Crime Organizado - Diagnóstico e Mecanismos de Combate

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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

CLAUDIO ARMANDO FERRAZ

CRIME ORGANIZADO:

diagnóstico e mecanismos de combate

Rio de Janeiro
2012
CLAUDIO ARMANDO FERRAZ

CRIME ORGANIZADO:

diagnóstico e mecanismos de combate

Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia


apresentada ao Departamento de Estudos da
Escola Superior de Guerra como requisito à
obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos
de Política e Estratégia.

Orientador: Cel Ex R/1 Ivan Fialho.

Rio de Janeiro
2012
C2012 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação


que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitido a transcrição parcial de textos
do trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho
são de responsabilidade do autor e não
expressam qualquer orientação
institucional da ESG

_________________________________

Biblioteca General Cordeiro de Farias

Ferraz, Claudio Armando


Crime organizado: diagnóstico e mecanismos de combate /
Delegado de Polícia Civil Claudio Armando Ferraz. Rio de Janeiro:
ESG, 2012.

79 f.

Orientador: CelEx R/1 Ivan Fialho


Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como
requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política
e Estratégia (CAEPE), 2012.

1. Crime organizado. 2. Investigação policial. 3. Inteligência criminal.


I.Título.
Esta monografia é dedicada aos meus
filhos e a minha esposa.
AGRADECIMENTO

Aos estagiários da Turma “Programa Antártico Brasileiro - PROANTAR”,


pelo convívio harmonioso de todas as horas.

Ao Corpo Permanente da ESG pelos ensinamentos e orientações.

Especialmente, a minha mãe Leila, a minha esposa Cláudia Helena e aos


meus filhos, Ana Carolina e Eduardo Jorge pela compreensão.

Enfim, a todos aqueles que de alguma forma possibilitaram a realização


deste trabalho.
Devemos desconfiar de certezas
totalizantes e combater soluções e
responsabilizações ligeiras.

Marcelo Batista Nery


RESUMO

Considerando que o crime organizado vem se infiltrando em nossa sociedade de


maneira vertiginosa e que o combate a esta criminalidade especializada é uma
árdua tarefa a ser executada pelos responsáveis pela justiça criminal e segurança
pública, contando com a participação de todos os segmentos da sociedade, o
objetivo deste estudo é contribuir com esse esforço desenvolvendo um diagnóstico
sobre a situação do crime organizado no Brasil, em especial no Rio de Janeiro,
seguida de uma análise sobre métodos e propostas de ação visando à prevenção e
repressão a esse fenômeno criminológico. A metodologia adotada comportou uma
pesquisa bibliográfica e documental, visando buscar referenciais teóricos, além da
experiência pessoal do autor. Foram abordadas questões envolvendo o emprego
das mais modernas técnicas de investigação visando à obtenção de provas
criminais, além de iniciativas institucionais testadas no Estado do Rio de Janeiro
para aperfeiçoar sua prevenção e repressão, levadas a cabo pela Polícia Civil,
Secretaria de Segurança, Ministério Público e pelo Tribunal de Justiça. Discorre o
que vem a ser a Inteligência Criminal; emprego de meio eletrônico; operações
encobertas; agentes infiltrados; informantes; proteção a testemunhas ameaçadas;
réu colaborador; força-tarefa; lavagem de dinheiro; quebra de sigilo fiscal, bancário e
investigações patrimoniais. A conclusão indica que, considerando as peculiaridades
do inimigo, o Estado não terá condições de enfrentar este desafio sem inteligência,
ampla reflexão e competente análise. Aponta ainda, para a necessidade do
comprometimento e integração de todos os atores envolvidos no sistema de
segurança pública e justiça criminal, assim como toda a sociedade.

Palavras chave: Crime organizado. Investigação policial. Inteligência criminal.


ABSTRACT

Given that organized crime has infiltrated our society so agedly and the combat of
this specialized crime is an arduous task to be performed by those responsible for
the criminal justice and public safety, with the participation of all segments of society,
this study aims to contribute to this effort by developing a diagnosis on the state of
organized crime in Brazil, especially in Rio de Janeiro, followed by an analysis of
methods and proposals for action aimed at preventing and combating this
criminological phenomenon. The methodology involved a literature and documentary
review, aiming to seek theoretical frameworks, aside from the author's personal
experience. Addressed issues involving the use of the most modern research
techniques aimed at obtaining criminal evidence beyond institutional initiatives tested
in the state of Rio de Janeiro aiming to improve its law enforcement capability carried
out by the Civil Police, Secretariat of Security, prosecutors and by the Court.
Discusses what becomes of Criminal Intelligence; the employment of electronic
means; covert operations; undercover agents; informants; protection of threatened
witnesses; collaborative witness; task force; money laundering; breach of fiscal
confidentiality; banking and equity research. The conclusion indicates that,
considering the peculiarities of the enemy, the state will not be able to meet this
challenge without intelligence, broader rational and competent analysis. Points,
correspondingly, to the need for integration and commitment of all actors involved in
the public safety and criminal justice systems, as well as the society as a whole.

Keywords: Organized crime. Investigation. Criminal intelligence. Evidence. Money


laundering. Electronic means. Covert operations. Threatened witnesses.
Collaborative witness. Task-force.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADA Amigos dos Amigos


CAC Central de Assessoramento Criminal
CERCO Câmara Estadual de Combate ao Crime Organizado
COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras
COMAQ Comissão de Apoio à Qualidade d o TJRJ
CONDEL Conselho Deliberativo
CV Comando Vermelho
DEPEN Departamento Penitenciário Nacional
DNA Direção Nacional Anti-máfia da Itália
DPF Departamento de Polícia Federal
DRACO/IE Delegacia de Repressão às Organizações Criminosas Organizadas
e de Inquéritos Especiais
FIU Unidade Financeira de Inteligência
FOCCO Força Tarefa de Controle da Criminalidade Organizada
GAECO Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
GAFI Grupo de Ação Financeira
GNCOC Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas
IP Inquérito Policial
Lab-ld Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro
PCC Primeiro Comando da Capital
PCERJ Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro
PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
PROVITA Programa de Proteção a Vitimas e Testemunhas Ameaçadas
SEASDH Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos/RJ
SEDH/PR Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República
SESEG Secretaria de Estado Segurança do Rio de Janeiro
SNI Serviço Nacional de Informações
SPDE Conselho Nacional de Pesquisa
STJ Superior Tribunal de Justiça
MP Ministério Público
ONU Organização das Nações Unidas
TC Terceiro Comando
TCP Terceiro Comando Puro
TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
UNDCP Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de
Drogas
UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes
UPP Unidade de Polícia Pacificadora
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12

2 O QUE É CRIME ORGANIZADO?............................................................... 13

3 CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL ................................................ 18

4 HISTÓRICO DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL ................................. 20


4.1 O JOGO DO BICHO ..................................................................................... 21
4.2 O TRÁFICO DE DROGAS ............................................................................ 22
4.2.1 Comando Vermelho (CV) ........................................................................... 24
4.2.2 Terceiro Comando (TC) .............................................................................. 25
4.2.3 Terceiro Comando Puro (TCP) .................................................................. 25
4.2.4 Amigos dos Amigos (ADA) ........................................................................ 26
4.2.5 Primeiro Comando da Capital (PCC)......................................................... 26
4.3 AS MILÍCIAS (CRIMINALIDADE NA POLÍTICA E ENVOLVIMENTO
POLICIAL NO CRIME) ................................................................................. 27

5 MECANISMOS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO ........................ 31


5.1 MEIOS ELETRÔNICOS ............................................................................... 31
5.1.1 Conceito ...................................................................................................... 32
5.1.2 Modalidades de captação eletrônica de provas....................................... 32
5.1.3 Interceptação Telefônica ............................................................................ 33
5.1.4 Procedimentos práticos de aplicação da Lei ........................................... 34
5.1.5 Natureza Jurídica ........................................................................................ 35
5.1.6 Documentação e valor probante ............................................................... 36
5.1.7 Escuta telefônica ........................................................................................ 37
5.1.8 Interceptação ambiental ............................................................................. 37
5.1.9 Escuta ambiental ........................................................................................ 38
5.1.10 Gravações clandestinas ............................................................................. 38
5.1.11 Gravação de imagens ................................................................................. 40
5.2 OPERAÇÕES ENCOBERTAS ..................................................................... 40
5.2.1 Agentes infiltrados ..................................................................................... 42
5.3 INFORMANTES............................................................................................ 43
5.4 PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS AMEAÇADAS ........................................... 46
5.4.1 Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas
(PROVITA) ................................................................................................... 46
5.4.2 PROVITA/RJ ................................................................................................ 49
5.4.3 Seção de Proteção ao Depoente Especial (SPDE)................................... 49
5.5 RÉU COLABORADOR ................................................................................. 50
5.5.1 Delação premiada ....................................................................................... 55
5.6 OS GRUPOS FORÇA–TAREFA .................................................................. 57
5.7 LAVAGEM DE DINHEIRO ............................................................................ 58
5.7.1 Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) ....... 61
5.7.2 Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro ..................................... 63
5.7.3 Investigações patrimoniais ........................................................................ 64
6 INTELIGÊNCIA CRIMINAL .......................................................................... 65
6.1 INVESTIGAÇÕES DE REDES COMPLEXAS .............................................. 66

7 MECANISMOS INSTITUCIONAIS ............................................................... 68


7.1 A EXPERIÊNCIA DA DELEGACIA DE REPRESSÃO ÀS ATIVIDADES
CRIMINOSAS ORGANIZADAS E DE INQUÉRITOS ESPECIAIS
(DRACO/IE) NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ........................................ 68
7.2. CENTRAL DE ASSESSORAMENTO CRIMINAL (CAC/TJ/RJ) .................... 70
7.3 CÂMARA ESTADUAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO
(CERCO) ...................................................................................................... 71
7.4 GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME
ORGANIZADO (GAECO) ............................................................................. 72
7.5 UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA (UPP) .......................................... 73

8 AVALIAÇÃO GLOBAL DOS MECANISMOS .............................................. 75

9 CONCLUSÃO............................................................................................... 78

REFERÊNCIAS ............................................................................................ 80
12

1 INTRODUÇÃO

O crime organizado vem se infiltrando, praticamente, em todas as atividades


de nossa sociedade e sua evolução se dá de maneira vertiginosa. Portanto, o
combate a esta criminalidade especializada é uma importante e árdua tarefa a ser
executada pelos responsáveis pela administração pública nas suas diferentes
esferas.
As dimensões do fenômeno do crime organizado são de tamanha
envergadura que seria ingênuo pensar em combatê-lo com estruturas organizativas
pensadas e desenvolvidas quando a criminalidade tinha proporções e periculosidade
incomparavelmente menores que as atuais. Não se pode tratar o crime organizado
como se fosse um crime comum.
Desse modo, o objetivo do presente trabalho é efetuar um diagnóstico sobre
a situação do crime organizado no Rio de Janeiro, muito embora, em grande parte,
os diagnósticos e propostas sejam estendidas para todo o País, assim como efetuar
considerações sobre as principais técnicas de investigação especializadas
(internacionalmente aceitas) para o seu combate; sobre os correspondentes
mecanismos legais que as embasam; e o aparato institucional envolvido.
Não abordaremos, dada a natureza deste trabalho, as doutrinas de emprego
das atividades desenvolvidas e das diversas técnicas especializadas tratadas nesta
monografia.
De acordo com Alexandre de Moraes1: “... o grande desafio no combate à
criminalidade organizada é a necessidade de os poderes públicos investirem na
cooperação policial e judiciária entre as diversas esferas, com a adoção de padrões
instrumentais de combate às organizações criminosas, buscando a diminuição
drástica e necessária da corrupção e da impunidade....”

1
PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Editora ATLAS, 2007. p.
VIIII.
13

2 O QUE É CRIME ORGANIZADO?

Em 1989, o Deputado Federal Michel Temer foi relator na Câmara dos


Deputados do Projeto de Lei nº 3516, que versava sobre a utilização de meios
operacionais para a prevenção e repressão ao crime organizado. Nele definia-se
como organização criminosa aquela que, por suas características, demonstrasse a
existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação
regional, nacional e/ou internacional.
Em seguida, foi transformado na Lei Ordinária nº 9034/95 que dispõe sobre
a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações
praticadas por organizações criminosas. Davam-se os primeiros passos para a
caracterização de uma organização criminosa.
Diferentemente do projeto que a originou, a Lei nº 9034/95 não definiu o
conceito de crime organizado ou de organização criminosa. Com ele procurou-se
instrumentalizar o combate à ação, praticada por organizações criminosas sem,
contudo, dizer claramente qual o mal a ser combatido.
O legislador não definiu organização criminosa, não definiu através de
elementos essenciais, o crime organizado e nem elencou condutas que constituiriam
crime organizado. Deixou em aberto os tipos penais configuradores do crime
organizado, mas, admitiu, que qualquer delito pudesse se caracterizar como tal,
bastando que decorresse de ações de bando ou quadrilha.
O crime organizado aproveita as carências e as expectativas sociais para
conseguir adeptos: muitos de seus membros tentam fugir da pobreza e obter lucros
e respeito por meio da participação na atividade criminosa proporcionada por esse
tipo de organização.
O crime organizado passou a fazer parte da realidade dos negócios
legítimos, causando diversos efeitos econômicos. É o caso, por exemplo, do
proprietário de um pequeno comércio que deve “pagar seguros”, ou “proteção”, para
um membro de alguma organização criminosa. Esses custos serão repassados ao
consumidor legítimo. Da mesma forma, se o crime organizado tem sucesso em
monopolizar um determinado negócio ou produto, o consumidor deve pagar o preço.
Sua atuação impede e debilita a transição para uma economia de livre
mercado, além de fazer com que os investidores percam o interesse; torna-se um
“custo” a ser considerado em qualquer investimento e, para dominar o cenário
14

político, emprega sua principal arma: a corrupção. Esta constitui um importante meio
para penetrar nos poderes do Estado.
Definir crime organizado é muito importante, uma vez que ao fazê-lo,
permite-se conhecer quem é o inimigo, quais são as características e, com isso,
controlá-lo. Importante não só do ponto de vista prático, mas, também, legislativo,
porque a lei deve conter essa definição para satisfazer princípios constitucionais
ligados tanto à defesa, no julgamento, quanto a um processo justo.
Apesar do conceito de “crime organizado” não ter sido definido com
precisão, suas principais características são conhecidas:
a) padrão organizativo;

b) racionalidadetipo empresarial visando “cooperação criminosa”: oferece


bens e serviços ilícitos (tais como drogas e prostituição) e investe seus
lucros em setores legais da economia;

c) utilização de métodos violentos com a finalidade de ocupar posições


proeminentes ou de ter o monopólio do mercado (obtenção do máximo
lucro sem necessidade de realizar grandes investimentos, redução dos
custos e controle da mão-de-obra);

d) usoda corrupção da força policial e do Poder Judiciário;

e) estabelecimento de relações com o poder político;

f) uso da intimidação e do homicídio, seja para neutralizar a aplicação da


lei, seja para obter decisões políticas favoráveis ou para atingir seus
objetivos.

Devemos estar atentos para que, ao promulgar leis para combater o crime
organizado, é preciso garantir que elas não levem à redução dos direitos e garantias
fundamentais do cidadão, uma vez que todo direito de exceção configura um risco
ao estado democrático de direito. Durante o período dos governos militares, as
principais marcas foram o segredo nas práticas repressivas e a escassa informação
a que o cidadão tinha acesso sobre a tarefa realizada pelas Forças Armadas,
naquele contexto de repressão à subversão e a luta armada.
Quando a democracia retornou, nos anos 80, toda e qualquer instituição que
apresentasse características ou condutas similares àqueles anos recentes era
severamente reprovada. Esses antecedentes fizeram com que o tratamento de
determinados temas se tornasse um pouco sensível.
A desconfiança com respeito a certas atividades do Estado fica evidente nas
críticas à tentativa de legislar sobre determinadas figuras jurídicas, relacionadas com
15

as investigações, como o uso de informantes e agentes encobertos, ou do


colaborador com a justiça no âmbito do processo penal.
A seguir, um breve relato sobre o crime organizado nos EUA e Itália.
Desde a década de 1970 os “senhores do crime” nos EUA vem sofrendo
uma implacável perseguição. Deste período data o Racketeer Inluenced and Corrupt
Organizations Act, ou RICO. Trata-se do principal estatuto norte americano para o
combate às organizações criminosas e é uma poderosa arma por facilitar o processo
e a prisão de mafiosos.
Além do esforço legislativo, os agentes do Federal Bureau of Investigation
(FBI) ajustaram o foco: do antigo comunismo que predominou entre as décadas de
1950 a 1960, as preocupações voltaram-se para o crime organizado. Quando se deu
conta do poder, da influência e da capacidade de corromper das organizações
criminosas, o FBI mirou fortemente sobre as mesmas. O órgão federal formou
grupos especiais de investigação. Um dos mais famosos casos nos anos 1970
envolveu o agente infiltrado Joseph Pistone. Seis anos de dupla identidade
resultaram no indiciamento de 200 mafiosos e na condenação de 1002.
Hoje a máfia americana se resume a algumas poucas famílias. O declínio
ocorreu em função do impacto do trabalho de inteligência, a modernização de
legislação anticrime e as delações premiadas.
Como toda organização, a máfia tem seu organograma de trabalho. A
estrutura que se tornou mais conhecida foi a da Cosa Nostra nos EUA, com sua
hierarquia clara e centralizada em forma de pirâmide. No topo aparece o chefão, ou
Don, com um conselheiro e um subchefe no andar de baixo. Os capi(chefes),
espécie de tenentes, formam a terceira fileira da hierarquia. Abaixo deles vêm os
soldados, responsáveis pelo trabalho sujo. Na base da pirâmide estão os
"associados" - juízes, policiais, políticos, empresários, traficantes, gigolôs,
assassinos de aluguel e todo tipo de parceiro que possa ser comprado para facilitar
os negócios da máfia.
Porém, essa estrutura vertical e centralizada se tornou incompatível com a
flexibilidade exigida pelos negócios de qualquer organização mafiosa hoje em dia. A
necessidade de diversificação de negócios e de intercâmbio global obrigou o crime

