Muito Acima Da Média - Lelo Apovian

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DADOS DE ODINRIGHT

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Muito acima da média
Copyright © 2023 by Lelo Apovian

1ª edição digital: Setembro 2023


Direitos reservados desta edição: CDG Edições e Publicações

O conteúdo desta obra é de total responsabilidade do autor


e não reflete necessariamente a opinião da editora.

Autor:
Lelo Apovian

Preparação de texto:
Larissa Robbi Ribeiro

Revisão:
Debora Capella
Paola Sabbag Caputo

Projeto gráfico:
Jéssica Wendy

Capa:
Dimitry Uziel

Produção de eBook:
Loope Editora

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

Apovian, Lelo
Muito acima da média : o método para conseguir um desempenho
excepcional em tudo o que você fizer / Lelo Apovian. — Porto Alegre : Citadel,
2023.
EPUB

ISBN: 978-65-5047-364-8 (eBook)

1. Autoajuda 2. Desenvolvimento pessoal 3. Desempenho


4. Sucesso 5. Realização I. Título
23-4649 CDD - 158.1

Angélica Ilacqua - Bibliotecária - CRB-8/7057

Produção editorial e distribuição:

[email protected]
www.citadel.com.br
AOS PROFESSORES.

SOMENTE A EDUCAÇÃO TRANSFORMA.

SOMENTE A EDUCAÇÃO LEVA À PERFORMANCE EXCEPCIONAL.


SUMÁRIO

Prefácio
Introdução

Capítulo 1: O que faz você correr atrás?


Capítulo 2: Medo vs. Performance
Capítulo 3: Derrota e jogo mental
Capítulo 4: Método M.E.S.A. + família: a sua inteligência estrutural
Capítulo 5: M de MINDFULNESS
Capítulo 6: E de Esporte
Capítulo 7: S de Sono
Capítulo 8: A de Alimentação
Capítulo 9: + Família e amigos
Capítulo 10: O poder de se reinventar
Capítulo 11: O motor da performance
Capítulo 12: Mente, coração e vontade
Capítulo 13: Nunca é tarde
Capítulo 14: Além da performance

Apêndice: O checklist da performance


Agradecimentos
PREFÁCIO

“GUILHERME, ME CHAMO LELO APOVIAN, AMO ESPORTES,


SOU UM APAIXONADO POR PERFORMANCE E ADORARIA TE
CONHECER PARA UM PAPO. VOCÊ TOPA?”

Uma semana depois estávamos sentados frente a frente.


Lelo Apovian é uma daquelas pessoas fascinantes de se conversar.
Um apaixonado por esportes e, acima de tudo, um curioso por
natureza. Todos os seus anos como atleta profissional, convivendo
com pessoas da mais alta performance do mundo, e sua posterior
mudança para a indústria de headhunter, fizeram dele uma pessoa com
experiência e sensibilidade únicas para identificar vencedores.
Sempre fui um apaixonado por esportes. Meu sonho de
adolescência era me tornar tenista profissional. Sonho esse que acabou
sendo interrompido pela sábia decisão do meu pai, ao ver que minhas
notas no colégio estavam piorando exponencialmente e que eu tinha
um talento questionável para alguém que sonhava ter alguma
relevância no mundo do tênis.
Apesar de não ter seguido no esporte profissionalmente, me
arrisquei em diferentes modalidades ao longo da vida. A última delas
foi as ultramaratonas. Nada mais fascinante do que se preparar para
correr provas tidas como “impossíveis”. Corridas de 100 km, 120 km
ou até 170 km. Além de me sentir desafiado, eu também tinha uma
atração por entender a cabeça dessas pessoas, seus estilos de vida,
alimentação, controle mental e, acima de tudo, como se superavam.
Foi durante essa fase que, por coincidência do destino, li o livro
Operação Portuga. Uma história de quatro amigos que se juntaram
para derrotar um companheiro de equipe que havia quebrado o
recorde do grupo de corridas.
Achei a história incrível e inspiradora, acima de tudo para o
momento de corridas que eu vivia.
Meses depois, por outra coincidência da vida, recebo uma
mensagem de um dos protagonistas do livro que, certamente, foi o
que mais me chamou atenção. Afinal, Lelo, tinha sido esquiador
profissional de esqui na neve por dez anos. Um brasileiro nesse
esporte é algo bastante inusitado, já que vivemos em um país tropical.
Sempre acreditei no esporte como uma das melhores formas de
mostrar para uma pessoa como a vida funciona de verdade. Afinal,
lidar com as derrotas, aprender com os erros, respeitar os adversários,
se preparar, ter disciplina, visão de longo prazo, devem fazem parte do
dia a dia de todos nós.
Tive a sorte de empreender ainda muito jovem e, sem dúvida
nenhuma, todas essas “soft skills” fizeram muita diferença na
construção da minha carreira e da minha empresa.
Imagino que todos querem melhorar em sua vida e evoluir.
Infelizmente não há uma fórmula mágica para se chegar lá. Cada
pessoa é diferente, e saber o que você realmente deseja para si próprio
talvez seja o primeiro passo da jornada que nunca terá fim.
Neste livro, Lelo traz aprendizados da sua vida esportiva e
profissional e relata em detalhes a história de pessoas que se
sobressaíram em suas trajetórias, seja como atletas, profissionais
liberais ou grandes empresários.
Além do exemplo das pessoas inspiradoras que ilustram a obra,
Lelo usa sua capacidade de entender pessoas para construir, depois de
tantos estudos e entrevistas, um método que sintetiza o que constitui
a base de pessoas que obtêm resultados surpreendentes e acima da
média.
Tenho certeza de que você terminará a leitura mais preparado para
a vida e seus desafios e munido das informações e inspirações
necessárias para poder muito mais.
– Guilherme Benchimol
SÓ EXISTEM TRÊS TIPOS DE PESSOAS:

• AS QUE ALCANÇAM PERFORMANCE NATURALMENTE,


PORQUE APRENDERAM DESDE CEDO.
• AS QUE VÃO ALCANÇAR PERFORMANCE EM ALGUM
MOMENTO DA VIDA, PORQUE CANSARAM DE TER
RESULTADOS MEDIANOS.
• AS QUE NUNCA TERÃO PERFORMANCE PORQUE NÃO
TENTAM.
• PERFORMANCE É O QUE LEVARÁ VOCÊ MAIS LONGE, E
ATINGI-LA DEPENDE DAS SUAS ESCOLHAS.
INTRODUÇÃO

Não existem estudos que comprovem que os grandes personagens da


humanidade são mais capazes do que nós. Tudo indica que eles são
iguais a nós. Todos temos os requisitos de Pelé, Leonardo da Vinci,
Mozart, Marie Curie, Beethoven, Roger Federer, Usain Bolt, Ayrton
Senna, Serena Williams, Margaret Thatcher, Walt Disney, Henry
Ford e tantos outros.
A distância entre os melhores do mundo e você pode estar apenas
dentro de você mesmo. Como observador, estudioso e, inclusive,
como objeto do meu próprio estudo, cheguei à conclusão de que o que
faz com que as pessoas tenham um resultado excepcional é o modo
como elas desempenham suas atividades. A performance está
intimamente ligada ao sucesso de cada um.
Até meus 26 anos, minha relação com performance não estava
num escritório envidraçado na região da avenida Faria Lima, em São
Paulo, mas, sim, atingindo altas velocidades em montanhas de neve
pelo mundo, competindo em campeonatos de esqui, representando o
Brasil nas Olimpíadas. Essa vivência me deu acesso a uma parcela de
pessoas de alto nível de performance em uma área em que essa palavra
é requisito básico de um campeão: o esporte. A história de algumas
delas também está nestas páginas. Foi um privilégio escutá-las e
entender como foi seu processo interno para quebrar barreiras, bater
recordes, conquistar medalhas e troféus. Definitivamente, eu não
poderia deixar esse conhecimento guardado comigo. Seria egoísmo
não contar o que aprendi com esses personagens como exemplo e guia
para uma vida mais estável com realização pessoal, profissional e, por
consequência, performance.
Fui atleta profissional de esqui entre 1988 e 1998. Mas foi de
1994 a 1998, no meu último ciclo olímpico, quando tive como
treinador o suíço Pierre Tagliabue, que realmente me tornei um
esquiador profissional e uma pessoa melhor. Ele costumava me filmar
para que eu pudesse ver os meus erros e comparar com o desempenho
dos melhores esquiadores do mundo. Quando estávamos viajando
para participar de competições, ele também filmava os atletas que
lideravam as competições descendo as mesmas pistas que eu e, no
final do dia, assistíamos no quarto do hotel, sempre com o objetivo de
aprimorar minha técnica. Olhar os primeiros do ranking me fazia
melhorar. Depois, já bem mais velho, quando comecei a correr
maratona, passei a treinar com os atletas profissionais do Esporte
Clube Pinheiros, em São Paulo. Evoluí muito observando e
aprendendo com eles, e é isso que quero oferecer aqui para você: as
atitudes e escolhas de quem tem um rendimento muito acima da
média.
Um novo capítulo na minha história, também relacionado à
performance, começou quando me tornei headhunter em 2006.
Durante dezesseis anos, fui consultor de recrutamento e seleção de
executivos. Primeiro como executivo de consultorias multinacionais,
até que em 2016 eu trouxe para o país uma renomada consultoria
americana da qual fui o sócio fundador e controlador no Brasil.
Tivemos bastante sucesso, crescemos dois dígitos, todos os anos,
desde o primeiro dia. Trabalhei para diversas empresas, com pessoas,
para pessoas e com os recursos que os humanos oferecem. Costumo
dizer que acabei me tornando um curioso e estudioso de gente. Os
clientes me procuravam pedindo ajuda para melhorar a performance
dos seus negócios, das suas empresas. E não há melhor forma de fazer
isso do que por meio dos próprios colaboradores. Com o tempo, fui
me aperfeiçoando com estudos, cursos e leituras para saciar minha
curiosidade em conhecer mais sobre as pessoas. Entrevistei e avaliei
mais de cinco mil candidatos a vagas de emprego, em centenas de
processos de recrutamento e seleção de executivos, fiz outras centenas
de assessment – ferramenta de avaliação profunda do perfil
comportamental –, além de coachings e mentorias. Com anos e anos
de muito treino, desenvolvi a capacidade de ler e entender pessoas.
Muitas vezes, consigo avaliar alguém somente com um aperto de mão
ou um olhar mais profundo, o tal olho no olho. Talvez já tenha
nascido com uma sensibilidade natural, mas, depois de tanto tempo
em contato com executivos de alta performance, consegui aprimorar
essa capacidade de avaliação.
Desde que comecei a estudar performance para este livro – investi
mais de 24 meses coletando informações exclusivamente sobre esse
tema – e passei a dissecar o comportamento de pessoas que têm
resultados acima da média, venho construindo teorias. Realizei mais
de cinquenta horas de entrevistas com os personagens que fazem parte
do livro. Entrevistei médicos, neurocientistas, atletas olímpicos,
empresários e empreendedores de muito sucesso, para assim tentar
chegar a uma explicação didática – isto é, baseada em fatos – de como
podemos alcançar nossa melhor performance, a nossa melhor versão.
Essa vivência e experiência me fazem ter certeza de que não
existem fórmulas prontas. O resultado de cada indivíduo depende da
orquestração dos mais de trinta trilhões de células que compõem o
corpo humano, das quais 86 bilhões são neurônios, que fazem, cada
um deles, até mil sinapses. A velocidade de propagação do impulso
nervoso na membrana de um neurônio varia entre 10 cm/s e 1 m/s. A
propagação rápida dos impulsos nervosos é garantida pela presença da
bainha de mielina, que recobre as fibras nervosas. O cérebro tem um
funcionamento perfeito regido por um controle químico complexo,
que são os sistemas endócrino e nervoso. Nosso sistema não é simples,
a vida não é simples, e o “faz isso ou faz aquilo” pode funcionar com
alguns, mas não com todos. A vida dos melhores do mundo não é
fácil. Ninguém chegou rápido e sozinho, o caminho é longo, duro,
instável e sofrido. O medo faz parte do jogo. E o controle dessa
emoção é o fio condutor para arriscar a buscar performance. Sem
ação, não saímos do lugar. Na vida, perde-se mais do que se ganha. O
segredo está em levantar a cabeça, usar a força mental trazida pela
derrota, corrigir rápido a rota, adaptar-se ao novo cenário e não
repetir o erro.
Não acredito em livros de autoajuda, soluções simplistas, formas e
fórmulas do sucesso. Portanto, não espere deste livro um número X de
soluções milagrosas para ter alto desempenho. Como não existe uma
resposta única que descreva como as pessoas chegam ao melhor de si,
decidi adaptar uma parte da metodologia que eu aplicava em sessões
de assessment e coaching, usando cases reais de performance
comprovada. Nada melhor do que exemplos de pessoas diversas, de
várias áreas, indústrias e segmentos para mostrar caminhos. Este livro
reúne histórias de quem atingiu resultados superiores à média, se
destacou no mercado em que atua. O que eles fazem? Como eles
fazem? Por que eles fazem? Essas eram perguntas que me deixavam
curioso. Por isso, corri atrás para tentar decifrar essas mentes
brilhantes. Ao longo destas páginas, vou pontuar e fazer intervenções
e colocações de teorias desenvolvidas por mim, que acredito terem
valor para facilitar o entendimento.
Descobri que alta performance não escolhe classe social. Você
pode ter vindo da comunidade ou de um berço de ouro de algum
bairro nobre da sua cidade. Também não é determinada por
oportunidades na vida. Já vi pessoas que têm portas abertas na vida
passarem batido por elas. E vi pessoas, que encontram apenas uma
fresta aberta, se espremerem para passar e dar um salto de
desempenho com toda a determinação que conseguem ter.
Como já disse, não existe uma resposta única e não é fácil atingir
performance, mas há caminhos, insights e uma direção. Considere este
livro um mapa com algumas estradas e atalhos para você performar,
navegando entre medo e sonhos; objetivos e dúvidas; limitações e
superações. O importante é que você entre em movimento e que o
saldo final seja positivo para a sua trajetória. Em outras palavras, você
tem que terminar de ler este livro melhor do que quando começou.
CAPÍTULO 1

O QUE FAZ VOCÊ CORRER


ATRÁS?

A mãe está lavando roupa no tanque quando a filha se aproxima e


pede: “Mãe, tem alguma coisa pra comer?”. Com os olhos cheios de
lágrimas, a mãe responde: “Não tem, minha filha, dorme que a fome
passa”.
A menina acata a única sugestão da mãe: tentar dormir com fome.
É difícil obedecer, mas uma hora o sono sempre fica maior que a
necessidade de colocar algo para dentro do estômago.
Naquele dia, porém, teve mais água além daquela do choro. Caiu
uma tempestade, e a chuva começou a entrar naquela casinha de dois
cômodos construída com lajota e barro num bairro simples de uma
cidade do interior paulista. Às vezes, acontecia isso, de a água invadir
tudo. Por isso, a mãe cobria os quatro filhos, a menina e seus três
irmãos homens, com um plástico bem grande. Isso evitava encharcá-
los. A moradia, emprestada pelo tio, tinha uma construção precária.
Lajotas caíam e deixavam buracos na parede. Era por elas que a água
entrava e não dava trégua, sem dó nem piedade.
A mãe começou a lavar roupa para fora depois que se separou do
pai, que era alcoólatra. Não aguentou mais as agressões do homem e
deu um basta na relação. Tinha uma pensão de 40% do salário do ex-
marido. E 40% de pouco era muito pouco. Não dava para nada. O
jeito era lavar muita roupa e contar com a doação de cestas básicas da
igreja ou com a boa vontade dos vizinhos para repartir o que também
chegava contado pra eles. Eram as crianças que batiam de porta em
porta pedindo algo para comer. Quando não havia doação nem
compaixão, havia fome. A menina, que tinha três anos quando os pais
se separaram, foi crescendo sem perspectiva nenhuma de um dia ter
uma profissão ou dinheiro para fazer uma faculdade. Naquela família,
só se pensava em ter o que comer no dia seguinte.


Quando o filho chegava com algum problema, o pai gostava de contar
alguma passagem de sua vida que pudesse motivá-lo. Sim, o pai tinha
histórias. E das boas! Jogador de futebol. Ídolo nacional. Um dos
heróis da Copa de 1970. Era do vestiário do mundial que vinha uma
de suas preferidas. Ele começava assim: “Filho, imagina… Eu, aos 23
anos, na Copa do Mundo. O Brasil vivendo regime de ditadura
militar…”. O pai descrevia todo o cenário de pressão. O então
presidente Médici ligando pelo telefone e falando para a equipe: “É
melhor jogar ou não volta para o Brasil”. O Brasil inteiro de olho
naquele grupo de talentos que poderia trazer a taça e o tricampeonato.
E continuava: “Eu estava jogando ao lado do maior gênio, o maior
ídolo da minha vida, que foi o Pelé. Ele era o primeiro a acordar, o
primeiro a puxar a fila. Mandavam dar dez voltas, ele dava quinze. O
Pelé, que já era bicampeão do mundo, entrava no vestiário dizendo
‘Eu sou bicampeão do mundo, eu sou o rei do futebol, sou tudo, mas
essa é a Copa da minha vida, essa é a nossa Copa, essa que nós vamos
ganhar’. Às vezes, filho, eu acordava com uma dorzinha, ia para o
vestiário e então via aquele cara bufando querendo mais e me
inspirava nele. Então, na sua vida, se inspire em pessoas assim. Olha
para isso”. O pai talvez não tivesse ideia de como aquelas histórias
entravam na cabeça do menino.
Ser filho de um ídolo de todos os tempos era um grande orgulho.
Também vinha com uma responsabilidade enorme. Sim, havia
cobrança. Especialmente quando se tratava de esporte. Até na pelada
no colégio! Se jogasse bem, ótimo, não fez mais do que a obrigação.
Se fizesse alguma besteira… sai de baixo! Não era só com o menino.
A irmã e o irmão também sofreram essa pressão dentro de qualquer
quadra, de qualquer esporte. “Sabe aquele ali? Ele é o filho do
jogador!”
No final da adolescência, quando estava terminando o terceiro ano
do colegial – nome dado para o ensino médio na época –, o menino
pensou em seguir a carreira de jogador. Era bom de bola e bom de
notas. O segundo semestre nem tinha terminado, e ele já estava
praticamente aprovado. Saiu da escola particular para poder estudar à
noite e começar a treinar forte. Tinha dezessete anos e o sonho de
seguir o legado do pai.


Lendo o começo dessas duas histórias, de qual delas você imagina que
sairá um personagem de alta performance? Talvez, de cara, pelos
cenários e condições, possa concluir que o filho de jogador de futebol
teria oportunidades, dinheiro, talento no DNA para performar
melhor do que a menina que passava fome e encontrava-se sem
perspectiva alguma de mudar de vida. No entanto, como estou
fazendo esta pergunta, talvez já imagine que eu queira surpreender
você. Então pode ser que a sua resposta seja a menina, porque ela deve
ter tido uma trajetória de superação, enquanto o menino, filho do
jogador, pode ter virado um filhinho de papai acomodado. Faça sua
aposta!
As duas histórias são de personagens de alta performance. Duas
pessoas com trajetórias de vida distintas – diria até opostas, em
termos de recursos – e um resultado em comum. Elas foram além das
expectativas, quebraram barreiras.
Mesmo me deparando com pessoas tão diversas quanto essas duas
que escolhi para iniciar este livro, vi algumas características presentes
em todos os exemplos que entrevistei: o que as pessoas de alta
performance têm de diferente da média é a forma como são
impactadas por determinada influência e escolhem o que fazer com
ela. São capazes de transformar o carinho do pai e da mãe em motor
para o sucesso, assim como podem usar uma experiência negativa
como propulsora para uma guinada positiva na vida. São capazes de
cair e levantar, superando uma derrota em vez de se afundar nela.
Como você vai ver agora nas histórias dos dois primeiros
personagens deste livro – e ao longo de toda a leitura –, a alta
performance é resultado de uma forte estrutura emocional e mental.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: ADRIANA APARECIDA DA SILVA

Crescer, casar, ter filhos e trabalhar como empregada doméstica ou


como babá. Não apenas a mãe, mas todas as mulheres presentes na
infância de Adriana tinham um destino semelhante. Não havia uma
mulher que ela conhecesse que tivesse feito uma faculdade ou viajado
pelo mundo. Então, Adriana não sonhava com nada. Só esperava
pelos dias em que “crescer, casar, ter filhos e trabalhar como
empregada doméstica ou como babá” fossem se tornando realidade
em sua vida.
Não sonhava, mas não conseguia se conformar com a situação em
que viviam. Sentia que precisava tomar uma atitude. Tinha medo de
um dia ir dormir e alguém não acordar mais – ela ou seus irmãos.
Morrer de fome ou em algum episódio de violência era um risco
naquelas condições de vida. Quando estava na quarta série e tinha
nove anos, resolveu ajudar em casa. Escutou o colega de classe falar
que a mãe estava procurando uma pessoa para trabalhar na casa dele.
Não teve dúvidas. Bateu na casa do amiguinho e perguntou: “É aqui
que estão precisando de limpeza?”. A mãe do garoto olhou incrédula
para aquela garotinha franzina, banguela, desnutrida e sentiu um
misto de surpresa e empatia. Talvez tenha ficado com dó, vendo a
situação da família. Deixou a menina trabalhar e ganhar seu
dinheirinho. Não autorizava a garota a fazer trabalho pesado, nem que
cozinhasse. Estabeleceu-se uma relação de carinho e colaboração.
Apesar da pobreza, criança é criança. Dá um jeito de se divertir. E
a cidade de Cruzeiro, interior do estado de São Paulo, tinha diversão
gratuita. Adriana e os irmãos subiam no morro para escorregar,
nadavam nas cachoeiras. Às vezes, voltavam para casa só às 22h.
Muitas vezes, a mãe passava o dia preocupada, procurando os filhos
em tudo quanto era canto e os recebia com palmadas. Nada que os
fizesse maneirar na vez seguinte.
Em um dia desses de folia, o irmão mais novo, Agnaldo, sugeriu:
“Vamos testar uma corrida!”. A cidade organizava recreações para
crianças nos finais de semana. E a prova de corrida era a programação
da vez. “Não, menino, você é louco! Eu não aguento correr, não”,
respondeu Adriana. O irmão insistiu: “Vamos sim, vai todo mundo”.
“Então está bem. Já que vai todo mundo, eu vou também”, topou.
Foi dada a largada. Adriana acelerou, pegou ritmo e, quando
olhou para os lados, não viu ninguém. Ninguém atrás também. “Devo
estar em último”, concluiu. Quando cruzou a linha de chegada…
festa! “Você ganhou! Você ganhou!” A menina fez os amigos e os
irmãos comerem poeira! Mesmo sem entender direito como havia
ganhado, deixou que a colocassem no pódio e lhe dessem o
trofeuzinho que levou para casa. Do pódio, uma porta se abriu. O
treinador Carioca, da equipe Papa Léguas da cidade de Cruzeiro, fez
um convite para que Adriana, aos doze anos, começasse a treinar com
eles. Logo veio outra corrida, no aniversário da cidade, agora com
premiação em dinheiro. Adriana venceu. E levou os cinquenta reais
para casa. Não teve dúvidas. Chegou em casa e chamou a mãe: “Mãe,
vamos ao supermercado!”.
Era a primeira vez na vida que mãe e filha entravam num
supermercado para fazer uma compra. Quando muito, pisavam no
armazém, um mercadinho do bairro, para comprar um pouquinho de
açúcar, um pouquinho de arroz, um pouquinho de feijão e só. Era o
que dava para comprar com o dinheiro que a mãe ganhava lavando
roupa ou os trocos de Adriana com a limpeza na casa do coleguinha.
Chocolate, Danone… Só de pensar que sobraria dinheiro para
comprar essas guloseimas, Adriana ficava feliz. Daquela vez, ainda
não sobrou. E tudo bem. Porque o mais importante era ver a mãe
muito feliz por levar comida para casa. Em sua cabeça, nascia uma
certeza: a de que o atletismo seria o caminho para colocar sua família
em uma situação melhor.
Mergulhou de cabeça no que encarou, desde o princípio, como
uma profissão. Não sabia se gostava ou não de correr. Sabia que era
boa naquilo e que prova ganha era comida na mesa. Portanto, tinha
sempre como meta estar entre as três primeiras, colocações que davam
premiação em dinheiro – cerca de trezentos, quinhentos reais. A
menina que não sonhava passou a sonhar.
Primeiro, queria fazer a fome virar coisa de um passado bem
distante. Depois, comprar uma casa, pois, a cada ano que passava,
aquela onde moravam desmoronava um pouco mais. A meta era
correr e ganhar dinheiro. O caminho era treinar, treinar e treinar. Em
2004, ela foi a primeira brasileira na Meia Maratona do Rio, quinta
colocada na Volta da Pampulha, até que botou na cabeça que queria
ganhar a São Silvestre, motivada pela terceira colocação da atleta
Carmem de Oliveira, primeira brasileira a vencer a prova feminina,
em 1995.
Nem sempre tinha café e pão em casa antes de sair para treinar.
Um dia, Adriana tomou uma limonada quase sem açúcar e foi. Não
contou para o Carioca, seu treinador – ele não permitiria que ela
fizesse os quinze quilômetros de subida programados para aquele dia
sem se alimentar direito. Mas mentira, diferentemente de Adriana,
tem pernas curtas. Quando terminou o treino, a atleta teimosa
começou a tremer e convulsionar. Desmaiou. Um motorista numa
Brasília ofereceu ajuda ao Carioca, que botou a menina no carro e
pediu para acelerar para o pronto-socorro. Adriana começou a enrolar
a língua durante o trajeto. Carioca tentava puxar, e ela mordia o dedo
dele. Até hoje ele tem a marca, que mostra com orgulho: “Sabe essa
marca aqui? Foi você quem me mordeu”. No hospital, a mãe chegou e
dedurou Adriana. Carioca ficou muito bravo ao saber que ela não
tinha tomado café da manhã. Depois do episódio, ele conseguiu apoio
de uma empresa para lhe garantir uma cesta básica todo mês.
Na São Silvestre, Adriana mostrou que a determinação e a
persistência nos treinos valiam a pena. Ganhou R$ 8 mil de prêmio,
que, com o desconto do imposto de renda, viraram R$ 6 mil. Era o
dinheiro que faltava para a compra da casa nova. Aos 23 anos, viu o
seu primeiro grande sonho ser realizado. Uma casa com dois quartos,
sala, cozinha, um quintal grande com vários pés de frutas. A mãe nem
conseguia acreditar! “Agora a gente tem um teto, agora ninguém vai
colocar a gente na rua.” Orgulhosa, dizia que nunca imaginaria que
toda aquela força viria não de um dos seus três filhos homens, mas de
sua única menina.
Quanto mais via a mãe feliz, mais Adriana queria fazer por ela.
Comprar o que ela gostava no mercado. Afinal, quantas vezes ela
deixara de comer para dar aos filhos? “Pode pegar o que a senhora
quiser”, dizia quando iam às compras. “Mas R$ 20 um salaminho?”
“Não importa, mãe, hoje a gente pode comprar. Não pode comprar
todo dia, mas hoje a gente pode.”
Uma dor no pé esquerdo já acompanhava Adriana desde os
treinos para a São Silvestre. Ela sentia o incômodo, mas não queria
parar. Em 2005, correu o Mundial e uma meia maratona em seguida.
A dor persistia. Em junho, ela já não aguentava nem caminhar e
passou em consulta. Chegou a fazer uma infiltração no pé, mas não
adiantou. O caso era cirúrgico. Teve que tirar o dinheiro guardado na
poupança e vender o carro para pagar a cirurgia. Só que a recuperação
durou mais do que o esperado. Quase dois anos sem competir. Perdeu
os patrocinadores e um salário de R$ 3,2 mil que, na época, dava e
sobrava para seu custo de vida.
Sem correr, sem treinador, sem patrocínio, sem dinheiro, o sonho
parecia ter terminado. “Acabou. Minha carreira acabou”, era a única
conclusão a que conseguia chegar. A frustração virou depressão.
Passou a tomar remédios para combater a doença.
Dia 6 de março de 2006. Adriana não se esquece dessa data. Foi
quando outra porta se abriu. Numa visita ao alojamento do Clube
Pinheiros, em São Paulo, teve um encontro com Claudio, técnico de
uma amiga. “Eu não sou seu treinador, mas quero te ajudar.” Era só
isso que Adriana precisava ouvir. Ela chorava sem parar, emocionada.
Tinha certeza de que Deus estava lhe dando uma segunda chance.
Aquela era uma oportunidade para agarrar com os braços e as pernas.
Mesmo não sendo atleta do Pinheiros, recebeu todo o apoio do
clube. Começou um tratamento com uma psicóloga e passou a usar
toda a estrutura do alojamento: médico, fisioterapeuta, refeitório…
Mas ainda sentia muita dor e não tinha condições de correr.
Claudio aconselhava: “Vai ao cinema. Vai fazer alguma coisa para
distrair a cabeça. Não fica pensando na lesão, que assim é mais difícil
para você se recuperar”. “Eu não quero, não quero, só quero correr,
correr”, era a única resposta da atleta que soava como um mantra.
Claudio não desistiu e a incentivou a fazer faculdade. “Estudar vai ser
bom porque você vai desestressar a cabeça e já vai estar se preparando
para o futuro.” Claudio foi além do papel de treinador. Virou um
conselheiro. Para Adriana, cumpriu um papel de pai. Fez a moça
aprender a organizar as finanças e a pensar no futuro. “A carreira é
curta, tem que se organizar…”, ele dizia. Quando ela passava por um
problema, não contava para sua mãe, contava para Claudio. Se ficava
doente, ligava para ele. Várias vezes ele saiu correndo com ela para o
pronto-socorro quando a amidalite atacava e Adriana ficava com febre
e sem voz.
Um ano depois de ser acolhida pelo Pinheiros, tornou-se atleta do
clube. Mas teve uma recaída da lesão. Constrangida por receber
salário sem competir, abriu o jogo com Claudio: “Eu fico até com
vergonha de me pagarem, porque já faz alguns meses que eu estou
sem dar resultado”.
“Escuta aqui: você está aqui dentro não porque quero te agradar,
você está aqui porque eu acredito em você e eu fiz com que eles
acreditassem também. Eu preciso que você acredite em você.” A
bronca/conselho foi suficiente para Adriana voltar a treinar. “Acredite
em você, tenha confiança.”
Mais tarde, veio Claudio de novo com outra sementinha: “Você
tem cara de maratonista. Você tem cara de corredora de longa
distância”. Adriana entendeu o recado e começou a treinar forte.
Estreou na Maratona de Florianópolis e saiu de lá vencedora com
2h41, tempo suficientemente baixo para correr no Mundial, que
exigia índice máximo de 2h43. Muita emoção. Passou um filme em
sua cabeça. Dois anos atrás estava sem dinheiro, sem correr, e agora
estava correndo – e vencendo – uma maratona. Em 2010, correu a
Maratona de Berlim, a qual terminou como sexta colocada, com
2h32, e conseguiu o índice para os Jogos Pan-Americanos de 2011.
Treinou fortíssimo para o Pan. Foi para a Colômbia, na cidade de
Paipa. Na altitude, o ar é mais rarefeito, muito mais difícil de respirar,
treinar e performar. Era preciso se acostumar àquelas condições para
estar mais forte na largada do grande dia. Sua dinâmica de treinos,
que compartilho aqui, é algo impensável até para os mais experientes
dos maratonistas. Dê uma olhada no que ela encarou na Colômbia:
Segunda-feira – Corrida leve de uma hora pela manhã. À tarde,
musculação e mais quarenta minutos de rodagem leve.
Terça-feira – Treino de tiro, isto é, velocidade na pista de
atletismo: aquecimento + quinze séries de um quilômetro + um tiro
forte de cinco quilômetros + desaquecimento. À tarde, mais uma
rodagem de dez a doze quilômetros.
Quarta-feira – Treino em três períodos: dez quilômetros leve às
sete da manhã, dez quilômetros forte às onze da manhã, uma hora
de rodagem às cinco da tarde.
Quinta-feira – Treino de tiro na pista de atletismo: aquecimento +
trinta por quatrocentos metros com intervalo de um minuto entre
as séries + desaquecimento.
Sexta-feira – Rodagem pela manhã de quinze quilômetros.
À tarde, musculação e, em seguida, rodagem de quarenta minutos.
Sábado – Treino de 1h15 no estilo fartlek, que significa ir
alternando três minutos corrida forte com dois minutos de corrida
fraca. Ou dois minutos de corrida forte com um minuto de corrida
fraca.
Domingo – Longão nas montanhas (a 3,2 mil metros de altitude),
que podia chegar a três horas de corrida e quarenta quilômetros
percorridos.
Em alguns momentos, a visão de Adriana chegava a escurecer,
parecia que ela ia desmaiar, mas ela não queria parar. Continuava e
conseguia. Ganhou autoconfiança. “Agora ninguém me segura nessa
maratona. Depois que eu passei por tudo isso, ninguém me segura.”
Ninguém segurou mesmo. Ela bateu o recorde dos Jogos Pan-
Americanos de Guadalajara, que até então eram de 2h37. Fez em
2h36. Mas presente mesmo foi ver sua mãe, dona Jandira Modesto da
Silva, se sentir a melhor pessoa do mundo ao desfilar com ela no
Carro de Bombeiros pela vitória do Pan. Era inegável a relação de
amor entre Adriana e dona Jandira e a importância da figura materna
na educação e nos valores que a atleta levou para a vida e para as
corridas.
Pela medalha e pelo recorde, Adriana ganhou bonificação da
marca Asics e dos demais patrocinadores. Juntando tudo, deu um
bom dinheiro. Saiu do alojamento do clube e alugou um apartamento.
Naquele momento, também fez questão da participação da mãe.
Ainda nem tinha comprado os móveis, já quis levar dona Jandira para
conhecer a casa nova, em São Paulo, com direito a fazer turismo pela
capital. Ela se divertiu ao ver a mãe brincar feito criança com os
bichos no zoológico, ao fazer seu primeiro passeio num shopping, o
Eldorado, e ao andar de metrô. A metrópole cinza parecia um parque
de diversão para sua mãe. “Eu adorei, quero vir mais vezes aqui”, disse
quando voltou para Cruzeiro. Mas aquela foi a primeira e última vez.
Ela faleceu um mês depois.
As corridas de rua eram um incentivo para Adriana. Se o atleta
bate a sua melhor marca, ganha um bônus. Se fica entre os cinco,
ganha outro bônus. Isso também a motivava a treinar mais e buscar
um resultado melhor. Em 2015, ela voou para os Jogos Pan-
Americanos de Toronto. Trouxe a medalha de prata no peito e,
chegando ao Brasil, surpresa: a medalha de prata virou de ouro. O
responsável pelo milagre não foi Midas, mas sim o exame antidoping
que detectou uso de diurético pela até então vencedora, a peruana
Gladys Tejeda. A ficha não caiu! Como assim? Então havia ganhado?
Só no outro dia acordou com o estalo: “O recorde vai voltar pra mim!
Medalha de ouro!”. Adriana se tornou bicampeã pan-americana da
maratona por suas vitórias nos Jogos Pan-Americanos de 2011, em
Guadalajara, e Jogos Pan-Americanos de 2015, em Toronto.
Agarrou mesmo aquela segunda oportunidade com braços e
pernas. Muitas pernas! E fincou seu nome entre as maiores do Brasil,
liderando o ranking das maratonas por oito anos, até 2018. Ainda é
dela o recorde brasileiro e sul-americano de maratona com o tempo
de 2h29, conquistado em Tóquio em 2012. Ela participou de dois
Jogos Olímpicos, Londres (2012) e do Rio de Janeiro (2016), foi
campeã sul-americana de meia maratona e campeã brasileira nos
cinco mil metros de pista, em 2013.
Sua performance é movida a superação. Olhando para o passado,
as dificuldades da infância foram um teste de resiliência. Nos piores
momentos, ela conseguia força para continuar. No atletismo, a
resiliência nos treinos e na corrida vinha pela certeza de que um bom
resultado traria alguma coisa de bom para si ou para sua família.
Preparava a cabeça para sentir dor, para correr na chuva, para sofrer
uma lesão. “Eu sempre fazia uma negociação comigo mesma:
‘Adriana, se você terminar, você vai conseguir uma medalha; se você
terminar, vai comer um bolo de chocolate que você merece’. Colocava
o desafio para dentro para que a dor não fosse maior do que a vontade
de querer algo mais”.
Nada para Adriana foi fácil. Suas conquistas foram regadas
literalmente a sangue, suor e lágrimas. Foi na corrida, em uma porta
semiaberta da vida, que ela, aos nove anos, enxergou a única chance
que a vida estava dando. Adriana correu da fome.
UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: RODRIGO RIVELLINO

