Muito Acima Da Média - Lelo Apovian
Muito Acima Da Média - Lelo Apovian
Muito Acima Da Média - Lelo Apovian
Sobre a obra:
Sobre nós:
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Converted by convertEPub
Muito acima da média
Copyright © 2023 by Lelo Apovian
Autor:
Lelo Apovian
Preparação de texto:
Larissa Robbi Ribeiro
Revisão:
Debora Capella
Paola Sabbag Caputo
Projeto gráfico:
Jéssica Wendy
Capa:
Dimitry Uziel
Produção de eBook:
Loope Editora
Apovian, Lelo
Muito acima da média : o método para conseguir um desempenho
excepcional em tudo o que você fizer / Lelo Apovian. — Porto Alegre : Citadel,
2023.
EPUB
[email protected]
www.citadel.com.br
AOS PROFESSORES.
Prefácio
Introdução
•
Quando o filho chegava com algum problema, o pai gostava de contar
alguma passagem de sua vida que pudesse motivá-lo. Sim, o pai tinha
histórias. E das boas! Jogador de futebol. Ídolo nacional. Um dos
heróis da Copa de 1970. Era do vestiário do mundial que vinha uma
de suas preferidas. Ele começava assim: “Filho, imagina… Eu, aos 23
anos, na Copa do Mundo. O Brasil vivendo regime de ditadura
militar…”. O pai descrevia todo o cenário de pressão. O então
presidente Médici ligando pelo telefone e falando para a equipe: “É
melhor jogar ou não volta para o Brasil”. O Brasil inteiro de olho
naquele grupo de talentos que poderia trazer a taça e o tricampeonato.
E continuava: “Eu estava jogando ao lado do maior gênio, o maior
ídolo da minha vida, que foi o Pelé. Ele era o primeiro a acordar, o
primeiro a puxar a fila. Mandavam dar dez voltas, ele dava quinze. O
Pelé, que já era bicampeão do mundo, entrava no vestiário dizendo
‘Eu sou bicampeão do mundo, eu sou o rei do futebol, sou tudo, mas
essa é a Copa da minha vida, essa é a nossa Copa, essa que nós vamos
ganhar’. Às vezes, filho, eu acordava com uma dorzinha, ia para o
vestiário e então via aquele cara bufando querendo mais e me
inspirava nele. Então, na sua vida, se inspire em pessoas assim. Olha
para isso”. O pai talvez não tivesse ideia de como aquelas histórias
entravam na cabeça do menino.
Ser filho de um ídolo de todos os tempos era um grande orgulho.
Também vinha com uma responsabilidade enorme. Sim, havia
cobrança. Especialmente quando se tratava de esporte. Até na pelada
no colégio! Se jogasse bem, ótimo, não fez mais do que a obrigação.
Se fizesse alguma besteira… sai de baixo! Não era só com o menino.
A irmã e o irmão também sofreram essa pressão dentro de qualquer
quadra, de qualquer esporte. “Sabe aquele ali? Ele é o filho do
jogador!”
No final da adolescência, quando estava terminando o terceiro ano
do colegial – nome dado para o ensino médio na época –, o menino
pensou em seguir a carreira de jogador. Era bom de bola e bom de
notas. O segundo semestre nem tinha terminado, e ele já estava
praticamente aprovado. Saiu da escola particular para poder estudar à
noite e começar a treinar forte. Tinha dezessete anos e o sonho de
seguir o legado do pai.
•
Lendo o começo dessas duas histórias, de qual delas você imagina que
sairá um personagem de alta performance? Talvez, de cara, pelos
cenários e condições, possa concluir que o filho de jogador de futebol
teria oportunidades, dinheiro, talento no DNA para performar
melhor do que a menina que passava fome e encontrava-se sem
perspectiva alguma de mudar de vida. No entanto, como estou
fazendo esta pergunta, talvez já imagine que eu queira surpreender
você. Então pode ser que a sua resposta seja a menina, porque ela deve
ter tido uma trajetória de superação, enquanto o menino, filho do
jogador, pode ter virado um filhinho de papai acomodado. Faça sua
aposta!
As duas histórias são de personagens de alta performance. Duas
pessoas com trajetórias de vida distintas – diria até opostas, em
termos de recursos – e um resultado em comum. Elas foram além das
expectativas, quebraram barreiras.