2
MAFIOSOS: os senhores do crime organizado. Revista Super Interessante, s.l.: Abr., 2008 (edição
especial). p. 29.
16

organizado a operar em rede, como a internet, sem um centro de poder que, uma
vez destruído, acabe destruindo toda a organização.
Resultado, máfias como as italianas, russas e japonesas continuam tendo
uma organização de trabalho, porém, sua estrutura é cada vez mais complexa e
horizontal, bem diferente do esquema clássico de organização da Cosa Nostra
americana.
A vida da máfia na Itália começou a ficar mais difícil a partir dos anos 80.
Naquela época, a organização avançava pelo Estado, atuando em todas as esferas
do poder público. Empresários e políticos dos mais variados escalões faziam parte
do esquema de ameaças, extorsões, assassinatos e corrupção.
A situação tornou-se insustentável. Em 1982, um general do Exército,
Alberto dela Chiesa, assumiu a chefia de polícia da Sicília anunciando: "Só existe
um poder, o do Estado italiano. Não podemos abdicar desse poder em benefício de
criminosos, elementos brutais e desonestos". Chiesa ficou 100 dias no cargo -
acabou fuzilado pela máfia. Seu assassinato chocou tanto o país que uma lei de
combate ao crime organizado foi finalmente aprovada. Associar-se a Cosa Nostra
passou a ser crime3.
Um ano depois, o magistrado Antoni Caponnetto criou o Pool Antimáfia, um
grupo de juízes altamente qualificados que se ocupava exclusivamente dos
processos contra as quadrilhas mafiosas da Itália. O grupo era encabeçado por
Giovanni Falcone e contava com a participação de outros nomes de peso da
magistratura.
O trabalho do grupo culminou no chamado “maxiprocesso”, um julgamento
que levou para trás das grades, de uma só vez, mais de 300 mafiosos, incluindo
Tommaso Buscetta, que falou sobre os meandros da Cosa Nostra e balançou as
estruturas da organização.
Além do poder econômico, a máfia italiana ainda exerce muita influência
sobre a política. Segundo o último relatório da Direção Nacional Anti-máfia (DNA),
publicado em janeiro de 2008, o vínculo entre o crime organizado e o poder público
continua um enorme problema para o Estado italiano. O documento da DNA revela

3
MAFIOSOS: os senhores do crime organizado. Revista Super Interessante, s.l.: Abr., 2008 (edição
especial). p. 21.
17

que parte considerável dos políticos do sul da Itália ainda se elege graças ao apoio
financeiro da máfia4.
O arranjo político que foi determinante para a ascensão da máfia italiana,
permaneceu protegendo-a até, pelo menos, 1992 (quando ocorreu o assassinato de
do Juiz Giovanni Falcone) – já na década de 20 do século passado a máfia
dominava inteiramente o cenário político e econômico siciliano.
A batalha contra o crime organizado na Itália, nos últimos anos, obteve
sucesso devido aos seguintes fatores:
a) a sociedade manifestou sua disposição de luta contra o crime;

b) a adoção de uma estrutura legal tornou possível essa luta;

c) a existência de um aparato legal para fazer cumprir a lei em todos os


níveis;

d) a imprensa foi adequadamente informada sobre o fenômeno e sobre sua


sofisticação;

e) a produção de uma quantidade significativa de literatura manteve os


cidadãos informados;

f) como parte de seus programas de ensino, as escolas informaram seus


estudantes sobre os problemas do crime organizado.

Entretanto, embora a máfia italiana esteja enfraquecida, ainda falta muito


para ser vencida. A facção militar da Cosa Nostra, por exemplo, enfrenta sérias
dificuldades. Trata-se da facção que mata, que promove chacinas, que se expõe
mais, porém, todo o restante da máfia siciliana ainda goza de boa saúde.

4
MAFIOSOS: os senhores do crime organizado. Revista Super Interessante, s.l.: Abr., 2008 (edição
especial). p. 20.
18

3 CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL

O crime organizado, na medida em que se constitui um fenômeno complexo,


não é fácil de se definir. Em cada localidade ou país, como resultado de suas
particularidades, se desenvolve de maneira diferente.
O crime transnacional representa uma ameaça instituições

desenvolv ômico, social e cultural da sociedade, assim como


afetando também o

procuram concentrar suas aç ç


preferê ç
ça.
Para a ONU, apesar de ser uma atividade global, os efeitos do crime
organizado transnacional são sentidos localmente, desestabilizando comunidades
regionais e nacionais, prejudicando a assistência ao desenvolvimento nessas áreas
e estimulando o crescimento do mercado doméstico de corrupção, extorsão e
violência.
Nesse contexto, preocupada com o avanço do crime organizado, a ONU
estabeleceu a Convenç ç
Transnacional, adotada em 15 de novembro de 2000. Esta iniciativa imprimiu um
grande avanç
considerado um reflexo do reconhecimento de que a cooperaç
um instrumento essencial para combater tal ameaç
ç das Naç
Transnacional em 2000, mais conhecida como Convenção de Palermo.
Embora a Lei 9.034/95 não tenha definido claramente o que seja crime
organizado, podemos nos valer da definição que consta na Convenção de Palermo,
da qual o Brasil é signatário. Nela entende-se por grupo criminoso organizado, artigo
2°, “a”, qualquer grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum
tempo e atuando com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves
enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um
benefício econômico ou outro benefício material.
19

O Dr. Gilson Dipp, Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao


comentar sua opinião sobre as varas federais especializadas no processamento de
crimes contra o sistema financeiro e a lavagem de dinheiro da Justiça Federal,
esclareceu o seguinte5:

“......, o Brasil é signatário do Tratado da ONU contra o crime organizado, a


chamada Convenção de Palermo. Essa Convenção foi internalizada no
nosso sistema jurídico porque foi aprovada pelo Congresso Nacional e
retificada pelo Presidente da República, tendo força de lei ordinária. A
Convenção de Palermo tem uma descrição, quase que universal, do que
seja uma organização criminosa. Então há um grande avanço: primeiro
porque ampliou o seu raio de ação; segundo, porque pela primeira vez no
Brasil, a competência dessas varas criminais está baseada numa descrição
de conceito de organização criminosa que não está no Código Penal, mas
numa convenção internacional celebrada pelo Brasil”.

Conforme publicado na “Folha Express”, SÃO PAULO/SP, 16/07/2012,


estima-se, de acordo com o (UNODC), a cifra de mais de US$ 870 bilhões (R$ 1,74
trilhões) como sendo o volume de negócios, por ano, do crime organizado
transnacional. Esse número corresponde a seis vezes o valor oficial de ajuda ao
desenvolvimento ou 7% por cento das exportações mundiais de mercadorias.
Segundo a ONU, as atividades ilícitas mais lucrativas são o tráfico de drogas (US$
320 bilhões) e as falsificações (US$ 250 bilhões). O tráfico de pessoas também
atinge uma soma considerável, US$ 32 bilhões.
De acordo com o diretor-executivo do UNODC, YuryFedotov6:

"O crime organizado transnacional atinge regiões e países de todo o mundo.


Deter essa ameaça representa um dos maiores desafios da comunidade
internacional".

5
REVISTA da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano 1,
n. 03, jun./ago., 2007. p. 26.

6
Disponível em: <http://www.unodc.org/southerncone/pt/frontpage/2012/03/12-UN-drug-chief-calls-
for-stronger-cooperation-frameworks.html>. Acesso em: 23 set. 2012.
20

4 HISTÓRICO DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL

A nossa polícia nasceu com a vinda da família real para o Brasil, em 1808,
marcada pela tarefa de conter potenciais inimigos do poder. No Império, o Estado
delegou a segurança pública à elite privada através da Guarda Nacional. Talvez se
possa localizar aí, na delegação da tarefa de combate ao crime à sociedade civil,
cuja elite agrária recebia patentes de coronel da guarda nacional, acompanhadas da
autorização de mobilizar empregados privados na manutenção da ordem pública,
parte da razão para tolerância com a privatização e informalidade da repressão ao
crime (justiceiros, milícias e sofisticadas empresas de segurança privada).
Voltando no tempo, é possível reconhecer que a abolição da escravatura,
desacompanhada de políticas de inclusão e o progressivo deslocamento do eixo
econômico e demográfico do ambiente rural para o urbano acelerou o processo de
favelização nas zonas urbanas marginais e contribuiu, de certo modo, para a
configuração do atual estágio de violência no Brasil.
O projeto de desenvolvimento industrial adotado no país, apoiado na
substituição de importações, viabilizada por práticas protecionistas, ampliou a
migração do campo para as cidades mantendo o contrabando como atividade
criminosa atraente.
A proibição do jogo na metade do século XX favoreceu o surgimento de
organizações criminosas nos grandes centros urbanos. Enraizou-se nas favelas um
mercado varejista de maconha e, no asfalto, começou a sair de cena a
“malandragem”, tomada como criminosa pelo modo de vida. Ao mesmo tempo a
criminalidade de conduta individual e violenta ganhou visibilidade pela imprensa que
se modernizava, personificadas em bandidos célebres como Cara de Cavalo,
Mineirinho e Lúcio Flávio. Mas a política desenvolvimentista que seguiu seu curso no
pós-guerra favoreceu a continuidade das rotas de contrabando e descaminho que
permanecem ativas até hoje, embora, em grande parte, tenham se deslocado, a partir
dos anos 90, para o tráfico de entorpecentes e de armas, com o desestímulo ao
contrabando de bens de consumo, em decorrência da abertura econômica adotada.
No final dos anos 1980, o noticiário destacava uma violenta disputa pelo
controle do tráfico de drogas. A ampliação do mercado da droga e a repressão aos
distribuidores levou a um incremento nas estatísticas de roubos de carros forte e de
extorsão mediante seqüestro. Os anos 1990, por sua vez, foram marcados por
21

rebeliões de presos e pelo fortalecimento do vínculo entre as facções de presidiários


e líderes do tráfico das favelas. O “morro” assumiu a intermediação da droga e as
rebeliões levaram ao reconhecimento das facções pelo poder público que passou a
organizar o sistema penitenciário a partir da filiação dos encarcerados a tais grupos.
A falta de uma política habitacional e a instabilidade econômica aguda até a
metade dos anos 90 ampliaram o fenômeno da favelização, com particular
intensidade na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Estavam dadas as
condições para que as organizações criminosas passassem a agir com domínio
territorial. Daí para buscar a eliminação de intermediários, procurando fazer com que
seus membros ou parceiros disputassem a ocupação de espaços institucionais,
inclusive pelo voto, viciando profundamente a vontade dos eleitores, foi um passo.
Que eleitor tem meios de resistir à intimidação armada?
O fenômeno não é inédito, pois o artigo 416-bis do CP Italiano que define
associação criminosa de tipo mafioso faz referência expressa às ações que visem
obstruir o livre exercício do direito de voto, ou a utilização de poder intimidatório para
captar votos para si ou para outrem.
O crime organizado é favorecido pela existência de leis antiquadas, vagas,
mal formuladas, parciais, numerosas, complexas e cheias de contradições, que
geralmente não são inspiradas em uma visão sistemática do problema por não se
conhecer profundamente o fenômeno que se visa combater.
Convivemos com algumas modalidades de organizações criminosas,
estabelecidas historicamente em decorrência dos fatores explicitados anteriormente.
São elas:

4.1 O “JOGO DO BICHO”

A primeira infração penal organizada no Brasil do tipo mafioso consistiu na


prática do “jogo do bicho”, iniciada no século XX 7. Esse jogo foi o pretexto utilizado
por João Batista Viana Drumond, o Barão de Drumond, para incentivar pessoas a
visitarem o seu zoológico. O jogo do bicho deu origem aos demais grupos, pois
desde sua origem ele tinha organização e leis próprias formando um pequeno
Estado paralelo.

7
BOAS, Fernando Villa. Crime Organizado e Repressão Policial no Estado do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora. 2007. p. 95.
22

Apesar de sua imensa popularidade e de ser tolerado por muitas


autoridades, o jogo do bicho é considerado uma contravenção no Brasil e as
pessoas que o praticam ou o promovem são passíveis de punição pela Justiça.
Os chefões do jogo do bicho aprenderam a se organizar com o contato
mantido com mafiosos do sul da Itália. Antônio Salamone foi um dos diretores da
Cosa Nostra durante as décadas de 1960 e 1970. Em 1963, depois do massacre de
Ciaculli, quando sua organização matou 07 policiais italianos em um atentado a
bomba, Salamone veio se refugiar no Brasil. No Rio de Janeiro, aliou-se a Castor de
Andrade (morto em março de 1997), então com 37 anos de idade. Da aliança entre
eles, surgia a “máfia” brasileira8.
O jogo de bicho era tido como uma folclórica contravenção, contudo com o
tempo o campo de ação foi sendo ampliado para outras áreas, tornando-se o
símbolo da promiscuidade entre mundo legal e submundo. Este quadro não se deve
apenas à inoperância das autoridades, mas igualmente da sociedade.
Uma disputa sangrenta começou após a morte do capo di tutti capi (chefe de
todos os chefes) no Rio, Castor de Andrade, em março de 1997. Uma das primeiras
vítimas foi o próprio filho do bicheiro, Paulo de Andrade, executado em outubro de
1998. A ganância impulsionou uma matança à moda Corleone e chegou a colocar
em crise o próprio poder da cúpula do jogo, criada no início dos anos 1980,
justamente para evitar embates pelos pontos. Até a situação voltar ao normal, o
massacre no submundo resultou em dezenas de execuções.
Entretanto, os “bicheiros” deslancharam mesmo com a chegada dos “caça
níqueis”. Dos Corleonesi, um dos mais temidos clãs do crime organizado siciliano,
conseguiram as primeiras máquinas que vieram para o Brasil. E, nos últimos anos,
viram seus lucros irem às alturas com os aparelhos de jogatina eletrônica instalados
em cada padaria de quase todas as grandes cidades brasileiras.

4.2 O TRÁFICO DE DROGAS

Nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram nas


penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, comandado por líderes do tráfico de
entorpecentes.

8
Mafiosos: os senhores do crime organizado. Revista Super Interessante. s.l.: Editora ABRIL, 2008.
p. 65.
23

Questão suscitada por Fernando Alves Martins Villas Bôas Filho9, é se existe
no Brasil, e particularmente, no Rio de Janeiro, “crime organizado”, especialmente
no tráfico de entorpecentes. Argumenta-se que o que existe são quadrilhas semi-
organizadas, com estruturas hierárquicas não muito bem definidas, que lutam por
territórios, sem qualquer atividade organizada fora do nível das organizações locais
de venda, pulverizadas em pequenas unidades nas favelas e conjuntos, recrutando
jovens moradores para uma alternativa de trabalho. Esta estruturação e divisão
locais se dão em volta das “bocas de fumo”, sem qualquer indicação de que haja
uma centralização na compra por atacado ou alguma grande organização por trás
deste comércio ilegal.
A articulação que se presume entre os grupos armados nas favelas cariocas,
de fato, não existiria, os “comandos” e seus derivados não arquitetariam e nem
executariam ações planejadas, quando muito, se associariam para adquirir
substâncias proibidas. O que muitos acreditam tratar-se de modalidade de crime
organizado fluminense seria um poder diluído.
Porém, devemos nos atentar para o fato de que ativa o tráfico de armas para
a defesa dos territórios e fomenta uma enorme desverticalização operacional, uma
grande mobilidade, uma grande simplicidade e flexibilidade, dada inclusive pela
terceirização.
Nem todos os envolvidos com as “bocas de fumo” têm que ser mantidos por
ela. Eles são pagos para fazer serviço em algum momento, “terceirizados”. Por outro
lado, não há dúvidas de que fazem parte de uma estratégia criminosa transnacional,
especialmente considerando que não se produz, por exemplo, cocaína no Brasil, e
muito menos no Rio de Janeiro, assim como os milhares de fuzis apreendidos não
são, em sua grande maioria, de produção nacional. A própria movimentação do
dinheiro aplicado nestes negócios ilegais exige uma estrutura bem organizada. De
acordo com Carlos Amorim10: ”Na prática, o governo continua a ver o problema
como uma simples questão policial, quando é um desafio de sobrevivência e de
soberania.”

9
BOAS, Fernando Villa. Crime Organizado e Repressão Policial no Estado do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007. p. 97.
10
AMORIM, Carlos. CV-PCC: a irmandade do crime. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 26.
24

4.2.1 Comando Vermelho (CV)

Com o nome de Falange Vermelha, batizado assim pela própria comunidade


carcerária do Estado do Rio de Janeiro, o CV foi criado entre 1969 e 1975 no Rio de
Janeiro por encarcerados no Instituto Penal Cândido Mendes, conhecido como
Presídio da Ilha Grande ou “Caldeirão do Diabo”, que lutavam contra as condições
sub-humanas que os presos enfrentavam, algumas impostas pelo sistema
carcerário, outras pelos próprios detentos. Especula-se, quanto à origem do CV,
como momento preponderante a reunião de presos políticos com presos comuns na
Galeria B do presídio da Ilha Grande, entre 1969 e 197511. Os presos comuns
haviam sido condenados com base na Lei de Segurança Nacional numa tentativa
por parte do governo militar de equiparar os revolucionários de esquerda a
criminosos.
Apesar de uma convivência por vezes pouco pacífica, foi nascendo um
respeito e admiração por parte dos presos comuns à organização, disciplina e
companheirismo existente entre os revolucionários de esquerda, o que lhes permitia
sobreviver àquele inferno. Os internos da Galeria B, presos comuns e revolucionários,
passaram a partilhar experiências, tendo os presos comuns adquirido, através de
longos encontros, o modus operandi das guerrilhas revolucionárias.
Entre outros ensinamentos que mais tarde se revelaram fundamentais, a
organização interna dos presos contra os abusos das autoridades carcerárias
mostrou ser um dos pilares sustentadores do sucesso desta organização, junto com
a proibição de ataques, roubos ou violência física e sexual entre presos. Uma das
primeiras medidas do CV foi a instituição do “caixa comum” da organização,
alimentado pelos proventos arrecadados pelas atividades criminosas daqueles que
estavam em liberdade, o dízimo.
O dinheiro assim arrecadado serviria não só para financiar novas tentativas
de fuga, mas igualmente para amenizar as duras condições de vida dos presos,
reforçando a autoridade e respeito do CV no seio da massa carcerária.
No início dos anos 80, os primeiros presos foragidos da Ilha Grande
começaram a pôr em prática todos os ensinamentos que haviam adquirido ao longo

11
AMORIM, Carlos. Comando Vermelho. s.l.: Record, 1993. p. 46.
25

dos anos de convivência com os presos políticos, organizando e praticando


numerosos assaltos a instituições bancárias, algumas empresas e joalherias.
Ainda que os sucessos tenham sido relevantes, os assaltos a bancos eram
extremamente arriscados, pelo que, no final de 1982, muitos daqueles que haviam
sido resgatados da Ilha Grande foram recapturados ou mortos.
A primeira grande ofensiva do CV fora do presídio havia-se revelado uma
derrota parcial. No entanto, uma política de segurança do Estado acabou por se
revelar fundamental na propagação da força e hegemonia do CV pelos presídios
mais importantes do sistema carcerário carioca.
Em vez de isolar os líderes do CV de volta na Ilha Grande, entendeu-se que
seria mais prudente separar a comissão dirigente e colocá-los em diversos presídios,
de modo a desintegrar a organização. Anos mais tarde a mesma tática foi
implementada em São Paulo com efeitos semelhantes, reforçando o poder do PCC
– Primeiro Comando da Capital.
A história revela que esse foi um erro de julgamento de conseqüências
desastrosas. Sinteticamente, seus líderes organizaram e arregimentaram novos
membros para o CV, estendendo e cimentando o poder dentro dos presídios
cariocas. Quando esses líderes foram novamente reunidos na Ilha Grande, a
influência do CV já se encontrava plenamente enraizada e douradora.