Quando Rodrigo Rivellino nasceu, em 22 de julho de 1974, seu pai,


Roberto Rivellino, já tinha ajudado – e como! – a seleção brasileira a
trazer o caneco de tricampeonato mundial em 1970. O meia da
seleção brasileira naquela Copa do Mundo é considerado até hoje um
dos melhores jogadores de futebol de todos os tempos e o maior
jogador que o time paulista Corinthians já teve.
Diante da fama do pai, nem Rodrigo, nem os dois irmãos ficaram
a salvo das típicas situações pelas quais passam filhos de ídolos em
geral. Nos momentos em que eram apresentados para alguém, por
exemplo: “Esse é o filho do Rivellino”, “Prazer, eu sou o Rodrigo”.
Era preciso tirar de letra, fazia parte do pacote de ser filho de
jogador de futebol famoso e campeão. De um pacote muito legal,
porque se por um lado havia a pressão, por outro havia o orgulho e a
inspiração do pai. Sem contar que era emocionante ter um pai capaz
de despertar a admiração de fãs ao redor do mundo. É impossível
esquecer o torcedor russo que deu ao filho o nome de Rivellinox em
homenagem a ele.
Por outro lado, Rodrigo dava um jeito de preservar sua identidade
e personalidade. Até porque tinha planos de seguir a mesma carreira
do seu genitor. Para evitar tanta associação e comparação entre pai e
filho, sempre evitou usar a camisa 10. Aproveitou que já tinha uma
identificação com o número 8, confirmada mais tarde pela
numerologia, e optou pela camisa com esse número. Rodrigo não foi,
digamos, muito motivado pelo pai para seguir a mesma carreira.
“Primeiro você vai estudar, depois vai jogar bola”, Riva decretava. Mas
Rodrigo tinha a tal genética, talento e era bom de bola. Logo foi jogar
no juniores do São Paulo Futebol Clube – na mesma época em que o
goleiro consagrado e hoje técnico de futebol Rogério Ceni. Então,
surgiu uma chance de subir para o profissional. Não pelo time em que
jogava, mas sendo emprestado para o Corinthians, time em que o pai
se consagrou. Treinou forte. Corria quatorze quilômetros por dia e
tinha preparador físico específico. Perdeu as contas de quantas
manhãs vomitava no Parque do Ibirapuera, tamanho o esforço. Não
desistia. “Quero isso pra minha vida”, afirmava mentalmente. Naquela
época, chegou a pesar 69 quilos distribuídos em 1,80 metro. O balde
de água fria veio quando o treinador do São Paulo, Marcio Araújo,
decretou: “Não vou te emprestar, porque você faz parte do projeto do
São Paulo”. Tudo bem. Era por uma boa causa. Ser parte dos planos
do time era uma ótima cenourinha. Na verdade, era o que ele queria.
Após a final da Taça São Paulo, também conhecida como
Copinha, em que Rodrigo e os demais juniores se sagraram campeões
numa final emocionante vencida por 3 a 2 contra o Corinthians,
saíram duas listas esperadas com ansiedade pelos jogadores do
juniores: uma com os nomes dos que haviam sido selecionados para o
profissional e outra com aqueles que haviam sido cortados. O nome
Rodrigo Rivellino apareceu na lista de cortados. Não era possível! Foi
falar com Marcio, pois devia ter sido algum erro de digitação. Na sala
do treinador, disse: “Marcio, como assim? Como é que eu posso ser
cortado? Era para eu ter ido jogar no Corinthians e teria jogado…
Você me garantiu que eu estava nos planos para a Copa João
Havelange… Eu treinei pra caralho, arrebentei nos treinos. Me dá
uma explicação?”. Marcio olhou para Rodrigo e respondeu: “Rodrigo,
tem coisa no futebol que, infelizmente, a gente não pode explicar”.
Rivellino filho deu um tapa na mesa, desabou no choro, bateu a porta
do estádio do Morumbi.
Pela primeira vez, o pai interferiu na carreira futebolística do filho.
“Alemão, o Ivan quer que você vá jogar no Corinthians”, disse a
Rodrigo, usando o apelido carinhoso pelo qual chama o filho.
“Pai, eu não vou ser jogador de futebol, eu não quero mais saber
de bola.”
“Não mesmo?”
“Não. Não vou.”
E assim foi. Nos dez anos seguintes, Rodrigo nunca mais pegou
numa bola.
Passados quase dezoito anos, Rodrigo descobriu que a negativa
para o profissional foi coisa de um diretor que achava um absurdo ter
um filho do Rivellino corinthiano jogando no São Paulo. Mesmo que
o tal filho fosse um Rivellino são-paulino, como era o caso do
Rodrigo.
Antes de toda essa situação ser esclarecida, ou melhor, assim que
arrancou o futebol do seu destino, Rodrigo decidiu começar a
trabalhar, mesmo sem precisar. Boas opções de caminhos não lhe
faltavam. Em sua casa, o pai dava três opções para quem completasse
dezoito anos: “O que você quer? Morar fora, viajar ou… escolher o
carro que você quiser”. Diante da mesma pergunta, seu irmão
escolheu ir morar em Miami. Rodrigo, apaixonado por carro, pediu
uma Parati GLS que tinha acabado de ser lançada, com banco de
couro, som e tudo mais. Além disso, teve a ideia de falar com o tio,
um forte empresário do ramo automobilístico na época.
“Tio, como é esse negócio de trabalhar com carro? Posso trabalhar
com você?”
“Como assim?”
“Quero começar a ganhar o meu dinheiro, a fazer minha vida.”
“Vem pra cá”, consentiu o tio. “Mas você quer ganhar quanto?”
“Tem comissão? Quando eu performar, eu ganho. Não quero
trazer custo para você. Até porque eu quero ter um pouco de
flexibilidade de horário, tem vez que eu vou querer viajar, relaxar final
de semana…”
Rodrigo começou a trabalhar no dia seguinte. No terceiro mês, já
era quem mais vendia carro na loja. Animado com a performance do
garoto, o tio lhe deu um novo desafio. Colocou um milhão de
cruzeiros, a moeda da época, nas mãos do Rodrigo para ele operar um
negócio de overnight de carro zero (no jargão da época, significava
vender um carro do dia para o outro). Fez o negócio crescer de tal
forma que, em sessenta dias, sua equipe passou de uma pessoa para
oito. Sobre a comissão? Ele não se importava com a porcentagem. Só
fazia questão de que fosse em dólares – US$ 500, US$ 2 mil, US$ 4
mil… Nada mau para um garoto de dezoito anos.
Só parou com o negócio de carro em 1994, quando o pai foi
passar um ano no Japão e pediu a ele que tocasse a construção de um
sonho, o Rivellino Sport Center, um espaço de quadras de futebol
amador. Com o retorno do pai, Rodrigo resolveu dar um novo rumo
para sua vida profissional. Fazia faculdade de Publicidade e
Propaganda na Unip, estava na época das baladas. Na volta de uma
viagem com 22 amigos para Cancún, tiveram a ideia de montar uma
casa noturna, já que uma das preferidas deles, a Pachá Brasil, em
Campinas, no interior paulista, tinha fechado. Rodrigo juntou mais
dois sócios amigos, vendeu o carro e investiu em seu primeiro negócio
tudo o que tinha economizado. Rivellino pai ficou seis meses sem
falar com o filho por causa da venda da Parati. Com 23 anos,
inaugurou a The Jungle, em Jundiaí, no interior de São Paulo.
Foi com a casa noturna que começou sua primeira experiência na
relação marketing e consumidor que estudava na faculdade. O
negócio estava indo bem. O jovem empresário da noite chegou a ser
capa da revista Veja, considerado um dos jovens mais influentes do
Brasil. Se fosse hoje, seria influencer com vinte milhões de seguidores
nas redes sociais. Com isso, as marcas começaram a procurá-lo.
Rodrigo ficava na operação sem uma gota de deslumbramento. Obra
da influência do pai, que gostava de lembrar que era preciso cuidar do
ego! Mas a sociedade não estava dando certo. Ele e os sócios tinham
visões e ideias diferentes para o futuro. Vendeu sua parte. Só fez
questão de uma saída em grande estilo. Em julho de 1998,
comemorou seu aniversário e a despedida do projeto com uma festa
na The Jungle, que reuniu duas mil pessoas dentro e mais três mil fora
querendo entrar. Três meses depois, a casa quebrou e fechou as portas.
A relação de Rodrigo com marcas, como a Absolut, nome da
vodca que tinha acabado de chegar no Brasil e virado a queridinha dos
jovens da época, não deixou de existir. Pelo contrário, fortaleceu-se.
“Rodrigo, procuramos uma pessoa para ser nosso embaixador.
Alguém que tenha referência, relacionamento, que goste de grupos de
amigos, circule em várias rodas, e a gente detectou você.” Negócio
topado. Por quase três anos, Rodrigo Rivellino foi embaixador da
Absolut no Brasil. De olho nas oportunidades e com a cabeça cheia
de ideias, achou outro nicho de mercado: os navios. Chamou o Aldo
Leone Filho, Aldinho, dono da Agaxtur, e propôs: “Vamos fretar a
Linea C? Você será o único representante da Linea C no Brasil.
Minha proposta é: quatro dias de festa em alto-mar. Já tenho até
alguns patrocinadores encaixados”. Os patrocinadores eram frutos de
outras conexões com marcas: um integrante do time da Mercedes-
Benz era seu amigo e estava lançando o modelo de carro Classe A
para os jovens. Também tinha um contato na Ambev, que estava
lançando a Pepsi Twist. Pegaram o avião e foram para a Itália,
Rodrigo, 24 anos, e Aldinho, 34 anos. Voltaram com um contrato
assinado com a Linea C.
O trabalho de embaixador no mercado premium engatou. E mais
um trabalho apareceu: um freela com a proposta de rejuvenescer a
Philips. Topou. Criou o projeto chamado Philips Expression. Sentiu
frio na barriga na hora de apresentar para a diretoria. “Rodrigo,
parabéns, o projeto foi maravilhoso.” Mas o momento não era de
comemorar. Era de entregar o que foi vendido no papel. O passo
seguinte? Estudar, estudar, estudar e… abrir sua primeira agência de
verdade. Com 99% do seu posicionamento focado em ser a melhor, e
não a maior, ser uma agência parceira e estratégica dos clientes. Os
criativos ligavam falando que Rodrigo estava menosprezando a
criação. “Não, pelo contrário”, dizia. “Eu sou um cara de
planejamento.” Passados 22 anos desde a fundação, sua agência
Aktuellmix é uma das mais renomadas e reconhecidas do Brasil e
atende clientes como Bradesco, Natura, Mastercard e Suvinil. Atua
em ativação, digital, promoção, ponto de venda.
Olhando pelo retrovisor, Rodrigo acredita que acertou mais do
que errou, mas dá um grande crédito aos erros que cometeu, que lhe
ensinaram muito e ensinam até hoje. Numa autoanálise, ele diz que é
a resiliência, a capacidade de sempre ver o lado positivo das coisas, o
seu diferencial. Dificilmente você vai pegar Rodrigo reclamando,
achando que alguma coisa é impossível de fazer.
Nunca mais voltou a jogar futebol. Só uma variação do esporte: o
futevôlei. Rodrigo também medita todos os dias, faz ioga e corre
maratona. E não para de empreender. Tem um hotel na ilha de
Fernando de Noronha e um restaurante de comidas orgânicas em
Vinhedo. O próximo negócio engatilhado é de pizza pronta, orgânica,
sem glúten, congelada. Montou uma cozinha profissional em seu
sítio, abriu um salão para dar cursos de agroecologia, gastronomia,
meditação…
Do futebol, ficou o legado do pai que, segundo a avaliação do
Rodrigo, o ajudou inconscientemente a construir sua história. “Tive,
ao longo de 22 anos, a oportunidade de lidar com muitos altos
executivos, muita gente boa, muita gente preparada, muita gente
talentosa, mas eu confesso que nenhum de todos esses monstros
consagrados me inspiraram, me inspiram e me deram tantos insights
quanto o meu pai me deu através da vida como ela é. Ele me deu, sem
saber, segurança emocional, dizendo coisas como: ‘Não desista’; ‘Se
você acredita, eu acredito’; ‘Filho, se você está sentindo que sim, vai.
Vai sem dó’.”
A cereja do bolo foi quando o filho do campeão da Copa de 1970
também imprimiu sua marca numa Copa, a Copa do Mundo de
2014, no Brasil. Naquele ano, sua agência Aktuell venceu a
concorrência global do slogan do campeonato mundial com “Juntos
num só ritmo”. Coincidência? Não acredito. Acredito, sim, em
energia, muito trabalho, muita vontade, muita intenção de fazer.
CAPÍTULO 2

MEDO VS. PERFORMANCE

Superação, vontade, ambição, determinação e disciplina andam lado a


lado com a performance, inegavelmente. Mas isso não significa que
uma pessoa de alto rendimento não tenha que conviver com
sentimentos que a desafiem. O medo, por exemplo, faz parte do
pacote de emoções do ser humano. Todos nós o sentimos. A
humanidade sempre o sentiu. Aliás, essa é uma das nossas emoções
mais primitivas, uma velha conhecida dos nossos ancestrais, do tempo
em que morar na caverna era a única maneira de se proteger do ataque
de um predador feroz. Desde a pré-história, o medo ficou gravado em
nosso DNA e segue com a gente até os dias de hoje. Está também na
nossa educação, que passa de pai para filho. Recebemos, desde bem
pequenos, muitos estímulos para desenvolver o medo dentro de nós.
Medo de se machucar, medo de enfiar o dedo na tomada e tomar um
choque, medo de se perder… Aprendemos a ter medos dos mais
diversos tipos.
Esse sentimento tem a nobre função de nos proteger e garantir a
preservação da nossa espécie. Existe uma região do cérebro
responsável por identificar o perigo e dar o sinal ao corpo de que é
preciso ficar em alerta, a amígdala cerebral. Essa estrutura está
localizada no lobo temporal dos mamíferos e se relaciona com o
sistema emocional do cérebro. Quando você se preocupa com algo
que pode vir a acontecer, a atitude esperada é que tome as
providências necessárias para evitar aquele problema. Se alguém teme
ser assaltado, é possível que coloque equipamentos de segurança em
sua casa. Se teme tirar nota baixa numa prova, estuda. Se teme perder
uma competição, treina para ganhar. Deveria ser sempre assim: lógico
e simples como a decisão instintiva de um animal de evitar um
caminho na floresta para evitar ser atacado por um predador. Sem
contar que o homem ainda tem a vantagem de levantar muitas
hipóteses do que pode acontecer, fazer uma previsão de riscos, montar
cenários mentais de possibilidades de acontecimentos futuros para
tomar atitudes ainda mais certeiras contra os eventuais revezes.
O problema acontece quando, em vez de auxiliar na tomada de
providências, de evitar problemas e de ajudar a ter melhores
resultados, esse sentimento nos paralisa, congela e impede de fazer o
que temos que fazer. Quando alguém tem medo de perder algo –
reputação, poder, integridade física, tempo com a família, dinheiro…
–, essa pessoa trava a própria performance. Sua necessidade de se
preservar se sobrepõe à capacidade e à disposição de dar tudo o que é
possível de si para atingir os melhores resultados. Esse efeito colateral
já foi observado em ratos, em uma pesquisa feita pela Academia de
Ciências Chinesa. Os cientistas observaram que, ao sentirem medo,
os roedores ficavam paralisados. Eles também analisaram a reação do
cérebro ao simular bolas virtuais rolando em direção aos animais.
Alguns estímulos do cérebro eram para correr e outros, não. Quando
mal dosado ou mal resolvido, o medo gera, portanto, estados mentais,
físicos e energéticos que são opostos aos necessários para ter
performance. Susan A. David, psicóloga sul-africana e autora do livro
Agilidade emocional, diz: “Medo é como aquele bolo de chocolate que
fica na geladeira. Toda vez que você a abre, ele está lá te olhando…”.
O que quero dizer com isso? Todos sabemos quais são as nossas
fraquezas. Afinal, elas estão sempre à espreita, fazendo parte da nossa
rotina. A melhor maneira de lidar com elas é com uma mudança de
mentalidade.
Vou contar uma história que ocorreu comigo e foi um marco para
que eu entendesse, na prática, a importância de controlar nosso
pensamento e manter o foco do que, de fato, é o objetivo. Com
alguma frequência eu esquiava na água, na Represa de Guarapiranga,
com amigos. Nunca fui um ótimo esquiador. Esqui na água não tem
nada a ver com esqui na neve, mas também não é ruim. Ficávamos
horas fazendo slalom, modalidade na qual você deve contornar as
boias que ficam alternadas, uma à esquerda e a outra à direita. Assim
que chega perto de uma boia, você deve passar por fora e,
imediatamente, cruzar a marola do barco em direção à outra, no lado
oposto. Isso em uma velocidade aproximada de 36 mph (ou 60 km/h).
Tudo passa muito rápido! Para conseguir alcançar as próximas boias,
você deve antecipar seu olhar para onde deseja ir. O olhar manda os
comandos ao cérebro, este processa e manda os sinais para os
neurônios, que fazem as sinapses, e seu corpo obedece. Percebi que
mirar na direção correta fazia com que eu chegasse mais rápido.
Trazendo a cena para a nossa vida diária, se o medo for a sua boia, é
nessa direção que você vai. Mas se o pensamento for em olhar sempre
na direção do seu objetivo, é para lá que você vai. Então escolha bem a
sua boia!
O medo nem sempre aparece como medo propriamente dito. Ele
tem suas nuances. Pode se manifestar, por exemplo, como
procrastinação. Segundo Carla Tieppo, doutora em
Neurofarmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da
Universidade de São Paulo (USP), professora de Neurociência da
Santa Casa da USP e da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS) e pioneira na aplicação da ciência do
cérebro no desenvolvimento humano e organizacional, a
procrastinação está muito associada a uma dinâmica em que o
indivíduo se sente incapaz de realizar algo. Sendo assim, ele posterga
a execução para não entrar em contato com sua incapacidade e não se
frustrar. No entanto, nem sempre essa crença de ser incapaz é real.
“Muitas pessoas sofrem da síndrome de impostor; se colocam em
posições nas quais elas acham que não estão preparadas para
entregar”, explica Tieppo. Ou seja, pessoas com condições de atingir
uma alta performance simplesmente paralisam por causa de uma
crença que não tem fundamentos reais. Um grande desperdício e um
golpe na autoestima.
Mais uma cilada criada pelo medo é a falta de disposição para
assumir riscos. Ora, para alcançar metas grandiosas, uma pessoa
precisa estar disposta a errar, perder, falhar, cair… Mesmo assim, por
alimentar uma certeza interna de que pode conseguir, ela segue em
frente. Não tem medo de perder. E, se perder, tenta de novo, é
persistente.
Em contrapartida, pessoas que têm pavor de se confrontarem com
a própria incapacidade, ao menor sinal de derrota, concluem: “Eu não
sou tão hábil”, “Eu largo mão e não faço mais”, “Eu não invisto mais
naquilo”. No livro Mindset: a nova psicologia do sucesso, a autora Carol
Dweck explica com detalhes esse tipo de perfil. Ela diz que são
pessoas com mindset fixo. O interessante é que a causa para sustentar
esse tipo de mentalidade não é necessariamente falta de talento. Antes
disso, vem o medo de não ser bom o bastante e ter de lidar com isso.
Pior ainda: o medo de ser descoberto e virar motivo de piadinhas.
O medo não é apenas o freio da performance. Ele age como uma
marcha a ré, que desencadeia uma série de situações de pouco sucesso,
para não falar nos momentos em que ele pode até colocar toda uma
vida ou carreira a perder. Já tive muitas oportunidades de observar de
perto como ele pode desestruturar uma pessoa. Às vezes, vem
escondido, camuflado numa postura intimidadora, mas que logo cai
por terra. A causa? Insegurança. Medo de que alguém ocupe seu
lugar. Medo de ter o desempenho contestado. Já fiz coaching com
profissionais experientes. Diretores, vice-presidentes e presidentes que
se protegeram em armaduras de arrogância, com roupas e relógios
caros (e não sou contra quem usa esses acessórios), que atacam para
não serem atacados. Intimidam apenas com um olhar mais ríspido ou
com a expressão corporal rígida. A atitude gera resultados ruins no
ecossistema da empresa. Mas vai mais longe. Quando investigamos a
fundo, é comum descobrir que a insegurança já fez um estrago similar
à metástase, afetando não só a vida profissional, com pares e
subordinados, mas também a relação amorosa, a vida em família.
Em uma oportunidade, conduzi o assessment de dois profissionais
de uma rede de varejo. Vale dizer que o assessment é uma ferramenta
muito poderosa usada pelas empresas quando têm interesse em fazer
um plano de desenvolvimento de carreira de um profissional. Na
minha metodologia, aplico uma ferramenta eletrônica de análise
comportamental que utiliza big data e analytics – isto é, banco de
dados e análise de informações –, além de entrevistas
comportamentais e aplicação de cases. É possível entender as
deficiências de uma pessoa e encontrar caminhos para trabalhar essas
carências a fim de alavancar a carreira desse profissional.
Naquela oportunidade, um dos executivos ocupava um cargo de
gerente-geral. O outro reportava para ele. O gerente-geral de
operações, logo de cara, demonstrou ser muito inseguro e ansioso.
Chegou nervoso, questionou o porquê do assessment. Ele estava
visivelmente desconfortável. Não demorou muito para eu entender
que aquele comportamento não era pontual. Eu estava diante de uma
pessoa insegura com a vida dela. Inclusive em relação ao casamento e
à criação dos filhos. Uma pessoa insegura está o tempo inteiro
questionando e sempre olhando para o lado ruim, para o lado da
dúvida. Já dá para imaginar como isso se reflete em sua performance.
Quem tem medo não delega. Não consegue formar time, porque não
confia que as pessoas que reportam para ela conseguem fazer o
trabalho. Como tem medo de não corresponder às expectativas dos
superiores ao depender dos outros, a pessoa centraliza tudo. Acaba
ficando sobrecarregada. Sozinha, não consegue ter eficiência nem tirar
o melhor do time que poderia contribuir para o crescimento da
operação. O medo vira uma bola de neve, desencadeia um monte de
problemas.
O outro profissional entrevistado no assessment, por outro lado,
passou confiança, além de conhecimento do que estava fazendo. Não
tive dúvidas de sugerir à empresa que promovesse esse profissional,
fazendo com que ele se tornasse par do inseguro. Minha
recomendação tinha como base a certeza de que ali havia potencial de
crescimento, desenvolvimento e performance. Posso dizer que esse
profissional estava forte psicologicamente. Porém, de onde vem essa
força mental? Carla Tieppo responde: “De certezas emocionais que
foram fruto da infância ou de viver em um ambiente de segurança
afetiva, segurança psicológica”. O suporte emocional é essencial desde
o começo da vida. É isso que vai dar o tom da disposição de uma
pessoa a correr riscos ou se esconder. “As pessoas com as quais temos
relação afetiva influenciam muito. São elas que podem mostrar se você
vai ser amado independentemente do que lhe aconteça, de qualquer
circunstância, de qualquer escolha que você faça. Esse suporte
psicológico é muito importante. E faz uma diferença que a gente
quase nem avalia”, pontua Carla. Isso significa, por exemplo, ter a
confiança de que a esposa ou o marido não vai pedir a separação se a
empresa demitir você; que seus filhos não vão o rejeitar se você perder
tudo. Convicções como “Eu sei que eles me amam acima de qualquer
coisa, eles não me amam pelo meu dinheiro, não me amam pela
proteção que eu dou para eles, eles me amam pela pessoa que eu sou”
são combustíveis para a força mental que faz seguir em frente e
arriscar.
Por outro lado, como estamos falando de seres humanos – e seres
humanos são complexos e surpreendentes –, também há casos em que
o fato de a pessoa ser vetada ou desestimulada faz com que ela se sinta
desafiada e queira provar a qualquer custo que é capaz. Isso acaba
sendo um antídoto para o medo. Em ambos os casos, porém, a busca
é pelo afeto, pela admiração, pela aceitação, pelo amor.
Vou contar mais um trecho da minha vida como forma de
exemplo. Meu pai foi um self-made man. Um empresário de muito
sucesso por quarenta anos, mas infelizmente perdeu quase tudo –
imóveis, dinheiro, poder, prestígio – nos últimos vinte anos. Quando
parei de competir no esqui na neve, em 1998, defini que não queria
seguir no negócio dele, queria andar pelas minhas próprias pernas e,
por isso, fui ser estagiário em uma multinacional de tecnologia
chamada Lucent. Na época, ele ainda tinha muito sucesso e ficou
inconformado com o fato de eu não querer seguir nos negócios dele.
Somos três filhos – eu, o único homem – de uma família de armênios,
um povo católico de origem árabe e com uma cultura machista.
Segundo o conceito dele, minha decisão de seguir um caminho que
não fosse estar na empresa ao lado dele era uma traição. Ele, que
sempre foi um pai fantástico, o melhor que conheci, passou a me
atacar e diminuir. De alguma forma, sinto que passei a ser seu
concorrente, mesmo trabalhando em um mercado sem relação alguma
com o dele. O melhor pai do mundo passou a me tratar com adjetivos
pejorativos – burro, incompetente, vagabundo, incapaz. Por mais de
dez anos me questionei se eu era de fato tudo isso. A energia
transmitida por ele, de pai para filho, carregada de palavras negativas e
de insegurança, foi algo que me perturbou por muito tempo. Foi
difícil e duro me desfazer desse medo. Mas depois que eu tomei a real
consciência de que aquilo era um processo dele, e não meu, minha
chave mental virou e foi muito interessante e produtivo o processo de
me fortalecer e ter a “visão de jogo” de que, sim, eu era capaz. Graças
a essa ruptura paterna importante, tive que provar para mim mesmo
que eu era bom. Quanto mais ele tentava me diminuir, mais eu me
fortalecia. Como sempre tive muito afeto dele e da minha mãe na
infância, na adolescência e no início da fase adulta, tive condições de
combater essa armadilha. Foi muito difícil mentalmente, mas com
certeza consegui vencer.
Vencer o medo não quer dizer que ele não esteja presente. Todos o
sentimos, em maior ou menor grau. A estratégia é administrá-lo.
Nesse processo, cabem decisões bem particulares, como se você se
fizesse a seguinte pergunta: afinal, como é que eu continuo apesar do
medo? Talvez a solução seja mudar.
Mudar de atitude, mudar de crença, vale até mudar de localização
geográfica. Esta foi a opção do homem que hoje é dono de um dos
mais conhecidos e importantes cases de empreendedorismo do Brasil.
Guilherme Benchimol, fundador da XP, uma das maiores empresas
financeiras do Brasil, fala baixo, é calmo, estruturado, humilde,
simples e muito carismático. Uma pessoa sensível e humana. Tem
uma luz própria muito interessante. Essas foram algumas das minhas
impressões do dia em que o entrevistei para este livro. Não nos
conhecíamos, mas eu sabia que ele me seguia pelo Instagram, porque
tinha curtido uma foto que postei sobre o Rally dos Sertões. Ele
também é “ralizeiro” e já fez o circuito Sertões algumas vezes. Na
maior cara de pau, mandei uma mensagem privada convidando-o para
uma conversa. Poucos dias depois, ele me respondeu, passando seu
telefone celular. Começamos a nos falar por WhatsApp e marcamos a
entrevista no escritório da XP, em São Paulo. No entanto, devido à
pandemia, Guilherme estava morando no interior e não conseguiu vir
falar comigo. Sugeriu fazermos por vídeo. Argumentei que seria
melhor pessoalmente, já que não nos conhecíamos, e o olho no olho é
sempre mais interessante. Ele não hesitou: “Lelo, venha a minha
casa”. Talvez eu não tivesse dado o mesmo tratamento a uma pessoa
que não conheço, mas ele deu.
No dia e horário marcados, eu estava na casa dele. Encontrei uma
pessoa de hábitos simples e humilde. Algo incomum para o mundo do
mercado financeiro. Durante a conversa, em que vesti minha “capa de
headhunter”, comecei a perceber que ali havia uma pessoa que poderia
ser insegura. Mas como fazer essa pergunta a alguém que tem o
sucesso que ele tem, ainda mais dentro da casa dele? Não me segurei.
Quase no final, mandei a seguinte frase: “Guilherme, eu tenho que
perguntar: você é inseguro?”.
Por alguns milésimos de segundo, ele pensou e me voltou com
muita segurança: “Não mais, Lelo”. Quando acabamos, agradeci,
entrei no carro e voltei para São Paulo pensando em nossa conversa.
Minha avaliação é que ele pode, sim, ainda ter resquícios de
insegurança dentro de si, mesmo com todo o sucesso conquistado. E
isso é o que o faz estar constantemente em alerta, com o radar ligado,
prevendo que uma tempestade pode estar por perto, sempre com os
pés no chão.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: GUILHERME BENCHIMOL

Guilherme chegou em casa, depois do trabalho, preocupado. Foi


contar ao pai que ouvira boatos de que cabeças iriam rolar na
corretora em que ele trabalhava. O pai nem se preocupou:
“Guilherme, fica tranquilo. Bons executivos nunca são mandados
embora”. A resposta não o tranquilizou. Pelo contrário. Gerou mais
insegurança. Afinal, se ele fosse demitido, isso significava que não era
um bom executivo! Duas semanas depois, a profecia se realizou.
Golpe duro para a autoestima do jovem recém-formado que,
envergonhado e com medo de ser considerado um fracasso pelos
amigos, preferiu sair de cena.
Aceitou um emprego em uma pequena corretora do Rio Grande
do Sul. Foi demitido na quinta-feira e na segunda já estava em Porto
Alegre. Os conhecidos não entendiam o motivo da mudança. Diziam
que ele era louco! O que faria em Porto Alegre se o mercado
financeiro se concentrava em São Paulo e no Rio de Janeiro? O que
ninguém sabia é que Guilherme estava fugindo mesmo. Queria poder
arriscar sem medo de errar. Morar num lugar com custo de vida
barato para poder se bancar, porque o pai, nas palavras dele, médico,
bem-sucedido, ortodoxo, superCDF, nunca deu moleza. Sempre foi
exigente com o desempenho do filho, também quanto à educação, ao
cuidar dos outros, ao pedir desculpas. Benchimol conta que cresceu
em um ambiente de muito carinho, mesmo depois que os pais se
separaram, quando tinha sete anos. A separação foi amistosa e, a
partir daí, ele aprendeu a conviver em dois mundos diferentes. O pai,
sempre cobrando notas muito boas, levando para a casa em Angra dos
Reis. A mãe, artista plástica, carinhosa, astróloga, sempre achando
que estava tudo ótimo, apesar das condições de vida mais duras. Na
casa dela, eles tinham que economizar ar-condicionado à noite. Desde
a infância, Guilherme queria ganhar seu próprio dinheiro para não
depender de ninguém. Poder comprar figurinhas e ter sua liberdade.
A avó morava em uma rua que tinha feira, e ele montava uma
barraquinha ali para vender biscoito e os brinquedos que não queria
mais.
Acelerando no tempo até Porto Alegre, não temos boas notícias.
Passados dois meses, a insegurança bateu, e o fantasma da demissão
assombrou Guilherme mais uma vez. O mercado financeiro não
estava bem na época, e o projeto da pequena corretora gaúcha
demoraria mais tempo para maturar do que os donos previam. O
jovem de 24 anos concluiu que sua batata estava assando novamente.
Apesar de muitos quilômetros o separarem da família e dos amigos no
Rio de Janeiro, não queria passar novamente pelo constrangimento de
ser cortado. Achou melhor se antecipar à má notícia. Convenceu um
colega, Marcelo, 25 anos, trainee na mesma corretora, a montarem um
negócio juntos. Na cabeça de Guilherme, empreender era a melhor
opção para se livrar do desespero de ser demitido. Ele faria as coisas
do seu jeito, viveria do seu jeito. O plano era conseguir uma parceria
com a corretora Investshop – a mesma que o demitiu e com a qual
tinha um bom relacionamento – e entrar no mercado gaúcho para
concorrer com a corretora em que trabalhavam. Marcelo fechou com
ele. Os dois pediram demissão.
As condições financeiras da dupla não eram das melhores.
Guilherme estima que devia ter no bolso de R$ 10 mil a R$ 12 mil,
além de uma Dodge Dakota. Marcelo nem isso tinha. Alugaram uma
salinha comercial de 25 m2 pelo valor de R$ 500 por mês. Sem
poderem gastar com logomarca e essas coisas de marketing,
inventaram um nome para a empresa sem muito apego. Guilherme
sugeriu batizar o empreendimento com uma expressão que ele usava
muito na época, XPTO. O sócio achou ridículo. A solução foi tirar o
TO, e foi assim que a XP Investimentos surgiu.
Lá no Rio de Janeiro, a descrença em Guilherme era nítida. O pai
continuava achando uma maluquice o filho morar em Porto Alegre.
Achava também que ele deveria prestar vestibular para Medicina,
porque já tinha feito Economia e, pelo jeito, não estava dando certo.
Guilherme queria trabalhar. Para o pai, o importante era estudar.
Enquanto Benchimol filho gerenciava expectativas familiares de um
lado, seu dinheiro acabava do outro. A empresa era só Guilherme e
Marcelo. Depois entraram dois estagiários. Marcelo conhecia algumas
pessoas com dinheiro em Porto Alegre, e Guilherme, responsável pelo
comercial, visitava todo mundo. Batia na porta de todos, mas de dez
em que batia, apenas uma abria. Quem confiaria em um garoto
forasteiro de 24 anos? Guilherme também foi atrás dos amigos.
Achava que confiariam nele, investiriam na empresa, mas se
decepcionou. Aprendeu que não se pode montar negócio com base
nos amigos. Enquanto isso, eles só perdiam dinheiro: R$ 500
negativos num mês, R$ 1 mil negativos no outro… Mês bom era no
zero a zero. Teve que vender o carro, e todo o dinheiro foi embora.
Para Benchimol, talvez esse tenha sido o momento mais duro da sua
vida. Chegou a ficar com apenas R$ 1 mil na conta. Havia dias em
que se sentava na escrivaninha da quitinete e ficava pensando sobre ter
que voltar a morar com a mãe. O que o pai, que sempre foi contra a
mudança de cidade, pensaria? Que era um fracassado. Que fez de
tudo e deu errado. Que trabalhou e deu errado. Até que teve a ideia
de ligar para um amigo, Júlio, e pedir R$ 5 mil emprestados. Sua
intuição dizia que estava perto de dar certo. Com esse dinheiro,
conseguiria se virar por mais cinco ou seis meses.
Perceberam que o caminho era montar um modelo comercial
diferente. Em vez de agendar visitas, passaram a convidar as pessoas
para encontros na XP, na salinha que haviam alugado. Guilherme
passava o dia no telefone fazendo os contatos e chamando para um
evento com coffee break gratuito. Descobriu que esse formato era
atraente. De dez ligações, cinco se interessavam e apareciam à noite.
Benchimol ia na padaria, comprava pão de queijo, um suco de laranja,
colocava toalha branca na mesa e estavam prontos para receber os
prospects.
Quando começaram as reuniões, ele não tinha nenhum grande
sonho. Queria simplesmente sobreviver, pagar suas contas, não mais
do que isso. A autocobrança era enorme. O medo de falhar de novo
também. Olhava para trás e, na cabeça dele, nada do que tentara tinha
dado certo.
Primeiro, não deu certo no esporte. Sonhava em ser jogador de
tênis; dos cinco aos quinze anos, essa era sua paixão. Treinava e
chegou a competir, mas começou a levar a sério demais e deixar os
estudos de lado. O pai, que sempre valorizou os estudos, não gostou
daquela história. Disse que ele deveria ir bem no colégio. Benchimol
tentava convencê-lo de que melhoraria os resultados nos jogos, mas
seu desempenho não decolava. Talvez não fosse bom o suficiente,
mas, quando você é adolescente e não tem quem o apoie, vai
perdendo a vontade. E assim foi. A frustração no tênis fez com que
ele começasse a achar que também seria médico. Família toda de
médicos: pai, tios e primos. Talvez fosse esse seu destino. Mas
definitivamente medicina não era a praia de Benchimol. E o destino
deixou que isso ficasse bem claro. Num final de semana, o pai o levou
para assistir a uma cirurgia coronariográfica de um paciente. Era para
ser uma cirurgia simples, mas esse paciente teve uma alergia rara
devido ao plástico do cateter e morreu na sua frente. Guilherme tinha
quinze anos e viu todo o procedimento de massagem cardíaca. Ainda
teve que ver o pai falar com a esposa do falecido, e aquilo foi um
choque. Quando o episódio de terror acabou, decretou ao pai que não
queria aquilo para a vida dele.
Pouco tempo depois, por recomendação de um amigo do pai, que
sabia que ele adorava matemática, foi assistir na PUC-Rio a uma
palestra de Luiz Cesar Fernandes, então presidente do banco BTG.
Voltou encantado. Resolveu fazer faculdade de Economia. Passou
para todas as universidades para as quais prestou vestibular, mas
resolveu fazer UFRJ. Logo se deu conta da escolha errada. A
faculdade não tinha um curso focado em mercado financeiro.
Desapontado, decidiu trabalhar. Entrou na faculdade já estagiando na
Corretora Sênior. Ao final do semestre, foi efetivado. Depois,
trabalhou na Icatu Seguros como trainee e, em seguida, na corretora
Investshop. Deu azar de entrar num projeto que não era rentável e foi
demitido. Na época, o jovem e inseguro Guilherme não entendeu
assim. Achava que não combinava com o meio corporativo. Segundo
ele, na vida corporativa muitas vezes não é o cachorro que abana o
rabo, mas sim o rabo que abana o cachorro. Ele também ficava
incomodado com fazer social, nunca foi um cara de jantares e festas.
Tirou suas conclusões de que não dava para aquilo, arrumou as malas
e foi apostar todas as suas fichas no empreendedorismo, como a tábua
de salvação de sua dignidade profissional.
Nos primórdios da XP, Benchimol só precisava de uma coisa: dar
certo. Depois dos desafios do início, os ventos pareciam começar a
soprar a favor. A ideia do evento passou a atrair gente. A apresentação
dos sócios era interessante, as pessoas gostavam, a didática era boa.
Passavam três horas ensinando as pessoas a investir. Das cinco que
compareciam ao evento, duas ou três abriam as portas. Ainda assim, o
negócio gerava pouco dinheiro, pois os “clientes” não tinham
segurança de que aquele era o melhor lugar para investir. Quando o
dinheiro acabou de novo, a única saída foi pivotar o negócio e criar
um curso para ensinar as pessoas a investir em ações. A ideia já existia
há algum tempo, mas o custo era alto em virtude da necessidade de
anunciar na rádio, no jornal. E esse custo de mídia era caro para eles.
Mas era arriscar ou nada. Anunciaram no jornal Zero Hora e
realizaram o curso no salão do prédio da salinha comercial, que não
tinha custo se não contratassem o serviço de limpeza. Eles se
responsabilizaram pela faxina. Reservaram o salão, imprimiram as
apostilas que eles mesmos fizeram. Cobraram R$ 300 pela inscrição.
Com cinco alunos, o custo estava pago. Apareceram trinta alunos.
Deram aula das nove da manhã do sábado às cinco da tarde do
domingo. Ficaram realizados, sentindo o sabor gratificante de
transformar a vida das pessoas pelo conhecimento. E ainda faturaram
R$ 9 mil naquele final de semana. Benchimol achou que estava rico.
Para completar, todos os alunos do curso abriram conta na corretora.
Um sucesso.
Aos poucos, Guilherme foi percebendo que era muito bom em
execução, mesmo que nem tudo desse certo sempre. Ele até podia
errar, mas não desistia e dava um jeito de acertar. Conforme foi
percebendo que tinha uma capacidade muito grande de encontrar
caminhos, foi estruturando sua confiança. A cada mês que passava, ia
acreditando um pouco mais, um grãozinho de areia por vez. Começou
a contratar funcionários, aprendeu a liderar, e fazer as pessoas darem
certo também o ajudou a construir sua confiança.
Uma das primeiras vezes que precisou vender o sonho da XP
Investimentos para mais gente foi quando sua estagiária, que estava se
formando, tinha planos de deixar a empresa. Ela já tinha uma posição
importante. Era o back-office, e eles não podiam perdê-la. O jeito foi
convencê-la a se tornar sócia, ficando com 10% da empresa. Disse que
a empresa tinha muito para crescer e que seria uma supercorretora no
Brasil. Falou com tanta convicção que ela topou. Mais tarde,
Benchimol deve tê-la convencido de que poderia ser um bom marido
e um pai também. Começaram a namorar, casaram, e Ana Clara só
saiu da empresa quando a primeira das três filhas do casal nasceu.
Conforme a XP crescia, foram alugando as salas ao lado da
salinha de 25 m2. O complexo passou a ter oito salinhas conectadas.
Em 2005, eram 150 m2. Com recepção e tudo. O pai e os amigos
foram conhecer a empresa. O pai gostou, os amigos elogiaram.
Naquele momento, Benchimol sentiu a satisfação de estar naquela
posição. Mais um ponto para sua autoconfiança. Hoje, Benchimol
avalia que a mudança geográfica foi essencial para driblar o medo e a
insegurança. Se estivesse no Rio de Janeiro, acredita que não teria
coragem nem de entregar fôlder no sinal de trânsito. “Quando você
está longe da família e dos amigos, não tem vergonha, não tem o que
perder. Então entreguei fôlder no sinal, em prédios bacanas em Porto
Alegre, e assim as coisas foram dando certo aos poucos. Não existe o
que funciona e o que não funciona, você vai entendendo cada estágio
da companhia no dia a dia, na prática.”
Depois de cinco anos de empresa, chegou uma proposta de gente
grande. A Ágora Investimentos queria comprar a XP por R$ 30
milhões.
Os sócios chegaram a ficar balançados, mas decidiram não fechar o
negócio. Queriam continuar empreendendo. Para Benchimol, voltar
ao corporativo teria um gosto amargo de frustração. Um ano depois,
foram eles que compraram uma corretora carioca, a American Invest.
Hoje, se a insegurança bate, é porque os desafios são bem maiores,
como o da abertura de capital na bolsa em Nova York, feito em 2019
– o nono maior do mundo daquele ano. “É normal ficar inseguro,
você faz algo que nunca fez antes; por mais que tivéssemos ajudado
outras empresas, a pressão era grande”, conta. Foram nove dias de
roadshow (reuniões para vender as ações da empresa a possíveis
investidores) e, quando chegou o dia da abertura, uma quarta-feira à
tarde, na última reunião, a oferta estava quinze vezes maior que o
preço inicial: de
US$ 2 mil, foi para US$ 35 milhões. Para comemorar, fechou um
espaço e ofereceu um jantar para os trezentos funcionários que
também estavam lá, além da mulher e das três filhas. No dia seguinte,
não teve tempo de preparar o discurso. Seguiu o coração. Citou o
tenista Guga e o piloto Senna, porque estava ali também
representando o Brasil, como eles fizeram tantas vezes. Levou a
bandeira do Brasil e fez um discurso, falando do país, incentivando
outros empreendedores a fazerem o mesmo. Terminou emocionado.
O saldo do desafio foram dez apresentações, para bancos estrangeiros
e nacionais, funcionários, acionistas. E a cada discurso era uma
choradeira. Na Nasdaq, havia um botão que a filha caçula apertou
com ele. Especial.
O que move Benchimol hoje é acreditar que pode fazer cada vez
mais. “Eu tenho certeza de que dá para fazer melhor do que ontem.
Quando você acredita nisso, fica cada vez mais viciado nesse processo
de fazer melhor, procurar outras formas, pessoas, estratégias.” E o
medo, onde ficou? “A coisa boa de ter falhado muito é aprender que
falhar faz parte. Talvez os nossos pais queiram nos proteger disso. A
nossa sociedade tem essa coisa de achar que errar é feio. Ainda hoje
eu sou o cara que mais erra na XP, mas aprendi a errar e me levantar
rápido. Quando você tem resiliência e força de vontade, vai dar certo.
Vai cair, levantar, aprender com os erros e se levantar de novo. Você só
não pode errar grande. Errar faz parte do espírito do empreendedor.
Nunca me esqueço de que montei essa empresa do zero. Já passei por
coisas muito piores. Se ao longo do caminho eu me deparo com
executivos que têm crenças limitantes, tento convencê-los de que nada
é impossível. Você só inova se estiver testando algo diferente e
ajustando aquilo que deu errado.”
CAPÍTULO 3

