1º Semestre
1º Semestre
1º Semestre
Caráter Zetético – abertura para o questionamento, sabendo que a zetética é o ramo da filosofia
que investiga sobre a razão e a natureza das coisas.
O Direito é algo cultural. Apesar de existir por todo o mundo e parecer absoluto que sempre
existiu e sempre há de existir, o direito é algo de natural, uma vez que surge no seio de uma
sociedade.
A Escola Histórica do Direito foi um movimento jurídico que surgiu na Alemanha e teve grande
influência nos séculos XIX e XX.
Esta escola procurava compreender o direito por meio do estudo da história, enfatizando a
importância da análise de textos legislativos e da evolução histórica das instituições jurídicas. Os
membros desta escola acreditavam que o conhecimento do passado era essencial para entender
e interpretar corretamente as leis. Eles argumentavam que as normas jurídicas deveriam ser
interpretadas à luz da história do povo, refletindo as suas tradições e desenvolvimento cultural.
A Escola Histórica rejeitava abordagens mais abstratas e dedutivas para a interpretação do direito,
em favor de uma interpretação contextualizada e historicamente fundamentada das leis. Ela abriu
caminho para o desenvolvimento do positivismo jurídico na Alemanha, no entanto, é importante
ressaltar que a Escola Histórica do Direito e o positivismo não são idênticos, pois o autor principal
dessa corrente, Friedrich Carl Von Savigny, tinha uma posição distinta em relação à codificação
do direito. Rejeita o direito consuetudinário, por ter como base o irracionalismo da tradição,
contrário aos princípios da civilização, defendendo a positivação do direito natural por meio de
códigos estabelecidos pelo Estado.
O direito pátrio refere-se ao direito consuetudinário de uma sociedade, desenvolvido a partir das
práticas e tradições locais ao longo do tempo. Este valoriza a importância das leis e costumes
específicos de uma determinada comunidade ou região na formação do ordenamento jurídico.
Relativamente, ao direito romano-canônico, este é um termo que se refere à fusão e interação
entre o direito romano e o direito canônico (ou eclesiástico) na Europa medieval. Essa
combinação de influências legais teve um impacto significativo no desenvolvimento dos sistemas
jurídicos europeus e influenciou a formação do direito moderno.
O direito romano era o sistema jurídico desenvolvido durante o Império Romano. Ele era
caracterizado pela sua ênfase em princípios gerais, razão e equidade.
O direito canônico refere-se ao conjunto de leis e normas desenvolvidas e promulgadas pela
Igreja Católica. Ele abrange questões como o direito eclesiástico, disciplina clerical, casamento,
sucessão, e outros assuntos ligados à vida da Igreja e dos fiéis. As decisões dos concílios
ecumênicos e as bulas papais eram fontes importantes do direito canônico.
Durante a Idade Média, o direito romano foi redescoberto e estudado, principalmente através das
obras de juristas romanos clássicos. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica exercia uma influência
significativa sobre a sociedade europeia, e seu direito canônico desempenhava um papel crucial
na organização e governação da Igreja.
A interação entre o direito romano e o canónico ocorreu em várias formas:
Receção do Direito Romano: Muitas das ideias e princípios do direito romano foram
incorporados nos sistemas jurídicos locais à medida que o direito romano foi redescoberto
e estudado.
Influência do Direito Canônico: O direito canônico também influenciou as práticas legais e
as instituições em muitas regiões, especialmente através de tribunais eclesiásticos que
lidavam com questões matrimoniais, sucessões e outras.
Universidades e Escolas de Direito: As universidades e escolas de direito medievais
desempenharam um papel central na fusão dessas tradições legais, promovendo o estudo
tanto do direito romano quanto do canônico.
Essa fusão de influências legais contribuiu para a complexidade e diversidade dos sistemas
jurídicos europeus e teve um impacto duradouro no desenvolvimento do direito moderno.
A História do Direito não “deve cingir-se aos domínios tradicionais do seu labor, parecendo-nos
que a investigação do passado, mesmo em sociedades que aparentemente vivem num eterno
presente, é ainda domínio histórico” (Cap. I-III). “O interesse real da história jurídica, hoje, não é
tanto o domínio cognoscitivo das épocas passadas, num plano desinteressado […] mas a
apreensão do sentido do presente, com o auxílio […] do transcorrido” (Cap. I-IV).
Em 1789, com a Revolução Francesa, dá-se o início da Idade Contemporânea. Com ela surge uma
nova modernidade jurídica: a força/poder do código civil, fortemente influenciado pelo código
civil francês de Napoleão (1804). O Direito Contemporâneo será o ponto de partida para o estudo
em História do Direito. Procura-se saber quem o elaborou, quem é o responsável por ele, quem
visa alcançar, etc.
"O interesse real da história jurídica, hoje, não é tanto o domínio cognoscitivo das épocas passadas,
num plano desinteressado e puramente contemplativo, mas a apreensão do sentido do presente,
com o auxílio do entendimento do transcorrido. A indagação histórica é indagatio, investigação
cuidadosa, e o historiador [é] um indagator, [aquele que] reconstitui a verdade seguindo as pistas
(os documentos históricos […]). O objeto desta pesquisa, indago, é simultaneamente ela mesma,
os seus instrumentos” (Cap. I)
O perspetivismo histórico envolve uma multiplicidade de pontos de vista, eles são levados em
conta à composição de um trabalho muito amplo narrativo.
Não há perspetivas absolutas.
A fusão de pontos de vista é o que envolve o papel do historiador e do jurista, os dois estão
envolvidos na composição de uma determinada história, cujo discurso deve ser coerente e
marcado pela linearidade e sequencialidade, ambos obedecem a critérios temporais.
Os juristas partem de diferentes narrativas sobre o mesmo facto - perspetivas diferentes sempre
colocadas na forma de texto.
O ordenamento jurídico é um texto que constitui uma grande perspetiva textual sobre o mundo
jurídico.
O perspetivismo é uma visão externa e interna:
Ordenamento jurídico, do ponto de vista interno, lança um olhar sobre própria
atividade/narrativa jurídica, que é um olhar interno sobre o sistema.
O sistema lança um olhar externo quando o ordenamento jurídico tenta uma
concordância sobre aquilo que esta textualizado dentro dele.