4.2.2 Terceiro Comando (TC)

O TC é uma extinta facção criminosa carioca, surgida como contraponto ao


CV nos anos 90. Os detalhes de sua criação ainda são obscuros, mas acredita-se
que tenha surgido a partir da Falange Jacaré, que opunha-se ao CV nos anos
oitenta. Outros consideram que o TC surgiu de uma dissidência do CV e por policiais
que passaram para o lado do crime.

4.2.3 Terceiro Comando Puro (TCP)

O TCP é uma organização criminosa carioca surgida no Complexo da Maré


no ano de 2002, a partir de uma dissidência do TC. Durante a maior parte daquele
ano o TCP permaneceu como uma facção menor, porém após setembro de 2002,
quando Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar liderou uma revolta no
26

presídio Bangu 1 matando alguns rivais, este rompeu sua aliança com a ADA, e os
traficantes do então TC ou passaram para o lado da ADA, ou migraram para o TCP.

4.2.4 Amigos dos Amigos (ADA)

A facção surgiu dentro dos presídios do Rio de Janeiro durante os anos 90,
braço direito do TC, para diminuir o poderio do CV. Formada por ex-militares das
tropas especiais do Exército e dos Fuzileiros Navais, ex-policiais expulsos das
corporações e traficantes12.

4.2.5 Primeiro Comando da Capital (PCC)

Foi fundado em 31 de agosto de 1993 por oito presidiários, no Anexo da


Casa de Custódia de Taubaté (130 quilômetros da cidade de São Paulo), chamada
de "Piranhão", até então a prisão mais segura do Estado de São Paulo. Durante uma
partida de futebol, quando detentos brigaram e como forma de escapar da punição
pois vários haviam morrido, resolveram iniciar um pacto de confiança. Originou-se de
um time de futebol interno das cadeias, o “Comando da Capital”.
Criado o PCC, um estatuto foi manuscrito: prometiam fidelidade, luta até a
morte pelos direitos jamais respeitados dos detentos. Nas rebeliões, lençóis brancos
apareciam com as três letras do partido do crime. Subestimado pelo governo, criou
raízes em todo o sistema carcerário paulista.
Reunindo a massa carcerária contra o sistema, expondo de maneira radical
a questão da solidariedade entre os presos, inclusive punindo com a morte
eventuais desvios de conduta, os homens do crime paulista reproduziram quase
que literalmente, as conquistas dos presos comuns na Ilha Grande no Rio de
Janeiro. “O inimigo está fora das celas” – a primeira palavra de ordem do CV ecoa
nas prisões paulistas e seu lema – Paz, Justiça e Liberdade – é adotada pela nova
organização.
O PCC, também chamado no início como Partido do Crime, afirmava que
pretendia "combater a opressão dentro do sistema prisional paulista" e "vingar a
morte dos cento e onze presos", em 02 de outubro de 1992, no "massacre do

12
AMORIM, Carlos. CV-PCC: a irmandade do crime. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 31.
27

Carandiru", quando a Polícia Militar matou presidiários no pavilhão 9 da extinta Casa


de Detenção de São Paulo.
Com o objetivo de conseguir dinheiro para financiar o grupo, os membros do
PCC exigem que os "irmãos" paguem uma taxa mensal. O dinheiro recolhido é
usado para comprar armas e drogas, além de financiar ações de resgate de presos
ligados ao grupo.
De acordo com Roberto Porto (Porto, 2007) em São Paulo o PCC é uma
força hegemônica que cresce em grande velocidade representando uma enorme
sedução para jovens criminosos, entretanto, além do PCC, registra-se a existência
do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), Comissão
Democrática de Liberdade (CDL), Seita Satânica (SS), Serpentes Negras e Terceiro
Comando da Capital (TCC). No Paraná, Terceiro Comando do Paraná (TCP). Paz,
Liberdade e Direito (PLD) no Distrito Federal, Primeiro Comando Mineiro (PCM) e
Comando Mineiro de Operações (COMOC) em Minas Gerais, os Manos e os Brasas
no Rio Grande do Sul. Em Pernambuco, Comando Norte-Nordeste (CNN), no Rio
Grande do Norte, Primeiro Comando de Natal (PCN), no Mato Grosso do Sul,
Primeiro Comando do Mato Grosso do Sul (PCMS) e Primeiro Comando da
Liberdade (PCL).

4.3 AS MILÍCIAS

Milícias são grupos formados por agentes do Estado, da área da segurança


pública ou militares, que controlam comunidades por meio de extorsão e violências.
Estes grupos parapoliciais atuam com o respaldo de políticos e lideranças
comunitárias locais.
Além da cobrança de tributos de moradores, os milicianos controlam o
fornecimento de muitos serviços, geralmente a preços mais altos, incluindo a venda
de gás, eletricidade e outros sistemas de transporte privado, além da instalação de
ligações clandestinas de televisão a cabo.
Começaram a ser notadas no Estado do Rio de Janeiro a partir da década
de 1970, controlando algumas comunidades da cidade. Um dos primeiros casos
conhecidos é o da favela de Rio das Pedras, na região de Jacarepaguá, onde
comerciantes locais se organizaram para pagar policiais para que não permitissem
que a comunidade fosse tomada por traficantes ou outros tipos de criminosos.
28

Os primeiros relatos sobre a expansão das forças milicianas descreviam a


milícia como uma forma de segurança alternativa, por oferecer às comunidades a
oportunidade de se livrar da dominação das facções do tráfico. A ação das milícias
começou a ser relatada na imprensa brasileira em 2005, quando o jornal O Globo
denunciou grupos que cobravam pela segurança, marcando símbolos de trevos de
quatro folhas, pinheiros, entre outros, nas casas dos clientes, de forma a demonstrar
quais destas moradias estariam protegidas por cada grupo.
De início, algumas pessoas das comunidades, comentaristas dos meios de
comunicação, políticos e até o então prefeito da cidade, César Maia, deram seu
apoio aos grupos de milícias. César inclusive chegou a chamá-las de "autodefesas
comunitárias" e um "mal menor que o tráfico”.
Eis o perigo dessa novidade: o Estado participa, por conivência ou omissão,
da instauração do não-governo nessas regiões. Porém, não tardaria para que
emergissem histórias nas comunidades que contradiziam a imagem positiva das
milícias como um “mal menor”. As milícias tomam conta dos lugares com violência e
depois sustentam sua presença através da exigência de pagamentos pelos
moradores para manter a segurança. Além disso, como as facções do tráfico, os
milicianos impõe toques de recolher e regras rígidas nas comunidades sob pena de
castigos violentos em caso de descumprimento, inclusive atuando como grupos de
extermínio.
Entre 27 e 31 de dezembro de 2006, facções do tráfico lançaram uma série
de ataques contra a polícia e civis em toda a cidade, aparentemente em represália
ao avanço das milícias. As quadrilhas incendiaram ônibus e jogaram bombas em
edifícios públicos. Dezenove pessoas foram mortas.
Empossado no início de 2007, o governador Sérgio Cabral declarava em
fevereiro daquele ano que reprimiria a atuação de milícias na capital fluminense O
governo anterior, não reconhecia a existência dos grupos parapoliciais. O secretário
de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, confirmou sua existência
e iniciou investigações dos policiais suspeitos de envolvimento com as milícias.
Diversos políticos do Rio de Janeiro eram notórios milicianos, alguns já julgados e
condenados.
Assim como o tráfico, as milícias também possuem suas facções. A mais
conhecida delas é a chamada "Liga da Justiça", que tem como símbolo o escudo do
Batman. Pertenceriam a essa milícias, os políticos, irmãos e, também, policiais,
29

Jerominho e Natalino, respectivamente, ex-vereador da cidade do Rio de Janeiro e


ex-deputado estadual/RJ.
Havia poucos registros de guerras entre milícias, sendo o caso de maior
repercussão, até então, o assassinato do chefe da milícia de Rio das Pedras, o
Inspetor da Polícia Civil Félix Tostes, resultado de um plano de milicianos da Liga da
Justiça para matar seus rivais naquela área.
No dia 14 de maio de 2008, jornalistas de O Dia que tentavam produzir
matérias sobre o tema foram barbaramente torturados por milicianos. O fato gera
uma comoção pública e repercute em toda a mídia nacional e internacional,
reacendendo o interesse pelo tema. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro (ALERJ), sensível a esse clamor, aprova a criação da Comissão
Parlamentar de Inquéritos (CPI) presidida pelo Deputado Estadual Marcelo Freixo.
Diversos políticos foram intimados a depor diante desta CPI, sendo acusados de
envolvimento com milicianos.
Durante as oitivas realizadas pela CPI das Milícias, ao longo dos meses de
junho a novembro de 2008, estudiosos, profissionais de segurança, Delegados e
membros do Ministério Público não foram unânimes quanto a uma definição do
termo.Embora não exista um consenso sobre o conceito deste fenômeno
criminológico, todas as milícias possuem as seguintes características:

1) Controle de um território e da população que nele habita por parte de um


grupo armado irregular;

2) O caráter coativo desse controle;

3) O ânimo de lucro individual como motivação central;

4) Um discurso de legitimação referido à proteção dos moradores e à


instauração de uma ordem;

5) A participação ativa e reconhecida dos agentes do Estado.

O interesse pela formação destes grupos paramilitares foi incrementada


depois que o transporte alternativo (VAN) se instaurou, cresceu e começou a ser
uma fonte de lucro muito grande. Antes, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro,
por exemplo, mais especificamente no bairro de Campo Grande, existiam grupos
que faziam segurança particular e exploravam máquinas caça-níqueis. Com o
30

surgimento do transporte alternativo e a quantia enorme de dinheiro arrecadada com


esta atividade, praticamente sem nenhum tipo de investimento ou imposto a ser
recolhido, esses grupos começaram então a transferir sua área de atuação também
para o transporte alternativo, gerando, um poderio financeiro muito grande e
violentas disputas.
Relatório de organizações não-governamentais brasileiras e internacionais
enviado à Organização das Nações Unidas constatou o controle do transporte
público por milícias no Rio de Janeiro, que lucram cerca de R$ 60 milhões por ano.
Os dados enviados à ONU são conclusões da “CPI da Milícia”.
Com o crescimento e a multiplicação das milícias no Estado do Rio de
Janeiro, é necessário pesquisar até que ponto o tráfico de drogas foi afetado pela
formação e expansão dos grupos paramilitares e quais as comunidades que não
apresentavam movimentação de traficantes e foram dominadas pelas milícias. Uma
avaliação feita pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de
Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, das comunidades possivelmente
controladas pelas milícias, demonstrou que os milicianos se expandiram,
preferencialmente, em áreas onde não havia tráfico de drogas, ou seja, pequenas
comunidades ou áreas da cidade que, por sua condição geográfica e outros fatores,
não interessavam aos traficantes e não ofereceriam resistência. Das comunidades
onde era registrada a presença de milícias, 70%, não pertenciam a nenhuma facção
criminosa.
31

5 MECANISMOS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

Diante do desafio do “crime organizado”, uma investigação policial efetiva


deve contar com meios que permitam a obtenção de provas, o que torna necessária
a regulamentação adequada de diversos mecanismos ou técnicas especializadas de
investigação, tais como meios eletrônicos, uso de informantes e réus colaboradores,
operações encobertas, agentes infiltrados, investigações financeiras etc..
A luta contra o crime organizado residirá principalmente do uso adequado
desses mecanismos ou técnicas de investigação e das ferramentas de aplicação da
lei desenvolvidas ao longo de muitos anos de experiência na repressão a esse
fenômeno criminológico.

5.1 MEIOS ELETRÔNICOS

O emprego de meios eletrônicos, ou suporte eletrônico, representa a mais


importante das armas à disposição contra o crime organizado. Fornece
confiabilidade, provas objetivas por intermédio dos depoimentos dos próprios
participantes e permite conhecer os planos dos criminosos para cometer crimes
antes que sejam postos em prática.
Por outro lado, se trata de uma técnica bastante sensível, uma vez que se
preocupa com os interesses da pessoa quanto a sua privacidade. Essa
preocupação, aliás, impõe uma série de restrições ao uso do suporte eletrônico. Por
exemplo, o mesmo só pode ser utilizado para se obter evidências de algumas sérias
e específicas transgressões listadas em seu estatuto legal.
Uma vez que o suporte eletrônico passa a ser usado, os responsáveis pelas
investigações tem que enviar relatórios à Justiça informando o que tem sido obtido.
Nesses relatórios periódicos, lista-se o número de ligações interceptadas, o número
de ligações contendo conversas criminosas, faz-se um resumo das mesmas e se
descreve todo e qualquer evento incomum que pareça ter ligação com aquilo que é
colhido. Esse constante envio de relatórios é parte do que faz o suporte eletrônico
tão extenuante.
O suporte eletrônico também é restrito em termos de duração. Seu uso é
limitado a 15 dias, que podem ser prolongados por períodos iguais, desde que todos
os requerimentos sejam cumpridos e aprovados pelo juiz
32

5.1.1 Conceito

Meios eletrônicos são técnicas operacionais que consistem na utilização de


equipamentos específicos para a gravação e reprodução de sons e imagens que
instruem ou definem uma determinada situação. O emprego de meios eletrônicos
para conhecer ou documentar o conteúdo de conversações telefônicas (ou entre
pessoas presentes) é, atualmente, bastante comum e difundido, especialmente
considerando os progressos da tecnologia que ampliam a capacidade de coleta de
dados a custos cada vez mais baixos.
A eletrônica não conhece fronteiras, enquanto que as legislações de todo o
mundo criam rígidos limites para essas atividades em prol das universalmente
consagradas inviolabilidades do sigilo das comunicações e da privacidade do
indivíduo.
Quando se trata, especialmente da utilização dos seus resultados no
processo penal, aquelas barreiras garantidoras dos direitos individuais assumem,
nas vedações probatórias, um contorno publicístico sob a ótica do devido processo
legal. Portanto, se a tecnologia não possui limites, as legislações em todo o mundo
procuram impor limites a estas atividades.
Como valores de fundo, voltam a se confrontar, de modo geral, de um lado,
a necessidade de se prover o Estado de meios eficazes de luta contra a
criminalidade organizada e, de outro lado, as liberdades públicas, situação que dá
margem à aplicação da teoria da proporcionalidade.

5.1.2 Modalidades de captação eletrônica de provas

Combinando os elementos apontados pela doutrina, chegamos à noção, em


sentido amplo, da interceptação: a captação da comunicação entre duas pessoas,
executada por terceiro, a partir da qual cumpre estabelecer alguma distinção tendo
em vista diversas modalidades de captação eletrônica da prova:
a) interceptação telefônica;
b) escuta telefônica;
c) interceptação ambiental;
d) escuta ambiental;
e) gravação clandestina.
33

5.1.3 Interceptação Telefônica

A interceptação telefônica, em sentido estrito, é a captação da conversa


telefônica por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores 13. Efetiva-se pelo
ato de interferir numa central telefônica, nas ligações da linha do telefone que se
quer controlar a fim de ouvir e/ou gravar conversações.
As investigações que envolvem interceptação telefônica, ao contrário do que
muitos imaginam, possuem uma operacionalidade extremamente simples e dela
podem ser obtidos dezenas de informações por intermédio das análises de suas
informações. Atualmente pode ser considerada uma das mais importantes
ferramentas à disposição do investigador criminal. Com o avanço da tecnologia, para
se efetuar uma interceptação autorizada judicialmente, basta uma simples linha
telefônica fixa ou celular para onde serão redirecionadas as chamadas da linha alvo.
A aplicação do processo de interceptação telefônica na investigação é
largamente utilizada e pode ser dividida em duas grandes categorias: alvo
identificado e alvo não identificado.
Todo o processo de investigação torna-se muito mais fácil quando a
interceptação é de um alvo identificado, ou seja, sabemos quem é o usuário da
linha, seus hábitos, sua rotina, seu circulo de amizade, onde mora, o que queremos
descobrir, dentre outras informações, ou seja, já existe um perfil traçado do alvo.
Mas quais os mecanismos devem ser utilizados quando se tratar de um alvo
não identificado? Quais são as informações que devemos analisar com a finalidade
de identificar ou localizar o alvo? Quais os recursos de que dispomos? Onde e o que
devemos procurar?
Sabemos que a interceptação telefônica fornece uma gama de dados, e
quando corretamente interpretados podem facilitar ainda mais a identificação e
localização do alvo. Muitas vezes, como por exemplo, no crime de extorsão
mediante seqüestro, o que conseguimos obter de imediato é apenas uma voz e a
linha utilizada pelo extorsionário, que muitas vezes faz uso da linha da própria
vítima.

13
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e
gravações clandestinas: em face das Leis 9.296/96 e 10.217/2001 e da jurisprudência. 3.ed.
ver.,ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 94.
34

Nesta modalidade de crime, sabemos quem é a vítima, sabemos o que


investigar e qual é o crime praticado. Mas quem é o usuário da linha? De quem é
aquela voz? Onde mora? Qual o seu perfil? De qual localidade utilizada à linha?
Com que freqüência? É nesse momento que devemos por em pratica todo o
processo de analise dos dados colhidos durante a interceptação.