DERROTA E
JOGO MENTAL

Todo mundo passa por derrotas. Uma, duas, várias. Nem o maior
campeão, o mais bem-sucedido, está imune a elas. Walt Disney, por
exemplo, criou o Mickey Mouse em uma situação de muito estresse e
de derrota para o dono da distribuidora dos desenhos animados com
sede em Nova York. Interessante pensar que, se não fosse sua situação
de necessidade extrema de dar certo, talvez nada da magia Disney
tivesse acontecido. Ver as coisas irem mal pode ser a deixa para nos
tornarmos mais criativos. A necessidade nos faz procurar alternativas,
ousar mais, experimentar.
Eu também tive minhas experiências com derrotas. Após parar de
competir no esqui na neve, passei a fazer triatlo e depois maratona.
Ao todo, participei de quatorze maratonas. Minha estreia, em 2004,
foi excelente. A oportunidade surgiu quando fui a trabalho para um
congresso na Bulgária; por coincidência, no mesmo final de semana
da Maratona de Berlim. Saí de Varna e voei para Berlim no sábado à
noite. Eu não sabia o que era correr uma maratona, não tinha ideia de
quanto poderia ser difícil, e isso fez com que eu não tivesse uma
expectativa negativa prévia. Claro que o treino foi fundamental, mas a
ausência de medo me ajudou muito. No domingo, às nove da manhã,
estava largando. Logo em minha primeira maratona pós-acidente,
completei os 42 quilômetros em 2h46. Em 2004, era uma marca
quase inalcançável para um corredor amador que tinha uma rotina de
trabalho e família. Sabe o que aconteceu depois? Em 2006 e 2007, os
resultados foram terríveis. Em 2006, fui tentar melhorar e acabei
completando em 3h11. O fato de ter ido bem na primeira maratona
me deu confiança em excesso e menosprezei os treinos para a prova de
2006. O que não era bom ficou ainda pior um ano depois. Na
Maratona de Chicago, abandonei a prova no quilômetro trinta, com
fortes dores abdominais, e fui parar no hospital. Somente em 2009
consegui retomar a boa forma. Como? Com muito treino e disciplina.
Consegui diminuir meu tempo para 2h37. Quase dez minutos, uma
eternidade para uma maratona nesse nível de rendimento. O que
aconteceu daquela vez? O ajuste correto do medo e da confiança.
Performance se atinge com superação, autoconhecimento, treino e
melhora a cada dia. Aprendi que vencedores não são vencedores todos
os dias.
Graças à estrutura interna que desenvolvi, as derrotas serviram
para apontar os meus erros e indicar quanto eu teria que me dedicar
para chegar aos resultados que almejava. Essas derrotas foram
fundamentais para meu desenvolvimento na busca do novo limite
físico e mental que acabei conquistando. Quando eu entendi o
mecanismo interno de transformar aqueles fracassos em munição para
o sucesso, não quis parar ali. Estava claro que tinha encontrado outro
patamar de performance com as derrotas passadas. Achei que ainda
poderia melhorar mais.
Em 2012, corri a minha melhor maratona, com o tempo de 2h36.
Para a época, e no universo da corrida, foi algo grandioso. Talvez eu
tenha sido o primeiro atleta corredor amador do Brasil a ser exposto
na mídia – me tornei garoto-propaganda de tênis, recebi um bom
cachê em dinheiro para aparecer em anúncios em revistas e jornais.
Minha história virou capa de revistas, depois livro e até programa de
rádio! Fui convidado para ser colunista da revista Runners World, a
revista mais importante do mundo sobre corrida, para a qual escrevi
por dois anos. Também passei a apresentar o programa de rádio Terno
e Tênis, que fez parte da programação do Grupo Bandeirantes de
Comunicação. Em formato de talk show, entrevistava executivos de
performance que praticavam esporte. Fiquei quase quatro anos no ar
e, sem nunca imaginar, minha história de superação tornou-se
conhecida. Talvez esse meu resultado tenha desencadeado um efeito
cascata; muita gente se identificou e assim passou a acreditar em si
mesmo. “Se esse cara, que sofreu um acidente tão grave, voltou a
andar e depois a correr, pode, eu também consigo.”
Graças às derrotas e aos aprendizados mentais do passado, pude
mostrar para as pessoas que sonhar e realizar era possível. Basta
querer. Continuo acreditando nisso hoje. Cada vez mais. Esse
“querer” tem a ver com trabalho duro e fazer o que precisa ser feito.
Tem muito mais a ver com ação, com olhar para o que não deu certo e
falar: “Ok, a derrota não é o meu ponto-final”.
Quando uma pessoa passa por uma situação complicada,
provavelmente não repetirá o mesmo erro que a levou àquela situação.
Certamente, na próxima vez, estará mais preparada. Essa é uma das
razões pelas quais a maioria dos fundos de investimento dos Estados
Unidos fazem questão de saber quem está por trás das empresas e
preferem investir naquelas cujo dono já quebrou alguma vez. A lógica?
Se o empreendedor ou a empreendedora já perdeu dinheiro, está mais
preparado para não perder de novo. Portanto, concluem que o
dinheiro deles será mais bem cuidado por quem já teve a experiência
do fracasso em uma manobra financeira.
Você já deve ter ouvido coisas do tipo “Campeões nunca desistem,
seguem adiante”. Encarar a derrota como parte da jornada do sucesso
é mais uma das características de pessoas de performance. E elas
conseguem isso, porque têm uma forte estrutura interna que as ajuda
a dominar seu jogo mental. Podemos dizer que o jogo mental é o
antídoto para a derrota. Não importa o resultado, vão sempre usá-lo
para continuar vencendo. O treinador de atletismo Cláudio Castilho,
que participou dos Jogos Olímpicos de Londres (2012) e do Rio de
Janeiro (2016), observa esse comportamento em atletas de ponta.
“Lidar com a perda, independentemente de qual seja, é muito difícil.
E tem gente que não nasceu para perder, só para ganhar. O esporte
nos ensina isso o tempo inteiro. Essas pessoas, quando passam por
uma situação que as coloca num teste de emoções, não levam isso
como um trauma para a vida. Elas conseguem interpretar, decodificar
e fazer com que o caminho para o futuro seja mais ameno em relação
a essas variações de emoções”, explica. Quem tem foco na
performance usa a derrota como aprendizado e sobe novamente e
muito mais forte. Como diz Marcos Paulo Reis, fundador da MPR
Assessoria Esportiva e duas vezes técnico da seleção brasileira de
triatlo nas Olimpíadas: “Você cresce na vitória quando entende como
ganhou, e você aprende na derrota também”.
Depois de uma derrota, é preciso uma forte estrutura para
transformar os seus processos internos. Isso é científico. Neurônios
têm memória – isso se chama neuroplasticidade. Imagino que já deve
ter ocorrido com você de comer doce ou chocolate por vários dias
seguidos e, quando desejou parar, aconteceu uma crise de abstinência.
Ou bateu uma vontade compulsiva de voltar ao hábito antigo. Isso
ocorre porque seu cérebro foi condicionado a receber aquela prazerosa
dose de açúcar diária. Para cortar essa crise de abstinência, você vai
precisar de 45 a 60 dias. Estudos dizem que esse é o tempo necessário
para que essas células, que são as principais do tecido nervoso,
absorvam um novo comando e um novo comportamento passe a virar
hábito. Isso se aplica às pessoas que querem emagrecer ou ter hábitos
alimentares mais saudáveis, assim como aos iniciantes da prática
esportiva, que vão precisar desse tempo para começar a entender os
benefícios que os exercícios geram em nosso sistema, ou a qualquer
um que queira introduzir algo novo em sua rotina de vida. Aplica-se
também a quem deseja mudar o jogo mental para ter mais
performance. Quanto mais uma pessoa usa ou treina seu cérebro e o
seu corpo para determinada ação, melhor fica. Seja para o bem, seja
para o mal. Os esportistas, empresários e empreendedores não podem
parar de treinar. Você pode treinar a concentração, a memória, os
músculos, o coração, os pulmões, tudo.
No documentário The Playbook, o treinador de tênis francês
Patrick Mouratoglou diz que momentos dolorosos são os melhores
para evoluirmos. Ou seja, fracasso e frustrações são duas das melhores
coisas que podem acontecer se soubermos lidar com elas da maneira
correta. Patrick tem autoridade para falar. Ele é considerado um dos
melhores treinadores do mundo e trabalhou com atletas de ponta,
como a americana Serena Williams, ganhadora de 23 títulos de
Grand Slam na categoria individual e considerada a maior jogadora
de tênis da era moderna.
No mundo corporativo, a derrota também faz a sua ronda. E o
jogo mental se faz necessário – aliás, ele é essencial para a
sobrevivência de uma empresa. As variáveis do mercado dão conta de
deixar bem claro como e quando você pode perder. Vou contar outro
caso do meu antigo escritório, do qual fui o sócio fundador. Em uma
pesquisa feita em 2018, com 41 clientes CEOs e presidentes de
empresas com faturamento superior a R$ 100 milhões, fizemos a
seguinte pergunta: O que mais tira seu sono no dia a dia como principal
líder do negócio? As opções de respostas eram:

a. A concorrência feroz.
b. A instabilidade histórica do Brasil e, por isso, a dificuldade em
perpetuar os negócios.
c. A solidão na tomada de uma decisão importante.
d. A transformação tecnológica que o mercado vive.
e. Todas as alternativas.

Seguem os resultados:

• Dezessete responderam que a instabilidade histórica do Brasil


gera dificuldade em perpetuar o negócio.
• Nove responderam todas as alternativas.
Oito responderam a transformação tecnológica que o mercado

vive.
• Quatro responderam a concorrência.
• Três responderam a solidão na tomada de decisão.

Esses executivos vivem sob uma pressão enorme. Insegurança e


medo são parte do dia a dia. Eles são responsáveis por empregar
milhares de pessoas e têm responsabilidade indireta por muitas
famílias. Portanto, precisam ter jogo mental para lidar com possíveis
fracassos. Não apenas por eles, mas porque sua atitude se reflete nos
times e nas organizações. Isso está alinhado com uma pesquisa da
McKinsey, que diz que segurança psicológica é um pré-requisito para
uma performance adaptativa e inovadora tão importante nos dias de
hoje, seja quando falamos dos profissionais individualmente, da
equipe ou da organização como um todo.
Acredito que uma forma de administrar essa segurança é ter uma
atitude positiva nas derrotas. Guilherme Benchimol, por exemplo, me
disse que ainda é a pessoa que mais erra na XP; porém, ele corrige
rapidamente os erros, aprende com eles e segue para a próxima etapa
mais forte. Essa atitude, que considero típica de pessoas de
performance, está alinhada com as conclusões da pesquisa da
McKinsey. A análise diz que o fator mais importante para a segurança
psicológica é a existência de um clima positivo no qual todos
valorizem as contribuições uns dos outros, se preocupem com o bem-
estar alheio e tenham voz ativa no modo como realizam seu trabalho.
É por meio de suas próprias ações que os líderes de equipes mais
contribuem para a segurança psicológica. Isso é ainda mais decisivo
quando as organizações passam por grandes mudanças. A pesquisa
verificou que um clima positivo tem mais efeito sobre a segurança
psicológica de equipes que vivenciaram mudanças intensas no
trabalho remoto do que sobre aquelas que passaram por menos
mudanças durante a pandemia de covid-19. Entretanto, apenas 43%
dos entrevistados relataram haver um clima positivo em sua equipe.
Portanto, há muito o que ser trabalhado dentro das organizações.
Outra pesquisa feita pelo nosso escritório, em parceria com a
PiniOn, em 2017, com seiscentos jovens e adolescentes com idades
entre 18 e 25 anos, mostrou que 94% querem ter uma carreira de
sucesso, 30% deles desejam empreender ou trabalhar de maneira
autônoma ou freelancer, mas 49% do total preferem ter salários e
benefícios generosos, segurança e estabilidade no trabalho. Isso quer
dizer que querem a liberdade do empreendedor ou do autônomo, mas
a garantia e a segurança do salário e dos benefícios. Quantos desses
jovens vão, de fato, atrás do seu sonho? Certamente, aqueles que
dominam esse jogo mental que os faz saber que, por mais que
almejem segurança, eles precisam entrar no jogo para valer.
Mike Tyson tinha um jeito bem peculiar de fazer isso. Eu era
menino, devia ter uns dez anos, quando o vi pela primeira vez
disputando um título mundial. Fiquei muito impactado com o fato de
que, contrariando a tradição dos lutadores de entrar no ringue com
aqueles shorts coloridos, roupão de seda chamativo, pulando, fazendo
festa, Tyson fazia diferente. Ele vestia bermuda preta, sapatilha preta,
meia preta, protetor bucal preto, não usava roupão e sustentava uma
cara de mau. Muito concentrado, já entrava para lutar bastante suado,
parecia que tinha nocauteado um adversário no vestiário. Ele
transpirava raiva. Quando o oponente ficava cara a cara com ele, já
estava derrotado.
A roupa preta era apenas a tradução do que ele tinha energeticamente
imputado no seu sistema durante os meses de treinamento. Sua mente
era totalmente preparada para fazer o que tinha que fazer. Nunca mais
me esqueci do Tyson com aquele pragmatismo e o poder que aquela
atitude tinha de intimidar seus adversários.
Rafael Nadal usa uma técnica parecida. Quando está no corredor
para entrar em quadra em um grande torneio, já ao lado do oponente,
termina seu aquecimento saltando, pulando e simulando golpes com a
raquete de tênis na mão. A intimidação é imediata, o jogo mental está
feito. Hoje, aplico uma estratégia parecida quando estou competindo
em corrida de rua. Quando vou ultrapassar um corredor, por mais
ofegante e exausto que possa estar, me aproximo diminuindo a
intensidade da respiração, melhoro minha postura e, quando fico
ombro a ombro com o adversário, parece que estou iniciando a prova.
É nítido que o ultrapasso pela atitude. Ao ver minha postura, o
oponente conclui que não estou cansado. Muitas vezes o que se vê é o
que o cérebro absorve.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: WALDEMAR DECCACHE

Waldemar Deccache foi ao fundo do poço ainda na infância. Viveu


uma tragédia impossível de ser esquecida e difícil de ser superada.
Mas na disputa entre derrota e jogo mental, o jogo mental venceu.
Como? Você vai saber agora.
Ano de 1961. Era para ser um passeio divertido em família. A
cada quinze dias, Waldemar passava o fim de semana com os pais.
Ele, o caçula, estudava no colégio interno Santa Marcelina, no Alto
da Boa Vista, e os dois irmãos mais velhos, no colégio São Bento. As
duas escolas ficavam na cidade do Rio de Janeiro. Os pais moravam
em Niterói. O pai era um industrial do aço bem-sucedido. A mãe,
uma moça muito mais nova que ele. Foram os cinco, mais a
empregada e um amigo das crianças, o vizinho, ao circo. Durante o
espetáculo, o inesperado aconteceu. A tenda começou a pegar fogo.
Sua família toda saiu correndo entre as arquibancadas vazadas e
chegou ao lado de fora. Só o amigo que não, o que fez o pai de
Waldemar correr de volta para resgatá-lo. Um de seus irmãos mais
velhos correu atrás dele. A lona caiu em cima dos dois. Waldemar
perdeu o pai, de 48 anos, e o irmão, de onze, no acidente. Perdeu
também a estrutura mental. Uma porrada em sua vida, como ele
mesmo define. A mãe, que tinha apenas 31 anos e era tratada como
uma rainha, ficou completamente desorientada. Waldemar saiu do
colégio interno e voltou para Niterói. Com oito anos, teve que
aprender a tocar sua vida, porque a mãe, bastante abalada, não tinha
muito domínio da situação. Nos dois primeiros anos após a tragédia,
ela ia para o cemitério chorar na lápide do falecido. Entrava às nove
horas da manhã e saía na hora em que o local fechava. Acabaram
vendendo a parte da família na indústria para o sócio e não souberam
administrar o dinheiro recebido. Em pouco tempo, a renda da família
– reduzida a três integrantes (Waldemar, a mãe e um dos irmãos) –
passou a vir dos ganhos dos aluguéis de duas lojas que o pai deixou em
Niterói.
Houve um desmonte da família. “Eu perdi não só meu pai e meu
irmão, com quem eu era muito ligado, mas também minha mãe, que
se isolou, embora vivêssemos juntos.” Waldemar seguiu a vida
emocionalmente isolado do restante da família, construiu seu mundo
no quarto de costura da mãe, que passou a ser seu depois do acidente.
Em 1967, Deccache começou a fazer um jornal no grêmio da
escola e passou a se envolver com política e assuntos intelectuais. Era
a época do movimento estudantil. Frequentava o Museu de Arte
Moderna, pintava quadros enormes com Eucatex e os levava para
vender na feira hippie. Logo depois, com catorze ou quinze anos, saiu
de casa e foi morar com um amigo, um fotógrafo envolvido com o
movimento do Cinema Novo, mas que ganhava dinheiro, na verdade,
fotografando casamentos. Passou a trabalhar no laboratório de
fotografia dele. Abandonou a escola no final do ginásio, período
equivalente ao ensino fundamental II de hoje.
Mais tarde, começou a fotografar também. Com dezesseis anos,
conseguiu um estágio no jornal O Globo. Depois, foi para o Correio da
Manhã, periódico que se opunha ao regime militar. Fotografou shows,
peças de teatro… Com o conhecimento do laboratório de fotografia,
revelou fotos grandes, e uma das atrizes, a Henriqueta Brieba, quis
comprar. O trabalho rendeu frutos. Mais tarde, fez cliques de um
show da cantora Maria Bethânia, que também comprou as fotos. Gal
Costa veio na sequência. Depois, Guilherme Araújo, empresário de
Caetano Veloso, quis que ele fosse à Bahia fazer a capa de um disco
do cantor. Com dezesseis, dezessete anos, assinava a capa do álbum
Transa. Então, vieram os filmes. Foi fotógrafo de cena no filme Quem
é Beta? E, logo depois, de Como era bom o meu francês. Acabados os
trabalhos, arrumou uma namorada, saiu da casa do amigo. Mudou-se
para Santa Teresa. Em seguida, voou para Nova York para estudar
fotografia. A mãe o emancipou para que pudesse ir. Comprou uma
filmadora super 8, fez um filme de jazz na rua. Mas não trabalhou
apenas com foto. Para sobreviver, pintou parede, foi office boy, fez
sanduíche para vender… Mesmo com todo o empenho, acabou o
dinheiro, e Waldemar caiu na realidade. Voltou para o Brasil onze
meses depois, retornou à casa da mãe, em Niterói. Então, envolveu-se
com drogas de todos os tipos. “Não tive um pai para me falar o
caminho.” E não teve mais paz. Foram dois anos nessa vida, até que
se apaixonou por uma moça, com quem se casou mais tarde e teve os
dois primeiros dos seus cinco filhos.
Nesse tempo pós-drogas, também voltou a estudar. Prestou
vestibular para Engenharia e passou. Depois de um ano, mudou para
o curso de Arquitetura, que achou mais próximo da fotografia. As
coisas pareciam começar a tomar outro rumo em casa também. Ficou
mais próximo da mãe. Inclusive a ajudou a despejar um inquilino de
um dos imóveis alugados, onde funcionava uma farmácia. Foi
assumindo os negócios que ainda restavam. Primeiro, a farmácia;
depois, uma loja de roupas que vinham de uma confecção de Belo
Horizonte, na qual sua mãe havia entrado como sócia com os irmãos
dela. Descobriu que eles a enganaram e fizeram assinar documentos
que alienavam todos os imóveis dela em garantia de uma dívida da tal
indústria de roupas.
O banco entrou com a execução, e Waldemar entrou na briga
defendendo a mãe. Foi o jeito. Não tinha dinheiro para pagar
advogado. Mas conhecia um, Michel Salim Saad, que o orientou, e
juntos conseguiram embargar a execução. Tempos mais tarde, contou
a história para o juiz do caso, que o elogiou, dizendo que aquilo era
um sinal de um bom advogado. Waldemar contou que não era
advogado, que estudava para ser arquiteto. E esse juiz, cujo nome ele
nem se lembra, plantou uma sementinha em sua cabeça, dando-lhe o
conselho de estudar Direito. Deccache nem voltou para o curso de
Arquitetura.
Na faculdade de Direito, um colega de sala, dono de uma
administradora de imóveis, ofereceu uma mesa e um telefone para
Deccache acompanhá-lo nas ações. Assim começou a advogar. Perto
de se formar, já concluindo o curso, ficou amigo de um sujeito de São
Paulo.
E esse rapaz veio lhe contar que havia sido procurado pela
Agropecuária Capemi, que tivera a falência decretada no governo
Figueiredo.
O amigo, Alberto, não queria assumir o caso. Waldemar assumiu.
Pegou a carteira da OAB e três dias depois estava no Jornal Nacional,
como advogado da maior falência do Brasil. Formou-se em Direito
com 29 anos, pelo Instituto Metodista Bennett, no Rio de Janeiro.
Apostou todas as fichas na profissão. Com o nome que fez como
advogado da Capemi, passou a advogar para uma trade de açúcar, que
representava uma casa inglesa de compra de açúcar. Seguiu, então,
para a área internacional. Quando a exportação do açúcar foi aberta, a
tal trade bombou, porque usineiro nenhum sabia exportar, e ele
conhecia algumas coisas do assunto, tinha tecnologia, banco no
exterior que abria carta de crédito e tudo o mais. Waldemar, no meio
disso, foi crescendo, ganhando dinheiro e prestígio. A ponto de, em
1991, na
Guerra do Golfo, com quase quarenta anos, ser convidado para
trabalhar no Iraque, o maior fornecedor de petróleo do mundo na
época. Não aceitou. Estava feliz e sentindo o gosto de ser uma pessoa
realizada. Comprou um apartamento para a mãe no Rio, no
Flamengo, onde ela morou durante trinta anos. Tão logo começou a
ganhar dinheiro na advocacia, passou a ajudá-la financeiramente.
Waldemar se considera um sobrevivente. O que o moveu foi um
desejo, uma necessidade de repor em sua vida aquilo que tinha
perdido com a morte do pai e do irmão. Bem antes de sair de casa,
ficava em seu quarto pensando que um dia moraria no Rio de Janeiro,
teria um apartamento, poderia voltar a frequentar lugares parecidos
com aqueles da época em que seu pai era vivo. Sempre foi
impulsionado pelo medo de perder tudo de repente e preferiu ir à luta.
O medo da derrota assombra Waldemar até hoje, mas ele se
adaptou a isso. Usa esse sentimento negativo como força. Tornou-se
um dos grandes advogados do Brasil. Financeiramente, adotou uma
regra: “Para gastar dez, tenho que ter trinta no banco”. Passou a viver
sempre com uma margem de segurança. Trabalhou bastante, correu
atrás, foi com muita sede ao pote. Superou todos os momentos
difíceis de sua vida com trabalho. Quando esteve doente, com
hepatite C, acordava e ia para o computador.
Também se aproximou muito dos filhos. Quando se divorciou da
primeira esposa, seu filho mais velho tinha seis anos, e o outro quatro.
“Eu pegava os dois todos os finais de semana, além de terça e
quinta… Eles moravam em Niterói, eu morava no Rio. Saía do
escritório, ataravessava a ponte, chegava em casa com eles dormindo,
para no dia seguinte acordar, tomar café com eles e levá-los à escola.
Fazia isso religiosamente. Nunca viajei sem eles, e esse foi um bom
investimento que eu fiz”, conta Waldemar, que, aos 68 anos, considera
a paternidade o seu maior sucesso de performance. “Hoje me sinto
muito confortável com a estrutura que tenho, com o meu negócio, que
é advocacia na área de contencioso. Nunca exigi demais dos meus
filhos, porque eu fui pior que todos. O grande sucesso que eu tive na
minha vida foi tê-los perto de mim. Eles são meus amigos, além de
filhos. Essa é a maior vitória, porque eu não tive pai. Se tem uma
coisa que vai me fazer morrer rindo, vai ser por isso, essa foi uma
vitória grande na minha vida.”
CAPÍTULO 4

MÉTODO M.E.S.A.
+ FAMÍLIA: A SUA
INTELIGÊNCIA
ESTRUTURAL

Superar o medo, passar por cima das derrotas e ir em frente são


movimentos necessários à performance. Mas como desenvolver essa
capacidade de não se abater? Pelo contrário, como ir cada vez mais
longe, mesmo com as adversidades?
Você certamente já ouviu falar sobre inteligência emocional, termo
que deu nome ao livro do psicólogo e jornalista Daniel Goleman,
lançado em 1995, Emotional Intelligence: Why It Can Matter More
Than IQ (que, em português, ganhou o título de Inteligência emocional:
a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente). A inteligência
emocional permite que as pessoas identifiquem e lidem com suas
emoções e seus sentimentos e, com base neles, definam como vão agir
em determinada situação. Em muitos casos que apresento neste livro,
não podemos negar a dor, o sofrimento, os fracassos e as derrotas. E a
inteligência emocional ajuda a lidar com tudo isso. Nos meus estudos,
no entanto, identifiquei que precisamos de algo que funciona como
uma base para a inteligência emocional. Ouso dizer que para ter
inteligência emocional você precisa dar um passo atrás e desenvolver
sua inteligência estrutural.
A inteligência estrutural é o que você faz todo dia para manter
essa máquina, que é o seu corpo, em sua melhor forma. Requer
disciplina, rotina e disposição para o autocuidado e o
autoconhecimento. Ter inteligência estrutural passa por olhar para si
mesmo, conectar-se com as reais necessidades do seu corpo e tratá-lo
bem. Se ele fosse o carro que você tem disponível para atingir o
melhor desempenho, como você faria a manutenção? Com qual
combustível imagina que ele teria o melhor desempenho? Qual seria a
frequência ideal de reparos dele? Imagine que esse carro vai participar
de uma corrida em que será testado até o limite. Em que condições
você acha que ele vai performar melhor: se estiver bem cuidado e
conservado ou se estiver todo desregulado? Bem, seu corpo é o seu
veículo, e ele também precisa dessa manutenção. Isso pode parecer
óbvio, mas, na prática, muitas pessoas não cuidam do corpo como
deveriam. Muitas vezes estressamos a mente ao limite em busca de
resultados enquanto deixamos o corpo padecer. Sabe aquela história
de começar o regime na segunda-feira e nunca começar? A eterna
falta de tempo para praticar uma atividade física? As preocupações
que geram insônia? Tudo isso está no pacote da falta de inteligência
estrutural.
Se você der ao corpo o necessário, ele será um aliado para você
atingir o resultado que deseja. Imagine que um grande problema abale
você emocionalmente. Você tomará melhores decisões e responderá
com mais assertividade, determinação e foco se as suas emoções forem
sustentadas por um corpo e uma mente em total conexão e sinergia. É
isso o que a inteligência estrutural fornece.
Passei a me aprofundar nesse assunto após uma viagem que fiz em
março de 2017 para Austin, Texas, nos Estados Unidos, para
participar do SXSW – South by Southwest, o maior festival de
palestras sobre tecnologias emergentes do mundo. Lá assisti a uma
apresentação da Red Bull chamada Brain training: The performance
enhancing weapon? (em tradução para o português: “Treinamento
cerebral: a arma para melhorar o desempenho?”). A Red Bull é uma
das marcas que mais investem em performance no mundo, de atletas e
de empresas, incluindo equipes de Fórmula 1 e motovelocidade.
A palestra abordava o funcionamento do cérebro de um atleta na
vitória e na derrota. O que foi apresentado era resultado de uma
pesquisa liderada pelo fisioterapeuta e neurocientista David Putrino,
professor assistente de medicina e reabilitação e diretor de
telemedicina e reabilitação virtual do instituto de pesquisas médicas
Burke Neurological Institute, do Weill Cornell Medical; pelo
fisioterapeuta e neurocientista Dylan Edwards, diretor do laboratório
de estimulação do cérebro e robótica no Burke Neurological Institute,
do Weill Cornell Medical; Per Lundstam, gerente de alta
performance da Red Bull em Santa Monica; e Rebecca Rusch, atleta
de mountain bike, multicampeã com sete títulos mundiais e
patrocinada pela marca de energéticos.
É inegável que a medicina avançou muito, mas a neurociência
ainda é jovem. Sua versão mais moderna começou na década de ١٩٧٠.
Antes disso, a parte mais importante e complexa do nosso corpo não
era estudada de maneira estruturada – nosso cérebro, e os sistemas
endócrino e nervoso, que derivam dele, ainda deixam dúvidas aos
especialistas. Com o aprofundamento dos estudos, novas teorias irão
surgir, mas o que diversos estudos como este indicam até agora é que
existem mecanismos para melhorar nossa qualidade de vida e, por
consequência, nosso desempenho.
Nesse estudo, atletas afirmaram que a mente pode, sim, jogar
contra a pessoa durante uma prova, contribuindo para o fracasso. De
olho nisso, a Red Bull desenvolveu um treinamento com nove dicas
para exercitar o cérebro e melhorar a performance em qualquer
atividade esportiva. Segundo eles, com o treino adequado, o cérebro
estará mais preparado para ganhar. O interessante é que as
recomendações foram muito além de atividades relacionadas
diretamente ao cérebro. Envolviam todo o corpo. Estes foram os
pilares apresentados:

1.Praticar mindfulness;

2.Praticar esporte;

3.Ter uma alimentação correta;

4.Ter claros os seus objetivos e escrevê-los em um papel;

5.Aprender a lidar com a frustração;

6.Socializar e trocar informações com quem tem mais


experiência que você;

7.Perseverar;

8.Visualizar-se executando seu objetivo;


9.Divulgar o treinamento para os amigos e familiares.
Compartilhar conteúdos relevantes é importante.

Desses pilares, dois me chamaram a atenção, porque eu não tinha


tanto conhecimento sobre eles:

• Ter uma alimentação correta; e


• Praticar mindfulness.

Passei a estudar e testar seus benefícios. Foram o ponto de partida


para que eu fosse construindo o conceito de inteligência estrutural
como a base para atingir resultados excepcionais. Somei aos dois
aspectos mais alguns que sempre entendi como altamente relevantes
não apenas para o meu desempenho, mas também para o de centenas
de pessoas que entrevistei em processos de assessment, coaching,
mentoria. Criei um método, que é o M.E.S.A. + Família.
Sendo M.E.S.A. um acróstico das palavras:

Mindfulness
Esporte
Sono
Alimentação

A palavra “mesa” acabou sendo uma feliz coincidência, que tem


tudo a ver com o conceito da inteligência estrutural. O conceito
M.E.S.A. + Família remete ao ato de sentar-se à mesa com familiares
e amigos. É ali que conversamos sobre as coisas boas e ruins que
ocorrem no nosso dia a dia, e é junto das pessoas queridas que
buscamos soluções. Essa troca de conteúdo faz avançarmos e
evoluirmos. Nada como um bom almoço, jantar ou encontro numa
mesa de bar, com quem a gente gosta e se identifica, para fazer a
gente se sentir bem. Mas mesa boa é a aquela que tem quatro pés
para, quando necessário, nos apoiar. Ela nos ajuda em nossa estrutura.
Acredito que por meio desses pilares – mindfulness, esporte, sono,
alimentação e família –, podemos criar a base da nossa inteligência
estrutural e, assim, ficamos mais fortes para atingir a performance.
A inteligência estrutural é construída tijolo a tijolo, por meio de
escolhas que você faz a todo momento. Vale dizer que não só
introduzi esses temas em minhas palestras, como também fiz muito
mais que isso. Passei a aplicá-los na minha vida, me submetendo a
testes. Transformei meu corpo em um laboratório. O que você está
lendo neste livro, e o que vai ler daqui para frente, são teorias que eu
experimentei em mim mesmo e pude validar nas milhares de
entrevistas que fiz como consultor de recursos humanos, headhunter e
atleta, que teve o privilégio de treinar e conviver durante tantos anos
com pessoas de alta performance.
Esses cinco elementos estão totalmente conectados. Comer bem
ajuda na digestão e na absorção dos nutrientes de que seu corpo
precisa. Meditação faz você relaxar, viver o presente, baixar a
ansiedade, aumentar o poder de concentração. Esses hábitos somados
ajudam a dormir bem. Uma boa noite de sono tem a importante
função de recuperar seu corpo e sua mente. Já o + Família inclui
nossos familiares mais próximos e amigos queridos. Sem eles, o
mundo perde a razão. Para completar, o esporte melhora a autoestima,
oxigena seu cérebro, deixa o corpo ativo e mais forte. É o recurso mais
importante e potente para que o M.E.S.A. + Família entre em sua
rotina de vida.
Agora, vamos aprofundar o M.E.S.A. + Família, um por um.
CAPÍTULO 5

M DE MINDFULNESS

Pense comigo: quando nascemos, imediatamente após sairmos da


barriga da mãe, fazemos três coisas: respiramos, comemos e
dormimos. Não por acaso, elas fazem parte dos cinco pilares do
M.E.S.A. + Família, pois são vitais para a nossa existência. Porém, ao
longo dos anos, tratamos esses três pilares com irrelevância. Entramos
no modo automático. Respirar é o mais importante. Podemos ficar
alguns dias sem comer e dormir, mas não podemos ficar nem uma
hora sem respirar. E é para a respiração que damos menos atenção.
Com a rotina dura, nossa respiração fica curta, rápida e ansiosa. Por
isso, o M de mindfulness é tão importante. Ele nos ajuda a cuidar da
nossa respiração. É a ginástica, a musculação do cérebro contra o
estresse e a ansiedade.
Existem muitas formas de praticar o mindfulness, palavra em
inglês que significa “atenção plena”. Correr é um tipo de mindfulness
ativo. Corro desde os treze anos e nunca soube disso. Aprendi com
Guilherme Nascimento, meu professor de meditação. Correr é
respirar e estar com você mesmo. Esquiar na neve também. Você
respira, limpa a mente e só fica concentrado em executar o
movimento correto. Meditação é isto: atenção plena na sua respiração
e foco total na mente.
Pratico meditação há sete anos e precisaria de mais uns vinte para
ficar muito bom. Não é fácil o exercício de esvaziar a mente dos
pensamentos ou, ao menos, não dar atenção a eles, a fim de se
conectar totalmente com o momento presente. Pelo pouco tempo que
tornei o mindfulness parte da minha rotina, posso garantir que já
tenho bons resultados. Melhorei meu foco, minha autoavaliação, o
poder de concentração e, em momentos de tensão, consigo ter uma
melhor visão de mim mesmo e do todo. Talvez essa seja a ferramenta
mais importante no equilíbrio entre corpo e mente, porque acalma o
sistema nervoso.
E ter controle sobre as emoções é ouro.
Sempre gostei de luta. Quando criança, fiz judô por quase dez
anos. Na adolescência, assisti a um vídeo do Rickson Gracie
meditando na praia. Nunca mais me esqueci daquela cena. Na época,
por completa ignorância, achei estranha a imagem de um homem,
com aquela força e aquele tamanho, sentado em posição de lótus, com
expressão serena e passiva. Para mim, aquilo era coisa de budistas
indianos e dos hippies. Mal sabia eu do poder de concentração que
aquele exercício lhe dava no momento de pisar no tatame. Quase
quarenta anos mais tarde, em janeiro de 2022, li sua biografia.
Rickson Gracie é o Pelé do jiu-jítsu, o Ayrton Senna das artes
marciais; perdeu apenas uma única luta em toda a sua vida, a
primeira, quando era criança e lutou contra um adolescente. No livro,
ele comenta que sua carreira deslanchou de verdade depois que
conheceu Orlando Cani, um gaúcho que se mudou para o Rio de
Janeiro aos treze anos e lá passou a estudar o corpo humano por meio
de yoga e meditação. Orlando foi atleta do Exército, estudou
Educação Física e desenvolveu a bioginástica – uma mistura de
exercícios que imitam movimentos dos animais, respiração profunda,
força e alongamento. Tudo junto, misturado e ao mesmo tempo.
Um mindfulness em versão biturbo.
Rickson pode ser uma máquina humana de aniquilar pessoas, mas
tem um lado muito interessante, que é o espiritual e humano.
Ele é uma pessoa sensível. Talvez tenha sido essa a sua grande
qualidade. Conecta-se com a natureza, com o Cosmos e com as
energias. Entendeu que deveria manter a calma se estivesse perdendo
uma luta e que somente com respiração poderia ter uma visão ampla
de si mesmo e saber como sair daquela situação. Fez aulas com
Orlando e se tornou invencível. Mindfulness dá paciência, visão ampla
de si mesmo e tranquilidade em momentos de pressão, ansiedade ou
estresse. Aliás, era isso que Rickson ativava quando estava apanhando,
para reverter o jogo. Ele conta que foi após descobrir o poder da
respiração e da meditação que se conectou com Deus e com as
energias da natureza. Isso gerou nele um profundo autoconhecimento
que o fazia conseguir até sentir o cheiro do medo do adversário
quando estavam cara a cara.
Em fevereiro de 2022, fiquei quinze dias no Rio de Janeiro
trabalhando para a TV Globo e o SporTV nas transmissões dos Jogos
Olímpicos de Inverno de Pequim. Durante a minha estada, entrei em
contato com Orlando e conversamos virtualmente. Ele me indicou
fazer aulas com sua filha, já que estava com agenda lotada. E foi assim
que conheci Roberta Cani e a bioginástica. Uma revolução profunda
em tudo o que já vi e vivi em meditação, respiração, musculação e
alongamento. Em poucas aulas, senti uma melhor eficiência do meu
organismo, principalmente na minha capacidade e evolução
pulmonar. Eu respirava errado e não percebia. Para correr maratona e
qualquer outro esporte de endurance, é preciso ter o máximo de
eficiência pulmonar. A combinação de meditação com respiração é
muito benéfica para a performance, dos que praticam jiu-jítsu até as
grávidas. Usar técnicas de respiração ajuda a mãe no trabalho de
parto.
Hoje, entendo como a prática da meditação ajudou Gracie nas
vitórias, permitindo a ele se conectar com o momento presente. E
vejo como a atenção plena pode ser a cereja do bolo para atingir o
resultado desejado. Talvez seja o clique que esteja faltando, como no
caso de um amigo que corre maratonas comigo. Quando estamos em
fase preparatória, os treinos são muito estressantes, tanto física como
mentalmente. Há dias em que corremos 36 quilômetros, que
demoram mais de 2h30 para serem finalizados. Passamos todo esse
tempo correndo, inundados por pensamentos que vão e voltam. A
corrida pode, sim, ser uma meditação ativa, mas, na maioria das
vezes, a mente domina a cena e nos faz pensar nos diversos cenários
que iremos encontrar no dia da prova. Será que vai estar calor? E se
chover? E se o vento estiver contra? Esse exercício de adivinhar o futuro
criando quadros, em sua maioria pessimistas, vai gerando ansiedade e
insegurança. Lembra quando comentei que, quando eu esquiava na
água, tinha que, com alguma antecedência, mirar a boia que iria
contornar? Pois bem, se você treina para uma maratona e fica
simulando cenários negativos na sua cabeça, adivinha o que irá
acontecer no dia da prova? Você vai mirar os cenários negativos e
correr para eles. Na fase mais aguda da corrida, aquela que requer
todo o seu foco, fôlego, determinação e um pouco mais, seu cérebro
vai buscar argumentos para tirar você daquela situação e parar a dor
que você estiver sentindo. Nesse momento, os pensamentos negativos
dos treinos virão porque você os treinou em sua mente.
É exatamente isso o que acontece com esse meu amigo. Ele tem
potencial para correr uma maratona em ٢h٥٠, mas seu melhor tempo
é ٢h٥8. Acredito que se ele fizesse um trabalho de coaching, meditação
e respiração, aprenderia a viver o momento presente e a limpar os
pensamentos que amarram sua performance e não geram valor para
aquela situação. Estar presente é uma das capacidades que a
meditação ajuda a desenvolver. Ela me ajudou a ter mais facilidade de
entrar em flow, isto é, em um estado de fluidez. O conceito do estado
de flow foi criado por Mihaly Csikszentmihalyi, fundador e codiretor
do Quality of Life Research Center (QLRC), um instituto de
pesquisa que estuda a psicologia positiva. Ele também é PhD em
Psicologia e professor emérito do Departamento de Psicologia da
Universidade de Chicago. Segundo Csikszentmihalyi, a concentração
que o estado de flow propicia é um dos elementos mais importantes
para performar bem quando se está em ação. Pessoas que performam
acima da média costumam entrar em estado de flow. Leonardo da
Vinci, por exemplo, tinha uma incrível capacidade de análise, de
observar a natureza, de parar e vivenciar o dia e absorver aprendizados
disso. Talvez por mergulhar de forma tão intensa no presente tenha
produzido as obras que o fizeram se tornar o célebre Da Vinci.
Em sua biografia, escrita por Walter Isaacson, há um trecho que
diz: “Quando Leonardo estava pintando A última ceia, permanecia
com o pincel em punho do nascer do sol até o pôr do sol, esquecendo
de comer ou beber e pintando continuamente”.
Meditar e estar em flow traz resultados, seja nas atividades
artísticas, seja nas práticas mais cheias de adrenalina. A prova disso é
o atleta de esportes radicais Luis Roberto Formiga, ex-apresentador
da ESPN, que fez seu nome no cenário do esporte como surfista de
ondas grandes, paraquedista, esqueitista e no salto de asa-delta.
Formiga precisa da sensação de adrenalina correndo pelas veias,
descobriu isso cedo. Descobriu também como manter o controle em
atividades arriscadas.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: LUIS ROBERTO FORMIGA

