Misticismo - Uma Abordagem Bibli - Rose-Marie Berthoud

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Misticismo: uma abordagem bíblico-

histórica

Rose-Marie e Jean-Marc Berthoud


À memória de meus pais, Charles e Esther Monot, missionários no Congo
durante vinte anos.
Copyright © 2018, de Jean-Marc Berthoud
Publicado originalmente em francês sob o título
Mysticisme D’Hier et D’Aujourd’hui
pela Éditions L’Age d’Homme,
Lausanne, Suíça.


Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Entrada 28 — Ed. Francisco Morato
Brasília, DF, Brasil — CEP 71.760-620
www.editoramonergismo.com.br

1ª edição, 2019

Tradução: P. S. Athayde Ribeiro


Revisão: Fabrício Tavares de Moraes e Felipe Sabino de Araújo Neto
Capa: Bárbara Lima Vasconcelos

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas


da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) salvo indicação em contrário.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Berthoud, Jean-Marc

Misticismo: uma abordagem bíblico-histórica / Jean-Marc Berthoud, tradução P. S. Athayde Ribeiro — Brasília,
DF: Editora Monergismo, 2019.

Título original: Mysticisme D’Hier et D’Aujourd’hui

ISBN: 978-85-69980-94-0

1. Misticismo 2. Pentecostalismo 3. Cristianismo I. Título

CDD 230
SUMÁRIO
Prefácio
Introdução
Preâmbulo

PRIMEIRA PARTE

Breve histórico dos avivamentos do País de Gales (Séculos XVIII-XIX)


O avivamento de 1904-1905: Evan Roberts
1. O avivamento testemunhado por Jessie Penn-Lewis, Henri Bois e Rick Joyner
2. Exame teológico do livro A guerra contra os santos
3. Como enfrentar o inimigo, de John MacArthur
4. O avivamento visto por H. E. Alexander

SEGUNDA PARTE

1. A Madame Guyon (1648-1717)


2. A influência de Madame Guyon no protestantismo
a. John Wesley (1703-1799)
b. Thomas Upham (século XVIII), metodista
c. Asa Mahan (século XIX)
d. Jessie Penn-Lewis (1861-1927)
e. Watchman Nee (1903-1972), pastor e mártir chinês, autor de inúmeras obras
3. Alguns movimentos perfeccionistas do século XIX
a. O Higher Life Movement (R. P. Smith, W. E. Boardman)
b. A Convenção de Keswick
c. O Victorious Life Movement
4. Avaliação dos movimentos perfeccionistas
a. Três pontos essenciais em sua teoria da santificação
b. Influências negativas desse ensino sobre a teologia contemporânea
c. Consequências dessas ideias falsas
d. O cristão carnal e o cristão espiritual
5. Algumas outras derrapagens atuais
a. John Wimber
b. A bênção de Toronto: o progresso se acentua
c. Mike Bickle: do grupo carismático da terceira onda
6. Rick Joyner
a. O mundo em chamas
b. A batalha final
Uma palavra final

TERCEIRA PARTE

Meditação transcendental, ioga e outras práticas religiosas nos círculos evangélicos


1. A meditação transcendental
2. A verdadeira meditação espiritual
3. O que é meditar?
4. A ioga
5. Os estados alterados de consciência
6. A psicologia
7. Voltemos à ioga pelo ponto de vista de Maurice Ray (1914-2005)
8. Outras práticas religiosas atuais
9. A corrida pelo que não sacia
10. Como ser libertado do pecado?
Apêndice: As raízes evangélicas do pentecostalismo
Introdução
I. A graça infundida ou a graça extrínseca ao crente?
II. As origens evangélicas do pentecostalismo
a. O arminianismo
b. O pietismo
c. O metodismo
d. O perfeccionismo americano, de Charles Finney a A. J. Gordon
Conclusão
PREFÁCIO
A obra que você tem nas mãos é fruto de uma longa colaboração entre
os autores. Essa colaboração não somente os levou a libertar-se dos erros que
procuram analisar, mas também a limpar suas vidas de tais erros, o que é uma
tarefa ainda mais difícil. Porque ambos, de diversas maneiras, mergulharam
nas águas turvas do misticismo, tanto pela influência do movimento
carismático e do pentecostalismo como pela mística ortodoxa e, em
particular, por uma adesão nada saudável aos ensinos de Watchman Nee.
Portanto, no sentido mais estrito, este livro é o resultado de uma reflexão
comum feita a dois, durante longos anos. Foi por essa razão que Rose-Marie
Berthoud desejou que a obra levasse o nome dos dois autores, ainda que em
sua essência tenha sido redigida por ela mesma.
O trecho mais antigo desta obra é a sua parte final, a Conclusão, texto
que foi redigido como um primeiro esboço. Quero aqui agradecer aos
responsáveis pelo Grupo de reflexão bíblica de Vevey (e muito
particularmente a Henri Lüscher), por ter-me encorajado a tratar do difícil
tema sobre as Origens evangélicas do pentecostalismo, por ocasião de um de
seus encontros.
Ao longo dos anos, muitas pessoas nos ajudaram a prosseguir com esta
reflexão. Agradecemos calorosamente a todos. Pensamos, particularmente, no
pastor Roger Duckert, falecido no ano passado, que foi o primeiro a nos
mostrar a que ponto o diabo foi capaz de imitar os dons do Espírito Santo.
Além do livro clássico de Jessie Penn-Lewis e Evan Roberts
(abundantemente citados em nosso texto), outras obras de discernimento
espiritual (ortodoxas e católicas, entre outras), nos ajudaram muito.
Agradecemos a todos aqueles, pastores e leigos, que acharam que
valeria a pena ler e reler o manuscrito deste livro, permitindo assim que
muitos de seus pontos fossem melhorados. Evidentemente, assumimos
inteiramente a responsabilidade por erros que ainda tenham permanecido.
Agradecemos, especialmente, ao pastor David Vaughn pela sua introdução
tão pertinente.
Nossa oração é no sentido de que o Senhor das Luzes, por este
trabalho, possa ajudar muitos crentes a romper os impasses aos quais foram
conduzidos (como fomos antes deles) pela espiritualidade adulterada de um
falso misticismo.
— Jean-Marc e Rose-Marie Berthoud-Monot
Lausane, agosto de 1999
INTRODUÇÃO
Esta obra, Misticismo: uma abordagem bíblico-histórica,[1] possui um
título bastante apropriado, porque se trata de um estudo sobre o misticismo,
tal como este se manifestou a partir do começo do século XX,
particularmente no seio daquele segmento da igreja denominado
“evangélica”. Talvez um dos combates mais importantes e sérios a serem
travados pela nova geração da igreja evangélica seja a luta contra o
misticismo, o qual já se encontra amplamente disseminado e não para de
crescer. Raramente temos consciência dos nossos erros, infelizmente. Se
tivéssemos consciência, mais rapidamente haveríamos de nos livrar deles.
Que Deus nos ilumine pelo seu Espírito, por sua Palavra e por seus meios de
graça, e nos abra os olhos. Isso é urgentemente necessário, nos tempos atuais,
para um grande número de evangélicos que não percebe que sua visão da fé
cristã e da vida que a acompanha não corresponde mais, em larga medida, ao
ensino bíblico. Tudo está mergulhado num relativismo e misticismo
flagrantes.
Correntes místicas não são novas na igreja, a qual sempre teve em seu
meio indivíduos ou grupos que deixaram o caminho do cristianismo bíblico
para voltar-se ao que, reconhecidamente, pertence ao misticismo. O elemento
místico teve, às vezes, um papel limitado no exercício de sua fé, mas por
diversas vezes esta foi tão marcada pelo misticismo, que toda adesão real ao
Deus revelado nas Escrituras foi totalmente destruída. Utilizando-se de vários
exemplos, esta obra expõe diversas correntes do misticismo de nosso século,
indo do místico moderado ao extremista. Os exemplos de misticismo citados
têm como fonte, em certa medida, a origem comum de um misticismo mais
antigo, em particular o movimento quietista que floresceu no seio da Igreja
Católica Romana no século XVII. A influência dos quietistas ainda hoje pode
ser percebida entre nós. De fato, traduções para a língua inglesa de várias
obras dos principais líderes desse movimento — dois franceses e um
espanhol — foram publicadas nos últimos vinte anos; aliás, essas reedições
conheceram, no mundo de língua inglesa, um verdadeiro sucesso editorial,
particularmente entre os cristãos evangélicos.
A fim de permitir que a importância desta obra seja bem
compreendida, vamos primeiro procurar identificar o misticismo,
considerando duas de suas características essenciais. Como as duas faces do
misticismo situam-se na esfera do conhecimento de Deus e de nossa
comunhão com ele, primeiramente devemos nos lembrar do que a Bíblia
ensina sobre isso. A grande promessa do Evangelho é que Deus, por sua
graça, levará homens pecadores, separados de qualquer comunhão com ele, a
conhecê-lo pessoalmente e a gozar sua intimidade.
Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois
daqueles dias, diz o Senhor: na mente, lhes imprimirei as minhas
leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e
eles serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um ao seu
próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece ao
Senhor, porque todos me conhecerão, desde o menor até ao maior
deles, diz o Senhor. Pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus
pecados jamais me lembrarei (Jeremias 31.33-34; veja
igualmente Hebreus 8.10-11).
A vida eterna, segundo nosso Senhor, não se limita ao fato de termos
nossos pecados perdoados, mas nos abre (pela via do perdão) à comunhão
real e experimental com Deus:
E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste. (João 17.3)
O cristão, que conhece assim o seu Deus, experimenta cotidianamente
uma comunhão real com aquele que o transforma a cada dia na própria
imagem de Jesus Cristo. Como o cristão entra na posse de tal tesouro? Trata-
se de um dom gratuito de Deus, que lhe foi conquistado pela morte expiatória
e pela ressurreição de Jesus Cristo. Este dom foi-lhe dado no momento de sua
conversão, pelo ato divino da regeneração, que nele restaura a capacidade de
conhecer a Deus, assim como as realidades espirituais, e também pela
justificação que o restabelece no estado de pessoa justa diante de Deus.
Assim ele recobra a capacidade e o direito, em Cristo, de conhecer
verdadeiramente a Deus. Note bem: o chamado para a salvação é um apelo à
comunhão com Deus, uma comunhão vivida pelo crente a cada dia. Essa
comunhão com Deus é, de fato, uma experiência subjetiva, no sentido de que
o crente entra na intimidade de Deus através de uma experiência pessoal
(Tiago 4.8a; Salmos 34.9; 2 Pedro 1.4). Essa comunhão é também uma
experiência real, no sentido de que não é, de maneira nenhuma, o produto de
uma autossugestão subjetiva, mas provém do fato de que o Deus que está ali
objetivamente, fora do crente, “se aproxima dele” verdadeiramente,
comunica-se com ele e se faz conhecer de maneira concreta e íntima. Tais
afirmações não têm relação alguma com quaisquer misticismos antibíblicos,
mas são fruto de um ensino enraizado na Bíblia, conhecido e amado pelos
santos de todas as épocas da história da igreja de Deus.
Então, qual é a diferença entre o misticismo e o cristianismo bíblico?
Basicamente, a diferença está no centro de atenção do crente. A atenção do
místico está voltada, principalmente, para o interior, sobre o que acontece
dentro de si, em seus sentimentos e experiências. Por outro lado, a atenção do
crente bíblico é dirigida, principalmente, para o exterior, para a revelação
dada por Deus Pai e Jesus Cristo sobre quem eles próprios são, mediante os
grandes atos de salvação registrados na Bíblia, assim como sobre as verdades,
ordenanças e promessas nela contidas. O misticismo é a religião do
sentimento subjetivo. É aí que ele começa, concentra-se e desenvolve-se. Por
outro lado, o cristianismo bíblico é a religião da verdade objetiva, na qual as
experiências e sentimentos religiosos que produz são apenas a manifestação
de um dos seus frutos. (Todo cristão deveria desejar um caminhar com Deus
que fosse rico em experiências com ele, uma religião que seja sentida; mas
essa experiência não deve ser considerada como o alvo principal de sua
relação com Deus. Ao contrário, ela é o fruto que resulta de uma comunhão
adquirida através do conhecimento de sua Palavra, da fé nessa Palavra, e
submissão a essa verdade numa vida de fé obediente.)
Para o místico, a coisa mais importante em sua relação com Deus é o
que sente, ou o que experimenta do próprio Deus. Sua grande e constante
busca concentra-se sobre esses fortes momentos de sua experiência subjetiva
com Deus. Para ele isso é o que representa a verdadeira religião.
Infelizmente, essa visão das coisas não corresponde ao ensino da Escritura.
De fato, a Bíblia não nos diz que nossos sentimentos e experiências
constituem a coisa mais importante em nossa relação com Deus; ao contrário,
é o próprio Deus e sua ação salvadora fora de nós, baseada na história, que
constitui a essência dessa relação. A morte objetiva, histórica e salvadora de
nosso Senhor Jesus Cristo, como também sua ressurreição, são o que mais
importa, em todo momento, para o cristão bíblico. Felizmente, o poder eficaz
dos atos divinos que foram produzidos fora do crente não depende dos seus
sentimentos subjetivos, nem de seu estado interior ou de suas experiências. O
cristão místico diz: a vida que vivo agora na carne, a vivo com base em uma
série contínua de experiências e sentimentos, que são minha razão de viver e
alegria. Juntamente com Paulo, o cristão bíblico diz: a vida que vivo agora
na carne, a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e que morreu por
mim. Para o místico, a contemplação da alma é interior. Para o cristão bíblico,
a contemplação da alma é exterior, voltada para o Cristo crucificado,
ressuscitado e exaltado. Enquanto que o místico mantém seu olhar fixo sobre
sua experiência interior, marcada por vozes e visões, o cristão bíblico fixa
seus olhos em Jesus, que suscita a fé e a aperfeiçoa, que em troca da alegria
que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e
está assentado à destra do trono de Deus (Hebreus 12.2).
Uma pessoa não pode concentrar-se em dois alvos ao mesmo tempo.
Se ponho minha atenção, principalmente, sobre minhas experiências
interiores com Deus, vou relativizar a importância dos fatos objetivos tais
como a vida, os sofrimentos, a morte e a ressurreição do Senhor Jesus Cristo.
Se, por outro lado, minha atenção se concentra sobre o Senhor Jesus Cristo,
minhas experiências interiores com Deus ficarão em segundo plano (e isto,
mesmo quando a contemplação da realidade objetiva da pessoa e obra do
Senhor Jesus me conduz, de fato, a experimentar ricamente e de maneira
objetiva a alegria, o temor, a paz e as delícias de Deus).
O autor introduz sua análise sobre o misticismo moderno pondo os
olhos sobre os seus tristes e destrutivos efeitos no avivamento do País de
Gales de 1904-1905, como também sobre a vida de seu líder, Evan Roberts,
que terminou sua carreira em isolamento e derrota. O fim de sua vida é uma
ilustração flagrante da maneira como essa orientação mística desviou a
atenção desse homem da pessoa de Cristo e dos grandes atos redentores de
Deus, para concentrá-la sobre si mesmo e em suas experiências interiores.
Por causa disso o avivamento foi pervertido e logo teve o seu fim. Um pastor
que tinha vivido o avivamento do País de Gales o comparou a um avivamento
mais antigo (1859), que havia sido melhor fundamentado sobre a Bíblia, não
tendo sido tocado pelo misticismo. Ele fez a seguinte comparação:
Em 1859, eles davam graças pelo sacrifício expiatório; mas agora
dão graças pelos sentimentos agradáveis que estão neles.
Sua visão divergente sobre a origem do conhecimento religioso
constitui a segunda distinção maior entre o misticismo e o cristianismo
bíblico. Onde devemos ir para conhecer a Deus? Como podemos alcançar
uma comunhão mais íntima com ele? Onde ele nos fala? Para o místico, Deus
nos fala do interior. Ele crê que fora de sua Palavra escrita, por uma revelação
direta no mais profundo do seu ser, Deus fala as palavras mais sublimes, e a
ele (ao místico) se revela mais intimamente. Isso explica por que o místico é
tão fortemente atraído para o seu interior, para o que experimenta e sente. O
cristão bíblico, ao contrário, fiel ao ensino da Escritura, sustenta que agora
Deus nos fala por sua Palavra escrita, a qual ilumina nosso entendimento de
uma maneira verdadeira e prática.
A Bíblia ensina, de maneira amplamente suficiente, que a revelação
direta, sobrenatural e infalível que Deus deu aos apóstolos e profetas e que
para nós foi reunida nas Santas Escrituras, constitui hoje nosso guia e regra
de fé. Por causa de sua riqueza e inteira suficiência, hoje não precisamos mais
de revelações particulares, diretas e sobrenaturais da parte de Deus para
conhecê-lo e servi-lo. As Santas Escrituras, como fonte do conhecimento de
Deus, são para nós muito superior a uma revelação interior e subjetiva que
vem em pequenos fragmentos, os quais é preciso testar, constantemente, a
fim de ter segurança de que é Deus mesmo quem fala.
Por que a Santa Escritura é superior como fonte de conhecimento
religioso? Consideremos duas razões. Primeiramente, a fonte que utilizamos
para conhecer a Deus e sermos por ele guiados é objetiva: as Santas
Escrituras. Com elas possuímos toda a verdade que necessitamos, de maneira
imediata e direta. Dessa maneira, não somos conduzidos por fragmentos de
novas e parciais revelações, que nos deixam carentes, à espera de revelações
suplementares que venham completar o que temos recebido. Em segundo
lugar, como a Bíblia é a fonte do nosso conhecimento de Deus e de sua
vontade, não estamos mais preocupados com a necessidade de testar nossas
fontes, para nos assegurarmos de que, de fato, foi Deus quem falou.
Deixamos isso para os místicos que têm necessidade constante de testar suas
vozes, suas revelações e suas experiências interiores.
As Santas Escrituras são uma fonte objetiva, divina, imutável e
suficiente, que nos permite conhecer a Deus e servi-lo. De fato, em 2 Timóteo
3.16-17, Paulo ensina isso explicitamente. Assim, o crente não tem nenhuma
necessidade de acrescentar às Escrituras revelações diretas da parte de Deus,
pois elas têm o poder de fazer dele uma criatura plenamente adulta e levá-lo a
cumprir tudo para o que foi chamado. Vejamos o que Paulo diz:
Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para
convencer, para corrigir, para instruir na justiça, a fim de que o
homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda
boa obra. (2 Timóteo 3.16-17)
Assim, não há nenhuma boa obra, nenhum crescimento na vida cristã
que as Santas Escrituras, como origem do conhecimento religioso, não nos
capacite a cumprir. É claro, você vai precisar do Espírito Santo para lhe dar a
iluminação espiritual necessária para compreender as Escrituras, a fim de que
ela se torne para você uma luz, um martelo, uma espada e um alimento que
tranforme, estimule e nutra sua alma, e assim lhe possibilite uma rica
comunhão com Deus. Certamente, você precisará do ministério bendito e
permanente do Espírito Santo para lhe tornar capaz de crer e obedecer as
Escrituras. Mas você não terá nenhuma necessidade de que o Espírito Santo
lhe dê revelações sobrenaturais, novas e diretas, uma vez que nas Escrituras
ele já lhe deu toda a verdade, conhecimento, sabedoria e direção que você
necessita.
O misticismo frequentemente defende que o uso de revelações diretas,
sobrenaturais e internas da parte de Deus é o sinal de uma espiritualidade
superior àquela dos cristãos que se limitam à Palavra escrita. O místico sente
que se torna mais espiritual que os outros crentes, quando diz da Escritura:
tua Palavra, ó Deus, é limitada e realmente precisa ser sustentada por
revelações exteriores que falem diretamente ao meu coração. O cristão
bíblico sofre pelo seu irmão místico, porque sabe que tal atitude não é sinal
de uma espiritualidade superior; ao contrário, é sinal de uma insuficiência
espiritual que o impede de ver e perceber as riquezas ilimitadas e a plena
suficiência da gloriosa Palavra de Deus que chamamos a Bíblia. O cristão
bíblico fala, junto com o salmista, as seguintes palavras sobre as Sagradas
Escrituras: “Tenho constatado que toda perfeição tem limite; mas não há
limite para o teu mandamento” (Salmos 119.96). O cristão místico, por causa
de sua espiritualidade falha, não compreende isso, do contrário jamais se
distanciaria dessa fonte inesgotável e totalmente suficiente, para ir procurar
outra coisa em outros lugares.
O cristão místico acha que a situação ideal para todo crente deveria ser
aquela experimentada pelos profetas, que recebiam revelações diretas de
Deus. Para ele, a igreja deveria ter em seu seio numerosos profetas modernos
que recebessem revelações de última hora e as comunicassem aos outros
crentes da terra. O cristão bíblico prefere afirmar, com Pedro, que devemos
prestar atenção à profecia escrita encontrada nas Sagradas Escrituras
(profecia no sentido amplo do termo, que se refere ao ensino bíblico e não à
sua definição restrita à predição do futuro); a ela devemos nos apegar como
nosso único guia.
E temos ainda tanto mais confirmada a palavra profética [a
sequência do versículo demonstra que Pedro faz alusão aqui à
palavra profética das Escrituras], à qual bem fazeis em atender,
como a uma candeia que ilumina em lugar escuro, até que o dia
amanheça e a estrela da alva surja em vossos corações; sabendo
primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de
particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida
por vontade humana, mas homens santos falaram da parte de
Deus movidos pelo Espírito Santo. (2 Pedro 1.19-21)
O místico diz: farei bem em ultrapassar a Bíblia para alcançar uma
revelação superior, que me virá direta e sobrenaturalmente de Deus. O
cristão bíblico fala para si mesmo, como Pedro: bem farei em prestar atenção
à profecia da Escritura, como a uma lâmpada que brilha em lugar escuro,
até que o dia amanheça e a estrela da alva nasça em meu coração, até o
último dia. Necessitamos, até o último dia, da revelação contida nas
Escrituras, cuja leitura é iluminada pelo Espírito Santo, e nada mais além
dela.
Para resumir, diremos que os dois pilares do misticismo anti-bíblico
são, primeiramente, a tendência em concentrar a vida religiosa
principalmente sobre suas próprias experiências interiores, ao invés de
concentrá-la sobre as realidades objetivas da pessoa de Deus, sua obra de
salvação e a verdade de sua Palavra; em segundo lugar, a tendência em
procurar no interior e não no exterior (em Deus, pela sua Palavra escrita), a
fonte da renovação e da direção espiritual.
Agora que examinamos a natureza do misticismo, consideremos,
brevemente, os exemplos de misticismo moderno discutidos nesta obra e os
perigos que ameaçam o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

