A Didáctica Da Matemática PDF
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LUÍS MENEZES
Professor Adjunto da ESEV - Área Científica de Matemática
Apresentação
Num momento em que se procura fazer história sobre uma instituição, que em tudo foi pioneira, muitas
podem ser as nossas janelas de a olharmos. Escolhemos uma: o Curso de Professores do Ensino Básico,
variante de Matemática/Ciências da Natureza. Tendo em mente os macro-objectivos que presidiram à
criação da Escola Superior de Educação de Viseu e que enformaram todos os Cursos que arrancaram
logo no seu primeiro ano de vida, pareceu-nos pertinente centrar a atenção em disciplinas do Curso que
funcionaram como uma espécie de placa giratória entre a formação, dita teórica, e a Prática Pedagógica.
Estas disciplinas, denominadas de Metodologia Especial, integradas no terceiro ano do Curso, incidiam
no Ensino Primário no primeiro semestre e sobre o Ensino Preparatório (Matemática e Ciências da
Natureza), no segundo semestre. Por motivos que se prendem com a nossa formação inicial e,
sobretudo, com a área de especialização que seguimos, centraremos, neste texto, a atenção sobre a
Metodologia Especial (Matemática).
responsáveis pela sua dinamização. Só assim se compreende o funcionamento de um Curso que é tão
antigo como a própria escola que o viu nascer.
Na parte terminal deste texto procura-se tecer algumas considerações sobre o programa de
Metodologia da Matemática, tendo na linha do horizonte as orientações que a Didáctica da Matemática,
durante toda a década de oitenta e inícios da de noventa, foi apresentando.
A Didáctica da Matemática é uma área de trabalho em grande crescimento e afirmação, passando esta
última por uma autonomização face a outros campos disciplinares. A dinamização passou, de entre
outras razões, pelo forte insucesso na disciplina de Matemática nos diversos níveis de ensino, durante a
década de setenta. Este insucesso veio desencadear um conjunto de questões que se ligam tanto ao
ensino como à aprendizagem da Matemática. Esta discussão foi particularmente acentuada desde os
finais da década de setenta e inícios da década de oitenta, tanto em Portugal como noutros países –
principalmente do Ocidente. Quanto às causas da situação portuguesa, o mal-estar que se instalou na
escola, com raízes nas mudanças políticas por que passou o país, contribuiu de uma forma directa para
colocar à escola novas questões, para muitas das quais não estava preparada. Este sentimento de
insatisfação face ao panorama da escola em geral, e da Matemática em particular, começou a atravessar
diversos sectores da sociedade; os alunos não estão contentes com a formação matemática que
adquirem (ou não adquirem!); a Matemática agudiza o seu papel de selecção dos alunos na escolha da
profissão, o que é considerado por muitos como algo verdadeiramente inaceitável; os pais e
encarregados de educação mostram o seu descontentamento perante os fracos resultados que a escola
está alcançar; os professores sentem também alguma frustração face ao produto do seu trabalho e ao
verdadeiro sentido de ensinar Matemática; os empregadores salientam, com abundância, as prestações
muito fracas que os alunos recém-saídos da escola mostram na resolução de problemas que surgem no
dia-a-dia profissional e na integração de diversos tipos de informação, de forma a terem respostas
coordenadas e ajustadas às situações vividas. Perante tudo isto, e confrontados com os resultados de
relatórios que procuram fazer diagnóstico da situação (Commitee of inquiry into the teaching of
Mathematics in schools, 1983; NRC, 1989), diversas acções são colocadas em marcha por diversos
organismos e instituições. Eis algumas: apoio à realização de investigação nesta área de trabalho, numa
Menezes, L. (1999). A didáctica da matemática num curso de formação de professores: algumas
reflexões. Millenium, 14
lógica de apoio à prática e melhoria dessa mesma prática; lançamento de novas escolas de formação de
professores e de cursos em consonância, como foi visível no caso português, que promovam uma
formação integrada do indivíduo – neste caso, o professor do Ensino Básico nas Escolas Superiores de
Educação. De entre as linhas de força apontadas pela Didáctica da Matemática sobressai a necessidade
de centrar o ensino – e de forma concomitante, a aprendizagem - na resolução de problemas, pois os
indivíduos no seu dia-a-dia contactam com eles e devem ser capazes de os ultrapassar.
