Teoria e Prática Da Neuropsicopedagogia

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TEORIA E PRÁTICA DA

NEUROPSICOPEDAGOGIA

Autora: Cláudia Regina Pinto Michelli

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller
Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald
Profa. Jociane Stolf

Revisão de Conteúdo: Profª. Cristiane Lisandra Danna

Revisão Gramatical: Profª. Iara de Oliveira

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci

Copyright © Editora UNIASSELVI 2012


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

616.89
M623t Michelli, Cláudia Regina Pinto
Teoria e prática da neuropsicopedagogia /
Cláudia Regina Pinto Michelli. Indaial : Uniasselvi, 2012.
98 p. : il

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7830- 602-1

1. Neuropsicopedagogia.
I. Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Cláudia Regina Pinto Michelli

Professora Cláudia R. P. Michelli, Licenciada em


Normal Superior Séries Iniciais do Ensino Fundamental
pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSEL-
VI). Especialista em Psicopedagogia pelo Instituto Catari-
nense de Pós-Graduação (ICPG). Atuou durante cinco anos
em atendimentos com crianças com dificuldades na aprendi-
zagem. É Mestre em Educação pela Universidade Regional
de Blumenau (FURB). Atua em prática escolar desde 1996.
É tutora da UNIASSELVI-POS, responsável pelos cursos de
Psicopedagogia e Neuropsicopedagogia e áreas fins de
cursos voltados à educação. Tem como campo de investi-
gação e discussão acadêmica a história de vida do alu-
no, a prática pedadagógica e o contexto escolar como
apoio necessário para entendimento dos processos de
aprendizagem e não aprendizagem do sujeito.
Sumário

APRESENTAÇÃO.......................................................................7

CAPÍTULO 1
Diálogo entre Educação e Saúde ........................................ 9

CAPÍTULO 2
O Laudo e sua Contribuição para a Educação ................. 31

CAPÍTULO 3
Os Encaminhamentos............................................................ 57

CAPÍTULO 4
Implicações dos Laudos para o Contexto Educacional.. 77
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a):

Observe a imagem do Pequeno


Príncipe de Exupéry. Ele rega sua
rosa e cuida dela com carinho e
atenção. A água para a rosa é
necessária, pois precisa para se
manter viva. Porém, o que assegura
sua vida é o investimento do Pequeno
Príncipe em querer estar ao seu lado,
acompanhando seu desenvolvimento.

As crianças com quem lidamos


diariamente não são rosas, mas
precisam de investimento. O que seria essencial para elas? Você já se perguntou
sobre isso? Veja como é importante saber sobre ela e sobre o contexto em que
vive!

A cada dia, mais e mais crianças são diagnosticadas com algum tipo de
distúrbio, transtorno ou dificuldade de aprendizagem. Mas, o que será que elas
querem dizer com isso? Você já se perguntou? Por que elas não aprendem? O
que é aprender para cada uma delas?

Qual o significado do laudo médico que estará dizendo sobre a não


aprendizagem da criança que convive no contexto escolar do qual você faz parte?
Como significar esse documento neste contexto?

Acreditamos que muitas respostas para a não aprendizagem de nossas


crianças podem ser respondidas a partir do entendimento de sua história e em
conjunto com a prática metodológica adequada para cada situação específica.

Neste caderno de estudos, você terá acesso a uma discussão que


tem como eixo norteador a consideração da criança como sujeito social
ativo e participativo no contexto escolar. A partir das neurociências e do
entendimento do sujeito biológico, buscamos encontrar esse sujeito social,
as raízes de seu processo de aprendizagem ou não aprendizagem escolar.
A neuropsicopedagogia tecerá esse entendimento em consonância com os
discursos de profissionais da saúde e da educação.
Assim, o presente caderno de estudos está dividido em quatro capítulos:
no primeiro buscamos um diálogo entre a saúde e a educação e uma breve
construção histórica em torno do entendimento dessa relação.

No segundo capítulo, trataremos de discutir sobre a importância do laudo,


do diagnóstico médico em torno desse sujeito que supostamente não aprende na
escola ou que está apresentando dificuldades no processo de aprender.

O capítulo subsequente discute a prática pedagógica pós laudo, ou seja,


após o diagnóstico do profissional da saúde é preciso pensar numa forma de
intervir na aprendizagem desse sujeito. Assim, você compreenderá que o laudo é
o alicerce, mas que a prática é o caminho.

No último capítulo, faremos uma análise da demanda por laudos e sobre o


papel da família e da escola frente as questões elencadas e discutir a prática
pedagógica pós-laudo.

Bons estudos!

A autora.
C APÍTULO 1
Diálogo entre Educação e Saúde

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Apresentar a correlação entre a saúde e a educação.

 Conhecer os aspectos da neurologia relacionados ao processo de


aprendizagem do sujeito.

 Compreender a importância das especializações da medicina como uma


ferramenta de auxílio para o professor na sala de aula.
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

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Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

ContextualiZação
Caro(a) leitor(a), neste primeiro capítulo, pretendemos desenvolver uma
compreensão entre a indissociabilidade da educação e da saúde, pois não há
como separarmos essas áreas. Precisamos entender o processo educativo e a
promoção da saúde como o fio condutor da prática neuropsicopedagógica.

Para compreender sobre a crescente demanda de problemas que afetam as


crianças em sala de aula e sua aprendizagem, necessitamos manter uma postura
vigilante em torno daquilo que, neste momento histórico em que vivemos, remete-
nos a reflexões urgentes: as crianças, as dificuldades, transtornos e distúrbios de
aprendizagem, bem como as altas habilidades.

A saúde e a educação caminham lado a lado no sentido de promover, prevenir


e participar da vida social/coletiva e individual dos sujeitos. E é neste contexto que
há de se compreender a caminhada desses dois termos e a necessidade da sua
inter-relação.

A Indissociabilidade entre Educação


e Saúde
Prezado(a) leitor(a), para iniciarmos a discussão em torno da
indissociabilidade entre os termos educação e saúde, precisamos, inicialmente,
compreender a definição de ambos.

Podemos iniciar essa reflexão a partir do conceito de saúde apresentado pela


Organização Mundial de Saúde, publicado a partir da Conferência Internacional
sobre Cuidados Primários de Saúde (1978) o qual define o termo como o “estado
de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência
de doença ou enfermidade.” (DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA, 1978). Porém,
necessitamos pensar a saúde, esclarecendo que a questão do “bem-estar” precisa
ser pensada dentro da legitimação das crenças, valores e subjetividade, além
da imersão na cultura em que o sujeito está inserido. O ritmo, estilo de vida e
demais situações ou fatores se agregam à compreensão de seu significado.

É muito importante que o(a) professor(a) ou profissional que


atua com crianças, adolescentes e adultos, conheça o contexto em
que estará atuando).

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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

A educação também aqui precisa ser definida. e então, partimos da ideia


de Alvaro Vieira Pinto (2000), argumentando ser a educação um processo, um
fato existencial e social e um fenômeno cultural. Além disso, relaciona-se com a
economia e a antropologia de uma sociedade. Está sempre dirigida para algo, é
um processo exponencial, precisa de movimento. É inacabado e, por essa razão,
tem potencial criador. Envoltos nisso, precisamos entendê-la também como
contraditória, pois é dessa forma que se recria, retoma, inova.

A saúde e a educação refletem-se no âmbito educacional num movimento


histórico. Não pretendemos apresentar aqui uma sequenciação de datas e
períodos. Entendemos a história de forma não linear, num revisitamento entre
diferentes, complexos e contraditórios períodos vividos em nosso país.

Visite o site da Organização Mundial de Saúde e acesse a


biblioteca. Lá você encontrará muitas informações sobre esse
assunto, inclusive às modificações históricas que foram ocorrendo
e legislações. Site: <http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/
area/11/biblioteca.html>.

Quando falamos em saúde e em educação, certamente direcionamo-nos


a alguém. Nesse caso, a atenção à infância. E para melhor compreendê-la
precisamos significá-la:

Os significados atribuídos à infância são o resultado de um


processo de construção social, dependem de um conjunto de
possibilidades que se conjugam em determinado momento
da história, são organizados socialmente e sustentados
por discursos nem sempre homogêneos e em perene
transformação. Tais significados não resultam, como querem
alguns, de um processo de evolução, nem estão acima e à
parte de divisões sociais, sexuais, raciais, étnicas... São
modelados no interior de relações de poder e representam
interesses manifestos da Igreja, do Estado, da Sociedade
Civil... Implicam intervenções da filantropia, da religião, da
medicina, da psicologia, do serviço social, das famílias, da
pedagogia, da mídia... Contudo, esses significados não são
estáveis, nem únicos e as linguagens que usamos, ao mudar
constantemente, são indicativos da fluidez e da mutabilidade a
que estão sujeitos. (BUJES, 2003, p. 24-25).

Em diferentes momentos da história, houve, também, diferentes


preocupações em torno da infância, da criança e de sua educação. Certamente,
caro(a) leitor(a), você já tenha ouvido falar em Philippe Ariès (1981), que tornou-
se pioneiro em discutir a história social da criança e da família. Este autor é uma
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Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

referência na discussão por construir uma compreensão da infância como um


acontecimento caracteristicamente moderno. Ele fala de como vai sendo tecida a
compreensão da infância e define isso como o sentimento da infância. Nesse caso,
o “[...] sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças:
corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que
distingue essencialmente a criança do adulto.” (ARIÈS, 1981, p. 99).

Talvez você esteja se perguntando sobre a relação entre a saúde, a educação


e a história da infância e da criança. Saiba que é a partir disso que conseguiremos
tecer entendimentos em torno da saúde e da educação.

Fazendo um recorte histórico, podemos afirmar, por meio de Kuhlmann


Jr. (1998), que, a partir do final do século XVIII, com a influência do médico-
higienismo, houve uma preocupação com questões de saúde e educação. O
médico-higienismo, por exemplo, foi um movimento que ocorreu tendo em vista
a eliminação de doenças na população. Esse trabalho era desenvolvido por
médicos que também visitavam escolas com esse intuito definido.

Nessa época, iniciavam-se estudos em torno de doenças e micro-organismos.


Porém, assuntos como a prevenção de doenças e resultados em torno de
descobertas, tornaram-se mais frequentes a partir de Louis Pasteur (século XIX) e
demais cientistas, os quais preocuparam-se com o campo da epidemiologia e, como
consequência, atribuíram à medicina e à higiene uma autoridade incontestável.
Com base nesses estudos e nas crescentes descobertas em torno de doenças e
prevenção, os médicos e a medicina foram ganhando espaço e um papel importante,
senão decisivo nas discussões em torno da criança.

Louis Pasteur era francês. Desenvolveu vacinas importantes e


pesquisas na área da saúde pública. Consolidou estudos em torno
da fermentação láctea e até hoje se usa o termo “pasteurização”,
provindo de seu nome Pasteur. Mais informações podem ser obtidas
no site: <http://www.pasteur.saude.sp.gov.br/historia_02.htm>.

A partir do século XX, muitas modificações ocorreram no campo da


medicina e refletiram-se no campo da educação. Essas modificações
poderão ser acompanhadas de forma mais dinâmica se você
assistir, através do link abaixo, um filme clássico chamado: “Políticas
de Saúde no Brasil”. (http://www.youtube.com/watch?v=cSwIL_
JW8X8&feature=endscreen&NR=1).

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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Figura 1 – Documentário Políticas de Saúde no Brasil

Fonte: Disponível em: <http://portalsaude.saude.gov.br>. Acesso em: 02 out. 2012.

Sinopse:

TAPAJÓS, Renato. Política de Saúde no Brasil. São Paulo:


Tapiri Cinematográfica, 2006.

Renato Tapajós é considerado um dos maiores nomes do


cinema político do país. No documentário Política de Saúde no
Brasil, ele coloca recortes históricos e socioeconômicos de todo o
século XX. Tapajós disse em entrevista: “Procuro intercalar diálogos
e representações: um passo além do simples depoimento”.

No início do longa-metragem, percebe-se um entusiasmo do


povo em relação ao ano novo de 1900: Mostrando um contingente
de pessoas em festa conotando a esperança de um ano próspero
e feliz. Há muito regozijo e clima de folia. Paradoxalmente, em tom
jornalístico, surge a figura de um menino que traz sempre novas
notícias de epidemias ou doenças, as quais acabam de acometer o
Brasil – em especial nas grandes capitais- como a febre amarela,
cólera, varíola e malária.

Em algumas cenas, aborda os operários trabalhando


em condições insalubres nas fábricas onde são explorados e
maltratados. Nesse contexto, é revelado que até o início do século

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Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

XX a população pobre só dispunha de atendimento filantrópico, nos


hospitais de caridade mantidos pelas igrejas.

Pelo descaso com a saúde no Brasil e muitas epidemias a


assolá-lo, as notícias se espalhavam e estrangeiros ou visitantes
não mais queriam entrar no país. Assim, são tomadas, pelo governo,
algumas medidas sanitárias de saúde, com o intuito de melhorar a
visão do Brasil no exterior.

O médico sanitarista Osvaldo Cruz recorreu a técnicas


para eliminar o mosquito transmissor da febre amarela, doença
em alta, utilizando a dedetização dos lugares mais propícios ao
desenvolvimento do mosquito. No ano de 1904, é decretada a vacina
obrigatória das massas populares para combater a febre amarela.
Mais tarde, o médico Emilio Ribas reside com doentes de febre
amarela com o objetivo de provar que a doença não é transmitida
pelo contato e convívio humano e, por meio de seu sistema de
saneamento básico diminui as epidemias no porto da cidade de
Santos.

No ano de 1917, ano da Revolução Russa, começa a


haver greves dos operários, motivados pelas ideologias marxistas
e anarquistas. No próximo ano, existe uma forte gripe espanhola
no Brasil, que mata milhares de cidadãos. Na década de 1920,
os grevistas fazem acordos com os seus patrões voltam para as
indústrias, a sua revolta foi tão extrema que dominaram a cidade,
fazendo com que o governador abandonasse o estado de São Paulo.
A partir disso é criada a lei que regulariza a aposentadoria, no ano
de 1923: o trabalhador teria que contribuir durante 30 anos e depois
poderia usufruir de uma aposentadoria e assistência médica.

Quase no final das décadas de 20 e começo da de 30, a Coluna


Prestes percorreu o interior do Brasil e queria implantar uma série de
reformas, segundo as ideias positivistas vigente na época. A Coluna
não tem sucesso, desfaz-se e Getúlio toma posse da presidência,
assumindo uma política que parecia favorecer os pobres e menos
favorecidos. É considerado pelo povo o “Pai dos pobres”. Getúlio cria
os IAPs, um tipo de assistência médica. Em 1935, é desenvolvido
o sistema de saúde chamado de SESP, financiado pelos Estados
Unidos, que tinha interesse na borracha presente na Amazônia.
Dessa maneira, a assistência médica poderia chegar a diversos
lugares carentes e isolados do Brasil, nessa região.

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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

A saúde pública foi sucateada durante mais de 50 anos e essa


intensificada na Ditadura Militar. Movimentos populares levam à
criação do SUS- Sistema Único de Saúde- e sua implantação na
década de 80, o qual, apesar de sua mazela e ineficiência devido
à falta de estrutura e investimento, segundo o IBGE, atende quase
100% da população Brasileira. Os movimentos sociais ainda esperam
que haja uma humanização maior e maior atenção e demanda de
recursos financeiros para melhorar o seu atendimento.

Fonte: Disponível em: <http://pt.scribd.com>.


Acesso em: 02 out. 2012.

Caro(a) leitor(a), foi precisamente a partir de 1920 que se firmou a convicção


“[...] de que medidas de política sanitária seriam ineficazes se não abrangessem
a introjeção, nos sujeitos sociais, de hábitos higiênicos, por meio da educação”.
(CARVALHO, 2003, p. 305). Além disso, o mesmo autor afirma que foi a partir da
compreensão de agentes políticos da época (a partir de 1920) sobre os problemas
de saúde pública (certamente havia interesses políticos), que se apresentavam
de forma crescente, que se pôde pensar na reforma dos serviços públicos, da
participação política. A modernização do país aconteceria dessa forma. Por essa
razão, a saúde e a educação se configuravam como questões indissociáveis. Há
de se considerar a saúde e a educação nesta relação, pois uma promove a outra.

A busca por atendimento à saúde não foi algo conquistado de forma fácil
e ainda não é. Todos nós temos essa consciência. Mas, foi a partir de muitos
movimentos, interesses e investimentos políticos que a história em torno da saúde
foi sendo tecida em nosso país, assim como a associação dela com a educação.

Para melhor elucidar esses movimentos, caro(a) leitor(a), faremos um recorte


histórico nos preocupando apenas com o movimento entre saúde e educação ou
os primeiros indícios dessa relação. Ressaltamos que esse movimento certamente
teria relação com outros acontecimentos históricos, pois não há como fazer
história numa linearidade e sucessão de datas apenas. Mas, por uma questão
didática e para especificar a questão saúde e educação, trataremos agora de
utilizar um resumo de um trabalho de Patrícia Carla Silva do Vale Zucoloto (2007),
intitulado: “O Médico Higienista na Escola: As origens históricas da medicalização
do fracasso escolar”. O referido trabalho é parte da sua dissertação de mestrado
em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia
da Universidade de São Paulo e consta na íntegra no link: <www.revistasusp.sibi.
usp.br/pdf/rbcdh/v17n1/13.pdf>.

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Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

A presente linha do tempo é um recorte histórico trazendo


proximidades nas datas e refere-se às primeiras interferências do
Estado Brasileiro em torno da relação entre saúde e educação:

1850 – A partir dessa data houve grande busca pelo controle de


epidemias no Rio de Janeiro.

1860 – Movimento médico-higienista começa a tomar força nas


escolas como forma de controle e fiscalização da saúde das crianças.

1865 – Estudos, pesquisas e teses começaram a ser feitas


por médicos numa área denominada “higiene escolar”. Os estudos
ficavam concentrados na Faculdade de Medicina da Bahia e na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Tanto os estudos como
as pesquisas e teses tinham como objetivo discutir: higiene pública
escolar; o papel do médico na escola; prescrições higiênicas quanto à
escola; prescrições higiênicas quanto ao local construído; concepção
de educação e trabalho pedagógico.

1870/1880 – A questão da higiene pública é entendida e definida


com olhar de prevenção de doenças.

1890 – Por volta dessa década, começa-se a pensar numa


higiene escolar com o intuito de elevar a nação brasileira. Entendendo
que era preciso zelar pelas crianças e jovens, pois são o futuro de
nosso país e a força propulsora para o progresso da nação.

1900 – A importância da higiene escolar era vista como forma de


possibilitar a renovação do caráter, o combate a vícios, transformar
os interesses individuais em coletivos, incutir deveres para com o
trabalho e a nação.

1910 – É criado o serviço de Inspeção Médica Escolar da Cidade


do Rio de Janeiro, sob direção de Morcovo Filho, médico do Instituto
de Proteção e Assistência a Infância do Rio de Janeiro.

1920/ 1930- Médicos marcam presença nas escolas públicas e


começam a desenvolver a formação dos profissionais da educação.
Na Bahia, criam-se centros e clínicas de higiene mental escolar.
1939 – É produzido e lançado o primeiro livro sobre problemas
na aprendizagem escolar, com o título: “A criança problema”, sob

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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

autoria de Arthur Ramos, que tinha como formação de base a


medicina e a antropologia.

1940/ 1950- A partir desse período, disseminaram-se, cada vez


com mais força, pesquisas, trabalhos e investimentos de pessoas em
torno da problemática saúde e educação. Havia um olhar em torno
da indisciplina na escola e do mau comportamento do(a) aluno(a).
Era entendido esse problema como algo próprio do sujeito (biológico)
e visto como uma anomalia. Houve, então, uma crescente busca pela
compreensão desse problema.

1940/1950 – Ainda durante esse período e se estendendo até


o final da década de 60, muitos trabalhos foram publicados tendo
como objetivo central: o ensino e a educação dos anormais e débeis
mentais (na época era assim designado aquele que fugia dos padrões
de normalidade estipulados no contexto); problemas de adaptação
e desajuste social; problemas de má conduta e desvio de caráter;
problemas de desajustes no ambiente escolar; desajustamentos de
condutas infantis.

1970/1980 - Importante ressaltar que em torno dessas décadas


houve programas de vacinação das crianças na escola. Atualmente,
ainda são feitas campanhas de vacinação e divulgadas em meios de
comunicação para imunizar as pessoas e evitar epidemias.

