O Guardião da Luz
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Sobre este e-book
Como são as colônias espirituais? Será possível eles auxiliarem na obra divina? E o amor, será que eles não amam? Quais as oportunidades? Seus familiares onde estão? Como estes espíritos podem evoluir? Sabemos que todos nós precisamos estar seguros, protegidos e iluminados por nossos mentores, será que um espírito que tenha vivido uma encarnação como índio não pode ser seu protetor? Seus sentimentos, seus amores, suas paixões, seus costumes para que serve essas experiências? Você encontrará as respostas para estas, e muitas outras perguntas no livro "O Guardião da Luz".
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O Guardião da Luz - Osmar Barbosa
Médium
Ventania
Sertão brasileiro.
– Bom dia, Ventania!
– Bom dia, Ibirajá!
– Preciso muito falar com você.
– Agora não posso atendê-lo. Meu pai me espera. Estou indo ao acampamento dos padres. Preciso ver como ele está. Você sabe, ele está muito doente e precisando de ajuda.
– Eu compreendo. Mas quando a gente poderia conversar?
– Venha na parte da tarde até a minha oca e a gente conversa. Pode ser?
– Claro! Obrigado, Ventania. Volto mais tarde.
– Correto, agora vá. Certamente você tem afazeres aguardando-o – finalizou Ventania.
– Sim, Ventania, pode deixar.
O sol nasceu com toda sua força e pujança de astro-rei naquela manhã reluzente do sertão brasileiro. O céu azul estampava, ainda que em pouquíssima quantidade, algumas nuvens brancas que vez ou outra passavam sobre a luminosidade quente daquele alvorecer primaveril. As árvores esbanjavam otimismo e traziam as mais belas flores para os olhos de quem por ali passava.
Não eram poucas as questões que aguardavam para ser resolvidas na grande aldeia Crioli. Ventania era o filho mais novo do grande Pajé Lua Grande e já tinha muitas responsabilidades na aldeia. O pajé é uma figura de destaque central nas tribos indígenas.
São os curandeiros, tidos como portadores de poderes ocultos, além de serem os orientadores espirituais daquelas comunidades. Os pajés dominam como poucos o conhecimento a respeito da utilização das plantas para cada caso específico de enfermidade ou problema espiritual, conhecimento este que geralmente é passado de geração em geração. Os índios acreditam que os pajés nutrem ligações diretas com os deuses, sendo representantes escolhidos pelos deuses para passar as profecias ao povo daquela comunidade.
Pois bem, o Pajé Lua Grande encontrava-se realmente muito debilitado. Embora fosse um curandeiro único e muito especial, vinha sendo tratado de perto pelos médicos designados pelos padres. Não fazia muito tempo que os padres se aproximaram da aldeia com o intuito de catequizar os índios. O plano era evangelizar a todos da mesma forma. Eles chegaram a montar um pequeno hospital improvisado no meio da mata para atender aos índios doentes e aos poucos fazendeiros que existiam na região. Além de Ventania, o Cacique Lua Grande e sua esposa, Jurema, tinham mais três filhos: Glaciará, Vento Lindo e Juçara. Glaciará era casada com o índio Vento Rápido e Juçara com o índio grande Raio Dourado, respeitado por todos na tribo, mas considerado um desafeto direto de Ventania. Juçara e Raio Dourado eram pais do pequeno Tacuri.
Raio Dourado é um jovem muito ambicioso e, sempre que pode, tenta atrapalhar a boa convivência desta grande família Crioli. Todos sabem que seu grande sonho era ser o cacique da tribo, algo que jamais conseguirá, pois o sucessor imediato e natural do Cacique Lua Grande é seu filho Ventania.
