Medicalização Da Educação o Olhar Da Psicanálise
Medicalização Da Educação o Olhar Da Psicanálise
Medicalização Da Educação o Olhar Da Psicanálise
RESUMO
Esse artigo tem como objetivo discutir a medicalização da educação a partir do aumento crescente dos
diagnósticos de Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) na atualidade. Para essa reflexão
utilizamos como base epistemológica a psicanálise, propondo uma guinada no modo de olhar as crianças
que apresentam comportamentos diferentes do esperado pela família e pela escola. O método utilizado foi
a netnografia, sendo que foram coletados e analisados relatos de um grupo de Facebook destinado a pessoas
com TDAH e a pessoas responsáveis por crianças/adolescentes com esse diagnóstico. Com base nesses
relatos, a pesquisa concluiu que o diagnóstico acaba por apagar as diferenças, normalizando o corpo da
criança às condições sociais pré-determinadas.
Palavras-chave: Medicalização; Psicanálise; Educação; TDAH; Diagnóstico.
ABSTRACT
This article aims to discuss the medicalization of education based on the increasing number of Attention-
Deficit/Hyperactivity Disorder (ADHD) diagnoses nowadays. For this reflection, we used psychoanalysis as an
epistemological basis, proposing a shift in the way of looking at children who present different behaviors than
expected by the family and the school. The method used was netnography, and reports were collected and
analyzed from a Facebook group for people with ADHD and people responsible for children/teenagers with
this diagnosis. Based on these reports, the research concluded that the diagnosis ends up erasing differences,
normalizing the child's body to predetermined social conditions.
Keywords: Medicalization; Psychoanalysis; Education; ADHD; Diagnosis.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo discutir la medicalización de la educación a partir del creciente número de
diagnósticos de Trastorno por Déficit de Atención con Hiperactividad (TDAH) en la actualidad. Para esta
reflexión, utilizamos el psicoanálisis como base epistemológica, proponiendo un cambio en la forma de mirar
1Pedagoga formada pela Faculdade de Educação (UNICAMP). Licenciada no curso de Pedagogia pela
faculdade de Educação da UNICAMP, Campinas, SP, Brasil. Endereço para correspondência: Av. Bertrand
Russell, 801. Cidade Universitária, Campinas, São Paulo, Brasil, CEP: 13083-865. ORCID iD:
https://orcid.org/0009-0001-2807-6723. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2012383759787217. E-mail:
[email protected].
2Doutora em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2007. Professora livre
docente da faculdade de Educação da UNICAMP, Campinas, SP, Brasil. Endereço para correspondência: Av.
Bertrand Russell, 801. Cidade Universitária, Campinas, São Paulo, Brasil, CEP: 13083-865. ORCID iD:
https://orcid.org/0000-0002-7805-1620. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7478232008272219. E-mail:
[email protected].
a los niños que presentan comportamientos diferentes a los esperados por la familia y la escuela. El método
utilizado fue la netnografía, y se recopilaron y analizaron los informes de un grupo de Facebook para personas
con TDAH y responsables de niños/adolescentes con este diagnóstico. Con base en esos relatos, la
investigación concluyó que el diagnóstico termina por borrar las diferencias, normalizando el cuerpo del niño
a condiciones sociales predeterminadas.
Keywords: Medicalización; Psicoanálisis; Educación; TDAH; Diagnóstico.
INTRODUÇÃO
Este artigo pretende problematizar os diagnósticos de Transtorno de Déficit de atenção
(TDAH), tendo como referencial teórico a psicanálise. As pesquisas de autores que se coadunam
com uma base epistemológica da psicanálise formam utilizadas nas análises, que buscaram
investigar aspectos do ideário geral sobre a patologização.
No Brasil, nos últimos anos, houve um aumento considerável de medicalização na infância,
estando cada vez mais presente no cotidiano escolar (COLLARES e MOYSÉS, 1996). Esse
aumento pode ser verificado, por exemplo, pela crescente indicação do medicamento cloridrato de
metilfenidato, comercializado no Brasil com os nomes de Ritalina e Concerta, nos casos de crianças
diagnosticadas com Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) (BARROS, 2014).
O metilfenidato, é do grupo das anfetaminas, que atua como um estimulante do sistema nervoso
central, potencializando a ação de duas substâncias cerebrais: a noradrenalina e a dopamina
(MEIRA, 2012). Em uma pesquisa, Barros (2014) constatou que a produção deste medicamento
entre 1996 e 2012 cresceu 375% no mundo, segundo relatórios da ONU, porém no Brasil, sua
comercialização no mesmo período aumentou 6.322%.
