Simposiocienciasmedicas2017 Artigo6

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TRANSTORNO DA COMPULSÃO ALIMENTAR E SEU MANEJO

NUTRICIONAL: RELATO DE CASO

Gabrielle Rodrigues Nepomusceno¹, Ana Paula Oliveira de Queirós¹

¹Universidade de Fortaleza – Curso de Nutrição


[email protected]

Resumo

Trata-se de um relato de caso acerca da paciente M.G.S.S., sexo feminino, 36 anos, casada,
religião católica, reside em Fortaleza com marido e filhos, diagnosticada com transtorno da
compulsão alimentar. O objetivo do estudo foi evidenciar com base na experiência vivida a
importância da intervenção nutricional no tratamento da compulsão alimentar e na remissão dos
episódios compulsivos e a eficiência da metodologia interdisciplinar por meio da mudança do
comportamento alimentar, proporcionado pelo Programa Interdisciplinar de Nutrição aos
Transtornos Alimentares e Obesidade (PRONUTRA), que atua no Núcleo de Atenção Médica
Integrada (NAMI). O atendimento nutricional é embasado na Nutrição comportamental, sendo
aplicadas suas técnicas através das fases educacional e experimental, onde é trabalhado o
comportamento alimentar através de atividades sobre alimentação saudável, imagem corporal e
ditadura da beleza, tipos de fome e sentimentos e sensações em relação à comida. Essas
temáticas são abordadas de forma interativa, colaborando para mudar positivamente o olhar da
paciente acerca da relação com a comida e com o corpo. Com o tratamento interdisciplinar e a
alta do programa, observou-se o sucesso no alcance do objetivo de melhorar a relação com a
alimentação e com a imagem corporal, melhorando os componentes social, sentimental e cultural.

Palavras-chave: Transtorno Alimentar, Compulsão Alimentar, Nutrição Comportamental.

Introdução

Os transtornos alimentares são caracterizados por uma perturbação persistente na


alimentação ou no comportamento relacionado à alimentação que resulta no consumo ou na
absorção alterada de alimentos e que compromete significativamente a saúde física ou o
funcionamento psicossocial. São descritos critérios no DSM-5, diagnósticos para pica, transtorno
de ruminação, transtorno alimentar restritivo/evitativo, anorexia nervosa, bulimia nervosa e
transtorno de compulsão alimentar (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013).
Indica-se que a maior frequência de transtorno alimentar está presente entre mulheres
jovens, afetando 3,2% daquelas entre 18 e 30 anos. As taxas de prevalência de transtorno
alimentar, dependendo do quadro – síndromes completas ou parciais –, variam de 0,5% a 5%.
Mesmo indivíduos com transtornos alimentares não especificados – considerados menos graves –
têm risco de morte elevado e sabe-se que os transtornos alimentares têm alto custo para o
sistema de saúde (CROW et. Al, 2009).
Diversos estudos têm sido realizados na tentativa de averiguar fatores de risco para o
desenvolvimento de transtornos alimentares e, embora alguns deles – sexo feminino, problemas
alimentares na infância, abuso sexual e morbidade psiquiátrica em geral – já tenham sido
associados, os dados disponíveis de pesquisas são inconclusivos quanto aos mecanismos
implícitos ao desencadeamento do transtorno (JACOBI et. Al, 2004).
O modelo mais aceito atualmente, que melhor agrupa as diversas causas, é o
“biopsicossocial”: juntando fatores culturais, sociais e familiares com as características individuais
– de fisiologia, cognição e personalidade –, apontando ainda a presença de desagrado com o
corpo como base para o surgimento dos transtornos alimentares (POLIVY; HERMAN, 2002).
O transtorno da compulsão alimentar, tem como característica episódios frequentes de
compulsão alimentar que devem ocorrer, em média, ao menos uma vez por semana durante três
meses. É preciso que a compulsão alimentar seja caracterizada por três dos seguintes aspectos:
ingerir grandes quantidades de alimento sem estar com sensação física de fome; comer sozinho
por vergonha do quanto se come; comer muito mais rapidamente do que o normal; comer até se
sentir desconfortavelmente cheio; e sentir-se desgostoso de si mesmo, deprimido ou muito
culpado em seguida (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013).
O tratamento nutricional profissional deve ter uma detalhada anamnese para a coleta dos
hábitos alimentares do paciente e histórico da doença. É importante analisar crenças nutricionais
e a relação com os alimentos. Sendo este dividido em duas fases, educacional e experimental. A
fase inicial deve ter como foco a educação nutricional, sendo o diferencial no tratamento, onde o
nutricionista precisa trabalhar desmistificando mitos e crenças alimentares que, as vezes, causam
sofrimento ao paciente, esta envolve conceitos de alimentação saudável, tipos, funções e fontes
dos nutrientes, recomendações nutricionais, consequências da compulsão alimentar e das
restrições. Na fase seguinte dos aconselhamentos, o foco serão as mudanças de atitudes
alimentares, no qual se trabalha mais intensamente a relação que o paciente tem com o alimento
e seu corpo, ajudando-o a conhecer os significados que o corpo e a alimentação possuem
(AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION, 2006).
Diante disso, o objetivo do presente estudo foi evidenciar com base na experiência vivida a
importância da intervenção nutricional no tratamento da compulsão alimentar e na remissão dos
episódios compulsivos e a eficiência da metodologia interdisciplinar por meio da mudança do
comportamento alimentar, proporcionado pelo Programa Interdisciplinar de Nutrição aos
Transtornos Alimentares e Obesidade (PRONUTRA), que atua desde 2005 no Núcleo de Atenção
Médica Integrada (NAMI).