A questão do acompanhamento médico em nosso país varia entre


localidades e atualmente cada uma delas têm suas políticas de funcionamento,
sempre seguindo as normas e legislações do Ministério da Saúde e demais leis
que protegem o cidadão. Inclusive, em determinados locais, há acompanhamento
médico das crianças na escola, sendo feitas triagens com o intuito de buscar
possíveis problemas que possam ser trabalhados precocemente e, dessa forma,
proporcionar uma vida mais saudável para essa criança ou, ao menos, oferecer-
lhe tratamento de saúde caso necessite, promovendo, então, qualidade de vida.

Oferecer tratamentos ou, até mesmo, desenvolver campanhas de prevenção de


doenças sabemos que não é o único meio de promover a saúde. Essa promoção
é algo que se conquista com o conhecimento, com esclarecimentos em torno
das situações da vida. E a escola é o palco por excelência onde o saber
institucionalizado se dá. Estar informado, conversar sobre o assunto, buscar
conhecimento, questionar, tudo isso faz parte do campo de atuação educacional,
pois a educação é uma forma de emancipação humana.

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Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

Atividade de Estudos:

1) Caro(a) leitor(a), com esse primeiro item discutido e como forma


de exercitar a memória dentro dessa construção histórica da
saúde e da educação, tente conversar com pessoas de diferentes
faixas etárias sobre a saúde, a vacinação, visita de médicos e
campanhas dentro do espaço escolar. Veja o que as pessoas têm
a dizer e faça suas anotações:
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A Inter-Relação entre NeurociÊncia


e Psicopedagogia: Interpretando o
SuJeito Aprendente
Quando pensamos sobre o sujeito em seu processo de aprendizagem ou
sobre a forma como ele aprende ou não aprende, partimos da ideia de que há
eixos que sustentam a forma como as pessoas constroem a aprendizagem em
suas vidas. Poderíamos definir tais eixos como: biológico e social. Certamente
eles têm uma carga afetiva, cognitiva e psicológica que assegura e configura
cada pessoa, pois somos construídos pelas experiências que tivemos ao longo de
nossas vidas.

Sabe-se que mantemos uma carga genética quando nascemos. Chegamos ao


mundo com bases inscritas a partir daqueles que são nossos pais. Mantemos

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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

uma espécie de “estrutura” a partir do DNA. Essa herança é o que resguarda e


fisiologicamente nos faz únicos. Contudo, podemos afirmar que o sujeito não pode
ser definido apenas nesse sentido. Precisamos pensar nessa base biológica para
ser possível todo o restante do nosso desenvolvimento. Ou seja, é necessário ter
pré-condições para desenvolver-se. Nessa direção, o cultural não está dissociado
do biológico e pensar sobre o é possível.

O cérebro humano é o ponto de partida dessa discussão. Não nos limitaremos


a discorrer acerca de sinapses, nem sobre partes específicas de cada região do
cérebro. Nossa discussão partirá da neurociência como suporte para compreender
os processos de aprendizagem do sujeito e fazer disso o embasamento da prática
psicopedagógica.

Para aprofundar conhecimentos sobre as partes específicas


do cérebro e a sua relação com a aprendizagem, sugerimos ler
o livro: O cérebro e o corpo no aprendizado, escrito por Malcon
Anderson Tafner e Julianne Fischer e publicado pela editora da
Uniasselvi no ano de 2004.

Mas, a neurociência, o que seria esse termo?

Segundo Ésper Cavalheiro (2011), pesquisador da Universidade Federal


de São Paulo e um dos mais importantes neurocientistas do Brasil, o termo
neurociência é relativamente recente. Esse termo tentou abarcar todas as divisões
das pessoas que estudam o sistema nervoso. A neurociência é um ramo da
biologia. É a biologia interessada na compreensão da função cerebral. A partir da
neurociência foi possível, com aparelhos específicos, capturar imagens do cérebro
em atividade e compreendê-lo em seu funcionamento. Através da neurociência,
é possível entender as razões fisiológicas relacionadas ao sujeito e possíveis
lesões que causam ou podem causar problemas no seu desenvolvimento e na
aprendizagem. É através da neurociência que poderemos compreender como
se dá o processo de aprendizagem para qualquer pessoa e, então, através
da contextualização, compreender como o sujeito específico aprende. Pois a
estrutura cerebral entre os sujeitos pode ser semelhante, mas os caminhos para a
aprendizagem consolidar-se é construído de forma singular.

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Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

Relacionado a esse assunto e para aprofundar os conhecimentos,


sugerimos que ouça pesquisadores da área e também o professor
Ésper Cavalheiro, da Universidade de São Paulo. Convidamos
você, caro(a) leitor(a), a assistir a um vídeo sobre o cérebro e a
neurociência que apresenta, com imagens e uma discussão bastante
didática, esclarecimentos em torno dessa questão. Acesse o link:
<http://www.youtube.com/watch?v=h9AJbriNqSw&feature=related>.

Jean Piaget (1990) foi um dos pioneiros a discutir sobre a base biológica
da aprendizagem do sujeito. Para pensarmos sobre essa questão, precisamos
entender que nosso cérebro se desenvolve a partir da organização, reorganização e
estabilização (Piaget usava os termos: assimilação, acomodação e equilibração) do
conhecimento, considerando as experiências vividas.

Nesse caso, para o autor, a assimilação refere-se a um novo conhecimento


adquirido, um conhecimento que se consolida através do entendimento da pessoa
(subjetivo). A acomodação relaciona-se ao assentamento das experiências que já
vivemos e entendemos e que, por meio da assimilação estão estruturadas, mas
que, à medida que vivemos outras experiências, acabamos reestruturando-as
constantemente. Já a equilibração funciona como um mecanismo autorregulador.
(PIAGET, 1984). Por exemplo, digamos que uma criança está vivendo uma
determinada experiência (completamente nova ou já vivida noutro momento).
Através disso, tenta entender (assimilar) o estímulo que está recebendo. Feito
isso, ela acomoda o novo conhecimento e permanece num estado de equilibração
dessa experiência. Assim, organiza suas ideias em torno da situação, mantém-se
em equilíbrio. Importante lembrar que para haver aprendizagem é preciso haver
“desequilíbrio”, pois o que faz com que o sujeito aprenda (assimile) é justamente
a busca pelo entendimento através da experiência. Se não houver busca por
entendimento não há como organizar o conhecimento.

Essa questão do conhecimento independe de a criança ou o sujeito ter


alguma dificuldade, transtorno ou distúrbio na aprendizagem ou, até mesmo,
alguma deficiência, pois, antes de qualquer “problema” que se possa apresentar,
todo e qualquer sujeito, dentro de suas limitações, tem capacidade de aprender,
de organizar o conhecimento.

O ponto chave do processo de aprendizagem a partir de Jean Piaget (1984)


e para o trabalho prático dentro da neuropsicopedagogia é compreender que é
destituído de sentido o conhecimento que não se relacione com o interesse do
educando. Por essa razão, tanto se fala da importância da contextualização para
21
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

poder promover a materialização de uma prática pedagógica em sala de aula.


Também por essa razão não há como desenvolver práticas possíveis de serem
aplicadas sem devidos “ajustes” que façam sentido em meios sociais diferentes,
pois é preciso primeiro conhecer uma realidade e os sujeitos dela para, então,
conseguir compreender como esse sujeito vai aprender.

Conhecer a realidade significa conhecer o(a) aluno(a), sua


família, sua história, a comunidade em que vive, enfim, tudo aquilo
que se relaciona com o sujeito e que é importante de ser considerado
no seu processo de aprendizagem.

Um passo muito importante para compreender como a criança aprende


é considerar a motivação e o interesse dela na aprendizagem. Logo abaixo,
apresentamos uma tirinha do personagem Calvin que elucida a situação:

Fonte: Disponível em: <http://depositodocalvin.blogspot.


com/2010/03/blog-post.html>. Acesso em: 02 out. 2012.

Na tirinha acima vemos que, a princípio, não há motivação do personagem


“Calvin” para ir à escola. Mas, algo dentro dele o fez levantar e ir a partir do
questionamento da mãe. Com essa ilustração, queremos apresentar a você,
caro(a) leitor(a), que a motivação e o interesse, embora pareçam ser externos ao
sujeito, são um processo que acontece internamente a partir da reestruturação
do seu conhecimento quando encontram situações ou experiências que conflitam
com as suas previsões e, de alguma forma, despertam sua atenção. Motivação é
aquilo que move o sujeito para seguir em busca daquilo que o interessa. (PIAGET,
1984). Além disso, esta questão está relacionada a aspectos da afetividade.

Nunca há ação puramente intelectual (sentimentos múltiplos


intervém, por exemplo: na solução de um problema
matemático, interesses, valores, impressão de harmonia,
etc.) Assim como também não há atos que sejam puramente

22
Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

afetivos (o amor supõe a compreensão.) Sempre e em todo


o lugar, nas condutas relacionadas tanto a objetos como a
pessoas, os dois elementos intervém, porque se implicam um
ao outro. (PIAGET, 1984, p. 38).

A questão do interesse, como vimos, está relacionada também à afetividade


para, assim, construir a compreensão das coisas. Isso, de certa forma e
para qualquer situação, causa desequilíbrio e o que chamados de “conflitos
cognitivos”. São eles que impulsionam hipóteses a partir de quando o raciocínio
não é confirmado. Por essa razão, é importante promover situações em que os
alunos estejam em conflito, reflitam para transpor suas limitações cognitivas
e reorganizar o saber, o conhecimento. Também nesse movimento ocorrem as
interações sociais, as amizades, a cooperação entre os sujeitos, o meio que
promove também conflitos, desequilíbrio e, consequentemente, aprendizagem.

É importante lembrar que em termos de trabalho pedagógico, na construção


da aprendizagem escolar todo esse movimento se constrói e se conquista a partir
do momento em que se conhece esse sujeito, seu contexto e sua história. É a
partir disso que se torna possível a construção da prática educacional porque
então saberemos sobre o que motiva esse sujeito, o que gera interesse em sua
vida. Lembre-se daquilo que afirmamos inicialmente: o sujeito tem uma carga
biológica e outra social.

Vimos discutindo sobre a forma de conduzir os processos de aprendizagem


e indicamos caminhos para refletir sobre o assunto por meio da neurociência. A
não aprendizagem, quando não considerada como assunto relevante, pode atingir
o campo emocional da criança, desenvolvendo sentimentos negativos a respeito
de si, do conteúdo, da escola e daqueles sujeitos envolvidos na situação. Dessa
gama de relações podem surgir as lacunas de aprendizagem, que necessitam
ser reconstruídas a partir da intervenção psicopedagógica ou numa abordagem
pedagógica relacionada à neurociência. Pois, entendendo como o sujeito aprende
e quais os caminhos percorridos para a aprendizagem, é possível intervir de modo
eficaz.

Importante lembrar que a psicopedagogia tem como eixo


norteador de trabalho a busca pela compreensão dos processos de
aprendizagem e não aprendizagem e a construção dos caminhos que
levam um sujeito a aprender. Para aprofundar estudos em torno do que
é de competência da psicopedagogia trabalhar, informações e legislação
sobre o assunto, convidamos você a visitar a página da Associação
Brasileira de Psicopedagogia por meio do link: <www.abpp.com.br/>.

23
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Atividade de Estudos:

1) Como forma de refletir sobre o que vimos discutindo e exercitar


as novas informações adquiridas, tente pensar na sua prática
profissional em uma ou mais situações em que você, conduzindo
o processo de aprendizagem de crianças ou jovens, conseguiu
perceber o conflito e a reorganização do saber desse sujeito.
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Entender o sujeito tendo em vista suas bases biológicas, sua história e


o contexto, ou seja, os aspectos sociais é determinante para a construção da
aprendizagem escolar. Além disso, é muito importante poder contar com o suporte
de algumas especialidades da área da saúde como auxílio neste processo quando
assim for necessário. Sobre esse assunto trataremos de discutir na próxima seção.

As EspecialiZações da Medicina como


Aporte do Processo de Ensino e
AprendiZagem.
Certamente você deve lembrar, caro(a) leitor(a), sobre a construção histórica
em torno da medicina e a relação dela com a educação, a qual discutimos no
início deste capítulo. Gostaríamos de reforçar a presença e importância de áreas
da medicina na educação diante das dificuldades encontradas em torno dos
processos de aprendizagem.

24
Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

Áreas da medicina como: psiquiatria, neurologia (neuropediatria),


otorrinolaringologia, ortopedia, nutrologia são os campos indicados como suporte
aos processos de aprendizagem.

Lembre-se, caro(a) leitor(a), de algumas definições, segundo o


dicionário Aurélio (1999):

Psiquiatria: Parte da medicina que trata do estudo e do


tratamento de doenças mentais.

Neurologia: Ramo da medicina que se ocupa das doenças do


sistema nervoso em todos os seus aspectos.

Neuropediatria: Ramo da medicina que se ocupa das doenças


do sistema nervoso em todos os seus aspectos em crianças.

Otorrinolaringologia: Parte da medicina consagrada ao estudo


e tratamento das doenças do ouvido, do nariz e da garganta.

Ortopedia: Ramo da medicina que se ocupa do tratamento e


estudo de doenças do esqueleto.

Nutrologia: Ramo da medicina que se ocupa da nutrição em todos


os seus aspectos: normais, patológicos, clínicos e terapêuticos.

Além disso, sabemos que áreas equivalentes, como a psicologia, fisioterapia,


fonoaudiologia, nutricionismo, odontologia, embora não sejam áreas da medicina,
estão inseridas no campo da saúde, exercem a práxis no resgate desse sujeito e
atuam como suporte da educação.

Lembre-se, caro(a) leitor(a), conforme o dicionário Aurélio (1999):

Psicologia: Ciência dos fenômenos psíquicos e do


comportamento. (Profissional que atua: psicólogo).

Fisioterapia: Tratamento de doença por meio do exercício e de


agentes físicos. (Profissional que atua: fisioterapeuta).

25
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Fonoaudiologia: Estudo da fonação e da audição das


suas perturbações e tratamento delas. (Profissional que atua:
fonoaudiólogo).

Nutricionismo: Estudo sistemático dos problemas relativos à


nutrição. (Profissional que atua: nutricionista, que planeja dieta de
acordo com o sujeito e a situação).

Odontologia: ciência que se ocupa da higiene, profilaxia e


tratamento das doenças dentárias. (Profissional que atua: dentista).

Sabe-se que a questão da promoção da saúde também está relacionada a


políticas públicas. Nesse caso, salientamos os direitos da criança e do adolescente
garantidos em forma de lei pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
(BRASIL, 1990):

Título II

Dos Direitos Fundamentais

Capítulo I

Do Direito à Vida e à Saúde

Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida


e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas
que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e
harmonioso, em condições dignas de existência.

Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de


Saúde, o atendimento pré e perinatal.

§ 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis


de atendimento, segundo critérios médicos específicos,
obedecendo-se aos princípios de regionalização e
hierarquização do Sistema.

§ 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo


médico que a acompanhou na fase pré-natal.

§ 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à


gestante e à nutriz que dele necessitem.

§ 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência


psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal,
inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências
do estado puerperal. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)
Vigência

26
Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

§ 5º A assistência referida no § 4o deste artigo deverá ser


também prestada a gestantes ou mães que manifestem
interesse em entregar seus filhos para adoção. (Incluído pela
Lei nº 12.010, de 2009)Vigência

Art. 9º O poder público, as instituições e os empregadores


propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno,
inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de
liberdade.

Art. 10. Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à


saúde de gestantes, públicos e particulares, são obrigados a:

I - manter registro das atividades desenvolvidas, através de


prontuários individuais, pelo prazo de dezoito anos;

II - identificar o recém-nascido mediante o registro de sua


impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe,
sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade
administrativa competente;

III - proceder a exames visando ao diagnóstico e terapêutica


de anormalidades no metabolismo do recém-nascido, bem
como prestar orientação aos pais;

IV - fornecer declaração de nascimento onde constem


necessariamente as intercorrências do parto e do
desenvolvimento do neonato;

V - manter alojamento conjunto, possibilitando ao neonato a


permanência junto à mãe.

Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança


e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde,
garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços
para promoção, proteção e recuperação da saúde. (Redação
dada pela Lei nº 11.185, de 2005).

§ 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência


receberão atendimento especializado.

§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles


que necessitarem os medicamentos, próteses e outros recursos
relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

Art. 12. Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão


proporcionar condições para a permanência em tempo integral
de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de
criança ou adolescente.

Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-


tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente
comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade,
sem prejuízo de outras providências legais.

27
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem


interesse em entregar seus filhos para adoção serão
obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da
Juventude. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)Vigência

Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas


de assistência médica e odontológica para a prevenção das
enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil,
e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e
alunos.

Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos


casos recomendados pelas autoridades sanitárias.

Fique atento(a), caro(a) pós-graduando(a): as leis podem sofrer


modificações em sua estrutura, mas elas existem para defender o
sujeito e também cobrar seus deveres. Mesmo que mude em algum
aspecto, elas continuarão exercendo sua função.

O ECA (BRASIL, 1990) é um meio de assegurar os direitos a toda e qualquer


criança e adolescente que necessite de acompanhamento médico, seja qual for
a área da medicina ou saúde. E o papel do(a) professor(a) é muito importante
neste caso, pois ele é o agente que intermediará esse atendimento ou fará esta
solicitação e/ou encaminhamento junto aos órgãos afins. O(A) professor(a), por
atuar diretamente com a criança ou o adolescente que possa apresentar algum
problema relacionado à saúde e processos de aprendizagem, tem a obrigação
de buscar uma solução junto aos órgãos competentes e esta atuação está
assegurada em forma de lei.

Certamente é necessário que se tenha a consciência de que há diferenças


individuais no desenvolvimento intelectual das crianças. Isso não significa
ser “mais” ou “menos” inteligente e também não servirá como mecanismo de
comparações. As pessoas aprendem de maneiras distintas e a aprendizagem
acontece dentro do tempo de cada sujeito. As áreas da medicina e saúde vêm
para auxiliar a educação, na medida em que a educação necessite de aporte para
construir, reconstruir e ressignificar a aprendizagem.

Algumas Considerações
Caro(a) leitor(a), neste capítulo você pode conhecer aspectos sobre
a correlação entre a saúde e a educação através de momentos históricos

28
Capítulo 1 DIÁLOGO ENTRE EDUCAÇÃO E SAÚDE

importantes, bem como os aspectos das neurociências (e neurologia) que estão


relacionados à aprendizagem do sujeito. Compreendeu a importância da medicina
como uma ferramenta de auxílio para o(a) professor(a) em sala de aula, bem
como aparatos legais que asseguram esse processo.

Salientamos que a medicina teve e ainda tem um grande peso nas decisões
sobre a aprendizagem e a não aprendizagem das crianças na escola. De um lado,
ela pensou e, em algumas circunstâncias, ainda pensa a saúde das crianças e
jovens tendo em vista a base biológica de seu desenvolvimento com maior peso.
Por vezes, a medicina vê que a saúde é uma questão individual e decorrente do
organismo (biológico) do sujeito. Mas não podemos deixar de considerar que a
saúde também é um problema de políticas públicas e que a aprendizagem e não
aprendizagem escolar está relacionada muito fortemente à qualidade de vida do
sujeito, seu meio e sua história.

ReFerÊncias
ARIÈS, Philippe. A História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro:
LTC, 1981.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13/07/1990.


Florianópolis: IOESC, 1990.

BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Infância e Maquinarias. Rio de Janeiro: DP&A,


2003.

CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Quando a história da Educação é a história


da disciplina e da higienização das pessoas. In: FREITAS, Marcos Cezar. (Org.).
História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2003.

CAVALHEIRO, Ésper. O Cérebro e a Neurociência: Programa produzido


pela Univesp TV para o curso de extensão Ética Valores e Saúde na Escola,
oferecido pela Universidade de São Paulo. 2011. Disponível em: <http://www.
youtube.com/watch?v=h9AJbriNqSw&feature=related>. Acesso em: 27 out.
2012.

FERREIRA, A. B. H. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI. [CD-ROM]


versão 3.0. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira e Lexikon Informática; 1999.

KUHLMANN JÚNIOR, Moysés. Infância e Educação Infantil: Uma abordagem


histórica. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 1998.