É um olhar paradoxal, simultaneamente externo e interno: olha-se dentro do sistema e, ao mesmo
tempo, para a conjuntura social e política do momento histórico, como forma de traçar um
determinado quadro sobre o tema que eles podem indagar. - Perspetiva zetética jurídica;
história do direito também atravessa questões filosóficas;
2. História e Estórias: a contingência da narração histórica
História: tem uma perspetiva mais ampla, mas também uma dimensão narrativa; apresenta
factos e menções do passado, mas também pode preocupar-se com factos relativamente
recentes, o que obriga a uma sensibilidade para definir o que é importante à história e o
que não é; é um dos discursos propostos para a compreensão, interpretação e ação, tendo
um carácter mais dinâmico, reflete sobre o passado, orienta-nos o futuro e faz isso no
presente; tem um carácter de contingência.
Estória: É uma narrativa, que pode tanto ser ficcional como real. Poderá ser um facto
passado da minha vida (ex.: algo que aconteceu há x anos) ou, por exemplo, os Contos dos
irmãos Grimm, fábulas, etc. Trata-se de uma referência menor. Esta ideia em termos
linguísticos foi abolida, no entanto para o professor Paulo ainda pode ser interessante.
A história é mais do que uma mera reflexão, ela propõe instrumentos, não é apenas uma
transmissão, mas sim uma transformação, através da compreensão, das palavras por via de uma
narrativa e com um carácter contingencial (algo que não é impossível, mas também não é
necessário).
O historiador não espera que as contingências desapareçam, então pretende contorná-las,
envolvendo um caracter criativo e especulativo lançando a mão uma série de recursos. À história
não falta um pendor ideológico e pragmático e é esse toque mais pessoal, que é marcado pela
contingência, ou seja, exige uma perspetiva própria. As contingências dependem da
perspetiva, podem ser vistas por um historiador e não por outro.
A história é uma ciência que investiga o passado da humanidade e o seu processo de evolução,
tendo como referência um lugar, uma época, um povo ou um indivíduo específico. Toda a história
é fruto de uma construção, de uma perspetiva. A palavra “História” tem origem no termo grego
historie, que significa “conhecimento através da investigação”. Neste âmbito podemos distinguir
estória de história. Enquanto a primeira designa narrativas populares ou tradicionais não
verdadeiras, a segunda refere-se à História como ciência, ou seja, como história baseada em
acontecimentos reais. Na compreensão de estória podemos invocar a obra de Heródoto que ao
relembrar dá-nos peças geográficas, etnográficas, descritivas e fantasias. Por sua vez, Tucídides, é
um dos fundadores da História pois concentra-se na investigação temática unitária, no espaço e
no tempo.
Geógrafo e historiador grego (séc. V a.C.), considerado o pai da história, mas também um “grande
mentiroso”, com pouco afeto pela verdade. Heródoto tinha a noção de que o historiador está
implicado na construção que faz. O que o historiador conta depende do que ele sabe, do que ele
sente, da sua opinião, etc. Esta história, apesar de narrada subjetivamente, era fundamental para
compreender as condutas das pessoas em sociedade. As narrativas de Heródoto contam História,
histórias e estórias. A ideia de indagação surge muito ligada a Heródoto, pois este pretendia
deixar registos para o futuro com um certo rigor, demonstrando uma ideia muito embrionária de
História, procura, então, apresentar os resultados das suas investigações e expor os factos por aí
pesquisados.
Professor Paulo Ferreira da Cunha afirma que este pretendeu deixar os feitos dos homens daquela
época para a posterioridade — Evasão de Persa. A obra de Heródoto é fundadora de uma história
como as estórias, ou seja, criou uma ficção à volta de factos verídicos, isto pois Heródoto afirma:
“Eu devo contar aquilo que se conta, porém, de algum modo, eu devo acreditar em tudo e essa
advertência não vale só para mim, mas também para toda a minha narrativa”. Heródoto não esta
preocupado com critérios de verdade, ou melhor, com garantir a verdade, apresenta diferentes
perspetivas do mesmo acontecimento, mesmo sendo contraditórias.
Crítica Heródoto e caracteriza-o como um contador de mitos. Tucídides tem uma abordagem
diferente à história, é um historiador preocupado com a verdade, mas não tanto com os detalhes
individuais, como Heródoto, apesar de muitos considerarem que Tucídides veio continuar o
trabalho de Heródoto. Tucídides procurava fazer um estudo mais neutro e menos comprometido.
Ele vai narrar a guerra entre os espartanos e os atenienses.
São preocupações de foro epistemológico. Alguns historiadores, como acham que não há um
consenso e que são que são questões mais teóricas, não tão práticas, desvalorizam o uso do
conhecimento histórico para esse fim.
Carlos Reis, assim como outros autores cita um dos argumentos usados na perspetiva de um
observador externo e cético: “Pensamento histórico não podia ser verdadeiro porque ele é
empático, compreensivo, afetivo”. Como pode ser verdadeiro se é um acesso indireto aos feitos
dos antepassados, visto que é baseado em testemunhos, relatos e vestígios, não é o vivido ao vivo.
A História é uma reconstrução, não pode ser tida como uma verdade absoluta.
Para tal é necessário dar certos prazos/períodos de segurança para permitir dar um certo
distanciamento relativamente ao acontecimento e aos seus protagonistas, evitando, assim, que as
pessoas que viveram certo acontecimento deem testemunhos parciais. Tenta-se com estes prazos
fortalecer a isenção do historiador, apesar de isso ser difícil. Tenta-se evitar as deturpações da
história (vantagens).
Prazos de segurança aos arquivos históricos (regra tradicional): devem passar 50 anos dos factos
terem acontecido para se ter acesso aos arquivos e depois da investigação feita deve-se esperar,
pelo menos 9 anos para o facto poder ser apresentado ao público. Isto para evitar que as pessoas
façam histórias sobre os seus próprios interesses. Somos pessoas e, por isso vamos implicados no
trabalho. Deve-se preservar a isenção e a imparcialidade. Mas há um perigo em deixar passar estes
anos: há gente mal-intencionada que abafa acontecimentos e há testemunhas que, entretanto,
morrem (desvantagens). Os prazos de segurança impedem de fazer a história a quente.
A verdade, ainda, é que toda a história acaba por ser o testemunho do tempo em que foi escrita.
As res gestae (factos puros, o que realmente aconteceu - história) acabam por ser retratadas pelo
studium rerum gestarum (estudo da história - historiografia).
História (res gestae): factos; acontecimentos puros e objetivos; aquilo que aconteceu.
Historiografia (studium rerum gestarum): discurso científico sobre o passado; união do
objetivo (factos) e do subjetivo (estudo dos factos); tem como pretensão final a verdade; o
sujeito cria uma forma como os opera, ou seja, uma metalinguagem, as regras, uma espécie
de ciência da História, que envolve uma metodologia uso de um plano discursivo de índole
científica; é forma de contar a história; aquilo que se conta que aconteceu (cada um tem
uma visão diferente do mesmo acontecimento).
