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O Papa Gregório XV criou a Sacra Congregatio de Propaganda Fide, em 22 de junho de 1622, para promover o
proselitismo cristão nas regiões recentemente descobertas e combater o movimento da Reforma Protestante na Europa, no
campo da orientação religiosa (GONÇALVES, 2001, p. 52). Nas Américas a “Congregação para a Propagação da Fé”
tinha o objetivo de centralizar a obra missionária da Igreja católica, em Roma, e contestar o Padroado em Portugal e o
Patronato na Espanha (HOORNEART, 1998, p. 554).
também as características geográficas do Rio São Francisco, visto que as vilas estavam
instaladas nas ilhas do mesmo rio, cujos terrenos tinham uma notável fertilidade do solo
(SILVA, D. L, 1883). Essa praticidade do “Diretório de Pernambuco” permitiu que ele
continuasse como documento oficial da política indigenista e civilizatória de Pernambuco até
meados do século XIX (SANTOS JÚNIOR, 2015).
Nessas novas vilas de índios também foram reunidas, por meio da força, as
populações indígenas ao Norte do São Francisco. Elas habitavam os brejos de altitude (Serra
Negra em Buíque), Brejo do Gama (Carnaubeira da Penha) e nas margens dos rios Pajeú e
Moxotó. Os denominados de “índios do mato” não conheciam nenhuma experiência anterior
de aldeamento, mas mesmo assim foram levados a força – a descerem para as ilhas – para
residirem junto com os índios das novas vilas (MEDEIROS; MUTZENBERG, 2013 e
2014).
Todas as informações e analises ditas anteriormente são frutos das pesquisas dos(as)
historiadores(as), do acumulo de conhecimentos de gerações de pesquisadores, experiências
reunidas e transformadas em historiografia, produzindo conhecimentos de longa duração.
Essa é apenas uma camada de tempo e experiência acessível aos nossos contemporâneos. Há
mais duas camadas mais profundas cujas experiências não estão acessíveis de forma rápida e
simples. Pois a dilatação do tempo e das gerações torna complexas a reprodução ou
mimetização de vidências ou modos de vida de outras épocas, cujo o sentido se diluiu ao
longo dos séculos. Todavia, mesmo com essas limitações é possível recuperar em parte as
experiências de outros tempos e traze-las para o debate atual.
Desde que elas estejam registradas, catalogadas, armazenadas, depositadas em
arquivos e de acesso fácil para todos(as) cidadãos(ãs). A tarefa dos(as) historiadores(as) é
vasculhar por eventos singulares ou por estruturas que se repetem por anos e gerações.
Busca-se as informações que contenham os fragmentos ou os vestígios das experiências dos
índios no Nordeste. Isso por sua vez permite a sociedade brasileira contemporânea
compreender a existência de “Acervos de Experiências" comuns e historicamente
construídos entre os índios do Nordeste (DANTAS; SAMPAIO; CARVALHO, 1992, p.
446).
A metáfora dos “estratos do tempo” de Koselleck aplicada a história indígena no
Nordeste é apenas um exercício intelectual de compreensão do passado e das
experiências sociopolíticas vividas pelos índios do Nordeste. Assim, tentou-se fugir dos
velhos esquemas cronológicos positivistas da linearidade. Contudo, há outros esquemas
de temporalidades mais uteis na explicação sobre a história indígena no Nordeste. Pois
elas incluem nas narrativas sobre a história indígena, a visão própria dos povos
indígenas no Nordeste acerca das suas histórias e culturas como eixos norteadores.
Um deles é o conceito de “territorialização” de João Pacheco de Oliveira (2004),
definido como um processo histórico e político no qual as populações indígenas no
Nordeste se transformaram em uma coletividade organizada. Elas formularam para si
“uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de
representação, e reestruturando as suas formas culturais (inclusive as que o relacionam
com o meio ambiente e com o universo religioso)” (Ibidem, p. 24). Enquanto processo,
a “Territorialização” foi gradual e ocorreu em etapas nas quais aconteceram a fabricação
da “mistura” dos índios, seja entre índios ou com outros segmentos da sociedade
sertaneja.
O primeiro processo teve início nos aldeamentos missionários no São Francisco
do século XVII e durou até a segunda metade do século XIX. Nessa etapa ocorreram
três “misturas”. A primeira “mistura” ocorreu dentro das missões, onde diferentes etnias
foram reunidas e submetidas a uma forte homogeneização cultural pelos missionários.
A segunda aconteceu na implementação das vilas de índios do Diretório, que executava
uma ação assimilacionista "estimulando os casamentos interétnicos e a fixação de
colonos brancos dentro dos limites dos antigos aldeamentos" (Ibidem, p. 25). E a
terceira adveio da ação dos governos provinciais ao declarar a extinção dos antigos
aldeamentos, incorporando os seus terrenos aos patrimônios das vilas de não índios
(Ibidem, p. 26).
O segundo processo teve início na década de 1920, com a fundação de Postos
Indígenas no Nordeste pelos Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Marcando o
reconhecimento oficial por parte dos Governos Federal e Estaduais da existência de
populações indígenas ou de “remanescentes” dessas populações, por causa da história
das missões e aldeamentos no Sertão (Ibidem, p. 27). O terceiro movimento de
“Territorialização” ocorreu entre as décadas de 1970 e 1980, quando populações
indígenas não reconhecidas oficialmente se mobilizam e reivindicam os seus
reconhecimentos tanto pelo Estado brasileiro quanto pela sociedade (Ibidem, p. 30).
Há uma outra metáfora produzida pelas populações indígenas da região do São
Francisco, que tem a função de criar um elo de parentesco entre diferentes etnias da
região, por compartilharem uma mesma ancestralidade mítica e histórica. A metáfora
“troncos velhos” serve para os índios pensarem sobre o tempo e seus efeitos
relacionados com uma experiência histórica, que contribuiu para afirmação de suas
origens. Segundo essa analogia, os “troncos velhos” corresponderiam aos ancestrais
comuns (reais ou imaginários) ligados a um tempo histórico homogêneo e de
religiosidade indígena, dos quais se consideram descendentes as atuais etnias no
Nordeste, chamadas de “pontas da rama” (ARRUTI, 1995, p. 33-34).
As metáforas dos “estratos” ou dos “troncos velhos”, ou ainda os conceitos de
“Territorialização” e “mistura” são úteis para entender os efeitos do tempo sobre as
experiências histórica na longa duração, e aplica-las para compreensão da história
indígena no Nordeste é um desafio ousado. Mas elas são as únicas. Há uma variada
gama de esquemas de temporalidades e de ensino sobre Tempo e História que fogem
dos esquemas mais tradicionais, não cabe citar todas ela neste artigo. Mas, quaisquer
esquemas de temporalidade sobre a história indígena no Brasil precisam incluir as
visões dos indígenas sobre suas histórias e o entendimento deles sobre a noção de tempo
histórico, presente nas próprias culturas indígenas. Assim se constrói um ensino sobre
história inclusivo e aberto a novas temporalidades e experiências.
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