As Quatro Práticas de Ensino de LP

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PRÁTICA DE ENSINO I

Curso de Letras/Campus de Aquidauana/UFMS/2023.1


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Profa. Cristiane Schmidt

AS QUATRO PRÁTICAS DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Ligia Regina Klein1

Ao iniciarmos esta lição sobre “As quatro práticas do ensino da Língua


Portuguesa” vale a pena procedermos a uma pequena reflexão sobre a unidade teoria
e prática. No exercício pedagógico – assim como em outras áreas – é muito comum
verificamos que se faz presente certo embate entre teoria e prática. Não raro ouvimos
expressões do tipo “a teoria, na prática, é outra” ou “na teoria está tudo muito bonito,
mas, na prática é muito diferente”. Essas expressões revelam uma compreensão de
que teoria e prática são áreas autônomas, independentes uma da outra. Tal
compreensão provavelmente se origina da frustração dos professores em situações
em que a teoria não orientou devidamente a atividade prática e, por consequência,
não se obteve o resultado esperado.
Essa diferença entre o resultado esperado e o resultado realmente alcançado
pode estar localizada em diferentes variantes da relação teoria e prática, entre as
quais poderíamos citar – sem esgotar as possibilidades – a inadequação (total ou
parcial) da teoria formulada, a inadequação entre a teoria proposta e as atividades
propostas ou realizadas, a não compreensão suficiente, pelo professor, da teoria
proposta ou, ainda, a não consideração, na proposta teórica, de variantes presentes
na situação prática. A frustração quanto aos resultados esperados deveria levar a uma
consistente e adequada análise da relação teoria e prática naquele contexto concreto.
Entretanto, é mais frequente uma posição de repulsa em relação à teoria, como se
esta necessariamente fosse produto de alguém que não conhece “a prática”.
É evidente que há formulações teóricas descabidas, bem intencionadas, mas
inadequadas, bem direcionadas, mas incompletas. Enfim, algo que alguém produz
como teoria não necessariamente dará conta das situações práticas. De todo modo, é
essa a função da teoria: analisar exaustivamente os objetos e situações práticas,

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KLEIN, L. R. Considerações Sobre a Unidade Teoria-Prática. Prática Educativa da Língua
Portuguesa. Curitiba: UFPR, 2008.
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apreendê-los nos seus elementos e relações mais relevantes e formulá-los


teoricamente, para que outros sujeitos não precisem – necessariamente – passar pela
experiência empírica de realizar o mesmo percurso de descoberta de um determinado
caminho.
Vamos exemplificar de uma forma bem simples: se alguém já conhece o
trajeto para um determinado lugar, porque já realizou a experiência empírica de –
“quebrando a cabeça”, indo e vindo, perguntando aqui e acolá, errando, recomeçando
etc. – encontrar o tal lugar, é muito generoso que ele elabore um mapa do trajeto e,
assim, facilite a vida dos que precisam chegar ao mesmo lugar. Esse “mapa” é uma
formulação teórica, abstrata, do caminho a ser seguido. Munido dessa “teoria” – que
nada mais faz que expressar a experiência prática do outro – qualquer pessoa terá
mais facilidade de realizar o percurso, podendo livrar-se da perda de tempo e dos
incômodos de percurso feito às cegas.
É óbvio que a paisagem em que se desenvolve o percurso poderá sofrer
pequenas ou grandes alterações. Como os elementos dessa paisagem foram
utilizados como referências, no suposto mapa, essas alterações – se pequenas – em
nada prejudicarão a eficácia orientadora do mapa; se, no entanto, tais alterações
forem de certa relevância poderão exigir algumas adaptações naquele instrumento
orientador; ou ainda se ocorrerem, não meras alterações, mas substancial
transformação do espaço, o mapa terá perdido seu objetivo e haverá necessidade de
produção de um novo mapa.
Observemos que o mapa (teoria) – que nasceu da experiência prática de um
sujeito – presta-se a orientar a ação de outro sujeito, o qual, por sua vez, livrar-se-á
das dificuldades de enfrentar um caminho desconhecido. O percurso (prática) desse
segundo sujeito será enormemente facilitado pelo auxílio da experiência alheia,
teorizada – nesse exemplo – em forma de um mapa.
Do que foi dito acima, é possível constatarmos que há uma união indissolúvel
entre teoria e prática, uma vez que toda teoria é “formulação teórica sobre uma
experiência prática” que visa orientar a atividade prática de outros sujeitos. Por isso
pode-se dizer a expressão: a relação prática-teoria-prática. Evidentemente, toda
elaboração teórica tem a prática como ponto de partida. A prática, por sua vez, tanto
pode realizar-se por descoberta empírica, sem a orientação da teoria, como pode
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apoiar-se na teoria e, desse modo, evitar problemas que já foram resolvidos por outro
sujeito.
Alertemo-nos, entretanto, que as condições práticas nem sempre são as
mesmas, sofrem variações e, às vezes, transformações profundas. Daí porque as
formulações teóricas precisem, no primeiro caso, sofrer adaptações em relação a
determinadas situações concretas. Essas formulações oferecem orientações gerais
que nos auxiliam no enfrentamento prático das situações cotidianas, mas não é um
manual, com regras rígidas, fechadas e que se aplicam igualmente a qualquer
contexto. No segundo caso, em face de transformações profundas, as formulações
teóricas devem ser reelaboradas à luz dos novos elementos e condições postos pela
nova configuração da realidade concreta.
Recomenda-se, pois, que a leitura dessas formulações sobre
encaminhamentos práticos não seja desconectada das teorizações sobre o objeto do
ensino da língua portuguesa e, também, que o professor esteja atento à necessidade
de adaptações em cada situação concreta. Uma importante preocupação do professor
é conhecer bem (teórica e praticamente) cada objeto do processo de ensino-
aprendizagem e dele extrair o objetivo e a orientação prática necessários à realização
exitosa desse.
O objetivo do ensino da língua é propiciar ao aluno, o domínio mais amplo e
rico da linguagem verbal, como um recurso fundamental de interação humana. Uma
vez que o uso da linguagem verbal se realiza na forma de discursos, cuja unidade
material denominamos de “texto”, tal objetivo implica promover a capacidade do
aluno em elaborar textos de qualidade – seja na modalidade oral, seja na escrita –
explorando ao máximo os recursos linguísticos para atingir seu intento
comunicacional em diferentes contextos.
Considerando que para a elaboração de um bom texto não basta identificar os
recursos linguísticos, é necessário entender como eles se articulam no interior do
texto, no processo de constituição de sentido. Somente no contexto do texto (em
duplo sentido, ou seja, no contexto interno ao texto e no contexto em que o texto é
produzido) é possível observar e compreender a função e as possibilidades de
emprego desses recursos.
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Em outras palavras, os textos têm a faculdade de apresentar os recursos da


