogados constituídos tenham diligências e estruturas suficientes para acompanhar
as publicações realizadas no Diário Oficial.
Por fim, nesse julgado, o STJ, na fundamentação, se valeu do art. 565 do CPP, mais precisamente, o
princípio da lealdade. Previsto na parte inicial do dispositivo, reza que a ninguém é dado suscitar
nulidade a qual deu causa. No exemplo clássico, se o réu não foi notificado para a audiência porque
transferiu sua residência sem a prévia comunicação ao juízo (ou, pelo menos, a seu defensor), ainda
que sem malícia nesta conduta, não poderá, mais adiante, alegar a nulidade do ato. Tendo o agente,
portanto, dado causa à nulidade (por ação ou omissão), ou, de alguma forma concorrido para que ela
se verificasse, não pode invocá-la em seu favor, almejando dela se prevalecer.
STJ- AgRg no REsp 1702078/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
18/09/2018, DJe 25/09/2018
Ementa:
1. Nos termos do entendimento desta Corte, a prescrição das faltas disciplinares de natureza grave,
em virtude da inexistência de legislação específica, regula-se, por analogia, pelo menor dos prazos
previstos no art. 109 do Código Penal, qual seja, 3 anos, nos termos do disposto na Lei n. 12.234/2010.
2. Não há falar em prescrição, porquanto não transcorrido o prazo prescricional de 3 anos entre a
ocorrência da falta grave e a data da homologação pelo Juízo das execuções.
3. Agravo regimental provido para, afastada a extinção da punibilidade pela prescrição, determinar a
devolução dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no julgamento do agravo em execução
interposto pela defesa.
Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e Especiais.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
A Lei de Execuções Penais não trata da prescrição das infrações disciplinares. Ante a inexistência de
legislação específica, o STJ decidiu que se aplica, por analogia, o Código Penal, prescrevendo em 3
anos, nos termos do que disposto no art. 109, VI. No mesmo sentido já vinha decidindo o STF:
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prescrição de Processo Administrativo Disciplinar – PAD, instaurado para apurar suposta prática de
falta grave. Na espécie, o paciente empreendera fuga do sistema prisional e, recapturado, contra ele
fora instaurado o aludido PAD. Na sequência, o juízo das execuções deixara de homologar o PAD ao
fundamento de não ter sido observado o prazo máximo de 30 dias para a sua conclusão, conforme
previsto no Regime Disciplinar Penitenciário do Rio Grande do Sul, porém, reconhecera a prática de
falta grave e determinara a regressão de regime, a perda dos dias remidos e a alteração da data-base
para a concessão de novos benefícios para a data da recaptura. Interposto agravo em execução, o
tribunal local reconhecera a prescrição do PAD e, por consequência, restabelecera o regime
semiaberto, a data-base anterior e devolvera os dias remidos perdidos. No presente ‘habeas corpus’,
a defesa afirmava que o tribunal ‘a quo’ teria reconhecido a prescrição do PAD e não a da falta grave
e, prescrito aquele, não poderia prevalecer a falta grave. A Turma sublinhou que, em razão da ausência
de norma específica, aplicar-se-ia, à evasão do estabelecimento prisional (infração disciplinar de
natureza grave), o prazo prescricional de dois anos, em conformidade com o artigo 109, VI, do CP, com
redação anterior à Lei 12.234/2010, que alterou esse prazo para três anos. Assinalou, ainda, que o
Regime Penitenciário do Rio Grande do Sul não teria o condão de regular a prescrição. Destacou que
essa matéria seria de competência legislativa privativa da União (CF, art. 22, I). Precedentes citados:
HC 92.000/SP (DJe de 23.11.2007) e HC 97.611/RS (DJe de 5.6.2009) (STF – HC n° 114422-RS, Rel.
Gilmar Mendes, j. 6.5.2014).
Percebam que, no caso de fuga (evasão) do preso, a prescrição só começa a correr depois da recaptura,
pois trata-se de infração disciplinar permanente, só correndo o prazo fatal após o fim da permanência
(art. 111, III, CP, aplicado ao caso por analogia).