“Não é toda a indagação de índole histórica: apenas a de factos transcorridos. Toda a História é
inelutavelmente testemunho do tempo em que foi escrita. De forma que a res gestae acabam por
ser sempre refratadas pelo studium rerum gestarum. A História é, sem dúvida, indagação do
passado, mas preocupação e labor datados, e nela não falta mesmo, apesar de todas as críticas,
um pendor conselheiral, ideológico ou programático, a espreitar o futuro.” (Cap. I).
Há uma autónoma inspiração filosófica das normas e dos sistemas. É a razão do Direito, a causa
última do Direito. Hobbes diz que a fonte do Direito, o porquê de o Direito existir é o desejo de
autoconservação do Homem em sociedade, o que obriga à necessidade de uma ordem jurídica.
2. Em sentido orgânico
Pretende saber-se quem (quais órgãos e entidades), na comunidade política, tem competência
para atribuir um carácter normativo e vinculante a uma regra – ou seja, quais as entidades
competentes para criar o Direito. Basicamente estamos perante fontes existendi do Direito, órgãos
que dão vida às normas jurídicas como tais. Normalmente, a fonte de uma determinada regra
jurídica é o parlamento, governo, autarquia ou povo.
3. Em sentido instrumental
Em sentido material ou sociológico, estão em causa os aspetos sociais, culturais, ideológicos, etc.,
que dão origem e justificam o Direito – necessita-se de apreender o sistema social para entender
a génese de dados normativos nesse contexto. Em sentido formal ou técnico-jurídico, fala-se nas
formas ou processos pelos quais se forma e se revela o direito normativo, objetivo e positivo. São
as fontes manifestandi, os meios de formação ou produção jurídica. As fontes formais dividem-se
em três:
Sendo que os modos de criação e de revelação das normas jurídicas mais usados são:
Os usos são o costume, mas sem a convicção de obrigatoriedade. É um costume ao qual lhe falta
o animus. Atualmente, o costume já não é fonte de normas do nosso ordenamento jurídico, mas
foi até há bem pouco tempo.
Fontes Imediatas: Valem por si mesmas e não precisam da medição de outra fonte; Lei;
Costume (ainda que poucos).
Fontes Mediatas: Valem pela medição de outra fonte; Equidade; Usos; Jurisprudência;
Doutrina.
6. História do Direito como história da evolução e domínio relativo das fontes de Direito
A História do Direito visa a explicação dos fenómenos jurídicos do passado, apurando os diversos
momentos históricos em que vigoraram e prevaleceram determinados princípios, instituições e
métodos jurídicos. Ora, ao mesmo tempo, a História do Direito estuda a história das fontes do
direito, a fim de verificar, ao longo da história de um povo, onde é que esse povo foi contruindo a
sua lei: se a partir do costume, da doutrina, dos usos… pretende-se ver qual foi a fonte que teve
mais peso no ordenamento jurídico.
O jurista vive entre o passado congelado, presente dinâmico e o futuro complexo e contingente
(impressibilidade).
O Direito é um mecanismo de redução de complexidade.
Como se desliga o Direito do passado?
O Direito perdoa. Perdoar é uma forma de desligar.
Como é que ele liga com o futuro?
Promete através de contratos. A promessa é futuro.
A História do Direito deve revestir natureza essencialmente genética - científica. Mais do que uma
mera descrição, pretende-se, sobretudo, a explicação dos fenómenos jurídicos do passado: há
que apurar por que nos diversos momentos históricos vigoraram e prevaleceram determinados
princípios, instituições e métodos jurídicos em vez de outros.
A História tem uma dimensão humanista: é o Homem que a faz e está comprometido nela. Para
um trabalho sério de investigação é necessário seguir determinados métodos que são
condicionados pelo objeto da minha investigação. A História do Direito é essencialmente jurídica
e apresenta uma metodologia especificamente jurídica da História do Direito: o método
hermenêutico-compreensivo – método essencial para um jurista que lê e interpreta. Ou seja, a
metodologia hermenêutico-compreensiva jurídica é a leitura como interpretação empenhada da
própria realidade jurídica (normas e fontes) – realidade textual.
São narrativas dos princípios, que nos tentam explicar como tudo começou. Estes podem carregar
duas perspetivas de análise:
a. Mitos positivos
b. Mitos negativos
Os mitos, mais que as histórias, trazem uma caracterização da sociedade a que o mito pertence.
Todas as sociedades carregam os seus mitos.
A história nacional e a história do direito estão carregadas de mitos e isto repercute-se nos textos
constitucionais modernos. Esta carga mítica tem um efeito precursor nas constituições materiais,
dando asas para uma organização social perfeita, através dos mitos que caracterizam uma cultura,
a alma nacional, o direito… A Constituição portuguesa manifesta este misticismo.
Análise Mítica:
O mais impressionante são os políticos, porque eles vão tentar de algum modo cristalizar a
política. Estão organizados e moldados no texto constitucional, faz-se isso a partir da narrativa, só
que há que entender que não é o texto em si, mas as narrativas primordiais com caráter messiânico
que pretende promover o bem.
Mito não quer dizer ilusão, mentira ou ficção, mas sim uma narrativa, que segundo o professor
Paulo envolve ideologia.
Qual é a diferença entre uma disciplina humanística e uma disciplina social? O Direito seria
uma disciplina humanística ou social? Depende da perspetiva.
Humanística: Coloca o direito num campo de maior preocupação filosófica, etc.; Graças
às ciências jurídico-humanísticas há uma humanização dos juristas e, consequentemente,
do Direito.
Social: O direito é um fenómeno social, uma estrutura da sociedade, afastando das
discussões a nível filosófico. O debate fica mais frio.
O Direito é uma construção humana.
2. Identificação e traços distintivos das ciências jurídicas humanística
As ciências jurídicas humanísticas são disciplinas que não têm uma vocação pragmática e, por isso,
não estão votadas para uma resolução imediata de casos práticos, mas ajudam a resolvê-los. São
ciências que querem tratamento de conceitos, de ideias e de metodologias de outra disciplinas
humanísticas como a literatura, a sociologia, etc. As ciências jurídicas humanísticas são, por
exemplo:
Filosofia do Direito: é aqui que se colocam as questões fundamentais relativas à razão de
ser do direito;
História do Direito: indaga sobre o modo como o dever ser e o ser do direito foram
evoluindo ao longo dos tempos, como é que se viveu e realizou o direito, os objetivos, etc.
Sociologia do Direito: analisa se o direito resulta do social, se os frutos da jurisprudência
são vividos pela sociedade, se as sentenças são vistas como corretas, se o direito é efetivo
ou não, como são vividos os resultados da jurisprudência, etc.