Misticismo e avivamento
Em nossos dias, uma grande parte da igreja evangélica mundial foi
profundamente tomada por um desejo ardente de avivamento espiritual. É
encorajador. Por zelo, muitos se engajam em fazer jejuns e orações; outros
lutam com ardor por um arrependimento e transformação moral, esperando
inaugurar um período de avivamento poderoso e generalizado.
Entretanto, essa busca por uma nova experiência com o poder e
presença de Deus apresenta várias falhas, que são camufladas pela atual
abordagem evangélica sobre avivamento. Um dos elementos que falta é o
anseio por uma reforma doutrinária. Poucos têm compreendido por que não
há mais avivamento espiritual em grande escala, como o ocorrido nos anos
1858-1859. De fato, desde esse período, o cristianismo evangélico sofreu
uma reversão doutrinária considerável, até meados do século XIX, em relação
às posições teológicas sustentadas pela maior parte dos cristãos evangélicos
desde a Reforma. Concretamente, a teologia do evangélico típico atual está
totalmente em desacordo com a teologia bíblica e ortodoxa das principais
confissões de fé protestantes históricas, no que diz respeito a doutrinas tais
como o caráter de Deus, a criação, a queda do homem, o pecado, a lei divina,
a natureza da conversão, a natureza e extensão da obra de Deus na salvação,
etc. Constatamos isso quando examinamos o Catecismo de Genebra, de
Calvino, a Confissão de la Rochelle, da Igreja Reformada da França, a
Confissão dos Países Baixos (Belga), das Igrejas holandesas, a Confissão
helvética posterior, de Heinrich Bullinger, das Igrejas reformadas suíças, o
Catecismo de Heidelberg, os Cânones de Dort, a Confissão de Westminster e
o Catecismo de Westminster, dos presbiterianos anglo-saxões, a Confissão de
Savoy, dos congregacionalistas ingleses, a Confissão de 1689 [dos batistas],
os 39 artigos dos anglicanos, ou mesmo a Confissão de Augsburgo, dos
luteranos, etc.
Para conseguir o avivamento, atualmente muitos cristãos fazem todo o
tipo de abstinências. Mas, apesar de tanta consagração, por que são incapazes
de parar por um instante para considerar as razões da ausência do poder
regenerador de Deus nas igrejas contemporâneas? Não seria porque a maior
parte das igrejas deixou de crer no que diz a Bíblia sobre a criação, a
condição pecadora do homem, o caráter de Deus e a natureza da salvação?
No que concerne a essas áreas, elas não creem mais no que criam seus pais
espirituais da Reforma e dos grandes avivamentos.
Por que os evangélicos não questionam sua teologia? Não passaria por
suas mentes a percepção de que ela possa ser uma das causas possíveis pela
falta de avivamento? Essa estranha incapacidade de questionar sua teologia
não viria do fato de que boa parte dos cristãos evangélicos tornou-se tão
mística que a Palavra escrita de Deus não faz mais parte de suas
considerações? Os cristãos tornaram-se tão centrados em si mesmos e em
suas experiências que a doutrina e a teologia não passam de questões
secundárias? Muitos as consideram dispensáveis para a vida da alma. Assim,
querer conhecer a verdade de maneira mais profunda resultaria em letargia
espiritual. Uma igreja que não mais crê que sua fidelidade ao credo teológico
e doutrinário é importantíssima aos olhos de Deus e que a substitui por suas
experiências — tal igreja caiu no misticismo. Distanciando-se do princípio
primário de que é preciso crer numa doutrina bíblica correta, isto é, de acordo
com os ensinos dos apóstolos, e cuidar de observá-la, os evangélicos
desviaram-se da verdade. A doutrina não é senão o próprio ensino dado por
Deus. O fato de o Senhor negar o avivamento deveria surpreender-nos? Não
nos esqueçamos de que Jesus disse ao Pai: “santifica-os na verdade. A tua
Palavra é a verdade”.
Ainda que imperfeito, consideremos um exemplo que poderá nos
ajudar a compreender melhor a obra que Deus faz através de sua igreja. Um
condutor de trem pode chegar no seu destino imprimindo velocidades
diferentes. Ele avança, normalmente, numa velocidade habitual; mas
circuntâncias especiais podem fazer com que pise forte no acelerador, a fim
de cobrir uma longa distância em curto espaço de tempo. Da mesma maneira,
há períodos em que Deus age com uma velocidade e poder que nos são
familiares. Mas, em certos momentos, lhe agrada pressionar o acelerador e
derramar o seu poder sobre sua igreja, de modo a fazer com que milhares de
pessoas entrem no seu reino em pouco tempo, e que essa igreja trabalhe
eficazmente em todas as áreas da vida. Mas não basta apenas pressionar o
acelerador para que o trem chegue no destino mais rapidamente. Para isso é
preciso que o trem preencha a condição essencial: ele tem de seguir nos
trilhos. Porque se o trem saísse dos trilhos, a aceleração da máquina
provocaria um desastre imenso e um descarrilamento seria certo. Portanto, é
muito provável que o misticismo seja mesmo um dos maiores inimigos do
verdadeiro avivamento espiritual, porque desvia o crente dos trilhos da
Palavra de Deus e da luz de suas verdades doutrinárias. Historicamente, o
misticismo sempre acabou por reorientar os crentes numa direção diferente da
ensinada nas Sagradas Escrituras. Então, perguntaríamos: uma igreja que, em
sua orientação, tornou-se mística e anti-bíblica, possui posição e orientação
corretas que lhe permitam experimentar o poder do avivamento? Ou acaso
não abusaria desse poder, o que a conduziria à queda perigosa em crenças e
práticas não bíblicas? Em seu estudo sobre o avivamento no País de Gales de
1904-1905, o autor nos mostra o perigo de um avivamento que se deu num
país onde a igreja estava infectada pelo misticismo, quando deveria estar
impregnada pela doutrina bíblica, firmada sobre os trilhos de uma fé
teológica e ortodoxa. Se, pela leitura deste estudo sobre o misticismo, o leitor
se sentir estimulado a reavaliar seriamente suas doutrinas e sua fé, ou
constatar a ausência, em si mesmo, de uma fé teológica verdadeiramente
bíblica, o autor se sentirá recompensado pelo seu trabalho.

Misticismo e vida cristã


O misticismo, como é demonstrado pelo autor, não representa um
grave perigo somente em tempo de avivamento espiritual. Seus efeitos são
desastrosos em todo o tempo. Sem saber, um grande número de crentes
evangélicos da Europa de língua francesa não conheceu outro ensino sobre a
vida cristã e a santificação, além daquele proveniente de uma corrente
profundamente marcada pelo quietismo místico católico romano. Esse
ensino, ainda que revestido por um disfarce protestante e evangélico, contém,
em seus princípios fundamentais, uma quantidade imensa de noções místicas
não bíblicas. Eu mesmo fui formado na escola desses princípios, os quais
aceitei e ensinei a outros por uma dezena de anos; assim, por tê-los
experimentado, conheço bem a incapacitação provocada por tais ensinos.
Percebo, também, que muitos evangélicos de hoje encontram-se numa
situação similar a que experimentei: eles não têm consciência de que existe
uma perspectiva mais bíblica sobre a santificação cristã, que pode arrancá-los
das armadilhas da sua presente forma de viver. Por isso que a discussão sobre
os ensinos modernos e o misticismo na vida cristã, desenvolvida por nosso
autor, poderia suscitar entre muitos leitores um questionamento sobre sua
própria teologia, uma nova reverência à Palavra escrita de Deus e uma nova
visão sobre o que é a vida cristã normal. Os cristãos que pertencem às escolas
de pensamento mencionadas nesta obra não são culpados, em mesmo grau,
dos erros contidos em seus ensinos. Mas as críticas formuladas e os erros
citados são, de fato, a tendência inevitável dessas escolas de pensamento.
Elas caracterizam a vida de todo indivíduo que persevera na crença e na
prática desses ensinos místicos. Então, leia atentamente e procure
compreender as citações abundantes extraídas de diferentes autores, que
descrevem os movimentos perfeccionistas do século XIX, e veja se não
haveria elementos místicos que estariam falseando e impedindo sua
compreensão sobre a santificação e a vida cristã em geral.
Correntes místicas recentes no seio das igrejas evangélicas
Ao ler esta obra, a principal razão pela qual somos estimulados a
identificar e a nos afastar do misticismo é seu efeito bola de neve, ou seja, o
misticismo, com efeito, conduz os homens a graves heresias se não for
imediatamente reprimido. Esse tipo de erro doutrinário, que rejeita a
verdadeira fé salvadora, condena a alma à perdição. O autor nos apresenta
uma descrição documentada sobre as posições assumidas por dois líderes
muito influentes no meio evangélico contemporâneo, que passaram para um
misticismo extremo. Encontramos nesses líderes praticamente todas as
características dos hereges místicos que foram condenados pela igreja no
curso da história: — uma ruptura clara e categórica com a Bíblia como regra
de fé — entrevistas supostamente diretas com Deus; — visões aceitas e
autorizadas como correções do ensino bíblico, apesar de contradizê-lo
totalmente; — o surgimento de ditadores espirituais que mantêm sob sua
autoridade um grande número de pessoas crédulas, em razão de um pretenso
e privilegiado acesso a Deus, que falaria diretamente através deles, — e
finalmente, uma noção exagerada de união com Deus e com Cristo, que
resulta em poderes quase divinos, que se crê vindos de Deus. Tudo isso é
muito alarmante.
Os líderes evangélicos citados não são marginais vivendo em
segurança em um lugar afastado, longe da corrente evangélica dominante.
Eles são lidos, ouvidos e seguidos por milhares de pessoas. Sua ascensão e
popularidade deveriam ser motivos de oração de todos aqueles que
verdadeiramente amam o Cristo das Escrituras. Seguindo as palavras de
Pedro, este livro nos conclama “a cingirmos o nosso entendimento” (1 Pedro
1.13) e a sermos cristãos que refletem, discernem e conhecem a doutrina. Se
temos desprezado a doutrina e vivido a vida cristã sem um conhecimento e
entendimento precisos da verdade revelada por Deus na sua Palavra, devemos
nos arrepender, porque, ao fim de tudo, isso há de nos prejudicar, uma vez
que tal abordagem só pode ofuscar a primazia do Deus trinitário e a glória do
sacrifício de Cristo. Que Deus nos reconduza a um cristianismo são e
experimental, que seja tanto doutrinário como prático, que instrua a mente e
faça tremer o coração. De igual modo, que o conhecimento da Bíblia e da
doutrina possa desviar nossos olhos de nós mesmos, para levá-los à
contemplação do nosso Deus, do Salvador glorioso e de sua grande salvação,
realizada em prol de pecadores como nós. Que esse cristianismo, impregnado
pela Bíblia e rico em sua teologia, conduza-nos um dia a confessar que não
conhecemos nada sobre a profundidade da experiência cristã, sobre a alegria
e o amor verdadeiros que a acompanham. Porque agora, a Palavra de Deus
tornou-se nosso único guia e o rico tesouro do conhecimento de Deus. Que
esse cristianismo impregnado pela Bíblia e que se deixa guiar por ela, leve-
nos para longe das alegrias estéreis e passageiras de nossas experiências
interiores, visões ou milagres, estranhos à revelação bíblica, e que sejamos
alcançados pela alegria incomparável daqueles que têm sido ensinados, pela
Palavra de Deus, a contemplar Jesus Cristo, revelado perfeitamente nas
páginas da Escritura, e assim usufruir uma comunhão viva com o Pai, pelo
Espírito Santo. Então experimentaremos, de maneira durável e satisfatória, o
que o poeta descreveu quando voltava os seus olhos em direção a Cristo —
sua salvação — e não para si mesmo:
Tua Palavra, Senhor, é a verdade, a sabedoria suprema
Por ela conheço meu destino eterno
Esse fiel espelho me revela a mim mesmo
Ao mostrar o meu coração sempre inclinado ao mal
Livro consolador, pelo próprio Deus inspirado
Meus olhos foram abertos para a tua viva claridade
Compreendo agora quanto o Senhor me ama
E sei com que preço Jesus me comprou. (J. J. Hosemann)

— David Vaughn
PREÂMBULO
Vivemos em uma época caracterizada por uma grande confusão
doutrinária e falsificações espirituais de todos os tipos. Quando consultamos
os catálogos de obras cristãs evangélicas, ficamos surpresos ao ver os títulos
atraentes que desfilam diante dos nossos olhos. O mercado foi invadido por
um tipo de literatura que procura manipular os crentes e os estimula a cobiçar
todo o tipo de bênçãos, supostamente espirituais, acompanhadas, é claro, de
um manual para produzi-las e obtê-las. Os crentes tornam-se verdadeiros
aprendizes de feiticeiro.
A incredulidade e a ausência de amor por Deus e pelo próximo,
próprios de uma grande parte do cristianismo contemporâneo, têm como
consequência o vazio espiritual. Procura-se instintivamente um substituto
para preenchê-lo. Esse vazio — estado insuportável para a alma humana, que
somente a reconciliação com Deus através de Jesus Cristo e seu amor podem
preenchê-lo — desperta uma sede insaciável por obter qualquer coisa que
possa satisfazê-la. Muitos estão abertos para crer em qualquer coisa, desde
que isso produza experiências, que se dizem vindas de Deus, e que os
satisfaçam. Em certos meios se ensina que é preciso ver para crer, e isso
produz ainda mais incredulidade. O estudo da Bíblia interessa cada vez
menos aos cristãos. Ora, é o conhecimento das Escrituras que nos dá
discernimento espiritual. Aprendemos no livro de Oseias (4.6) que o povo
pereceu por falta de conhecimento. Mas a maior parte dos cristãos não deseja
mais esse conhecimento; eles fogem do esforço, especialmente do esforço
intelectual. Preferem procurar direcionamentos divinos que caiam do céu, em
vez de estudar e praticar a Palavra de Deus, que é a expressão fiel de seu
pensamento e vontade; muitos dos seus líderes sabem muito bem como
mantê-los na ignorância, o que faz com que se tornem facilmente
manipuláveis e entrem com olhos vendados na via enganosa de suas próprias
visões.
Para compreender essa situação, pareceu-nos útil pesquisar no passado
quais poderiam ser as raízes do misticismo cristão do nosso tempo. É preciso
deixar claro que distinguimos a verdadeira mística cristã — real comunhão
com Deus, em Jesus Cristo e pelo Santo Espírito, fiel aos ensinos da Bíblia
— do misticismo pseudo-cristão, falsificação da verdadeira comunhão do
cristão com seu Deus. Assim, num primeiro momento, vamos nos debruçar
sobre o célebre avivamento do País de Gales do começo do século [isto é, do
século XX], o qual examinaremos através da lente de vários observadores.
Num segundo momento, mencionaremos diversas personalidades e
correntes que influenciaram o cristianismo evangélico.
PRIMEIRA PARTE
BREVE HISTÓRICO DOS AVIVAMENTOS DO PAÍS DE GALES
(SÉCULOS XVIII-XIX)