29
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Declaração de Alma-Ata. 1978.

PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense-


Universitária, 1984.

______. Epistemologia Genética. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

PINTO, Alvaro Vieira. Sete Lições sobre Educação de Adultos. São Paulo:
Cortez, 2000.

ZUCOLOTO, Patrícia Carla Silva do Vale. O médico higienista na escola: as


origens históricas da medicalização do fracasso escolar. Revista Brasileira de
Crescimento e Desenvolvimento Humano, São Paulo, v. 1, n. 17, p.136-145, 1
fev. 2007. Semestral.

30
C APÍTULO 2
O Laudo e sua Contribuição
para a Educação

A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Discutir a importância legal do laudo.

 Compreender o laudo e construir a prática pedagógica a partir disso.

 Descrever o papel dos profissionais da educação em relação ao sujeito


diagnosticado e o seu contexto social.
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

32
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

ContextualiZação
Caro(a) leitor(a), neste segundo capítulo, após discutirmos e nos
conscientizarmos da importância de compreender a saúde e a educação como
indissociáveis, apresentaremos a você a importância do laudo médico em
seus aspectos legais e o apoio dos demais profissionais que podem auxiliar no
processo de aprendizagem da criança quando for necessário.

Pretendemos abrir uma discussão e uma reflexão crítica em torno da


necessidade dos encaminhamentos e possíveis equívocos que podem surgir caso
esse documento não seja interpretado adequadamente. Além disso, buscaremos
problematizar algumas questões sobre o consumo de medicamentos no momento
histórico em que vivemos.

Sabe-se que a partir do laudo apresentado pelo médico ou profissional da


saúde, é preciso construir uma prática pedagógica que possibilite interação e
aprendizagem escolar do sujeito diagnosticado. Em virtude disso, perguntamo-
nos: como poderemos pensar sobre isso? Como materializar essa prática? Como
criaremos significados em torno do que foi dito ou escrito a partir do diagnóstico,
tanto para a vida escolar do(a) aluno(a) quanto para ele(a) como sujeito social?

Essas reflexões tecerão este capítulo com o intuito de auxiliá-lo(a), caro(a)


leitor(a), em sua caminhada de ensinante e aprendente em diferentes contextos
diante da problemática apresentada.

Aportes Legais do Laudo e sua


Contribuição para a Prática
PedagÓgica
Transtornos, distúrbios, dificuldades de aprendizagem, “desajustes
comportamentais”, sofrimentos alheios, enfim, muitas vezes, encontramo-nos
de mãos atadas diante da dimensão a enfrentar em torno das adversidades da
profissão nos mais diferentes contextos a atuar.

Certamente, ao pensar na profissão de professor, há que se compreender


que o “ensino” e a “aprendizagem” são um processo, em determinados momentos,
de difícil compreensão e apreensão, que não se restringe apenas a processos
mentais e individuais, mas sociais e intersubjetivos.

33
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Para auxiliar o trabalho docente, atualmente há pesquisas, leis e incentivo,


auxílio e/ou apoio às crianças que apresentam algumas necessidades especiais
ou deficiência e que, de certa forma, necessitem de adequações em relação
aos conteúdos, ao currículo proposto, às instalações locais e procedimentos
atitudinais. Certamente o funcionamento disso, na prática, acontecerá com o
apoio de políticas públicas locais. Porém vale ressaltar que tais processos são
determinados em lei e que nós, professores, quando percebemos a necessidade
de encaminhamento das crianças para o atendimento, precisamos buscar nos
órgãos competentes o devido apoio.

É muito importante, caro(a) leitor(a), conhecer os caminhos


que asseguram o sujeito que está precisando de atendimento
educacional especializado. Para isso, indicamos como leitura o portal
do Governo Federal. Nele há inúmeras leis, decretos e normatizações
relacionadas ao assunto. Vá em busca desse conhecimento
acessando o link: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=16761&Itemid=1123>.

Sabe-se que a partir da Constituição Federal (1988), os direitos (e deveres)


de todo e qualquer cidadão foram assegurados. Assim, temos leis específicas em
cada setor (Ministérios) para a efetivação desses direitos e deveres. Queremos,
com isso, afirmar que a Constituição seria o primeiro caminho para buscar a
efetivação dos direitos (e deveres), principalmente para o atendimento médico do
sujeito que necessite.

No caso de este sujeito ser uma criança ou adolescente, se observarmos


o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), instituído pela Lei no
8.069, nele consta, em seus direitos fundamentais, orientações de atendimento
na área da saúde desde o nascimento, incluindo, se necessário, exames, laudos
e/ou diagnósticos, conforme discutimos no capítulo primeiro de nosso caderno de
estudos. O Estado e seus Municípios assegurarão o acesso a esses serviços e
seu devido funcionamento.

Muitas vezes, é a partir do momento em que a criança passa a frequentar


Instituições de Educação que são detectados problemas na aprendizagem. Há
momentos em que isso ocorre na Educação Infantil e outros apenas no Ensino
Fundamental.

É papel do professor(a) conversar e orientar os pais quando percebe


dificuldades no desenvolvimento das atividades escolares, alterações no
34
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

comportamento da criança e, então, é dever da família buscar atendimento na


área da saúde. Porém, é importante salientar que ao(à) professor(a) não cabe
a tarefa de diagnosticar, definir ou nominar o problema que o(a) aluno(a) tenha.
O(A) professor(a) apenas esclarecerá aos pais sobre a necessidade de a criança
ser encaminhada para um profissional da saúde, geralmente um médico clínico
geral e este reencaminha aos profissionais específicos para tratar e acompanhar
a criança em questão.

O laudo médico é o documento necessário que assegura atendimento


especializado para a criança que apresentar alguma deficiência e explica em
termos médicos o que a criança apresenta como consequência do “não aprender”
ou das dificuldades enfrentadas no âmbito escolar, sejam estas de ordem cognitiva/
comportamental sejam de ordem social. É muito importante, conforme Montoya
(1996) e Ramozzi-Chiarottino (1994), que criança tenha um diagnóstico precoce,
para que, então, seja feita uma intervenção adequada conforme suas necessidades.

A questão do laudo do diagnóstico é discutida amplamente


num documento chamado: “Documento Subsidiário à Política da
Inclusão”. É muito importante tomar conhecimento disso, caro(a) pós-
graduando(a). É possível obter o documento na íntegra, acessando
o link: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/docsubsidiariopoli
ticadeinclusao.pdf>.

Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), Lei no 9.394/96,


houve especificações sobre o atendimento à educação e suas diferentes faixas
etárias, bem como o direcionamento a posteriores documentos, buscando
assegurar à criança seu pleno desenvolvimento no âmbito educacional. Assim,
a partir da LDB, foram discutidos e elaborados documentos norteadores para o
atendimento educacional em escolas e demais Instituições de Educação. Um
documento importante para seu conhecimento, caro(a) leitor(a), é o Decreto
no 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Parte dele, destinada à área da Saúde,
descreve sobre os diagnósticos (BRASIL, 1999):

Seção I

Da Saúde

Art. 16. Os órgãos e as entidades da Administração Pública


Federal direta e indireta responsáveis pela saúde devem
dispensar aos assuntos objeto deste Decreto tratamento
prioritário e adequado, viabilizando, sem prejuízo de outras, as
seguintes medidas:
35
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

I - a promoção de ações preventivas, como as referentes


§ 2º A deficiência ao planejamento familiar, ao aconselhamento genético, ao
ou incapacidade acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério, à
deve ser nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao controle
da gestante e do feto de alto risco, à imunização, às doenças
diagnosticada do metabolismo e seu diagnóstico, ao encaminhamento
e caracterizada precoce de outras doenças causadoras de deficiência, e à
por equipe detecção precoce das doenças crônico-degenerativas e a
outras potencialmente incapacitantes;
multidisciplinar
de saúde, para § 2º A deficiência ou incapacidade deve ser diagnosticada e
fins de concessão caracterizada por equipe multidisciplinar de saúde, para fins
de benefícios e de concessão de benefícios e serviços.
serviços.
§ 2º Para efeito do disposto neste artigo, toda pessoa que
apresente redução funcional devidamente diagnosticada
por equipe multiprofissional terá direito a beneficiar-se
§ 2º Para efeito dos processos de reabilitação necessários para corrigir ou
do disposto modificar seu estado físico, mental ou sensorial, quando este
neste artigo, constitua obstáculo para sua integração educativa, laboral e
toda pessoa social.

que apresente
redução funcional Art. 20. É considerado parte integrante do processo de
devidamente reabilitação o provimento de medicamentos que favoreçam
a estabilidade clínica e funcional e auxiliem na limitação da
diagnosticada incapacidade, na reeducação funcional e no controle das
por equipe lesões que geram incapacidades.
multiprofissional
Art. 21. O tratamento e a orientação psicológica serão
terá direito a
prestados durante as distintas fases do processo reabilitador,
beneficiar-se destinados a contribuir para que a pessoa portadora de
dos processos deficiência atinja o mais pleno desenvolvimento de sua
de reabilitação personalidade.
necessários Parágrafo único. O tratamento e os apoios psicológicos serão
para corrigir ou simultâneos aos tratamentos funcionais e, em todos os casos,
modificar seu serão concedidos desde a comprovação da deficiência ou do
início de um processo patológico que possa originá-la.
estado físico,
mental ou Art. 22. Durante a reabilitação, será propiciada, se necessária,
sensorial, quando assistência em saúde mental com a finalidade de permitir que
a pessoa submetida a esta prestação desenvolva ao máximo
este constitua
suas capacidades.
obstáculo para
sua integração Art. 23. Será fomentada a realização de estudos
educativa, laboral epidemiológicos e clínicos, com periodicidade e abrangência
adequadas, de modo a produzir informações sobre a
e social. ocorrência de deficiências e incapacidades.

Diante disso, vemos a importância do amparo da área da saúde, por meio


de laudos médicos, para auxiliar na conquista do apoio necessário para o
atendimento às crianças que apresentem não apenas as deficiências comuns
que encontramos nas escolas como: deficiência visual, mental, física, paralisia
36
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

cerebral, surdez, etc., mas, também, os transtornos globais do desenvolvimento


como, por exemplo: transtornos do espectro autista, as psicoses infantis, a
Síndrome de Asperger, a Síndrome de Kanner e a Síndrome de Rett, distúrbios
e dificuldades que interferem no processo de aprendizagem e atingem muitas
crianças em diferentes contextos.

Sobre os Transtornos Globais do desenvolvimento, assim


como sobre deficiências, dificuldades e distúrbios de aprendizagem,
convidamos você, caro(a) leitor(a), a visitar o site da Revista Nova
Escola e ler um pouco sobre o assunto. A referida revista traz
conteúdos didáticos, de fácil compreensão, e boas indicações de
bibliografias para aprofundamento do assunto. O link de acesso é:
<http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/educacao-especial/
transtornos-globais-desenvolvimento-tgd-624845.shtml>.

É importante salientar que muitos problemas que acompanham as


crianças e podem interferir ou dificultar o seu desenvolvimento escolar
não estão caracterizados como problemas de fato. Por exemplo, muitas
vezes a forma como fala, a forma como expressa seus pensamentos por
conta de expressões culturais e/ou regionais, o jeito como interage com os
demais sujeitos, são vistos a partir de preconceitos que são estabelecidos
e normalizados no local. Nesse caso, refletimos fazendo uso do que foi
disposto na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). Embora muitos
acreditem que ela esteja direcionada à Educação Especial, destina-se à
Educação para todos, afirmando que compete aos governos atribuírem “[...] a
mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas
educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças,
independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais.” (UNESCO,
1994, item 2). Afirma-se, ainda, que:

• toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a


oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,

• toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de


aprendizagem que são únicas. (UNESCO, 1994, item 2).

A Declaração de Salamanca foi um dos documentos que trouxe importantes


reflexões em torno da Educação. Foi a partir dela que houve a reorganização
e a reformulação de documentos, políticas e práticas voltadas ao atendimento

37
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

especializado às crianças nas escolas e que abarcassem não apenas às


crianças com deficiências, mas a todas as crianças considerando suas
especificidades. Com a declaração de Salamanca reafirma-se que a escola é o
local em que há diversidade e que nenhuma criança é igual à outra. Que todos
têm direito de aprender e aprendem em seu tempo. Neste documento é possível
de se entender também que as crianças são mais importantes do que suas
diferenças e limitações e não deve ser é isso um elemento gerador de impasses
e impedimentos, mas acesso ao conhecimento e troca a partir da diversidade,
respeito e alteridade mútuos.

A partir desse entendimento, caro(a) leitor(a), e como forma de aprofundar


seus conhecimentos em torno da discussão sobre as diferenças individuais,
convidamos você a fazer a leitura de um trecho de um importante documento
intitulado:

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva


da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007).

V – Alunos atendidos pela Educação Especial

[...]

Em 1994, a Declaração de Salamanca proclama que as escolas


regulares com orientação inclusiva constituem os meios mais
eficazes de combater atitudes discriminatórias e que alunos com
necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola
regular, tendo como princípio orientador que “as escolas deveriam
acomodar todas as crianças independentemente de suas condições
físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras.”
(BRASIL, 2006, p.330). O conceito de necessidades educacionais
especiais, que passa a ser amplamente disseminado a partir dessa
Declaração, ressalta a interação das características individuais dos
alunos com o ambiente educacional e social. No entanto, mesmo
com uma perspectiva conceitual que aponte para a organização
de sistemas educacionais inclusivos, que garanta o acesso de
todos os alunos e os apoios necessários para sua participação e
aprendizagem, as políticas implementadas pelos sistemas de ensino
não alcançaram esse objetivo.

Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial


passa a integrar a proposta pedagógica da escola regular,
promovendo o atendimento às necessidades educacionais

38
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

especiais de alunos com deficiência, transtornos globais de


desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nestes
casos e outros, que implicam em transtornos funcionais
específicos, a educação especial atua de forma articulada com o
ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades
educacionais especiais desses alunos.

A educação especial direciona suas ações para o atendimento às


especificidades desses alunos no processo educacional e, no âmbito de
uma atuação mais ampla na escola, orienta a organização de redes de
apoio, a formação continuada, a identificação de recursos, serviços e o
desenvolvimento de práticas colaborativas.

Os estudos mais recentes no campo da educação especial


enfatizam que as definições e uso de classificações devem ser
contextualizados, não se esgotando na mera especificação ou
categorização atribuída a um quadro de deficiência, transtorno,
distúrbio, síndrome ou aptidão. Considera-se que as pessoas se
modificam continuamente, transformando o contexto no qual se
inserem. Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada
para alterar a situação de exclusão, reforçando a importância dos
ambientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem de
todos os alunos.

A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com


deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de
natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas
barreiras, podem ter restringida sua participação plena e efetiva
na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais
do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações
qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação,
um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado
e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo,
síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos
com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado
em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas:
intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de
apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e
realização de tarefas em áreas de seu interesse.

Fonte: Documento n° 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria


n° 948, de 09 de outubro de 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.
br/seesp/arquivos/txt/revinclusao5.txt>. Acesso em: 14 ago. 2012.

39
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

É importante salientar que o trabalho pedagógico de sala de aula requer,


em vários momentos, adequações para o atendimento ao alunado. Não são as
crianças que precisam se adequar à Escola, mas a Escola comprometer-se em
atender a diversidade. Por essa razão, fala-se no termo “Inclusão” num sentido
maior, pois:

Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às


necessidades diversas de seus alunos, acomodando ambos
os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma
educação de qualidade a todos através de um currículo
apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de
ensino, uso de recurso e parceria com as comunidades. Na
verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e
apoio proporcional ao contínuo de necessidades especiais
encontradas dentro da escola. (UNESCO,1994).

Certamente nós, professores, não iremos atingir a todos os alunos a todo


o momento em relação ao processo de aprendizagem, mas é nosso papel
refletir sobre o assunto e ter um entendimento de que as classes escolares são
heterogêneas e, cada vez mais, faz-se necessário adequar-nos a sistemas de
ensino que compreendam e exerçam sua função: construir o conhecimento a
partir da diversidade, oferecendo, também, meios diversos de aprender de acordo
com a demanda que se apresenta.

Para acompanhar os professores frente à demanda existente diante dos


problemas de aprendizagem dos alunos, vem a área da saúde atuar como auxiliar,
buscando oferecer o diagnóstico e a terapêutica complementar independente do
meio utilizado. Mas, precisamos refletir novamente, conforme já questionado no início
deste capítulo, sobre como construir uma prática pedagógica que possibilite interação
e aprendizagem escolar desse sujeito diagnosticado. Como poderemos pensar sobre
isso? Como materializar essa prática? Como criaremos significados em torno do
que foi dito ou escrito a partir do diagnóstico, tanto para a vida escolar do(a)
aluno(a) quanto para ele(a) como sujeito?

É importante salientar, conforme discutido anteriormente, que o diagnóstico


médico ou de profissional da saúde assegura atendimento à criança que precise
de apoio especializado por apresentar problemas específicos na aprendizagem.
Ele é necessário a partir de leis, esclarecedor em torno do que o sujeito apresenta
e decisivo na busca de mais esclarecimentos sobre problemas específicos que o
sujeito apresentou. Sendo assim, ele possibilita a busca por aprofundamento na
pesquisa sobre o assunto e na construção de caminhos pedagógicos que incluam
e conduzam o sujeito no processo de aprendizagem.

40
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

Atividade de Estudos:

1) A partir dos questionamentos apresentados anteriormente,


convidamos você, caro(a) leitor(a), a buscar, na secretaria de
sua escola, um laudo médico de um(a) aluno(a). Faça a leitura
dele e escreva nas linhas abaixo o que compreendeu desse
laudo e como poderia ser possível o trabalho com esse sujeito no
contexto da sala de aula.
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Leitura e Produção de SigniFicados:


o Laudo para o SuJeito e seu
Contexto Educacional
Até o momento, caro(a) pós-graduando(a), vimos discutindo sobre a
importância do laudo para o trabalho pedagógico. Certamente, o laudo em si e
isoladamente não resolverá nossos problemas em sala de aula, pois é a partir dele
que será materializada a prática pedagógica de resgate desse sujeito em relação
ao processo de ensino e aprendizagem. O laudo é importante e necessário para

41
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

conquistar o atendimento paralelo (por direito), para um segundo professor em


sala de aula (quando necessário) e demais procedimentos técnicos que somente
um médico poderá prescrever.

Sobre o segundo professor e sobre o apoio legal que assegura


atendimento diferenciado neste caso, convidamos você, caro(a)
leitor(a), a aprofundar a leitura com a Resolução no 4 de 2 de outubro
de 2009. O link de acesso é: <http://peei.mec.gov.br/arquivos/
Resol_4_2009_CNE_CEB.pdf>.

Diante disso, é importante saber que, em alguns casos, esse sujeito


diagnosticado já perpassou outras instituições. Muitas vezes, diante da própria
“dificuldade, distúrbio ou transtorno” que tem, muitas frustrações o acompanham.
Por vezes, há grande desmotivação dele e da família. O trabalho pedagógico pós-
laudo, nesse caso, tem como eixo norteador uma espécie de reconfiguração do
aprender.

Para melhor compreender a questão, apresentamos a você, caro(a)


leitor(a), o laudo de uma criança que frequentou, no ano de 2008, o 4º ano do
ensino fundamental em escola pública no Estado de Santa Catarina. Este aluno
frequentou a sala de aula em que eu, professora Cláudia, tive a oportunidade de
atuar e aprender a construir a prática.

Laudo NeurolÓgico:
O menor João dos Santos, 9 anos, apresenta atraso no desenvolvimento
neuropsicomotor com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtorno
opositor-desafiador secundários.

O mesmo precisa de estimulação global com postura familiar em todos os


aspectos, elogiando e recompensando os pontos positivos, com limites claros e
objetivos, tendo uma disciplina equilibrada nas situações em que João não as
cumpre.

A escola se possível deve ter intervenções específicas como sempre ter a


mesma arrumação de carteiras; colocar João perto do(a) professor(a), longe de
crianças que o provoquem; começar com tarefas simples e gradualmente mudar
para mais complexas; comunicar-se com os pais; favorecer oportunidades para
42
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

movimentos monitorados; recompensar os esforços e o comportamento bem


sucedido. A escola e o(a) professor(a) não devem ser mártires e sim reconhecer
seus limites e sua tolerância.

Estou à disposição para maiores informações.