Direito Comparado: vê como estas questões universais do direito foram tratadas no
mesmo em territórios/civilizações diversas.
As áreas humanísticas têm a ver com o que há de mais fundamental no direito – o Homem, a sua
liberdade e a sua dignidade. Estas áreas propõem o Homem enquanto pessoa. Quando dizemos
que as ciências jurídicas são humanísticas, queremos dizer que o que há de mais fundamental no
direito é o Homem. Porém, ao dizermos que as ciências são humanísticas, estamos a aceitar que
todas as ciências o são. A verdade é que todas as ciências pressupõem o Homem, quer como
agente, quer como objeto. Caracterizam-se por colher métodos que não são jurídicos e de não
estarem dotadas para a resolução imediata de casos práticos, mas contribuem para a sua
resolução (ciências jurídicas humanísticas = não pragmáticas)
As ciências nem sempre foram bem vistas: Cardeal de Luca (XVIII) questionava como era possível
chamar ciência a um saber que não é absoluto: como é que podemos chamar ciência se resolve
de forma diferente os mesmos casos. Contudo, os verdadeiros ataques à ciência jurídica surgem
no século XIX com Von Kirchmann, com o cientismo. O cientismo defendia que uma ciência para
ser ciência tinha de produzir resultados universais, inequívocos. Assim, só as ciências naturais
poderiam ser consideradas verdadeiras porque são dedutivas, permitem um grau de certezas
elevado, certezas absolutas, gerais, abstratas, universais.
Formou-se a tendência para tirar todas as ciências ditas humanísticas (que não são práticas) dos
planos curriculares do curso de Direito;
As ciências jurídicas humanísticas foram as mais atacadas, pela falta de cientificidade. Destacam-
se dois defensores das ciências jurídico-humanísticas: Francisco Puy (Espanha, 1970) e Sebastião
Cruz (Portugal, 1972). Em 1970, dava-se em Espanha a Reforma Curricular que compreendia a
quase eliminação destas disciplinas formativa e, então, Francisco Puy toma uma atitude de defesa
em prol do carácter científico e jurídico destas disciplinas, argumentando que estas áreas
formativas oferecem maior êxito. Em Portugal, no ano de 1972, previa-se um novo plano curricular
nas faculdades de direito – pretendia-se colocar estas disciplinas humanísticas e formativas no
último ano de licenciatura, mas Sebastião Cruz defendia que deveriam estar exatamente no início
porque pretendem enformar e formar juristas. A designação que os dois autores escolhem é a
mesma: Ciências Jurídicas Humanísticas. Neste contexto, Paulo Ferreira da Cunha apresenta as
Proto-teses em defesa das Ciências Jurídicas Humanísticas:
O jurista, com uma formação sólida básica deste grupo disciplinar, consegue resolver
melhor os problemas que a atividade jurídica lhe impõe. Profissionais com uma sólida
formação ao nível destas ciências mostraram uma maior capacidade de resolução dos
problemas suscitados na sua atividade jurídica.
Em resposta às acusações de falta de cientificidade (e juridicidade) destes saberes,
responde-se agora que não só eles constituem verdadeiras ciências, como são até muito
anteriores às ciências jurídicas técnicas ou positivas.
São estas disciplinas que permitem a depuração/problematização dos pressupostos das
disciplinas ditas técnicas.
Qualquer jurista, ao longo da sua vida profissional, vai ter oportunidade de questionar a
justiça de uma ou outra decisão.
Direito é História: É "história congelada" (Friedrich); Direito cristaliza o passado por meio
das leis;
A lei é fundada no presente, olhando para o passado de modo a não se cometer os
mesmos erros no futuro: procura assim alterar o futuro. O direito é capaz de desligar o
passado e ligar o futuro. O Direito perdoa. Perdoar é uma forma de desligar.
Carl Friedrich:
História e Direito ligam-se, porque ambos os saberes se dedicam ao estudo de factos históricos;
O objeto de estudo da história são os factos passados, logo também se estuda a normatividade
jurídica de uma sociedade;
Qualquer teoria jurídica é uma tentativa de reposição de factos e de comportamentos históricos.
Hegel:
História e Direito são criação da eticidade estadual, sendo que se aproximam através do Estado.
Quem cria o Direito é o Estado e quem é o protagonista da História é o Estado. O Estado, então,
assume-se como sujeito quer da História, quer do Direito, por isso ambos estão dependentes de
si.
José Mattoso:
História de Direito têm uma função comum: quer o Direito, quer a História têm como função dar
sentido e ordem à realidade exterior. São ordem dadoras de sentido ao mundo;
São ambas ciências que nos permitem dar coerência, estabilidade e segurança ao mundo e à
sociedade;
O Direito dá regularidade à sociedade, permitindo a paz, a previsibilidade e segurança. A História
permite o mesmo através de exemplos históricos e da evolução.
3. Convocar dimensões historiográficas com o objetivo de melhor compreender e aplicar o
Direito
4. As várias esferas de manifestação e realização jurídica e respetivas dimensões de
historicidade
5. História e Direito como ordens dadoras de sentido à realidade humana e social: História
como Direito natural de substituição
A História funciona mesmo como um Direito Natural de substituição, uma vez que estabelece o
dualismo, a comparação, e decorre do peso dos séculos que lhe confere uma certa autoridade.
Ambas dão ao homem o conhecimento da humanidade, transmitindo-lhes subtileza,
magnanimidade e segurança. Dão ao Homem eixos de orientação, sentido de vida e ordem.
No Direito Natural a técnica do jurista é a justiça/ problema do justo. No contexto do Direito
Natural, a justiça é frequentemente considerada como uma norma superior que deriva da natureza
humana ou de princípios éticos universais. A técnica do jurista, nesse contexto, envolve a busca
pelo "justo" de acordo com esses princípios naturais. Os juristas que seguem essa perspetiva
muitas vezes argumentam que existem princípios de justiça que transcendem as leis positivas e
que devem ser descobertos e aplicados pelos juristas.
O Direito Natural está num plano/ mundo organizado por entidades superiores (forças como por
exemplo Deus). - Dimensão que transcende o Homem.
Aqui, as normas não são positivas, vinculam sem derivar. O Direito Natural teve, historicamente,
capacidade de vincular as decisões, mas por forças superiores (não pela vontade humana).
A positivação (ato e vontade dos Homens) vai servir para mostrar o direito é construído e moldado
pela vontade dos legisladores e pela aceitação social dessas normas. As leis positivas não são
vistas como derivadas de princípios naturais, mas sim como criações humanas que refletem as
escolhas e valores da sociedade em um determinado momento. Portanto, a positivação, ao
contrário do Direito Natural, coloca a ênfase na vontade humana e na criação social das normas
jurídicas. Ela influencia a forma como o direito é concebido, aplicado e modificado ao longo do
tempo, destacando a importância da aceitação social e da autoridade legislativa na determinação
do que é considerado "justo" numa sociedade específica.