Mesmo me deparando com pessoas tão diversas quanto essas duas
que escolhi para iniciar este livro, vi algumas características presentes
em todos os exemplos que entrevistei: o que as pessoas de alta
performance têm de diferente da média é a forma como são
impactadas por determinada influência e escolhem o que fazer com
ela. São capazes de transformar o carinho do pai e da mãe em motor
para o sucesso, assim como podem usar uma experiência negativa
como propulsora para uma guinada positiva na vida. São capazes de
cair e levantar, superando uma derrota em vez de se afundar nela.
Como você vai ver agora nas histórias dos dois primeiros
personagens deste livro – e ao longo de toda a leitura –, a alta
performance é resultado de uma forte estrutura emocional e mental.
DERROTA E
JOGO MENTAL
Todo mundo passa por derrotas. Uma, duas, várias. Nem o maior
campeão, o mais bem-sucedido, está imune a elas. Walt Disney, por
exemplo, criou o Mickey Mouse em uma situação de muito estresse e
de derrota para o dono da distribuidora dos desenhos animados com
sede em Nova York. Interessante pensar que, se não fosse sua situação
de necessidade extrema de dar certo, talvez nada da magia Disney
tivesse acontecido. Ver as coisas irem mal pode ser a deixa para nos
tornarmos mais criativos. A necessidade nos faz procurar alternativas,
ousar mais, experimentar.
Eu também tive minhas experiências com derrotas. Após parar de
competir no esqui na neve, passei a fazer triatlo e depois maratona.
Ao todo, participei de quatorze maratonas. Minha estreia, em 2004,
foi excelente. A oportunidade surgiu quando fui a trabalho para um
congresso na Bulgária; por coincidência, no mesmo final de semana
da Maratona de Berlim. Saí de Varna e voei para Berlim no sábado à
noite. Eu não sabia o que era correr uma maratona, não tinha ideia de
quanto poderia ser difícil, e isso fez com que eu não tivesse uma
expectativa negativa prévia. Claro que o treino foi fundamental, mas a
ausência de medo me ajudou muito. No domingo, às nove da manhã,
estava largando. Logo em minha primeira maratona pós-acidente,
completei os 42 quilômetros em 2h46. Em 2004, era uma marca
quase inalcançável para um corredor amador que tinha uma rotina de
trabalho e família. Sabe o que aconteceu depois? Em 2006 e 2007, os
resultados foram terríveis. Em 2006, fui tentar melhorar e acabei
completando em 3h11. O fato de ter ido bem na primeira maratona
me deu confiança em excesso e menosprezei os treinos para a prova de
2006. O que não era bom ficou ainda pior um ano depois. Na
Maratona de Chicago, abandonei a prova no quilômetro trinta, com
fortes dores abdominais, e fui parar no hospital. Somente em 2009
consegui retomar a boa forma. Como? Com muito treino e disciplina.
Consegui diminuir meu tempo para 2h37. Quase dez minutos, uma
eternidade para uma maratona nesse nível de rendimento. O que
aconteceu daquela vez? O ajuste correto do medo e da confiança.
Performance se atinge com superação, autoconhecimento, treino e
melhora a cada dia. Aprendi que vencedores não são vencedores todos
os dias.
Graças à estrutura interna que desenvolvi, as derrotas serviram
para apontar os meus erros e indicar quanto eu teria que me dedicar
para chegar aos resultados que almejava. Essas derrotas foram
fundamentais para meu desenvolvimento na busca do novo limite
físico e mental que acabei conquistando. Quando eu entendi o
mecanismo interno de transformar aqueles fracassos em munição para
o sucesso, não quis parar ali. Estava claro que tinha encontrado outro
patamar de performance com as derrotas passadas. Achei que ainda
poderia melhorar mais.
Em 2012, corri a minha melhor maratona, com o tempo de 2h36.
Para a época, e no universo da corrida, foi algo grandioso. Talvez eu
tenha sido o primeiro atleta corredor amador do Brasil a ser exposto
na mídia – me tornei garoto-propaganda de tênis, recebi um bom
cachê em dinheiro para aparecer em anúncios em revistas e jornais.
