Louis Dummont - O Individualismo
Louis Dummont - O Individualismo
Louis Dummont - O Individualismo
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O INDIVIDUALISMO
um·a perspectiva antropológica
da ideologia moderna
Tradução de
ÁLVARO CABRAL
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Direitos para a llngua portuguesa reservados
com exclusividade para o Brasil a
SUMARIO
EDITORA ROCCO LTDA.
Rua Rodrigo Silva, 26 - 52 andar
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l ei.: 507-2000 - Fax: 507-2244
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Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Vi· Radcliffe-Br6wn .uma única vez . . Foi nesta mesma· sala. Re-
_cordb-o - silhueta· um pouco indefinida . - pronunciando a
"Huxley Memorial Lecture" · de 1951. Eu tive que vir a Lon-
dres, para -a ocasião, de Oxford, onde estava lecionando há
·pouco tempo como encarregado de curso (lecturer). Enquanto
o escutava, Radcliffe-Browri. pareceu-me ter dado um passo na
.direção de Lévy-Strauss, com o que era encorajada l! minha
·a inda jovem adesão estruturalista. Na realidade, não era mais
do 'q ue uma convergência limitada e passageira.1
Eu estava então muito ocupado em insfruir-me na ·sua es- ríamos dizer a importação? - foi provavelmente decisiva para
cola e, de um modo geral, na da antropologia inglesa, a qual o desenvolvimento da antropologia na Inglaterra, e ela tornou
atingiria, ein parte sob a sua influência, alturas sem pre~eden- possível o diálogo com a tradição sociológica predominante na
tes. Entretanto, devo confessar que, para alguém cuja imagi- França. ·
nação fora inflamada pelo genial humanismo de Mauss, a es- Os escritos de Radcliffe-Bi:own falam relativamente pouco
treita versão oferecida por Radcliffe-Brown da sociologia de "valores".ª Entretanto, a express,~9,.,~ra de uso freqüente,
durkheimiana não era muito atraente. . estava, de certo modo, no àr entre os 'arit1'opólogos ingleses' nos
Hoje, cumpre insistir, sobre um ponto essencial de con- últimos anos de vida de Radcliffe-Browri. Fiquei com a im-
tinuidade, para além de toda a divergência . Na leitura de seu
pressão de que se tratava, em grande medida,' de um substituto .,
livro A Natural Science of Society, o que mais impressiona
da palavra "idéias", menos desagradável ao temperamento em-
,é o decidido holismo de Radcliffe-Brown.2 Sejam ·quais forem
as imperfeições do seu conceito de "sistema", a coisa - deve- pírico, porque evocava a dimensão de ação. Sem dúvida, a
situação é hoje muito diferente. Mas diga-se desde já qual foi
a razão para a escolha deste tema e para o emprego do termo
fruto dessa "heresia parisiense" que, como disse Sir Edmund Leach neste estudo, preferindo-o ao seu uso no singular: tentei :nes-
(Social Anthropology . .. , op. cit.), permaneceu mais ou menos igno- tes últimos anos fazer com que fosse . admitido pela profi~são
rada na Grã-Bretanha durante uns 10 anos ou niais. Entretanto, cum-
pre assinalar o fato de que a condenação de Radcliffe-Brown não modi- p conceito de hierarquia'., . sem que tenha tid,o · ·qualquer ê;is:it.o . .
fico11 ,a · amistosa prote_ç ão e .o distante encor.ajamento que encontrei em baí a idéia de reá!izar uma nova tentativa, utilizand·o d·esta
Evans'- Pritchar'd, de todos os colegas de então aquele que· mostrou maior
compreensão por este ·ertsaio de reconsti-tuição sistemática da · afinidade.
vez o vocabulário recebido, que até então evitara instintiva-
2 Sir Edm11nd Leach .'d iscutiu longamente (Social Antfzropology . .. , op. mente, sem dúvida por causa das terríveis dificuldades que o
cit.) essa apresentação·, póstuma dos pontos de vista mais amplos de termo parecia envolver. Possa esta nova tentativa ser vista •
Radc!iffe-Brown (A Nã,tural Science of Society, Glencoe, Ili. , The Fal-
con's Wing Press, 1957), Os aspectos positivos do· ensino de Radcliffe-
como um esforço de aproximação, em face da herança radcliffo-
Brown aí são c!arameri'ie destacados, assim como o que hoje nos parece browniana.
serem suas insuficiências. Retrospectivamente, vê-se que ele caminhou Parte-se de uma observação sobre a relação entre idéias ...
na boa direção mas não foi suficientemente longe. Entretanto, seu ho-
lismo explícito (pp. 22, 110, etc.) combinado com a ênfase que daí
e valores, a fim de a comentar e de aduzir dela algumas con-
resulta sobre a "análise relacional" e a sincronia (pp . 14, 63), e, o que seqüências . . O tipo moderno de cultura, no qual a antropolo-
é bastante notável, a depreciação da causalidade (p. 41. cf. adiante, gia tem suas raízes, e o tipo não-moderno diferem de modo
nota 61). revela-se muito meritório em relação ao segundo plano nomi- acentuado no que tange a essa relação. Os problemas antro-
nalista de seu pr6prio pensamento e da ideologia britânica predominante.
Nessa perspectiva, não é -surpreendente que o holismo de Radcliffo. pológicos relativos ao valor exigem que os dois tipos sejam
Brown permaneça estreitamente funcional, que a distinção entre "cultu- confrontados.
ra" (introduz"ida um pouco a contrap,osto, p . 92) e "estrutura social",
se é correta em princípio, reduza a primeira, de fato, a um simples -meio Começaremos pela configuração moderna, o que representa
da segunda (p. 221). Além disso. Radcliffe-Brown não viu - provavel- uma inovação, para introduzir em seguida, em contraste, al-
mente não podia ver - que a análise relacional exige que as fronteiras guns traços fundamentais da _configuração mais comum, não-
do "sistema'_\ seiam . rigorosamente determinadas e nã9 . abandona.das a moderna, e voltar, num terceiro tempo, à situação moderna, a
uma escolha ::arbitrária ou à simples conveniência (p ,.., 60) , 'e que tal
análise é inc.o mpatível com o ace1-1to primário atribuído por ele à clas- fim de a colocar "em perspectiva" e esclarecer um pouco, des-
sificação ou ; taxonomia (pp . 16. 71); cf. a rejeição por Leach da "co- se modo, a posição e a tarefa da antropologia como ag~nte
leta de borbp letas azuis" (Rethinkin[! Anthropology, Lo ndres, 1961) [Tí- mediador.
tulo da ediç~o brasileira: Repensando a Antropologia, Editora Perspec-
tiva, Col. Debates, n.º 88, 1974, trnd. d e Tosé Lu ís dos San tos. (N. cio T.)J
Farei referência, subseqüentemente, ;i al guns outros po ntos ("espé-
3 Radcliffe-Brown, A Natural Science of Society, op. cit., pp. 10-11,
cies naturais de sistemas", nota 60; cquiv;ilências fixa s na troca .
nota 53). 119, 136-140 (valor econômico).
240 O valor nos modernos e nos outros O Individualismo 241
A cena moderna é familiar. Em primeiro lugar, a cons- dade aquém dos Pireneus, erro além", como diz o afo~ismo:
, c1encia moderna liga o valor, de maneira predominante, ao não ,s e pode falar de Bem quando o que é considerado bom
indivíduo, e a filosofia trata, em todo o caso principalmente, deste lado da Mancha é mau do outro lado, mas podemos falar
de valores individuais, ao passo que a antr9pologia considera do valor ou dos valores que as pessoas reconhecem respecti-
- os valores essencialmente sociais. Em seguida, na linguagem vamente cá e lá.
corrente, à palavra que significava, em latim, vigor saudável, Assim, "valor" designa algo diferente do ser, algo que, _
força eficaz, e designava na Idade M~dia a bravura do guer- distinto da verdade científica, que é universal, varia i.muito
reiro, simboliza hoje, a maior parte das vezes, o poder do di- com o meio social e até no seio de uma sociedade dadµ não
nheiro pafa medir todas as coisas. Esse aspecto importante só só com as classes sociais mas também com os diferente$ seto-
estará a-qui presente por implicação (HAE 1). res de atividade e experiência. ·
Quanto ao sentido absoluto do termo, a configuração mo- Enumerei apenas alguns traços mais destacados mas que
derna é sui generis, e o valor tornou-se uma preocupação de são suficientes para evocar o complexo de significaç·ões e
vulto. Numa nota do Vocabulaire Philosophique de Lalande, de preocupações a que a nossa palavra está vinculada, u_m dé-
Maurice Blondel escreveu que o predomínio de uma filosofia dalo para que contribuíram todas as espécies de esfor;ços e
do valor caracteriza o período a que chamou contemporâneo, pensamentos, desde a elegia romântica sobre um mundo em
dando seguimento a uma filosofia moderna do conhecimento migalhas e as diversas tentativas para o reconstituir, até uma
e a uma filosofia antiga e medieval do ser.• Para Platão, o ser filosofia do desespero, como a de Nietzsche, que contribuiu
supremo er;a o Bem. Não havia desacordo entre o Bem, o Ver- imenso para divulgar a expressão de "valor". Não creio que
· ;<ladeiro e · o Belo, e, no entanto, o Bem era supremo, talvez a antropologia possa negligenciar essa situação. Entretanto, na-
•por ser impossível conceber a mais alta perfeição· como inativa da tem de surpreendente se o vocábulo possui algo de desa-
e indiferente, porque o Bem acrescenta a dimensão da ação à gradável. Essencialmente comparativo, ele parece condenado
da contemplação . Pelo contrário, nós, .modernos, separamos à vacuidade: uma questão de valores não é uma quést.ão de ••
ciência, e$tética e moral. E a natureza da nossa ciência é tal fato. A palavra parece fazer a propaganda do rnlativisrrio, as-
que a sua1 própria existência explica ou, melhor, implica a se- sinalar um conceito simultaneamente central e, como o teste-
paração eptre, de um lado, o verdadeiro, do outro, o belo e o munha uma literatura abundante, inatingível. Exala eufemis-
bem, e em particular entre ser e valor moral, entre o que é e mo e embaraço, como "subdesenvolvimento", "individualismo
o que dev,e ser. Com efeito, a descoberta científica do mundo metodológico" e. tantos outros elementos do vocabulário de
teve como': pressuposto a rejeição de todas as qualidades a que hoje.
não é apl\cável · a medida física. Assim é que um cosmo hie- E, no entanto, existe uma contrápartida, modesta mas não
1 rárquico veio a ser substituído pelo nosso universo físico ho- destituída de sentido, para o antropólogo: temos à nossa dis- ...,
··: mogêneo.' A dimensão do valor, que até então se projetara posição uma palavra que nos permite considerar todas as es-
? ..espontaneamente no mundo, foi restringida ao que é, para nós, pécies de culturas e as mais diversas avaliações do bem sem
o seu único domínio verdadeiro, ou seja, o espírito, o ,senti- lhes sobrepor a nossa: podemos falar dos nossos valores e ~
mento e a· volição do home_m. dos valores delas, ao passo que ·n ão o poderíamos fazer do
Ao !Qngo dos ·séculos, o· Be·m (social) também se _viu re- Bem deles e do nosso Bem. Assim, essa pequena palavra, usa-
lativizado .! Passou a haver tantos Bens quantos povos ou cul- da profusamente além dos limites da antropologia, envolve
. turas, pará não falar de religiões, seitas ou classes sociais. "Ver- uma perspectiva antropológica e investe-nos, em minha opinião, ,
de uma responsabilidade. Mas deixemos_ isso de momento.
Lalande, op. cit., p. 1183. Comecemos por alguns comentários introdutórios \ sobre
5 Alexaridre Koyré, Fro,n the· Closed World lo lhe Jnfinite Universe,
H arper Torchbooks, 1958. o estudo dos . valores na antropologia social. O uso extef!SO da
O Individualismo 243
242 O valor nos modernos e nos outros
palavra nQ plural fornece uma indicação não só a respeito da essa complementaridade ou inversão entre níveis de experiê'.ncia
diversidad~ das sociedades e da moderna compartimentação e_m que o "'q!:!_e ~ v,e:~adeiro ª? nível das concepçõ~~L!ffY.~i:-
de atividaçies, mas também sobre uma tendência para -atomizar tido ao mvel em~o, uma mversão que torna improfíéuos
,,,-,,7 cada configuração geral em nossa cultura. E certamente o pri- os _esforços que possamos fazer, no sentido da simplicid'ade,
meiro pof)to o que requer atenção. Num artigo publicado em a fim de adotar uma _;isão abrangente e simultânea do pe~sa-
1961, Francis Hsu criticava certos estudos sobre o caráter ame- ment~ ou representaçao e de su_a contrapartida na ação. Por
ricano como apresentando tão-somente um simples inventário especial qu~ poss_a ser o casó,,-amer,ié~riÇ>):'o fim não pode' ser
de traços ou de valores, sem se preocupar com as relações o_ seu própno me10: ou os pretensos "valores operatórios" não
existentes entre esses elementos.ª Ele via conflitos e desacor- sao absolut~~ent~ valores, ou ent~<?.. .. ~~~---:viíloreS::
.de_._seg.Un.cÍ~
dos entre os diversos valores enumerados, surpreendia-se com ordem, a _d_1sh.ngmr claramente dõs de primeira ordem, ou va-
a ausência de esforço para explicá-los e propunha remediar lores propnamente ditos.