5.1.4 Procedimentos práticos de aplicação da Lei

Os requisitos para o deferimento da interceptação telefônica estão previstos


no artigo 2°, incisos I a III, da Lei n° 9.296/96, ou seja: indícios suficientes de autoria
ou participação em infração penal (fumus bonis iuris), impossibilidade da prova ser
feita por outros meios investigatórios disponíveis (requisito da necessidade, da
alternativa menos gravosa ou da subsidiariedade), e o fato criminal constituir
infração penal punida com reclusão (requisito da proporcionalidade em sentido
estrito). Outrossim, tratando-se de medida cautelar destinada a fixar a conversação
travada entre investigados, deve o juiz analisar o periculum in mora, ou seja, perigo
da demora. É o risco de decisão tardia, perigo em razão da demora. Expressa que o
pedido deve ser julgado procedente com urgência ou imediatamente suspenso o
efeito de determinado ato ou decisão, para evitar dano grave e de dificil reparacão.
Desta forma, se alguma Autoridade Policial desejar se utilizar desse artifício,
deverá submeter seu pedido ao juízo competente após apreciação do Ministério
Público, com base na Lei n° 9.296/96. Sua representação será instruída com fatos
específicos estabelecendo causas prováveis para que se creia que os objetos dessa
intervenção eletrônica estejam mesmo cometendo atos ilícitos e que os mesmos
poderão ser mais facilmente identificados a partir do uso do suporte eletrônico.
Portanto, a autoridade policial precisa receber de um juiz independente a
autorização para agir nesse sentido. Além disso, antes de se permitir o uso do
suporte eletrônico, a autoridade policial precisa mostrar que outras técnicas de
investigação foram tentadas e falharam nessa tentativa de obter provas, ou por que
outras técnicas falhariam nesse intuito, ou ainda por que essas demais técnicas
representariam um grande perigo caso fossem tentadas. Ao fazer uso do suporte
eletrônico, deve-se minimizar a interceptação de conversas inocentes, assegurar
que somente conversas relevantes serão interceptadas.
35

Questão prática que deve ser bem esclarecida trata-se da diferença entre
“sigilo telefônico” e “sigilo das comunicações telefônicas”. A primeira incide sobre os
dados/registros telefônicos e não se identifica com o segundo, que versa sobre a
conversação telefônica propriamente dita, conforme estabelecido no julgamento do
MS 23.452/RJ, ocorrido em 12 de maio de 2000, do qual foi relator o Ministro Celso
de Mello, no plenário do Supremo Tribunal Federal.14
Resumidamente, tanto as comunicações telefônicas quanto os registros
destas ligações são resguardadas pelo direito à intimidade e à vida privada (artigo
5°, inciso X, da Constituição da República). Enquanto que, não estão cobertos pelo
sigilo os dados cadastrais, tais como o nome, qualificação e endereço do titular da
linha telefônica, podendo a eles ter acesso tanto o representante do Ministério
Público quanto a Autoridade Policial.

5.1.5 Natureza Jurídica

Reputa-se lícita a interceptação telefônica, desde que realizada dentro dos


parâmetros estabelecidos pelo ordenamento jurídico. O seu resultado que é uma
operação técnica - é fonte de prova. Através do meio de prova (a gravação e sua
transcrição) será introduzida no processo.
Sua execução depende de ordem judicial. O provimento que autoriza a
interceptação reveste-se de natureza cautelar e visa à fixação dos fatos como se
apresentam no momento da conversa. Enseja, pois, evitar que se perca uma
situação existente ao tempo do crime, propiciando que se venha conservar, para fins
exclusivamente processuais, o conteúdo de uma comunicação telefônica.
Exige-se, para tanto, os requisitos que justificam as medidas cautelares. O
deferimento da “invasão” deve ser, sempre, por exceção 15. Quanto ao fumus boni
juris, da mesma forma que ocorre com a busca domiciliar, a autoridade concessora
da medida deve dispor de elementos seguros da existência de um crime, de extrema
gravidade, que ensejaria o sacrifício da privancy. No tocante ao periculum in mora,
deve ser considerado o risco ou prejuízo que a não realização da medida possa
resultar para a investigação ou instrução criminal.

14
SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Editora Atlas,
2003. p. 96.
15
STRECK, Lenio Luiz. As interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997. p. 45.
36

5.1.6 Documentação e valor probante

Em se tratando de interceptações autorizadas por autoridade judiciária, o


resultado da operação técnica deve revestir-se de forma documental.
Documento é coisa representativa de um fato e destina-se a fixá-la de modo
permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo. No caso, tanto a GRAVAÇÃO - que
permite a reprodução sonora do objeto da prova e sua escuta - quanto a
DEGRAVAÇÃO, isto é, a TRANSCRIÇÃO da conversa, devem ser introduzidas no
processo como meio de prova. “Degravação”, ou ‘transcrição”, é a transposição da
palavra falada pela palavra escrita, o mesmo que “textualização”. A doutrina
recomenda, ainda, a documentação das etapas das operações desenvolvidas, ainda
que não obtenham êxito, por intermédio da lavratura de termos e autos respectivos,
assegurando a genuinidade da prova.
A reprodução mecânica, como a fotografia, sempre teve entrada no
processo, sendo prevista expressa e explicitamente como um dos meios de prova na
legislação brasileira. Quanto a sua autenticidade, disposição semelhante se
encontra no artigo 383 do Código de Processo Civil brasileiro, suscitando, portanto,
o mesmo problema que ocorre em relação a outras formas de prova do gênero
documental: se a pessoa a quem a conversa é atribuída não a reconhecer como
sua, será indispensável uma perícia específica, com a comparação da
voz/fala/linguagem.
O valor probante do resultado da interceptação, contudo, nada tem a ver
com a admissibilidade desse meio de prova. A questão vai repercutir no momento
probatório da sua valoração pelo juiz. Isso porque a interceptação é uma operação
técnica, que visa a colher coativamente uma prova. Assim, quando o objeto da
interceptação recair diretamente sobre o fato a ser provado, a prova resultante será
direta; quando recair sobre diverso, que poderá conduzir ao fato que se pretende
provar, a prova será indiciária. Portanto, o juiz, ao proferir a decisão, conforme a
identidade das vozes possa ser afirmada seguramente ou apenas reconhecida como
provável, irá valorar o resultado da interceptação, respectivamente, como prova ou
como indício. Assim, por exemplo, a expedição de um mandado de prisão pode
fundar-se em prova indiciária, quando não seria suficiente, contudo, por si só, para
embasar uma sentença condenatória.
37

5.1.7 Escuta telefônica

Levando em conta o aspecto de haver consentimento de um dos


interlocutores para a efetivação da interceptação telefônica, poder-se-ia falar,
especificamente, em escuta telefônica, o que, no entanto, não desnatura a
característica de interceptação telefônica, uma vez realizada por terceiro.
A doutrina confirma a hipótese como uma espécie de direito do indivíduo ao
controle de seu próprio telefone, assim, por exemplo, os familiares da pessoa
seqüestrada, ou a vítima de estelionato, ou ainda aquele que sofre de intromissões
ilícitas e anônimas através do telefone em sua vida privada.

5.1.8 Interceptação ambiental

A captação sub-reptícia da conversa entre presentes, efetuada por terceiro,


dentro do ambiente onde se situa os interlocutores, com o desconhecimento destes,
denomina-se interceptação entre presentes, ou interceptação ambiental. Não difere
da interceptação stricto sensu, pois, nas duas situações, ocorre violação do direito à
intimidade.
Mas é preciso ainda considerar que o direito ao segredo da comunicação é o
gênero, ao qual pertence à espécie interceptação. Assim, se o emitente da
conversação tem ciência da presença e identidade de um terceiro – diverso do
destinatário – não se verifica qualquer lesão do direito ao segredo e, portanto,
inexiste interceptação.
Também não pratica interceptação o terceiro, ignorado pelos interlocutores,
que escuta uma comunicação exteriorizada de modo a permitir que seja perceptível
por qualquer circunstante, pois aqui faltaria o requisito de violação do direito à
reserva da comunicação.Uma comunicação é reservada quando quem a realiza
pretende reservar a percepção a uma gama pré-determinada de sujeitos, com
exclusão de todo terceiro que não seja destinatário direto ou indireto.
Por destinatário direto deve-se entender o interlocutor da comunicação ao
qual é dirigida. Destinatário indireto seria a pessoa presente, e conhecida do
emitente, não participante do colóquio mas que se encontra em condições de
escutá-lo.
38

Embora normas de vedação probatória consistam na tutela dos cidadãos em


face de formas de percepção do som insidiosas e difíceis de prevenir, como,
propriamente, as realizadas com o auxílio de tecnologia moderna, algumas
situações podem ser consideradas. Assim, quem escuta uma conversa reservada
simplesmente encostando o ouvido a uma porta está praticando uma violação do
direito ao segredo. Da mesma forma quem, ao invés de escutar com os próprios
sentidos, registra a conversa servindo-se de um gravador oculto.
Em ambas as hipóteses, não há como refutar a natureza de interceptação.
Isto porque é preciso considerar os dois aspectos do direito à intimidade. Aquele que
escuta diretamente e grava conversação desenvolvida em idioma que lhe é estranho
não está propriamente interceptado (porque não percebe o sentido da
comunicação), porém, essa circunstância não se transmite ao mandante da
gravação que, inequivocamente, pratica interceptação ambiental, que se verifica,
assim, pela violação do direito à reserva.

5.1.9 Escuta ambiental

Quando a interceptação de conversa entre presentes, realizada por terceiro,


se faz com o conhecimento de um ou alguns dos interlocutores, pode ser
denominada escuta ambiental, guardando, assim, afinidade terminológica com as
precedentes modalidades de interceptação ambiental e escuta telefônica. Sujeita-se
a mesma disciplina das interceptações ambientais.

5.1.10 Gravações clandestinas

A gravação clandestina, entendida como a praticada pelo próprio


interlocutor, prende-se à inexistência da participação de um terceiro envolvido, não
podendo, portanto, se enquadrar no conceito de interceptação. Consiste no registro
da conversa telefônica (gravação clandestina propriamente dita) ou da conversação
entre presentes (gravação ambiental) por um de seus participantes, com o
desconhecimento do outro16.

16
STRECK, Lenio Luiz. As interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1997. p. 87.
39

As legislações em geral não prevêem normas específicas sobre a matéria,


porém, entende-se que “poderão ser aplicadas à espécie as mesmas soluções
jurídicas previstas para a correspondência epistolar, posto que as conversações
telefônicas nada mais são que a expressão moderna e oral do mesmo fenômeno de
comunicação”.
Nas conversas telefônicas há tal aceleração na troca de idéias, informações
e intenções que, em regra, ocorre funcionarem ambos os interlocutores,
simultaneamente, como remetentes e destinatários de correspondência.
Seguindo-se este raciocínio, a prova obtida através de gravação clandestina
seria irrestritamente admissível. Qualquer pessoa pode gravar sua própria conversa.
O que se proíbe é a divulgação indevida, isto porque, em nosso ordenamento, a
comunicação do teor da carta ou de outros dados, pelo destinatário a terceiro, sem o
assentimento do remetente, não configura crime contra a inviolabilidade da
correspondência, embora possa tipificar o de divulgação de segredo.
Nesse ponto, a tutela penal se dirige a um segundo momento do direito à
intimidade, qual seja, o direito à reserva. Enquanto o direito ao segredo está em
impedir que a atividade de terceiro se dirija a desvendar as particularidades da
privacidade alheia, o direito à reserva surgeem prol da defesa da pessoa contra a
divulgação de notícias particulares legitimamente conhecidas pelo divulgador.
Divulgar é tornar público, o que pressupõe comunicação a um elemento
indeterminado de pessoas.
Será ilícita, portanto, a divulgação da conversa confidencial como prova
penal, incriminadora, podendo, contudo, haver justa causa que descaracterize a
ilicitude. A doutrina em geral considera lícita a divulgação de gravação sub-reptícia
de conversa própria apenas quando se trate de comprovar a inocência do acusado,
o que não deixa de constituir manifestação da teoria da proporcionalidade.
Assim, por exemplo, nos casos de extorsão, a prova é válida para comprovar
a inocência do extorquido, mas se assegura ilícita quanto ao sujeito ativo da
tentativa de extorsão.
Resta abordar a questão das declarações espontâneas do indiciado ou réu,
clandestinamente gravadas. Constituem, sem dúvida, prova ilícita em razão da
violação do direito à intimidade, visto que o acusado, caso soubesse estar diante de
uma autoridade, poderia ter se reservado ao direito de permanecer calado.
40

5.1.11 Gravação de imagens

É certo que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, X, tornou inviolável a


intimidade, a honra e a imagem das pessoas. A proteção dessa imagem, entretanto,
não nos afigura como impeditiva de se fotografar o imputado, quando de sua
identificação. O direito de imagem pode ser entendido como o direito de alguém ver
sua foto exposta, sem autorização, indevidamente, ao público, bem como deve ser
entendida como direito atrelado à intimidade.
A fotografia realizada, por exemplo, quando da identificação criminal para
uso exclusivo da atuação policial, não ofende a imagem na medida em que não viola
sua intimidade. Entender a imagem como sendo um bem autônomo e com valor
absolto seria permitir a inviolabilidade de toda captação de imagem, em qualquer
circunstância.
Quanto às organizações criminosas, dada as suas características e a
diferenciada persecução, excepcionalmente é permitido a identificação datiloscópica,
ainda que já identificado civilmente e deve ser permitida a fotografia (ou qualquer
outro meio de captação de imagem) do identificado.

5.2 OPERAÇÕES ENCOBERTAS

Nos Estados Unidos da América do Norte as operações encobertas, ou


disfarçadas, são a segunda na hierarquia das ferramentas de combate ao crime
organizado, ficando atrás somente das investigações feitas com o auxílio do suporte
eletrônico, sendo que ambas, não raramente, caminham de mãos dadas.
Uma investigação assim poderá durar apenas algumas horas ou ser bem
longa, levando até mesmo anos para que se concluída. Pode ser dirigida a uma
ocorrência criminosa apenas ou a um empreendimento criminoso de longa data. Em
alguns casos, esse tipo de operação pode envolver o simples ato de se comprar
contrabando, tal como o de drogas ilegais, propriedade roubada ou armas de fogo,
ou pode se conduzir num negócio disfarçado, como um bar, por exemplo, ou algum
outro estabelecimento onde criminosos se reúnam para discutir suas atividades com
policiais ou informantes disfarçados. Por meio dessas ações, os agentes envolvidos
podem se infiltrar nas camadas mais elevadas das quadrilhas e se passar por
41

criminosos, enquanto os verdadeiros falam sobre seus planos e buscam ajuda para
cometer crimes.
Os agentes são freqüentemente capazes de ganhar a confiança dos
bandidos, induzindo-os a revelar seu passado de crimes, bem como convidando-os
a participar de atividades que estejam já em andamento. Em conjunto com o suporte
eletrônico, a abordagem disfarçada oferece uma cobertura regular das atividades
diárias dos alvos. Entretanto, ela é muito delicada e representa um risco constante
de se atrair pessoas outrora inocentes para atividades criminosas. Pelo fato de essa
técnica ter um potencial muito elevado para gerar problemas, acaba requerendo
uma preparação excepcional.
Por exemplo, a segurança física do agente deve sempre ser levada em
consideração. Para prevenir que sua identidade seja precocemente descoberta, ele
deverá ser abastecido com um conteúdo elaborado de informações sobre o seu
passado, algo conhecido como “backstopping” (retaguarda), técnica conhecida no
Brasil como “estória cobertura”, e um resumo sobre o modus operandi dos alvos.
Qualquer cenário concebível que possa induzir a suspeita ou hostilidade contra o
agente deverá ser levado em consideração com antecedência. Paralelamente, terá
que ser submetido a testes cuidadosos, incluindo aí seu perfil psicológico, de forma
a assegurar que possui as qualidades necessárias que o farão se sentir bem com
sua nova identidade.
Nos EUA, antes de uma operação disfarçada ocorrer é necessário obter-se o
consentimento dos supervisores da agência envolvida e dos promotores de justiça
responsáveis pelo caso. O grau de atenção dispensado depende diretamente da
sensibilidade das circunstâncias envolvidas na investigação. Para equilibrar a
preocupação e evitar danos à população, O Departamento de Justiça instituiu
Comitês de Revisão, englobando promotores antigos e investigadores. Esses
comitês são responsáveis por rever, aprovar e controlar todas as operações
encobertas. Para ser aprovada, a operação deverá ser detalhada por escrito. A
descrição da atividade criminosa do suspeito deverá conter dados factuais e os
participantes da operação, por sua vez, deverão especificar minuciosamente qual
será o cenário para que ela ocorra, a experiência da equipe, a duração do projeto,
antecipar as questões legais e avaliar também os riscos às vidas dos agentes e da
população.
42

Se a operação for de curta duração, tal como a compra de narcóticos ou


outro tipo de contrabando, um supervisor da agência de investigação e um promotor
de primeira linha terão que aprovar a atividade após terem sido avisados de todos os
fatos. Se for de longa duração, será necessária a aprovação de um supervisor de
patente mais elevada, como um agente-chefe de investigação e um chefe de
gabinete da promotoria. Essas operações de longa duração são essenciais para que
se consiga penetrar no coração de organizações criminosas que ao longo de muitos
anos têm exercido suas atividades ilegais. Finalmente, se houver circunstâncias
delicadas envolvidas, tais como o risco de que terceiros sejam afetados pela
atividade, ou se houver uma atividade criminosa extensa de natureza perigosa em
curso, aí a operação deverá ser reavaliada e aprovada no quartel-general das
agências de investigação pelos promotores com sede no Departamento de Justiça
em Washington.
Sempre que uma operação encoberta revela que um crime violento está para
ser cometido, a força-tarefa envolvida é chamada a tomar as providências devidas no
sentido de prevenir a ocorrência do mesmo. Isso pode incluir alertar a provável vítima,
prender os que plantaram a ameaça ou finalizar completamente a operação.

5.2.1 Agentes infiltrados

Consiste, basicamente, em permitir a um agente policial ou de serviço de


inteligência infiltrar-se no seio da organização criminosa, passando a integrá-la como
se criminoso fosse, dessa forma, participando das atividades diárias, das conversas,
problemas e decisões. Como também, por vezes, participando de situações
concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-las para melhor
combatê-las.
Um dispositivo destinado a esse procedimento de investigação estava
previsto no inciso I do artigo 2° da Lei n° 9.034/98, tendo, entretanto, sido vetado
pelo Presidente da República. Com o veto presidencial, o dispositivo não entrou em
vigor, situação que se resolveu com o advento da Lei n° 10.217/2001 que previu no
artigo 2°, inciso V, o seguinte;

“Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos
já previstos em Lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação
de provas: Inciso V: infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em
43

tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados


pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial”.