O País de Gales conheceu vários avivamentos no decorrer dos últimos


séculos.
Em meados do século XVIII, através do ministério de Daniel
Rowlands, eclodiu um primeiro avivamento em todo o país, que criou uma
nova denominação chamada Igreja Metodista Calvinista. Por causa do
número de seus membros e por sua influência, logo se situou entre as maiores
denominações do país. Esse avivamento produziu uma hinologia que renovou
profundamente a vida religiosa. No início do século XIX, um segundo
avivamento sacudiu o país. John Elias, com seus sermões teológicos,
Christmas Evans, com seus sermões poéticos e William of Wern, com seus
sermões filosóficos, percorreram o país proclamando a doutrina da graça,
cada um a sua maneira.
Em 1859, o terceiro avivamento teve início com o ministério de
Humphrey Jones. Mas este, dotado de uma fraca constituição física, não
suportou o excesso de trabalho. Após três ou quatro meses seu sistema
nervoso entrou em colapso e nunca mais conseguiu enfrentar um auditório.
Entretanto, ele não se desgastou em vão porque passou o bastão para David
Morgan, pastor metodista calvinista, que gozava de uma robusta constituição
física e que retomou assim a chama. Como em outros avivamentos, houve
extravagâncias e emocionalismo em exagero. Mas a grande quantidade de
vidas realmente transformadas elevaram o nível espiritual do país. Vivia-se
nas igrejas um grande anseio por santificação e um desejo ardente por
aprender. Depois desse avivamento, centenas de escolas foram fundadas e
três faculdades nacionais estabelecidas, as quais tiveram um impacto social
enorme.[2]
O AVIVAMENTO DE 1904-1905: EVAN ROBERTS
1. O avivamento testemunhado por Jessie Penn-Lewis, Henri Bois e Rick Joyner
Um quarto avivamento, que teve como principal líder Evan Roberts,
aconteceu em 1904 e 1905. Este avivamento enfatizou a doutrina do Espírito
Santo sob uma nova forma: a busca de uma segunda experiência depois da
conversão, chamada de batismo com o Espírito Santo, a fim de receber o
poder no testemunho e no combate contra Satanás, como também uma
aptidão nova para discernir a voz do Espírito, necessária para a condução
prática da vida.
Vários fatos contribuíram para preparar o terreno e torná-lo favorável à
eclosão do avivamento. Em muitos lugares, diferentes movimentos
organizaram círculos de oração, com o objetivo de provocar um avivamento
no país. Muitos pastores e cristãos compreenderam que, antes de esperar por
uma bênção de Deus, era preciso, primeiramente, que eles mesmos se
alinhassem com Deus. Decidiram, então, renunciar a todo pecado conhecido,
crer na libertação de seus pecados através de uma identificação com Cristo
em sua morte e ressurreição, e procurar com fervor o batismo com o Espírito
Santo para obter o poder para testemunhar. Os beneficiados por essa
experiência eram chamados de os possuídos pelo Espírito.
Jessie Penn-Lewis, pregadora itinirante galesa e autora de várias obras
de edificação, teve um papel importante nesse avivamento. Este já tinha
eclodido em vários lugares antes do aparecimento em cena de Evan Roberts.
Aqueles que realmente se converteram foram transformados totalmente.
Houve uma ruptura radical com a vida passada. Um grande número de
alcoólatras parou de beber, a ponto de, em certas vilas, as tavernas fecharem
suas portas por falta de clientes, e assim a vida de muitas famílias foi
transformada. Aqueles que roubavam restituíam os bens que haviam roubado.
A honestidade, o respeito e a preocupação com o próximo reinava em todo
lugar. Muitos cristãos mornos tornaram-se ardentes por Jesus Cristo e não
sentiam mais vergonha do Evangelho.
Mas houve, infelizmente, muitas falsas conversões produzidas pela
sugestão ambiente, em razão da grande pressão psicológica. E aqueles que
foram além da doutrina de Cristo depararam-se com muitas dificuldades.
Segundo Roberts e Penn-Lewis, a origem do avivamento tinha de vir
da busca e recebimento do batismo com o Espírito Santo. Mas as
falsificações espirituais que resultaram dessa busca e penetraram nesse
avivamento foram tão numerosas que J. Penn-Lewis, com a colaboração de
Evan Roberts, foi levado a escrever um livro, intitulado La guerre aux saints
[A guerra contra os santos],[3] no qual Jessie descreve o que viveram e
observaram, e as lições que tiraram disso. Essa obra contém diversos
conselhos e advertências, muito pertinentes para cristãos que ignoram as
astúcias do diabo. Infelizmente, os autores não se deram conta de que todas
as dificuldades encontradas tinham em sua origem, essencialmente, quatro
fatores: a busca equivocada do batismo com o Espírito Santo; a procura em
conduzir a vida cristã intuitivamente pela atenção às vozes interiores; sua
teologia de uma união total com Cristo, teoria extraída dos escritos de
Madame Guyon[4] (tratava-se, de alguma maneira, da busca de uma fusão
completa com a divindade); e, enfim, a crença de que os demônios estavam
na causa de quase todos os seus problemas. Não perceberam que eles mesmos
abriram a porta e que essa era a razão pela qual tinham tanto que lutar contra
eles.
Isso nos leva às seguintes reflexões. Ao examinar essa busca por uma
união mística com Deus e as experiências que provoca, percebemos que esses
fenômenos religiosos são muito parecidos com as experiências panteístas,
sobretudo quando se analisa os meios utilizados para consegui-los. Aqueles
que se deixam guiar pela intuição e por vozes interiores, em vez de
submeterem-se à sabedoria que a Palavra de Deus e o bom senso santificado
concedem, frequentemente desenvolvem capacidades mediúnicas. A
consequência disso é que se torna quase impossível distinguir o que é
humano, no que concerne à palavra ou o pensamento, do que é divino ou
diabólico. A pessoa que procura a direção de Deus escutando as suas próprias
intuições, certamente vai se encontrar num estado de grande perplexidade. De
fato, através de métodos tão subjetivos, como saber se tais intuições provêm
da carne, de Deus ou do diabo? Se não permanecermos firmemente apegados
à Palavra de Deus, rapidamente vamos deixar a reflexão bíblica em segundo
plano, porque ao experimentar a condição que torna possível a livre
manifestação de pensamentos, vozes ou visões, coloca-se de lado toda a
reflexão e esforço intelectual, abandonando facilmente o uso das faculdades
racionais. Nesta perspectiva, nos tornamos como que um canal livre ou vazio
de qualquer obstáculo, para permitir a livre manifestação do Espírito. Para
chegar a este estado é preciso entrar num processo enganoso de morte de si
mesmo, processo que pode conduzir até àquela aniquilação mística do
indivíduo praticada pelas religiões orientais ou ensinada por Madame Guyon.
E dessa maneira nos abrimos a toda a sorte de falsificações.
O ensino dado àqueles que frequentavam a convenção de Keswick era
a busca de uma segunda experiência e a vontade de se dedicar, renunciando
tudo o que fosse possível, para tornar-se um digno médium do Espírito Santo
(sic). O movimento de Keswick trabalhava pela renovação e santificação dos
participantes, especialmente eclesiásticos. F. B. Meyer era um dos líderes
mais influentes dessa convenção. Em seu ensino, o poder do Espírito Santo
na vida do crente dependia do grau de sua consagração. Milhares de pessoas
oravam ardentemente pela renovação espiritual de seu país e, em resposta às
suas orações, esperavam um avivamento universal, espectativa que baseavam
biblicamente sobre uma interpretação errada da profecia de Joel relativa às
últimas chuvas. Atualmente podemos constatar a mesma espectativa em
muitos arraiais pentecostais e entre os seguidores de Wimber e seus profetas.
Essa tradição de Keswick perdurou no século XX pela ação de homens
como Andrew Murray, T. Austin-Sparks e Watchman Nee, para citar apenas
alguns.
É preciso salientar que no presente estudo não atacamos as pessoas
citadas, nem aqueles que aderem aos seus ensinos, mas examinamos suas
ideias e doutrinas à luz da Escritura.
Sobre o mesmo assunto é instrutivo ler o livro de Henri Bois, Le réveil
au Pays de Galles [O avivamento no País de Gales],[5] escrito em 1905. O
autor, professor na faculdade de teologia protestante de Montauban, descreve
esse avivamento de um ponto de vista essencialmente psicológico. Aliás, esse
era o seu objetivo. Excelente observador e rigoroso analista dos fatos e
comportamentos, retrata em sua obra a sinceridade e espontaneidade das
multidões, e também sua grande confusão e incrível histeria que imperavam
coletivamente nesse avivamento. Ele frequentemente se interroga sobre o
sentido de tudo o que pôde ver e observar, levando assim seus leitores a
refletir sobre os eventos que descreve. Suas próprias avaliações e
interpretações, quase sempre de um caráter humanista e liberal, não
diminuem, no entanto, o valor histórico dessa interessante obra. Apesar da
quantidade de entulho e práticas duvidosas que observou ali, em geral Bois
permaneceu bastante favorável ao avivamento do País de Gales, em razão das
mudanças surpreendentes que trouxe para a sociedade.
Henri Bois escreveu sua obra de maneira direta, sem nenhuma
retrospectiva em relação aos eventos. Os numerosos casos de possessão a que
se refere foram todos produzidos durante o avivamento. Durante duas
semanas permaneceu na cena dos acontecimentos, para examiná-los
pessoalmente. Seu livro está muito bem documentado, graças a informações
recolhidas de testemunhas oculares, artigos de jornal, cartas e livretos sobre o
assunto.
Jessie Penn-Lewis, em contrapartida, escreveu La guerre aux Saints [A
guerra contra os santos] em 1912, em colaboração com Evan Roberts,
portanto sete anos após o avivamento. Assim, pôde julgar mais objetivamente
os resultados. Ela nascera naquele país, portanto viu e avaliou os
acontecimentos internamente. A situação produzida pelos desvios do
avivamento tinha se tornado tão dramática que ela acabou fundando um
jornal, The Overcomer [O vencedor], que tinha por objetivo advertir os
cristãos sobre as armadilhas do diabo e sobre os meios de escapar delas. Ela
trocou abundante correspondência tanto com leigos como com pastores de
vários países, que enfrentariam os mesmos problemas. Esse jornal respondia
a necessidades reais e, de alguma maneira, ajudou centenas de pessoas saírem
de suas dificuldades.
Examinemos, agora, a atmosfera espiritual que reinava entre aqueles
que frequentavam a convenção de Keswick, como a descreve Henri Bois em
sua obra Le réveil au Pays de Galles [O avivamento no País de Gales]:
Em agosto de 1904 aconteceu uma segunda convenção em
Llandrindod. Os testemunhos dados nessas reuniões mostraram a
profundidade da obra já acontecida em 1903. Um ministro,
escrevendo para o jornal galês chamado Goleuad, diz que nessa
conferência “muitos viram uma porta de esperança para um
avivamento no País de Gales num futuro próximo”. E sobre os
testemunhos dados nas reuniões, o mesmo autor escreve: “Foi
uma verdadeira delícia ouvir pastores e leigos falarem sobre a
mudança que foi operada em seus ministérios e em suas próprias
vidas a partir da Convenção de 1903. Muitas alusões foram feitas
a uma consagração mais intensa, a hábitos rejeitados, a uma
dependência mais plena do poder do Espírito Santo, ao novo
nascimento de muitas almas como resultado de tudo isso. Muitos
atestaram que a Bíblia tornou-se um livro novo para eles; outros,
que sua oração tornou-se mais poderosa e mais agradável do que
antes… É evidente que dias melhores estão prestes a brilhar, e
benditos sejam esses crentes que estão dispostos agora a
consagrar-se como médiuns (sic!) dignos para o Espírito Santo
no próximo avivamento”. (p. 65)
Todos tinham a certeza de um avivamento universal. Bois escreve:
Falávamos sobre o avivamento na França, quando me despedi de
uma das moças reavivalistas que acompanhavam Evan Roberts
em suas viagens, e ela me afirmou que esse avivamento era
inevitável. Como argumento decisivo, no momento em que lhe
dei a mão, ela me disse: “Oh! vocês terão avivamento na França,
vocês não escaparão, você sabe, Evan Roberts profetizou e até
hoje todas as profecias de Evan Roberts se realizaram. Ele sabe
muito bem, por exemplo, quando haverá conversões numa
reunião. E diz quantas serão, sem jamais enganar-se. Por que,
então, se enganaria sobre um avivamento no mundo inteiro?”.
Mas não são somente as profecias de Evan Roberts; todos os
reavivalistas ingleses, como também os galeses, todos os
missionários americanos, como os ingleses, cada vez mais estão
convencidos do caráter, de alguma maneira mundial, do
avivamento que apenas começou. (p. 4)
Uma obra de Rick Joyner traduzida para o português como O mundo
em chamas,[6] descreve esse mesmo avivamento e os seus ensinos extraídos
para o nosso tempo. Jessie Penn-Lewis igualmente o retrata em The
Awakening in Wales [O avivamento no País de Gales]. É muito útil ler os
diferentes relatos históricos, de autores diversos, sobre esse assunto. Aliás,
várias obras, na língua inglesa,[7] foram consagradas a esse tema.
Com a ajuda desses documentos, nos debrucemos sobre a
personalidade de Evan Roberts. Veremos que defendia uma teologia bem
particular, compartilhada por muitos pastores de sua época.
Jovem minerador do País de Gales, Evan Roberts era um homem
simples, sem grande instrução. Sincero, queria consagrar-se inteiramente a
Deus. Durante treze anos buscou o batismo com o Espírito Santo. Isso era
para ele uma ideia fixa imutável, associada ao desejo de um avivamento.
Entrou nessa experiência da maneira mais bizarra possível, quando supôs ter
falado com Deus Pai em pessoa, e também com o Espírito Santo.
Henri Bois destaca que esse relato encontra-se descrito no fim do
terceiro livreto publicado pelo Western Mail. Então, foi inserido por extenso
ou em parte, em uma grande quantidade de jornais religiosos ingleses.
Citaremos uma parte desse relato:
Em uma sexta-feira da última primavera (1904), enquanto orava
próximo à minha cama antes de deitar, senti-me levado para uma
imensa extensão, fora do tempo e do espaço. Era a comunhão
com Deus. Antes tinha apenas um Deus distante. Naquela noite,
tive medo, mas esse medo nunca mais voltou. Eu tremia tão forte
que a cama sacudia e meu irmão, acordado, me agarrou,
pensando que eu estava doente. Depois dessa experiência, passei
a acordar toda a noite à uma hora da madrugada. Isso era ainda
mais estranho, porque normalmente eu dormia como uma pedra,
sem que nenhum barulho em meu quarto pudesse me acordar. À
uma hora eu acordava e ficava na comunhão divina por quase
quatro horas. O que era, não posso lhe dizer, senão que só podia
ser divino. De novo, às cinco horas era-me permitido dormir até
às nove horas. Nessa hora, eu era novamente tomado, levado à
mesma experiência das primeiras horas da madrugada, até perto
do meio-dia ou uma hora da tarde. Em casa me questionavam.
Perguntavam-me por que não tinha me levantado mais cedo, etc.
Mas essas coisas eram divinas demais para que eu pudesse
explicar. Isso durou aproximadamente três meses. (op. cit., p. 70-
72)
Henri Bois descreve essa experiência estranha nos mesmos termos de
Evan Roberts:
Foi uma sensação de movimento de ascensão, de dilatação, e ao
mesmo tempo de inexistência de tempo e espaço. Certas
sensações físicas que estão na base dessa experiência são
análogas às descritas por diversos místicos. (p. 73)
Mais adiante, Henri Bois continua:
M. Stead compara a experiência de Evan Roberts com uma
experiência religiosa análoga feita por M. J. Addington Symonds,
quando estava sob influência de clorofórmio (a citação de
Symonds foi retirada do livro de William James sobre As
variedades da experiência religiosa); ele remete também às
experiências religiosas de Madame Guyon (com o apoio de
citações de James). — Destacando as palavras pelas quais Evan
Roberts declara: “Eu sentia a comunhão com Deus e isso parecia
mudar toda a minha natureza, e via as coisas sob uma luz
diferente, e sabia que Deus ia agir neste país e não somente neste,
mas no mundo inteiro”, M. Stead observou, em uma outra nota,
que esse tipo de visão mística que faz um homem capaz
(conforme crê) de compreender o segredo de Deus em sua
criação e a disposição do universo, foi comum a todos os santos,
mesmo àqueles que não podiam ser chamados propriamente de
santos. Ele cita em particular Walt Whitman, George Fox, Inácio
de Loyola, Santa Teresa, Jacob Boehme. — A propósito da
declaração de Evan Roberts “Eu não escrevi nada” (referindo-se
ao seu êxtase místico quando cessou), M. Stead reproduz duas
frases de W. James sobre a absorção mística dos Suffis em Deus
e “a incomunicabilidade do êxtase, próprio de todo misticismo”.
— Enfim, para ilustrar a confissão de Evan Roberts “Não foi
Jesus Cristo quem me apareceu, foi Deus em pessoa e o Espírito
Santo”, M. Stead conta que, se George Fox tinha o hábito de
conversar com Jesus Cristo, tanto Santa Teresa como Evan
Roberts falavam com Deus. (p. 76)
Ele estava absolutamente decidido a fazer a vontade de Deus, tal como
entendia, isto é, submetendo-se totalmente à voz do Espírito, a fim de
depender dele completamente. Quando o Espírito Santo não se manifestava,
esperava até que o sentisse e ele lhe ditasse o que fazer. Ele confessava — e
aqui podemos compreendê-lo facilmente — sua dificuldade em discernir
entre a voz de Deus e a do diabo. Esse problema é característico de todos
aqueles que se apoiam em revelações interiores. Vejamos o que dizia Evan
Roberts, relatado por Bois:
Quanto mais você cresce na vida espiritual, mais o combate será
duro, e mais difícil será discernir a diferença entre a voz do diabo
e a voz de Deus. Esta é a minha dificuldade agora. Se há uma
regra para discernir essa diferença, até hoje não a descobri. O
diabo é capaz de fazer sua voz parecida com a de Deus. (p. 550)
Por seu lado, Rick Joyner acrescenta:
Mas foi, precisamente, sua grande capacidade de abrir-se ao
Espírito Santo que o inimigo utilizou para incitá-lo a ir longe
demais: eles (Evan Roberts e os outros reavivalistas que tinham a
mesma maneira de ver) foram, de fato, até o ponto de impedir a
organização indispensável para a manutenção de todas as suas
conquistas. Por causa disso, ao final de dois anos, não se via mais
nenhum traço do avivamento e não demorou para o país cair de
novo na sua antiga corrupção. (op. cit., p. 125)
Assim, segundo Joyner, foi a falta de organização interna que fez com
que o avivamento cessasse. Ele não fala das inúmeras falsificações referidas
nas obras da senhora Penn-Lewis, nem das advertências dadas. Não diz que
Evan Roberts queria ser um médium do Espírito Santo. Essa busca era
comum entre os que faziam parte dos movimentos de santidade da época, que
poderíamos chamar de precursores dos pentecostais. Para atingir a perfeita
obediência a Deus era preciso lutar para desembaraçar-se de tudo o que
pudesse servir como obstáculo à ação de Deus, e de alguma maneira alcançar
um estado totalmente passivo, que permitisse ao Espírito agir livremente.
Citamos Henri Bois, ainda referindo-se a Evan Roberts:
Com frequência ele começa os seus sermões declarando que não
sabe o que vai dizer, mas que está em comunhão com o Espírito
Santo, que lhe ditará suas palavras, e será simplesmente o
médium do Espírito Santo (Loughor, novembro). (p. 400)
Seu grau de abstinência e consagração era tal, que dizia:
Eu construí o altar; empilhei a madeira e preparei o sacrifício;
agora apenas espero o fogo. (p. 82)
O fogo[8] purificador permitirá, então, que o poder do Espírito Santo
seja liberado. Curve a igreja e salve o mundo, era seu grito permanente. Pelo
verbo curvar, queria dizer uma submissão total e sem resistência a Deus. Seu
objetivo principal era fazer com que os cristãos se alinhassem com Deus, a
fim de que o Espírito pudesse jorrar e transformar-se em poder para salvar os
perdidos. Para ele, a cruz era o poder de Deus tanto para os pecadores como
para os salvos. Examinando mais profundamente sua doutrina da cruz,
podemos constatar seu erro. Porque, tanto para Evan Roberts como para
Jessie Penn-Lewis, não é somente o pecado e seu poder alojado na velha
natureza do homem que deve ter seu poder reduzido, mas o próprio homem
em sua pessoa.[9]
Devemos nos lembrar que o avivamento, tal como o vemos na história,
é uma bênção especial e soberana de Deus, e nossas obediências mais
sinceras não podem produzi-lo, nem garanti-lo. Segundo a doutrina da
aliança, Deus promete sua bênção se o seu povo obedecer, o que fará com
que toda a nação seja abençoada: “Se o meu povo, que se chama pelo meu
nome, se humilhar, orar, buscar a minha face e se desviar dos seus maus
caminhos, então eu escutarei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a
sua terra” (2 Crônicas 7.14). Mas a maneira, o momento e o lugar pertencem
a Deus. A morte de Cristo na cruz foi a maior bênção que o mundo conheceu,
e, no entanto, muito poucos a reconhecem.
Bois observa que Evan Roberts foi alvo das mais curiosas experiências
espirituais. Com frequência revivia a agonia de Cristo sobre a cruz e explodia
em lágrimas ao descrevê-la (p. 410-412). Podia passar horas inteiras