essa situaç~o identificando um valor fundamental e mostrando Em geral, a literatura contemporânea em ciências huma-
que ele · implicava, precisamente, as contradições a explicar. O . nas talvez abu~e d~s contradições. Um autor de uma época
valor americano central (cqre value), sugeriu ele, era a con- ou de .u~ m:10 diferente será acusado, com freqüência ,- de
fiança ein si mesmo (self-reliance), ou seja, uma modificação contrad1çao, simplesmente porque uma distinção de nível evi-
ou intensificação do individualismo europeu ou inglês. Ora, . dente para ele e, por essa razão, implícita em seus escritos
esse valor ;implicará, em sua aplicação, uma contradição, uma mas nã~ fa~iliar ao crítico, passou-lhe despercebida.ª Vere~
ve.z que, qe fato, os homens são seres sociais que dependem, mos ma.is adiante que onde os não-modernos distinguem níveis
em alto grau,· uns ,. dos outros. Uma±ie _j ~U~.91lt!'?..Qições se .n.o--1nterior de uma visão globãl_,__Q§.. rnõdemós-.;;o-_sabem· ·sÜbs~
0
ciológica, onde a distinção dos níveis se impõe se se quiser necessariamente essa lição para quem quer que acredite, como
evitar o 'curto-circuito - tautologia ou incompreensão. Com ele, que os valores constituem um problema central. Kluckhohn
~ Clyde Klt,1ckhohn, o lamentado Gregory Bateson foi um dos não era1ngêriuõ;· e·i·a, · peio éonfrário, .úin -fióme·rrt de vasta
raros antropólogos que viram claramente a necessidade de re- cultura (com um componente alemão, suponho eu, como é o
conhecer.. uma h~uia de níveis,° caso de· muitos antropólogos americanos das primeiras gerações)
e veremos, aliás, que ele nos antecedeu em boa parte cio que
Houve na /história d~'C antropologia pelo menos uma ten-
será dito aqui. Entretanto, pondo de lado as contribuições
tativa sistemática de fazer progredir o estudo dos valores. No
fornecidas pelo projeto ao conhecimento de cada um dos gru-
final dos anos 40, Clyde Kluckhohn decidiu colocá-los na
pos ou sociedades estudados, os resultados parecem d~çepcio-
ordem d'o dia e concentrar esforços e recursos em Harvard
nantes no que se refere ao objetivo principal de Kluç)<hohn,
para um vasto projeto cooperativo a longo prazo, consagrado
ou seja, o avanço da teoria comparativa. Como poderetj'l:0s ex-
ao seu estudo, "o estudo comparativo dos valores em cinco
plicar . tal fato? )
culturas". Parece que os Estados Unidos conheceram, após a
Kluckhohn associou-se intimamente a P arsons e Sfiils no
Se~unda _Guerra Mundial, uma renovação de interesse pela filo-
simpósio publicado sob o título de Toward a General Theory
sofia SOClal e a compreE!l~ií.o_.das._cultw:a.s_es.trnnw.r n.L e_seus
of Action; contribuiu para ele com tim impo'rtante ensa'io teó-
valores.10 Kluckhórin- encontrou, sem dúvida, nas circunstân-
rico11 que pode ser considerado a carta cio Projeto de Harvard.*
cias-- ·éfe então a ocasião de satisfazer o que nele era certamente
É claro que Kluckhohn aí desenvolve a sua própria p;osição,
uma profunda preocupação pessoal. Pôde lançar o seu projeto,
sem deixar de estar de acordo com as linhas mestras do "es-
que reurliu numerosos especialistas e teve por resultado, na
década seguinte, um conjunto imponente de publicações. Esse quema conceptual" do simpósio. Só exprime sua discorclânciª
grande esforço parece estar hoje bastante esquecido. Ou me ·a .re~o_da_cigi._d.a_s.e.parnçJi_C>_ entre os sistemas_y~iªL~ _ç_uJt_u- -
engano muito ou ele passou sem deixar · traços profundos na rá(fi Para ser breve, mencionarei apenas três pontos sublinha-
antropol9gia cultural americana. Será mais um exemplo dessas ~por Kluckhohn e seus colaboradores. Em primeiro lugar,
modas que se sucedem de forma tão surpreendente em nossa que os valores (sociais) são essenciais__piirn ..a."integração e a
disciplina , muito especialmente nos Estados Unidos? Ou exis- ,e
permaÍÍêiícíã-aoêõfpC···sociã,1;_ _ ·- tãmbém qa personalidade·
tirão razões . internas para esse descrédito, como se os valores (p:""4l9T:::::-•fiãrís..Mõ(.êlfria para a identidade de uma coisa e
constituíssem um mau centr9 de interesse ou um falso assunto, de outra 13 - é, sem dúvida, evidente mas, na prática, facil-
.o que muito me custa crer? Não estou em condições de res- mente esquecido, seja pelos antropólogos que insistem nas
ponder a:essa questão complexa; tudo o que posso fazer é tentar mudanças de modo unilaterar;sejãpeloif-•filoso1-cr-scJue-de·sta-
~xtrair d:a lição de Kluckhohn uma c::_ _ _ lição
_ _ _ _para
_ _ __nosso _uso..-.Há
canlosvalores mo1v1dua1s de- séu pano de fundo social. Santo
Agostinho disse que um povo é feito de homens unidos no
amor a alguma coisa.
9 Gregor·y Bateson, Vers une écolo1âe de · l'espril, Paris, !!d. du Seuil,
1977, vol. I, pp. 243, 247 e ss. , 270 . Cf. Clyde Kluckhohn e o'utros
'.'Valu:s _a_nd Value-Orientntion in the Theory of Action. · An exploratio~ li "Values and Value-Orie~tation ... ", op. cit., pp. 388-433. Kluck-
m def1mt10n and classificatioil-?t,:em -Talcott·Parsons e Edward A. Shils hohn reiterou a sua plataforma em numerosos textos .
(coords.), Toward a ,General Theory of-Action, Ci!mbridge, Mass. , 1951, • Além de Parsons, Shils e Kluckhohn, colaboraram no projeto de "uma
p . 399, n<;>ta 19: "Veem-se superficialmente incompatibilidades onde um teoria ieral da ação", antropólogos e psicólogos eminentes como Gordon
e,:can:ie n:,a1s aten,\o revela _diferenças que são função de quadros de refe- W. Allport, Edward C. T olman, Henry A. Murray, Robert Sheldon,
rencia diferentes : quer dizer, ou se vêem coisas-em-si-mesmas ou então Robert R . Sears, que marcaram notavelmente sua presença na história
coisas-em-relação, ou se.ja, num "quadro de referência". da ciência contemporânea. (N . do T.) ·
1° Cf: F! S. C. Northrop. The Meeting o/ Enst and West, Nova Iorque, 12 Parsons e Shils, Toward a General Theory of Action, op. cit. (ci-
tado na edição Harper Torchbooks, 1962), nota das pp. 25-27 .
Mac1:11llar,, 1946, p. 257; Ray Lepley (coord . ). V alue: a Co-cperative
13 Identity and tlie Sacred. A Sketcli for a New Social Scientific Theory
lnqu1ry, Nova Iorque, Columbin University Press, 1949; o próprio Clyde
Kluclc.hohn fez alusão às circunstâncias (ibid,, pp. 388-389). o/ Religion, Agincourt, The Book Society of C_;m ada, 1976 .
246 O valor nos modernos t: nos outros O Individua/ismo 247
1
Em . segundo lugar, o vínculo estreito entre idéias e valo- nação sui generis de elementos, que são universais no Jentido
res - '.r.u seja, neste · caso, entre os aspectos "cognitivos" e de que os encontramos por toda a parte. Estava aí uma solução
"normativos", ou "existenciais" e "normativos" - é clara- para .um problema que preocupava o próprio Clyde Kluckhohn.
mente reconhecido, .como, de resto, por Parsons e Shils,:1' sob Reagindo contra uma ênfase excessiva sobre a relatividade na
, o conceito central de orientação para valores (value-orienta- literatura antropológica, ele queria evitar cair no relativismo
tion), tal como foi definido por Kluckhohn.w (Um antropólogo (abs,oluto) e tentava salvar -um mín,imcLde valores univei-sais.10 -
perspicaz ássinalou que o conceito é criticável sob um outro Flore~ce Kluckho~n encon~'rava 'essa' bà{e universal no próprio
ãngulo?-0) Assim, o quadro de classificação de valores utilizado matenal que os diversos sistemas de valores elaboravam cada
por FJor~nce Kluckhohn inclui, a par dos valores propriamente ~m à_ sua ma.neira, mediante uma combinação ,ÓrigÍnal d; valo-
ditos; ' um· mínirn:o · de idéias e de crenças: ·Pode-se prefefü o nzaçoes particulares. ·
tratamen'to mais amplo dos Navajos por Ethel Albert, o qual , . Que me seja p_ermitido exprimir sucintamente uma ' dupla
inclui . não só as "pressuposições de valores" (value pr<mtises), cntica: o ~uadro amd~ não .aplica . com suficiente amplitude
normalmente não expressas, mas também um quadro completo o reconhecimento da hierarquia e, por essa razão encontra-se
_,..1 da concepção· do mundo., enquanto que "contexto filosófico" ainda, numa certa medida, tolhida no atomismo: ~enhuma re-
do s1Sfoma de valores stricto sensu.17 lação é postulada entre as próprias cinco subdivisões. Que
O ) frceiro ponto é o fato claramente reconhecido de que dizer, por exemplo, do acento relativo sobre as relações com
os valot'e's estão "organizados hierarquicamente". O artigo-pro- a natureza e as relações entre homens (rubricas 1 e 3)? Parece
-, grama de Clyde Rtuckhohn tinha uma página muito lúcida e que_ uma base universal está aí pressuposta sem justificação.
sensível'.'. sobre essa questão (p. 420) mas foi talvez Florence ~ss1m, o esquema permanece inevitavelmente sociocêntrico. De
Kluckhohn que mais desenvolveu esse aspecto. Ela propôs em fato, ele está verdadeiramente centrado num modelo americano
boa hora uma nÍ,~triz para a comparação das !'orientações ·de branco e mesmo puritano . As outras culturas podem muito
valores". B um ésquema de prioridades distinguindo, de cada bem fazer escolhas diferentes mas só na linguagem derivada das
vez sob 'três termos, acentos ou prioridades diferentes no que escolhas americanas.
se refere às relações entre homens, o tempo e a ação.18 A au- Um estudo posterior de ·Clyde Kluckhohn acresce~ta a
tora sublinha a importância da hierarquia e das nuanças na uma apresentação dos quadros de classificação de Ethel Albert
hierarquia. Cada sistema de valores é visto como uma combi- e de Florence Kluckhohn um outro quadro de sua própria
au toria. Esse estudo,'2° ~parentemente a última palavra de
~luckhohn sobre a questão, exigiria ser mais longamente ana-
14 Op. cit., pp. 159-189. lisado do que posso fazer aqui, menos pelo esquema em si do
15 "Values and Value-Orientation . .. ", op. cit., pp. 410-411.
16 "Na c,laboração da teoria presta-se, .de longe, a maior atenção lu
que pelas considerações que a ele levam. O autor ínsiste sobre
orientações de valor (e não às idéias e crenças), porque a teoria trata,
em grande parte, da seleção de objetos e satisfações pelos atores, segundo
prescrições normativas em que as afirmações referidas ao 'dever' e il 19
. Cf . especialmen te C. Kluckhohn, "Categories of Universal Culture"
'obrigação' - valores - desempenham um importante papel", escreveu m1meogr., Wenner-Gren Symposium, · junho de 1952, Tozzer LibraC);
Richard Sheldon no que equivale a uma declaração .,~~ 4c~acordo ("Some (yer no ta 20) . Cumpre acrescentar q ue Florence Kluckhohn estava par-
observations on Theory in· Social S~ience", em Parsàns e: Shils, opciL, 11~~-larmente aten'.a as nu~nç_:1s na_con~iguração hierárquica que lhe per-
p. 40) . Sheldon acrescenta que essa ênfase sobre a personalidade e so- m1.iam apr eendei as vanaçoes nao so entre cul turas mas no interior
bre o "sistema social" redundava em cortar a cultura em duas. de um s1ste~a de valores determinado, obtendo assim uma abertura
17 Ethel M. Albert, "The Classification of Values: A Method and sobre a questao da mudança nos valores .
Jlluslration" , Ainerican Anthropo/ogist, 58, 1956, pp. 221-248.
18 A referência é a uma versão posterior de Florence Kluckhohn , "Do-
°
2
C . !<luckhoh n, "The _Scienlific · s tudy of Value", separata. Esse es-
tudo nao pode s<;_r ~11te~·10r a J~59; aparentemente, fazia parte de um
minant and Variant Value-Orientatlons", em F . Kluckhohn e F. L . volu11?~ de conferencias 111augu.ra1s que não pude identificar (pp . 25-54)
Strodtbeck (coords. ), Variations in Value-Orien/alions, Evanston, Ill., (Do~s,e Kluckhohn, Tozzer L1brary, Peabody Museum, Harvard, Uni-
1961. vers1ty),
248 O valor nos modernos e nos outro5 O Individual/smo
• 1 · . :• ••
o âmbito geral, universal, ~ projeto, embora reconhecendo o fico dos nossos problemas antropológicos. O debate filosófico
caráter provisório do esquem.a proposto. O esforço tende a tor- intimida por sua dimensão e complexidade. Entretanto, um es-
nar o esquema puramente racional: ele consiste numa série de forço para esclarecer a questão antropológica não pode pas-
oposições binárias, qualitat.i.va~. Além disso, rfghfra--se um sá-lo em silêncio. Felizmente, creio que, de modo inverso, uma
esforço no sentido de destacar, num quadro, - as associações R~!"§QectÍ'{ll_.antropo_lógic~ pode -~~~1-~r_e~_er .. um P~1:1~~ -o ·cteoãte .. <
entre traços, e de reconstituir assim, num certo grau, os sis- ~ f ü :_q, tornando assim possível obter-se uma . visão sumáriíl
temas analisados. mas suficiente.