A Lei n° 10.409, de 11 de janeiro de 2002, que disciplina um procedimento


especial para a apuração dos crimes de tóxicos, tratou do instituto no Artigo 33,
inciso I. Seguindo o exemplo de leis consagradas em outros países, previu a
exigência de autorização judicial antecipada como forma de assegurar o controle
judicial sobre essa atividade. Todavia, a lei nacional não disciplinou um
procedimento próprio para seu processamento, assim como não previu quais os
requisitos para seu deferimento, quem tem legitimidade para requerê-la, se o juiz
pode determiná-la de ofício ou não, por quanto tempo pode perdurar, se é possível
sua renovação, se as informações obtidas pelo policial devem der relatadas ao juiz e
como se dá a participação do órgão do Ministério Público.
Ante a precariedade desse quadro e visando assegurar o respeito às
garantias do investigado, somente resta valer-se, por analogia e, no que couber, do
procedimento previsto na Lei n° 9.296/96, que disciplina a interceptação das
comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistema de informática e
telemática, pois reflete a moderna concepção do princípio da proporcionalidade em
relação a matéria que igualmente pode resultar em restrição ao direito à
privacidade17.
A “infiltração” apresenta, segundo a doutrina, três características básicas18:
1) “dissimulação”, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de
suas verdadeiras intenções;

2) “engano”, posto que toda a operação de infiltração apóia-se numa


encenação que permite ao agente obter confiança do suspeito; e

3) “interação”, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor


pessoal.

5.3 INFORMANTES

Outra delicada técnica especializada utilizada para reprimir organizações


criminosas envolve o uso de informantes. Um informante é a pessoa que fornece

17
SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Editora
Atlas, 2003. p. 88.
18
SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Editora
Atlas, 2003. p. 86.
44

dados/informes a um policial, com relação a determinados fatos, circunstâncias ou


pessoas. A classe ou agrupamento social de um informante poderá variar com a
natureza do crime ou fato que está sendo investigado.
O melhor informante não é aquele que o policial consegue na hora, é o que
já existe, que já foi cultivado ou recrutado, que é conhecido e cujos informes
historicamente repassados já puderam ser avaliados. Poderemos ter dois tipos de
informantes: o “confidente” e o “recrutado”.
O “confidente” tem o informe ao seu alcance e o fornece ao policial, na
maioria das vezes graças às suas relações pessoais com este. O “recrutado” é
aquele que é conquistado pelo policial, visando uma exploração imediata ou futura
de determinadas áreas, principalmente as que não sejam prontamente acessíveis ao
policial (infiltrado-penetrado).
De acordo com o Manual Elementar n° 04, Coleção Polícia Metropolitana,
CALVANO, Alberto et al. Informações Policiais: fichários e arquivos, 1977, são
numerosos os motivos pelos quais uma pessoa se torna um informante:

1) Vaidade – pessoas vaidosas gostam de fornecer informes, obtendo


atitudes favoráveis dos policiais etc.

2) Atitude cívica – pessoas com elevado espírito público que desejam que
a justiça seja feita.

3) Medo – pessoas que desejam obter a proteção da polícia, pois sentem-


se inseguras com perigos reais ou imaginários.

4) Remorsos – co-autores ou familiares dos criminosos, que necessitam


informar sobre o crime pois está pesando em suas consciências.

5) Troca – pessoas que são detidas por ofensas pequenas e procuram


negociar com o policial, informando sobre ofensas mais graves de que
tem conhecimento.

6) Privilégios – pessoas que dão informes para que possam obter algum
privilégio por parte do policial ou da polícia. O preso pode desejar
cigarros, visitas, atenções para com sua família enquanto está em
custódia.

7) Competição – pessoas que dão informes para prejudicar possíveis


concorrentes, afastar competidores no seu ramo de negócio. Deve-se ter
o máximo cuidado em sua utilização.

8) Vingança – pessoas que desejam vingar-se de outras por motivos vários


e injurias passadas.
45

9) Ciúmes – pessoas que tem, por qualquer motivo, inveja ou ciúmes de


outras e desejam vê-las afastadas de seus caminhos ou metidas em
complicações.

10) Estipêndio – pessoas que fornecem informes mediante promessas de


recompensa. Devem ser avaliados cautelosamente e criteriosamente.

11) Amizade - pessoas que tem amizade ao policial, são suas conhecidas ou
querem expressar sua gratidão. Em geral, bons informantes.

Quando forças-tarefa norte-americanas usam o termo informante


confidencial, se referem aos indivíduos que não querem testemunhar mas que
passam informações às autoridades em troca da promessa de que sejam mantidas
sua identidade sob sigilo. Entretanto, não se pode garantir de forma absoluta esse
sigilo, uma vez que em algumas oportunidades, mesmo que raras, a corte
americana pode concluir no andamento do processo, que será necessária a
revelação da identidade do informante ao acusado de um crime para o qual esse
informante pode fornecer subsídios que podem determinar sua condenação ou
absolvição. , Portanto, salvo algumas exceções, em geral, preserva-se a identidade
dos informantes. Esses informantes são tipicamente motivados a fornecer dados às
autoridades em troca de dinheiro ou de tratamento indulgente em relação a
acusações que pesem ou possam pesar contra eles.
Em muitos casos eles estão já envolvidos nessas atividades ilícitas e por
isso são capazes de passar informações valiosas a respeito de seus comparsas.
Frequentemente fornecem elementos substanciais que autorizam mandados
judiciais visando ao uso do suporte eletrônico.
Entretanto, há riscos maiores em se lidar com informantes. Às vezes eles não
estão completamente desligados de suas atividades criminosas, ou querem implicar
falsamente seus inimigos em crimes, ou se envolvem em atividades não autorizadas.
Neste último aspecto, de acordo com a lei norte-americana, pode-se autorizar os
informantes a participar de algumas formas não violentas de comportamento
criminoso, que em outra situação seriam ilegais. Por exemplo, dependendo das
circunstâncias, de forma a proteger o disfarce do informante, ele é autorizado a
participar de jogo ilegal, negociação de propriedade furtada e outros crimes não
violentos. Porém, é preciso que se monitore suas atividades de perto para diminuir o
risco dele se utilizar disso para esconder as suas atividades criminosas não
46

autorizadas. No geral, entretanto, a experiência ensina que normalmente os


benefícios do uso de informantes superam em muitas vezes os riscos.

5.4 PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS AMEAÇADAS

Importante apoio para a repressão às organizações criminosas é o


Programa de Proteção a Testemunhas. Por conta do violento comportamento por
parte de facções criminosas, a intimidação às testemunhas pode significar um
grande obstáculo no caminho de uma ação bem-sucedida. Para enfrentar tal
problema, por exemplo, o Departamento de Justiça Norte-americano criou em 1970
o Programa de Proteção a Testemunhas. Solicitações para proteção de
testemunhas deveriam ser encaminhadas ao programa tão logo se soubesse que o
candidato seria uma testemunha essencial e que deveria ser “removida” por conta
da “proximidade do risco”.
Portanto, uma testemunha é admitida no Programa quando ela é capaz de
fornecer provas significantes em casos importantes nos quais haja a evidente
ameaça a sua segurança. Uma vez no Programa, a testemunha e sua família
recebem novas identidades e são removidas para outra região do país onde os
riscos à sua segurança são menores. Também lhes é dada assistência financeira
até que a testemunha esteja apta a um emprego seguro.
Nos EUA, por exemplo, a grande maioria das testemunhas protegidas,
aproximadamente 97%, tem histórico criminoso. Entretanto, o índice de reincidência
entre testemunhas integrantes do Programa é de 21%, o que representa metade dos
criminosos soltos após cumprirem pena nos EUA. Porém, pode-se afirmar acima de
qualquer outra questão que o Programa de Proteção a Testemunhas provou ser
benéfico e eficaz no combate ao crime organizado19.

5.4.1 Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA)

Embora a Segurança Pública seja direito de todos, conforme preceitua o


Artigo 144 da Constituição Federal, o sistema deve dispor de mecanismos

19
BRASIL. Tribunal de Contas. Relatório de Auditoria Operacional na Ação Serviço de Proteção ao
Depoente Especial, TC n°011.753/2010-2, fiscalização n° 541/2010. Brasília, DF, 2007.
47

específicos, para alcançar pessoas em situação de maior vulnerabilidade, com vistas


a atingir o real sentido do prescrito constitucional.
Deste modo, pessoas ameaçadas, especialmente por integrantes de
organizações criminosas, devem receber do Estado a medida protetiva compatível
com o risco a que estão sujeitas, de modo a inibir e fazer cessar as causas das
ameaças. Em comum, elas decorrem da proximidade com o espaço físico de
abrangência da atuação do crime organizado, o que potencializa sua condição de
testemunha ameaçada, e para os que decidem sair dessas organizações e colaborar
com a Justiça.
Há inúmeras razões para o baixo índice de resolução de crimes no Brasil, e
sem dúvida, um dos fatores primordiais é a ínfima quantidade de pessoas dispostas
a testemunhar contra autores de crimes graves. A maior parte dos países
desenvolvidos dispõe de programas de proteção à testemunha. Eles oferecem
segurança a quem se disponha a colocar a própria via em risco para denunciar um
crime.
O objetivo principal do Programa de Proteção às Testemunhas Ameaçadas
(PROVITA), é combater a impunidade através da promoção da proteção a vítimas e
testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas à grave ameaça em
razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal. São pessoas que se
encontram em situação de risco decorrente da colaboração prestada a procedimento
criminal em que figuram como vítima ou testemunha, que estejam no gozo de sua
liberdade e cuja personalidade e conduta sejam compatíveis com as restrições de
comportamento exigidas pelo programa, ao qual desejam voluntariamente aderir.
Fundamenta-se nos seguintes pontos:
1) Artigo 245 da Constituição Federal que obriga o Estado Brasileiro a dar
atenção especial às pessoas vítimas de crimes e seus herdeiros e
dependentes, declarando expressamente: “A lei disporá sobre as
hipóteses e condições em que o poder público dará assistência aos
herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime
doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito”;

2) No compromisso constante no Programa Nacional de Direitos Humanos,


no capítulo que trata da “Garantia do direito à vida”, de “Apoiar a criação
e o funcionamento de centros de apoio a vítimas de crimes nas áreas
com maiores índices de violência e seus familiares e dependentes”;

3) A Declaração dos princípios básicos de justiça em favor das vítimas de


crimes e abuso do poder das Nações Unidas;
48

4) Lei Federal nº 9.807/99 que “Estabelece normas para a organização e a


manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a
testemunhas ameaçadas”.

5) Toda a normativa internacional, refletida no ordenamento jurídico pátrio


através da Constituição Federal de 1988 que incorporou os direitos
humanos enquanto princípio fundamental da República Federativa do
Brasil dispõe sobre a proteção a que toda população é credora, bem
como a que deve ser dirigida aos chamados grupos vulneráveis.

A criação no Brasil de um programa especial para dar proteção a vítimas e a


testemunhas de crimes surgiu em 1996 e foi incluído no Programa Nacional de
Direitos Humanos. Em 1998, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Especial
dos Direitos Humanos (SEDH), colocou o projeto em prática quando o governo de
Pernambuco criou o inédito Programa Estadual de Proteção a Testemunhas
(PROVITA).
Em 13 de Julho de 1999 foi assinada a Lei 9.807, que estabeleceu as
normas para a organização de programas estaduais destinados a testemunhas e
vítimas que estivessem “coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de
colaborarem com a investigação ou processo criminal”. Nascia o Programa Federal
de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas. Logo após a assinatura da
lei outros quatro Estados passaram a integrar o programa: Pará, Mato Grosso do
Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Os Estados que ainda não implantaram o programa
são atendidos diretamente pelo Governo Federal. Nos casos em que não se verifica
o preenchimento dos requisitos de ingresso, aplicam-se outras medidas de proteção.
A política de proteção a testemunhas integra o Sistema Nacional de
Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, que constitui uma rede nacional
de proteção composta pelos Programas Estaduais e pelo Programa Federal (que
atende os estados não contemplados com programas locais).
O Programa se operacionaliza e funciona por meio do Conselho
Deliberativo, do Órgão Executor, da Equipe Técnica e da Rede Solidária de
Proteção:
Conselho Deliberativo (CONDEL): composto por representantes do Poder
Judiciário, do Ministério Público e de órgãos públicos e privados relacionados com a
defesa dos direitos humanos e a segurança pública. Instância decisória superior,
responsável pelo ingresso e exclusão de pessoas ameaçadas, além de outras
49

atribuições definidas em lei. No Rio de Janeiro o CONDEL foi criado e


regulamentado por intermédio do Decreto Estadual n° 43.097, de 22 de Janeiro de
2011;
Órgão Executor: entidade integrante do CONDEL, responsável pela
execução das atividades do Programa, da contratação da Equipe Técnica, e da
articulação com a Rede Solidária de Proteção;
Equipe Técnica: composta por profissionais especialmente contratados e
capacitados para a função, efetiva a assistência social, jurídica e psicológica
imprescindível para a análise da necessidade de proteção e da adequação dos
casos ao Programa, bem como para o constante acompanhamento dos
beneficiários;
Rede Solidária de Proteção: conjunto de associações civis, entidades e
demais organizações não governamentais que, voluntariamente, recebem os
beneficiários do Programa, proporcionando-lhes moradia e oportunidades de
reinserção social em local diverso de sua residência habitual.

5.4.2 PROVITA/RJ

O Estado do Rio de Janeiro iniciou seu primeiro programa de proteção, o


PROVITA/RJ, com a Lei Estadual nº 3.168, de 1999, através de parceira com a
SDH/PR, e organização não-governamental que o gerencia e executa até hoje.
A base legal e administrativa do PROVITA no Estado do Rio de Janeiro
inclui a Lei nº 9807/1999, o Decreto nº 3.518/2000 e a Lei Estadual nº 3.178 de 27
de Janeiro de 1999.

5.4.3 Seção de Proteção ao Depoente Especial (SPDE)

O ingresso de pessoas ameaçadas no PROVITA se consolida após


criteriosa avaliação levada a efeito pelas organizações de direitos humanos
responsáveis pela execução direta dos programas. Ocorre que, peculiar à execução
de tais programas é o seu intrínseco caráter de urgência. Assim, uma vez
identificada uma situação de ameaça iminente, não é viável aguardar o desenrolar
de todos os trâmites necessários para o fim de incluir a pessoa ou família ameaçada
no programa de proteção. Aguardar pode custar a vida ou a integridade física das
50

pessoas, o que por si só demandaria a necessidade de um pouso provisório seguro,


até que a inclusão em um dos programas de proteção seja avaliada.
No Estado do Rio de Janeiro, a proteção e a segurança pública são
atribuições tanto da Secretaria de Estado de Segurança (SESEG), quanto da
Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH). À
primeira, cabe a responsabilidade de comandar e designar agentes e órgãos de
segurança para garantir a execução dos programas de proteção executados; à
segunda, cabe o gerenciamento, o monitoramento e a proposição de políticas e
medidas que visem à melhoria e garantia de proteção a pessoas ameaçadas.
A Resolução SESEG n° 435 de fevereiro de 2011, criou na estrutura da
Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e de Inquéritos
Especiais (DRACO/IE) a Seção de Proteção ao Depoente Especial (SPDE). Caberá
ao SPDE acompanhar a investigação, o inquérito ou processo criminal, receber
intimações endereçadas ao depoente especial ou a quem se encontre sob sua
proteção, bem como providenciar seu comparecimento, adotando as medidas
necessárias à sua presença e atuará durante o período compreendido entre a
ameaça até o ingresso no Programa.
O SPDE disponibilizará os meios necessários à atuação de um grupo de
policiais, especialmente capacitados, para atuar nos seguintes momentos:
1) Escolta ostensiva, durante deslocamentos para apresentações em juízo,
perante autoridade policial, ministerial;

2) Durante o período provisório, ou seja, enquanto a equipe do PROVITA


não conclui sua análise do pleito de inclusão definitiva da
testemunha/vítima.

5.5 RÉU COLABORADOR

“Réus colaboradores” são aqueles acusados ou indiciados que tenham


voluntariamente colaborado com a investigação e o processo criminal, conforme o
art. 13 e 14 da Lei nº 9.807/99.
A proteção aos réus colaboradores presos, prevista pelo Decreto nº
3.518/2000, não vem sendo prestada na grande maioria dos estados brasileiros,
embora seja um importante instrumento de combate ao crime organizado e que se
51

configura pela obtenção de informações estratégicas sobre as organizações


criminosas por meio do testemunho daqueles réus.
O capítulo II da Lei nº 9.807/1999, denominado Proteção aos Réus
Colaboradores, estabelece, em seus artigos 13 e 14, hipóteses em que o acusado
ou indiciado que colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o
processo criminal poderá ter o perdão judicial decretado pelo Juiz ou, no caso de
condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
Quanto à proteção ao réu colaborador, a referida Lei prevê:

“Art. 15. Serão aplicadas em beneficio do colaborador, na prisão ou fora


dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física,
considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva.
§1º. Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de
flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada
dos demais presos.
[...]
§3º. No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz
criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do
colaborador em relação aos demais apenados.”

A citada Lei estatui ainda (artigo 19) que a União poderá utilizar
estabelecimentos especialmente destinados ao cumprimento de pena de
condenados que tenham prévia e voluntariamente prestados a colaboração de que
trata o normativo, bem como celebrar convênios com os Estados e o Distrito Federal
para a utilização daquelas unidades.
A norma regulamentadora da Lei, o Decreto nº 3.518/2000, ao definir
Depoente Especial (artigo 10), o faz de forma a abranger os conceitos de réu
colaborador de que se ocupam os artigos 13 e 14 da Lei 9.807/1999. Ademais, tal
regulamento cria (artigo 11, caput) a ação de governo Serviço de Proteção ao
Depoente Especial, cujo planejamento e execução atribui (§ 2°) ao Departamento de
Policia Federal (DPF). Ao atribuir o serviço ao DPF, o Decreto dá a este órgão,
dentre outras, a incumbência de proteger os réus colaboradores presos e lhe
confere, para tanto, o poder de realizar diferentes formas de cooperação e parcerias
com órgãos da Administração Pública e entidades não governamentais. É o que se
depreende da transcrição abaixo:

“ Art. 10. Estende-se por depoente especial:


I – o réu detido ou preso, aguardando julgamento, indiciado ou acusado sob
prisão cautelar em qualquer de suas modalidades, que testemunhe em
inquérito ou processo judicial, se dispondo a colaborar efetiva e
52

voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa


colaboração possa resultar a identificação de autores, co-autores ou
partícipes da ação criminosa, a localização da vitima com sua integridade
física preservada ou a recuperação do produto do crime; e
II – A pessoa que, não admitida ou excluída do Programa, corra risco
pessoal e colabore na produção da prova.
Art. 11. O Serviço de Proteção ao Depoente Especial consiste na prestação
de medidas de produção assecuratórias da integridade física e psicológica
do depoente especial, aplicadas isoladas ou cumulativas, consoante as
especificidades da cada situação, compreendendo, dentre outras:
[...]
2 Cabe ao Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Justiça, o
planejamento e a execução do Serviço de Proteção, para tanto podendo
celebrar convênios, acordos, ajustes e termos de parceria com órgãos da
Administração Públicas e entidades não-governamentais.”

