Bps n21 Desenvolvimnto

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CAPÍTULO 7

DESENVOLVIMENTO RURAL

1 APRESENTAÇÃO
A questão agrária brasileira, apesar de seus impasses e problemas, continua
negligenciada na agenda governamental. No período 2011-2012, ela foi agravada
pela seca no Semiárido e pela ineficiência das ações que poderiam mitigar seus
efeitos mais perversos. Além disso, a definição de novas regras no âmbito do
Código Florestal terá consequências para o cumprimento do mandato consti-
tucional relativo à função social da terra, dificultando ainda mais a obtenção de
terras para o Programa de Reforma Agrária.
A desaceleração da reforma agrária, que vinha ocorrendo desde 2008, agra-
vou-se no último ano. Esta edição do periódico Políticas sociais: acompanhamento e
análise mostra o desempenho recente do programa, ressalta algumas de suas carac-
terísticas e os embates que trava em diferentes frentes, desde a obtenção de terras
até as questões derivadas do frágil equacionamento ambiental dos assentamentos.
O tratamento que vem sendo dispensado à agricultura familiar, analisado
pela ótica do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), aponta disfunções, revelando a concentração da aplicação de recursos
nas áreas e nos setores mais capitalizados: a região Sul absorveu 51% do total de
recursos, distribuídos em crédito de custeio e de investimento; e o Nordeste recebeu
apenas 13% dos recursos aplicados em 2011.
Também mereceu destaque especial uma apresentação do Programa de
Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PRONAT), contextualizando
e analisando a implementação da perspectiva territorial, iniciativa inovadora do
ponto de vista do planejamento, mas que enfrenta dificuldades operacionais para
articular e coordenar as ações identificadas como necessárias em cada um dos
territórios já identificados.
Finalmente, o Tema em destaque trata da conformação do território rural
a partir da análise dos embates e das disputas pelo domínio territorial e de seus
recursos naturais (florestais, minerais etc.) sob a lógica de acumulação do capital.
Ou seja, apresenta o rural visto a partir da territorialização dos conflitos agrários.
324 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

2 FATOS RELEVANTES

2.1 A seca no Semiárido


A pior seca dos últimos trinta anos castigou de forma severa os habitantes de
diversos municípios brasileiros ao longo de 2012, e a previsão é que a estiagem
se estenda até meados de 2013. Segundo a Secretaria Nacional de Defesa Civil
(SNDC),1 entre janeiro e agosto de 2012, 1.967 cidades decretaram situação de
emergência devido ao problema da estiagem. As situações mais críticas ocorreram
na região semiárida do país, onde residem 22,6 milhões de brasileiros, o equiva-
lente a 11,8% da população total do país.2
O espaço geográfico do Semiárido estende-se por oito estados da região
Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do
Norte e Sergipe), além do norte de Minas Gerais, totalizando uma extensão
territorial de 980,1 mil km2 (11,5% do território brasileiro). Compreende 1.135
municípios, dos quais 93,4% são considerados municípios de pequeno porte
(com população inferior a 50 mil habitantes).
Fortemente marcado pela paisagem da caatinga, esse espaço natural é tam-
bém historicamente relacionado à fome e à pobreza. Mais da metade de sua po-
pulação (59%) é considerada pobre3 e vive em sérias condições de vulnerabilidade
socioeconômica, com padrões de saúde, nutrição, educação, trabalho e condições
habitacionais bastante precários. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
da região reflete parte desta realidade:4 cerca de 82% dos municípios do Semiá-
rido são de baixo IDH, e nenhum é considerado de alto IDH (Silva, 2006, p.
19). As periódicas secas que ocorrem na região, portanto, ampliam ainda mais o
drama econômico e social vivenciado por esta população: conduzem a um desem-
prego maciço dos que não têm acesso à terra, criam descontinuidades forçadas
na produção rural, colocam em risco as vidas dos agricultores familiares e de
seus rebanhos, suas reservas de alimentos e sementes, conduzindo-os à condição
potencial de retirantes.
É exatamente nessa região que se encontra a base da pirâmide da agricultura fa-
miliar brasileira. De acordo com Ipea (2013, p. 22), 60,4% dos agricultores fami-
liares de baixa renda e dos agricultores assentados em projetos de reforma agrária

1. Para mais informações, ver: <http://www.integracao.gov.br/reconhecimentos-em-2012>. Acesso em: 26 set. 2012.


2. A delimitação mais atual do espaço brasileiro denominado Semiárido encontra-se na Portaria no 89, de março de 2005,
do Ministério da Integração Nacional (MI). A fonte das informações estatísticas apresentadas nesta seção, quando não
forem devidamente referenciadas, é o Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Elas estão compiladas em Medeiros et al. (2012).
3. Foram considerados pobres aqueles com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo.
4. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um indicador sintético desenvolvido pelo Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD) que considera três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde.
Desenvolvimento Rural 325

vivem na região Nordeste, especialmente no Semiárido.5 Ab’Sáber (1999, p.24-25)


também enfatiza que no Semiárido vive a mais importante massa de camponeses
residentes do Brasil, e destaca que “mais do que qualquer outro contingente demo-
gráfico do nosso interior, esta população forma um povo e uma cultura (...) em um
ambiente físico e humano que não reservou lugar para os fracos e acomodados”.
As disputas políticas que se travam nesse território sempre naturalizaram a
ideia do Semiárido brasileiro como um espaço de exclusão, no qual fome e pobreza
são resultados naturais de um meio ambiente bastante hostil. Sem dúvida, o regime
irregular de chuvas – que, não raro, submete a população a anos seguidos de estiagem,
mas eventualmente produz também inundações catastróficas – é um problema essen-
cial dos grandes espaços sociais do sertão. É verdade também que, de forma geral,
os seus solos são pouco adequados para a atividade agrícola, tanto do ponto de
vista físico quanto do geoquímico (solos parcialmente salinos ou carbonáticos).
Isto não significa, entretanto, que as precárias condições de vida de grande parte
dos habitantes que ali vivem decorrem de um fenômeno natural. O meio natural
constitui um elemento condicionante, mas os determinantes da pobreza presente nesta re-
gião são certamente outros, oriundos de fenômenos sócio-históricos construídos pelo homem.
Ou seja, fome e pobreza são um produto humano, social, cultural e político.
Feitas essas considerações iniciais, parece importante ressaltar dois pontos,
descritos a seguir.
1) Se o governo federal tem o combate à miséria como prioridade nacio-
nal, a questão do Semiárido merece atenção privilegiada, pois se trata
de uma região na qual a pobreza se apresenta em grande magnitude e
em extrema gravidade.
2) Se o governo federal pretende transformar estruturalmente as condições
de vida do sertanejo pobre, há que superar a histórica inefetividade das
políticas públicas que são dirigidas a esta população e priorizar ações
que atuem sobre a estrutura de relações de poder que interage com
as difíceis condições naturais do Semiárido. Planos e políticas gover-
namentais nunca conseguiram reverter o agudo processo de exclusão
social presente neste território justamente porque se resumiram, de um
lado, a medidas compensatórias de caráter clientelista e paternalista e,
de outro, a grandes obras hídricas de alto custo e baixa contribuição
para garantir o acesso à água a toda a população. Nunca se promoveram
mudanças efetivas nas relações dominantes de produção do Semiárido.

5. A fonte de informações estatísticas do referido estudo foi o Censo Agropecuário de 2006, do IBGE. As definições de
“agricultores familiares de baixa renda” e “agricultores assentados em projetos de reforma agrária” seguiram as normas
operacionais do crédito rural vigentes no Plano Safra 2006-2007. A primeira definição contemplou agricultores que
obtiveram uma renda bruta anual familiar de até R$ 3 mil, sendo no mínimo 30% desta auferida por meio de atividades
desenvolvidas no interior do estabelecimento agropecuário. A segunda definição contemplou agricultores familiares
assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário
(PNCF) e reassentados de áreas afetadas pela construção de barragens.
326 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Como será visto adiante, o Semiárido não é somente um espaço de solos


pobres e população maltratada pelas forças de uma natureza “perversa”, como
apregoa a visão hegemônica. É um território heterogêneo, historicamente domi-
nado pela pecuária extensiva e por vastos algodoais, e marcado por conflitos e
disputas em torno do acesso aos recursos naturais disponíveis. Não à toa, foi palco
de lutas populares que são símbolos para o país, como a Guerra de Canudos.6
Diante dessa realidade, e considerando que a reprodução social dos sertane-
jos pobres que ali vivem está subordinada, em primeira instância, à quantidade,
qualidade e localização dos recursos naturais disponíveis (terra e água, essencial-
mente), qualquer política que vise melhorar definitivamente as condições de vida
desta população deve intervir, prioritariamente, nos processos sociais que deter-
minam a forma como são apropriados tais recursos naturais neste território.
No que diz respeito à terra, a primeira questão a se ressaltar é que a estrutura
fundiária do Semiárido continua sendo extremamente concentrada. O latifúndio
tem raízes profundas no sertão, e as políticas públicas levadas a cabo nunca rever-
teram este processo de concentração. Ao contrário, na maior parte das vezes, o agra-
varam. Dos estímulos da política agrícola baseada no crédito rural aos incentivos
fiscais e às grandes obras do Departamento Nacional de Obras contra as Secas
(DNOCS) e da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene),
a grande propriedade rural sempre foi privilegiada em detrimento da agricultura
familiar. O avanço da fruticultura irrigada e dos grandes projetos de mineração
são os exemplos mais atuais deste processo.
As estatísticas do último Censo Agropecuário, realizado em 2006, confir-
mam essa situação. Neste ano, os agricultores familiares de baixa renda da região
Nordeste representavam 75,6% do número de estabelecimentos agropecuários,
porém não ocupavam nem 20% da área total. A área média destes estabelecimen-
tos era de apenas 9,6 ha, estando quase 70% deles em áreas inferiores a 10 ha (Ipea,
2013). Considerando que o módulo fiscal da região é de 70 ha, e que estudo da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) chega a defender a neces-
sidade de 300 ha para uma família viver bem na depressão sertaneja7 – região que
ocupa 38% do Semiárido –, parece desnecessário apresentar qualquer outro indício
do quão precário é o acesso à terra por parte dos agricultores empobrecidos.

6. Uma excelente análise sobre a luta de classes no sertão nordestino está em Elegia para uma re(li)gião: Sudene,
Nordeste, planejamento e conflito de classes, de Francisco de Oliveira. Segundo o autor, o “Nordeste algodoeiro-pecuário”
viveu, no século XX, um movimento pendular de violência oriundo da ambiguidade estrutural na qual se desenvolveram
a pecuária extensiva e a economia algodoeira. Esta ambiguidade estrutural – a coexistência do latifúndio e do minifúndio –
oferecia lógica peculiar à economia da região. Por um lado, as culturas de subsistência viabilizavam um baixo custo
de reprodução da força de trabalho. Por outro, a “cessão” de um pedaço de terra aos trabalhadores mantinha-os
dependentes e submissos (Oliveira, 1981).
7. Essa delimitação supõe uma exploração minimamente rentável e não danosa ao meio ambiente. Para mais informa-
ções, ver: Guimarães Filho e Lopes (2002).
Desenvolvimento Rural 327

De todo modo, é relevante ressaltar que a potencialidade produtiva no


Semiárido brasileiro varia bastante de região para região. O Semiárido compreende
um conjunto de diferentes microclimas, com lugares onde chove mais que em
outros e com regiões de solos mais profundos e mais sedimentados, o que favorece
o acúmulo de água e evita a evaporação. Segundo Silva (2006, p. 19), o zonea-
mento realizado em 2003 pela Embrapa revelou que há, no Semiárido, cerca de
16 milhões de hectares (16% do total) com bom potencial agrícola; 43 milhões
de hectares (44%) com potencial agrícola limitado, mas passíveis de exploração
sob determinadas condições; e aproximadamente 35 milhões de hectares (36%)
com fortes restrições ao uso agrícola. Considerando este cenário menos estereoti-
pado sobre o potencial da região, parece evidente que a severa situação de pobreza
da grande maioria da população sertaneja não é oriunda das condições naturais do
Semiárido, mas da forma como os seus solos são apropriados. A agricultura familiar
no sertão se desenvolve em propriedades minúsculas e nos piores solos da região. Esta é
a questão central que explica a extrema pobreza no território.
No que diz respeito à disponibilidade de água na região sertaneja, importa
revelar, inicialmente, que o Semiárido brasileiro é um dos mais chuvosos do mundo,
com uma pluviosidade média de 750 mm por ano. Uma vez que a captação de
água das chuvas pode ser realizada por tecnologias simples, baratas e eficientes,
este é, sem dúvida, um dos caminhos para a democratização do acesso à água
na região. Segundo Malvezzi (2007, p. 10-12), entretanto, a infraestrutura de
armazenamento de água de chuva atualmente instalada no Semiárido é capaz de
armazenar apenas 36 bilhões de metros cúbicos, restando, portanto, cerca de 720
bilhões de metros cúbicos desperdiçados anualmente. Para ter uma ideia do
volume de água não utilizado, o polêmico e oneroso projeto de transposição do
rio São Francisco, segundo o autor, transferirá para as bacias receptoras apenas
900 milhões de metros cúbicos por ano. Ou seja, a água de chuva desperdiçada
no Semiárido é aproximadamente oitocentas vezes maior que aquela que a transpo-
sição transferirá para o Nordeste setentrional (Malvezzi, 2007, p. 64).
Se a insuficiência da infraestrutura de armazenamento de água da chuva
construída pelo poder público ao longo dos últimos cem anos é patente, o
relatório do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)
ressalta, ainda, que a água armazenada no Semiárido atende prioritariamente a
demandas concentradas, como a das cidades, das indústrias e dos perímetros irri-
gados. Ou seja, há graves problemas de distribuição e gestão desta água que nunca
foram superados (Consea, 2008, p. 4).
Em verdade, os grandes investimentos em infraestrutura hídrica no Semiá-
rido, que marcaram as políticas direcionadas à região ao longo do século XX, não
foram realizados com o objetivo de democratizar o acesso à água e efetivar este
328 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

direito humano básico à população sertaneja. Milhares de açudes, barragens e


poços foram construídos em propriedades privadas para sustentar os rebanhos de
grandes e médias propriedades, sem qualquer garantia do uso público da água.
Quanto aos grandes reservatórios administrados por órgãos estatais, sua utilização
pública foi assegurada, mas nunca se construíram adutoras para conduzir esta
água até as populações mais necessitadas, nem se articulou esta disponibilidade de
água a outras políticas públicas, agrícolas ou agrárias. As terras nas proximidades
dos açudes se valorizaram e, consequentemente, foram apropriadas por médios e
grandes proprietários (Garjulli, 2003).
Segundo Francisco de Oliveira (Oliveira, 1981, p. 55), a implantação dessas
benfeitorias com recursos do Estado é a expressão da força e do poder político das
oligarquias da região, que conseguiram, com as obras hídricas, aumentar o seu
poder econômico e manter sua base política de sustentação, por meio do controle
sobre a água. Dito de outra forma, a má distribuição das águas no Semiárido está
umbilicalmente associada à grande concentração fundiária. Trata-se de uma históri-
ca estrutura concentradora de terra, água, riquezas e poder. A manutenção de uma
população sertaneja pobre e totalmente dependente da ação estatal sempre fez
parte da lógica de funcionamento desta estrutura.
Frisa-se, portanto, novamente, que o problema central do acesso à água na
região semiárida do país não advém das condições naturais deste espaço geográfico.
O “mito da escassez de água”, na verdade, sempre contribuiu para camuflar a essência
do problema: a situação de insegurança hídrica vivida pela maior parte da população
sertaneja é oriunda da alta concentração e da má distribuição das águas do Semiári-
do, que, por sua vez, têm suas raízes na alta concentração fundiária. Reconhecer este
ponto implica reconhecer, portanto, que a questão agrária deve retornar para o centro
da agenda de discussões das políticas públicas de erradicação da pobreza.
Conforme já mencionado, as lutas e os conflitos no Semiárido são históri-
cos e acompanharam o movimento de ocupação deste território. Os primeiros
movimentos sociais com caráter classista, entretanto, só surgiram por volta de
1950, com as ligas camponesas. De acordo com Oliveira (1981, p. 106), esta
massa agrária apareceu pela primeira vez na história social e política do Nordeste
como agente político autônomo, que não poderia ser mais confundido com os
“eleitores de cabresto”.
Com o golpe militar de 1964, contudo, as ligas foram extintas e suas
lideranças, presas e exiladas. Desde então, novos atores emergiram e se fortale-
ceram: sindicatos rurais, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
Pastoral da Terra, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), comunidades
quilombolas, indígenas e ribeirinhas, além de centenas de organizações não
governamentais (ONGs), originando a Articulação do Semiárido (ASA).
Estes movimentos conquistam uma organicidade crescente, e parte de suas
Desenvolvimento Rural 329

propostas políticas – baseadas em um novo olhar sobre o sertão –8 tem sido


gradativamente inserida na agenda dos órgãos governamentais.
O maior exemplo desse avanço foi a instituição, no início da década de
2000, do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC). Inicialmente apoiado pela
Agência Nacional de Águas (ANA), este programa foi incorporado, em 2003, às
políticas do então Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Nutri-
cional (Mesa), atual Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS). Desenvolvido e implementado pela sociedade civil (leia-se ASA), com
apoio de recursos federais, o objetivo do programa é transformar a realidade social
das famílias beneficiadas9 por meio da construção de cisternas, tecnologia eficiente
e barata de captação e armazenamento das águas da chuva.
Sem dúvida, o P1MC representa um claro passo à frente em relação aos pro-
gramas que o antecederam, e seu impacto na qualidade de vida dos beneficiários
é imediato: reduz doenças veiculadas por águas contaminadas; diminui a morta-
lidade infantil; atenua o trabalho de mulheres e crianças, habitualmente sobre-
carregadas com a penosa tarefa de abastecer os lares; e, principalmente, estabelece
maior independência em relação aos políticos locais, que sempre usaram a seu
favor a necessidade básica das pessoas de terem água em casa.10 Entretanto, tais
cisternas suprem apenas o abastecimento de água para uso doméstico. O programa
não garante o abastecimento de água para a produção, muito menos a terra para se
produzir, elementos imprescindíveis para debelar definitivamente os altos índices de
insegurança alimentar na região, gerar renda e ampliar a autonomia das famílias.
Além disso, até setembro deste ano, mais de uma década após sua instituição, ha-
viam sido construídas apenas 500 mil cisternas, metade da meta que dá nome ao
programa. Segundo o já citado Relatório do Consea, estudos avaliativos realizados
pelo MDS e pela Embrapa Semiárido mostram a necessidade mínima de 1,3 mi-
lhão de cisternas para abastecimento humano (Consea, 2008, p. 4).11

8. Esse novo olhar sobre o sertão reforça, em primeiro lugar, a ideia de que o semiárido é viável, uma região na
qual é possível construir ou resgatar relações de convivência entre os seres humanos e a natureza, com base na
sustentabilidade ambiental e combinando qualidade de vida das famílias sertanejas, promoção da cidadania e
incentivo a atividades econômicas e tecnologias apropriadas para a região (Silva, 2006, p. 26).
9. O Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) é destinado às famílias com renda até meio salário mínimo por mem-
bro da família incluídas no Cadastro Único do governo federal e que residem permanentemente em área rural sem
acesso ao sistema público de abastecimento de água.
10. Para mais informações, ver Malvezzi (2007, p. 14).
11. Com o objetivo declarado de acelerar o processo de instalação de cisternas no semiárido, em dezembro de 2011, o governo
federal suspendeu o apoio ao programa implementado pela Articulação do Semiárido (ASA) e anunciou a compra de milhares
de cisternas de plástico/PVC, que deveriam ser instaladas nas comunidades via convênios com estados e municípios. A medida
foi amplamente contestada pelos movimentos sociais do semiárido, que realizaram ato público, com a participação de mais
de 15 mil pessoas, no dia 20 de dezembro de 2011, na cidade de Petrolina. Segundo os manifestantes, a cisterna de placa
construída a partir da metodologia desenvolvida pela ASA utiliza insumos e mão de obra locais, dinamiza a economia regio-
nal, associa um trabalho pedagógico com as famílias e, principalmente, promove a autonomia, pois os próprios beneficiários
aprendem a realizar a manutenção das cisternas. A cisterna plástica, entretanto, tem custo unitário 58% mais alto que a
cisterna de placa, é produzida em centros industriais longínquos, é mais frágil, beneficia poucas empresas fornecedoras, gera
dependência da comunidade em relação a estas empresas, produz lixo ambiental, entre outras desvantagens. Diante da pressão
social e de denúncias de que a medida, na verdade, objetivava favorecer o reduto eleitoral do ministro Fernando Bezerra, do
MI, o governo federal recuou, restabeleceu o contrato com a ASA e reduziu a compra pública de 300 mil cisternas de plástico
para 60 mil.
330 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

O drama que a população do Semiárido viveu em 2012 é o indicador mais


forte de que as ações governamentais não foram suficientes. Como consequência
da situação alarmante, até outubro de 2012, o governo federal já havia liberado
R$ 3,2 bilhões para ações emergenciais.12 Estas ações abrangeram distribuição de
água por carro-pipa, recuperação de poços, auxílio financeiro emergencial (Bolsa
Estiagem),13 antecipação dos pagamentos do Programa Garantia-Safra, apoio à
atividade econômica, por meio de linha especial de crédito e venda de milho para
alimentação animal a preços subsidiados. Sem dúvida, tais medidas foram impor-
tantes porque amenizaram, em alguma medida, a tragédia social que se instalou
na região. Entretanto, foram somente ações emergenciais, que ignoraram o con-
flito distributivo existente no território e, por isso, não transformaram a realidade
da população sertaneja.
A ação governamental que mais avança nesse sentido foi instituída em 2007 e,
assim como o P1MC, é implementada pela ASA. Trata-se do Programa Uma Terra e
Duas Águas (P1+2), cuja proposta básica é assegurar que as famílias sertanejas tenham
acesso a tecnologias necessárias para captar água para consumo humano e para as
atividades produtivas e, também, terra suficiente para que vivam no Semiárido.
Em outras palavras, o programa pressupõe uma expansão da área de agricultura, a
partir de uma reforma agrária apropriada para a região, associada à construção de
uma malha de pequenas obras hídricas para captação de água de chuva.
A escala alcançada pelo P1+2, contudo, é bastante reduzida. Desde que
surgiu, em 2007, até setembro de 2012, o programa construiu 9 mil cisternas-
calçadão, 420 barragens subterrâneas, 302 tanques de pedra, 208 bombas d’água
popular (BAPs) e um barreiro-trincheira. Tais projetos beneficiaram aproximada-
mente 12 mil famílias (ASA, [s.d.]).
A baixa execução desse programa, até o momento, manifesta não apenas a
inoperância do governo federal na implementação da reforma agrária mas prin-
cipalmente a concepção de desenvolvimento que este reserva para o campo brasi-
leiro. Apesar de alguns avanços nos discursos e nas proposições de políticas para o
Semiárido, permanece no centro das decisões governamentais uma visão estrita-
mente econômica, que objetiva incentivar atividades produtivas empresariais ligadas
ao capital transnacional e à agricultura de exportação. Neste sentido, as melhores
terras da região, bem como os grandes volumes de água e os maiores volumes de
recursos públicos, continuam sendo destinadas aos “grandes empreendimentos”,
que hoje se materializam no agronegócio, na mineração e no hidronegócio.

12. Para mais informações, ver <http://www2.planalto.gov.br/imprensa/noticias-de-governo/governo-ja-liberou-r-3-bilhoes-


para-amenizar-efeitos-da-estiagem>.
13. A Bolsa Estiagem é um auxílio financeiro emergencial pago aos agricultores familiares enquadrados nos critérios do be-
nefício. Cada família beneficiada receberá o montante de R$ 400,00, transferidos em cinco parcelas mensais de R$ 80,00.
Desenvolvimento Rural 331

É o que vem ocorrendo, por exemplo, na região da chapada do Apodi, no


estado do Rio Grande do Norte. Em junho de 2011, foi publicado o Decreto
no 0-001, que desapropria quase 14 mil ha no município de Apodi para a im-
plantação do Projeto Perímetro Irrigado da Chapada do Apodi. A desapropriação
atinge diversas comunidades rurais e oito assentamentos da reforma agrária.
Desde a assinatura desse decreto, várias mobilizações populares contra a
implantação do projeto foram organizadas pelo Sindicato dos Trabalhadores e
Trabalhadoras Rurais de Apodi, pela Marcha Mundial das Mulheres, pela Comissão
Pastoral da Terra, entre outros movimentos sociais. Resumidamente, denuncia-
ram que o projeto passará as terras da chapada e as águas da barragem de Santa
Cruz para o controle de cinco grandes empresas do hidro e do agronegócios,
concentrando ainda mais a posse da terra e da água no Semiárido brasileiro.
Enfatizaram, ainda, que a desapropriação desarticulará a produção de milhares
de agricultores familiares que desenvolvem experiências de base agroecológica e
de convivência com o Semiárido; trará sérias consequências para a produção de
mel (pois o agrotóxico utilizado no perímetro irrigado provocará a diminuição da
quantidade de abelhas); e comprometerá a oferta hídrica da barragem de Santa
Cruz para outros usos. Enfim, denunciaram que o projeto expropriará das popu-
lações seus meios e modos de vida, acentuando os níveis de pobreza da região e
perpetuando a dependência deste importante segmento da sociedade às políticas
sociais compensatórias.
Além disso, os movimentos sociais ressaltaram que não faltam exemplos de
distritos irrigados social e ambientalmente indesejados no Semiárido, seja pelo
alto custo de manutenção do sistema, seja pela grande concentração de terras que
acarretaram, seja pelos deletérios efeitos ao meio ambiente e à saúde da população.
A própria região da chapada do Apodi, no estado do Ceará, foi desapropriada em
1986 com a intenção divulgada de dividir a área em lotes de 4 ha a 16 ha entre os
‘‘irrigantes’’, como deveria acontecer em todos os perímetros irrigados do Nordeste.
O que ocorreu, entretanto, é que os agricultores familiares ficaram sem terra e
sem indenização, e as grandes empresas produtoras de frutas ocuparam toda a
região, boa parte com maciço apoio governamental (Cintra, 2010).
A população da região sofre, atualmente, graves consequências desse processo.
Uma equipe da Universidade Federal do Ceará (UFC) detectou a presença de
22 princípios ativos de agrotóxicos – entre eles inseticidas, fungicidas, herbicidas
e acaricidas – na água que é fornecida para as diversas comunidades que vivem
na chapada do Apodi, alguns deles extremamente tóxicos (Ellery et al., 2010).
Comunidades denunciam a morte de trabalhadores e de animais domésticos, re-
lacionam várias queixas de saúde e temem os efeitos crônicos, de malformação
332 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

congênita a cânceres.14 Não bastasse isto, em abril de 2010, o principal porta-voz


das campanhas contra as pulverizações aéreas realizadas na região foi assassinado
com dezoito tiros.
Em resposta à pressão popular, em dezembro de 2011, a Presidência da
República comunicou ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de
Apodi que o projeto de irrigação da chapada do Apodi seria paralisado proviso-
riamente. Oito meses depois, entretanto, a ordem de serviço para o início das
obras foi assinada em Brasília, prevalecendo, portanto, uma lógica meramente
econômica e produtivista, que não leva em consideração o modo de viver das
comunidades nem a proteção da vida humana e da sociobiodiversidade.
Como resultado, os conflitos na região começaram a eclodir. Em 22 de no-
vembro de 2012, trabalhadores do DNOCS adentraram, sem mandado judicial
ou permissão dos agricultores, as terras coletivas da Associação dos Produtores
Rurais de Agrovila Palmares/Promares para construir uma “estrada desmatada”.
Por se sentirem ameaçados diante da invasão de suas terras, os agricultores da
associação registraram boletim de ocorrência contra o DNOCS, e já se disseram
dispostos a partir para o enfrentamento (Alves, 2012).
Esse exemplo evidencia, portanto, que ao alimentar um padrão de desen-
volvimento que tem como eixo estruturante o crescimento econômico pela via da
exportação de commodities, o governo inviabiliza a justa prioridade que atribuiu
ao combate à miséria no país. A chamada “porta de saída” da pobreza rural só
se efetivará se as políticas públicas promoverem mudanças efetivas nas relações
dominantes de produção do Semiárido, principalmente a partir da desconcen-
tração das terras e das águas neste território. Sem um reordenamento fundiário
que modifique substancialmente as relações de produção, não se modificarão as
condições desfavoráveis para o sertanejo, que permanecerá em constante precarie-
dade socioeconômica, sujeito aos flagelos das secas.

2.2 O Código Florestal


Em maio deste ano, um novo Código Florestal foi aprovado no Congresso
Nacional: a Lei no 12.651/2012 revogou a Lei no 4.771/1965, o antigo código.
Na tentativa de amenizar os recuos em termos de regramento ambiental, o
Poder Executivo vetou uma série de dispositivos da nova lei e publicou a Medida
Provisória no 571/2012, com a intenção, manifesta no Artigo 1o-A desta medida
provisória (MP), de primar por princípios preservacionistas, buscando equilíbrio
entre proteção ambiental e produção rural, previsto no princípio constitucional
da função social da terra (Brasil, 2012a).