Minha história virou capa de revistas, depois livro e até programa de
rádio! Fui convidado para ser colunista da revista Runners World, a
revista mais importante do mundo sobre corrida, para a qual escrevi
por dois anos. Também passei a apresentar o programa de rádio Terno
e Tênis, que fez parte da programação do Grupo Bandeirantes de
Comunicação. Em formato de talk show, entrevistava executivos de
performance que praticavam esporte. Fiquei quase quatro anos no ar
e, sem nunca imaginar, minha história de superação tornou-se
conhecida. Talvez esse meu resultado tenha desencadeado um efeito
cascata; muita gente se identificou e assim passou a acreditar em si
mesmo. “Se esse cara, que sofreu um acidente tão grave, voltou a
andar e depois a correr, pode, eu também consigo.”
Graças às derrotas e aos aprendizados mentais do passado, pude
mostrar para as pessoas que sonhar e realizar era possível. Basta
querer. Continuo acreditando nisso hoje. Cada vez mais. Esse
“querer” tem a ver com trabalho duro e fazer o que precisa ser feito.
Tem muito mais a ver com ação, com olhar para o que não deu certo e
falar: “Ok, a derrota não é o meu ponto-final”.
Quando uma pessoa passa por uma situação complicada,
provavelmente não repetirá o mesmo erro que a levou àquela situação.
Certamente, na próxima vez, estará mais preparada. Essa é uma das
razões pelas quais a maioria dos fundos de investimento dos Estados
Unidos fazem questão de saber quem está por trás das empresas e
preferem investir naquelas cujo dono já quebrou alguma vez. A lógica?
Se o empreendedor ou a empreendedora já perdeu dinheiro, está mais
preparado para não perder de novo. Portanto, concluem que o
dinheiro deles será mais bem cuidado por quem já teve a experiência
do fracasso em uma manobra financeira.
Você já deve ter ouvido coisas do tipo “Campeões nunca desistem,
seguem adiante”. Encarar a derrota como parte da jornada do sucesso
é mais uma das características de pessoas de performance. E elas
conseguem isso, porque têm uma forte estrutura interna que as ajuda
a dominar seu jogo mental. Podemos dizer que o jogo mental é o
antídoto para a derrota. Não importa o resultado, vão sempre usá-lo
para continuar vencendo. O treinador de atletismo Cláudio Castilho,
que participou dos Jogos Olímpicos de Londres (2012) e do Rio de
Janeiro (2016), observa esse comportamento em atletas de ponta.
“Lidar com a perda, independentemente de qual seja, é muito difícil.
E tem gente que não nasceu para perder, só para ganhar. O esporte
nos ensina isso o tempo inteiro. Essas pessoas, quando passam por
uma situação que as coloca num teste de emoções, não levam isso
como um trauma para a vida. Elas conseguem interpretar, decodificar
e fazer com que o caminho para o futuro seja mais ameno em relação
a essas variações de emoções”, explica. Quem tem foco na
performance usa a derrota como aprendizado e sobe novamente e
muito mais forte. Como diz Marcos Paulo Reis, fundador da MPR
Assessoria Esportiva e duas vezes técnico da seleção brasileira de
triatlo nas Olimpíadas: “Você cresce na vitória quando entende como
ganhou, e você aprende na derrota também”.
Depois de uma derrota, é preciso uma forte estrutura para
transformar os seus processos internos. Isso é científico. Neurônios
têm memória – isso se chama neuroplasticidade. Imagino que já deve
ter ocorrido com você de comer doce ou chocolate por vários dias
seguidos e, quando desejou parar, aconteceu uma crise de abstinência.
Ou bateu uma vontade compulsiva de voltar ao hábito antigo. Isso
ocorre porque seu cérebro foi condicionado a receber aquela prazerosa
dose de açúcar diária. Para cortar essa crise de abstinência, você vai
precisar de 45 a 60 dias. Estudos dizem que esse é o tempo necessário
para que essas células, que são as principais do tecido nervoso,
absorvam um novo comando e um novo comportamento passe a virar
hábito. Isso se aplica às pessoas que querem emagrecer ou ter hábitos
alimentares mais saudáveis, assim como aos iniciantes da prática
esportiva, que vão precisar desse tempo para começar a entender os
benefícios que os exercícios geram em nosso sistema, ou a qualquer
um que queira introduzir algo novo em sua rotina de vida. Aplica-se
também a quem deseja mudar o jogo mental para ter mais
performance. Quanto mais uma pessoa usa ou treina seu cérebro e o
seu corpo para determinada ação, melhor fica. Seja para o bem, seja
para o mal. Os esportistas, empresários e empreendedores não podem
parar de treinar. Você pode treinar a concentração, a memória, os
músculos, o coração, os pulmões, tudo.