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DIREITO PENAL:
1- Tema: Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, inclusive nas formas equiparadas, é
crime hediondo, segundo STJ.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Dentre os delitos tipificados na Lei 10.826/03, desperta grande interesse e preocupação o do art. 16,
que pune, no caput, as condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda
ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar.
O art. 16 da Lei 10.826/03 contém um parágrafo com condutas equiparadas, mas que, na realidade,
não têm – ou não precisam ter – direta relação com aquelas das quais derivam. São elas:
III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar;
IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou
qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;
V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou
explosivo a criança ou adolescente;
VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição
ou explosivo.
Pois bem, a Lei 13.497/17 alterou a Lei 8.072/90 para dispor que o crime de posse ou porte ilegal de
arma de fogo de uso restrito ou proibido passa a ser hediondo. De acordo com a nova redação do art.
1º, parágrafo único, da Lei dos Crimes Hediondos:
“Consideram-se também hediondos o crime de genocídio previsto nos arts. 1o, 2o e 3o da Lei no 2.889,
de 1o de outubro de 1956, e o de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art.
16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados”.
Surgiu, então, uma dúvida diante da menção genérica ao art. 16: todas as formas nele tipificadas
passam a ser tratadas como hediondas, ou só a forma básica, tipificada no caput?
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Se analisarmos as justificativas do projeto de lei, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados,
veremos que a intenção era punir com mais rigor a conduta tipificada no caput. Com efeito, as
referências dos parlamentares que advogavam a aprovação do projeto eram todas à crescente
violência ligada à posse e ao porte de armamentos por criminosos, que normalmente fazem uso de
artefatos com grande poder de fogo, não raro maior do que os de que dispõem as forças policiais,
razão pela qual o maior rigor na punição seria um esforço a ser somado no combate a prática tão
nefasta. E, se analisarmos as condutas tipificadas no parágrafo único do art. 16, veremos que algumas
delas não estão necessariamente ligadas às circunstâncias descritas nas justificativas parlamentares,
como ocorre, por exemplo, com os incisos I, IV, V e VI.
De fato, o maior perigo causado pela posse ou pelo porte de uma arma de uso restrito não tem
nenhuma relação com o ato de suprimir marca, numeração ou sinal de identificação de arma de fogo,
tanto que esta conduta pode ser cometida inclusive sobre armas de uso permitido. Exatamente o
mesmo pode ser dito dos demais incisos citados, pois todas as condutas neles tipificadas podem se
fundamentar tanto em armas de uso permitido quanto em armas de uso restrito.
Vislumbramos, neste caso, o surgimento de discussão semelhante àquela travada, anos atrás, na
doutrina e na jurisprudência a respeito dos crimes de estupro e de atentado violento ao pudor. Na
época – antes da Lei 12.015/09 –, a Lei dos Crimes Hediondos elencava essas duas figuras delituosas e
fazia referência aos dispositivos legais da seguinte forma: “art. 213 e sua combinação com o art.
223, caput e parágrafo único”; “art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único”.
Tratava-se, como se nota, de redação mais detalhada do que a referência feita agora ao art. 16 do
Estatuto do Desarmamento, mas que não impediu o debate sobre se as formas básicas desses delitos
deveriam ser também incluídas entre os crimes hediondos. Acabou por prevalecer a tese de que sim,
a forma simples do estupro e do atendado violento ao pudor deveria ser considerada hedionda.
No caso da Lei 13.497/17 há mais motivos para o debate, justamente em virtude da referência genérica
ao art. 16 do Estatuto do Desarmamento e à frágil relação lógica que se estabelece entre as figuras
do caput e algumas das dispostas no parágrafo único.
Parece-nos, todavia, não ser possível limitar a incidência das disposições relativas aos crimes
hediondos apenas à conduta do caput do art. 16. O projeto da Lei 13.497/17 tramitou, entre o Senado
e a Câmara, por mais de três anos, e foi objeto de extenso debate, tanto que foram diversas as
modificações promovidas ao longo do caminho (originalmente, aliás, o projeto contemplava o
comércio ilegal e o tráfico internacional de armas de fogo). Fosse para limitar a incidência do maior
rigor ao caput, temos de supor que o legislador o teria feito expressamente.
Além disso, limitar a incidência da Lei dos Crimes Hediondos a uma parte do tipo penal criaria uma
situação desproporcional.