14. Por exemplo, após a morte de um jovem trabalhador que atuava no almoxarifado químico da monocultura de
abacaxi de determinada empresa, vítima de uma grave doença hepática, 53% dos trabalhadores desta empresa foram
diagnosticados com alterações na função do fígado devido à exposição diária a agrotóxicos no trabalho.
Desenvolvimento Rural 333

Contudo, já no relatório da Comissão Mista do Congresso Nacional,15


aprovado pouco tempo depois pela Câmara dos Deputados, tal artigo foi alte-
rado, com supressões de incisos inteiros, a exemplo do inciso I, que reconhecia
florestas e outras formas de vegetação nativa como bens de interesse público.
A substituição de trechos como modelo de desenvolvimento ecologicamente susten-
tável por expressões do tipo presença do país nos mercados nacional e internacional
de alimentos e bioenergia evidencia a intenção parlamentar de submeter os direitos
ambientais às regras de mercado. Tais alterações, aprovadas pelo Senado Federal,
receberam alguns vetos da Presidência. O próximo passo, portanto, é a apreciação
dos vetos pelo Congresso Nacional.
O Código Florestal de 1965 estava embasado na subordinação da atividade
produtiva aos princípios da preservação ambiental. Estes, por sua vez, estavam em
perfeita harmonia com o princípio da função social da terra, consagrado na Cons-
tituição Federal de 1988 (CF/88). Tal relação estava evidente em seu Artigo 1o, §
1o, que estabelecia como uso nocivo da propriedade a utilização de florestas e ou-
tras formas de vegetação nativa em desacordo com o dispositivo constitucional. O
princípio da função social ainda era nominalmente evocado no Artigo 16, § 4o, que
tratava da aprovação da localização da reserva legal em imóveis rurais (Brasil, 1988).
A consonância entre o código anterior e a função social da terra de-
monstra-se também no tratamento à pequena propriedade familiar. A Lei
no 4.771/1965 assinalava uma estreita relação entre o conceito de pequena pro-
priedade familiar e o de minifúndio. Em seu Artigo 1o, § 2o, inciso I, o código
estabelecia regionalmente o tamanho limite das propriedades familiares, mui-
to próximo das médias dos módulos fiscais nas respectivas regiões. Trazia tam-
bém, ao longo do texto, dispositivos que flexibilizavam as regras ambientais
para tal grupo, considerando, por exemplo, como de interesse social, atividades
de manejo florestal sustentável nestas propriedades (Brasil, 1965, Artigo 1o, V,
b) e apontando a possibilidade de recomposição da reserva legal com árvores
frutíferas e exóticas intercaladas com nativas – Artigo 16, § 3o (Brasil, 1965).
O princípio norteador destes dispositivos era manter o equilíbrio entre as di-
mensões ambiental, social e econômica da função social da terra e evitar que o
rigor das normas ambientais prejudicasse o desenvolvimento socioeconômico de
famílias detentoras de diminutas áreas de terra.
A Lei no 4.771/1965 estava bem recepcionada na CF/88 (Brasil, 1988): o
Artigo 225 do capítulo VI estabelece que o meio ambiente equilibrado é bem
de uso comum do povo, cabendo ao poder público e à coletividade o dever de

15. Relatório apresentado em 12 de julho de 2012. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mo


strarintegra?codteor=1023047&filename=PAR+19+MPV57112+%3D%3E+MPV+571/2012>. Acesso em 4 abr. 2013.
334 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

preservá-lo para a presente e as futuras gerações. O Artigo 170, além disso, cita
o meio ambiente como um dos princípios que devem reger a ordem econômica.
O meio ambiente é, pois, um direito difuso. Aplicá-lo aos imóveis rurais implica
relativizar o direito de propriedade: para que este seja legítimo, seu detentor não
deve prejudicar os direitos da coletividade. Assim, a atividade econômica em um
estabelecimento rural deve, além de propiciar prosperidade ao proprietário, ser
benéfica ou, ao menos, não causar danos a terceiros. Isto implica, entre outros
aspectos, não prejudicar os bens e serviços ecossistêmicos, como ar, água e clima,
que são de uso comum de todos.
Essa sintonia não ocorre com o novo Código Florestal. A Lei no 12.651/2012
é resultado da iniciativa de um grupo de parlamentares defensores de interesses do
setor do agronegócio, cujo principal objetivo era proteger produtores rurais em
débito com a legislação ambiental das ações fiscalizatórias e punitivas do Estado
e legalizar áreas de exploração agropecuária em desacordo com o código anterior,
como as reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs). Em seu con-
junto, apresenta dispositivos que visam reduzir áreas de proteção ambiental para
manter e ampliar o uso alternativo do solo.
Uma análise do capítulo X dessa lei, o qual trata do Programa de Apoio e Incen-
tivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente, permite evidenciar a subordi-
nação do direito ambiental aos interesses econômicos. Seu Artigo 41 estabelece três
eixos de ação a fim de que os proprietários cumpram a lei ambiental: i) pagamen-
to ou incentivos financeiros a serviços ambientais; ii) compensação a medidas de
conservação e recuperação ambiental; e iii) incentivos à comercialização, inovação,
aceleração para recuperação, conservação e uso sustentável de recursos naturais.
Por pagamentos ou incentivos são consideradas retribuições, monetárias ou não,
a atividades de conservação que redundem em melhorias ao meio ambiente, quais
sejam (Brasil, 2012a, Artigo 41, I):
a) sequestro de carbono;
b) conservação da beleza cênica natural;
c) conservação da biodiversidade;
d) conservação dos recursos hídricos;
e) regulação do clima;
f ) valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico;
g) conservação e melhoramento do solo; e
h) manutenção de áreas de preservação permanente, de reserva legal e áreas
de uso restrito.
Desenvolvimento Rural 335

A compensação, prevista no inciso II do Artigo 41 (Brasil, 2012a), destina-


se a restituir as despesas do proprietário oriundas da necessidade de adequar seu
imóvel à legislação ambiental. Para isto, são previstos os seguintes instrumentos:
a) crédito agrícola, a juros menores, com prazos maiores que os de mercado;
b) seguro agrícola em condições melhores que as praticadas no mercado;
c) dedução das áreas de APP, de reserva legal e de uso restrito da base de
cálculo do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), geran-
do créditos tributários;
d) destinação de parte dos recursos arrecadados com a cobrança pelo uso
da água para a manutenção, recuperação ou recomposição de APPs,
áreas de reserva legal e de uso restrito;
e) linhas de financiamento para atender iniciativas de preservação volun-
tária ou de recuperação de áreas degradadas; e
f ) isenção fiscal para insumos e equipamentos utilizados na recuperação e
manutenção das áreas de APP, de reserva legal e de uso restrito.
Além disso, o Artigo 41 da Lei no 12.651/2012 prevê que, para financiar
a atividade de regularização ambiental, o produtor poderá deduzir, da base de
cálculo do Imposto de Renda, parte dos gastos efetuados para recomposição de
APPs, áreas de reserva legal e de uso restrito. A utilização de fundos públicos para
concessão de créditos, reembolsáveis ou não, para compensação e recomposição
destas áreas também está prevista neste normativo. Por fim, o artigo estabelece
que as áreas destinadas à APPs e reserva legal são elegíveis para inclusão em mer-
cados nacionais e internacionais de serviços ambientais (Brasil, 2012a).
A leitura que se tira desses dispositivos é que o proprietário/produtor não
pode ser onerado por preservar o meio ambiente. Mesmo os mínimos legais de
preservação, caso repercutam em ônus ao produtor, obrigam o Estado a compen-
sá-lo ou restituí-lo por meio de isenções de impostos, subsídios, financiamentos
subsidiados. Em última análise, é a sociedade que acaba pagando a um particular
para ter direito ao meio ambiente equilibrado. De direito, o meio ambiente equi-
librado transforma-se em mercadoria.
A questão da pequena propriedade ficou completamente subvertida no
novo código. Esta não mais se relaciona com a questão dos minifúndios e a espe-
cial necessidade dos pequenos produtores em manter uma atividade produtiva em
prol de sua sobrevivência. Agora, tratamentos especiais são destinados a imóveis
de até quatro módulos fiscais. Não foi tomado o cuidado de restringir a regra
apenas ao proprietário que detenha, ao todo, apenas esta área. Assim, o produtor
rural que detenha, por exemplo, cinco imóveis rurais de quatro módulos fiscais
336 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

será beneficiado pela lei, embora, ao todo, tenha vinte módulos fiscais. Outras
benesses favorecem imóveis de até dez ou quinze módulos, como a liberação de
áreas desmatadas de APP para a continuidade de atividades agropecuárias (Brasil,
2012a, Artigos 61-A, § 4o, I, e 61-B).
O novo Código Florestal está completamente dissociado do princípio cons-
titucional da função social da terra, seja por seu conteúdo estritamente produti-
vista, seja pelo fato de sequer aludir ao princípio em seu texto. Ao dar demasiada
ênfase à produção, parece ter o caráter de um código agrícola que protege os
produtores rurais da fiscalização do Estado. Subordina a questão do meio am-
biente à lógica de mercado, em uma concepção equivocada de que transformar
os bens e serviços ecossistêmicos em mercadorias seria a única solução para pre-
servar o meio ambiente, uma vez que o Estado seria incapaz de exercer o poder
de polícia em prol da garantia de direitos da coletividade. Perdeu-se, ainda, uma
grande oportunidade de se discutir o modelo agrário brasileiro, ao não se incluir,
em conjunto com as questões ambiental e econômica, a questão social relativa à
equidade na distribuição da terra no país. A lei acaba por cristalizar ainda mais o
modelo agrário iníquo imperante, concentrando eventuais ganhos de um incerto
mercado de serviços ambientais em poucas mãos.

3 ACOMPANHAMENTO DA POLÍTICA E DOS PROGRAMAS

3.1 Reforma agrária: a reforma agrária em crise


O Programa de Reforma Agrária, embora conste da programação oficial (Plano
Plurianual – PPA 2008-2011 e PPA 2012-2015), praticamente desapareceu da
agenda governamental, ao menos desde os anos finais do mandato do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. A partir de 2011, o programa ficou ainda menor, e,
mais grave, os assentamentos se tornaram alvo da imputação de serem, em grande
medida, os responsáveis pela tragédia da pobreza rural mais extrema.
O Plano Brasil Sem Miséria, insígnia mais forte do atual governo na área
social, estabeleceu como objetivo central a promoção da inclusão social e pro-
dutiva da população extremamente pobre, aquela com renda monetária mensal
domiciliar de até R$ 70,00 per capita, um contingente estimado em 16,2 milhões
de pessoas. Sua lógica apoia-se em um entendimento basicamente monetarista da
pobreza, secundarizando os processos que reforçam a exclusão social e dificultam
o acesso a serviços públicos, com os agravos da baixa escolaridade e das precárias
condições de moradia e trabalho.
O desenho do Programa de Combate à Pobreza, apesar de todos os seus
méritos, ainda não estabeleceu ações e mecanismos capazes de atuar de forma
definitiva sobre a extrema pobreza rural. De certa forma, ao não levar em conta
Desenvolvimento Rural 337

a extraordinária concentração fundiária, na origem da questão agrária brasileira,


limitou suas possibilidades de oferecer uma solução definitiva à miséria rural.
Os tímidos avanços do programa de reforma agrária não permitem a supera-
ção das fragilidades sociais existentes no campo, limitando o pleno usufruto dos
direitos de cidadania por parte de trabalhadores rurais, assentados, agricultores
familiares e comunidades tradicionais.
Proporcionalmente, o Brasil urbano e o Brasil rural praticamente se equiva-
lem em termos de pessoas vivendo em condições de extrema pobreza. Do total de
16,2 milhões de pessoas nesta situação, 46,7%, de acordo com o Censo Agrope-
cuário, residiam no rural e 53,3%, no urbano. Os valores absolutos, por seu tur-
no, revelam outras nuances desta questão: dado que as áreas urbanas concentram
85% da população total do país, o grupo mais vulnerável englobaria cerca de 8,6
milhões de pessoas, apenas 5,4% da população do Brasil urbano. No Brasil rural,
por sua vez, onde vivem 15,6% da população, uma em cada quatro pessoas seria
extremamente pobre.
O acesso à terra (em quantidade e qualidade adequadas) ainda tem centra-
lidade na determinação das possibilidades de êxito dos assentamentos de reforma
agrária, das políticas de agricultura familiar e das condições de permanência dos
trabalhadores rurais em seus lugares de origem. A configuração historicamente
dada e politicamente perpetuada da estrutura fundiária, as estratégias nem sempre
“legais” de ocupação e domínio de vastos territórios – e de todo o patrimônio
natural neles contido – são excludentes e reproduzem relações de trabalho precárias,
quando não análogas à condição de escravidão. São estes os condicionantes maio-
res da pobreza rural, que evidenciam, mais diretamente que a simples computa-
ção das rendas, as causas da situação de exclusão social e tornam coincidentes os
estados de extrema pobreza e de insegurança alimentar. As condições sob as quais
vivem pequenos agricultores e trabalhadores rurais restringem as possibilidades
de uma produção agrícola substantiva, geradora de autonomia e renda, uma vez
que eles desenvolvem sua produção sob os estreitos limites definidos pela escassez
ou pelo acesso precário à terra, sem assistência técnica permanente ou apoio em
uma política eficaz de extensão rural. Auferindo baixos preços de comercializa-
ção – por força da dependência de intermediários e da estrutura oligopolizada do
mercado atacadista – e tendo poucos meios de acesso a feiras e mercados urbanos,
eles enfrentam relações de trabalho extremamente adversas ainda predominantes
no meio rural – por exemplo, a baixa remuneração, a informalidade e a sazonali-
dade das ocupações.
Apesar disso, as estratégias do Plano Brasil Sem Miséria para o rural buscam
superar alguns obstáculos. O plano firmou as seguintes linhas de ação: i) assis-
tência técnica direcionada para a produção de alimentos para autoconsumo e
338 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

comercialização de excedentes; ii) fomento, significando a transferência direta de


recursos financeiros não reembolsáveis para estruturação produtiva de unidades
familiares; iii) promoção do acesso a mercados públicos e privados, basicamente
mediante o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); e iv) Bolsa Verde, trans-
ferência de R$ 300,00 por trimestre para famílias cadastradas no Programa de
Apoio à Conservação Ambiental.
À exceção do Bolsa Verde, que possui lógica própria e cujos potenciais bene-
ficiários estão concentrados na Amazônia, as demais ações devem ser articuladas e
coordenadas para ter eficácia e evitar desperdícios. Ainda que cumpram tais requisi-
tos, entretanto, não são potentes o suficiente para a erradicação da miséria no campo.
A questão da democratização do acesso à terra se sobressai pela ausência. Água,
semente, energia elétrica, assistência técnica e repasses financeiros são necessários
e defensáveis, mas, apesar disso, tais medidas não têm como alcançar grande parte
da população rural carente: a sem terra e a sem terra suficiente.
Ao homogeneizar diferentes situações e grupos em situação de pobreza pelo
corte único da renda, as especificidades da população que forma o rural brasileiro –
pequenos agricultores, trabalhadores com ou sem terra – são desconsideradas, e
o território que ocupam – ou reivindicam ocupar – perde relevância. A política,
então, acaba por abstrair a identidade política e social destes grupos e consagrar o
processo de desterritorialização que os atinge.
Enquanto se discute a atualidade da questão agrária brasileira, problemas se-
culares seguem sem solução, afetando grandes parcelas dos povos rurais, impedin-
do a democratização do acesso à terra e aos bens naturais, corroendo as relações
de trabalho, dificultando o acesso a políticas públicas e direitos de cidadania. Para
os trabalhadores rurais e camponeses do Brasil profundo, resistir é a única forma
de sobreviver à ameaça de desterritorialização, uma ameaça que, por vezes, se con-
cretiza, seja por uso da força do Estado ou de particulares, seja pela recorrência a
manobras legislativas e judiciárias, que acompanham o avanço do capital sobre os
territórios de ribeirinhos, quilombolas e povos indígenas.
O objetivo de transformar o campo em um território de produção de
commodities agrícolas e minerais – de mercantilização da natureza no sentido mais
amplo – tem se sobreposto ao mandado constitucional que deve garantir a função
social da terra.

3.1.1 Balanço geral dos assentamentos


O Programa de Reforma Agrária vem tendo desempenho bastante tímido, não
havendo indícios de que o ritmo de desapropriações e de criação de novos as-
sentamentos possa aumentar de forma a atender as demandas dos sem-terra.
Ao contrário, manifestações recentes atribuídas ao mais alto escalão do governo
Desenvolvimento Rural 339

dão conta da priorização de outros objetivos e ações para a população rural em


assentamentos rurais; os sem-terra, exceto em circunstâncias especiais, não serão
atendidos. Em entrevista ao Valor econômico, o atual presidente do Instituto Na-
cional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) deixou claro que:
Com respaldo da presidente Dilma Rousseff, o Incra vai deixar as aquisições de
terras em segundo plano e concentrar sua atuação na regularização fundiária do
Nordeste. (...). O Incra dará mais assistência técnica aos produtores assentados para
que eles possam ter renda (Tarso, 2012).
Os dados relativos aos assentamentos realizados em 2011 apenas ilustram a
mudança de prioridades e colocam no centro da política fundiária os objetivos
de aumento da produção de alimentos e, com isso, a melhoria da qualidade de
vida dos assentados. Outra diretriz refere-se ao fomento de maior interação entre
o Incra e outros agentes governamentais, para que os assentados e assentamentos
se beneficiem dos diversos programas governamentais, tanto na área social quanto
na de implementação de projetos de infraestrutura.
Tais objetivos não constituem novidade: há décadas constam nos principais
documentos governamentais que tratam da questão agrária e do desenvolvimento
rural, com destaque para o Estatuto da Terra, de 1964, o I Plano Nacional de
Reforma Agrária (PNRA), de 1985, e o documento Novo mundo rural, de fins da
década de 1990, cujo objetivo era:
Promover o desenvolvimento socioeconômico sustentável, em nível local e regional,
por meio da desconcentração da base produtiva e da dinamização da vida econô-
mica, social, política e cultural dos espaços rurais – que compreendem pequenos
e médios centros urbanos –, usando como vetores estratégicos o investimento na
expansão e fortalecimento da agricultura familiar, na redistribuição dos ativos terra
e educação e no estímulo a múltiplas atividades geradoras de renda no campo, não
necessariamente agrícolas (MEPF, Incra e SDR, 1999).
Espera-se que se cumpram os objetivos de prover o efetivo suporte para a
estruturação produtiva dos assentamentos, para que haja aumento da produção,
para que os processos de comercialização atendam aos anseios e às necessidades
dos pequenos produtores rurais e para que o trabalho rural remunere adequada-
mente os produtores, proporcionando-lhes ganhos na qualidade de vida. Desde logo,
porém, é preciso que os assentados recebam competente e tempestiva assistência
técnica, tenham acesso a recursos técnicos necessários para o desenvolvimento
sustentável de suas unidades produtivas e tenham assegurada sua participação nos
programas públicos de garantia de compra da produção.
340 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

3.1.2 Assentamentos em 2011


Em 2011 os registros do Incra apontam que teriam sido incorporadas aos projetos
de assentamento 22 mil famílias, das quais menos de um quarto em projetos cria-
dos neste ano; as demais foram instaladas em projetos de anos anteriores. Afora
este desempenho global ser o menor registrado, pelo menos desde 2003, a criação
de assentamentos em terras públicas, mais uma vez, ganha destaque.

TABELA 1
Assentamentos segundo a forma de obtenção da terra em projetos criados em 2011
e em projetos criados até 2010 (jan.-dez./2011)
Assentamentos em projetos
Assentamentos em projetos criados em 2011
criados até 2010
Total de famí-
Projetos Famílias lias assentadas
Origem/ Famílias
Projetos ho- nos projetos (C)
obtenção assentadas
Capaci- Assentadas mologados (unidade)
Área (unidade) (A + B)
(unidade) dade (unidade) (unidade)
(ha) (B)
(unidade) (A)

Onerosa 53 103.960,6337 2.785 1.824 1.795 9.809 11.633


Terra pública 55 1.796.896,10 6.270 3.290 731 7.098 10.388
Total 108 1.900.856,73 9.055 5.114 2.526 16.907 22.021

Fonte: Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do Incra e Sistema de Informações de
Projetos de Reforma Agrária (Sipra).1
Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Nota: 1 A partir de dados de 27 de janeiro de 2007.

A tabela 1 mostra ainda que foram obtidas de forma onerosa (via desa-
propriação e compra) menos de 6% da área total incorporada ao programa; as
demais 94,5% são terras públicas. A transformação de muitas terras públicas em
projetos de assentamento rural cumpre ao menos dois objetivos: reconhecimento
de direitos e da garantia de estabilidade da posse da terra e continuidade de prá-
ticas de conservação ambiental (projetos “verdes”: florestais, agroextrativista, de
desenvolvimento sustentável, entre outros). É importante ressaltar, entretanto,
que a destinação de terras públicas para a criação de assentamentos rurais não tem
qualquer impacto sobre a concentração fundiária.

TABELA 2
Famílias assentadas em projetos criados em 2011 por região e forma de obtenção
da terra (2011)
Projetos criados Área obtida Capacidade criada Famílias assentadas
Região/origem da terra Famílias Famílias
(unidade) (%) (ha) (%) (unidade) (%)
(unidade) (%)
Onerosa 53 49 103.961 5 2.785 31 1.824 36
Norte 5 5 21.190 1 553 6 144 3
Nordeste 34 31 69.201 4 1.643 18 1.213 24
(Continua)
Desenvolvimento Rural 341

(Continuação)
Projetos criados Área obtida Capacidade criada Famílias assentadas
Região/origem da terra Famílias Famílias
(unidade) (%) (ha) (%) (unidade) (%)
(unidade) (%)
Sudeste 6 6 6.419 0 266 3 247 5
Sul 1 1 804 0 68 1 58 1
Centro-Oeste 7 6 6.346 0 255 3 162 3
Terra pública 55 51 1.796.896 95 6.270 69 3.290 64
Norte 41 38 1.595.260 84 3.578 40 1.733 34
Nordeste 9 8 198.883 10 2.556 28 1.475 29
Sudeste 2 2 681 0 32 0 19 0
Sul 2 2 1.924 0 95 1 58 1
Centro-Oeste 1 1 148 0 9 0 5 0
Total 108 100 1.900.857 100 9.055 100 5.114 100

Fonte: Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do Incra e Sipra.1


Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Nota: 1 Com dados disponibilizados em 27 de janeiro de 2007.

A tabela 2 expressa a perda da centralidade da reforma agrária na agenda


governamental: em 2011, apenas 108 projetos foram criados, nos quais foram
assentadas cerca de 5 mil famílias. As vagas remanescentes serão atribuídas a partir
de 2012. Como já referido, o procedimento de homologação de novas famílias
em projetos criados em anos anteriores é recorrente, mesmo porque o processo
de obtenção da terra, a criação do projeto e a seleção e homologação dos benefi-
ciários têm lógica e temporalidade próprias, estendendo-se para além do ano de
criação. O que preocupa nos dados de 2011 é a baixa disponibilidade de lotes
para serem ocupados a partir de 2012.
O Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra), por ser
um arquivo de atualização permanente, apresenta a cada momento diferenças em
suas totalizações. O arquivo sobre assentamentos trimestrais realizados em 2011,
com atualização em fevereiro de 2012, indica a incorporação, em projetos novos
e antigos, de 21.975 famílias assentadas.

TABELA 3
Número de famílias assentadas nos projetos de reforma agrária1 – por trimestre e
regiões (jan.-dez./2011)
Famílias assentadas por trimestre Famílias
Regiões e Unidades Federativas (UFs) (unidade) assentadas
1o 2o 3o 4o Total (%)

Brasil (unidade) 592 1.200 3.626 16.557 21.975 100,0


(%) 2,7 5,5 16,5 75,3 100,00 -
Norte 107 277 1.578 8.489 10.451 47,6
(Continua)
342 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

(Continuação)
Famílias assentadas por trimestre Famílias
Regiões e Unidades Federativas (UFs) (unidade) assentadas
1o 2o 3o 4o Total (%)

Nordeste 56 148 1.188 5.446 6.838 31,1

Sudeste 103 93 98 779 1.073 4,9


Sul 157 151 351 557 1.216 5,5
Centro-Oeste 169 531 411 1.286 2.397 10,9
Fonte: R elatório 0229 da Coordenação-Geral de Monitoração e Controle (SDM) do Sipra.2
Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Notas: 1 As discrepâncias entre os valores desta tabela decorrem do fato de terem sido geradas por diferentes arquivos,
não compatibilizados.
2
Com dados disponibilizados em 6 de março de 2012.

Os assentamentos, como em anos anteriores, foram concentrados em estados das


regiões Norte (48%) e Nordeste (31%); apenas o Pará recebeu 25% do total de famí-
lias incluídas no Programa de Reforma Agrária. Como já referido, metade (51%) dos
novos beneficiários ocupou lotes em projetos criados até 2006; outros 26%, em proje-
tos de criação mais recente (entre 2007 e 2010); e 23%, em projetos criados em 2011.
As razões de novas ocupações em projetos antigos, entretanto, precisam ser escla-
recidas: se houve abandono, desistência, transmissão por herança, expansão do pe-
rímetro do projeto, parcelamento de lotes etc. Mas o certo é que não produziram
consequências sobre a concentração fundiária local ou regional.

TABELA 4
Número de famílias assentadas em 2011 por período de criação do projeto
(jan.-dez./2011)
Projetos que receberam novas famílias em 2011 Famílias assentadas Famílias assentadas
Período de criação do projeto
(unidade) (unidade) (%)
1900-1984 18 79 0,36
1985-1994 226 1.191 5,42
1995-1998 661 3.592 16,35
1999-2002 570 2.418 11,00
2003-2006 564 3.902 17,76
2007-2010 483 5.685 25,87
2011 96 5.108 23,24
Total 2.618 21.975 100,00
Fonte: Relatório 0229/SDM/Sipra.1
Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Nota: 1 Com dados disponibilizados em 6 de março de 2012.

De janeiro de 2011 a junho de 2012, foram estabelecidos 161 projetos de


assentamento, a maior parte nas regiões Norte e Nordeste, e beneficiadas 5,9 mil
famílias. No total, foram agregados 4,7 milhões de hectares, dos quais mais de
80% em projetos agroextrativistas e florestais situados na região Norte do país.
Desenvolvimento Rural 343

3.1.3 Os projetos de reforma agrária em execução


Em 30 de junho de 2012, os registros do Incra apontavam um universo bastante ex-
tenso de projetos e famílias assentadas: 8,9 mil projetos de diversos tipos e em dife-
rentes estágios de desenvolvimento, que abrigavam pouco mais de 930 mil famílias
e abarcavam uma área total de 94,5 milhões de hectares. Tais números, embora ex-
pressivos, não são suficientes para impactar a estrutura fundiária brasileira e atender
as demandas históricas dos trabalhadores rurais sem terra ou com terra insuficiente.
Parte significativa de projetos vem sendo estabelecida em terras públicas já ocupadas
por pequenos posseiros, que, a partir da chegada do Programa de Reforma Agrária,
ganham o estatuto de “assentados” e passam a ter acesso ao conjunto de programas
públicos estabelecidos para este público. Este contingente de beneficiários vem au-
mentando há alguns anos, tornando cada vez menor a importância proporcional
das áreas onde efetivamente houve redistribuição de terras improdutivas.
Mostrando o total de projetos, as áreas abarcadas e as famílias assentadas, o
quadro geral de assentamentos da tabela 5 tem uma lógica aparentemente con-
trária às informações já expostas. Dados relativos a assentamentos homologados
a cada ano mostram acúmulo maior nos anos recentes, sobretudo a partir do
primeiro governo Lula. Considerando-se o ano de criação de cada projeto, entre-
tanto, vê-se que os criados antes de 2003 concentram mais de 60% das famílias,
o que torna a ilustrar como a ocupação dos projetos se faz de forma descontínua.

TABELA 5
Projetos de reforma agrária em execução1 por período de criação (1900-primeiro
semestre de 2012)
Capacidade de Famílias
Projetos Área Área média Famílias assen- Área assen-
Período de criação famílias supor- assentadas
criados (ha) (A/C) tadas tada
dos projetos tada (unidade) (unidade)
(unidade) (A) (ha) (%) (%)
(B) (C)

1900-2002 5.214 44.070.001,1 713.535 569.233 663,17 61,20 46,6


2003-2012 3.700 50.432.111,9 419.033 360.929 1.980,10 38,80 53,4
Total 8.914 94.502.113,0 1.132.568 930.162 101,6 100,00 100,0

Fonte: Incra (2012b).


2

Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea .


Nota: 1 Em execução em 30 de junho de 2012.
2
Com dados disponibilizados em 24 de agosto de 2012.

As diferenças que emergem da comparação dos dois períodos considerados ex-


primem os diversos graus de prioridade dados em cada período à criação de projetos
de assentamento. Até o governo do presidente José Sarney, a colonização de terras
públicas, basicamente na Amazônia, era a diretriz dominante da política fundiária.
A partir de 1985, com o I PNRA, esta prática foi abandonada, sendo os antigos
colonos identificados como “assentados” em projetos de colonização. A partir de
344 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

então, foram criados “projetos de assentamento”, que se desdobraram em diferentes


tipos para incluir os pequenos produtores rurais ocupantes de terras públicas.
Os assentamentos criados entre 2011 e 2012 (primeiro semestre) seguiram a
lógica de anos anteriores – pouco investindo na captação de imóveis improdutivos
e em situação de descumprimento da função social da terra –, dando prioridade
à regularização fundiária; com isso, ocupações ancestrais foram transformadas em
projetos “novos” e antigos projetos estaduais, estabelecidos em terras públicas,16
foram incorporados à base.

TABELA 6
Projetos de reforma agrária em execução por grande região (1900-primeiro semestre
de 2012)
Capacidade
Projetos Famílias Área Projetos Famílias
Área abrangida de famílias Área mé-
Regiões criados assentadas abrangida criados assentadas
(ha) suportada dia (ha)1
(unidade) (unidade) (%) (%) (%)
(unidade)

Brasil 8.914 94.502.113,0214 1.132.568 930.162 101,60 100,0 100,0 100,0

Norte 2.053 66.875.969,1242 531.762 405.294 165,01 70,8 23,0 43,6


Nordeste 4.086 17.446.770,6851 347.476 310.622 56,17 18,5 45,8 33,4
Sudeste 739 1.366.087,0678 52.365 40.929 33,38 1,4 8,3 4,4
Sul 814 815.465,3057 39.497 36.027 22,63 0,9 9,1 3,9
Centro-Oeste 1.222 7.997.820,8386 161.468 137.290 58,25 8,5 13,7 14,8

Fonte: Incra (2012b). 2


Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea .
Notas: 1 Área média = área abrangida/famílias assentadas.
2
Com dados disponibilizados em 4 de agosto de 2012.

A região Norte concentra a maior parte dos quase 9 mil projetos existentes,
tanto em área abrangida (71% do total) quanto em número de famílias assentadas
(44%), embora no Nordeste haja quantidade maior de projetos. Apenas cinco es-
tados (Pará, Maranhão, Mato Grosso, Bahia e Rondônia) concentram 60% da área
atualmente apropriada por projetos de assentamento e 53% das famílias assentadas.

TABELA 7
Fases dos projetos de reforma agrária1 em execução (1900-primeiro semestre de
2012)

Projetos Área Famílias assentadas


Fase
(unidade) (%) (ha) (%) (unidade) (%)
Assentamento criado 3.061 34,3 24.749.722 26,2 316.664 34,0
Assentamento em
instalação 1.656 18,6 33.698.071 35,7 165.929 17,8
(Continua)

16. A desapropriação é instrumento exclusivo da União.


Desenvolvimento Rural 345

(Continuação)

Projetos Área Famílias assentadas


Fase
(unidade) (%) (ha) (%) (unidade) (%)
Assentamento em
estruturação 2.582 29,0 11.970.856 12,7 227.980 24,5
Assentamento em
consolidação 1.099 12,3 15.198.144 16,1 131.601 14,1
Assentamento
consolidado 516 5,8 8.885.320 9,4 87.988 9,5
Total 8.914 100,0 94.502.113 100,0 930.162 100,0

Fonte: Incra (2012b). 2


Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Notas: 1 Em execução em 30 de junho de 2012.
2
Com dados disponibilizados em 4 de agosto de 2012.