Doutor Castilho Fernandes

CRM 0101

Neuropediatria

Observação: O laudo traz pseudônimos, mas o conteúdo é real.

O aluno ao qual o laudo se refere passou a frequentar a sala de aula em


que atuava a partir da metade do ano. Apresentava baixa tolerância a frustrações,
frequentemente batia nos colegas, agredia a todos com palavras e gestos
obscenos. Opunha-se a desenvolver os trabalhos apresentados, negava-se a
construir sua aprendizagem. Mas, diante da negação, diante do caos, era preciso
encontrar um caminho. João era um menino de apenas nove anos que precisava
ser aceito, inserido no grupo e trabalhadas suas capacidades, investindo na
construção do saber e do fazer. Além disso, precisava saber sobre o seu lugar e o
lugar do outro. Entendendo até onde poderia ir e parar, ou seja, precisava aceitar
os limites alheios e os seus.

Essa reconstrução iniciou com muito diálogo. Foi a partir da palavra que
começamos a construir o caminho:

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto


pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém.
Ela constitui justamente o produto da relação do locutor e do ouvinte. Toda
palavra serve de expressão a um em relação ao outro, isto é, em última análise,
em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e
os outros. (BAKHTIN, 2004, p. 113).

Essa “ponte”, escrita por Bakhtin (2004), deu-se a partir de uma construção
em grupo, pois era preciso muita compreensão deste para ser possível o trabalho.
As constantes agressões e demais formas de expressão comportamentais
precisavam ser compreendidas pelo grupo para, então, juntos – pois vivemos
em sociedade – buscarmos um meio de convívio possível. O laudo não pode
criar uma barreira de “pena”, “lamento” ou “exclusão”. Era preciso construir um
significado. Estar diagnosticado para nós, naquele momento, apresentava partes
ditas pelo médico do “estado” do João, naquela circunstância. Havia elementos
que o limitavam, precisávamos descobrir quais eram e ele também precisava

43
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

entender isso, para tentar controlar-se diante dessas situações. Isso significou
para todos a transposição de obstáculos.

A partir de conversas coletivas, representações escritas e desenhadas daquilo


que cada um do grupo mais se interessava em fazer, conseguimos elaborar uma
proposta de projeto. Trabalhamos um projeto sobre cobras e, com muito empenho
e compreensão, o grupo, eu e o Henrique produzimos conhecimento.

Esse processo não foi fácil, requereu, acima de tudo, muita paciência,
sensibilidade, aceitação e regras. Constantemente precisávamos retomar
conversas e “combinados” para resolver conflitos. Mas, como sabíamos das
razões deles por ter anteriormente já delimitado e deixado tudo claro, era possível
continuar caminhando.

O primeiro passo para construir a prática pós-laudo é apresentar ao grupo


o que ocorre, explicar de forma simples. Deixar claro os limites de cada um, sem
comparações entre si. Pois as notas e os conceitos embora sejam os mesmos
não são iguais. Cada um a partir da sua história entenderá isso individualmente.

O fazer pedagógico é possível em cada contexto com os sujeitos que dele


fazem parte. Quando obtivemos esse laudo, não tínhamos ideia do que poderia
ser desenvolvido. Tínhamos conhecimento científico do que isso significava,
mas somente isso. Nenhuma prática é construída a partir de receitas. O que
é possível de ser feito vem a partir do diálogo com outros professores, com a
família e com outros profissionais para traçar objetivos, mobilizando pessoas
e caminhando.

O que não pode acontecer é usar o laudo como limitador de aprendizagens,


deixando o(a) aluno(a) no fundo da sala para não “incomodar” e criar uma
atmosfera de “piedade”. Por mais limitador que possa parecer um laudo, mesmo
assim é possível aprender e conviver. Nosso cérebro tem a chamada “plasticidade”,
que é a capacidade de reorganizar-se diante de possíveis limitações. Além disso,
dependendo de como conduzirmos as situações, poderemos limitar mais ou
possibilitar mais situações de aprendizagem.

Sobre a plasticidade cerebral, é importante aprofundar a leitura.


Há um artigo, publicado pelo jornal da Universidade do Estado de
Campinas (UNICAMP), que elucida o assunto. O link de acesso
é: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornal PDF/
ju371pag04.pdf>.

44
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

Acreditar no outro seria a palavra de ordem. Depositar tempo neste outro


também. Além de possibilitar a “palavra” ao outro, também é preciso permitir-se
ouvir. Ouvir o outro e ouvir-se.

Para aprender a falar necessitamos ser escutados, para


aprender a olhar, necessitamos ser olhados. A capacidade
atencional se constrói nessa continuidade e descontinuidade,
que abre um espaço entre: espaço atencional. Está aqui o
valor do silêncio que nada tem a ver com silenciar-se, mas,
muito com escutar e escutar-se. (FERNÁNDEZ, 2012, p. 43.)

Figura 2 - Representação através de desenho: Tempo de falar e tempo de ouvir.


Momentos especiais construídos em sala durante aquele semestre letivo

Fonte: Aluna Carolina de Souza.

A construção da prática, parafraseando Alicia Fernández (2012), existirá e se


constituirá num espaço e momento únicos, pois lidamos com histórias de vida e
circunstâncias próprias de cada local. Esse seria então um ponto importante para
transformação e materialização da prática. Não importa o currículo e a quantidade
de “saberes” que ele prevê, importa é como será feito para acontecer o processo
do “aprender” para todos os alunos e suas diferenças, contemplando o currículo.

Para essa experiência, em específico, sempre mantivemos diálogo sobre


os saberes adquiridos, sobre nossas vidas. Num desses momentos, registramos
as respostas dos alunos. E o aluno João, quando relatou sobre os seus saberes
e sua vida, após o convívio de cinco meses na turma do quarto ano de nossa
escola, disse o seguinte:

Na escrita do João, fica evidente o quanto para ele foi importante aprender
“coisas” na sala de aula. Quando ele diz: “aprendi a ser mais inteligente, mais
45
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

cabeça e mais honesto”, faz-nos acreditar que o trabalho desenvolvido na sala de


aula fez a diferença, principalmente para ele na condição de sujeito, como autor
de sua história. A sala de aula possibilitou o espaço de autoria, mas foi ele que se
tornou autor da mudança da própria história. Como afirma Fernández (2012, p.
13), “[...] os espaços de autoria iniciam onde há o reconhecimento daquilo que se
é e do que se tem sido e construído ao longo da existência.”

Acreditar no outro, acreditar que é possível o trabalho pedagógico a partir


do laudo médico, como escreveu Alicia Fernández (2012), não tem nenhuma
relação com crenças ou ingenuidade. Enquanto acreditamos no outro,
permitimos a ele a construção do próprio espaço, da própria história e de sua
modificação.

Atividade de Estudos:

1) A partir dessas reflexões, caro(a) leitor(a), convidamos você


a escrever sobre aquilo de que se lembra da sala de aula de
algum ano do ensino fundamental, na qual você conviveu com
outras crianças que não “aprendiam” ou que apresentavam
comportamentos diferentes. Como se dava a aprendizagem
neste grupo? O que era feito com essas crianças?
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Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

Deixamos como sugestão de leitura para você, caro(a) pós-


graduando(a), o livro: “O menino do dedo verde”, de Maurice Druon. Ele
pode ser lido dia a dia na sala de aula para os alunos pensarem sobre
as diferenças que existem entre as pessoas. Além de estimular o hábito
de ler você instiga a reflexão do assunto no grupo.

O livro fala de um menino, o Tistu, muito feliz e criado com muito


cuidado e atenção pelos pais, que eram donos da maior fábrica de
canhões do mundo. Eles tinham muito dinheiro. Morava na “Casa-
que-Brilha” - e tinha empregados que o adoravam. Ao completar oito
anos, seus pais decidem que já é hora do filho conhecer as coisas
da vida e se preparar para, no futuro, assumir e dar continuidade
aos negócios da família. Matriculam Tistu na escola. No entanto,
logo no terceiro dia de aula o menino é expulso do colégio por dormir
durante as explicações da matéria pela professora. Com isso, os pais
de Tistu decidem que a educação do menino se fará dentro de casa,
sem livros, através de suas próprias experiências e observações. No
dia de sua primeira aula com o jardineiro Bigode, Tistu descobre um
dom excepcional: ele tem o dedo verde - o que significa que basta
um toque de seu polegar para que surjam plantas e flores onde quer
que ele encoste. Com as aulas do Senhor Trovões, ele entra em contato
com a violência urbana cotidiana e conhece a infelicidade e a tristeza.
Inconformado, Tistu decide mudar o mundo apenas com o toque de
seu dedo verde, começando pela cidade onde mora, Mirapólvora.

“O Menino do Dedo Verde”, de Maurice Druon, tornou-se um


clássico da literatura para crianças e jovens em todo o mundo e
permanece atual há três décadas, sendo adotado em escolas do
Ensino Fundamental todos os anos. Esta fábula trata de questões
relacionadas com os conceitos de convívio social, ética e cidadania;
e foi pioneira ao abordar o tema ecologia.

Fonte: Disponível em: <http://omelhorparaseler.blogspot.com>. Acesso em: 02 ago. 2012.

Importante ter claro, caro(a) leitor(a), que quando desenvolvemos um


trabalho pedagógico que tem como eixo central os sujeitos como pessoas e não
como problemas, é possível construir um espaço de autoria da própria história,
baseado na capacidade de reinventá-la sempre que for possível e necessário
para sua vida.

47
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

O Papel dos ProFissionais Que atuam


em Auxilio ao SuJeito Diagnosticado.
Caro(a) pós-graduando(a), falamos sobre a importância do laudo, sobre sua
produção de significados e de como seria possível uma prática em sala de aula
do ensino regular com um(a) aluno(a) diagnosticado. Realidade esta vivenciada
em muitas salas de aula e, não raros os casos, com mais de um(a) aluno(a)
diagnosticado(a) no mesmo grupo.

Mesmo a partir do laudo, sabemos que o(a) aluno(a) frequentará o ensino


regular como qualquer outro, em virtude de uma política de Educação Inclusiva a
qual temos consciência de que prevalece atualmente nas escolas. Em algumas
situações, por questões de excesso de debilidade, a família opta por um trabalho
em clínicas específicas ou, até mesmo, por locais onde o trabalho é direcionado a
demandas específicas.

Atualmente, as políticas de educação que permeiam os Estados tentam


oferecer equipes multidisciplinares com o intuito de dar continuidade aos laudos
médicos. Ou seja, a partir daquilo que o médico afirmou sobre o sujeito, são
indicados procedimentos para melhor desenvolver habilidades e reconstruir as
possíveis lacunas de aprendizagem.

Fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo são as principais especialidades


que entram em cena quando a questão é o “resgate” desse sujeito. Além disso,
há que se construir uma ponte entre o trabalho desses profissionais e a prática
pedagógica na escola para obter um bom desempenho desse sujeito frente aos
processos de aprendizagem. Importante lembrar que essa ponte poderá ser feita
mediante a disponibilidade de conversas com os profissionais que atendem o(a)
aluno(a), pois, a partir do trabalho complementar, vamos percebendo as mudanças
que acabam ocorrendo no sujeito e com um trabalho colaborativo constroem-se
novas estratégias de atendimento e práticas de intervenção pedagógica.

Alguns laudos podem apresentar especificações e nomenclaturas de difícil


compreensão. Nesse caso, cabe à escola solicitar mais informações sobre
o assunto com pessoas capacitadas, tentando, assim, tornar possíveis as
intervenções e a construção da prática.

É importante manter contato constantemente com os demais profissionais


que atendem a criança. Esse movimento de intercâmbio entre diferentes saberes
trará benefícios para a criança/adolescente que está sendo acompanhada(o).

48
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

Para todo o trabalho que for desenvolvido em torno da reconstrução da


aprendizagem dessa criança, sejam aspectos psicológicos, sejam educacionais,
sejam neurológicos, sejam fonoaudiológicos, é importante ter claro que a
aprendizagem relaciona-se a duas condições: as externas, ou seja, os estímulos; e as
internas, próprias do sujeito. Como afirma Sara Paín (2008, p. 25):

Umas e outras podem ser estudadas em seu aspecto


dinâmico, como processos, e em seu aspecto estrutural como
sistemas. A combinatória de tais condições nos leva a uma
definição operacional da aprendizagem, pois determina as
variáveis de sua ocorrência.

A partir dessa ideia, temos claro que a combinação entre os dois fatores é
determinante para o processo de aprender. Não há limites para que isso ocorra,
mesmo havendo problemas, transtornos ou dificuldades de aprendizagem, pois o
limite do aprender é o que se constrói como limite.

Para discutir um pouco sobre esse assunto, convidamos você, caro(a)


leitor(a) a fazer a leitura de uma entrevista realizada com Alicia Fernández,
escritora e pesquisadora, que há quarenta anos trabalha com a psicopedagogia
em Buenos Aires, analisando importantes questões que envolvem as dificuldades
de aprendizagem num sentido maior.

Entrevista: Alicia Fernández

(Por Luiza Oliva)

A psicopedagoga argentina Alicia Fernández foi uma das


precursoras da psicopedagogia no Brasil e é responsável pela formação
de parte dos profissionais da área em nosso país. É autora de Os idiomas
do Aprendente, O Saber em jogo, A Inteligência Aprisionada e A Mulher
escondida na professora (todos pela Artmed) e de Psicopedagogia em
Psicodrama – morando no Brincar (Editora Vozes). É diretora da Escola
Psicopedagógica de Buenos Aires. Alicia concedeu esta entrevista
à Direcional Educador, que analisa questões as quais envolvem os
problemas de aprendizagem.

DIRECIONAL EDUCADOR - Como a senhora pode definir as


dificuldades/problemas de aprendizagem?

ALICIA FERNÁNDEZ - Antes de falarmos de dificuldades


ou problemas, devemos falar de capacidades e possibilidades.

49
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Somente assim poderemos realizar duas tarefas: primeiro, tratar


dos problemas e segundo, o que é mais importante, evitar que
apareçam. A aprendizagem não é um meio para se obter outra
coisa. É um fim em si mesmo. Nós humanos nascemos carentes.
Somos os mais indefesos da espécie animal. O filhote humano se faz
humano graças à aprendizagem. Esta “fraqueza” instintiva orgânica
é seu grande potencial. Porque, como todo bebê nasce imaturo
biologicamente, sem os mínimos recursos próprios para sobreviver,
precisa de outro humano que o ensine, que o reconheça como
semelhante, que queira e que acredite que pode aprender. Todo
aprender é problemático, porque inclui, no mínimo, três sujeitos: “o
aprendente”, “o ensinante” e o sujeito social (a sociedade na qual
está inserido). Não é o organismo que aprende atividades quase
biológicas como o caminhar, o controle dos esfíncteres, o comer
sozinho; para serem adquiridas não requerem apenas um organismo
sadio, e sim, principalmente, uma aprendizagem. Aprendizagem que
ocorrerá de acordo com o ambiente, mais ou menos favorável no
qual a criança se desenvolve. Quer dizer, se falamos de dificuldades
de aprendizagem, falamos de dificuldades no ou para o meio familiar
e/ou educativo/ ensinante.

DIRECIONAL EDUCADOR - Como o meio interfere nos


problemas de aprendizagem?

ALICIA FERNÁNDEZ - A palavra interferir é diferente de intervir.


O meio sempre intervém e às vezes pode interferir. Que quero dizer
com isto? Inter-vir (vir “entre”). Inter-ferir (ferir “entre”). Maravilha dos
nossos idiomas. Nossa tarefa consiste em “intervir” e conseguir que
o meio não “interfira”, negativamente. Como estávamos dizendo,
não se pode esquecer do diagnóstico do “meio”, do ambiente,
quando realizamos um diagnóstico psicopedagógico. A partir desta
ideia central, eu escrevi meus dois primeiros livros: A inteligência
aprisionada, nele trago fundamentos de como a família pode
ser possibilitadora ou produtora de problemas de aprendizagem
dos filhos, e desse modo, estruturo um modelo de diagnóstico
interdisciplinar familiar, que venho utilizando em diversos países. E
no meu segundo livro, traduzido em português, A mulher escondida
na professora, explico e fundamento o lugar e a importância dos
professores, tanto como agentes de saúde na aprendizagem
como às vezes (ainda que sem propor a sê-lo) desencadeadores
de problemas de aprendizagem. A escola, e todos os seus atores,
têm um papel subjetivante em relação aos alunos. Nós, humanos,
aprendemos a partir de identificações com nossos ensinantes e,

50
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

somente em um ambiente familiar, e, depois, no escolar e social,


que nos aceite como seres pensantes. Quero dizer, que permita e
favoreça nossas perguntas, dê lugar à diferença, em síntese, que
favoreça a autoria de pensamento. A inteligência se constrói, a
atividade de pensamento se constrói, como também a atenção e a
capacidade de se prestar atenção.

DIRECIONAL EDUCADOR - Como a senhora entende


a abordagem organicista a respeito das dificuldades de
aprendizagem?

ALICIA FERNÁNDEZ - As tendências à patologização dos


avatares da aprendizagem se acrescentam, promovidas pela indústria
farmacêutica e pela difusão das notícias pela mídia. Sem dúvida,
tal discussão não teria o êxito alarmante que está tendo se não se
sustentasse nas formas de subjetivação impostas pela sociedade
do mercado globalizado. Preocupa-nos a inquietante proliferação de
posturas que não só psicopatologizam e medicalizam os mal estares
psíquico-sociais, como também consideram suspeita e até perigosa
a própria atividade da alegria e o brincar, desvitalizando a autoria
de pensamento. Quanto se trata de crianças e da aprendizagem, tal
tendência encontra fáceis adeptos e propulsores em professores e
pais aprisionados pelas lógicas da competitividade, pela eficiência
(que mata a eficácia) e pelo cumprimento imediato para se chegar
a um fim exitoso, sem considerar os meios para se alcançá-lo.
A aprendizagem perde, assim, seu caráter subjetivante – fim em
si mesmo - para transformar-se em um triste meio para obter um
resultado exigido pelo outro. A atividade de pensar é fascinante. Como
se produz a maravilhosa e transformadora atividade de pensamento?
A “fábrica” de pensamentos não se situa nem dentro, nem fora da
pessoa, está localizada entre. “Entre”, em psicopedagogia, não é
uma palavra a mais, é um conceito. A atividade do pensar nasce
na intersubjetividade promovida pelo desejo de se fazer próprio
que nos é desconhecido, mas também nutrida pela necessidade de
entendermos e que nos entendam. O pensar, ademais, se alimenta
do desejo de que este outro nos aceite como seu semelhante.
Desejos, aparentemente contraditórios, mas que juntos vão armando
a trama do nosso existir em sociedade. Entendendo assim a atividade
do pensar, poderemos encontrar outros caminhos para a construção
de regras. A função do pensamento em seu sentido mais radical
tem a ver com superar a racionalidade pragmática. A sustentação
do pensar se dá naquilo que se quer alcançar e não no que está
dado. Definimos a inteligência como a capacidade de desadaptar-

51
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

se criativamente. Quando o modo de pensar perde a provisioriedade


necessária a todo o pensar, as observações descritivas e particulares
são utilizadas como se fossem explicações gerais. O devastador de
tal modo de pensar abrange não somente os sujeitos observados,
e assim transformados em “objetos”, como também a quem
pretendemos “diagnosticar”. As perturbações na aprendizagem
expressam uma mensagem que é sempre singular. O “rótulo”
esconde a mensagem que está entrelaçada no drama singular de
cada criança ou jovem.

DIRECIONAL EDUCADOR - Pode explicar o conceito de


aprisionamento da inteligência?

