Teologia Pastoral - Aula 1

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TEOLOGIA PASTORAL

AULA 1

Prof. Heitor Alexandre Trevisani Lipinski


CONVERSA INICIAL

A Teologia Pastoral (TP) pode ser entendida como o ramo da Teologia


Cristã que define, de forma sistemática, o ofício, serviços, dons e tarefas do
ministério. Ela trata tanto de aspectos práticos quanto teóricos relacionados ao
constructo do ministério decorrente das Escrituras. Mas qual é a relação entre
Teologia e Pastoral como conceitos distintos, mas complementares? Como
surgiu e se consolidou a TP? Qual a importância da TP como uma disciplina
teológica?
Questões como essas fazem parte deste percurso de estudos, buscando
compreender a pastoral como arte e ciência, entendendo que a teologia cristã,
no decorrer dos tempos, passou por mudanças significativas. Em meio a essas
transformações, ela evolui em diálogo com a sociedade, baseada nos anseios
das pessoas que fazem parte de uma comunidade de fé, priorizando a ação
evangelizadora.

TEMA 1 – A TRADIÇÃO TEOLÓGICA E A REFLEXÃO PASTORAL

Neste momento, iremos realizar uma breve explanação a respeito da


tradição teológica em meio à história. Buscamos, assim, perceber como a
pastoral, em determinados momentos, esteve muito ligada à reflexão teológica
de seu tempo, e como, em outros momentos, a teologia se distanciou da
realidade concreta das comunidades.
Portanto, apresentamos na sequência, as características importantes de
determinados momentos históricos, em que a Teologia teve certa relevância e
especificidade em relação ao seu tempo.

1.1 Teologia neotestamentária

A Teologia Neotestamentária, ou seja, aquela que se insere no contexto


do Novo Testamento, refere-se ao percurso teológico inserido na porção bíblica
que compreende o período entre o nascimento de Jesus Cristo até a
consumação total. Ela apresenta como característica importante o fato de se
apresentar de duas maneiras, ou gêneros diferentes: em forma de narrativa e
em forma de Cartas.

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A narrativa é representada pelos Evangelhos, os quais narram a vida de
Jesus. As principais fontes dessa informação, são os quatro Evangelhos
Canônicos, pertencentes ao Novo Testamento, e escritos originalmente em
grego em diferentes épocas, pelos seguidores dos discípulos Mateus, Marcos,
João e Lucas. As Cartas, por outro lado, transmitem a realidade das
comunidades da época, destacando os exemplos de fé e aprendizado.
Por essas características, a Teologia Neotestamentária, pode ser
compreendida como uma Teologia inclinada à Pastoral, pois preza pelo anúncio
do Evangelho, suscitando a fé e orientando a vida das comunidades cristãs.

1.2 Teologia patrística

A Teologia Patrística é uma modalidade teológica também voltada para a


pastoral. Iniciada pelos primeiros santos padres, que foram os corajosos e sábios
pioneiros da difusão do evangelho, da sua apresentação bem adaptada para a
vida dos fiéis e das comunidades, nos primeiros séculos do cristianismo.
Inaugurando o diálogo com as formas de pensamento e com correntes
filosóficas do seu tempo, os responsáveis pela teologia patrística realizaram, de
modo exemplar, a primeira inculturação do Evangelho, consolidando a Igreja na
fidelidade ao divino fundador, na docilidade ao Espírito de amor e santidade e na
estima dos grandes valores culturais, éticos e espirituais da sociedade.
Esse período teológico foi marcado por duas características. A primeira é
da sua dimensão bíblica, uma vez que apresentou inúmeros comentários da
sagrada escritura, proporcionando uma maior formação às comunidades cristãs
(teologia bíblica). A segunda é a sua dimensão pastoral, a qual esteve ancorada
na realidade das comunidades, apresentando dificuldades e anseios de
crescimento.

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Figura 1 – Santo Agostinho

Créditos: Renata Sedmakova/Shutterstock.