No documentário The Playbook, o treinador de tênis francês
Patrick Mouratoglou diz que momentos dolorosos são os melhores
para evoluirmos. Ou seja, fracasso e frustrações são duas das melhores
coisas que podem acontecer se soubermos lidar com elas da maneira
correta. Patrick tem autoridade para falar. Ele é considerado um dos
melhores treinadores do mundo e trabalhou com atletas de ponta,
como a americana Serena Williams, ganhadora de 23 títulos de
Grand Slam na categoria individual e considerada a maior jogadora
de tênis da era moderna.
No mundo corporativo, a derrota também faz a sua ronda. E o
jogo mental se faz necessário – aliás, ele é essencial para a
sobrevivência de uma empresa. As variáveis do mercado dão conta de
deixar bem claro como e quando você pode perder. Vou contar outro
caso do meu antigo escritório, do qual fui o sócio fundador. Em uma
pesquisa feita em 2018, com 41 clientes CEOs e presidentes de
empresas com faturamento superior a R$ 100 milhões, fizemos a
seguinte pergunta: O que mais tira seu sono no dia a dia como principal
líder do negócio? As opções de respostas eram:
a. A concorrência feroz.
b. A instabilidade histórica do Brasil e, por isso, a dificuldade em
perpetuar os negócios.
c. A solidão na tomada de uma decisão importante.
d. A transformação tecnológica que o mercado vive.
e. Todas as alternativas.
Seguem os resultados:
MÉTODO M.E.S.A.
+ FAMÍLIA: A SUA
INTELIGÊNCIA
ESTRUTURAL
1.Praticar mindfulness;
2.Praticar esporte;
7.Perseverar;
Mindfulness
Esporte
Sono
Alimentação
M DE MINDFULNESS
E DE ESPORTE
S DE SONO
A DE ALIMENTAÇÃO
+ FAMÍLIA E AMIGOS
O PODER DE SE
REINVENTAR
O MOTOR DA
PERFORMANCE
MENTE, CORAÇÃO E
VONTADE
•
Há algumas nuances em cada resposta, mas há também pontos em
comum e precisos no que se refere ao que esperamos quando falamos
de performance. Um deles é o comprometimento total com um
objetivo. É o tal do se propor a algo e entregar. Fazer acontecer.
Missão dada é missão cumprida. Conquistar, para essas pessoas, é
inegociável. Aliás, se for difícil, isso faz parte do pacote e é muito
bem-vindo. Como Benchimol frisa, tem que ser desafiador, senão
nem vale a pena. Pessoas muito acima da média querem ir além das
expectativas. Superar limites. Diante daquela pergunta “Com emoção
ou sem emoção?”, pode ter certeza de que a opção preferida é a
segunda.
Entrevistei para este livro o empresário Stefano Arnhold,
fundador e, durante muitos anos, controlador da TecToy, empresa de
consoles de jogos eletrônicos. Stefano teve o privilégio de criar um
videogame que teve o envolvimento direto de Ayrton Senna, quando
o piloto da Fórmula 1 era patrocinado pela Sega. Os dois trabalharam
juntos para que o jogo fosse o mais próximo da realidade de um piloto
em ação. Stefano comentou que Senna era perfeccionista, detalhista e
queria melhorar mais e mais o desenvolvimento do jogo. Um eterno
apaixonado e insatisfeito, porque sempre achava que poderia fazer
melhor. Em uma de suas corridas épicas, em 1988, no circuito
Suzuka, no Japão, Ayrton era pole position, mas assim que foi dada a
largada, um imprevisto aconteceu: seu carro, um McLaren Honda V6
turbo, não saiu do lugar. Senna teve que levantar os braços para alertar
os demais pilotos e não ser atropelado por eles. Como a largada
naquele circuito era em uma descida, Ayrton não teve dúvidas: fez o
carro pegar no tranco. Mesmo perdendo dezesseis posições, não
desistiu da prova. Acelerou, ultrapassou e terminou em primeiro
lugar, treze segundos na frente do rival Alain Prost. Outro piloto
brasileiro de F1 que também é exemplo de performance é o
tricampeão mundial Nelson Piquet.
Piquet chegou a rodar 47 mil quilômetros em um ano, sendo sete mil
em corrida e quarenta mil treinando.