A concentração de assentamentos na região Norte, em anos recentes, se


deve, sobretudo, à incorporação e ao reconhecimento do direito à terra das po-
pulações que tradicionalmente as ocupavam, como os ribeirinhos e extrativistas.
Para muitos analistas, esta política, embora justa, não configura reforma agrária,
tampouco se confunde com procedimentos que legitimam a grilagem de terras
públicas: enquanto reconhecimento do direito coletivo à terra, tal política se an-
tepõe a formas de regularização fundiária que, segundo numerosas críticas, ofere-
cem uma via de legalização à grilagem.
O Programa de Reforma Agrária assegura aos seus beneficiários o direito de
acesso a um rol de políticas que, ao menos potencialmente, podem garantir-lhes
maior grau de estabilidade na terra e de progresso socioeconômico. Contudo, a
intermitência e as fragilidades das ações executadas colocam em risco as possibi-
lidades de desenvolvimento dos assentamentos. Mais da metade dos projetos em
execução não cumpriram as etapas iniciais de estruturação: as famílias tiveram de
fato acesso aos seus lotes, mas apenas algumas acessaram os recursos de fomento
e receberam assistência técnica e extensão rural. A tabela 8 mostra, por regiões, o
quadro preocupante dos atuais assentamentos. A situação só é menos grave no Sul,
possivelmente porque a região recebeu menos projetos e famílias em anos recentes
e porque nela estão os assentamentos em fases mais adiantadas de consolidação.

TABELA 8
Projetos de assentamento em execução1 por fase do projeto – Brasil e Grandes Regiões
(1900-primeiro semestre de 2012)
Fases do Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Brasil
projeto (unidade) (%) (unidade) (%) (unidade) (%) (unidade) (%) (unidade) (%) (unidade) (%)
Projetos em
1.304 63,5 1.909 46,7 442 59,9 216 26,6 846 69,2 4.717 52,9
fase inicial
Assentamento
822 40,0 1.307 32,0 214 29,0 117 14,4 601 49,2 3.061 34,3
criado
(Continua)
346 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

(Continuação)

Fases do Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Brasil


projeto (unidade) (%) (unidade) (%) (unidade) (%) (unidade) (%) (unidade) (%) (unidade) (%)
Assentamento
482 23,5 602 14,7 228 30,9 99 12,2 245 20,0 1.656 18,6
em instalação
Projetos em
estruturação/ 623 30,4 2.020 49,4 260 35,2 497 61,1 281 22,9 3.681 41,3
consolidação
Assentamento
em estrutu- 379 18,5 1.455 35,6 218 29,5 362 44,5 168 13,7 2.582 29,0
ração
Assentamento
em consoli- 244 11,9 565 13,8 42 5,7 135 16,6 113 9,2 1.099 12,3
dação
Assentamento
126 6,1 157 3,8 37 5,0 101 12,4 95 7,8 516 5,8
consolidado
Total 2.053 100,0 4.086 100,0 739 100,0 814 100,0 1.222 100,0 8.914 100,0

Fonte: Sipra.2
Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Notas: 1 Em execução em 30 de junho de 2012.
2
Com dados disponibilizados em 18 de julho de 2012.

A principal modalidade de obtenção de terras para a constituição de assen-


tamentos rurais, desde a segunda metade da década de 1990, é a incorporação
de terras públicas. O recurso à desapropriação de terras improdutivas nunca foi
utilizado em seu pleno potencial, barrado por medidas judiciais e pressões econô-
micas e políticas.
Cumpre fazer uma distinção: embora exista um maior número de projetos
rurais em áreas desapropriadas (60% do total) que abrigam a maior parcela de
famílias (50%), estes ocupam uma área proporcionalmente menor (31%), o que
revela um intenso parcelamento da terra.

TABELA 9
Formas de obtenção de terra para a constituição de projetos de assentamentos rurais
(1900-primeiro semestre de 2012)
Capacidade Capacidade
Famílias Famílias
Forma de Projetos Área de famílias Projetos Área de famílias
assentadas assentadas
obtenção (unidade) (ha) assentadas (%) (%) assentadas
(unidade) (%)
(unidade) (%)
Onerosa 5.898 31.660.433,98 609.790 520.082 66,2 33,5 53,8 55,9
Compra e venda 520 1.575.965,71 53.458 46.484 5,8 1,7 4,7 5,0
Desapropriação 5.378 30.084.468,27 556.332 473.598 60,3 31,8 49,1 50,9
Não onerosa 2.333 57.530.064,73 408.952 321.952 26,2 60,9 36,1 34,6
Reconhecimento 1.577 34.971.873,63 175.224 150.496 17,7 37,0 15,5 16,2
Discriminação 61 3.618.561,36 29.477 23.904 0,7 3,8 2,6 2,6
Arrecadação 695 18.939.629,73 204.251 147.552 7,8 20,0 18,0 15,9
Outras não
384 2.161.524,39 46.656 32.219 4,3 2,3 4,1 3,5
onerosas1
(Continua)
Desenvolvimento Rural 347

(Continuação)
Capacidade Capacidade
Famílias Famílias
Forma de Projetos Área de famílias Projetos Área de famílias
assentadas assentadas
obtenção (unidade) (ha) assentadas (%) (%) assentadas
(unidade) (%)
(unidade) (%)
Em obtenção 299 3.150.089,93 67.170 55.909 3,4 3,3 5,9 6,0
Total 8.914 94.502.113,02 1.132.568 930.162 100 100 100 100

Fonte: Sipra.2
Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Notas: 1 Inclui as seguintes formas: adjudicação, cessão, confisco, dação, doação, incorporação, reversão de domínio
e transferência.
2
Com dados disponibilizados em 18 de julho de 2012.

Nos projetos criados entre 2003 e 2010, apenas 28,8% das famílias foram
assentadas em terra obtida por desapropriação; 26,7% se incorporaram à reforma
agrária após serem instaladas em projetos criados por governos estaduais, basi-
camente em terras públicas estaduais. Na região Norte, a arrecadação e a discri-
minação de terras públicas federais possibilitou a incorporação ao programa de
reforma agrária de cerca de 65 mil famílias (18% do total).
Da atual área ocupada com assentamentos rurais (94,5 milhões de hec-
tares), menos da terça parte (30 milhões de hectares) foi obtida via desapro-
priação por interesse social, pelo descumprimento da função social da terra,
especificamente quanto ao quesito de produtividade. A perda de intensidade
do uso deste mecanismo de obtenção de terras resulta, ao menos em parte, da
limitação dos atuais índices de produtividade, que permanecem em patamar
extremamente baixo. Prevista em lei, a revisão destes índices deveria refletir
os avanços técnicos da agricultura brasileira, que têm sido apropriados quase
que exclusivamente pelo grande agronegócio. Os índices em uso foram cons-
truídos com base no Censo Agropecuário de 1975, e sua atualização vem sen-
do reivindicada pelos movimentos sociais rurais, pelo menos, desde meados da
década de 1990. Algumas propostas foram construídas com a participação do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (Mapa), mas nenhuma conseguiu ultrapassar o veto da
bancada ruralista no Congresso Nacional.17

3.1.4 Os assentamentos rurais e o licenciamento ambiental


Os projetos de assentamento que integram a base do Incra devem, para ser criados
e reconhecidos, cumprir um rol de procedimentos técnicos e administrativos

17. A atualização desses índices, que balizam os procedimentos de desapropriação de terras improdutivas, por interesse
social, deveria ser periódica, como estabelece a Lei no 8.629/1993, mas tem enfrentado, e perdido, um embate político
com os ruralistas, que não reconhecem – para este efeito – os avanços técnicos da agricultura brasileira. A desapropriação
para fins de reforma agrária deve atender aos critérios, às condições e aos limites expressos na legislação, levando em
consideração critérios econômicos – expressos pelos índices Grau de Utilização da Terra (GUT) e Grau de Eficiência da
Exploração (GEE). A fonte de informação sobre a produtividade é o Cadastro de Imóveis Rurais do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), e os atuais índices foram estipulados tendo por base os resultados dos censos
agropecuários de 1970 e 1975 do IBGE.
348 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

estabelecidos por atos normativos. A partir de 2003, esta regulação passou a incluir
a obrigatoriedade do licenciamento ambiental. Neste intuito também foi emitida
a Norma de Execução da Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de
Projetos de Assentamento (DT) no 69/2008, do Incra, que institui dois grupos
de projetos de reforma agrária: i) projetos criados pelo Incra por meio de obtenção de
terras, na forma tradicional, denominados projetos de assentamentos (PAs), e
projetos ambientalmente diferenciados – projeto agroextrativista (PAE), projeto
de desenvolvimento sustentável (PDS) e projeto de assentamento florestal (PAF);
e ii) os projetos reconhecidos pelo Incra, criados por órgãos governamentais para
acesso às políticas públicas do PNRA e que podem seguir o modelo tradicional
ou estar voltados para a preservação ambiental (Incra, 2008).
Os projetos ambientalmente diferenciados se situam quase que totalmente
no Norte: são 561 projetos, que ocupam mais de 44 milhões de hectares, onde
estão instaladas quase 160 mil famílias. Nas demais regiões há apenas 56 projetos
deste tipo, em 567 mil ha, atendendo 13,4 mil famílias. O Norte, entretanto,
também abriga um conjunto significativo de projetos convencionais: eles ocupam
uma área de 23 milhões de hectares (48% menor que a dos projetos ambientais),
mas são em maior quantidade (quase três vezes) e abrigam mais de 50% das fa-
mílias assentadas na região.

TABELA 10
Tipos dos projetos de assentamento em execução: número, área e número de famílias
assentadas (1900-jun./2012)
Família Famílias
Projetos Área Projetos Área
Tipo de projeto assentadas assentadas
(unidade) (ha) (%) (%)
(unidade) (%)
Projetos ambientais ou “verdes” 617 44.565.810 173.219 7 47 19
Outros tipos 8.297 49.936.302 756.943 93 53 81
Total 8.914 94.502.113 930.162 100 100 100

Fonte: Sipra.1
Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea .
Nota: 1 Com dados disponibilizados em 18 de julho de 2012.

A criação de projetos na região Norte tem aumentado desde meados da dé-


cada de 1990. A este conjunto, se somaram todos os projetos de colonização cria-
dos em anos anteriores, sem quaisquer cuidados quanto à preservação da floresta.
Contudo, o que parecia uma solução para o cumprimento de metas anuais de
assentamento – concentrar novos projetos em uma região onde a disponibilidade
de terras públicas facilita a criação de assentamentos e o reconhecimento de áreas
ocupadas por povos tradicionais – constitui atualmente um problema de solução
difícil para o Incra.
Desenvolvimento Rural 349

O Ministério Público do Pará acionou o Incra com a denúncia de que os as-


sentamentos rurais seriam responsáveis por um terço de todo o desmatamento na
região. O inquérito civil público instaurado teve liminar concedida recentemente, o
que impede a criação de novos projetos e o assentamento de novas famílias no estado.
De fato, as dificuldades dos assentamentos – antigos e novos – para regularizar
débitos ambientais têm freado os avanços na consolidação dos projetos. O cumprimento
das determinações do Código Florestal,18 quanto à porcentagem de reserva legal a
ser respeitada na Amazônia Legal, em algum momento, teria de entrar em choque
com a intensificação de assentamentos rurais na região com atribuição de pequenos
lotes. Com efeito, considerando-se apenas assentamentos do Pará e verificando-se
o que poderia restar de área útil para os assentados, dado o tamanho médio dos
lotes, os autores identificaram que em mais de 60% dos projetos as famílias
disporiam de menos de 10 ha tanto para realizar atividades produtivas como
para instalar suas casas, abrigos para pequenos animais, pequenas hortas, áreas de
descarte de lixo e dar outras destinações necessárias.
De um confronto entre os dados, observa-se que a quase totalidade dos PAs listados
encontram-se com mais de 20% de sua área desmatada, incorrendo, por conseguinte,
em descumprimento da observância da reserva legal de 80% (Brasil, 2012c, p. 11).

TABELA 11
Projetos em execução: área média útil por família em projetos de assentamento rural
no Pará (2012)
Grupos de área Projetos Projetos Porcentagem acumulada
(ha) (unidade) (%) (%)
Menos de 1 58 5,36 -
De 1 a 3 120 11,09 16,45
De 3 a 5 66 6,10 22,55
De 5 a 10 421 38,91 61,46
De 10 a 15 225 20,79 82,26
De 15 a 20 85 7,86 90,11
De 20 a 30 63 5,82 95,93
De 30 a 50 24 2,22 98,15
De 50 a 100 12 1,11 99,26
De 100 a 200 4 0,37 99,63
De 200 a 500 1 0,09 99,72
De 500 a 1 mil 2 0,18 99,91
(Continua)

18. Ver determinações no Artigo 12 da Lei no 12.651/2012: “Todo imóvel rural deve manter área com cobertura de
vegetação nativa, a título de Reserva Legal, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação
Permanente, observados os seguintes percentuais mínimos em relação à área do imóvel: I – localizado na Amazônia
Legal: a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas; b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel
situado em área de cerrado; c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais.” (Brasil, 2012a).
350 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

(Continuação)
Grupos de área Projetos Projetos Porcentagem acumulada
(ha) (unidade) (%) (%)
Mais de 1 mil 1 0,09 100,00
Total 1.082 100,00 -

Fonte: Sipra. 1
Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Nota: 1 Com dados disponibilizados em 18 de julho de 2012.

A tabela 11 não fez distinções entre os diversos tipos de projetos instalados


no estado. Se forem considerados apenas os projetos do tipo tradicional, a situa-
ção dos assentados se revela ainda mais frágil. Destes, apenas 37% teriam mais
de 20 ha de área útil. Dois tipos, no entanto, chamam a atenção pela pequena
disponibilidade de área útil disponível: os projetos municipais reconhecidos pelo
Incra e os projetos agroextrativistas.
Os projetos municipais se situam em periferias urbanas, representando a regu-
larização de acesso à terra por uma população com vínculos e tradições rurais em
espaços com forte adensamento demográfico. Os projetos agroextrativistas têm
outra lógica: representam o reconhecimento do direito das populações tradicionais
de continuar a trabalhar e ocupar terras onde estão há gerações. Muitas destas
comunidades respondem pela recuperação de boa parte da vegetação original que,
nos séculos XVIII e XIX, foi destruída para o plantio de cana-de-açúcar. Com a
crise deste tipo de atividade, sem condições de competividade com a produção
de açúcar e cachaça de outras regiões do país, os canaviais foram abandonados
e as populações que neles trabalhavam permaneceram por mais de um século
relegadas à própria sorte, quando não exploradas por pseudoproprietários, que
insistiam – alguns até hoje insistem – em lhes cobrar a meia de quaisquer atividades
produtivas que exercessem.
A defesa e preservação da floresta e a recuperação dos passivos ambientais
pelos projetos de reforma agrária são condições obrigatórias e necessárias, mas ne-
cessitam de políticas específicas e adequadas a cada situação concreta. Nesse sen-
tido, é preciso que haja espaço e oportunidade para que erros do passado possam
ser corrigidos e para que a questão ambiental não se converta em nova barreira
contra a reforma agrária e a democratização do acesso à terra. Para isso, diferentes
situações e circunstâncias devem ser equacionadas, de forma que não se condene
hoje o que o próprio Estado incentivava até há pouco tempo.
Desenvolvimento Rural 351

Ao arrazoado apresentado pelo Ministério Público do Pará, embora lógico,


bem ilustrado e embasado nos dispositivos legais vigentes, é possível contrapor
outros argumentos. Desde logo, é necessário pontuar que muitos PAs foram cons-
tituídos e ocupados antes da vigência das regras ambientais. Ademais, os imóveis,
quando obtidos por desapropriação por interesse social, constituíam propriedades
rurais privadas e improdutivas, onde muito provavelmente ocorrera extração de
madeira antes que outro uso produtivo tivesse sido dado à terra. O Inquérito
Civil Público no 1.23.000.000304/2009-54, para destacar a gravidade detectada
em muitos assentamentos, apresenta uma tabela com dados levantados a partir de
inspeções realizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama), com informações sobre 22 PAs, todos com eleva-
dos (e ilegais) índices de degradação (Brasil, 2012c).

TABELA 12
Porcentagem da área degradada de projetos de assentamento selecionados no Pará
Área Área do Capacidade Famílias Data de
Projeto degradada projeto de famílias assentadas Forma de obtenção criação do
(%) (ha) (unidade) (unidade) projeto
Projeto de Assentamento
Manoel Crescêncio de 98 18.894,804 465 367 Desapropriação 26/11/1986
Souza
Projeto de Assentamento
90 4.512,000 103 28 Desapropriação 31/3/1987
Colônia Reunidas
Projeto de Assentamento
61 11.426,947 149 148 Desapropriação 12/5/1987
Novo Horizonte
Projeto de Assentamento
98 8.252,563 82 72 Desapropriação 9/7/1987
Ribeirão de Fogo
Projeto de Assentamento
93 52.315,840 750 134 Desapropriação 4/8/1987
Colônia Verde Brasileira
Projeto de Assentamento
74 5.084,846 92 89 Desapropriação 4/8/1987
Castanhal Araras
Projeto de Assentamento
71 25.211,708 420 399 Desapropriação 7/8/1987
Jocon/3 irmãos
Projeto de Assentamento
80 21.000,000 415 328 Arrecadação 1/9/1987
Jacunda
Projeto de Assentamento
68 75.000,000 1.476 1.070 Desapropriação 10/5/1988
Rio da Esquerda
Projeto de Assentamento
74 72.260,806 1.473 1.243 Desapropriação 31/10/1991
Cinturão Verde I e II
Projeto de Assentamento
50 9.695,000 193 190 Desapropriação 2/9/1992
Cristalino
Projeto de Assentamento
99 1.333,647 35 35 Desapropriação 24/9/1992
Barcelona
Projeto de Assentamento
51 2.977,650 73 55 Desapropriação 24/9/1992
João Canuto
(Continua)
352 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

(Continuação)
Área Área do Capacidade Famílias Data de
Projeto degradada projeto de famílias assentadas Forma de obtenção criação do
(%) (ha) (unidade) (unidade) projeto
Projeto de Assentamento
77 1.987,145 43 37 Compra e venda 12/11/1992
Sagitário
Projeto de Assentamento
82 17.165,471 430 352 Arrecadação 10/1/1995
Tancredo Neves
Projeto de Assentamento
57 4.725,3193 191 177 Compra e venda 26/12/1995
Rio Branco
Projeto de Assentamento
66 14.921,890 517 505 Desapropriação 11/3/1996
Palmares
Projeto de Assentamento
94 21.432,540 400 366 Desapropriação 24/9/1996
Agrisa
Projeto de Assentamento
91 12.851,290 305 305 Desapropriação 24/9/1996
Camarana
Projeto de Assentamento
55 18.900,000 252 251 Desapropriação 10/6/1997
Uirapuru
Projeto de Assentamento
78 2.241,323 49 47 Desapropriação 8/11/2002
Unidos para Vencer
Projeto de Assentamento
77 3.921,597 75 64 Desapropriação 23/10/2003
Rio das Cruzes

Fonte: Brasil (2012c) e Sipra.1


Elaboração: Coordenação de Desenvolvimento Rural/Disoc/Ipea.
Nota: 1 Com dados disponibilizados em 24 de setembro de 2012.

A situação ambiental encontrada nesses projetos é grave, com a identificação


dos elevados índices de degradação. Para que a situação seja mais bem compreendida e
possa suscitar a construção de políticas de recuperação dos passivos ambientais
sem significar uma desnecessária punição aos trabalhadores rurais sem-terra e aos
que ocuparam de boa-fé os projetos criados antes da vigência das atuais regras
ambientais, entretanto, terão de ser acrescentados à tabela original outros ele-
mentos, tais como a capacidade potencial de assentamento por projeto, o número de
famílias assentadas,19 a forma de obtenção da terra e a data de criação dos projetos.
Por exemplo, dos 22 projetos listados, vinte foram criados antes das atuais exigências
de licenciamento ambiental. Até 1965, a conservação da floresta na propriedade
rural, embora considerada necessária à proteção da água e do solo, não impunha
qualquer limite ao corte de madeira, e o desmatamento era visto como necessário
para a expansão da fronteira agrícola, pois gerava renda e abria áreas para pastos e
lavouras. Obrigava-se apenas a preservar florestas “protetoras” (às margens de rios), mas
sem fixação de limites mínimos (Brasil, 1934). Poderia ser cortado até 75% da vege-
tação da área do imóvel, inexistindo a necessidade de recompô-la ou compensá-la.
A proteção existente incidia apenas sobre os 25% da área restante.

19. Conforme dados do Incra, do Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) e do SDM
(Incra, 2012b).
Desenvolvimento Rural 353

O Código Florestal de 1965 trouxe inovações, mas ainda permitia o corte da


vegetação, desde que observadas algumas condições: para as APPs, foram estabe-
lecidas faixas de reservas de tamanhos variados, conforme a largura do rio ou do
espelho de água a ser protegido; para a reserva legal (RL), nas regiões Norte e no
norte do Centro-Oeste, o limite mínimo estabelecido era de 50% da cobertura
arbórea de cada propriedade. Para as demais regiões, o limite de reserva a ser res-
peitado foi fixado em 20% da área da propriedade.
Poucas e tênues barreiras foram antepostas ao avanço econômico sobre a
Amazônia, tendo como consequência a constante ampliação dos níveis de desma-
tamento, resultante de diversos fatores, como a abertura de estradas, o crescimen-
to urbano desordenado, a ampliação da pecuária extensiva, a permissividade na
exploração madeireira e a crescente exploração intensiva de monoculturas.
Em 1989, a Lei no 7.803 inclui o termo “reserva legal” e estabelece a
obrigatoriedade de sua identificação e averbação, mas o dispositivo somente
seria exigido para as propriedades que ainda mantivessem cobertura florestal
(Brasil, 1989). Desde 1934, as restrições de corte incidiam apenas sobre as
matas ainda existentes. Os limites de preservação conservaram as porcenta-
gens até então vigentes: 50% para Amazônia e 20% para os demais biomas.
Somente em 1991 foram fixadas normas para recomposição de RLs, com vis-
tas à reversão do desmatamento. O assunto foi tratado pela Política Nacional
Agrícola (Brasil, 1991). Às vésperas da Conferência Rio-92, ainda era presente
o entendimento de que as RLs – destinadas prioritariamente à produção de
madeira –, eram tema da política agrícola, e não da política ambiental. A me-
dida não teve nenhum efeito prático, pois dependia de uma regulamentação
que nunca foi feita.20
A partir da segunda metade da década de 1990, tem início um novo ciclo
de proposições de reformulação do Código Florestal, basicamente via medidas
provisórias. A Medida Provisória no 1.511/1996 propôs nova redação ao artigo re-
ferente às reservas, vedando o incremento da conversão de áreas florestais em áreas
agrícolas na região Norte e na parte norte do Centro-Oeste. A Medida Provisória
no 1.956-50/2000 introduziu novos conceitos e regras no Código Florestal e mo-
dificou os limites mínimos de reserva legal no imóvel rural: 80% na Amazônia,
35% em áreas do cerrado situadas na Amazônia Legal, 20% em outras regiões.
Os limites foram referendados pela Medida Provisória no 2.166-67/2001, ora
revogada pela Lei no 12.651/2012, o novo Código Florestal.

20. Conforme Artigo 99 da Lei no 8.171/1991: “A partir do ano seguinte ao da promulgação desta lei, obriga-se o
proprietário rural, quando for o caso, a recompor em sua propriedade a Reserva Florestal Legal, prevista na Lei no
4.771, de 1965, mediante o plantio, em cada ano, de pelo menos um trinta avos da área total para complementar a
referida Reserva.” (Brasil, 1991).
354 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Somente a partir de 2003 a atuação conjunta do MDA e do Ministério do


Meio Ambiente (MMA) possibilitou a proposição de um modelo de assentamen-
to que levasse em conta tanto a viabilidade econômica quanto a sustentabilidade
ambiental e o desenvolvimento territorial. Neste sentido, foi assinado o Termo
de Ajustamento de Conduta no Ministério Público Federal, MMA e Ibama, vi-
sando estabelecer uma ação conjunta para monitorar o licenciamento ambiental.
O licenciamento ambiental, desde então, passou a compor o rol de etapas de
constituição de um assentamento rural, o que, com frequência, tem sido difícil
de cumprir.21
Os assentamentos antigos, especificamente aqueles com grandes passivos
ambientais, não constituem exceções. Muitos deles estão situados no território
onde já foram identificados os mais graves níveis de desmatamento, o território
do Arco de Desmatamento na Amazônia.

3.2 Execução orçamentária

3.2.1 Principais programas do MDA 2011


Em 2011, do total de recursos previstos para o MDA, foram utilizados
R$ 3.729.856.666 (77,5%) para a execução dos programas e das ações sob sua
responsabilidade, dos quais R$ 2,4 bilhões foram destinados a programas finalís-
ticos, como mostra a tabela 13.

TABELA 13
Execução orçamentária dos programas finalísticos do MDA (2011)
Montante autorizado Montante Nível de
Programas finalísticos (R$) liquidado execução
(lei + créditos) (R$) (%)
Programa Novo Mundo Rural: Assentamentos para Trabalhadores
994.300.000 827.482.294 83,2
Rurais
Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios
677.981.503 422.031.008 62,2
Rurais (PRONAT)
Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na
418.078.868 346.506.691 82,9
Agricultura Familiar (Pronater)
Programa Desenvolvimento Sustentável de Projetos de Assenta-
505.228.800 343.805.764 68
mento
Agricultura Familiar – Programa Nacional de Fortalecimento da
246.821.426 204.070.339 82,7
Agricultura Familiar (PRONAF)
Programa de Gerenciamento da Estrutura Fundiária e Destinação de
243.901.352 122.206.416 50,1
Terras Públicas
Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) 91.190.450 78.330.931 85,9
Programa Brasil Quilombola (PBQ) 33.096.635 30.479.513 92,1
(Continua)

21. Os procedimentos foram definidos pela Resolução no 289/2001 (revogada) e atualizados pela Resolução no 387/2006,
do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Desenvolvimento Rural 355

(Continuação)
Montante autorizado Montante Nível de
Programas finalísticos (R$) liquidado execução
(lei + créditos) (R$) (%)
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) 31.000.000 21.453.396 69,2
Programa de Cidadania e Efetivação de Direitos das Mulheres 28.363.650 19.978.966 70,4
Programa de Gestão da Política de Desenvolvimento Agrário 24.473.508 18.367.214 75
Programa Paz no Campo 13.096.024 4.340.971 33,1
Programa Nacional de Conservação, Manejo e Uso Sustentável da
2.200.000 633.265 28,8
Agrobiodiversidade
Total 3.309.732.216 2.439.686.768 73,71

Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal, da Secretaria do Tesouro Nacional (Siafi/STN).
Elaboração: Disoc/Ipea.

Quase metade dos recursos aplicados em 2011 pelo MDA foi gasto pelos
programas exclusivamente direcionados para a reforma agrária: “Assentamentos
para Trabalhadores Rurais” e “Desenvolvimento Sustentável de Projetos de Assen-
tamento”. A estes dispêndios deve-se somar boa parte dos recursos consumidos
com o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura
Familiar, que atende aos assentados e agricultores familiares.
Embora o recurso aplicado no Programa Novo Mundo Rural: Assentamentos
para Trabalhadores Rurais, em 2011, tenha sido maior que o do ano anterior,
ficou aquém do observado em 2008 e 2009. Cabe a este programa cadastrar,
selecionar e homologar as famílias beneficiárias do Programa de Reforma Agrária
e realizar os procedimentos necessários à obtenção de terras. Segundo avaliação do
Incra, o recurso destinado à ação Obtenção de Imóveis Rurais para Reforma Agrária
foi insuficiente e impactou negativamente o programa, pois, desde o início do ano,
já havia um passivo de R$ 855,8 milhões, remanescentes de 2010, dos quais 72%
eram para pagamento de novas áreas a serem incorporadas à reforma agrária e
28%, para o pagamento de comandos judiciais em processos de desapropriação
(Incra, 2012b). Mesmo com a suplementação orçamentária de R$ 400 milhões,
não foi possível atender a toda a demanda do ano, por falta do correspondente
financeiro; ainda restou um passivo de cerca de R$ 210 milhões para 2012.
O Incra aponta a insuficiência de recursos humanos para cumprir todas as ações
do programa, que, além da obtenção de terras, envolvem funções relativas ao
licenciamento ambiental, o qual deve preceder a entrada das famílias nos projetos.
A maior parte dos recursos (70%) foi destinada ao pagamento de desapro-
priações e aquisição de 167 imóveis, abarcando uma área de 314,6 mil ha; do to-
tal gasto, 84% foi pago em Títulos da Dívida Agrária e 16%, em moeda corrente.
Estes imóveis, após a imissão na posse, a ser concedida pelo Poder Judiciário em
ação de desapropriação, serão incorporados ao Programa de Reforma Agrária.
356 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

O Programa Desenvolvimento Sustentável de Projetos de Assentamentos


tem por objetivo desenvolver, recuperar e consolidar projetos de assentamento,
de forma a garantir a inclusão social das famílias assentadas. Em 2011, os recursos
destinados ao programa foram diminuídos, uma evidência de que o objetivo de
estruturação produtiva e sustentável dos beneficiários da reforma agrária, eleito
pelo discurso governamental, ficou mais distante. O Incra informou22 que ne-
nhum projeto concluiu o processo de consolidação neste ano.

GRÁFICO 1
Evolução dos recursos aplicados pelos principais programas que integram as ações
de reforma agrária (2008-2011)
(Em R$)1
1.000.000.000
900.000.000
800.000.000
700.000.000
600.000.000
500.000.000
400.000.000
300.000.000
200.000.000
100.000.000
0

2008 2009 2010 2011


Assentamentos para trabalhadores rurais
Desenvolvimento sustentável de projetos de assentamento
Gerenciamento da estrutura fundiária e destinação de terras públicas
Assistência técnica e extensão rural na agricultura familiar

Fonte: Execução Orçamentária do Ministério do Desenvolvimento Agrário 2008 a 2011.