ALICIA FERNÁNDEZ - A inteligência se constrói. Não nascemos


inteligentes, nascemos com a possibilidade de sermos inteligentes,
quer dizer, de podermos eleger nosso destino. A maioria das
crianças diagnosticadas como deficientes mentais, não o são.
Sua inteligência encontra-se aprisionada. Quando, 20 anos atrás,
publiquei o livro A inteligência aprisionada, a indústria farmacêutica
não havia penetrado nas escolas do modo que ocorre hoje, e os
efeitos devastadores do neoliberalismo não colonizavam as mentes
de tantos profissionais como na atualidade, portanto não considerava
urgente denunciar a medicalização das crianças. Ademais, o
pretendido caráter orgânico e hereditário da inteligência já estava
suficientemente questionado pela epistemologia genética, pela
psicanálise, pela sociologia da educação e pela psicopedagogia.
Apoiando-me nestes saberes, que contextualizam a inteligência
humana em um sujeito inserido em um meio familiar e social, pude
explicar os possíveis e diferentes aprisionamentos de que padece.
A partir destes aportes teóricos e clínicos consegui propor outros
modos de “diagnosticar” a capacidade intelectual frente a aqueles
que pretendiam fazê-lo através de “cocientes intelectuais” (CI) e
percentuais. Em síntese, sobre a atividade intelectual estavam então
(e estão agora) suficientemente estudadas uma série de questões:
que a inteligência se constrói; que tal construção nasce e cresce
na intersubjetividade - pelo que não pode explicar-se do ponto de
vista neurológico - e que os meios ensinantes (familiares, educativos
e sociais) participam favorecendo ou perturbando a capacidade de
pensar. Quer dizer, para questionarmos os modos instituídos de
pensar a inteligência, contávamos então com teorias que desde o
século XX vinham rebatendo as ideias de épocas anteriores que
a consideravam uma função orgânica. A situação varia quando se
trata de pensar a atividade atencional. Os diagnósticos de “déficit

52
Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

de atenção” se realizam sobre supostos (não explícitos) que


desconhecem os avanços produzidos no século XX em relação aos
estudos da subjetividade humana e da inteligência. Assim, atualmente
se definem tipos de atenção de modo semelhante ao determinado
pela psicologia experimental do século XIX. Necessitamos analisar
a atenção aprisionada, para diferenciá-la da desatenção reativa (e a
ambas dos poucos casos de dano neurológico que comprometem a
atenção). Hoje é urgente trabalhar e estudar a capacidade atencional
como aquilo que é: uma capacidade. Partindo desta postura, a
psicopedagogia pode fazer importantes aportes.

DIRECIONAL EDUCADOR - Há quantos anos trabalha com


a psicopedagogia? Pode fazer um breve histórico de como
iniciou na área? E como vê a evolução da psicopedagogia nesse
período?

ALICIA FERNÁNDEZ - Neste ano (2008), completam-se 40 anos


que desenvolvo a maravilhosa atividade da psicopedagogia. Fazer
psicopedagogia é uma atividade que não somente nos permite,
como também exige, fazermos por nós mesmos, o que podemos
fazer pelos outros. A exigência de fazer por nós mesmos se refere
a ir ressignificando nossas próprias modalidades de aprendizagem/
ensinagem, e ir nutrindo as fontes propiciadoras de nossa própria
autoria de pensamento. Uma destas fontes é a “alegria” que vem de
mãos dadas com a capacidade de surpreender-se. Você me pergunta
como iniciei minha carreira. Na Argentina, a psicopedagogia é uma
formação que ocorre na graduação. Eu comecei trabalhando como
orientadora educacional em escolas de regiões carentes, as quais
me serviram como uma grande aprendizagem, já que ao mesmo
tempo em que estudava na faculdade, podia receber as perguntas
que aquela realidade educativa colocava a professores e alunos.

DIRECIONAL EDUCADOR - Como vê o futuro da


psicopedagogia? Há exageros na questão do encaminhamento
psicopedagógico?

ALICIA FERNÁNDEZ - Um dos aspectos da subjetividade


– mais atacado pela sociedade neoliberal – é a possibilidade
de pensar. Este ataque é lento, persistente e perigoso. Vai se
dando imperceptivelmente. Jovens e adultos o sofremos. Na
escola se evidenciam os efeitos de tal bombardeio. Nos alunos
se manifesta como um aborrecimento-tédio e pode expressar-se
como “desatenção”. Nos docentes pode aparecer como desânimo

53
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

e “queixa-lamento”. Portanto o futuro da psicopedagogia depende


da postura que cada psicopedagogo pode ir construindo, quer
dizer, priorizando a saúde da aprendizagem tanto nas escolas, nas
famílias e nos meios de comunicação. Esta é a tarefa principal.
Encaminhar uma criança ou jovem a um tratamento é só uma última
instância. A psicopedagogia tem muito que contribuir se conseguir
ser fiel à proposta psicopedagógica da saúde. Em síntese, frente à
nossa inteligência aprisionada, a tarefa de cada um de nós, como
ensinantes e aprendentes, passa por: o autorizar-se a pensar; o
permitir-se perguntar, o perguntar, o deixar espaço à imaginação e
ao prazer de aprender; e, em consequência, ao prazer de ensinar.

Fonte: Matéria publicada na Revista Direcional Educador - edição 43


de agosto/2008. Disponível em: <http://www.direcionaleducador.com.br/
artigos/entrevista-alicia-fernandez>. Acesso em: 02 ago. 2012.

Fica como dica para você, caro(a) leitor(a), a leitura de


importantes materiais e trabalhos da autora Alicia Fernández. Visite
a página da autora, em que exerce a função de Diretora da Escola
Psicopedagógica de Buenos Aires, em: <www.epsiba.com/index.
htm>.

Atividade de Estudos:

Como atividade complementar, busque refletir sobre sua prática


pedagógica, tentando responder à seguinte pergunta:

1) Qual a ferramenta imprescindível para o trabalho de resgate dos


processos de aprendizagem do(a) aluno(a) diagnosticado(a)?
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Capítulo 2 O LAUDO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO

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Algumas Considerações
Caro(a) leitor(a), neste capítulo discutimos sobre a importância legal do laudo
e buscamos compreender, por meio de um exemplo, a importância de construir
um caminho possível de intervenção pedagógica. Além disso, reafirmamos
a importância dos profissionais da educação agirem em relação ao sujeito
diagnosticado e ao seu contexto social, tendo como eixo norteador de trabalho o
sujeito e não a sua dificuldade apenas.

Assim, fechamos este capítulo com um pensamento escrito por Alicia


Fernández (2012) e apresentado na epígrafe de um de seus livros, referindo-se
ao atendimento pedagógico e às dificuldades que nós professores encontramos
em chão de sala diariamente:

Um moinho
ainda que somente um,
colocado na terra,
ainda que árida,
com a energia dos diversos ventos
e ainda que com tempestades distantes,
encontra atua,
ainda que a mais escondida,
fazendo brotar as sementes,
ainda que as mais imprevistas.
Alicia Fernández.
55
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

ReFerÊncias
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec,
2004.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13/07/1990.


Florianópolis: IOESC, 1990.

______. Constituição da República Federativa do Brasil. 14. ed. Brasília:


Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2000.

______. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de


20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L9394.htm>. Acesso em: 14 ago. 2012.

______. Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de


Deficiência. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm>. Acesso em: 14 ago.
2012.

______. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da


Educação Inclusiva. Documento nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela
Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.
br/seesp/arquivos/txt/revinclusao5.txt>. Acesso em: 14 ago. 2012.

FERNÁNDEZ. Alicia. A atenção aprisionada: Psicopedagogia da capacidade


atencional. Porto Alegre: Penso, 2012.

MONTOYA, A.O.D. Piaget e a criança favelada: epistemologia genética,


diagnóstico e soluções. Petrópolis: Vozes, 1996.

PAÍN. Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto


Alegre: Artmed, 2008.

RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z. Prisonniers du présent: le développement cognitif


et Ia socialisation de I’enfant défavorisé. Psychoscope, v.18, p. 8-10, 1994.

UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação: Sobre necessidades


educativas especiais. Conferência Mundial sobre Educação para Necessidades
Especiais: Acesso e Qualidade. Salamanca, 7-10 de junho, 1994.

56
C APÍTULO 3
Os Encaminhamentos

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Refletir sobre o perfil da turma e a individualidade dos sujeitos.

 Exemplificar questões relacionadas aos problemas de aprendizagem.

 Refletir sobre a prática pedagógica a partir do laudo.

 Possibilitar o resgate do sujeito e das suas relações sociais no contexto


educacional.
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

58
Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

ContextualiZação
Aquilo do qual as crianças precisam não é de
resignação, mas de paixão. Elas sonham com um
mundo onde os atores possam falar em nome próprio
escapando da obrigação de parecerem conformes.

(MAUD MANNONI)

Prezado(a) leitor(a), com este capítulo temos a intenção de fazer com


que você reflita sobre o sujeito “aprendiz” e as suas particularidades, além de
compreender que o espaço escolar e de aprendizagem deverá ser um local de
confiança que lhe cause segurança e vontade de ficar e retornar.

No entanto, cabe ao(à) professor(a) saber quais são os indivíduos que


compõem o grupo em que atua, pois isso possibilita o reagrupamento por saberes
e a possibilidade de desenvolvimento social e individual.

Fazendo uma analogia com a epígrafe de Mannoni, a educação carece


de profissionais preocupados com o outro e de práticas de reconstrução
da aprendizagem do outro. As dificuldades, distúrbios ou transtornos de
aprendizagem devem ser transcendidos, para que as crianças estejam e sejam
vistas e compreendidas além da sua limitação. Que possam construir seu espaço,
seu caminho, dentro de suas possibilidades e, talvez, sigam além delas. Pois não
somos todos iguais e precisamos aprender a respeitar, aceitar e conviver com
esta condição de diferença, tanto no âmbito do ser como do aprender.

Com base nisso, refletiremos sobre a aprendizagem, o encontro com certas


limitações e o saber/fazer pedagógico. Compreenderemos o sujeito dentro do seu
contexto social, fazendo-o interagir no meio em que vive e, a partir disso, construir
suas bases para a aprendizagem.

O Olhar do ProFessor: a Percepção


dos Problemas e o Compromisso
com o SuJeito
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), é direito das
crianças frequentarem uma escola, mas você já parou para pensar se as crianças
querem e gostam de estar na escola? Essa é a primeira indagação que deve
surgir quando se deparar com um grupo de aprendizes.

59
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Como professor(a) o seu primeiro objetivo em sala de aula é conhecer os


sujeitos e compreender em que espaços sociais eles estão inseridos. Depois de
realizada essa sondagem, ficam mais visíveis possíveis diferenças que possam
surgir no grande grupo. Lembrando sempre que antes de construir um rótulo ou
um estigma, ele é uma pessoa com desejos, anseios, verdades, valores, crenças.
Queremos dizer com isso que os problemas enfrentados na sala de aula são
pequenos segmentos desse sujeito como um todo.

São crescentes os casos de problemas de aprendizagem e queixas relacionadas


ao assunto. A demanda por diagnósticos e atendimentos cresce diariamente e o
encontro com diferentes tipos de problemas no âmbito educacional também. Para
refletirmos sobre o assunto, queremos convidar você, caro(a) leitor(a), para assistir
a um vídeo intitulado: “Medicalização da Vida Escolar”. O Vídeo foi produzido por
Helena Rego Monteiro para apresentação da dissertação de Mestrado junto ao
Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Educação da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, em julho de 2006.

O vídeo a que nos referimos é apresentado por uma


suposta professora que encontra em todos os alunos
de sua sala algum problema, dificuldade, distúrbio
ou transtorno na aprendizagem. Ele é um convite
para refletirmos sobre quem de fato teria problemas
de aprendizagem numa sala de aula? Como pensar
sobre o assunto sem estigmatizar ou negligenciar o(a)
aluno(a)? Confira no link: <https://www.youtube.com/
watch?v=fbUfrZzIYRI>.

Agora que você assistiu ao vídeo e para dar continuidade a essa ideia,
convidamos você a fazer a leitura do poema de Chico Buarque: Ciranda da
Bailarina.

Ciranda da Bailarina
Chico Buarque

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem

60
Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

E não tem coceira


Verruga nem frieira Confessando bem
Nem falta de maneira Todo mundo faz pecado
Ela não tem Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Futucando bem Só a bailarina que não tem
Todo mundo tem piolho Sujo atrás da orelha
Ou tem cheiro de creolina Bigode de groselha
Todo mundo tem um irmão meio Calcinha um pouco velha
zarolho Ela não tem
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida O padre também
Nem dente com comida Pode até ficar vermelho
Nem casca de ferida Se o vento levanta a batina
Ela não tem Reparando bem, todo mundo tem
pentelho
Não livra ninguém Só a bailarina que não tem
Todo mundo tem remela Sala sem mobília
Quando acorda às seis da matina Goteira na vasilha
Teve escarlatina Problema na família
Ou tem febre amarela Quem não tem
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente Procurando bem
Medo de cair, gente Todo mundo tem...
Medo de vertigem
Quem não tem

Tanto no vídeo como no poema de Chico Buarque, de fato se nos prendermos


a cada sujeito e sua vida como um todo, certamente encontraremos muitos
problemas. Problemas, dificuldades, todos nós temos ou algum dia teremos
diante de algo que, num primeiro momento, não encontramos uma solução ou
de imediato não compreendemos suas razões. É preciso tomar cuidado com a
generalização dos problemas e a banalização dos sintomas.

Diante dessa questão e conforme já mencionamos no primeiro capítulo,


precisamos refletir sobre como se dá o processo de aprender. Já anteriormente
dissemos que a aprendizagem tem as dimensões: biológica, cognitiva e social.

Na dimensão biológica e a partir dos ensinamentos de Piaget (1984), o


sujeito necessita da presença de duas funções: a conservação da informação
e a antecipação. Recebemos uma herança genética, porém ela por si só não
garante a aprendizagem. Ao longo de sua vida, o sujeito, a partir do ponto de
vista biológico e em função das experiências e da forma como ele esquematizará
e estruturará essas experiências, irá assimilando e acomodando aprendizagens.

61
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

A dimensão cognitiva refere-se à forma como o saber se estruturará neste


sujeito. Essa forma é individual, pois o caminho é do sujeito. Quando ele vive uma
nova experiência ou uma experiência diferente daquela já conhecida, vivenciará
a dinâmica do ensaio e do erro ou êxito. Esse processo é necessário para a
construção de novos esquemas de aprendizagem, pondo em cheque os saberes
anteriores e reorganizando os novos. Quando surge uma nova experiência, esta
desequilibrará aquilo que ele já conhece, desorganizando seu saber. É a partir
disso que ele reconstruirá o saber, incorporando esse novo contato com a nova
experiência.

A dimensão social envolve, segundo Paín (2008), o processo de transmissão


da cultura. Nesse caso, refere-se tanto à escola quanto à família. A sua dimensão
social caracteriza um sujeito histórico que incorpora uma linguagem e manejos
específicos de vida, são particularidades de um grupo de pertencimento. Assim, o
sujeito aprende e garante a continuidade da sua história e do processo histórico da
sociedade e do seu grupo como tal. “A transmissão da cultura é sempre ideológica
na medida em que é seletiva e é própria da conservação de modos peculiares de
operar, e, portanto serve à manutenção de estruturas definidas de poder.” (PAÍN,
2008, p.18). Certamente a relação entre o ensino e a aprendizagem no contexto
escolar envolve trocas ideológicas e de saberes entre professores e alunos e
alunos entre seus pares. Assim, vão sendo inseridos e reinscritos novos saberes
e novas verdades na cultura.

As dimensões apresentadas referem-se a condições internas e externas


de aprendizagem. Desde que nasce, o bebê vai aprendendo e apreendendo o
mundo em que vive.

Parafraseando Paín (2008), as condições externas de aprendizagem referem-


se ao meio em que a criança ou o sujeito vive. A forma como se conduzem ou se
possibilitam as experiências, a velocidade, o ritmo, a riqueza ou pobreza – não se
referindo à condição social e financeira, mas aos experimentos de vida – estão
diretamente ligados à aprendizagem. Ou seja, aquilo que o sujeito vive e interage
com outras pessoas e seu meio vai se configurando como experiências, como
aprendizagem. Independente da condição social ou da própria história, é sempre
possível obter novas experiências e melhorar as antigas.

A mesma autora ainda remete-nos a pensar sobre as condições internas


do aprender, ou seja, inicialmente questões neurofisiológicas garantem a
conservação daquilo que foi aprendido, assim como a disponibilidade e as
condições para o aprender. É isso exatamente o que nos difere uns dos outros,
sem sermos melhores ou piores, mas sendo diferentes dentro de suas limitações.
Lembrando que isso também está relacionado à necessidade que o sujeito tem,
a motivação que ele encontra para o ato de aprender que inicialmente é interna
e, dependendo da situação em que se encontra, pode ter sua relevância externa.

62
Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

Em relação a isso, convidamos você, caro(a) leitor(a), a


assistir a um vídeo do Charlie Brown e a Turma do Snoopy,
disponível no link: <https://www.youtube.com/watch?v=P5LRa8P6-
Qk&feature=related>.

O vídeo apresenta comentários importantes de alunos enquanto resolvem


as atividades propostas pelos professores em situações cotidianas na escola,
como: apresentação de trabalhos, provas, entregas de boletins, entre outros. A
partir deles é possível refletir, de forma bastante descontraída, sobre questões
relacionadas à motivação e àquilo que é oferecido em sala de aula aos alunos.

Diante desse vídeo, permitimo-nos levantar algumas questões: Quantos


alunos daquela classe teriam problemas de aprendizagem? Será que os
problemas de aprendizagem estão nos alunos ou caracteriza-se como a forma
como o(a) professor(a) os reconhece e legitima? Será que esses problemas
relacionam-se aos alunos ou à forma como é conduzido o processo de construção
de novos saberes?

Essas questões referem-se ao olhar do(a) professor(a) frente aos alunos e


seu processo de aprendizagem, suas dificuldades, facilidades e a forma como
eles se apresentam no âmbito escolar, mais especificamente em sala de aula.
Se tivermos uma sala de aula com vinte alunos, certamente os vinte alunos terão
especificidades que os configuram como sujeitos únicos no mundo. Isso se refere
ao aprender e ao não aprender também. Como havíamos dito anteriormente, é
preciso tomar cuidado com a generalização dos problemas e a banalização dos
sintomas. Podemos considerar, como afirma Paín (2008), que o problema de
aprendizagem é um sintoma, entendendo que o não aprender não se configura
como um quadro permanente, mas como um estado particular de comportamentos
e situações específicas que cumprem alguma função para esse sujeito. Por essa
razão é tão importante e necessário o olhar do(a) professor(a) para compreender
até que ponto essa dificuldade ou problema de aprendizagem é algo próprio do
sujeito e que precisa de intervenção e até que ponto ela é o reflexo de algo que
não está em consonância com a caminhada deste aprendente, referindo-se ao
próprio trabalho escolar e pedagógico.

É sempre importante ao(à) professor(a) refletir sobre o(a) aluno(a) que não
aprende e pontuar quais foram as alternativas utilizadas para a construção da
aprendizagem deste(a). Lembrando, como afirma Fernández (1991, p. 32):

63
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Sabemos que para aprender é necessário um ensinante e um


aprendente que entrem em relação. Isto é algo indiscutível
quando se fala de métodos de ensino e de processos de
aprendizagem normal; não obstante, costuma-se esquecê-lo
quando se trata de fracasso de aprendizagem. Aqui, pareceria
então, que só entra em jogo o aprendente que fracassa. Como
se não se pudesse falar de ensinantes ou de vínculos que
fracassam e produzem sintomas. Por ensinantes entendo
tanto o docente e a instituição educativa, como o pai, a mãe,
o amigo ou quem seja investido pelo aprendente e/ou pela
cultura para ensinar.

Atividade de Estudos:

1) A partir desses dizeres, podemos fazer um exercício de reflexão


sobre a própria caminhada de aprendente. Como você se sentia
quando não entendia algo que o(a) professor(a) explicava e
acabava por tirar uma nota baixa numa prova? De que modelo de
aprendizagem você lembra como aprendiz em sala de aula?
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Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

Em relação ao compromisso do(a) professor(a) com o(a) aluno(a) e sua


forma particular de aprender ou com suas dificuldades em aprender, seguimos a
mesma ideia de Tardif (2005, p. 129):

A primeira característica do objeto do trabalho docente é


que se trata de indivíduos. Embora ensinem a grupos, os
professores não podem deixar de levar em conta as diferenças
individuais, pois, são os indivíduos que aprendem, e não os
grupos. Esse componente individual significa que as situações
de trabalho não levam à solução de problemas gerais,
universais, globais, mas se referem a situações muitas vezes
complexas, marcadas pela instabilidade, pela unicidade, pela
particularidade dos alunos, que são obstáculos inerentes
a toda generalização, às receitas e às técnicas definidas de
forma definitiva.

A atuação do(a) professor(a) é um grande compromisso, marcado pela


busca de ações pensadas para os sujeitos e suas especificidades, na medida
em que ele(a) ocupa, através do trabalho com os alunos, a posição de ator/atriz e
mediador(a) da cultura e dos saberes escolares. (TARDIF, 2005).