Nos primeiros séculos, o cristianismo foi centro de conflitos com pagãos


e hereges. Então, a teologia patrística buscou defender a fé e a Doutrina Católica
usando os conceitos da filosofia grega, principalmente a de Platão, tendo Santo
Agostinho como o seu principal representante.

1.3 Teologia escolástica

A filosofia escolástica é uma das vertentes da filosofia medieval. Iniciada


na Europa durante o século IX e permanecendo até o início do Renascimento,
no século XVI, foi um período histórico na vida da Igreja. A escolástica, além de
ser uma corrente de pensamento filosófico, pode ser considerada como um
método de pensamento crítico, influenciando as áreas do conhecimento das
Universidades Medievais.
Por esse motivo, a teologia escolástica possui três aspectos bem
definidos: o primeiro se refere à preocupação com a cientificidade,
apresentando-se como uma teologia que buscava o discurso científico; sendo
este o motivo para decorrer o seu segundo aspecto: presença nas universidades,
sendo institucionalizada como requisito disciplinar; e, terceiro, distanciamento da
pastoral, proporcionado pelo esquecimento, por vezes, das realidades concretas
das comunidades.
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Figura 2 – São Tomás de Aquino

Créditos: Adam Jan Figel/Shutterstock.

O maior representante da Escolástica foi o teólogo e filósofo italiano São


Tomás de Aquino, conhecido como Príncipe da Escolástica.

1.4 Teologia moderna

O período moderno e contemporâneo da história da teologia compreende


os séculos XVII até os dias atuais, dividindo-se em: séculos XVII e XVIII: cenário
da ruptura entre os âmbitos espiritual e intelectual, ou seja, é nesse século que
a teologia evangélica inicia seu desenvolvimento, exatamente no interior da
ortodoxia confessional; século XIX, centro de polêmicas e tensões, mas também
período em que ocorreram vislumbres de renovações; e século XX, segundo
Gibellini (1998) o discurso teológico que originalmente propunha a “glória de
Deus” evolui em direção à defesa e à valorização do humanum.
A Teologia na Idade Moderna possui como premissa a afirmação da
racionalidade, advinda pelo Iluminismo, Secularização; Reforma Protestante etc.
Como consequências desse período, tivemos uma Teologia combativa, a serviço
do magistério e distante da ação pastoral. Em suma, essa teologia se
fundamenta contra apologias, e defende a autoridade do papa. Uma teologia que
surgiu em reação ao racionalismo iluminista.

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TEMA 2 – A GÊNESE DA TEOLOGIA PASTORAL COMO DISCIPLINA
TEOLÓGICA

Com o distanciamento da Teologia em relação à ação pastoral durante os


momentos da Escolástica e da Modernidade, instaura-se a necessidade de
resgatar essa postura diante dos pressupostos teológicos da doutrina cristã.
Para isso, muitos autores já instigavam a necessidade dessa prática pastoral por
meio de seus escritos.
Gregório Nazianzeno (329 d.C. – 390 d.C.) definia a pastoral como sendo
a arte das artes, o saber dos saberes, ou seja, uma ação de extrema importância
dentro da vida em Igreja. Defende que ela não é um anúncio qualquer, e que
deve ser realizada com maestria, para que realmente seja capaz de suscitar a
fé, a vida em comunhão com Deus.
Assim a definia, porque no confronto com o cuidado com o corpo, aquela
da alma, reflete o quanto é mais difícil, mais laboriosa a matéria para ser tratada.
Se a medicina se volta sobre os corpos, em vista da cura dos males corporais, o
esforço da arte médica supera a inteira dor. Para Gregório Magno, o cuidado
pastoral se preocupa com a alma que vem de Deus e é divina participando à
nobreza das coisas de lá de cima, ainda que esteja ligada ao elemento terreno,
corpóreo que terá que lutar pelo bem, pelo amor (Corbellini, 2020).
Outro marco do surgimento da Teologia Pastoral enquanto disciplina
teológica foi, uma obra, chamada de “Regra Pastoral”, a qual sugere o
encaminhamento adequado em relação à ação pastoral. A obra pastoral de
Gregório chama atenção para o fato de existirem ministros mais preocupados
com as honras acarretadas por seus ministérios do que ao próprio exercício
desse ministério.
O núcleo da preocupação de Gregório é, portanto, construir um ministério
mais preocupado com o serviço pastoral e a cura das almas do que com
questões seculares e suas derivadas vaidades. Em suas palavras, é preciso que
o pastor