prostrado sobre o estrado onde aconteciam as reuniões. Recusava,
sistematicamente, falar em inglês sob o pretexto de que o Espírito Santo não
o havia autorizado (p. 416). Tinha como regra jamais interromper a menor
manifestação espiritual, a fim de não apagar o Espírito. E na hora em que
ouvia a Sua Voz e que ele mesmo falava ou agia em consequência, tinha a
certeza de ser infalivelmente inspirado. Muitos o reprovavam por empregar
os poderes do ocultismo, do mesmerismo e da telepatia, com fins religiosos
(p. 426). Durante o que chamava de semana do silêncio, falava com Deus Pai
e dialogava com Satanás. Parece até que tinha recebido o dom da escrita
automática.[10] A partir dessa época, seus poderes telepáticos, suas visões,
suas predições e seus atos propriamente de adivinhação, parecem ter
aumentado consideravelmente. Segundo aqueles que seguiram de perto o seu
ministério, Evan Roberts teria passado por três fases distintas. Henri Bois
descreve assim seu segundo período:
Evan Roberts multiplica suas predições extraordinárias, todas
otimistas. Ele é da alegria e do amor. Não somente as multiplica,
mas também as afirma, anuncia o lugar e a capela onde está a
pessoa que vai se converter e suas predições se confirmam. (p.
418)
Por causa de seus comportamentos bizarros, seus amigos começaram a
temer por sua saúde:
Até os amigos de Evan Roberts se assustaram quando leram
sobre os eventos em Liverpool. Um correspondente do Daily
News de Londres, muito simpático ao avivamento, escreveu uma
carta a esse jornal para insistir sobre o perigo que haveria se Evan
Roberts, no estado de saúde em que se encontrava e com a tensão
nervosa que sua conduta evidenciava, continuasse com as
reuniões. Se continuar, terminará numa catástrofe irreparável e
perderá a razão! (p. 509)
Sobre o terceiro período, Bois nos diz:
Com sua perspicácia normal e sobrenormal, nas reuniões que
preside ele percebe logo a presença de um número crescente de
pessoas que vêm por curiosidade. Ele as admoesta, reprova e as
ameaça. Ele começa por culpar e repreender aqueles que têm
resistido ao Espírito Santo, não seguindo os impulsos para orar,
cantar, que vêm do Espírito — desobediência causada pela
curiosidade, frivolidade e frieza. As cenas desse tipo se
multiplicam. Depois ele reprova aqueles que se levantaram para
cantar, falar ou orar, sem para isso ser impulsionados pelo
Espírito, mas por vaidade, desejo de aparecer. Já em 14 de
novembro, em Trecynon, durante uma palavra, Evan Roberts
tinha dito: “Se alguém veio aqui esta noite com a intenção de
produzir efeito, aconselho-o que se abstenha. Permaneçam em
silêncio, a menos que vocês sintam que estão sendo
impulsionados a falar ou cantar”. Mas essa proibição de falar,
antes passageira, se repete, se renova e se afirma.
Em 4 de janeiro, Evan Roberts de repente se levantou e gritou
“Parem...!”. Um cantor continuou cantando, mas Evan Roberts
por várias vezes gritou para ele: “Pare! Pare! Por favor!”.
Quando ele parou, Evan Roberts disse que antes havia suplicado
sabedoria para agir assim. E falou: “Se você obedece ao Espírito
quando canta, também pode obedecê-lo parando de cantar”. E
acrescentou: “eu notei que em algumas reuniões o Espírito tinha
sido apagado por pessoas que se levantaram para fazer algumas
coisas; e recebi do Espírito Santo a ordem para dizer àquelas
pessoas que se sentassem. Numa certa época permiti, nos
encontros, que se caminhasse sozinho, mas agora o Espírito
Santo me diz para impedir que ele seja extinto por qualquer que
seja a vontade de levantar-se para se exibir. Eu sei quando
alguém se levanta sem ter sido movido pelo Espírito. Vocês
também sabem. Tornou-se necessário ensinar às pessoas a
comportar-se, a comportar-se direito. É absolutamente necessário
orar para obter sabedoria. Vocês podem achar que sou duro ao
falar assim, mas é a escola do Espírito Santo, pela qual sou
guiado nessa matéria. Oremos para que nos tome e nos use o
corpo e a alma, e não podemos nos enganar no que faremos.
Oremos para obter a sabedoria”. [...]
Logo os dons telepáticos de Evan Roberts vão divergir, e ele os
utilizará de outra maneira. Ele lê, nas almas dos ouvintes, os
obstáculos morais que se opõem à sua conversão. Convoca aos
que brigaram que se reconciliem imediatamente ou deixem a
reunião. (p. 419-421)
Em 31 de janeiro foi publicado no Western Mail um vigoroso
ataque contra Evan Roberts sob a forma de um artigo intitulado:
“O avivamento duplo no País de Gales”, assinado pelo Rev. Peter
Price, pastor da Igreja Congregacional de Betânia, em Dowlais.
Nesse artigo, o Rev. Price sustenta que há dois avivamentos: um
autêntico, divino, no qual Evan Roberts não tem participação
nenhuma — e um avivamento artificial, que não passa de uma
paródia do outro, uma zombaria, uma imitação, cujo autor é
Evan Roberts — o qual se mostra como uma pessoa dotada de
atributos divinos. “Há, então, quatro pessoas na Trindade, e
Evan Roberts é a quarta? Ele se conduz não como alguém a
quem o Espírito Santo dirige, mas como quem dirige o Espírito
Santo.” O verdadeiro avivamento é um fogo celeste. O
avivamento de Evan Roberts não passa de um fogo de palha.
Evan Roberts lembra os profetas de Baal, que procuravam com
seus encantamentos criar um fogo mentiroso. Todos os atos de
Evan Roberts são sacrílegos e blasfemos. E o Rev. Price reprova-
lhe as profecias sobre conversões que não foram verificadas, sua
recusa em falar inglês sob o pretexto de que não foi autorizado
pelo Espírito […], seu hábito de chegar nas reuniões somente
quando já estão no auge da excitação, e visitar apenas os locais
onde o fogo já ferve há semanas e meses. (p. 423)
Duas entrevistas, cujo texto foi publicado e que aconteceram antes da
partida de Evan Roberts para Liverpool, merecem destaque:
O Conselheiro Johnston lhe pergunta se a direção do Espírito
Santo está sempre de acordo com a Palavra de Deus, —
“Certamente”, replica Evan Roberts, que acrescenta: “Eu fui
amplamente guiado por impressões, mas após um silêncio de sete
dias percebi a direção ao ouvir a voz de Deus”. — “Você ouve
essa voz tão distintamente como me ouve?” — “Num sentido
espiritual, sim.” — “É fundamental provar os espíritos”, observa
uma senhora presente. — “Sim, replicou Roberts; esse tem sido o
motivo do meu maior conflito — discernir a voz de Deus e a de
Satanás”. (p. 463-464)
Muitas pessoas tinham advertido Evan Roberts que ele estava entrando
nas águas turvas do ocultismo, da sugestão e do transe coletivo, com seus
cânticos repetitivos e reuniões de oração que podiam durar horas. Cantava-se
o mesmo cântico ou corinho quinze vezes seguidas ou mais. Evan Roberts
testava (como ele mesmo dizia) sistematicamente a assembleia pedindo aos
convertidos para levantar-se. Assim, podia facilmente detectar os não
convertidos presentes na sala. A assembleia punha-se, então, a orar por eles
com tão grande fervor que poucos eram aqueles que tinham força para resistir
a tal pressão, e a maior parte acabava por converter-se. Desde o início do
avivamento, as reuniões eram marcadas por uma ausência quase total de
pregação. A proclamação da Palavra de Deus era substituída por pequenas
histórias. No entanto é preciso reconhecer que muitas das canções eram
centradas na obra feita por Cristo na cruz. Mas muitas outras eram apenas
encantamentos histéricos, com o objetivo de forçar a descida do Espírito
sobre a assembleia: “Ele vem, ele vem, o poder do Espírito Santo; eu o
recebo, eu o recebo, o poder do Espírito Santo!”. Então, todos eram assim
condicionados para ver o poder se manifestar.
Evan Roberts frequentemente recebia profecias e visões por meio das
quais lia o que acontecia nas almas. Anunciava, previamente, os que iam se
converter, e esses de fato se convertiam, ou ao menos diziam que sim —
felizmente Deus conhece os seus! A presença de Roberts bastava para
entusiasmar a multidão sem que pronunciasse uma só palavra. O auditório era
levado a um estado de excitação e histeria coletivas tão grande que ele
mesmo ficava assustado.
Sabemos, por experiência com fenômenos de massa ocorridos
atualmente, que a pressão coletiva é uma arma eficaz para obter o que
queremos das multidões. Em tal ambiente emocionalmente excitado, não é
mais possível distinguir o verdadeiro do falso. Somente o que se seguiu
revelou quais eram os crentes autênticos, aqueles que verdadeiramente se
arrependeram e perseveraram na fé em Jesus Cristo, obedecendo aos
mandamentos de Deus. Infelizmente, muitos se envolveram em experiências
duvidosas e dolorosas, que não passaram de falsificações terríveis da obra do
Espírito Santo e que deixaram na alma, daqueles que conseguiram livrar-se,
cicatrizes indeléveis.
Henri Bois conclui que esse avivamento galês, apesar da histeria e
excesso de emocionalismo que o caracterizou, tendo atingido quase que
exclusivamente mineiros e gente do campo, foi um bem moral imenso. Ele
produziu tantas transformações sociais que o cristão não pode deixar de
reconhecer nesse evento a ação direta de Deus (p. 605).
Como já indicamos, Henri Bois descreveu esse avivamento em 1905
sem nenhuma retrospectiva em relação aos eventos. Ele não tinha como
conhecer o seu lado oculto, nem as recaídas desastrosas de que fala J. Penn-
Lewis, e menos ainda o retorno do país ao seu antigo estado de corrupção
moral.
O ministério de Evan Roberts durou dois anos. No fim desse período
retirou-se para o lar dos Penn-Lewis e não teve mais nenhuma atividade
espiritual. O restante de sua longa vida foi marcado por um estado de total
prostração espiritual, moral e intelectual.
Assim, apesar de sua evidente sinceridade e consagração total a Deus,
sua teologia errada sobre Deus, sobre sua vontade, a cruz, o Espírito Santo, a
santificação, o caminhar cristão e a evangelização, o conduziu por um falso
caminho, que produziu nele falsas experiências que arruinaram
completamente sua saúde.
Rick Joyner faz uma interpretação totalmente diferente do que
denominou o fim prematuro do avivamento:
Parece que J. Penn-Lewis desempenhou um papel importante e
que contribuiu para o fim prematuro do avivamento, ainda que
sob as melhores intenções. Conta-se que ela persuadiu Evan
Roberts a se retirar, porque achava que ele absorvia demais a
atenção que devia ser dada a Deus. (op. cit., p. 117)
Mas a razão real foi que Jessie Penn-Lewis tinha se dado conta do
excesso de trabalho, do cansaço físico e nervoso, da conduta bizarra e cada
vez mais fanática de Evan Roberts. Ela quis evitar o pior para ele, e sua
retirada foi, sem dúvida, uma boa solução.
A obra de R. Joyner sobre o avivamento no País de Gales não nos fala
das inúmeras falsificações da ação do Espírito Santo ali ocorridas, menos
ainda nos adverte sobre como evitar a queda em tal desastre espiritual. E por
quê? Porque se tivesse feito isso, ele mesmo teria acabado com suas
atividades espirituais e negado suas próprias profecias e visões, que
constituem o fundamento e orientação de sua vida. (Vejam suas obras, entre
outras A última batalha e O mundo em chamas, que analisamos na última
parte deste estudo).
É interessante notar o que diz Joyner a propósito da La guerre aux
saints (em seu livro, o título inglês War on the Saints foi traduzido como O
combate contra os santos):
Alguns anos mais tarde, Roberts e Penn-Lewis publicaram uma
obra intitulada O combate contra os santos, destinada a condenar
o avivamento pentecostal nascente, apresentado como a obra de
um exército invasor de espíritos malignos. Durante o avivamento
no País de Gales, Penn-Lewis tinha reagido fortemente contra as
manifestações dos pentecostais, e esse livro parecia ser uma
reação de defesa, devido à sua aversão pelas atitudes super-
emocionais. As edições posteriores da obra manifestaram a
vontade dos editores de suprimir os ataques virulentos contra os
pentecostais, mas mantiveram ainda, em minha opinião, um
conteúdo geral que pode afetar a capacidade do crente de utilizar
os dons do Espírito. O ponto de vista de Penn-Lewis foi exposto
por J. C. Metcalfe, autor do prefácio do livro War on The Saints,
Christian Literature Crusade, (p. VIII): “Uma das consequências
do avivamento no País de Gales, no início do nosso século [séc.
XX], foi a multiplicação de formas de cultos extremos, que
pregam, frequentemente, o retorno às práticas pentecostais. A
senhora Penn-Lewis, que assistiu a uma grande parte do
avivamento, como representante de A vida de fé, percebeu bem o
perigo desses ensinos fanáticos; e em colaboração com Evan
Roberts, que teve um papel importante no avivamento, escreveu
um livro, O combate contra os santos. Nessa obra, essas crenças
e práticas extremas e excessivas são denunciadas
categoricamente como a obra de um exército invasor de espíritos
malignos. O termo enganação pode ser considerado como a
palavra chave desse livro e está em perfeito acordo com as ideias
de John Wesley e do Dr. Henson”. (op. cit., p. 119-120)
Joyner continua mais adiante:
Os escritos de Jessie Penn-Lewis estão impregnados de um zelo
sincero por ver Deus receber a glória que lhe é devida; eles
contêm muitos princípios efetivamente válidos, mas uma grande
parte de seus ensinos é, ao mesmo tempo, reacionária e repleta de
idealismo. Muitos amigos e conhecidos próximos de Evan
Roberts têm negado que O combate contra os santos represente
fielmente o homem que conheceram. (op. cit., p. 120)
Ainda que J. Penn-Lewis, verdadeiramente, tenha desejado que Deus
recebesse a glória que lhe é devida, o objetivo maior do seu livro era
denunciar as falsificações espirituais que se manifestam como consequência
de doutrinas e comportamentos falsos. A autora descreve inúmeras
falsificações da ação do Espírito Santo que, de fato, pertencem ao ocultismo.
É interessante constatar que M. Bickle — como Joyner, também membro da
equipe de profetas de Kansas City — no final de sua obra Grandir dans le
prophétisme [Crescer no profetismo], descreve, com algumas variações,
situações parecidas com as narradas por J. Penn-Lewis, que as atribui ao
diabo, enquanto ele próprio as atribui ao Espírito Santo. Compreendemos,
então, por que Joyner torce certos fatos relatados no livro La guerre aux
saints ou se recusa a falar deles.
É normal que os desvios narrados no livro La guerre aux saints não
representem mais a posição final de Evan Roberts, porque este teria
reconhecido o erro de várias de suas antigas práticas e as teria renunciado.
Entretanto, Joyner acrescenta, quando fala de La guerre aux saints, que:
Alguns colaboradores de Evan Roberts atestaram que o livro era
contrário ao espírito do avivamento e contestaram o fato de que
Evan Roberts tenha se separado do Corpo de Cristo e mesmo de
sua própria família, quando de sua aposentadoria na casa dos
Penn-Lewis.
Jessie Penn-Lewis poderia ser um desses exemplos históricos
clássicos que ilustram a maneira com que o inimigo pode utilizar
a caça à heresia ou ao idealismo, para sabotar as obras autênticas
do Espírito Santo. (op. cit., p. 120-121)
Assim, segundo Joyner, Penn-Lewis teria acabado com o avivamento
por querer acabar com a heresia, isto é, por advertir contra certas práticas que
são do ocultismo e não do cristianismo!
2. Exame teológico do livro A guerra contra os santos
Citaremos agora J. Penn-Lewis, que no Prefácio da primeira edição de
sua obra La guerre aux saints explica os motivos da redação desse livro:
Prefácio da primeira edição[11]
É com um sentimento inexprimível de reconhecimento para com
Deus que publicamos hoje este livro. Se o fruto de um trabalho é
proporcional ao que esse labor custou em sofrimentos, lutas e
trabalhos, temos a certeza de que este volume será uma bênção
para um grande número de almas. Há uma história e essa história
não será perfeitamente conhecida até que lá no alto os livros
sejam abertos. Esta obra é o fruto de três experiências dolorosas
permitidas pela Sabedoria suprema, antecipando a realização dos
seus propósitos aqui embaixo, e ao mesmo tempo o resultado de
vários anos de consagração à intercessão, a fim de que Deus
mostrasse a luz, sobre as experiências ditas espirituais de seus
filhos neste século XX, como também sobre as armadilhas de
Satanás. A vaga ameaçadora dos exércitos do príncipe das trevas
arrebatava e submergia os melhores e mais consagrados,
falsificando a atividade divina; e aqueles que tinham discernido a
verdade e visto a armadilha, caíram de joelhos e derramaram
diante de Deus suas orações cheias de angústia.
“Manifestem, compartilhem a luz que vocês receberam.” Esta foi
a resposta dada às suas orações, e esta é a história deste livro. Se
tivessem previsto o preço desse trabalho, talvez os autores
tivessem recuado diante da tarefa.
Seis anos de experiências na oração e três anos de trabalho para
redigir o que resultou dessas experiências, finalizaram com a
publicação do livro La guerre aux saints; labor que prosseguiu
apesar dos ataques incessantes do reino invisível. E agora,
dedicamos a Deus o trabalho que nos tinha confiado, para que ele
mesmo se encarregue de sua difusão. Ele que sustentou, que
inúmeras vezes deu prova de sua proteção, ordenando às legiões
das trevas unidas para o ataque: “Até aqui, e daqui não passa”,
saberá muito bem completar seus intentos até o fim e fazer com
que a luz alcance aqueles que precisam de libertação. Que ele
queira fazê-lo, em sua bondade.
Sem dúvida, é possível que, para aqueles que ignoram os fatos
sobre os quais faremos referência, as verdades contidas nas
páginas deste livro sejam imperfeitamente compreendidas e não
percebam assim sua imensa necessidade. Alguns exemplos
citados no apêndice apenas levantam parcialmente o véu.
Portanto, cremos ser útil dizer ao leitor: 1. Que o livro foi escrito
para os crentes que receberam o batismo com o Espírito Santo e
que presenciaram os fatos sobrenaturais relatados aqui.
Paremos aqui para mencionar uma questão essencial que se impõe de
imediato. Haveria duas classes de cristãos: aqueles que conhecem
pessoalmente o mundo diabólico, cujo conhecimento nos faria entrar de
maneira errada no que J. Penn-Lewis chama de o batismo com o Espírito
Santo, e haveria os outros? Certamente esse é o caso para Penn-Lewis e
aqueles que procuram essa experiência. O prefácio continua:
2. Que foi escrito do ponto de vista do que deve ser a colaboração
do crente com Deus. Isto é, que não tratamos da ação de Deus no
homem, mas do que o homem deve fazer para colaborar com
Deus. Então, só na hora do perigo é que La guerre aux saints será
perfeitamente compreendido por aqueles que viveram ou que
vivem as verdades que publicamos aqui. Para o homem natural,
que apenas absorveu intelectualmente as coisas espirituais, a
linguagem que usamos pode parecer incompreensível e
permanecerá letra morta. Mas, para os cristãos de qualquer nível
de crescimento na vida espiritual, que hão de apropriar-se
simplesmente do que está ao seu alcance, deixando o que não
entendem para aqueles cujas necessidades são mais profundas do
que as suas, ainda assim a luz se fará penetrante sobre as coisas
até então obscuras e incompreensíveis de suas vidas e daqueles
que os cercam. E mais tarde, talvez, estes também sejam levados
a compreender e a apropriar-se do que hoje não alcançam. O caso
daquela mulher cristã que citamos no apêndice não é um
acontecimento isolado. A quantidade de fatos dessa natureza é
crescente, confirmados por testemunhos em quantidade cada vez
maior. Entretanto, nem todos têm o mesmo caráter intenso, não
passando de manifestações muito parecidas. Os fatos são
absolutamente verdadeiros, tão autênticos que atraem a atenção
de um grande número de filhos de Deus. Eles penetram nas
famílias de muitos cristãos ou em seus círculos imediatos. Muitas
pessoas acham que a maior parte dos fatos atribuídos aos
espíritos malignos são decorrentes apenas de causas naturais.
Para aqueles que duvidam, será fácil fazer uso do que vão ler
para descobrir a verdade sobre si mesmos. Falta-nos apenas
acrescentar mais isto: o trabalho imposto pela redação de um
livro como este, feito concomitantemente a outros trabalhos para
o serviço de Deus, nos absorvem; a extensão do assunto e a
dificuldade em limitar a abundância de detalhes explicam a falta
de clareza que o leitor poderá encontrar aqui ou ali, a maneira
sucinta com que certos pontos de importância capital são
tratados, e a omissão de muitas falsificações provocadas por
espíritos sedutores, falsificações que se multiplicam hoje entre os
filhos de Deus. Os três últimos capítulos, em particular, tratam
apenas brevemente de verdades pertencentes a um campo tão
vasto, que precisariam, cada uma delas, de um livro inteiro.
Poderíamos acrescentar aos poucos casos relacionados a
possessões demoníacas, citados no apêndice, uma quantidade tão
grande de outros casos, que seria necessário, para publicar todos,
um segundo volume da dimensão deste. Os testemunhos sobre o
valor prático das verdades publicadas aqui serão bem-vindos,
pois podem lançar mais luz sobre um assunto que se impõe à
igreja de Deus.
Os autores
Cartref, 1º de outubro de 1912