Muito contrariado com os acontecimentos mais recentes, Ventania esperou o momento oportuno para tomar as decisões de acordo com os costumes e tradições de seu povo. A interferência muito próxima dos padres no cotidiano e vida da aldeia o incomodava muito. Ventania não aceitava essa aproximação externa de pessoas que nunca conviveram ou entenderam o povo indígena. Temia pela integridade dos costumes e da cultura de seu grupo e de sua grande família Crioli. Com isso, o ambiente entre eles foi ficando cada vez mais tenso e preocupante. Como filho do grande chefe e pajé da tribo, cabia a ele aceitar as determinações de seu pai, o que muito o aborrecia. A missão dos padres era de fato evangelizar todos os índios dos sertões brasileiros. Mas para Ventania, a presença do homem branco não era nada bem-vinda.
Todos os dias, junto de sua mãe, Ventania visitava seu pai no pequeno hospital improvisado. Eram sempre recebidos por Frei Daniel, um dos responsáveis diretos pelo projeto evangélico no Brasil naquela época.
– Bom dia, Ventania!
Após uma hora de caminhada, Ventania e Jurema, sua mãe, estavam visivelmente ofegantes e suavam por causa do sol escaldante do sertão. Enxugando a testa, Ventania disse:
– Bom dia, senhor Padre. Desejo ver meu pai.
– Infelizmente seu pai ainda não pode receber visitas, Ventania. Ele ainda está muito fraco e não pode ter contato com ninguém.
– Seu Padre, por favor, me deixe ver meu pai. Deixe-me lhe explicar: trouxe umas ervas para passar nele. Preciso muito aplicar nele – insistiu o índio, mostrando-se visivelmente contrariado.
– Infelizmente não estou autorizado a deixá-lo entrar. Seu pai está muito mal e não sabemos se é contagioso. Pode ser muito perigoso proliferarmos esse mal para toda a tribo. – afirmou Frei Daniel de forma doce, como é de seu hábito ao lidar com os índios e com todos.
Frei Daniel é um missionário cristão da missão Colônia de São José da Providência do Alto Alegre. Mas Ventania não consegue compreender as razões expostas por Daniel. Aumentando o tom de voz, o índio foi mais incisivo.
– Você não pode me impedir de ver meu pai – disse o caboclo, muito irritado.
– Não é questão de impedir, Ventania. É que ele não está bem e pode contagiar a todos. O risco é enorme.
– Sempre cuidamos de nossos doentes. Nunca precisamos de ninguém, nem de vocês. Preciso vê-lo e é o que vou fazer – insiste o caboclo, visivelmente atordoado.
Daniel tenta um meio-termo consensual.
– Espere um pouco, Ventania. Vou conversar com os médicos sobre sua presença e ver o que podemos fazer, tudo bem?
– Sim. Estarei aqui esperando.
Daniel saiu caminhando lentamente, e Jurema tentou acalmar seu filho, que estava com o pescoço vermelho e os olhos intensos de preocupação com seu pai.
– Calma, meu filho, não vê que o padre só quer nos ajudar? Imagina se realmente for algo contagioso. Pense nas crianças da tribo – disse Jurema, tentando acalmar o filho.
– Minha mãe, nem sei o que dizer desses padres; tanto falei que não deviam ter permitido que trouxessem meu pai para cá, mas vocês não quiseram me ouvir.
– Mas ele estava muito ruim, Ventania, não tínhamos outra escolha. Afinal, você estava fora da aldeia.
– Me culpo todos os dias por isso. Logo que retornei, tentei reunir um grupo para resgatar meu pai e muitos foram contra.
– Tenha paciência, tudo vai se resolver. Tenha fé, vamos acreditar na melhora de seu pai com muita crença.
– Embora seja muito difícil, tenho fé sim, minha mãe, muita fé. Mas você sabe que nossa fé está baseada nas ervas, nos cânticos e no batuque do tambor. Nunca terei fé em um bando de padres que invadem nossa vida e mudam tudo.
– Você, Ventania, como grande guerreiro que é, tem que ter sabedoria para administrar essas situações. Como diz Lua Vermelha, eles só querem ajudar.
– Não precisamos da ajuda deles, minha mãe, nunca precisamos e não vai ser agora que precisaremos.
