Medicalizaçãonaeducação PDF
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A medicalização na educação
O discurso da conexão entre problemas neurológicos e o não aprender
ou não se comportar de forma considerada adequada pela escola
apresenta-se de forma cada vez mais frequente no cotidiano das
escolas e dos serviços públicos e particulares de saúde para os quais se
encaminham grandes contingentes de alunos com queixas escolares.
Nessa perspectiva se considera que crianças apresentam dificuldades
escolares por causa de disfunções ou transtornos neurológicos
(congênitas ou provocadas por lesões ou agentes químicos), as quais
interferem em campos considerados pré-requisitos para a
aprendizagem, tais como: percepção e processamento de informações;
utilização de estratégias cognitivas; habilidade motora; atenção; linguagem;
raciocínio matemático; habilidades sociais etc.
Pesquisas realizadas pelas autoras evidenciam que tanto profissionais
da saúde quanto da educação referem-se de modo unânime a
problemas biológicos como causas determinantes do não aprender
na escola.
o Tais “explica ções”, repetidas à exaustão e frequentemente
evocadas como verdades científicas consagradas, colocam
predominantemente o foco em dois grandes temas: a desnutrição
e as disfunções neurológicas.
No que tange ao primeiro tema, Collares e Moys és dedicaram-se, em várias obras,
ao desvelamento dos mitos que estabelecem relações causais entre a
des nutrição e as dificuldades de es colarização.
As autoras afirmam que crianças que frequentam a rede pública de ensino,
comumente rotuladas como desnutridas, são na verdade portadoras
de desnutrição leve, de 1º grau, e que não trazem nenhum tipo de
alteração para o sistema nervoso central. Além disso, as funções
neurológicas que poderiam ser afetadas pela desnutrição nem sequer
estariam presentes por volta de sete anos, não podendo, portanto, serem
admitidas como explicações plausíveis para o não aprender.
Tratemos agora do tema das disfunções neurológicas, muito mais nebuloso e
complexo que o anterior. Dentre as muitas disfunções comumente associadas ao
desempenho escolar de crianças, destacaremos os mais referidos por
profissionais da saúde e educação na atualidade: Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o Transtorno de Oposição e Desafio (TOD).
Iniciamos com a análise da definição, dos critérios diagnósticos e do tratamento
indicado para o TDAH.
Finalizando
O tema da exclusão social nos põe diante de um conjunto grande de incertezas
em relação à sociedade contemporânea e à nossa capacidade de sair do
abismo que elas representam.
Mas, na angústia que o motiva, representa também a demanda de uma
compreensão positiva e libertadora das causas e características dos problemas
que a consciência social assinala, teme e questiona. O que pede, portanto, o
trabalho intelectual crítico em relação à prática social e política fundada na
estreiteza e nas deturpações dessa concepção limitada e limitante. E pede,
também, às ciências sociais o desvendamento dos conteúdos do projeto potencial
que encerra, coisas que o senso comum não tem tido condição de fazer”. J. S.
Martins (2002, p. 12-13)
A constatação e análise crítica do aumento crescente do processo de
medicalização da educação, bem como a identificação de suas manifestações
contemporâneas são fundamentais, porém ainda insuficientes. É preciso ir além e
compreender a que demandas sociais ela vem atender, desvelando tanto o
processo de produção dos fenômenos do não aprender e não se comportar na
escola, quanto os fatores que determinam sua identificação por profissionais da
saúde e da educação como sintomas de doenças e transtornos.
A medicalização constitui-se em um desdobramento inevitável do processo de
patologização dos problemas educacionais que tem servido como justificativa
para a manutenção da exclusão de grandes contingentes de crianças pobres que,
embora permaneçam nas escolas por longos períodos de tempo, nunca chegam
a se apropriar de fato dos conteúdos escolares.
Como destaca Bourdieu (1997), esse processo de “exclusão do interior” garante a
manutenção da exclusão dos mais pobres e se apresenta como uma das formas
contemporâneas importantes de produção da miséria social. Crianças e jovens
das camadas populares continuam a ser eliminados. Entretanto, ocorre uma
diferença fundamental:
essa eliminação é adiada, já que se mantêm na escola os excluídos potenciais.
Para esses “marginalizados por dentro”, a escola permanece como uma espécie
de “terra prometida” ou uma miragem que se mantém sempre presente no
horizonte, mas que recua à medida que tentam se aproximar dela.
Como explicar essa situação absolutamente evidente nas estatísticas
educacionais? Qual seria a explicação para o fato de que os alunos
permanecem na escola, mas não aprendem? A resposta que vem sendo dada
de diferentes formas é clara: nem todas as crianças reuniriam as condições
necessárias para aprender os conteúdos escolares. A escola é para todos, mas
nem todos podem aproveitar essa oportunidade em decorrência de problemas
individuais. Essa é a essência da patologização e o ponto de partida para a
consolidação do processo de medicalização.
Em síntese, a escola não cumpre sua função social de socialização do saber e
produz problemas que serão tratados como demandas para a saúde em
diferentes espaços sociais (escolas, serviços públicos de saúde, saúde mental e
assistência social, consultórios etc.).
A humanidade produziu inúmeras possibilidades de desenvolvimento, entretanto a
grande maioria dos indivíduos encontra-se submetida a processos de
empobrecimento material e espiritual. É nessa situação que se encontram as
crianças e jovens cujas capacidades de desenvolvimento são aprisionadas nas
redes da patologização que se tecem a muitas mãos no interior das escolas.
O impedimento de acesso das crianças pobres aos bens culturais é parte de um
processo de ocultação da produção e reprodução das desigualdades sociais e,
por isso, exige um trabalho intelectual crítico, capaz de realizar rupturas
epistemológicas e desenvolver novos posicionamentos em relação à sociedade e
à educação.
A Psicologia tem que se comprometer de fato com o rompimento com a
patologização, tomando como objeto de ação e reflexão o encontro entre os
alunos e a educação e contribuindo para que a escola cumpra seu papel social
(Meira, 2003, 2007). Essa é uma tarefa que envolve uma atitude de permanente
avaliação crítica da realidade e a articulação de elaborações teóricas que se
constituam em indicativos para a organização consciente e deliberada de ações
com vistas à garantia de condições que permitam o máximo desenvolvimento
possível dos indivíduos.