Há quem diga que é preciso um talento especial para ter
performance. Talvez sim. Se você desejar ser um maratonista sub-3
horas, é muito bem-vindo ter facilidade para correr e anatomia física
para isso. Assim como é importante ter habilidades para negócios e
gestão se você quiser ser um empresário de sucesso. Mas isso não
basta e não vai determinar nenhum resultado se você não fizer algo
simples, mas que muda tudo em sua trajetória: decidir ter
performance. Não existe milagre. É o que Formiga fala de cuidar das
competências todos os dias até que elas somem um conjunto de
fatores que, buuuum, viram uma bomba de performance.
Decidir ter performance implica dizer sim ou não para uma
atitude diante da vida. Isso depende de um mindset ajustado para
resultados. De uma mentalidade de performance. De disciplina. De
vontade de vencer e de romper com uma situação e partir com tudo
para melhorar de vida, de status, de colocação. Tem gente que nasce
com esse espírito de dar 100%, e não apenas 80%. Tem gente que
aprende em casa, desde pequeno, pelo exemplo e/ou incentivo dos
pais, a performar. Tem gente que acaba tendo um resultado
excepcional como salvação – caso da Adriana Aparecida, que tomou a
decisão de correr, acelerar e vencer para fugir da fome. Foi um
casamento entre uma única oportunidade e a vontade de mudar de
vida. Performance não tem classe social. Ela está do lado de quem
decide o que quer.
Entrevistei o médico ortopedista Cristiano Laurino, formado pela
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com mestrado em
Ciências pela mesma instituição. Atuou como diretor médico da
Confederação Brasileira de Atletismo entre 2004 e 2016, participou
de quatro Jogos Olímpicos (2004, 2008, 2012, 2016), foi diretor
médico do Estádio Olímpico na Rio 2016, médico da seleção
brasileira de atletismo em cinco campeonatos mundiais, três
campeonatos mundiais indoor
(2012, 2014, 2016) e três Jogos Pan-Americanos (2007, 2011, 2015).
Em nossa conversa, ele deixou claro como o papel da mente é decisivo
para a performance. Segundo ele, é a cabeça que vai dar a condição
para o físico aflorar. “A cabeça vai abrir a porta para dizer: ‘Físico,
pode ir que você consegue’. Se a cabeça não fizer isso, não te der essa
abertura, fechar a porta, o físico não se manifesta e você não tem
resultado”, diz o especialista, que volta e meia convive com esse
embate entre cabeça e físico dos esportistas que sofrem alguma lesão.
Segundo ele observa, o maior medo dos atletas é sofrer contusão e ter
que ficar fora de competições importantes ou encerrar a carreira
precocemente. Ele coleciona casos de esportistas que tiveram que
abandonar o esporte. Alguns, para sempre. Outros, apenas pelo
tempo da recuperação. Se dependesse do médico e do combinado que
ele costuma fazer com cada um dos atletas, todos voltariam, e
voltariam melhores.
Alison Cerutti, do vôlei de praia, é um desses casos. Ele teve uma
lesão que foi tratada, reabilitada. O jogador voltou a treinar, a
competir e, em um ano, foi campeão do mundo. Em um ano e meio,
campeão olímpico, no Rio de Janeiro. Laurino conta que, toda vez
que um atleta tem um revés que o leva a uma lesão grave e a um
procedimento cirúrgico, há um consenso geral de que é o fim da
carreira. “Nas entrelinhas, para os pessimistas, não vai dar certo,
acabou… Mas eu sempre tive essa vontade de que a pessoa aflorasse
sua força. Não é só uma força física, é uma força mental, e é até
engraçado porque sempre fiz acordo com esses atletas. Eu falava:
‘Você teve uma lesão e vamos ter que operar, vamos fazer tal
procedimento cirúrgico, que tem essas características, esses riscos,
esses benefícios, essas complicações. Você vai se reabilitar em tanto
tempo, você vai voltar gradualmente, você vai competir, e você está me
devendo a sua melhor marca da vida na sua prova; tudo bem?’. Eles
respondem: ‘Tudo bem, doutor’. E todos os atletas cumpriram. É
incrível”, conta o ortopedista.
Quantos são assim? Quantos prodígios potenciais que não foram
campeões, ou até chegaram a ser, mas depois se perderam por um
revés, como uma lesão, e se retraíram? Passaram a ter uma barreira
que não conseguiram superar? “A cabeça é a força silenciosa que faz
com que atinjam algo importante meses depois, e você não entende o
porquê, mas é o ‘Eu consegui’. É a força do homem”, resume Laurino.