Ora, ainda que se considere a natureza diversa de algumas das condutas tipificadas no parágrafo único,
trata-se de figuras equiparadas ao caput por expressa disposição legal. Se, ao elaborar tipo do art. 16,
o legislador utilizou a fórmula “nas mesmas penas incorre”, isso se deu porque as condutas ali
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elencadas eram consideradas da mesma gravidade das anteriores. É, afinal, o que fundamenta as
formas equiparadas nos tipos penais. Ignorar isso e destacar, para os efeitos da hediondez, o caput do
parágrafo único seria nada mais do que conferir tratamento diferenciado a figuras penais que o
legislador erigiu à categoria de equivalentes.
Diante disso, qualquer conduta do art. 16, caput e parágrafo único, da Lei 10.826/03 passa a atrair os
consectários relativos aos crimes hediondos. Nesse sentido, aliás, decidiu recentemente o STJ (HC
460.910 - PR 2018/0184654-0).
Pesquise sobre este tema na base de Acórdãos do STJ: Descriminalização ou não do crime de desacato
diante dos vetores interpretativos do Pacto de São José da Costa Rica
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
Tramita no Congresso Nacional projeto que busca abolir do nosso ordenamento o crime de desacato,
apresentando como justificativa a incompatibilidade do delito com disposições da Convenção
Americana de Direitos Humanos. Sobre o PL, o CAOCRIM elaborou nota técnica nos seguintes termos:
Percebe-se da proposta de alteração legislativa em exame, que o legislador acabou por seguir a linha
de raciocínio de parcela da doutrina e da jurisprudência, onde se sustenta, em apertada síntese, que a
punição da conduta de desacato é incompatível (1) com a ordem constitucional (2) e com a legislação
internacional de que o Brasil faz parte.
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censura e que, por isso, não se pode tolher o direito de crítica, ainda que exacerbada. Criminalizar a
conduta fere o princípio da proporcionalidade e ignora postulados próprios do Direito Penal como a
intervenção mínima e a lesividade. Não bastasse, em grande parte das situações o agente estatal acaba
por fazer ele mesmo uma espécie de “juízo preliminar” da caracterização do crime e toma por ofensa
uma manifestação que no geral seria interpretada como crítica, provocando constrangimento contra
quem se manifestou.
“A ameaça de sofrer punições penais por expressões, sobretudo nos casos em que elas consistissem
de opiniões críticas de funcionários ou pessoas públicas, gera um efeito paralisante em quem quer
expressar-se, que pode traduzir-se em situações de auto-censura incompatíveis com um sistema
democrático. A esta conclusão se chegou pela análise que efetuou a CIDH acerca da compatibilidade
das leis de desacato com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em um relatório realizado
em 1995. A CIDH concluiu que tais leis não eram compatíveis com a Convenção porque se prestavam
ao abuso como um meio para silenciar idéias e opiniões impopulares, reprimindo desse modo o debate
que é crítico para o efetivo funcionamento das instituições democráticas. Em conseqüência, os
cidadãos têm o direito de criticar e examinar as ações e atitudes dos funcionários públicos no que se
relaciona com a função pública. Ademais, as leis de desacato dissuadem as críticas pelo temor das
pessoas às ações judiciais ou sanções monetárias. Por estas e outras razões, a CIDH concluiu que as
leis de desacato são incompatíveis com a Convenção, e instou aos Estados a que as derrogassem”
(Relatório do relator especial para a liberdade de expressão, Eduardo A Bertoni, solicitado pela
Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos em cumprimento da Resolução Ag-Res. 1894 (XXXII-O/02).
Disponível em https://www.cidh.oas.org/annualrep/2002port/vol.3m.htm).
No julgamento do REsp 1.640.084/SP (DJe 01/02/2017), o STJ chegou a considerar o crime de desacato
incompatível com a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos:
“Embora a jurisprudência afaste a tipicidade do desacato quando a palavra ou o ato ofensivo resultar
de reclamação ou crítica à atuação funcional do agente público (RHC 9.615/RS, Quinta Turma, DJ
25/9/2000), o esforço intelectual de discernir censura de insulto à dignidade da função exercida em
nome do Estado é por demais complexo, abrindo espaço para a imposição abusiva do poder punitivo
estatal. Não há dúvida de que a criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque
ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”.