Embora a Lei preveja a possibilidade de utilização de estabelecimentos


prisionais especialmente destinados aos colaboradores, por falta de suas
instalações apropriadas, não vem sendo assegurado no Estado do Rio de Janeiro a
proteção ao réu colaborador preso.
Tal medida representa um avanço significativo na proteção a réus
colaboradores, uma importante ferramenta de desarticulação de organizações
criminosas, visto que poderá ser utilizada como estimulo para o acusado ou
condenado colaborar com a persecução penal pois poderá ser beneficiado em razão
da previsão legal de cunho atenuatório da responsabilidade criminal, permitindo a
redução da pena ou perdão judicial no curso do procedimento penal. O
desenvolvimento do programa segue uma tendência mundial seguida pela maioria
das forças de segurança pública de diversos outros países do mundo.
Também levou-se em conta que o Decreto nº 6.877/2009,ao regulamentar a
Lei nº 11.671/2008, que cuida da transferência e inclusão de presos em
estabelecimentos penais federais de segurança máxima, contempla a possibilidade
de acolhimento nessas unidades do réu-colaborador ou delator premiado, a teor do
inciso V, art. 3°, a saber:

“ Art. 3° Para a inclusão ou transferência, o preso deverá possuir, ao menos,


uma das seguintes características:
[...]
V – ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição
represente risco à sua integridade física no ambiente profissional de origem;
[...]”.
53

Quanto ao aspecto físico, como as penitenciárias federais estão divididas em


quatro alas (vivências), cada uma seguramente isolada das demais, a intenção é
que se reserve uma dessas alas para acolher os réus colaboradores.
O tempo de cooperação prevê que os beneficiários estarão aos cuidados de
equipes especiais de proteção e custódia, integradas por agentes penitenciários a
serem capacitados pelos cooperantes (DEPEN e DPF). Há também previsão de
normas complementares ao Manual de Procedimentos de Segurança e Rotinas
Carcerárias, editadas pelo DEPEN, as quais, consideradas as peculiaridades do réu
colaborador preso, darão flexibilidade aqueles procedimentos e rotinas, sem
comprometimento da segurança.
A proteção a réus colaboradores é uma das armas mais efetivas no combate
ao crime organizado. Isto pode ser observado em experiências bem sucedidas em
alguns países. Neste sentido, SILVEIRA (2008),20 citou avaliação sobre o WITSEC
de Stanley E. Morris, Diretor do Marshals Service, em artigo publicado pela revista
The Pentacle, edição de fevereiro de 1988, sobre os resultados desse programa
norte-americano:

“O Programa de Segurança da Testemunha (WITSEC) é sem dúvida, uma


das ferramentas mais eficazes no combate ao crime organizado dos
Estados Unidos. Conspirações criminosas, secretas e clandestinas por
natureza, são extremamente difíceis, se não impossíveis, infiltrar. Até o
equipamento mais estrategicamente colocado não pode fornecer
informações tão qualificadas como um informante interno. Não existe prova
mais devastadora que o testemunho de um colaborador de confiança
revelando e decodificando as centrais obras de uma estrutura criminosa.
Este testemunho é tão convincente que mais que oito de cada dez
acusados são condenados e recebem sentenças consideráveis de prisão e
multas.”

De acordo com Marcelo BatlooniMendroni21, oWitness Security Program


(WITSEC) foi autorizado em 1970 pelo Organized Crime ControlActof 1970 (Public
Law 91-452) e, a responsabilidade pela proteção das testemunhas ameaçadas é
gerenciada pelos US. Marshals, uma agência federal incumbida, além desta tarefa,
de escoltas de presos da justiça federal, resgates de presos e gerenciamento de
bens apreendidos de empresas criminosas.

20
SILVEIRA, José Braz da. Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no Brasil. 1.ed.reim.
Curitiba: Juruá, 2008. p. 23.
21
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São
Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 137.
54

No âmbito federal é o Ministério Público Federal (US Attorney) quem


determina o ingresso da testemunha no programa e na esfera estadual o Ministério
Público estadual (State Genneral Attorney).
Pesquisa mais atual mostra que o percentual de condenações em processos
julgados com depoimentos de testemunha protegida nos EUA é da ordem de 89%
(ESTADOS UNIDOS, 2006). Os números apresentados demonstram a eficácia do
programa norte-americano de proteção a testemunhas, o WITSEC.
Conforme Silveira, a Itália oferece outro exemplo de utilização de réus
colaboradores no combate à criminalidade. No caso, o instrumento foi decisivo para
o Estado derrotar a Máfia, cujas organizações eram consideradas inexpugnáveis em
razão da chamada Lei de Silêncio imposta aos seus membros e do poderio
econômico advindo de suas atividades criminosas.
Silveira ressalta que, ao garantir efetiva proteção aos réus colaboradores, o
sistema de proteção da Justiça italiana permitiu que mafiosos presos tomassem a
decisão de fornecer informações e testemunhos suficientes para prisões e
condenações e penas severas de importantes chefes criminosos.
Como no Brasil a proteção a réu colaborador preso não vem sendo
efetivada, mediante regime seguro e diferenciado em instalação apropriada que
garanta sua segurança, o réu não se sente confiante em colaborar com as
investigações ou com a justiça. É fato conhecido que as organizações criminosas
projetam seus padrões de violência contra delatores no interior das unidades
prisionais. Assim, o réu preso detentor de informações valiosas ao combate ao crime
organizado, temeroso pela sua segurança na prisão e sabedor de que poderá sofrer
atentado à própria vida, não se sente estimulado a efetivar a colaboração, apesar da
possibilidade do beneficio penal de redução de pena ou até mesmo do perdão
judicial. Não há vantagem em se ter a pena reduzida se o apenado não viver para
usufruir da liberdade.
A consequência é a subutilização desta importante arma de combate ao
crime organizado, em que pese haja o legislador criado na Lei 9.807/1999 os
institutos de perdão judicial e de redução de pena, como meio de obter as
informações e os testemunhos necessários para a condenação de criminosos e
desbaratamento de suas organizações.
A implantação do Programa de Proteção ao Réu Colaborador Preso pode
contribuir substancialmente para a luta contra o crime organizado. Primeiro, por
55

estimular juízes, promotores e delegados de polícia a buscar a colaboração de réus


visando o desbaratamento de organizações criminosas nas quais militaram e das
quais detêm informações críticas. Segundo, porque o réu poderá tomar a decisão de
colaborar a partir da certeza de proteção assegurada.

5.5.1 Delação premiada

De acordo com Damásio de Jesus22: “... delação premiada configura aquela


iniciativa do legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (redução da
pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando etc.)...”
Trata-se de um benefício legal concedido a um criminoso “delator”, que
aceite colaborar na investigação ou entregar seus companheiros, previsto em
diversas leis brasileiras:
1) Código Penal;

2) Lei n° 8.072/90 – Crimes Hediondos e equiparados;

3) Lei n° 9.034/95 – Organizações Criminosas

4) Lei n° 7.492/86 – Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional;

5) Lei n° 8.137/90 – Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra


as relações de consumo;

6) Lei n° 9.613/98 – Lavagem de dinheiro;

7) Lei n° 9.807/99 – Proteção a Testemunhas;

8) Lei n° 8.884/94 – Infrações contra a Ordem Econômica; e

9) Lei n° 11.343/06 – Drogas e afins.

A delação premiada pode beneficiar o acusado com diminuição da pena de


1/3 a 2/3, cumprimento da pena em regime semi-aberto, extinção da pena ou perdão
judicial. É constantemente criticada, uma vez que fica a critério de avaliação do Juiz
da causa e de parecer do membro do Ministério Público (MP) a utilidade das
informaçoes prestadas pelo réu.

22
JESUS, Damásio Evangelista de. Estágio atual da delação premiada no direito penal
brasileiro: Revista Bonjuris, Jan. 2006, Ano XVIII, nº 506. p. 9.
56

“Hoje a máfia americana se resume às cinco famílias de Nova York à


organização criminosa de Chicago” afirma o jornalista Selwyn Raab, autor do livro
“Five Families: the Rise, Decline and Resurgence of American’s Most Powerful Máfia
Empires” (cinco famílias em ascensão, declínio e ressurgimento do mais poderoso
império mafioso da América). Para ele, o declínio ocorreu em função do impacto do
trabalho de inteligência, a modernização da legislação e as delações premiadas.
Sobre a origem da colaboração com a Justiça, no direito italiano, Eduardo
Araújo da Silva ensina23: na Itália, a colaboração premiada foi incentivada nos anos
70 para combate atos de terrorismo, sobretudo o crime de extorsão mediante
seqüestro, culminando por atingir seu estágio atual de prestígio nos anos 80, quando
se mostrou extremamente eficaz nos processos que visavam à apuração da
criminalidade mafiosa, permitindo uma visão concreta sobre a capacidade operativa
das máfias, o que foi determinante para a ampliação de sua previsão legislativa e a
criação de uma estrutura administrativa para sua gestão operativa e logística (Setor
de Colaboradores da Justiça).
Um dos mais emblemáticos casos de delação ocorridos na Itália envolveu o
mafioso Tommaso Buscetta, preso no Brasil em 1983 e extraditado para a Itália.
Suas revelações foram feitas ao Juiz Giovanni Falcone, do pool de magistrados
antimáfia, na operação conhecida como “operação mãos limpas”. Suas confissões
resultaram na abertura do chamado “maxiprocesso” criminal, julgamento iniciado em
fevereiro de 1986 e concluído em dezembro de 1987, resultando em 475 réus
mafiosos. Do “maxiprocesso” houve 19 condenações à pena de prisão perpétua e,
somadas as outras sanções, 2.665 anos de cárcere.
Apesar da Itália contar com leis a respeito da delação premiada antes da
operação mãos limpas, somente em 1991 foi disciplinado por Lei normas para a
proteção dos colaboradores da justiça. O projeto de lei italiano surgiu pós-Buscetta,
em 1989, e foi sancionado em 1991, depois do assassinato do Juiz Giovanni
Falcone ocorrida em 23 de maio de 1992.
Nos Estados Unidos, a possibilidade da colaboração com a justiça encontra-
se inserida no plea bargaining, que é a possibilidade ampla de negociação que tem
o representante do Ministério Público para fazer acordos com o acusado e sua
defesa, estando reservada ao juiz a devida homologação desse acordo negociado.

23
SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Editora
Atlas, 2003. p. 77.
57

Nesse modelo o Promotor de Justiça norte-americano possui ampla


discricionariedade para fazer o acordo. É o Ministério Público que conduz a
investigação policial, decide pela propositura ou não de ação (sem qualquer
interferência do Poder Judiciário), bem como a realização de acordos com a defesa
ou a condução do feito a Juízo.
Um dos problemas do sistema americano é a concentração de poder nas
mãos do Promotor de Justiça. Com ampla discricionariedade para fazer acordos com
o acusado, o plea bargaining está susceptível a falhas de natureza de manipulação
política e social na aplicação do Direito Penal. Não há ampla defesa e quase que a
totalidade dos princípios constitucionais são ignorados.

5.6 OS GRUPOS FORÇA–TAREFA

Os Grupos denominados Task-Force, ou Força-Tarefa são considerados


pelos policiais norte-americanos o melhor sistema para o efetivo combate a
organizações criminosas, tendo sido concebidos sob o espírito da mútua cooperação
entre os diversos órgãos de persecução detentores de atribuições variadas. Esses
grupos se reúnem e passam a trabalhar em conjunto, com unidade de atuação e de
esforços e direcionados para a investigação, análise e iniciativa de medidas
coercitivas voltadas para o desmantelamento das estruturas criminosas, utilizando-
se dos mais variados instrumentos de investigação e mecanismos legais24.
Trata-se de esforço concentrado, direcionado, visando à luta contra a
criminalidade.
Força-Tarefa não é mais do que uma força conjunta, união de esforços, uma
reunião de grupo de trabalho que tem suas diretrizes preestabelecidas quando se
constata dentro de uma determinada região um problema crônico de criminalidade,e,
assim como o crime organizado, deve ser organizada de forma a combater um
problema pontual, “focado”.
Nos Estados Unidos, normalmente integram os grupos de Força–Tarefa
todas as polícias com atribuições locais e as agências federais (polícias municipais,
polícias dos condados, polícias estaduais e as chamadas agências Federais, como
FBI, DEA, US-Customs, US-Marshals etc.).

24
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São
Paulo, SP: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 30.
58

O grupo pode-se formar de maneira “formal”, por intermédio de um contrato


escrito firmado entre os chefes dos órgãos envolvidos, com duração de tempo
limitado, mas prorrogável, devendo perdurar até que a situação de crise seja
considerada superada ou amenizada o suficiente, a ponto de poder ser combatida
através dos meios normais de persecução criminal.
Nada impede, entretanto, sejam formadas Forças-Tarefas “informais”, sem a
necessidade de elaboração de contrato por escrito. Basta que as forças estaduais se
reúnam e planejem diretrizes a serem seguidas em intensificada cooperação mútua
contra um determinado problema relacionado à criminalidade em determinada
região. Não havendo compromisso documentado, o desfazimento torna-se mais fácil
e a Força-Tarefa mais instável, o que não impede que sejam alcançados resultados
satisfatórios.
Tratando-se de um grupo, ou de “um time”, imperioso que todos lutem para a
obtenção do mesmo objetivo e visem ao mesmo “foco”, sendo portanto, intoleráveis
a ocorrência de situações de “ciúmes” ou de disputas entre seus integrantes.
Inaceitável, também, realizações de operações ou providências adversas e
prejudiciais, umas as outras. Todos os integrantes devem ter em mente, de forma
inequívoca, que trabalham para a perseguição do mesmo objetivo e, para isso, nada
mais prejudicial que o trabalho desencontrado, adverso. Não se admite disputas
entre os integrantes do mesmo time, situação em que os criminosos evidentemente
extraem vantagens. Portanto, torna-se uma providência fundamental a definição de
quem comanda a Força-Tarefa.

5.7 LAVAGEM DE DINHEIRO

Trata-se de um crime que visa a transformar operações financeiras ilegais


em transações legais. O termo transação define genericamente uma compra, venda,
empréstimo, promessa, presente, transferência, entrega ou qualquer modalidade
dessa natureza e em relação a instituições financeiras, inclui um depósito, saque,
transferência entre contas, câmbio de moeda, empréstimo, aumento de crédito,
compra ou venda de ações, títulos ou outro instrumento monetário, o uso de um
cofre bancário ou qualquer outro pagamento, transferência ou entrega por ou para
uma instituição financeira por intermédio de quaisquer meios relacionados.
59

A Lei n° 12.683, de 09 de julho de 2012, alterou a Lei no 9.613/98 que


tratava sobre os crimes de lavagem de dinheiro, tornando mais eficiente sua
persecução penal, especialmente ao eliminar a restrição contida no estatuo anterior
que definia um rol taxativo de crimes antecedentes, considerando que grande parte
da lavagem de dinheiro é proveniente de infrações penais que não estavam
contempladas no antigo estatuto, como a contravenção do jogo do bicho por
exemplo.
As sanções impostas à lavagem incluem confisco, o que muito auxilia nos
esforços de uma Força Tarefa no sentido de impedir que as organizações
criminosas lucrem.
Outro aspecto visando o aprimoramento dos mecanismos de combate à
lavagem de dinheiro, inclui a possibilidade de alienação antecipada de bens antes
da sentença penal condenatória, evitando que os bens advindos da prática
criminosa possam ser alienados sem que se deteriorem enquanto se aguarda o fim
do processo.
Crime antes restrito a determinadas regiões, ganhou características
transnacionais nas últimas décadas, fazendo com que seus efeitos rompessem
fronteiras e se tornassem uma preocupação internacional. Tendo em vista que essa
prática delituosa representa uma ameaça global não só à integridade e estabilidade
dos estados e de seus sistemas financeiros, mas também à própria democracia,
organismos internacionais têm incentivado a adoção de medidas mais efetivas no
trato da questão.
Dando prosseguimento aos compromissos internacionais assumidos desde
a assinatura da convenção de ”lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, a
preservação da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nessa Lei
cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
A Lei n° 9613/98 introduziu o crime de “lavagem” como delito autônomo, isto
é, o processo e o julgamento da “lavagem” de dinheiro independem do julgamento
do crime antecedente, podendo a denúncia ser instruída apenas com indícios de que
os recursos provêm de crime antecedente.
Tendo em vista que a prática de “lavagem” envolve pessoas físicas e
jurídicas de várias camadas da atividade econômica, bem como o trânsito de
recursos por seus diferentes setores, concluiu-se pela necessidade de se abordar
60

preventivamente o problema, estabelecendo procedimentos que dificultam encobrir a


origem dos recursos e facilitem a investigação.
Assim, a Lei define sujeitos, obrigações, sanções e atribuições dos órgãos
governamentais fiscalizadores, conferindo maior responsabilidade a intermediários,
principalmente a bancos, financeiras, distribuidoras de títulos mobiliários e demais
instituições que, por terem como atividade principal ou acessória a movimentação de
médias e grandes somas em dinheiro, podem ser utilizada como canais para a
“lavagem” de dinheiro.
As medidas preventivas estabelecidas pela Lei brasileira, encontradas
também em diversos países, determinam ações e procedimentos que visam à
colaboração da sociedade no controle das operações ilegais, atividade essa que não
pode ser atribuída exclusivamente aos órgãos repressores do Estado.
É nesse contexto que foram estabelecidas as competências do COAF para
coordenar mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem
ações rápidas e eficientes no combate à “lavagem” de dinheiro: disciplinar e aplicar
penas administrativas, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades; e
receber, examinar e identificar as ocorrências de operações suspeitas de atividades
ilícitas.
Seu funcionamento segue o modelo de uma Unidade Financeira de
Inteligência (FIU), ou seja, uma agência nacional, central, responsável por receber,
analisar e distribuir às autoridades competentes as denúncias referentes a
operações suspeitas de “lavagem” de dinheiro. Essa definição foi elaborada no
âmbito do Grupo de Egmont, organização que congrega as FIU de diversos países
do mundo com o objetivo de promover o apoio aos programas nacionais de combate
à “lavagem” de dinheiro. O Brasil, por meio do COAF, passou a integrar esse Grupo
após a Sétima Reunião Plenária, realizada em Bratislava, República de Eslováquia,
em maio de 199925.
O caráter transnacional, típico das operações de “lavagem” e dos crimes que
usualmente as antecedem, constitui uma das razões pelas quais o COAF tem
ampliado seus vínculos com organismos internacionais empenhados na luta contra
delitos dessa natureza.