– Nossa, mas você é bem teimoso mesmo, hein Ventania? Estou para ver nascer um índio mais teimoso que você – desabafou Jurema, que sempre chama o filho pelo nome quando está muito irritada com ele. Aborrecida, Jurema afastou-se do filho resmungando um bocado.
Frei Daniel é do grupo expedicionário capuchinho que chegou ao Brasil com a missão de espalhar a igreja católica pelo mundo.
Daniel é conhecido por sempre auxiliar e atender todo mundo com muita paciência e atenção. É um dos responsáveis pelas crianças indígenas e auxilia na administração da missão dos padres. Daniel compreende as tradições e costumes indígenas e lida com muito carinho com todos os índios da tribo Guajajaras.
Uma infinidade de povos indígenas habitava o Brasil muito tempo antes da chegada dos portugueses no já tão conhecido ano de 1500. Cada um desses povos e comunidades conservava uma cultura própria, com costumes religiosos e hábitos de vida muito peculiares às suas tradições históricas. Viviam basicamente da caça, pesca e agricultura. Todos costumam nutrir uma relação íntima com a natureza. Aprenderam a lidar com ela de forma íntima e dependem diretamente de seus recursos e abrigo para quase tudo. Por isso, até sabem tratá-la com respeito, num ritmo que ela possa gerar frutos e recursos. Da mesma forma, essa mesma natureza sempre teve nos índios seus guardiões perfeitos, além de disseminadores da cultura baseada no valor dos recursos naturais para uma vida mais saudável e sustentável. Muito do que temos hoje como hábito em nossas vidas é fruto de costumes indígenas.
Se comemos raízes como a batata, o aipim, o inhame, a batata-doce, alimentos que inclusive hoje são tidos como perfeitos pelos mais renomados nutricionistas, devemos aos índios.
E a lista não termina com as raízes. Fazem parte ainda a pimenta, o feijão, o milho, enfim, uma lista infinita de alimentos que foram descobertos, e amplamente utilizados pelos indígenas, e que hoje fazem parte do nosso dia a dia.
Se hoje nossa música está baseada no ritmo da percussão, devemos muito aos povos africanos, mas também aos índios. Diversas ervas e plantas naturais utilizadas como medicamentos vieram de hábitos e costumes indígenas. E por aí vai, na alimentação, na cultura, na língua e nos hábitos.
Os índios estão intrinsecamente conectados ao nosso patrimônio cultural e natural. Com tudo isso, é muito triste vermos como a ignorância e a falta de conhecimento de pessoas limitadas fazem com que muito da cultura indígena, principalmente no que diz respeito aos aspectos religiosos, seja alvo de preconceito e intolerância.
Ora, se os índios idolatram entidades, que servem apenas para que a relação com os elementos da natureza seja mais íntima e profunda, que mal há nisso? Se essas entidades os inspiram a levar uma vida regrada no bem, respeitando a sustentabilidade dos recursos naturais e os costumes familiares, que mal há nisso? Se essa crença os auxilia, inclusive a enfrentar as enfermidades e a morte, que mal há nisso? Só porque é diferente do que você faz para se conectar com as esferas superiores? Só porque eles dão nomes diferentes para aqueles que os ajudam a se conectar com o bem? Como disse Allan Kardec, meus queridos leitores e queridas leitoras, para cima tudo converge
. Isso quer dizer que, independentemente dos nomes e ritos que uma religião utiliza para fazer o bem, todos se encontrarão em algum ponto e convergirão para o mesmo destino: o do bem absoluto e imortal, já que a vida é eterna.
Bom, os índios ainda difundiram o uso da rede de dormir, e a prática do banho diário, costume desconhecido pelos europeus do século XVI. Para a língua portuguesa legaram uma infinidade de nomes de lugares, pessoas, plantas e animais em um conjunto de no mínimo 20 mil palavras.
Não podemos esquecer ainda que muitas