É importante alertar que esta tese, veiculada por uma das Turmas do tribunal, foi logo superada, pois
a Terceira Seção, no julgamento do HC 379.269/MS (DJe 30/06/2017), concluiu que o desacato
continua sendo crime.
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Recentemente, o STF também encampou a tese de que a tipificação do desacato permanece hígida,
pois o tratamento conferido à liberdade de expressão pela norma de direito internacional não difere
daquele disposto na Constituição Federal. O direito não é absoluto, tanto que o ordenamento
constitucional tutela a honra e a intimidade, em face das quais a liberdade de manifestação do
pensamento sofre limitações e pode ser objeto de punição no caso de abuso:
“O exercício abusivo das liberdades públicas não se coaduna com o Estado democrático. A ninguém é
lícito usar sua liberdade de expressão para ofender a honra alheia. O desacato constitui importante
instrumento de preservação da lisura da função pública e, indiretamente, da dignidade de quem a
exerce. Não se pode despojar a pessoa de um dos mais delicados valores constitucionais, a dignidade
da pessoa humana, em razão do “status” de funcionário público (civil ou militar). A investidura em
função pública não constitui renúncia à honra e à dignidade. Nesse aspecto, a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, órgão responsável pelo julgamento de situações concretas de abusos e violações
de direitos humanos, reiteradamente tem decidido contrariamente ao entendimento da Comissão de
Direitos Humanos, estabelecendo que o direito penal pode punir condutas excessivas no exercício da
liberdade de expressão” (HC 141.949/DF, j. 13/03/2018).
Em resumo, podemos concluir que a tipificação penal da ofensa contra o funcionário público no
exercício de suas funções é uma proteção adicional que não impede a liberdade de expressão, desde
que exercida sem exageros. E afastar a figura criminosa do desacato não traria mudança significativa
nos limites do direito de expressão, pois o exagero poderia de qualquer forma ser punido como injúria
majorada. Logo, o esforço para discernir a censura do insulto permaneceria. O importante não é
afastar a priori a possibilidade de punição do desacato, mas, mantendo a proteção ao exercício da
função pública, exercer o controle sobre eventuais abusos desse exercício.
Noutras palavras, compete ao poder público garantir tanto a punição do exagero do direito de crítica
à atividade desempenhada pelo funcionário público quanto a punição do abuso na reação do
funcionário diante de uma crítica justa proferida pelo cidadão.
III - Conclusão:
Posto isso, a presente NOTA TÉCNICA expressa posicionamento contrário do Ministério Público do
Estado de São Paulo em relação aos aspectos penais do Substitutivo aos Projetos de Lei n. 602, de
2015, e n. 1.143, de 2015.
3 - Tema: Corrupção passiva. Art. 317 do CPC. Expressão "em razão dela". Equiparação a "ato de
ofício". Inviabilidade. Ações ou omissões indevidas fora das atribuições formais do funcionário
público. Condenação. Possibilidade.
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De início, cumpre observar que recentes decisões do Supremo Tribunal Federal a respeito da
interpretação do artigo 317 do Código Penal são no sentido de que "se exige, para a configuração do
delito (de corrupção passiva), apenas o nexo causal entre a oferta (ou promessa) de vantagem indevida
e a função pública exercida, sem que necessária a demonstração do mesmo nexo entre a oferta (ou
promessa) e o ato de ofício esperado, seja ele lícito ou ilícito" (Voto da Ministra Rosa Weber no Inq
4.506/DF). Com efeito, nem a literalidade do art. 317 do CP, nem sua interpretação sistemática, nem
a política criminal adotada pelo legislador parecem legitimar a ideia de que a expressão "em razão
dela", presente no tipo de corrupção passiva, deve ser lida no restrito sentido de "ato que está dentro
das competências formais do agente". A expressão "ato de ofício" aparece apenas no caput do art. 333
do CP, como um elemento normativo do tipo de corrupção ativa, e não no caput do art. 317 do CP,
como um elemento normativo do tipo de corrupção passiva. Ao contrário, no que se refere a este
último delito, a expressão "ato de ofício" figura apenas na majorante do art. 317, § 1º, do CP e na
modalidade privilegiada do § 2º do mesmo dispositivo. Além disso, a desnecessidade de que o ato
pretendido esteja no âmbito das atribuições formais do funcionário público fornece uma visão mais
coerente e íntegra do sistema jurídico. A um só tempo, são potencializados os propósitos da
incriminação – referentes à otimização da proteção da probidade administrativa, seja em aspectos
econômicos, seja em aspectos morais – e os princípios da proporcionalidade e da isonomia. Conclui-
se, que o âmbito de aplicação da expressão "em razão dela", contida no art. 317 do CP, não se esgota
em atos ou omissões que detenham relação direta e imediata com a competência funcional do agente.