Em Portugal, aquele documento teve grande impacto alguns anos mais tarde, coincidindo com a
chegada de um conjunto de personalidades vindas de Boston, Estados Unidos da América, onde tinham
desenvolvido trabalhos de investigação no âmbito da Educação Matemática. É precisamente nesta
altura que a Escola Superior de Educação de Viseu começa a dar os seus primeiros passos, albergando
no seu seio os primeiros alunos – também eles pioneiros num subsistema de Ensino Superior ainda
pouco conhecido e de contornos pouco nítidos junto da opinião pública.
O exposto mostra-nos uma década profusamente coberta por acontecimentos em diversos planos e
muito especialmente no plano educativo. Se a tudo isto acrescentarmos a Reforma do Sistema
Menezes, L. (1999). A didáctica da matemática num curso de formação de professores: algumas
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Educativo na segunda metade da década, podemos compreender melhor os caminhos trilhados pela
nossa Escola Superior nos seus primeiros anos de vida.
Vários eram os objectivos apontados no programa que se subordinavam à filosofia que presidiu ao
lançamento das Escolas Superiores de Educação e aos Cursos de Formação de Professores – a formação
integrada. Para perceber melhor como é que esta grande finalidade se tentava atingir, apontam-se
alguns dos objectivos avançados, tanto gerais como específicos. Ao nível dos primeiros, é possível ler no
programa: pôr em prática os conceitos básicos deste tipo de formação, isto é, interdisciplinaridade e
saber integrado; aquisição de competências exigidas para a planificação, organização, condução e
avaliação das actividades lectivas no domínio da Matemática; responder a dois tipos principais de
preocupações, em estreita interacção (o que diz respeito à disciplina em si e o que diz respeito aos
problemas psico-pedagógicos de concepção e execução das actividades; estudar e analisar criticamente
os currículos vigentes e experimentar a sua execução; desenvolver a capacidade de comunicação e
expressão utilizando as potencialidades da disciplina nesse campo (vocabulário, simbologia). Dos
objectivos apontados como específicos destacamos os seguintes: explorar as potencialidades das
situações-problema como ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento lógico e aquisição
Menezes, L. (1999). A didáctica da matemática num curso de formação de professores: algumas
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A Finalizar
Tal como escrevemos no início deste trabalho, não se pretende fazer uma análise do programa da
disciplina de Metodologia Especial (Matemática), do terceiro ano do Curso de Professores do Ensino
Básico – variante de Matemática/Ciências da Natureza, mas antes dar a conhecer esse mesmo projecto,
procurando estabelecer algumas relações entre as opções feitas na sua concepção e o contexto da
Educação Matemática da época.
Menezes, L. (1999). A didáctica da matemática num curso de formação de professores: algumas
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O primeiro aspecto que importa destacar neste programa, e que partilha das ideias basilares que
presidiram à criação da escola e do próprio Curso, é a preocupação com a integração de saberes
teóricos (ou ditos teóricos) e a articulação estreita destes últimos com a Prática Pedagógica ao longo de
todo o Curso. Esta ideia da interligação teoria/prática, no que se refere ao segundo ciclo – Ensino
Preparatório à época – tinha o seu expoente máximo na Metodologia Especial. No caso da Metodologia
da Matemática, o assumir da integração como ideia charneira é explicitada logo na Apresentação do
Programa da disciplina, corresponde a algumas das preocupações que eram sentidas na altura; se
pretendemos formar indivíduos capazes de se integrarem numa sociedade em mudança, capazes de
enfrentarem os problemas com que são confrontados, com firmeza e tenacidade, mas também, e
sobretudo, com ferramentas conceptuais adequadas, devemos ter professores que possam dar
testemunho dessa nova forma de actuação.
A investigação já tinha mostrado os problemas que se colocavam nos cursos de formação de professores
organizados numa lógica de teoria seguida de prática. Segundo esta concepção didáctica, a teoria é o
ponto de partida e a prática, o ponto de chegada; a prática tem, nesta perspectiva, um estatuto de clara
menoridade e de total subserviência à teoria, Os Cursos de professores do Ensino Básico, lançados pela
Escola Superior de Educação de Viseu, vêm reabilitar o papel da Prática Pedagógica na formação de
professores. Esta nova Prática Pedagógica é vista como ponto de chegada, mas também como ponto de
partida; teoria e prática relacionam-se neste novo modelo de formação de uma forma dialéctica. A
Metodologia Especial, neste caso a da Matemática, era o motor deste movimento dialéctico entre as
perspectivas teóricas e a Prática Pedagógica.