Nota: 1 Valores corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

22. Conforme o Relatório de gestão do exercício de 2011 do Incra: “Para que um projeto de assentamento possa
ser oficialmente consolidado pelo Incra faz-se necessário o cumprimento de alguns pré-requisitos: a demarcação do
perímetro (obrigatório) e das parcelas, quando existentes; a concessão do Crédito Apoio a Instalação; a existência
de habitação para as famílias assentadas (oriundas do crédito habitação ou não); a infraestrutura básica concluída,
qual seja: estradas de acesso, sistema de abastecimento de água para consumo humano e eletrificação rural; e a
titulação definitiva em pelo menos 50% das famílias assentadas. Além dos requisitos acima devem ser verificadas as
condições de sustentabilidade econômico-social e ambiental das famílias assentadas nos projetos consolidados (...).
Tais condições são de grande complexidade, exigindo a atuação concomitante de diversos setores, o que dificulta e
atrasa o processo de consolidação dos assentamentos. Desta forma, desde 2005 o Incra não vem consolidando seus
assentamentos, procurando agir de maneira mais criteriosa de forma a garantir que todas as etapas do processo de
consolidação sejam cumpridas. Em que pese as dificuldades, já explicitadas, quanto ao alcance da efetiva consolidação
dos projetos de assentamento, a Diretoria vem impondo um novo ritmo às ações de desenvolvimento no sentido de
satisfazer esses requisitos e implementar as condições para a consolidação dos Projetos” (Incra, 2012a).
Desenvolvimento Rural 357

O Programa de Gerenciamento da Estrutura Fundiária e Destinação de Terras


Públicas enfrenta dificuldades também em decorrência da carência de pessoal e da
falta de estrutura tanto nas superintendências regionais (SRs) do Incra quanto nos
escritórios do Programa Terra Legal. A qualificação das SRs e dos escritórios deste
programa é condição para que as funções atribuídas a ele possam ser cumpridas, pois
incluem: i) gerenciamento e fiscalização do cadastro rural; ii) Sistema de Cadastro
Rural; iii) georreferenciamento da malha fundiária nacional; iv) regularização fundiária
de imóveis rurais e urbanos; v) retomada de terras públicas; vi) ações preparatórias
para destinação de terras públicas; e vii) gestão e administração do programa.
O Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricul-
tura Familiar tem por objetivo prestar assessoria técnica, social e ambiental às
famílias beneficiárias da reforma agrária, de forma integral e continuada, desde
a implantação do projeto de assentamento até que sua plena estruturação tenha
garantido a inserção nos mercados e integrado os produtores aos processos de
desenvolvimento municipal e regional. Em 2011, o gasto com o Pronater foi me-
nor que em anos anteriores, apesar de ter sido reconhecido como estratégico no
âmbito do Programa Brasil Sem Miséria.23 A redução de orçamento de 2010 para
2011 foi da ordem deR$ 90 milhões. A execução orçamentária, em 2011, foi de
83%. Os recursos para o Pronater são limitados em relação à demanda social. Para
atingir a cobertura de 50% da agricultura familiar via contratação de serviços por
chamada pública, seriam necessários cerca de R$ 2 bilhões, dado o custo unitário
de R$ 1 mil/estabelecimento/ano.
O Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais
vem tendo uma execução orçamentária relativamente constante desde 2009, com
gastos anuais da ordem de R$ 400 milhões por ano. O programa visa promover o
planejamento, a implementação e a autogestão do processo de desenvolvimento
sustentável dos territórios rurais, ou em municípios com até 50 mil habitantes.
Em 2011, foram investidos R$ 422 milhões no programa.
O Programa Brasil Quilombola, no âmbito do Incra, tem como missão a
regularização das terras dos remanescentes de quilombos. Para tanto, desenvolve
as seguintes ações: elaboração e publicação de relatório técnico de identificação
e delimitação (RTID); cadastramento das famílias quilombolas; consulta aos ór-
gãos competentes do governo federal; notificação às partes interessadas; análi-
se e julgamento de contestações; publicação de portaria de reconhecimento do
território; emissão de decreto de desapropriação; vistoria e avaliação de imóveis
de ocupantes não quilombolas; encaminhamento dos não quilombolas para reas-
sentamento, em caso de público da reforma agrária; e demarcação e titulação de
território (texto do PPA 2008/2011, alterado em 2011).

23. Para mais informações, ver tabelas do anexo estatístico desta edição.
358 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

O programa enfrenta grandes dificuldades. O universo de comunidades re-


conhecidas à espera de regularização das terras, segundo a Fundação Palmares,
compreende mais de 3 mil territórios. Em 2011, foram publicadas nove portarias
reconhecendo 587 famílias quilombolas, totalizando 26 mil ha reconhecidos.

TABELA 14
Portarias de reconhecimento por superintendências regionais e municípios (2011)
Famílias
Superintendência Área
Ordem Comunidade Município assentadas
Regional (ha)
(unidade)
1 Mangal e Barro Vermelho Sítio do Mato 9.041,71 156

05/BA 2 Mata do Sapé Macaúbas 2.643,07 36

3 Agreste Seabra 2.340,55 74

Comunidade Urbana de Serra


18/PB 4 Santa Luzia 16,1427 125
do Talhado

19/RN 5 Boa Vista dos Negros Parelhas 445,2676 36

20/ES 6 São Pedro Ibiraçu 314,0707 43

7 Baco Pari Posse 3.147,49 46


28/DFE
8 Família Magalhães Nova Roma 5.492,14 22

30/SANT 9 Bom Jardim Santarém 2.654,86 49

Total - - - 26.095,32 587

Fonte: Incra (2012a).

Em 2011 foram liquidados R$ 30,4 milhões, o equivalente a 92% do to-


tal disponibilizado. O montante inscrito em restos a pagar (RAP), referente ao
orçamento de 2011, foi de R$ 2.864.465,79, empenhado, em grande parte, na
contratação de relatórios antropológicos.
O Programa Nacional de Crédito Fundiário teve, em 2011, uma execução
orçamentária de 86% relativamente ao total de recursos autorizados.24 Com o ob-
jetivo de promover o acesso à terra por meio do financiamento de imóveis rurais
não enquadrados nos preceitos da desapropriação por interesse social, o programa
beneficiou 5.285 famílias, que adquiriram 90 mil ha, por um investimento de
R$ 164 milhões; do total, R$ 49 milhões concernem a recursos não reembolsá-
veis, destinados a investimentos comunitários e produtivos. O desempenho foi
inferior ao observado no ano anterior, registrando redução de 5% no número de
famílias atendidas, o que equivale a 48% da meta estabelecida para o ano. A exe-
cução física abaixo do esperado para esta ação ocorreu principalmente devido aos
esforços empregados para implementação das resoluções CMN nos 3.861, de 27
de maio de 2010 e 3.869, de 17 de junho de 2010, que estabelecem a prorrogação

24. Ver detalhes sobre a execução orçamentária no anexo estatístico desta edição.
Desenvolvimento Rural 359

de operações de crédito fundiário com recursos do Fundo de Terras e da reforma


agrária e novas condições de financiamentos para os beneficiários do PNCF.
O Programa Paz no Campo, cujo objetivo é prevenir e mediar conflitos
agrários, tem por diretriz implementar o Plano Nacional de Combate à Violência
no Campo. Também lhe cabe propor, ampliar e celebrar convênios e acordos de
cooperação com instituições de prevenção e combate à violência no campo; en-
tretanto, o programa ainda administra recursos orçamentários insuficientes para
cumprir as necessidades e demandas que se apresentam, sobretudo para ampliar
a capacitação dos mediadores de conflitos agrários. Em 2011, dos R$ 13 milhões
disponibilizados, gastou apenas 33%, ou seja, pouco mais de R$ 4,34 milhões.

3.2.2 Agricultura familiar – PRONAF


Para o ano agrícola 2011-2012, o governo federal anunciou o montante de
R$ 16 bilhões para agricultura familiar. Manteve, desta forma, patamar idêntico
ao do Plano Safra da Agricultura Familiar 2010-2011. Contudo, o desempenho
do PRONAF em 2011-2012 foi muito inferior ao de 2010-2011. Em 2011-
2012, foram, ao todo, firmados menos de 800 mil contratos, redução de 40%
em relação ao ano agrícola 2010-2011. Apesar de um pouco menor que a do
número de contratos, a queda do montante negociado foi significativa, oscilando
negativamente em 30%, com volume negociado de R$ 8,7 bilhões. Com relação ao
disponibilizado no Plano Safra 2010-2011, o índice de desempenho do PRONAF,
em 2011-2012, foi de 54,4%. Ou seja, dos R$ 16 bilhões disponibilizados, pouco
mais da metade foi realmente efetivada em créditos contratados.
A análise das informações do PRONAF por modalidade de crédito revela
uma maior queda na modalidade investimento, na qual o número de contratos
reduziu-se à metade, com relação à safra anterior (gráfico 2A), e no volume de
recursos negociado, o qual regrediu em 33% (gráfico 2B). Já na modalidade cus-
teio, a queda foi um pouco menor. O número de contratos foi reduzido em 40%
(gráfico 2A) e o montante de recursos contratados oscilou negativamente em
30% em relação à safra 2010-2011 (gráfico 2B).
360 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

GRÁFICO 2
Evolução do crédito PRONAF por modalidade
2A – Número de contratos
2.000.000
1.800.000
1.600.000
1.400.000
1.200.000
1.000.000
800.000
600.000
400.000
200.000
0
1998-1999

1999-2000

2000-2001

2001-2002

2002-2003

2003-2004

2004-2005

2005-2006

2006-2007

2007-2008

2008-2009

2009-2010

2010-2011

2011-2012
Custeio Investimento Total

2B – Recursos negociados
14.000.000.000,00

12.000.000.000,00

10.000.000.000,00

8.000.000.000,00

6.000.000.000,00

4.000.000.000,00

2.000.000.000,00

0,00
1998-1999

1999-2000

2000-2001

2001-2002

2002-2003

2003-2004

2004-2005

2005-2006

2006-2007

2007-2008

2008-2009

2009-2010

2010-2011

2011-2012

Custeio Investimento Total

Fonte: Banco Central do Brasil (BCB) – somente exigibilidade bancária; Banco Cooperativo do Brasil (BANCOOB); Banco Coope-
rativo Sicredi S/A (Bansicredi); Banco da Amazônia S/A (Basa); Banco do Brasil S/A (BB); Banco do Nordeste S/A (BN); e
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).1
Nota: Atualizações até a Safra 2008-2009 – BCB: até jun./2008; BANCOOB: até set./2008; Bansicredi: até maio/2009; Basa:
1

até jun/2008; BB: até maio/2009; BN: até abr./2009; e BNDES: até jul./2006 – últimos três meses sujeitos a alterações.
Data da impressão: 13/7/2009, às 14h45. Safra 2009-2010: BCB: até jun./2009; BANCOOB: até jul./2010; Bansicredi:
até abr./2010; Basa: até out./2009; BB: até jun./2010; BN: até maio/2010; e BNDES: até jul./2006 – últimos três meses
sujeitos a alterações. Data da impressão: 24/8/2010. Safra 2010-2011: BCB: até jun./2009; BANCOOB: até jun./2011;
Bansicredi: até jun./2011; Basa: até jun./2011; BB: até jun./2011; BN: até jun./2011 e BNDES: até jul./2006 – últimos três
meses sujeitos a alterações. Valores deflacionados pelo Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna da Fundação Getulio
Vargas (IGP-DI/FGV). Safra 2011-2012: BCB: até jun./2009; BANCOOB: até nov./2011; Bansicredi: até jun./2011; Basa:
até nov./2011; BB: até abr./2012; BN: até fev./2012; e BNDES: até jul./2006 – últimos três meses sujeitos a alterações.
Desenvolvimento Rural 361

Ao se observar o desempenho do PRONAF segundo seus diversos grupos


de público-alvo, constata-se que todos os grupos apresentaram queda tanto
no número de contratos quanto no volume negociado. No entanto, o grupo
PRONAF A teve maior porcentagem de queda. O número de contratos e o montante
retraíram 73%. O número de contratos deste grupo reduziu-se de 67 mil, em
2010-2011, a menos de 18 mil, em 2011-2012. A queda se destaca por se tratar
da linha de crédito destinada aos beneficiários do Programa de Reforma Agrária,
uma vez que tais recursos deveriam expressar a prioridade de estruturação produ-
tiva dos assentados, conforme já assinalado neste capítulo.
O segundo grupo com maior queda foi o PRONAF B, com diminuição de
55% do número de contratos e de 49% em relação ao montante de recursos. É o
grupo mais representativo do Nordeste, englobando 70% dos contratos firmados
na última safra na região. Por fim, o grupo CDE, que reúne o público de agri-
cultores familiares em melhor situação econômica, apresentou porcentagem de
queda menor que os primeiros: 30% no número de contratos e 25% no montan-
te contratado. Este grupo, contudo, é o principal responsável pela queda global
do montante negociado em 2011-2012, uma vez que opera o maior volume de
recursos: sua queda, em termos de valores, representa 72% da redução global dos
valores negociados pelo PRONAF na última safra. O PRONAF B e o PRONAF
CDE respondem pela maior participação na redução do total de contratos firma-
dos: 46% e 43,4% respectivamente.

TABELA 15
Número de contratos e montante do PRONAF por enquadramento (2010-2011 e
2011-2012)
Variação
2010-2011 2011-2012
(%)
Ano agrícola/enquadramento
Contratos Montante Contratos Montante Contratos Montante
(unidade) (R$ milhões) (unidade) (R$ milhões)
Grupo A 67.001 806,01 17.859 220,84 -73 -73
Grupo A/C 5.016 22,03 3.191 13,50 -36 -39
Grupo B 444.330 895,60 197.712 455,90 -56 -49

Agricultura familiar (CDE) 793.431 10.659,08 561.499 7.924,00 -29 -26

Identidade pendente 17.376 54,56 12.383 35,66 -29 -35

Total 1.327.154 12.437,29 792.644 8.649,90 -40 -30

Fonte: BCB (somente exigibilidade bancária), BANCOOB, Bansicredi, Basa, BB, BN e BNDES. 1
Nota: 1 Atualizações

até a Safra 2010-2011 – BCB: até jun./2009; BANCOOB até jun./2011; Bansicredi: até jun./2011; Basa:
até jun./2011; BB: até jun./2011; BN: até jun./2011; e BNDES: até jul./2006 – últimos três meses sujeitos a alterações.
Valores deflacionados pelo IGP-DI/FGV. Safra 2011-2012: BCB: até jun./2009; BANCOOB: até nov./2011; Bansicredi:
até jun./2011; Basa: até nov./2011; BB: até abr./2012; BN: até fev./2012 e BNDES: até jul./2006 – últimos três meses
sujeitos a alterações.
362 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Os dados da tabela 15 permitem observar que justamente as duas regiões


com maior representatividade dos grupos pauperizados da agricultura familiar
sofreram as maiores reduções de contratos. Na região Norte, houve retração de
64% dos contratos e de 42% do valor negociado. A maior queda foi no segmento
A, que, com redução de quase 80% no número de contratos na região, deixou
de ser o grupo mais representativo de contratos do PRONAF, passando de 57%
para 32% do total de contratos entre as duas últimas safras. Há, portanto, nesta
região, em termos relativos, maior participação dos grupos CDE do PRONAF
na safra 2011-2012.
No Nordeste, os contratos firmados foram reduzidos à metade, enquanto o
montante de recursos retraiu 40%. O grupo B, segmento mais significativo nesta
região, sofreu queda de 55% no número de contratos e de 44% no valor negocia-
do. Mais uma vez, o PRONAF A apresentou o menor desempenho: redução de
73% nos contratos e de 74% no montante de recursos.
A região Sul apresentou o terceiro pior desempenho do PRONAF, com redu-
ção de 33% no número de contratos e de 27% no montante negociado. Predominam
na região os segmentos CDE do PRONAF, representando quase a totalidade dos
créditos cedidos em 2011-2012: 95% dos contratos e 98% do montante. As regiões
menos prejudicadas foram a Centro-Oeste e a Sudeste, ambas com redução na faixa
de 10% nos valores negociados. Com relação ao número de contratos, entretanto, o
Centro-Oeste apresentou redução de quase 20% e o Sudeste, de 27%.

TABELA 16
Número de contratos e montante do PRONAF por regiões e enquadramento (2011-2012)
Centro-Oeste Norte Nordeste Sul Sudeste
Regiões/ enquadra-
mento Contratos Montante Contratos Montante Contratos Montante Contratos Montante Contratos Montante
(unidade) (R$ milhões) (unidade) (R$ milhões) (unidade) (R$ milhões) (unidade) (R$ milhões) (unidade) (R$ milhões)

Grupo A 1.425 27,61 10.160 99,7 2.307 42,1 2.435 27,33 1.532 24,11

Grupo A/C 571 2,37 334 1,35 417 1,66 868 3,56 1.001 4,56

Grupo B 641 1,47 3.028 6,54 172.167 397,96 118 0,27 21.758 49,65

Agricultura Familiar
33.431 717 17.823 395 65.645 566 301.150 3.902 143.450 2.345
(CDE)

Identidade pendente 3 0 - - - - 12.377 35,65 3 0,01

Total 36.071 747,99 31.345 502,22 240.536 1.007,56 316.948 3.968,44 167.744 2.423,68

Fonte: BCB (somente exigibilidade bancária), BANCOOB, Bansicredi, Basa, BB, BN e BNDES. 1

Nota: 1 Atualizações: Safra 2011-2012: BCB: até jun./2009; BANCOOB: até nov./2011; Bansicredi: até jun./2011; Basa: até
nov./2011; BB: até abr./2012; BN: até fev./2012 e BNDES: até jul./2006 – últimos três meses sujeitos a alterações.

Com relação aos agentes financeiros operadores do PRONAF, chama aten-


ção o desempenho dos bancos regionais: Banco da Amazônia S/A e Banco do Nor-
deste S/A, ambos com significativa queda no crédito aos agricultores familiares.
O Basa, que opera predominantemente o PRONAF A na região Norte, obteve
Desenvolvimento Rural 363

retração de 80% no crédito concedido em relação à safra anterior. Quanto ao Banco


do Nordeste, o crédito PRONAF reduziu-se em mais da metade tanto para o
número de contratos quanto para o volume negociado. Embora menor, a redução
do desempenho do Banco do Brasil S/A também foi significativa, com retração no
número de contratos e no montante negociado, de 20% e 13% respectivamente.
Mediante a análise global dos dados do PRONAF no ano agrícola 2011-
2012, percebe-se uma tendência de aumento do valor médio dos contratos desta
linha de crédito. No geral, o valor médio foi de R$ 10.193,00 no Brasil, variando
de R$ 4.189,00, na região Nordeste, a R$ 20.737,00, no Centro-Oeste. Os valo-
res contratuais médios também se distinguem conforme a modalidade do crédito,
haja vista que contratos de investimento têm valor médio de R$ 13.080,00, en-
quanto o valor médio do contrato de custeio ficou em R$ 9.386,00. O aumento
do valor médio dos contratos se deve basicamente à redução do número de con-
tratos, sempre maior que a redução do montante de recursos negociados, eviden-
ciando uma diminuição de beneficiários de menor poder aquisitivo.

O PRONAF em 2011 (ano civil)


O Anuário estatístico do crédito rural do exercício de 2011, divulgado pelo Banco
Central, permite identificar o direcionamento do PRONAF no referido exercí-
cio.25 Neste ano, foram firmados 1,5 milhão de contratos, com um volume de
recursos na faixa dos R$ 13,3 milhões. Do total de contratos, 43% foi de custeio
e 57%, de investimento.

TABELA 17
Número de contratos, montante financiado e valor médio contratual do PRONAF por
modalidade e tipo de atividade (exercício de 2011)
Contratos Montante financiado Valor médio contratual
Finalidade/modalidade
(unidade) (R$) (R$)
Custeio agrícola 485.263 4.691.113.707,69 9.667,16
Custeio pecuário 175.279 1.674.312.218,27 9.552,27
Investimento agrícola 218.158 3.045.164.163,08 13.958,53
Investimento pecuário 661.201 3.894.106.710,40 5.889,44
Total 1.539.901 13.304.696.799,44 8.639,97

Fonte: banco de dados do Banco Central do Brasil – Anuário estatístico do crédito rural do exercício de 2011. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/?RELRURAL2011>.

25. Não confundir ano-exercício com ano agrícola. O relatório disponibilizado pelo Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) propicia uma análise por ano agrícola. Porém, informações sobre destinação do crédito são restritas à
modalidade. O Anuário do crédito rural, por sua vez, fornece informações detalhadas da destinação do crédito quanto
aos produtos agrícolas, mas as informações se referem ao ano-exercício. A combinação destas fontes propicia ampliar
a análise do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Este anuário está disponível na
página do Banco Central: <http://www.bcb.gov.br/?RELRURAL2011>.
364 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

A maior parte do crédito de investimento foi direcionada à pecuária: 75%


dos contratos e 56% do volume negociado. Nesta categoria, a aquisição de ani-
mais englobou 60% dos recursos. No investimento agrícola, a aquisição de equi-
pamentos obteve mais da metade do montante concedido.26
Com relação à modalidade custeio, ocorreu a situação inversa. A pecuária
captou pouco mais de 25% do crédito PRONAF concedido em 2011. O prin-
cipal destino foi a manutenção de animais (alimentação, medicamentos etc.),
concentrando 98% dos recursos para esta atividade. Em relação à agricultura,
que obteve mais de 70% dos recursos de custeio, quase a totalidade dos recursos
e contratos foi direcionada à lavoura, sendo apenas uma parcela ínfima destinada
ao extrativismo de espécies nativas (menos de 0,5% nos dois casos).
O financiamento de custeio para produtos da lavoura esteve concentrado,
em âmbito nacional, em três culturas: milho, soja e café. Estes três produtos
englobaram cerca de 70% do número de contratos e dos recursos financiados
pelo PRONAF para a atividade de lavoura. Produtos cultivados tradicionalmente
pela agricultura familiar, como a mandioca e o feijão, obtiveram, respectivamente,
3,3% e 1,6% dos recursos financiados. Apesar de o milho também ser cultura
tradicional da agricultura familiar, os dados mostram uma concentração do finan-
ciamento do PRONAF a produtos comercializáveis no mercado internacional, o que
pode significar o direcionamento da agricultura familiar à produção de commodities
em detrimento da produção de culturas destinadas à alimentação, com possíveis
repercussões negativas na segurança alimentar a médio e longo prazos.

TABELA 18
Número de contratos, montante financiado, valor médio contratual do PRONAF
custeio por produtos da lavoura (exercício de 2011)
Montante Valor médio Montante
Contratos Contratos
Produtos financiado do contrato financiado
(unidade) (%)
(R$) (R$) (%)

Milho 187.655 1.403.211.362,01 7.477,61 39,20 32,20


Soja 96.262 1.051.805.454,33 10.926,49 20,10 24,10
Café 61.316 588.386.394,98 9.595,97 12,80 13,50
Outras lavouras 56.921 639.329.893,62 11.231,88 11,90 14,70
Mandioca 26.679 144.535.066,68 5.417,56 5,60 3,30
Trigo 19.781 250.306.332,06 12.653,88 4,10 5,70
Feijão 13.971 71.723.312,72 5.133,73 2,90 1,60
Arroz 10.791 148.494.594,37 13.760,97 2,30 3,40
Cana-de-açúcar 3.429 31.187.983,64 9.095,36 0,70 0,70
Batata 1.716 25.616.696,81 14.928,14 0,40 0,60
(Continua)

26. Ver tabela 7.12 do anexo estatístico desta edição.


Desenvolvimento Rural 365

(Continuação)

Montante Valor médio Montante


Contratos Contratos
Produtos financiado do contrato financiado
(unidade) (%)
(R$) (R$) (%)

Fumo 549 1.956.600,13 3.563,93 0,10 0


Algodão 63 808.189,57 12.828,41 0,00 0
Total 479.133 4.357.361.880,92 9.094,26 100 100

Fonte: banco de dados do Banco Central do Brasil – anuário estatístico do crédito rural do exercício de 2011. Disponível em:
<http://www.bcb.gov.br/?RELRURAL2011>.

Mediante a análise desagregada dos dados, em âmbito regional, verifica-se


uma distribuição do custeio do PRONAF para a atividade de lavoura diferencia-
da do agregado nacional. No Centro-Oeste, soja e milho contrataram 73% do
recurso financiado. No Norte, a mandioca é o principal produto financiado, com
25% dos recursos e 35% dos contratos, seguida do café, com 20% dos recursos e
32% dos contratos. É interessante notar que, nesta região, as culturas agregadas
no item “outras lavouras” representam 34% dos recursos de custeio para a lavoura,
o que pode indicar maior diversificação do PRONAF na região ou, ao contrário,
concentração de alguma cultura não identificada no Anuário estatístico do crédito
rural do exercício de 2011.27
No Nordeste, a mandioca e o milho foram as culturas mais financiadas pelo
PRONAF em 2011, somando 65% dos contratos e 58% do volume de recursos.
No Sudeste, o café, sozinho, concentrou em torno de 60% dos contratos e dos
recursos utilizados. Por fim, na região Sul, o milho e a soja foram as principais
culturas, representando quase 80% dos contratos e mais de 70% dos recursos.28
Dessa forma, é possível diferenciar dois perfis de agricultores beneficiados
pelo PRONAF. O primeiro diz respeito aos produtores de culturas tradicionais,
predominantes no Norte e Nordeste. O segundo está relacionado aos produtores
de commodities agrícolas voltadas ao mercado externo, predominantes nas regiões
Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

3.3 Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais


A incorporação do “território” como diretriz de planejamento para o desenvolvimento
de espaços rurais previamente determinados é relativamente recente. No âmbito do
MDA, no primeiro governo Lula, coube à recém-criada Secretaria de Desenvolvi-
mento Territorial (SDT) assumir o compromisso de “Promover o planejamento,
a implementação e a autogestão do processo de desenvolvimento sustentável dos
territórios rurais, bem como o fortalecimento institucional e a dinamização de sua
economia”, de acordo com o PPA 2004-2007.

27. Os itens apresentados no Anuário estatístico do crédito rural do exercício de 2011 foram agregados conforme as
principais culturas em âmbito nacional, repetindo-os nas desagregações regional e estadual.
28. Ver tabela 7.15 do anexo estatístico desta edição.
366 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

As discussões sobre a necessidade e importância de uma nova perspectiva


de atuação sobre o desenvolvimento rural vinham sendo promovidas em fóruns
nacionais e internacionais, quase sempre com a participação de entidades como
a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). O engajamento
do MDA nesta direção teria como ponto de partida a experiência acumulada
com a gestão do Programa PRONAF Infraestrutura e Serviços, que vinha possi-
bilitando a municípios de pequeno porte financiar obras locais de infraestrutura.
Esta experiência tomou forma na elaboração de programas de desenvolvimento
sustentável de territórios rurais (PDSTRs). Pensado a partir disso, e com iguais
características, o Programa Territórios da Cidadania, sem poder abarcar a totali-
dade de “territórios” elegíveis segundo os critérios desta política, fixou um recorte
que abrigasse, em cada estado, as áreas com maior vulnerabilidade social.
Para Favareto (2010), a perspectiva territorial para políticas de desenvol-
vimento rural já se fazia presente na década de 1980, no discurso de diferentes
organismos internacionais sobre cooperação e apoio entre agentes privados e o
Estado. A partir da década seguinte, com amparo na tese do “Estado mínimo”,
a possibilidade de transferir responsabilidades para a sociedade civil constituía
um terreno fértil para a disseminação desta proposta. Entidades como a FAO, o
Banco Mundial, a Cepal, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o
Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola (IICA) e a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além de pesquisadores da
área agrária, passaram a propor a utilização da abordagem territorial em lugar do
recorte setorial. Este novo orientador nas políticas voltadas ao rural pressupõe a
dispersão dos investimentos diretos do Estado, o fortalecimento das atribuições
dos governos locais e a participação da sociedade civil e das entidades não gover-
namentais. Ação estatal descentralizada, pluriatividade e sustentabilidade cons-
tituem os princípios da noção territorial das políticas de desenvolvimento rural
(Schneider, 2003).

3.3.1 Um breve desenho dos programas


A proposta de gestão do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de
Territórios Rurais (PRONAT) tem necessariamente de contemplar a articulação e
a coordenação das políticas setoriais e nacionais com iniciativas locais. Trata-se de
uma tentativa de planejamento participativo, em que diferentes atores, envolvi-
dos com determinado território rural, mobilizam-se para diagnosticar os impasses
ao desenvolvimento e projetar estratégias.
Implementado desde 2003 pela SDT/MDA, o programa foi acolhido no
PPA 2004-2007 e se mantém no PPA 2012-2015, com a proposta de ampliar
o número de territórios incluídos e fortalecer as iniciativas de economia
solidária. Encontra-se estruturado em 164 territórios em todo o país, abarcando
Desenvolvimento Rural 367

2,5 mil municípios. Sua execução conta com a instituição de um Colegiado de


Desenvolvimento Territorial (Codeter), primeira etapa de construção de um es-
paço elaborador, deliberativo e gestor do programa em cada território. Sua prin-
cipal tarefa é formular o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável
(PTDRS), cujo objetivo é abranger os problemas sociais e econômicos de cada
território,29 compreendendo a complementaridade destas esferas e buscando sua
articulação em diretrizes gerais para o desenvolvimento territorial.
Cada território deve ser objeto de um amplo diagnóstico, que identifique:
i) configuração espacial; ii) aspectos históricos; iii) população; iv) organização social;
v) estrutura agrária; vi) aspectos econômicos; vii) serviços sociais e de apoio à pro-
dução; viii) infraestrutura social e produtiva; ix) cultura e lazer; e x) instituições
presentes no território. Findo este processo e de posse do relatório, o colegiado
passa à etapa de projeção, cuja tarefa é elaborar estratégias de superação dos prin-
cipais problemas revelados pelo diagnóstico.
Na etapa posterior, são concebidos projetos específicos30 para operacionali-
zar o PTDRS. Três principais tipos de projeto são indicados pela SDT: i) projetos
estruturantes – voltados para a criação ou o alargamento de infraestrutura social,
econômica e ambiental que possibilite o desenvolvimento das demais modali-
dades de projetos; ii) projetos produtivos – voltados para obtenção de produtos
e/ou serviços que melhorem a renda e ampliem a competitividade territorial; e
iii) projetos sociais – de caráter distributivo ou compensatório – voltados para a
superação de problemas crônicos encontrados no território.
O envolvimento de diferentes atores no planejamento e na operacionali-
zação dos PTDRS visa promover uma alta mobilidade social empreendedora,
baseada em pequenos e médios estabelecimentos e com suporte da iniciativa pri-
vada para criação de alternativas produtivas e geradoras de renda no território.
A participação e a capacitação dos agricultores são concebidas como pontos for-
tes de estratégia de superação de passivos socioeconômicos do meio rural para
posteriormente propiciar a competitividade intra e extraterritorial.31 Apesar de
menções aos problemas sociais, as referências publicadas pela SDT concentram
suas diretrizes na elaboração de projetos que ofereçam alternativas de geração e
ampliação da renda por meio de atividades produtivas, agrícolas32 ou não.

