Descarte de Medicamentos e Problemas Ambientais
Descarte de Medicamentos e Problemas Ambientais
Descarte de Medicamentos e Problemas Ambientais
ISSN: 0100-8307
[email protected]
Universidade Federal de Santa Maria
Brasil
Ciência e Natura, Santa Maria v.38 n.3, 2016, Set.- Dez. p. 1590 – 1600
Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas - UFSM
ISSN impressa: 0100-8307 ISSN on-line: 2179-460X
Resumo
O Brasil está entre os países que mais consomem medicamentos. Ao perderem o prazo de validade, tais medicamentos
são descartados no esgoto residencial, sem nenhum cuidado, contribuindo para a geração de um passivo ambiental.
A pesquisa buscou conhecer o destino final de medicamentos vencidos e descartados pela população de uma
comunidade presente na cidade de Fortaleza/CE. Na pesquisa foi possível avaliar que 78,16% dos entrevistados
possuem medicamentos em casa, onde as sobras dos medicamentos são descartadas no lixo por 22,63% e 46,31%
guardam para usarem outra vez. Dos entrevistados, 24,21% relatam ter medicamentos sem a bula e 12,10%
não observam a aparência do medicamento antes de consumir. 3,95% possuem medicamentos vencidos em casa.
68,95% acreditam o descarte de medicamentos causam problemas ambientais, sendo que 58,87% julgam-se
responsáveis pelo descarte e 5,34% acreditam que a responsabilidade é do governo. 81,58% relatam nunca terem
recebido nenhuma informação sobre esse assunto. Com os resultados é possível afirmar que a maior parte dos
usuários de medicamentos não sabe como descartar tais produtos, além de desconhecer os reais impactos ambientais
provenientes do inadequado descarte e os respectivos riscos causados por ele.
Abstract
Brazil is among the countries that consume more medicines. Losing the expiration date, such medications are
discarded in residential sewer without any care, contributing to the generation of an environmental liability. This
research sought to identify the final destination of expired and discarded medications by the population of a specific
community in Fortaleza/CE. In the survey, it was possible to evaluate that 78.16% of interviewed people have
medicines at home, where the remains of medicines are discarded in the trash by 22.63% and 46.31% keep them
to use again. Of interviewed people, 24.21% reported having medicines without the drug leaflet and 12.10% do
not observe the appearance of the medicine before consuming. 3.95% have expired medications at home. 68.95%
believe the disposal of medicines could cause environmental problems, while 58.87% believe they are responsible
for disposal and 5.34% believe it is the responsibility of the government. With the results it is possible to confirm
that most medicine users do not know how to dispose of such products, in addition to ignore the real environmental
impacts arising from the improper disposal and associated risks caused by it.
contextualização atual do desperdício e descarte aleatório dicamentos residentes no bairro José Walter (Fortaleza-
em desuso, vencidos ou sobras de medicamentos pela CE), avaliar o comportamento das pessoas ao adquirir
população do bairro José Walter, situado no Município e utilizar os medicamentos, além de traçar o panorama
de Fortaleza/CE e a visão dos mesmos em relação aos da consciência e consequências sobre o descarte dos
prejuízos causados à população e ao meio ambiente que medicamentos.
esses produtos podem gerar.