língua (recursos do código, recursos semânticos, recursos de articulação) em situação
real de uso. Somente a análise desses recursos em situação de uso real permite sua
compreensão contextualizada, promovendo um processo de ensino-aprendizagem
que supera a improdutiva memorização de regras gramaticais abstratas, característica
do ensino dito tradicional. Por essas razões, o texto é o ponto de partida e de chegada
do processo de ensino da língua, em qualquer momento da educação básica.
Para trabalhar com o texto desde o início do processo de aquisição da escrita
até as séries finais da Educação Básica, propõe-se o desenvolvimento articulado de
quatro práticas, a saber: leitura e interpretação de textos (orais e escritos), produção
de textos (orais e escritos), análise linguística de textos e, finalmente, atividades
específicas de sistematização de conteúdos específicos.
Por meio da repetição sistemática dessas quatro práticas é possível
desenvolver qualquer conteúdo do ensino da língua. Cabe ressaltar que tal repetição
deve ser realizada para diversificar constantemente as estratégias, situações e
materiais para sua realização, a fim de evitar uma possível monotonia nas atividades
pedagógicas.
No caso da leitura e interpretação (lembrando que se faz, também,
interpretação de textos orais), bem como da produção de textos (orais e escritos), a
variação pode se dar pela escolha e proposição de diferentes tipos de textos
(correspondências, receitas, histórias, diários, anedotas, poemas, letras de música,
informações científicas, informações em geral, contos, lendas, fábulas etc.), de
diferentes modalidades de discurso oral (livros, jornais, revistas, panfletos, placas,
filmes, debates, narrativas, dissertações etc.), de diferentes situações e modalidades
(individual, coletiva etc.), com diferentes objetivos (fruição, informação, em situação
de jogo, de pesquisa, de estudo, de correspondência etc.).
No caso da análise linguística e das atividades de sistematização, além da
variação dos conteúdos enfatizados em cada momento, também é possível (e
necessário) diversificar as estratégias empregadas. Nesse caso, os jogos e atividades
lúdicas vão desempenhar um importante papel, permitindo a repetição de conteúdos
em contextos diferentes e sempre motivadores.
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É importante frisar que as quatro práticas apontadas se realizam de forma


articulada de tal maneira que a abordagem dos conteúdos não se faça de modo
esquemático ou por etapas. Embora em determinados momentos um ou outro
conteúdo seja abordado de forma mais destacada, isso não significa que uma
atividade exclua o trabalho com outros aspectos da língua escrita.
Na verdade, as quatro práticas mencionadas foram eleitas justamente porque
permitem trabalhar, ao mesmo tempo, vários conteúdos articulados no texto: a
oralidade, a noção de representação, a relação oralidade/escrita, o reconhecimento e
as situações de uso dos recursos básicos da escrita (tais como grafia, nome e valor
fonético das letras e suas diferenças, nome e função no texto dos sinais de pontuação
e acentuação e dos demais recursos gráficos), os recursos de estruturação do texto
(coesão, unidade temática etc.), as determinações do contexto de produção do texto
e de leitura deste na constituição dos significados, entre outros.

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