Posso dizer que senti na pele isso que Laurino defende. Quando
eu tinha catorze anos, minha família me incentivou a me tornar um
esportista de alta performance. Eu já era um bom esquiador. Por isso,
a aposta valia a pena. Contratamos treinador, e segui meu sonho de
ser um atleta de esqui na neve. O sonho virou realidade e consegui
competir pelo Brasil por mais de dez anos. Acabei me tornando
tricampeão brasileiro de esqui alpino, vice-campeão brasileiro de
snowboard, participei de quatro mundiais de esqui e duas Olimpíadas
de Inverno. Fui eleito pelo Comitê Olímpico Brasileiro como o
melhor atleta de esportes de inverno em 1998.
Cerca de um ano após parar de competir, em 1999, sofri um
terrível acidente de esqui em Las Leñas, Argentina. Por excesso de
confiança ou ausência de medo, caí em um buraco e tive múltiplas
fraturas na tíbia e na fíbula da perna esquerda. É o que os médicos
chamam de fratura cominutiva ou esmagamento do osso. O médico
que me atendeu na estação de esqui cogitou a amputação. O que já era
grave ficou ainda pior por um erro do primeiro ortopedista que me
operou no Brasil. Ele inseriu uma haste intramedular no osso e errou
no bloqueio do parafuso que deveria ficar próximo ao joelho. Isso fez
com que ela migrasse para o tendão patelar. Eu deveria ter ficado com
a haste por, no mínimo, seis meses, mas tive que tirar com três meses.
Isso gerou diversos problemas. Por isso, esse tratamento não deu
certo. Fiquei aleijado. Perdi seis centímetros de perna, que ficou
côncava, com uma deformidade importante no osso, e meu pé estava
rotacionado para dentro. Depois de dois anos confiando em uma
solução que nunca chegou, optei por mudar o tratamento e buscar
outra maneira de voltar a andar. Antes disso, resolvi estudar sobre
meu caso, aprender sobre medicina para poder discutir de igual para
igual com os novos médicos e escolher o melhor tratamento para
aquela grave situação em que eu havia me metido. O problema, antes
de ser um caso para um médico abraçar e solucionar, era meu.
No total, passei por cinco cirurgias, fiquei em recuperação por três
anos e dez meses. Tive que fazer enxerto de osso da bacia e implantar
na tíbia, usar a “gaiola” ou o Ilizarov, tratamento com um fixador
externo em que hastes de ferro passam por dentro do seu osso, criado
pelo médico ortopedista russo Gavriil Ilizarov. Essa parte da minha
vida foi contada com brilhantismo pelo jornalista Sergio Xavier Filho,
no livro Operação Portuga: cinco homens e um recorde a ser batido.
Conto essa história porque passei por diversos tratamentos para
poder voltar a andar normalmente e pude aprender que aquilo que
funcionou para os outros não teria necessariamente a obrigação de
funcionar comigo. Medicina não é uma ciência exata, ela é orgânica.
Nosso corpo e nossa mente desempenham seu papel e reagem de
forma diferente. Por isso, são nossas competências, ou o
desenvolvimento delas, que fazem a gente chegar aonde queremos.
Posso afirmar com segurança que minha força mental foi fundamental
para que eu voltasse a andar sem muletas novamente. Eu sempre tive
certeza de que ficaria bem.
Não há dúvida de que é a cabeça que nos coloca no foco da
performance. E a mente tem mais força com inteligência estrutural.
Mas não vou ser injusto. Há mais coisa aí, há um combustível. Falo de
um sentimento que faz alguém escolher um caminho e fluir nele. O
que move a performance é a paixão.
Voltando à minha passagem pelo esqui na neve, descobri esse
esporte na década de 1980, quando ainda era desconhecido no Brasil,
e me apaixonei. Meu pai era muito trabalhador, por isso era nas férias
na neve que poderíamos ficar mais próximos. Foi nesses momentos
em família que meus pais viram potencial e acreditaram em mim.
A vida de atleta é muito dura, lembro de fazer meu camp no início
de janeiro em Courchevel, estação de esqui francesa muito badalada
pelos bilionários da Europa, brasileiros e russos. Como o governo
francês queria promover o esqui no Brasil, eu ganhava hospedagem
em hotel de luxo e ficava de quinze a vinte dias treinando de graça. O
camp era o início do ciclo de treinamento, antes de sair para
competições regionais. Muito bacana, mas nada glamuroso.
