Teoria Da História E Historiografia: Eduardo Pacheco Freitas
Teoria Da História E Historiografia: Eduardo Pacheco Freitas
Teoria Da História E Historiografia: Eduardo Pacheco Freitas
HISTÓRIA E
HISTORIOGRAFIA
Introdução
A história é um ramo do conhecimento humano que apresenta diversas
particularidades. Em primeiro lugar, seu objeto de estudo — o passado
— é problemático, por não ser diretamente acessível ao historiador.
Portanto, o historiador trabalha a partir de fontes, que são vestígios de
outros tempos que chegaram aos dias atuais e podem ser analisados,
descritos, interpretados e comunicados pelo pesquisador por meio de
uma narrativa.
No entanto, a história não é uma forma de conhecimento que simples-
mente revela a erudição do historiador, sem conexão alguma com o con-
texto no qual se situa. Na verdade, é possível afirmar que o conhecimento
histórico possui uma função social. Seu ensino serve para a formação da
identidade e para a constituição de cidadãos críticos, por meio do aprendi-
zado da história e da memória. É via conhecimento histórico que o ser hu-
mano pode se situar no espaço e no tempo, sendo capaz de compreender
o mundo onde vive. Em suma, o conhecimento histórico cria a consciência
histórica, isto é, o conhecimento do passado, que orienta o presente e
projeta o futuro, na formação das identidades individuais e coletivas.
Neste capítulo, você vai aprender como ocorre a edificação do pro-
cesso da consciência histórica, bem como reconhecer as identidades
coletivas e individuais inerentes a ele. Além disso, também conhecerá
as elaborações teóricas do tempo e da memória nos tempos históricos.
2 A função social do conhecimento histórico
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tudo, uma questão central diz respeito à relação entre identidade e memória.
Esta última é o referencial para a primeira. A identidade é construída sobre
a memória, sobre o que é lembrado, sobre o que é esquecido e silenciado
(SOUZA, 2014).
No link a seguir, você poderá assistir a um vídeo da mesa redonda com os professores
Giovani José da Silva e Jean Carlo Moreno no X Seminário Nacional de Didática da
História, ocorrido em 2018, em que são discutidas, dentre outros temas, a nova Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) e a didática da história.
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narrativa, possuindo dessa forma uma função social que corresponde à co-
municação entre sujeitos sobre um determinado objeto ausente.
Nos estudos historiográficos sobre as memórias históricas, é indispensável
que se leve em consideração as diferenças relevantes que a memória, ou a
memoração, apresenta em diferentes contextos históricos no tempo e no espaço.
Segundo Le Goff (2003), existiram e existem sociedades com memória essen-
cialmente oral, enquanto outras possuíram ou possuem a memória estruturada
sobre a escrita. A partir daí, o autor divide as memórias históricas em cinco
os tipos, considerando também os momentos de transição entre a memória
oral para a memória escrita.
A primeira delas seria a memória étnica, das sociedades ágrafas. Nessa
modalidade, a memória coletiva se apresenta, sobretudo, como a narrativa dos
mitos de origem. Já no tipo de memória que surge na passagem da Pré-história
para a Antiguidade, ocorre a transição da oralidade à escrita. Nessa forma de
memória, há grande destaque para a construção de monumentos, que, além da
frequente motivação religiosa, tem por objetivo registrar os feitos da sociedade
que os erige. No período medieval, com o predomínio do cristianismo, que se
apresenta como uma religião da recordação (já que firmada teologicamente na
história), a lembrança do sacrifício de Cristo e das vidas dos santos configura
a forma da memória social desse época. O surgimento da imprensa, no século
XV, opera uma transformação radical na memória ocidental. De modo similar,
novas formas de comemoração acabam surgindo, como medalhas, festas
cívicas no calendário, selos postais etc. Durante os processos revolucionários
de 1789, foram criados arquivos nacionais e públicos, abrindo uma nova fase
dos documentos da memória nacional (LE GOFF, 2003).
Nos dias de hoje, com o desenvolvimento das tecnologias da informação, a
memória é preservada de maneiras inimagináveis até bem pouco tempo atrás,
sem esquecermos dos outros avanços do último século, como a fotografia, o
cinema, as gravações de áudio etc.
Um conceito importante dentro do âmbito das relações entre história e
memória é o de “lugares de memória”, definido da seguinte forma pelo his-
toriados francês Pierre Nora (1993, documento on-line):
São lugares com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e
funcional, simultaneamente, somente em graus diferentes. Mesmo um lugar
de aparência puramente material, como um depósito de arquivo, só é lugar
de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um
lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma
associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um
ritual. Mesmo um minuto de silêncio que parece um exemplo extremo de
10 A função social do conhecimento histórico
O uso da memória como fonte histórica passou por diversas fases ao longo dos
séculos. No século XVI, era bem aceita, com o frade franciscano Bernardino de Saha-
gún (1499–1590) entrevistando os povos nativos da América recém-conquistada
pelos espanhóis, com o objetivo de conhecê-los melhor. No século XVIII, com o
Iluminismo, os registros orais perderam credibilidade, devido às pretensões cientí-
ficas do período. Contudo, no século XIX, o historiador Jules Michelet (1798–1874)
realizou um trabalho inédito e muito interessante, no qual entrevistou muitos
franceses, com o objetivo de registrar suas impressões a respeito da Revolução
Francesa (BARROS, 2009).
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