29. Destaca-se, no Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS), a potencialização do capital social
do território em consonância com sua otimização produtiva.
30. O PTDRS ressalta que os projetos devem ter viabilidade econômica, técnica e ambiental, com foco no desenvolvi-
mento sustentável.
31. Para mais informações, ver Brasil, 2005a.
32. É importante frisar que, nos documentos consultados, é insistente a prerrogativa de estímulos a todas as atividades
econômicas potenciais no território, sem foco exclusivo na agricultura.
368 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

O Programa Territórios da Cidadania, lançado em 2008, foi instituído com


o objetivo de focalizar a ação do Estado nos territórios rurais mais carentes, sele-
cionando, no mínimo, dois por estado. Com pequenas alterações de configuração,
definiu-se o seguinte formato: i) um colegiado territorial – com representantes
das três esferas do governo e da sociedade civil; ii) um comitê de articulação
estadual – do qual participam órgãos estaduais indicados pelo estado, os parceiros
federais do programa e até dois prefeitos de cada território; e iii) o comitê gestor
nacional – formado por secretários executivos ou nacionais dos ministérios33 que
compõem o programa.
Com o lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), os Ter-
ritórios da Cidadania foram identificados como uma empreitada social da política
de desenvolvimento do país, passando a integrar o chamado “PAC Social”. O fato
de a chefia do programa estar sob o comando da Casa Civil foi uma maneira de
envolver diferentes ministérios voltados à execução de políticas sociais.
Admitindo a centralidade da questão fundiária no combate à pobreza rural,
o programa prevê: obtenção de terra para assentamento de trabalhadores rurais,
regularização fundiária, reconhecimento e regularização de terras de comunidades
quilombolas, desintrusão de não indígenas em terras indígenas e promoção do
PNCF. Além das ações fundiárias, o Programa Territórios da Cidadania integra
ações de assistência social, saneamento, saúde, educação e cultura. O estímulo à
criação de pequenos e médios empreendimentos permanece como principal es-
tratégia de superação da pobreza e das assimetrias sociais no rural. A inserção de
pequenos agricultores no mercado, com ênfase no cooperativismo e na economia
solidária, é objetivo principal dos projetos desenvolvidos no programa.
O desenvolvimento rural pela abordagem territorial se justifica por um des-
gaste da “região” como unidade de planejamento (Schneider, 2003) e também
porque a dimensão territorial supera e exprime simultaneamente as esferas lo-
cal, regional e nacional (Veiga, 2002). Mas como esta proposta pode auxiliar
no desenvolvimento sustentável dos territórios? O ordenamento dos territórios
seguiu a divisão de microrregiões,34 considerando indicadores que identificassem
aquelas com características rurais e demanda social.35 A definição dos territórios
leva, ainda, em conta simetrias culturais, climáticas e econômicas. Sua criação e

33. A composição ministerial do Programa Territórios da Cidadania é a seguinte: Casa Civil, Secretaria-Geral da Presi-
dência da República e Secretaria de Relações Institucionais (SRI), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP),
Ministério de Minas e Energia (MME), Ministério da Saúde (MS) e Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Ministério da
Integração Nacional (MI), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério das
Cidades (MCidades), Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Incra, Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)
e Ministério da Educação (MEC).
34. O ordenamento respeitou a metodologia de microrregiões estabelecida pelo IBGE.
35. Demanda social refere-se à presença de assentados de reforma agrária, agricultores familiares, acampados, indí-
genas, quilombolas, pescadores e extrativistas – artesanais (Brasil, 2005b).
Desenvolvimento Rural 369

modificação são de competência do Comitê Gestor Nacional, que estabelece os


seguintes critérios para agrupar os municípios em um território da cidadania:
densidade populacional média abaixo de 80 habitantes por km2 e municípios
com população de até 50 mil habitantes, cujo conjunto configuraria uma aglo-
meração territorial com caráter rural. É importante destacar que a ordenação do
território é tarefa dos municípios. Aqueles interessados em integrar o programa
devem se organizar como territórios de identidade (considerando, como já foi
dito, vocação econômica, clima e cultura), cabendo à SDT homologar a divisão.
A identificação de um território por parte do poder administrativo supõe
um aparato institucional favorável às inovações despertadas. A inabilidade em
promover esta nova institucionalidade seria grave empecilho à efetivação de uma
política de recorte territorial (Favareto, 2010). A preexistência de uma identidade
cultural, econômica e climática comum a um território não significa uma adesão
espontânea dos atores locais ao programa nem participação ativa em seus espaços.
Segundo Carmem Lúcia Santos (Santos et al., 2010) e Leide Maria Reis dos Santos
(Santos, 2009), os conselhos e colegiados, muitas vezes, não desenvolveram atu-
ações e abordagens territoriais, nem foram capazes de agregar as diferentes cate-
gorias de trabalhadores rurais em suas ações. O que significa dizer que a projeção
do colegiado como um novo sujeito político, marcado pela democratização da
participação, não vem se efetivando.
Nos marcos referenciais36 do programa, exprime-se a tese de que a concentração
fundiária e a precariedade do acesso à terra são os cernes da pobreza rural, ao lado da
distribuição desigual de políticas públicas pelo território nacional. Portanto, em úl-
tima instância, as ações devem voltar-se para políticas de investimento e serviços que
estimulem a agricultura familiar, segmento com potencial para impactar o desenvol-
vimento territorial. Com efeito, a agricultura familiar é assumida como lócus central
da estratégia de desenvolvimento territorial sustentável, pois agregaria as populações
do campo menos favorecidas pela lógica do agronegócio.
Carmem Lúcia Santos (Santos et al., 2010, p. 9), ao analisar o território do
Alto Sertão do Sergipe, considera que o enfoque na agricultura familiar segrega
tais agricultores dos demais trabalhadores rurais – principalmente daqueles que
protagonizam a luta pela terra. Para alguns críticos do programa, o investimento
em médios e pequenos empreendimentos esvazia a reforma agrária enquanto pau-
ta do campo brasileiro. Para Leide Maria dos Santos (Santos, 2009), os territórios
rurais “invisibilizam” a luta pela terra ao proporem uma “mobilização harmônica”
de diferentes setores de interesses no rural pela institucionalização de um novo
mote agregador: a agricultura familiar.

36. Para mais informações, ver Brasil, 2005a.


370 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Não obstante, é urgente estimular a participação do maior número possível


de atores e movimentos sociais rurais na constituição do colegiado de território.
Os documentos da SDT apontam que uma estratégia de desenvolvimento econô-
mico que articule conservação dos recursos naturais e biodiversidade a aumento
de produtividade é o carro-chefe para ressignificar o rural. A intersetorialidade e a
promoção de parcerias entre a agricultura familiar e outras atividades de geração
de renda refletem a concepção de “nova ruralidade” anunciada pelo programa.
A abordagem territorial justifica-se pelo encontro de múltiplos setores eco-
nômicos interessados no rural (Brasil, 2005a). O território é concebido como
lócus de harmonização de interesses. Por intermédio do colegiado, o antagonis-
mo entre os sujeitos seria suprimido em prol do objetivo comum de construção
do desenvolvimento37 para benefício de todo o território. A equação das esferas
objetiva (clima, vocação econômica, cultura e desenvolvimento social) e subjetiva
(identificação, uso e apropriação do espaço) constitui a territorialidade. Devido
a seu desígnio de dinamização econômica via ampliação e geração de renda, a
definição dos territórios rurais pela SDT pauta-se na funcionalidade produtiva.
Alguns pesquisadores,38 críticos à abordagem monofuncional do programa, suge-
rem, todavia, que o foco na inserção de pequenos agricultores no mercado seria
revelador de um retorno às políticas setoriais.
Outra perspectiva utiliza a abordagem territorial para compreender a interven-
ção espacial de sujeitos em conflito. Nesta leitura, a produção do território é conse-
quência da ação humana, e o espaço é ajustado segundo os interesses desta ação. É
importante ressaltar, todavia, a relação desigual de forças dos sujeitos envolvidos.

3.3.2 Ajuste do espaço: mudanças nas paisagens em alguns territórios


da cidadania
A expansão geográfica do capitalismo é uma das principais causas de ajuste e
reordenamento espacial e, subsequentemente, também dos conflitos.39 O desloca-
mento do capital no espaço, por meio do desenvolvimento de estruturas materiais
e sociais (incentivo à industrialização de uma região, construção de rodovias etc.)
garante a absorção de capital e mão de obra excedente – em um momento de
crise de superacumulação. Tal movimento não se deve apenas às crises: ele atende
à necessidade de constante aumento de produção para a reprodução do capital.
A modificação de uma paisagem, em função de uma obra estrutural, de uma
monocultura, da exploração mineral ou outra intervenção, não se opera apenas
na esfera ambiental: ela afeta principalmente a dinâmica social de um território.

37. O desenvolvimento é percebido como uma melhoria dos indicadores sociais, como o IDH.
38. Santos e Araújo (2010) e Favareto (2010).
39. Sobre ajuste espacial, ver Harvey (2005).
Desenvolvimento Rural 371

O que pensar do impacto destas intervenções sobre comunidades de pequenos


agricultores, indígenas, quilombolas e tantos outros povos tradicionais?
Como são executadas as ações de desenvolvimento para os territórios da
cidadania? O acesso à terra, por exemplo, apontado pela SDT como um dos
principais instrumentos de reversão do quadro de fome e miséria no meio rural,
é garantido em relação aos interesses das indústrias de energia, mineração e das
monoculturas do agronegócio? Nos territórios Sertão Produtivo, Sul do Pará/
Alto Xingu, Cocais e Noroeste de Minas, por exemplo, têm-se casos emblemá-
ticos de desterritorialização de comunidades, trabalho escravo e parco avanço da
política de assentamento, revelando a limitação do programa para responder aos
diferentes percalços vivenciados pelos trabalhadores do campo.
O potencial mineral da Bahia e o incentivo do governo à construção de
infraestrutura logística vêm atraindo investimentos de empresas de produção
de energia em grande parte do estado. A construção da Ferrovia de Integração
Oeste-Leste (Fiol), que atravessa toda a Unidade Federativa (UF) e culmina no
Porto Sul,40 ligando o Centro-Oeste do país ao oceano Atlântico, é garantia de
escoamento para a produção de um dos maiores projetos da Bahia Mineração
(Bamin): Pedra de Ferro – que estima lançar no mercado 20 milhões41 de tonela-
das de ferro por ano.
Em 2010, iniciaram-se as denúncias sobre a atuação da Ecoplan Engenharia
Ltda., empresa contratada pela VALEC – Engenharia, Construções e Ferrovias
S/A (responsável pela obra da ferrovia) para realização do estudo topográfico.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT)42 trouxe a público as ameaças sofridas por
moradores de comunidades rurais de Brumado, na Bahia, intimidados a assinar
uma permissão de livre tráfego de funcionários da Ecoplan em suas propriedades;
no entanto, o documento não fazia menção ao pagamento de possíveis danos.
Ainda em 2010, a CPT lançou nota sobre o desconhecimento da população dos
municípios de Brumado e Ilhéus acerca da construção da ferrovia e divulgou que
representantes das comunidades diretamente impactadas não vinham recebendo
os avisos das audiências municipais sobre a obra.
Segundo o Relatório de impacto ambiental da Fiol (Rima) (Oiko, 2009, p. 39),
“é importante destacar que a ferrovia não atravessará terras indígenas e nem qui-
lombolas e não causará impactos significativos diretos sobre essas populações e
populações ribeirinhas”. De acordo com o Incra da Bahia, entretanto, dezoito
assentamentos em diferentes municípios baianos serão interceptados pela Fiol,

40. Faz parte dos projetos que compõem o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
41. O projeto pode ser encontrado no endereço eletrônico da Bahia Mineração (Bamin): <http://www.bamin.com.br/
interna.php?cod=7>. Acesso em: outubro de 2012.
42. As referências feitas às denúncias da Comissão Pastoral da Terra (CPT) foram noticiadas entre 2010 e 2012.
372 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

em uma área de influência de 5 km; considerando-se a mesma área de influência,


no trajeto há ainda dois territórios quilombolas.
A pedido do Sindicato dos Pequenos Agricultores Rurais de Tanhaçu, no
estado da Bahia, iniciou-se uma pesquisa sobre impactos socioambientais da Fiol
no município (Almeida, Souza e Santana, 2011). O trabalho de campo revelou
que, no distrito de Sussuarana, no município de Tanhaçu, o modo de vida cam-
ponês de famílias agricultoras está em risco devido ao trajeto da ferrovia. Avalia-se,
ainda, que este cenário deva se repetir na totalidade do traçado da Fiol. Este fato
é mais uma expressão da dimensão conflituosa entre a produção do espaço pelo
capital e a territorialidade de povos e comunidades tradicionais.
Nas margens do rio das Contas, em Tanhaçu, a agricultura familiar, em áreas
de médio e pequeno portes, configura-se principal atividade econômica (Oiko,
2009). Devido à região ser marcada pela seca, a localização beira-rio é condição
essencial para a subsistência desses habitantes. É justamente esta, porém, a área
destinada à Fiol em seu percurso pelo município. O trabalho supracitado evi-
dencia o forte vínculo das famílias com a terra e sublinha as diferentes estratégias
geradas por estes agricultores para manterem-se em seus lotes. O tempo que as
famílias vivem na área e a existência de um cemitério da comunidade caracteriza-
ram um modo de vida relativo à história e à identidade das pessoas do território.
O que estaria em jogo com a passagem da ferrovia é mais que a sobrevivência
dos agricultores em sua dimensão econômica, é a completa destruição de uma
relação simbólica com o território, que se expressa no uso do espaço, em que
vida e trabalho se confundem constituindo um tripé básico da campesinidade:
família-terra-trabalho (Almeida, Souza e Santana, 2011).
Desde 2009, oitenta famílias sofrem com as incertezas sobre o desapossamento.
É importante revelar que indenizações e outras formas monetárias de sanar as
perdas não dão resposta ao estresse emocional e à insegurança a que ficam expos-
tos os trabalhadores. Os vínculos com a terra são de diversas ordens, tornando-se
a simples ideia de ser realocado um indício de vulnerabilidade, além de retirar a
liberdade de escolha destes sujeitos sobre seus destinos. Como diz um ribeirinho
entrevistado para a pesquisa sobre os impactos socioambientais da Fiol (Almeida,
Souza e Santana, 2011, p. 17): “pra mim sair da roça e ir pra cidade eu não vou
porque aí eu vou sofrer, tu acha que 10 mil e 5 mil dá pra comprar uma casa em
Conquista? Ou em Tanhaçu? Dá pra mim manter? Não dá, eu prefiro ficar aí, se
é pra sofrer, sofrer na roça”.
A legitimidade do desapossamento por uma grande obra como a Fiol é respal-
dada na noção de desenvolvimento com discursos de geração de emprego e renda
para a região. Considerando as experiências de vida e trabalho de uma população
campesina, pode-se inferir que a empregabilidade referida corresponde à proletariza-
Desenvolvimento Rural 373

ção das famílias ribeirinhas – tanto aquelas que tiverem sua mão de obra absorvida
pela construção da ferrovia como aquelas que migrarem para outras regiões.
Tanhaçu compõe, com outros dezenove municípios, o território Sertão
Produtivo desde 2007. No mesmo território, outras cinco obras estão ocorren-
do sob o impulso do PAC. Em Caetité, além da passagem da Fiol, a Bamin vai
explorar o projeto Pedra de Ferro e a obra de uma usina eólica, em fase de lici-
tação. Usinas deste tipo estão em construção em Candiba, Guanambi e Pindaí,
municípios do mesmo território.
Consensuou-se atribuir à energia eólica um “selo verde”. Reconhecida como
forma limpa e menos contaminante de produção, é apresentada como alterna-
tiva à crescente demanda por fontes e geração de energia. Mas, a menos que
se considere a existência de vazios demográficos em pontos oportunos para a
implantação de usinas, investimentos deste porte se fazem acompanhar qua-
se sempre de processos de expropriação. Um caso emblemático ocorreu no
México, quando muitos movimentos sociais da América Latina se opuse-
ram ao projeto do Corredor Eólico de Istmo de Tehuantepec, em vista do
risco que o empreendimento oferecia ao modo de vida de comunidades in-
dígenas e camponesas da região. Ademais, como costuma ocorrer em obras
deste porte, as comunidades que ocupam o território, por serem vistas como
sujeitos passivos e sem direito à terra, não são consultadas com antecedência.
Suas formas de organização e sua relação com o ambiente são tratadas como ques-
tões menores em relação às benfeitorias de uma usina, rodovia, ferrovia e outras
ações do gênero. A exclusão das comunidades no planejamento das mudanças re-
alizadas no território é apenas o primeiro momento de um processo expropriató-
rio, no qual, não raro, a abordagem das empresas envolvidas pode gerar conflitos
violentos, que, pelo aparato policial ou pelo uso ilegítimo da força, ameaçam a
vida daqueles que resistem.
A adequação do território ao desenvolvimento capitalista por meio da ins-
talação de estruturas fixas e sociais foi assinalada como processo histórico deter-
minante na produção e modificação do espaço. Sem a intervenção estatal, esta
conformação não se realiza – o aparato jurídico e a base estrutural, que permitem
o deslocamento do capital, requerem regulação e incentivo do Estado. O projeto
Pedra de Ferro, da Bamin, por exemplo, dificilmente seria um expoente da mi-
neração sem o escoamento permitido pela Fiol. Neste contexto, refletir sobre as
condições de efetivação das ações dos programas Territórios Rurais e Territórios
da Cidadania exige analisar caso a caso os conflitos em torno das obras previstas e
em andamento no território Sertão Produtivo à luz da experiência dos camponeses
e do que vem sendo divulgado pelos movimentos sociais.
374 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Apesar dos conflitos evidentes entre os interesses da exploração mineral e a re-


produção do modo de vida de comunidades inteiras, foram encontrados, entre os
municípios que compõem o território Sertão Produtivo, 1.707 processos de lavras
em curso43 no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) – desde
requerimentos para autorização de pesquisas até licenciamentos para a exploração.
Tendo em vista que parques eólicos são empreendimentos que demandam grande
porção de terra, a Fiol terá 1.527 km de extensão. Considerando-se esta proporção,
quantas comunidades estariam no caminho destas obras? Como os processos de de-
sapossamento vão confrontar os objetivos de obtenção de terras para assentamentos
de trabalhadores rurais, regularização fundiária, reconhecimento e regularização
de terras para comunidades quilombolas e desintrusão de não indígenas em terras
indígenas, anunciados pelos programas Territórios Rurais e Territórios da Cidada-
nia? No caso de Tanhaçu, a passagem da Fiol já é notada como problema social.
Em entrevistas citadas em Almeida, Souza e Santana (2011, p. 17), os ribeirinhos,
que, em grande parte, recebem auxílios do governo, expressam a indignação com
as ações duais do Estado:
o governo faz muita coisa boa, mas faz muita coisa errada também, porque ele não
podia fazer isso aí não, porque sabe que essa caatinga nossa aqui, do barranco pra
dentro é seco, é só pra quem é fazendeiro que pode meter o trator, desmatar e prantar
capim, mas o povo vevi é na vazante do rio, nas terrinha mais mole da beira do rio,
quer dizer que ele chega e passa uma linha de ferro dessas (...).
Outro ponto que chama a atenção em alguns territórios refere-se à ocor-
rência de casos de trabalho análogo ao escravo. Trabalho escravo e assassinato
escrevem parte da história do campo brasileiro. Martins (1999) ressalta que a
incidência de situações análogas à de escravidão é acompanhada da morte de tra-
balhadores que buscam fugir desta condição. Sindicalistas, líderes comunitários,
militantes de movimentos sociais e fiscais do trabalho compõem a lista de pessoas
mortas envolvidas em conflitos fundiário-trabalhistas, que é extensa, mas, decer-
to, aquém do número real. Segundo a CPT, cerca de 370 pessoas foram mortas
em conflitos no campo no Brasil entre 2001 e 2010.44
Em 2003, ano de lançamento do PRONAT, o governo federal adotou o
Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Desde então, as de-
núncias de trabalhadores mantidos em situação análoga à de escravidão, feitas
por movimentos sociais e entidades de classe, nunca cessaram. Os estados do
Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão são velhos conhecidos do roteiro

43. Os processos podem ser acessados no endereço eletrônico do Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM): <https://sistemas.dnpm.gov.br/SCM/Extra/site/admin/pesquisarProcessos.aspx>.
44. Nota pública da Coordenação Nacional da CPT sobre conflitos no campo envolvendo mortes.
Desenvolvimento Rural 375

da violência no campo, sendo, não por acaso, os que sediam as regionais da


CPT com maior número45 de denúncias.
São Félix do Xingu, no Pará, teve, entre 2003 e 2010, 584 trabalhadores
resgatados pelo grupo especial de fiscalização móvel do Ministério do Trabalho
e Emprego (MTE). Destes, a maioria se encontrava em fazendas de criação de
bovinos; a segunda atividade mais citada foi derrubada de árvores nativas, extração
ou exploração vegetal. O município, que integra o Território da Cidadania Sul do
Pará, no Alto Xingu46 desde 2003, é palco de uma série de denúncias e operações.
No ano em que o município se filiou ao Programa Territórios Rurais, a Operação
Iriri colocou-o sob a insígnia de “Eldorado dos pecuaristas”. O município é um
dos mais citados pela Campanha Nacional contra o Trabalho Escravo, da CPT.
Codó, no Maranhão, também ganhou notoriedade devido à ocorrência
de situações de trabalho análogo ao escravo. Codó faz parte do Território da
Cidadania Cocais desde 2003; deste ano a 2010, 158 trabalhadores foram
resgatados no município.47 Em 2009, 24 trabalhadores foram resgatados na
fazenda do então prefeito José Rolim Filho. Em Coelho Neto, no mesmo
território, a fiscalização encontrou um grupo de trabalhadores vivendo em
um curral.48 O relato do coordenador da operação aponta que havia dejetos dos
animais no local de dormitório dos trabalhadores. Entre 2003 e 2010, somente
neste município, foram resgatados treze trabalhadores. Novamente, a principal
atividade é a criação de bovinos.
Paracatu, em Minas Gerais, é recorrentemente citado no Relatório de conflitos
no campo da CPT. Recentemente, em junho de 2012, um fazendeiro da zona rural do
município foi condenado a pagar R$ 390 mil ao Fundo de Amparo ao Trabalhador e
R$ 30 mil a cada um dos treze trabalhadores encontrados em condições precárias
e sem registro. Paracatu faz parte do Território da Cidadania Noroeste de Minas
desde 2004. Entre a criação do território, em 2004 e 2010, somando-se as opera-
ções em todos os municípios que o compõem, foram resgatados 201 trabalhado-
res em situação análoga à de escravidão, 185 somente em Paracatu. Mais uma vez,
a criação de bovinos apareceu entre as atividades superexploradoras, assim como o
cultivo de cana-de-açúcar e a exploração vegetal.

45. A existência de uma situação de trabalho escravo revela uma rede de relações precárias e degradantes, as quais
permitem inferir que haja outras pessoas sob as mesmas condições. Um caso que vem a público pode ser entendido
como expoente de um cenário que se repete, mas não é divulgado, pois o trabalho escravo só se apresenta à medida
que é denunciado (CPT, 2011).
46. Entre 2003 (criação do território da cidadania Sul do Pará) e 2010, foram resgatados, nos municípios que o com-
põem, 2.205 trabalhadores em situação análoga à de escravos.
47. Foram resgatados 221 trabalhadores em ações do grupo móvel do Ministério Público do Trabalho e Emprego (MPT)
em todo o território da cidadania de Cocais desde o ano de sua criação até 2010.
48. Novamente, nesse caso da fazenda São Domingos, constata-se um político como proprietário do estabelecimento:
o ex-deputado Antônio Bacelar, atual diretor de Relações Institucionais e Desenvolvimento da Companhia de Pesquisas
de Recursos Minerais (CPRM), do MME.
376 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Em estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2006),


revelou-se a coincidência entre analfabetismo e baixo IDH nos locais onde são
aliciados trabalhadores encontrados em situação análoga à de escravidão. A rein-
serção destes no mercado de trabalho caracteriza um problema de ordem pública
a ser abarcado pelo programa. Chama a atenção, entretanto, que a questão do
trabalho escravo não conste dos objetivos inscritos em documentos da SDT e
que os PTDRS não a mencionem em seus diagnósticos, sobretudo com casos tão
recorrentes, como os dos municípios citados.
Sobre as ações fundiárias, há ainda alguns problemas quanto à efetividade
do programa de desenvolvimento dos territórios rurais. No Sertão Produtivo,
apenas um dos municípios conta com projeto de assentamento: situado em
Sebastião Laranjeiras, o PA Paus Pretos, criado em 2004, abriga sessenta famílias.
Mas, como a presença de assentados de reforma agrária é apresentada como cri-
tério de definição territorial do programa, surpreende que desde a instituição do
território, em 2007, não se inaugure nenhum novo projeto. No território Sul
do Pará, no Alto Xingu, outra informação é preocupante: dos 148 projetos de
assentamento distribuídos entre os onze municípios (dos quinze que o formam),
apenas 31 foram criados após seu estabelecimento como território rural e da
cidadania em 2003.
Por fim, para ilustrar o que se dá nos territórios rurais e da cidadania
quando a perspectiva é o confronto entre capital e trabalho, basta citar que os
R$ 49 milhões investidos no desenvolvimento sustentável dos territórios ru-
rais, em 2011, representam investimento inferior ao previsto para qualquer
uma das usinas eólicas do território Sertão Produtivo.49 Não é apenas o quan-
titativo dos recursos que deflagra a produção de “territórios” distintos fomen-
tados pelo Estado. A integração do território às dinâmicas produtivas globais
via produção de infraestrutura em energia, comunicação e transporte não se
compatibiliza com a reprodução do modo de vida das populações do campo.
A despeito da suficiência ou não das ações do Estado nestes territórios, projetos
antagônicos de desenvolvimento seguem gerando expropriação de terras e de ou-
tros bens materiais e imateriais de forma violenta.
O PRONAT sugere uma atuação conjunta de sujeitos que, muitas vezes,
não podem convergir. Como se dá a promoção, por parte do Estado, de um
programa que atenderá ao pleno desenvolvimento de um território e de todos os
sujeitos nele envolvidos quando, muitas vezes, o Estado é um dos atores em con-
flito? Belo Monte, caso que ganhou expressão pela denúncia dos movimentos
sociais, pode fazer refletir sobre o que ocorre no Território da Cidadania Tran-
samazônica, que abrange o município de Altamira e outras áreas de influência
da hidrelétrica. Observando o Relatório de conflitos do campo da CPT (2012),

49. Os orçamentos podem ser encontrados no endereço eletrônico do PAC2: <http://www.pac.gov.br/energia/


geracao-de-energia-eletrica/ba>. Acesso em: setembro de 2012.
Desenvolvimento Rural 377

percebe-se que vários territórios rurais ou da cidadania contêm municípios onde é


alarmante a quantidade de conflitos no campo. O caráter ambíguo da atuação do
Estado no programa de desenvolvimento dos territórios rurais é identificado por
movimentos sociais e pesquisadores, que questionam a capacidade do governo de
regular e promover estratégias que caminhem consoante os interesses da luta pela
democratização da terra e da reforma agrária.

4 TEMA EM DESTAQUE – ENTRE A INVISIBILIZAÇÃO E O ESQUECIMENTO:


A DESTERRITORIALIZAÇÃO DOS CAMPESINATOS50 NO AVANÇO RECENTE
DO CAPITAL

4.1 Introdução
Entre 2011 e 2012, assuntos de grande importância entraram na pauta política.
Temas como o Código Florestal, o Código de Mineração, a compra de terras
por estrangeiros, a reprimarização da pauta exportadora e grandes obras de in-
fraestrutura apareceram com algum destaque nas agendas dos poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário. Outros temas, não menos relevantes, têm sido permanen-
temente pautados por movimentos sociais do campo, como a regularização das
terras quilombolas, a demarcação dos territórios indígenas, a reforma agrária, a
soberania alimentar e nutricional e a eclosão de inúmeros conflitos no campo, so-
bretudo os homicídios de lideranças camponesas e o trabalho escravo. Estes temas
aparecem, em geral, como fatos isolados, ora resíduos de arcaísmos, ora produto
de desajustes localizados em grupos ou indivíduos.
Não é possível, todavia, compreender os fenômenos e suas determinações
sem apreender como acontecimentos aparentemente autônomos e separados no
tempo e no espaço estão, ao fim, relacionados entre si. Também não é possível
superar os dilemas do presente considerando-os uma perpetuação do passado,
espécie de eternização do tempo e congelamento de uma história traduzida em
condenação das gerações futuras ao inevitável.
Parte-se do pressuposto que disputas e conflitos sociais não são eventos iso-
lados, e suas relações não são evidentes. Problemas conjunturais, por sua vez, só
podem ser compreendidos inserindo-os no interior do processo histórico, em que
ganham forma e conteúdo. A história, porém, não é derivação pura e simples das
estruturas de poder ou das frações de classe que hegemonizam uma formação so-
cial específica. O processo histórico é resultado também das experiências vividas
pelas classes trabalhadoras, das respostas e estratégias que estes dão ao modo de
produção em que se constituem enquanto classe.

50. O conceito de campesinato designa o conjunto de trabalhadores que laboram na terra e são detentores dos meios
de produção (Bottomore, 2010). Entende-se, porém, não existir apenas um campesinato, mas diversos campesinatos
que mobilizam terra e instrumentos de trabalho de formas bastante distintas, sem embargo das condições objetivas de
vida que dão unidade ao vasto conjunto dos sujeitos que laboram na terra.
378 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Diante do exposto, o objetivo é saber de que forma relacionar as disputas em


torno do Código Florestal, a mineração, a ausência de reforma agrária, a paralisa-
ção da demarcação de terras indígenas e quilombos, o fortalecimento de setores
econômicos específicos e o recrudescimento dos conflitos no campo. Compreen-
der os conflitos e a sua espacialidade é tarefa fundamental para desvelar o modo
como a sociedade se produz em um determinado momento histórico.
Nesta seção, trata-se dos fatos e acontecimentos relacionados ao campo, ou,
de maneira mais abrangente, de uma tentativa permanente e constante de com-
preender o que é a questão agrária hoje e como ela se define e se relaciona com os
demais elementos que compõem a questão social no Brasil.
Nesse sentido, houve um esforço para compreender como seria possível,
pois, entender as contradições sociais e econômicas do campo no tempo presente
e que conceito ajudaria a relacionar tais fatos, que aparecem de forma isolada e
autônoma no tempo e no espaço. Os sujeitos e suas territorialidades em conflito
parecem dar boas pistas do que vem a ser a questão agrária atual. A demonstração
destas relações constituem o desafio e o horizonte desta seção.

4.2 Da territorialidade dos conflitos aos sujeitos: a identidade pela luta e a
luta pela identidade
Comumente, os conflitos no campo são interpretados e representados como fatos
resultantes de casos fortuitos, acidentes de percurso que não guardam relação com
o movimento geral dos sistemas econômico e político. Esta representação guarda
correspondência com o modo como a questão agrária é hegemonicamente defini-
da na atualidade. Geralmente, as disputas comparecem na esfera pública como re-
síduo de um problema social desarraigado das questões estruturais que compõem
os dilemas do tempo presente. Assim, a questão agrária, tal como os conflitos, vem
sendo apenas administrada, mantida sob controle, dado que sua não resolução não
compromete a acumulação de capital no curto prazo (Martins, 1999).
Contudo, entre 2003 e 2010, houve o maior número de conflitos no campo
no Brasil. Considerando-se levantamento anual da CPT, realizado desde 1985,
este dado merece mais detalhamento. Se, por um lado, pode-se considerar que os
conflitos são inerentes ao próprio avanço dos capitais, por outro, elementos novos
parecem fortalecer conjunturalmente a tendência expropriatória de um sistema
econômico e político que funciona aqui e agora.
Os dados recentes da CPT (2012) apontam que os casos de conflito no campo
aumentaram de 1.186, em 2010, para 1.363, em 2011; destes, 1.035 referem-se
aos conflitos por terra,51 260 envolvem questões trabalhistas52 e 68 relacionam-se

51. Nessa seção consideram-se a somatória dos conflitos por terra, as ocupações e os acampamentos a partir dos
dados da CPT (2012).
52. Segundo a CPT (2012), esse conflito envolve trabalho escravo, superexploração, desrespeito trabalhista e ações
de resistência.
Desenvolvimento Rural 379

ao acesso à água. Em conjunto, os conflitos envolveram 600.925 sujeitos do campo.