[...] tenha sempre uma ação exemplar que arraste: assim, com o seu
modo de viver, indicará aos seus fiéis o caminho da vida, e o seu
rebanho, dócil à sua voz e ao seu modo de agir, progredirá atraído mais
pelos seus exemplos do que pelas suas palavras. O seu cargo exige
dele que proclame o ideal e não menos exige que demonstre com
ações esse ideal. (Magno, 2010, p. 52)

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Com essa perspectiva, durante o Concílio Lateranense IV, realizado em
Roma em 1215, também se manifestou a preocupação com maior formação
pastoral do clero. Durante o concílio, levantou-se a questão de que não basta
somente estudar a Sagrada Escritura, mas sim formar-se pastoralmente para
conseguir meios de colocá-la em prática.
O Concílio de Trento realizado entre 1545 e 1563 foi uma das medidas da
Reforma Católica, cujo objetivo era combater o avanço das ideias protestantes,
apresentando uma série de decisões para garantir a unidade da fé católica. Em
meio ao desconforto diante das realidades da Igreja, esse concílio reforçou a
necessidade de rever os métodos pastorais para uma formação mais sólida.
De modo geral, podemos considerar que o surgimento da Teologia
Pastoral, enquanto disciplina teológica, ocorre em 1774, quando um canonista
Rautenstrauch, em Viena, elabora e apresenta para a imperatriz Maria Tereza
de Áustria uma nova grade curricular para o curso de Teologia, a qual é
aprovada. Nessa nova matriz, encontram-se como componentes curriculares a
homilética (como realizar homilias), retórica (argumentação), catequética,
liturgia, ascética e rubrica.
O projeto de Rautenstrauch surge do inconformismo diante da maneira
com que eram preparados os futuros sacerdotes nas faculdades de teologia. Já
desde meados do século XVII, a Teologia vinha se distanciando cada vez mais,
da práxis e se transformando em um exercício quase puramente especulativo
(Vigueras, 2004).

TEMA 3 – A CONSOLIDAÇÃO DA TEOLOGIA PASTORAL COMO DISCIPLINA


TEOLÓGICA

Em relação à consolidação da TP como uma disciplina teológica, temos


quatro etapas distintas em que ela se apresenta com avanços e retrocessos. Ao
longo da história, verificamos que essa característica é constante no
desenvolvimento da Teologia Pastoral.

3.1 Primeira fase

Na primeira etapa da consolidação da TP, dois pontos de vista são


apresentados, um político (representado pelo josefinismo) e outro teológico (o
qual estava decadente). sobre o josefinismo, esse foi um período em que houve

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a tentativa do poder civil de interferir nas realidades da igreja, cabendo à Igreja
desenvolver unicamente a sua dimensão espiritual. Sobre isso, apresenta-se
que:

O Josefinismo, ou Josefismo, é um sistema político-religioso, de


governação césaro-papista (poder temporal e espiritual no
governante), que radica a sua designação no nome do imperador
austro-húngaro José II, reinante entre 1765 e 1790. [...] Como
característica essencial, aponta-se a reforma radical nas relações entre
a Igreja Católica e o Estado, austríaco no caso, no sentido de que era
este último quem pretendia dirigir a política religiosa nos seus
territórios, sem interferências ou desígnios da Santa Sé. (Teixeira,
2018)

Nessa fase, o âmbito teológico se encontrava decadente, haja vista que


se concentrava a atenção fundamentalmente a serviço do magistério, perdendo-
se algumas dimensões fundamentais na Igreja, como a reflexão crítica, ou seja,
voltar o olhar para a prática vivenciada e analisar se ela corresponde aos seus
objetivos; além disso, houve certo distanciamento da dimensão da pesquisa, do
ato de voltar-se às sagradas escrituras, aos evangelhos para fundamentar a
ação pastoral.