Segundo Associação Brasileira de Déficit de Atenção (ABDA), o TDAH é um transtorno
neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o
indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e
impulsividade (ABDA, 2020).
Crianças que fogem ao padrão pré-estabelecido pela escola e pela sociedade são
encaminhadas para profissionais da saúde, considerados os que detêm o conhecimento para
“classificar” a criança como “normal” ou dar um diagnóstico e indicar um medicamento para que
ela acompanhe a sua turma. Esse procedimento, denominado como medicalização, desloca para o
campo da medicina, problemas do dia-a-dia dos sujeitos. “Desse modo, fenômenos de origem
social e política são convertidos em questões biológicas, próprias de cada indivíduo” (MEIRA,
2012, p.136).
Segundo Collares e Moysés (1996), o processo de transformar questões sociais em
biológicas, denominado como biologização, é bastante conhecido na história. Nos últimos anos, a
biologização vem ganhando força. Cada vez mais crianças e adolescentes são diagnosticados com
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doenças ou transtornos mentais. “Ao biologizar as questões sociais, atingem-se dois objetivos
complementares: isentar de responsabilidades todo o sistema social, inclusive em termo individuais
e, usando a expressão de Ryan (1976), ‘culpabilizar a vítima’” (COLLARES, MOYSÉS, 1996, p.
28).
A medicalização na infância, em alguns casos, desconsidera fatores sociais, políticos e de
vivências singulares das crianças. Claro que em alguns casos, a única forma de promover a saúde
da criança é inserir a medicação em sua vida. Doenças como diabetes, cardiopatias, epilepsias, entre
outras, podem levar a um grande sofrimento na infância e a mediação é totalmente indicada. O que
se questiona é a medicação de crianças por conta de seus comportamentos e singularidades, muitos
deles diagnosticados como transtornos ou doenças mentais.
O aumento de consumo de cloridrato de metilfenidato (Ritalina) nas escolas é
responsabilidade da cultura social, da nossa sociedade em geral. Podemos questionar quais são as
causas desse aumento: Uma relação conflituosa com o tempo da infância e a rotina dos adultos
educadores? Tentativa de uniformizar as pessoas? Dificuldade dos adultos em lidar com uma
criança “agitada”? Número elevado de alunos nas salas de aula, dificultando ao professor atender
às especificidades das crianças? Talvez todas essas sejam respostas possíveis. Talvez esse modo de
“consertar” os sujeitos seja uma característica de nossa época, vinculada ao modo como,
atualmente, o neoliberalismo gerencia as subjetividades (SAFATLE, JUNIOR e DUNKER, 2020).
Além disso, o aumento do uso de cloridrato de metilfenidato é altamente vantajoso para a
indústria farmacêutica, que vem cada vez mais ocupando lugar central na economia capitalista.
Segundo Meira (2012), não se trata de criticar a medicação de doenças, nem de negar as
bases biológicas do comportamento humano. O que se discute é a firme contraposição em relação
às tentativas de se transformar problemas de viver em sintomas de doenças, de explicar a
subjetividade humana pela via restrita dos aspectos orgânicos.
O discurso do “não aprender” ou “não se comportar de forma considerada adequada” pela
escola apresenta-se de forma cada vez mais frequente no cotidiano das escolas e dos serviços de
saúde para os quais se encaminham um número muito alto de alunos com queixas escolares. Há
uma “romantização” sobre o ato de ensinar e o discurso de que só se aprende quando está
prestando atenção, e de que está prestando atenção somente quando está em silêncio e olhando
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para a professora. Hashiguti (2009) faz uma análise das definições feitas por professores sobre o
termo avaliação obtidas nos cursos de formação continuada denominado “Ler para Aprender e
Língua Portuguesa e Literatura”, para Professores do Estado de São Paulo: Teia do Saber, nos anos
de 2004 e 2005. Ao definir o termo avaliação, 40 dentre as 61 respostas apresentaram as palavras
“diagnóstico”, “sanar”, “remédio”, “deficiência”, “cura”. Através dos termos médicos utilizados
pelos educadores, podemos compreender o quanto a educação está “hospitalizada”. A prática do
professor é atravessada por esse discurso biológico. A nomenclatura “avaliação diagnóstica” é
utilizada no meio acadêmico, significando a análise do desempenho educacional da criança.