12 Jusnaturalismo e juspositivismo
Ao longo da História das várias correntes, procura-se averiguar o que dá validade ao Direito,
contrapondo-se duas perspetivas: jusnaturalismo e o juspositivismo.
1. Jusnaturalismo
É uma perspetiva do Direito caracterizada pela sua vocação dualista e não-monista. É a conceção
do Direito que reconhece a existência e a validade de dois mundos no Direito. Nele existe a esfera
do Direito Natural, uma instância do Direito superior e que vai permitir a validade/legitimidade de
outra instância – o Direito Positivo.
Direito Natural: o Direito Natural está diretamente relacionado com o considerado justo.
Alguns autores consideram-no estático ou estável, outros acham-no evolutivo, isto é, o
Direito transforma-se em função da época em que se vive, uma vez que o que pode ser
justo hoje pode não o ser amanhã. O Direito Natural é algo imanente ao Homem e às coisas
da Natureza e não à razão. Está na Natureza e é independente da vontade do Homem. É a
instância de legitimação do direito positivo.
Direito positivo: é o direito que o homem estabelece para satisfazer as necessidades da
coletiva, sendo o fruto da vontade humana, maleável, inconstante, adaptado às
necessidades concretas de uma coletividade humana. O direito positivo só é legítimo se
os seus conteúdos estão de acordo com o direito natural: uma lei injusta não é lei porque
se a lei do direito positivo vai contra os conteúdos do direito natural não é lei.
Correntes do Jusnaturalismo:
Realismo Clássico
Corresponde ao modo de compreensão do direito em que não existe uma verdadeira separação
entre direito positivo e direito natural. Este último é entendido como fundamento e medida de
uma ordem jurídica unitária, que comporta uma dupla face: natural e positiva. Aristóteles é o pai
do Realismo Clássico, mas outros são importantes como Ulpiano e Cícero (juristas romanos), S.
Tomás de Aquino, na Idade Média e Michel Villey, Luigi Vallami ou Gustav Rodbruch, mais
contemporâneos. Para a doutrina aristotélica da justiça há um elemento fundamental: a natureza.
A justiça organiza se em geral e particular: a geral é a justiça de acordo com a igualdade e a
particular é a jurídica. Deste modo, Aristóteles considerava que o que é justo é tratar o igual de
modo igual e o diferente de modo diferença, mas na medida dessa diferença. Para Ulpiano, o
Direito é uma constante e perpétua vontade de atribuir a cada um aquilo que é seu- descrição
sumária do que é a justiça. Para S. Tomás de Aquino, para o bem da sociedade não bastam os
princípios da Lei Natural, mas são necessárias leis humanas (positivas), as quais se baseiam sempre
nestes princípios -importância da laicização do Direito (“A César o que é de César, a Deus o que
é de Deus”. É aqui que se dá a autonomização do Direito, que surge como ciência autónoma.
Jusracionalismo
Surge com o Iluminismo, nos séculos XVII e XVIII, por autores como Grotius, Hugo Grócio, Hobbes,
Kant. Contudo, com o desenvolvimento do conhecimento é necessário ver as coisas de outra
maneira. Nos séculos XVII e XVIII há uma ascensão da razão. Ela surge como capaz de revelar todas
as coisas. Há um endeusamento da razão humana. Há princípios na Natureza que são
fundamentais (princípios de Direito Natural), mas que só pela razão humana é possível atingir
esses princípios. À razão compete retirar da natureza os princípios de Direito Natural. Quem os
traduz é o déspota esclarecido. Nascem, assim, os primeiros códigos – surgem na égide do
jusracionalismo. Os princípios do primeiro código são retirados da Natureza através da razão. O
déspota esclarecido está encarregue de positivar o Direito Natural. Teoricamente, o monarca
esclarecido quer o bem do povo (demofilia), mas o que acaba por acontecer é que esta
consagração positiva dos princípios do Direito Natural acaba por servir os interesses de quem está
no poder. Esta demofilia acaba por desvanecer e chegamos ao Juspositivismo.
2. Juspositivismo
Corrente doutrinal que se desenvolve ao longo dos séculos XIX e XX (cientismo). É fruto de várias
conjunturas, de influências variadas. A sua característica principal é uma dura lex sed lex- a lei é
dura e má, mas tem que se cumprir. É dura, mas é lei. Quando falta cultura, moral e princípios, só
nos resta a lei para nos orientar. Assim, o juspositivismo apareceu em muitos períodos históricos,
principalmente naqueles em que não havia criatividade e jurídica, cultura, moral, etc. O
juspositivismo define o Direito como “um conjunto de normas e regras, impostas por uma
autoridade, dotadas de coercibilidade, que visam assegurar a paz social”. Se pensarmos que as
regras, em determinadas situações, podem ser mais ou menos justos, esse pensamento não faz
parte da ciência jurídica. O objeto de estudo da ciência jurídica é o estudo das “regras e normas
jurídicas, emanadas por uma autoridade, dotadas de coercibilidade que visam a paz social”.
Enquanto jurista, é este o objeto de estudo. Todas as considerações metafísicas, naturalistas,
valorativas não fazem parte do Direito, porque se tenta alcançar a autonomia do Direito. Toda a
apreciação que o jurista pode fazer do Direito, fá-la enquanto cidadão. É uma corrente monista,
que reconhece que só há uma instância jurídica – o Direito Positivo. O Direito Positivo é o direito
que o Homem estabelece para satisfazer as necessidades do coletivo. Adapta-se às necessidades
de uma concreta coletividade humana e é imposto por uma autoridade. Se a lei do Direito Positivo
vai contra os conteúdos do Direito Natural não é lei.
Correntes do Juspositivismo:
2. Os tria praecepta iuris: honeste vivere, altere non laedere e suum cuique tribuere
Esta distinção ente justiça geral e particular mostra que nem tudo o que é permitido é bom.