3.2 Segunda fase

Nessa segunda fase, destaca-se a Escola de Tubinga, na Alemanha


(1817), a qual chamou a atenção da teologia para voltar-se à história da
salvação. Nesse sentido, a ação pastoral deixa de ser simplesmente prática, e
passa a permear um âmbito mais amplo, o da edificação do reino de Deus.
Para os líderes religiosos desse momento, era preciso que a atividade da
Igreja fosse pensada com esse horizonte, de colaborar com o desenvolvimento
do Reino. No entanto, essa fase também possui seus limites, pois acreditava que
somente os ministros da Igreja seriam os únicos responsáveis pela ação
pastoral, não cabendo essa tarefa ser realizada pelos leigos.
Uma contribuição verificada nesse período é a de que a ação pastoral da
Igreja se conectou com a ação do bom pastor. Para o pensamento dessa fase,
era fundamental apresentar a pessoa de Cristo como o verdadeiro modelo da
ação pastoral, pois:

[...] nas realidades pastorais, o pastor com interesse dedica-se


ensinando e educando o seu rebanho. Jesus é o evangelizador, o
mestre que ensina a sua Boa Notícia, com suas palavras, atitudes e
conduta. “Ele mesmo converteu-se em um livro aberto em que seus

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discípulos podem ler e aprender a ciência da vida. (Silva, 2014, p. 246;
Fuentes, 2008, p. 84)

Assim, o segundo momento importante para a consolidação da TP


suscitou a necessidade de o pastor ter Jesus como modelo de ação pastoral,
levando conforto e esperança, e mostrando o caminho da fé, cultivado por uma
vida de oração e fortalecimento do enfrentamento aos embates do cotidiano. É
Jesus é o modelo da ação pastoral, caminho de misericórdia e amor.

3.3 Terceira fase

Na terceira fase de importância para a consolidação da TP, temos o


teólogo Anton Graf, como um colaborador fundamental para esse feito, o qual
apresenta a chamada teologia prática. Anton Graf (1814-1867), teólogo católico
da Universidad de Tübingen, em uma apresentação crítica do estado atual da
teologia prática, reage diante da falta de cientificidade da teologia pastoral,
defendendo uma posição de superação em relação a dois extremos: o empirismo
puro, isto é, a insistência unilateral na experiência e na práxis, mas também a
concepção da teologia prática pelo caminho da especulação (Vigueras, 2004).
Graf critica as concepções teológico-pastorais que, por possuir a práxis
como norma de conduta, não podem situar-se diante dela de modo crítico e
acabam sendo escravas dela própria. Essas posições a respeito da teologia
pastoral, anteriores e contemporâneas a ele, devem ser consideradas
acientíficas, pois não mostram uma síntese lógica, além de seus conhecimentos
serem casuais e subjetivos.
Em Vigueras (2004), encontramos que Graf divide o conjunto da teologia
em três partes:

Em primeiro lugar, a teologia bíblica e a histórica que são a consciência


da origem e do desenvolvimento da Igreja até hoje; em segundo lugar,
a dogmática e a moral como a consciência a respeito do verdadeiro ser
da Igreja, divino e imutável e, em terceiro lugar, a teologia prática como
“a autoconsciência científica da Igreja que se auto edifica em direção
ao futuro”. (Vigueras, 2004, p. 104)