Introdução à segunda edição francesa abreviada de “A guerra


contra os santos”[12]
A primeira edição francesa desta obra, publicada pela iniciativa
de M. Johnson, está esgotada. Escrito pouco depois do
avivamento no País de Gales (1912), este livro expõe as
falsificações satânicas da ação divina, para impedir a obra de
Deus. Satanás, a quem o Senhor chama de Príncipe deste mundo,
pode disfarçar-se em anjo de luz. Aliás, é dessa forma que ele se
apresenta aos remidos. Mas estes não estão prevenidos. Eles
creem que tudo o que é sobrenatural é de origem divina e que são
objeto de graças especiais se ouvem vozes, se têm visões,
aparições de um crucificado, ou glorificado, se têm revelações,
ou se recebem o dom da segunda visão, o dom de cura, etc.
Após ter estudado, à luz da Palavra de Deus, as causas dos
naufrágios espirituais de cristãos inteiramente consagrados, os
autores deste livro quiseram, quando o publicaram, erguer postes
de sinalização, por assim dizer, ao longo do caminho dos
redimidos, para destacar as terríveis armadilhas nas quais outros
tombaram.
Quem são, efetivamente, os alvos preferidos de Satanás, senão as
almas fiéis que querem seguir o Senhor passo a passo? Talvez
elas desejem mais luz, uma comunhão mais íntima com Deus, um
batismo com o Espírito Santo? Pois é aqui que Satanás vai
produzir suas falsificações do divino: vozes, visões, luzes, textos
que parecem fogo, poder (um certo poder), mas tudo isso no
contexto psíquico, inferior, carnal. A suprema habilidade do
Adversário é fazer crer que ele não existe. — “Certamente existe
um poder maligno! — dizem muitos cristãos. Mas uma pessoa,
um ser poderoso, inteligente, que se oponha a Deus, isso é
inadmissível!”
No entanto, é isso! E a Bíblia, único guia infalível, nos informa
abundantemente sobre o diabo — o pai da mentira, aquele que é
assassino desde o princípio — e sobre a atividade dos demônios.
Muitos leitores não compreenderam a necessidade desta obra —
A guerra contra os santos — mas agora a compreendem. Sempre
ouço esta crítica: “Esse livro ignora a ação e o poder de Deus em
favor daqueles que o amam. Ignora seu amor, sua providência.
Todos os capítulos, todas as páginas, retratam Satanás, ou
denunciam alguma forma de sua atividade. Ao lê-lo, vemos
Satanás em tudo; até onde ele não está”.
Sobre isso a senhora Penn-Lewis respondeu que, do alto dos
púlpitos cristãos, ressoavam muitas pregações sobre o amor
divino, sobre a graça, providência, meditações sobre a fé,
esperança, arrependimento, perdão e novo nascimento. Mas
quem, neste século, denunciava Satanás e suas astúcias? Quem
fazia advertência sobre a ação dos demônios? Quem lembrava o
que a Bíblia ensina sobre a guerra que Satanás move contra os
Santos?
E atualmente vocês conhecem muitos que fazem isso? Muito poucos
têm a coragem de advertir contra os falsos profetas e as falsas doutrinas. E os
que o fazem são também tratados como caçadores de heresias, pessoas sem
amor, que não têm o Espírito Santo. Somos todos soldados de Cristo e
combatemos com as armas espirituais, a couraça da fé, a oração, a espada do
Espírito, que é a Palavra de Deus. Nem todos podem estar na linha de frente
ou em reforma, mas aqueles que estão, não são eles sustentados e
encorajados? Não ocorre exatamente o contrário? A maioria se diverte, brinca
e descansa, isso quando não estão flertando com o inimigo. Nosso prefácio
continua:
A senhora Penn-Lewis e Evan Roberts fizeram o que estava em
seu poder para preencher essa lacuna, e seu trabalho abençoou
um grande número de cristãos que tinha sido seduzido,
contribuindo para sua libertação. Se o Senhor conduz os
redimidos com rédeas[13] curtas, como os pais fazem com seus
filhos, por que os apelos à vigilância e à oração? Se não há
crescimento espiritual, desenvolvimento, luta a travar contra
Satanás, por que o chamado ao combate? (Efésios 6.12-18. Leia
também: 1 Pedro 5.8-9). Se não há combate contra Satanás e
nenhuma vitória a conquistar, que significado tem o cântico de
libertação: “Eles o venceram (a Satanás) por causa do sangue do
cordeiro e da palavra do seu testemunho. Por isso, regozigem-se
todos os que habitam nos céus” (Apocalipse 12.11-12)? Se não
há vitória a conquistar, o que significa o apelo que o Senhor faz,
por sete vezes, nas cartas às igrejas? “Ao vencedor, dar-lhe-ei
sentar-se comigo no meu trono, assim como também eu venci e
me sentei com meu Pai no seu trono” (Apocalipse 3.21). “Para
isto se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do
diabo” (1 João 3.18). “E o Deus da paz, em breve, esmagará
debaixo dos vossos pés a Satanás” (Romanos 16.20). “Aleluia! A
salvação, e a glória, e o poder são do nosso Deus” (Apocalipse
19.1).
I. Brunel
Estamos bem conscientes de que a vida cristã é um combate. As
Escrituras nos advertem que o diabo anda em derredor como um leão que
ruge, procurando alguém para devorar. Por isso somos exortados a ser
vigilantes, a orar e a nos revestirmos de toda a armadura de Deus. Mas a
leitura desses dois prefácios deixa-nos, entretanto, estupefatos e leva-nos a
perguntar: a vida cristã é assim tão cheia de emboscadas e armadilhas, para
que uma certa categoria de cristãos possa ser presa? Eis aí uma visão muito
pobre do Deus todo-poderoso e da vida cristã. É isso o que nos espera se
quisermos ser obedientes a Deus? Onde estão as promessas de proteção? Sem
dúvida estão lá e são inumeráveis. Deus seria um ser mutável? Não, ele é
uma rocha sólida e inabalável. A falha deve estar em outro lugar.
Examinemos a teologia da senhora Penn-Lewis, compartilhada por
Evan Roberts e por grande número de pessoas influenciadas por ela, como
Watchmann Nee, por exemplo.[14] Segundo eles, o período em que se recebe
o que chamam de batismo com o Espírito Santo é particularmente perigoso
para o cristão. Na verdade, dizem eles, desde o seu novo nascimento o cristão
está habituado a discernir o bem e o mal, utilizando sua inteligência. Depois
da experiência do batismo com o Espírito Santo, ele aprende a andar segundo
o Espírito. Mas, então, coloca-se a questão: de qual espírito se trata para que
se possa contrapor a inteligência renovada pelo Espírito Santo ao próprio
Espírito Santo?
Segundo J. Penn-Lewis, esse aprendizado mostra-se particularmente
difícil, porque o cristão, a partir desse momento, adentrará no mundo
espiritual, no qual obrigatoriamente tem de aprender a diferenciar a voz do
diabo da voz de Deus. O que esses autores chamam de andar pelo Espírito,
não é nada mais que um caminhar pela intuição espiritual, a qual exclui
aquela sábia reflexão dada pela Palavra de Deus e iluminada pelo Espírito
Santo. Nessa perspectiva, para conseguir uma boa comunicação ou comunhão
com Deus, é preciso fazer morrer em nós tudo o que é humano, os desejos do
corpo e da alma, o raciocínio, a inteligência, a vontade, etc. Assim, haveria
diversas etapas na vida cristã, sendo a última a união com Cristo. Mas
citemos Jessie Penn-Lewis em sua vã tentativa de corrigir os erros
necessariamente ligados à busca dessa experiência do batismo com o Espírito
Santo (nossas citações foram tiradas da primeira edição francesa, não
abreviada, de La guerre aux saints):
Relendo a história da igreja, nos deparamos com diversas
heresias ou ilusões religiosas do passado e vemos que elas
surgiram num momento de grande crise espiritual, parecida com
a que atualmente chamamos de batismo com o Espírito Santo.
Uma crise na qual o homem é levado a entregar-se inteiramente
ao Espírito Santo, e ao fazer isso torna-se acessível a todos os
poderes sobrenaturais do mundo invisível. (p. 70)
Tal afirmação, simplesmente, não é bíblica. No novo nascimento
(verdadeiro e único batismo com o Espírito Santo), o Santo Espírito, ao
colocar-nos sob os benefícios da obra de Cristo, nos faz passar das trevas
para o reino da luz. Mesmo quando Deus decide derramar plenamente o seu
Espírito sobre um indivíduo ou grupo de cristãos, numa medida nunca antes
experimentada, essa efusão do Espírito não lhes possibilita o acesso ao
mundo das trevas.
A experiência que J. Penn-Lewis chama erroneamente de batismo com
o Espírito Santo é fruto de uma busca mística falsa. J. Penn-Lewis prossegue:
E é justamente aí que está o perigo. Até aqui, o homem tinha
utilizado suas faculdades para orientar-se e decidir entre o bem e
o mal. Mas a partir do momento em que se entrega ao Espírito,
passa a obedecer a uma Pessoa invisível, que agora decide por
ele. (p. 70)
Ela é quem decide por ele? Por quê? Que ensino estranho é esse? Por
que contrapor a ação do Espírito Santo em nós ao exercício normal de nossas
faculdades renovadas? Somos responsáveis por nossas decisões. Pedimos a
Deus a sabedoria e refletimos sobre a iluminação que nos dá. Nele confiamos
e agimos de acordo com sua Palavra, contando com o socorro do Espírito
Santo. Conhecer a Deus não resulta na destruição de nossas personalidades e
habilidades. Muito ao contrário! Conhecer a Deus restaura o nosso ser por
inteiro, o corpo, a alma, com todas as suas faculdades, inclusive a razão e
vontade, e lhes restaura o uso. É o que nos diz a Palavra de Deus:
Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é
justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa
fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o
que ocupe o vosso pensamento. (Filipenses 4.8)
E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela
renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a
boa, agradável e perfeita vontade de Deus. (Romanos 12.2; veja
também Efésios 4.23; 1 Pedro 1.13)
Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e
aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a
Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais. (Colossenses
3.16)
J. Penn-Lewis continua:
Ele não usa mais suas faculdades para pensar, raciocinar, decidir.
(p. 70)
Eis aí uma descrição de um homem atingido pela loucura, pelo delírio
religioso e que, de fato, distanciou-se de Deus, seja por ignorância, ou por
qualquer outra razão. As Escrituras falam de forma muito diferente daquele
que teme a Deus e que medita em sua Palavra; é ela que o faz sábio, e não o
ouvir vozes ou a obediência a intuições, sem nenhuma reflexão. Vejamos o
que nos diz o salmista:
Quanto amo a tua lei! É a minha meditação, todo o dia! Os teus
mandamentos me fazem mais sábio que os meus inimigos;
porque, aqueles, eu os tenho sempre comigo. Compreendo mais
do que todos os meus mestres, porque medito nos teus
testemunhos. (Salmos 119.97-99)
J. Penn-Lewis prossegue:
Ele segue uma direção sobrenatural que crê ser divina. No
capítulo XII nos estendemos sobre esse importante tema; aqui,
apenas destacaremos que o batismo com o Espírito Santo é um
tempo de crise sem precedentes na vida cristã. (p. 70)
Não vemos nada disso nas Escrituras. O Senhor nos promete sua
proteção se guardarmos sua Palavra em tudo aquilo que nos é exigido. Em
tempo de guerra, se não obedecermos estritamente as ordens superiores, e nos
aventurarmos sobre o terreno do inimigo, corremos o risco de ser presos.
Pretextar ignorância não nos desculpa. Na caminhada cristã, o processo é o
mesmo. Se por preguiça não estudarmos o que deve nos dirigir na vida cristã
e não agirmos de acordo com a Palavra de Deus, isso pode ocasionar graves
consequências. Se recebermos ensinos falsos, isso não nos serve de
justificativa. Somos responsáveis por não conhecer a Lei de Deus.
A Bíblia nos ensina que o tempo de oscilar entre a verdade e a
confusão ocorre enquanto ainda somos imaturos espiritualmente (veja Efésios
4.11-16: “… para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado
para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos
homens, pela astúcia com que induzem ao erro…”), e o remédio não é uma
crise espiritual pessoal, mas o ministério da igreja local que Cristo
estabeleceu para fundamentar os crentes ainda mais sobre a Palavra. Ela
prossegue:
Somente aqueles que atravessaram (ou seja, que fizeram essa
experiência) podem compreender perfeitamente o que queremos
dizer. Então, o Espírito de Deus torna-se tão real, tão presente ao
homem, que a partir daí seu único desejo é obedecê-lo
implicitamente. Ele abandona a sua vontade. Ele quer obedecer
precisamente, e custe o que custar, as direções de Deus, e
submete seu ser inteiramente aos poderes do mundo invisível.
Nessa área, para ele tudo é divino; ele aspira somente o poder de
Deus. Que existam poderes malignos, infernais, que tudo o que é
sobrenatural possa não ser necessariamente divino, que seja
extremamente perigoso entregar totalmente o seu ser a uma força
invisível no momento em que não distingue entre os poderes
antagônicos de Deus e de Satanás, isso tudo não entra em suas
considerações. (p. 70)
Tudo isso não entra em suas cogitações, porque foi mal ensinado. É
exatamente esse o ensino recebido por grande quantidade de pessoas na
época do avivamento no País de Gales, como também em muitos meios
pentecostais e carismáticos de hoje, e entre os adeptos das bênçãos de
Toronto e de Pensacola. Por que, então, surpreender-se com isso? As
Escrituras jamais nos pedem para suspendermos o exercício de nossas
faculdades, ou abandonarmos nossas reflexões ou julgamentos. Por outro
lado, no ocultismo e na gnose, essa prática, que faz parte de todo um processo
para atingir a experiência iniciática, é indispensável para aquele que deseja
tornar-se um bom médium. O resultado de tal entrega é a perda do
discernimento, o enfraquecimento das capacidades lógicas e a ruína da razão.
Cobiçar o poder é o mesmo que imitar Simão, o mágico, que desejava,
por dinheiro, ter o poder para conceder o Espírito Santo a seus clientes (Atos
8.18-24). Outros desejam o poder do Espírito Santo através de jejuns,
orações, mortificações e abstinências, para o testemunho ativo aos perdidos.
Ainda que o objetivo pareça louvável, Atos 8 nos mostra como é grave crer
que o dom de Deus possa ser adquirido a preço de ouro, ou por qualquer
outro meio humano, enquanto é dado por Deus através da pregação da fé,
sem as obras (Gálatas 3.2), e sem a intervenção humana.
Prossigamos em nossa leitura de J. Penn-Lewis:
As Escrituras ordenam essa entrega de si mesmo, esse abandono
ao Espírito Santo de todas as nossas faculdades? Elas ordenam
obediência ao Espírito Santo? Isso é o que precisamos,
primeiramente, examinar para compreender por que tantos filhos
fiéis a Deus têm naufragado neste ponto. Porque seria estranho
que uma ação tão alinhada às Escrituras, fosse a causa de tão
graves perigos. (p. 71)
De fato, estamos plenamente de acordo.
“O Espírito Santo que Deus deu àqueles que lhe obedecem.” Foi
sobretudo este texto que cunhou a expressão: Obedecer ao
Espírito.
O apóstolo Pedro se exprime assim diante dos juízes em
Jerusalém, mas em nenhuma outra parte encontramos de novo a
mesma expressão. Aliás, é preciso reler toda essa passagem para
chegarmos a uma conclusão exata. Nós devemos obedecer a
Deus, diz o apóstolo ao Sinédrio, porque somos testemunhas
destas coisas, e também o Espírito Santo, que Deus deu a todos
os que lhe obedecem (Atos 5.29-32). O apóstolo quer dizer que é
preciso obedecer ao Espírito ou obedecer a Deus, o que estaria de
acordo com as primeiras palavras da passagem? A distinção é
importante; o valor e a relação das palavras só poderiam ser
compreendidos pelo ensino geral das Escrituras que é o seguinte:
o homem deve obedecer a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, com
a ajuda e a força que lhe dá o Espírito Santo. O Espírito Santo
não é o objeto da obediência, mas Deus Pai, em Jesus Cristo, o
Filho, pelo Espirito Santo. É a confusão sobre este ponto
essencial que gera o perigo e conduz o crente a contar com a
direção de um Espírito, que é colocado nele, ou ao redor dele, e a
quem ele obedece. Quando deveria olhar unicamente para Deus,
aquele que reina no mais alto céu e que espera a obediência de
seu filho unido ao Filho, sendo o Espírito Santo o meio pelo qual
Deus é adorado e obedecido.
Entretanto, na hora do batismo, o Espírito Santo torna-se tão
presente para o crente, e este tem um sentimento de que sua
Pessoa e Presença são tão próximas, que as outras Pessoas da
Trindade são momentaneamente eclipsadas. O Espírito Santo
torna-se o centro e objeto do pensamenteo e da adoração. (p. 71-
72)
Que contraste vemos aqui entre uma fiel análise teológica e bíblica e os
efeitos totalmente contrários da experiência com o pretenso batismo com o
Espírito Santo que, por toda evidência, não passa de uma experiência
iniciática e que expõe aquele que a pratica a um espírito, cuja ação não
poderia ser a do Espírito Santo descrito nas linhas acima. Isso demonstra a
falsidade dessa busca por uma experiência espiritual especial. O cristão aqui
penetrou no terreno das falsas experiências espirituais, que fizeram dele um
brinquedo na mão de espíritos enganadores. Um espírito que leve uma pessoa
a glorificá-lo, em vez de dar toda a glória a Cristo, evidentemente é um
espírito sedutor fazendo-se passar pelo Espírito Santo. O verdadeiro batismo
no Espírito não é outro senão a experiência que dá início à vida cristã e
coincide, no tempo, com a justificação e a regeneração, sem confundir-se
com elas. Uma segunda experiência que, de maneira abusiva, use o nome do
batismo com o Espírito Santo e produza efeitos como os citados, não passa de
uma falsificação da primeira.
J. Penn-Lewis prossegue:
E o crente lhe concede um lugar que ele mesmo (o Espírito
Santo) não deseja ter, nem ocupar, e que de modo algum está nos
propósitos de Deus que ele possua ou ocupe. “Ele não falará de si
mesmo”, disse o Senhor antes de sua Paixão, quando se referiu à
descida do Espírito Santo em Pentecostes (João 16.13). Ele os
ensinará, mas ensinará as palavras de Outro, não as suas; ele dará
testemunho de Outro, não de si mesmo (João 14.26; 15.26); ele
glorificará Outro e não a si mesmo (João 16.14); enfim, ensinará
somente o que lhe foi ensinado por Outro (João 16.13). Em suma,
toda a sua ação consiste em conduzir a alma à Jesus para que ela
se una ao Filho e conheça o Pai que está nos céus, mas ele
mesmo age, trabalha e permanece na retaguarda.
Então, quando o filho de Deus penetra na esfera espiritual pelo
batismo com o Espírito Santo, e sua atenção é atraída e presa pela
ação do Espírito Santo, o sedutor julga o momento favorável para
uma nova intervenção e prepara de novo suas armadilhas,
debaixo dos pés do crente. (p. 72)
Se sua atenção é atraída e presa por esse espírito, isso demonstra que se
trata de um espírito falso e de uma falsa experiência, que desvia o crente do
verdadeiro Deus e o estimula a adorar outros. Falsos doutores vieram fazer
com que brilhe sua esperança por experiências sublimes e por atalhos
espirituais, para atingir a união total com Cristo; e é assim que ele cai na
armadilha.
Buscar tal experiência pode ser muito perigoso, em vez de ser fiel e
perseverar no conhecimento contínuo da Palavra, na obediência e no amor de
Cristo. Cobiçar uma experiência instantânea, ou qualquer outra experiência à
margem das Escrituras, é em si uma grande desobediência. Quando nos
lançamos em tais buscas há riscos e perigos. Temos o exemplo do povo de
Israel que não se satisfazia mais com a lei e os profetas. Eles também
desejavam algo mais, e em consequência disso introduziram no seu culto e
em sua vida pessoal e pública comportamentos próprios das religiões pagãs
dos seus vizinhos. Eles tiveram também seus adivinhos e falsos profetas
(Jeremias 23.30-32; 28.8-9b), e vemos que, por fim, o julgamento de Deus
caiu sobre eles.
Veremos mais adiante que as descrições desse batismo com o Espírito
Santo parece também com certas experiências atuais do mesmo batismo, ou
seja, com o riso frenético [unção do riso], com o cair de costas ou com
comportamentos semelhantes a animais, etc.
A senhora Penn-Lewis continua:
Se o homem ignora o ensino da Escritura sobre os atributos da
Trindade, obedecer ao Espírito torna-se seu objetivo supremo.
Era o que acontecia com Evan Roberts e podemos constatar em todos
aqueles que creem que obedecer ao espírito, ou a uma revelação interior, é
algo mais espiritual do que obedecer a Palavra escrita de Deus, a expressão
autêntica do Espírito Santo. Esta Palavra, a qual obedecemos, o próprio
Espírito a estabeleceu. Foi ele quem inspirou os autores bíblicos a dizer:
“Obedeçam a Palavra de Deus”. E os homens que querem obedecer ao
espírito recusam ouvir e obedecer à ordem que diz que temos de olhar para a
Palavra a fim de conhecer o conteúdo do que devemos obedecer. Que
contradição e tristeza! (Tiago 1.22-23; 1 Coríntios 4.6). Continuando com a
senhora Penn-Lewis:
Então, toda a ambição de Satanás é falsificar as direções do
Espírito e até o Espírito Santo, para trazer para si aquele que
pensa ter escapado, paralisando sua ação contra os poderes do
mal e jogando-o de volta para o mundo, afastando-o de um
serviço ativo a Deus.
Essa ação do inimigo é favorecida pela ignorância do crente, ou
seja, sua ignorância: 1. Do mundo espiritual que se abre diante
dele; 2. Da ação dos poderes malignos nessa área; 3. Das
condições que permitem Deus agir no homem e pelo homem.
Para os cristãos que não foram instruídos nas coisas de Deus e
que não estão preparados, esse período é cheio de perigos. (p. 72-
73)
Diríamos que a ação do inimigo é favorecida pela ingenuidade e
imprudência do crente, por sua ignorância reprovável e por falsos ensinos que
o alimentam. A expectativa de um batismo com o Espírito Santo é cheia de
perigos porque nesse tipo de busca tudo é falso. Se andarmos fielmente com
Deus, estaremos sob sua proteção; a Palavra de Deus é abundante em suas
promessas: “... a Palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o
maligno” (1 João 2.13-14); “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus
não vive em pecado; antes, aquele que nasceu de Deus o guarda, e o Maligno
não lhe toca” (1 João 5.18). Aqui, a bênção pertence àqueles que são nascidos
de novo, em quem a Palavra permanece.
A senhora Penn-Lewis continua:
Antes de receber o batismo com o Espírito Santo, os discípulos
estiveram na escola de Jesus por três anos. Geralmente, o crente
batizado fica esperando ser guiado de maneira sobrenatural,
porque não sabe como colaborar com o Espírito Santo, nem
discernir a vontade de Deus. (p. 73)
Aqui, vemos a senhora Penn-Lewis confundir a descida do Espírito
Santo em Pentecostes — a regeneração do Alto — com seu pretenso batismo
com o Espírito Santo, experiência iniciática que expõe o cristão aos demônios
(1 Coríntios 10.20). Claro, não era esse o objetivo da experiência, mas foi a
consequência de um erro. Se o cristão fica esperando ser guiado de maneira
sobrenatural e direta pelo espírito, isso se deve aos ensinos falsos recebidos e
a essa falsa experiência que não o conduz em direção a Cristo e ao temor de
Sua Palavra, mas a apoiar-se em intuições subjetivas de origem duvidosa.
Não é preciso quebrar a cabeça buscando saber como colaborar com o
Espírito Santo, porque a iniciativa deve vir dele. Na soberana Providência de
Deus, as obras que preparou de antemão para que as pratiquemos se nos
apresentam naturalmente, na nossa vida cotidiana. É preciso prestar atenção a
isso porque essas não são, necessariamente, obras espetaculares!
Esse tipo de discernimento não provém de comunicações
sobrenaturais, mas da sabedoria que Deus dá ao crente (veja Provérbios 4.10-
11 e Provérbios 3.21-26). Estas passagens nos ensinam que essa sabedoria
tem sua fonte na leitura e na prática das instruções bíblicas, como também na
oração, aguardando a ajuda do Espírito Santo (Provérbios 4.1,10).
Mas, voltemos à senhora Penn-Lewis:
[...] e por outro lado, ele não sabe provar os espíritos e ignora que
os espíritos maus podem falsificar o que é divino. E como
poderia ser diferente, uma vez que ignora até a existência dos
poderes espirituais malignos?
Em geral, podemos constatar que aqueles que fazem experiências
ocultas e apreciam isso, não têm noção sobre a origem dessas experiências.
Eles não duvidam, nem por um momento, de que isso vem de Deus. Eles
recusam questionar o que quer que seja; recusam reexaminar todas essas
coisas à luz da Palavra.
Ora, ele tem de discernir a ação do inimigo, mesmo que apareça
como um anjo de luz. Satanás pode conceder diversos dons a
quem deseja a perdição: dons de profecia, de línguas, de curas,
etc [...], os quais são falsificações dos dons que acompanharam o
batismo do primeiro Pentecostes.
Aqueles que estão prevenidos e têm seus olhos abertos para os
poderes contrários do mundo espiritual, sabem que muito poucos
crentes, por se deixarem guiar de maneira sobrenatural, podem
estar seguros de que obedecem somente a Deus. (p. 73)
Jessie Penn-Lewis é honesta. Quem poderia estar seguro de que está
obedecendo somente a Deus, se se deixa guiar de maneira sobrenatural?
Somente alguém extremamente orgulhoso que se considerasse como Deus.
Não é assim que Deus conduz seus filhos. Ele nos diz que a “sua Palavra é
lâmpada para os nossos pés e luz para o nosso caminho” (Salmos 119.115).
“Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca. Tomara
sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos. Então,
não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos os teus
mandamentos. Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver
aprendido os teus retos juízos. [...] De que maneira poderá o jovem guardar
puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua palavra” (Salmos 119.4-
7,9).[15]
J. Penn-Lewis prossegue:
Porque há tantos fatores que podem interpor-se entre Deus e o
homem: o pensamento, a vontade do próprio crente, isso sem
falar da intrusão possível dos poderes das trevas. (p. 73)
Ela não está totalmente errada. Mas que mistura e que visão
complicada e falsa da vida cristã, quando não levamos em conta a Palavra
que nos indica como proceder em todas as áreas da vida! O que se coloca
entre Deus e o homem é o pecado e não nossas faculdades perfeitamente
criadas antes da queda, que não devem ser ignoradas, ou descartadas e
anuladas, mas santificadas.
Voltemos ao batismo com o Espírito Santo, e examinemos como
o crente, que passou por essa experiência, encontra-se tão
particularmente exposto à atividade do sedutor. Para que o
Inimigo se apodere do homem, é preciso que tenha um campo de
ação. Mas como isso pode acontecer quando o Espírito Santo
possui o crente de maneira tão clara? (p. 75)
Há aqui, de fato, um campo de ação, porque a Escritura nos diz que por
trás de falsas doutrinas e falsas experiências, há demônios. Por isso que o
crente que passou pela fraude do batismo com o Espírito Santo encontra-se
tão particularmente exposto à atividade do sedutor.
Primeiramente, em nenhum lugar da Bíblia é dito que o Espírito Santo
possui o crente. Vemos, nos Atos dos apóstolos, algumas pessoas habitadas e
cheias do Espírito Santo falarem ou agirem. Por outro lado, um espírito
maligno pode possuir uma pessoa e obrigá-la a agir contra a sua própria
vontade. Mas o Espírito Santo não pode conduzir o crente a comportamentos
contrários à sua santidade; afirmar isso seria blasfêmia.
Penn-Lewis continua:
Como explicar que o fiel seja assim tão vulnerável às
manipulações do Adversário? (p. 75)
Porque através desse pretenso batismo com o Espírito Santo —
iniciação esotérica —, ele se colocou no campo do inimigo e foi pego na
armadilha. Esse ato é desobediência, ainda que tenha acontecido por
ignorância. Prosseguimos com a senhora Penn-Lewis:
Geralmente, uma das razões — diríamos a maior razão — é o
pecado consentido por muitos anos; pecado que permitiu a
entrada de um espírito maligno no corpo ou na mente (isso pode
ser também por erro, por ignorância). Esse espírito se escondeu
tão bem, que de sua presença nunca houve suspeita e, portanto,
não foi expulso. (p. 75)
Esta explicação parece ficção científica. Quando se quer a todo preço
sustentar uma falsa doutrina, se chega a isso. O Espírito Santo não pode
habitar em conjunto a um demônio (2 Coríntios 6.15-18). Por outro lado, o
pecado é como uma brecha na muralha. Ele nos faz vulneráveis aos ataques
do inimigo e nos tira a força para resistir ao mal. Penn-Lewis acrescenta:
O Espírito Santo encheu o espírito do homem: o corpo e a mente
foram consagradas a Deus. (p. 76)
Temos aqui uma alusão explícita à tricotomia, que afirma que o
homem é constituído de três partes, corpo, alma e espírito (a mente fazendo
parte unicamente da alma).[16] Essa teoria não é bíblica e tem suas raízes num
dualismo platônico, condenado pela igreja no século IV. Esse ensino,
considerado pela igreja como muito perigoso, de maneira surpreendente foi
reabilitado nos meios evangélicos do século XX, sobretudo através dos
escritos de Watchman Nee. Falaremos disso na segunda parte deste estudo.
Mas secretamente dissimulados em um ou outro, os espíritos
malignos que ali se instalaram há muitos anos, ainda
permanecem. E agora vão agir falsificando a ação do Espírito
Santo. Disso resulta que, por um tempo, graças ao batismo do
Espírito, o coração está pleno de amor, o espírito cheio de luz e
alegria, e a língua liberta para dar testemunho. Depois,
insidiosamente, um espírito de fanatismo surge: ele penetra,
insinua-se e se firma; poderá ser um espírito de orgulho, muito
sutil, ou de auto-satisfação, uma tendência a considerar-se
grande; e tudo isso se manifesta junto com os puros frutos do
Espírito. (p. 76)
De novo nos encontramos diante de estranhas elucubrações quanto às
razões ocultas dessa situação, mas é preciso admitir que um espírito religioso
que falsifica o amor, a alegria, etc., aproveitou para entrar através do
chamado batismo com o Espírito Santo, porque uma prática que esteja de
acordo com a Palavra de Deus, segundo a Bíblia, não pode produzir tais
frutos. Ela continua:
Qual é o ambiente que permite a ação do sedutor e facilita os
seus propósitos? Quais são essas intenções? Por que isso
acontece em tantas situações para derrubar os crentes, até os mais
consagrados? A atividade dos espíritos sedutores e seus métodos
de ação nos obrigam, então, a examinar atentamente todas as
teorias forjadas no século XX, todas as concepções das coisas
divinas, todas as formas de exprimi-las, e estudar a maneira com
que Deus age no homem. Porque, nada mais que a Verdade, a
Verdade livre de todos os pontos de vista particulares e de todas
as concepções erradas, nos protegerá e armará de maneira eficaz
nesta guerra mortal contra os espíritos maus, nas regiões celestes.
Uma vez que somos advertidos de que nos últimos tempos
espíritos malignos virão com suas seduções de ordem doutrinária,
examinemos com o maior rigor todas as doutrinas, por medo de
que elas venham dos emissários do Sedutor. (p. 77)
Muito justo! Infelizmente, J. Penn-Lewis e Evan Roberts não foram até
o fim em sua pesquisa. A senhora Penn-Lewis continua:
O apóstolo Paulo exorta diversas vezes sobre o dever do crente
de examinar as coisas do mundo espiritual. “Aquele que é
espiritual julga e examina todas as coisas; ou, conforme o texto
original, pesquisa e decide todas as coisas” (1 Coríntios 11.15). O
crente espiritual deve utilizar seu julgamento, que agora é uma
faculdade renovada, porque ele é um homem espiritual. E esse
exame espiritual, esse julgamento, pode ser exercido até em
relação às coisas do Espírito de Deus. (1 Coríntios 2.14-15)
Segundo a senhora Penn-Lewis, o crente espiritual é aquele que
recebeu o batismo com o Espírito Santo. Na realidade, todo verdadeiro crente
é espiritual, no sentido de regenerado, habitado, conduzido pelo Espírito.
Isso nos prova até que ponto Deus honra a inteligência humana
que recriou em Cristo, porque o convida a examinar e a julgar
com seu Espírito, até mesmo o que provém dele. Assim, mesmo
as coisas do Espírito não devem ser consideradas como divinas,
