O Que e Citacao
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Richard Romancini
University of São Paulo
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ROMANCINI, Richard
Doutor
USP
[email protected]
RESUMO
O artigo discute perspectivas sobre a análise de citação na
ciência, tentando descrever as discussões e as posições mais
relevantes ao longo do tempo e em propostas mais recentes.
Examina estudos bibliométricos de análise de citação, feitos
no Brasil, particularmente no campo da Comunicação. Ao fim,
são feitas considerações e propostas com respeito a pesquisas
futuras usando esta estratégia.
Palavras-chave: Análise de Citação. Ciência. Comunicação.
20
O que é uma citação?
1 INTRODUÇÃO
[...] uma das formas mais utilizadas por nós, acadêmicos, para
começarmos a avaliar um texto etnográfico, é identificar, através da
bibliografia, por exemplo, quem são os interlocutores com os quais o
autor daquele trabalho pretende dialogar. Há nesta postura muito
mais do que um simples processo de exegese epistemológica. Ela é
também política. Sabemos de antemão que as citações bibliográficas,
em um trabalho (assim como as páginas de agradecimentos) são
importantes sinalizações, que indicam não apenas o “ambiente
teórico” em que se processam as interpretações acadêmicas, mas
também os “circuitos acadêmicos” que as legitimam. Quando visitei
um dos antropólogos [...] logo após entregar-lhe o [meu] livro, ele
agradeceu a gentileza, folheou algumas páginas e consultou a
bibliografia comentada em tom irônico: “Deixa eu ver se você me
cita. Ah! Estou citado. Depois eu leio para saber se estou citado
corretamente”. De certo modo, ambos sabíamos o significado dessa
atitude. (SILVA, 2000, p. 144)
As propostas de renovação dos estudos de citações têm início com críticas feitas à
perspectiva normativa da ciência. Entretanto, este modelo não foi descartado, tendo,
na verdade, passado por desenvolvimentos e reconceitualizações, ao mesmo tempo em
que as explicações construtivistas não lograram efetuar uma teorização consistente em
relação a todos os contextos da citação. Isso explica a atual convivência, busca de
convergências, entre estas perspectivas, ou simples aceitação da pluralidade de
enfoques.
Desse modo, um autor como Cronin (1984), ainda que reconheça a
multiplicidade de fatores que envolvem as citações (sociais e psicológicos, além de
normativos/cognitivos), não vê motivos para que a perspectiva normativa seja
desconsiderada, já que “na elaboração de um paper, as ações do cientista podem ser
consistentes com aspectos de várias perspectivas” (CRONIN, 1984, p. 59). Nesse
sentido, ele concorda com Cozzens (1981), que anteriormente postulara a necessidade
dos estudos de citação cruzarem diferentes orientações da sociologia da ciência, com
inclinações metodológicas diversas; ao mesmo tempo, acredita ser difícil, se não
impossível, elaborar uma “teoria da citação”.
Entretanto, Cronin (1984) trouxe contribuições importantes ao destacar
dimensões subinvestigadas da análise das citações, que mereceriam estudos. Assim, ao
notar que o aspecto privilegiado pelas investigações, até então, era o sintático – o da
relação de citações (signos) com citações (outros signos) –, observou que o processo
também possui uma face semântica, na relação dos signos (citações) com o mundo
exterior, e outra pragmática – relativa ao relacionamento entre as citações e os
usuários. Além disso, outro aporte, a proposta síntese de seu trabalho de 1984, é o da
compreensão da citação como um “processo” que tem como “produto” as listas de
citações dos trabalhos, por isso, a análise exclusiva deste é insuficiente. As citações são
inseparáveis de seu contexto e suas condições de produção, bem como de seu
conteúdo.
Daí, as propostas de análise de “contexto” e “conteúdo”, que poderiam
esclarecer melhor o que as citações significam na construção e disseminação do
conhecimento. No primeiro caso, se objetivaria a compreensão do tipo de
relacionamento evidenciado pela presença das citações, apreendido pela interpretação
dos contextos em que elas situam-se. Já a análise de conteúdo procuraria caracterizar
o trabalho citado pela análise semântica do conteúdo dos trabalhos que o citam. Um
exemplo é o pioneiro trabalho de Cole (1975 apud BORNMANN e DANIEL, 2008), sobre o
modo como os trabalhos de Merton eram utilizados, que mostrou que a metade das
citações era “cerimonial” e não ligada a um aporte substantivo das teorias do autor.
Estas perspectivas, conforme discutem Bornmann e Daniel (2008, p. 50),
tornaram-se, junto com as pesquisas que envolvem entrevistas (surveys e qualitativas),
majoritárias nos estudos compreensivos das motivações relacionadas às citações. De
acordo com o balanço desses autores, as investigações mais recentes sobre o tema
trazem evidências para ambos os quadros de referência (normativo e construtivista). E,
ainda que a maioria dos estudos possua fraquezas metodológicas e dificuldade de
replicação, os resultados
Não, de acordo com os autores, pois apesar da complexidade das citações eles
acreditam, seguindo Van Raan (2005), que embora a análise estatística de baixa
agregação seja afetada pelos pontos mencionados, haveria evidência suficiente de que
as citações não são tão diferentes a ponto de perderem seu papel de medida fiável.