Materiais e Métodos

Trata-se de um relato de caso de uma paciente do sexo feminino, 36 anos, diagnosticada


com Transtorno de Compulsão Alimentar (TCA), em tratamento no Programa Interdisciplinar de
Nutrição aos Transtornos Alimentares e Obesidade (PRONUTRA) da Universidade de Fortaleza
(UNIFOR). O caso foi escolhido devido à melhora do comportamento alimentar, mudanças de
hábitos alimentares e estilo de vida, levando em consideração ainda a melhora do estado
nutricional.
Os dados foram coletados do prontuário da paciente no período de agosto de 2015 a junho
de 2016, onde foi observado: tabelas de porcionamento, descrição dos atendimentos relatados
nas evoluções, diários alimentares preenchidos e dados antropométricos registrados no
documento.

A paciente procurou o PRONUTRA informando ter uma obsessão por comida. Relatou que
começou a engordar após a gestação, engordou 40 kg e recebeu posteriormente o diagnóstico de
diabetes mellitus. Paciente informou que não sente fome, mas sente muita ansiedade e tem
descontrole alimentar.
O programa utiliza a metodologia recomendada, sendo assim atendimento com equipe
interdisciplinar envolvendo os três profissionais de saúde (nutricionista, psicólogo e psiquiatra),
auxiliando dessa forma as diversas questões que estão presentes no transtorno alimentar.
As sessões de Nutrição, acontecem semanalmente e são trabalhadas questões pertinentes
a mudança do comportamento alimentar, da relação com a comida, imagem corporal e identificar
a vontade de querer se alimentar para suprir alguma demanda emocional. Em cada sessão há
uma meta acordada com o paciente, que deve-se tentar seguir para êxito do tratamento. Com o
passar dos atendimentos, sem estipular tempo para diminuição dos sintomas, a adesão às metas
demonstra o controle do transtorno e a progressão do paciente no auto-controle.
O objetivo do tratamento interdisciplinar é melhorar a relação com a alimentação e com a
imagem corporal por meio da mudança do comportamento alimentar , fazendo uso de atividades
educativas que englobam temas como transtorno de compulsão alimentar; conceitos básicos de
alimentação saudável; tipos de alimentos; fome e saciedade; alimentos e sentimentos; mitos e
verdades sobre a alimentação; imagem corporal; comer consciente, além de vídeos motivacionais
e discussão de textos que compreendem a relação da mídia/sociedade com os padrões estéticos
impostos.
Seguindo o protocolo do PRONUTRA, foram realizadas diversas atividades educativas,
além de utilizar a principal ferramenta da nutrição que é o diário alimentar, que deve ser
preenchido com todas as refeições realizadas da semana, os horários, os níveis de fome e
saciedade, além dos sentimentos envolvidos em cada refeição e aos diversos alimentos presentes
na alimentação, sendo assim possível conhecer os hábitos alimentares do paciente. A proposição
e a adesão de metas semanais – não apenas alimentares, mas comportamentais, fazem parte do
monitoramento.