A importância da Prática Pedagógica na formação de professores, seja ela inicial ou contínua, foi
massivamente documentada pela investigação produzida no âmbito da Educação Matemática, tanto a
nível internacional como a nível nacional (Gimeno,1991; Menezes, 1995; Perrenoud, 1993; Ponte, 1994;
Porlán, 1992; Schön, 1983). O reconhecimento da importância da prática nos processos de formação de
professores passou, assim, pela revalorização do estatuto dessa mesma prática.
Importa também sublinhar o papel atribuído, no programa da disciplina, à resolução de problemas nas
situações de ensino aprendizagem de Matemática. Há uma valorização clara das "potencialidades das
situações-problema como ponto de partida para o desenvolvimento do pensamento lógico e aquisição
de linguagem matemática na criança e simultaneamente, [pretende-se] mostrar como "a ferramenta
matemática" encontra aplicação nos domínios científico, técnico e prático" (ESEV – Programa de
Menezes, L. (1999). A didáctica da matemática num curso de formação de professores: algumas
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Metodologia Especial - Matemática, 1983; p. 2). Repara-se que essa valorização assenta em dois
pressupostos: (i) os problemas são ponto de partida para a aprendizagem da Matemática; (ii) os
problemas devem ser formulados pelos alunos (por isso a referência a "situações-problema"). Estes dois
pressupostos, assumidos na concepção do programa da Metodologia da Matemática, vinham pôr em
causa algumas ideias relativamente ao ensino e à aprendizagem da Matemática – logo, também à
formação de professores: a resolução de problemas não tem que ser conceptualizada, exclusivamente,
em termos de ensino da Matemática, numa lógica de aplicação de conhecimentos, ou seja, é possível
ensinar Matemática tendo os problemas como ponto de chegada, mas também, e sobretudo, como
ponto de partida. O segundo pressuposto reveste-se, do mesmo modo, de extrema importância. Neste
caso, defende-se que os alunos devem ser capazes de, em situações do dia-a-dia, formularem
problemas. Formular um problema é, muitas vezes, tão difícil quanto o resolver.
Por tudo isto, e tendo em mente a situação que serve de contexto ao lançamento deste novo Curso e de
uma Metodologia da Matemática com estas características, não será excessivo reconhecer a
modernidade do Curso e, neste caso particular, desta disciplina.
Referências Bibliográficas
Boavida, A. (1993). Resolução de problemas em Educação Matemática: Contributo para uma análise
epistemológica e educativa das representações pessoais dos professores (Tese de mestrado,
Universidade Nova de Lisboa). Lisboa: APM.
Commitee of inquiry into the teaching of Mathematics in schools (1983). Mathematics counts (The
Cockcroft Report). London: Her Majesty´s Stationery Office.
ESEV (1983). Programa de Metodologia Especial – Matemática, Escola Superior de Educação .Viseu.
Menezes, L. (1999). A didáctica da matemática num curso de formação de professores: algumas
reflexões. Millenium, 14
Gimeno, J. (1991). Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos professores. In
A. Nóvoa (Ed.), Profissão professor (pp. 61-92). Lisboa: Publicações D. Quixote.
NCTM (1980). An agenda for action: Recomendations for school Mathematics of the 1980´s. Reston:
National Council of Teachers of Mathematics.
NCTM (1991). Normas para o currículo e a avaliação em Matemática escolar. Lisboa: APM e IIE.
(Trabalho original publicado em 1989).
NRC (1989). Everybody counts: A report to the nation on the future of Mathematics education.
Washington: National Academy Press.
Ponte, J. (1994). O professor de Matemática: Um balanço de dez anos de investigação. Quadrante; 2, 79-
114.
Porlán, R. (1992). Teoría y práctica del currículum. El currículum en la acción. en AA. VV. Curso de
actualização científico-didáctica. Madrid: MEC.
Schön, D. (1983). The reflective practitioner: How professionals think in action. New York: Basic Books.