25
Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Lavagem de dinheiro: legislação brasileira.
Brasília, DF.: UNDCP, 1999. p. 07.
61

Nesse sentido, o Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional


de Drogas (UNDCP) e o COAF estabeleceram uma parceria, incluindo a publicação
de material informativo e o intercâmbio de experiências, visando ampliar a
cooperação técnica entre os dois organismos. O UNDCP é a agência das Nações
Unidas que monitora o controle internacional de drogas e crimes correlatos, entre os
quais a “lavagem” de dinheiro.

5.7.1 Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD)

O Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil do


Estado do Rio de Janeiro é resultado da parceria entre o Ministério da Justiça, a
Secretaria de Estado de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e a Polícia
Civil do Estado do Rio de Janeiro.
Sua criação foi fruto de ação inserida no âmbito do Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), que prevê a implantação de
laboratórios de tecnologia contra a lavagem de dinheiro nas regiões metropolitanas
foco de atuação do programa.
A REDE-LAB visa articular a atuação dos laboratórios de tecnologia contra a
lavagem de dinheiro a serem implantados em todo o território nacional, de modo a
promover e regular a operação integrada entre os mesmos. O objetivo principal é
“desenvolver e difundir estudos e práticas de produção de informações estratégicas
relacionadas à produção de provas em processos e inquéritos judiciais ou
administrativos”.26
O Laboratório é órgão de assessoramento direto ao Chefe de Polícia e tem
como objetivo auxiliar as Unidades de Polícia Judiciária, bem como órgãos externos,
no tratamento das informações geradas por procedimentos investigatórios
complexos, tornando-se uma unidade de produção de informações estratégicas para
análise de grandes volumes de dados com uso intensivo de tecnologia e gestão do
conhecimento.
Investigações que envolvem a criminalidade organizada geram um volume
de dados expressivo, fato que dificulta a unidade de investigação na conclusão do
feito. A análise de um grande número de contas telefônicas ou extratos bancários,

26
Disponível em: <http://www.policiacivil.rj.gov.br/labld/atribuicoes.html>. Acesso em: 23 set. 2012.
62

por exemplo, sem metodologia ou tecnologia, torna a investigação fadada ao


insucesso. Assim, o LAB-LD conta com o auxílio de um conjunto de equipamentos e
softwares próprios que possibilitam cruzamentos de grandes volumes de dados em
menor tempo, metodologia que permite o aprimoramento da análise e a indicação
de novos caminhos para a investigação.
O LAB-LD somente pode ser acionado em casos de inquéritos policiais
instaurados, processos judiciais, procedimentos administrativos não policiais (tais
como Comissões Parlamentares de Inquérito instauradas pelas Casas Legislativas),
nas seguintes condições:
Inquérito que apure qualquer delito desde que envolva criminalidade
organizada;

Inquéritos que possuam um grande número de pessoas envolvidas.

Inquéritos que apuram crimes de lavagem de dinheiro.

Inquéritos que possuam inúmeras quebras de sigilos de dados.

Processos judiciais, procedimentos administrativos não policiais e CPI


que visem apurar responsabilidades penais, civis e administrativas nos
casos que envolvam organização criminosa.

Auxílio no modelo de pedido de quebra de sigilos de dados.

Auxílio nas investigações de lavagem de dinheiro.

A Autoridade Policial interessada em encaminhar uma investigação para o


LAB-LD deve se dirigir ao Coordenador do Laboratório, apresentando um resumo da
investigação, indicando o objetivo da análise pretendida, bem como os dados a
serem analisados. Caberá ao Coordenador aceitar ou não a solicitação. Em se
tratando de órgão externo à Polícia Civil a solicitação será encaminhada diretamente
ao Chefe de Polícia, que analisará o pedido, fazendo os encaminhamentos
necessários.
No caso de dados de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico é
necessário que a Autoridade Policial solicite ao Judiciário a extensão do sigilo de
dados para o Laboratório, assim como as informações encaminhadas à delegacia
deverão estar em formato eletrônico específico para facilitar seu tratamento.
63

5.7.2 Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro

O artigo 2°, inciso III, da Lei n° 9.034/95, prevê como um dos meios de
obtenção da prova em relação às atividades desenvolvidas pelas organizações
criminosas o acesso a informações fiscais, bancárias e financeiras. Contudo, essa
medida não goza de exclusividade para a apuração da criminalidade organizada,
estendendo-se sua aplicação para a apuração de outras infrações penais.
O acesso às informações prestadas pelos investigados ou acusados perante
o Fisco tem colaborado para a apuração do fenômeno, pois não raras vezes sua
evolução patrimonial está diretamente relacionada com seu enriquecimento ilícito.
Considerando que o crime organizado é, em certo sentido, um negócio, a
“investigação patrimonial” passa pelo fisco, pelos bancos ou pelas instituições
financeiras.
O sigilo bancário por décadas permaneceu disciplinado pela Lei n° 4.595/64,
dispositivo revogado pela Lei n° 105, de 10 de janeiro de 2001 que, em seu artigo 3°,
prevê que serão prestados pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores
Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder
Judiciário:

“poderá ser decretada, quando necessária para a apuração de ocorrência


de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e
especialmente em relação aos seguintes crimes: I - terrorismo; II – de
contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua
produção; III – tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra o sistema financeiro
nacional; VI – contra a Administração Pública; VII – contra a ordem tributária
e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens,
direitos e valores” (art. 1° § 4°).

Entretanto, a lei ainda possibilitou, de forma subsidiária, a quebra do sigilo


bancário em relação a todos os demais crimes praticados por organizações
criminosas (inc. IX).
O artigo 2°, § 6°, Lei n° 105/2009, disciplina, seguindo a tendência
internacional de reprimir com maior eficiência a criminalidade organizada, que,
independentemente de solicitação judicial, o Banco Central do Brasil, a Comissão de
Valores Imobiliários e os demais órgãos de fiscalização, nas áreas de suas
atribuições, fornecerão ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF)
de que trata o art. 14 da Lei 9613/98, as informações cadastrais e de movimento de
64

valores relativos às operações previstas no inciso I do artigo 11 da referida lei, ou


seja, relacionados a crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores.

5.7.3 Investigações patrimoniais

O objetivo de um grupo de Força-Tarefa deverá ser sempre a destruição da


organização criminosa. Tratando-se de uma empresa criminosa, a sua finalização
ocorrerá pela dissolução voluntária (que não é o caso) ou pela “falência” – fim da
sua saúde financeira. Assim, “quebra-se” uma empresa criminosa atingindo-se o seu
patrimônio, ou melhor, o patrimônio de seus chefes. Para tanto, recomenda-se
fortemente a utilização da Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei nº 9.613/98.
Importante recomendação se refere à necessidade, dependendo do caso
concreto, de se instaurar um procedimento investigatório específico para a apuração
dos eventuais crimes de lavagem de dinheiro etc., em paralelo ao procedimento que
visa a apurar o cometimento dos crimes antecedentes propriamente ditos, tais como:
tráfico de entorpecentes, extorsão mediante sequestro, dentre outros, praticados
pela mesma organização criminosa.
Para tal, na mesma unidade de polícia judiciária onde foi instaurado inquérito
policial (IP) para apurar um crime de trafico de entorpecentes praticado por uma
organização criminosa, por exemplo, seria instaurado outro IP, exclusivamente para
apurar os eventuais crimes financeiros praticados pela quadrilha. Esta medida se
justifica pela capacitação específica do policial investigador que atua com estas
diferentes modalidades criminosas, assim como a evolução no tempo de cada tipo
de investigação que, se empreendidas no mesmo procedimento, podem conflitar
entre si, prejudicando o resultado final do trabalho.
O ideal seria que algumas unidades, em especial de polícia judiciária
especializada, contassem nas respectivas estruturas funcionais com um setor
específico visando apurar “investigações patrimoniais”. Os levantamentos
requisitados ao LAB-LD, COAF etc., deveriam ser direcionados diretamente para
esta seção para seu melhor aproveitamento.
65

6 INTELIGÊNCIA POLICIAL

O conceito de “inteligência” pode ser definido como um conjunto de


atividades voltadas para a produção de conhecimento. A atividade de inteligência de
segurança pública é o exercício permanente de ações especializadas orientadas,
basicamente, para a produção de conhecimentos necessários à decisão, ao
planejamento e à execução de uma política específica nesta área.27
Consiste na coleta, reunião e tratamento sistemático das informações sobre
a criminalidade, ou quaisquer outras que interessem ao trabalho da polícia e sua
utilização nas operações em geral. Trata-se de um instrumento de caráter proativo,
indispensável tanto para a formulação das políticas de segurança (nível estratégico)
quanto para o planejamento operacional (nível tático).
Num atual contexto em que o crime organizado opera como se fosse uma
verdadeira empresa, é preciso que os setores da polícia não se circunscrevam aos
métodos tradicionais, baseados no isolamento, na auto-suficiência e no
descompromisso com resultados.
A atividade de inteligência policial deve, portanto, se constituir na memória
de toda a organização, onde qualquer tipo de informação deve ser considerada,
valendo-se para tal de dados de investigações anteriores, das informações
repassadas pelos policiais em geral e por informantes, de publicações, do
cadastramento criminal, de registros sobre o movimento de criminosos e de seu
modus operandi, do cadastro de identificação civil, de veículos, do setor
penitenciário etc.
O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente. É
preciso situar as informações e dados em seu contexto para que adquiram sentido.
Durante o regime militar, o Serviço Nacional de Informações (SNI), mobilizou
profundamente os “serviços de informações” (atuais serviços de inteligência) das
polícias, especialmente voltados para a repressão aos opositores políticos dos
governos militares. Assim, disseminou-se no meio policial uma atividade de
“inteligência clássica” voltada para a ”segurança nacional”, a qual estaria ameaçada
pelos dissidentes políticos. Isso dificultou aos serviços de inteligência policial

27
FERRAZ, Claudio Armando. Ensaio Reestruturação da Atividade de Inteligência da Polícia
Civil do Estado do Rio de Janeiro. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso Superior de
Inteligência Estratégica) - Escola Superior de Guerra, 2011.
66

evoluírem para uma inteligência criminal que atendesse especificamente às suas


funções policiais.
Entretanto, a necessidade dos serviços policiais fez surgir um novo ramo, ao
lado da Inteligência de Estado - a Inteligência Policial - inicialmente de forma
empírica, representada por pressupostos doutrinários e conceitos incipientes e
“clássicos”, gerando mais desconfiança e descontentamento do que compreensão
de sua real finalidade.
Com o término dos governos militares, houve serviços de inteligência, em
especial das Polícias Judiciárias, que prosseguiram com a “inteligência clássica”.
Não se disseminou a idéia de se adequarem à produção de provas para
investigações criminais e processos penais.
As agências de Inteligência Policial de grande parte das Polícias Judiciárias
do país não interagem com seus comandos a fim de definir estratégias para combater
o crime organizado, assim como, se mantém isoladas das unidades operacionais
responsáveis pela execução do “produto final” - investigações criminais.
A nova acepção de Inteligência Policial na área de segurança pública, ao
nível tático, deve estar voltada especialmente para a produção de prova criminal, a
ser utilizada em ação penal cujo caráter é público, desfazendo-se a antiga mística do
“secretismo” que envolvia as ações de inteligência tradicionais. Definitivamente, as
“provas” obtidas pelas atividades de Inteligência Policial podem, em princípio, ser
utilizadas na investigação criminal, tendo em vista sua finalidade de servir de base à
propositura de ações penais e a medidas cautelares (interceptações das
comunicações, prisões provisórias, seqüestros de bens etc.), desde que sujeitas às
limitações de conteúdo e de forma estabelecida pela lei processual penal vigente.

6.1 INVESTIGAÇÕES DE REDES COMPLEXAS

Investigações de casos complexos envolvem enorme atividade mental diante


da grande quantidade de dados em múltiplos formatos, originários de fontes
diversas. Procurando em algum lugar nestes dados, a chave da investigação se
mantém geralmente encoberta pela intensa e aparente dispersão das informações.
A atividade de inteligência policial é naturalmente vocacionada para apoiar a
execução de “investigações complexas” que envolvem enorme atividade mental
diante da grande quantidade de dados em múltiplos formatos, originários de fontes
67

diversas, realidade típica quando se trata de repressão a organizações criminosas


organizadas. O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente.
É preciso situar as informações e dados em seu contexto para que adquiram
sentido. A análise de vínculos feita pelo analista de inteligência constitui inestimável
recurso na identificação de padrões de crimes, entidades associadas, modus
operandi, descrição de eventos numa faixa temporal e, finalmente, na significativa
vinculação entre os alvos e informações relevantes que constem na situação
investigada, tais como registros de chamadas telefônicas e mensagens eletrônicas,
sítios visitados na internet, débitos feitos em cartões magnéticos, transferências
bancárias, viagens realizadas, contatos pessoais feitos etc.
Padrão do crime corresponde a uma característica da ocorrência de um
determinado delito, segundo a qual pelo menos uma variável daquela ocorrência se
repete em outra, ou outras, ao longo do tempo (passado e presente).
Estabelecer vínculos pressupõe associar dados, condutas, eventos,
entidades e elementos de uma situação para subsidiar a ação policial no
esclarecimento de formação de quadrilhas, revelando toda a rede de vínculos e
contatos dos criminosos.
Importante salientar a necessidade de que na atividade de Inteligência
Policial a mesma deve ser mantida independente da função de investigação criminal
e que os policiais do serviço de inteligência não possam encerrar casos, efetuar
prisões, nem ajudar no processamento pois, nesse caso, o valor da operação de
informação diminui consideravelmente, já que se esgotam as fontes de informações.
As delegacias de polícia distritais, por exemplo, são responsáveis pela
apuração dos casos que lhe chegam ao conhecimento. São focadas exclusivamente
nestes casos, especialmente considerando que desenvolvem seus trabalhos sob um
absoluto controle de prazos visando análises de produtividade e cumprimentos de
formalidades legais.
Somando-se a esta característica, qualquer unidade de polícia judiciária,
distrital ou especializada, opera mergulhada em sua volumosa demanda diária de
casos, que a impedirá de implementar qualquer iniciativa visando ao
desenvolvimento de um trabalho de qualidade para identificar padrões de crimes,
entidades associadas, modus operandi, descrição de eventos numa faixa temporal
e, finalmente, vincular alvos e informações relevantes que constem da situação
específica investigada com atividades de eventuais organizações criminosas.
68

7 MECANISMOS INSTITUCIONAIS

7.1 A EXPERIÊNCIA DA DELEGACIA DE REPRESSÃO ÀS ATIVIDADES


CRIMINOSAS ORGANIZADAS E DE INQUÉRITOS ESPECIAIS
(DRACO/IE) NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O enfrentamento de qualquer crise requer um mínimo de diagnóstico


adequado, ainda mais no campo da segurança pública, onde os fatores
determinantes da criminalidade quase sempre extrapolam a esfera de atuação
policial.
A especialização da polícia na repressão à criminalidade organizada é uma
exigência legal. Em seu artigo 4º, a Lei nº. 9.034/95 dispõe que:

“Os órgãos de Polícia Judiciária estruturarão setores e equipes de policiais


especializados no combate à ação praticada por organizações criminosas”.

Visando a atingir este objetivo, o Governo do Estado do Rio de Janeiro


instituiu através da Resolução SESP nº. 252, de 25 de junho de 1999, a Força
Tarefa de Controle da Criminalidade Organizada (FOCCO), porém, as atividades
criminosas sujeitas ao crivo da FOCCO indicavam a falta de uniformização neste
modelo de atuação. Eram atribuições daquela unidade: a repressão ao tráfico de
entorpecentes e de armas, roubos e furtos de veículos automotivos, crimes contra o
sistema financeiro, homicídio qualificado praticado por grupo de extermínio, além de
outros, a critério do Secretário de Segurança.
Em simetria com o plano federal, editou-se em 18/08/99 o Decreto nº.
25.522 que criou a Delegacia de Repressões às Ações Criminosas Organizadas e
de Inquéritos Especiais (DRACO/IE), na estrutura básica da Polícia Civil, mas
subordinanda diretamente à Secretaria de Estado de Segurança Pública. Eram duas
as atribuições da DRACO/IE:
a) repressão às ações criminosas organizadas;

b) apuração de inquéritos especiais.