Resultados e Discussão

Paciente entrou no PRONUTRA em agosto de 2015 e teve alta em junho de 2016, teve
uma ótima evolução e conseguiu receber alta em menos de um ano de tratamento. Quando iniciou
o tratamento, M.G.S.S. pesava 96,8 kg, 1,56 m de altura, índice de massa corporal de 39,78
kg/m², indicando obesidade grau II, circunferência da cintura de 118 cm, indicando um alto risco
de doença cardiovascular. Paciente com diagnóstico prévio de diabetes mellitus e hipertensão
arterial. Alimentava-se mal, com episódios compulsivos recorrentes.
M.G.S.S. começou a se alimentar melhor ao longo dos atendimentos, levando lanches como
iogurtes, frutas e saladas para o trabalho, preparando suas refeições nos finais de semana. Após
três meses de atendimento, paciente começou a cessar episódios compulsivos e relatava não
sentir culpa ao se alimentar, assim como não sentia mais tanta preocupação com o peso.
No início dos atendimentos, foram realizadas várias atividades educativas, assim como:
pirâmide dos alimentos; macronutrientes; tipos de vontade; elaboração de pratos; fome e
saciedade; planejamento alimentar; rotulagem dos alimentos; tipos de alimento: in natura,
processados e ultraprocessados; alimentação consciente.
Nos atendimentos seguintes, que foram prévios a fase de alta, foi colocada em prática a
fase experimental com uso de vídeos, textos, explicação e observação dos padrões da mídia e da
sociedade, assim como a aceitação do seu corpo e trabalhando o sentimento de culpa ao se
alimentar. Foram realizadas atividades como: leitura do livro “o peso das dietas”; vídeo “de bem
comigo, não foque no peso”; peso e imagem corporal; 25 maneiras de amar o seu corpo; leitura
de textos “como sobreviver no mundo da pseudo-imagem corporal” e “ser satisfeito com meu
corpo faz a diferença”.
A paciente G.M.S.S. ingressou no PRONUTRA com vários fatores como família e amigos
que atrapalhavam a melhora, um peso muito elevado e a insatisfação com o corpo. Foram
observados muitos avanços, que foram possíveis através de tratar não somente o transtorno em
si, mas as relações multicausais no comer transtornado da paciente, acessando emoções e
sentimentos que estavam aliados a estes comportamentos, propiciando um novo relacionamento
com o alimento e com o corpo (NUNES, 2012). Assim, aos poucos foram obtidos avanços como a
melhora do padrão alimentar a consciência de não rotular alimentos como bons e ruins, auxiliando
na redução da culpa ao se alimentar, tendo como consequência a redução do peso – paciente
entrou no programa com 96,8 kg e teve alta com aproximadamente 91,7 kg.
Além disso, para a melhora do paciente é necessário que ocorra um tratamento
interdisciplinar aliado juntamente à motivação, vinculo e adesão efetiva do paciente. Devido à
complexidade da condição clínica dos transtornos alimentares é necessária uma abordagem
multiprofissional, com uma equipe composta por psiquiatra, nutricionista e psicólogo (Gorgati et
al., 2002).

Conclusão

Podemos concluir que o tratamento indicado para os transtornos alimentares, como o


desenvolvido pelo PRONUTRA, demonstra maior eficácia na terapia do que um trabalho
profissional isolado. A equipe interdisciplinar (psicologia, psiquiatria e nutrição), cada um atuando
em sua área, conseguem um tratamento mais dinâmico e com maior facilidade de resultados
positivos, abrangendo os pontos necessários para o tratamento, que não se limita em ser apenas
alimentar, mental ou comportamental, mas uma junção dos três. O tratamento interdisciplinar foi
de grande importância, tendo assim um grande sucesso devido ao trabalho em equipe, que
contribuiu para a melhora da paciente, comprovando que por meio da Nutrição comportamental,
da motivação pessoal e da colaboração profissional o transtorno alimentar pode ser controlado.

Agradecimentos

Agradecemos primeiramente à instituição de ensino Universidade de Fortaleza, que nos


proporciona experiências gratificantes nos estudos e em especial à coordenadora do Pronutra,
Ana Paula Queirós, por nos proporcionar uma experiência incrível nesse programa e pelo auxílio
na elaboração deste trabalho.

Referências
AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION. Position of the American Dietetic Association: nutritional
interventionin the treatment of anorexia nervosa, bulimia nervosa and binge eating. J Am Diet
Assoc, v.12, p. 2073 -2082, 2006.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de


transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. 976p.

CROW, S.J. et al. Increased mortality in bulimia nervosa and other eating disorders. Am J
Psychiatry. 2009;166:1342-6.

GORGATI, Soraia Bento; HOLCBERG, Alessandra S.; OLIVEIRA, Marilene Damasco. Abordagem
psicodinâmica no tratamento dos transtornos alimentares. Rev. Bras. Psiquiatr, volume 24,
número 3, 2002.

JACOBI, C. et. Al. Coming to terms with risk factors for eating disorders: application of risk
terminology and suggestions for a general taxonomy. Psychol Bull. 2004;130(1):19-65.

NUNES, R. M. Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) e a abordagem da


Terapia Cognitiva Comportamental (TCC). Universidade Federal de Juiz de Fora, 2012.
POLIVY, J.; HERMAN, P. Causes of eating disorders. Annu Rev Psychol. 2002;53:187-213.

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