Na pesquisa mencionada (HASHIGUTI, 2009), em uma resposta sobre o que é avaliação,
destacam-se palavras diagnóstico, remédio, deficiências, todas do campo lexical da medicina.
Nos serviços de saúde é comum que o diagnóstico seja realizado, produzindo-se o laudo
médico. Essas crianças, passam, então, a ser chamadas de “laudadas”. Passam a ser designadas por
siglas: “a criança esquece o casaco porque tem TDAH”; “a criança tem dificuldades na escola
porque tem déficit de atenção”; “a criança não obedece porque é TOD”; “a criança não consegue
escrever porque é disléxica” (SIGNOR; BERBERIAN; SANTANA, 2017, p. 760).
Segundo Ranña (2019), há um excesso de diagnósticos de TDAH atualmente, o que
camufla outras formas de sofrimento na infância. Para o autor, quando a maioria das crianças está
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MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: O OLHAR DA PSICANÁLISE
sendo classificada com o TDAH, esquecemos que as crianças também têm depressão, medo, raiva,
podem ter outros transtornos ou simplesmente apresentarem características singulares de
comportamento que as diferencia das demais crianças.
Apesar de ser um diagnóstico médico ou realizado por uma equipe multidisciplinar da área
da saúde, o caráter orgânico do TDAH não pode ser comprovado, pois o diagnóstico desse
transtorno é baseado em critérios comportamentais, descritos em uma lista de características
presentes no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V). Caso a criança
“preencha” seis ou mais (adolescente é necessário pelo menos cinco) da lista é “considerado” uma
pessoa com Transtorno de Déficit de Atenção (TODA), e caso preencher seis ou mais da lista de
hiperatividade é classificado como TDAH. Segundo o DSM V:
Segundo o DSM V, uma pessoa com TDAH: “perde as coisas”, “é distraído”, “sai do lugar
na sala de aula”, “se remexe na carteira”, “frequentemente está a todo vapor”, “tem dificuldade de
esperar a vez”, “fala em excesso”, “interrompe os outros, se intromete”, “não termina seus deveres
escolares”, entre outros “sintomas” que, entendemos, decorrem de aprendizagens sociais e podem
se modificar a depender do contexto em que a criança está. Assim, a título de exemplificação, um
aluno pode se remexer na carteira na aula de um professor e permanecer atento e interessado à aula
de outro professor (SIGNOR; BERBERIAN; SANTANA, 2017).
Além do prejuízo da medicalização na vida das pessoas, existe também a questão do rótulo
e o peso que essa classificação tem, causando estigmas muitas vezes irreversíveis. Oliveira (2019)
destaca que o efeito dos diagnósticos desse tipo de transtorno é muito nocivo e impede uma
escolarização que acolha a diferença. “Daí a importância de escutar a criança antes de nomeá-la”
(OLIVEIRA, 2019, p.123).
Deveríamos colocar em suspeita um diagnóstico de transtorno realizado apenas por
características de comportamento. Para Cordié (1996) “todo distúrbio não-detectado pelas vias
habituais de pesquisa, sejam elas biológicas, radiológicas ou outras, torna-se suspeito” (CORDIÉ,
1996, p. 15). Segundo a autora, “se não se vê nada, é porque não há nada: nem doença, nem doente”
(CORDIÉ, 1996, p. 15).
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De acordo com Silveira et al, o Brasil é o segundo maior consumidor mundial de cloridrato
de metilfenidato, ficando atrás apenas dos EUA. Mas, mesmo consumindo um remédio que teria
por finalidade controlar a atenção e o comportamento, parte expressiva das crianças medicadas não
aprende, não se comporta, não se atenta; o que leva a crer que o problema não se reduz à questão
biológica. Fatores sociais deixam de ser considerados e avançamos cada dia mais em direção à
patologização dos sujeitos e da vida.
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A psicanalista francesa Anny Cordié (1996) diz que “cada época produz suas patologias”.
Essa afirmação permanece forte e coerente e nos faz refletir sobre o contexto social que estamos
vivendo e as “novas doenças” e “transtornos” que estão surgindo. E por que estão surgindo? Como
afirma Cordié (1996), são as formas de compreender as diferenças como se fossem doenças que
cria, em cada época, as patologias. Já no início do século passado, Canguilhem (1943/2006) em seu
famoso livro “O normal e o Patológico” alertava para a tendência da medicina em “criar novas
patologias” Segundo o autor, “não existe a anormalidade em si, cada sociedade determina o que é
“normal e anormal. Não há distúrbio patológico em si, o anormal só pode ser apreciado em uma
relação” (CANGUILHEM, 2006, p. 140). Essa relação é social e se modifica em cada época.
