S Benedito

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É o Benedito

Sim, é o Benedito,
meu santo preto, posto
na rua, e vai tão nítido
no azul do céu de agosto.
Em volta os pretos todos,
pobres reis mas reais,
à luz do dia vultos
claros, raros cristais.

Do poeta Paulo Cesar Nunes

Lenda de São Bendito

Era uma vez um garoto chamado Benedito.

Ele nasceu na aldeia de uma ilha conhecida como Sicilia, há muito


tempo. Seus pais vinham de longe, eram negros africanos que foram tomados
como escravos por um rico dono de terras. O pai de Benedito era lenhador e
um trabalhador tão fiel que seu patrão, em recompensa, deu a liberdade ao
filho mais velho do casal, que era Benedito.

A maior parte de sua infância Benedito passou junto da família, na ilha


de Sicilia, trabalhando como pastor de ovelhas. Esse menino era uma criança
diferente. Ele era tão meigo, bondoso, e tinha tanta devoção por Deus que já
aos 10 anos era chamado de o Santo Negro.

Ele acordava bem cedo e subia os montes para rezar, enquanto os


primeiros raios de sol iluminavam as colinas, desciam para as ruas da aldeia,
entravam nas casas pelas janelas. Faziam brilhar as gotas de orvalho da
grama e os olhos negros das ovelhinhas. O dia nascia. Depois de rezar,
Benedito conduzia os animaizinhos para o pasto. Em seguida, passava pela
horta e regava cada mudinha que havia plantado. As plantas logo cresciam e
alimentavam toda a família de Benedito.

Muitas primaveras e invernos se passaram. Um dia, quando Benedito


tinha mais ou menos 21 anos, ele estava andando por uma rua perto de sua
casa quando uns rapazes vizinhos começaram a zombar dele, por causa da
sua cor negra e porque seus pais eram escravos. Benedito não reagiu, não
bateu em ninguém. Ele permaneceu tranqüilo.
Um jovem eremita chamado Jerônimo estava passando por lá naquele
momento e ficou muitíssimo impressionado com o jeito de Benedito reagir aos
seus agressores. Jerônimo dirigiu-se aos rapazes que estavam perturbando
Benedito e disse a eles:
“–Vocês se divertem agora com esse pobre homem negro. Mas eu lhes
garanto que em breve ouvirão falar coisas importantíssimas sobre ele.”
Benedito e Jerônimo tornaram-se amigos. Um dia, Jerônimo convidou
Benedito para se juntar aos eremitas. Ele concordou, vendeu seus poucos
pertences e foi morar com eles. A casa dos eremitas era numa outra montanha,
mais alta, e longe da aldeia. Lá era tudo quieto e os eremitas podiam rezar em
paz.
Benedito foi muito bem recebido e conquistou rapidamente o respeito e o amor
deles. Passado um tempo, Jerônimo estava doente e, já quase morrendo,
escolheu Benedito como líder dos eremitas. Benedito achava que não merecia
essa honra, mas mesmo não querendo, aceitou.

Benedito vivia assim, entre os eremitas, aconselhando-os, quando algo


muito importante aconteceu e mexeu com a vida das pessoas que moravam
naquela montanha alta e silenciosa. É que todos os eremitas foram obrigados a
irem para conventos de padres. Benedito escolheu o convento de Santa Maria,
onde viviam os monges franciscanos. Nesse convento, Benedito foi trabalhar
como cozinheiro. Ali, bem pertinho do fogão a lenha, mexendo a sopa nas
enormes panelas de ferro, ou perto do forno de barro, amassando o pão,
Benedito se sentia muito feliz. Era um trabalho que Benedito gostava muito,
porque ele adorava fazer coisas para as outras pessoas.

Mesmo na situação de cozinheiro bem modesto, seus atos de bondade


eram notados pelos demais. As pessoas comentavam, por exemplo, que
quando ele ia rezar na capela, sua face brilhava com uma luz que não era
desse mundo e, quando estava cozinhando, a comida se multiplicava
milagrosamente.

Por aqueles tempos, os monges decidiram transformar o convento em


um local de recuperação de pessoas que tinham descumprido a lei, ou seja,
pessoas que tinham roubado ou feito arruaças ou machucado alguém muito
seriamente.

Para fazer isso, os monges precisavam de um líder sábio e respeitado.


Benedito foi o escolhido para ser o novo diretor do convento, o que foi uma
grande surpresa para ele, porque Benedito nem era padre e não sabia ler nem
escrever. Ele não queria aceitar a nomeação. Mas tinha feito um voto de
obediência quando foi para aquele convento e teve de aceitar.