O que explica, pois, que u:!1 __e_~fo~ç-0 sistemátic<2, contendo Existem, na matéria, duas espécies de filósofos ou, melhor
tantas percepções corretas, deixe o leitor insatisfeito? Do lado dito, dois inodos de filosofar. Um situa-se no interior da cul-
abstrato, ; restam-nos apenas matrizes em cujos quadrados de- tura moderna e tem o cuidado de levar em conta suas limita-
vemos poder distribuir os elementos de qualquer sistema de ções, sua inspiração fundamental, sua lógica interna e suas
valores. ·Apesar desse último e patético esforço de Clydc incompatibilidades. De um tal ponto de vista impõe se : a s.e• 0
Kluckhohn para a ~ úma perspecJiva estrutural,___Q\L s:stru- guinte conclusão: é impossível deduzir o que deve ser tjaquilo
turalista, ' e reaver a uniâãae··v1va a_ ~rni_no_.cormç_q_, é claro . que que é. Não é possível a transição dos fatos para os v·alores.
o todo dissipoü=se.. enf suas · pãiTes. A atomização levou a me- Juízos de realiOade·~~it,lfros _de ..v.alor~sãQ.. ~_e_ riãtureia diferente.
lhor. Por quê? Sem . dúvida, porque a tentativa consistiu, sem Bãsfa recorclarcfõfs ou três aspectos destacados ·a·a·cultura mo-
o saber, ·em unir o fogo e a água, de um lado da estrutura, a derna para mostrar que não se µode escapar a essa conçlusão.
estrutura'.hierárquica, do outro a c~~~_sif.jcaçã_o, _CO!)l.. í\.•..a.ju.d.!L.9~ Em primeiro lugar, a ciência é suprema no n.osso mundo e,
traços individuaJs. A .necessidàde-d·e classificação foi certamente · para tornar possível o conhecimento científico modif\/ipu-se,
reforçada pelo fato de que se tratava de comparar cinco cul- como recordávamos no início, a definição de .. ser, excluindo ,.
turas ao mesmo tempo, e os produtos mais válidos do progra.ma dela, µrecisam ente, a dimensão axiológica. Em segundo t lugar, ,,
1
são, provavelmente, os quadros monográficos à maneira de a ênfase sab.r.e._.Q_in.divíduo levou a interiorizar a moral, a
Albert que dele resultaram. Chega-se à. conclusão, um tanto reservá-la para a cons~iê~cia individual, ão pãssô que era se-
desagradável, de que uma comparação profunda e .sólida... dos . -pãradados outros fins- da ãção e distinguida da réligião:' O in-
valores só é possível efitre dóis sistémãs teimados como todos. diviâu-atísmo e a sep.ã ràção concomitante entre o homejn e a
Se, mais I tarde, "se "quise{· intro-<l"Li.zli_.---à --clãºssificação, ºeia.. deverá natureza desajuntaram assim o bem, o verdadeiro e o 9elo, e
partir dos todos e não de elementos enumerados. De momento, introduziram um profundo abismo entre ser e dever ser. .Essa
estamos ·m ais perto da "historiografia" de Evans-Pritchard do <sítuáçâõé- o quinhão qu·e· iios toca no sentido de que ela está
que da ",ciência na tural da sociedade" de Radcliffe-Brown . no âmago da cultura ou civilizacão moderna.
. Kluckhohn assinalou que o termo " ~ g a . f . ! 9 ._prin- Que se trate de uma situacão confortável ou ra-wável é
c1palmente no plural, chegara recentemente às ciências sociais · uma outra questão. A história do pensamento parece mostrar
vindo dã .filosofia. Via -rrele- uma espéc ic-·ae ..c oncéifo iritéfdis~ que as coisas não são bem assim, pois Kant mal proclamara
ciplinar 21 e, provavelmente por essa razaõ;· rriis tu1ivãocâ; Io;{àf: essa disjunção fundamental e já seus talentosos sL1cessores, e os
mente __valores individuais e valores d~~_g!,Y.po_. O próprio termo intelectuais alemães em geral, se lançavam em esforços· varia-
de "orientaç_ão para valores" indicá' que o ator individ1JaL é. dos para restabelecer a unidade. 'É verdade que o meio: h istó-
a preocupação dominant_e. rico era historicamente atrasado e que a intelligentsia ''alemã ,
embora inspirando-se no individualismo, ainda estava imbuída
Natpralmente, tudo isso se harmoniza com uma perspectiva
de holismo no fundo de seu ser. Mas o protesto continuou até
behaviorjsta mas é, sobretudo, a marca do background filosó-
aos nossos dias.
Deve-se admitir que, quando nos desviamos do meio e
21 Ibid., seção 2; "Values and Value-Orientation ... ", op. cit ., p. 389. tentamos raciocinar a partir dos princípios fundamentais, a
250 b valor nos modernos e nos outro;s O Individualismo 251
idéia de ,que o que o homem deve fazer não tem relação algu- certos intelectuais que abusam de falsos argumentos em defesa
ma com 'a natureza das- coisas, ·com o univer-so e com o lugar dela.2''
dele no 4niverso parecerá bizarra, aberrante e incompreensível. Acompanhamos Kolakowski especialmente num ponto; o
O mesmo.. ocorre quando' alguém leva_ em conta o que sabe11;,os perigo não decorre apenas da tentativa de impor tais doutrinas
de outras civilizações e culturas. Disse eu recentemente: A pela violência mas está contido na própria doutrina so.b a
maioria das sociedades acreditava alicerçar-se na ordem das forma de incompatibilidade de valores.'.'q ue se exprimem pela
coisas ta~·to naturais quanto sociais, pensava copiar ou traçar violência ao nível da ação: Para ·confirmar este ponto: i;ium
suas próp~ias convenções de acordo com os princípios . da vida artigo de 1922, que retrospectivamente parece profético quanto
e do mundo. A sociedade moderna pretende ser 'racional', ou aos desenvolvimentos alemães subseqüentes, Karl Pribram assi-
seja, ela '.desliga-se da natureza para instaurar uma ordem hu- nalou a semelhança dé estrutura e a incongruência paralel~ do
mana autônoma."zz Pode-se, portanto, estar propenso, num nacionalismo prussiano e do socialismo marxista. Ambos, dizia
princípio; a simpatizar com os filósofos qu~ tentaram restaurar Pribram, apresentam um salto de um. fundamento individualista
a unidade entre fatos e valon~s. Suas tentativas testemunham o para uma construção holista ("universalista"), num caso o Es-
fato de que não estamos inteiramente desligados do modelo tado, no outro a classe trabalhadora, que são dotados pela
comum da humanidade, o qual ainda está presente em nós de doutrina de qualidades incompatíveis com os pressupostos ini-
algum modo, subjacente no q1;1adro impera~ivo da mode!nidade ciais e, portanto, ilegítimas.25 Em tais conjunturas, o totalit4ris-
e modificando-o tim pouco, talvez. Mas este1amos prevemdos . .. mo está contido em germe. Os próprios filósofos nem sempre
A tentativa ·pode assumir diferentes formas. Uma delas são sensíveis a tais incompatibilidades, mas é verdade que suas
consiste em aniquilàr completamente os valores. Declara-se que construções raramente são aplicadas à -sociedade,2il
os j~ízos de valor ou_ estão desprovidos -~~ 5-~1!t_~9..<:_º-~ sã9::.-.il Neste ponto, uma questão se impõe: é cômodo ligar o to-
expressão de _simples humores ou estados __ afet1yos .• Ou entao, talitarismo a tais incompatibilidades - e, no entanto, existem
para certos pragmatist~s 1 os fins sã~ reduzidos.~. meios: cons- incompatibilidades nas sociedades sem que elas se desenvolvam
truíãa--ffina c1Ire-gmiá- de "valores mstrumenta1s , passa-se a nesse flagelo. Tõnnies insistiu nisso: - "comunidade" e " socie-
negar a existência de "valores intrínsecos", isto é, de valores dade" estão presentes como princípios na sociedade moderna.
propriamente ditos?·.s Tais tentativas parecem, de fato, indicar Uma resposta provisória é que elas se · situam em níveis dife-
a incapacidade de certas · tendê_?.c!~ fiJ9_s_ó_ficas___p_a(~ . ~1rnfü;_;rr a rentes da vida social, ao passo que é característico do artifi'cia-
v1da·-num'ãriareàr.e..lllãrc..ai:..1lm_impasse .dJLindividuahsmo. Um lismo negligenciar esses píveis e tornar assim possível a coli-
outrÕtipo pode ser visto como um esforço desesperado para são entre o que ele introduz conscientemente e um substrato
transcender o individualismo mediante o recurso a um ersa.tz que ele não conhece verdadeiramente. B muito possível que
moderno da religião. Sob a sua forma marxista e, a partir daí, exista, na verdade existe, uma necessidade de reintrg_c_luzir um
de um modo bastante similar nas ideologias totalitárias em certo grau de holismo em nos~as.__sociedade.s . iqd_ividi,i; Hstas,
geral, essa: doutrina revelou-sé funesta; por vezes, é co~siderada m~~}~~~-~-~?_.P_.?~~ sefrert?=-~ -n~yeis .sµb_ordi:ta~<?,S -~ ~l_ar~JTie_nte
sinistra, pelo menos no continente europeu, e com razao. Nest~ aft~!.ªdos,._de_modo- ~ ..!_ffi.P_e..d.!.r t_o.d_~_~ qualquer . ç:pnfhto. de
ponto, temos de nos colocar firmemente ao la~~ . de.K,~l?~o~sk1 vulto c9m. ---
o valor
-~ ·• . preêI~minante. O_!l . primário. Isso pode ser
~
feito, portanto, na condição de se introd_t1zi.c uma_ar.tkulação no sentido de que a comparação implica um fundamento uni-
hierárquica·· mtiftõ cofüplexá;--ãfgo de--paralelo, mutatis mutan- versal: é necessário que, · em última análise, as culturas não
dis, à etiqueta altâm·ente ·-elaborada da China tradicional. 27 pareçam tão independentes umas das outras quanto pretende-
A coisa será esclarecida mais adiante. Em todo o caso devemos, riam e que sua coesão interna parece assegurar.
an tes de tudo, enquanto cidadãos do mundo e de um Estado Em outros termos, o nosso problema é o seguinte: como
particular nesse mundo, permanecer fiéis, com Kolakowski, à podemos construir uma passagem entre a nossa ideolqgja mo- !
disti nção kantiana como a uma parte integrante da configuração derna que separa váloré_s_ e. i·,Iafos" e as outras ideologias onde
moderna. , '- õsvâlores estão ''imbricados" na _conce_pçtío__ ·ao-- mundô?''ó
Qua_i~ são __as conseqüên~_ias dessa di~tinção para a .ciência A:-questao ·naifa-lêm ôe ft'.1tir;-ümã·vez que, não o esqueçãmos,
social? ..Passaram os tempos em que uma . ciê.ncia befiaviorista o problema está presente no mundo tal como ele é. B um fato
bania o estudo dos valores com o das representações conscien- que as culturas agem umas sobr~Q.!.1!.ra1__e, .P-9.):t~QtO, comu-
tes em geral. Esfiidàvani=se·-ãf.reprêsentações- sõdáíscõmotãfós 1!.iS.8.I_!l. ' de .algumi -rii?n-~frii.._1P.e.êJi2~!~-~!lJe. Compete à antro-
sociais de uma espécie particular. Duas observações se impõem. pologia dar uma forma consciente · a essas experiências mais
Em primeiro lugar, é claro que essa atitude "livre de valor" ou menos precárias e responder assim · a uma necessidade con-
(value-free) assenta na distinç~o kantiana, sem o que a nossa temporânea: Estamos ·empenhados na tarefa de reduzir a dis-
visão ingênua dos "fatos" suscitaria forçosamente juízos de tância entre osº nossos dois casos, de reintegr3r o caso mo-
valor, e ficaríamos encerrados no nosso próprio sistema, so- derno no caso geral. De momento, tentaremos formular com
.ciocêntrico como todas as soc?edades são - salvo, em princí- maior precisão e -solidez a relação entre eles._·
-pio, precis-amente a nossa. Este ponto apenas confirm~_ (?___y,ín- De um modo geral, os valores estão intimaµien te cq'mbina-
culo existente. entre a ciência t: __a_disti12s.ão ser/dever ser. Mas, dos com outras representações. Um "sistema . .9e_y~lor.es'.' é,
·nesse casó, a nossa perspectiva está filÕsêifícãmênte s'újeíta a assin1, __uma.. ahs.tr.a ç.ã.o extraída de _u_m ro.ais v_asto __sist~'ma d.e
cautela. P;ode-se sustentar que devemos· distinguir entre tirania ÍCÍéias e valores. 81 Isso IµW- é...v.er.dadeiro soqi~nt~ das· socie-
e poder legítimo. Leo Strauss afirmava, contra Max Weber, dâdetnãô-=rriõdêrnãs mas também, com uma só exceção, das
que a ciência social não pode deixar de avaliar,23 e é verdade soci-e-d·a aes modernas - exceção ·essá, · q·ue é cardeal,. •envol-
que Weber foi levado por sua atitude "livre de valor" a ven-dn-õs · v·ãfores- mõrais (indiviaüãis) · em sua relação· -}com o
conseqüências indesejáveis, como a de admitir uma ética da cõnhecin1énto "objetivo", científico. Pois tudo o que dfssemos
convicção1 Mais radicalmente, pode-se pretender que os valo- acima acerca do dever-ser relaciona-se exclusivamente_'' com__ a
res não podem realmente ser compreendidos se não se lhes rno~~J.~LY.i.P.1 J;r::5.~~ Quê êSSa rnoralidaJb.•sej~,
aderir (estamos • aqui muito perto da tese marxista), e que rela- á'Õ mesmo tempo que a _c1encia, suprema na nossa con~c1encta
tivizar os valores equivale a matá-los. A. K. Saran afirmou essa moderna n~i.1!1P..e.~e _ffil_e.__<!l~---c_?~~~t~ _com outras nor~'as, va-
tese em perfeita lógica numa discussão.2 º Se assim é, as culturas lores da espécie ordinária, os da ética· social tradicional
não podem comunicar entre si, existe solipsismo cultural, re- --------- . ~
torno ao sociocentrismo. E, no entanto, há certa verdade nisso,
JO Como n referênci:1 à "imbricnc;fio" (embeddedness, em inglês) tnlvez te-
nha lembrado no leitor, seguimos nqui os passos de Karl Pol:inyi, so-
mente amplinndo sun tese sobre o caráter excepcional da civilização
n V cr ncimn. pp. 214, 235. Seria desnecessário acrescentar que, para moderna (cf. p. 14). ,
ser eficaz, tal distinção de níveis deve estar presente na consciência dos 31 Vimos este mesmo ponto sublinhado tanto por Pnrsons e Shils (op.
cid.idãos. cit.) quanto por Kluckh ohn (cf. ncimn. p . 245). Este (tltimo :inalisa ~
28
Leo Strnuss, Droit Naturel et Histoire; Paris, Plon, 1954, cap. II. relnçiio entre dnclos normativos e "existenciais" ("Valucs and Vnluc-
e p. S5 (original: Nalural Right and History, Chicago, 1953). . Orientntion ... ", op. cil., pp. 392-394): ele cita (p. 422) Herskovits a
29
Cf. Dumont, "A fundamental problem in the Sociology of Caste", resp·eito do "foco de cultura" (c11/1ura/ /ocus) onde se ligam a distribui-
Contrib11tions to Tn diat1 Socio/ogy, IX, dezembro de 1966 (pp. 17-32), ção dos valores e a configurnçiio <las idéins (cf. H AE !, pp. 28-29, e
pp. 25-27 .. ncimn, p . 235). ·
• 1
:!