Assim, o nexo causal a ser reconhecido é entre a mencionada oferta ou promessa e eventual facilidade
ou suscetibilidade usufruível em razão da função pública exercida pelo agente.
PROCESSO: REsp 1.745.410-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. Acd. Min. Laurita Vaz, por
unanimidade, julgado em 02/10/2018, DJe 23/10/2018
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A corrupção passiva é tipificada no art. 317 do Código Penal nos seguintes termos:
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou
antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”
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“promessa” deve ser entendida na sua acepção vulgar (consentir, anuir). Aqui a iniciativa também é
do corruptor (particular que faz a promessa).
De acordo com a maioria da doutrina, a corrupção passiva só existe se houver um nexo entre a
vantagem solicitada ou aceita e a atividade exercida pelo funcionário corrupto. Logo, se, não obstante
funcionário público, o agente exerce função completamente estranha ao ato em razão do qual recebeu
a vantagem ou aceitou a promessa, ou seja, se não é competente para a realização do ato
comercializado, não há sentido em falar em crime de corrupção, pois falta ao agente um dos extremos
legais constitutivos do tipo, podendo, nessa hipótese, ocorrer exploração de prestígio, estelionato, etc.
É neste sentido também a lição de Cleber Masson:
“O art. 317, caput, do Código Penal é taxativo ao determinar que na corrupção passiva a conduta de
solicitar ou receber vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem, deve necessariamente
ocorrer ‘em razão da função pública’, ou seja, opera-se uma negociação entre a vantagem indevida
solicitada, recebida ou prometida e a prática ou a omissão de algum ato de ofício inserido no rol de
atribuições do funcionário público. Este raciocínio nos leva às seguintes conclusões:
a) não há corrupção passiva se o ato não é da atribuição do funcionário público que solicitou, recebeu
ou aceitou a promessa de vantagem indevida, embora tenha ele assim agido a pretexto de influir em
ato praticado por funcionário público no exercício da função. Nesse caso, estará caracterizado o crime
de tráfico de influência (CP, art. 332). Exemplo: o professor de uma escola estadual recebe dinheiro do
pai de um aluno envolvido em diversas confusões para influir na decisão do diretor do estabelecimento
de ensino, sendo este último o responsável pela condução de procedimento instaurado para apurar as
faltas do discente, o qual pode acarretar sua expulsão; (…)”
No caso discutido na Corte (REsp 1.745.410/SP), dois funcionários públicos que trabalhavam em um
aeroporto aceitaram vantagem indevida para facilitar o ingresso irregular de estrangeiro em território
nacional, embora não exercessem função de controle imigratório. Para o STJ, tais indivíduos
cometeram o crime de corrupção passiva, ainda que sua função não pudesse ser diretamente utilizada
para que fosse atingido o propósito do corruptor.
Argumentou-se na decisão que se faz necessária uma mudança de perspectiva para conferir maior
possibilidade de punição adequada a atos relativos ao comércio da função pública, o que se faz tanto
para prestigiar a probidade administrativa quanto para potencializar os princípios da
proporcionalidade e da isonomia. Segundo a ministra Laurita Vaz, a expressão “em razão dela” (ou
seja, da função), contida no tipo do art. 317, permite que sejam abrangidos atos indiretamente ligados
à função exercida pelo agente:
“Trata-se, a meu ver, de nítida opção legislativa direcionada a ampliar a abrangência da incriminação
por corrupção passiva, quando comparada ao tipo de corrupção ativa, a fim de potencializar a proteção
ao aspecto moral do bem jurídico protegido, é dizer, a probidade da administração pública.”