Formiga nunca se esqueceu da primeira onda que surfou, com nove


anos. Na hora em que a prancha embalou e encaixou perfeitamente,
ele teve uma certeza e falou para si mesmo: “É isso o que eu quero”.
Imagino que tenha atingido ali o estado de flow. Ele não quis mais
parar. Como não morava na praia nem tinha casa no litoral, o jeito de
viver novamente aquela sensação foi andando de skate. Passou a
simular manobras do surfe inicialmente no asfalto e, depois, no
concreto, quando surgiu a primeira pista de skate do Brasil, em 1977.
Empolgou-se e começou a treinar, treinar, treinar até participar do
primeiro Campeonato Brasileiro de Skate, em Florianópolis, em
1978. Com catorze para quinze anos, também fez parte da primeira
delegação brasileira a ir para a Califórnia, nos Estados Unidos,
participar do primeiro Campeonato Internacional de Skate.
Competiu na modalidade em que o Brasil é supercampeão hoje, o
street vertical. Foi o primeiro brasileiro a dar aéreo, se destacou nesse
esporte e ganhou dinheiro.
Certo dia, a caminho de uma pista de skate no Rio de Janeiro,
Formiga olhou para o topo da Pedra da Gávea. Viu um negócio
voando. Descobriu que o nome do esporte era voo livre. Ficou com
aquilo na cabeça. Fazer manobras de surfe no ar! Não se esqueceu
daquela imagem quando, mais tarde, o skate mergulhou em crise no
Brasil. Pegou tudo que tinha: seu baixo, sua Mobilete, seu
amplificador, seus skates… vendeu tudo e comprou uma asa-delta
usada, talvez a pior que tinha no mercado. Seu brinquedinho de asas
de segunda mão já tinha sofrido acidente, batido no muro e estava
todo rasgado. A asa-delta tinha tanto remendo de um lado que o jeito
foi remendar o outro lado para contrabalançar e equilibrar o peso a
fim de mantê-la estável no ar.
Sempre movido a adrenalina, foi dando continuidade à asa-delta e
buscando novas formas de reproduzir a experiência do surfe. Chegou
a praticar snowboard, pois queria descer uma montanha branca de
neve prolongando os tempos das manobras de surfe. Foi morar na
França, com o plano de ser o melhor brasileiro do snowboard. O
projeto não durou muito. Quebrou o pé. Sozinho, sem seguro, acabou
gastando todo o dinheiro que tinha e voltou para o Brasil.
Então, mais uma vez, a chance de voar e surfar apareceu em sua
vida. Numa reportagem do programa Fantástico, da Globo, viu um
francês saltando de paraquedas com uma prancha. O esporte se
chama skysurf. “Se tem alguém que pode fazer esse esporte, sou eu.
Eu voo de asa-delta, faço snowboard, pego onda… isso é para mim”,
concluiu mentalmente.
Deu o primeiro salto de skysurf depois de ter feito apenas 32
saltos de paraquedas, em Boituva, interior de São Paulo. Sua
experiência não era considerada suficiente para se jogar no skysurf.
Foi criticado. Mesmo assim – e com equipamento improvisado –,
meteu as caras. No primeiro salto, quase morreu. Ao pousar, bateu no
chão e saiu rolando. Demorou um mês e meio para recuperar o joelho.
No dia do segundo salto, ligou a televisão. Nunca vai se esquecer da
data: dia 1o de maio de 1994. Assistiu à notícia do acidente fatal de
Senna e seguiu imediatamente para o avião. Foi saltar com receio,
medo de morrer, comovido e chocado. Mas afirmou para si mesmo:
“Não vou morrer no mesmo dia que o Ayrton Senna morreu”. Fez seu
segundo voo, o primeiro bem-sucedido, vivendo um contraste de
emoções, tristeza e alegria, tudo de uma vez. Teve uma grande
projeção com aquela atuação excepcional. “Foi a primeira vez que eu
ganhei dinheiro de verdade com esporte, com patrocínio da Puma e
tudo o mais.”
O gerenciamento do risco e da morte é o diferencial de Formiga.
“É minha forma de ser feliz. Eu não tenho medo de morrer; quer
dizer, eu tenho medo de morrer, mas não é a minha preocupação.
Acho que realmente o meu objetivo de vida está traçado. Eu não vou
pelo risco. Vou porque faz bem para a minha mente, o meu coração e
o meu espírito.” Formiga é movido pela ação radical, mas conta com
uma alta dose de concentração e preparo. “Eu não sou super-herói e
não acredito em super-herói. Para tudo existe o jeito certo de fazer e
minimizar os riscos. Nos momentos de maior tensão, de maior perigo,
nas ondas grandes, eu vou tranquilinho; isso sempre foi o meu
diferencial.” O recurso de Formiga é a meditação. “Respiro,
mentalizo, medito, canto mantra. Principalmente respiro. É como se
fosse a sintonia fina para eu ficar ali. Naquele momento, eu sei que já
estou treinado, condicionado para segurar pressão. Sou assim desde
moleque, desde quando eu testava asa-delta. Quando eu ia explodir
na pedra, eu vinha que nem um míssil e conseguia na última hora, no
último metro, na última fração de segundo, ter o sangue frio, a
tranquilidade de fazer a reação perfeita para não morrer. Minha
meditação é esportiva. Quando estou fazendo uma atividade
esportiva, estou rezando, estou meditando. O voo é uma forma de
concentração, 100% concentração de longa duração. Isso é foco.
Sempre fui muito focado.” As competências que Formiga treina são o
que torna sua performance muito acima da média: “Organização,
capacitação, iniciativa própria, jogo de cintura, resiliência. Não
desistir, porque toda hora tem um negócio que traz uma dificuldade.
Ter estudo, foco. Determinação. Isso tudo na ponta de uma flecha.
Não são coisas diluídas. Estão todas na ponta da bala. Aí você dá o
tiro e consegue ter precisão 100% no alvo”.
Com foco, você simplesmente desliga de tudo o que é periférico e
mantém atenção máxima à sua atividade principal. Entra em estado
de flow. Perde a noção de tempo e pode desempenhar aquela atividade
por muitas horas. Vivi essa experiência de forma bem clara quando
corri a maratona de Boston em 2019 e fiquei um bom período da
prova em flow. A experiência, totalmente espontânea, foi muito
interessante e o resultado, ótimo. Completei a prova em 2h40, apesar
de as condições climáticas estarem difíceis – um clima mais úmido e
quente, nada favorável a um bom desempenho na corrida. Corri
apenas um minuto pior do que meu melhor resultado em Boston, em
2014, quando eu tinha 42 anos e estava no meu melhor momento
como maratonista. Mesmo estando com 47 anos, em condições
climáticas piores e com perda nítida de potência e força muscular, me
mantive no nível. Eu me segurei em todos os pilares da inteligência
estrutural, mas principalmente no mindfulness.
Para começar a sentir os benefícios do mindfulness, é preciso
treino. Aliás, tudo o que queremos conquistar na vida exige treino e
disciplina. Sempre comento com os amigos que praticar atenção plena
é fazer musculação para o cérebro. Enquanto na musculação
tradicional você trabalha braço, perna, abdômen a cada série de
repetições, no mindfulness, cada vez que você consegue mandar um
pensamento embora e voltar a se concentrar, você cumpre uma série
que fortalece o seu cérebro.
Para isso, é preciso ficar em silêncio, sozinho, consigo mesmo,
vivendo aquele momento presente. O problema é que o cérebro
sempre insiste em trazer pensamentos, assuntos a resolver no dia a
dia, pensamentos aleatórios que chegam… A mente não para de
trabalhar. Sendo assim, é preciso aprender a mandá-los embora.
Existem diversas técnicas para entrar no estado meditativo. Esta é
uma delas: procure um lugar calmo, sem ninguém por perto. Sente-se
confortavelmente em uma cadeira, de modo que os seus pés fiquem
apoiados de maneira firme no chão. Comece ouvindo seu corpo, seu
coração, suas sensações físicas, até estar totalmente atento à sua
respiração, ou seja, ao fluxo de inspirar e expirar. Procure fazer uma
respiração um pouco mais profunda, mais lenta do que o normal.
Mantenha os olhos entreabertos, sem enxergar o que está a sua volta,
apenas as sensações do corpo. De repente, virá um pensamento,
mande-o embora e volte para a respiração. O pensamento vem de
novo? Mande-o embora novamente e mantenha o foco na respiração.
Comece com sessões curtas, contando sua respiração até trinta;
depois, no dia seguinte, até cinquenta, setenta, até chegar em cem.
Quando chegar a esse número, imagino que você deva estar com
quinze minutos de atenção plena. Então, é hora de fazer uma
contagem regressiva até o zero. Músicas específicas para a prática
ajudam a entrar em estado meditativo. Também existem bons
aplicativos para isso (eu não os uso porque não gosto).
Mindfulness traz uma série de benefícios, muito além dos que citei
até agora. Segundo Sara Lazar, neurocientista com PhD em ioga e
meditação, pesquisadora associada do Departamento de Psiquiatria do
Massachusetts General Hospital e professora assistente de Psicologia
na Harvard Medical School, meditação diminui estresse, insônia,
depressão, dor, ansiedade e, como efeito de tudo isso, as pessoas ficam
mais felizes. Por último, seu estudo comprovou que faz nossa
memória se tornar mais eficiente. A pesquisa diz que, após um
treinamento de meditação, nota-se um aumento das conexões no
cérebro ligadas à retenção de informações. Para quem busca ter
performance até a idade mais avançada, esse é mais um incentivo para
começar a meditar.
CAPÍTULO 6

E DE ESPORTE

Além de estudiosa do mindfulness, a pesquisadora Sara Lazar é um


bom exemplo para falarmos da relação do esporte com a performance
e o equilíbrio entre corpo e mente. Sara gosta de correr maratonas.
Inclusive, descobriu a prática de ioga e de meditação a partir da
corrida, depois passou a desenvolver pesquisas sobre isso. O esporte
está conectado com resultados também fora das pistas, das quadras,
dos campos.
Não apenas atletas, mas também muitos executivos e empresários
de sucesso têm uma forte relação com o esporte. Com certeza, isso
não é coincidência. De todos os personagens entrevistados para este
livro, apenas Waldemar não pratica atividade física alguma. Abilio
Diniz, o ex-dono do Grupo Pão de Açúcar e hoje acionista global do
Carrefour, conta em sua biografia Caminhos e escolhas sobre a
importância que o esporte teve em sua vida pessoal e empresarial.
O esporte é peça fundamental para conectar corpo e mente.
Melhora o foco. Também estimula um processo de
autoconhecimento, que gera autocontrole, que gera resiliência, que
aprimora a intuição. Por meio dele, aprendemos a perder e a ganhar.
Isso traz o controle do ego, melhorando nossa humildade e a
capacidade de ouvir os outros e nós mesmos.
Não para por aí. O esporte oxigena o cérebro. A consequência
disso é que ficamos mais atentos. Neurologicamente, quando
praticamos atividade física, as funções cognitivas são preservadas
mesmo com o avanço da idade. E desenvolvem-se habilidades, como
o desejo de vitória e o objetivo de tirar o melhor de si mesmo. Isso
passa a permear todas as áreas da vida. Conversei sobre isso com o
amigo e especialista em medicina do esporte Gustavo Magliocca, que
infelizmente faleceu em maio de 2023 e foi diretor médico da
Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, com participação
em dois Jogos Olímpicos – Londres 2012 e Rio 2016 –, e chefe do
Departamento Médico da Sociedade Esportiva Palmeiras de 2013 a
2023. Ele não tinha dúvida de que o esporte interfere positivamente
na vida das pessoas. Um alto desempenho requer treino, resiliência,
superação, elementos fundamentais nas atividades esportivas.
Segundo Magliocca, a melhor maneira de entender e absorver esse
benefício é todo dia treinar e buscar melhorar o seu rendimento. “À
medida que você treina, luta, perde e volta a ganhar, sai a
performance. O esporte é um grande professor”, disse ele, que
acompanhou de perto, e no dia a dia, estrelas brasileiras da natação,
como Gustavo Borges e César Cielo. “Um exemplo disso era o
comportamento do Cielo nas suas fases de maior rendimento
competitivo e a forma como ele encarava toda a sua vida. Não eram só
os treinos e não só a vontade de ganhar no esporte. Ele era o Cielo
procurando ser a sua melhor versão em todas as situações. E o
Gustavo é um grande exemplo de nadador que se tornou um
empresário, depois coach. Ele põe aquela perfeição que punha na
piscina em tudo o que faz.”
Magliocca via o esporte mudando as pessoas e desenvolvendo
habilidades nelas. “Uma pessoa que pratique atividade física quatro
vezes na semana, que dedique uma hora para aquilo, para sua
evolução, que siga uma planilha, siga uma relação com um treinador,
vai adquirir valores que colocará em prática no seu dia a dia.” Isso não
apenas por aquilo que ela deixa de fazer, já que muitas vezes quem
entra no esporte abandona hábitos ruins, como fumar, beber em
excesso, ficar deitado no sofá, sedentarismo. Mais do que isso, adquire
hábitos positivos, como uma postura vencedora e de evolução da
capacidade de performar pelo princípio da supercompensação:
“Quando você coloca o seu corpo para gastar caloria, você sai da
situação de regularidade, gerando cansaço, fadiga. Depois que se
recuperar desse esforço, o corpo ficará muito melhor do que quando
ele foi desgastado. Esse é o princípio da supercompensação, que é a
base de tudo na nossa vida. O meio corporativo se baseia muito nesse
princípio. Você se dedica mais horas, e aquela energia concentrada vai
trazer uma supercompensação de resultados. Você junta esforços na
equipe, monta a melhor equipe possível, porque esses esforços vão
trazer esse retorno”, explicou o especialista, que também sentiu na
pele como o esporte fez a diferença em sua vida. “No primeiro
momento, o esporte me ensinou a necessidade do autorrendimento.
Resistir, ter resiliência, suportar… Tudo isso agrega valor à ação. Não
adianta simplesmente trabalhar o normal, fazer o normal. Eu
entendia que tinha que realmente ‘sofrer’ no bom sentido, ser
resiliente, que o sucesso não viria fácil. Isso facilitou muito o
entendimento de algumas coisas que aconteceram na minha carreira e
moldaram a forma como eu a conduzi.” Magliocca também vivenciou
recentemente a luta contra um câncer no cérebro e nesse momento viu
o esporte cumprindo seu papel. “Você começa a entender que precisa
brigar com o inimigo oculto com os recursos que tem. O exercício foi
algo fundamental que entrou na minha vida mais ainda para
justamente combater esse inimigo. Mergulhei no mundo chamado
atividade física oncológica. O esporte também participa da forma
como você encara os grandes desafios na sua vida.” Magliocca faleceu
de câncer no cérebro, aos 42 anos de idade, em uma batalha dura, mas
que ele lutou com muita força, garra e determinação até os últimos
dias. Deixou esposa e um casal de filhos. Seu legado ao esporte está
eternizado, assim como ele.
Ter uma rotina esportiva, no entanto, não é o forte para a maioria
dos brasileiros. Segundo uma pesquisa feita pela Google, chamada
Google Sports Study, apenas 19% praticam com assiduidade. Muitos
desistem porque caem na monotonia. De acordo com a mesma
pesquisa, dois em cada três brasileiros não estão satisfeitos com sua
prática de exercício atual. Os motivos são a falta de tempo (25%) e o
cansaço (21%). Para permanecer dentro da estatística de praticantes
de esporte – e aumentá-la, caso ainda não tenha começado –, sugiro
que você crie objetivos claros e autodesafios. Estabeleça barreiras e
obstáculos que possa ultrapassar, alimente sua vontade de melhorar a
cada dia. Outra dica é buscar ajuda externa. Quem sabe um treinador
possa criar uma rotina sem monotonia para você. Muitos amigos me
perguntam qual esporte praticar. Sempre respondo que o melhor
esporte é aquele que fazemos com prazer. Qualquer que seja a sua
escolha, vai transformar você em uma pessoa melhor. Encontre o seu
e caia de cabeça.
Outra pergunta que escuto: correr 42 quilômetros de maratona faz
bem? Não. Correr maratona é desnecessário para o corpo, gera um
desgaste excessivo. Segundo estudos, nossos sistemas neurológico e
físico absorvem os efeitos da atividade esportiva se for feito de trinta a
quarenta minutos, três vezes na semana. No livro Fast After 50 (em
livre tradução para o português, “Rápido depois dos 50”), o treinador
Joe Friel comprova que treinos mais curtos e intensos são mais
eficientes para melhorar nosso VO2 (a capacidade que nosso corpo
tem de absorver oxigênio quando estamos praticando uma atividade
física) e ajudam na produção de testosterona e outros hormônios
associados. Além disso, treinos intensos de trinta a quarenta minutos
ajudam a emagrecer mais do que treinos longos, pois aceleram mais o
metabolismo e queimam mais gordura do corpo. Fomos educados a
achar que treinos longos, de baixa intensidade e com muitas horas de
duração, são mais eficientes e geram melhor resultado, mas não é bem
assim. Porém, é muito importante ter um professor ou treinador para
orientar, evitando o risco de lesões e personalizando os exercícios para
o seu perfil.
A prática esportiva também é benéfica no processo de
envelhecimento. Quando seguimos treinando com intensidade, ao
longo dos anos, perdemos em média 1,5% por ano da nossa
capacidade de VO2. Para quem não treina ou treina pouco, a perda
pode ser de 3,4% por ano. Em vinte anos, essa diferença se torna
enorme.
Qualquer pessoa pode fazer esse volume de atividade física
semanal. Portanto, não dá para arrumar desculpas nem fechar esse
livro dizendo que para ter performance precisa correr maratona. Crie
o hábito de se beneficiar dos efeitos do esporte. A melhora vai ser tão
boa que você não vai mais querer parar.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: VICTOR SANTOS

Filho de nordestinos que mudaram da Bahia, ainda adolescentes, para


a cidade de São Paulo em busca de trabalho melhor. Quando
entrevistei Victor Santos, ele morava com a família numa casa de dois
quartos na comunidade de São Remo, ao lado da Cidade
Universitária, em São Paulo. Tem oito irmãos. O pai já teve várias
profissões e já ficou cinco anos sem trabalho – às vezes, acontecia de
ter corte na empresa e ele perder o emprego. A mãe, dona de casa,
trabalhava no restaurante do tio.
Com tantos irmãos, a vida em casa sempre foi animada. Quando
se juntavam, tinha até futebol na sala com direito à famosa briga entre
irmãos, provocada por quem perdeu. Na hora de dormir, o pai, às
vezes, acabava dormindo no sofá. A mãe ficava com dois ou três filhos
em um quarto, e o restante da filharada ia para o outro.
Na casa de Victor, os pais deixavam as crianças se divertirem,
brincar na rua, fazer esportes, mas colocavam regras: era proibido
beber, fumar e roubar – e a família nunca teve problema com isso.
Victor fez sua cabeça pelo exemplo dos pais, mas também pelo que
viu de errado na rua, como conhecidos se envolvendo com drogas ou
crimes. Podia acontecer de ele conversar com alguém no futebol e, no
outro dia, aquela pessoa simplesmente desaparecer, porque foi presa
ou morreu. O episódio mais marcante que Victor vivenciou foi
quando tinha dezessete anos. Um jovem de 23 anos faleceu
praticando um roubo. Victor ficou um mês com aquilo na cabeça, sem
conseguir esquecer. Usou os exemplos do que não fazer e do que fazer.
Para isso, se inspirou nos irmãos mais velhos, que se casaram cedo e
sempre trabalharam. Adolescente, com seus quinze anos, já lavava
carros na Universidade de São Paulo para ajudar no orçamento
familiar. Mas o que acabou fazendo toda a diferença em sua vida foi o
esporte.
Na escola, jogava futebol de salão e gostava muito de competir.
Então, teve a oportunidade de participar de um projeto voltado para a
educação e formação esportiva de jovens da comunidade, o Ski na
Rua, criado pelo ex-atleta olímpico Leandro Ribela. O projeto
permitiu que Victor, assim como outros jovens carentes da São Remo,
conhecesse a modalidade de esqui cross-country por meio do rollerski
– esqui com rodinhas, próprio para treinos no asfalto. Seu maior
desafio? Superar a falta de confiança em si mesmo. Victor não
acreditava em sua capacidade técnica nem em sua capacidade física.
As incertezas o prejudicavam bastante. Mas nos dias em que ele
deixava o medo de lado e ia bem relaxado para uma competição, seu
desempenho era muito melhor. Começou a descobrir que precisava
ficar o mais tranquilo possível para ter uma boa performance. A
princípio, o técnico Leandro colocou um psicólogo para ajudar, mas
Victor não conseguia se comunicar bem com ele. Então, aprendeu
competindo. Logo se destacou na modalidade.
Victor chegou ao que poderia ser impensável em uma realidade de
poucas oportunidades como a dele: participou dos Jogos Olímpicos de
Inverno de Pyeongchang 2018 na prova de quinze quilômetros de
esqui cross-country.
“O esporte, na verdade, me deu tudo. Me deu uma estabilidade
mental muito boa. Você consegue superar momentos difíceis quando
tem a cabeça no esporte. E esse negócio de competição, de descobrir o
meu limite, de tentar ver minha capacidade física e mental é uma das
coisas que mais me motiva, de verdade. Quando comecei a me divertir
com isso, foi o momento em que passei a ter mais apego ao esporte.
Comecei a me apaixonar, e isso me deu um propósito de vida. Como
consequência, veio a disciplina. Passei a poupar dinheiro de viagem,
largar besteira de ficar gastando com coisas inúteis e começar a pensar
em comprar uma casa e ajudar minha família. Não só
financeiramente, mas ajudar meus irmãos mentalmente também,
mostrando que há um caminho para ser percorrido, que tem que se
dedicar aos estudos, ao trabalho… Meu objetivo é ser inspiração para
eles conseguirem conquistar algo também.”
Foi com a rotina de treinos e competições que Victor passou a
trabalhar o seu emocional, visando melhorar seu desempenho. “Estou
focado no esporte, estou indo muito bem e sei que eu posso. Quero
muito chegar a um nível mental muito bom para poder controlar
tudo: ansiedade, nervosismo, chegar no meu limite de corpo. Tenho
muito a evoluir e vou precisar de bastante tempo para isso, mas em
algum momento eu vou conseguir.”
CAPÍTULO 7

S DE SONO

Dormir é uma das melhores ferramentas para recuperar o corpo


depois de um treino ou um dia de trabalho. Talvez as pessoas não
deem tanta atenção ao descanso, mas ele é peça-chave para que o
nosso sistema funcione corretamente. O sono é a perda temporária da
consciência, e essa pausa é muito importante para nossa curva de
aprendizado e recuperação física. A cada três meses, nosso corpo
substitui 90% das células antigas por novas, seja qual for sua idade.
Sem descanso, esse ecossistema é afetado. Segundo a neurocientista
Carla Tieppo, precisamos dormir entre sete e oito horas por noite.
“Dormir é fundamental para que você se desenvolva, fixe
aprendizados importantes e elimine circuitos que não são
importantes. Você qualifica o que fica e o que vai embora. Essa troca
ocorre principalmente na segunda metade da noite. Por isso, uma
pessoa que dorme pouco vai ter esse processo prejudicado”, explica
Tieppo.
Nosso sono é dividido em duas etapas – as primeiras quatro horas
são de sono profundo, quando a perda da consciência é mais elevada e
propícia para que o corpo entre em recuperação e trate o metabolismo
cerebral. “Nesse sono de ondas lentas, o cérebro está, digamos, em
repouso. Não está processando as informações, e sua atividade elétrica
é praticamente de manutenção da vida. É nesse momento que o
organismo passa por uma faxina. Pega o excesso de radicais livres, de
toxinas e faz uma reparação residual”, diz a neurocientista.
Nas últimas horas, o perfil muda. O sono passa a ter vários
períodos de atividade que são chamados de REM (rapid eye
movements ou, em português, “movimentos oculares rápidos”). É
nesse momento que ocorre a absorção dos novos aprendizados – de
uma atividade física feita no dia, das informações de reunião sobre
resultados e por aí vai. O cérebro faz uma seleção daquilo que vai
armazenar e do que não vai. Consolida algumas memórias e apaga
outras. “O cérebro vai selecionando os circuitos, fortalecendo
memórias, gerando aprendizados e fortalecendo automatismos. Para
ter performance, você precisa ter vários circuitos automáticos potentes
e capazes. Assim, consegue fazer algumas coisas sem pensar, no
automático. A segunda parte do sono é importante para isso”, ensina a
neurocientista. Então, basicamente, o grande papel do sono é ser um
reparador residual e um seletor de memória. Sem essas duas funções,
a sua capacidade de gerenciamento cognitivo cai bastante. “Falta de
sono diminui o grau atencional para performance”, explica Tieppo.
Isso significa perder atenção, foco, concentração, ter sonolência… Nos
momentos de maior tensão do dia seguinte a uma noite maldormida,
é até possível manter a atenção fortalecida, mas, ao mínimo sinal de
relaxamento, a queda atencional pode acontecer. Com ela, vem o
cansaço, e a pessoa se sente desestimulada. Nada que contribua para a
performance.
Vale saber que não é uma única noite em claro que vai gerar uma
perda crônica de performance; o corpo tem uma resiliência. O
prejuízo vem quando se tem um sono ruim a médio e longo prazo.
Aumenta o risco de doenças ou agrava essa chance. Quem tem
enxaqueca, por exemplo, vai ter mais crises de enxaqueca. Uma
pesquisa divulgada pela revista Nature Communications, feita na Grã-
Bretanha com oito mil pessoas ao longo de 25 anos, tem indícios
importantes de que a falta de sono para pessoas entre cinquenta e
sessenta anos pode aumentar a probabilidade de desenvolver algum
tipo de demência quando elas forem mais velhas. A pesquisa analisou
essas pessoas quando elas tinham cinquenta anos. Por 25 anos,
acompanhou seu desenvolvimento. Aqueles que relataram dormir seis
horas ou menos por noite sistematicamente tinham 30% mais
probabilidade de desenvolver algum tipo de demência três décadas
depois. Portanto, tudo indica que o sono pode ser um fator de risco.
A recomendação de todos os treinadores sempre foi clara:
descansar e dormir após um treino muito intenso. Como estratégia de
maratona, uma semana antes da largada da prova, mudo minha rotina
e passo a dormir mais. É durante o sono que produzimos glóbulos
vermelhos, responsáveis por transportar oxigênio. Quanto mais
glóbulos vermelhos, mais oxigênio sendo transportado e distribuído
ao corpo; quanto mais oxigênio, melhor performance. Dormir ajuda
na produção de testosterona, o que limita o acúmulo de gordura
(enzima LPL) e ajuda a emagrecer.
O ideal é ter uma rotina bem estabelecida, deitar-se no máximo às
dez da noite e acordar às seis da manhã. Mas o tempo ideal de sono,
segundo Tieppo, precisa ser avaliado caso a caso. “Pode ser entre 5h30
e 8h30, desde que não prejudique o grau atencional”, ela explica. Vale
também saber que o sono da noite é melhor do que o do dia. Não
adianta dormir seis horas à noite e duas horas após o almoço. Sono
bom é sono sem interrupção. Assistir a seriados no computador, no
tablet ou mexer no celular antes de dormir são hábitos não
recomendados, porque a exposição às luzes de altíssima qualidade
desses aparelhos modernos é estimulante, tendendo a fazer perder o
sono. Segundo Carla, beber também entra na lista de atenção. O
álcool ajuda a relaxar, mas, quando bebemos muito, a qualidade do
sono não é boa. Portanto, para ter uma boa noite de sono, beba pouco.
Bem pouco.
O suficiente para relaxar a musculatura, nada mais. Algumas dicas
básicas, mas em que nem sempre prestamos atenção: durma com uma
temperatura agradável no quarto; precisa ser no escuro (nem mesmo
as luzinhas pequenas e “vermelhas” da TV, do aparelho de som etc.),
no silêncio, preferencialmente em um ambiente arrumado e
organizado, com colchão adequado e uma cama confortável. Muitas
pessoas têm dificuldade para dormir. E é aí que entra a maravilha do
combinado M.E.S.A. + Família. A meditação ajuda a dormir melhor,
e o esporte também. Percebe como está tudo conectado?

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: ANTONIO MANSSUR FILHO

Esportista. É assim que o juiz Antonio Manssur Filho, que tem o


apelido de Caveira, se define. Segundo ele, mais do que praticar um
esporte, o esportista leva para a vida um espírito de competição e está
sempre querendo buscar algo mais. “Sinto que sempre quis me
desafiar. Talvez meu objetivo seja melhorar a cada dia, performar a
cada dia.”
Desde pequeno, Manssur não consegue ficar parado. No
tradicional colégio em que estudou, o Dante Alighieri, em São Paulo,
ele jogava futebol, integrava o time de handebol, fazia vôlei, mesmo
não sendo muito alto. Adorava corrida, natação… No judô, foi até a
faixa marrom. Um moleque ativo. E bagunceiro. “Devo ter sido
expulso do Dante umas mil vezes. Minha mãe deve ter ido lá umas
quinhentas vezes. Eu era o chefe da bagunça, o rei da bagunça, fazia o
diabo. Mas só tirava dez. Eu acho que só consegui ficar no Dante por
causa das minhas notas”, conta ele, que até hoje mantém o ritmo
acelerado. “Isso talvez seja ruim, mas eu procuro transformar essa
coisa ruim em uma coisa boa.” Vejo que seu caminho para isso foi
transformar hiperatividade em performance nas duas áreas, o triatlo e
o Direito, em que atua paralelamente. O juiz é reconhecido no meio
jurídico por ser muito rápido e eficiente.
A paixão pelo esporte começou cedo e em certo grau teve a
influência da família. Seu pai, que é desembargador, jogou futebol de
salão e fez parte da seleção brasileira. A mãe, advogada, chegou a
nadar competitivamente. Ele e os irmãos seguiram o mesmo caminho
do Direito e tornaram-se bem-sucedidos na área. “Acho que meus
pais conseguiram conduzir bem os filhos. Eles eram presentes nos
estudos”, conta. Manssur entrou na faculdade de Direito do Largo
São Francisco com dezessete anos. Formado, começou atuando como
advogado; estabilizou-se rapidamente, trabalhando com bons clientes.
Com grande capacidade de fazer ações e teses muito boas, logo
ganhou bastante dinheiro.
Antes mesmo de se estruturar na profissão, sempre teve o esporte
presente em sua vida. Já com quinze anos começou a correr. Fazia
vinte quilômetros por treino e acabou chamando a atenção de um
técnico de triatlo que o viu correndo no Parque do Ibirapuera. O
esporte de alto rendimento fez a cabeça de Manssur, que passou a
treinar no Clube Pinheiros. “Eu sempre quis ser bom em alguma
coisa, bom em outra, bom em tudo. O bom. Então queria nadar,
pedalar, correr… Se pudesse fazer alpinismo, se tivesse um esporte
que tivesse de tudo, eu faria e seria decatleta. Como não tem, virei
triatleta.” Segundo sua própria avaliação, não pedalava tão bem e
nadava mal, mas sempre foi melhor na corrida. E tirava a diferença
nisso a ponto de se destacar e disputar os Jogos Panamericanos de
1995 pela seleção brasileira.
Sempre conciliou a rotina de triatleta com a de advogado. Mas
queria ter uma profissão mais organizada e regrada, que permitisse
mais disciplina para atingir a alta performance no esporte. “Comecei a
ver que queria fazer alguma coisa mais social na minha área. Daí a
ideia de me tornar juiz. Também pensava que, passando num
concurso e tendo que me mudar para o interior, eu poderia treinar
ciclismo na estrada”, explica.
Começou a estudar – e essa foi a única fase em que deixou de
treinar com a frequência a que estava acostumado. Prestou o dificílimo
concurso para magistratura e passou. Aos 32 anos, tornou-se juiz. O
plano estava dando certo, mas algo com o qual ele não contava mudou
tudo. Manssur se viu numa função que exigia ainda mais
envolvimento. Um dia comum na rotina do juiz da área civil, em que
atua hoje, é definir o destino de pessoas. O tempo todo. Um pai que
está lutando para ganhar dinheiro e foi processado por não pagar a
escola do filho. Dar a sentença de uma pessoa que pagou um monte
de prestações do imóvel e, em dado momento, teve problemas
financeiros, o banco executou e vai pegar o imóvel de volta. Esses são
apenas dois exemplos dos mais de cem processos que ele precisava
despachar por dia. O volume de trabalho e a alta responsabilidade
faziam sua cabeça pensar 24 horas. Com isso, nunca teve hora para
parar. Manssur, apesar de parecer durão, é uma pessoa muito sensível
e, mesmo com tantos anos de experiência, se sente impactado com os
julgamentos e as histórias que precisa avaliar, com tristes realidades de
um país cheio de desigualdades. Estudando um caso até altas horas da
noite, nem via o tempo passar. Seguia até nove, dez, onze ou mais.
Quando deitava a cabeça no travesseiro, o sono não vinha. Os
assuntos martelavam sua cabeça.
“A dificuldade para dormir deve ter me deixado mais triste e
mentalmente mais fraco”, acredita. Também o deixou preocupado
com a qualidade dos treinos, que continuavam intensos. Atuando
como juiz, Manssur seguia em sua melhor fase como atleta. Foi
campeão mundial de aquathlon. Em 2019, foi campeão brasileiro de
duathlon.
“Todo mundo tem um tronco. O meu tronco sempre foi o treino,
que me deu disciplina de horário. Acordo, faço o primeiro treino,
depois o segundo e aí vou trabalhar. Nos dias em que eu não treino,
parece que não tenho disciplina de horário. O treino organiza o sono,
a minha alimentação e as minhas relações sociais”, explica. Na fase da
insônia, que durou muitos e muitos anos, a solução que encontrou
para manter a disciplina foi tomar remédio para dormir. “Várias vezes
eu treinei sem dormir. Comecei a perceber que virou uma
preocupação para que eu tivesse performance no dia seguinte. Se eu
não dormia, não treinaria bem, não trabalharia bem.”
Tomar remédio não foi a melhor solução. “Vi que funcionava
como um tipo de doping para performar. Esses remédios mexem com
a cabeça. Passei a ficar muito mais deprimido – até porque, quando
você tem excesso de responsabilidade, você se deprime, e a falta de
sono acentua esse quadro. Sem falar que as químicas abalaram minha
performance. Numa prova do Pan-Americano de 2017, meu coração
foi a duzentos por hora. Comecei a suar sem parar, tive que ir para o
hospital. Pensei em desistir de competir. Achei que não me
recuperaria mais. Foi quando comecei a querer modificar a minha
vida. Passei a praticar mindfulness, por exemplo. Não consegui muito
êxito por minha hiperatividade. Mas continuei buscando outras
formas de voltar a dormir naturalmente. Passei a me policiar para não
levar o trabalho até tão tarde e diminuir a autocobrança”, conta.
Manssur teve disciplina e muita força de vontade para cortar o
remédio que o fazia dormir artificialmente. Resolver problemas requer
bastante força de vontade. Depende de darmos o nosso melhor e
termos sabedoria de dar ao corpo a chance de se recuperar. Hoje, livre
dos remédios para dormir, ele vê que não pode exigir tanto de si
mesmo a ponto de passar do limite. Considera que o bom profissional
em tudo é aquele que sabe começar e terminar. Não é mais um
workaholic. “Quando o cara está na loucura, num turbilhão, isso faz
mal pra ele e ele carrega na equipe também”, avalia. “Desde que
consegui parar de tomar remédio, me sinto muito mais tranquilo”,
garante. A experiência de Manssur é prova de que não se consegue a
melhor performance passando do limite sem qualidade de vida. É
preciso saber parar, descansar e dormir.
CAPÍTULO 8

A DE ALIMENTAÇÃO

“Os homens cavam suas sepulturas com os próprios dentes e morrem


por causa deles com mais frequência do que pelas próprias armas de
seus inimigos”, disse o médico britânico Thomás Muffer no século
XVI. A frase continua atual. Talvez algum hábito alimentar que você
tenha – ou todo o conjunto de escolhas que faz à mesa – possa estar
afetando a sua vida e o seu desempenho. Você já deve ter ouvido essa
frase: “a gente é o que a gente come”. E é esse o princípio mesmo.
Somos diariamente bombardeados por alimentos da moda e dicas
de alimentação saudável. Na teoria, todos sabemos o que deveríamos
comer e o que deveríamos evitar. Qualquer um poderia fazer uma lista
dos tipos de alimentos que são considerados do bem e mudar sua
alimentação para melhor. Mas o que quero contar neste capítulo é
algo muito mais amplo e profundo, que talvez você desconheça. Por
isso, provavelmente o assunto mais complexo do M.E.S.A. + Família
seja alimentação.
Ter uma boa alimentação não significa que todos devemos nos
alimentar da mesma maneira. O que eu como pode ser ruim para
você, mas bom para mim. Vemos que, em vários aspectos, cada
organismo reage de uma maneira. Não existe fórmula pronta. O “faz
isso” ou “faz aquilo” funciona para alguns, mas não para todos. Não
existe um jeito único de fazer uma dieta. Não dá para ir a um
nutricionista pedir um plano de emagrecimento padrão. Tem que ser
personalizado. O padrão já é conhecido – exclua doce, fritura,
refrigerantes, pizza, hambúrguer; diminua massas; ou mais radical,
corte glúten e lactose. Guarde o que vou escrever agora. Todo
alimento que passa por um processo de industrialização é ruim para o
nosso corpo, inclusive as barrinhas “saudáveis”. Dietas milagrosas
também não resolvem no longo prazo. Sou prova viva disso que estou
falando. Depois de uma boa investigação, descobri que meu corpo
estava sendo afetado pelo que eu comia – e não era fast food! Desde
então, passei a levar a minha alimentação mais a sério.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: LELO APOVIAN