254 O valor nos· modernos e nos outros O Individualismo 255
mesmo qµ~ se produzam sob os nossos olhos certas transições, querda diferem tanto em valor quanto em natureza, pois a rela-
certas sub~tituições de 1:1ns por outros. Foi assim que o v-alor ção entre parte e todo é hierárquica, e uma relação diferente
moderno .~a igualdade se propagou nas últimas décadas, nos significa, neste caso, um lugar diferente na hierarquia. Assim
países europeus, a domínios onde a ética tradicional ainda pre- é que as mãos e suas tarefas ou funções são, ao mesmo terppo,
valecia; desde a Revoluçã_o francesa, cujos valores a subenten- diferentes e . respectivamente superior e inferior.3 3 / .
diam, até aos nossos dias, a igualdade das mu_lheres não se
1
•
Há algo de exemplar pessa relação . direita-esquerda. 'i.fra-
impusera contra a subordinação resultante de todo um com- ta-se, talvez, do melhor exei:nplcf de -un:úfi-'elação concreta indis-
plexo de : instituições e representações. A luta entre os dois soluvelmente vinculada pelos sentidos à vida humana, da <tSpé-
"sistemas :.de valores" intensificou-se agora e o desfecho ainda cie que as ciências físicas negligenciaram e a antropologia
não foi consun1ado: os nossos valores individualistas colidem poderia muito bem restaurar oú reabilitar. Creio que ela ,nos
com a inércia considerável de um sistema social vivamente ensina, antes de tudo, que dizer "concreto" não é dizer ',' im-
atacado e que perde gradualmente a sua justificação na cons- pregnado de valor". Isso não é tudo, pois tal diferença de
ciência. valor é, ao mesmo tempo, questão de situação e será necessá-
A. inseparabilidade da-s idéias e dos · valores é · perfeita- rio prestar-lhe atenção. O fato é que, uma vez atribuídas
menté· -~iÜvel numexe·m plo como o da distinção entre direita certas funções à mão esquerda, a mão direita, embora irian-
e esquerda. Essa . distinção está muito divulgada, pode-se até tendo-se superior no conjunto, será secundária quanto ao exer-
dizer que é müversal, e ainda a encontramos. entre nós, de cício dessas funções. • ,
algum ·modo, embgra a nossa atitude a esse respeito esteja O par direita-e-esquerda é, ao mesmo tempo, indissoluvel-
de pleno acordo com a ideologià moderna. Temos o hábito de mente uma idéia e um valor, é um valor-idéia ou uma idéia-
analisar essa distinção em dois componentes. Vemos aí, essen- valor. Assim, certos valores, pelo menos, de uma dada popu-
cialmente, uma oposição simétrica, ou seja, em que os dois lação estão tecidos em suas próprias concepções. Para desco-
pólos .têm o niesnio status. Que, na realidade, os dois pólos bri-los, não é necessário averiguar as escolhas de pessoas. Esses
tenham valores desiguais, que a mão direita seja considerada valores nada têm a ver com 9 preferível ou o desejável -
superior à mão esquerda; parece-nos um traço arbitrário; sobre- salvo que supõem não ter sido obliterada a percepção ingênua
posto, que. nos empenhamos em explicar. Era esse o estado da relação entre o todo e as partes, portanto, da ordem. tal
de espírito' de Robert Hertz quando escreveu o seu ensaio que como é dada na experiência. Os modernos tendem a definir
se tornou ·clássico e ainda hoje possui plena validade. Ora, o valor em relaçã_o com a vontade arbitrária, o Kürwille de
trata-se de um erro completo. Como eu disse alhures, a refe- Tonnies, ao .p asso que nós estamos aqui no domínio de Natur-
rência ao corpo como a um todo a que pertencem mão direita wille, a vontade natural, esip0ntânea. Estritamente, o todo não
e mão esquerda~ essa referência é constitutiva da direita, da é preferível às suas partes, é-lhes simplesmente superior. A di-
esquerda e da distinção entre elas. 32 Isso deveria ser evidente: reita é "preferível" à esquerda? Ela é tão-somente oporl1111a
tome•se uma oposição polar qualquer, adicionem-lhe uma di- em certas circunstâncias. Se se insiste, o que é desejável é agir
ferença de valor, e não se obterá a direita e a esquerda . Tendo de acordo com a ordem das coisas. Quanto à . tendência mo-
a direita e ·a esquerda uma relação diferente com o corpo (uma derna para confundir hierarq l!ia e poder, quem pretendelia,
relação direita e uma relação esquerda, por à·~sirp ;·dizer); elas portanto, que a direita tenha poder sobre a esquerda? Mesmo
são diferentes em si mesmas_. (Não são duas entidades situa-
das em diferentes lugares, a nossa experiência sensível o diz 33
A relação entre o todo ·e a -parte foi definida anteriormente como
claramente.) Como partes diferentes de um todo, direita e es- oposição, hierárquica ou englobamentc do coi:itrário (acima, p. 228; HH).
Para Tomás de Aquino, a diferença sugeria, por si só, a hierarquia:
"vê-se que a ordem consiste 'principalmente em desigualdad e (ou diferen-
32
ç~: disparitate)", cf. Gierke, Political Theories of tltc Middle Age, op.
Cf. acii;na, cap. VI, 2.' parte. cit., Beacon Press, 1958 (= DGR III), nota 88.
O Individua/ismo 257
256 O valor nos modernos e nos outros
o seu precjomínio, ao nível da ação, limitado ao cumprimento Na concepção não-moderna que tentei reconstituir acjui, o_
das funçõe's que lhe competem. valor da mão direita ou da esquerda está enraizado em sua ' ,...
A questão dá-nos também uma indicação quanto ao modo telação__cqm o corpo, ou seja, em um nível de ser superior:
o valQLde uma entidade está, pois; numa estreita relação de
como nós., modernos, conseguimos esvaziar a ordem em que as
coisas são dadas. Com efeito, não deixamos de ter.. uma mão d~ndê11cj.fl_e_f!1__ _f_~ê_e· de umii hierarqu_~a . de nív~is de_ expe-
direita e uma esquerda, e de estar relacionados com o nosso riência onde e].sa_ enti9~cie se situa. _Tal é, poss1velme11te, a
péréepçãÕ___iiú"portante que os· modernos omitem, ignor~m ou
corpo, assim como com outros todos·. Mas nos tornamos tole-
rantes em relação aos canhotos, de acordo com o nosso indivi- suprimem sem saber.3 5
dualismo e a desvalorização das mãos. E, sobretudo, tendemos
a decompor a relação original, separando os valores das idéia~ mos e as sociedades são hierarquias em níveis múltiplos de todos par-
e, em geral, dos fatos, o que significa que ~~ip_o~idéi~~ ciais ou subordinados (sub-wholes) semi-autônomos, dividindo-se · em to-
fatos dos todos em que.....eles.._se encontram, na re_!}lidade, Em dos parciais de ordem inferior, etc. Introduziu-se o termo "holon" para
designar essas entidades intermédias que funcionam como todos féchados
vez de rel~cióriar o ·nível consiclera'do- - direito e esquerdo - sobre si mesmos (self-contained) em relação a seus subordinados na hie-
com o nível superior, o do corpo, limitamos a nossa atenção rarquia, e que funcionam como partes dependentes em relação a seus
a um só ri_ível de cada . vez, suprimimos .. a _s_ubõrcITnação. _sepã- superiores (superordinates)" [o grifo é meu]. Vê-se que Koestler consi-
rando os .seus elementos: -·Ésse afastamento da -subordinação dera a hierarquia uma cadeia de níveis, ao passo que eu insisti na rela-
ção elementar entre dois níveis sucessivos. A definição de holon é ex·
ou, para designá-la por seu v·e rdadeiro nome, da transcendên- celente. Cumpre apenas hierarquizar de novo as duas faces desse} ~no:
·cia, substitui uma visão em profundidade por uma superficial, a integração de ca,d a todo parcial como elemento daquel~ que Ih: e m:e·
'sendo essa, ao mesmo tempo, a raiz daquela "atomização" de diatamente superior é primária, a sua integração própria ou afirmaçao
-que se queixaram tão freqüentemente os críticos românticos própria (self-assertion) é secundária (HH, posfácio).
Assinalou-se o reconhecimento da hierarquia dos níveis em Gregory
ou nostálgicos da modernidade. De um modo geral, a ideolo- Bateson (ver acima, nota 9). Um biólogo, François Jacob, introduziu o
gia moderna, herdeira de um universo hierárquico, disper- "integron" num sentido semelhante ao holon de Koestler (La Logique du
sou-o numa coleção de pontos de vista superficiais. Mas estou vivanl. Une histoire de /'hérédité, Paris, Gallimard, 19-70, p. 32~).
35 Será possível que o que é verdadeiro de entidades ou de todos par-
me antecipando.3 ' ticulares (os sub-who/es ou "holons" de Koestler) também seja verdadeiro
do grande Todo, o universo ou o todo · dos todos? Será possível que
esse Todo, por seu turno, necessite de uma entidade superior donde
34 Afirmar. que o modo· moderno de pensa~ento é destruidor dos todos derive seu próprio valor? Que só se possa integrar em si mesmo subor-
~e que o h~mem se via até entiio cercado pode parecer excessivo, até dinando-se a algo acima dele? Ê evidente que as religiões têm aqui um
mcompreens1~el. .Entretanto, penso que é verdade no sentido de que lugar, e se poderia até tentar deduzir ao que é que o Além deve as~eme-
cada todo ~e1xou de ser fornecedor de valor no sentido acima. Se nos lhar-se, em cada caso, para que possç1 ser o termo final. Poden_amos
"?ltarmos para as nossas filosofias com esta simples questão: qual é a dizer então niío só, com Dui'kheim, que os homens sentem a necess!dade
d!ferença entre u!11 todo e ·uma coleção, a .maior parte delas são silen- de um complemento para o dado "empírico" mas que essa necessidade
~1osas ~ _tal respe'.t?· e, qua1;d? fornecem uma resposta, o mais provável visa uma culminação do valor. Essa especulação é suscitada pela con-
e. que sei a .superf1c1al ou m1st1ca, como em Lukács (cf. Kolakowski, op. cepção totalmente oposta de Lovejoy. Ele começa sua obra clássica so-
c1t.). Cons1~ero exem~lar .9ue a constituição do sistema de Hegel resulte bre a Grande Cadeia do Ser (The Great Chain o/ Being, op. cit.) definindo
c!c um desvio na locahzaçao doi'f.bsoluto, ou ·do valor infinito, da Tota- 11 "ultramundanidade" (otherworldliness) como uma atitude geral pre-
sente sob diferentes formas em algumas das grandes religiões, e consis-
lidade do ser (nos escritos da juventude) para o Devir da entidade indi-
vidual - domo penso mostrá-lo em detalhe em outra parte. Existe, de tindo em escapar à incoerência e à miséria deste mundo através do re-
fato. uma pequena corrente de pensamento holista mas também ela . fúgio no nlém, Lovejoy postula uma separação absoluta entre essa atitu•
ostenta a marca ela dificuld'ade que o espírito moderno experimenta na de e o mundo: este nada mais é do que um lugar donde fu17ir e sobre
matéria; cf. D. C. Phillips. Holistic Thought in Social Sciences Stanford o qual a ultramundanidade nada tem a dizer (ibid., pp. 28-30). Isso é
llniversity Press 1976 (discussão por vezes tendenciosa). U~ livro de passível de interrogação. Tomemos, como Lo:,rejoy tende a fazer, uma
Arthur Koestler constitui uma exceção (The Ghost in lhe Machine Lon- forma extrema de ultramundanidadc, como o budismo. Sem dúvjda, Bu-
dres,, _Hutcpinson, 1967) [Título da edição brasileira: O Fanlas,~a da da não se entregou a justificar o mundo. Entretanto, ele forntceu-lhe
Máqurna, Zahar Editores, 1969]. Citemos o seu resumo: "Os organis- uma espécie de explicação, negativa, é verdade,. De um modo :~eral, o
O Individua/ismo 259
253 O . valor nos· modernos e nos outros
tanto, se lhes assimila: os serviços. 38 :É, casualmente, um exem- mente modernas. Darei alguns e~emJ)los de um contraste fla-
plo de subordinação das relações entre homens (os serviços) às grante entre cultur..a...LD.~.Q:IT19.c!ernas e cult!,lra moderna, _relati- •
relações entre homens e coisas (os bens), e se tivéssemos de vamente à mãrielra como as distinções·· nelàs .. estãoorganizadas
estudar, por exemplo, um sistema de trocas melanésio, seria ou configuradas. Aqui e ali, a impressão é inteiramente dife-
indicado inverter a prioridade e falar de prestações e bens na rente. Por um lado, como eu dizia a respeito da índia, as
medida em que as p restações (relações entre. homens) incluem distinções são numerosas, fluidas, flexíveis, "correm indepen-
coisas ou englobam seu contrário; as coisas. ✓--- • dentemente urnas das outras numa rede de fraca densidade"; 30
_ Já s~ fez alusão à segunda c~racterística, a<0_::ersã9) A re- elas também são~t)!1,1a_das de.. --modo . diverso segundo as
laçao lóg1q1 entre sacerdote e rei, tal como se ericôntrou na · sitlli\ÇQes, .ora situando-se no primeiro plano, ora esfümando-se.