Para finalizar esse item e abrir o próximo, vale refletir a partir da frase de
Fernando Pessoa:

“Cada qual vê o que quer, pode ou consegue enxergar. Porque eu sou do


tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura.”

IndicatiVos dos Problemas de


AprendiZagem
A criança que dele padece (problemas de aprendizagem)
sofre pela subestimação que sente ao não poder
responder às expectativas dos pais e dos professores.
Por sua vez, a identidade não é algo que se adquire de
uma vez e para sempre, mas é o produto de construções
identificatórias para as quais cumpre um papel
importante os modos como os demais nos definem.

(Alicia Fernández)

Para a autora Alicia Fernández (2001a), os problemas de aprendizagem


são uma realidade imobilizadora que pode apresentar-se individual ou
coletivamente. “Em sua produção, intervém fatores que dizem respeito ao
socioeconômico, ao educacional, ao emocional, ao intelectual, ao orgânico
e ao corporal”. (FERNÁNDEZ, 2001a, p. 26). Portanto, é através do olhar e da
percepção do(a) professor(a), da prática diária de interações e, muitas vezes,

65
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

sendo o(a) primeiro(a) a detectar isso no(a) aluno(a) que será, então, necessária
a intervenção terapêutica especializada através da: psicologia, psicopedagogia,
assistência social, pediatria, neurologia, fonoaudiologia, entre outras áreas.

É importante ressaltar que muitos dos problemas de aprendizagem são


fabricados ou reproduzidos ideologicamente. Vale ter clara esta questão, pois
todos nós precisamos de um tempo para aprender e apreender, para apropriarmo-
nos de um saber e dele fazer uso.

Importante refletir, também, diante da questão dos saberes, sobre quantos


e quais dos saberes escolares fazemos uso? Qual a relação do saber com o
sujeito que aprende? Muito dos problemas escolares que são apresentados em
consultórios, tecnicamente, nada têm a ver com problemas de aprendizagem em
si, mas com a forma como esse saber se deu na sala de aula e que, no caso, para
determinados alunos, acabou perdendo-se no caminho.

Em relação ao grande número de crianças encaminhadas


para consultórios e que tecnicamente não teriam problemas de
aprendizagem, sugerimos a leitura da tese de livre docência em
pediatria social na Unicamp, da autora Maria Aparecida Affonso
Moysés. Ela desenvolveu um trabalho com setenta e cinco
crianças ditas com ”problemas de aprendizagem”, que acabaram
incorporando um suposto fracasso escolar que não existia, mas
que lhes foi imputado. O trabalho virou livro e tem como título: A
institucionalização invisível: crianças que não aprendem na escola,
da editora Mercado de Letras. Mas, se você preferir inicialmente fazer
a leitura de uma resenha dele, segue o link: <https://goo.gl/04bY06>.

Como dissemos anteriormente e a partir de Paín (2008), o problema de


aprendizagem aparece com um sintoma: o não aprender. O(A) professor(a), a
partir da sua dinâmica de prática pedagógica e por conviver diariamente com
esse(a) aluno(a) e esse sintoma, juntamente à equipe pedagógica, poderá
refletir sobre a necessidade do encaminhamento ao profissional de saúde.
A partir disso, a família precisará agir, sempre tentando ponderar decisões,
buscando mais de uma opinião quando houver algum problema diagnosticado
na criança.

Em relação à aprendizagem, como dissemos anteriormente, há fatores


internos e externos para o ato de aprender se concretizar. Para tanto, o(a)

66
Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

professor(a) poderá perceber algumas dificuldades que os alunos podem enfrentar


em relação ao processo de aprendizagem, observando os fatores: orgânicos,
específicos, psicógenos e ambientais, segundo Paín (2008).

Neste momento, convidamos você, caro(a) pós-graduando(a), a fazer a


leitura de um resumo que explica sobre esses fatores, a partir de Sara Paín (2008,
p. 27-33).

OS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM E SEUS FATORES:

Em relação aos fatores orgânicos, é fundamental a integridade anatômica


e de funcionamento dos órgãos [...] bem como dos dispositivos que garantem
sua coordenação no sistema nervoso central. [...] O sistema nervoso sadio,
se caracteriza, no âmbito de comportamento, por seu ritmo, sua plasticidade,
seu equilíbrio. Isso lhe garante harmonia nas mudanças e consequência
na conservação. O contrário acontece quando há lesões ou desordens
corticais (primárias, genéticas, neonatais, ou pós-encefalíticas, traumáticas,
etc.), encontramos uma conduta rígida, estereotipada, confusa, patente na
educação perceptivo-motora ou na compreensão. Há também especificação do
funcionamento glandular que podem causar hipomnésia, falta de concentração,
sonolência. Estas especificações podem causar problemas mais ou menos
graves, porém mesmo assim, não impedem por si só do sujeito aprender. Elas
devem ser sanadas, acompanhadas por profissionais como, por exemplo, um
neurologista juntamente com o pediatra ou endocrinologista, mas isoladamente
não são fatores e muito menos justificativa para a não aprendizagem.

Os fatores específicos referem-se a aspectos de nível da linguagem e sua


articulação. Aspectos da grafia, lateralidade (direito/esquerdo), compreensão
espaço/temporal. Estas questões em alguns momentos confundem-se a aspectos
orgânicos, mas na maioria das vezes não se relaciona com dano cerebral e em
muitos casos é sanado com acompanhamento psicopedagógico adequado ao
sujeito.

Fatores psicógenos relacionam-se a questões da inibição ao aprender.


Muitas crianças ou adolescentes apresentam uma sintomatologia em torno disso
enquanto elaboram o luto, no caso não apenas a morte de alguém querido, mas à
elaboração de alguma morte simbólica, ou repressão.

Aos fatores ambientais referimo-nos às possibilidades reais oferecidas a


esse sujeito, como quantidade, qualidade, freqüência, abundância de estímulos
e também o acesso ao lazer, ao esporte, às tecnologias. Porém salientamos que
também é necessário certo grau de consciência, participação e motivação do
sujeito para com esse acesso.

67
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Certamente existem inúmeros problemas de aprendizagem que são


apresentados no âmbito da sala de aula. Apresentamos a você, caro(a) leitor(a),
indicativos discutidos a partir de Paín (2008) para investigar certos problemas com
os quais nos deparamos em sala de aula e assim refletir sobre eles, caracterizá-los
para uma maior compreensão e, então, fazer os encaminhamentos necessários.

É urgente refletir sobre isso e, conforme a própria autora salientou


anteriormente, entendermos que é importante fazer a verificação do que leva o(a)
aluno(a) a não conseguir aprender e tentar adequar o problema dele(a) aos meios
necessários, a partir de metodologias apropriadas para resgatar e inseri-lo(a) no
processo de aprendizagem, aceitando e convivendo com as diferentes formas
como os(as) alunos(as) aprendem; aceitando, principalmente, a condição de uma
sala de aula heterogênea em torno dos aspectos sociais, econômicos, culturais,
cognitivos e subjetivos. Também é preciso compreender que estas condições
interferem diretamente na forma e no manejo dos processos de aprender e,
consequentemente, de ensinar; ter consciência de que, muitas vezes, o sintoma
do(a) aluno(a) é o reflexo da dinâmica usada para ensinar pelo(a) professor(a).

Outro grande problema que acompanha e assombra as práticas de


sala de aula, desorganizando a dinâmica do trabalho pedagógico de muitos
professores atualmente e que, por vezes, tornou-se modismo, é a desatenção e a
hiperatividade.

Lembrando que a desatenção e a hiperatividade são transtornos


que merecem atenção. Muito embora tenham virado modismos,
precisam ser levados a sério e investigados por profissional da
medicina ou saúde. O(A) aluno(a) desatento(a) e hiperativo(a) não
consegue manter-se concentrado(a) por muito tempo em atividades
e, por vezes, demonstra-se desmotivado(a) para aprender, mas não
é somente isso que caracteriza a desatenção e a hiperatividade. Por
essa razão e como forma de aprofundamento no assunto, indicamos
que você visite a página da Associação Brasileira do Déficit de
Atenção e explore novos saberes sobre o assunto. O link de acesso
é: <http://www.abda.org.br/>.

Para Fernández (2012), tanto a desatenção como a hiperatividade seriam


sintomas sociais contemporâneos. Inúmeros diagnósticos são feitos por
profissionais seguindo essa nomenclatura. Muitas vezes sequer são diagnósticos,
mas terminologias emprestadas da área da saúde para designar a não

68
Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

aprendizagem ou encobrir o fracasso do processo de ensinar. Faz-se urgente


perceber esses sintomas e, a partir dessa percepção, adequar as condições
sociais e de aprendizagem para reconstruir a metodologia do aprender em grupo
no contexto de sala de aula. Pois mesmo que o sujeito de fato seja desatento
e hiperativo, é preciso encontrar uma forma de fazê-lo aprender no contexto
escolar e, mais especificamente, na sala de aula. Para o(a) professor(a), não ter
a atenção dos alunos é algo que afeta diretamente o seu trabalho. Pois ele(a) tem
como primeira instância ser ouvido pelo grupo para, supostamente, acreditar que
eles estejam atentos e aprendendo.

É importante que o(a) professor(a) possa perceber em seu grupo de alunos


algumas questões importantes que indiquem ou não problemas de aprendizagem
e, a partir disso, inicie uma busca em torno da construção da prática. Pontuaremos
a seguir, a partir da autora Alicia Fernández (2012), alguns aspectos importantes,
que devem ser percebidos no âmbito de sala de aula, sobre a atenção, a vida e o
aprender dos nossos alunos. São eles:

Compreender o que é a desatenção necessária, saudável e criativa daquela


que aprisiona num mundo à parte.
A atividade atencional refere-se àquilo que habitualmente fazemos.
Lembremos que as crianças estão inseridas num momento histórico em que o
foco de atenção não é apenas num aspecto, e sim em alguns aspectos ao mesmo
tempo. As crianças são “bombardeadas” por informações simultâneas no contexto
em que vivem.

• Precisamos compreender o novo cenário que se configura em torno da


atenção das crianças. Não precisamos sofrer com isso e sim tentar, a partir
disso, encontrar um caminho para conduzir o processo de aprender.

• Ouvir as crianças, seus pais e seus argumentos. Para poder entender o que
acontece com eles é necessário ouvi-los. Muitas vezes, são ditos e outros não
ditos, ou seja, silêncios.

• Fazer da sala de aula um espaço de autoria de pensamento, onde o(a)


aluno(a) sinta-se à vontade para perguntar e construir suas respostas,
construir seu processo de aprendizagem entre pares, sentindo alegria e prazer
em estar diariamente envolvido(a) com a dinâmica do saber e do fazer.

• Transformar o espaço da sala de aula num local onde cada um possa


aprender. Que seus limites não sejam barreiras e sim diferenças que os
tornam pessoas, únicas num universo coletivo.

69
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Atividade de Estudos:

1) Caro(a) leitor(a), agora é com você. Tente pensar e escrever, a


partir das pontuações da autora Alicia Fernández sobre aspectos
importantes a serem considerados no espaço da sala de aula e
que auxiliem na construção de uma prática pedagógica dinâmica
de atuação. Tente pensar numa proposta prática, que leve em
consideração os alunos como sujeitos ativos neste processo e
que seja possível de ser aplicada em seu contexto.
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70
Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

Retomando a Prática PedagÓgica PÓs-


Laudo: Possibilidades de Resgate
do SuJeito e a Reconstrução do
Processo de Ensinar e Aprender
Aprender é quase tão lindo quanto brincar

(Lucia, 3 anos)

A partir da epígrafe, temos, então, o primeiro passo para tecer a prática de


reconstrução do processo de aprender e ensinar. O sujeito que é diagnosticado,
muitas vezes passou por situações difíceis até que alguém fizesse um
encaminhamento para que um profissional o ouvisse, o assistisse e apresentasse
de forma escrita, as razões para o “não aprender”.

O pós-laudo para a instituição e para o contexto da sala de aula funciona


como um documento capaz de “cobrar” os devidos direitos desse(a) aluno(a),
caso necessite de acompanhamento de outros profissionais da área da saúde ou
da educação, conforme você já pode ter acesso no capítulo dois deste caderno de
estudos. Porém existe o outro lado do laudo, talvez o mais importante: acreditar
no sujeito. Acreditar aqui não tem tom de crença em alguma entidade à parte
que fará com que os conhecimentos sejam apropriados pelo sujeito através de
algo sobrenatural. Acreditar aqui relaciona-se à capacidade de compreender que
o outro é capaz. Conforme afirma Fernández (2001a, p. 104), quando discute
sobre a importância de acreditar e possibilitar espaço ao(à) aluno(a) tornar-se
autor(a), construtor(a) e reconstrutor(a) da própria história: “para que a criança
possa aprender devemos deixá-la ensinar.” Com isso, a autora quer dizer que
a criança precisa ter voz neste contexto e o(a) professor(a) saber auscultar os
indicativos dessa tentativa de apresentar-se. A auscultação está além do ato de
ouvir, ela sugere uma escuta que percebe sons que foram silenciados para, então,
na interação entre ouvinte e falante ser possível reafirmar-se como pessoa.

Convidamos você, caro(a) leitor(a), a ler a seguinte conversa


entre duas meninas, uma de três anos e uma de seis, sem a
interferência de um adulto falando sobre o que é aprender:

71
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Aprender é quase tão lindo quanto brincar.

• Vou aprender a nadar – diz Silvina com alegria dos seus seis anos recém-
feitos.
• Vai nadar? – intervém a irmã, três anos mais jovem.
• Não, vou aprender a nadar.
• Eu também vou brincar na piscina.
• Não é o mesmo. Eu vou aprender a nadar, diz Silvina.
• O que é aprender?
• Aprender é... como quando papai me ensinou a andar de bicicleta. Eu queria
muito andar de bicicleta. Então ...papai me deu uma bici ... menor do que a dele.
Me ajudou a subir. A bici sozinha cai, tem que segurar andando...
• Eu fico com medo de andar sem rodinhas.
• Dá um pouco de medo, mas papai segura a bici. Ele não subiu na sua bicicleta
grande e disse “ assim se anda de bici” ... não, ele ficou correndo ao meu lado
sempre segurando a bici ... muitos dias e, de repente, sem que eu me desse
conta disso, soltou a bici e seguiu correndo ao meu lado. Então, eu disse: -
Ah! Aprendi!

Uma mulher que escutava a conversa de longe não pode deixar de ver a
alegria com que foi pronunciado “aprender”, que se transfere para o corpo da mais
moça e surge no brilho de seus olhos.

• Ah! Aprender é quase tão lindo quanto brincar – respondeu.


• Sabe, papai não fez como na escola. Ele não disse “Hoje é o dia de aprender
a andar de bicicleta”. Primeira lição: andar direito. Segunda lição: andar
rápido. Terceira lição: dobrar. Não tinha um boletim onde anotar: muito bem,
excelente, regular... porque se tivesse sido assim, não sei, algo nos meus
pulmões, no meu estômago, no coração não me deixaria aprender.

A mulher, uma psicopedagoga que presenciava a cena, nunca havia


escutado, nem lido, nem conseguido escrever uma explicação tão acertada do ato
de ensinar e aprender. (FERNÁNDEZ, 2001b, p. 28).

Atividade de Estudos:

1) A partir dessa reflexão, caro(a) leitor(a), o que você conseguiu


compreender do ato de ensinar e do ato de aprender? Como você
conseguiria transferir esse pequeno diálogo para o ato de ensinar
e de aprender no contexto do “chão de sala”? Tente escrever nas
linhas abaixo:

72
Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

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É importante entender que o ensinante apresenta e “entrega algo, mas,


para poder apropriar-se daquilo, o aprendente necessita inventá-lo de novo.”
(FERNÁNDEZ, 2001b, p. 29). Neste caso, andar de bicicleta, como qualquer
outro saber, não é algo possível de ser transmitido e absorvido mecanicamente.
O saber, para ser assimilado e acomodado, perpassa nossos sentidos e, então,
vamos dando significado e reorganizando da forma como melhor se adéqua às
nossas condições subjetivas. Se pedir para uma pessoa explicar como aprendeu
a andar de bicicleta, mesmo que todas tenham tido o pai ao seu lado, oferecendo
as mesmas condições que o relato anterior apresentou, a compreensão, a
apropriação e a materialização é própria do sujeito e do ato que se fez. Pois cada
qual aprendeu a andar de bicicleta em um dado momento, dentro de um contexto,
a partir de uma história particular.

É importante salientar, também, que em torno do processo de ensino e


aprendizagem pós-laudo, é necessário tomar cuidado quanto à supervalorização
dos dizeres contidos nele e, a partir disso, torná-lo uma “desculpa” para o não
aprender, tanto por parte de profissionais e familiares quanto por parte do próprio
sujeito. É importante deixar claras as razões do laudo e sua função e, a partir
disso, retomar a prática. Por exemplo, digamos que você tenha recebido o laudo
de um(a) aluno(a) diagnosticado(a) com dislexia. Há inúmeros trabalhos e livros
que tratam do assunto, mas não há nenhum que dirá para você como o seu(sua)
aluno(a) irá aprender a ler e escrever. Pesquisar sobre o assunto é importante,
mas o caminho para aprender é o(a) professor(a), com o psicopedagogo, o
fonoaudiólogo ou a equipe multidisciplinar, disponível para o atendimento que

73
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

construirão. Na medida em que houver investimento nessa criança também


haverá possibilidades de aprendizagem efetivada.

Também temos outra questão a frisar. Por vezes, quando se tem o laudo,
muito da autoestima da criança já se desgastou. Nesse caso, “[...] mais importante
do que o conteúdo ensinado é certo molde relacional que se vai imprimindo na
subjetividade do aprendente.” (FERNÁNDEZ, 2001b, p. 29). Ou seja, a forma
como se conduz a dinâmica do ato de relacionar-se com esse sujeito e com a
aprendizagem poderá ser determinante na reconstrução do processo de aprender.

Romero (1995, p. 79) nos explica sobre a importância do relacionamento


com o outro, no âmbito social/ escolar em torno da autoestima: “[...] sentimentos
de fazer parte do grupo, reconhecimento do valor pessoal por parte dos demais e
conhecimento das próprias habilidades e competências.” É preciso que o sujeito
sinta-se aceito pelo que é e pelo que pode contribuir, assim como saber sobre si e
aquilo que é capaz de desenvolver.

Certamente, caro(a) leitor(a), sabemos que todo(a) professor(a), no


exercício de sua profissão, encontrará dificuldades quando tiver em sua frente
alunos com problemas de aprendizagem específicos, com laudos descritos
que, muitas vezes, induzem a acreditar que são sentenças. É preciso ter a
ousadia necessária para seguir, acreditando que o embasamento da prática
partirá do contexto, da história individual, da plasticidade neural (lembre-se de
que o conceito de plasticidade neural foi discutido no capítulo dois), dos fatores
biológicos, da disponibilidade, do estímulo, da aceitação e da intervenção da
família, da escola e da prática pedagógica elaborada a partir do estudo desse
sujeito.

Para auxiliar e exemplificar formas de intervir em contextos


diferentes a partir de laudos, sugerimos como leitura o livro:
Caminhos Pedagógicos da inclusão: como estamos implantando
a educação de qualidade para todos nas escolas brasileiras, da
autora Maria Teresa Eglér Mantoan (Org.).

Também indicamos a você, caro(a) leitor(a), que navegue no Portal do


Ministério da Educação, buscando no item “publicações” relatos de trabalhos
desenvolvidos por professores com crianças que apresentam problemas na
aprendizagem ou deficiências.

74
Capítulo 3 OS ENCAMINHAMENTOS

Algumas Considerações
Caro(a) pós-graduando(a), neste capítulo você pode conhecer um pouco mais
sobre a questão da individualidade dos sujeitos e sua forma de aprender. Também
foi possível refletir sobre a prática pedagógica a ser construída a partir do laudo
feito por profissional da área da medicina ou saúde, bem como a importância de
acreditar no sujeito como eixo central para possibilitar a reconstrução do processo
de aprender.

Finalizamos o capítulo com a seguinte reflexão:

“Diferentemente de respirar ou de outra função orgânica que vem programada


de modo instintivo, andar de bicicleta, assim como caminhar, escrever e os demais
conhecimentos requerem uma aprendizagem. É precisamente por isso que os
processos de aprendizagem são construtores de autoria. O essencial do aprender é
que ao mesmo tempo se constrói o próprio sujeito.” (FERNÁNDEZ, 2001b, p. 31).