antes de ter sido seriamente examinadas. Por consequência,
estaremos em completo desacordo com os ensinos do Apóstolo,
se dissermos, em referência às manifestações anormais e
sobrenaturais de nosso século, que não é necessário compreendê-
las e que também não são da vontade de Deus. “Aquele que é
espiritual julga todas as coisas”; e é nosso dever, como crente,
rejeitar tudo o que nosso julgamento não pode aceitar. (p. 78)
Porque o conhecimento da Verdade é a razão da vitória na luta
que teremos de travar com os espíritos da mentira, servos de
Satanás. Busquemos, então, a Verdade; não tenhamos medo de
encarar sua face; desejemo-la ardentemente, convictos de que ela
deve transformar nossa vida ; a verdade sobre nós mesmos; a
verdade da Escritura sem alterações, sem violência, sem
mutilações ou acréscimos; a Verdade, enfim, tal como surge das
experiências comuns a todos os membros do corpo de Cristo. (p.
79)
É claro que precisamos verificar tudo à luz das Escrituras. Por que a
autora não foi até o fim em sua busca pela verdade? Se ela se submetesse à
Palavra de Deus, teria permanecido fiel; mas ela revela a razão na sua última
frase. Apoia-se sobre a verdade tal como ela surge das experiências comuns
a todos os membros do corpo de Cristo. Ora, nessa época a maior parte dos
evangélicos com quem convivia cria nessa doutrina do batismo com o
Espírito Santo e baseava-se nessa experiência para provocar o avivamento
(aliás, como muitos hoje em dia). Esses evangélicos, errados nesse ponto, no
entanto estavam longe de constituir a maioria no corpo de Cristo.
J. Penn-Lewis prossegue:
Esse poder de libertação que somente a verdade possui, nos
permite colocar como princípio absoluto que, para ser liberto da
crença na mentira, é preciso crer na verdade. Somente a verdade
pode derrotar a mentira. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará”, nos diz o Senhor (João 8.32). Isto se aplica à verdade
em todas as suas dimensões, e não somente à verdade particular
sobre a qual o Senhor discutia com os judeus, quando pronunciou
essas palavras tão ricas de ensinamentos. (p. 80)
Um outro erro comum é aquele que diz que a descida do Espírito
Santo deve ser precedida por um tempo de espera. Aqui, de novo,
encontramos expressões e teorias que desviam o cristão e abrem
a porta para todo o tipo de sedução do inimigo. “Se queremos um
novo Pentecostes, é preciso esperar como os discípulos
esperaram.” Essa foi a palavra de ordem que foi passada aos
fiéis, apoiada em Lucas 24.49 e Atos 1.4. E esperamos até que as
incursões do adversário em nossas reuniões ditas de espera, nos
obrigassem a retornar às Escrituras, para examiná-las sobre esse
ponto. Então, percebemos que a expressão, tão frequentemente
empregada no Antigo Testamento e particularmente nos Salmos
— espera no Senhor — tinha sido forçada e exagerada. (p. 83-84)
Quando queremos forçar Deus para obter uma coisa que não está de
acordo com sua vontade, finalmente ele nos concede, mas para nossa
infelicidade: “entregaram-se à cobiça, no deserto; e tentaram a Deus na
solidão. Concedeu-lhes o que pediram, mas fez definhar-lhes a alma”
(Salmos 106.14-15; veja também Números 22.20,32 a respeito de Balaão).
A espera diante de Deus, para que derramasse seu Espírito,
prolongou-se por meses e anos, enquanto que somente dez dias
separavam a Ascensão de Pentecostes. E para alguns, essa espera
resultou em uma invasão de espíritos sedutores, que lhes abriu
violentamente os olhos. O que diz as Escrituras sobre essa espera
pelo Espírito? 1. Os discípulos esperaram dez dias; mas não
vemos que esperaram passivamente. Pelo contrário, entregaram-
se à oração até que chegasse o tempo do cumprimento da
promessa do Pai. 2. Essa espera, recomendada pelo Senhor (Atos
1.4), não foi mais observada na dispensação cristã desde que o
Espírito desceu. Em nenhum lugar no livro de Atos, nem nas
Epístolas, os apóstolos recomendam aos discípulos que esperem.
(p. 84)
De fato, o que a autora diz aqui corresponde totalmente ao que as
Escrituras dizem. Em seguida vemos que o Espírito Santo foi dado àquele
que crê. J. Penn-Lewis, falando dos apóstolos, acrescenta:
Pelo contrário, eles utilizam em toda ocasião a expressão:
Recebei (Atos 2). (p. 84)
Isso não é verdade. Uma única pessoa utilizou essa palavra recebei no
imperativo. Trata-se de Jesus, quando acabava de falar aos discípulos sobre o
ministério que teriam: “Como o Pai me enviou, também vos envio. Depois
destas palavras, soprou sobre eles e lhes disse: Recebei o Espírito Santo”
(João 20.21-22). Foi a esses mesmos discípulos, que prometeu enviar o
Espírito Santo depois de subir definitivamente ao Pai. E mais, Jesus nunca
instituiu um ato pelo qual delegasse aos homens o poder de produzir ou
desencadear uma efusão ou derramamento do Espírito Santo, menos ainda os
encorajou a engajar-se numa busca que viesse a produzir os mesmos efeitos.
De maneira geral, a igreja do nosso século vive,
experimentalmente, como se o Consolador ainda não tivesse
vindo; entretanto, aqueles que buscam o batismo com o Espírito
Santo, nem por isso se encontram na posição dos discípulos antes
de Pentecostes. Desde os dias da primeira descida do Espírito
Santo, outros Pentecostes aconteceram na terra; mas nesses
eventos não houve essa espera prévia que observaram os
Apóstolos (Atos 4.31). O Espírito Santo, que procede do Pai,
enviado pelo Filho, já foi derramado sobre os filhos de Deus. Ele
está entre eles, esperando sempre, pronto a comunicar-se com
todos aqueles que querem recebê-lo (João 15.26; Atos
2.33,38,39). Esperar que o Espírito desça não está de acordo
com o ensino geral do livro de Atos e das Epístolas, que antes de
tudo enfatizam o dever imperativo de reivindicar, querer não
somente a união com o Senhor Jesus em sua morte e ressurreição,
mas também a promessa do Pai daquele revestimento de poder
que desceu sobre os discípulos no dia de Pentecostes. (p. 84-85)
A senhora Penn-Lewis se contradiz quando afirma que não é preciso
mais esperar pelo Espírito Santo, porque ele já foi dado no Pentecostes.
Depois acrescenta que é preciso querer recebê-lo, reivindicá-lo, obtê-lo, o que
é uma contradição. Ela diz que o fato de esperar que o Espírito Santo desça
não está de acordo com o ensino geral de Atos e das Epístolas. Segundo ela,
isso colocaria mais ênfase sobre o “dever imperativo de reivindicar” não
somente “a união com o Senhor Jesus” em sua morte e ressurreição (o que é o
verdadeiro batismo no Espírito Santo), mas também a “promessa do Pai,
aquele revestimento de poder ocorrido em Pentecostes”. Mas é essa mesma
espera pelo Espírito Santo que ela recusa! Essa dialética que consiste em
dizer sim e não ao mesmo tempo é bastante curiosa. Inconscientemente, ela
tenta conciliar essa doutrina específica com o ensino bíblico. Por outro lado,
a união com Cristo em sua morte e ressurreição é um fato real, uma doutrina
de fé, e não alguma coisa a reivindicar (cf. Romanos 6.3,11; Colossenses 3.1-
4).
No entanto, existe por parte do crente que reivindica o batismo
do Espírito uma certa espera em Deus, enquanto que o Espírito
Santo age nele e o prepara para o batismo. (p. 85)
Ao crer nessa doutrina da segunda experiência, ela é obrigada a admitir
que existe uma certa espera pelo Espírito Santo, a qual deveríamos
reivindicar, receber, obter. Ainda que afirme ser contrária às reuniões
chamadas de espera, seu próprio ensino cria um clima de espera. É uma
maneira sutil de desviar, mas dizer a mesma coisa. E se não recebermos (essa
experiência), é “porque há um pecado escondido, ou não queremos
verdadeiramente a experiência, ou porque não nos apropriamos do que Deus
dá, ou ainda nos falta fé”. Em geral são esses os argumentos usados em
resposta àqueles que buscam desesperadamente essa experiência mas não a
obtêm.
J. Penn-Lewis prossegue:
Mas isso é bem diferente dessa espera para que ele venha, a qual
repetidas vezes abriu a porta às manifestações satânicas do
mundo invisível. Quando um filho de Deus pede sua parte no
dom de Pentecostes, o Senhor responde imediatamente a essa
espera. (p. 85)
Não temos que pedir, ou reivindicar, ou obter nossa parte de
Pentecostes, porque isso pertence a Deus. Ele próprio nos promete dar o
Espírito Santo no novo nascimento. Jesus disse a Nicodemos: “O vento sopra
onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai;
assim é todo o que é nascido do Espírito” (João 3.8). Ele o dá sem
manipulação ou intervenção humana: “Quero apenas saber isto de vós:
recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” (Gálatas
3.2). Por outro lado, ele nos exorta para que sejamos cheios do Espírito Santo
e de fato o seremos, caso não o entristeçamos.
Devemos guardar estas duas verdades numa perspectiva correta: ter o
Espírito e estar cheio do Espírito. Primeiramente, todo crente está
habitualmente cheio do Espírito, salvo quando o entristece por causa do
pecado. Mas o Espírito não é controlado pelo homem, menos ainda pelo
pecado do crente. O pecado não cessa o trabalho do Espírito no cristão.
Simplesmente o Espírito trabalha de maneira diferente. Em vez de enchê-lo
de seus frutos, ele o convence do seu pecado, trabalhando em sua
consciência, levando-o à confissão e ao arrependimento, a fim de retomar seu
trabalho no crente, ou seja, o de encher sua vida dos frutos do Espírito. O
Espírito é soberano na vida do crente e realizará o que quer, sem, no entanto,
tirar a responsabilidade do homem.
Primeiramente, a plenitude do Espírito não é algo que o homem busca
e obtém, mas algo que o Espírito procura fazer na vida do crente, como
aplicação da salvação obtida por Cristo. Em segundo lugar, há o aspecto da
responsabilidade humana e do crescimento. Biblicamente não é verdade dizer
que o crente recebe toda a plenitude do Espírito no momento de sua
regeneração. Essa é a doutrina de muitos evangélicos. Mas não é a da Bíblia,
nem dos puritanos, nem da tradição reformada. Podemos ter graus crescentes
do poder e da unção do Espírito em nossa vida. Devemos até orar por uma
medida maior do Espírito (Lucas 11.13).
O Espírito, como Pessoa, habita integralmente o crente. Ele não pode
ser dividido, mas a extensão de sua presença e de seu poder, ativamente
experimentados pelo crente, podem variar. Paulo ora explicitamente para que
o poder do Espírito opere, em maior medida, no coração dos Efésios (3.16).
Portanto, o desenvolvimento do trabalho e do poder do Espírito no
crente não opera conforme o caminho proposto. Mas a manifestação de seu
Espírito, a prova de que ele veio e de que age, pode não corresponder às
ideias particulares do crente. Penn-Lewis prossegue:
Uma vez que estavam em desacordo com o ensino da Palavra de
Deus, que as reuniões chamadas de espera para que o Espírito
Santo descesse foram muito convenientes aos espíritos sedutores.
A Palavra nos declara: 1) que não temos de orar ao Espírito Santo
para que venha a nós, porque ele é o dom do Pai (Lucas 11.13;
João 14.16); 2) que não temos de esperar o Espírito Santo, mas
obtê-lo, recebê-lo do Senhor ressuscitado (João 20.22; Efésios
5 .18), sobre o qual está escrito: “Ele vos batizará com o Espírito
Santo e com fogo” (Mateus 3.11). Por isso que levar pedidos ao
Espírito Santo, confiar no Espírito, obedecer ao Espírito, esperar
que o Espírito desça, são atitudes contrárias ao ensino das
Escrituras e degeneram com frequência em orações, confiança e
obediência a espíritos malignos, que têm o poder de falsificar a
ação de Deus, como veremos mais adiante. (p. 85-86)
Repetimos que não temos de obter ou receber o Espírito Santo de
maneira ativa, isto é, por meio de obras, porque o dom do Espírito Santo é
obra de Deus.
Crer que Deus permanece em seus filhos e que eles podem ter o
sentimento de sua presença, ou de estar com eles, cria uma
condição favorável à intervenção de espíritos sedutores e
constitui a base de suas falsificações. (p. 156)
Pelo contrário, é totalmente correto crer que Deus permanece em seus
filhos, porque o Espírito Santo é Deus. E podemos, às vezes e legitimamente,
ter o sentimento de sua presença em nós pela alegria, a paz ou a tristeza que
ele dá. Mas não temos que buscar esses sentimentos, porque as Escrituras nos
ordenam orar a Deus que está nos céus e não ao Espírito Santo em nós: “Pai
nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome!”.
Para o cristão, a presença de Deus não é uma experiência subjetiva,
mas uma realidade objetiva prometida pelo Senhor, na qual o crente confia,
tenha ou não o sentimento! — “E eis que estarei convosco todos os dias até a
consumação dos séculos” (Mateus 28.20). As experiências subjetivas fazem
parte integrante da vida cristã, mas são o resultado da fé na verdade e da
obediência. Às vezes elas estão ausentes, mesmo quando o crente caminha na
fé e em obediência agradável ao Senhor.
Então, quando o crente ora, dirige-se a Deus, como se Deus
estivesse nele, ao redor dele, no quarto ou em qualquer ambiente.
Ele usa sua imaginação para obter, para perceber a presença
divina, porque a deseja sentir dentro dele ou sobre ele. (p. 156)
Acertadamente, a senhora Penn-Lewis nos adverte a não orar ao Deus
em si mesmo, ou em volta de si, porque essa é a porta para o ocultismo.
Querer visualizar Cristo, fazer vir sua imagem em sua imaginação, querer
sentir ou produzir, conscientemente, sua presença pela prática de técnicas
espirituais, orar ao Deus interior, é o que inúmeros líderes carismáticos
ensinam explicitamente (cf. Leanne Payne no livro Vivre la présence de Dieu
[Viver a presença de Deus]). É também o melhor meio para tornar-se um
médium não de Jesus Cristo, como se imagina, mas de um espírito guia ou de
um anjo de luz que se faz passar por Cristo.
Essa maneira de situar Deus em si ou ao redor de si, geralmente
ocorre após o batismo com o Espírito Santo. (p. 157)
Penn-Lewis insiste muito sobre o que observou, mas não percebe que
essa experiência está, justamente, na origem da desordem que veio depois.
Porque, até aí, o crente conformava sua vida ao ensino das
Escrituras. (p. 157)
Deus não lhe pedia nada mais do que isso! A senhora Penn-Lewis
prossegue:
Na medida em que as compreendia. Mas após o batismo com o
Espírto Santo, ele passa a ter um sentimento tão vivo da presença
divina manifestada pelo Espírito Santo em seu espírito, que
começa a situar a Pessoa de Deus em si mesmo, ao redor de si, ou
sobre si. (p. 157)
Que experiência evidentemente falsa! O Espírito Santo jamais levará
alguém a orar ao Deus que está no homem, ao redor dele, ou sobre ele. A
oração modelo, dada por Jesus, nos ensina que nosso Pai está nos céus. Por
outro lado, quanto mais o Espírito Santo age em nós, maior é nossa
consciência de que Deus é distinto de nós. As descrições feitas pela senhora
Penn-Lewis provam sempre e repetidamente que se trata de um outro espírito.
Então, quando ele se dirige a Deus, ele o procura em si mesmo; e
quando, com o tempo, os espíritos malignos tiverem conseguido
entrar nele, será para esses que ele se dirigirá verdadeiramente.
(p. 157)
É terrível estar tão profundamente cega e não enxergar a origem tão
evidente dessa brecha! A consequência lógica dessa oração a um Deus que
está dentro de si, pode levar ao absurdo. Assim, por que não se dirigir
também a um Deus externo, em outra pessoa? Os perigos que vêm desse erro
– dessa limitação de Deus, dessa diminuição de Deus — são claros.
A adoração, a comunhão e a visão de certos crentes são tão
introspectivas que isso provoca uma deformação, uma
introversão espiritual; sua maneira de ver torna-se estreita,
produz-se um empobrecimento das faculdades espirituais e
intelectuais, que se atrofiam. Algum tempo depois, eles ouvem
uma voz. Como creem que Deus neles habita, assumem o hábito
de escutá-lo e de esperar que sua voz se faça ouvir. Assim, o
pensamento concentrado em si mesmo despreza toda ação
externa.
Todo olhar interior em direção a um Deus que habite no homem,
um Deus que fale e se comunique com o homem, que o guie de
maneira consciente e material, o expõe aos mais graves perigos.
(p. 158)
Penn-Lewis observou muito bem os que tinham sido seduzidos. Mas
sobre o último parágrafo, diríamos que todo olhar interior em direção a um
Deus que habite no homem, no sentido da imanência, um Deus que fale e se
comunique com o homem, que o guie de maneira consciente e material, o
expõe não somente aos perigos mais graves, mas manifesta que a sedução já
aconteceu! (Veja mais acima com Evan Roberts.) Alguns apoiam-se sobre
Romanos 8.14 para justificar sua busca pela direção do Espírito Santo:
“porque todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de
Deus”. Ora, considerando o contexto, Paulo não fala aqui de um ministério de
direção efetuada pelo Espírito, mas de um ministério de santificação, ou seja,
o Espírito conduzindo o crente no sentido de reinar sobre ele e inclinar suas
afeições em direção à justiça moral e a Cristo (veja os comentários da
teologia reformada sobre esse texto).
Esse erro, cultivado com esmero pelos poderes das trevas, deu
origem às mais graves seduções e foi sobre elas que os espíritos
malignos ergueram suas mais formidáveis trincheiras.
Sobre esse erro (base das manifestações dos poderes espirituais
malignos, que trabalham para desenvolver o erro inicial) foram
enxertadas, durante todos esses séculos e até hoje, as ilusões
daqueles que afirmaram ser o Cristo. Esse erro fez com que
milhares de cristãos entrassem nos asilos de loucos — ainda que
eles mesmos não o fossem, no sentido exato do termo —, criou
as pequenas comunidades de irmãos errantes, grupos que
seguiam alguém que dizia: Eu sou o Cristo. Enfim, é sobre ele
que se levantam falsos Cristos e falsos profetas, no fim de
períodos de grandes seduções, anunciadas pelo Senhor. (p. 158)
Quase todas as falsificações da presença de Deus aparentam ter
um caráter de amor. (p. 160)
Penn-Lewis é bastante lúcida em suas observações sobre este ponto,
que, por sinal, continua atual. Podemos observar o mesmo fenômeno em
nossos dias entre os que praticam um ocultismo de aparência cristãa. Eles têm
na boca os mesmos slogans: é necessário amar, não julgar, não criticar. J.
Penn-Lewis continua:
O crente, então, se entrega aos seus sentimentos sem nenhuma
reserva; uma sensação indefinível o penetra e o subjuga, e o
cristão a ela se abandona. Ele não pode imaginar que acabou de
dar acesso, aos espíritos malignos, às aspirações espirituais mais
íntimas e profundas do seu ser. (p. 160)
[...] quer sejam falsificações do Pai, do Filho ou do Espírito
Santo, sua origem diabólica pode ser reconhecida, porque são
manifestações sensuais, isto é, porque elas atingem os sentidos e
pertencem ao domínio físico.
[...] essas experiências sobrenaturais fazem com que creia que
Deus o vivifica com arrepios de vida, que ele faz produzir
sensações diversas, umas deliciosas, outras dolorosas. Quando
surgem sensações com dores agudas, intensas, a vítima é
persuadida a crer que se trata da comunhão com os sofrimentos
de Cristo, de um nascimento da alma e de morte com Cristo. As
falsificações de vida sucedem as falsificações de presença:
excitações, contatos, marcas vermelhas semelhantes a
queimaduras, sensações de frio, securas, tremores, todas elas
vistas pela vítima como procedentes de Deus, mas provam a
interferência de maus espíritos no seu corpo [...] contração de
nervos, sensações de correntes de ar, de vento, sensações
agradáveis, dores intoleráveis, sem causa natural, ou palpitações
do coração. [...]
Geralmente, depois da euforia vem a depressão, sendo uma
proporcional à outra; depois de horas de êxtase, que abalaram e
sobrecarregaram o sistema nervoso, vêm o esgotamento e o
cansaço; ou mais ainda, a vítima terá o sentimento de que sua
força se esvai sem causa aparente; alegria e dor, sensações de
calor ou frio, acessos de riso ou choro, tudo isso se sucede
rapidamente, com mais ou menos violência; em resumo, todos os
sentimentos e emoções têm livre curso. É fácil compreender que
essa interferência satânica, essa manipulação do corpo e da
mente, alteram rapidamente a saúde; daí esse abatimento, esse
esgotamento geral, que com frequência é produzido naqueles que
se engajaram nessas manifestações sobrenaturais e se entregam a
essas experiências anormais. (p. 163-165)
Se o crente para de utilizar sua inteligência, sua razão, sua
vontade e todas as suas outras faculdades, se espera por vozes e
impulsos para ser guiado em todos os detalhes da vida,
certamente se deixará conduzir por espíritos malignos que não
temem falsificar a Pessoa de Deus. (p. 168)
Penn-Lewis nos ensina aqui, muito claramente, o que acontece no
ocultimo. A resposta dada por ela à questão sobre como não cair no erro de
seguir os impulsos de espíritos maus, em vez de seguir as direções do
Espírito Santo, foi a seguinte:
Os cristãos poderiam evitar essa armadilha, se tomassem cuidado
para não confundir a atitude de confiança em Deus para que ele
guie com a segurança de que ele guia.
A diferença parece enganosa, mas é muito real; no primeiro caso,
o homem espera em Deus para ser conduzido; no segundo, ele é
convencido de que é conduzido. No primeiro caso, Deus o guia
em resposta à confiança, e o guia por seu Espírito que está no
espírito do homem. As faculdades permanecem livres; elas são
exercidas livremente, decidem o caminho a seguir, e a vontade
intervém para o cumprimento da decisão tomada.
No segundo caso, quando os espíritos malignos se aproveitaram
da presunção de que Deus guia sem uma estreita colaboração
com seu Espírito, podemos observar, no começo da sedução, um
leve constrangimento. (p. 176)
Há alguma verdade na afirmação da senhora Penn-Lewis, apesar de
não ser adequada a solução que propõe. Há uma distinção importante entre fé
(ou confiança) e segurança. Os teólogos reformados sempre destacaram essa
distinção no contexto da conversão; um crente pode ter a fé verdadeira em
Cristo sem, no entanto, ter a seguraça de salvação.
Essa distinção entre confiança e segurança é importante no campo da
direção. De fato, todo cristão deve confiar no Senhor para ser guiado por ele.
Mas quando um cristão sente-se inclinado a uma direção ou decisão, ele não
deve presumir que essa inclinação vem do Senhor. Em outras palavras, não
deve construir uma falsa segurança sobre este falso silogismo:
a) Eu confio no Senhor para que ele me guie.
b) O Senhor prometeu guiar aqueles que nele confiam.
c) Quando me sinto inclinado a uma direção, posso estar seguro
de que é o Senhor que me guia.
Existe uma grande diferença entre o item a e o item c; a é uma ação e
uma atitude sadia e bíblica; c é uma atitude não bíblica e desastrosa. O
Senhor prometeu nos guiar, mas sob certas condições que nem sempre
satisfazemos! Não oramos o bastante, não estudamos suficientemente as
Escrituras para obter sabedoria bíblica, a fim de resolver este ou aquele
problema ou situação; nem sempre esperamos com paciência para que o
caminho do Senhor se torne mais claro (lembre de Abraão e Agar). Por causa
do nosso estado pecaminoso, a obediência não basta para garantir o
discernimento do bem e do mal (Hebreus 5.14). Por essas e outras razões, nos
enganamos e não tomamos a direção que o Senhor está disposto a nos
mostrar.
É verdade que possuir a certeza de ser sempre guiado de maneira
infalível é uma tolice. Por outro lado, colocar nossa confiança no Senhor para
que ele guie nossa vida é essencial e produz bons frutos; sobretudo se não nos
limitamos apenas a essa confiança, mas se oramos, se meditamos na Palavra,
se estivermos atentos às circunstâncias que a Providência nos apresenta, se
procurarmos conhecer as condições e os meios que Deus utiliza para nos
guiar e se sabemos pedir conselhos aos amigos certos.
Penn-Lewis afirma que Deus nos guia se permanecermos numa estreita
colaboração com seu Espírito. Tudo isso é muito ambíguo. O que para ela
significa colaborar com o Espírito de Deus? Como realizá-lo na prática?
Entramos no campo subjetivo, aquele dos pensamentos, da imaginação e da
intuição. Esse é o cerne do problema. Podemos compreender Evan Roberts
quando dizia que sua maior dificuldade era poder distinguir entre a voz de
Deus e a do diabo.
Quando buscamos a vontade de Deus, ainda somos responsáveis por
nossas escolhas. Após ter meditado em sua Palavra, ter orado e pedido
conselho a pessoas maduras, podemos avançar com confiança.
Frequentemente temos de agir sem estar 100% seguros, mas fizemos a
melhor escolha possível, segundo os princípios da sabedoria bíblica. Em
muitos casos, a plena convicção de haver feito a melhor escolha vem somente
depois da decisão, quando vemos seus frutos na providência de Deus. Mas
não permaneceremos ociosos, enquanto esperamos por uma convicção plena
ou que o caminho se torne mais plano.
J. Penn-Lewis continua:
Esse constrangimento se acentua de maneira imperceptível e
chega o momento no qual o homem se sente obrigado a fazer tal
ou tal coisa, e é quando ele diz: “Tenho medo de resistir”. Ele
considera esse constrangimento interior como uma prova de que
Deus o guia, ao passo que isso é uma prova contrária, porque
Deus respeita absolutamente a liberdade humana.
Se o homem cede a esse constrangimento, se ele crê que vem de
Deus, passa a servir um poder sobrenatural maligno que vai
controlar sua vontade e julgamento. Então começa a ter medo de
agir por si mesmo. Pede autorização para as coisas mais fúteis e
simples da vida cotidiana; teme fazer um gesto sem a autorização
dessa vontade. [...] Ela pode ordená-lo fazer as coisas mais
ridículas e absurdas. (p. 176-177)
Quando a sedução e a possessão atingiram um estado muito
avançado, o homem percebe que não pode mais agir sem que os
espíritos que o governam lhe permitam. [...] Os argumentos,
raciocínios e considerações de qualquer sorte não chegam a
convencer ou influenciar a vítima; nada fará com que ela deixe
de obedecer à direção interior que crê, firmemente, vir de Deus.
Aliás, se ela tenta resistir nas coisas mais insignificantes, a
condenação e o sofrimento que sente imediatamente são tais, que
fica aterrorizada só em pensar em cometer uma nova infração.
[...] Então as falsificações do que é divino começam a acontecer,
tais como: dons de milagres, dons de profecia, de línguas, de
curas, visões e experiências sobrenaturais de todo o tipo, tudo
acompanhado de citações bíblicas para demonstrar a suposta
origem divina.
Quando ele está possuído até esse ponto, o homem se sente
extremamente leve; parece-lhe que está sendo levado por mãos
invisíveis; ele paira sobre o seu leito, o que em liguagem oculta
se chama levitação; ele pode cantar e falar, e fazer coisas que lhe
seriam impossíveis no passado. (p. 177-178)
Isso corresponde à experiência do batismo com o Espírito Santo de
Evan Roberts descrita acima. Penn-Lewis prossegue:
Tudo o que vem de Deus está em harmonia perfeita com as leis
estabelecidas por ele na sua Palavra. Por exemplo, sempre
acontece que cristãos tenham revelações sobre um avivamento
mundial, mas elas diferem das regras de crescimento da igreja
dadas por Cristo, tais como: 1) a imagem do grão de trigo (João
12.24); 2) a cruz de Cristo (Isaías 53.10); 3) a experiência de
Cristo; 4) a experiência do Apóstolo Paulo; 5) a ideia de um
avivamento universal não concorda com o chamado pequeno
rebanho (Lucas 12.32); 6) ela não concorda com as profecias
sobre o fim da nossa dispensação (1 Timóteo 4.1-3; 6.20).
Quantos crentes deixaram o caminho do dever, do grão de trigo
que se multiplica, para seguir as visões ilusórias de um
avivamento universal dadas por Satanás. (p. 185) [...] Ele
(Satanás) então, encoraja essas imensas campanhas de
avivamento que atingem apenas a superfície e não ameaçam o
seu reino, ao mesmo tempo que absorvem o tempo e as energias
dos filhos de Deus. Conservar a fé, baseada na Palavra de Deus
que é a espada do Espírito, contando com ela para abrir o
caminho até o fim, através de todas as armadilhas e ciladas do
diabo, essa é a única linha de conduta segura; a única que oferece
todas as garantias de segurança. (p. 186)
Acabamos de citar muitos trechos do livro A guerra contra os santos.
Apesar da cegueira dos autores em certos pontos que, para nós, são
flagrantes, ainda assim Jessie Penn-Lewis e Evan Roberts nos servem como
exortação, não somente porque viveram várias dessas falsas experiências
ocultas que lhes causaram grandes sofrimentos, mas também porque as
observaram em muitos outros servos de Deus e cristãos engajados. No
prefácio da obra A guerra contra os santos, eles haviam escrito que centenas
de crentes, ou mesmo quase todos do movimento, tinham experimentado
falsificações espirituais que arruinaram suas vidas. Eles não falavam de
novos convertidos, mas de cristãos nascidos de novo que tinham buscado e
obtido o batismo com o Espírito Santo. Foram estes que tiveram todas essas
dificuldades. O primeiro objetivo dessa obra foi demonstrar que o estado
miserável de muitos cristãos, após o avivamento, tinha sido causado pela
ação de demônios, que aproveitaram-se da ignorância e de certos falsos
comportamentos; e o segundo, o de ajudá-los a sair disso. Infelizmente, os
autores não conseguiram atingir seu objetivo totalmente. Porque em vez de
reconhecer que a verdadeira razão de toda a confusão acontecida no
avivamento do País de Gales foi a procura por falsas experiências, em
conjunto com uma ideia errada sobre o que seja a união com Cristo, e que
isso tudo foi a porta de entrada para o que veio depois, eles acusaram os
demônios como sendo a causa de todos os seus problemas.
Esse é um aspecto do avivamento do País de Gales sobre o qual os
pentecostais de hoje nunca falam. Devem ter uma boa razão!
Quando lemos esse livro, após oitenta e cinco anos, já prevenidos
contra os erros doutrinários que contém e sabendo igualmente que os
demônios não foram a causa de todos os problemas ocorridos, A guerra
contra os santos permanece uma obra útil — ainda que não concordemos
com tudo o que foi escrito pelos seus autores — numa época em que o
cristianismo trafega em meio a um xamanismo evangélico que não teme
mostrar-se à luz do dia.
De fato, para muitos carismáticos e pentecostais de hoje, os demônios
são a causa de quase todas as dificuldades. Entretanto elas residem em suas
falsas experiências e na atividade de sua velha natureza. Os responsáveis por
esses movimentos, a todo o momento querem impor as mãos para dar, aos
que desejem, alguma bênção ou produzir cura; propõem orar a fim de ligar ou
desligar (com base numa interpretação equivocada de Mateus 18.18), libertar,
ou exorcizar um demônio. Dessa maneira, as pessoas que neles confiam são
por eles colocadas nas maiores dificuldades, em vez de fazer com que
assumam sua própria responsabilidade, seu dever de submeter-se a Deus e à
sua Lei, de renunciar as obras da carne e resistir ao diabo. Porque só assim o
inimigo fugirá deles (Tiago 4.7) e alcançarão vitória. O combate espiritual
existe realmente, mas não conforme a visão proposta acima.
Quanto ao mais, sede fortalecidos no Senhor e na força do seu
poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para poderdes
ficar firmes contra as ciladas do diabo; porque a nossa luta não é
contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e
potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra
as forças espirituais do mal, nas regiões celestes. Portanto, tomai
toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mau e,
depois de terdes vencido tudo, permanecer inabaláveis. [...] com
toda oração e súplica, orando em todo tempo no Espírito e para
isto vigiando com toda perseverança e súplica por todos os
santos. (Efésios 6.10-14,18)
A obra de John MacArthur traduzida recentemente e apresentada
abaixo, nos mostra qual é a verdadeira natureza do combate espiritual e como
podemos ser preparados para enfrentá-lo.