Resultados e discussões
Metodologia
Análise do perfil sócio-demográfico
O estudo foi do tipo exploratório-explicativo, com
abordagem quantitativa. A pesquisa foi realizada em Com a pesquisa observou que a população é compos-
um bairro na cidade de Fortaleza/CE denominado José ta, por mais jovens que idosos, pois a população idosa
Walter, que segundo dados da prefeitura de Fortaleza entrevistada foi de 2,89%, sendo a faixa etária predomi-
a população é de 33.427 habitantes sendo formado por nante de 18 a 25 anos (52,63%). O gênero predominante
13,07 Km2 de extensão, cujo IDH da população é de 0,51 foi o feminino com 55,26% e 44,74% os pesquisados do
(Fortaleza, 2015). gênero masculino. Em relação ao nível de escolaridade
Para a coleta de dados foi utilizado questionário da população residente no bairro, observa-se que a es-
padronizado, contendo questões de fácil compreensão, colaridade predominante é o ensino médio incompleto
previamente testado, baseado no trabalho publicado (45,79%) e completo (17,89%), no entanto, o bairro pos-
por Gasparini e colaboradores (2011), sendo composto sui uma quantidade pequena de analfabetos. Os dados
por duas etapas. A primeira formada por seis questões obtidos em função da renda foram: baixa 41,58%, renda
objetivas relacionadas aos dados sócios demográficos e, média 55,53% e alta 2,79%. Na Tabela 1 são apresentados
a segunda, com questões objetivas e subjetivas referentes todos os dados obtidos.
aos fármacos e seu descarte. Inicialmente foi verificada a presença de medica-
Com o intuito de avaliar uma amostra significativa mentos nas residências pesquisadas e foi constatado
dessa população, foi utilizada a Equação 1 para determi- que 78,16% dos entrevistados possuem esses produtos
nação do tamanho da amostra () com base na estimativa em casa e apenas 21,84% não possuem. Assim, a pes-
da média populacional. Foi considerado um erro amostral quisa mostrou a existência de um estoque domiciliar,
de 5% e o 𝑛𝑛intervalo
=
de
(1)
confiança adotado foi de 95%.
𝑍𝑍 2 .𝑝𝑝.𝑞𝑞.𝑁𝑁 também conhecida como farmácia caseira. A facilidade
de aquisição de medicamentos poder ser a causa da
𝑑𝑑2 .(𝑁𝑁−1)+𝑍𝑍 2 .𝑝𝑝.𝑞𝑞
2010). O resultado mostra que grande parte da população primeiro lugar no ranking de intoxicação e entre os
residente nesse bairro não reconhece a importância da principais agentes tóxicos destacam-se os medicamentos
bula como fonte de informação escrita, pois nela são (35%), os domissanitários (18%) e os produtos químicos
fornecidas informações sobre ação esperada do medi- industriais (9%) (BRASIL, 2014). Essas intoxicações são
camento, contra-indicações, ação esperada do medica- decorrentes de situações facilitadoras, das características
mento, prazo de validade, cuidados de administração, peculiares às fases de desenvolvimento da criança e do
interrupção do tratamento, reações adversas, Ingestão pouco incentivo às medidas preventivas (LOURENÇO
concomitante com outras substâncias e contra-indicações. et al., 2008; SIQUEIRA et al., 2008).
Os dados também apontam que 89,47% dos parti- Observar o aspecto do medicamento é muito signifi-
cipantes não deixam os medicamentos ao alcance de cante para garantir que este, não esteja em degradação
crianças, mas ainda existe uma minoria (10,53%) que visível (FANHANI et al. 2006). Os participantes da pes-
admitem o descuido de deixar tais produtos ao al- quisa foram questionados sobre o costume de verificação
cance das crianças. Este resultado mostra que elevada do aspecto e do prazo de validade dos medicamentos
porcentagem da população tem consciência de que os antes do consumo e foi constatado que 87,90%, afirmou
medicamentos oferecem riscos as crianças e que devem verificar a aparência e prazo de validade dos medicamen-
ficar longe delas, evitando-se possíveis acidentes. tos antes do consumo e 12,10% não possui esse hábito.
De acordo com dados do Sistema Nacional de Infor- Durante a aplicação do questionário percebeu-se que
mações Tóxico-farmacológicas da Fundação Oswaldo as pessoas estão mais conscientes da importância de se
Cruz, foram registrados no Brasil mais de 80 mil casos verificar o prazo de validade dos medicamentos.
de intoxicações e, em quase 25% das notificações, as A Tabela 2 apresenta os resultados da pesquisa em
vítimas tinham até 5 anos. Os medicamentos estão em relação ao comportamento na aquisição, acondiciona-
1594 Kameli et al : The Impact of Sense...
mento e uso do medicamento dos entrevistados. camento, o que difere em 18,42% asseguram ter recebido
tais informações.