lndia ou, mais perto de nós, cinco séculos depois de Cristo, na Quanto a nós, pensamos a maior parte do tempo em branco
pena do papa Gelásio I, é exemplar a esse respeito. Em ma- e preto, estendendo num vasto campo claras disjunções (ou
téria de religião, portanto, de modo absoluto, 9.__sacerdote é isto, ou aquilo) e utilizando um pequeno número de fronteiras
superior ao rei ou ao imperaçlqr a. quem _a ordem pública está rígidas, espessas, que delimitam entidades sólidas. Cois? notá-
confiada. Mas, ao mesmo tempo_,__o sacerdote obecfecerf'ao rei vel, · encontrou-se recentemente o ·mesmo contraste em tçologia
em questõés de or_dem pú.blica, ou seja, nu-~ ..dorr{ínio· subo;.di- política entre o cristianismo primitivo e o final da Idade Média.
l}ado (cf. acima, cap. I). Esse quiasma { ciii·acierístico da h ie- Segundo Caspary, '.'o lento crescimento dos modos escol"ásticos
rarquia de tipo explícito. Só se obscurece quando o pól~ ê- e jurídicos de pensamento", acentuando "a clareza e as dis-
:ior ~e u_~ a ?.PO?i_çã9_hierárquigi_çsii_~~i~-~ o todoe _o .P~.o tinções, mais do que as inter-relações", isolou a dimensão po-
mferfor somente é determinado _em __ r~_Iaç_ã.Q.. ~omele,-- êorno no lítica, ao passo que "os símbolos transparentes de múltiplas
_exemplo de Adão e E_va, em que Eva é criada .de uma pàrte facetas. . . tornaram-se emblemas unidimensionais e opapos" .~0
do corp~ d_e A ~ão. Nes_te caso, só no plano empírico, ou seja, Um contraste semelhante foi assinalado na psitotogia
fora da 1d~olog1a propriamente dita, é que a inversão pode ser moderna por Erik Erilc~on. Examinando a formação d~, iden-
detectada, como quando numa família a mãe é vista como tidade no adolescente, ele estabelece o contraste entr~ duas
a figura dominante mas, em princípio, ela está subordinada a conclusões possíveis do processo a que chama, respectivlimente
·ª
seu marido. ~ - ~~we~são e~tá _i nsc;-i t~_!}_a__e_:ii_1:u t~~~J~g~_q_u_e _ "integridade" (wholeness) e "totalidade" (totality), como duas
formas ou estruturas diferentes da "inteireza" (entireness). 41
segunda função e defini9.a.~. ela _imp)ic_a _a _inv_er~ão J?ara _as_ si- .
tuações qüe lhe pertencem. Por outras . palavras, a __hierarquia Como Gestalt dada, a integridade enfatiià uma
é bidimensional, não envolve apenas as entidades consideradas mutualidade sã, orgânica, progressiva, entre fonções
mas também as situações correspondentes, e _J~ssa bidimensiona- e partes diversificadas de um inteiro (entirety) cujas
lidade implica a ·inversão. Por conseguinte, nã~ {bastãnte falar fronteiras [o plural é nosso] são abertas e flutuan-
de diferen~es "contextos" enquanto distinguidos por nós, pois tes. Pelo contrário, a totalidade evoca uma Gestalt
eles estão . previstos, inscritos ou subentendidos na própria cujo acento recai sobre uma fronteira absoluta;
ideologia. É preciso falar dç diferentes "níveis"_ que são dados,
hiera.rquizádos ao mesmo térlipo' que ' as ··entidades correspon-
dentes. 39 La Civilisalion indienne e/ nous, ed. -de 1975, op. cit., p. 30.
40 Caspary, op. cit., pp. 113-114, 189-191. Deve ser lida toda a con-
Em terceiro lugar, os valores__são _freqüenteme11te s_egmen- clusão. ,
41 Não soube encontrar tradução satisfatória dos termos ingfeses .do
tados ou, tile_lhor, _dig:mos que o valor é norm_a_l ~e --~egm.en~ autor. O leitor é solicitado a considerar as palavras francesas como sig-
tado em sua aphcaçao, salvo nas representações êspecifica- nos arbitrários que remetem às definições de Erikson. [Esta nota refere--
se, evidentemente, aos leitores de língua francesa e os termos ingleses
foram traduzidos por complélude, totalité e enliereté, respectivamente.
38 Cf. HAE I, índice, s.v. Hierarquia, exemplos. N. do T.]
• f ( '
262 O valor nos modernos e 110s outros O Individualismo 263
dado um certo contorno arbitrário, nada do que tem eia através de toda a nossa história, desde o neoplatonismo
lugar no interior deve ser deixado no exterior, nada até ao século XIX; como mostrou Arthur Lovejoy no livro que '
do que deve estar no exterior pode ser tolerado no lhe dedicou e teve enorme repercus_são (op. cit.). O mundo
interior. Uma totalidade é tão absolutamente in- é apresentàdo como um11 _s~rie_~ontínua de seres, do maior ao
.-' clusiva quanto puramente exclusiva, quer a catego- menor. A _9J..?_I!_d_~ C..i.!d_ejp.____çl_o _S._
~!... c_oipoina.,.. diz-nos Lovejoy,
... ria-a-tornar-absoluta seja ou não lógica, e as partes ~plellitü~~. continuidade~grada_çM~_:}E,.., uma espéci~ dd escada
) tenham ou não, por assim dizer, um pendor recí- se~!.e_ta_: os de_gy.g.IJ,_lli!__y.§.Ca~~~sãà in@;pJ.9s ~ t~l_ pq:nto..que a
.. proco.-1.• distância_enfre dois_degraus_ torna-:~e-· irisignificante e não deixa
•:
Não · podemos continuar acompanhando aqui a excelente nenlium espaço vazio; a descontinuidade entre espécies de
exposição de Erikson . Retemos apenas a percepção de duas seres diferentes é vista, assim, comÕ___ üinã.. cõ1ifiriuidade do Ser
concepções ou definições de um todo, uma por uma froI)teira CO~otlm _Jod.9.- o__iiP.~.fto__hier~rquico está em evidência e,
rígida, a o_u_tra pela interdependência e a_ _coer"ériciiJ_11Í:ern_iis." entretanto, uma reflexão mostra que Lovejoy não lhe faz intei-·
Do-riosiio pontÕ..de" vista~- â primeira é- ·moderna, arbitrádã-·e;· éle ramente jus. Tal como a maioria dos modernos, ele foi incapaz
algum. modo, mecânica, a segunda e traçl_1c10nal e es.tru"turã[{ 3 de Y.eL _ª _fo11ç_iiq_ ~ª-..biera_rquia no conjunto. Prestou pouca
Deve • ser éláro que tais corí.trastes entre representações aténção ao único traço que possuíamos a respeito da hie1·arquia,
segmentadas e não segmentadas não nos afastaram da con- o do Pseudo-Denis o Areopagita, na verdade um duplo traço
sideração dos :v.alores. Em primeira aproximação, o contraste sobre a hierarquia celeste e terrestre. Eis a definição de_Denis:
, é entre valores holistas no primeiro caso e valores individua- 1. A hierar_q.uia._, em meu entender, é uma ordem
listas rio según-ÔQ~-~---·- ·- ····•--·--· ·. -· · · · ·---·- ·· · ·- · ·
Sa8!_ada, uma_ciên_cia, uma atividade que ·se..assimi-
Devo a Robert Bellah uma soberba referência à hierar- la, ..tanto quarifo · possível, ·· à deiformidade e, se-
quia em Shakespeare. Na .Cena III de Troilo .e Créssida, Ulisses gundo ,~~---.!!'-!!n.im1ções de q1:1~. Deu_s a_ tenha _dotado, .·
proriünctf Gm lo'rlgo elo.gio da ordem como "grau" (degree): · elêvàndo-se à medida de suas forças _par;i a imita-
The heavens themselves, ·the planets, and this centre ção de Deus - e se a Beleza que convém a Deus,
Observe degree, priority, and place, seiido simples, boa, -princípio de toda a iniciacão
Insisture, course, proportion, season, form, é inteiramente pura de toda a disscmelhanca ,El~
Office and custam, in ali líne of arder . .. 44 faz participar cada um, segundo o 1,eu vaÍo;·, na
luz que existe n'Ela, e Ela aperfeiçoa-o numa mui
Existe um exemplo ímpar da_ seg_~1en~f:1_Ç~Q ..QQ valor. É a divina iniciação, afeiçoando hrirmoniosamente os
representação do universo como uma hiera~q1:1,ia linear -chamada iniciados à imutável semelhança de sua própria
a Grande Cadeia do ..S_er, a qual exerceu uma grande ínfluên- forma.
'·- ·-
2. A_ finalidade da hierarquia é, portanto, na
meâid·a- -do·--possível~ · úrria assin1ilação e união a
42 Erik H. Erikson, Insight and Responsibility, Nova Iorque, Norton, Deus ... 45
1964, p. 92. .
43 Erikson considera as duas formas como normais/ ·embo"~a uma seja Cumpre sublinhar que em Denis o acento recai sem·pre so-
evidentemente inferior à outra ("mais primitiva"). Ao mesmo tempo, a
sua lücidez faz-lhe assinalar a transição possível da forma mecânica para
bre a comu~icaçãó, ~~o ..1!:~:l--~-~-~~bilidade, pelo menos . em >
o totalitaris/no. Desse ponto de vista, a fraqueza e até a ausência da nossa acepçao do termg_,:::0s. an3os e outras--criaturas situadas
forma estrutural no discurso filosófico moderno é notável. _ elítfe""Déüs•--e-··o-homem existem para transmitir e reproduzir a
44 Os próp!rios céus, os planetas e este globo central
Estão submetidos ao grau, prioridade e graduação,
·r
1
Regras, urso, proporção, estação, forma,
Atribuiç: o e hábito, que observam ~om invariável ordem . . .
45
Pseudo-Denis, o Arcopagita, La Hiérarchie céleste Ed. du Oerf; Pa-
ris, 1958, p . 87. '
1
264 O valor nos modernos e nos outros 1. O lndividtta/ísmo 265
palavra de Deus, _que os homens não poderiam ouvir de outro que não está completamente ausente da -sociedade moderna mas
modo, bem como para facilitar a ascensão da alma.4° nela sobrevive parcialmente, num certo grau, é um fato que
Não basta, portanto, falar de uma transformação da des- a própria ideologia moderna é de úm tipo muito diferente, que
continuidade em continuidade. De um modo mais amplo e é tão excepcional quanto Polanyi nos disse em relação a um
mais profundo, a Grande Cadeia do Ser apresenta-se . como de seus aspectos. Ora, como já vimos, a ciência tem um lugar ·( ,
uma forma na qual as gifer.enças_sãq_r<eÇ.9.ohecidas,_sem. deixa= e um papel predo~inantes na ide~lg_gta :.rr1od~rn.a. Daí resulta
~- rem de estar subordinadas à unidade ·e.. englobadas..nela. que a~ idéias modernã·s; científicas e, ef!!_~_~ande med~da, tam-
Nada .poderia estar mais distante desse quadro grandioso bém filosóficas, . estàiiâõ -ligãcfã-s··-ã·osistema _moder.no.~de valo-
do que a "barreira da cor" (calor bar) dos Estados Unidos. res, âd;ptam-se mal, __ fp_m freqüência, ao . estudo ar:itropol<Sgico
Sem dúvidã,- rião existe..l:iõmologia, pois essa última representa- e à compai:~ção soci9J9gfcji~ De fato, qecorre do vínculo entre
cão está limitada aos homens - de acordo com a cesura mo- -·e.
id"éfas valores que, do mesmo modo que devemos estar
derna enfrf o homem· e a natureza. Mas é .tão característica "livres de valores" em nosso "laboratório", também deverÍa-'' ---·
do modo de pensamento mode.rp~ _ q~~~to_ ·ª .Gra~_ct'~ .::.-G?defa tnõs;--em - prfricípio, fti~ta~:~<?.~- a aplica~_-~_s_ nossas próprias
o é do modo tradidónál. Todos os homens, em vez de estarem idéias sobretudo_as _nóssas idéias-mãrs·-habituais e fundamen-
divididos éomo· ..precedentemente numa multidão de · ordens, tais,=)·õ o·b jeto_ de__est~_~.Q-~ Isso é, ..s.e in 'dúviaà, difícil, para
condições ou status em harmonia com um cosmo hierárquico, não dizer impossível, porque não podemos estar "livres de
são agora ig_uais, com _uma única exceção. Cqmo se as. nume- e.
idéias" no trabalho. Eis-nos .tólhiâós 'e'ntre à- crüz a caldeiri-
rosas distfoções se tivessem coagulado . numa :fr~mteir_a absoluta, nha 'da obscuridade e da incomunicabilidade. As nossas fer-
-intransponível. A ausência das nuanças que ainda se encontram ramentas intelectuais não podem ser todas substituídas. ou mo-
em outros lugares, ou no passado, é característica: no presente dificadas ao mesmo tempo. A esse respeito, cumpre-nos operar
-caso, nada de mistura de sangue,_~ulatq$ ou me.stiç_os: _o que passo a passo, fragmentariamente, e é isso o que a an.tropologia
não é' branco puro é negro. B evidente que atingimos aqui o tem feito, como sua história nos mostra. A re).utâucia em_ t_10s -
oposto perf_eito da segmentação. O çontraste é tão decisivo que col_ocarmos __a .PÓ.§ _I)Jesmo~_!!_111 __qu~~?.9 - é nisso que,redunda
se pode.ria quase falar de anti-segmentaçµo, e a semelh~nça com o' esfórço - inclina-nos a fazer demasiado pouco, ao Jiasso que
os outros exemplos citados tende a mo_striir q.ue...essa forma é . a ambição pessoal nos impele a fazer demais, sem kvar em
característica da ideologj_a mod_e rna. .- · conta a comunidade científica.