Após a queda do Império Romano, apenas com a reabilitação de Aristóteles, por S. Tomás de
Aquino, no séc. XIII, se pode falar de Direito em sentido epistemologicamente rigoroso. Neste
autor, a primeira grande distinção a considerar é entre Lei Natural e Direito Natural. A primeira é
um fundo ou resíduo de moralidade e retidão que existe em todas as épocas e povos, é uma certa
consciência moral universal. As propriedades essenciais da Lei Natural são universalidade, a
imutabilidade e, por último, a cognoscibilidade (todos os homens têm a possibilidade e a
conhecer). A Lei Natural é o fundamento do Direito Natural; não é o próprio Direito, nem,
obviamente, constitui uma lei escrita. Por outro lado, o Direito Natural não é o Direito ideal por
oposição a Direito positivo, embora haja complementaridades: não bastam os princípios da Lei
Natural, mas são necessárias leis humanas (positivas), as quais se baseiam sempre nestes
princípios. Além disto, S. Tomás de Aquino laicizou o Direito, ou seja, iniciou um período de
separação entre o religioso e o temporal – constituindo este processo um elemento fundamental
para a compreensão do conjunto da cultura e da política ocidentais. No entanto este processo não
demorou muito porque o religioso e o secular haveriam de se misturar novamente. No realismo
jurídico clássico, o Direito parte do princípio de que existem fins e valores próprios do Direito, que
aceita outros valores, os quais também contribuem para a organização social. O Direito é, então,
apenas a concretização da justiça jurídica. O “seu de cada um”, defendido pelo Realismo Clássico,
do Direito é aquilo que pertence a cada um de acordo com uma certa consciência de juricidade e
com um título jurídico válido. Quem é apto a manter ou transmitir propriedade, tem Direito; quem
não possui, não tem Direito.
Surge no início do século XX e os principais autores desta subcorrente são: Oliver Wendell
Holmes, Roscoe Pound, Jerome Frank, entre outros. Dedicam-se ao estudo do funcionamento dos
tribunais em detrimento do sistema. O palco preferencial de vivência do Direito são os tribunais.
Este estudo abrange tudo aquilo que determina a decisão dos tribunais, ou seja, o Direito assume-
se como a previsão daquilo que os tribunais fazem. No procedimento jurídico norte-americano,
as leis não são únicas e as mais importantes na tomada de decisão: existem outros elementos
extrajurídicos (externos ao direito positivo) cujo valor que assumem na decisão é maior que o valor
das fontes de direito e o valor das leis - a origem socioeconómica do magistrado, a saúde, a
educação. É todo um conjunto de elementos que nada têm a ver com o Direito, mas que
influenciam a decisão do juiz. É destes elementos que nasce o Direito. Isto gera incerteza e
indeterminação do mundo jurídico e um pluralismo de resultados judiciais igualmente legítimos.
Desenvolveu-se nos países escandinavos e teve com representantes: Olivercrona (Suécia) e Alf
Ross (Dinamarca). Direito como fator social: É a necessidade de ver o direito como facto social que
é, tal como é aplicado na sociedade - estudo do direito objetivo, lógico e anti-metafísico. O Direito
é uma realidade social. Não negando as influências do realismo norte-americano, o escandinavo
introduz um novo elemento, o psicológico. Assim, o direito depende da interiorização psicológica
das pessoas da noção de obrigatoriedade de certas normas. Sem esta condição, o direito não
seria uma ordem eficaz. O que se pretende é encontrar causas psicológicas e sociais que estão na
génese dos factos sociais com que se identificam o Direito.
persona: elemento fulcral do Direito. Persona enquanto pessoa humana, dotada de toda
a sua responsabilidade, liberdade e dignidade. Pessoa para quem o Direito é feito e pessoa
como próprio agente do Direito.
ius (justiça) - É uma permanente preocupação, o direito justo é uma constante e perpétua
vontade de atribuir a cada um o que é seu;
suum (o seu) - objeto da justiça, o devido, que é algo de titulado por um título jurídico. Os
jusnaturalistas vão dizer que são direitos inalienáveis, são nossos por natureza.
limitação da sua definição. E só por ser uma definição limita o direito; contudo existem
outras formas para mostrar o que é o direito – descrição.
redundância entre regras e normas. Ou se diz regras ou normas, porque querem dizer a
mesma coisa;
O direito não é apenas essas normas/ regras. O Direito não se resume às leis criadas por
um legislador. Há outras fontes do Direito que estão contempladas por esta definição: o
uso, o costume, a jurisprudência, etc.;
O direito é muito anterior ao Estado. O direito é uma realidade mais ampla do que o
Estado. Se formos aos primórdios, quando ainda não havia Estado, já havia Direito. O
Direito não é uma realidade estadual como noz crer o séc. XVIII e o séc. XIX. Há direito
antes de existir Estado. E há Direito acima do Estado (como por ex.: Comunidade Europeia
que impõe regras ao Estado Português) e ao lado do Estado (como os tratados
internacionais), a baixo e dentro do Estado;
coercibilidade faz parte da morfologia (modo-de-ser) do Direito, mas não da sua ontologia
(ser). Caso o direito não seja cumprido, há sanções, e há quem diga que só isso permite
que o direito seja cumprido; mas pode-se perguntar até que ponto é que as sanções fazem
parte da essência do direito. Ora se formos juspositivistas defendemos que o direito só é
eficaz se for coercível. Contudo, esta coercibilidade não faz parte da natureza do direito, é
algo acessório que serve para garantir a sua eficácia. Logo é uma característica externa do
direito.
Por fim, o direito não é único que assegura a paz social. Teoricamente, temos uma série de
ordens normativas/ regulativas que contribuem para esta paz social, como a moral, a
religião, o trato social.
Nestes povos há uma trifuncionalidade social, proposta pelo mitólogo Georges Dumézil (cada
um sabe a que grupo pertence e qual a sua função):
função mágico-soberana ou sacerdotal: função mais importante e que reúnem três níveis
fundamentais (política, religião e direito); pertencia aos mais eruditos (controlo de
sociedade); responsável pela esfera religiosa e ritualística. Os sacerdotes ocupavam uma
posição elevada na sociedade e eram responsáveis por manter a ordem cósmica e as
relações com os deuses.
função guerreira ou defesa: Encarregada da proteção e defesa da sociedade. Guerreiros
e líderes militares desempenhavam um papel crucial na segurança e na expansão
territorial.
função de produção de riqueza, de fecundidade: Associada à produção econômica,
agricultura, comércio e gestão da riqueza. Agricultores, comerciantes e artesãos eram
parte dessa função.
Os egípcios, 3300 anos a.C. já conheciam a escrita, os romanos, séc. V séc. a.C., os germanos, 5
séc. d.C. Direito sem escrita: pré-história do direito. Direito com escrita: história do direito.
A partir do momento em que possuímos registos escritos é que podemos falar de História. Os
primeiros escritos datam de 3500/3000 a.c. O Direito nasce com a escrita? A escrita não surge em
todos os lados ao mesmo tempo. Muitos domínios de um povo estavam vedados à escrita.