Consciência da população sobre o descarte de Os dados apontam que a principal forma de descarte
dos medicamentos vencidos é o lixo comum (73,68%),
medicamentos em seguida aparece o descarte no vaso sanitário com
13,95%, na pia com 11,31%, além de outras formas como
Para verificar o comportamento dos moradores em no hospital com 0,79% e 0,27% entrega ao agente de
relação com o procedimento adotado com as sobras saúde. A distribuição da forma de descarte é apresen-
dos medicamentos foi constatado que 9,74% devolvem tada na Figura 2.
à unidade ou ao agente de saúde, 46,31% guarda para Apesar de não ser do conhecimento da maioria da
usar outra vez, 22,63% põe no lixo, 4,74% doam aos população, o lixo comum, vaso sanitário ou a pia não são
vizinhos, amigos e/ou parentes e 16,58% afirmam que os destinos corretos para eliminação desses produtos.
não há sobra de medicamento após o uso. Esse descarte aleatório, tanto no lixo comum como na
A Figura 1 apresenta o destino dado às sobras dos rede pública de esgoto pode trazer como consequências
medicamentos após a conclusão do tratamento, com o a contaminação da água, do solo e de animais (RIBEI-
resultado obtido, pode-se dizer que a farmácia caseira RO; BINSFELD, 2013), desta forma, há a necessidade
promove a automedicação. Outro problema que pode de conscientização com a população sobre os riscos e a
gerar é o uso de medicamentos inadequados para a destinação correta de tais resíduos.
patologia existente, quando sintomas semelhantes são No estudo foi investigado o nível de consciência
causados por patologias distintas. Também pode facilitar que os participantes da pesquisa possuem em relação
trocas e, quando o medicamento estiver vencido, causar aos prejuízos que podem trazem o descarte incorreto
danos a saúde ou a não observância do efeito esperado desses produtos. O resultado obtido é que 71,58% dos
(BUENO et al., 2009). entrevistados acreditam que os descartes incorretos
Também foi constatada na pesquisa que uma pe- trazem prejuízos à população. No entanto, 48,16% não
quena parcela dos entrevistados possui medicamentos sabem quais são esses prejuízos. Outras respostas mais
vencidos (3,95%) em suas residências. No entanto, esses relevantes foram: 20,59% consideram que o descarte
medicamentos são descartados no lixo comum (Tabela incorreto polui o meio ambiente, 18,01% afirmam que
3). Desta forma são levados a aterros sanitários comuns, causam doenças, no entanto, não relataram quais do-
não recebendo o tratamento adequado de incineração e enças e 5,15% afirmam que causam envenenamento. Os
assim, contaminando o meio ambiente pelos resíduos resultados são apresentados na Tabela 3.
químicos que os compõe (HOPPE; ARAÚJO, 2012). A partir destes resultados é possível afirmar que a
Com o estudo, observa-se que as informações à maioria da população avaliada não detém a devida pro-
população sobre o descarte e armazenamento de me- porção de consciência uma vez que uma grande parte
dicamentos é um assunto muito distante da realidade. dos indivíduos que afirmavam ter o descarte incorreto
81,58% dos entrevistados afirmam que nunca foram proporciona prejuízos à população, 48,16% não sabem
orientados sobre o descarte e armazenamento de medi- que prejuízos são esses.
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Tabela 3 – Distribuição da presença de medicamentos vencidos nos domicílios, consciência dos prejuízos
ocorridos pelo descarte incorreto de medicamentos.