Com essa ideia, sustenta que a TP existe pela própria essência da Igreja
como realidade que se autoconstrói em direção ao futuro. No entanto, esse
entendimento se apresenta também como um passo atrás em relação ao
progresso que já se observava em relação à TP. Para o teólogo, a ação pastoral
ocorre em vista da autoedificação, sendo esta seu objetivo maior, o que

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contrapõe ao real objetivo que é a autoedificação do reino de Deus (contexto
mais amplo defendido em períodos anteriores).
Ademais, a contribuição dessa fase da Teologia se refere ao fato de
chamar a atenção do sujeito da ação pastoral (crítica a anterior), mostrando que
esse sujeito é a Igreja em sua totalidade, sendo que todos os que dela fazem
parte são chamados a participar da edificação do Reino, não sendo responsáveis
apenas os sacerdotes.
Na teologia prática de Graf, outra categoria fundamental é a eclesialidade.
Ele pensa a Igreja como um conjunto orgânico, sendo toda ela responsável por
sua própria vida e desenvolvimento. Assim, o aspecto pastoral que leva em
consideração essa disciplina teológica já não é somente o clero, ou uma elite
encarregada da direção da Igreja, mas sim a Igreja em sua globalidade
(Vigueras, 2004).

3.4 Quarta fase

Em outro momento importante para a consolidação da TP, temos o papel


de Joseph Amberger, teólogo nascido em 19 de março de 1816 e falecido em 19
de outubro de 1889, na Alemanha. Considera-se que o teólogo define um caráter
pragmático à prática teológica, pois sua reflexão ficou muito ligada a normas, às
leis canônicas. Além disso, ele apresenta ação pastoral como ensino sem a
preocupação da cientificidade.
Em uma tentativa sem sucesso de dar sequência à proposta
eclesiológica de Graf, Amberger dividiu a teologia prática em: direito canônico,
entendido como as normas segundo as quais a Igreja se constrói
ininterruptamente mediante forças colocadas nela pelo Espírito de Deus para
educar os povos na salvação eterna; e teologia pastoral, que se ocupa do
desenvolvimento das atividades concretas para conseguir esse objetivo
(Vigueras, 2004).
Nessa divisão e no tratamento privilegiado que dá ao direito canônico, a
figura do pastor passa a ser vista como mediador entre o céu e a comunidade, e
a atividade eclesial se manifesta de modo privilegiado em seu ministério pastoral.
Nesse sentido, novamente se reduz a teologia pastoral à exposição da atividade
dos pastores, estreitando o horizonte eclesiológico aberto anteriormente por
Graf. Esse caráter colocado por Amberger, apresenta-se como um retrocesso,
ao delimitar o pastor como único agente da ação pastoral.
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Saiba mais

Eclesiologia (Infopédia, [S.d.]): “1. Religião – ramo da teologia cristã


que trata da doutrina da Igreja, do seu papel, origem e disciplina; 2. Estudo
sobre as igrejas ou sobre uma determinada igreja”.