O Direito primitivo sabemos através das práticas, costumes, e falamos em parentesco. Enquanto,
no Direito arcaico dá-se o surgimento da escrita, nasce a figura de autoridade política (órgãos
políticos) e a noção embrionária de território.
A relação de parentesco entre Direito Antigo e o Direito Moderno é muito maior, que o grau de
parentesco entre o Direito Primitivo e o Direito Arcaico.
É importante observar que o termo "arcaico" não implica necessariamente uma falta de
sofisticação ou importância. Pelo contrário, essas civilizações desempenharam papéis
fundamentais no desenvolvimento da sociedade humana, fornecendo as bases para as civilizações
mais complexas que se seguiram.
PRÉ-DIREITO NAO QUER DIZER LEIS PRIMITIVAS. Se referimos a leis primitivas ou formas iniciais
de regulação social, é mais comum utilizar termos como "direito primitivo" ou "direito primitivo".
Esses termos indicam sistemas legais ou normativos que existiam em sociedades antigas ou
menos desenvolvidas.
ligação com a religião: exemplo dos Ordálios. Ordálio é um tipo de prova judiciária,
apenas possível pela sua dimensão religiosa. Eram provas puxadas em que o
acusado/acusador ou animais, estavam dependentes da crença divina para saber o
resultado da questão, era uma decisão sobrenatural; bilaterais podiam ser duelos cuja
pessoa a sobreviver deverá ser a inocente; juramento purgatório ou auto maldição (“se
estiver a mentir que caia um raio na minha cabeça”; invocação de uma divindade. O Direito
nasce do subnatural.
direitos em nascimento ou verdadeiros direitos?: Os direitos dos povos sem escrita são
direitos em nascimento: porque os costumes dos povos sem escrita garantem o
constrangimento para assegurar o respeito das regras de comportamento, a
regulamentação não resulta senão da tendência dos grupos sociais a conformarem-se com
a tradição, a aderirem às maneiras de viver do grupo sobretudo das forças sobrenaturais.
Demonstrando assim a ligação entre o direito (caráter não positivo) e a religião.
O potlatch demonstra a doutrina do dom e da dádiva, onde o chefe da família que doar mais bens
ganhava, invés de entrarem em guerra. Esta doutrina acaba por ser um desafio/ obrigação e
divide-se em aspeto triplo (dar, receber, retribuir).
Havia ainda o comércio mudo: um grupo que depõe num dado lugar onde outros grupos vão
passar os bens que deseja trocar e abandona o lugar; o outro grupo vai examinar o que lá está e
põe outras mercadorias ao lado, depois retira-se; o 1º grupo volta e examina a mercadoria e daí
tem duas opções ou leva e retira-se ou continua nesta operação de troca.
Há ainda a ideia de propriedade imobiliária, ou seja, a ideia de que o solo é sagrado, mas certas
etnias permaneceram nómadas, pois o nomadismo favorece o desenvolvimento da propriedade
comum, apesar da sedentarização permitir lugar à colheita.
34 As grandes culturas (jurídicas) do Oriente antigo e o seu legado para
as culturas clássicas greco-latinas: o dualismo jurídico-normativo
As grandes culturas do Oriente antigo desempenharam um papel significativo na formação do
pensamento jurídico e normativo, deixando um legado que influenciou as culturas clássicas greco-
latinas. Um aspeto importante desse legado foi o dualismo jurídico-normativo, que se refere à
presença de sistemas legais e normativos distintos dentro de uma sociedade. Aqui estão alguns
exemplos e como esse dualismo impactou as culturas clássicas:
Egito Antigo: O Egito também tinha uma tradição legal bem desenvolvida, com textos
como o Código de Ur-Nammu, que abordava aspetos contratuais e de responsabilidade
civil. O dualismo era evidente na distinção entre normas para assuntos civis e
regulamentações para casos criminais.
China Antiga (Códigos de Qin): Na China antiga, os Códigos de Qin durante a Dinastia
Qin enfatizavam a autoridade central e as penalidades rigorosas para manter a ordem
social. O dualismo estava presente na distinção entre leis regulamentares que governavam
a sociedade e leis penais destinadas a punir comportamentos prejudiciais.
Evolução geral:
Antigo Império
Médio Império
Novo Império
Sociedade mais avançada, onde as mulheres e os homens tinham os mesmos direitos.
O Egito foi a primeira organização racional, que contemplava a economia, sociedade e o Estado.
Vivia-se numa monarquia absoluta do Direito Divino, onde o Faraó surgia como uma figura
complexa por ser o chefe tanto de um ponto de vista social como religioso, o Faraó era a porta
para a espiritualidade. O poder estava centralizado no rei, no Antigo Império, que governa com
os seus funcionários e todos estes são nomeados por um djet, uma ordem real, os tribunais são
organizados pelo rei e a lei teria sido a principal fonte do direito, ainda que não se tenham
encontrado exemplos desta, suplantava os costumes e era promulgada pelo rei.
Não são, portanto, códigos, são registos bastante primitivos, com os julgamentos e ensinamentos
dirigidos aos juízes.
O código mais antigo atualmente conhecido é o de Ur-Nammu, que depois de desmembrado,
leva ao surgimento do código de Esnunna. Porém o monumento jurídico mais importante deste
período é o de Hammurabi.
Código de Ur-Nammu (2040 a.C.)
Código de Hammurabi (1694 a.C.; código da civilização babilónica): Este código apresenta
na sua estela (Coluna monolítica ou pedra comemorativa destinada a ter uma inscrição) o
Deus-Sol Samas, “o grande juiz dos céus e da terra”, que ditava a Hammurabi as regras do
direito que aí estão gravadas (muito violentas, sanções punitárias). São assim leis de
inspiração divina, inspiradas numa lei numa lei que é dada por Deus, contrariamente ao
direito de Israel e do Islão. Hammurai não é um código religioso, é um regulamento de paz.
Aplicado a uma civilização bastante heterogénea e com questões contratuais, sociais, que
demonstram uma evolução. Não é código real, pois não está organizado.
Princípio da Imputação (Kelsen) e Gênese da Normatividade (“Se… Então…”). Mas como era o
direito nesta época? Sistema muito desenvolvido, que já pratica a venda, mesmo a crédito, o
arrendamento, depósito, empréstimo a juros, título de crédito a ordem e o contrato social, assim
como já faziam operações bancárias e financeiras de grande escala. Atualmente este código pode
ser encontrado no Louvre e foi apenas descoberto em 1901 ao que há pouco a se falar.
1) Natureza religiosa
Hebreus são semitas que viviam em tribos nómadas conduzidas por chefes.