Com a hierarquia, a inversão e __ à ___~~gJ:l!e!.lta.ção,_~prende- A propósito do uso possível de um dado conceito, pode-
mos algo sdbre a configuração dé valoi:es_d_o tipo co.mum, . não-· ria ser útil possuir uma visão mais clara do seu lugar entre
moderno, sou teiifádo a dizer, norm_al. Tal configuração é parte
os valores modernos. Damos um exemplo. A distinção abso- -·
integrânte ;do sistema de representàções _..(idéia~~-valores), a
luta entre . sujeito e objeto é evidentemente fun dame1~tai "pãra
que chamo, para ser breve, fd~õlõifüi. Esse tipo é muito dife-
rente do tipo moderno ou, mais precisamente, ficando entendido
ngi:=-i somos propensos a aplicá-la sempre, mesmo;_·-sem nos
darmos conta disso. :É claro que ela está ligada a certas idéias·
que mencionamos e que está fortemente valorizada.-n Ao
46 Muito semelhante é a funçãÕ. 'cio Amor (Eros), tal como a descreve mesmo tempo, é pertinente quanto a um problema contempo-
Diotima em O Banquete de Platão: é um demônio (daemon), ou seja,
um ser interinediário entre os deuses e os homens, tem por função "fazer
conhecer e transmitir aos deuses o que vem dos homens e aos homens 47 Essa distinção acompanha, em particular, o primado da:s relações
o que vem dos deuses: as orações e os sacrifícios dos primeiros, as injun- entre o homem e a natureza e, já por essa razão, é excêntricir para um
ções e os favores dos segundos, em troca dos sacrifícios; e, de um outro sistema que acentua as relações entre homens. A distinção é fortemente
lado, sendo intermediário entre uns e outros, o que é demoníaco é com- acentuada em valor até nas valorizações contraditórias do sujeito e do
plementar de modo a colocar o todo em ligação consigô mesmo" (Platão, objeto no positivismo e no idealismo, como nos lembra Raymond Williams
O Banquete, 202). {Keywords, Nova Iorque, Oxford University, Press, 1976, pp. 259-260).
266 O valor nos modernos e nos outros
O Individualismo 267
râneo. Tell).os grande necessidade de uma teoria. das trocas,
porque elas encerram uma boa parte da essência de certas deve ~~J2_ensa~~-~m termos d.e_ incluir também os seu~ mortos, ,~
sociedades~ as melanésias, por exemplo. Ora, a julgar pela lite- _SCQçip as relações cohr-os--·mortos ·constítutivâ's- dã sociedade e
ratura recinte, parecemos condenados, ou a subordinar as tro- ?fer~_~iclÕ~q-:ci_uaOi:O-::g~.ª nfo--ijl~é"rior ·do
qúãl -adqufre_ m_se~-
cas à morfologia social, ou a fazer o inverso. Os dois domínios tido não só todos os detallies -das trocas dos rituais e . das festas
ou aspectos _opõem-se e não sabemos englobá-los numa cate- mas também o~qLÍe ~xiste de . organii:)ção social. Os Orokaiva
goria .comum, descrevê-los numa mesma linguagem. Não é esse · não têm moeda na acepção ·111elaf1ésii- clássica. Mas, ~orno a
u~ caso em que a -~s~~ji~ÜWÍ!Q_~b.ê.<?~uta entre sujeit~- ~- moeda melanésia, em geral, está em relacão com a vida e os
..-: O~J!~q___mis . tolhe.?.. Quanão Lévy-Bruhl falava · dC"parhc1paçao" ancestrais, o lugar predominante que os Órokaiva conferem aos
~·entre homens e objetos, não est_pria_,tentaf!,do c_onjorn..fil._e~sa mortos recorda os casos em que as trocas cerimoniai-s fazem
clistigç.ão? ·No Essai sur fiFG.ón, de Mauss, tão elogiado em uso de moeda institucional.
nos-sos dias, tratava-se sobretudo de reconhecer dois fatos: errt ~este ponto, sou tentado a aproximar doiLP.r.2.W~I_nas
primeiro lugar, que ....?s trocas não pocie_!ii__ §.S:.t cortad_~s..:em_fa:.... que nao podem, em absoluto, estar ausentes de uma discussão
tias, respectivamente, ecõff'ô'micã~- júrídica, religiosa, etc., mas s?br~, º. valor: q_~e relaç~~ ... ~i~-~~ -~t~~re_. ~-s?as moedas :'primi-
são tudo isso ao ·mesmo tempo - um fato que, sem d6vida, é tivas ligadas ao valor---a bsoluto e a nossa ni'óedà no sentido
·pertinente_~1este caso; em seguida, que os homens não trocam, nfoBêfüo,-Jiifüt9:=~~i"''férmÕ;- ·e -que relação existe . ;ntre ·.<Í> valo.r
como tiós' ·seríamos propensos a pensar, coisas mas, itiextri- 1fü · sen~ido ·geral, moral "oü · inetafísico do termo ·e o vriio; no
cavelmente misturado e de maneira variável a essas... ''coisas'\ sên_~isf,Q...l~.f~.fito:--ec·onômrêõ~-=-~-º -termo? Na ba~e 'dos dois casos '
1' _algq ...deles ,pr~prios. . ,- dépar~mo--nos··con1-ô~-córitraste en.tre· formas culturais que são
Não peço_ que se suprima toda a distihç1j_o_ entrLSl.!jeito essencialmente globais e aquelas em que o campo está sepa-
e objetô inaj_:_ªP~Jl-ª-~~-qüe_ji _)lten1.i:é,~a' ·acêntuaçã~--~-m _Ú(or, ra?º ou decomposto em domínios ou planos particular.es, ou
~~~P.:f!ld.i!11i .!1.~.s.im _o _:seu ..carit_e r ---ªk??.l!ifrre- -permitindo que se1a, grosso modo, entre as formas não-modernas e modernas . ..
a, fronteira ,flutue de acordo com _as necessidades e que outras D_Uª-§___çllrac!_~rísticas desse contraste são talvez significa-
1
distinções ·entrem em jogo, de acordo com os valores indíge- tivas. Na§.. sociedãdes- ffíoãis:·-é Vêrdãclê- qÜe onde t~mos siste-
nas.~ª mas._çle__Jr9..ca elaborados, fazendo uso de umà ou váríâs moe-
Mas será que a coisa é praticável? Já foi tentada. Um daF tradicionºâTs··=·principalmente conchas - a fim de expri-
jovem pesquisador, André Iteanu, e-scolheu esse caminho em mir e selar uma extensa gama de transicões cerimoniais e de
sua nova análise da sociedade Orokaiva, na Papuásia, com base rituais importantes, não temos chefia p~rmanente elaborada
·nos materiais de Williams e' de Schwimmer. Segundo a minha ou yeal_~ a, e .q~1e, )n,,'§isánieiite:-·onae enconframo·s ,esta última'.
leitura de :sua tese/º ele encoi1trou um outro princípio para osprimeiros estão ausente.s 'fà Melanésiá ·e·- a·-·põ1ii-1ésià pa're-
ordenar os dados numa suposição que também contradiz as ceinem nítido cÕn'IrãsTe'a esse respeito. Sendo assim, podería-
nossas concepções correntes - mesmo que, em última análise, mos supor que uma coisa pode substituir a outra, que · existe
não devesse parecer tão surpreendente - a saber: a sociedade entre elas uma certa equ!valência de fu nção. Na_ __Eu..rppa mo-
denw, agora, o p1:ed911.1~1110 das· representações econômicas re-
sulto~ .na ~!E-~1~i·~ ~~~-- ??-·.§c.'§.ri!?..ii.ii<:o ~l:il .r~J~çã9 ao politico
48 Existe u·,~ precedente na filosofia ~lemã, com a fiÍosófià ·c1a natureza e e_x1g1u,_1,1_1:!._l'!l_ ~~1:t9 está_gjo, uma _ redução cfas . prerrogativas
de Schelling,, onde, querendo transcender a dualidade kantiana, ele re- pól.U!f..<!S. (cf. l-JAE I, p. 6) . Haverá aqui, apesar da acentuada
duziu a distinção a nada mais do que um grau ou uma complementari-
dade no interior da mesma classe. Niio advogo o procedimento de diterença entre os contextos, mais do que um paralelismo for-
Schelling, qtie talvez seja. primitivo e ineficaz. Quanto a nós, cada con- tuito, a indicação de uma relação mais geral entre dois aspectos
. texto particular deve ser decisivo. do social?
49 André It!!anu, La Ronde des échanges. De la circulation aux valeurs
chez les Orokaiva, MSH - Cambridge University Press (no prelo). Um outro aspecto das trocas atraiu a atencão de Ka rl
Pofanyi. Ele contrastou as "equivalências" fixas ;ntre objetos
O valor nos modernos e nos outros O Individualismo 269
268
de troca nas sociedades primitivas ou arcaicas com o preço Resta-nos recapitular o que precede e colocar em: perspec-
flutuante das mercadorias nas economias de mercado. No pri- tiva o sistema ideológico moderno e, com ele,_(..sffüãç.ão--da ~m-
meiro caso, é possível que a esfera de equivalências e de troca ·-tropofoglã:·..o -quãdro será fÓrçõsaménte incompleto e provisório,
possível esteja limitada a 'üm· pequenó~··numero . de-·li1fõs· ·ae a· linguagem muito aproximativa. O objetivo consiste em reunir
.obj~tos-; a·o pàsso- qüe,. no segundo "cãsõ~;i_'"mõeêl~ --~~-~de=-:.a j _er numerosos traços que, em sua maioria, foram rec9,nhecidos
uin e.9.uivalente universal. É a propósito do contraste entre isoladamente aqui e ali, de modo a perceber certas·· relações
taxas de cânibicdixã-s ·e -flutuantes que eu gostaria de formular entre eles ou até mesmo a ter deles apenas uma simpleii. impres- }'
uma questão. Polanyi atribuiu a fixidez que encontrou no são. Insisti em outro lugar no homem, enquanto indivíduo,
Daomé à . regulamentação pelo rei,50 mas o fenômeno está como sendo provavelmente o valor moderno cardeal, e na
provavelmente mais amplamente expandido. Nas ilhas Salomão, ênfase concomitante sobre as relações entre homens ··e coisas,
onde a regulamentação pela autoridade política está fora de em contraste com as relações entre homens.5 ' Esses dqis traços
questão, a taxa de câmbio entre a moeda nativa e o dólar aus- possuem importantes sincronismos no que tange ao valor.
traliano manteve-se inalterada durante um longo período, mes- Em primeiro lugar, a concepção do homem corrio incljyJ-
mo quando a desvalorização do dólar acarretou conseqüências duo implica _o_reconbecimento c!.e . uma _aJnpla lib_er~a-ª.e- de. esco-
muito desagradáveis.51 Na outra extremidade do espectro, no ,·-rna~·--AlgÜns· dos valores, em vez de emanarem da sociedade,
caso de uma alta civilização e de uma sociedade cç,mplexa,
.,Bizâncio oferece um caso de fixidez espetacular. O poder de
·compra da' moeda de ouro aí permaneceu praticamente estável
..·do século V ao século Xl.52 O fato parece incrível se pensar-
- -·
serão áete.x:m.1nàãcw·-pel'o--iffdívídüõ-: p_àra. . seu _próprio uso. Por
o
õutrás.. ·p alavras, )nd1víât1ó·como· valor (social) -êxige que a
... .. . . .
sociedade lhe delegue uma parte de sua capacida~-~ de fixar. os
.
valõrfü;:-7.:- lioérdádé de .. consciência é Õ . exem.P.lÕ típico. 55 A au-
mos nas vicissitudes do Império durante esse período, quando sêiíci;· de préscríção que . to~~~ . a- -ês7;ofh~-- -possível é, portanto~
ele foi ameaçado por diversas vezes em sua -própria existência, imposta·: de fato, por uma prescrição· ·mais alta. Diga-se de pas-
.em cada 1-!m des_ses séculos. Dadas essas circunstâncias, a ex- ságem qÜe é ocioso, por essa razãÕ, ;upor que os h01pens têm
celência d'a administração das finanças imperiais, que é reco- diante deles, em todas as sociedades, uma extensa gama seme-
nhecida, talvez não seja uma explicação suficiente . para esse lhante de escolhas. Pelo contrário, muito geralmente, o valor
notável fenômeno. Prqponho ur:na outra.. hipótes_e, que pode ou
não ser testada, mas que tenho outras razões para apresentar.
Quando a ·taxa de câmbio é percebida como vinculada ao valor ciety, op. cit., pp. 112, 114 e 13.8). A nossa hipótese pode parecer· injus-
fundamental na sociedade, ela é estável, e só se lhe permite tificada, formulada depois do cuidadoso e impecável estudo de Marshall
Sahlins, Stone Age Economics, Chicago, Aldine-Atherton, 1972; cap. VI.
flutuar quando o vínculo com o valor de base e a identidade Entretanto, tal como a formulamos aqui, ela não é diretamente contradi-
da socied~de se rompe ou deixa de ser sentido, quando a trida pela conclusão de Sahlins. Po·de ser lida como afirmando somente
moeda deixa de ser um "fato social total" e se converte num que o contato com uma economia de mercado e/ou mudanças econômi-
simples fato econômico.65 cas radicais têm, a longo prazo, direta ou indiretamente, uma ação sobre
as equivalências fixas. Também pode haver, entre os dois estados que
a nossa hipótese opõe, fases intermédias de transição com interação
complexa da norma e do fato.
50 Karl Pokmyi e Abraham Roi\ t~in,' Dahorrii{y i:md the Slave Trade: a,1 54 Partindo dessas duas espécies de relações, e segundo sua aplicação
Analysis of an Archaic Economy, Seattle e Londres, University of e suas combinações, o sociólogo alemão Johann Plenge desenvolveu uma
Washington Press, 1966. · classificação completa - hierárquica - e impecável das relações numa
st Comunicação oral de Daniel de Coppet a propósito dos 'Are'Are brochura publicada em 1930: Zur Ontologie der Beziehung (Allgemeine
de Malaita. Relationstheorie), Münster i. W . (Forschungsinstitut für Organisations-
52 Georges Ostrogorsky, Histoire de l'Êtal byzantin, Paris, Payot, 1969, Jehre) .
pp. 68, 219; 317 e 371. ~5. A capacidade do indivíduo é, evidentemente, limitada. Analiticamen-
53 Radcliffe-Brown já chamara a atenção para as equi'l'lllências fixas em te, ou ele exerce uma escolha entre os valores virtuais existe:Úes, ou as
contraste càm a ação da oferta e da demanda (Natural Science of So- idéias existentes, ou constrói uma nova idéia-valor (o que deve ser raro).