Eu me coloquei como um case nesse tema porque tenho uma


experiência com alimentação que me mudou por completo. Sempre
soube da importância da alimentação em minha vida. No esporte, fica
ainda mais evidente e, para quem corre maratona, ser magro é muito
importante para melhorar o VO2. Isso impacta positivamente os
resultados. Além disso, quando se corre, um grande volume de sangue
está concentrado em suas pernas, e menos sangue vai para o sistema
digestivo. Por isso a importância de comer certo, escolher aquilo que o
seu corpo pode absorver num momento de estresse físico. Se
ingerirmos alguma comida inflamatória, imagine o tamanho do
esforço que o corpo precisará fazer e ainda gastar energia
indevidamente para eliminá-la!
Você já deve ter ouvido, por exemplo, que pão integral, granola,
iogurte, castanhas e pasta de amendoim são ótimos alimentos para o
café da manhã ou o lanchinho da tarde. Por muito tempo, esses
alimentos fizeram parte da minha rotina diária. Mesmo seguindo uma
alimentação que eu considerava saudável, por muitas vezes, quando
estava correndo, sentia dor de barriga ou cólica. Às vezes, tinha que
parar no meio do treino para ir ao banheiro. Chegava em casa, corria
novamente para a privada.
Muitas vezes, quando eu estava trabalhando, também percebia
minha barriga inchada e com gases. Eu me sentia pesado, lento e com
sono. Para dormir, sentia incômodo. Algumas vezes, acordava no
meio da noite com mal-estar. Ao despertar pela manhã, tinha coceira
nos olhos e nariz entupido. Por mais de 25 anos, e ainda hoje,
frequento consultórios de nutricionistas e médicos gástricos. Diante
desses inconvenientes, nenhum dos médicos decidiu aprofundar as
análises para entender o real problema. Nenhum! E nenhum deles me
disse que comer castanha-de-caju (que amo) ou granola poderia fazer
mal e inflamar meu corpo.
Alguns dos sinais de que estamos comendo alguma coisa que é
tóxica para o nosso corpo são inchaço, gases, dor de cabeça, cólica ou
dor de barriga, enxaqueca, coceira no olho, coriza, nariz irritado ou
entupido, pele com espinhas ou avermelhada, dificuldade para dormir,
cansaço,
irritabilidade, insônia, ganho de peso, intestino desregulado, fezes
moles ou pastosas, entre outros. No longo prazo, essas inflamações
podem gerar consequências sérias para a saúde, inclusive associadas à
demência.
Descobri isso quando li o livro sobre alimentação escrito pelo
tenista Novak Djokovic. Ele conta que já era um dos melhores do
mundo, mas perdia performance e as partidas sem muita explicação.
Um nutricionista sérvio viu o drama do atleta e entrou em contato
com sua equipe para dizer que sabia qual era o problema: rejeição
alimentar. Djokovic acreditou na história e fez o um exame de sangue
chamado Food IgG Antibody Test, que lhe permitiu descobrir que
tinha rejeição a glúten. E sua família era dona de pizzaria; imagine só!
Mas Djoko nunca desconfiou do que comia. Quando se tem algum
tipo de rejeição alimentar, a inflamação pode ocorrer muitas e muitas
horas depois da ingestão do alimento, por isso a dificuldade de
identificar o problema.
Depois das mudanças em sua dieta, ele se transformou no melhor
tenista do mundo e o que liderou o ranking da ATP por mais tempo,
na frente de nomes como Rafael Nadal e Roger Federer. Vale a pena
ler esse livro, chama-se Sirva para vencer: a dieta sem glúten para a
excelência física e mental.
Antes de escrever este livro, fiz o mesmo teste do nutricionista
sérvio. No meu caso, apareceram muitas restrições. Entre elas estava a
minha favorita, castanha-de-caju, além de suco de laranja, leite de
vaca, semente de girassol, caseína (uma proteína presente no leite de
vaca, ovelha ou cabra), castanha-do-pará, batata, amêndoa, pistache,
clara de ovo, gliadina (tipo de proteína que, com a glutenina, forma o
glúten), trigo, feijão, levedura etc. No geral, o que você come com
muita frequência tem mais chance de gerar rejeição. E esses eram
alimentos que eu tinha o hábito de comer.
Depois do exame de sangue, fui à nutricionista, e o protocolo foi
passar cinco semanas sem ingerir nenhum desses alimentos e qualquer
derivado deles. Um detox total. Foi muito difícil cortar da minha
alimentação, de um dia para o outro, leite, ovo, feijão, chocolate,
sorvete, pão, cerveja, vinho, manteiga, todos os tipos de queijos,
iogurte, batata, massas e qualquer produto que tivesse farinha. Nos
primeiros dias, passei por uma leve crise de abstinência. Depois,
minha pele ficou com algumas espinhas. Até que comecei a me
encaixar nos novos hábitos alimentares. E os resultados vieram: não
tive mais gases, a barriga desinchou, a coriza do nariz parou, a coceira
do olho passou, fiquei mais disposto, me senti mais leve e emagreci.
Mantenho o peso desde os dezesseis anos de idade, variando entre
68 e 71 quilos. Fico no mínimo quando estou treinando para uma
maratona. Ao tirar os alimentos que me fazem mal, mesmo sem o
volume de treino, diminuí o peso para os 68 quilos em poucos dias.
Foram cinco semanas de muita disciplina e foco, não foi fácil, mas
valeu a pena. Como diz Djokovic, cinco semanas que mudam sua
vida.
Então, para que serviu o experimento? Hoje sei o que me faz mal
e qual comida devo evitar. As que tive que cortar quase em definitivo
foram feijão, castanha-de-caju e iogurte. As três faziam parte da
minha dieta alimentar diária, por isso eu passava tão mal. Se não fosse
o teste, eu jamais saberia. Indico a todos fazerem esse exame de
sangue para avaliar a rejeição alimentar. Sua vida pode mudar para
melhor sem grandes intervenções.
Depois que o teste foi concluído, li outro livro sobre alimentação,
chamado O paradoxo dos vegetais, um best-seller do New York Times,
escrito pelo médico cardiologista americano Dr. Steven R. Gundry.
Impossível aplicar em nossas vidas todas as sugestões do autor, mas
também indico a leitura. Nele, aprendi sobre a lectina, uma proteína
que os vegetais carregam. A lectina é tóxica para humanos e para
todos os bichos alimentados com vegetais – incluindo galinhas e
porcos, que têm o milho como base alimentar (os milhos são
carregados de lectina). Essa proteína é transportada para nós através
da carne. Isso quer dizer que nossa cadeia alimentar está totalmente
cercada de lectina, seja em sua origem, os vegetais, ou na carne. Não é
coincidência que caju seja carregado de lectina e inflame meu corpo.
O trigo também, por isso a rejeição de Djokovic.
Alguns hábitos que implementei no meu dia a dia e me fizeram
sentir melhoras no meu corpo são:
• Acordar e tomar um copo grande de água, preferencialmente
com um suco de limão sem açúcar, para ajudar a hidratar e a
limpar o organismo;
• Nas refeições, tomar água com suco de limão sem açúcar para
ajudar na digestão;
• Evitar remédios, principalmente antibióticos, pois eles
desregulam o sistema digestivo matando os micróbios bons,
chamados probióticos, que auxiliam na digestão e na absorção
do alimento;
• Comer muita salada, preferencialmente com tempero de azeite
extravirgem prensado a frio, sal e balsâmico;
• Legumes e peixes são liberados e muito bem-vindos;
• Tomar cuidado com os alimentos que têm lectina,
principalmente aqueles com muita semente – abobrinha,
berinjela, batata –, porque também me fazem mal.
Evito, mas não corto totalmente do cardápio, doces, comidas
gordurosas e processadas, tais como queijos, manteiga e margarina,
linguiça. Eliminei as frituras. Às vezes, como coisas de que gosto,
como pizza, hambúrguer, sorvete. Com esse ajuste, passei a ter maior
consciência do meu corpo e mais autocontrole sobre ele. Sei o que me
faz mal e o que me faz bem. O grande aprendizado sobre alimentação
é que não me privo de nada, mas sei que determinada comida vai me
fazer mal e, quando quero, compro a briga. A boa notícia é que,
quando ficamos um período sem comer algum alimento que gera
inflamação, limpamos o corpo. Após esses dias de restrições, o
organismo tolera novamente a comida inflamatória. Mas isso dura
apenas uma ou duas refeições. Depois as sensações de incômodo
voltam a se manifestar como antes. Pelo menos, para mim.
Se você tiver algum incômodo – dor, irritabilidade, falta de
disposição – que não o permita uma boa performance no seu dia a dia,
sugiro que investigue. Quando comemos de acordo com o que o nosso
organismo precisa, nos sentimos muito melhor, e nosso corpo fica
mais eficiente. Se somarmos isso ao esporte, o corpo fica mais “limpo”
e equilibrado, mais disposto. Não estou dizendo para cortar os
prazeres da boa mesa, apenas fazer escolhas para viver melhor.
Compre uma briga, mas não todas. E veja que interessante:
geralmente, a inflamação gerada pelo alimento “tóxico” é amenizada
ou até expelida do corpo quando dormimos. Então, se for comer
algum alimento que me inflama, faço isso à noite. Dormir, portanto,
se conecta com a digestão. Provando como o conceito de M.E.S.A. +
Família ajuda nossa “máquina” física e mental a ficar bem regulada e
ajustada.
Sei que mudar a alimentação não é fácil. Existe uma frase da
Carla Tieppo de que gosto muito e que explica essa dificuldade. É
mais ou menos assim: “Depois do açúcar refinado, da farinha branca,
do sal marinho, das drogas sintéticas, do melhoramento genético da
cannabis, dos videogames e das redes sociais, seu sistema
dopaminérgico aprende a desconsiderar o prazer de uma boa fruta, de
um dia de trabalho ou de uma caminhada”. Se, por acaso, você não se
sentir disposto ou capaz de fazer uma mudança na alimentação que
possa impactar de forma contundente sua vida, lembre-se do conceito
de neuroplastia: os neurônios precisam de 30 a 45 dias para mudar sua
memória. Portanto, é esse o tempo de que você precisa para fazer uma
experiência: tirar os hábitos de alimentação que puxam você para trás
e adotar novos que impulsionem você para frente.
O objetivo é fugir do que disse o médico britânico Thomás
Muffer. Eu não tenho a intenção de cavar minha sepultura com os
próprios dentes.
CAPÍTULO 9

+ FAMÍLIA E AMIGOS

Em todas as conversas que tive com pessoas de performance, elas


sempre citaram alguma situação, algum motivo especial que as ajudou
a fortalecer sua estrutura de alto desempenho e sua determinação para
não se contentar com o segundo lugar e desviar a mente do
pessimismo, da procrastinação, do corpo mole, do desânimo. Essas
situações estão sempre relacionadas à família, que possa impactar a
performance de um indivíduo lhe dando estrutura familiar,
hereditariedade e/ou o impulsionando a ter uma atitude de ruptura.
1.Estrutura familiar
Outro dia, em uma troca de mensagens com um cliente, um aviso
chamou minha atenção na assinatura do e-mail dele: “Em licença-
paternidade entre 27 de março e 30 de maio”. Meu cliente, gerente de
uma grande multinacional americana, é francês e mora na França, um
dos países que, não por acaso, fazem valer o direito tanto à licença-
maternidade quanto à licença-paternidade. Naquele país, enquanto as
mães podem ficar em casa por até dezesseis semanas, os pais têm
direito a ficar 28 dias afastados do trabalho para se dedicarem aos
cuidados com o recém-nascido. Um país que está na vanguarda dessa
questão é a Espanha, que, desde janeiro de 2021, equiparou o tempo
que pais e mães ficam em casa após o nascimento de um filho:
dezesseis semanas. No Brasil, as mães têm direito a 120 dias, mas os
pais a apenas cinco dias – que podem se estender a vinte, se a empresa
fizer parte de um programa do governo. A importância da extensão
das licenças para mães e pais vai além do direito de curtir a chegada
do filho ou da divisão de tarefas. É inegável que a presença e a
participação dos pais têm papel fundamental no desenvolvimento de
uma pessoa desde o nascimento. Há diversos estudos sobre os
primeiros mil dias do bebê, período que vai do primeiro dia da
gestação até os dois anos de idade. Segundo especialistas, esse período
também é denominado intervalo de ouro, porque pode mudar o
destino da criança não apenas em termos biológicos de crescimento e
desenvolvimento, mas também em questões intelectuais e sociais.
Quando há o afeto e o amor dos pais sendo transmitidos para o
bebê desde o início da formação conectiva, estamos dando o primeiro
passo para a construção de um ambiente seguro para o seu
desenvolvimento.
É desde os primeiros estímulos que entra a importância da família na
formação do indivíduo. Ela vai se refletir em princípios, valores, afeto
e uma série de fatores emocionais que, quando presentes e
direcionados de forma saudável, serão um gatilho para alcançar a
performance. Pense que se insegurança e medo são os grandes
obstáculos, uma base inicial que traga segurança e confiança é muito
bem-vinda. Quando esse bebê entrar na fase adolescente, terá
vantagem competitiva enorme se comparado com outro que cresceu
em um ambiente de menos afeto e amor. Um ambiente familiar
tranquilo, com pais próximos, unidos e amorosos, aumenta muito as
chances de um bebê se desenvolver com uma mente segura. Ainda
que pais de primeira viagem possam ter dúvidas em relação a quanto
um ser tão pequeno está assimilando e incorporando a
interação, especialistas em desenvolvimento cognitivo acumulam
estudos que provam que desde muito pequena a criança absorve todo
o amor e a segurança que serão necessários para tomar suas decisões
no futuro. Não duvide da regra que diz: “o que fazemos hoje é o que
colheremos no futuro”. Ela vale para a vida familiar, esportiva e
profissional. Ninguém corre uma maratona se não treinar por meses,
nenhum negócio fatura bilhões em poucas semanas. A vida demanda
tempo e paciência para que os frutos possam ser colhidos. Segundo
estudos, William Shakespeare, ainda no berço, amava as palavras e os
sons que escutava de sua mãe quando cantava canções de ninar:

PILLYCOCK, PILLYCOCK, POUSOU NUM MONTE.


SE NÃO FOI EMBORA, AINDA ESTÁ POR LÁ.

Essa canção de ninar fez parte, muitos anos depois, do texto da


tragédia teatral Rei Lear, considerada uma de suas obras-primas. É
impressionante como um gatilho emocional pode transformar nossas
vidas, mesmo quando ainda somos bebês de colo.
Sou fanático por biografias, já li dezenas e dezenas delas, e
algumas deixam bem claro como a estrutura familiar é capaz de
influenciar a performance. O ex-tenista Guga Kuerten é um exemplo
disso. Seu pai morreu quando ele ainda era criança; sofreu um infarto
fulminante dentro de uma quadra de tênis. Guga tinha apenas oito
anos. Mesmo com toda a tristeza decorrente do episódio, o garoto
levou para a vida e as quadras de tênis os reflexos de ter crescido em
uma família muito estruturada, pai e mãe de classe média, bastante
próximos e amorosos com os filhos. Guga se tornou o maior tenista
do Brasil, tendo conquistado três títulos de Roland Garros, um dos
quatro torneios mais importantes do tênis. Por diversas vezes, ele
comenta a importância da estrutura familiar para alcançar sua máxima
performance.
2.Hereditariedade
Certamente você conhece alguém que teve uma influência tão
forte da família que acabou seguindo o mesmo caminho de um dos
membros dela. O próprio Guga é um desses casos. Seu pai era
apaixonado por tênis. Quando morreu, estava atuando como juiz de
cadeira em uma partida em Florianópolis. Você pode ser influenciado
a tocar guitarra muito bem porque seu pai sempre foi fã de Jimmy
Hendrix. Você pode descobrir um talento e investir nele porque
cresceu num contexto em que aquela habilidade era valorizada.
A performance motivada pela hereditariedade pode tanto ser
decorrente das referências ou influências dos pais, quanto estar na
carga genética mesmo, seguindo aquele dito popular “filho de peixe,
peixinho é”. Nesse segundo caso, ela vem por uma facilidade, uma
habilidade inata. É inegável que ter o dom e as características físicas
necessárias para desempenhar com sucesso uma atividade é um
diferencial competitivo. Só discordo que seja suficiente. Mais do que
nascer para a coisa, é preciso aliar o talento ao desempenho, que
requer vontade, dedicação e persistência.
3.Ruptura
O terceiro e talvez mais determinante motivador de uma mente
determinada a performar passa por uma experiência negativa. Uma
prova de que não é apenas sob condições favoráveis e em um ambiente
harmônico e feliz que surgem pessoas de alta performance. Pelo
contrário. Talvez grande parte dos campeões e exemplos mundiais
sejam justamente seres humanos que, em algum momento da vida,
passaram por uma ruptura, uma grande dificuldade que marcou uma
mudança significativa.
Em todos os meus estudos, sempre vi o sucesso das pessoas
ocorrer após uma ruptura importante, seja familiar, pessoal ou
profissional. De uma quebra financeira ao fim de um relacionamento,
não faltam situações dramáticas, na vida nossa de cada dia, capazes de
colocar um ponto-final em algum comportamento e ser o estopim
para uma virada de chave. Claro que para determinadas pessoas uma
situação de ruptura é a justificativa perfeita para a procrastinação ou
para se entregar ao negativismo. Curiosamente, em pessoas que têm a
mentalidade de performance, a ruptura é processada de forma
diferente e se torna peça fundamental.
Pessoas mentalmente fortes usam a ruptura para catapultar o
crescimento. É como se só precisassem de um motivo para ir mais
longe. A ruptura é o motivo perfeito, pois faz com que não olhem
mais para o que ficou para trás e agarrem com todas as suas forças o
que as levará para a nova vida. Ter performance não significa estar
sempre em primeiro lugar ou no auge da própria superação. O
fracasso também está presente na vida de pessoas de alto desempenho.
Infelizmente, ele faz parte do jogo, mas não determina nada. O
importante é como você reage após a queda. No geral, as pessoas com
mentalidade forte e vencedora se levantam rápido, analisam onde
erraram, aprendem com o erro e usam essa energia negativa para subir
mais forte novamente.
A ruptura pode ser algo tão determinante em pessoas com
mentalidade forte que chega a superar a estrutura familiar como
motivador de performance. Foi o caso de Steve Jobs, que, em sua
autobiografia, deixa claro que o fato de ter sido renegado pelo pai foi
fator determinante para seu sucesso. Toda a insegurança que a falta do
pai gerou no seu inconsciente virou combustível e alavanca para seu
crescimento. Dessa forma, ele conseguiu comprovar para si mesmo e
para os outros que era capaz de fazer algo importante e ter seu valor
reconhecido.
Adriana Aparecida é um caso clássico de alta performance por
ruptura. O que isso significa? Explico. Em determinado momento, ela
rompeu definitivamente com as dificuldades da infância. Ainda que a
situação de pobreza não estivesse superada como num passe de
mágica, a decisão de nunca mais passar fome a impulsionou a andar
para a frente e a correr na frente. Foi a ruptura que fortaleceu sua
mente para a busca de resultados, isso gerou uma forte carga
emocional. No caso de Adriana, a situação de passar fome atingia o
físico, mas a vulnerabilidade e o sofrimento decorrentes dela iam
muito mais fundo e foram cruciais para sua determinação.
Novak Djokovic, o tenista que permaneceu na liderança do
ranking da ATP por mais tempo, usou a guerra que destruiu Belgrado
e a Sérvia como gatilho de ruptura e transformação. Em sua biografia,
ele comenta que treinava em uma piscina vazia, já que não existia uma
quadra de tênis em condições de treino. Nada o impediu de buscar seu
sonho – nem mesmo a guerra.
Já com Walt Disney foi um pouco diferente. Seu pai, desde muito
cedo, o obrigava a trabalhar vendendo jornal em estações de trem.
Para fugir do trabalho duro, ele passou a desenhar. Assim, esquecia da
rotina pouco comum para uma criança. Mais tarde, quando já tinha
montado os Estúdios Disney, a ruptura que o fez performar acima da
média e criar um negócio, que é sinônimo de alegria e diversão no
mundo todo, foi uma jogada suja. Um sócio minoritário e criador do
coelho Oswald, na época o principal personagem do Estúdio, vendeu
os direitos autorais de sua criação para o distribuidor dos desenhos
animados, tirando Disney da jogada. Walt, quando soube o que estava
para ocorrer, foi para Nova York tentar reverter a situação, mas já era
tarde. O distribuidor o tinha passado para trás. Walt estava derrotado.
Na volta, no trem de Nova York para Los Angeles, desesperado,
pegou um papel e começou a desenhar. Assim nasceu o Mickey
Mouse. É na adversidade que ficamos criativos, é no momento de
desespero que nos conectamos com o nosso melhor. Por mais
doloroso que possa parecer, aprendemos mais rápido na dor do que no
prazer.
Barack Obama teve um pai ausente. O economista queniano
trocou os Estados Unidos pelo Quênia quando o menino Barack
tinha apenas dois anos. Só visitou o filho uma única vez, quando o
garoto estava com dez anos. Essa foi a última vez que eles se viram.
Na ocasião, ele ganhou do pai um taco de basebol e foi apresentado ao
jazz. Nada mais. Esse único encontro teve um tremendo impacto na
vida daquele que, mais tarde, seria o primeiro presidente negro dos
Estados Unidos e teria duas filhas, Malia e Sasha. Obama sacou que
teria que aprender tudo sozinho e que poderia ser qualquer coisa na
vida, menos um pai ausente. Deveria quebrar o ciclo e ser um bom
pai.
Existe uma tribo em Papua-Nova Guiné, chamada Kaningara,
que parece saber disso já há muitas gerações. Esse povo primitivo é
conhecido como homens-crocodilos, por terem uma crença espiritual
de que o crocodilo é o Deus criador. A tribo vive perto de um rio, o
Sepik, que é berço de crocodilos. Seu povo realiza periodicamente um
ritual de transformação de seus jovens em homens adultos, que
estarão aptos a tomar decisões e proteger a tribo. Trata-se de um
dolorido processo de flagelação.
Primeiro, os rapazes são isolados em uma oca central da tribo,
chamada de Casa dos Espíritos, por cerca de dois meses. Sem contato
com familiares nesse período, os jovens recebem ensinamentos dos
mais velhos, que incluem sobre a crença de seus ancestrais e a origem
das coisas. A cultura da tribo acredita que é o conhecimento que dá
poder aos homens, que difere meninos de adultos.
Nos últimos dias antes da etapa final, mulheres e crianças cantam
e dançam do lado de fora, e um crocodilo é capturado vivo e
carregado para acompanhar o derradeiro ritual que consiste em fazer
uma série de cortes profundos na pele, reproduzindo as escamas de
um crocodilo. Essas marcas modificam definitivamente o corpo dos
garotos. Acredita-se que, dessa forma, são extraídas a dor e a ligação
dos meninos com o sangue materno. Assim, eles crescem. Esse é o
processo de ruptura pelo qual passam os jovens da tribo Kaningara, e
ele ilustra o processo de transformar a dor em superação. Uma pessoa
que transforma as dificuldades e os sofrimentos pelos quais passou em
motivos para se tornar mais forte tem mais condições de ser alguém
de performance. Quanto mais cedo uma pessoa passa pela ruptura,
mais rápido aprende a usar essa força negativa para crescer. Se a
ruptura acontecer mais tarde, isso não significa estar fora do jogo.
“Quanto antes melhor, mas nunca é tarde para começar.” Essa frase
de Alexandre Kalache, médico epidemiologista carioca, com PhD
pela Hygiene and Tropical Medicine of London, e copresidente da
Aliança Global de Centros Internacionais de Longevidade, traduz o
meu pensamento.
Se você me perguntar qual cenário considero ideal para obter o
melhor de si mesmo, insisto em dizer que é crescer em um ambiente
familiar estruturado, acolhedor, com muito amor e dedicação na
transmissão dos valores e das crenças da família para com os seus
entes. Mas em algum momento toda pessoa precisa passar por uma
ruptura importante que a faça refletir sobre seu propósito e objetivo
de vida. Pode ser, portanto, que uma mesma pessoa seja impactada
pela estrutura familiar e pela ruptura, e até mesmo a hereditariedade
venha no pacote da performance. Mas, certamente, um desses
aspectos se sobressai e é o determinante para gerar a energia de que
ela precisa.
No caso de Rodrigo Rivellino, vejo a estrutura familiar como a
base de sua performance. Apesar de a ruptura traumática com o
projeto de ser jogador de futebol ter feito parte do pacote e jogado
Rivellino filho nos braços do empreendedorismo, foi o legado
familiar, com base emocional e incentivo, que fez toda a diferença e
direcionou o tom de alto desempenho nos negócios.
Portanto, família e amigos ganharam a posição de quinto – e
essencial – elemento do M.E.S.A., tanto por ser um gatilho da
performance quanto por ser a razão para vencermos. Após a pandemia
de covid-19, a conexão da família ficou ainda mais evidente. A vida
tem muito mais sentido quando temos alguém participando ao nosso
lado. Sem ninguém para curtir junto as conquistas, para aplaudir, para
se beneficiar de todo o seu empenho, para ficar feliz, para ter orgulho
com você e de você, parece não haver motivo para novos desafios e
conquistas. Objetivos são traçados com e para as pessoas. As pessoas
têm suas metas sempre lastreadas em alguém — em primeira
instância, nossos familiares e amigos queridos. Em um trecho do livro
Em busca de sentido, do médico psiquiatra Viktor E. Frankl, professor
de Neurologia e Psiquiatria da Universidade de Viena, fundador da
Logoterapia e também professor de Logoterapia na Universidade
Internacional da Califórnia, ele narra sua experiência como
prisioneiro e médico no campo de concentração de Auschwitz, onde
permaneceu por muitos anos. Em uma das passagens, escreveu:
“Antes, ao tratarmos as tentativas de reerguer psicologicamente a
pessoa que está no campo de concentração, dissemos que era preciso
orientá-la para um alvo no futuro, lembrá-la sempre, de novo, que a
vida estaria esperando por ela, que havia alguém esperando por ela”.
Adriana Aparecida correu contra a fome e a favor do sonho de ver
a mãe entrando com dignidade num supermercado. Rodrigo Rivellino
seguiu sua trajetória inspirado no pai e certo de que este sempre
torceu por ele e curte cada uma de suas conquistas.
O empresário e alpinista Eduardo Gribel, fundador da Tenco
Construções e Empreendimentos, sempre teve isso claro em suas
conquistas. Em nossa conversa, da qual também participou a esposa,
Adriana Gribel, com quem sempre trabalhou, ficou muito evidente a
conexão que eles criaram com os quatro filhos. Mais uma vez o
M.E.S.A. entrou em cena. Nesse caso, a ligação se deu – e se dá –
muito pelo esporte.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: EDUARDO GRIBEL

Tudo começou com passeios que faziam em meio à natureza para


escapar da grande cidade. Mais tarde, quando estavam construindo o
Ponteio Shopping, em Belo Horizonte, logo após a inauguração da
loja da Tok&Stok, tiraram um mês de férias e foram viajar para Ásia.
Passaram por uma meia dúzia de países, entre eles a Indonésia, onde
havia um vulcão em erupção chamado Batur. Resolveram fazer
tracking para ver aquilo de perto. Desse tracking, nasceu a história de
montanhismo em família. Já subiram alguns dos picos mais altos e
desafiadores do mundo, como o Monte Denali, nos Estados Unidos,
além de Aconcágua, na América do Sul; Kilimanjaro, na África; e
Elbrus, na Europa.
Para Eduardo, Denali foi a montanha mais difícil que escalou até
hoje. Como Adriana estava com o tornozelo quebrado, foram ele e os
filhos daquela vez. Gribel caiu numa fenda, e quem o salvou foi sua
prole, num trabalho de técnica e equipe. “Nesse tipo de escalada, todo
mundo fica encordado, amarrado por uma corda. Se um escorrega,
pode levar o outro. Por isso, tem que estar muito preparado. Quando
a corda estica, os outros têm que deitar no chão, cravar o grampão da
bota e segurar com as cordas. A gente já tinha treinado, mas nunca
precisou usar. Aquela foi a primeira vez e deu certo. Esse episódio me
preocupou muito naquele dia. Eu poderia morrer ali”, relembra.
O esporte não apenas provocou uma forte ligação na família,
como também se refletiu em sua empresa, já que Gribel envolveu seus
colaboradores nas atividades de tracking. “Na montanha, você tem os
fatores externos que interferem numa expedição, que obrigam a dar
soluções rapidamente. De repente, você está lá em cima, e muda o
tempo. Vem uma ventania, uma chuva… Tem que estar muito
preparado, inclusive psicologicamente, para superar aquele momento
de dificuldade. As soluções envolvem a liderança das pessoas que
estão ali, o relacionamento delas, cada uma cumprindo a sua tarefa.
Montanhismo é muito time. Você sozinho não vale nada, mesmo
porque fazer montanhismo sozinho é loucura. Precisa ter alguém para
socorrer você. A força do time é todo mundo se ajudar no que tem de
melhor. Essa consciência, esse respeito, faz o time ficar forte”, diz
Gribel, explicando por que também levou os funcionários de sua
empresa para escalar montanha.
Em 2015, quando inauguraram um shopping no estado de
Roraima, resolveram organizar uma expedição de montanhismo para
comemorar e levaram vinte colaboradores para o Monte Roraima.
Fizeram uma seleção entre os mais de cem inscritos, com treinamento
incluso para ter certeza de quem daria conta de dormir em barraca,
tomar banho frio, comer um mexidão e achar que aquilo era bom.
Um dos episódios marcantes da expedição foi quando a
superintendente do shopping, Jack, começou a sentir fortes dores no
dedo mindinho do pé, que tinha quebrado num Carnaval; tinha
cuidado mais ou menos da fratura e se adaptou àquilo. Na montanha,
veio a conta. Tendo que pisar em terrenos irregulares com a bota, o
dedo malcurado começou a reclamar. Foi um sofrimento antes mesmo
de chegarem ao cume. Um dos quatro filhos de Gribel, André,
carregava a mochila dela. Outros a ajudavam nas subidas mais fortes,
já que Jack não conseguia firmar o pé. A superintendente dividia a
barraca com Adriana, que tirava as botas dela e perguntava o que ela
queria comer. Jack ficava sem graça por ser servida pela chefe, pela
dona da empresa: “Mas você vai trazer tudo isso pra mim?”. Adriana
respondia: “Se fosse o contrário, você não faria isso por mim? Aqui
todos somos iguais. Você está precisando de mim? Estou aqui”. Jack
escreveu um livro mais tarde, contando como o Monte Roraima
mudou a vida dela.
O + Família e amigos é o que traz sentido. E traz resultados que
vão além dos números. “Eu vejo que nossos filhos hoje são
autossuficientes e, ao mesmo tempo, todos se ajudam quando é
preciso. Eles não dependerem da gente não quer dizer que não
convivem conosco. Convivem e muito!”, conta Gribel satisfeito com a
base que criou para si, ao lado da esposa, passou para a geração
seguinte e refletiu nos funcionários.
A performance não é estática, ela é viva e orgânica. Não é uma
foto. Altos e baixos na jornada da vida são etapas a cumprir para
quem busca o limite. O risco faz parte.
Todos os personagens deste livro passaram ou estão passando por
esse processo. Por isso a importância da reinvenção, o que nos leva ao
próximo capítulo…
CAPÍTULO 10

O PODER DE SE
REINVENTAR

Quando eu tinha vinte e poucos anos, existiam apenas três ou quatro


marcas de tênis de corrida. Cada uma delas estava presente no
mercado com dois ou três produtos bons. Hoje, é tudo mais rápido.
Vemos dezenas de marcas, todas com uma gama ampla de produtos
excelentes.
Antigamente, a curva de inovação era mais lenta, mais difícil e
mais custosa. Quando uma empresa ou pessoa tem uma ideia, quase
instantaneamente outra pessoa ou empresa copia essa inovação – e já
com a tentativa de criar melhorias. Na sequência, vira guerra de
marketing e preço. Gosto de dizer que vivemos na era das commodities
– mesmo produtos com valor agregado viram commodities
rapidamente, e seu diferencial vira preço.
Na década de 1990, existiam pouquíssimos tipos de celulares
incríveis. Primeiro, veio o Motorola StarTAC, que tinha o flip que
abria em dois; depois o Nokia 3310, modelo que ficou famoso por
permitir uma maior interação do usuário, como enviar mensagens
SMS, inserir papel de parede e usar músicas como toque monofônico.
A Nokia, aliás, dominava o mercado global com cerca de 40% de
participação. E hoje? A Motorola ainda tem relevância, porque foi
vendida para a Google em 2011 e depois para a Lenovo, em 2014. Se
não fosse isso, teria morrido. Para as empresas que assumiram a
liderança, a vida não está fácil. A Apple, que conquistou espaço com o
iPhone, vai atualizando o portfólio com versões cada vez mais
avançadas desse mesmo produto. A estratégia deu certo por um bom
tempo, mas já não consegue conter o avanço da Samsung, que tem
outras dezenas de celulares também com tecnologias inovadoras.
Reinventar-se está a cada dia mais difícil. Qual foi o grande produto
que a Apple lançou desde a morte de Steve Jobs, em 2011, além das
novas gerações de seus smartphones? O Apple Watch não é um case
de grande sucesso da empresa.
A nova dinâmica do mundo, ditada pela revolução digital,
também provocou a transformação das mídias nas últimas décadas.
Nos anos de 1980 e no início dos anos de 1990, tínhamos televisão,
revistas, rádio e jornal. Antes, fazer mídia era colocar um anúncio nas
revistas de ampla circulação, na emissora de TV com grande audiência
e no programa de rádio mais conhecido. Aí surgiu a internet e, de
carona, buscadores como o Google, aplicativos, redes sociais,
YouTube – só para citar alguns exemplos. As verbas de marketing das
mídias tradicionais passaram a ser distribuídas para toda essa turma,
causando um terremoto no ecossistema da comunicação. Para esse
segmento, a palavra da vez é mobilidade – assistimos ao que
quisermos, quando e onde quisermos. Em quase duas décadas, fomos
do disco de vinil para o CD, o DVD e o Blu-ray. Alguém ainda se
lembra deles? Hoje, nossas músicas e bandas preferidas estão no
celular, em formato digital, dividindo espaço com podcasts dentro de
aplicativos. Até o início dos anos 2000, era tudo à base do controle
remoto. Hoje, quem manda é o Bluetooth.
Dei alguns exemplos ciente de que corro o risco de, quando você
estiver lendo este livro, uma novidade ter surgido e ainda não termos
tido tempo de atualizar para a próxima edição. Mas acredito que deu
para ilustrar a revolução que vivemos hoje e dizer que é fato: quem
não se reinventa perde relevância ou desaparece. E isso não tem nada
a ver com tecnologia; tecnologia é o meio, e não o fim. Se empresas
são feitas por pessoas, a reinvenção tem que acontecer no indivíduo.
Com tudo tão conectado e acelerado, vai se dar bem quem melhor se
adaptar às mudanças. É difícil se manter muito acima da média sem a
velocidade de entender as mudanças de contexto e reagir rápido.
Quando estou contratando uma pessoa, uma das coisas que avalio
é se o perfil é adaptável. Também aplicamos testes comportamentais
com uso de big data e analytics para avaliar o que chamamos de
learning agility (em português, “agilidade de aprendizado”). Esse
conceito não é um dos mais conhecidos, ainda, mas com certeza já é
uma grande tendência. Trata-se da capacidade que um indivíduo tem
de se adaptar a novas experiências e lidar com elas. Quanto maior a
agilidade de aprendizado, mais rápida e flexível será essa adaptação. A
agilidade de aprendizado apresenta alta correlação com performance.
Essa é uma soft skill muito importante e que minimiza o risco de a
pessoa não ter sucesso na nova empresa. Pessoas rígidas têm maior
risco de serem demitidas.
Por isso, acredito muito no coaching como ferramenta de
desenvolvimento. Ter uma pessoa em quem você confia ao seu lado,
com uma visão externa mais ampla e fora da rotina diária, pode ajudar
na reinvenção e na adaptabilidade. Eu já fiz várias vezes e sigo
fazendo. Guilherme Benchimol comentou que o maior desafio da
vida empresarial, como empreendedor ou executivo, é que, de tempos
em tempos, é preciso se reinventar por completo. Olhando para a
história, vemos que não é de hoje que seres humanos com alta
capacidade de reinvenção se destacam. Walt Disney foi um cara
diferenciado, muito do que ele pensava nos anos de 1930 ainda hoje
está atual. Parece que suas ideias estavam diretamente conectadas com
o futuro. O mercado de desenho animado nas décadas de 1930 e 1940
estava muito competitivo. Estúdios dos Estados Unidos e da França
reagiam ao crescimento dos Disney. Walt, que era um eterno
insatisfeito e reinvestia tudo o que ganhava no desenvolvimento do
estúdio, corria riscos elevados ao buscar empréstimos em bancos a fim
de ter mais verba para investir em inovação e novas tecnologias e
melhorar a qualidade dos desenhos. Foi assim que criou o primeiro
desenho animado falado da história, quando Mickey disse “Hot Dog!
Hot Dog!”. Foi Walt que também criou o primeiro desenho animado
colorido, algo absolutamente inovador e que o fez ganhar mais espaço
e se distanciar dos concorrentes. A lista de primeiros de Walt Disney
é longa! Foi dele o primeiro longa-metragem em desenho animado,
Branca de neve e os sete anões. Um estouro de sucesso. Também foi
Walt quem criou o primeiro filme documentário sobre animais, o que
deu origem a uma nova linguagem cinematográfica e, assim, plantou a
semente para surgirem canais como o Discovery Channel. Walt nunca
pensava em criar coisas novas para ganhar dinheiro, mas sim para
melhorar a experiência do seu público. Um dos casos mais famosos do
que hoje chamamos de customer centricity, termo da moda nas
empresas de tecnologia de todo o mundo, enfatizando o cliente como
ponto focal. Walt teve essa visão em 1930!
Por diversas vezes, ele quase teve que entregar o Estúdio Disney
para os credores, bancos famintos por dinheiro e que tinham medo de
tomar calote. As dívidas eram quase impagáveis, mas Walt acreditava
no seu sonho. Tinha confiança em si e foco para não desviar do seu
projeto. Mesmo com a grande pressão que sofria na busca da
rentabilidade, sempre teve o cliente, a criatividade e a inovação como
prioridade. Nada o fez desacreditar, nem a dificuldade financeira, nem
o risco de perder tudo.
Em sua biografia, escrita em parceria com Walter Isaacson, Steve
Jobs disse que criou o iPad antes do iPhone, mas, quando percebeu a
movimentação de mercado e o potencial de um novo celular
inteligente, imediatamente postergou o lançamento do produto já
pronto e mergulhou no desenvolvimento do smartphone. Não perder
o timing foi fundamental para o pulo que a Apple deu para se tornar o
que é hoje.
Outro gênio acima da média que transformou o mundo foi Albert
Einstein. Em sua biografia, também assinada por Walter Isaacson
(para mim, o melhor escritor de biografias do mundo), é dito que
Einstein começou suas pesquisas em 1895, com dezesseis anos de
idade, quando imaginou viajar ao lado de um raio de luz. Depois de
dez anos, ele trouxe conceitos sobre a relatividade e a teoria quântica.
Em 1915, divulgou a teoria geral da relatividade. O mundo ficou de
joelhos ao gênio. Foi ele também quem criou a equação mais famosa
do mundo: E = mc2. E foi a partir dessa fórmula que nasceu a bomba
atômica, que ele ajudou a desenvolver quando já morava nos EUA,
mesmo sabendo que seria usada contra a Alemanha, seu país de
origem, para impedir que Hitler dominasse o mundo. O mundo
nunca mais foi o mesmo!
Suas teorias surgiam por meio dos seus experimentos mentais –
ele imaginava estar em um elevador fechado acelerando pelo espaço.
Ou em suas famosas voltas de bicicleta em círculos, quando ficava
pensando nos efeitos da gravidade. Sua imagem e aura eram de quase
um Deus, mas sua segurança interna vinha ao mundo externo em
forma de humildade. Einstein era uma pessoa simples e apaixonante.
Nada diferente das pessoas entrevistadas para este livro. Pessoas de
performance são humildes e apaixonantes.
Mesmo com toda a sua inteligência e criatividade, Einstein teve
dificuldade de se reinventar. Por isso, podemos dizer que sua carreira
divide-se em duas fases: os primeiros trinta anos foram de extremo
brilhantismo, mas as últimas três décadas de vida foram marcadas por
sua negação. Ele negou a revolução quântica, teoria que ajudou a
desencadear a partir de 1925. Depois começou a resistir e passou a
criticá-la. Segundo manuscritos encontrados, até o último dia de sua
vida, ele negou um fato que era real, a física quântica. Einstein estava
errado e insistiu por trinta anos. Nem um dos maiores gênios que o
mundo conheceu passou isento de se reinventar.
Manter-se adaptável é realmente um desafio. Requer um exercício
constante de se abrir para o novo, repensar atitudes e estratégias, fazer
novas escolhas. Isso também envolve risco e estar disposto a se expor
ao erro.
Vou contar um caso do meu antigo escritório de headhunting. A
empresa tinha apenas dois anos de Brasil, havíamos investido nosso
dinheiro e sonho em fazer dar certo, mas tínhamos uma insegurança
por achar que a inovação tecnológica poderia acabar com o nosso
mercado. Por isso, decidimos colocar um bom dinheiro no
desenvolvimento de uma plataforma de recrutamento e seleção
automatizada – um Uber do recrutamento. Contratamos uma
empresa para nos ajudar, fizemos diversas reuniões, gastamos muito
tempo e dinheiro na novidade. Parecia uma solução brilhante que iria
revolucionar o mercado. O foco, que antes era total na empresa,
passou a ser dividido com a nova startup de tecnologia. A estratégia
não deu certo por diversos fatores, mas principalmente porque não
tínhamos uma pessoa 100% focada no desenvolvimento da nova ideia.
Tínhamos que tocar o nosso escritório em paralelo. Duas empresas
que demandavam muito. Duas startups simultâneas. Faltou foco.
Perdemos tudo o que investimos. O insucesso nos custou os
dividendos que íamos distribuir no final do ano. Mesmo tendo
crescido em faturamento, foi um ano ruim, mas que rendeu um
grande aprendizado. Não me culpo e não acho que fizemos errado. A
inovação e a reinvenção sempre merecem atenção e investimento.
Aprendemos com o erro e no ano seguinte crescemos quase o dobro
do faturamento.
Não adianta ter uma boa inteligência estrutural para a
performance, mas não se desafiar. O seu resultado só será muito acima
da média se você mirar o novo e correr atrás dele. Por isso, procuro
manter o meu radar da reinvenção sempre ativo. Não vejo televisão,
mas leio muito, de jornal a livros, e gosto de andar com gente mais
nova do que eu. Eles me apresentam para novos experimentos. Sou,
por exemplo, mentor do Quintessa, uma aceleradora de empresas de
impacto. Olha que legal o propósito deles: “Acreditamos no poder do
empreendedorismo para transformar a realidade do nosso país e na
relevância das empresas para superarmos nossos desafios centrais.
Nosso trabalho é impulsionar os negócios de impacto. Respeitamos o
empreendedor, aquele que toma riscos e enfrenta as mais diversas e
negativas opiniões externas, para superar problemas ignorados pelos
demais. Prezamos pelo equilíbrio entre o olhar humano e o
profissional, trazendo experiência em gestão e um espaço de confiança
para reflexões, para fazer com que seus negócios cresçam e escalem
seu impacto para milhares de brasileiros”.
Eu já me reinventei várias vezes – de esquiador a maratonista, de
aleijado a garoto-propaganda de tênis –, trabalhei com meu pai,
depois fui executivo de multinacional e hoje sou empreendedor e
CEO. Tive programa de rádio e fui colunista de revista. Já perdi e já
ganhei dinheiro. Já fui pobre e já fui rico. Aprendi que dinheiro
também é o meio, não o fim. Performance não tem nada a ver com
sucesso financeiro. Adriana Aparecida escolheu uma profissão que
paga muito menos do que futebol e pode ser considerada o Neymar
das maratonas. Por outro lado, existem diversas pessoas com muito
dinheiro, mas sem performance. Performance é comportamento,
atitude, é manter a consistência daquilo que você se propõe a fazer de
melhor por muito tempo. Mas quem busca a performance tem mais
chance de ganhar dinheiro. Meu maior medo não é perder o que
consegui, mas sim deixar de ser uma pessoa atual, parar de me
reinventar. Esse é o meu maior receio. Escrever este livro é parte de
mais um processo de reinvenção.
Imagino que muita gente viva o mesmo desafio. Esse não é o caso
de Pedro Zannoni, que é, na minha avaliação, um grande case de
capacidade de reinvenção e sucesso. Ao longo de sua trajetória, Pedro
soube aproveitar as oportunidades e se transformar em sua melhor
versão, entregando o que cada uma pedia. Usando sua inteligência
estrutural, soube “passar de fase” e adequar o melhor da sua
performance para cada uma delas.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: PEDRO ZANNONI