O Direito hebraico tem um carácter estritamente religioso, cuja religião é monoteísta. Este
direito é dado por Deus ao seu povo, estabelecendo uma aliança entre Deus e o povo que
ele escolheu, assim é desde logo um direito imutável, onde só Deus o pode modificar. Os
rabinos deveriam interpretar o Direito, MAS não o mudar.
O rei torna-se assim o representante de Deus no Estado.
Chegam até ao direito moderno devido ao Direito Canônico.
2) Fontes
Bíblia: livro sagrado; contém a lei revelada por deus aos israelitas e compreende a sua parte
pré-cristã (Antigo Testamento), com a génese, o êxodo, o levítico, os números e o
deuteronómio.
A lei “oral” e a Michna: qualquer interpretação do direito hebraico apoia-se num versículo
da Bíblia, mas foi necessário adaptá-la à evolução da sociedade hebraica. Isso foi feito por
padres, chamados rabinos, comentadores da lei escrita. As suas interpretações e
adaptações formaram a lei oral. A Michna é a obra de um rabino, chefe espiritual da
comunidade judaica na palestina no começo do séc III. Não é um código é apenas uma
recolha de opiniões dos rabinos sobre matérias religiosas e jurídicas.
Guémara e Talmude: comentário (guemara ou seja ensino tradicional) e interpretação da
Michna. Houve mais tarde a junção dos comentários, ou seja, guemara com o michna, que
originou no talmude, inicialmente em Jerusalém e posteriormente na Babilónia, que seria
mais completo e claro e que por fim prevaleceu no judaísmo.
Codificações medievais e modernas: Talmude carecia de uma síntese e de uma
sistematização, parecia mais uma enciclopédia assim foram necessários esforços de
codificação.
O direito chinês não é um direito estritamente religioso, é antes um sistema jurídico numa
conceção filosófica, o Confucianismo, apesar de ter também uma base religiosa.
O direito tradicional chinês é caracterizado pela diferenciação das classes sociais, tendo cada uma
estatutos morais e jurídicos próprios, e a importância da família como base nas relações sociais.
Há, no entanto, uma analogia com a teia de aranha, aqueles que tem mais conhecimento do
sistema furam a teia, são assim tendenciosos na aplicação da lei daqueles que se encontram mais
acima na hierarquização.
As classes privilegiadas, às quais repugna conhecer uma lei uniforme, vivem segundo os códigos
de honra; o povo estava submetido a um direito penal muito severo.
Mais deveres do que direitos.
2) Assimilação do li pela filosofia confucionista no séc. VI a.C.: a crença nas virtudes naturais
do homem
Confucionismo: Fundado por Confúcio, que viveu 550-549 a.C.
O seu pensamento filosófico é deduzido da conceção religiosa contida nos 5 livros sagrados.
Confúcio deduziu daqui uma doutrina de sabedoria prática, baseada sobretudo no respeito de
numerosas regras de etiqueta. Todos os homens têm o dever de cultivar o seu espírito de
desenvolver em si as virtudes essenciais:
▫ prudência/sabedoria;
▫ humanidade/benevolência;
▫ fidelidade;
▫ veneração;
▫ Coragem/fortaleza
Que podiam ser resumidas em amar o próximo como a si mesmo.
Para Confúcio o papel do soberano consistia em descobrir a lei natural que o céu pôs no seu
coração, para bem governar deve sobretudo velar pela harmonização constante do homem e da
natureza. O Homem é bom por natureza, mas a sociedade corrompe.
Confúcio defende o resgate da sabedoria antiga, olha para o passado e daí vai buscar os rituais
ancestrais. Mencio segue os seus ensinamentos e desenvolve/idealiza a sua doutrina. O homem
possui aquelas virtudes mais o li, ou seja, a ordem social e o tche, o conhecimento do bem e do
mal.
Li: direito/etiqueta/rito/moral
Mais tarde viu se que o fa não era também a melhor opção, surge a ideia de conciliação do li com
o fa (confucianização das leis), de modo a permitir uma maior aplicação, um direito mais dinâmico.
Ainda com classes: funcionários letrados vs. não letrados (camponeses, artesãos, comerciantes),
cada homem está submetido aos homens das classes superiores.
Confucianização das leis: Li + fa = poucas leis de matéria civil; deixa se isso inteiramente ao li,
que tem que ser respeitado.
40 Direito Muçulmano
É o direito do Islã.
O direito da comunidade religiosa islâmica é diferente de um direito estatal, pois é um direito que
rege todos os comportamentos do grupo religioso, independentemente de uma conceção
territorial, pois não depende do lugar, depende da fé.
622 dC é o ano em que Maomé foge de meca e desenvolve este direito, mais pretende
reconquistar, através da guerra santa.
Alã é a figura moral, o Deus e Maomé é o grande e último (ao que a religião islâmica toma muitos
empréstimos do judaísmo e do cristianismo) enviado de Alã, é a representação de Deus na Terra,
é um profeta, a figura central.
Distinção entre Châ’ria e Figh: demonstra a dimensão da religião, confunde-se com o direito.
Châ’ria - prescreve o que se deve ou não fazer no quotidiano, a via a seguir, a lei revelada,
num plano religioso é a manifestação do direito. A sanção é o estado do pecado.
Figh - conjunto das soluções enunciadas para obedecer a Châ’ria; as penas e sentenças;
ciência dos direitos e dos deveres dos homens, das recompensas e penas espirituais;
ciência das normas que podem ser deduzidas por um processo lógico.
Não se admite outras fontes do direito se não as Figh, apesar de que o costume e a legislação
desempenharam um papel importante que se deve ter em conta. O costume é admitido sobre a
adaptação de ritos ou por necessidade social e a lei existiu em todos os estados muçulmanos, são
os qãnoum, regulamentos promulgados pelos soberanos, são validas e obrigatórias desde que
não contradigam a Châ’ria.
4 fontes (árvore):
Corão;
Tradição;
Acordo da Comunidade;
Analogia.
Apesar da sua aparente unidade da unanimidade requerida pelo idjmã, o mundo muçulmano está
dividido pelo menos em 4 grandes regiões que aplicam sistemas jurídicos mais ou menos
diferentes, devido as diferentes interpretações deste direito (4 ritos analógicos):
Todos estes ritos ortodoxos têm afinidade de Maomé e a pretensão de alcançar aquilo que
Maomé pretende transmitir.
Hanifita, caráter + racional; em especial das regiões como o Egito, o Paquistão e a Turquia;
Maletita que é talvez o mais próximo de Maomé; presente nas regiões da Tunísia,
Marrocos e Argélia;
Chafeita que sintetiza os outros 2 ritos. Mais presente na Síria e Indonésia;
Hanbalita que é mais estrito e mais localizado na Arábia.