3. Como enfrentar o inimigo, de John MacArthur[17]


Na página número quatro, lemos:
Muitos cristãos creem que deveríamos agir como se Satanás e seu
exército não existissem. Outros dizem que deveríamos aprender
como lutar contra eles e nos engajar no combate. Mas o que diz a
Bíblia?
No livro Comment affronter l'ennemi? [Como enfrentar o
inimigo?], MacArthur explora a origem do combate espiritual,
sua realidade presente e como deveria ser a nossa reação. Ele,
também, examina em detalhes cada uma das armas espirituais,
que são, por natureza, principalmente defensivas e não ofensivas.
Se você procura um livro que toque o alarme sem ser alarmista,
você o encontrou e apreciaria a abordagem equilibrada sobre o
combate espiritual feita por John MacArthur em Comment
affronter l’ennemi?
Note o que diz MacArthur em sua introdução:
C. S. Lewis escreveu: “no que diz respeito ao diabo e seus
emissários, temos a tendência de cometer dois erros opostos, mas
de igual gravidade. Um consiste em negar sua existência, outro
em fazer com que seja alvo de um interesse exclusivo e doentio.
Essas duas atitudes fazem com que se mergulhe na mesma
espécie de êxtase e se receba com o mesmo entusiasmo tanto o
materialista, como o feiticeiro”.[18] Lewis tinha razão.
Infelizmente, esses dois erros são cometidos pela igreja atual. De
um lado, alguns cristãos materialistas não compreendem que a
vida cristã é um combate espiritual feroz. A atitude materialista
decorre, dentre outras coisas, da indiferença. De fato, quando
alguém está confortável em seu mundo, é fácil esquecer que há
um combate espiritual, que em todo o lugar milhões de almas
foram presas por Satanás. E é fácil esquecer que ele sempre tira
proveito de cristãos acomodados, indolentes ou que estão
estagnados espiritualmente. Satanás se alegra quando os cristãos
se enterram em um ambiente santificado, em vez de participar do
combate. No entanto é exatamente o que acontece em muitas
igrejas hoje em dia. Tentam desesperadamente aproveitar a
comunhão fraterna, ao mesmo tempo em que permanecem
totalmente indiferentes ao combate.
Uma das causas do materialismo é o mundanismo. Quantidade
imensa de cristãos prefere os prazeres temporais e terrestres aos
rigores do combate. Buscam uma vida de facilidades, uma vida
cheia de divertimentos e atividades, não percebem nunca o papel
que têm de assumir no maior combate. O crente que dedica seu
tempo e recursos às coisas deste mundo, não pode entender o que
é o combate espiritual. [...] Os crentes não têm carta branca para
fazer tudo o que querem. Eles foram chamados para obedecer a
Cristo, o Comandante em Chefe. Em Mateus 16.24 e 25, Jesus
faz o seguinte apelo: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo
se negue, tome a sua cruz e siga-me. Porquanto, quem quiser
salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha
causa achá-la-á”.
Não podemos deixar que a luta espiritual cause estrago ao nosso
redor, sem dela tomar parte. É absolutamente necessário que
façamos um inventário espiritual. [...] Muitos cristãos se
acomodam na indiferença e no mundanismo. Satanás fica
satisfeito com esses cristãos. Oro para que sua consagração e
compromisso sejam intensificados, quando compreenderem
como enfrentar o inimigo.
Por outro lado, há também muita gente na igreja de hoje, para os
quais os demônios exercem um fascínio excessivo e doentio. [...]
Cada vez mais os líderes cristãos se fazem campeões nesses
esforços [em combater os demônios]. Conheço uma importante
organização missionária conservadora que exige que todos os
seus missionários participem de seminários, nos quais aprendam
como enfrentar, ou mesmo atacar os poderes das trevas. Ali é
ensinado, entre outras coisas, como falar com os demônios e
algumas técnicas para expulsá-los. Cada vez mais está na moda
pronunciar encantamentos contra Satanás e, pretensamente,
repreendê-lo e amarrá-lo. O que pensar dessa fascinação? Os
crentes devem mesmo participar de acampamentos de
treinamento para o combate espiritual? Somos chamados para
saquear as fortalezas dos demônios e reconquistar cidades e
países? Os crentes deveriam falar com demônios e expulsá-los?
Podemos, realmente, amarrar e repreender Satanás?
Não há nenhuma dúvida de que os cristãos estão no meio de um
combate contra os poderes das trevas, porque Paulo diz: “porque a nossa luta
não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades,
contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do
mal, nas regiões celestes” (Efésios 6.12).
Entretanto, uma enorme quantidade de práticas do Movimento de
combate espiritual contemporâneo contrasta violentamente com os ensinos
da Palavra de Deus. Note o que Archibald Alexander, primeiro professor do
Seminário de Princeton e brilhante teólogo, escreveu:
Nada é mais importante do que poder distinguir claramente as
verdadeiras experiências religiosas das falsas, e provar os
espíritos para ver se são de Deus. E para fazer essa distinção,
não há outro teste senão o da infalível Palavra de Deus. Que
todos os pensamentos, intenções, impulsos e todo sentimento
sejam levados a essa pedra de toque. “À lei e ao testemunho; se
eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz
neles”.[19]
A Palavra de Deus deve ser o nosso único guia em matéria de fé e
prática. Examinemos, então, o que a Escritura diz sobre o combate espiritual,
em contraste com as crenças, práticas e experiências daqueles que fazem
parte do Movimento de combate espiritual.
4. O avivamento visto por H. E. Alexander