TEMA 4 – A ESTRUTURA DISCIPLINAR DA TEOLOGIA PASTORAL

Continuando com as reflexões acerca da TP, verificamos que ela, ao


longo de seu trajeto histórico, caminha entre avanços e retrocessos até chegar
aos dias atuais. Porém, no que se refere à estrutura disciplinar da TP, podemos
considerar que um dos marcos importantes foi a elaboração de um Dicionário de
Teologia Pastoral, na Alemanha, em 1962.
Com esse marco, além de definir as seções de estudo dentro da Teologia,
novamente traz à tona que o sujeito da ação pastoral não são apenas algumas
pessoas, um determinado grupo de pessoas do clero, mas sim toda a igreja. A
igreja em sua totalidade é chamada para a ação de evangelizar, pois “a colheita
é grande, mas os trabalhadores são poucos. Peçam, pois, ao Senhor da colheita
que envie trabalhadores para a sua colheita” (Mateus, 9:37-38).
Sobre a missão, esta que se caracteriza como o projeto universal de
salvação, torna-se um âmbito do qual toda a igreja precisa trabalhar. Em
determinados momentos o objetivo da ação pastoral era apresentado
simplesmente como a edificação da Igreja, mas ela não existe para si, mas em
contexto maior. A igreja é missionária, se não for, deixa de ser igreja.
A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco já nos
provoca nesse sentido, pois em suas primeiras linhas, o Pontífice descreve que
a Igreja deve ser: “Uma Igreja ‘em saída’, que não olha para si mesma”. A
intimidade da Igreja com Jesus é itinerante, e a comunhão se configura
essencialmente como comunhão missionária (Francisco, 2013, p.19-21).
Sob essa óptica, a TP se difere da eclesiologia, pois abrange um contexto
mais amplo, abordando a Igreja, a partir da sua missão: fazer discípulos
missionários, edificando o Reino de Deus. Uma das correntes importantes para
esse debate é o que nos fala Floristan (1991), quando afirma que a teologia
prática (assim ele considera a teologia pastoral) se apresenta como reflexão
teológica da ação eclesial, ou seja, uma atualização por parte da Igreja,

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fundamentada na práxis de Jesus, e tendo como objetivo a edificação do Reino
de Deus.
Ampliando a discussão sobre a TP enquanto disciplina estruturada, temos
dois elementos a serem destacados e que são provenientes de contribuições
advindas da Igreja latino-americana:

1. a centralidade do Reino. Toda ação realizada pela Igreja ocorre em


função da obra de Deus, da edificação de seu Reino, apresentando aos
fiéis cristãos que somente pela presença de Deus é que se tem a vida em
plenitude;
2. reflexão teológica realizada pela óptica dos pobres. Jesus tinha
atenção particular pelos pobres. Nesse sentido, a pastoral deve refletir
sobre sua essência, tendo como premissa a atenção aos necessitados.
Uma importante compreensão, a da Teologia da Libertação, acrescenta
ao nosso entendimento, comparando o calvário de Jesus à condição
subumana de milhões na América Latina.

Essa reflexão é estendida às desigualdades sociais que a Teologia assim


pensada se propõe a denunciar, classificadas por Leonardo Boff como “injustiça
{que} grita aos céus”. Tal ponto é repetido por Boff e outros teólogos da
libertação, mostrando a necessidade de a teologia olhar para os necessitados.
Esse trecho de obra originalmente publicada em 1980, resume bem que

[...] a pobreza constitui um mal: para a Bíblia é uma forma como a morte
se manifesta na vida humana, porque sob a morte não se deve
entender apenas o último momento da vida biológica, mas tudo que
diminui, limita, humilha, ofende e encurta a existência humana.
Semelhante pobreza contradiz o desígnio histórico de Deus. (Boff,
1989, p. 280-281)

Sobre a Teologia Pastoral nos dias de hoje, podemos considerar que ela
é estudada enquanto três aspectos essenciais: o fundamental, pois mostra a
relação da ação da igreja com o plano de salvação; o especial (apresenta a
afinidade da igreja de hoje com a missão de Cristo, a evangelização); e a
aplicada (propõe a reflexão sobre a ação concreta de evangelização).