Courchevel tem um dos maiores espaços esquiáveis do mundo, mas eu
ficava todos os dias na mesma pista. Sobe a cadeirinha, desce a pista,
sobe a cadeirinha, desce a pista. Uma hora, duas horas, três horas. O
corpo começava a travar, a musculatura começava a ficar rígida, doía
bastante. Parava para almoçar e depois voltava para fazer tudo de
novo. Final de tarde? Tinha mais: musculação, corridinha, massagem,
banho, jantar e parada para assistir às filmagens do meu treino.
Dorme cedo, acorda cedo, e o dia se repete. Dias e dias iguais. Não
tem festa, balada, bebida. Nada! Uma rotina dura e muito bem
planejada e definida: a mesma pista de treinos, desce dezenas de
vezes, carrega mais de dez pares de esqui e equipamentos para cima e
para baixo na montanha, porque fazíamos testes de esquis, igual aos
pilotos de F1, que testam os equipamentos dos carros durante a pré-
temporada. Treino e mais treino. A rotina faz parte do jogo, a
monotonia não. Era adrenalina pura e era isto que me motivava: ver
que o risco e o empenho estavam valendo a pena. Estava evoluindo e
muito.
Depois desse período de base, era a hora de meu treinador e eu
sairmos de carro viajando pela Europa, participando de provas da
Federação Internacional de Ski, a FIS. No esqui, quanto mais você
compete, maior é a chance de melhorar seus pontos e, assim,
conquistar o índice olímpico. Tínhamos uma vida nômade. Um dia,
saímos de uma estação de esqui, chamada Praloup, na França, após
uma competição; passamos pela Itália, pela Áustria e chegamos na
Eslovênia, porque no dia seguinte eu tinha o treino oficial da prova de
Downhill em Maribor. (O DH, como é chamado, é a prova mais
rápida do esqui. Os atletas chegam a atingir 150 km/h.) Foram quase
mil quilômetros rodados, passamos por quatro países e, no inverno, as
estradas ficam congeladas, o que deixa a viagem mais perigosa.
Quando não dormíamos no carro, era em hotéis ou albergues de
beira de estrada, e nem sempre os quartos estavam em condições de
receber clientes. Uma vez, viajando pela França, chegamos muito
tarde em uma cidade de beira de estrada, já estava tudo fechado,
encontramos um único albergue em cima de um restaurante estilo
padaria. Demos sorte porque na recepção ainda pudemos escolher um
quarto com banheiro. Para aquela hora da noite, era um luxo. Quando
me deitei e virei a cabeça sobre o travesseiro, vi que o lençol estava
sujo com um catarro verde enorme. Aquele lençol não era trocado há
muito tempo. Era o que tínhamos, e nos divertimos muito. Como eu
poderia reclamar se eu estava fazendo o que amava, viajando com meu
treinador, que tinha virado um grande amigo, conhecendo outras
culturas e outros países, representando o Brasil em provas na Europa,
aprendendo novos idiomas e conhecendo novas pessoas? Além disso,
eu via que estava evoluindo e, pela primeira vez, comecei a sentir que
estava encurtando a distância do meu nível de esqui ao dos melhores.
(Fui o primeiro atleta do Brasil a esquiar abaixo de 100 pontos FIS.
No esqui, quanto menos pontos, melhor.) Não era perfeito, mas era
muito bom.
Nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1998, em Nagano, fui o único
brasileiro com índice olímpico e tive a honra de ser o porta-bandeira
do Brasil na abertura do Estádio Olímpico. Foi a primeira vez que a
mídia brasileira cobriu um evento de inverno, por isso minha mãe,
que estava no Brasil, pôde ver o filho ao vivo descendo a montanha
com a roupa do Brasil. Foi muito emocionante.
Naquela época, não tinha celular nem e-mail. Quando eu
conseguia um telefone fixo, e as ligações eram uma fortuna, ligava
para a família para saber se todos estavam bem e me atualizar sobre os
amigos que estavam no Brasil pulando Carnaval. Com vinte e poucos
anos de idade, por alguns segundos, tinha vontade de estar com eles.