Os conceitos psicanalíticos de “Eu ideal” e o “Ideal do eu” podem nos auxiliar a
compreender como as crianças vivenciam o desconforto de serem consideradas inadequadas e
receberem o diagnóstico de TDAH. O “Eu ideal” se sustenta pela identificação a um modelo, é
algo em constante transformação, ou seja, o “modelo” muda conforme a época e evolui quando se
passa da infância para a adolescência. Ou seja, é uma projeção imaginária, projeção do outro, o que
o outro espera. Já o “Ideal do eu” é de vertente simbólica, é o que o sujeito “gostaria de ser”, o
ideal do eu nunca é alcançado, e é essa a sua função, deixar sempre “acesa” a chama do desejo,
com base em seus próprios desejos e identificações, não mais como projeção do Outro (CORDIÈ,
1996). São as pressões do Ideal do Eu que colocam algumas crianças em situação de fracasso, pois
nunca alcançam o esperado, principalmente no contexto escolar.
Uma criança pode ser compreendida por suas singularidades como alguém com muita
energia e esperta, agitada e perspicaz ou pode ser compreendida com alguém que, por sua agitação,
atrapalha os adultos e a rotina escolar. Essa diferença na compreensão que os adultos têm do
comportamento infantil pode ser o determinante para que ela seja ou não caracterizada com
TDAH, visto que o diagnóstico é feito por respostas dadas por pais e professores a uma lista de
comportamentos questionados pelo médico neurologista ou psiquiatra. Há um limite difuso, sem
um contorno definido, entre o que pode ser considerado doença e o que pode ser considerado
saudável, ou mesmo o que pode ser considerado modos singulares de existir ou um transtorno
psíquico. “No caso dos transtornos psiquiátricos, esse limite difuso é ainda mais nítido, uma vez
que, não tendo um correlato orgânico bem delimitado, a avaliação sintomatológica fica muito
enviesada por fatores não necessariamente clínicos” (NEVES et al., 2020, p. 332).
Deixamos de considerar e admirar a singularidade da infância, por quê? Quando os
comportamentos de agitação e desatenção deixaram de ser modos singulares das crianças e
passaram a ser considerados transtornos? Concordamos com Oliveira (2019) quando destaca que
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METODOLOGIA
A pesquisa usou a netnografia como metodologia sendo possível alcançar as observações e
resultados buscados através de uma rede social via internet. A etnografia surgiu como fim de
satisfazer estudos da área da antropologia e seria, segundo Goetz e Lecompte (1988): “...uma
reconstrução analítica de cenários e grupos culturais que traz as crenças, práticas, artefatos e
conhecimentos compartilhados pela cultura que está sendo estudada (apud MONTARDO;
PASSERINO, 2006, p. 4)”.
Tendo em vista que o estudo aborda o entendimento de um fenômeno cultural manifestado
através da internet, a abordagem específica utilizada foi a netnografia. A netnografia permitiu a
coleta de dados através do grupo de Facebook e análise destes dados com “caráter investigativo e
de observação da realidade do outro” conforme explica Suelen de Aguiar (2015. p. 342). Ainda
segundo Suelen (2015), tal observação destes grupamentos dispostos nas redes somente é possível
porque ao passo que existe a manifestação em um espaço online esta manifestação carrega o que
ocorre no espaço offline.
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ANÁLISES E RESULTADOS
Neste tópico são apresentados relatos de mães com filhos com TDAH, através de um
levantamento de dados com base em uma pesquisa de netnografia, no qual foram coletados e
analisados relatos, em um grupo de Facebook destinado para as pessoas com TDAH e pessoas
responsáveis por crianças/adolescentes diagnosticados.
Os relatos foram agrupados em 2 categorias, a saber: 1. Relatos sobre diagnóstico precoce;
2. Relatos sobre laudo e a medicalização de crianças. Vamos a eles:
a. Relatos sobre “diagnósticos precoce”:
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acordo com sua vontade (“quando bem quer”). Muito sofrimento expresso nestas palavras que
acompanham o fato de ter conseguido provar que o filho tem TDAH. Ela lutou até mesmo contra
as palavras do pai da criança que dizia aos psicólogos que a criança era normal. O fato de a criança
com 6 anos “tomar 3 medicamentos” coloca em evidência a precocidade do diagnóstico e a
“medicalização” da infância.