ReFerencias
BRASIL. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de
20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L9394.htm>. Acesso em: 14 ago. 2012.

FERNÁNDEZ, Alícia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas,


1991.

______. Os idiomas do Aprendente: Análise de modalidades ensinantes em


famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001a.

______. O saber em Jogo: A psicopedagogia propiciando autorias de


pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2001b.

______. A atenção aprisionada. Psicopedagogia da capacidade atencional.


Porto Alegre: Penso, 2012.

PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto


Alegre: Artmed, 2008.

PIAGET. Jean. Seis Estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense-


Universitária, 1984.

75
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

ROMERO, Juan F. As relações sociais das crianças com dificuldades de


aprendizagem. In: COLL, César; MARCHESI, Alvaro; PALACIOS, Jesús (Org.).
Desenvolvimento Psicológico e Educação: Necessidades educativas
especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

TARDIF. Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis:


Vozes, 2002.

76
C APÍTULO 4
Implicações dos Laudos para
o Contexto Educacional

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

 Compreender a crescente demanda dos laudos e dos medicamentos dentro


da escola.

 Descrever o papel da instituição “escola” frente aos laudos.

 Descrever o papel da família frente aos laudos.

 Discutir sobre a necessidade dos laços entre a família e a escola para o


desenvolvimento do sujeito diagnosticado.
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

78
Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

ContextualiZação
Ultimamente venho sendo consumidor forçado de drágeas,
comprimidos, cápsulas e pomadas que me levaram a
meditar na misteriosa relação entre a doença e o remédio.
... Ninguém sai de uma farmácia sem ter comprado, no
mínimo, cinco medicamentos prescritos pelo médico, pelo
vizinho ou por ele mesmo, cliente. Ir à farmácia substitui hoje
o saudoso hábito de ir ao cinema ou ao Jardim Botânico.
Antes do trabalho, você tem de passar obrigatoriamente
numa farmácia, e depois do trabalho não se esqueça de
voltar lá. Pode faltar-lhe justamente a droga para fazê-lo
dormir, que é a mais preciosa de todas. A consequente noite
de insônia será consumida no pensamento de que o uso
incessante de remédios vai produzindo o esquecimento
de comprá-los, de modo que a solução seria talvez montar
o nosso próprio laboratório doméstico, para ter à mão, a
tempo e a hora, todos os recursos farmacêuticos de que
pode necessitar o homem, doente ou sadio, pouco importa,
pois todo o sadio é um doente em potencial, ou melhor,
todo ser humano é carente de remédio. Principalmente, de
remédio novo, com embalagem nova, propriedades novas
e novíssima eficácia, ou seja, que se não curar este mal,
conhecido, irá curar outro, de que somos portadores sem
sabê-lo. ... Estou confuso e difuso, e não sei se jogo pela
janela os remédios que médicos, balconistas de farmácia
e amigos dedicados me receitaram, ou se aumento o
sortimento deles com a aquisição de outras fórmulas que
forem aparecendo, enquanto o Ministério da Saúde não as
desaconselhar. E não sei, já agora, se se deve proibir os
remédios ou o homem. Este planeta anda meio inviável.

Carlos Drummond de Andrade

A epígrafe acima foi escrita no ano de mil novecentos e oitenta, por Carlos
Drummond de Andrade. Intitulada: “O homem e o remédio: Qual o problema?” e
publicada no Jornal do Brasil. O texto abre alguns questionamentos que temos
como meta discutir com você, caro(a) leitor(a).

Dos laudos e prescrições de uso de medicamentos que recebemos


constantemente nas escolas, quantos de fato são determinantes em seu uso e
quantos poderiam ser problematizados por reflexões e práticas contextualizadas e
diferenciadas, conforme a demanda? Até quando a doença da “não aprendizagem”,
demonstrada por comportamentos desatentos, hiperativos e desobedientes serão
medicadas? Quantos dos encaminhamentos feitos por parte das instituições de
educação para profissionais da área da psiquiatria, neuropediatria e outras em
busca de respostas normatizadoras, reguladoras e medicamentosas são de fato
necessárias? E o(a) professor(a), como está desempenhando o seu papel e se
posicionando frente a essa questão? Será que ele(a) tornar-se-á identificador(a)

79
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

de anormalidades? O que é ser normal afinal? Qual o parâmetro de aprendizagem


que se busca para definir metas de normalidade ou anormalidade em educação?
Qual o papel da família diante dessa problemática? Como a escola e a família se
comunicam e intervém frente a essa discussão?

Estas são algumas questões para as quais construiremos respostas,


contando com sua colaboração e tentando construir na caminhada, indagações
que possibilitem a reflexão por parte de cada um em seu contexto. Ser capaz
de identificar em sua história e nas histórias de seus alunos as respostas que
procuramos para construir o processo de ensino e aprendizagem possível e
palpável dentro dos limites de cada um e além deles, quando se têm o desejo da
busca por resultados possíveis.

A Crescente Demanda por Laudos e


Medicamentos
O medo, a ansiedade, a desconfiança, a timidez, o desassossego, o biótipo
são características muitas vezes vistas como patológicas com indicativos para
tratamento. A forma como cada um se relaciona, age, reage e aprende tornou-
se um problema a ser resolvido por laudos médicos e uso de medicamentos. O
que noutros períodos da história era resolvido pelo poder de autoridade dos pais
e professores, hoje é exercido por vias medicamentosas, conforme afirma Luísa
Alcalde (1997).

Não precisamos fazer muito esforço para pensar esta questão na prática.
Apenas refletiremos sobre nossa sala de aula e os alunos que a compõem.
Se tivermos uma turma de vinte alunos, serão vinte personalidades que agem,
reagem, aprendem e se relacionam de formas distintas. Seria isso um problema?
Ou isso faria parte do caráter da pessoa? Muitas vezes, essas reflexões são
feitas no período de entrega de avaliações ou notas de alunos, com o fechamento
dos bimestres ou semestres. Então, acabamos por fazer comparações entre a
aprendizagem deles, tentamos padronizar subjetividades.

Logicamente, precisamos de parâmetros para avaliar a aprendizagem de


nossos alunos, para compreender como está acontecendo esse processo. Esses
parâmetros devem estar claros na Proposta Pedagógica da Escola e devem,
constantemente, ser revisitados e reformulados, criando, assim, uma atmosfera
reflexiva no ambiente, ou seja, a proposta pedagógica precisa apresentar a forma
como se pensa a avaliação dos alunos como sujeitos diferentes, sujeitos singulares.

De que forma ou a partir de que caminho será possível possibilitar ao(à)


aluno(a) a compreensão e a consequente aprendizagem de algum conteúdo? O
80
Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

que impossibilita alguém de aprender? Será que há impossibilidades ou diferentes


caminhos?

Embora possamos buscar em diferentes teorias, por meio de estudos


aprofundados, localizando áreas específicas do cérebro, a fim de compreender
questões físicas de como aprendemos, de como pensamos, mesmo assim, a
forma como será construído o caminho para a apreensão do conhecimento será
feita no chão de sala entre professores e alunos, numa relação de reciprocidade,
respeito, alteridade e empatia.

Para refletirmos um pouco sobre o assunto, pedimos a você,


caro(a) pós-graduando(a), para assistir novamente ao vídeo sobre
a Medicalização da Vida Escolar, aquele que você assistiu no
terceiro capítulo deste caderno e que se encontra no link: <http://
www.youtube.com/watch?v=fbUfrZzIYRI>. Lembrando que o vídeo
foi desenvolvido por Helena Rego Monteiro e é apresentado por
uma professora, refletindo sobre os problemas de cada aluno(a)
que compõe a sua turma durante o fechamento das médias e
consequente aprovação e reprovação para o ano subsequente.

Maria Helena do Rego Monteiro de Abreu, produziu esse


vídeo para a apresentação e defesa de sua dissertação, intitulada:
“Medicalização da Vida Escolar” – Rio de Janeiro, 2006.

Atividade de Estudos:

1) Após assistir ao vídeo, pedimos que escreva nas linhas abaixo de


que forma seria possível resgatar esses alunos que a professora diz
apresentar problemas. Liste os alunos e sugira caminhos.
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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

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Durante a escrita da atividade anterior, talvez você tenha lembrado situações


que viveu ou vive em seu contexto. Pensamos que seja necessário entender por
qual razão há essa tendência em consumir remédios e buscar problemas em
nossos alunos.

Primeiramente, é importante entender que não foi apenas um fator que


desencadeou essa visão, mas um entrecruzamento de fatores. Eles relacionam-
se com a história do nosso país, influências de outros países sobre ele, tentando
construir uma atmosfera de desenvolvimento e progresso da nação.

Certamente será preciso fazer um recorte histórico para que não tornemos
nossa leitura uma sucessão de datas e acontecimentos que desencadearão o
entendimento da problemática, justamente por acreditarmos que a história não é
apenas isso e não há uma linearidade para essa compreensão.

Vamos pensar a prática educativa a partir do movimento da Escola Nova


(primeira metade do século XX), que foi uma corrente inserida no Brasil, tendo
como eixo matricial as ideias do filósofo e pedagogo norte americano John
Dewey (1859- 1952). A princípio, a perspectiva teria como norte a compreensão
de que a educação é uma necessidade social e que as pessoas deveriam obter
conhecimentos que fossem aperfeiçoados e que, como consequência, pudessem
trazer progresso social. Esse movimento acontecia no Brasil, concomitantemente
a um rápido processo de urbanização, progresso industrial, econômico e que
também começou a apresentar problemas sociais e políticos. Em sua essência,
o ideário escolanovista era de que a educação é o único elemento eficaz para a
construção de uma sociedade democrática. (KUHLMANN JÚNIOR, 1998).

Uma sociedade seguindo os parâmetros escolanovistas e também com ideias


liberais constrói aos poucos o “[...] homem moderno, este novo homem, exigido
pela nova ordem urbano industrial, deveria ser disciplinado, hígido, saudável,
ativo e amante da pátria.” (ABREU, 2006, p. 29).

Partindo dessa premissa, logicamente o que foge a esses padrões de


sujeito, fugiria também dos padrões instituídos como forma de produção social,
de progresso, crescimento e desenvolvimento. Portanto, a Escola seria um dos
locais onde o “olhar” do(a) professor(a) em busca dos “desvios” comportamentais

82
Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

e cognitivos detectaria problemas para serem resolvidos. E quem os resolveria?


Certamente a medicina. A medicina é um saber que incide sobre o corpo, sobre
o organismo, tendo e mantendo efeitos disciplinares e regulamentadores.
(FOUCAULT, 1976). Seguindo essa lógica, podemos pensar que a medicina
tem o poder de “normalizar” a vida. O normal, neste caso, seria aquele que se
enquadra sem resistências aos padrões, regras, normas e demais atributos para
uma vida harmônica e produtiva socialmente. Quem fugiria dos padrões? Loucos,
deficientes, criminosos, enfim.

Atividade de Estudos:

1) Certamente você deve estar pensando: Será que isso acontece


na prática mesmo? O olhar “clínico” do(a) professor(a), o que
busca? O que vê? Quantas vezes o olhar dirigido ao(à) aluno(a) vê
o que sobressai: desatenção, inquietação, distração, impulsividade,
desobediência? Quantas vezes esses atributos são vistos antes
dos demais no comportamento e nas atividades diárias de alguns
de nossos alunos?

Tente fazer uma reflexão sobre um(a) aluno(a) que “incomoda”


ou “foge dos padrões” instituídos em sala de aula. Quais atributos
negativos ele(a) apresenta? Quais atributos positivos ele(a)
apresenta? O que sobressai?
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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

A ideia da reflexão é a de tentar mostrar a você, caro(a) pós-graduando(a),


que muitos dos encaminhamentos feitos para consultórios médicos com a queixa
de que o aluno não aprende ou a dita “doença do não aprender” se encaixa no
olhar do(a) professor(a) diante disso, e não necessariamente num problema a ser
resolvido.

Para refletir sobre isso, convidamos você para ler um trecho da dissertação
de Maria Helena do Rego Monteiro de Abreu que fala sobre a questão do olhar
do(a) professor(a) frente ao processo de aprendizagem e não aprendizagem do(a)
aluno(a):

André Luiz não mais resiste, já se submeteu e é refém de uma


incapacidade que não tem, mas introjetou.
Está preso em uma doença que não existe.
Está confinado em uma instituição invisível, sem paredes, virtual.
André Luiz está institucionalizado.

André Luiz não é um personagem de um tempo que passou,


nem foi encontrado em uma estante com referência catalográfica,
André Luiz é criança do nosso tempo – anda bem de bicicleta, faz
pipas bonitas, mas teme ser internado. André Luiz foi atendido por
uma médica neurologista quando tinha nove anos e cinco meses, a
partir de uma queixa da professora que, em poucas palavras, proferiu
a sua sentença:

André Luiz é desinteressado, apático, concentração mínima. Acho


que tem problema neurológico, ele só tem um assunto: cavalo.
No ano passado, apanhava muito da professora, ela puxava as
orelhas. Em casa faz todos os serviços.

Ao entrar no consultório da médica, André Luiz teve que ser


arrastado pela mãe e, com medo, perguntou à médica:
• Eu vou ficar internado?
• Internado por quê? – respondeu a médica.
• Por causa que eu não sei ler nem escrever? Eu não aprendia porque
ela me batia. Eu não sou inteligente, não. Só um pouquinho. Porque
eu não sei ler. Eu adoro cavalo! Sei montar desde pequeno, monto
muito bem em pelo! Eu tenho um cavalo só meu!

No encontro com André Luiz, o olho da médica não viu a apatia


descrita pela professora. O olho da médica viu em André Luiz uma
criança inteligente e desenvolta que tem um cavalo e o adora. André
Luiz considera-se doente porque não aprende na escola. A história

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Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

de André Luiz e de tantos outros que não aprendem na escola e são


sistematicamente encaminhados aos serviços de saúde para terem
suas sentenças proferidas do alto de um saber que se quer sempre
poder, nos fazem problematizar a demanda que vem superlotando
os consultórios, sejam eles públicos ou privados. (ABREU, 2006, p.
16-17).

Quantas vezes avaliamos e determinamos a vida de nossos alunos através


do olhar e daquilo que dizemos sem ao menos considerar todo histórico vivido por
eles além das quatro paredes da sala de aula? É importante que tenhamos esse
olhar reflexivo, pois a demanda por encaminhamentos da educação para a saúde
é muito grande, como se os diagnósticos por si só resolvessem um problema
a partir do que foi dito e associado ao uso de um medicamento complementar:
pílulas para aprender. Será que elas existem e resolvem nossos problemas de
sala de aula em longo prazo?

Convidamos você, caro(a) acadêmico(a), para assistir a um


vídeo e refletir um pouco sobre esse assunto. Acesse o link: <http://
www.youtube.com/watch?v=SVtZwUEdFgA>.

Neste link você assistirá a um episódio dos Simpsons em que o Barth


Simpson é diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
e começa a fazer uso de um novo medicamento para ajudar a se concentrar na
escola e tornar-se um “bom aluno”. É uma sátira do consumo de psicotrópicos
como regulador de comportamentos.

Atividade de Estudos:

1) Após assistir a este episódio dos Simpsons, gostaríamos que


você escrevesse nas linhas abaixo sobre um momento importante
do vídeo. Em que momento acreditou-se no menino como sujeito
capaz de vencer seus obstáculos sem o uso de medicamentos?
Você imagina que é possível viver na realidade uma situação
assim?
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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

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Com a discussão em torno dos laudos e medicamentos, quisemos


problematizar uma demanda que, em alguns casos, não existe, e sim que é
criada por estar em busca de uma homogeneização do aprender ou por uma
homogeneização de comportamentos escolares. É importante pensarmos que,
em sala de aula, lidamos com personalidades distintas entre si e que essas
distinções, como já discutimos no capítulo anterior, são parte da subjetividade de
cada um, é o que nos legitima como únicos.

Ressaltamos que o saber médico e o diagnóstico têm papel determinante para


auxiliar no entendimento do que pode estar acontecendo com o desenvolvimento
de um suposto aluno que não aprende. Descobertas da área da medicina são
importantes para oferecer qualidade de vida às pessoas, porém é preciso que
não façamos desse saber algo em torno da divulgação e invenção desenfreada
de doenças ou um estímulo ao consumo inconsciente e inconsequente de pílulas
para solucionar problemas de ordens psíquicas variadas.

Sobre esse assunto existe um documentário muito interessante,


dividido em dezoito partes, disponível na internet. Acesse o link:
<http://www.youtube.com/watch?v=6X3Khv2ura4>. Lá, você terá
acesso ao primeiro deles e depois é só continuar acessando as demais
partes. É muito importante assisti-lo, nele é possível problematizar e
refletir sobre a questão do consumo de medicamentos atualmente.

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Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

O Papel da Instituição Frente Às


Respostas Encontradas com o Laudo
[...] A educação se conduz como se se enviara
A uma expedição polar às pessoas vestidas com
Roupa de verão e equipadas com mapas dos lagos italianos.

(FREUD, 2010).

Escolhemos a epígrafe acima para apresentar uma das angústias com a qual
nos deparamos com certa frequência em sala de aula. Essas angústias giram em
torno da prática de “chão de sala”. O que fazer com um(a) aluno(a) que apresenta um
laudo de algum transtorno, distúrbio, deficiência ou dificuldade de aprendizagem?
Quais “equipamentos” precisamos para construir o caminho possibilitador de
aprendizagens para esse(a) aluno(a)? O que a escola poderá fazer nesse caso?

Convidamos você, caro(a) pós-graduando(a), a fazer a leitura do desfecho


do caso de um menino autista, diagnosticado aos sete anos, a partir do
encaminhamento da professora e da angústia encontrada por ela no trabalho com
o grupo em uma sala de aula do 1º ano do ensino fundamental. Este texto servirá
de base para responder aos questionamentos anteriores.

O trabalho com o primeiro ano sempre foi um grande desafio. Aliás todo
novo ano letivo sempre trará novos desafios. Que bom, afinal é com eles que
crescemos e nos desenvolvemos como profissionais e pessoas.

Como forma de preparar esse caminho, eu, professora Georgete, sempre


busquei a ficha de matrículas dos alunos e, alguns dias antes de iniciar as
atividades letivas, fazer através de um levantamento, a construção do perfil da
turma. O primeiro passo é saber de onde vêm os alunos que foram matriculados
no primeiro ano na escola. A partir disso, agendava uma visita à Instituição de
Educação Infantil que a maioria dos alunos havia frequentado no ano anterior.
Além da visita para compreender questões do trabalho local, sempre busquei
conversar com as professoras que atenderam esses alunos e ouvir delas como foi
o desenvolvimento deles naquele ano.

Certamente para saber sobre alguns desses alunos não era possível ir até a
Instituição que haviam estudado no ano anterior, então, no início das atividades
letivas, buscava solicitar aos pais a ficha de avaliação dos anos anteriores e
entregava para eles também uma ficha com a seguinte questão:

“Escreva nas linhas abaixo como foi o desenvolvimento de seu filho (a) do
nascimento até a presente data. Sua escrita deve contemplar: O desenvolvimento
inicial dele: condições de gestação e parto, alimentação, sono, desenvolvimento

87
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

motor, linguagem, controle de esfíncteres, responsabilidades, personalidade,


socialização. Pontue o que acha importante sobre as coisas que ele(a) aprendeu,
sobre a vida familiar e social. Fale sobre a vida de seu(sua) filho(a)!”

Com as fichas, o depoimento da professora do ano anterior e o depoimento


dos pais, construía o perfil da turma. Cruzava dados, informações que me faziam
nortear a prática e compreender a vida de meus alunos. Além disso, podia tirar
as minhas conclusões sobre cada um dos depoimentos e analisar cada um de
meus alunos. Saber sobre essas questões possibilita: compreender as condições
de desenvolvimento dessas crianças, sobre o investimento dos pais na vida dos
filhos e o que a professora do ano anterior poderia me dizer sobre a aprendizagem
dessa criança. Certamente leva tempo ler, analisar e compreender esses dados,
mas eles são importantes para elaborar a prática no referido ano. Apenas ressalto
que mesmo havendo todas essas informações, é importante o(a) professor(a) se
posicionar frente a isso e construir a sua história com seus alunos.