Ser um jogador de tênis de destaque no cenário mundial não parecia


um sonho distante para o garoto Pedro Zannoni, que, com pouca
idade, já competia em torneios estaduais, nacionais, sendo
considerado um dos melhores do estado de São Paulo. Seu primeiro
campeonato brasileiro foi em 1989, aos treze anos. Depois vieram os
sul-americanos e mundiais. Ele se profissionalizou com dezessete
anos, em 1993, quando foi para a Flórida competir na Sunshine Cup,
um torneio juvenil entre países, similar à Copa Davis. Voltou de lá
vitorioso, ao lado de Guga Kuerten e Márcio Carlsson, que também
faziam parte do time brasileiro.
E pensar que a paixão pelo tênis bateu bem cedo, por acaso, aos
cinco anos, dentro da loja Sears, num momento em que ele e a família
– pai, mãe e duas irmãs – haviam se mudado da Argentina para o
Brasil, indo morar em São Paulo, por causa do trabalho do pai. Em
um passeio à loja de departamentos, cismou que queria uma raquete
que viu exposta. Para conter o choro do menino, o pai se rendeu à
insistência e comprou uma Metalplas de alumínio. Pedro saiu da loja
com raquete, que nem conseguia segurar direito.
Começou a bater bola na parede de casa. Depois, foi ter aulas no
clube a dois quarteirões de onde moravam, na rua João Lourenço, o
Hobby Sport Clube. Ele se deu superbem – e bem rápido. Com sete,
oito anos já jogava de igual para igual com meninos de doze anos e
ganhava posições no ranking interno. Logo foi incentivado a disputar
os torneios de federação.
Com dezoito anos, um ano depois do título mundial, viveu uma
série de problemas familiares que provocou uma reviravolta em sua
vida e em seus sonhos. Descobriram que o pai estava financeiramente
quebrado e com outros problemas graves para resolver. A situação era
dramática e culminou com a separação dos pais. Mãe, Pedro e irmãs
precisaram encontrar forças para conseguir emprego, a fim de se
recuperarem do tombo nas finanças. Estavam todos quebrados!
O projeto de ser jogador de tênis acabou naquele momento,
quando Pedro decidiu dar aulas de tênis para ajudar nas despesas da
casa. A mãe chegou a lamentar: “Mas, Pedro, aí vai acabar a sua
carreira”. O jovem devolveu como resposta: “O mais importante hoje
é fazer as compras da casa. Vamos pensar no hoje”. A irmã menor
começou a trabalhar em shopping. A outra irmã, que também jogava
tênis, foi dar aula. A mãe, arquiteta, começou a trabalhar com
arquitetura e projetos de decoração, além de dar aula na Escola
Panamericana de Artes.
Não foi fácil para Pedro ser campeão mundial e, no ano seguinte,
descobrir uma surpresa negativa da sua família e ter que abandonar
uma paixão. Bateu uma frustração muito grande, ainda mais porque
estava jogando bem. Seus últimos três anos juvenis haviam sido muito
bons. Ao mesmo tempo, ele procurou encarar aquilo como uma
necessidade a curto prazo. Sua pergunta era: como eu vou ajudar em
casa para a gente ter onde morar e ter as necessidades básicas
supridas?
O sonho acabou numa sexta-feira. Na semana seguinte, o
responsável pelo Alphaville Tênis Clube lhe disse: “Pedro, portas
abertas para você aqui. Sei que não tem experiência como professor,
mas você sabe tudo, a gente se adapta aqui e você começa a dar aulas”.
Pedro foi com tudo. Passava mais de dez horas dando aula de tênis.
Às vezes, tinha que acordar às 4h30 para pegar um ônibus até a
estação e aí entrar em um fretado, para chegar em Alphaville e andar
mais dez quarteirões para estar na quadra às 7h em ponto. Terminava
a última aula às 21h e fazia todo o itinerário de volta. Mentalmente,
uma transição difícil. Mas ele também procurava olhar o copo meio
cheio para se encher de energia, dizendo a si mesmo: “É isso que eu
sei fazer, e eu tenho um emprego”. Dois anos depois, Pedro, suas
irmãs e sua mãe conseguiram se recuperar financeiramente.
Zannoni, então, resolveu cursar faculdade. Primeiro, fez um ano
de Engenharia. Viu que cálculo não era o seu forte. Então, foi estudar
Direito e se formou. Também começou a treinar dois garotos que
queriam seguir no tênis profissionalmente. Todo o background como
ex-tenista profissional ajudou. Treinava equipe de competição, falava
dois idiomas além do português. Aprendeu espanhol e inglês jogando.
Tudo isso foi lhe dando diferencial e vantagem competitiva. Deu aula
de tênis por sete anos, de 1994 até 2001. Neste último ano, surgiu um
convite inesperado.
Era junho de 2001 quando o tenista Fernando Meligeni, por meio
de sua manager, lhe deu um toque: “Pedro, você não quer participar de
um processo seletivo? Estão precisando de uma pessoa para tocar a
área de marketing da Wilson, das raquetes de tênis. Eles querem
alguém que conheça o produto e o mercado de tênis. Você é ex-
jogador, foi professor e agora treinador… Acho que é o perfil perfeito.
Lógico que você vai ter que aperfeiçoar algumas coisas, mas…”.
Zannoni sabia que teria mesmo! Não tinha, por exemplo, formação
em marketing. Mesmo assim, foi checar a oportunidade. Fez o
processo de entrevista e entrou. Em junho, estava numa quadra de
tênis; em julho, sentado num escritório.
Mais um processo de transição de carreira, nas palavras de
Zannoni, “muito louco”. Os dois primeiros meses foram de
questionamentos: “O que eu estou fazendo aqui? Cadê o sol?”, ele se
perguntava fechado no escritório. Passada a adaptação inicial,
conseguiu ter um carro e certa estabilidade. Foram oito anos na
Wilson. Os quatro primeiros no marketing – esporte marketing,
coordenador de marketing e head marketing. Nos últimos quatro
anos, acumulou marketing e vendas. Aprendeu bastante e achou
muito bom iniciar a vida corporativa em uma empresa pequena, de
nicho, em que se sabe tudo que acontece em todas as áreas. “Melhor
MBA, impossível”, avalia.
Vieram mais convites e experiências. Na Puma, foi contratado
como diretor comercial. Achou muito bacana trabalhar com coleções,
pré-venda, em uma multinacional estabelecida. Com quase quatro
anos na Puma, estava prestes a aceitar um convite para se mudar para
o Chile para ser o comercial da América Latina, quando a Adidas
apareceu com uma proposta para que ele fosse o diretor comercial.
Com Copa do Mundo no ano seguinte e Olimpíada à vista, pensou
no escopo de trabalho e nas oportunidades daquela experiência.
Inaugurou uma temporada de cinco anos na Adidas, os últimos dois
como VP para América Latina da marca Reebok.
Paralelamente às oportunidades profissionais, foi estudar mais.
Fez pós-graduação na FAAP, especialização na The Wharton School,
nos Estados Unidos, e cursos de marketing para se aprofundar mais
naquilo que estava fazendo. Também participou de um Manager
Program pela Adidas. O conhecimento, segundo sua visão, agrega
várias coisas ao seu dia a dia.
Da Adidas passou para a Asics, como CEO América Latina,
atuando em São Paulo. Então, em 2020, surgiu a oportunidade na
Lacoste. Assumiu como CEO Latam da marca. Em quinze anos,
atingiu o sonho de muitos executivos. Curiosidade: a Lacoste tem
Guga
Kuerten como embaixador. Guga chegou a mandar uma mensagem
para ele mencionando a coincidência: “Depois de tantos anos em
quadra, como o mundo dá voltas! Agora eu tenho que responder para
você”.
O segredo da virada de sucesso? Zannoni me diz que, se soubesse,
ficaria milionário, mas acredita que soube usar algumas habilidades do
esporte no mundo corporativo. A primeira delas? Curiosidade.
“Jogando tênis, eu tinha curiosidade pelo preparo físico do tênis, por
exemplo. Isso ajuda a ligar alguns pontos no que você vive.”
Zannoni também fala de disciplina. “Se você não tem uma dis-
ciplina em pré-temporada, com alimentação, preparação, estudo, você
não chega lá. No esporte é assim e no corporativo também. Se você
não tem essa intensidade, não performa”, diz ele.
A própria capacidade de adaptação ele também vê origem no
tênis: “Se você está num jogo em que tem de sacar mais na esquerda
do que na direita do adversário, mas o seu saque não está entrando,
tem que adaptar a estratégia. E a pergunta é: ‘O que eu tenho que
fazer para isso voltar a funcionar?’. Muitas vezes, você sabe qual é o
caminho, mas não consegue executar. No mundo corporativo,
também há coisas que claramente você precisa fazer para a
rentabilidade do negócio. Mas há momentos em que tudo dá errado.
Então, precisa corrigir o rumo do barco. O rumo do barco numa
empresa não é num set, como no tênis. Às vezes, são seis meses, um
ano. Mas acho que a consistência é a chave do negócio. Se você é
consistente naquilo que está fazendo, tem que fazer com que seu time
acredite que aquele é o caminho certo. Se você não engaja todo
mundo, não consegue fazer”.
Por fim, o gostinho da vitória: “Eu tenho um prazer de ver as
coisas acontecerem. O prazer de celebrar, o prazer de colher o
resultado é o que me dá forças. Pegar o troféu na mão é bom demais.
Acho que está muito ligado à conquista, e não à conquista de ego, de
imprensa falando, mas à sensação de que você colheu aquilo a que se
propôs”.
CAPÍTULO 11

O MOTOR DA
PERFORMANCE

Muita gente desanima, quando, com um pouco mais, pouco mesmo,


chegaria à sua melhor versão. A diferença entre dar 80% da sua
capacidade e energia e dar 100% delas é quase nada, mas é o que
define se você vai ficar em segundo lugar ou no degrau mais alto do
pódio. É o que determina se vai bater a sua meta ou ficar no quase. A
solução para dar esse um quinto a mais é ter uma visão clara de três
pilares que estão interligados – propósito, objetivo e disciplina.
Quando você consegue ter claro em sua mente o que essas três
palavras representam na performance, suas chances de dar o seu
potencial máximo são muito maiores.
Ter um propósito claro é fundamental. Ele vai guiar você ao
objetivo, e o objetivo, por sua vez, levará à disciplina. Adriana
Aparecida, por exemplo, não tem uma boa técnica de corrida – corre
cruzando os braços, o que gera um desequilíbrio no corpo. Mas isso
não é barreira para vencer; ela tira essa diferença na força de vontade,
que teve origem no seu forte propósito de nunca mais voltar à situação
de miséria que um dia vivenciou. Essa determinação, sem dúvida
alguma, resulta em um desempenho excepcional.
Convido você a refletir sobre o que você considera um propósito
em sua vida. Por exemplo, eu tenho um propósito que é manter corpo
e mente equilibrados. Isso faz parte da minha vida e é algo que
sempre vou buscar. Depois que parei de esquiar, queria encontrar um
novo propósito esportivo. Achei na corrida as condições para manter
minha cabeça e meu corpo ativos. Começou assim, mas a história
evoluiu. Quem corre e se apaixona por esse esporte tem como objetivo
correr uma maratona e, para correr maratona, precisa ter muita
disciplina.
Assim consegui conectar os três pilares e buscar os 100%. Nesse
caso, temos:
• Propósito: manter meu corpo e minha mente equilibrados.
• Objetivo: maratona.
• Disciplina: treino para correr maratona.
Ter um objetivo é a maneira de a gente materializar, com uma
meta, com uma conquista, o compromisso com o propósito. É
também a expressão de uma paixão que temos por algo. E quando a
gente tem propósito e um objetivo decorrente dele, a consequência
natural é querer atingi-lo. Meu objetivo, quando corri a minha
primeira maratona, era fazer a prova com tempo abaixo de três horas.
Fechei em 2h46. Depois, quis melhorar minha performance; meu
objetivo era correr em 2h42. Em 2009, corri em 2h37. Depois achei
que poderia chegar em 2h35; estou em 2h36 e ainda em busca do
meu melhor.
Com as metas definidas, monto meu planejamento e depois o
executo com disciplina. Quando treino para uma maratona e recebo
as orientações do treinador, no geral, ele passa treinos semanais de
subidas: “Lelo, hoje corra 1h30 com variação entre plano, subida e
descida”. Em 100% das vezes, opto por fazer subidas mais difíceis. A
diferença entre uma subida íngreme e uma menos intensa é o que falo
do 80% e do 100%. É pouco, é sutil, mas, quando você precisa, faz
toda a diferença para a sua confiança. É a disciplina que me faz
escolher o mais difícil. Só consigo isso com os três pilares claros em
minha mente. Afinal, dar 100% cansa e pode ser dolorido, por isso é
fácil desacelerar. A hora em que bate a preguiça que corrompe a
disciplina é o momento-chave para eu me lembrar do porquê estou
ali. Eu me conecto com meu objetivo e meu propósito e faço valer a
pena cada segundo de treino.
Você pode ir mudando seus objetivos, mas o propósito sempre
estará intacto. Quero seguir correndo até quando meu corpo permitir
e, assim, manter corpo e mente equilibrados. Quem sabe correr uma
maratona em cinco horas quando estiver com oitenta anos. Essa teoria
também se aplica ao mundo dos negócios. Rodrigo Rivellino sente
isso acontecer, seja na agência de marketing, seja no restaurante de
comida orgânica, seja em seu hotel em Fernando de Noronha. Se não
tiver essa paixão, que alguns chamam de propósito, outros chamam de
fazer aquilo que você gosta ou o que quer que seja, você não vai
conseguir dar aqueles 20% a mais para os 100%.
Ter um propósito é ter aquele gás extra que determina a vitória e
estimula a performance. Isso tem até relação com as reações
hormonais. Uma pessoa engajada e feliz, que faz o que gosta e em que
acredita, tende a treinar ou fazer mais daquilo. Fazendo mais, vem o
resultado e com ele a felicidade aumenta. Essa satisfação eleva a
dopamina, um hormônio que, entre outras coisas, dá disposição para
levantar da cama todos os dias e agir. Com a diminuição da
dopamina, vem a depressão. Portanto, é um ciclo virtuoso: quanto
mais você está empolgado com o que faz, mais motivação e energia
terá, e mais acima da média será.
Um plus que pode ajudar a entrar nesse ciclo positivo é a música.
Ela tem a força de engajar e motivar. A música é mágica: pode
acelerar, acalmar ou pôr para cima. Quando acordar pela manhã,
coloque música em vez de ouvir notícias. Música traz atitude, relaxa,
gera empatia e engajamento. Nada melhor do que começar o dia
assim. Não é à toa que igrejas ou espaços religiosos, shoppings,
restaurantes, bares, festas, baladas, shows e até supermercados usam a
música como estratégia para gerar engajamento. Faça o teste. Acredite
no poder da música como forma de nos motivar e deixar mais felizes.
Quem estuda, se dedica e trabalha com intensidade e brilho nos
olhos, seja para a própria empresa, seja como colaborador de uma
organização, certamente também desempenhará muito melhor o seu
papel se tiver um propósito. Isso faz toda a diferença. Até na postura!
Pode reparar que uma pessoa que acredita no que está fazendo não
fica cabisbaixa. Mantém a cabeça erguida.
Em partidas de tênis, é muito comum o jogador passar por
períodos de instabilidade emocional, e a linguagem corporal dele fala
quando está em momentos favoráveis ou desfavoráveis. Você pode
descobrir quem está ganhando o jogo apenas ao observar a postura em
quadra. Postura ereta em vez de andar todo encurvado, esse simples
código corporal acaba sendo favorável à performance. Foi o que
concluiu uma pesquisa da Harvard Business School, de Amy J. C.
Cuy, Carolina A. Wilmuth e Dana R. Carney, chamada The benefit of
power posing before a high-stakes social evaluation – em tradução livre
para o português, “O benefício da postura poderosa antes de uma
avaliação social de alto risco”. O objetivo da pesquisa foi testar se as
posturas de alto poder versus as de baixo poder antes de uma avaliação
social de alto risco podem melhorar o desempenho de um indivíduo
na tarefa analisada. A conclusão foi que as posturas de poder não
apenas geram mais confiança das pessoas – por exemplo, um
investidor tende a colocar dinheiro em uma empresa cujo interlocutor
se mostra confiante e entusiasmado –, como também alteram a
produção hormonal, aumentando em 20% a testosterona e
diminuindo em 25% o nível do cortisol, hormônio do estresse. Além
disso, a tolerância ao risco aumenta 33%. Talvez, uma parte do
incrível desempenho do Formiga nos esportes radicais também se
deva a isso.
Organizações com um propósito claro também têm um
desempenho melhor, porque levam com elas toda a força de trabalho
alinhada em uma única direção. Estudos da Korn Ferry constataram
que ter bem nítido o “para quê” da companhia faz diferença positiva
no financeiro, no envolvimento dos funcionários e na satisfação do
cliente, aspectos fundamentais para que uma empresa seja bem-
sucedida. Grandes propósitos inspiram pessoas e empresas a fazerem
coisas grandiosas. A Korn Ferry entrevistou vinte organizações que
mostram que seu alto desempenho foi impulsionado por propósito e
missão, pois isso acaba atraindo os melhores talentos, engajando
funcionários e retendo consumidores.
O que existe de poderoso no propósito é que ele consegue
envolver as pessoas a ponto de fazer com que elas tirem o melhor de si
mesmas. Nessa vibração, não há espaço para a preguiça, para o corpo
mole. Quando um resultado é muito importante, seja porque envolve
um bem maior para a comunidade, uma mudança de vida para a
família, o bem-estar dos filhos ou qualquer outro objetivo realmente
relevante, não há corpo mole. No lugar disso, entram empenho e
esforço. No livro Mindset, Carol Dweck usa uma frase que eu adoro:
“O esforço é o que torna você inteligente ou talentoso”.
A trajetória da atleta olímpica, bicampeã mundial de salto com
vara e empresária Fabiana Murer tem tudo a ver com essa afirmação
de Dweck. Ela fez história no salto com vara feminino no Brasil.
Passou metade de sua carreira entre as dez melhores do mundo, sendo
oito anos entre as três primeiras e, em 2014, como líder no ranking.
Só para citar algumas conquistas.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: FABIANA MURER

É muito difícil chegar entre as melhores, mas é mais difícil ainda se


manter entre elas. A fórmula de Fabiana Murer? Força de vontade e
dedicação. A tal da disciplina que vem justamente desse propósito de
dar seu melhor, sempre. “Eu me motivava, observando as atletas de
fora, e queria saltar mais que elas. Fazia treinos intensos de cinco a
seis horas por dia em dois períodos. Sempre buscava objetivos novos
para me manter motivada”, conta a ex-atleta que começou cedo no
esporte, incentivada pelos pais, casados há mais de quarenta anos.
A família de Fabiana não era de atletas, mas sempre foi muito
ativa. Seu pai conta que, bem pequenininha, Fabiana já corria com ele
e todo fim de semana andavam de bicicleta na Lagoa do Taquaral, em
Campinas, interior paulista. A infância também foi marcada pelos
ralis da Lagoa, dos quais participavam avô, pais, irmãs, primos, tios…
A família formava duas equipes para o evento, que era composto por
provas. Cada um do time ganhava uma tarefa: a parte do avô era a
radical, que tinha a ver com se sujar, rolar barranco. Fazer abdominal
e flexão de braço era com Fabiana. As tarefas mais mentais ficavam
com o pai, engenheiro.
Aos sete anos, a pequena Murer iniciou na ginástica artística.
Gostou desde o começo do desafio dos saltos, dos giros… E
conseguia pegar fácil os movimentos. Rapidamente, passou para uma
equipe de competição. Diferentemente das duas irmãs mais novas,
que também foram apresentadas ao mundo dos esportes e até hoje
fazem suas atividades como hobby, Fabiana sempre levou a sério.
Talvez por ser mais regrada, mais perfeccionista. Queria fazer bem, se
concentrava só naquilo, não perdia energia para outras coisas. Meu
palpite? Ela encontrou no esporte a deixa para exercer o seu propósito
de se sair cada vez melhor. Incentivo da família também não faltou.
Até o aparelho de ginástica das aulas de Fabiana o pai consertou.
Na ginástica artística, Murer era uma das melhores de Campinas e
chegou a competir no campeonato brasileiro, mas sem grandes
destaques. Conforme foi crescendo, ficou alta para esporte. Perdeu a
motivação diante das dificuldades que passou a enfrentar para
executar um exercício com perfeição. Chegou a um ponto que virou
obrigação. Aos quinze anos, começou a pensar: “O que eu quero para
minha vida? O que eu vou fazer? Será que gosto da ginástica mesmo?
Será que tento uma coisa nova?”. O pai sugeriu: “Vai fazer atletismo”.
Como era veloz na ginástica, logo se imaginou correndo nos cem
metros rasos. Depois, fazendo salto em distância. Eram as
modalidades que vinham à sua cabeça quando pensava em atletismo.
Então, seu pai viu um anúncio no jornal para um teste de salto com
vara. Insistiu para que a filha, que não ficou muito animada, fosse.
Fabiana chegou com a mãe e a irmã numa pista de terra. Tímida, quis
ir embora. Na hora em que estava dando a meia-volta, um dos
técnicos perguntou qual era o nome dela. Não teve como fugir. Lá
foram as irmãs Murer fazer o teste, que consistia em corrida de
cinquenta metros, salto em distância parado e corrida de mil metros.
Nos mil metros, a dupla largou bem na frente do restante das
meninas. No final, Fabiana deu uma acelerada para vencer a irmã. Ao
ver o desempenho da garota, Elson Miranda, um atleta brasileiro de
salto com vara que estava assistindo ao teste, a abordou. Ele contou
que estava finalizando a carreira, se tornando técnico, e em busca de
mulheres para montar uma equipe feminina de salto com vara, já que
o esporte ainda era novo. Mal sabia Fabiana que a ida ao teste na pista
de terra seria tão determinante para a sua vida. Naquele dia, ela não
apenas encontrou o esporte pelo qual se apaixonou e que a tornou
campeã mundial, como também achou o homem da sua vida. Elson, o
atleta aspirante a técnico, acabou se tornando seu treinador e, mais
tarde, seu marido. Estão casados até hoje e em 2017 tiveram uma
filha, Manuela.
Como o salto com vara era uma prova nova, não havia muitas
atletas na modalidade, e o recorde era baixo. Bom para Murer, que
logo se destacou. No começo, com a experiência da ginástica, foi
superfácil se pendurar ali e pular para o outro lado. Seu primeiro salto
foi com vara de bambu e caindo na areia. Aos poucos, vieram as
dificuldades. Em vez de desanimar, os desafios encantaram Fabiana.
“Eu sempre fui muito movida a dificuldades”, admite. “O salto com
vara sempre tem algo que você pode melhorar. Entra essa parte de
fazer a coisa perfeita, ter uma boa técnica. Foi isso que sempre mexeu
comigo, o desejo de fazer uma coisa bonita, técnica”, conta Fabiana,
que teve o apoio do pai superparticipativo: ele construiu uma trave,
colocou uma cama elástica e uma barra que ficavam no quintal para
que a filha pudesse treinar em casa. Tudo isso sem que ela sequer
tivesse pedido.
No juvenil, a jovem atleta era considerada uma das melhores do
Brasil, mas tinha uma frustração: nunca conseguia ganhar um Troféu
Brasil de Atletismo, a mais importante competição interclubes da
América Latina. Não sabe se era nervosismo, mas alguma coisa estava
errada. Além disso, depois que chegou a certo patamar, a certa
qualidade, sentia que estava ficando mais difícil melhorar. No topo, as
melhorias são pequenas. Os pequenos detalhes é que fazem a
diferença. Um exemplo? A mão um pouquinho para frente ou para
trás influencia a envergadura da vara. Qualquer semelhança com os
80% de rendimento para os 100% não é coincidência. Faltava mesmo
aquele rendimento a mais para ficar acima da média. Para isso, Murer
colocava sua determinação nos treinos, fazendo uma análise clínica de
como melhorar. Não treinava por treinar. Procurava entender os
porquês de cada treino, o que cada ajuste agregaria no salto. Fazia
musculação por saber que ajudava a melhorar o seu salto. Treino de
velocidade? A mesma coisa. Sempre com foco na melhora do
desempenho.
Nas muitas competições – só de mundiais, foram seis em pista
aberta e mais cinco em pista fechada –, Fabiana aprendeu a ter
resiliência. Aprendeu que se perde mais do que se ganha. E que o
melhor a fazer numa derrota era tentar tirar uma lição do que não
funcionou e se aprimorar. Um fator interessante: sua competição era
muito mais consigo mesma. Quando melhorava o próprio resultado,
mesmo sem ter vencido, saía contente. Por outro lado, já chegou a sair
chateada da pista, mesmo tendo ganhado, porque sua marca havia
sido ruim.
Seu grande sonho sempre foi participar de uma Olimpíada. Bateu
na trave para Atenas 2004. Mas na seguinte, Pequim 2008, se
classificou. Estava com 27 anos, preparada e animada. Foi confiante
por estar superbem no ranking. Tinha feito a terceira melhor marca
do mundo naquele ano. Antes da competição, separou as varas que
usaria, colocando-as dentro de um tubo para ficarem protegidas.
Deixou com os responsáveis pela organização. Ainda deu uma última
checada para ver se não tinha ficado nenhuma vara esquecida. Voltou
para a vila olímpica para descansar. Dois dias depois, na hora da final,
as varas que estavam no tubo foram colocadas num carrinho com
vários casulos. Fabiana estava muito confiante, com a certeza de que
tinha condição de buscar uma medalha. Fez o aquecimento e o
primeiro salto. Na hora de trocar de vara e pegar uma mais forte para
saltar… ela sumiu! A televisão registrou a cena de Murer procurando
a vara, desesperada. O sumiço da vara a deixou totalmente
desconcentrada. “A minha preocupação era que estava chegando a
minha vez de saltar, e minha vara não tinha aparecido. Achei que eles
tinham esquecido no depósito, pedi para procurar”, relembra.
Elson saiu correndo até o depósito. Olhou os tubos vazios. Nada
da vara. Fabiana tentou improvisar usando uma vara mais dura, mas
falhou nas três tentativas de ultrapassar os 4,65 metros de altura.
Deixou a pista chorando. Mais tarde, descobriu que a organização
confundiu sua vara com as das meninas que não tinham se classificado
para a final, levando o equipamento de volta para a vila olímpica.
Como constatado mais tarde, a vara foi encontrada solta e fora do
tubo. Depois desse episódio, Fabiana jurou que nunca mais retornaria
à China. No voo de volta para casa, ela se cobria com um cobertor e
chorava. Uma das suas preocupações era como seria a reação dos
brasileiros em relação ao ocorrido. “Você sente a obrigação de ir
buscar uma medalha, não só por seus objetivos, suas expectativas, suas
esperanças, mas pelas pessoas”, diz ela, que ficou aliviada com a
receptividade. “No supermercado, pessoas vinham me abraçar. Foi isso
o que me ajudou, me deu força. Passou, bola para a frente.” E bola
para a frente mesmo. A promessa de 2008, de nunca mais pisar em
território chinês, foi quebrada em 2015, no Mundial na China, no
estádio olímpico. Para pessoas com propósito como Murer, o próximo
objetivo fala mais alto. Sua inteligência estrutural a refez do trauma e
a colocou de volta no caminho da alta performance. “Não pensei que
os chineses iam perder minha vara novamente nem que daria alguma
coisa errada. Só pensei que aquela pista era boa e que nela eu voltaria
a saltar alto.” Só mirou o lado bom. Foi a segunda colocada no
Mundial, repetindo sua melhor marca.
Fabiana Murer foi a primeira atleta do Brasil a ter destaque
mundial no salto com vara. E talvez o feito tivesse sido ainda maior
não fossem os resultados da atleta russa Yelena Isinbaeva, duas vezes
medalha de ouro nas Olimpíadas (2004 e 2008), três vezes campeã
mundial (2005, 2007 e 2013), amplamente considerada a maior atleta
do salto com vara feminino de todos os tempos. Isinbaeva foi banida
dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (2016) após um relatório
independente denunciar um extenso programa de doping patrocinado
pelo governo da Rússia. A atleta nunca foi pega em exames
antidoping, mas a Rússia foi banida das Olimpíadas devido ao
tamanho da estrutura montada pelo próprio governo para burlar os
testes. A Netflix fez um documentário chamado Ícaro, vencedor de
Oscar, que explica o tamanho da tramoia. Nele, as pessoas envolvidas
afirmam que 99% dos atletas russos fazem uso de doping. Se Yelena
Isinbaeva trapaceou ou não, não sabemos. Quando perguntei à
Fabiana o que ela achava disso tudo, muito educadamente, ela
preferiu não comentar.
Querer muito e ter disciplina é o que faz de Fabiana Murer uma
campeã. Ela também dá crédito a Elson, que sempre a motivou a
continuar, a ir para frente. Ele falava: “Eu vou para frente. Se você não
quiser, eu vou com outro”. Isso a instigava a continuar. Seu negócio
não era só ganhar, mas sim fazer melhor, fazer mais perfeito.
O esporte a ensinou a enfrentar as dificuldades e ser perseverante.
Cair, insistir, cair, levantar e continuar. Nesse espírito, depois de se
aposentar das competições olímpicas, em 2016, reuniu o time que há
dez anos faz parte de sua equipe para fundar o Instituto de Saúde,
Prevenção, Ortopedia, Reabilitação e Treinamento (Insport). O grupo
mergulhou de cabeça, apostando que daria certo. Para Fabiana, a
dificuldade foi ainda maior porque ela estava mudando de profissão –
tornou-se empresária e fisioterapeuta. Uma mudança de vida,
começar do zero. Um pouco mais difícil do que imaginava, mas segue
em frente. “O esporte me ajudou a ser persistente, disciplinada e
acreditar que vai dar certo. Eu sou uma pessoa positiva, enfrento
dificuldades. Sei cair e levantar e me tornar mais forte.”
CAPÍTULO 12

MENTE, CORAÇÃO E
VONTADE

Calça jeans azul surrada, bota estilo Timberland marrom-clara


empoeirada e uma camiseta verde desbotada. Dizem que basta meio
segundo para formarmos uma opinião sobre uma pessoa. Ao ver
aquele executivo holandês aparecer na entrevista malvestido daquele
jeito, meu pré-julgamento instantâneo concluiu que teríamos um
péssimo bate-papo. Dizem também que a primeira impressão é a que
fica. Devo discordar. Depois de alguns minutos de conversa, eu já
tinha mudado totalmente a minha percepção, e foi a segunda
impressão que ficou. Logo deu para notar o nível intelectual altíssimo
daquele CEO do agronegócio, que atuava em uma empresa que tinha
acabado de ser vendida para um fundo de investimentos. Além de
demonstrar profundo conhecimento da área em que trabalhava, o
executivo conhecia boa parte dos banqueiros da avenida Faria Lima,
em São Paulo. Entendi que sua roupa mostrava que ele era
apaixonado pelo seu trabalho e, ainda que fosse o head da empresa, se
vestia como quem estava no campo trabalhando. Pelo dress code, ele
passava a informação de que não era melhor do que ninguém – estava
claro que não era um CEO de escritório, ele trabalhava no dia a dia
do seu negócio. Entendi que ali, na minha frente, havia uma pessoa
de performance, que não vivia de aparências e não escondia suas
fraquezas por meio de uma roupa chique. Aliás, ele não estava nem aí
para a roupa, o importante era o conteúdo, sua inteligência acima da
média. Esse profissional foi um dos melhores executivos que
entrevistei em toda minha vida.
Foi a partir daquele dia, em 2011, que me deu um estalo e achei
que deveria começar a mapear as características das pessoas de
performance. Quando decidi escrever este livro, minha ideia era fazer
um manual com as regras para ter resultado. Mas a realidade se impôs
e me dei conta de que não é uma listinha de “faça isso e não faça
aquilo”. No caso do holandês, sua performance estava no cérebro, em
sua inteligência, na forma como encarava a vida – com simplicidade e
humildade, fazendo o que tem que ser feito e deixando o ego de lado.
O resultado vem com o melhor uso das nossas competências e o
desenvolvimento delas. E esse melhor uso é garantido pela
inteligência estrutural, que nos torna mais fortes diante das
dificuldades. O M.E.S.A. + Família e amigos ajuda a segurar a atitude
interna que nos leva a ser excepcional. Para este livro, entrevistei
pessoas com perfis e histórias de vida bem diferentes. O que
realmente fez com que elas atingissem grandes resultados foi essa
atitude, que ficou evidente em seus relatos e quando elas me
responderam à pergunta: “O que é performance para você?”.
“Performance para mim é vencer. Estabelecer algo único,
estabelecer uma meta desafiadora. Meta difícil faz a vida mudar. Não
tem graça você correr uma maratona em quatro horas. Não vai nem
treinar direito para isso. Tem que estabelecer uma meta de correr uma
maratona em menos de três horas. É isso o que vai fazer a vida valer a
pena. O chegar lá e tirar a última gotinha que dava.” – Guilherme
Benchimol, maratonista, ultramaratonista e fundador, controlador e
presidente do Conselho de Administração da XP Investimentos.
“No fim das contas, performar está realmente atrelado a esta frase:
a determinação é o caminho da conquista. Performance não é estar no
primeiro lugar. É você conquistar aquela meta que traçou para si.”
– Eduardo Gribel, empresário de shopping center e alpinista.
“É estar sempre em busca do seu melhor resultado. Performance
não é buscar resultados com base nos adversários. É procurar
melhorar o que eu já tenho. Com isso, no dia a dia, tenho que estar
observando os erros que precisam ser corrigidos. Depois de uma
prova, ver o que foi bom, o que não foi. Naturalmente, assim vou
melhorando e evoluindo, porque sempre quero buscar o meu melhor.
Por mais que bata um recorde, sempre vou buscar uma nova meta
para alcançar.” – Adriana Aparecida, recordista brasileira e bicampeã
pan-americana de maratona e atleta participante das Olimpíadas de
Londres e do Rio de Janeiro.
“Performance pra mim é você realmente atingir aquela meta e
aquele objetivo que estipulou, naquele prazo que determinou. Pode
ser um prazo curto, médio ou longo. O que importa é que você
estipulou ali uma meta, um ‘o quê’, e um ‘quando’. Atingiu aquilo? Se
sim, você performou. Agora performance vai variar também muito
com a expectativa. E aqui eu vou trazer um pouquinho para a minha
área, que é de serviço. Sendo bem simples: se você promete para um
cliente entregar uma coisa nota 7 e entrega uma nota 7.5, o cliente vai
ficar supercontente. Então, você foi um cara de alta performance. Do
mesmo jeito, se você promete para o seu cliente entregar uma coisa
nota 9 e entrega uma nota 8.5, ele vai achar que tem baixa
performance. Mesmo que essa performance de 8.5 seja maior que os
7.5 da outra vez.” – Luiz Mattar, foi top 30 do mundo de tênis, é
empresário, fundador e CEO da TIVIT.
“Performance é você se propor a alguma coisa e fazer as coisas
necessárias para chegar àquele objetivo. É tudo o que você constrói até
chegar a esse final. Você se preparar para aquilo, você se exercitar da
forma adequada, seja mentalmente, seja fisicamente – e depois
colher.” – Pedro Zannoni, ex-número 1 do mundo na categoria juvenil de
tênis e atual CEO da Lacoste LATAM.
“Performance para mim é você atingir determinadas metas que
traça para sua vida com um padrão mínimo de moralidade, de
dignidade. Sem ter que, para isso, se desviar do caminho que você
traçou para si mesmo.” – Waldemar Deccache, advogado, sócio fundador
do Deccache Advogados.
“Quando penso em performance, acredito que é ter controle
mental, físico, psicológico, porque isso tudo leva a outro nível de
competitividade, te impulsiona a buscar coisas que não são comuns.
Você quer mais do que só competir, participar. A partir do momento
que eu comecei a pensar em ter performance, isso me impulsionou ao
nível que tenho hoje. Estou conseguindo evoluir mental, fisicamente e
pensando na alimentação, tudo em prol de ter essa performance.” –
Victor Santos, atleta olímpico e o melhor da atualidade do esqui cross-
country.
“É chegar no seu máximo, tirar o máximo de você.” – Fabiana
Murer, campeã pan-americana, recordista brasileira e sul-americana,
bicampeã mundial e atleta olímpica do salto com vara e empresária.
“Performance é atingir o limite com conhecimento, seriedade e
todas as competências que um bom profissional tem que ter. Falo de
organização, capacitação, iniciativa própria, jogo de cintura,
resiliência, persistência, estudar, ter foco, ter determinação. Um
conjunto de competências sincronizadas muito adequadamente. Isso
tudo na ponta de uma flecha. Não são aspectos diluídos. Está tudo na
ponta da bala, e aí você dá o tiro e consegue ter precisão de 100% no
alvo.” – Luiz Roberto Formiga, um dos mais importantes e reconhecidos
atletas de esportes radicais do Brasil.
“Performance é fazer em qualquer condição, mas fazer. É fazer do
jeito que dá. Tem que correr e está chovendo? Performance é ir lá e
correr. Às vezes, nem é o tempo o mais importante. Hoje, as pessoas
estão muito quadradas. Se alguém coloca na cabeça que tem que
correr a 3:00 por quilômetro e corre a 3:10 por estar chovendo, já acha
que não performou. Pode ser que na chuva o corpo estivesse 10% mais
pesado… A performance não é mensurável. Ela está dentro de você.”
– Antonio Manssur Filho, juiz na 2a Vara Cível do Tatuapé, em São
Paulo, e triatleta.
“Existe a performance clara e racional, que são meta e objetivo.
Essa é indiscutível. Ou você fez ou você não fez. Mas também há
outros elementos da performance que são muito importantes – e que
devem cada vez mais fazer parte da trajetória das pessoas, das famílias,
dos negócios. Performance também está atrás da satisfação, alegria,
empatia de verdade.” – Rodrigo Rivellino, ex-jogador de futebol,
maratonista, empresário e sócio proprietário da agência de publicidade e
eventos Aktuellmix.
“A performance é o melhor que você consegue dentro de
determinada situação. Por exemplo, se o mercado de valores caiu 10%
e você caiu só 5%, você teve uma boa performance. Se está correndo
um campeonato, tem que ver os níveis dos concorrentes, aí talvez eu
descubra que tive uma performance nota 7. A performance é um
elemento muito comparativo, é isso que eu quero dizer.” – Eduardo
Souza Ramos, atleta olímpico da vela, empresário, representante e maior
acionista da Mitsubishi no Brasil.