Questionamos: Que história poderia nos contar tal criança, se pudesse ser escutada? Como
aquilo que foi denominado TDAH pode ser compreendido como seu sintoma neste emaranhado
de situações penosas?
Para a psicanálise, nomear (diagnosticar) contradiz um gesto ético. Ou seja, ao nomear o
penar humano, o sujeito que nomeia impõe ao nomeado um lugar de existência, confere a ele
contornos de circularidade na cultura como efeito da nomeação (BIRMAN, 2012, apud,
OLIVEIRA, 2019, p.160).
Vejamos outro relato:
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Então essas crianças chegam com frequência ao analista com uma demanda muito
esquisita, que é “Conserta aí” e que o trabalho da análise cumpre uma função bem
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Todos esses argumentos usados para defender o uso da medicação parecem responder à
idealização de um comportamento da criança esperado pela escola e pelos pais. De fato, o
medicamento muda o comportamento da criança, porém a que preço? O que questionamos é o
apagamento da fala da criança, ou seja, não se indaga a que conflito inconsciente esses sintomas
respondem.
Neste caminho Brum (2013) destaca que:
Entre as principais críticas feitas por aqueles que alertam para o processo de
medicalização da infância – e especificamente sobre o TDAH e a droga da obediência –
está a constatação de que as crianças deixam de ser escutadas na sua singularidade, como
um protagonista que tem uma história e está inserido num contexto familiar e social, para
se tornar um objeto com uma falha no corpo, sujeito à intervenção e à correção por
medicamentos (sem paginação, negritos meus).
De fato, pelos relatos das mães, os comportamentos indesejados foram corrigidos, o que
dá um certo alívio, pois as queixas da escola cessam. Nesse sentido: “as crianças e adolescentes têm
sido calados naquilo que estão tentando dizer a pais e professores, em nome de um ideal de
‘normalidade’ determinado pelo olhar médico e legitimado e reproduzido pela escola (BRUM,
2013, sem paginação)”.
Com base nos relatos postados nesse grupo do Facebook, podemos observar que quando
uma criança é diagnosticada com TDAH, a recomendação médica é o uso de medicamentos. O
discurso médico é considerado verdadeiro e, portanto, alçar-se nesse discurso é uma escolha que
conforta a família e a escola. Porém essa resposta diagnóstica anula a diferença, coloca a criança
em um lugar de doença ao invés de escutar seu sofrimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil o aumento de consumo de cloridrato de metilfenidato tem sido alarmante, o que
nos levou ao debate que já foi pontuado no decorrer do texto, sobre o processo de transformar
questões sociais em biológicas, ação denominada como biologização.
Essa biologização nos últimos anos tem sido cada vez mais frequente no cotidiano escolar.
Segundo Cordié (1996) “cada época produz suas patologias” (CORDIÉ, 1996, p.15). Seria o
Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) a patologia dessa geração?
Como foi apontado no decorrer do texto, o TDAH é um transtorno não identificado
através de exames de cunho biológico, mas sim através de listas de características subjetivas, no
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caso de crianças, descritas pelos pais e/ou professores. Não existe um exame médico para o
diagnóstico de TDAH.
Há um constante pedido de laudo pela escola e pela família. Entendemos que algumas
famílias utilizam o diagnóstico para “provar” ou “justificar” o comportamento da criança, o que,
de certa forma, dá um certo alívio aos pais, uma vez que encontrar um suposto distúrbio orgânico,
que pode ser medicado, os torna “esperançosos” de estarem ajudando a criança. Em relação às
escolas, a demanda (dos professores e diretores ocorre com frequência para possibilitar que o aluno
tenha acesso a serviços públicos de saúde, assim como na própria escola para justificar reforço e
atendimento especializado, ou ainda mais verba pública por aluno, quando matriculados no
Atendimento Educacional Especializado (AEE).
Por outro lado, o laudo cristaliza e prende o sujeito a uma denominação nosológica.
Portanto, se não é norteador de práticas educativas e emancipatórias, é apenas um rótulo carregado
de preconceitos, que suprime as singularidades ao invés de respeitá-las. Escutar a criança e os pais
é a melhor saída para acolher as diferenças na escola.
REFERÊNCIAS
CORDIÉ, A.. Os atrasados não existem: psicanálise de crianças com fracasso escolar. 1. ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p. 7-214.
COUTO, D. P. do. O sujeito-criança: A constituição subjetiva graças aos pais e apesar deles.
Dissertação de mestrado. São João del-Rei PPGPSI-UFSJ 2014.
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