Os conflitos por terra protagonizados pelo poder privado – fazendeiros, empresários,
madeireiros e outros – representaram, em 2011, 689 dos 1.035 casos, uma pro-
porção maior que a registrada no ano anterior.
A tabela 19 mostra que três quartos do total dos conflitos no campo estão
concentrados no Nordeste (42,0%) e Norte (32,4%), regiões que registram maior
concentração fundiária, grande número de títulos minerários e grandes obras do go-
verno federal (Usina Hidrelétrica de Belo Monte, Ferrovia Norte-Sul,53 BR-163,54
Plano Nacional de Logística Portuária).55 Juntos, Maranhão e Pará contabilizam
quase um terço dos conflitos em 2011.

TABELA 19
Distribuição dos conflitos no campo por Unidade Federativa e por região (2011)

Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição


Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
(%) (%) (%) (%) (%)

Distrito Espírito
Acre 2,30 Alagoas 3,70 0,30 0,30 Paraná 0,40
Federal Santo
Minas Rio Grande
Amazonas 3,20 Bahia 8,80 Goiás 2,40 5,60 2,20
Gerais do Sul
Rio de Santa
Amapá 3,70 Ceará 1,30 Mato Grosso 3,20 1,40 1,80
Janeiro Catarina
Mato Grosso São
Pará 13,10 Maranhão 18,40 2,60 5,10
do Sul Paulo
Rondônia 5,80 Paraíba 1,30
Roraima - Pernambuco 5,50
Tocantins 4,20 Piauí 2,50
Rio Grande
0,10
do Norte
Sergipe 0,30
Total 32,40 Total 42,00 Total 8,60 Total 12,50 Total 4,50
Fonte: CPT (2012).
Elaboração dos autores.

53. A Ferrovia Norte-Sul, concessionarizada à Vale S/A, foi concebida com o propósito de ampliar e integrar o sistema
ferroviário brasileiro. Terá 1.980 km de extensão e cortará os estados do Pará, Maranhão, Tocantins, Goiás, Minas
Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul, ligando Senador Canedo-GO a Belém-PA. Conectar-se-á, a sul, em Anápolis-
GO, com a Ferrovia Centro-Atlântica e, a norte, em Açailândia-MA, com a Estrada de Ferro Carajás. O trajeto da ferrovia
segue paralelo à rodovia Belém-Brasília e ao leito do rio Tocantins. Incorporada aos PACs 1 e 2, já teve concluído o
trecho sul, entre Uruaçu-GO e Anápolis-GO – Pátio de Santa Isabel (GO)-Pátio de Jaraguá (GO) –, totalizando 71 km.
As obras iniciaram-se em 1987, durante o governo José Sarney.
54. A BR-163 atravessa longitudinalmente o país. Com 3.467 km de extensão (dos quais quase 1.000 km não são
asfaltados), liga Tenente Portela-RS a Santarém-PA. Também incorporada ao PAC, a BR-163 teve os seguintes trechos
concluídos: três lotes do trecho 2, referente à BR-163, a qual liga o Pará a Mato Grosso, totalizando 180 km; e o trecho
3 da BR-163, totalizando 52 km.
55. O Ministério dos Transportes e a Secretaria Especial de Portos preparam o Plano Nacional de Logística Integrada
(PNLI), que analisará de forma conjunta os projetos de investimento em portos, rodovias, ferrovias e hidrovias até
2030. O objetivo é garantir maior eficiência do sistema logístico para atender ao crescimento do comércio exterior
brasileiro. A proposta reunirá dois planos já existentes: o Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT) e o Plano
Nacional de Logística Portuária (PNLP).
380 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Ainda de acordo com a CPT (2012, p. 7), os conflitos por terra passaram de
853, em 2010, para 1.035, em 2011, um crescimento de 21,32%, envolvendo
91.735 famílias (458.675 pessoas). Estes conflitos continuam notabilizados,
sobretudo, pela enorme quantidade de “despejos violentos determinados pelo
Poder Judiciário e executados pelo Poder Executivo”, por ataques aos direitos
adquiridos pelas comunidades tradicionais e pela invisibilização da questão fun-
diária (CPT, 2012, p. 110). A tabela 20 mostra como eles se distribuem nas
regiões e nos estados brasileiros.

TABELA 20
Distribuição dos conflitos por terra por Unidade Federativa e região (2011)
Distribuição Distribuição Distribui- Distribuição Distribuição
Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
(%) (%) ção (%) (%) (%)
Distrito Espírito
Acre 2,8 Alagoas 4,5 0,4 0,2 Paraná 0,4
Federal Santo
Rio
Minas
Amazonas 3,2 Bahia 9,5 Goiás 0,6 4,4 Grande 2,4
Gerais
do Sul
Rio de Santa
Amapá 4,8 Ceará 1,5 Mato Grosso 2,9 0,7 0,8
Janeiro Catarina
Mato Grosso São
Pará 12,1 Maranhão 21,6 3,1 6,6
do Sul Paulo
Rondônia 5,3 Paraíba 1,5
Roraima 0 Pernambuco 5,8
Tocantins 1,4 Piauí 2,9
Rio Grande
0,1
do Norte
Sergipe 0,4
Total 29,7 Total 47,9 Total 7,0 Total 11,9 Total 3,6

Fonte: CPT (2012).


Elaboração dos autores.

A espacialidade dos conflitos, por certo, não tem como determinante prin-
cipal o lugar de residência dos povos do campo e da floresta. Porém, esta variável
deve ser considerada quando observada a participação percentual das regiões no
total de conflitos. Em outros termos, embora o Centro-Oeste, o Sul e o Sudeste
apresentem uma pequena participação no total de conflitos, nunca é demais lem-
brar que o avanço do capital nestas regiões expulsou parte relevante de sua po-
pulação camponesa, a qual, por sua vez, passou a ter na migração uma estratégia
de sobrevivência e reprodução social. Outro fator a ser considerado diz respeito à
organização dos sujeitos em luta e sua capacidade de resistir aos processos expro-
priatórios em contextos específicos.
No que tange à participação de cada estado em relação ao total dos conflitos
por terra em sua região, tem-se o seguinte quadro:
Desenvolvimento Rural 381

TABELA 21
Distribuição dos conflitos por terra por Unidade Federativa em relação ao total
da região (2011)
Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição Distribuição
Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
(%) (%) (%) (%) (%)
Distrito Espírito
Acre 9,4 Alagoas 9,5 5,6 1,6 Paraná 10,8
Federal Santo
Rio
Minas
Amazonas 10,7 Bahia 19,8 Goiás 8,3 37,4 Grande 67,6
Gerais
do Sul
Mato Rio de Santa
Amapá 16,3 Ceará 3,2 41,7 5,7 21,6
Grosso Janeiro Catarina
Mato Grosso São
Pará 40,7 Maranhão 45,2 44,4 55,3
do Sul Paulo
Rondônia 17,9 Paraíba 3,2
Roraima 0 Pernambuco 12,1
Tocantins 4,9 Piauí 6,0
Rio Grande
0,2
do Norte
Sergipe 0,8
Total 100,0 Total 100,0 Total 100,0 Total 100,0 Total 100,0

Fonte: CPT (2012).


Elaboração dos autores.

O Maranhão concentrou 45% dos conflitos por terra da região Nordeste.


As cidades de Codó, região de babaçuais,56 de Barreirinhas, no norte,57 e de
Urbano Santos, no leste maranhense,58 respondem, juntas, por um quarto dos
conflitos por terra no estado.
No Pará, ocorreram 40% dos conflitos por terra da região Norte. Afuá,
cidade ribeirinha da ilha de Marajó,59 Marabá, centro econômico-administrativo
da vasta região da “fronteira agrícola amazônica”, no sudeste paraense,60 e Anapu,
na microrregião de Altamira,61 concentraram, em conjunto, 42% dos conflitos
por terra no estado.

56. Codó pertence ao território rural dos Cocais. Dos quatorze conflitos registrados, oito envolveram posseiros e dois,
quilombolas, todos contra a Usina de Costa Pinto, matriz do grupo Cosan, uma das maiores unidades produtivas de
açúcar e álcool do Brasil.
57. Barreirinhas é a “porta de entrada” para o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, polo turístico nacional.
Recentemente, foram encontrados vestígios de petróleo e gás na bacia de Barreirinhas, entretanto, desde 2009 a
Petrobras vem fazendo perfuração na região. Em Barreirinhas, os dezoito conflitos catalogados envolvem sete casos
com posseiros, dez casos com assentados e um caso com comunidade quilombola.
58. Todos os conflitos registrados na cidade de Urbano Santos envolvem posseiros e a Suzano Celulose, a qual também
figura em conflitos por terra em outras cidades maranhenses (Anapurus, Barreirinhas, Beláqua, Brejo, Milagres, Matões,
Parnarama, Santa Quitéria, São Bernardo e São Luís), nas quais possui filiais ou interesse de investimentos.
59. Em Afuá, conhecida como a “Veneza da Ilha de Marajó”, por ser repleta de canais e palafitas, localiza-se o Parque
Estadual Charapucu. Todos os 29 conflitos registrados neste município envolvem comunidades ribeirinhas.
60. Em Marabá, dos treze conflitos registrados, sete envolvem sem-terra e seis, movimentos sociais.
61. Em Anapu, dos dezessete conflitos registrados, seis envolvem movimentos sociais; oito, assentados; e três, sem-terra.
382 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Apesar do decréscimo do índice de mortes no campo, os dados de 2011 re-


gistram que o número de ameaçados de morte quase triplicou em relação a 2010,
subindo de 125 para 347. Os alvos são, em sua maioria, povos do campo que
integram territórios tradicionalmente ocupados (CPT, 2012). Assim, embora os
povos do campo estejam politicamente invisibilizados e incorporados à abstrata
categoria dos “agricultores familiares”, os conflitos e as resistências aos processos
expropriatórios em curso garantem algum tipo de visibilidade pública.
Os dados sobre conflitos “revelam” a composição heterogênea de sujeitos
que vivem e lutam no campo e na floresta. No Norte, os conflitos envolvem pre-
dominantemente posseiros (25,1%); sem-terras, quase sempre em acampamentos
(21%); ribeirinhos (15,3%); assentados (13,7%); e militantes de movimentos
sociais (9%). No Nordeste, os conflitos envolvem também os posseiros (30%), se-
guidos pelos militantes de movimentos sociais (19%) e pelos quilombolas (16%).
No Centro-Oeste, quase metade dos conflitos envolve índios
(49%), movimentos sociais (17%) e assentados da reforma agrá-
ria (13%). Os conflitos rurais no Sudeste envolvem majoritariamen-
te movimentos sociais (53%), sem-terras (22%) e quilombolas (12%).
No Sul, por sua vez, os movimentos sociais aparecem em primeiro lugar, como
os que mais sofreram algum tipo de violência (38%), seguidos por comunidades
indígenas (32%) e sem-terras (24%).62

TABELA 22
Principais sujeitos atingidos por conflitos de terra no Brasil (2011)
Categorias Participação (%)
Posseiros 22,6
Movimento social 1
20,4
Sem-terra 17,0
Quilombolas 9,9
Índios 9,5
Assentados 8,6
Ribeirinhos 6,0
Pequenos proprietários 1,5
Outras2 3,0
Sem identificação 1,5
Total 100,0

Fonte: CPT (2012).


Notas: 1 Movimentos

sociais compreendem as organizações sociais (Movimento dos Trabalhadores Sem Terras, Federação dos
Trabalhadores na Agricultura – Fetagri, entre outros) que participam, sobretudo, de conflitos no campo como ocupa-
ções e/ou retomadas e acampamentos (CPT, 2012).
2
Inclui: agentes pastorais; lideranças; camponeses de pasto; trabalhadores rurais assalariados; geraizeiros; seringueiros;
atingidos por barragens; ambientalistas; missionários; ocupantes; pescadores; religiosos; sindicalistas.

62. Ver anexo estatístico desta edição.


Desenvolvimento Rural 383

Assim, basta olhar para as exíguas fontes de informações existentes para “des-
cobrir” uma multidão63 de “gentes” e coletivos espalhados pelo “Brasil profundo”:
indígenas, quilombolas, ribeirinhos, quebradeiras de coco babaçu, seringueiros,
faxinalenses, comunidades de fundo e fecho de pasto, pomeranos, ciganos, gerai-
zeiros, vazanteiros, piaçabeiros, pescadores artesanais, pantaneiros, comunidades
de terreiros afrorreligiosos, assentados da reforma agrária, pequenos agricultores
e tantos outros sujeitos que surgem aqui e ali por todos os cantos do continente.
Olhar para esses sujeitos, porém, não é apenas visá-los. Como pondera
Virgínia Fontes (Fontes, 2010), estudos sobre processos sociais requerem, em
termos de análise, um movimento duplo, que caminha em direções opostas: de
um lado, é preciso explicitar o fio de conjunto dos processos, sem cair no equí-
voco de reproduzir sujeitos ocultos a presidirem os conflitos e as lutas sociais; de
outro, é necessário trazer os sujeitos singulares e o conjunto das atividades que
eles realizam para existir, objetiva e subjetivamente, pois a produção material da
vida social remete a relações sociais concretas, e estas relações marcam os sujeitos
em suas consciências singulares e em seus modos de vida.
Há, entre os sujeitos que povoam os campos brasileiros, os assentados da
reforma agrária, aqueles cuja identidade está forjada na luta para entrar na terra
tornada cativa. Dada a abrangência nacional de suas lutas e organizações e a
importância política conquistada, sobre eles há vasta literatura. Os assentados da
reforma agrária64 integram os campesinatos que passaram por algum processo de
expropriação, retornando ao campo como forma de realização, ainda que par-
cial, de um desejo de autonomia. Trata-se de uma categoria social recriada pelas
próprias contradições do processo de expansão do capital no campo.
Os demais sujeitos que povoam os campos são comumente agregados
pelo Estado no conceito genérico de povos e comunidades tradicionais.65
Diferentes parâmetros identitários têm sido utilizados para definir os sujeitos que
vivem no campo e na floresta. Extrativistas, coletores de produtos não madei-
reiros e pescadores artesanais são imediatamente identificados pela atividade
econômica que realizam; quilombolas, pomeranos e povos indígenas, pela origem

63. Estimativas apontam que o conjunto das populações tradicionais ocupa, ainda que de forma precária, 200 milhões
de ha, cifra correspondente a 20% das terras brasileiras. Se somadas as terras ocupadas pelos assentados da reforma
agrária, ter-se-ia pouco mais de 290 milhões de hectares ocupados por aproximadamente 11,6 milhões de pessoas no
campo, cifra que representa aproximadamente 40% da população rural. Este número, porém, vem aumentando nos
últimos anos, devido à infinidade de gente que se identifica para reivindicar e resistir ao processo de desterritorializa-
ção e à perda de autonomia dos seus territórios.
64. De acordo com dados do Sipra de 30 de junho de 2012, os assentamentos rurais ocupam 94,5 milhões de hectares
(11% do território nacional), com 930.162 famílias assentadas em 8.914 projetos.
65. O Decreto no 6.040/2007 instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais (PNPCT), ação do governo federal que pretende fortalecer e proteger os povos do campo e da floresta, por
meio da ênfase no reconhecimento, no fortalecimento e na garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais,
econômicos e culturais, além de respeitar e valorizar a sua identidade, as suas formas de organização e as suas instituições.
384 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

étnica; quebradeiras de coco babaçu e seringueiros, pelos produtos principais que


coletam; sertanejos, caiçaras e geraizeiros, pela região que habitam; ribeirinhos,
pela posição orográfica; comunidades de terreiro, pela identificação religiosa; ci-
ganos, pelo modo de vida e pela cultura que produzem e reproduzem; e comuni-
dades de fundo e fecho de pasto, bem como faxinalenses, pelo regime comunal de
apropriação das terras. São também caracterizados como povos dos ecossistemas
(indígenas), ao passo que os demais seriam povos da biosfera com algum grau de
relação com as áreas urbanas (caso de camponeses, extrativistas, pescadores etc.).
Esses atributos, porém, são incapazes de definir, por si só, quem são, como
vivem e o que produzem os povos do campo e da floresta. Em parte deles, as relações
de sangue e de compadrio são mais importantes que as leis civis, e os rituais de cura,
mais curativos que a medicina tradicional. Suas comidas não servem apenas para
saciar a fome de comer, mas também para festejar, reunir-se e enamorar-se. Suas
bebidas festejam, alimentam e purificam o corpo. Muitos deles têm ligação com
territórios ancestrais e são dotados de linguagem própria, produzindo, predominan-
temente, para a sua própria subsistência. Preservam, extraem e cultivam produtos de
importância regional,66 sendo os mais relevantes produtores de alimentos do país.
São sujeitos com forte identidade cultural, forjada na história de seus antepassados e
nas lutas do tempo presente. Possuem, ainda, variadas formas de organização social
própria. Sabe-se, sobretudo, que eles têm cor e cheiro, são reais, e que todos eles
combinam formas diversas de viver e produzir a própria vida.
O território, para comunidades quilombolas e indígenas, possui signi-
ficado completamente diferente do sentido mercantil ou patrimonial, sob os
quais o espaço fundiário é, no campo social, político e econômico, predomi-
nantemente considerado. Subsiste um vínculo estreito entre a dignidade da
pessoa humana de quilombolas e indígenas e a posse definitiva de suas terras,
não apenas como garantia do direito à moradia (Brasil, 1988, Artigo 6o),
mas porque a terra é o elo de continuidade do grupo no tempo e possibilita a
preservação de sua cultura, seus valores e modos de vida. A privação da terra
põe em risco, pois, a identidade coletiva: tais grupos expressam a territoria-
lidade não apenas por leis ou títulos mas também pela memória coletiva,
a qual incorpora tanto dimensões simbólicas e identitárias (quilombolas,
indígenas, extrativistas, ribeirinhas) quanto uma concepção da terra como
local de produção (posseiros, trabalhadores rurais, pequenos produtores) e
como território de luta (assentados, sem-terra).

66. O Plano Nacional para a Promoção dos Produtos da Sociobiodiversidade (PNBSB) foi criado pelo governo federal
para promover a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e garantir alternativas de geração de renda para
as comunidades rurais, por meio do acesso às políticas de crédito, à assistência técnica e à extensão rural, a mercados
e aos instrumentos de comercialização e à política de garantia de preços mínimos.
Desenvolvimento Rural 385

É fato que eles existem, portanto, e são heterogêneos e instituintes de iden-


tidades políticas. Embora se saiba muito pouco sobre eles, porém, eles não estão
sozinhos, isolados no campo. Há também os grandes latifundiários, as empresas
rurais, as usinas de cana-de-açúcar, as indústrias de sementes transgênicas e agro-
tóxicos, os especuladores, as mineradoras, os estaleiros, as petroleiras, os grandes
hotéis e resorts, os condomínios privados de luxo, a indústria de papel e celu-
lose, com suas florestas plantadas, e o próprio Estado, com suas grandes obras.
Os primeiros são os sujeitos do atraso, do IDH baixo, das áreas deprimidas, os
extremamente pobres da escala social; os últimos são os sujeitos do desenvolvi-
mento econômico, do Brasil-potência, gigante que desperta do sono profundo.
O território ganha, assim, a forma de um mosaico resultante de um processo
longo de fragmentação social, política e geográfica (Santos, 2010).
De que forma, em termos analíticos, pode-se enfrentar a fragmentação do
mundo e dos sujeitos sem cair na tentação de fragmentar a própria análise
do mundo? Não se está tratando, de fato, de indivíduos que selecionam iden-
tidades, mas de sujeitos que são fruto das relações sociais que travam entre si
e com o meio ambiente. A sociedade não é resultado da agregação de escolhas
individuais que as pessoas selecionam como quem escolhe uma peça de roupa no
varal de identidades suspensas. Ao contrário, a identidade dos sujeitos é também
produto histórico dos confrontos, conflitos e enfrentamentos vividos. E é este
viver em contradição que permite compreender a politização dos modos de vida
como política de r-existência67 dos povos subalternizados, sujeitos históricos que
põem em evidência a sua condição de sujeitos de direitos.
É sabido que os povos do campo e da floresta são sujeitos singulares. Há unida-
de entre estes distintos sujeitos que povoam o rural brasileiro? Para os autores, sim.
E é a questão territorial que permite compreendê-los no interior da questão agrária.
Como afirma Guiomar Inez Germani (Germani, 2009, p. 353),
a questão agrária vai buscar entender a complexidade deste contexto e a maneira
como os diferentes grupos sociais se inserem nele. E esta inserção remete, obriga-
toriamente, a uma questão territorial. Ou melhor, vai ser a questão territorial que
perpassa e articula a questão agrária com os grupos sociais em sua luta para “entrar”
ou “permanecer” na terra, ou melhor, para garantir a conquista ou manutenção dos
seus espaços de vida.
Para superar esse desafio, portanto, optou-se, neste texto, pelo conceito de
território como categoria mediadora, unidade concreta que possibilita apreender o
real em suas dinâmicas contraditórias. Mas o que seria o território? Território, para

67. O termo r-existência, mais que um mero neologismo, ressalta que os sujeitos não apenas reagem aos estímulos
externos, como se o seu estar no mundo fosse de um mero sujeito passivo. Este termo, portanto, realça o caráter
ativo dos sujeitos, que elaboram suas ações e estratégias a partir de práticas e valores próprios. A este respeito, ver
Porto-Gonçalves (2010).
386 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Milton Santos (Santos, 2010), não é um conceito em si, mas um conceito utili-
zável para a análise social, se se encarar sempre a partir do seu uso. Trata-se aqui,
portanto, de território usado, ressaltando, pois, que só interessa cotejá-lo se olha-
do a partir dos sujeitos que o utilizam. De que forma se dariam os processos de
apropriação dos territórios, se o cerne da questão são suas formas de uso e aqueles
que os utilizam? Quem deles se apropria, onde, como, em face de quê e de quem?
Em linhas gerais, território é o espaço físico apropriado; lugar onde as pes-
soas se organizam social, cultural e politicamente. É o local onde se enraízam as
atividades econômico-produtivas, e que, portanto, está não só inserido em um
contexto histórico mas também se constitui na própria história dos sujeitos que
se territorializam, dando significado e sentido particular e original a um determi-
nado espaço apropriado.
Se é assim, portanto, todo território – entendido como espaço usado, ocupado
e significado – é objeto de formas de uso privilegiado por grupos hegemônicos no
processo histórico. O espaço, porém, não é algo inerte, passivo, mera derivação
de formações sociais e econômicas externas (Steinberger, 2006). O espaço social
é um espaço criado que varia no tempo; é um espaço criado, relacional, vivido,
percebido e imaginado. Este espaço criado e vivido existe, porém, dentro dos
limites impostos pelos aparatos legais e institucionais que conferem ao Estado
o importante papel de principal agente econômico legitimamente constituído,
responsável por conectar políticas estatais, processos financeiros e desenvolvimento
industrial (Harvey, 2005). É na medida em que cumpre este papel, pois, que o
Estado, direta ou indiretamente, patrocina inúmeras formas de violação aos direitos
dos povos e das comunidades do campo e da floresta.

4.3 O Estado como aparelho organizador das intervenções dos capitais


sobre os territórios
A partir da segunda metade da década de 1990, a economia brasileira inseriu-se
definitivamente no circuito internacional de acumulação financeira. Para resolver
o problema da dívida externa e das altas taxas de inflação que mantinham o país fora
deste circuito, o governo autorizou a securitização dos débitos estatais, a abertura
do país ao mercado de títulos privados e públicos e a desregulamentação do siste-
ma financeiro,68 permitindo que o capital circulasse sem qualquer tipo de controle
(Paulani, 2010). Este período consolida a hegemonia do setor bancário-financeiro
no interior do bloco no poder.

68. Pensava-se e executava-se assim o projeto de “modernização”, produto do retorno de capitais externos alijados
pelas altas taxas de inflação e pelo problema da dívida externa. A estas medidas seguiram-se outras destinadas a ga-
rantir a solvabilidade dos direitos dos credores. Entre elas, merecem destaque a reforma da Previdência, com ênfase no
corte dos gastos e no estímulo à consolidação de um mercado previdenciário privado, na política monetária baseada
em taxa de juros elevadíssima, na adoção de uma política de controle fiscal bastante rígida e, por fim, na mudança do
perfil de intervenção do Estado na economia, dando impulso à privatização de empresas estatais e serviços públicos
(Filgueiras et al., 2010).
Desenvolvimento Rural 387

Atualmente, novas formas de apropriação da riqueza socialmente produzida


têm sido alvo do capital financeiro, aparecendo comumente sob a insígnia do
capitalismo verde. Os problemas ambientais e a necessidade de encontrar solu-
ções para o “desenvolvimento sustentável” pelas vias de mercado têm conduzido
diversos países a adotar políticas que estabelecem formas diversas de valoração
econômica da biodiversidade. Este processo, contudo, não se iniciou aqui e agora.
Legislações estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), como
a Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais69 e o Tratado
Internacional sobre Propriedade Intelectual (TRIPS), relacionadas ao comércio,
exigem que os países integrantes da OMC modifiquem suas leis nacionais auto-
rizando a propriedade privada de processos e produtos biológicos de aplicação
industrial. Estes tratados constituem a base jurídica que permitiu o desenvolvi-
mento de agrotóxicos, transgênicos, cosméticos, medicamentos e todos os demais
produtos ligados à indústria de biotecnologia (Packer, 2012).
Vale frisar, ainda, que parte dos recursos que irrigam o agronegócio, sobre-
tudo as commodities agrícolas, é captada sob a forma de títulos financeiros em
contratos de entrega futura com agroindústrias de processamento e traders, além
dos contratos de compra a prazo com a agroindústria de insumos (Gonçalves,
2005). A venda antecipada de safras e suas inúmeras modalidades de contrato são
convertidas em títulos financeiros movimentados nas bolsas de valor de todo o
mundo e funcionam como uma das formas primordiais de irrigação de capital na
agricultura. Isto não significa dizer, porém, que o setor pode prescindir do Estado,
pois a securitização das dívidas dos grandes agricultores dá o suporte necessário à
consolidação do mercado de recebíveis, habilitando-os a adquirir crédito privado
das empresas de insumo e de processamento de matérias-primas a custos mais
baixos que as taxas aplicadas pelo setor bancário.
A valoração econômica de processos biológicos tem gerado variados efeitos.
O primeiro e principal deles é que, a despeito dos avanços econômicos recen-
tes dos países pobres e dos chamados emergentes, a fome no mundo não caiu,
atingindo mais de 900 milhões de pessoas em 2010 (FAO, 2012). Contradito-
riamente, o lucro da Monsanto do Brasil Ltda., maior proprietária de patentes
sobre sementes no mundo, atingiu US$ 1 bilhão, mesma cifra estimada para o
pagamento de royalties pelo Brasil na safra 2009-2010 (Packer, 2012).
Após a crise global de 2008, o sistema especulativo financeiro deslocou-se para
as matérias-primas agrícolas e minerais, provocando aumentos substantivos nas ta-
xas de inflação ancoradas no preço dos alimentos. Segundo apontou a própria FAO
em relatório, apenas 2% dos contratos que têm por objeto a compra e a venda de

69. Comumente chamada de Convenção UPOV (sigla em francês para Union Internationale pour la Protection des
Obtentions Végétales; em português: União para Proteção das Obtenções Vegetais).
388 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

commodities chegam a realizar a entrega de alguma mercadoria.70 Além disso, a es-


peculação com matérias-primas a partir dos fundos indexados aumentou 2.300%.
Isto desencadeou uma imensa corrida por terras no Brasil e em outros países for-
necedores de matérias-primas.71 Os preços dos alimentos dispararam em todo o
mundo, gerando revoltas em mais de 37 países (Ziegler, 2012).
O setor financeiro, porém, não se apropria dos recursos naturais apenas por
meio de contratos de compra e venda de produção agrícola ou mineral. Está em
curso a constituição de um mercado de bens comuns, que pretende agregar valor
monetário aos componentes da biodiversidade. O sistema consiste basicamente
na permissão de compra e venda de serviços ambientais, que se realiza por meio
de um título ou uma certidão que comprovará a entrega do serviço. Estes títu-
los constituem novos ativos negociáveis no mercado financeiro, que dão ao seu
comprador o direito de continuar desmatando e degradando. Este novo merca-
do72 está na ordem do dia nas discussões do novo Código Florestal, que prevê a
constituição de um grande mercado de carbono, com valoração econômica das
florestas nativas brasileiras.
Os marcos jurídico-políticos dessa iniciativa foram dados recentemente, com a
Política Nacional de Biodiversidade (PBN). Instituída pelo Decreto no 4.339/2002,
a PNB tem como um de seus fundamentos intrínsecos a possibilidade de valo-
ração econômica, estimulando a interação e a articulação do setor empresarial
para identificar negócios rentáveis, que tenham por objeto a utilização em escala
comercial dos componentes da biodiversidade. A partir dela, tiveram início as
parcerias público-privadas na gestão de unidades de conservação73 e a concessão
de florestas públicas.74

70. O comércio internacional de produtos agrícolas, segundo aponta Jean Ziegler (2012), atinge pouco mais de 10%
da produção de todas as culturas. Isto significa dizer que se todos os detentores de contratos de compra e venda
resolvessem receber a mercadoria previamente comprada, não haveria produção suficiente para atender a demanda.
O mecanismo funciona da seguinte forma: os produtores vendem sua produção por um preço prefixado na colheita.
Assim, em caso de queda no preço no momento da entrega, o agricultor está protegido pelo preço previamente ajus-
tado em um contrato a termo. Em caso de alta no preço dos alimentos, entretanto, os especuladores saem ganhando.
71. Segundo aponta Larissa Packer (Packer, 2012), somente a China anunciou dispor de US$ 30 bilhões para aquisição
de terras no país.
72. A esse respeito, vale ressaltar que foi criada, no Rio de Janeiro, a Bolsa Verde do Rio (BVRio), primeira bolsa de
valores que pretende desenvolver o mercado de ativos ambientais, sobretudo os créditos de carbono e papéis relacio-
nados ao novo Código Florestal, financiando e transformando áreas de preservação permanente e reserva legal em
ativos financeiros negociáveis.
73. A Lei no 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), estabe-
lece e define as diferentes categorias de unidades de conservação existentes no território nacional. Atualmente, as Re-
servas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) – categoria de unidade de conservação definida no SNUC –, podem
ser criadas por mera declaração de vontade do particular, indicando área de sua propriedade como espaço territorial
especialmente protegido. Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), existem
570 RPPNs no país. Em 2011, o MP e o MMA anunciaram acordo para concessão à iniciativa privada de unidades de
conservação federal. No plano estadual, diversos governos têm anunciado a concessão de unidades de conservação à
iniciativa privada, sobretudo para a exploração de turismo rural e/ou ecológico.
74. A concessão de florestas públicas é regida pela Lei no 11.284/2006. A cada ano, o ICMBio seleciona as florestas
que serão submetidas a processo licitatório. Em 2012, o Plano Anual de Outorga Florestal previu a concessão de 4
milhões de hectares de florestas públicas.
Desenvolvimento Rural 389

Nas unidades de conservação de uso sustentável, vive, porém, um grande nú-


mero de populações tradicionais que necessitam regularizar a sua situação fundiária.
Isto ocorre também em unidades de conservação de proteção integral, cuja situ-
ação é ainda mais delicada, em razão das restrições às formas de uso e à possibili-
dade de permanência nestes territórios.
Isso converte as políticas direcionadas aos povos e às comunidades tradicio-
nais em uma política de manutenção de estoque de serviços ambientais, negociá-
veis em um mercado em que o Estado, mediante contratos públicos e pagamento
de bolsas, define quem vende e quem compra o direito de continuar degradando
e poluindo75 (Packer, 2012).
Ressalte-se que essas medidas supõem que somente a valoração econômica
da biodiversidade e a regulação do direito de propriedade sobre os bens comuns
são capazes de garantir formas de uso sustentável da natureza e a sua conservação.
Em outras palavras, só o mercado pode resolver o problema ambiental.
Contudo, conforme pondera Larissa Packer (Packer, 2012), há uma contradição
impassível de resolução pelas vias mercadológicas, visto que,
ao regulamentar o marco nacional para estruturar este novo mercado sobre a bio-
diversidade e os “serviços ambientais”, o Brasil pode controlar o custo de opor-
tunidade entre avançar com soja sobre a Amazônia ou manter a floresta em pé,
jogando com o valor da commodity agrícola ou da commodity ambiental no mercado
especulativo. O que se verifica no país é uma interdependência ou atrelamento
da chamada “economia verde” à “economia marrom”. Quanto mais poluição
e desmatamento gerados pela indústria ou pelo agronegócio, maior o valor dos
“ativos ambientais”, valorizados com a escassez da mercadoria que representam – a
biodiversidade (Packer, 2012, p. 125).
Esse conjunto de medidas consolida, concretamente, a garantia de priorida-
de absoluta aos direitos do capital, o ocultamento das relações capital-trabalho e
a despolitização da política econômica e industrial. Ao mesmo tempo, promove a
abertura de novos espaços para a valorização do capital, expressando uma das vias
de inserção da economia brasileira no plano global.
Além disso, o capital tem na apropriação dos fundos públicos um dos meios
de garantir a sua própria reprodução. Em outras palavras, os subsídios, as deso-
nerações tributárias, os incentivos fiscais, a redução da tributação da renda do ca-
pital, a apropriação de políticas sociais, os investimentos em meios de transporte,
energia e infraestrutura e os gastos com pesquisa orientada ao setor privado vêm
ganhando força na pauta política e econômica. Esta é a via histórica brasileira,
motivo pelo qual o Estado funcionou sempre como locomotiva do processo de
acumulação (Paulani, 2010).