Há algumas nuances em cada resposta, mas há também pontos em
comum e precisos no que se refere ao que esperamos quando falamos
de performance. Um deles é o comprometimento total com um
objetivo. É o tal do se propor a algo e entregar. Fazer acontecer.
Missão dada é missão cumprida. Conquistar, para essas pessoas, é
inegociável. Aliás, se for difícil, isso faz parte do pacote e é muito
bem-vindo. Como Benchimol frisa, tem que ser desafiador, senão
nem vale a pena. Pessoas muito acima da média querem ir além das
expectativas. Superar limites. Diante daquela pergunta “Com emoção
ou sem emoção?”, pode ter certeza de que a opção preferida é a
segunda.
Entrevistei para este livro o empresário Stefano Arnhold,
fundador e, durante muitos anos, controlador da TecToy, empresa de
consoles de jogos eletrônicos. Stefano teve o privilégio de criar um
videogame que teve o envolvimento direto de Ayrton Senna, quando
o piloto da Fórmula 1 era patrocinado pela Sega. Os dois trabalharam
juntos para que o jogo fosse o mais próximo da realidade de um piloto
em ação. Stefano comentou que Senna era perfeccionista, detalhista e
queria melhorar mais e mais o desenvolvimento do jogo. Um eterno
apaixonado e insatisfeito, porque sempre achava que poderia fazer
melhor. Em uma de suas corridas épicas, em 1988, no circuito
Suzuka, no Japão, Ayrton era pole position, mas assim que foi dada a
largada, um imprevisto aconteceu: seu carro, um McLaren Honda V6
turbo, não saiu do lugar. Senna teve que levantar os braços para alertar
os demais pilotos e não ser atropelado por eles. Como a largada
naquele circuito era em uma descida, Ayrton não teve dúvidas: fez o
carro pegar no tranco. Mesmo perdendo dezesseis posições, não
desistiu da prova. Acelerou, ultrapassou e terminou em primeiro
lugar, treze segundos na frente do rival Alain Prost. Outro piloto
brasileiro de F1 que também é exemplo de performance é o
tricampeão mundial Nelson Piquet.
Piquet chegou a rodar 47 mil quilômetros em um ano, sendo sete mil
em corrida e quarenta mil treinando.
Há quem diga que é preciso um talento especial para ter
performance. Talvez sim. Se você desejar ser um maratonista sub-3
horas, é muito bem-vindo ter facilidade para correr e anatomia física
para isso. Assim como é importante ter habilidades para negócios e
gestão se você quiser ser um empresário de sucesso. Mas isso não
basta e não vai determinar nenhum resultado se você não fizer algo
simples, mas que muda tudo em sua trajetória: decidir ter
performance. Não existe milagre. É o que Formiga fala de cuidar das
competências todos os dias até que elas somem um conjunto de
fatores que, buuuum, viram uma bomba de performance.
Decidir ter performance implica dizer sim ou não para uma
atitude diante da vida. Isso depende de um mindset ajustado para
resultados. De uma mentalidade de performance. De disciplina. De
vontade de vencer e de romper com uma situação e partir com tudo
para melhorar de vida, de status, de colocação. Tem gente que nasce
com esse espírito de dar 100%, e não apenas 80%. Tem gente que
aprende em casa, desde pequeno, pelo exemplo e/ou incentivo dos
pais, a performar. Tem gente que acaba tendo um resultado
excepcional como salvação – caso da Adriana Aparecida, que tomou a
decisão de correr, acelerar e vencer para fugir da fome. Foi um
casamento entre uma única oportunidade e a vontade de mudar de
vida. Performance não tem classe social. Ela está do lado de quem
decide o que quer.
Entrevistei o médico ortopedista Cristiano Laurino, formado pela
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com mestrado em
Ciências pela mesma instituição. Atuou como diretor médico da
Confederação Brasileira de Atletismo entre 2004 e 2016, participou
de quatro Jogos Olímpicos (2004, 2008, 2012, 2016), foi diretor
médico do Estádio Olímpico na Rio 2016, médico da seleção
brasileira de atletismo em cinco campeonatos mundiais, três
campeonatos mundiais indoor
(2012, 2014, 2016) e três Jogos Pan-Americanos (2007, 2011, 2015).
Em nossa conversa, ele deixou claro como o papel da mente é decisivo
para a performance. Segundo ele, é a cabeça que vai dar a condição
para o físico aflorar. “A cabeça vai abrir a porta para dizer: ‘Físico,
pode ir que você consegue’. Se a cabeça não fizer isso, não te der essa
abertura, fechar a porta, o físico não se manifesta e você não tem
resultado”, diz o especialista, que volta e meia convive com esse
embate entre cabeça e físico dos esportistas que sofrem alguma lesão.
Segundo ele observa, o maior medo dos atletas é sofrer contusão e ter
que ficar fora de competições importantes ou encerrar a carreira
precocemente. Ele coleciona casos de esportistas que tiveram que
abandonar o esporte. Alguns, para sempre. Outros, apenas pelo
tempo da recuperação. Se dependesse do médico e do combinado que
ele costuma fazer com cada um dos atletas, todos voltariam, e
voltariam melhores.
Alison Cerutti, do vôlei de praia, é um desses casos. Ele teve uma
lesão que foi tratada, reabilitada. O jogador voltou a treinar, a
competir e, em um ano, foi campeão do mundo. Em um ano e meio,
campeão olímpico, no Rio de Janeiro. Laurino conta que, toda vez
que um atleta tem um revés que o leva a uma lesão grave e a um
procedimento cirúrgico, há um consenso geral de que é o fim da
carreira. “Nas entrelinhas, para os pessimistas, não vai dar certo,
acabou… Mas eu sempre tive essa vontade de que a pessoa aflorasse
sua força. Não é só uma força física, é uma força mental, e é até
engraçado porque sempre fiz acordo com esses atletas. Eu falava:
‘Você teve uma lesão e vamos ter que operar, vamos fazer tal
procedimento cirúrgico, que tem essas características, esses riscos,
esses benefícios, essas complicações. Você vai se reabilitar em tanto
tempo, você vai voltar gradualmente, você vai competir, e você está me
devendo a sua melhor marca da vida na sua prova; tudo bem?’. Eles
respondem: ‘Tudo bem, doutor’. E todos os atletas cumpriram. É
incrível”, conta o ortopedista.
Quantos são assim? Quantos prodígios potenciais que não foram
campeões, ou até chegaram a ser, mas depois se perderam por um
revés, como uma lesão, e se retraíram? Passaram a ter uma barreira
que não conseguiram superar? “A cabeça é a força silenciosa que faz
com que atinjam algo importante meses depois, e você não entende o
porquê, mas é o ‘Eu consegui’. É a força do homem”, resume Laurino.
Posso dizer que senti na pele isso que Laurino defende. Quando
eu tinha catorze anos, minha família me incentivou a me tornar um
esportista de alta performance. Eu já era um bom esquiador. Por isso,
a aposta valia a pena. Contratamos treinador, e segui meu sonho de
ser um atleta de esqui na neve. O sonho virou realidade e consegui
competir pelo Brasil por mais de dez anos. Acabei me tornando
tricampeão brasileiro de esqui alpino, vice-campeão brasileiro de
snowboard, participei de quatro mundiais de esqui e duas Olimpíadas
de Inverno. Fui eleito pelo Comitê Olímpico Brasileiro como o
melhor atleta de esportes de inverno em 1998.
Cerca de um ano após parar de competir, em 1999, sofri um
terrível acidente de esqui em Las Leñas, Argentina. Por excesso de
confiança ou ausência de medo, caí em um buraco e tive múltiplas
fraturas na tíbia e na fíbula da perna esquerda. É o que os médicos
chamam de fratura cominutiva ou esmagamento do osso. O médico
que me atendeu na estação de esqui cogitou a amputação. O que já era
grave ficou ainda pior por um erro do primeiro ortopedista que me
operou no Brasil. Ele inseriu uma haste intramedular no osso e errou
no bloqueio do parafuso que deveria ficar próximo ao joelho. Isso fez
com que ela migrasse para o tendão patelar. Eu deveria ter ficado com
a haste por, no mínimo, seis meses, mas tive que tirar com três meses.
Isso gerou diversos problemas. Por isso, esse tratamento não deu
certo. Fiquei aleijado. Perdi seis centímetros de perna, que ficou
côncava, com uma deformidade importante no osso, e meu pé estava
rotacionado para dentro. Depois de dois anos confiando em uma
solução que nunca chegou, optei por mudar o tratamento e buscar
outra maneira de voltar a andar. Antes disso, resolvi estudar sobre
meu caso, aprender sobre medicina para poder discutir de igual para
igual com os novos médicos e escolher o melhor tratamento para
aquela grave situação em que eu havia me metido. O problema, antes
de ser um caso para um médico abraçar e solucionar, era meu.
No total, passei por cinco cirurgias, fiquei em recuperação por três
anos e dez meses. Tive que fazer enxerto de osso da bacia e implantar
na tíbia, usar a “gaiola” ou o Ilizarov, tratamento com um fixador
externo em que hastes de ferro passam por dentro do seu osso, criado
pelo médico ortopedista russo Gavriil Ilizarov. Essa parte da minha
vida foi contada com brilhantismo pelo jornalista Sergio Xavier Filho,
no livro Operação Portuga: cinco homens e um recorde a ser batido.
Conto essa história porque passei por diversos tratamentos para
poder voltar a andar normalmente e pude aprender que aquilo que
funcionou para os outros não teria necessariamente a obrigação de
funcionar comigo. Medicina não é uma ciência exata, ela é orgânica.
Nosso corpo e nossa mente desempenham seu papel e reagem de
forma diferente. Por isso, são nossas competências, ou o
desenvolvimento delas, que fazem a gente chegar aonde queremos.
Posso afirmar com segurança que minha força mental foi fundamental
para que eu voltasse a andar sem muletas novamente. Eu sempre tive
certeza de que ficaria bem.
Não há dúvida de que é a cabeça que nos coloca no foco da
performance. E a mente tem mais força com inteligência estrutural.
Mas não vou ser injusto. Há mais coisa aí, há um combustível. Falo de
um sentimento que faz alguém escolher um caminho e fluir nele. O
que move a performance é a paixão.
Voltando à minha passagem pelo esqui na neve, descobri esse
esporte na década de 1980, quando ainda era desconhecido no Brasil,
e me apaixonei. Meu pai era muito trabalhador, por isso era nas férias
na neve que poderíamos ficar mais próximos. Foi nesses momentos
em família que meus pais viram potencial e acreditaram em mim.
A vida de atleta é muito dura, lembro de fazer meu camp no início
de janeiro em Courchevel, estação de esqui francesa muito badalada
pelos bilionários da Europa, brasileiros e russos. Como o governo
francês queria promover o esqui no Brasil, eu ganhava hospedagem
em hotel de luxo e ficava de quinze a vinte dias treinando de graça. O
camp era o início do ciclo de treinamento, antes de sair para
competições regionais. Muito bacana, mas nada glamuroso.
Courchevel tem um dos maiores espaços esquiáveis do mundo, mas eu
ficava todos os dias na mesma pista. Sobe a cadeirinha, desce a pista,
sobe a cadeirinha, desce a pista. Uma hora, duas horas, três horas. O
corpo começava a travar, a musculatura começava a ficar rígida, doía
bastante. Parava para almoçar e depois voltava para fazer tudo de
novo. Final de tarde? Tinha mais: musculação, corridinha, massagem,
banho, jantar e parada para assistir às filmagens do meu treino.
Dorme cedo, acorda cedo, e o dia se repete. Dias e dias iguais. Não
tem festa, balada, bebida. Nada! Uma rotina dura e muito bem
planejada e definida: a mesma pista de treinos, desce dezenas de
vezes, carrega mais de dez pares de esqui e equipamentos para cima e
para baixo na montanha, porque fazíamos testes de esquis, igual aos
pilotos de F1, que testam os equipamentos dos carros durante a pré-
temporada. Treino e mais treino. A rotina faz parte do jogo, a
monotonia não. Era adrenalina pura e era isto que me motivava: ver
que o risco e o empenho estavam valendo a pena. Estava evoluindo e
muito.
Depois desse período de base, era a hora de meu treinador e eu
sairmos de carro viajando pela Europa, participando de provas da
Federação Internacional de Ski, a FIS. No esqui, quanto mais você
compete, maior é a chance de melhorar seus pontos e, assim,
conquistar o índice olímpico. Tínhamos uma vida nômade. Um dia,
saímos de uma estação de esqui, chamada Praloup, na França, após
uma competição; passamos pela Itália, pela Áustria e chegamos na
Eslovênia, porque no dia seguinte eu tinha o treino oficial da prova de
Downhill em Maribor. (O DH, como é chamado, é a prova mais
rápida do esqui. Os atletas chegam a atingir 150 km/h.) Foram quase
mil quilômetros rodados, passamos por quatro países e, no inverno, as
estradas ficam congeladas, o que deixa a viagem mais perigosa.
Quando não dormíamos no carro, era em hotéis ou albergues de
beira de estrada, e nem sempre os quartos estavam em condições de
receber clientes. Uma vez, viajando pela França, chegamos muito
tarde em uma cidade de beira de estrada, já estava tudo fechado,
encontramos um único albergue em cima de um restaurante estilo
padaria. Demos sorte porque na recepção ainda pudemos escolher um
quarto com banheiro. Para aquela hora da noite, era um luxo. Quando
me deitei e virei a cabeça sobre o travesseiro, vi que o lençol estava
sujo com um catarro verde enorme. Aquele lençol não era trocado há
muito tempo. Era o que tínhamos, e nos divertimos muito. Como eu
poderia reclamar se eu estava fazendo o que amava, viajando com meu
treinador, que tinha virado um grande amigo, conhecendo outras
culturas e outros países, representando o Brasil em provas na Europa,
aprendendo novos idiomas e conhecendo novas pessoas? Além disso,
eu via que estava evoluindo e, pela primeira vez, comecei a sentir que
estava encurtando a distância do meu nível de esqui ao dos melhores.
(Fui o primeiro atleta do Brasil a esquiar abaixo de 100 pontos FIS.
No esqui, quanto menos pontos, melhor.) Não era perfeito, mas era
muito bom.
Nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1998, em Nagano, fui o único
brasileiro com índice olímpico e tive a honra de ser o porta-bandeira
do Brasil na abertura do Estádio Olímpico. Foi a primeira vez que a
mídia brasileira cobriu um evento de inverno, por isso minha mãe,
que estava no Brasil, pôde ver o filho ao vivo descendo a montanha
com a roupa do Brasil. Foi muito emocionante.
Naquela época, não tinha celular nem e-mail. Quando eu
conseguia um telefone fixo, e as ligações eram uma fortuna, ligava
para a família para saber se todos estavam bem e me atualizar sobre os
amigos que estavam no Brasil pulando Carnaval. Com vinte e poucos
anos de idade, por alguns segundos, tinha vontade de estar com eles.
Na vida do atleta, o glamour só acontece quando você participa de
campeonatos mundiais ou Olimpíadas. Na vila olímpica de Nagano,
por exemplo, encontrei algumas vezes o atual Rei do Principado de
Mônaco, Albert II. Cá entre nós, ele não era muito simpático.
Tirando esses momentos que rendem algumas histórias para contar, o
resto do ano é ralação.
Durante esses anos esquiando, quebrei o nariz, rompi o ligamento
e menisco do joelho esquerdo, quebrei o dedo da mão esquerda e, já
quando estava aposentado das competições, tive o acidente que me
custou a grave fratura na tíbia e na fíbula da perna esquerda. Nada
disso me fez parar, sigo nas pistas. Tudo isso pela paixão que tenho
por competir, pela adrenalina, por me desafiar.
Esse sentimento continua comigo, mesmo que eu não seja mais
um esquiador de competição. Hoje ele não está nas pistas de neve,
mas na minha atuação como executivo. Isso me leva a crer que uma
pessoa pode mudar de interesses e atividades ao longo do tempo.
Afinal, a vida é feita de momentos. Mas o desempenho segue sendo
reciclado.
Logo que tive alta do hospital, no episódio da fratura da perna
esquerda em junho de 2003, eu quis voltar rápido à rotina de praticar
esporte. Comecei a pedalar, nadar e correr novamente. Em dezembro
daquele mesmo ano, competi em um Meio Ironman, uma prova em
que era preciso nadar 1.900 metros, pedalar 90 quilômetros e correr
21. Uma modalidade seguida da outra. Senti que fazer uma prova
dura como aquela foi o “carimbo” da cura. Finalmente eu tinha
resolvido o problema, e a alta médica tinha ocorrido na prática. Foi
muito emocionante. A paixão me fez voltar.
Pierre Tagliabue, que também é ex-atleta suíço de esqui alpino, foi
treinador do time B da Suíça e meu treinador por muitos anos,
concorda: “Eu não vejo sucesso sem ser apaixonado por uma coisa que
te motiva. Pessoas de alta performance não se imaginam sem o amor
de se levantar cedo e treinar e trabalhar. Elas querem ser as melhores
na carreira que escolheram. Com isso, vêm a dedicação e a disciplina”,
analisa o suíço, que também vê a resiliência como consequência disso,
já que essas pessoas não cogitam desistir enquanto não atingem o seu
melhor. “O negativo empurra para o resultado positivo. O motor pode
ser só ganhar, mas você tem que estar apaixonado e ganhar”, afirma.
Aí estão algumas palavras que se relacionam: paixão, treino e
performance. Só pessoas realmente apaixonadas não medem esforços
quando se trata de treino – e treino é um dos fatores fundamentais. A
próxima história que vou contar é de um personagem que tem essas
três palavras muito presentes em sua trajetória.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: EDUARDO SOUZA RAMOS

Eduardo conheceu sua grande paixão bem cedo, no início da


adolescência. Quem fez a apresentação foi seu pai. Tudo começou em
1957 no Iate Clube Bandeirantes, na cidade de São Paulo, onde
Eduardo morava. Ele tinha doze anos. O pai, que havia se separado
da esposa quando Eduardo tinha dois anos de idade, morava no Rio
de Janeiro e o visitava a cada quinze dias. O programa dos dois era
passar o fim de semana no clube: tomavam café juntos, dormiam
juntos, faziam tudo juntos, inclusive atividades náuticas. Tiveram essa
rotina por anos e mais anos. No clube aprendeu a dirigir, esquiar,
namorar, velejar e a se apaixonou pela vela, esporte que já era uma
paixão de seu pai.
Eduardo não sabe dizer ao certo, mas acredita que a ligação do pai
com barco veio de um trauma. Seu avô, o pai de seu pai, morreu em
um naufrágio de um navio italiano chamado Principessa Mafalda, que
afundou vindo da Europa para o Brasil, nas costas da Bahia. Sobre
sua paixão, ele tem certeza de que veio da influência do pai, numa
mistura de saudade, respeito e admiração. Começou a velejar aos treze
anos, conduzido por amigos do clube. Com dezesseis, ganhou de
presente do pai seu primeiro barco, um Snipe – veleiro de regatas de
quinze pés para dois velejadores. Aos dezoito, resolveu dar um tempo
da vela porque estava apaixonado pela ideia de ser piloto de carro de
corrida. O negócio é que ele não tinha dinheiro suficiente para entrar
na área do automobilismo. E não poderia contar com a ajuda dos pais,
que eram totalmente contra. Tinham medo do esporte. Incentivavam
as regatas. Mesmo assim, deu um jeito: pegou uma graninha que
tinha guardada, juntou com a mesada e o salário do estágio que fazia
na fábrica de fios de algodão de seu padrasto, o Cotonifício Adelina.
Conseguiu comprar um kart. Não era de primeira linha, mas era
razoável. Fez aula na escola de pilotagem Pedro Victor de Lamare, em
Interlagos.
Os planos iam bem, até que sofreu sua desilusão amorosa aos 23
anos, numa corrida de kart, em Mogi das Cruzes. Tudo começou
quando o kart de outro piloto, chamado Emerson, quebrou. Emerson,
que devia ser um ou dois anos mais jovem que ele, era seu conhecido.
Algum tempo antes, seu pai os apresentou e pediu ao filho que desse
aulas de vela para ele. O destino fez com que Eduardo mais uma vez
desse uma ajuda para Emerson, que pediu seu kart emprestado para
conseguir se classificar para a prova. Eduardo, que estava se achando o
máximo por já ter se garantindo na prova, em oitavo lugar, emprestou
o kart. Emerson Fittipaldi pegou o kart e faturou a pole position.
Aquilo foi um balde de água fria para Eduardo. Concluiu que aquela
relação com o automobilismo era perda de tempo. Se ficasse ali, só
gastaria dinheiro que não tinha e não chegaria a lugar nenhum,
porque também não tinha o dom necessário para vencer.
Ficar parado não lhe caía bem. Simplesmente não conseguia
sentir prazer em passar o fim de semana em casa. Precisava competir.
Era esse o ponto. Esporte com bola? Nunca jogou nada direito. Não
tinha altura para basquete nem para vôlei. Não era bom em futebol. E
ele queria competir como manda o mindset de uma pessoa de
performance: para ganhar. Não teve dúvidas, voltou para os braços de
seu amor antigo, a vela.
Procurou o amigo Dino Pascolato, que foi um dos primeiros a
velejar com ele, e retornou. Logo teve o choque de realidade.
Abandonar a vela por aqueles anos teve um preço: perder ritmo. No
primeiro evento de que participou, um campeonato sul-brasileiro de
Snipe em São Paulo, na Represa Guarapiranga, em São Paulo, foi
péssimo. Havia cinquenta barcos e amargou um 45o lugar. Encarou
com normalidade. Tinha mesmo parado e seu barco não era lá aquela
maravilha. Mas logo ajustou o leme. Olhou o que os melhores faziam.
Qual era a atividade deles durante o ano? Qual era o segredo para
ficarem tão bons? Chegou à conclusão de que o único jeito de
recuperar o tempo perdido seria fazendo o dobro do trabalho dos
melhores. Conta simples. Se o melhor cara velejava, por exemplo,
cinquenta provas por ano, ele teria que velejar cem, ou não o
alcançaria. Sua meta se tornou fazer, no mínimo, cem provas por ano.
Traçou um programa levando em consideração sua realidade no
momento: mulher, filhos e trabalho. Depois de se formar em
Administração de Empresas na Faculdade Getulio Vargas, foi
trabalhar como vendedor de carros na pequena concessionária
Volkswagen do pai, no bairro do Belenzinho, em São Paulo. Muita
gente questionava: “Mas você estudou Administração de Empresas
para ser vendedor?”. Ele, apaixonado por carros desde sempre,
respondia: “É do que eu gosto”. Precisava ganhar dinheiro, precisava
continuar trabalhando, precisava se dedicar ao trabalho pra valer, mas
aos fins de semana ele podia velejar. Pegou uma agenda e procurou
todos os calendários de provas no período de um ano. Percebeu que,
se velejasse só de Snipe, a conta não fecharia. Não havia regatas
suficientes no Brasil para sua meta. E para viajar o mundo
acompanhando o calendário de vela de outros países, precisaria de
dinheiro.
Tratou de achar um plano B viável. Então pensou: dos 52 fins de
semana que tem o ano, três deles são as festas Natal, Ano-Novo e
Carnaval. Nos demais, ia treinar. Ficou sócio do Yatch Clube Paulista,
convenceu sua mulher a gostar do clube, já que lá tinha piscina,
quadra de tênis, uma boa lanchonete e um bom restaurante, e passou
a bater carteirinha lá. Além disso, participando de dois campeonatos,
o brasileiro e o sul-brasileiro, já atingiria a meta das cem regatas por
ano.
Esse foi o seu programa de treino por muitos anos. Com ele, seu
nível começou a subir. De 45o do ranking, passou para 35o. Depois foi
para 25o, até que se tornou um dos melhores do clube e um dos
melhores do estado. Ganhou seu primeiro campeonato paulista em
uma classe, depois em outra classe. Teve ano em que foi campeão
paulista em três ou quatro classes diferentes.
O progresso seguia bem tanto na vela quanto no profissional. A
concessionária foi crescendo, e Eduardo foi crescendo junto, de
vendedor virou gerente de vendas. Anos depois, seu pai resolveu ir
para uma concessionária maior, o que tornou Eduardo, aos 27 anos,
dono daquela loja da Volkswagen.
E o que uma pessoa de performance faz nessas horas? Sobe o
sarrafo. Usou sua regra dos 10%, que consistia em se permitir usar a
décima parte do seu ganho para se divertir, e resolveu gastar aquele
dinheiro para melhorar seu nível no esporte. Com isso, passou a
sonhar em competir em outras classes, de barcos mais caros, e que lhe
permitiriam ir para os Jogos Pan-Americanos ou Olímpicos.
Começou nas classes olímpicas, como a Star – barco à vela, para dois
tripulantes, com 6,9 metros de comprimento – e a Soling – barco para
três velejadores, com 8,2 metros de comprimento. Então se deu
melhor na Soling, classe pela qual competiu em seu primeiro
campeonato no exterior, aos trinta anos, em um evento conhecido, os
Jogos Pan-Americanos de Porto Rico, em 1979. Terminou com
medalha de prata no peito. Três meses depois, foi disputar o
campeonato europeu na França e conquistou o título de campeão
europeu. Pensou: “Agora estou por cima do jogo, ninguém me segura
mais”.
O problema é que no mundo da performance não existe jogo
ganho. Na primeira eliminatória para a Olimpíada de Moscou (1980),
perdeu por um ponto para os irmãos Brum, do Rio de Janeiro, na
classe Soling. Ficou indignado. Mas havia uma segunda eliminatória,
de outra classe, a Star, que ele também velejava por causa do seu
programa “velejar muito”. Não teve dúvidas: se dedicou por dois
meses à classe Star – chegou a passar as festividades entre o Natal e o
Ano-Novo velejando todos os dias. Foi para a eliminatória e venceu.
“Eu vou para a Olimpíada!”, vibrou num primeiro momento. No
segundo, já ficou com a pulga atrás da orelha. “Será que eu ganhei
porque estou no padrão internacional ou porque o padrão Brasil está
fraco?” Não quis esperar a Olimpíada para descobrir. Achou melhor
embarcar para a Europa no dia 1o de maio e voltar para o Brasil só em
30 de agosto. Decidiu: “Vou deixar tudo”.
O que seria abandonar tudo? O pacote trabalho, esposa e filhos.
Por aquele período, decidiu que precisava ser inteiramente do esporte.
Era tudo ou nada. “Ou eu vou para a Olimpíada e tento ser alguma
coisa, ou só vou contar que eu fui para a Olimpíada.”
Largou a mulher e os filhos, organizou o escritório. Chamou seus
três melhores colaboradores e fez uma proposta: a partir daquele dia,
eles seriam seus sócios indiretos. Ganhariam uma participação em
cima dos resultados da concessionária, além do salário. Em troca,
teriam que trabalhar mais, porque Eduardo trabalharia bem menos.
Na verdade, até o final de agosto não trabalharia.
Embarcou para a Europa e começou a velejar como um louco.
Passou dois ou três meses velejando sem parar, procurando
campeonatos, na Alemanha, na Itália, na França. Ganhou
autoconfiança. A esposa foi visitá-lo em junho, passou uma semana na
Alemanha com ele. Em um campeonato famoso que acontece durante
uma semana com barco à vela, chamado Semana de Kiel, pegou o
quarto lugar. Dois concorrentes, que chegaram na sua frente, não
iriam participar da Olimpíada. Concluiu numa conta rápida que
estava entre os três melhores que iriam para a Olimpíada. Ficou
muito animado com as chances reais de medalha.
Na empolgação, ligou para um amigo americano, que fabricava
barcos e velas e tinha sido campeão mundial em 1978 e 1979. E foi o
maior erro que cometeu. O amigo pegou um avião e foi treinar com
ele duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos. Um alemão,
que era vice-campeão mundial, foi junto. Treinavam de cinco a seis
horas por dia. Eduardo, com excesso de confiança, mudou tudo em
relação ao campeonato de Kiel, no qual tinha ido tão bem. Mudou o
barco, o mastro, as velas e achou que tinha encontrado um pacote
melhor. Foi para a Olimpíada. Primeira má notícia: o barco não
passou na medição. Eduardo usou uma semana inteira para readaptar
detalhes do casco para passar na medição. O psicológico já foi para o
brejo. Na primeira regata, amargou um penúltimo lugar. Até que
conseguiu se adaptar ao barco, mas não tinha mais condições de
disputar as primeiras colocações. Aquela experiência deixou
aprendizado para a vida. “Acabou a Olimpíada, foi muito legal, eu
cheguei a uma Olimpíada, treinei bastante, e isso deixou em mim
muita bagagem psicológica, alteração do comportamento profissional,
enfim, foi um impacto gigante na minha vida, porque eu me mexi em
todas as áreas, profissional, esportiva, e aprendi que não se troca na
véspera o time que está ganhando”, conclui.
Para ele, a vida esportiva naquele padrão de competição
internacional tinha acabado. Sem contar que quase perdeu a família, o
controle da concessionária… Passou a velejar só no Brasil. E passou a
se dedicar mais a regatas de barcos maiores.
Paralelamente às competições, Eduardo se dedicou a trabalhar
pelo esporte que lhe deu tanta realização. Passou por dois mandatos
como presidente na federação estadual e um mandato de três anos
como presidente da confederação. Tantos anos de competições, mais
os sete anos como dirigente davam a certeza de que tinha cumprido
sua tarefa de vida no que dizia respeito à vela. Então, o bichinho da
performance mostrou que estava vivo. O ano era 1983, e ele resolveu
arriscar e participar da eliminatória da Olimpíada de Los Angeles
(1984). Não tinha nada a perder.
Então, mais uma vez a teoria de que o emocional equilibrado
trabalha a favor da vitória se comprovou. Ele e sua dupla, Roberto
Martins, do Rio de Janeiro, que haviam ficado em quarto lugar no
campeonato brasileiro, foram para as eliminatórias felizes com o
último resultado, mas sem pressão alguma. Os concorrentes, em
contrapartida, estavam nervosos, vivenciando aquela pressão. A dupla
que estava tranquila e se divertia acabou ganhando a eliminatória para
os Jogos Olímpicos. Dessa vez sem fazer a “loucura” do treinamento
intensivo. Eduardo já tinha três ou quatro concessionárias, agora da
marca Ford. E tinha a firma de veículos especiais, a SR. Não podia se
ausentar por três meses. Recebeu, então, uma ligação do presidente do
Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o major Sylvio de Magalhães
Padilha. Do outro lado da linha, ele disse: “Eduardo, eu tenho uma
boa notícia e uma má notícia. A má notícia é que você é o mais velho
membro da Delegação Brasileira de Vela. A boa notícia é que a vela
ganhou a honra de ter um membro da sua equipe como porta-
bandeira. Como os dois brasileiros que ganharam medalha de ouro na
Olimpíada de 1980 não conseguiram se classificar, decidimos
convidar o mais velho membro para ser o porta-bandeira, isto é,
você”. Foi uma honra gigantesca para Eduardo, que terminou as
Olimpíada de Los Angeles (١٩٨٤) em ١١o lugar e se divertiu muito.
Em paralelo à vela, que sempre foi sua diversão de fim de semana,
Eduardo também transferiu a performance para os negócios. O
primeiro aprendizado, segundo ele, foi aprender a conviver com a
vitória e com a derrota. “A vitória dura 24 horas e você já tem que
pensar na disputa seguinte. Não adianta ficar muito eufórico porque
ganhou, porque logo tem outra. E isso ensina você a não ficar para
baixo na derrota. Pelo contrário. Se eu perdi está tudo bem, vamos
sacudir a poeira e criar um objetivo que traga adrenalina, entusiasmo e
vigor para continuar lutando”. Outra habilidade, que transitou da vela
para a vida empresarial, é a de ser bom observador. “Estudar o que te
cerca, as nuvens, a onda, o clima… são tantos fatores! Você tem que
analisar todos eles para entender de onde vem o vento, se ele vai
mudar de direção, se vai ser mais forte ou mais fraco. Se a onda é a
favor ou contra, se a corrente é a favor ou contra… Tem que analisar a
concorrência o tempo todo. Se estão fazendo igual ou diferente do
que você está fazendo. Ser humilde e procurar não ser individualista.
Se eu der uma largada de barco à vela com os dez melhores
velejadores, e sete forem para um lado e três para o outro, é melhor ir
com os sete, porque geralmente não pode ter tanta gente errada”,
ensina Eduardo. Para ele, tudo isso traz controle mental. E pode-se
dizer que os ensinamentos da vela trouxeram alta performance para
Eduardo nos negócios.
Sabe a habilidade de análise que usava para avaliar as nuvens no
céu e velejar bem? Adaptou para analisar o mercado e identificar
oportunidades. Foi assim que ele teve a ideia de virar também
construtor de carros. Em uma das crises do petróleo, em 1976,
identificou oportunidade de vender carro para a polícia. Teve a ideia
de transformar um sedã quatro portas da Ford, chamado Maverick,
em uma perua. Achou uma empresa que fabricava ambulâncias e
carros fúnebres e levou o sedã lá com o desenho de um perfil. Com
muito trabalho nasceu a perua. Fez o lançamento do veículo, mas não
conseguiu vender nenhum, porque era muito apertado para sair do
banco traseiro com metralhadora na mão. Mas a perua ficou
simpática, e a iniciativa de fabricar um carro ganhou a mídia. O nome
da Souza Ramos apareceu nas publicações Auto Esporte, Revista
Carros e em alguns programas de televisão. Sua concessionária Ford
passou a ser notícia, o que aumentou o movimento.
Em outra ocasião, em mais uma análise de cenário, observando na
rua uma cabine dupla da GM, resolveu perguntar ao presidente da
Ford se ele pretendia fabricar uma cabine dupla no Brasil. Diante da
resposta negativa, com a justificativa de que não havia mercado
suficiente para Ford e GM, Eduardo brincou: “E se eu fizer?”.
Contou a história da Maverick e o presidente falou que, se intenção
fosse séria, ele nomearia um engenheiro da montadora para ajudá-lo
no projeto. A cabine dupla saiu. Como não poderia chamar Souza
Ramos, ele batizou de AS. Montou um estande no Salão do
Automóvel e venderam muitas cabines duplas. Foi um espetáculo de
negócio e um sucesso de mais de dez anos, até a abertura do mercado
pelo governo Collor. Diante da transformação do setor automotivo
com importações de marcas conhecidas e de ótima reputação, tais
como BMW, Mercedes-Benz, Audi e tantas outras, Eduardo teve que
rapidamente se adaptar e se reinventar em meio a um novo cenário
para não quebrar. E que adaptação! Eduardo não sabia, mas o que era
uma ameaça se tornou outra grande possibilidade de negócios.
A investida seguinte foi representar umas das marcas estrangeiras
que estavam chegando ao Brasil. Não teve dúvidas. Tomou a iniciativa
de mandar uma espécie de curriculum vitae, ou como ele diz, “fiz um
book igual ao de modelo” para quatro delas: Nissan, Mazda, Peugeot
e Mitsubishi. O book dizia: “Eu sou fulano, me formei aqui e aqui
velejei, trabalhei, fui presidente da Associação Paulista das Empresas
de Táxi, presidente da Federação de Velas do Estado de São Paulo,
presidente da Confederação, presidente da Associação Brasileira dos
Distribuidores Ford, vice-presidente da Federação Nacional dos
Distribuidores de Veículos. Eu conheço bastante sobre automóveis e a
situação do Brasil, tenho concessionárias e queria saber se posso ser
seu representante”. Deu certo com a Mitsubishi, que estava reticente a
entrar no mercado brasileiro, mas topou fazer uma experiência no
estado de São Paulo. Eduardo abriu uma concessionária e começou a
fazer a importação e a comercialização no varejo. Foi crescendo. Três
anos depois, conseguiu a representação nacional e trouxe a Mitsubishi
para o Brasil. Anos depois, em 1995, o mercado sofreu uma crise
violenta por conta do aumento do imposto. Surgiu, então, a ideia de
construir uma fábrica da marca em Goiás. Lançou a pedra
fundamental da unidade de Catalão, em 1997. Em setembro de 1998,
já estavam operando a primeira linha de montagem, fabricando
Picapes L200. A empresa é um case de sucesso até mesmo para os
japoneses.
E se você acha que a paixão pelo automobilismo dentro das pistas
foi esquecida, se engana! A certa altura, a vontade de voltar a pilotar
começou a lhe dar cócegas de novo. Mesmo se achando velho,
resolveu tentar. Um amigo que organizava corridas de carros antigos o
convenceu a comprar um Alfa 72, que foi reformado e marcou sua
volta às corridas no ano 2000. Do Alfa passou para o Porsche e criou
uma equipe com mais dois amigos. O nome? Equipe Old Boys,
“porque nós somos velhos, mas queremos continuar sendo boys”. Em
2006, ganharam o campeonato brasileiro de endurance. Eduardo
ganhou o título de piloto do ano. Também foi vice-campeão em 2007.
Correu a Porsche Cup por sete anos.
Eduardo foi longe nas suas paixões, a vela e os carros, graças à sua
performance. Foi um dos maiores investidores e incentivadores do
Rally dos Sertões, montando equipes de ponta, patrocinou a Stock
Car com a marca Mitsubishi sempre no pódio. Hoje, aos 76 anos, está
aposentado, mas, como ele diz, enquanto estiver vivo será “o palpiteiro
de plantão” no conselho da empresa. Parou com as corridas de carro
antigo – um hobby que resgatou mais tarde –, mas aumentou um
pouco a participação em regatas com barcos de oceano. “Porque posso
levar a garotada para fazer força e fico teoricamente apenas dando
instruções e vou no leme. Enquanto o físico aguentar, eu vou
continuar”, garante Eduardo Souza Ramos. Eu não esperaria nenhum
plano diferente de uma pessoa com performance muito acima da
média.
CAPÍTULO 13

NUNCA É TARDE

Em geral, os grandes personagens da história descobrem cedo suas


paixões. Dessa forma, Albert Einstein começou sua busca pelas
teorias quando tinha dezesseis anos. Pelé começou no futebol com
doze e já era jogador da seleção brasileira com dezesseis. Ayrton
Senna tinha treze quando estreou no kart. Mozart já tocava muito
bem piano com sete anos de idade. Walt Disney desenhava desde
criança. Adriana Aparecida começou a correr com doze anos. Steve
Jobs não cursou faculdade porque já sabia com o que gostaria de
trabalhar. André Agassi foi forçado pelo pai a ser jogador de tênis.
Desde recém-nascido batia bolinha no móbile. Mas, como diz o
médico especialista em envelhecimento Alexandre Kalache, “quanto
antes melhor, mas nunca é tarde”.
Eu sempre quis entrevistar o personagem deste capítulo, mas ele é
muito reservado e uma das pessoas mais humildes que conheço. Sorte
a minha que ele acabou topando falar comigo! Luiz Mattar iniciou
tarde em uma carreira que normalmente se espera que comece na
infância, e isso também se refletiu em sua vida profissional, já que,
enquanto a maioria já estava trabalhando em escritórios, ele seguiu
seu sonho nas quadras. Recuperou o tempo perdido com sua
capacidade de execução absurda. Parece que tudo em que põe a mão
dá certo. Ele é uma prova de que, quando nos ajustamos internamente
para a performance, podemos nos tornar acima da média, mesmo
contrariando a lógica de que é preciso começar cedo.