TEMA 5 – A TEOLOGIA PASTORAL: ENTRE A ARTE E A CIÊNCIA

A pastoral se fundamenta como ação religiosa que se demonstra no


ensinamento da doutrina e no exercício das virtudes, na piedade de suas ações
de culto, no cumprimento das obrigações religiosas e morais. A teologia pastoral
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não pode ficar somente no ofício do pastor. Ao contrário, deve ir ao fundamento,
para mostrar como tudo tem sua origem no ser e na vontade de Cristo.
É evidente a importância de se fundamentar a ação pastoral por meio da
Palavra de Deus, da doutrina cristã, pois é nela que tudo começa. Mas será que
o agir pastoral se encerra somente nesse âmbito? Qual a postura que uma
pastoral deve seguir?
Na pastoral, gritar a boa notícia é o mesmo que evangelizar. Jesus
anuncia a Boa Nova do Reino. “Todo seu ser, em pessoa, é a Boa Nova, o
Evangelho vivente do Pai” (Fuentes, 2008, p. 84). Nas realidades pastorais, o
pastor com interesse se dedica ensinando e educando o seu rebanho, mas o
serviço pastoral exige motivação para um autêntico sentido missionário, um olhar
amplo e contextualizado acerca das situações que afetam e desafiam a vida em
sua inserção cultural, que incidem sobre a existência.
Nesse sentido, apesar de a Teologia Pastoral mostrar uma preocupação
científica, com reflexão contextualizada e fundamentada, ela deve se referir à
ação concreta da Igreja não somente com essa atenção, mas também instigar o
fascínio pela fé, fazer os cristãos enxergarem o belo por meio da ação pastoral.
Desse modo, a arte (o belo, a fascinação) possui uma relação importante com a
espiritualidade.

Imagem 3 – Sacristia – Pantocrator, Santuário Nacional de Aparecida (2016)

Crédito: Cláudio Pastro.

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Saiba mais

O artista Cláudio Pastro é considerado o maior nome da arte sacra


brasileira. Também reconhecido internacionalmente, realizou trabalhos em
vários países, como Itália, Alemanha, França e Espanha.

A arte sacra é um importante elemento capaz de levar as pessoas ao


encontro do belo. Por todo o mundo, muitas Igrejas são construídas e
organizadas com obras de arte, pois a arte leva a transcendência, a experiência
de Deus, ou seja, a fascinação diante do divino.
Por isso, quando falamos de arte, estamos nos referindo ao conceito de
criatividade e beleza, presente na arte e que deve se fazer perceptível também
pela pastoral. A pastoral precisa gerar fascinação, deve buscar o belo. Esse
entendimento parte de fontes como a Bíblia (em que o belo é retratado no
momento da criação (Gn, 1)) e do Papa Francisco, sumo pontífice e pastor da
Igreja, o qual enfatiza que “Crer em Jesus não é apenas verdadeiro e justo, é
também belo”, pois “sem o belo não se pode compreender o Evangelho”
(Francisco, 2020).
A ação pastoral da Igreja dá ênfase ao conteúdo da fé e sua dimensão
ética, ou seja, os deveres que a permeiam, mas muitas vezes se esquece dessa
dimensão estética, da beleza. A experiência religiosa é também experiência de
fascinação.

NA PRÁTICA

Converse com participantes ou responsáveis de alguma pastoral em sua


comunidade e pergunte a eles de que maneira a pastoral pode levar a
transcendência. Na conversa, atente para os tópicos que foram trabalhados
anteriormente e pense, com base na resposta, se essa ação pastoral se
fundamenta mais na doutrina, na estética, ou ambas.
Lembre-se de que a ação pastoral também é um instrumento de
espiritualidade, de encontro com o Cristo, devendo ser constantemente
atualizada e valorizada.

FINALIZANDO

Com base no que foi estudado, percebe-se que houve períodos da história
da Teologia em que ela esteve essencialmente direcionada para a pastoral, para
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a práxis evangelizadora, e, em outros, ela se distanciou, contribuindo para o
desenvolvimento de certas dificuldades e vazios na vida da Igreja.
Assim, para superar esses empecilhos, é necessária a criação de uma
disciplina sobre a Teologia Pastoral, fundamentada na doutrina, elaborada com
base nos critérios da cientificidade, e que reflete a obra de Deus, a edificação de
seu Reino em um contexto amplo. Para isso, também é preciso que a ação
pastoral seja realizada como arte, como algo que é belo e que conduz à
fascinação por Cristo.

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REFERÊNCIAS

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Papa. Publicado por Júlia Beck, em 07/05/2020. Disponível em:
<https://noticias.cancaonova.com/especiais/pontificado/francisco/sem-o-belo-
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<http://periodicos.faje.edu.br/index.php/perspectiva/article/download/464/887>.
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