75. O estado do Acre já possui um sistema estadual de serviços ambientais e uma agência reguladora que visa nego-
ciar títulos referentes à prestação de serviços ambientais.
390 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Assim, a composição de forças no interior do bloco no poder determina, em


síntese, as políticas estratégicas e as periféricas, ou, em outros termos, a grande e a
pequena política de Estado.76 Esta classificação, longe de representar um dualismo
simplista, expressa um dos modos pelos quais funciona o processo de apropriação
da maior parte da riqueza socialmente produzida por aqueles que não a produzem.
O crescimento exponencial dos segmentos vinculados às commodities na
conjuntura atual vem alterando a composição do bloco no poder, com a inclu-
são de segmentos do capital nacional na hegemonia financeiro-exportadora. Esta
inclusão é resultado da redução das restrições externas, sobretudo entre 2003 e
2007, quando a economia mundial cresceu, em média, 4,5% ao ano (a.a.). Este
crescimento é produto dos novos fluxos comerciais e financeiros que conectaram
a China e seus parceiros comerciais ao eixo de acumulação capitalista protagoni-
zado pelos Estados Unidos (Pinto, 2010).
A aposta nas commodities e no incremento das exportações tem respaldo na
naturalização da ideia de que uma economia deve, necessariamente, gerar saldos
da balança comercial. Mas que significa, de fato, ter uma economia dependente
da geração de saldos da balança comercial? Longe de parecer opção positiva, por
sua própria natureza, ou uma mera escolha técnica, uma economia que funciona
à base da geração de saldos da balança comercial significa, entre outras coisas, que
ela tem sua produção vinculada ao meio externo e que as diretrizes de políticas
econômicas e o regime de acumulação estão subordinados à dinâmica dos países
centrais (Delgado, 2010). Significa também que as economias locais e as pessoas
que produzem em seus territórios de vida e trabalho devem destinar seus maiores
esforços, solos e subsolos para o exterior. Assim, os produtores diretos e o lugar da
produção são meros instrumentos para a consecução de intervenções territoriais,
cuja finalidade é determinada de fora para dentro (Porto-Gonçalves, 2010).
De 2002 a 2011, a participação de commodities brutas, beneficiadas e in-
dustrializadas no total das exportações, passou de 52,85% para 69,78% da pauta
exportadora (tabela 23). Por seu turno, os produtos manufaturados tiveram que-
da expressiva em um curto espaço de tempo, sintoma que vem confirmando a
hipótese de reprimarização da economia brasileira.

76. A grande política, segundo Antonio Gramsci (2007), é aquela ligada à luta pela destruição, defesa e/ou conserva-
ção de estruturas econômico-sociais orgânicas de um dado sistema de ordenação da economia e do poder. A pequena
política, por sua vez, compreenderia as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura
já estabelecida, decorrência das lutas pela hegemonia travada entre as diversas frações de uma mesma classe política.
Integra a natureza da grande política, segundo Gramsci (2007), a tentativa de excluir-se do âmbito interno da vida
estatal, reduzindo as opções e disputas ideológicas ao plano da pequena política. Esta parece ser a relação histórica
estabelecida pelas frações hegemônicas do capital em relação à política de reforma agrária.
Desenvolvimento Rural 391

TABELA 23
Participação efetiva das commodities nas exportações (2002 e 2011)
2011 2002
Itens de exportação Valor Valor Participação
Participação (%)
(US$ bilhões) (US$ bilhões) (%)
Commodities brutas 122,45 47,83 16,9 28,08
Commodities beneficiadas 36,026 14,07 8,9 14,85
Commodities industrializadas 20,1 7,88 5,98 9,92
Produtos manufaturados 72,094 28,17 27,01 44,75
Operações especiais 5,2/3,1 2,05/1,23 1,44/0,867 2,39/1,44
Total 256,04 100,00 60,3 100,00

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Secex/MDIC).
Elaboração: Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Isso significa dizer que não se trata de uma tendência de especialização na


margem, mas de um processo de especialização regressiva de tal monta que o con-
junto da economia tem como um de seus eixos a intensificação da exploração da
natureza. Isto requererá não só investimentos diretos para setores específicos mas
também a captura de um amplo aparato estatal, que deverá dar sustentação a este
padrão de acumulação. Esta configuração econômica adquire uma espacialidade
específica, que conduz a investigar de que forma se sustentam os setores ligados
à exploração extrativa-mineral e ao agronegócio, levando-se em consideração a
lógica territorial intrínseca a este movimento.
Um dos efeitos imediatos ao incremento do peso dos setores ligados às
commodities na economia brasileira pode ser inferido pela verificação da quan-
tidade de produtos exportados. Entre 2003 e 2011, as commodities tiveram
aumento de quantidades exportadas muito expressivo, como mostra a tabela
24. Neste período, a única commodity com diminuição na quantidade expor-
tada foi o alumínio. A quantidade de soja em grão cresceu 65,8%; a celulose,
94,4%; e o minério de ferro, 89,1%.

TABELA 24
Quantidade exportada das principais commodities (2003-2011)
(Em 1 mil t)
Produtos 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Soja em grão 19.890 19.248 22.435 24.958 23.734 24.499 28.563 29.073 32.985
Farelo de soja 13.602 14.486 14.422 12.332 12.474 12.288 12.253 13.668 14.355
Açúcar bruto 8.354 9.566 11.579 12.807 12.443 13.624 17.925 20.939 20.153
Açúcar refinado 4.561 6.198 6.568 6.063 6.916 5.848 6.368 7.061 5.204
Suco de laranja 1.590 1.584 1.777 1.772 2.066 2.054 2.069 1.978 2.007
Carne bovina 620 925 1.085 1.225 1.286 1.023 926 951 820
Celulose 4.566 4.987 5.545 6.238 6.570 7.202 8.586 8.793 8.880
(Continua)
392 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

(Continuação)
Produtos 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Minério1 175 218 224 243 269 282 266 311 331
Alumínio 656 583 561 614 581 547 649 525 487
Petróleo 12.607 12.036 14.313 19.191 21.974 22.371 26.749 32.602 31.258
Fonte: Secex/MDIC.
Elaboração: AEB.
Nota: 1 Milhões de toneladas.

O aumento da demanda por produtos e a intensificação do processo de


exploração e produção contribuem para a expansão horizontal da área ocupada
pelos setores “produtores” e “extratores”. Dada a função macroeconômica que
possuem, agronegócio e indústria de commodities também pressionam o Estado
a responder com subsídios, crédito e incentivos a setores específicos, financiando
diretamente a expansão dos cultivos e empreendimentos industriais correlatos.77
Aqui fica ainda mais visível como se organiza um conjunto heterogêneo de inte-
resses privados a partir de políticas públicas, por meio das quais o Estado assume
o papel de aparelho organizador das intervenções do capital sobre os territórios.
Para garantir o cumprimento de sua função macroeconômica, o setor ten-
de a sustentar seu crescimento na expansão horizontal da área agrícola ocupada.
Para ilustrar, os dados da Pesquisa de Produção Agrícola Municipal (PAM) para o
período 2000-2009 apontam que a área plantada de soja no Brasil cresceu 58,9%,
passando de 13,6 milhões de hectares para 21 milhões de hectares. Por sua vez, a
produção cresceu 56,9% no período, o que implica dizer que a elevação da produção
está apoiada basicamente na incorporação de área. A aposta brasileira, portanto, ba-
seada na intensificação da exploração dos recursos naturais, conduz o modelo a uma
expansão concentrada da propriedade fundiária, monopolizando a renda da terra.

77. Evidentemente, a expansão do agronegócio está sustentada, em parte, nas operações da política de crédito rural,
que assumiu sempre um forte viés indutor das culturas a serem cultivadas, do lugar e modo de produzi-las, reforçando
a tendência concentradora e especializante da estrutura produtiva.
Desenvolvimento Rural 393

GRÁFICO 3
Evolução da área plantada de cultivos agrícolas selecionados (2003 e 2010)
(Em ha)
25.000.000

20.000.000

15.000.000

10.000.000

5.000.000

0
Arroz (em casa) Cana-de-açúcar Feijão (em grão) Mandioca Soja (em grão) Trigo (em grão)

2003 2010

Fonte: PAM/IBGE.

O predomínio de áreas dedicadas à produção de commodities e o pacote pro-


dutivo baseado em plantações em larga escala têm conduzido o país a um proces-
so de especialização produtiva em termos espaciais, com o distanciamento cada
vez maior da produção de alimentos dos centros consumidores. Com isso, o país
tem se tornado cada vez mais vulnerável às flutuações dos preços internacionais de
petróleo, que geram efeitos inflacionários perversos para a população mais pobre.
Como demonstra a figura 1, a partir da década de 1980, cresceram as áreas
de produção agrícola na região Centro-Oeste, bem como em pequenas áreas do
sul do Maranhão e do oeste da Bahia. A expansão da agricultura por estas áreas
deu-se basicamente pela supressão dos cerrados para territorializar a produção de
grãos (milho e soja). A expansão canavieira por São Paulo contribuiu para que
a pecuária migrasse para o Norte, exercendo forte pressão sobre a Amazônia, ao
passo que a expansão da área de cana-de-açúcar em Goiás e no Mato Grosso do
Sul tem deslocado a produção de soja para Bahia, Piauí, Maranhão e Tocantins.
394 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

FIGURA 1
Migração da produção agrícola ao longo do tempo (1980 e 2007)

Fonte: PAM de 1980 e 2007.


Elaboração: IBGE.

O redirecionamento de parte dos gastos públicos deu-se, nos últimos anos,


no sentido de intervir seletivamente em políticas industriais, estimulando setores
exportadores. Estas medidas se vinculam a uma política de “integração regional”,
com participação decisiva do BNDES,78 responsável pela coordenação e o fomen-
to das atividades desenvolvidas pelo setor privado. Com o aumento sucessivo dos
desembolsos ao longo dos últimos anos, o BNDES tornou-se o principal finan-
ciador de longo prazo da indústria de transformação e de infraestrutura (Boschi,
2010). Também passou a assumir papel de destaque no processo de concentração
produtiva de setores estratégicos,79 sobretudo naqueles em que fusões e aquisi-
ções têm por finalidade internacionalizar grandes grupos econômicos.

78. Mesmo nos seus períodos iniciais (1952-1958), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
tinha uma lógica territorial intrínseca às suas intervenções. A priorização de financiamentos em infraestrutura, na déca-
da de 1950, tinha por escopo a integração econômica das áreas urbanas, cuja fragmentação freava o desenvolvimento
urbano-industrial. O seu primeiro financiamento, em 1952, realizado com a Rede Ferroviária Federal, tinha por objetivo
estreitar a ligação entre o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, principais polos do Sudeste. Concentrando 75%
dos investimentos nesta região, o banco deu impulso decisivo à metropolização destas áreas.
79. No setor petroquímico, o BNDES atuou no processo de incorporação dos ativos da Copesul – Indústria Química e Meio
Ambiente, da Ipiranga, da Petroquímica Paulina e da Petroquímica Triunfo pela Braskem, do grupo Odebrecht. Em troca,
a Petrobras passou a deter 30% do capital votante e 25% do capital total da empresa. A última movimentação em
curso, que concentrará ainda mais o setor, é a possível incorporação da Quattor (controlada pela Petrobras e pela
Unipar) pela Braskem. No setor de alimentação, o governo articulou a entrada deste banco e dos fundos de
pensão para alavancar a fusão entre Sadia e Perdigão, formando a Brasil Foods (BRF), empresa que se tornou a
maior exportadora de carnes processadas do mundo e terceira maior exportadora brasileira. No setor de carnes,
subsidiou a aquisição da Seara pelo grupo Marfrig, bem como atuou na fusão dos grupos Bertin e JBS Friboi.
No setor de papel e celulose, participou da fusão entre a Votorantim Celulose e Papel e a Aracruz Papel e Celulose,
dando origem à maior empresa do mundo de celulose de fibra curta e quarta maior de celulose total. No setor sucroal-
cooleiro, o banco vem fornecendo fortes subsídios para a construção de usinas e expansão de áreas de plantio de cana
(Milanez, Barros e Faveret Filho, 2008).
Desenvolvimento Rural 395

A atuação do banco tem contribuído para a manutenção do crescimento do


crédito bancário no Brasil. O volume de recursos emprestados aumentou 391%
nos últimos anos, maior que o volume total disponibilizado pelo Banco Mundial
(Garcia, 2011). Isto vem reforçando o papel crucial que esta instituição representa
no processo recente de ordenação do território. De 2002 a 2011, o BNDES ele-
vou os desembolsos anuais para a agropecuária, com incrementos totais da ordem
de 216,44%. Em todo o período, o agronegócio recebeu R$ 60,8 bilhões, o que,
frise-se, não representa a totalidade dos recursos públicos apropriados por este setor.
A indústria extrativa mineral, por sua vez, recebeu este mesmo valor entre 2006 e
2009, cifra que revela sua importância crescente entre os setores de exportação.
Os efeitos territoriais destes investimentos são evidentes. Veja-se, por exem-
plo, o que ocorreu com o setor sucroalcooleiro, a indústria de papel e celulose e
o setor mineral.
As informações referentes aos projetos financiados no setor sucroalcooleiro
indicam que essa expansão horizontal não se dá de forma espontânea. Dos 111
projetos de investimento apresentados ao BNDES em 2008, 56 previam dis-
pêndios com o aumento da área agrícola para cultivo de cana (Milanez, Barros e
Faveret Filho, 2008). De acordo com o somatório dos projetos, seriam acrescidos
968 mil ha de área plantada, dos quais 182 mil ha seriam cultivados em área pró-
pria e o restante, via arrendamentos e/ou contratos de parceria. Esta estratégia,
ao mesmo tempo que diminui a necessidade de imobilizar capital, “socializa” os
riscos do sistema produtivo no interior da cadeia de fornecedores, que terão de
contratar trabalhadores para realizar o corte da cana.
No setor de papel e celulose,80 o papel indutor da ocupação de área pelo
banco segue o mesmo passo. Nos últimos dez anos, o BNDES direcionou
R$ 13,8 bilhões, sobretudo para os projetos de celulose e a fusão de empresas do
setor. Além de todo o investimento em infraestrutura, o banco foi diretamente
responsável pela expansão horizontal do plantio de florestas em 1,174 milhão de
ha (gráfico 4). Comparando-se os dados do BNDES com os dados de expansão de
florestas plantadas da Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas
(ABRAF), é possível inferir que o banco financiou diretamente 41% dos plantios
de eucalipto e 29% dos plantios de pinus em todo o Brasil (Vidal e Hora, 2011).

80. Estimativas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) apontam que, entre 2001
e 2010, as florestas plantadas no mundo cresceram em média 2,1% ao ano (a.a.), ao passo que no Brasil este cres-
cimento foi de 3,7% a.a. Segundo a Associação de Produtores de Florestas Plantadas (ABRAF), entre 2005 e 2010,
o plantio de eucalipto se expandiu para um maior número de estados, indicando a abertura de novas fronteiras ao
setor: enquanto em 2005, 70% das florestas de eucalipto estavam concentradas nos estados de Minas Gerais, São
Paulo e Bahia, em 2010 Tocantins e Piauí aparecem no cenário, e Mato Grosso do Sul aumentou sua participação de
3% para 8%.
396 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

GRÁFICO 4
Distribuição da área de expansão de florestas plantadas financiadas pelo BNDES
(2001-2010)
(Em %)
35
30
25
20
15
10
5
0
São Paulo

Bahia

Espírito Santo

Minas Gerais

Paraná

Pará

Rio Grande do Sul

Santa Catarina

Maranhão

Piauí
Fonte: BNDES.

A distribuição espacial dos desembolsos do BNDES começa a apresentar


mudanças tênues nos últimos anos. As regiões Norte e Nordeste passam a receber
mais recursos a partir de 2008, embora o padrão concentrador dos investimentos
siga elevado. No discurso institucional, isto ganha conotação positiva, na medida
em que aponta para a desconcentração de investimentos produtivos, a diminui-
ção das desigualdades regionais e a democratização da política de desenvolvimen-
to. Mas o que isso significa de fato? Em outros termos, que investimentos estão
sendo realizados pelo BNDES no Norte e no Nordeste? Para quê e para quem?
No Norte, os investimentos estão concentrados nas grandes usinas hidrelétri-
cas e em obras de infraestrutura; no Nordeste, por seu turno, em ferrovias e portos.
Na região Norte, existem 82 obras de grande porte previstas e/ou em operação,
afetando ao menos 43 povos indígenas. Estas obras, porém, não se destinam ape-
nas ao setor agropecuário. Um dos principais setores atendidos por estes investi-
mentos é o setor mineral (Verdum, 2012).
A mineração cresceu bastante em importância econômica na última década.
Se entre 1980 e 1990 as taxas médias anuais de crescimento do setor mineral
foram inferiores ao crescimento do produto interno bruto (PIB), na década de
2000 tal movimento sofre uma inflexão para cima, com taxas de crescimento de
10% a.a., fruto da aceleração da demanda mundial por minerais, a qual propiciou
uma forte elevação dos preços internacionais.
A inserção do país na rota da intensificação da exploração mineral, porém,
guarda relação com a grande disponibilidade de alguns bens minerais bastante
demandados em âmbito mundial. O Brasil é um exportador com grande influência
no mercado global na extração de nióbio, minério de ferro, manganês, tantalita,
Desenvolvimento Rural 397

grafita e bauxita (Ibram, 2010). Possui também posição destacada na exportação


de níquel, magnésio, caulim, estanho, cromo e ouro. Além desta produção, o país
detém uma das maiores reservas mundiais de minerais estratégicos, fato que lhe
dá maior margem para interferir nos preços dos produtos. Isto vem alavancando as
perspectivas de investimento do setor, que deverá atingir, segundo levantamento
do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), US$ 68,5 bilhões até 2015.
A produção mineral do país é historicamente concentrada em Minas Gerais e
Pará. Contudo, nos últimos anos, a expansão da atividade vem provocando a dimi-
nuição do peso relativo destes dois estados. Levando-se em consideração a arrecadação
da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), vê-se que a atividade
está enraizada em todo o país, a despeito da existência de uma imensa fronteira aberta
à expansão da atividade na região Norte. Minas Gerais (48%), Pará (28%), Goiás
(5%), São Paulo (4%) e Bahia (2,7%) possuem a maior arrecadação da CFEM.
A evolução dos títulos minerários ilustra, por sua vez, o momento promissor
vivido pelo setor, estimulado por expectativas de crescimento da ordem de 10%
a 15% para os anos próximos. Após queda brusca do número de títulos emitidos
pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), o número de con-
cessões passa a aumentar continuamente de 2000 a 2008, quando a crise econô-
mica esfria as expectativas do setor.

GRÁFICO 5
Evolução dos títulos minerários (1988-2011)
(Em unidade)
70.000

60.000

50.000

40.000

30.000

20.000

10.000

0
1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

Cessões de direitos aprovadas Licenciamentos outorgados Alvarás de pesquisa publicados


Registros de extração Concessões de lavra outorgadas Requerimentos protocolados
Permissões de lavra Relatórios de pesquisa aprovados
garimpeira outorgadas

Fonte: DNPM.

Para dar cabo das perspectivas de expansão, o governo insere nos PACs
1 e 2 o desenvolvimento da cartografia geológica dos territórios amazônicos e
não amazônicos, mapeando áreas onde será possível encontrar recursos minerais.
398 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Aproximadamente 25% do território foi mapeado com alta resolução. O PAC 2 pre-
vê o mapeamento em alta resolução de mais de 1 milhão de km², medida essencial
para a definição de ambientes geológicos favoráveis à presença de recursos minerais.
A expansão da atividade tem gerado, por sua vez, intensa expectativa de mu-
dança nos marcos regulatórios81 do setor. A reforma do Código de Mineração en-
trou na ordem do dia e expressa, em síntese, os objetivos já indicados pelo governo
no Plano Nacional de Mineração 2030, lançado em 2011. O Plano Nacional de
Mineração 203082 apresenta diretrizes gerais para áreas de geologia, recursos mine-
rais, mineração e transformação mineral. Segundo o documento, o novo marco re-
gulatório deverá contemplar a ampliação e intensificação da exploração; promover
a verticalização do setor, por meio das indústrias de base; aumentar a participação
do Estado nos resultados econômicos, rediscutindo-se as alíquotas incidentes so-
bre a exploração e acerca dos municípios habilitados a pagamento de royalties; e
desenvolver instrumentos de mitigação dos impactos ambientais (Milanez, 2012).
Além do Código de Mineração, outro projeto importante vem sendo discutido no
Congresso Nacional, apontando a Amazônia como território a ser anexado à expansão
das atividades minerais. Elaborado em 1996, o Projeto de Lei no 1.610/1996 foi desen-
gavetado e colocado em discussão no Congresso Nacional. O documento pretende, em
síntese, regulamentar o Artigo 231 da Constituição Federal,83 que trata da mineração
em terras indígenas. Paralelamente, o Projeto de Lei no 44/2007 é apresentado no Con-
gresso Nacional propondo a suspensão do Decreto no 4.887/2003, que regulamenta os
processos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das ter-
ras ocupadas por quilombos. Este projeto tornaria competência exclusiva do Congresso
Nacional tal atribuição, extensível também ao reconhecimento e à demarcação de terras
indígenas. Caso seja aprovada a proposta, não haverá nenhum marco normativo capaz
de orientar o Estado nos processos de titulação dos territórios. Por que estas proposições
normativas surgem agora? Por que, quinze anos após sua formulação, um projeto de lei
é resgatado dos escaninhos do Congresso Nacional e passa a compor a agenda de discus-
sões e votações? Embora não seja o motivo único, as figuras 2 a 4 sintetizam os motivos

81. Desde 2004, foi lançado um conjunto de iniciativas que pretendem amparar a expansão do setor nos próximos anos, as quais
vão desde a elaboração de planos estratégicos e novos marcos regulatórios até a ampliação do conhecimento técnico sobre o ter-
ritório. Entre as iniciativas, estão o Programa Nacional de Mapeamento Geológico – Pronageo (2004); a criação da Rede Brasileira
de Informação dos arranjos produtivos locais (APLs) de base mineral (2004); a publicação da Carta Geológica do Brasil ao Milioné-
simo (2004); o aumento do conhecimento geológico e geofísico do território, com recursos do Plano Plurianual de Investimentos
(2006); o lançamento do Programa Nacional de Formalização da Produção Mineral (2006); a implantação de 57 telecentros
minerais (2006-2010); a elaboração da Cartografia Geológica, Náutica e Terrestre da Amazônia (2008); o lançamento do Progra-
ma Nacional de Extensionismo Mineral (2008); o lançamento do Plano Nacional de Agregados Minerais para Construção Civil
– PNACC (2008); a publicação do mapa da geodiversidade do Brasil, na escala 1:2.500.000 (2008); o aumento do conhecimento
geológico e geofísico do território, com recursos do PAC (2008); o lançamento do Plano Nacional de Mineração 2030 – PNM
2030 (2010); e, por fim, a elaboração do novo marco regulatório e a criação da Agência Nacional de Mineração – ANM (2010).
82. O Plano pretende nortear as políticas direcionadas ao setor no médio e longo prazo, antes dele outros três planos
foram elaborados (I PMD 1965/1974; II PDM 1981/1990; PPDSM 1994).
83. O Artigo 231, § 3o , da Constituição Federal, estabelece que “o aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos
os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados
com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos
resultados da lavra, na forma da lei” (Brasil, 1988).
Desenvolvimento Rural 399

pelos quais tanto o reconhecimento e a demarcação dos territórios tradicionalmente


ocupados quanto a política de reforma agrária necessitam ser paralisadas. Existem, se-
gundo levantamento baseado em dados de 2010, 5.473 processos minerários expedidos
em territórios indígenas, 6.429 processos minerários em assentamentos de reforma agrá-
ria e 245 em territórios quilombolas já titulados.84 As figuras a seguir revelam as sobre-
posições existentes entre áreas de concessão de títulos minerários e terras indígenas
(figura 2), assentamentos rurais (figura 3) e territórios quilombolas (figura 4).

FIGURA 2
Terras indígenas e títulos minerários

Títulos minerários Terras indígenas


Fonte: Ministério do Meio Ambiente.
Elaboração dos autores a partir do I3geo.
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).

84. Os dados estão subestimados para os quilombos, pois não estão incluídos no universo pesquisado os já reconhecidos
pela Fundação Cultural Palmares.
400 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

FIGURA 3
Assentamentos rurais e títulos minerários

Títulos minerários Assentamentos rurais


Fonte: acervo fundiário – Incra.
Elaboração dos autores a partir do I3geo.
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Desenvolvimento Rural 401

FIGURA 4
Territórios quilombolas e títulos minerários

Títulos minerários Territórios quilombolas


Fonte: acervo fundiário – Incra.
Elaboração dos autores a partir do I3geo.
Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).

Esse processo traduz-se, em síntese, em proliferação de conflitos por todo o


país. Na região Norte, está em andamento a maior obra de infraestrutura geradora
de conflitos no país: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, situada nas proximidades
de Altamira, no Pará, às margens da volta grande do rio Xingu. Este conflito não é
recente, tem origem na década de 1970, quando entrou na pauta do governo o apro-
veitamento do potencial hidrelétrico da Amazônia, tendo em vista a industrialização
402 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

da região.85 A nova geografia da produção e distribuição da energia que vem sendo


construída promete alavancar ainda mais os impactos socioambientais e os conflitos
na região. O Plano Nacional de Energia Elétrica 1987-2010 previa a construção de
165 hidrelétricas até 2010, quarenta delas na Amazônia Legal.
No Nordeste, os posseiros, os movimentos sociais e os quilombolas lideram
os casos de conflitos rurais. Em Caetité, na Bahia, comunidades quilombolas dis-
putam terra com empresas de energia eólica, ao mesmo tempo que posseiros lutam
contra os impactos da exploração de urânio. A cidade registra ainda quatro casos
de conflito pela diminuição do acesso à água, decorrente da atividade da empresa
mineradora. No Ceará, em Caucaia, uma comunidade indígena disputa terra com
Vale e Petrobras; em Itatira, pequenos proprietários enfrentam uma mineradora
de urânio. Em Açailândia, no Maranhão, assentados e posseiros conflitam com a
Vale; os quilombolas de Alcântara continuam resistindo em seus territórios ante
a pretensão da Aeronáutica; em Aldeias Altas, posseiros disputam terra com a TG
Agroindustrial, empresa fabricante do álcool etílico carburante; em Alto Alegre,
posseiros vivem sob ameaça da KBF Participação e Empreendimentos Ltda.; e em
Anapurus, eles disputam com a Suzano Celulose.
Assim como na região Norte, também se registram no Nordeste conflitos
derivados de grandes obras: é o caso dos posseiros atingidos pela construção da
ferrovia Transnordestina e do Complexo Industrial Portuário de Suape, em São
Lourenço da Mata. Pernambuco concentra um terço dos conflitos por água do
Nordeste e 16% dos conflitos por água do país. No Rio Grande do Norte, em
Apodi, assentados estão em conflito com o projeto de irrigação da Chapada do
Apodi, constante do PAC; já em Guamaré, o conflito se dá em razão da destruição e
poluição causadas pelo Parque Eólico Brasventos , constante do PAC (CPT, 2012).
No Nordeste, um dos casos de conflito por terra que ganhou notoriedade
pública foi o do quilombo Rio dos Macacos, comunidade negra rural situada em
Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, onde vivem cerca de setenta
famílias há mais de um século. Seus antepassados trabalhavam como escravos no

85. Na época, o rio Xingu e seus afluentes foram mapeados para definição de pontos mais favoráveis para barramen-
tos. Na década de 1980, a Eletronorte inicia os estudos de viabilidade técnica e econômica do chamado Complexo
Hidrelétrico de Altamira. Em 1989, foi realizado o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira, patrocinado
pelos Kaiapós, contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu. O encontro ganhou imprevista notoriedade,
com a maciça presença da mídia nacional e estrangeira, de movimentos ambientalistas e sociais. Durante a exposição
de Muniz Lopes (então presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis –
Ibama) sobre a construção da usina Kararaô, a índia Tuíra levantou-se da plateia e encostou a lâmina de seu facão
no rosto do diretor da estatal, em sinal de advertência e para expressar sua indignação. O evento é encerrado com o
lançamento da Campanha Nacional em Defesa dos Povos e da Floresta Amazônica, exigindo a revisão dos projetos
de desenvolvimento da região, a Declaração Indígena de Altamira e uma mensagem de saudação do cantor Milton
Nascimento. O encontro é considerado um marco do socioambientalismo no Brasil.
Desenvolvimento Rural 403

engenho Aratu.86 Mesmo com a ocupação da área pela Marinha, na década de


1960, a comunidade nunca se ausentou do território. Em 2009, a comunidade
encaminhou à Fundação Palmares um pedido de reconhecimento como remanes-
cente de quilombo,87 o que lhe permitiria a posse definitiva da área. No mesmo
ano, com intuito de expandir a base naval de Aratu, sob justificativa de interesse
estratégico para a defesa nacional, a Marinha encaminhou à Procuradoria-Geral
da Bahia pedido de reintegração de posse do território.88 Desde a entrada da Ma-
rinha na região, moradores da comunidade relatam abusos de ordem física, verbal
e psicológica, além de violação de direitos humanos: proibição de circulação livre,
de frequentar a escola, de plantar roça e criar animais, de construir ou reformar
as casas; agressões físicas; dificuldade de acesso a luz, água e atendimento médico;
invasão e expulsão de domicílios e demolição de casas; assédio diário à comunida-
de; e uso ostensivo de armamento89 (Associação..., 2012).
Na região Sudeste, os conflitos atingiram sem-terras, quilombolas, indígenas
e movimentos sociais. No Espírito Santo, em Anchieta, comunidades indígenas
estão em litígio fundiário com a Companhia Siderúrgica Ubu; em São Mateus,
quilombolas disputam território com a Aracruz Celulose; em Linhares, comunida-
des de pescadores acusam a Transpetro e a Petrobras de poluírem a água. Em Minas
Gerais, na capital Belo Horizonte, há conflitos entre quilombolas e a Construtora
Patrimar; em Rio Pardo de Minas, há conflito entre os geraizeiros e a Destilaria
Meneghetti, produtora de eucalipto. Minas Gerais ainda registra conflitos por água
em Abre Campo, Aimorés, Berizal, Claro dos Poções, Diogo de Vasconcelos e São
João do Paraíso em virtude da instalação de usinas hidrelétricas e da ameaça de
expropriação. No Rio de Janeiro, em São João da Barra, há conflitos por terra entre
pequenos proprietários e a empresa EBX; em Campos, entre movimentos sociais
e a usina Sapucaia. Há denúncias de poluição das águas das baías de Sepetiba e da
Guanabara, causada por Vale e Petrobras, respectivamente. Em São Paulo, sobressai
o número de conflitos entre movimentos sociais e grandes fazendeiros e entre estes
e os assentados e sem-terras.