Os monges acertaram quando escolheram Benedito, porque ele tinha


um jeito muito especial de falar com aquelas pessoas que tinham feito alguma
coisa errada. Suas broncas eram ouvidas e aceitas. Seu modo gentil e sua
sabedoria faziam dele um líder natural.

Ele continuou a rezar e a viver para a honra do Senhor. Seu interesse


pelo sofrimento das pessoas e a vontade de ajudar eram sentimentos
verdadeiros e, por isso, ele tinha o poder de realizar milagres. Fez muitos
milagres, sempre modestamente e com o objetivo de ajudar. Seu nome ficou
conhecido em toda a Sicília, e quando ele deixava o convento, homens e
mulheres o saudavam, e tentavam se aproximar dele para beijar suas mãos ou
tirar um pedaço da sua batina como relíquia.
Benedito tornou-se também diretor dos padres mais novos, os noviços.
Ele conhecia muito bem as escrituras sagradas e as ensinava a todos. Embora
ele nunca tenha ido pra a escola, conseguia entender as profundas verdades
sobre Deus e deixava espantados até os padres mais velhos e sábios.

Foi uma felicidade enorme para Benedito quando disseram que ele não
precisava mais ficar na direção do convento e que podia voltar para a cozinha.
Entretanto, ele não podia mais se esconder atrás do fogão. Sua fama era
conhecida e os visitantes vinham de toda parte. Eles vinham para pedir
conselho, vinham para serem curados, vinham para ouvir suas preces. Vinham
pessoas pobres, ricas, brancos, negros, nobres ou escravos. Vinham
todos.

Ele era tão modesto que cobria sua face com o capuz quando estava
viajando para não ser reconhecido. E também viajava à noite quando seria
menor a chance de ser notado. Benedito tinha enorme compaixão pelos que
passavam fome e não admitia que houvesse desperdício dentro do convento.
Quando estava na cozinha, sempre pensava naqueles que estavam em aflição,
sem alimento. E embora ele não tivesse permissão para alimentar os famintos
que às vezes rodeavam o convento, não conseguia deixar de separar um
pedaço de pão para eles.

Uma vez, quando acabara de assar uma fornada e os pães estavam


quentinhos, teve muita vontade de levar aos irmãos lá fora. Deixou esfriar um
pouco e colocou alguns pedaços dentro da batina. Colocou de um lado,
colocou de outro e saiu como se carregasse a própria barriga. O padre superior
viu aquilo e achou estranho. Perguntou:
– Benedito, o que você tem aí dentro da sua batina?
–São rosas, Senhor.
E o padre disse:
Ah..., é mesmo? Então abre essa batina para eu ver.
Benedito não teve escapatória. Abriu e de lá saíram rosas lindas!
O padre se conformou, virou as costas e se foi.
Benedito colocou tudo pra dentro da batina de novo e já eram pães
novamente. E assim matou a fome de todos naquele dia.

Benedito dizia que jamais se deve rejeitar um alimento ou bebida


oferecida a nós por um doador, pois se assim fazemos, negamos a essa
pessoa a enorme alegria de servir ao próximo.

Depois de uma breve doença, Benedito morreu aos 63 anos. A bondade


e a devoção de sua infância estiveram com ele até o fim de sua vida. Por isso,
até hoje em dia é conhecido como o Santo Negro. 1

1
Livre tradução do texto publicado em Hear The Voice of the Griot, páginas 301 e 302
Lenda de São Bendito, santo considerado protetor dos escravos, muitíssimo popular no Brasil.
A figura de São Bendito também é relacionada à fartura e a pedidos para que não falte o
alimento, para o corpo e para a alma. Em lugares como no Maranhão, nos festejos a São
Bendito que ocorrem em agosto, há um verdadeiro sincretismo entre a religiosidade cristã e a
africanidade do Tambor de Crioula.
Acredito que a sua lenda traz conteúdo pedagógico bastante pertinente ao nosso caldeirão
cultural. E pode ser contada tanto para o segundo ano – momento em que as fábulas e lendas
são privilegiadas no currículo da Pedagogia Waldorf – quanto em anos posteriores, a depender
do ambiente da sala.
O poema é de Paulo Cesar Nunes, um poeta mineiro ainda inédito, cujos mais de 100 poemas
serão publicados esse ano pela Cia. Da Letras.
Por Sandra Seabra Moreira.

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