UM CASO MUITO ACIMA DA MÉDIA: LUIZ MATTAR

Faltavam apenas seis meses para pegar o diploma da faculdade de


Engenharia Civil na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São
Paulo, quando Luiz Mattar resolveu mudar o rumo de sua carreira.
Ele tinha 21 anos e um sonho: se tornar jogador de tênis profissional.
Os pais, que levaram um susto num primeiro momento, o
surpreenderam dando apoio à decisão de trancar a faculdade no
quinto ano para se dedicar ao esporte.
A virada de rumo profissional foi um resgate da história com o
tênis, que começou na infância. Mattar bateu suas primeiras bolas
com cinco anos, na praia. Aprendeu com o pai, um apaixonado por
esse esporte. Aliás, vale dizer que sua relação com esportes sempre foi
muito forte por influência dos pais. Quando garoto, estudou no
Colégio Santo Américo e sempre participou das olimpíadas juvenis
entre escolas, jogando handebol, basquete, vôlei, natação, futebol…
Mas foi o tênis que fez sua cabeça. O primeiro professor, Airton
Cunha, no clube Harmonia, foi quem criou o desejo no garoto de
crescer no esporte. Desde os dez anos, ele passou a competir no tênis
juvenil, chegando a ficar entre os cinco melhores da categoria. Aos
dezesseis, foi fazer intercâmbio nos Estados Unidos para aprender
inglês. Em sua família, meninos e meninas tinham que passar pela
experiência de morar fora. Segundo os pais, precisavam aprender a
viver novas culturas e línguas. Deu sorte de cair numa casa de família
também esportista. Seus “pais adotivos” americanos adoravam esquiar
na neve e jogar tênis. Mattar teve a oportunidade de jogar tênis, e
muito bem, a ponto de ajudar sua escola americana a conquistar o
título inédito de campeã do torneio de tênis.
Na volta para o Brasil, com dezessete anos, prestou vestibular e
passou para Engenharia. Abandonou o tênis até que, depois de cinco
anos parado, decidiu voltar a treinar no clube. Esse retorno reacendeu
a paixão de Mattar pelo esporte. Nas férias de julho, combinou com
um amigo de jogar o torneio de amadores na Europa. O plano era
jogar para ganhar – assim, ainda poderiam custear parte da viagem.
Treinou bastante, mas o amigo desistiu da viagem. Mattar voou
sozinho para a França.
Ao se inscrever para o torneio na federação francesa, não foi
surpresa nenhuma ver seu nome na quinta classe do torneio amador.
Bem lá atrás! Um dos preços de iniciar a carreira tarde – tenistas
naquela época entravam no profissional com quinze, dezesseis anos –
era que teria mesmo que começar lá na última chave e passar por
todas as etapas eliminatórias até poder competir com os melhores.
Acabou passando dois meses na Europa e jogou muito bem! Com
vitórias em pequenos torneios, ganhou dinheiro suficiente para pagar
as despesas. Na volta para casa, já estava com a cabeça feita: é tênis
agora ou nunca! O apoio dos pais foi decisivo; eles o ajudaram a
encontrar um técnico e custear as passagens. A família apostou com
ele no plano.
Para entrar no ranking da Associação dos Tenistas Profissionais
(ATP), que lista os melhores tenistas do mundo, Mattar chegou a
morar na Nigéria e na Tunísia, ambos países da África, a fim de jogar
torneios um pouquinho maiores e, assim, conquistar seus primeiros
pontos. Teve uma rápida ascensão: em dois anos já estava entre os
cem melhores do mundo. Foram dez anos de uma carreira muito
bem-sucedida. No final dos anos de 1980 e no início da década de
1990, Mattar era o melhor tenista brasileiro. Venceu doze torneios,
defendeu o Brasil em duas Olimpíadas e em dez edições da Copa
Davis. Teve momentos marcantes, como a vitória contra Andrés
Gómez, do Equador, que era um dos dez melhores do mundo, em
1987, no US Open. Outra partida para ficar na memória foi em 1989,
contra o francês Yannick Noah no saibro sagrado de Roland Garros.
Na casa do adversário! Noah sempre foi um jogador atlético,
carismático e que levantava a torcida. Fazia jogadas espetaculares, e o
público se identificava muito com ele. Não era fácil estar na quadra
central, com a torcida vibrando muito por seu oponente. Foi um jogo
épico, de quase quatro horas. Nico, como ficou conhecido, ganhou
num dificílimo quarto set. O mais bacana foi quando o jogo terminou
e a torcida – cerca de vinte mil pessoas – aplaudiu Mattar em
reconhecimento, ainda que ele tivesse ganhado de seu ídolo. Toda a
trajetória do tenista, que chegou a ficar em 29o lugar no ranking da
ATP, foi acompanhada – e curtida, e celebrada – de perto pelos pais,
irmãos e a mulher, Ornella. Até hoje, ele é um dos cinco melhores
tenistas da história do Brasil.
Em determinado momento, Mattar sentiu que era hora de parar.
Não estava mais dentro dele a vontade de acordar de manhã e ir
treinar ou competir, viajar, pegar avião, passar dois meses fora de casa
participando de torneios. E assim como tomou a decisão de jogar
tênis olhando mais para a intuição e menos para a razão, resolveu virar
a página mais uma vez.
E a engenharia? Bom, Mattar, não se formou. Quando parou de
jogar tênis, prometeu que tiraria um ano sabático de férias para
decidir o que faria da vida. Não foi o que aconteceu. Depois de um
mês, recebeu um convite de três amigos para montar em São Paulo
uma franquia da Cervejaria Dado Bier. Conseguiu fazer uma boa
poupança com os prêmios em dinheiro dos dez anos no esporte –
cerca de US$1,5 milhão –, e isso lhe deu segurança para fazer uma
transição de carreira mais tranquila.
De engenheiro para tenista, de tenista para empreendedor. Teve
que começar do zero novamente. Do tênis, carregou alguns
aprendizados, como lidar com motivação e com disciplina, bases de
um esporte individual, que o ajudaram a entrar no mundo
empresarial.
A Dado Bier era uma microcervejaria de Porto Alegre. Eduardo Bier,
o proprietário, tinha planos de fazer franquias pelo Brasil inteiro.
Mattar e os sócios levaram a franquia para a capital paulista, num
endereço estratégico para happy hour: a avenida Juscelino Kubitschek,
quase esquina com a avenida Faria Lima. A casa abria às seis da tarde.
Virou o point para as pessoas se encontrarem depois do trabalho,
fugirem do trânsito, descontraírem. Nos primeiros meses, formava fila
de carros para estacionar. O espaço, bem amplo, tinha enormes tonéis
de cerveja, contava com uma área ao ar livre e outra fechada, que se
tornava uma danceteria mais tarde. Foram cinco anos de sucesso que
deram para pagar os investimentos feitos. A essa altura, Mattar já
estava se sentindo à vontade como empreendedor e, com os sócios,
partiu para a próxima empreitada.
Em 1998, de olho no crescimento da internet e na privatização
das telecomunicações, os sócios viram a oportunidade de criar um call
center para prestar serviço ao comércio eletrônico, que dava os
primeiros passos naquele momento. Montaram a Telefutura. O
negócio começou a crescer a taxas acima do mercado e atraiu a
atenção da Votorantim Novos Negócios, que comprou 20% da
empresa. Assim nasceu a TIVIT, uma das maiores e mais importantes
multinacionais brasileiras do setor de tecnologia, com operações em
dez países e mais de doze mil funcionários.
A escolha por tentar a carreira tardia no tênis serviu de base para
Mattar se tornar um campeão também no mundo dos negócios.
Acredito que ele dominou a arte de fazer movimentos acertados para
não perder tempo. Soma-se a isso o fato de ter aprendido a construir
sua vida com base em muito mais derrotas do que vitórias. “Isso cria
em você uma resiliência, cria o seu caráter. Você sabe que as
dificuldades vão aparecer e que você só pode ter um caminho: seguir
em frente”, diz. Para ele, o esporte construiu sua base como
empresário e para ter motivação no dia a dia. “Não é fácil você ser
executivo, acordar todos os dias e fazer as mesmas coisas”, pondera
Mattar.
A TIVIT segue na vanguarda do setor de tecnologia, área que está
sempre em intensa transformação, ganhando mercado e se renovando.
De comércio eletrônico, fez a transformação para o mundo da nuvem
e está agora com posicionamento de uma empresa do mundo digital.
Pergunto a Nico qual é o seu ponto forte. Ele responde: “Além de
ser uma pessoa instintiva, uso muito o bom senso e sempre foco no
que é melhor para a empresa. Às vezes, a empresa pensa mais no
cliente; às vezes, mais no funcionário. Às vezes, o foco está em
mercado e posicionamento; às vezes está em gerar lucro. A missão do
CEO e do conselho de administração é decidir o que é melhor para o
futuro. Em qual das balanças eu vou ter que colocar mais peso, mais
recurso financeiro? É para cuidar mais dos executivos nos próximos
meses? Para cuidar mais dos clientes? Para cuidar mais do
posicionamento? É para gerar mais lucro para a empresa?”.
Acredita que a vida tem sido muito boa com ele e me conta que se
sente uma pessoa abençoada em todos os sentidos. “Os meus
relacionamentos pessoais e profissionais são de longuíssima duração.
Sou casado com a Ornella há trinta anos e tenho três filhos
maravilhosos. E passei isso também para o mundo empresarial e o
mundo esportivo. Há clientes que estão com a gente desde o início, há
22 anos”, conta. A satisfação que Mattar conquistou na vida pessoal e
profissional é, a meu ver, mais do que bênção, consequência do seu
desempenho. Ele “tirou a diferença” de ter começado mais tarde do
que o considerado ideal, colocando foco nos objetivos e agilidade para
se transformar. Tanto numa partida na quadra central de Roland
Garros quanto nos negócios, sua performance foi determinante para
seu sucesso.
CAPÍTULO 14

ALÉM DA
PERFORMANCE

A cena do jogador de futebol apontando o dedo para o céu após um


golaço é clássica.
Usain Bolt, segundos antes da largada, repetia sempre o mesmo
gesto: olhava para o céu, agradecia a Deus e encerrava com o sinal da
cruz.
Cesar Cielo, o nadador mais rápido do mundo, antes de subir no
bloco de largada, olhava para cima, fazia o sinal da cruz e abaixava
para a posição de largada.
Ayrton Senna disse em uma entrevista que tinha visto Deus
através de uma luz enquanto estava pilotando.
Lewis Hamilton, o maior piloto de Fórmula 1 da história, fez um
post no Instagram dizendo mais ou menos o seguinte: “Dentro do
capacete, nossa mente vive um campo de batalha complexo – frágil,
hostil, de paz, amor e feroz. Foco é tudo nesse momento. Não posso
deixar nada nem ninguém mexer com minha energia. Eu falo para
mim mesmo: eu sou luz e amor. Posso qualquer coisa, sou forte e
corajoso”.
Muitos atletas de alta performance dividem a façanha da glória
com Deus, com algo superior, com uma energia. Será que acreditar
que existe algo a mais é uma forma de o ser humano ter mais fé em
sua capacidade? Ou existe algo que pode mesmo nos ajudar a ter
performance quando nos conectamos a Ele? Será que é mais fácil
sustentarmos uma mentalidade resiliente e focada na vitória quando
estamos ancorados na fé de que o sucesso não depende apenas de nós?
Eu já tive a oportunidade de sentir algo parecido. Em 1998,
competi de moto no Rally dos Sertões e, em um trecho cronometrado
e andando rápido, entrei em uma estrada errada. Quando me dei
conta, retornei e voltei mais rápido ainda para recuperar o tempo
perdido. Sem ver, passei por um mata-burro que era vasado no meio, a
moto voou e consegui sair intacto de um acidente que se tivesse
ocorrido teria tido consequências muito graves, talvez até a morte.
Mesmo com pressa, não consegui seguir adiante. Parei com as pernas
trêmulas, agradeci a Deus e depois segui. Em uma passagem mais
recente, minha esposa e eu perdemos uma gestação de sete semanas.
Depois de alguns meses, minha mulher engravidou novamente de
gêmeos. Não temos histórico nas famílias e não fizemos tratamento.
Quando estávamos em consulta pela primeira vez com o médico, e ele
disse que estávamos esperando gêmeos, tive uma conexão profunda e
imediata com Deus: “Você é um filho da mãe, brinca com a gente.
Sou muito controlador, e você me faz ver que não controlo nada. Me
tirou um e agora me deu dois. Muito obrigado por tudo, meu amigo”.
Existem muitos outros casos de pessoas de performance que se
conectam com Deus. Abilio Diniz, em sua biografia, relaciona a Deus
parte do seu sucesso empresarial e do resgate surpreendente quando
sofreu um sequestro.
Já Albert Einstein era judeu ateu. Muito pragmático, não
acreditava em teorias religiosas, mas ao final de sua vida reconheceu
que existia algo que ele não conseguia explicar sobre a vida.
Nas entrevistas que fiz para este livro, sempre incluí a seguinte
pergunta: “Você acredita em algo maior que podemos chamar de
Deus, energia, amor, fé…?”. Uns afirmam que ela é parte
fundamental do sucesso. Outros são absolutamente pragmáticos em
afirmar que o sucesso para a performance é apenas a nossa própria
força que nos faz chegar lá.
A atleta Adriana Aparecida acredita que Deus colocou o esporte
em sua vida para um propósito. “A maneira como o atletismo entrou
na minha vida não foi através da escola, não foi incentivo de professor,
não foi uma coisa com que naturalmente eu teria contato e pela qual
poderia me interessar. Foi de repente. E da noite para o dia aquilo
virou uma profissão. Com doze anos de idade já via como uma
profissão pra mim. Eu vivi muitas coisas que tenho certeza de que têm
a mão de Deus, eu sozinha não conseguiria. Certeza. Eu sozinha com
as minhas próprias forças não conseguiria”, reflete.
O médico Gustavo Magliocca tentava dar o seu melhor e Deus
lhe retribuía. “Agradeço por me deixar chegar aqui, depois de tudo
que eu passei.” Já Waldemar Deccache acredita que alguma coisa
existe. “No meu íntimo, eu sei que existe alguma coisa. Eu recorro a
Ele em determinados momentos; quando eu estive doente, por
exemplo, eu tive hepatite C, fruto daqueles dois, três anos que eu
passei enterrado nas drogas. Na hora do aperto, você precisa de uma
força, mas não é aquela divindade: vou subir, rezar dez ave-marias e
depois ter algo em troca. Não acredito nisso. Todas as religiões,
inclusive a minha, são criações humanas, não é uma divindade. Deus
existe, mas não tem nada a ver com isso.”
Pierre Tagliabue tem um pensamento parecido: crê que o mundo
está movido pela energia e isso é Deus. “Sou uma pessoa bastante
espiritual, mas não sou religioso. Porque a religião divide, e esse
mundo está muito dividido pelas religiões, porque ego é homem, não
é Deus. Deus não tem ego, Ele é só amor. Energia é só amor.”
Eduardo Souza Ramos acredita em Deus, é católico, agradece
toda noite e toda manhã pede proteção. “Sempre foi rodeado de
bastante energia positiva. Por isso, só tenho a agradecer. Você pode
dizer que é inteligência ou outra coisa, mas eu estava no lugar certo e
na hora certa, quando dei algumas escorregadas não quebrei a costela,
e se quebrei foi só a costela, não quebrei o pescoço e consegui,
consequentemente, me recuperar.”
Por outro lado, o médico Cristiano Laurino acredita somente na
força da pessoa, na bagagem que ela tem. “Quando a gente morre,
vira incentivo para a história dos outros, lembrança para os filhos, dos
que conheceram, aprenderam, o que se produziu pela arte, pelos
livros, pelo que você fez, mas é matéria pura.” Assim como a
neurocientista Carla Tieppo, que é muito pragmática, não acredita em
destino, mas ela também diz que há algo que a neurociência não
explica – e que talvez exista uma força ou energia maior.
Para o executivo Pedro Zannoni, há energias diferentes na vida e
uma completa a outra, fazendo nos ajudarmos. O empresário
Eduardo Gribel concorda. Ele tem certeza de uma energia que o
envolveu a vida toda. “Eu sempre tive uma força muito grande em
inúmeros projetos, em inúmeras situações em que eu acreditava com
muita segurança que iam dar certo. Claro que às vezes não acontecia
do jeito que queria, mas eu acredito muito nessa energia que te move
e te ajuda”, conta. Rodrigo Rivellino também afirma que é movido
por energia, intuição, feeling, sentimentos. “Eu acredito em energia,
pura energia. Não tenho nenhuma religião, mas hoje onde eu me
conecto é na meditação, que pratico há três anos, todos os dias.”
Fabiana Murer me disse que, se você pensa positivo, as coisas
ruins não chegam em você. “Em Londres, eu não estava tão confiante,
pelos problemas, pelas pequenas lesões que eu tive na preparação, eu
não estava tão confiante. E acho que essa falta de confiança influencia,
faz as coisas negativas chegarem em você.” Luiz Mattar segue nessa
mesma linha, de sintonizar com o positivo: “Olha, eu não sou uma
pessoa das mais espirituais, religiosas, mas acredito em um montão de
coisas que me fazem bem. Tento sempre separar as coisas positivas
das coisas negativas da nossa vida e da nossa empresa. E eu não deixo
para depois. Tudo aquilo que acho que está fazendo mal para nossa
vida e para a nossa empresa a gente tem que afastar. Tudo aquilo que
faz bem, tem que manter e incentivar”.
Luiz Roberto Formiga teve a oportunidade de conhecer diferentes
religiões e as traduziu para sua proteção. “Talvez a minha religião seja
um pouco mais egocêntrica. Tudo o que eu penso em forma de
religião eu penso para poder irradiar para outras pessoas, para minha
mulher, minha filha, meus pais, o respeito a eles e a minha vida.”
Guilherme Benchimol tem muita fé. “Acho que se você faz a coisa
certa e tem força de vontade dentro de você as coisas dão certo.
Acredito muito nisso, eu cresci nesse mantra. O Senna falava que se
você acredita, tem força de vontade, cedo ou tarde chega lá. Se quiser
muito vencer, uma hora vai conseguir.”
Certamente, você tem uma opinião sobre isso. Assim como eu
também. Acredito no alinhamento do Cosmos. O Sistema Solar é
uma fração pequena do que é o Universo. Ainda não temos a
capacidade de avaliar os Cosmos que nos roteiam. Nossa dimensão do
todo e do tempo é muito limitada, falamos em anos-luz, bilhões de
quilômetros. Ainda somos insignificantes em termos de pesquisa
científica em comparação com a imensidão espacial. A Terra é um
planeta pequeno, dentro de um sistema solar, que é só mais um dentre
tantos outros que ainda não sabemos quantos são. Não podemos ter a
arrogância de achar que temos a resposta. Não acredito em milagres,
mas acredito em uma energia maior que envolve tudo. Quando ela
está dentro de nós, podemos quase o impossível. Acredito que somos
todos filhos dessa energia. O Sistema Solar nasceu de uma explosão
energética, a criação da vida nasce entre um casal que tem uma
explosão energética. Nosso cérebro gasta energia suficiente para
acender uma luz. Qualquer pessoa pode correr uma maratona; basta
querer e alocar energia para executar a vontade. É ela que nos move,
que nos faz ser quem somos. É ela que conecta às pessoas. É dessa
energia que surge o amor. Olhar no olho e ver que ali há uma
conexão. Da empatia ao frio na barriga, ao beijo e à explosão de calor.
Acredito que esse campo energético está sempre disponível. Mas
talvez nos acostumemos a acessá-lo mais quando estamos no limite da
vida, passamos perto da morte ou vivemos situações extremas. E
quando nos conectamos, consciente ou inconscientemente, com esse
poder, as coisas acontecem.
A Cabala diz algo do qual gosto muito: “A vida é uma via de mão
dupla; fazendo o bem, você recebe o bem”. Há uma lei de causa e
efeito que rege tudo. Então, quando você está fazendo o seu melhor,
dando o máximo que pode, é como se algo que você não vê te desse
aquele empurrãozinho que faltava. É a fé no fato de que tudo vai dar
certo num momento no fundo do poço. Vejo que manter a
inteligência estrutural bem cuidada é uma forma de se manter em
equilíbrio e em sintonia com a energia mais pura e forte que nos
move. E isso nos torna mais poderosos, mais acima da média. Cuidar
de si mesmo para dar o melhor de sua capacidade em tudo o que faz é
o caminho para dar nossa contribuição nesta existência. E quando
estamos no caminho do que viemos fazer, todas as energias conspiram
a favor.
Por que temos uma Adriana que saiu da miséria e se tornou a
melhor maratonista do Brasil? O que essa Adriana tem que outras
tantas Adrianas não têm?
Waldemar perdeu o pai em um acidente trágico, se perdeu nas
drogas e conseguiu voltar com força total na reconstrução de sua vida.
Quantas pessoas que viveram situações tão complicadas nunca mais
conseguiram se reerguer!
Pedro Zannoni perdeu a chance de ter uma brilhante carreira no
tênis, mas depois de quinze anos assumiu como CEO da Lacoste na
América Latina, e hoje é meio que “chefe” de Gustavo Kuerten, já
que o tenista é embaixador da marca no Brasil e no mundo.
Rodrigo Rivellino, depois de se frustrar com a carreira no futebol,
mudou para o mercado publicitário e muitos anos depois foi o
responsável por criar o logo da Copa do Mundo de Futebol no Brasil.
Quando fraturei a perna, minha irmã me ligou quinze minutos
depois do acidente, sem saber do ocorrido, apenas para perguntar se
estava tudo bem. Coincidência? Acredito em conexão energética e que
tudo tem uma razão maior. Não sabemos por que cada pessoa passa
por determinados desafios, mas certamente estamos aqui para dar o
nosso melhor. Mesmo quando tudo parece perdido. Mais tarde,
vamos olhar para trás e ver como fez sentido.
Esse é o propósito da vida, independentemente do que ela nos
apresente. Quando concentramos nossa energia e sintonizamos com
essa inteligência superior, com essa força maior que chamo de
Cosmos, que a ciência ainda não consegue explicar, isso também nos
empurra para alcançar o máximo desempenho. E então, quando
acertamos o caminho, o melhor acontece como um sussurro no
ouvido dizendo: “É isso, vai por aí!”. A janela de oportunidade se
abre, a luz aparece e o caminho, mesmo que duro, fica mais claro. Só
basta a gente querer avançar.
Apêndice

O CHECKLIST DA
PERFORMANCE

Os personagens deste livro têm histórias distintas, mas as


competências são todas iguais. Por isso, listei aquelas que considero
essenciais para ter um desempenho de alto nível.
• Autoconfiança: saber que você pode o que quiser.
• Autoestima: gera saúde mental, confere habilidades sociais e
traz bem-estar.
• Determinação: força de vontade para persistir nos momentos
ruins.
• Disciplina: sem uma agenda estruturada de como chegar, você
não chegará.
• Estrutura emocional: viver de forma harmônica com seus
pensamentos e suas emoções.
• Estudo: somente o aprendizado leva à performance.
• Foco e poder de concentração: o estágio mais avançado para
alcançar os resultados. É a junção de ação e atenção que
resulta no flow.
• Humildade: sempre. Sem ela você será engolido pelo seu ego e
deixará de fazer a coisa certa para fazer o que os outros acham
bacana.
• Inteligência estrutural: manter corpo, mente e alma em
equilíbrio para performar.
• Inteligência: ter clareza e visão ampla de sua estratégia.
• Não ter medo: arriscar; o risco faz parte do jogo.
• Perfeccionismo: sem ele, o resultado não se manterá por
muito tempo.
• Repetição/treino: sem isso, nada na sua vida será feito na
melhor versão e com chances de chegar à perfeição.
• Resiliência: perder hoje para ganhar amanhã.
• Ser competitivo: buscar a vitória.
• Ser obcecado: amar o que faz.
• Ter adaptabilidade: saber mudar a mentalidade quando
necessário.
• Ter objetivo: ter suas metas claras em sua mente (e no papel
também).
• Tomar decisão: pessoas de performance fazem isso o tempo
inteiro.
• Vontade de fazer e executar: sair do papel e ir para a prática.
Mais uma forma de autoavaliação é fazer mais um passo do
processo de assessment: aplicar uma ferramenta eletrônica de análise
comportamental. Caso você tenha ficado curioso para saber qual é o
seu perfil, a RedBull tem um assessment gratuito que é divertido e
compara o seu perfil com o de outros atletas que a marca de
energético patrocina. Veja com quem você se parece neste link:

HTTPS://WWW.REDBULL.COM/BR-PT/WINGFINDER

OS PERSONAGENS ACIMA DA MÉDIA ENTREVISTADOS PARA ESTE LIVRO

A regra que impus a mim mesmo foi contar histórias de pessoas de


performance, com resultados acima da média e que talvez ainda não
fossem de conhecimento público. Histórias que merecem ser escritas
para não serem esquecidas. Aqui, um breve currículo de cada uma
delas:
Adriana Aparecida: recordista brasileira e bicampeã pan-
americana de maratona e atleta olímpica dos jogos de Londres e do
Rio de Janeiro. É fundadora e presidente do Instituto Enfrente, que
tem como propósito ser uma plataforma esportiva voltada à
responsabilidade social e ao desenvolvimento humano e profissional.
Antonio Manssur Filho: 2o Tenente de Cavalaria do Exército
(CPOR/SP), formado em Direito pela USP, com especialização em
Direito de Empresas pela USP. Foi advogado de 1992 a 2003 e é juiz
de Direito desde 2003 (atualmente, juiz de Direito titular da capital,
2a Vara Cível). É triatleta desde 1988, participou dos Jogos Pan-
Americanos de Mar de Plata, 1995; é campeão mundial de Triathlon
Sprint (2009) na categoria 35-39 anos, campeão mundial de
Aquathlon (2009) e campeão brasileiro de Aquathlon (1998 e 2008).
Claudio Castilho: sócio fundador da Assessoria Esportiva Saúde e
Performance; treinador da equipe de Atletismo dos Jogos Olímpicos
de Londres (2012) e do Rio de Janeiro (2016) e diretor-executivo da
Confederação Brasileira de Atletismo.
Dr. Cristiano Laurino: formado pela Unifesp, com mestrado em
Ciências pela mesma universidade. Atuou como diretor médico da
Confederação Brasileira de Atletismo entre 2004 e 2016, participou
de quatro Jogos Olímpicos (2004, 2008, 2012, 2016), foi diretor
médico do Estádio Olímpico nos Jogos Olímpicos Rio 2016. Foi
médico da seleção brasileira de atletismo em cinco campeonatos
mundiais, três campeonatos mundiais indoor (2012, 2014, 2016) e
três Jogos Pan-Americanos (2007, 2011, 2015). Atualmente, é sócio
fundador do Insport.
Dr. Gustavo Magliocca (in memoriam): falecido em maio de
2023, foi sócio fundador da CareClub Medicina Esportiva, diretor
médico da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (de 2008
a 2016), com participação em dois Jogos Olímpicos (Londres 2012 e
Rio 2016); chefe do Departamento Médico da Sociedade Esportiva
Palmeiras (de 2013 a 2023), vice-presidente da Sociedade Paulista de
Medicina do Esporte (Spamde). Consultor do programa Bem-Estar,
da Rede Globo (2012 a 2019). Graduado em Medicina pela
Faculdade de Medicina da USP e em Medicina do Exercício e do
Esporte pelo Hospital das Clínicas da FMUSP.
Dra. Carla Tieppo: doutora em Neurofarmacologia pelo Instituto
de Ciências Biomédicas da USP, professora de Neurociência da Santa
Casa da USP e da PUC-RS.
Eduardo Gribel: sócio fundador do Grupo Tenco Shopping
Centers e alpinista.
Eduardo Souza Ramos: atleta olímpico da vela nos Jogos
Olímpicos de Moscou (1980) e Los Angeles (1984). Empresário,
representante e maior acionista da Mitsubishi no Brasil.
Fabiana Murer: campeã pan-americana, recordista brasileira e
sul-americana, bicampeã mundial, atleta olímpica do salto com vara e
sócio fundadora do Insport.
Guilherme Benchimol: maratonista, ultramaratonista, “ralizeiro”
e fundador, controlador e presidente do Conselho de Administração
da XP Investimentos.
Luiz Mattar: atleta olímpico nos Jogos de Seul (1988) e Barcelona
(1992), defendeu o Brasil por dez anos na Copa Davis, foi top 29 no
ranking da ATP, é empresário, fundador e CEO da TIVIT.
Luiz Roberto Formiga: multiesportista, um dos mais importantes
e reconhecidos atletas de esportes radicais do Brasil. Apresentador da
ESPN, pioneiro em saltos de skysurf e wingsuit no Brasil, surfista de
ondas grandes, snowboarder e esqueitista. Foi líder do ranking
brasileiro de Planadores, atualmente é fundador de uma escola de asa-
delta em Florianópolis.
Marcos Paulo Reis: sócio fundador da MPR Assessoria
Esportiva, foi treinador da equipe de triatlo em duas Olimpíadas –
Sydney (2000) e Atenas (2004) –, além de técnico da seleção
brasileira de triatlo nos Jogos Pan-Americanos de Mar del Plata, em
1995, e de Winnipeg, em 1999.
Pedro Zannoni: foi número 1 do mundo na categoria juvenil de
tênis, professor de tênis e atualmente é CEO da Lacoste LATAM.
Pierre Tagliabue: foi treinador da equipe B de esqui na neve da
Suíça. Também como treinador, participou de três Olimpíadas e cinco
campeonatos mundiais representando Brasil e México. Suíço, mora
em Vail, Colorado (EUA), é guia de montanha e sócio proprietário da
agência de turismo Eternal Snow Ski Tours.
Rodrigo Rivellino: ex-jogador de futebol, maratonista, empresário
e sócio proprietário da agência de publicidade e eventos Aktuellmix.
Stefano Arnhold: maratonista, fundador e ex-controlador da
TecToy, empresa de consoles de jogos eletrônicos.
Victor Santos: atleta olímpico dos Jogos Olímpico de Inverno de
Pyeongchang (2018), Coreia do Sul, é um dos melhores brasileiros da
atualidade na modalidade esqui cross-country.
Waldemar Deccache: advogado e sócio fundador do escritório
Deccache Advogados.

OS BASTIDORES DESTE LIVRO


AGRADECIMENTOS

Minha vida profissional me permite ter relação com muitas pessoas


incríveis. Por isso, não foi fácil escolher os personagens deste livro,
todos grandes exemplos de performance. Adriana Aparecida,
Eduardo Gribel, Eduardo Souza Ramos, Fabiana Murer, Guilherme
Benchimol, Luiz Mattar, Luiz Roberto Formiga, Pedro Zannoni,
Rodrigo Rivellino, Victor Santos, Waldemar Deccache. Sem vocês,
este livro não existiria.
Também não poderia deixar de agradecer a algumas pessoas que
colaboraram para a construção desta obra. Os especialistas que
contribuíram com seu conhecimento: à neurocientista Carla Tieppo,
aos médicos Gustavo Magliocca (in memoriam) e Cristiano Laurino, o
meu muito obrigado. Também a Flavio Souza Ramos, Renata Souza
Ramos, Carlos Gueiros e Joseph Teperman. Daniela Folloni, grande
guia e mentora. Muito obrigado.
Ao querido, e já falecido, Domingos Giobbi, você foi quase um
avô para mim. O responsável pela minha entrada no esqui na neve e
por acreditar em mim; me levou para os maiores desafios esportivos
que eu poderia imaginar. Ítalo-brasileiro, trouxe o alpinismo e o esqui
na neve ao Brasil. Um pioneiro e visionário dos esportes radicais. Tive
o privilégio de tê-lo ao meu lado por muitos anos.
A Pierre Tagliabue, suíço duro, que me mostrou o que era ser um
atleta de verdade quando foi meu coach. Por diversas vezes, me bateu
mentalmente porque queria tirar o melhor de mim. Aprendi muito
com você.
A Marcos Paulo Reis, que foi quase um pai. Estamos juntos desde
meu último ciclo olímpico, em 1997. Muito mais do que me ensinar a
correr, me ensinou valores e princípios e até hoje é uma referência
importante na minha vida. Foi Marcos Paulo quem levantou a
possibilidade de ter erro médico no primeiro procedimento cirúrgico
da minha perna. Ele me levou ao seu médico pessoal, que detectou o
problema. Sem ele, eu provavelmente estaria ainda aleijado hoje.
A Rodrigo Taddei, que me mostrou que minha “caixa de fer-
ramentas” cerebral era mais versátil do que eu mesmo acreditava.
A Claudio Castilho; que privilégio ter feito parte do seu grupo!
Você mudou meu parâmetro de performance e me fez ver que eu
podia fazer muito mais.
Ao médico e professor Antranik Manissadjian, que faleceu no
início de 2022, aos 97 anos, e seguiu me ensinando até seus últimos
dias. Em uma de nossas últimas conversas, disse: “Lelo, a escuta ativa
é fundamental para saber filtrar os novos conhecimentos”. Dr.
Antranik era curioso, aberto a escutar e a aprender. Sem ele, talvez eu
ainda fosse um aleijado.
Ao professor Paulo Cesar. Sempre fui um dos piores alunos da
sala e ele, com seu jeito calmo e sua fala mansa, me mostrou que eu
era inteligente. Em poucas semanas, com suas aulas particulares, me
tornei um dos melhores da classe e fui para as olimpíadas de
matemática do colégio.
Em outra frente, agradeço aos meus pais; devo a vocês o que sou
hoje.
À minha irmã Karla, pelas longas conversas por telefone, um
apoiando o outro para resolvermos os problemas duros que tivemos ao
longo do tempo. Foram esses problemas que nos tornaram mais fortes
e preparados para a vida. Difícil nos derrubar.
Ao médico José Bongiovanni, o “mãos de tesoura”. Com sua
inteligência, resolveu todas as deformidades que eu tinha na perna.
Hoje ando sem mancar e, se corro maratonas, é graças a você e sua
genialidade.
Ao médico Marcelo Filardi, por sua ética e transparência em
mostrar o problema da minha perna. Abraçou minha causa, pegou na
minha mão e me levou para a resolução do problema. Muito
obrigado. Uma honra ter você próximo até hoje.
À minha esposa, Stephanie. Juntos, construímos uma família
deliciosa e que diariamente me ensina o que é amor de verdade.

INSTAGRAM: @LELOAPOVIAN
LINKEDIN: MARCELO APOVIAN
Lelo foi atleta de esqui na neve por mais de dez anos. Representou o
Brasil em duas Olimpíadas e quatro mundiais. Também foi ganhador
do Rally dos Sertões na categoria moto production. Depois de se
aposentar no esqui, sofreu um grave acidente e quase teve sua perna
amputada. Depois de cinco cirurgias e quatro anos em tratamento,
começou a correr maratonas e acabou se tornando um dos melhores
atletas amadores do Brasil.
Em paralelo, em sua carreira como empreendedor na área de
recursos humanos teve a possibilidade de conhecer e entrevistar
pessoas de altíssima qualidade e muito acima da média. Lelo fez mais
de 5000 entrevistas para mais de 300 contratações, conduziu centenas
de Assessments (ferramenta de autoconhecimento) e coachings e
milhares de reuniões com empresários, CEOs, VPs e board members
das maiores empresas do Brasil.
É graduado em Propaganda e Marketing, com pós-graduação em
Psicologia Positiva, especialização em Advanced Marketing
Management e em Neurociência. Foi sócio de uma das mais
importantes consultorias globais de executive search e liderança. É
membro do Conselho de Administração da startup New Value e
mentor do Quintessa, uma das mais importantes incubadoras de
startups de ESG do Brasil. Em 2022, fundou a EdTech BOBE –
Best Of Business Education.
Livros para mudar o mundo. O seu mundo.

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