86. Na memória dos antigos está também presente a figura de Coriolano Bahia, proprietário da fazenda Macacos,
onde funcionava uma usina de açúcar que entrou em declínio no final da década de 1930. Após a falência, as famílias
continuaram a viver no território doado por ele. Entretanto, em razão de a doação não ter sido formalizada, o território
tornou-se gleba pública. Em 1960, a prefeitura de Salvador doou o terreno para a Marinha, que, em 1971, construiu
uma barragem e uma vila militar.
87. Em 4 de outubro de 2011, o Diário Oficial da União (DOU) publicou o reconhecimento da Fundação Cultural Palmares
da comunidade de Rio dos Macacos como remanescente de quilombo (Fundação..., 2011).
88. A Marinha tenciona construir na área um novo grupamento de fuzileiros navais de Salvador, uma unidade hos-
pitalar, um hotel de trânsito e novas residências. Por meio de uma nota de esclarecimento, informou ter colocado à
disposição da comunidade um terreno situado a cerca de 1 km do território em disputa; além disso, tem procurado
retirar os moradores de forma pacífica (Brasil, 2013).
89. Em 2012, a comunidade sofreu novas ameaças de despejo. Em maio, o conflito se agravou: fuzileiros navais do 2o
Comando do Distrito Naval invadiram o território do quilombo Rio dos Macacos para impedir que um morador recons-
truísse sua casa, destruída com as chuvas de dezembro. O conflito assumiu ampla repercussão nacional e internacional,
mobilizando diversos setores da sociedade civil em prol desta comunidade. Neste contexto, o Incra liberou o Relatório
Técnico de Identificação e Delimitação atestando que os moradores da comunidade Rio dos Macacos são quilombolas,
descendentes de escravos. Logo, quando a Marinha instalou-se ali, a comunidade já residia no território em litígio.
A certificação permite sustar a retirada compulsória da comunidade do território.
404 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

Um caso emblemático de conflito por terra no Sudeste ocorre no município


de Paracatu, no noroeste de Minas Gerais, área histórica da mineração no estado.
A empresa canadense Kinross Gold Corporation explora extração de ouro no
município; estima-se que a mina, a céu aberto, situada a 2 km do centro urbano,
deve esgotar-se em 2040. A companhia Votorantim Metais, por sua vez, extrai
zinco, chumbo e calcário em minas a 50 km do centro de Paracatu.90 O conflito
na região se dá por conta de dois fatores.91
O primeiro diz respeito aos danos ambientais, devido à grande concentração
de rejeitos depositados em nascentes de água potável de abastecimento público.92
O quadro se agrava com o projeto de expansão da Kinross Gold Corporation: a
pretensão de triplicar a produção anual de ouro demandará maior utilização da
água do rio Paracatu e de outras fontes, como o córrego Machadinho, represado
na nova barragem da empresa.93 Para Santos e Araújo (2010, p. 3), “o Estado
permite à empresa o automonitoramento ambiental de todas as suas operações de
lavra, beneficiamento, disposição de rejeitos e recuperação de áreas degradadas”.
Tal prerrogativa revela a deficiência do processo de licenciamento ambiental e sua
sujeição ao interesse privado:94 o Estado parece não se preocupar com os impactos
da mineração no município, como a poluição de mananciais potáveis, desfloresta-
mento, aumento da poeira e do ruído, a degradação da paisagem e a pressão sobre
a população do entorno da mina.95
O site da mineradora declara que: “Na Kinross, temos compromissos de
negócios e morais para ser um bom vizinho em qualquer lugar onde operamos.
Além disso, colocamos a responsabilidade social como um valor primordial na
empresa”.96 A empresa alega que a expansão da capacidade produtiva beneficia
toda a população com o aumento do número de empregos diretos e terceiriza-
dos, a duplicação da arrecadação de impostos para o município e o aumento
da renda regional.

90. A Companhia Rio Paracatu (RPM) iniciou a mineração de ouro de forma empresarial em 1987. Em 2004, a companhia foi
comprada pela empresa canadense Kinross Gold Corporation. A empresa de mineração de zinco foi fundada em 1974, em
Paracatu, mas só entrou em operação em 1988. Hoje, a empresa pertence à companhia Votorantim Metais Zinco, terceira
maior mineradora do Brasil e maior produtora de zinco da América Latina. A empresa tem duas minas no município:
uma a céu aberto e outra subterrânea. A vida útil das minas é de quatro anos a partir de 2011.
91. A CPT (2012) registra conflitos por terra no município entre comunidades quilombolas e a Kinross.
92. O caso de Paracatu apresenta-se como o mais grave no mundo: a mina situada no perímetro urbano tem baixos
teores de ouro (0,4 g/t de minério), o que implica maior volume de rejeitos e arsênio liberado.
93. A barragem possui rejeitos de arsênio depositados a céu aberto, o que aumenta os riscos ambientais e à população. A mi-
neradora capta e utiliza três vezes mais “água nova” que toda a cidade de Paracatu, devolvendo água suja para o ambiente.
94. A mineradora minimizou ou omitiu os impactos socioambientais negativos nos processos de licenciamento, o que
impediu o estabelecimento de medidas de precaução e prevenção, cujas consequências atingem a atual e as futuras
gerações de Paracatu. O Estado outorgou à RPM/Kinross o automonitoramento de suas atividades, impedindo que a
população atingida tome ciência dos reais perigos a que se expõe (Santos, 2012).
95. Segundo Enríquez (2007), o número de casos de câncer aumentou significativamente em Paracatu nos últimos
anos, assim como o número de internações por doenças dos aparelhos circulatório e respiratório.
96. Disponível em: <http://www.kinross.com.br/jeito_kinross.php?id_category=12>. Acesso em: 4 abril 2013.
Desenvolvimento Rural 405

O Mapa de conflitos envolvendo injustiça ambiental e saúde no Brasil 97


afirma que o projeto de expansão da mina do rio Paracatu Mineração/Kinross
atinge os territórios quilombolas de Machadinho, Amaro e São Domingos,
certificados pela Fundação Cultural Palmares em dezembro de 2004, e em
processo de reconhecimento e titulação pelo Incra. Este é o segundo fator de
conflitos entre mineradora e comunidade: a companhia ignora direitos das comu-
nidades quilombolas e a própria lei brasileira, sob a omissão dos órgãos ambientais
estaduais. Desde 2006, o projeto de expansão da mineradora vem ocasionando
diversos danos patrimoniais e morais às famílias quilombolas que habitam a região.
Algumas já foram expulsas. Ante o silêncio do Estado, lideranças locais têm de-
nunciado casos de abusos de poder e de invasão da terra por parte das mineradoras.
A nova barragem de rejeitos da Kinross ocupa um vale que originalmente
pertencia à comunidade quilombola Machadinho. Os quilombolas venderam suas
terras à mineradora e se mudaram para a periferia da cidade.98 A comunidade de
São Domingos segue ocupando seu território tradicional e lutando para regu-
larizar a área como território quilombola. O volume dos riachos Santos Reis e
Poções, que correm dentro do território da comunidade, tem se escasseado devido
às atividades de mineração, que poluem e assoreiam as águas.
Na região Centro-Oeste, os mesmos atores sociais são vitimados nos conflitos
por terra. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, têm sido frequentes os casos de
conflitos entre posseiros, assentados, movimentos sociais e comunidades indígenas
contra agentes privados, sobretudo grandes fazendeiros (CPT, 2012). Na região
Sul, por sua vez, a maioria dos conflitos tem-se dado no Rio Grande do Sul, opon-
do sem-terras, comunidades indígenas e movimentos sociais a grandes fazendeiros.
Por fim, cabe ressaltar o aumento, em todo o país, dos conflitos por água: em
2011, eles ocorreram, sobretudo, no Norte e Nordeste. Os conflitos por água não
ocorrem apenas em áreas de seca, mas também estão ligados a questões como a
destruição e a poluição da água por atividades relacionadas a grandes obras do go-
verno, mineradoras, hidrelétricas, empresas de geração de energia eólica, petróleo
e agronegócio (CPT, 2012).
Esse cenário aponta para o agravamento e a continuidade de conflitos, vio-
lações e mortes no campo. Segundo a CPT (2012), conflitos por terra e água e
os trabalhistas abrangem uma área de 14,4 milhões de hectares. Os sujeitos que
vivem no campo, ao mesmo tempo que são vistos pela política oficial como “indi-
víduos isolados, agregados numa massa indistinta” (Velho, 2010, p. 24), são, por
esta mesma política, desterritorializados e invisibilizados.

97. Para mais informações, consultar a página eletrônica da Fundação Oswaldo Cruz: <http://www.conflitoambiental.
icict.fiocruz.br/>.
98. Há denúncias de grilagem das terras da comunidade do Machadinho. O procurador Paulo Maurício Serrano Neves, em nota
ao caso Paracatu, acusa a empresa mineradora de envolvimento na “chacina dos irmãos Canela”, membros da comunidade
quilombola residente no Vale do Machadinho, área na qual a mineradora intencionava construir o local de depósito dos rejeitos.
406 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

A exploração de novos territórios e a sua anexação ao processo de acumulação


requerem do Estado a constituição de um programa prioritário de investimentos em
infraestrutura. A inscrição de grandes obras no plano dos territórios com vistas à sua
integração em um modelo determinado de desenvolvimento econômico conduz a
novas perguntas: o que se está integrando efetivamente? Para quê e para quem? Uma
vez que o processo de fragmentação é a contrapartida da integração cega, abstrata e
inalcançável, promovida pelas forças hegemônicas que controlam a política e a socie-
dade. Segundo José Luis Fiori, “na verdade, isso significa que a transnacionalização
dos mercados e da produção, dos estilos de vida e de consumo opera sem descanso e
promove a ‘colonização’ da vida individual e coletiva” (Fiori, 2010, p. 128).

4.4 A fragmentação do mundo na nova territorialidade do trabalho


De acordo com Milton Santos, a natureza é una, mas o espaço, clivado por disputas,
é fragmentado (Santos, 2010). Rogério Haesbaert, por sua vez, afirma que desinte-
gração e fragmentação são a contraface do processo de especialização produtiva, con-
vertendo territórios em espaços monofuncionais/monoculturais (Haesbaert, 2007).
De forma geral, isto implica separar o lugar de extração da matéria-prima e o lugar
do consumo. Para viabilizar economicamente a geografia da separação da extração,
da produção e do consumo, é necessário investir recursos e energia em um complexo
logístico que acaba por materializar, no espaço e no tempo, relações sociais de poder.
As políticas e os planos de intervenção do Estado sobre o território citados
neste capítulo reeditam como tragédia os projetos de integração regional elabo-
rados na história recente. Os governos pensam o desenvolvimento das regiões
“atrasadas” conectando-as ao modelo de desenvolvimento do centro econômico
do país. Este foi o mote para o “povoamento” da Amazônia e do cerrado por meio
de políticas de colonização e do investimento em grandes obras de infraestrutura.
Todas estas intervenções partiam do pressuposto de que estes espaços, além de
“atrasados”,99 eram dominados por um vazio populacional, embora quilombolas,
povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas e posseiros em geral tivessem feito des-
tes biomas seus territórios de vida e trabalho.
Pensar o território como composição descontínua de ilhas isoladas e
desertas é essencial para justificar as políticas integracionistas, peças-chave do
desenvolvimentismo que domina a agenda pública. Este é o caso, por exem-
plo, das obras do PAC e da Iniciativa para a Integração de Infraestrutura para

99. O “atraso” é, em verdade, resultado do processo de reprodução do capital intrinsecamente desigual, dado que ele se
reproduz de formas distintas em determinados espaços econômico-sociais, territorializando zonas de localização diferen-
ciada de atividades econômicas. No Brasil, a concentração do desenvolvimento industrial em território paulista redefiniu
a divisão regional do trabalho nacional, transformando o Nordeste em exército industrial de reserva do centro-sul, ao tem-
po que destruía as economias regionais pela captação dos excedentes gerados para financiar a centralização de capitais.
A produção paulista transformou-se, assim, em uma espécie de equivalente geral da economia brasileira, dado que os
custos de reprodução da força de trabalho (mais baixos em São Paulo) determinam os limites e as possibilidades de
expansão das outras regiões. A este respeito, ver Oliveira (1981).
Desenvolvimento Rural 407

a América do Sul (IIRSA), que visam integrar territórios tradicionalmente


ocupados ao fluxo mundial de mercadorias.
O PAC100 constitui uma das principais intervenções do Estado no setor de
infraestrutura. O plano previa investir, até 2010, R$ 646 bilhões, estimando in-
vestimentos totais de R$ 2,2 trilhões após 2014. Estes investimentos estão dis-
tribuídos em três eixos: i) infraestrutura energética, com recursos destinados à
geração e transmissão de energia elétrica, produção, transporte e exploração de
petróleo, gás natural e combustíveis renováveis; ii) infraestrutura logística, que
envolve a construção e ampliação de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, hi-
drovias e marinha mercante; e iii) infraestrutura social e urbana, com intervenções
que englobam recursos hídricos, saneamento, habitação, metrôs e trens urbanos.
A IIRSA, lançada em 2000, contempla também grandes obras de infraestru-
tura, especialmente nas áreas de energia, transportes e telecomunicações. A inicia-
tiva abrange doze países e divide a América do Sul em dez eixos, a partir dos quais
seriam integradas as cadeias produtivas e intensificados os fluxos comerciais regionais
(Garcia, 2011). A integração regional101 adotada guarda relação com a perspectiva
do regionalismo aberto, preconizado pelo Banco Mundial, e voltado para a libera-
lização do comércio e dos investimentos. O real objetivo do país com a iniciativa é
a viabilização do escoamento de produtos brasileiros pelo oceano Pacífico, dando
novo impulso às relações comerciais do Brasil com a Ásia.
Em 2007, foi lançado, no Brasil, outro instrumento que pretende orientar
as intervenções públicas e privadas sobre a infraestrutura: o Plano Nacional de
Logística e Transportes (PNLT), o qual visa constituir novos eixos de intervenção
sobre a rede atual, atendendo não só o crescimento interno como toda a demanda
de comércio exterior. O plano aponta como horizonte da política a expansão de
toda a logística de transportes para áreas onde avançam as fronteiras agrícola e
mineral. Este também estrutura corredores para escoamento da produção, com
estímulo à maior participação dos modais hidroviário e ferroviário, bem como a
intermodalidade. Prevê, ainda, o desenvolvimento da indústria do turismo e a
consolidação da “integração” da América do Sul. Todos estes objetivos têm por
escopo a ampliação da cobertura geográfica da infraestrutura de transportes, fa-
zendo desta política um instrumento efetivo de indução de um modelo de desen-
volvimento econômico para o conjunto da população do país.

100. Parte substancial do PAC é operada pelo BNDES, que possui em sua carteira, segundo dados divulgados até junho
de 2011, R$ 212 bilhões em infraestrutura energética investidos em 192 projetos e R$ 39 bilhões em logística investidos
em 84 projetos.
101. O Brasil é, atualmente, o grande financiador da iniciativa por meio do BNDES e do próprio PAC, que passou a incorporar
em seu interior parte do portfólio de investimentos prevista na Iniciativa para a Integração de Infraestrutura para a América do
Sul (IIRSA). Inúmeras obras executadas em países da América do Sul são financiadas com recursos do BNDES e do Banco do
Brasil, mediante o Programa de Financiamento às Exportações (Proex). Em contrapartida, são as empresas brasileiras as exe-
cutoras dos projetos. Entre 2003 e 2010, foram liberados mais de R$ 10 bilhões em obras na América do Sul (Garcia, 2011).
408 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

O PNLT enuncia a integração do conceito de territorialidade ao planejamento


do setor; considera aspectos logísticos, como custo e tempo, estoque, armazenagem
e distribuição just in time. Territorializa, ainda, suas intervenções identificando
regiões dotadas de algum tipo de homogeneidade socioeconômica. Os vetores lo-
gísticos identificados pelo plano levam em conta as produções dos territórios e
os deslocamentos preponderantes para o acesso aos mercados e às exportações.
Destaque-se que a Amazônia Legal, parte do Nordeste e o Pantanal Mato-grossense
são áreas com predomínio de atividades ligadas ao agronegócio e à exploração de
recursos naturais. O Centro-Oeste e o Sudeste são basicamente dominados por
agroindústrias de baixa intensidade tecnológica, e mesmo as áreas de média inten-
sidade tecnológica apontadas pelo PNLT estão atreladas à mineração (figura 5).

FIGURA 5
Tipologia dos produtos que lideram a produção microrregional e agregação de
regiões por homogeneidade socioeconômica (2002-2023)

Fonte: PNLT da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe, 2006).


Obs.: imagem reproduzida em baixa resolução em virtude das condições técnicas dos originais disponibilizados pelos autores
para publicação (nota do Editorial).
Desenvolvimento Rural 409

Acima de tudo, o PNLT explicita um dos modos pelos quais o espaço é po-
liticamente representado na esfera pública. A sua reprodução integra uma leitura
de mundo e um projeto de intervenção sobre os territórios que não consideram
os sujeitos na cartografia das políticas públicas.
Em destaque no mapa da figura 5, pode-se observar que o PNLT identifica
a produção microrregional predominante no período 2002-2023. Somando-se
as microrregiões com produção predominante de recursos naturais e as de baixa
intensidade tecnológica, ter-se-ia 35% do território brasileiro com atividades pro-
dutivas predominantemente vinculadas exclusivamente à exploração dos recursos
naturais. Agregando-se as atividades de média intensidade tecnológica vinculadas
à mineração, esta porcentagem subiria para 51,6%.
O PNLT pretende, ainda, reduzir desigualdades regionais, com ênfase na
intervenção em áreas economicamente “deprimidas”. Trata-se da pretensão de
incrementar o potencial de desenvolvimento econômico em regiões onde os indi-
cadores econômicos e sociais são inferiores às médias nacionais. As intervenções
previstas concernem à implantação de melhorias em infraestrutura viária e reca-
pacitação de portos. Em suma, estas intervenções são respostas à fragmentação
do espaço geográfico no bojo da competição intercapitalista102 engendrada pela
dispersão de investimentos produtivos. O encurtamento das barreiras espaciais,
obra do desenvolvimento dos meios de transporte e das comunicações, permitiu
aos capitais a exploração plena das “virtudes do espaço”, como oferta de trabalho
a baixos custos, recursos naturais e sociais, infraestrutura, incentivos fiscais etc.
(Harvey, 2010).
Harvey (2005), citando Marx, diz que a indústria de transportes e comuni-
cações, ao “vender” a mudança de localização de empreendimentos produtivos,
produz diretamente valor, uma vez que a condição espacial economicamente
definida pertence ao processo de produção. A circulação de mercadorias é um
momento da produção, motivo pelo qual o produto só estaria acabado, segun-
do Marx, quando ele estivesse disponível à venda no mercado. Contudo, alerta
Harvey (2005), transportes e comunicações têm suas leis próprias de realização,
uma vez que exigem elevadas somas de capital imobilizado e que a sua produção
e o seu consumo ocorrem no momento do seu próprio uso. Assim,

102. A reestruturação produtiva é um movimento de caráter estrutural do capitalismo em resposta ao padrão de


acumulação capitalista que entrou em crise na década de 1970 e deu origem ao welfare state. A emergência de um
novo padrão de acumulação, denominada por Harvey (2010) de acumulação flexível, marca a transição para as práticas
mais flexíveis de organização da produção. São características centrais da reestruturação produtiva o surgimento de
novos setores, os novos padrões competitivos, as fusões e aquisições de empresas, o crescimento do setor de serviços,
a expansão da terceirização e quarteirização de mão de obra e o reordenamento do mundo do trabalho por meio dos
novos métodos de gestão e organização do trabalho. A este respeito, ver Harvey (2010) e Druck (1999).
410 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

embora a indústria do transporte seja, potencialmente, uma fonte de mais-valia, há


boas razões para que o capital não se engaje em sua produção, exceto sob certas cir-
cunstâncias favoráveis. Desse modo, o Estado é, muitas vezes, bastante ativo nessa
esfera de produção (Harvey, 2005, p. 49).
Tem-se, portanto, que, do ponto de vista da acumulação de capital, o incre-
mento da velocidade de circulação das mercadorias encurta as distâncias, cria espaços
novos, aumenta a produção de excedente e intensifica o processo de acumulação.
O processo de apropriação do território, porém, é expressão de disputas políticas e
econômicas, motivo pelo qual reflete, reproduz e é, ao mesmo tempo, resultado dos
conflitos sociais vividos por sujeitos reais territorializados. Compreender os conflitos
territoriais é, pois, outra forma de compreender os conflitos entre capital e trabalho
vividos nos dias de hoje. Assim,
sob a superfície de ideias do senso comum e aparentemente naturais acerca do tem-
po e do espaço, ocultam-se territórios de ambiguidade, de contradição e de luta. Os
conflitos surgem não apenas de apreciações subjetivas admitidamente diversas, mas
porque diferentes qualidades materiais objetivas do tempo e do espaço são consi-
deradas relevantes para a vida social em diferentes situações. Importantes batalhas
também ocorrem nos domínios da teoria, bem como da prática científica, social e
estética. O modo como representamos o espaço e o tempo na teoria importa, visto
afetar a maneira como nós e os outros interpretamos e depois agimos com relação
ao mundo (Harvey, 2010, p. 190).
A expansão da lógica do capital e da mercantilização contém, em si mesma,
uma tendência à reprodução de uma forma específica de divisão do trabalho: a
divisão espacial. Se em um primeiro período esta divisão ganhava expressão mais
contundente na relação entre metrópole e colônias, no período atual ela ganha
novos contornos, a partir da ampliação escalar do modo de produção capitalista
e da reestruturação produtiva.
A expansão das relações capitalistas de produção em escala planetária depen-
de, contudo, da conversão da ciência e da tecnologia em força ativa do processo de
produção. O desenvolvimento de uma engenharia genética e o controle, via merca-
do, de elementos biológicos foram essenciais para garantir a expansão da fronteira
agrícola no país. A constituição de sementes transgênicas capazes de adaptar-se às
condições edafoclimáticas distintas do seu lugar habitual abriu brechas para a con-
solidação de vastos territórios ocupados pelo agronegócio.
Pode ser afirmado, ante o exposto, que se está diante de uma nova geografia
mundial das relações de trabalho, marcada pela intensificação das condições de
subalternidade de povos, nações e classes sociais em relação a outros povos, nações
e classes sociais que possuem, em razão das lógicas locacionais que presidem o
Desenvolvimento Rural 411

processo de ocupação do espaço e o desenvolvimento das atividades produtivas,


melhores condições de acesso a bens e serviços resultantes do trabalho, da ciência
e da tecnologia (Lima Filho, 2004). Com isso, todo o desenvolvimento científico
e tecnológico passa a ser distribuído territorialmente de forma desigual e combi-
nada, expressando, em síntese, a disseminação de múltiplas formas de precarieda-
de, desenvolvendo modalidades também diversas de expropriação e exploração da
força de trabalho. Tem-se, assim, uma geopolítica dos proveitos e rejeitos em que
o território passa a constituir o elemento central de análise, visto que
toda a questão passa a ser, portanto, quem determina o quanto, com que intensida-
de, por quem e para quem os recursos naturais devem ser extraídos e levados de um
lugar para outro, assim como o próprio trajeto entre os lugares. Como se vê, é toda
a questão política que está implicada no cerne do desafio ambiental, por meio do
território (Porto-Gonçalves, 2010, p. 291).
As mudanças recentes na divisão internacional do trabalho, com aprofun-
damento da exploração de recursos naturais na América do Sul, tem provocado,
a contrapelo, o surgimento e o fortalecimento de grupos e organizações de matiz
ambientalista, movimentos indígenas e sem-terras por todo o continente.

4.5 Considerações finais


A concentração da propriedade da terra, além de exercer historicamente papel
estruturante nas relações sociais, tem-se mostrado, cada vez mais, não como uma
simples persistência, quase inercial, de elementos arcaicos ainda não superados na
trajetória de desenvolvimento do país, mas como um processo contínuo, cuja dinâ-
mica de atualização segue de par com essa mesma trajetória de desenvolvimento,
determinando novas formas de ocupação, ainda concentradoras, do espaço agrá-
rio brasileiro, e, com estas, novas formas de conflito. Esta constatação, por si só,
mantém a reforma agrária na ordem do dia para os povos do campo, a despeito
de não ser a opção preferencial da agenda governamental.
A agenda oficial, balizada no avanço econômico do país, tem sido obstruída
por agentes “do atraso”, representação clássica dos campesinatos que r-existem.
Neste contexto, povos e comunidades tradicionais disputam território não apenas
com agentes privados ligados ao agronegócio e à grande propriedade mas também
com interesses da pauta econômica do Estado. O litígio sobre a terra e o territó-
rio, ao opor costumes agrícolas tradicionais à monocultura de escala, revela a con-
tradição entre o direito de comunidades tradicionais ao território e um projeto de
modernização do campo que as exclui. Ao propor atenuar a extrema pauperização
das populações rurais – efeito negativo deste projeto –, por meio de uma agenda
que não inclui a reforma agrária entre suas prioridades, o governo contribui para
412 Políticas Sociais: acompanhamento e análise

invisibilizar as demandas destes grupos sociais e, negando a especificidade principal


deles – a ligação com a terra –, os sujeita à ameaça de perda de seu território de
vida e subsistência.103
O processo de expropriação territorial dos povos e das comunidades tradi-
cionais tem sido agravado por recentes mudanças em marcos legais (Código da
Mineração, Código Florestal, projeto de lei sobre mineração em área indígena
etc.). O sentido desta “recodificação” é flexibilizar direitos territoriais de povos e
comunidades tradicionais e promover a mercantilização dos recursos naturais –
uso intensivo e imediato – em nome de políticas de crescimento que utilizam o
território a partir do seu potencial estritamente econômico.
A pressão por terras tradicionalmente ocupadas é exercida não apenas pelo
agronegócio mas também pela expansão das obras de infraestrutura (rodovias, hi-
drovias, barragens, portos etc.), por iniciativas ligadas à política de segurança (como
a base militar de Alcântara, no Maranhão), ou mesmo pela política ambiental, a
exemplo da implantação de unidades de conservação ambiental de proteção integral
(Almeida, 2010, p. 230).
Sob a rubrica da desigualdade e da superação da pobreza, o Estado impul-
siona a expansão de atividades como a extração de petróleo e minérios, a constru-
ção de hidrelétricas e a expansão de commodities a custos sociais e ambientais que
geram exclusão e expropriação. A permanência do velho conservadorismo agrário
continua a privilegiar os “donos do poder” e a tradição autoritária e elitista brasi-
leira, que, nos dias atuais, vêm produzindo “violência seguidamente ocultada por
seu caráter institucional” (Velho, 2010, p. 24).
O fato é que o reconhecimento de direitos no plano institucional não foi
capaz de estabelecer novas formas de sociabilidades nem o entendimento do ou-
tro como sujeito de interesses, valores e demandas legítimas. No bojo da moder-
nização tecnológica, velhas práticas dos proprietários de terra são atualizadas e
fundadas na coerção, na expropriação, na violência e no silenciamento dos povos
do campo. Nesta conjuntura, o Estado não apenas negligencia direitos mas tam-
bém expropria comunidades, exaurindo de seus projetos e interesses os sujeitos de
carne e osso que ocupam historicamente os territórios em disputa como “morada
da vida”, aquela que pertence a homens e mulheres que dela vivem, que nela
produzem e que por ela constroem suas formas múltiplas de identificação na luta.

103. Neste cenário, segundo a CPT (2012), até dezembro de 2011, foram emitidos apenas onze títulos às comunidades
quilombolas; somente três das 44 áreas decretadas para desapropriação haviam sido tituladas: Família Silva (RS),
Colônia São Miguel (MS) e Preto Forro (RJ). Em 2011, o governo federal publicou apenas um decreto de desapropriação
beneficiando a Comunidade Brejo dos Crioulos, em Minas Gerais. No Plano Plurianual 2012-2015, o Programa Brasil
Quilombola foi substituído pelo programa Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial, sob responsa-
bilidade da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR). Apesar de haver mais de 3 mil comunida-
des quilombolas no país, apenas 6% delas tiveram suas terras regularizadas. Vale reafirmar que é direito garantido pela
Constituição Federal que as comunidades remanescentes de quilombos possuam os títulos das terras que ocupam.
Desenvolvimento Rural 413

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