No ano de 2009 recebi uma turma com trinta alunos, todos muito ativos:
crianças, apenas isso. Dentre eles o Rafael. A mãe de Rafael o trouxe até a sala
de aula e me disse: professora, fica de olho porque ele faz cocô e xixi na calça.
Também ele é muito nervoso, apronta direto, bate nos outros, não me obedece,
mente. Ele não sabe fazer letras e nem o nome. Ele não consegue aprender as
coisas muito rápido. Não sei como vai ser aqui na escola.

Todo professor que no primeiro dia letivo recebe um aluno com essa fala
proferida pela mãe fica assustado. Eu fiquei assustada. Rafael tinha seis anos na
época.

Na ficha desse menino a mãe havia escrito que teve uma boa gestação,
mas que enfrentara problemas conjugais. Porém não se queixou de nada
especificamente em termos pré-natais.

Após o nascimento de Rafael começou a perceber que ele sempre chorava


muito, demorou além do comum para sentar, engatinhar, andar. Falou tardiamente.
O menino dormia com a mãe e ela dizia que não conseguia ser de fato a mãe,
quem comandava as coisas na casa era a avó. A mãe sempre mantinha uma
postura secundária na educação da criança. O pai não era uma pessoa presente,
mas quando estava com o menino, demonstrava amor por ele.

No decorrer do ano eu tive muitas dificuldades com o Rafael, ele não


conseguia entender os sentimentos dos outros, criava situações de conflito e as
crianças tinham medo dele. Parecia que ele não gostava de ficar sozinho, mas
quando se aproximava dos outros, na maioria das vezes, os machucava.

Rafael fazia desenhos aleatoriamente, quando percebia, ao invés do

88
Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

desenvolvimento dos trabalhos, ele preenchia folhas do caderno com riscos


sequenciais. Mas o que me chamava a atenção era que quando eu sentava do
lado dele, este conseguia fazer o traçado de letras.

Rafael tinha comportamentos estranhos em sala. Usava a tesoura não


para cortar o papel e montar o exercício, mas para cortar o livro, a roupa e
os cabelos tanto seus quanto de outros. A cola era usada para lambuzar-se
e para comer. Tinha momentos que emitia gritos ensurdecedores, assustava
todos com os gritos e as gargalhadas. Batia nos colegas, sacaneava-os e
mentia. Tinha pouca capacidade atencional. Toda vez que era chamado para
cobrar o comportamento, olhava com piedade, negava o que fizera e chorava
compulsivamente.

De tudo isso que Rafael fazia, havia um caminho. Rafael era apaixonado por
Trens. Consegui desenvolver algumas de suas potencialidades com um trem de
brinquedo, com histórias de trens, textos de diversos gêneros que tratavam desse
assunto, trabalhos na área da matemática com essa temática e, assim, o tempo
foi seguindo com situações de conflitos extremos, mas também de aprendizagem
para todos. Sentia que com o Rafael sua aprendizagem não aconteceria da forma
convencional: quadro, caderno, lápis, professor, aluno.

Rafael levou para casa muitos bilhetes em sua agenda, solicitando a presença
da mãe na escola, a fim de cobrar da família uma postura frente à questão. Todas
as vezes que a família foi chamada à escola era solicitado encaminhamento a
um neurologista. Inicialmente a família apresentava disposição a levar Rafael ao
médico, mas sempre havia uma “desculpa” para o ato não se consumar.

Cada quinze dias a família era chamada na escola. Teve uma vez que eu fiz
um documento, cobrando da Direção da Escola uma postura. Foi uma forma de
registrar a angústia e cobrar das políticas públicas o desfecho para esta história. O
referido documento foi entregue à Secretaria da Educação e, então, foi conseguido
encaminhamento para neurologista, mas apenas para o início do ano seguinte.

Segue o laudo:

89
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Após o laudo, o Rafael já não era mais o meu aluno. Mesmo assim, o laudo
foi uma conquista para conseguir o segundo professor na turma e, assim, facilitar o
trabalho pedagógico em sala tanto para o professor como para o próprio aluno. Mas,
havia outra questão que implicava o trabalho com Rafael. Não havia uma prática
pronta e aplicável. Era preciso construir uma prática para que ele se desenvolvesse.

A partir do laudo, tanto a professora quando a auxiliar da turma começaram


a aprofundar leituras sobre a síndrome de Asperger e construíram a prática pós-
laudo:

Quadro de rotina, horários pré-estabelecidos, previsibilidade nos


trabalhos, sequenciação deles. Regras estabelecidas, fixadas na sala e
cobradas dele e de todos. Reforçar o comportamento positivo com elogios
e estímulos pedagógicos. Também foi importante construir com os alunos o
entendimento de que Rafael era diferente em alguns aspectos (como todos
nós somos), mas com todos os direitos de criança e deveres também, como
qualquer outro aluno.

A Secretaria da Educação no decorrer daquele ano construiu um programa


de atendimento de equipe multidisciplinar na escola. Havia acompanhamento
psicológico e psicopedagógico, encaminhamentos à neuropediatra, sendo
90
Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

possível a intervenção de outros profissionais e o consequente auxílio para o


desenvolvimento do trabalho pedagógico escolar.

Certamente cada contexto retratará uma realidade. Embora haja equipes


multidisciplinares para atender aos alunos que apresentem distúrbios, transtornos
ou dificuldades de aprendizagem, será sempre o professor em sala de aula que
construirá o caminho.

Através das pontuações da professora Georgete, é importante refletirmos


sobre o posicionamento da escola frente aos laudos. Na verdade, pensamos que
não seria a escola frente aos laudos, mas frente à diversidade do contexto. Por
essa razão, é tão importante que sejam feitas adequações curriculares e que o
Projeto Político Pedagógico da Escola seja revisitado anualmente.

Isso implica que as decisões, tanto curriculares como de


definição e de funcionamento da escola devem ser tomadas
por aqueles que vão implementá-las, em função da sua
realidade, adequando às suas características concretas as
propostas que os gestores estabeleçam. (ROSA, 2004, p. 291).

Embora cada profissional da equipe multidisciplinar contribua para melhorias


no desenvolvimento de uma criança que apresente algum problema na escola,
é a escola, com os gestores, professores e demais profissionais que precisa
promover os encontros com a aprendizagem.

Através de formação continuada de professores, de reuniões e grupos de


estudos, de reuniões pedagógicas e também direcionadas à discussão do Projeto
Político Pedagógico será possível construir uma resposta a partir do laudo que
recebeu de um(a) aluno(a).

A resposta certamente afeta a escola e implicará o questionamento da prática,


a introdução das mudanças e adequações necessárias. Seguramente, em alguns
momentos, essa resposta frente às adequações e às mudanças poderá causar
certo mal estar por parte de docentes. Mas o que se sabe definitivamente é que
somente haverá construção de aprendizagem nessas situações, na medida em que
houver uma equipe funcionando integradamente. Uma escola funciona com um
grupo, com um contexto, com a construção e reconstrução de histórias e não com
o trabalho apenas dos professores isoladamente. (ROSA, 2004). Ressaltamos que
buscar aprofundar conhecimentos sobre o problema que o(a) aluno(a) apresenta
trará condições de tecer intervenções adequadas para a situação a que se encontra
e, neste caso, em se tratando de chão de sala, é papel do(a) professor(a) construir
esse conhecimento, pois é ele(a) que estará diariamente com o(a) aluno(a).

É importante lembrar que o(a) aluno(a) que apresenta o referido laudo


não é apenas o(a) aluno(a) da professora Georgete ou da professora Maria.

91
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Ele(a) é o(a) aluno(a) da Escola “X,Y,Z”, pertencente a uma determinada


comunidade e inserido(a) em determinado grupo social. Portanto, é um sujeito de
responsabilidade de muitos e não apenas de alguém.

Atividade de Estudos:

1) Diante dessas questões, convidamos você, caro(a) leitor(a),


a refletir sobre o trabalho multidisciplinar e sobre o trabalho
do grupo escolar frente aos alunos que apresentam laudos e
diagnósticos médicos. Se fosse representar em um desenho
como deve funcionar o atendimento em equipe de um(a) aluno(a)
diagnosticado(a), que desenho você faria? Faça esse desenho
no retângulo abaixo e nas linhas posteriores escreva por qual
razão o fez.

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____________________________________________________
____________________________________________________

O Papel da FamÍlia Frente Às


Respostas Encontradas com o Laudo
e sua Inter-Relação com A Escola.
A partir da promulgação da Constituição de 1988 muitas conquistas através
de leis foram possíveis. Foi também ela que trouxe os princípios da elaboração
do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. (BRASIL, 1990). Em ambos os
documentos fala-se dos direitos, mas também dos deveres da família frente ao
acompanhamento e desenvolvimento de seus filhos.

92
Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

Muitas vezes, a família não tem conhecimento necessário para buscar seus
direitos quando seus filhos apresentam problemas na escola, e também não tem
conhecimento sobre os seus deveres em torno dessas questões. É importante
haver esses esclarecimentos para que cada um exerça o seu papel da melhor
forma, pensando no desenvolvimento da criança, que é o foco da discussão.

Você pode sugerir em sua escola grupos de estudos e/


ou encontros com depoimentos de pais de alunos que tenham
algum laudo médico e que apresentem problemas reais de seu
contexto. Também rodas de conversa com profissionais da saúde
e/ou da medicina. Promovendo discussões, aprofundando estudos,
interagindo com demais sujeitos, o conhecimento se constrói e
caminhos se abrirão e poderão auxiliar a prática do(a) professor(a) e
a aprendizagem do(a) aluno(a).

Em algumas situações, também, a família não aceita o fato de o filho


apresentar problemas e acaba por desconsiderar essa possibilidade sem ao
menos ter alguma confirmação médica sobre o assunto. Sabe-se que “um filho
é sempre fonte de ilusões ou medos. A fantasia e as vivências que se produzem
em torno dele são muito profundas e refletem não só a projeção de si mesmo,
como também expectativas idealizadas.” (PANIAGUA, 2004, p. 330). Cabe ao(à)
professor(a), em parceria com a escola e a equipe pedagógica, conversar com
a família sobre o assunto e quando não conseguir através desse contato, tentar
buscar auxílio com o Conselho Tutelar da cidade ou com órgãos do Serviço Social.

Lembramos também que há situações em que as famílias determinam o


problema do filho como uma enfermidade genética, conforme afirma Fernández
(1991). Sobre esse assunto, convidamos você, caro(a) leitor(a), a fazer a leitura
de um artigo muito interessante que fala da relação da família com o processo de
aprendizagem das crianças. Você consegue buscar a leitura no link: <https://goo.
gl/KYFhmT> ou também através de uma Busca na Revista de Psicopedagogia ,
vol. 28, no.86 – SP. – ISSN 01038486. O referido artigo tem como título: “Quando
o vínculo é doença: a influência da dinâmica familiar na modalidade de
aprendizagem do sujeito”, a autora é Ana Paula Decnop de Almeida. O artigo fala
do vínculo normal do patológico nas relações familiares e busca compreender até
que ponto é possível atribuir a essa dinâmica familiar a influência na modalidade
de aprendizagem do sujeito, causando como sintoma o não aprender.

93
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Atividade de Estudos:

1) Após a leitura desse artigo, escreva nas linhas abaixo qual a


sua visão em torno do que leu. Você concorda com a posição da
autora? Posicione-se.
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Sabe-se que quando se consegue encaminhar um(a) aluno(a) para a


investigação médica em torno dos problemas de aprendizagem e este(a) adquire
um laudo, para muitos ele pode retratar uma sentença com um tom negativo. É
preciso que o(a) professor(a) e demais sujeitos do contexto escolar demonstrem
à família o significado desse documento e as conquistas que ele pode trazer.
O laudo é positivo na medida em que apresentar, de forma escrita, problemas
relacionados ao desenvolvimento e à aprendizagem desse sujeito para, com
isso, equipes multidisciplinares possam atuar de maneira eficaz na retomada do
processo de aprendizagem desse sujeito. Ele jamais poderá significar perdas,
culpa, incapacidades e rotulagem.

Desde o momento em que os pais saibam da existência de algum problema


de aprendizagem nos filhos, a preocupação com a sua vida e seu futuro aumentará
e causará o aparecimento de muitos sentimentos diferentes, como medo,
insegurança, sensação de impotência frente à situação. Esses sentimentos, essa

94
Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

preocupação certamente acompanhará a família por muito tempo e talvez por


toda a vida. Mas a forma como cada um enfrentará essa situação, perpassará a
subjetividade e relacionar-se-á com a forma como enfrenta os problemas da vida.
(PANIAGUA, 2004). Além disso, eles também terão de decidir sobre tratamentos,
uso de medicamentos (quando necessário), acompanhamento por outros
profissionais como forma de investimento educativo, sem contar toda a dedicação
e tempo destinado à criança, independente de ela ser atendida por programas
públicos específicos.

É importante que à família fique claro que quanto maior a participação e


envolvimento com a aprendizagem de seu filho e quanto maior for sua interação
com a escola, melhores serão os resultados. Assim como também é importante
que a escola proporcione meios para que essa inter-relação aconteça de fato.
Conforme afirma Rosa (2004, p. 304):

É importante informar os pais sobre as decisões adotadas para


orientá-los sobre o tipo de ajudas que podem proporcionar
a seu filho e promover sua participação com relação à
aprendizagem de determinados conteúdos. A colaboração da
família é de vital importância para favorecer a contextualização
e a generalização de determinadas aprendizagens e conseguir
que estas sejam mais significativas para a criança, já que pode
relacionar o que faz em casa e o que faz na escola.

Da mesma forma como aos pais é delegada a incumbência de estar atentos,


incentivar e participar ativamente da vida do filho na escola, também é importante
que eles busquem participar das reuniões e da elaboração do Projeto Político
Pedagógico da escola, pois é a partir disso que eles poderão opinar, discutir,
propor, intervir diretamente na proposta que a escola tem como forma interventiva
de trabalho pedagógico/educativo. A esta questão relaciona-se uma Gestão
Democrática que visa a um envolvimento maior entre pais, comunidade e escola.

Certamente você, caro(a) leitor(a), já se deparou com situações em que


era necessário muito envolvimento e empenho dos pais para o sucesso e
avanço na aprendizagem da criança na escola. Cada escola, a partir de seu
contexto, a partir da história local e através do perfil da comunidade precisará
encontrar uma forma de construir essa ponte. Como forma de elucidar o
assunto, convidamos você, caro(a) leitor(a) a assistir um projeto de trabalho
feito em Taboão da Serra, SP, no qual buscaram-se parcerias entre família e
escola visando a um maior desenvolvimento e aprendizado das crianças, não
apenas aquelas que apresentavam problemas, mas as crianças de modo geral.
Os professores buscam fazer visitas à casa dos alunos, conhecendo a relação
da família com a criança, interessando-se por saber sobre essa relação e
sobre a história de cada família. O link de acesso é: <http://www.youtube.com/
watch?v=WP8DshqeFJc&feature=related>.

95
Teoria e prática da neuropsicopedagogia

Atividade de Estudos:

1) A partir dessa reportagem, tente refletir, caro(a) pós-graduando(a),


de que forma você, ao longo de sua prática, consegue promover
a interação entre a família de seus alunos e a escola no qual atua.
Ou de que forma é possível promover essa interação com um(a)
aluno(a) que apresente algum problema em seu desenvolvimento
escolar.
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Gostaríamos de deixar como dica que muitos textos interessantes são


disponibilizados em sites do Ministério da Educação, dentre eles, alguns oferecem
dicas práticas aos pais, encaminhamentos aos professores e orientações para
discutir sobre essa importante relação entre família, comunidade e escola. O
endereço é: <http://educarparacrescer.abril.com.br/guias-da-educacao/>. Lá,
você encontra alguns encaminhamentos importantes que poderão auxiliá-lo(a) a
aprofundar leituras sobre o assunto.

Algumas Considerações
Chegamos ao final de nosso caderno de estudos e certamente não somos
os mesmos após as leituras e discussões diante de assuntos tão importantes que
vivenciamos nele.

Neste capítulo, especificamente, foi possível compreender sobre a crescente


demanda por laudos e medicamentos, discutimos sobre o papel da escola e da
família frente aos laudos e sobre a importância da relação entre a família e a
escola para o desenvolvimento do sujeito diagnosticado. Para fechar nosso
caderno de estudos, queremos deixar como mensagem uma última reflexão sobre
a importância do olhar e do incentivo na vida de nossos alunos, independente do
problema que enfrentem ou da sua dificuldade diagnosticada:

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Capítulo 4 IMPLICAÇÕES DOS LAUDOS PARA O CONTEXTO EDUCACIONAL

O silêncio da sala de espera é interrompido pela alegria contagiante de


médicos e enfermeiras, despedindo-se de um homem de seus 80 anos, que
está recebendo alta hospitalar após 40 dias de UTI entre a vida e a morte. A
comovedora situação incita-me a aproximar-me do ancião quando ia caminhando
– já sozinho – pelo corredor.

__Quero fazer-lhe uma pergunta – digo.

__Você tem tempo de me escutar? Responde, oferecendo-me de entrada,


a primeira reflexão que me faz pensar quantas vezes perguntamos sem oferecer
tempo para escutar. E, ao olhá-lo, surge a pergunta:

__De onde o senhor tirou forças para se curar?

__Essa é uma longa história. Se quiser, eu conto. Tenho 83 anos, tive um


acidente na rua e me trouxeram inconsciente. Escutava tudo o que os médicos
falavam, mas eu não podia falar. Dava-me conta que eles diziam que eu ia morrer.
Eu pensava que queria dizer-lhes: quero viver. E não me saíam as palavras. Então,
comecei a pensar em alguém que tivesse acreditado em mim e assim, depois de
tanto tempo, recordei-me da professora Teresa, minha terceira professora. Quer
que siga contando?

__Sim, me interessa. O que recordou?

__O modo como me olhava, me escutava... Desde que comecei a escola, os


professores diziam a minha mãe que eu não ia aprender a ler e a escrever. Por
um tempo, deixei de ir a escola, “não vai aprender tudo”. No ano em que retornei,
porque tinha muita vontade de aprender, e tive outra professora, repetiu a mesma
história, voltaram a me tirar da escola. No ano seguinte, insisti pela terceira vez e,
então, conheci a professora Teresa. Lembrei-me dela 70 anos mais tarde, estando
em terapia intensiva, quando eu queria tirar forças para me curar...

__E o que foi que o senhor recordou sobre ela? – perguntei.

__Me lembrei que ela me olhava como que dizendo: VOCÊ PODE...

Fonte: Testemunho vivido por Acilia Fernández num hospital


público em Buenos Aires, 2012, p. 215.

Que possamos ser a professora Teresa na vida de muitos alunos. Que


possamos olhar nos olhos deles com a certeza de que é possível construir um
caminho que sobrepõe suas limitações. Sabemos que isso significa um grande
desafio e que, por vezes, podemos nos sentir sós. Mas as mudanças dependem
a priori, da nossa capacidade de acreditar. Com ela, pequenas brechas se abrem,
mas podem significar grandes transformações.

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Teoria e prática da neuropsicopedagogia

ReFerencias BibliograFicas
ABREU, Maria Helena do Rego Monteiro de. A medicalização da vida escolar.
2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

ALCALDE, Luísa. Pílula contra o agito. Revista Isto É, 23 de outubro de 1997.

BLANCO, Rosa. A atenção à diversidade na sala de aula e as adaptações do


currículo. In: COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús. (Org.).
Desenvolvimento Psicológico e Educação: Transtornos do desenvolvimento e
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BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13/07/1990.


Florianópolis: IOESC, 1990.

_____. Constituição da República Federativa do Brasil. 14. ed. Brasília:


Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2000.

FERNÁNDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

_____. A atenção aprisionada. Psicopedagogia da capacidade atencional. Porto


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FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France. São


Paulo: Martins Fontes, 1975-1976.

FREUD, Sigmund. O mal estar na cultura. Porto Alegre: L&PM, 2010.

KUHLMANN JUNIOR, Moysés. Infancia e Educação Infantil: Uma Abordagem


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MOYSÉS, M. A. A. A institucionalização invisível: crianças que não aprendem


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PANIAGUA, Gema. As famílias de crianças com necessidades educativas


especiais. In: COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús. (Org.).
Desenvolvimento Psicológico e Educação: Transtornos do desenvolvimento e
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Você também pode gostar