270 O valor nos ni°odernos e nos outros O illdividua/ismo
271
está imbriqado na própria configuração das idéias. Como vimos
p~n~o ~ue foi 0'rjado no distanciame.n to em face do m~ndo do
a respeito da direita e da esquerda, essa situação prevalecerá
cnst1a111smo antigo - os primeiros c_i-istãos eram indivíduos-
por tanto tempo· quanto a r elação entre parte e todo estiver
f~ra-do-mu,n?o - donde sâi finalmei1fe o personagem de Cal-
efetivamente presente, por tanto tempo quanto a e)(lperíência é
vmo! prototipo do homem moderno, coi11 sua vontade de ferro
espontaneafilente referida a graus de totalidade; e não há espaço
enra1za_da· ~ª, predes~inação . .Só~~~~ __ç_Jj_i;i_çã_q __gi.i,Jã. :m~ · p_ai:e_ce
aqui para li liberdade de escolha. Estamos de novo dian te de
to~!2ªr. 111telig1ve} -~q~_1lo a qt_~e s_e_cliainà. o '~prometeísmo" único
~· du_a.s __çpp.fígu_taç_qe~ ~xcl_\lsivas: º!-!. _o valor . se vincula ___a_q_ fod_o e__ e~tranho do _home1~1 ni_oderno (cf. acima, cap. ·· 1).
em relação com ª!l _suas: P?itt:.!l 56 . e O valor está : i.!ú½:Lç~_ c;!Q, é Em todo o caso, com Kürwille, · como vontade liumana
prescritô,. por -assim dizer, pe]2__p~~óp~io . sistema__çlJL.r.~presi;:.nta-
desligada _da _n~ t~.r~~a ~ - ~P..)l<:_a~?. il. _tarefa . .de subj~gá-fa, esta-
çõe~ ou o valor se vi~lCLaQ)!'l..çJ,_iv~quo, o que tem por resul- mos em cond1çoes de apreciar até que ponto a dicotoàiia entre
tââo: como vfrüéis;sep.arar idéia e valÕi Essa antítese exprime- ser ~ dever-ser está profundamente enraizada na ideologia e
se bem na linguagem.- âe- THiinie·s:--vóntade espontânea (Natur- na vida modernas. ·
wille) e vontade arbitrária (Kürwílle), sendo o fulcro da ques- ~i11al?1entc, as__no_s_~as duas configuraçõc_s articulaii1 duas
tão que a liberdade de escolh a, oti Kürwille, exerce-se num
. relaçoes _11ferentes e~1t_r~ -~-~c:~,1)l}~ci1i1~nto e_a ação·. No pi:imeiro
mundo sem ." todos ou, melhor, num mundo onde os conjuntos ou caso,_,~ ac~r~~ entre_ os dois e ga 1:311tido ao nível da : socie-
todos empír1cos que se encontram estão privados de su a função dade. ?.~__~~~~as estao em conformidade com a natureza e a
_d e orientação, de sua função de valor. orde1'.1 do_mundõ·, e-o_ ~~~j~r~··.fffc:!à"éJ_e:· niilh9r _fe m a fazer do
Voltemo-nos agora para o víncu}o___compl~x<?....lm.!!§ a_çQn· .q~~-- ~~r;t-se _c9nscj~qtc::.n1e!l!_~..!!._e~s_a__9_r_ci.~DJ~..No segundo caso,
figu_!_!!_Ç_?.CLtnQd~rna_dos.-v:alores-e ·a relação ~n!~-~ -~J_wmem_e .a na9 ex1s~e: u1_ n~ }!.~cl~~n _.?.? ..~1~1~~?... l~u1:1_élnamente significativa,
n§f~a. É necessário que as relações entre homens estejam e __cabe ao_ ~~Jeito rndmdual estabelecer a relação ... entrê as
subordinadas para que o sujeito individual seja autônomo e
"igual"; a relação do- homeJ1l.SQ!Jl__a_p~tug;~_a __adquir_~- a_- prío-
rer2esenta~o~s _e a a~ã?, -~º~·:~!ia_~ grosso·1:nodo, e11 tré as represen-
ta_çoes soc_1a1s _e sua Pt9P.l'!<! • .?Ç.ão .... Neste. último caso·, esse
, rida de,·rríat . essa' __;~!ç}[ô~,'( _g~ ._l:!!11 __c_aráteJ.:__padüfolar.. . Com n~~~Q. de~P.!'9:Vido de valgres,, ao qual os valores terão que ser
efeito; <fúe1.;'_ ã"fü.âependência do indivíduo o exija ou não, o acrescentados pela escolha humana, é um mundo subum ano
homem está, nà ver~ade, __seP.~rado_da _natui:fga _;__<2._ªgegt~..J i.vte U~1 1_n~_11_ de> ..ci~..Qb j_e tq_s,_-~~- ~o.i~~ª..S. ~. Pode-'"sé- ccii.1l1eêê-:ro ex;i;~;ent~
~põe~se · à naturez~fQl).Jo_ determin_aJ!_a,"' _Efjeito _e . _objetQ_ sqo ~ agir s~bre ele, na condição de se abster de toda e qualquer
· a6sõliitãmeíite distintos. Reencontramos aqui a ciência e seu imputaçao de Véllor. f: um mundo _§_em. o. _homem um rilundo
· prédoÍÜínio sÔbi-ê ~-~-~ ltura.r Em poucâs palàvi-ãs, digaüfosq~-co· dond_e o hom~!l: _se re"ti"rou-:::a~nberadamente .e fobré ~ qual
dualismo . de que- se· trat·; - é essencialmente artificialista: 9.J'!9_ -_ pode, Q2i:t~nfq, __1.Q1P-9J _s_ua . vontade.
mem distancio~=~~-4ª..JHIJ.l!i:ez.;a_e_do...uni;y_~~-~ ~ d~.9.!_l_<é:..J.~_J:>c::~e · ---•~ss: transfonnação só se tornou possível mediante a des,
e-ãfiffnóü ãsu~ . cap;icidade. para remodelar as cojsas segundo_a Vi}l_o riz~~~~q~_.1! l~~~s _entre homens, as quais geraimen'te
..--,' sui_v.ontâde-. De-· 11ovo, poder--se~á-·1uuffô"b'e n1clizer que - ã ·Na- ·1 co1~trolavam ~s relações conf as ·coisas. Elas perderam, na ideo-
iúrwille foi suplantada pela Kürwille, sendo esta i.'tltima inter-
pretada como vontade menos arbitrá ria que desprendida, "de-
) logia predom111ante, seu caráter concreto ; são vistas especial-
m~nte do ângulo das relações com coisas (pense-se n as variá-
simbricada", independente. 1
•. veis de Pa,rsons) '. salvo_no que se refere a um resíduo, a ação
Dado o estreito vínculo en tre vontade e valor, vale a pena moral. Dai a umversalidade abstrata do imperativo kantiano.
indagar donde vem esse tipo de vontade s e m ~ ~- Su- . . Is!o no que concerne o lado do sujeito. Apesar da nossa
,,., ., .-·- ~- distmçao entre sujeito e objeto; existe alguma homologia em
56 Koestler permite-nos precisar: o "todo" é, a maior parte do tempo, 1
En~retanto, ~ rcla~ã~ é_ intrinsecamen te problemá tica: assegurá-la é
um todo parcial ou holo11, ele próprio parte de um todo parcial superior, 58
57 O pensamento e o alcance de Descartes, etc. a funçao cssenc1al e d1stmt1va da religião (ver HAE I, p. 248, nota 3) .
272 O valor 110s modernos e nos outros O Individualismo-· 273
nosso modo de considerá-los, e gostaria de acrescentar algu- física ou química, psicologia ou fisiologia, psicologia ou socio-
mas notas a respeito do lado do objeto a fim de completar o logia? Mas.JL.ql)_~ foi, então, qt1e _çl~terminou a_j.9~!~!idade de
quadro e chamar a atenção para algumas característ~_s _çfo__CO{!- cada un'ia. das giséipYinas entre _as quais os . constituintes .do
figuração moderna do conhecimento. B um lugar-comum dizer 1tlllnêfo foi·am distribuíçlos? A resposta parece ser que o ponto
que o conhecimento moderno es"tií"'distribuíd~. por ~.n:i.~gr~_n de de vista instrumental foi decisivo.r.° Correlativamente, tivemos
número d.e compartimentos séparados, fafar ...de um alto grãü' ocasião de assinalar a fraqueza, extrema e impressio_n ante, da
de divisão do trabalho e de especialização científica. Gostaria noção de " todo" no pensamento filosófico.
de caracterizar mais precisamente .o modelo. mod_~t:rJo em._con- Em segundo lugar, os "planos" em que o conhecimento
traste com o tradicional, do qual recordamos acima alguns e o progresso estão concentrados permanecem "homogêneos"
aspectos . .·. cm toda a sua extensão . Todos os fenômenos considerados são
Pode~se considerar a configuração mo<lerna como resultan- da mesma natureza, têm o mesmo status e são essencialmente
te da quebra da relação de valor _entre. ele.rnent9._~.Jodo. O .!9.~9 simples. Neste caso, o paradigma seria o modelo galileano do
converteu~se num amontoado. Um pouco como se um saco movimento retilíneo uniforme: um único ponto matéria! mo-
contendo bolas de gude se volatilizasse e as bolas rolassem em vendo-se num espaço vazio. Por cooseguinte, cs plahbs têm a
todas as direções. B de novo um lugar-comum. O fato é que o tendência para cindir-se quando o desenvolvimento êl.~ ciência
1
mundo objetivo está constituído de ~i:_itidaçl~?... §.epm:~.çjas_o.u .. de revela heterogeneidade (instrumental).
substâncias à imagem do sujéitõ' fnêiividual, ..e que ns relações Entretanto, todos os planos são homólogos, pe1o menos
entre elas' que a_experi~i:içia fornece são consider.adas- exteriores em princípio, no sentido de que os métodos ap licad_os às di-
àquelas.~º Mas a minha imagem é pobre e, em primeiro lugar, versas espécies de fenômenos são idênticos. H á um só modelo
·sugere que a distribuição) iiiànroselêmentos é aleat_q ria, quan- das ciências da natureza. ~ verdade que, . <éom a ...:tijuda - do
do na realidade um· mundo· complexo, multidimensional, de re- "têrnpo e da êxpeÍ·iência, esse modelo pode ser modific.ado, mas
lações ordenadas e flutuantes foi analisado, decomposto pelo só com dificuldade (como o testemunham a biologia e a psicolo-
esforço da razão (filosófica e) científica em componentes mais gia). O modelo é mecanista, quantitativo, repousa na causa
simples, cuja constituição interna e cujas relações são muito e efeito (um agente individual, um resultado individual).61
p articulares. Uma imagem um pouco m~lho_r:. seria a de um f: essencial assinalar que a racionalidade científica está pre-
sólido mi.iltidiniénsioríàl ·estill'façando-=-fê numa multidão de su- sente e opera somente em cada um desses planos distintos, e
perfícies distintas e retilíneas, de planos que só podem acolher que o seu exercício supõe que o conjunto foi fragmentado.
figuras ou relações planas, lineares. Esses planos têm, penso Ela não pode ir além da relação dos meios com os fins. .............
. 1 .1
eu, três caract,erís ticas: ~ão absoluta_1;1~!1~e _seE.~~!d2~- e .. .inde- S~ elas lograram . asseg.urar._o _control.e_do homem sobre__o.
pendentes, são· homólogos entre si e _~.ada um deles é homo-
mundo natural, as ciências tiveram outros resultados, entre
gêneo em toda a sua extensão. ·
O estilhaçamentÔ, a fragmentação, como traço geral, é
relativamente familiar: a história da pintura moderna, a partir 60 Radcl iffe-Brown falava de "espécies naturais de sistemas" (natural
do impressionismo, oferece um bom exemplo. Os meios que kinds o/ systems, cf. Natural Science o f Society, op. cit., p. 23), admitin-
estavam até então subordinados à refêrência descritiva eman- do assim, implicitamente, que a separação entre disciplinas científicas
fu nda-se na natureza. Existe uma relação evidente com o predomínio do
ciparam..ge e cada um deles pôde, um de éada vez, subir ao nominalismo n a ciência. A dificuldade cartesiana de conc.eber as r.e-
primeiro plano. Tampouco existe a menor dúvida· quanto à lações entre alma e corpo talvez seja o arquétipo dessa espécie de divi-
perfeita separação dos "planos" do conhecimento: falamos de são. Daí resultou uma proliferação de contradições e de oposições sim-
ples mnl subordinadas.
61-1! notável que Radcliffe-Brown tenha visto a incompatibilidade entre
59 Pelo menos de modo predominante. A prop6sito das "relações inter- uma perspectiva . holista ou sistemática e a explicação causal, e tenha
nas", ver Phillips, op. cit. (cf. acima, nota 34). 's..: rejeitado a causalidade da sua "ciência social_ teórica" (ibid., p. 41).