Considerando o que já se apresentou sobre o crime organizado, observa-se


que as atribuições reservadas a DRACO/IE e as justificativas de sua criação, criaram
69

uma inconsistência entre o discurso oficial e o plano operacional28. O que seriam


procedimentos especiais a que se refere o decreto governamental? Pela leitura do
artigo 3º, incisos I e II do Decreto que a criou, qualquer investigação policial. Uma
análise dos registros de ocorrências realizados na DRACO/IE revela a total
incongruência da pretensa especialização no campo da investigação penal, o que,
de certa forma, torna incompatíveis as duas atribuições que integram o próprio nome
da unidade.
Prova dessa incoerência diz respeito às reiteradas complementações
casuísticas de atribuições dessa unidade de Policia Judiciária Especializada, através
das resoluções emanadas pelos diferentes Secretários de Segurança Pública e que
tem como critério básico os acontecimentos de maior repercussão havidos nos
respectivos períodos. Abriga a apuração dos crimes cometidos por “pitboys”, máfias
dos caça níqueis, crimes onde o sujeito passivo seja vitimado em decorrência de sua
opção sexual etc.
Como resposta a esta incoerência, foram empreendidos esforços no sentido
de adequar à capacidade operacional da DRACO/IE no que diz respeito ao combate
às ações criminosas organizadas. Experimentalmente, seguindo critérios para a
atuação nesta área específica, identificaram-se “alvos” visando ao estabelecimento
de operações investigativas de grande porte. Além da busca de subsídios teóricos
para o desenvolvimento deste tipo de investigação, diferente em sua essência do
trabalho rotineiro de polícia judiciária, efetuou-se uma adequação física das
instalações da DRACO/IE, criando uma sala de coordenação e controle para as
operações policiais, espaços específicos para abrigar as equipes de inteligênciae
salas reservadas para “encarregados de caso” (que só se dedicavam a uma
investigação por vez, de forma “focada”).
Como decorrência, propôs-se, visando a um melhor aproveitamento de suas
potencialidades e o efetivo cumprimento do preceituado no artigo 4º da Lei nº.
9.034/95, que as instalações da DRACO/IE deveriam ser adequadas para abrigar,
exclusivamente, “forças-tarefas” que, conforme já explicitado, são grupos
concebidos sob a filosofia da mútua cooperação entre órgãos de persecução
detentores de atribuições diversas na área penal e que se reúnem e passam a
trabalhar em conjunto, com unidade de atuação e de esforços, com o

28
BOAS, Fernando Villa. Crime Organizado e Repressão Policial no Estado do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007. p. 100.
70

direcionamento para a investigação, análise e iniciativa de medidas coercitivas


voltadas para o desmantelamento de estruturas criminosas, utilizando-se dos mais
variados instrumentos de investigação e mecanismos legais.
O cartório da DRACO/IE seria mantido a fim de formalizar as investigações
em andamento considerando a necessidade de representações visando medidas
cautelares (interceptações telefônicas, por exemplo), controle externo das atividades
investigativas pelo Ministério Público etc..

7.2 CENTRAL DE ASSESSORAMENTO CRIMINAL (CAC/TJ/RJ)

Com o aumento da repressão aos grupos milicianos no Rio de Janeiro, o


Tribunal de Justiça e o Ministério Público Estadual, assim como a Secretaria de
Segurança, preparam uma série de medidas visando ampliar e sistematizar uma
ofensiva de combate ao crime organizado29.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ)
criou em 05/09/2009 a Central de Assessoramento Criminal (CAC), que se trata de
um cartório exclusivo para trabalhar casos que envolvam crime organizado. A
proposta contemplava a utilização de salas do prédio do Fórum, no Centro,
monitoradas por câmeras, cujos funcionários seriam trocados a cada três meses
para garantir ao máximo o sigilo, além da digitalização completa dos autos, tanto do
inquérito policial quanto do processo criminal.
A proposta tinha por objetivo o processamento de autos de grande
complexidade que versem sobre organizações criminosas em uma central
especializada e informatizada (processo eletrônico), retirando dos cartórios comuns
tal atribuição, porém, mantendo-se a competência do magistrado para o qual foi
distribuído o feito, portanto, sem prejuízo ao princípio do Juiz natural.
A remessa dos processos que envolvem crime organizado dos cartórios
comuns para a central de processamento eletrônica, solicitada pelo Juiz interessado,
depende de analise da Comissão de Apoio à Qualidade (COMAQ) do TJRJ que, em
caso de deferimento, os envia à central.
Uma vez deferido seu encaminhamento, o processo será integralmente
digitalizado, o que agiliza o andamento processual pois facilita a busca de

29
Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/central-de-assessoramento-criminal/>.
Acesso em: 23 set. 2012.
71

documentos em autos volumosos além de permitir instrução oral. Merece destaque o


fato dos funcionários processantes serem identificados apenas por códigos,
blindando-os de qualquer ingerência externa. Os serventuários são selecionados
pela Presidência do Tribunal de Justiça e passam a ser identificados por números ao
invés do nome, não mantendo contato direto com as partes e patronos visando a
sua segurança e garantia da idoneidade do processamento.
A central é equipada com computadores para escaneamento de processos e
manuseio do processo eletrônico, uma sala de atendimento ao público com balcão e
baias com computadores para que os advogados possam acessar os processos
eletrônicos, sem acesso destes ao ambiente dos funcionários processantes, além de
uma sala de audiências com capacidade para acolher numerosos réus e seus
advogados, equipada com computadores com terminais individuais para advogados
e recinto para videoconferência.

7.3 CÂMARA ESTADUAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO (CERCO)

A Câmara de Repressão ao Crime Organizado (CERCO) foi uma proposta


de inciativa da Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas
(DRACO/IE), com base na experiência reunida durante um longo processo de
repressão às organizações criminosas denominadas “milícias” no Estado do Rio de
Janeiro.
Baseava-se no princípio de que iniciativas visando a enfrentar qualquer
modalidade de crime organizado dependeria, fundamentalmente, da integração
entre os diversos órgãos responsáveis por esta missão. Objetivava “institucionalizar”
este relacionamento.
Assim, foi elaborada proposta visando à criação da Câmara de Repressão
ao Crime Organizado (CERCO), formalizada a partir da Secretaria de Segurança
Pública do Estado do Rio de Janeiro, que a enviou ao Ministério Público e à Justiça
em agosto de 2008 para apreciação.
Pela proposta, a CERCO seria composta por três juízes, três promotores e
três delegados de polícia que definiriam quais casos em tramitação nas diversas
comarcas do estado teriam envolvimento de organizações criminosas e mereceriam
uma atuação diferenciada considerando a periculosidade, capacidade de intimidação
e corrupção destas organizações. O objetivo principal seria dar suporte aos
72

promotores e juízes naturais dos casos em concreto que, normalmente, atuam de


forma isolada.
Teriam lugar cativo na Câmara, o Secretário de Estado de Segurança, o
Procurador-Geral de Justiça e o Presidente do Tribunal de Justiça. O projeto foi
encampado pelo Presidente da “CPI das Milícias”, Deputado Estadual Marcelo
Freixo, em 2008.
Para sustentar a criação da Câmara Estadual de Repressão ao Crime
Organizado, as bases foram a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995, que prevê a
utilização de meios operacionais para prevenção e repressão das ações criminosas,
e a Lei 11.530, de 24 de outubro de 2007, que instituiu o Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI).
Inicialmente, houve ponderações sobre uma possível afronta aos princípios
do juiz e promotor natural com a criação da CERCO. Ocorre que a criação da
Câmara não interfere de forma alguma na livre distribuição dos processos ou
medidas cautelares relativas a fatos envolvendo organizações criminosas. Por outro
lado, tanto o Tribunal de Justiça quanto a Procuradoria Geral de Justiça não podem
ficar alheios à conjuntura criminal de seu estado e, em especial, a potenciais
ameaças a que podem estar sujeitas as autoridades responsáveis pelos processos
que envolvem organizações criminosas, não raramente, desconhecedoras desta
realidade.
O objetivo principal da medida era a integração e compartilhamento de
informações entre todos os órgãos responsáveis pela repressão às organizações
criminosos no estado do Rio de Janeiro, assim como o apoio dos órgãos
responsáveis pela repressão ao crime organizado visando o andamento prioritário
dessas específicas investigações e processos.
Até o momento não houve, ainda, uma definição sobre sua plena
implementação.

7.4 GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME


ORGANIZADO (GAECO)

Em 05/03/2010, o Procurador–Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


reformulou, por intermédio da Resolução GPGJ n° 1.570, o Núcleo de Combate ao
Crime Organizado e às Atividades Ilícitas Especializadas (NCCO), criado em
73

fevereiro de 2009, transformando-o em Grupo de Atuação Especial de Combate ao


Crime Organizado (GAECO/RJ).30
A atividade difere da atuação criminal comum de cada Promotor,
basicamente, pela dedicação a determinados casos em que haja a possibilidade da
existência de uma organização criminosa. O grupo tem uma característica de maior
operacionalidade para a execução de atos investigatórios;
O GAECO atua de forma singular ou em parceria com o Promotor de Justiça
natural de cada caso, se esse assim o desejar, realizando investigações tanto no
corpo de inquéritos policiais em andamento ou que são requisitados e
acompanhados pelo Grupo.
Sua criação fundamentou-se em recomendação do Conselho Nacional de
Procuradores-Gerais de Justiça, no sentido de serem instituídos, pelos Ministérios
Públicos dos Estados, núcleos, grupos ou Promotorias de Justiça especializados na
prevenção e repressão ao crime organizado e às atividades ilícitas especializadas,
baseando-se, também, na conveniência do alinhamento da nomenclatura do grupo
especializado de combate ao crime organizado do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro, com outros grupos congêneres no cenário do Grupo Nacional de
Combate às Organizações Criminosas (GNCOC).

7.5 UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA (UPP)

Conceituada como a “Polícia da Paz”, a Unidade de Polícia Pacificadora é


um novo modelo de Segurança Pública e de policiamento que promove a
aproximação entre a população e a polícia, aliada ao fortalecimento de políticas
sociais nas comunidades.31
Representam uma iniciativa do Governo do Estado do Rio visando a
recuperar territórios perdidos para o tráfico, e recentemente por milicianos, levando a
inclusão social à parcela mais carente da população.
Criadas pelo Secretário de Estado de Segurança do Estado do Rio de
Janeiro, Dr. José Mariano Benincá Beltrame, durante a administração do
Governador Sérgio Cabral, as UPP trabalham com os princípios da polícia

30
Disponível em:
<http://www.mp.rj.gov.br/portal/page/portal/Gestao/Comunicacao/Minuto_Gestao/minuto_gestao_1
2.pdf>. Acesso em: 23 set. 2012.
31
Disponível em: <http://upprj.com/wp/?page_id=20>. Acesso em: 23 set. 2012.
74

comunitária que é um conceito e uma estratégia fundamentada na parceria entre a


população e as instituições da área de segurança pública.
Considerando que, historicamente, as organizações criminosas
empreenderam o domínio de territórios no Estado do Rio de Janeiro, as UPP vieram
como uma resposta a esta realidade, recuperando estes territórios e apoiando a
desestruturação dessas organizações.
75

8 AVALIAÇÃO DOS MECANISMOS INSTITUCIONAIS

O combate ao crime organizado ocorre dentro de um contexto político e


social que condiciona a eficiência e eficácia dos mecanismos legais, tecnológicos e
institucionais. Desse modo, podemos abordar os seguintes problemas a serem
enfrentados para aperfeiçoar o combate ao crime organizado:
- ausência de vontade política para seu efetivo enfrentamento;
- falta de integração entre os órgãos de justiça criminal e segurança pública
responsáveis por sua prevenção e repressão;
- ausência de uma capacitação específica dos envolvidos nesta atividade
altamente especializada;
- pouco comprometimento da sociedade;
- legislação inadequada;
- falta de cultura visando à aplicação de métodos modernos de obtenção de
provas, em especial aspectos ligados à lavagem de dinheiro e crime financeiros.
- inexistência de cultura de inteligência criminal;
- corrução policial; e
- criminalização da política.

De acordo com Hugo Acero, consultor das Nações Unidas e ex-secretário de


segurança de Bogotá, Colombia: “Devemos tornar a luta contra o crime a prioridade
número 1 do governo. Nenhuma guerra contra o crime organizado será bem
sucedida se aqueles que deveriam proteger a lei estiverem à margem dela.” (Revista
VEJA RIO, de 19 de outubro de 2011). É inegável que o Rio de Janeiro realizou
avanços na área se segurança pública nos últimos anos. A retomadas de regiões
inteiras da cidade das mãos dos traficantes de drogas foi um exemplo de progresso.
Entretanto, para que qualquer proposta de solução seja duradoura e consistente, a
questão da corrupção deve ser enfrentada de frente.
Entretanto, não devemos nos abater. Corrupção é coisa comum em qualquer
polícia. Em todo aparelho repressivo existe grande probabilidade de corrupção
porque há uma grande procura pelo ”serviço”. A polícia brasileira, como não poderia
deixar de ser, enfrentou e ainda enfrenta esse problema. De tempos em tempos, o
estado pressiona e a corrupção diminui, mas sempre se mantém em focos
76

pequenos, aguardando o surgimento de uma nova oportunidade para ressurgir. E há


momentos em que ela toma contornos institucionais, e aí inviabiliza qualquer
possibilidade de inteligência para combater o crime organizado, pois, um ponto
fundamental é saber quem, e em que dados, se pode confiar.
Outro ponto a ser enfrentado é o estrutural: na maioria dos estados brasileiro
cada força policial tem seu próprio sistema de inteligência. De acordo com Guaracy
Mingardi (O Estado de S. Paulo, de 8 de agosto de 2010), sem corrupção não existe
crime organizado. Não adianta sair dando tiros contra o crime organizado, é preciso
pensar, criar um sistema de inteligência criminal centralizado em cada Estado.
Porém, não se tem uma tradição de inteligência criminal no Brasil. Falta
pessoal suficientemente capacitado. O Estado não faz inteligência criminal. Nas
agências de inteligência das diversas polícias estaduais a atividade de analista é
considerada uma função não especializada, uma lotação a mais no decorrer da
carreira do policial, uma função administrativa visando à reunião e repasse de dados
para as unidades operacionais. Uma hora será preciso tirar a cabeça do buraco e
partir para a ação – o que não é sair dando tiros, mas pensar, analisar, refletir.
Mas a corrupção que mais preocupa e influi diretamente na segurança
pública não se circunscreve à atividade policial. Muito pelo contrário. Devemos,
principalmente, abordar a questão da corrupção na política - a criminalização da
política. De acordo com Dr. Gilson Dipp (MOSAICO, p.27) pela experiência das
varas especializadas federais no processamento e julgamento de crimes do sistema
financeiro e lavagem de dinheiro da justiça federal o grande valor proveniente da
prática de crimes antecedentes não provém do tráfico de entorpecentes, do
contrabando de armas etc., mas de crimes praticados contra a administração
pública, ou seja, da corrupção. Entre 60% a 70% dos valores que envolvem esses
processos criminais decorrem da corrupção.
A política foi uma das áreas em que a criminalidade mais se infiltrou na
cidade e no estado do Rio de Janeiro. A politica carioca e fluminense se intoxicou
pela criminalidade. A CPI da milícia da ALERJ identificou a participação nestas
organizações criminosas de diversos políticos, chefiando ou se beneficiando,
financeiramente e politicamente. Alguns, inclusive, já presos e condenados.
Mas a faxina que a política e a vida pública precisam não será feita com
armas e dedo no gatilho. Para tal devemos contar com uma legislação eficaz e
instituições independentes e fortes.
77

O crime é um negócio e seu objetivo é o lucro. Esta afirmação condensa


uma verdade que não pode ser desconsiderada pelo executivo de segurança pública
que opera na repressão a organizações criminosas. Portanto, para seu
enfrentamento, devemos considerar sua lógica empresarial. Tal como qualquer
empresário, ao identificar uma oportunidade de negócio efetua o seguinte raciocínio:
qual a potencialidade de lucro do empreendimento, custo e risco envolvido. Como
executivos de segurança pública, nos cabe transformar as atividades criminosas em
um “mau negócio”, desestimulando sua prática ao aumentar seu risco.
Por outro lado, segurança pública não é só caso de polícia. Essa questão
requer mobilização e a participação de todos os responsáveis: os grupos da
sociedade civil, do setor privado, das universidades e das comunidades locais e
agentes públicos em todas as esferas, entre os quais os policiais.
78

9 CONCLUSÃO

O crime organizado é uma realidade e, respeitando todos os princípios que


norteiam o estado democrático de direito, devemos nos preparar para preveni-lo e
enfrentá-lo. Inicialmente, não há como se falar de uma estratégia de repressão a
organizações criminosas, atividade altamente especializada e lucrativa, sem o
moderno e adequado emprego da atividade de inteligência policial, extraindo-se o
máximo proveito de seus princípios norteadores: objetividade, amplitude,
imparcialidade, simplicidade, oportunidade, segurança, controle e compartimentação.
Desta forma, advém a necessidade de contarmos com uma estrutura que
atue proativamente e, em parceria constante, com as unidades operacionais da
Polícia Judiciária, Ministério Público e Justiça, assim como com todos os órgãos que
direta ou indiretamente possam contribuir para o cumprimento desta missão.
Num mundo tecnologicamente sofisticado como o atual, em que o crime
organizado opera como se fosse uma verdadeira empresa, é preciso que todos os
responsáveis pela prevenção e repressão ao crime organizado, e em especial as
Polícias Judiciárias, não se circunscrevam aos métodos tradicionais, baseados no
isolamento, na auto-suficiência e no descompromisso com resultados.
Os criminosos mostram que são capazes de se adaptar rapidamente a
novas tecnologias, explorando oportunidades criadas pelo advento da globalização
das economias mundiais. Precisamos superar essas adversidades e dar um salto,
alcançando o nível de cooperação que buscamos. Somente quando aprendermos a
trabalhar eficientemente, em conjunto, é que seremos capazes de montar um ataque
efetivo ao crime organizado.
Da mesma forma que o crime organizado evoluiu para uma estrutura não
vertical e flexível, torna-se cada vez mais difícil a repressão a esta modalidade
criminosa por intermédio de uma estrutura policial rígida e centralizada, concebida
para a defesa do Estado e que não se modernizou a tempo para atender às
demandas atuais.
Por outro lado, devemos também praticar um moderno direito penal,
trabalhando com aspectos da delação premiada, do co-réu colaborador,
interceptação telefônica e ambiental, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo
fiscal, infiltração de agente policial ou de inteligência etc., institutos que embora
79

sejam previstos em nossa legislação, dificilmente são aplicados porque não temos a
cultura de aplicação de métodos modernos de obtenção de provas.
Finalizando, as forças responsáveis pela prevenção e repressão às
organizações criminosas organizadas devem redefinir suas prioridades institucionais
no combate à criminalidade e redirecionar seus melhores esforços e recursos para
enfrentar a realidade de crime organizado, priorizando os trabalhos de inteligência
na identificação, mapeamento, monitoração e desarticulação das organizações
criminosas através da prisão de seus componentes e, especialmente, na apreensão
dos bens e propriedades destas corporações, sem o que, as prisões são inócuas.
80

REFERÊNCIAS

AMORIM, Carlos. Comando Vermelho. s.l.: Record, 1993.

AMORIM, Carlos. CV-PCC: a irmandade do crime. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record,


2004.

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas,


ambientais e gravações clandestinas: em face das Leis 9.296/96 e 10.217/2001 e da
jurisprudência. 3.ed. ver.,ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

CONSELHO de Controle de Atividades Financeiras. Lavagem de dinheiro:


legislação brasileira. Brasília, DF.: UNDCP, 1999.

FERRAZ, Claudio Armando. Ensaio Reestruturação da Atividade de Inteligência


da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Trabalho de conclusão de Curso
(Curso Superior de Inteligência Estratégica) - Escola Superior de Guerra, Rio de
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