Sim 15 3,95
Assim, deve-se reforçar o fato de que o descarte correto 68,95% acreditam que o descarte incorreto ocasione
de medicamentos enfrenta vários entraves, como a falta prejuízos ao meio ambiente e dessa amostra 56,87% con-
de conhecimento da população acerca do assunto e de sideram que a própria população é responsável por essa
informação, além de fiscalização a respeito do destino atitude. Segundo os entrevistados, além da população,
dado a esses produtos e também a ausência de qualquer eles acreditam que o governo, a Secretaria de Saúde, a
orientação por parte do fabricante, tanto na embalagem indústria farmacêutica, o agente de saúde e a vigilância
quanto na bula do fármaco (TESSEROLLI et al., 2013). sanitária também são responsáveis pelo descarte dos
medicamentos. No entanto, 33,97% dos entrevistados
Avaliação da consciência dos impactos ambientais não sabem responder tal questionamento.
Quando foi questionado qual impacto ambiental
em função do descarte inadequado o descarte de medicamento provocava foi obtido o
seguinte resultado: 15,65% acreditam que a poluição
No estudo também foi avaliado à consciência am- seja o impacto causado por esses produtos; 5,72% res-
biental da comunidade, além do questionamento dos ponderam contaminação do solo e 2,29% contaminação
possíveis responsáveis pelo descarte de medicamentos da água. Também foram obtidas algumas respostas que
e os impactos ambientais causados por esses produtos. mostra a falta de informação da população frente a essa
Os resultados são apresentados na Tabela 4. temática, além de respostas muito vagas como: doenças
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(4,02%), efeito estufa (2,29%), além de 69,08% não sabem dicamentos é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
responder ao questionamento. (ANVISA, 2010), que através da resolução RDC 306/04
Estudos apontam que fármacos de diferentes classes (Brasil, 2004), exige que estabelecimentos de serviços
terapêuticas, têm sido detectados em esgoto doméstico, de saúde disponham de Plano de Gerenciamento de
águas superficiais e subterrâneas em concentrações Resíduos de Serviço de Saúde (PGRSS) e a resolução 358
na faixa de ng/L a µg/L em várias partes do mundo do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)
(GROVER et al., 2011; XU et al., 2012; REH et al., 2013; (Brasil, 2005), dispõe sobre o tratamento e disposição
FANG et al., 2012; QUEIROZ et al., 2011). Em sistemas final dos resíduos de serviços de saúde, entre outros.
aquáticos, os antibióticos, antineoplásicos, hormônios Através da Lei Federal N°12.305 de 2010, prevista na
sexuais são extremamente tóxicos para organismos vivos Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), farmácias,
como algas e peixes (SANDESON et al., 2004). postos de saúde e laboratórios devem receber medica-
Os efeitos deletérios que a presença desses compostos mentos vencidos e destiná-los de forma ambientalmente
pode provocar são: o desequilíbrio da ecologia microbia- correta, evitando o que poderia ser um foco gerador de
na, a proliferação de agentes patogênicos resistentes, além contaminação e poluição.
de efeitos inespecíficos na saúde humana, destacando a De acordo com a legislação brasileira, os serviços de
ocorrência de processos alérgicos, o que representa um saúde são responsáveis pelo gerenciamento de todos os
alerta para a necessidade de se desenvolver tecnologias resíduos dos serviços de saúde por eles gerados, devendo
de tratamento adequadas para a remoção de tais com- atender às normas e exigências legais, desde o momento
postos (ZAPPAROLI et al., 2011). de sua geração até a destinação final (BRASIL, 2006). No
A partir deste cenário, existe a necessidade da preo- entanto, a legislação existente não obriga as farmácias
cupação relacionada com o modo correto de descarte de a fazerem o descarte dos medicamentos vencidos na
medicamentos, uma vez que não há pontos de coleta para mão do cliente, como também permite ao consumidor
medicamentos em vigor no país. O órgão responsável descartar os medicamentos no lixo comum, em pias ou
pela regulamentação dos meios de descarte desses me- vasos sanitários, de onde vão para os esgotos (TESSARO;
Tabela 4 – Distribuição da consciência ambiental da comunidade avaliada, dos possíveis responsáveis pelo
descarte de medicamentos os impactos ambientais causados por esses produtos.
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