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Cuida-se, com efeito, de uma mudança de perspectiva, pois a orientação a respeito desta matéria
sempre seguiu no sentido de que era imprescindível o nexo entre a conduta do agente público e a
realização do ato comercializado. No âmbito do próprio STJ há decisões a respeito:
“1. Para a configuração do crime previsto no artigo 317 do Código Penal exige-se que a solicitação, o
recebimento ou a promessa de vantagem se faça pelo funcionário público em razão do exercício de sua
função, ainda que fora dela ou antes de seu início, mostrando-se indispensável, desse modo, a
existência de nexo de causalidade entre a conduta do servidor e a realização de ato funcional de sua
competência. Precedentes.” (HC 135.142/MS, j. 10/08/2010)
Essas decisões vinham na esteira da orientação do Supremo Tribunal Federal, cujo pleno chegou a
rejeitar denúncia que não demonstrava a conexão:
“A denúncia é uma exposição narrativa do crime, na medida em que deve revelar o fato com todas as
suas circunstâncias. Orientação assentada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que o crime
sob enfoque não está integralmente descrito se não há na denúncia a indicação de nexo de causalidade
entre a conduta do funcionário e a realização de ato funcional de sua competência. Caso em que a
aludida peça se ressente de omissão quanto a essa elementar do tipo penal excogitado. Acusação
rejeitada.” (Inq. 785/DF, j. 08/11/95)
E, note-se, embora a recente decisão do STJ traga menção a voto da ministra Rosa Weber para
sustentar a nova tese, ainda se vê, no próprio Supremo Tribunal Federal, menções à necessidade de
que a conexão seja demonstrada:
“Para a aptidão de imputação de corrupção passiva, não é necessária a descrição de um específico ato
de ofício, bastando uma vinculação causal entre as vantagens indevidas e as atribuições do funcionário
público, passando este a atuar não mais em prol do interesse público, mas em favor de seus interesses
pessoais.” (Inq 4506/DF, j. 17/04/2018) – destacamos
STJ- AgRg no REsp 1716998/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA,
julgado em 08/05/2018, DJe 16/05/2018
Ementa:
1. Nos termos do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal, este Superior Tribunal de Justiça tem a
missão constitucional de uniformizar e interpretar a lei federal, não lhe competindo, em sede de
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recurso especial, o revolvimento dos fatos da causa e do processo, à moda de recurso ordinário ou de
apelação.
2. O Superior Tribunal de Justiça não é terceira instância revisora ou tribunal de apelação reiterada. O
recurso especial é recurso excepcional, de fundamentação vinculada, com forma e conteúdo próprios,
que se destina a atribuir a adequada interpretação e uniformização da lei federal, e não ao
rejulgamento da causa porque o sistema jurídico pátrio não acomoda triplo grau de jurisdição.
3. Cabe ao aplicador da lei, na instância ordinária, analisar a existência de provas suficientes para
embasar o decreto condenatório, ou a ensejar a absolvição, sendo inviável, em sede de recurso
especial, rediscutir a suficiência probatória para a condenação. (Súmula 7/STJ)
4. Estando o dispositivo de lei federal apontado como violado dissociado das razões recursais a ele
relacionadas, resta impossibilitada a compreensão da controvérsia arguida nos autos, ante a
deficiência na fundamentação recursal. (Súmula 284/STF)
Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e Especiais.
COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM
“Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a
sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.
Tal dispositivo deve ser complementado pelo artigo 7º da Lei Contravenções Penais: “Verifica-se a
reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que
o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de
contravenção”.
Assim, podemos dizer que são pressupostos da reincidência (A) trânsito em julgado de sentença penal
condenatória por infração penal anterior e (B) cometimento de nova infração penal.
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Novembro 2018
A reincidência, como se sabe, tem natureza jurídica de circunstância agravante genérica de caráter
subjetivo ou pessoal.
Percebemos grande parte da doutrina lecionando que a prova da reincidência deve ser feita através
de certidão cartorária. Contudo, há algum tempo, o STJ, não sem razão, tem flexibilizado esta
exigência, admitindo a comprovação através de folha de antecedentes criminais.
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Novembro 2018
Notícias STF
05 de novembro de 2018
07 de novembro de 2018
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