Na vida do atleta, o glamour só acontece quando você participa de
campeonatos mundiais ou Olimpíadas. Na vila olímpica de Nagano,
por exemplo, encontrei algumas vezes o atual Rei do Principado de
Mônaco, Albert II. Cá entre nós, ele não era muito simpático.
Tirando esses momentos que rendem algumas histórias para contar, o
resto do ano é ralação.
Durante esses anos esquiando, quebrei o nariz, rompi o ligamento
e menisco do joelho esquerdo, quebrei o dedo da mão esquerda e, já
quando estava aposentado das competições, tive o acidente que me
custou a grave fratura na tíbia e na fíbula da perna esquerda. Nada
disso me fez parar, sigo nas pistas. Tudo isso pela paixão que tenho
por competir, pela adrenalina, por me desafiar.
Esse sentimento continua comigo, mesmo que eu não seja mais
um esquiador de competição. Hoje ele não está nas pistas de neve,
mas na minha atuação como executivo. Isso me leva a crer que uma
pessoa pode mudar de interesses e atividades ao longo do tempo.
Afinal, a vida é feita de momentos. Mas o desempenho segue sendo
reciclado.
Logo que tive alta do hospital, no episódio da fratura da perna
esquerda em junho de 2003, eu quis voltar rápido à rotina de praticar
esporte. Comecei a pedalar, nadar e correr novamente. Em dezembro
daquele mesmo ano, competi em um Meio Ironman, uma prova em
que era preciso nadar 1.900 metros, pedalar 90 quilômetros e correr
21. Uma modalidade seguida da outra. Senti que fazer uma prova
dura como aquela foi o “carimbo” da cura. Finalmente eu tinha
resolvido o problema, e a alta médica tinha ocorrido na prática. Foi
muito emocionante. A paixão me fez voltar.
Pierre Tagliabue, que também é ex-atleta suíço de esqui alpino, foi
treinador do time B da Suíça e meu treinador por muitos anos,
concorda: “Eu não vejo sucesso sem ser apaixonado por uma coisa que
te motiva. Pessoas de alta performance não se imaginam sem o amor
de se levantar cedo e treinar e trabalhar. Elas querem ser as melhores
na carreira que escolheram. Com isso, vêm a dedicação e a disciplina”,
analisa o suíço, que também vê a resiliência como consequência disso,
já que essas pessoas não cogitam desistir enquanto não atingem o seu
melhor. “O negativo empurra para o resultado positivo. O motor pode
ser só ganhar, mas você tem que estar apaixonado e ganhar”, afirma.
Aí estão algumas palavras que se relacionam: paixão, treino e
performance. Só pessoas realmente apaixonadas não medem esforços
quando se trata de treino – e treino é um dos fatores fundamentais. A
próxima história que vou contar é de um personagem que tem essas
três palavras muito presentes em sua trajetória.
NUNCA É TARDE
ALÉM DA
PERFORMANCE
O CHECKLIST DA
PERFORMANCE
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INSTAGRAM: @LELOAPOVIAN
LINKEDIN: MARCELO APOVIAN
Lelo foi atleta de esqui na neve por mais de dez anos. Representou o
Brasil em duas Olimpíadas e quatro mundiais. Também foi ganhador
do Rally dos Sertões na categoria moto production. Depois de se
aposentar no esqui, sofreu um grave acidente e quase teve sua perna
amputada. Depois de cinco cirurgias e quatro anos em tratamento,
começou a correr maratonas e acabou se tornando um dos melhores
atletas amadores do Brasil.
Em paralelo, em sua carreira como empreendedor na área de
recursos humanos teve a possibilidade de conhecer e entrevistar
pessoas de altíssima qualidade e muito acima da média. Lelo fez mais
de 5000 entrevistas para mais de 300 contratações, conduziu centenas
de Assessments (ferramenta de autoconhecimento) e coachings e
milhares de reuniões com empresários, CEOs, VPs e board members
das maiores empresas do Brasil.
É graduado em Propaganda e Marketing, com pós-graduação em
Psicologia Positiva, especialização em Advanced Marketing
Management e em Neurociência. Foi sócio de uma das mais
importantes consultorias globais de executive search e liderança. É
membro do Conselho de Administração da startup New Value e
mentor do Quintessa, uma das mais importantes incubadoras de
startups de ESG do Brasil. Em 2022, fundou a EdTech BOBE –
Best Of Business Education.
Livros para mudar o mundo. O seu mundo.
disponíveis, acesse:
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