Tabela 1. Possíveis funções das relações entre citações num nível micro
Tabela 2. Possíveis funções das relações entre citações num nível agregado (macro)
Inicialmente, era a Ciência da Informação (CI) que produzia a grande maioria dos
estudos bibliométricos relacionados à análise de citações no Brasil, mesmo sobre outros
campos de estudo. Porém, percebe-se na literatura mais recente uma tendência ao uso
da bibliometria pelos próprios pesquisadores de determinada disciplina ou temática.
O padrão de estudo inicial na Ciência da Informação, seguido por estudo da
própria área, também ocorre no campo da Comunicação no Brasil, inclusive pelos
vínculos existentes entre essas áreas. Assim, o pioneiro estudo de citações sobre a
literatura em Comunicação local foi feito por Cavalcanti (1989), analisando “padrões de
citação” em dissertações de mestrado da área. A continuidade dos estudos traz ainda
essa marca de diálogo com a CI., de modo que, anos depois, o tema volta a interessar
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em primeiro lugar, vale dizer que a produção de indicadores de citação, de modo
padronizado e que por isso permitam comparações, continua sendo importante, já que
a compreensão dos indicadores só se refina e adquire maior sentido em análises
comparadas, no tempo ou com outro(s) contexto(s) (VELHO, 2001). Outra questão que
reforça a produção de indicadores de citação locais para o campo da Comunicação (e
das Ciências Sociais de modo geral) é a dificuldade de uso de bases internacionais
tradicionais, como a do ISI, pela falta de cobertura da mesma à parte majoritária da
produção local. Por outro lado, a continuidade (e sistematização) dos estudos que
produzem indicadores permitirá entender melhor a “cultura da citação” dos
pesquisadores em Comunicação no Brasil. Isso poderá favorecer a própria análise e
aceitação, crítica ou rechaço ao uso dos indicadores com fins não apenas de
conhecimento do campo, mas também de avaliação do mesmo.
Uma produção mais extensa de dados de citação da área, em anos e volume,
poderá fornecer resultados que testem a hipótese de que níveis mais altos de
agregação de dados permitem alcançar maior congruência com um “conhecimento
comum” do grupo de pesquisadores. Este teste poderia consistir numa comparação dos
resultados da análise de citações com o que se apurou em levantamentos como de
“percepção de relevância” de autores e revistas efetuado por Lopes e Romancini (2010)
ou outros tipos de pesquisa, com dados, eventualmente, mais qualitativos.
A par disso, a abertura e criatividade metodológica e o diálogo com certas
perspectivas internacionais, como algumas das discutidas aqui, podem ensejar uma
ampliação dos conhecimentos sobre a estruturação da área da Comunicação. Por
exemplo, as análises de contexto e/ou conteúdo, conforme a proposta de Cronin
(1984), de autores (ou revistas/outra variável) mais citados podem evidenciar os
efetivos usos dos mesmos na pesquisa, demonstrando o grau de
elaboração/reelaboração de conceitos e ideias, que dá sentido a essa apropriação para
a área comunicacional. É válido notar, ainda, que este texto não abordou a existente
literatura internacional de análises de citação em Comunicação, mas essa é uma
produção que merece comparação com o que se apura no contexto local.
As recomendações e sugestões feitas aqui não esgotam as possibilidades, mas
poderiam alargar a pauta de estudos e o conhecimento advindo das análises de citação.
ABSTRACT
The paper discusses perspectives on the citation analysis in
science, trying to describe the discussions and positions more
relevant over time and in more recent proposals. It examines
bibliometric studies of citation analysis, made in Brazil,
particularly in the field of communication studies. At the end,
considerations and proposals are made regarding future
researches using this strategy.
RESUMEN
El artículo aborda perspectivas en el análisis de citas en la
ciencia, tratando de describir los debates y las posiciones más
relevantes a lo largo del tiempo y en propuestas mas
recientes. Examina estúdios bibliométricos de análisis de
citas, realizados en Brasil, especialmente en el campo de
estudios de la Comunicación. Al final, se hacen
consideraciones y propuestas con respecto a las
investigaciones futuras utilizando esta estrategia.
Palabras claves: Análisis de citas. Ciencia. Comunicación.
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1
Uma versão preliminar desse trabalho foi apresentada no evento Multicom do XXXI Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação, em 2008
2
Uma ampla revisão dos estudos sobre o comportamento e as motivações referentes à prática
das citações é feita por Bornmann e Daniel (2008). Neste texto, os autores apresentam, além
de taxonomias que amparam ou são produtos de pesquisa empírica, a lista elaborada por
Garfield, em 1962, que destaca várias motivações para o ato de citar, válidas, tanto para a
perspectiva normativa, quanto para a construtivista. Entre estas, a citação como forma de
“prestar homenagem a pioneiros”, “dar crédito a trabalhos relatados”, “identificar
metodologias, equipamento etc.”, “prover leituras de fundo”, “corrigir um trabalho próprio”,
“corrigir ou criticar trabalho alheio”, “alertar para trabalhos posteriores” etc.
3
Seguindo em parte a argumentação de Wouters, Ortiz (2008) também acrescenta algumas
críticas a esse ponto e outros, relacionados à cientometria.