274 O valor 110s modernos e 110s outros O Individualismo 275
eles, o de nos colocar em confronto com o que Alexandre que a comparação revela e que _vemos como aspectos não-
Koyré chamou "o enigma do homem". Se a antropologia trata, conscientes, insuspeitados; dos próprio~ sujeitos.ijz
,. à sua maneira, desse_''enigma", então ela é; ao mesnio "fümpo, Assim, em toda a sociedade co~~rf ta existe o cunho desse
p~te·.~:1~~~~-fé. _ dO ~~i'icro:···mOderno _e incu_mbida__de o. trans- modelo universal, o qual se torna perceptível, em algum grau,
~~nae!-9.l!.i melhor, de o reintegrar no mundo mais humano que logo que a- comparação começa. :É um cunho negativo que, por
.as sociedades tinham em comum até então. Espero que as_ assim dizer, autentica a sociedade· como humana e cuja pre-
nossas considerações sobre o valor sejam inscritas nessa dire- cisão aumenta à medida que progride a comparação. É ver-
ção. Resta abordar a q_~.7J~ão da nos!~ r._~l~s;Jí.9-_fQill......Q_ Yªlo1:: dade que ,não podemos derivar dessa marca uma pre~crição,
a antropologia situa-se entre · úihá- ciência "livre de valor" e a mas ela r epresenta o reverso da prescrição, ou o seu · limite.
necessidade de restaurar o _ya_l9r _g~__lug~~--1.:1nJ.Y.~rsal_.,q.ue..Jhe Em princípio, a antropologia está imbuída de um progresso no
cabe. O crítico firós61i"cõ da· ciência social pede-lhe que avalie. conhecimento do valor e, por conseguinte, da própria prescri-
·B- possível · que ele nos conceda a capacidade de ultrapassar a ção, o que deveria conduzir, em última instância, à reformula-
simples "neµtralidade na matéria, mas sustenta que não pode- ção do problema do filósofo.
·mos nos desembaraçar comple_tamente para avaliar ou pres- Mas quanto ao aqui e agora·? Entendido que o sentido da
cre".'~r . .. ·. · : ,, ,.,, .... ,·- _ . _. , _ _ _. . . · "prescrição'.' torna-se mais complexo em oossa perspectiva, de
· Isso ·é verdade na prática. Não o é, de forma alguma, em modo que se preferiria falar mais de conselho do que, de· in-
princípio, :·creio eu, e esse ponto merece ser assinalado. O que junção, não teremos nada dessa espécie a oferecer, a partir das
se__proQ_~z _g,?._ yjsãq_a_ti!.!".2P_C?_l:QgJ~a_ é 'l!-!?. caqa fg~.9J.9gia._é .. rela- nossas conclusões de fato? Vimos que a configuração mpderna,
tivizada em relação a outras. Não · se t.tgta de um relativismo embora se oponha à configuração tradicional, ainda está, po-
~-i:isõí~jg: A unfciide···ciâ'h~~ariiéiaci';,-·Pº~tul.ãclã-mãs· · também rém, situada nela: o modelo moderno é uma variante excepcio-
verificada (lenta e penosamente) pela antropologia, fixa ·limites nal do modelo geral e permanece embutido, ou englobado, no
para a variação. Cada configuração pa_rticula.r___de . .idéias ..e __de interior desse modelo. A hierarquia é universal e, ao mesmo
valor~~es_tá copgg_ã~~9jii°j_Qd_ÍJ§ ·as 21.:1.Jú.s_ numa _fjgura. uni.v:er- tempo, é aqui contraditada, parcial mas efetivamente. O que
r saCde que. ela.é uma_.exp,ressão . pãrctiJ (cf. cap. VI). Contudo, há nela, pois, que é necessário? Uma primeira resposta aproxi-
essa figura universal é tãÕêõmplêxa que não pode ser descrita mativa é que a igualdade pode fazer certas coisas e não outras.
mas apenas vagamente imaginada, como uma espécie de inte- Uma tendência atual da opinião pública, na França e alhures ,
gral de todas as configurações. sugere um exemplo.
Assim, é impossível apreendermos diretamente a matriz Fala-se muito de "diferença", da reabilitação daqueles
universal em que está enraizada a coerência de cada sistema que são "diferentes", de uma maneira ou de outra, de reco-
particular de valores, mas a qual será perceptível de uma outra nhecimento do Outro. Isso pode significar duas coisas. Na
maneira: cada sociedade ou cultura possui o cunho distintivo medida em que é uma questão de "libertação", de direitos e
de sua· ideologia no interior da condição humana. É uma oportunidades iguais, da igualdade de tratamento das mulheres
inarca negativa e talhada em profundidade. Assim como uma ou dos homossexuais, etc. - e esse parece ser o alcance p rin~
ação tem conseqüências imprevistas ou "efeitos perversos", cipal · das reivindicações apreseritadas em nome de tais catego-
assim como em nossas sociedades cada escolha individual está riai_s - não existe qualquer problema teórico. Cumpre somente
imersa n;um meio de maior complexidade e produz assim efei- assmalar que, num tratamento igualitário desse gênero, a dife-
tos involuntários, também cada configuração ideonormativa rença é deixada de lado, negligenciada ou subordinada, e não
tem ,seus ·concomitantes específicos, obscuros e, no entanto, '.'reconhecida". Como a transição é fácil da igualdade para a
coativos, qi.te a acompanham como sua sombra e manifestam,
em _relação a ela, a condição humana. Esses concomita_ntes são l·
; 62
o que chamei, num outro contexto, os "traços não-ideológicos" HH, § 118.
O valor nos modernos outros O lllclividualismo 277
276 e 110s
identidade, o resultado a longo prazo será provavelmente uma "separados mas iguais" que marcou nos Estados Unidos a tran-
supressão das características distintivas na acepção de uma sição da escravatura para o racismo.
perda do sentido ou do valor atribuídos p recedentemente às Para ser mais exato, ou mais complexo, acresce.n temos
distinções correspondentes. que o que precede é verdadeiro ao nível da pura representação
Mas pode ser que exista vantagem nessas exigências. - igualdade ou hierarquia - e façamos lugar para uma outra
Tem-se a impressão de que elas apresentam também um outro espécie de alternativa. No tocante às formas práticas de inte-
sentido mais sutil, o reconhecimento do outro como outro. Sus- gr~ção, a maior parte daquelas que acodem ao espírito ou
tento aqui que tal reconhecimento não pode dei°xar de ser hie- reu~em agent:s iguais, idênticos em princípio, como a coope-
rárquico -'- como Edmund Burke o percebeu de modo tão pe- raçao, ou enta.o remetem a um todo e são implicitamente hie-
netrante em suas Reflexions on lhe Revolutio1i in France. · rárquicas, como a divisão do trabalho. Somente o conflito se
Neste caso, reconhecer é a mesma coisa que avaliar ou integrar qualifica, assim nos mostrou Max Gluckman, como integrador.
(pense-se na Grande Cadeia do Ser). Tal enunciado não faz E necessário dizer, portanto, que existem duas vias para se
jus aos nossos esteteótipos e preconceitos, pois nada está mais r~conhecer, de algum modo, o Outro: a hierarquia e o con-
distante do nosso senso comum que a fórmula de Tomás de flito. Agora, que o conflito seja inevitável e talvez necessário
Aquino: "Vê-se que a ordem ' consiste principalmente em desi- é uma coisa, e postulá-lo como ideal, ou como "valor opera-
gualdade (qu diferença: disparilate)" (cf. acima, nota 33). En- tório", é uma outra,°• mesmo que se esteja de acordo com a
tretanto, só por uma perversão ou um empobrecimento ela tendência moderna: o próprio Max Weber não atribuía mais
noção de ordem é que podemos crer, inversamente, que a credibilidade à guerra do que à paz? O conflito tem o mérito
igualdade é suscetível por si mesma de constituir uma ordem. da simplicidade, enquanto que a hierarquia acarreta uma com-
Para ser explícito: o Outro será então pensado como superior plicação . semelhante à da etiqueta chinesa . Tanto mais· assim
ou inferior. ao sujeito, com a importante reserva que constitui porquanto lhe seria necessário, neste caso, ser engloba~a, por
a inversão .(a qual não está presente como tal na Grande Ca- sua ,vez, no valor supremo do individualismo igualitário. Con-
deia do Ser). Isso quer dizer que, se o Outro fosse globalmente fesso, entretanto minha preferência irênica poi· ela.
inferior, reyelar-se-ia superior em níveis secundários.G3
Neste ,ponto, eu sustento: se os defensores ela diferença
reclamam para ela, ao mesmo tempo, igualdade e reconheci- P. S. ( 1983) - Há hoje lugar para um breve esclareci1nento.
mento, eles estão reclamando o impossível. Pense-se no slogan · Pode-se censurar ao que precede sugerir uma imagem excessi-
vamente ·estreita da cultura moderna. O quadro seria taf•/ez vá-
lid~, em certa medida, para o .passado mas só se aij')icaria
6l Quanto ~ aplicação às sociedades, ver " La communauté anthropolo- mmto mal ao presente. Assim, a ciência descrita já está: ultra-
gique ... ", op. cit., p. 92; neste livro, cap. VI, l.' parte. Se supusermos
que os níveis são numerosos, e a inversão multiplicada, temos uma rela- passada há muito tempo, a separ:ição entre ser e ddver-ser
ção diádica flutuante que pode dar estatisticamente a impressão de igual- está longe de ser admitida unanimemente na filosofia recente,
dade. Num : contexto muito diferente, a análise por Sahlins das trocas etc.
no golfo Huon é rica de sentido (Age de pierre, Age d'abondance, op. cit.,
pp. 322 e segs.). Ou seja, em poucas palavras-: (1) entre dois parceiros A resposta é em duas etapas. Em primeiro lugar, o que se
comerciais, çada uma das trocas de uma série é desequilibrada alternati- pretendeu isolar foi uma configuração ideológica geral, sub-
vamente, mima direção e na outra, aproximando-se de um equilíbrio jacente tanto na mentalidade comum quanto no conhecimento
obtido no final, para a série inteira; a igualdade é assim atingida através especializado. E quando digo mentalidade comum, não penso
de uma sucessão de trocas algo desiguais; (2) Jogo, cada troca particular
não é fechada mas permanece aberta e chama a seguinte: o acento é
mais sobre uma relação continuada do que sobre uma equivalência ins-
tantânea entre coisas. Todos os aspectos do nosso problema estão aqui M O que faz, em minha opinião, Marcel Gauchet, num estudo pene-
presentes em redução: a verdadeira diferent,:a entre hieyarquia e igual- trante so?re Tocqueville: "Tocqueville, L'Amérique et nous", Libre, 7,
dade não é, · em absoluto, a que supomos habitualmente. 1980, Pans, Payot (pp. 43-120), pp. 90-116 .
278 ·o vrrlor 110s modernos e- ·1ws outros
apenas no hom.em da rua mas também nas instituições polí- LÉXICO DE ÃLGUMAS PALAVRAS-CHAVE
ticas ou 'ainda nos pressupostos dominantes no estudo da so-
ciedade. i!ão basta que uma característica apareça numa es-
peeiaiidade para ter o mesmo peso que uma outra na confi- HH = _Homo (iierarchicus; /e Systcme des castes ct seus j,np/icatíons,
guraçiio global. Assím, por exemplo, quer parecer-me que a Pans, Galhmard, 1979, col. "Te!" (reedição ampliada).
teoria da relc1tividade, embora já antiga, não conquistou até ao HAE I =Homo aequalis, I; Geni:se el Epanouisscment de l'idéologie
dia de hoje um lugar da mesma ordem que· a física newtoniana économique, Paris, Gallimard, 1977.
em nossas representações comuns. O que se segue não é um índice mas somente um lembrete de alguns
Em segundo lugar, existe um problema de vocabulário, o tcnnos de base na acepção em que são usados no livro. Remetemos 0
qual encobre um problema de método. No texto acima, como leitor, sempre que reputarmos necessário, ao interior do texto para es-
clarecimentos e, excepciqnalmente, a outras obras para desenvolvimentos
em toda a pesquisa de que ele é o fruto, a finalidade consistiu mais amplos. O asteris~o• remete a uma outra rubrica deste léxico.
em isola"r como ·característica da modernidade, em contraste
HIERARQUIA: A distinguir do poder ou comando; ordem resultanti;:
com as sociedades não-modernas, uma -configuração que se
· do emprego do valor. A relação hicnírquica elementar (ou opos i-
chamou moderna nesse sentido. Parece que, em última .;mfüse, ção* hierárquica) é a e}[istente entre um todo (ou um conjunto) e um
pode-se·•lhe chamar hoje individualista, tanto o individualis- elemento· dess.~ todo; ela analisa-se cm dois aspectos contraditórios
mo é nela fundamental. É bem verdade que a modernidade de nível diferente: distinção no interior de uma identidade, englo-
entendida num sentido puramente cronológico - e não apenas bamento do contrário (p, 228) , A hierarquia é, pois, biduncns1onal
sua fase mais recente, "contemporânea" - contém muito mais, (p. 260). Em geral, ver HH, posfácio.
no plano <la prática social e mesmo no da ideologia, do que ·a HOLISMO: Designa-se como holismo uma ideologia• que valoriza a
configuração ·individualista que a caracteriza comparativamen- · totalidade social e negligencia ou subordina o individuo humano;
te. A luz dos resultados obtidos, essa situação parece impreg- ver o oposto; Individualismo. Por extensão, uma sociologia é ho-
lista se faz parte da sociedade global c i;ião do suposto indivíduo
nada .d e sentido e susceiÍvel de ser analisada .numa perspectiva dado independentemente. ·
renovacla. 6s . · ··• · · · · ·
JDfüAS-VALORES: A impossibÚidade de separar i.déias e vato.r es nas
formas de pensamentos não-modernas leva a fal11 r de ·idéias-valores
(p. 255 e segs.),
IDEOLOGIA: Conjunto social de representnções; conjunto das idéias
e valores comuns numa sociedade (= idhologia global); parte es·
pecificada · da ideologia p;lobal: a ideologia econômica, Ver HAE I,
?P• 18, 26, etc.
lD.SQL.'J GIA MODERNA: Conjunto dus representações comuns carac-
tcrí..ticas da civilização moderna (pp. 29, 278). Ver I ndividualismo º.
INDíViDUALISMO: (1) Designa-se por indivi.duafüta, por oposição ao
holismo•, uma ideologia que valoriza o individuo (= que tem 0
indivíduo no sentido (2) acima) e ncg1igencia ou subordina a tota•
lidade social. Sobre a relação entre essa oposição• e a existente entre
indivíduo-no-mundo·c indivíduo-fora-do-mundo, ver p. 67, nota 30.
(2) Comprovado que o individualismo neste sentido é um traço. im·
·portante na con·figuração de traços que constituem a ideolqgia mo-
derna •, designa-se essa mesma configuração como individualista ou
como "a ideologia individualista" ou "o individualismo" (pp. 29 e •
65 Cf. a i!1trodus:ão deste volume, i11 / ine. segs.). Ver Relações•.