H. E. Alexander, fundador da Ação bíblica, participou de um


avivamento na Escola Bíblica de Glasgow, na qual foi estudante. Foi, de
alguma forma, um desenvolvimento do avivamento do País de Gales, com
exceção de todos aqueles fenômenos de falsificações. Em sua obra Fondé sur
le Roc [Fundamentado sobre a rocha],[20] lemos:
Aqueles que tiveram o grande privilégio de passar por um
avivamento verdadeiro do Espírito Santo, como foi o avivamento
do País de Gales, sabem que algumas impressões recebidas
naquele episódio nunca foram apagadas, e que certas lições
aprendidas permitiram discernir os perigos e desvios que
ameaçam todo verdadeiro movimento do Espírito Santo.
Falo aqui do avivamento verdadeiro: uma intervenção de Deus,
pelo poder do Espírito Santo, na vida de sua igreja e através dela,
em graça, para a salvação do mundo, até às extremidades da
terra. [...]
O avivamento é uma experiência única, precisa e prática. Quando
compreendemos seu conteúdo, percebemos o quanto é solene
falar de avivamento e orar por ele. Muitos cristãos não sabem o
que pedem e estão totalmente fora da realidade quando
empregam esse termo, que se torna um clichê vazio de sentido,
ou uma etiqueta que se cola sobre todos os tipos de
manisfestações, frequentemente estranhas ao verdadeiro
avivamento e em contradição com ele. A origem de todo
verdadeiro avivamento possui o selo da Palavra e da aprovação
divina e suas características mostram os frutos que são aprovados
por Deus e pelos homens, segundo Romanos 14.18. (p. 81)
No avivamento [...] é Deus quem intervém na vida de seus filhos
e da igreja para assumir a direção. [...] Deus vem a nós, e seus
filhos voltam-se para ele e para sua Palavra, confessando seus
pecados e suas dúvidas. [...] É o retorno à simplicidade devida a
Cristo, à autoridade absoluta de sua Palavra na vida dos cristãos e
das igrejas. [...] No avivamento [...] é o próprio Senhor
começando o julgamento por sua casa. É o chicote de cordas
curtas que ele empunhou no templo. É a separação de todo
compromisso duvidoso. É a descoberta das proibições e do
pecado no santuário. Líderes espirituais e crentes, sem distinção,
são levados ao pé da cruz — onde encontram sua verdadeira
unidade espiritual — para consertar-se com Deus.
O avivamento [...] é o acerto de contas com Deus, mas em graça
e verdade; é a reparação de erros cometidos contra os homens e
isso de maneira legítima e franca. Se for o verdadeiro
avivamento, não podemos dele escapar. Confissões, reparações,
restituições, esses são o preço a pagar para obtê-lo, se queremos
escapar da falsificação, da morte, ou da cegueira espiritual que
resultam da recusa em obedecer a Deus e dobrar-se diante dele.
[...]
O avivamento [...] é o espírito de oração e louvor manifestado de
forma livre, sob o controle do Espírito Santo. A oração não é
mais um esforço, mas um poder. É preciso orar, os corações estão
finalmente livres, os tímidos perdem sua timidez, os profanos
tremem diante de Deus, os orgulhosos tornam-se humildes, todas
as forças não utilizadas da igreja são voltadas para o céu. Quando
o próprio líder está quebrantado e paga o preço por tudo isso, ele
vê sua igreja transformada e seus suspiros ocultos por ela
encontram satisfação. (p. 82-83)
O avivamento é receber o amor pelas almas perdidas e o
chamado a conduzi-las a Cristo. O avivamento verdadeiro é a
negação do egoísmo, de todo o tipo de proselitismo e obra
sectária ou exibicionista; é o sentimento do amor de Deus pelo
mundo, criado em nosso coração. O avivamento cria vocações,
envia para longe vidas consagradas. Prova sua realidade pelo
compartilhamento da bênção com os que por ela não foram
atingidos e pela difusão da Palavra no mundo. Em suma, Cristo é
glorificado. (p. 83-84)
Quando o avivamento, qualquer que seja sua forma, se cristaliza,
é sinal que ele chegou ao limite. Então nos tornamos especialistas
nessa doutrina e às vezes até mesmo voltamos para trás, aos
supostos dons do Pentecostes. É preciso que o avivamento
cresça, se propague, doutro modo cai na estagnação e provoca
toda sorte de males. Então o que começou pelo Espírito termina
na carne, a qual gera toda a sorte de exageros perniciosos. O
avivamento não é um movimento organizado pelos homens; ele
depende exclusivamente de Deus. Não é produto de grandes
esforços, mas uma visitação do alto, um dom de Deus. [...] Sob a
inspiração divina, os cristãos, tomados por Deus, unem-se para
orar até que ele os abençoe. O Senhor antecipadamente prepara
seus intercessores para esse ministério. (p. 84-85)
O avivamento, no sentido original da palavra, é o fruto de uma
longa preparação, de um trabalho de alma por parte daqueles que
assim sabem orar. Deus para isso os chama e os matém nesse tipo
de oração, de humilhação e de súplica, até que os abençoe. (p.
86)
A preparação do avivamento é, portanto, o arar dos corações e
consciências por parte do Espírito de Deus. M. Anderson conta
que viu no País de Gales cenas inesquecíveis nas quais, sem
pregação especial, milhares de pessoas, cidades, povoados,
regiões inteiras foram quebrantadas pelo poder de Deus; os
auditórios imensos, as orações e louvores a Deus em profusão, os
cristãos levantando as mãos para o trono da graça, intercedendo
pelo mundo perdido; os cantos majestosos, a alegria e a liberdade
espiritual; igrejas inteiras transformadas, pecados confessados,
cristãos reconciliados; em suma, a glória e a vida de Cristo
manifestadas, pondo fim ao reino de morte dentro das igrejas. (p.
96)
Em tempo de verdadeiro avivamento, quando o Espírito sopra
como o vento, quando a alegria e a liberdade espirituais são
grandes, quando os espíritos se alargam, ainda assim existem
perigos espirituais para os crentes; o inimigo os espreita; se
disfarça como um anjo de luz; os espíritos esperam uma ocasião
que lhes seja permitido unir-se ao movimento do Espírito de
Deus, sem que num primeiro momento seja percebido. O
controle constante da Palavra de Deus e a comunicação ao
mundo perdido da bênção recebida devem, necessariamente,
seguir toda obra de avivamento do Espírito Santo. Elas são,
igualmente, sua salvaguarda, a qual cresce em importância de
acordo com a grandiosidade da bênção. Essa é uma das lições
aprendidas a partir do avivamento do País de Gales. Após um
começo de pura manifestação do poder do alto, aproveitando-se
dos corações abertos que estavam por todo lugar, espíritos
estranhos se introduziram nesse poderoso movimento do Espírito
de Deus. A ignorância quase geral das leis divinas com respeito
às forças psíquicas e aos espíritos sedutores, permitiu que certas
falsificações se enraizassem e se insinuassem entre os crentes
sem discernimento, mas sedentos por alguma coisa melhor do
que aquilo que o formalismo lhes tinha dado. Ignoraram os
ensinos da Palavra divina que lhes advertia sobre esse perigo.
Assim começou o que hoje chamamos de pentecostalismo [...]
que, como o vento, neste começo de século, expandiu-se por todo
lugar, levando muitos filhos de Deus a uma persuasão que não
procede dele. Ignoraram as leis espirituais tão claramente
ensinadas na Palavra de Deus; mas é preciso dizer que até então,
em suas igrejas, eles tinham sido privados do ensino geral das
verdades bíblicas. (p. 116-117)
Foi nessas circunstâncias que Evan Roberts sentiu-se chamado
por Deus — em colaboração com sua secretária de honra, a
senhora Penn-Lewis — para colocar no papel as numerosas
experiências feitas nessa área, como também as leis espirituais
sobre esse assunto ensinadas na Palavra de Deus. Ele publicou
esse livro sob o título de A guerra contra os santos, o qual não
foi destinado ao grande público, porque o considerava como uma
espécie de manual de introdução para obreiros cristãos sobre as
coisas profundas de Deus e de Satanás. A tradução e a publicação
em francês dessa obra foram prematuras, porque a situação
espiritual dos países de língua francesa não apresentavam os
problemas que tinham dado origem à edição inglesa.
Infelizmente, inúmeros cristãos utilizaram-se disso como
pretexto para opor-se à mensagem desse livro e defender a
posição de que um crente não pode ser seduzido por espíritos, e
que estes não podem exercer controle sobre suas vidas. O
inimigo pôde usar essa circunstância para opor-se a essa verdade
que assusta as pessoas, mas que é tragicamente necessária; isso
porque se esquecem, voluntariamente ou não, de que Satanás tem
em mira aquele que está em Cristo.
É bom lembrar que essa verdade foi um dos principais segredos
da continuidade, das vitórias e do crescimento no Deus da Obra,
no meio das armadilhas do diabo e dos enganos dos homens. (p.
118)
Em razão da tendência natural do homem em seguir o caminho mais
fácil e suas própiras inclinações, em vez de atender as exigências de Deus,
toda obra ou toda igreja tem de examinar-se regularmente para saber se
permance na fé dos apóstolos, se não resvalou para um comprometimento,
para ideias e comportamentos da moda, para as heresias, se não perdeu seu
zelo e seu primeiro amor pelo Senhor. Ela deve periodicamente reformar-se e
alinhar-se novamente às normas das Escrituras, na humildade, na
dependência e na fé em Cristo. Infelizes são as igrejas que instituíram
dogmas infalíveis ou quase irrevogáveis, que não têm seu fundamento na
Palavra de Deus. Isso elimina toda a possibilidade de auto-exame e
arrependimento! Ora, a Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento,
nos exorta continuamente a voltarmos para Deus e a nos arrependermos.
Quem teria a ousadia de isentar-se disso?
SEGUNDA PARTE
Por seu misticismo, a senhora Guyon exerceu uma influência
determinante sobre o protestantismo evangélico dos últimos séculos. Vamos
examinar de que maneira ela marcou certas personalidades muito conhecidas
e como essa influência tem permanecido até nossos dias.
1. A MADAME GUYON (1648-1717)
Mística católica do século XVII, viveu no tempo de Luís XIV, de
Bossuet e Fénelon. Propagou seu misticismo e desenvolveu seu apostolado
primeiramente em Thonon, em Savóia, depois na Itália e em Grenoble. Em
1685 publicou o Moyen court et très facile pour faire oraison [Modo curto e
bem fácil de fazer oração], que despertou a suspeita de Bossuet, arcebispo de
Meaux. Fénelon caiu sob sua influência, enquanto que a senhora Maintenon,
esposa muito influente de Luís XIV, a acusava de quietismo. Seus escritos
foram condenados pela Igreja Católica Romana.
O quietismo é uma doutrina reprovada pela Igreja romana. Foi
criado por alguns teólogos místicos, como Molinos, na Espanha,
e Fénelon, na França. Seu ensino principal defende que é preciso
anular-se de tal maneira diante de Deus, a ponto de não termos
mais preocupação com nada, nem com o inferno, nem com o
paraíso; de acordo com essa doutrina, não devemos desejar nem a
perfeição, nem a santidade, nem mesmo a própria salvação.
(Littré, 1958)
Quando a Madame Guyon passou por grandes dificuldades em seu lar e
procurava a comunhão com Deus, um padre a visitou e lhe disse: “Pare de
procurar o que se acha em você, procure Deus em você mesma e não fora”.
As experiências de “amor e de comunhão contínua com Deus”, que teve após
esse conselho, desarranjou sua vida completamente e fizeram dela aquilo que
descreveu em sua autobiografia.
Ela vivia num tipo de iluminação permanente. Seu desejo intenso pela
perfeição, através da procura voluntária da humilhação e negação pessoal,
tinha um caráter mórbido. Ela espremia o pus das feridas de doentes que
visitava, com o objetivo de ser libertada do nojo e náusea que isso lhe
provocava; punha pequenas pedras em seus sapatos como autopunição, ou
para aumentar sua resistência ao sofrimento, etc. O contágio de sua loucura
mística fazia com que certos analistas acreditassem que suas práticas tinham
relação com a magia. Ela tinha, de fato, uma influência sedutora sobre seus
discípulos.
Recebia inúmeras comunicações interiores e predições que faziam com
que se sentisse na obrigação de escrever e falar, sem o que tinha a impressão
de que explodiria. Sobre isso, Jean de la Pierre relata o seguinte:
Nesse estado, apenas sentávamos ao lado dela, em silêncio, para
recebermos a graça da qual ela está cheia, e que é o único meio
de aliviá-la, porque é preciso que essa abundância de graça flua,
a qual foi-lhe dada, não lhe restando outra coisa senão comunicá-
la; porque ela mesma não tem necessidade; ela está sempre
repleta e dela transbordando.
Ela não erra e seu estado é de completa união com Deus. Ela vê
claramente as almas em sua profundidade. Recebe uma
autoridade maravilhosa sobre os corpos e almas daqueles que
lhes foram dados pelo nosso Senhor. O estado interior de suas
almas parece estar em suas mãos. Sem que saibam como e por
que, eles não conseguem deixar de chamá-la Mãe, e após
provarem essa direção, todas as outras condutas lhes são
impostas. [...] “Dê-me os corações”, escreveu ela, “e eu os
inflamarei”.[21]
Para ela, a união com Deus exigia somente que fossem retirados os
obstáculos pessoais, nosso eu, nossa inteligência, nossa vontade, nossa razão.
Segundo François Ribadeau Dumas, a Madame Guyon ensinava a seus
discípulos o seguinte:
[...] a humildade, a docilidade, a fusão no desconhecido de Deus,
a entrega, a santa indiferença, a recusa da angústia, ainda que
diante da morte, a plenitude interior, a submissão. O temor do
pecado, o temor de Deus desaparecem. Essa transformação
guyoniana tem por objetivo supremo a anulação nesse abismo de
amor no qual toda sabedoria humana perde suas bases.
O sacrifício de toda razão e sabedoria torna-se a regra do
pensamento. Um sopro de graça os anima e os lança em uma
verdadeira loucura de Deus. Feliz loucura, que faz perder o bom
senso, e que nos faz subir ao nível da perfeição! O puro amor, a
indiferença à salvação, a santa liberdade dos filhos de Deus. A
anulação deliciosa em Deus, esta fusão no divino Mestre, já
pregada pela Imitação de Jesus Cristo, de Jean Gerson, e pelos
místicos. Eis que veio o domínio do coração.
Torrentes de graças (a expressão é dela) eram derramadas sobre
os discípulos da Madame Guyon, as quais (diziam) provinham
dos anjos. Ela afirmava também ver, como por milagre, a
presença de Deus em um ato de amor contínuo. Assegurava que
pela oração perseverante, a alma se fundia em Deus de tal
maneira que naquele momento não lhe era possível lembrar-se
dos seus pecados, e que era inútil confessar-se antes de receber a
comunhão. Nenhuma absolvição era necessária, porque pela
misericórdia de Deus, sua consciência não a reprovava de
nenhum pecado. Ela tinha aprendido isso com santa Catarina de
Genova.
Guyon ensinava as extraordinárias declarações de são João da
Cruz, que sustentava que as graças levam o homem a tornar-se
verdadeiramente um Deus pela sua participação na natureza
divina, segundo a promessa de plenitude de graça formulada por
são Pedro.[22]
A Madame Guyon escreveu suas obras sob inspiração e por escrita
automática, com uma rapidez extraordinária. Vejamos o que diz M.-L.
Gondal em Madame Guyon:[23]
Ela não sabe nem o que quer escrever, nem como poderá fazê-lo.
Um poder e um querer existem nela, sem um conhecimento
correspondente. Um estado de vazio persiste no momento em que
escreve, o que só conhece quando começa a operação, a qual de
maneira alguma se submete ao poder ou ao querer da autora. (op.
cit., p. 172)
Seguem alguns trechos da obra Les Torrents (da coletânea que contém
diversos tratados de teologia mística, obra citada acima), da qual Penn-Lewis
faz um resumo adaptado. Neles vamos encontrar a ideia panteísta de fusão
com o divino. É necessário, diz ela:
[...] aproximar-se de Deus, o qual só pode ser achado no fundo de
nós mesmos e em nosso centro, que é o Santo Santuário no qual
ele habita (João 14.23). (p. 7)
O Reino de Deus está dentro deles e é aí que precisamos
encontrar a adoração e o esvaziamento diante de Deus. (p. 10)
Essa maneira de voltar-se para dentro é muito fácil e a alma
avança naturalmente e sem esforço, porque Deus é nosso centro.
(p. 28-29)
[…] Isso leva ao amor infundido de Deus. (p. 31)
Neste estado, o pecado não é mais visto e seus males são
esquecidos. Esse esquecimento é a marca da purificação de seus
erros. E é melhor esquecer de tudo o que nos preocupa e lembrar-
se apenas de Deus. (p. 31)
As ações feitas através de um princípio divino são ações divinas.
(p. 56)
[…] a alma então sente que agora age livremente, suavemente,
ainda que fortemente e infalivelmente. (p. 59)
Jesus Cristo e o apóstolo João ensinam que a consciência, a tristeza
pelo pecado e sua confissão sempre serão as características do verdadeiro
cristão nesta terra (Mateus 5.4; 1 João 1.6-10; note que o verbo confessar no
verso 9 está no tempo presente contínuo, ou seja, aquele que confessa
continuamente o seu pecado, num ato habitual, um modo de vida).
A Madame Guyon esforçava-se para esvaziar-se, a fim de que Deus
fosse tudo nela. As três etapas desse processo eram a renúncia, o desapego e
a anulação. Para ela, sua união com Deus restaurava a criatura ao estado
inicial, anterior à queda, ou estado de inocência. Portanto, a natureza jamais
teria sido corrompida, porque, para ela, o ser humano tem a essência divina e
a união com Deus requer somente a libertação da mente e da vontade própria,
obstáculos para o conhecimento e para o amor de Deus. Essas ideias com
tendências gnósticas são contrárias às Escrituras e sempre foram
vigorosamente combatidas pelos doutores da igreja através dos séculos.
Ela exerceu uma grande influência sobre Fénelon, com o qual estava
ligada por uma aliança de amor místico perverso. Em certo sentido, um
notável e corajoso pensador (ver a franqueza na carta de exortação moral que
endereçou a Luís XIV), Fénelon foi atraído para o movimento quietista e teve
um papel importante na Confraria dos Michelins (movimento político e
religioso utópico). François Ribadeau Dumas escreveu sobre isso no Fénelon
et les saintes folies de Madame Guyon [Fénelon e as santas loucuras da
Madame Guyon]:
Essa admissão do desconhecido, em busca do divino e da morte
do eu, da crucificação da alma e do andar cegamente, sem
nenhum outro objetivo senão o de seguir a Deus, permaneceram
como temas essenciais do novo pensamento de Fénelon,
influenciado pela Madame Guyon. Fénelon ali afirma o método
de renovação da personalidade, a metamorfose de sua teologia
pessoal, por impulsos em direção ao incomensurável. (op. cit., p.
144)
Ribadeau Dumas descreve assim a sedução da Madame Guyon:
A cidade toda de Saint-Cyr, numa explosão mística, rapidamente
encantou-se com seus ensinos. Sua doutrina era deliciosamente
desgustada. As suas homilias eram aplaudidas. Os seus hinos
eram disputados.
Algo milagroso emanava de sua pessoa. A sua voz, suas
entonações, seu comportamento modesto, sua roupa de seda
negra, sua atitude ungida, seu rosto mostrando a doçura de sua
piedade, suas palavras consoladoras sempre firmes, atraíam a
confiança de forma completa. Bausset escreveu que:
“Em todo o lugar que a Madame Guyon chegava, carregado de
preconceitos que teriam feito com que se afastassem dela, [...]
conseguia logo dissipá-los [...] ao tocar todos os corações pelo
espetáculo da inocência oprimida e inspirar nas pessoas mais
severas um interesse e zelo que os transformaria em seus
discípulos. Não saberíamos retratá-la melhor”. (op. cit., p. 153)
A profetiza de Montargis [a Madame Guyon], agora a chefe dos
Michelins, dizia experimentar sempre fenômenos de origem
sobrenatural. Suas visões noturnas, sua habilidade para escrever
quase que automaticamente, suas vozes interiores, suas
incessantes e inexplicáveis doenças que a punham em perigo, seu
poder estranho de comunicar as emanações de sua alma —
agindo por telepatia — para uma pessoa em silêncio ao seu lado,
seus êxtases impressionantes, a tudo isso ela acrescentava um
curioso fenômeno de derramamento dos favores divinos, por uma
superabundância, uma amplitude, um excesso de intervenções do
além, que a impregnava a ponto de inchá-la fisicamente e de
fazê-la sofrer, tanto em seu corpo como em seu espírito.
Esses transbordamentos de inspiração divina, que precisavam ser
jorrados por palavras misteriosas, por intermináveis cartas
freneticamente escritas, para ela dependiam, indubitavelmente,
do favor excepcional de Deus que lhe havia confiado, por uma
espécie de milagre, os segredos sobre a religião, o céu, a salvação
das almas, o futuro. Com frequência ela fala disso em suas cartas.
(op. cit., p. 154)
Guyon foi condenada pela igreja, mas em sua busca para alcançar a
união com Deus, ela seguia de perto as mesmas práticas de muitos místicos
católicos. A espiritualidade católica romana é, na verdade, marcada por uma
orientação contemplativa, que resulta no abandono místico em Deus. Essa
busca mística com frequência vem acompanhada de fenômenos que o
catolicismo entende vir de Deus, mas que, em sua maior parte, têm um
caráter preternatural ou esotérico.
Essas experiências místicas são produzidas sob o controle dos
superiores monásticos, que os supervisionam atentamente para impedir
desvios doutrinários. Curiosamente eles toleram toda a sorte de experiências
e de fenômenos próximos do panteísmo, desde que o místico ponha nisso um
conteúdo doutrinário rigorosamente católico e se mostre submisso à Igreja
romana. (Parece que alguns flertam com o diabo, para exorcizá-lo mais
facilmente depois!) Tenta-se Deus e o diabo impunemente? Encontramos no
Evangelho todo esse ascetismo, essa introspecção, essas explicações
psicológicas sobre o caminho da alma até Deus, essas experiências yoguinis
de levitação e muitas outras? O ser humano sempre foi tentado não somente a
fabricar para si uma escada para chegar a Deus, mas também a procurar a
melhor técnica para escalá-la e alcançar seu cume. Os Exercícios espirituais
de um santo Inácio de Loyola são um exemplo perfeito. L. Cognet fala a
respeito desses Exercícios: “Os Exercícios não são um tratado de
espiritualidade, mas um manual de instruções destinado a obter uma
conversão, no sentido mais amplo do termo”.[24] A salvação não seria mais
uma graça, mas uma obra que dependeria de uma técnica espiritual.
Quanto mais próximos estamos do Evangelho, menos precisamos de
técnicas para orar e meditar. A fé é crer que Deus está ali, quando nos diz: “e
estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos”. O místico
advoga a busca de experiências com Deus através de uma variedade de
técnicas de oração e uma preocupação com o seu próprio estado de alma. A
Bíblia ensina o cristão ir a Deus pela fé, por Jesus Cristo e seus méritos, com
o olhar fixo não em seu estado interior, mas sim no Pai e no Filho, tal como
são revelados nas Escrituras. O misticismo preconiza uma abordagem direta a
Deus, através de técnicas que buscam a passividade. O cristão, em sua
relação experimencial com Deus, não se aproxima dele diretamente, mas pela
mediação de Jesus Cristo, e por uma meditação ativa em sua Palavra. É por
isso que distinguimos a experiência mística mais ou menos fabricada da
verdadeira experiência cristã.
Dito isto, não queremos julgar em bloco todos os místicos cristãos que
misturam certas práticas bizarras à sua devoção. Nós mesmos não somos
cegos e erramos em muitas áreas? Muitos entre eles tinham um grande amor
por Deus e seus mandamentos e teriam muito a nos ensinar sobre esse amor,
sobre o espírito de sacrifício e renúncia, e sobre a caridade em relação ao
próximo. Somente Deus sonda os corações e conhece os seus. Quanto a nós,
não temos de imitar a bizarrice dos outros, ou o que não está de acordo com a
Palavra de Deus.
Hans Küng, teólogo católico romano sincretista e liberal, proibido de
ensinar pelo Vaticano, e de quem não compartilhamos o pensamento,
analisou honestamente, no entanto, a realidade da oração bíblica em sua obra
Le Christianisme et les religions du monde[25] [O cristianismo e as religiões
do mundo]:
Como é a oração na Bíblia? Na Bíblia, a oração do homem
religioso (e também do menos religioso) surgiu,
surpreendentemente e obviamente, sem complicação — no meio
da vida e a partir da vida. É uma simples manifestação do
coração, com toda simplicidade e um realismo impecável. Tudo
é totalmente centrado em Deus: o homem pede a Deus que o
atenda, que o ajude, clama por sua misericórdia, por sua graça,
pede-lhe por sua salvação, pela salvação de outros e do povo.
Essa oração é um pedido feito livremente, mas é também ação de
graças, louvor e glorificação. Mas, ainda que na história a oração
bíblica também tenha sido fixada em fórmulas, que tenha sido
objeto de uma estilização litúrgica, ou tenha sido refinada e às
vezes até associada a comportamentos ascéticos, ela ainda guarda
as características seguintes:
— nenhuma palavra, na Bíblia, sobre um método, ou algo
sistemático, ou uma psicotecnia da oração;
— nenhuma referência a estágios na oração, para serem
cumpridos um após outro;
— nenhuma uniformização na experiência religiosa vivida;
— nenhuma reflexão psicológica sobre a oração, a despeito de
toda crítica profética feita sobre a oração e os sacrifícios;
— nenhuma autoanálise, nem esforço ascético com objetivo de
atingir determinados estados de alma.
Em vez disso, um diálogo com Deus, simples, não refletido:
expressão da fé, da esperança, do amor, de ação de graças, de
louvor e súplica — em uma grande diversidade e multiplicidade
individuais. Qual a diferença entre essa oração e a oração mística
ou meditação? A meditação do místico é um movimento de
libertação do mundo e da paixão pessoal, um movimento de
interiorização. De modo metódico e sistemático, ela conduz o
homem à realidade última — compreendida como plenitude (no
hinduísmo) ou como vacuidade (no budismo); é um movimento
do exterior sensível para o interior espiritual, que consiste em
mergulhar no absoluto ou entrar no estado de nirvana; é a
realização ou extinção. Tudo isso através de uma progressão
ordenada, como diríamos, segundo nossas categorias ocidentais
tradicionais:
— primeiro, a concentração voluntária e deliberada, comumente
não isenta de tensão e obtida com a ajuda de meios físicos e
psíquicos;
— depois a contemplação, libertada, emoção passiva, na qual se
busca o esquecimento;
— enfim, o êxtase, prazer ou absorção: o homem se perde na
plenitude insondável do absoluto ou no eterno repouso do
nirvana.
[…] Se considerarmos, em particular, a maneira como o Novo
Testamento fala da oração e como aqui ela é praticada, impõe-se
a seguinte conclusão: a atitude que caracteriza a oração mística
pode ter alguma importância para o cristão, mas jamais poderá
ser aceita como normativa! É verdade, a escala da oração —
igualmente muito popular no monasticismo cristão, depois
também recomendada, ensinada, praticada na formação
tradicional dos padres e nos exercícios — terá sempre uma
função psicopedagógica, ou seja, a descrição e análise das
diferentes fases da oração ajudarão aquele que ora a ver mais
claro a si mesmo e os outros, a praticar a autocrítica, a
concentrar-se inteiramente no absoluto. Mas, se considerarmos o
Novo Testamento como critério normativo, essa escala da oração
jamais poderá representar a norma cabal para os cristãos.
Qualquer que seja nossa admiração pela grande Teresa de Ávila,
essa mulher genial, uma das maiores místicas da história das
religiões, jamais encontraremos no Antigo Testamento, nem no
Novo, qualquer declaração sobre o ideal de uma oração interior,
ou uma oração do coração; nenhum convite para observar,
descrever e analisar as experiências e estados místicos, nenhuma
escala progressiva de oração mística levando ao êxtase; jamais a
ênfase é colocada sobre essa oração, que requer dons religiosos
específicos.
Alguns mestres espirituais, portadores dos ideais místicos
espirituais [...] frequentemente têm violentado espiritualmente os
homens de boa vontade que não são dotados desta forma de
oração, nem estão nela interessados. Com muita frequência têm
neles instilado sentimentos de culpa, têm feito com que a oração
lhes seja mais difícil, até mesmo fazendo com que dela se
distanciem. De um ponto de vista normativo (posso aqui apenas
desenvolver algumas regras fundamentais), se algumas formas de
orações espirituais mais exigentes podem, é verdade, ser objeto
da atenção dos cristãos, por outro lado não poderiam ser
impostas! De nenhum modo poderiam ser tomadas como um
padrão de qualidade particular do cristão, muito menos tornar-se
o instrumento esotérico de uma elite espiritual, supostamente
superior ao crente comum. A recomendação de uma breve pausa,
ação de graças e súplica, antes de comer ou de dormir, no espírito
de Jesus (“Não useis de vãs repetições como os gentios”, Mateus
6.7), seria mais saudável para a maior parte dos homens, do que
exortações intempestivas para meditações vistas como
impraticáveis. (op. cit., p. 578-581)
2. A INFLUÊNCIA DE MADAME GUYON NO PROTESTANTISMO
Alguns elementos do pensamento da Madame Guyon vão perpetuar-se
através de líderes importantes, tais como Wesley, Asa Mahan, Austin-Sparks,
Penn-Lewis, Watchman Nee e muitos outros. Podemos resumir assim: ela
legou uma doutrina de passividade e de subjetividade, fundamentada sobre
uma tendência panteísta (atitude que tende a divinizar a natureza e seu
conteúdo) e pelagiana (salvação pelas obras). Veremos através de Warfield
que ela seguia uma religião de obras, que não deixava nenhum lugar para
Cristo e sua obra acabada de redenção.
Muitos fatos contribuíram para o entusiasmo em torno dessa católica
mística, verdadeiro anjo de luz, quais sejam: um excesso de racionalismo e
moralismo, uma teologia tornada ciência pura, separada da fé, um
cristianismo firmado em toda a sorte de intermediários incapazes de conduzir
a Deus, em vez de Cristo, um cristianismo fácil, sem espírito de sacrifício e
de renúncia — o que deveria ser a característica do verdadeiro discípulo —,
falta de conhecimento das armadilhas e manifestações diabólicas, uma
comunhão íntima com Deus que se acreditava ter sido reservada somente ao
clero. Perdeu-se a visão de um cristianismo doutrinário e espiritual, para
aderir a uma religião pietista, na qual o espiritual opõe-se à reflexão
doutrinária.
a. John Wesley (1703-1799)
Pai do metodismo, pregador notável, inteiramente consagrado à causa
de Deus, Wesley provocou um extraordinário avivamento religioso na
Inglaterra, sobretudo entre os menos favorecidos. Fez reeditar várias obras de
Madame Guyon, como também de outros místicos, e exigia que seus alunos
os lessem (ler sobre isso o artigo muito instrutivo de Jean Orcibal,
“L’originalité théologique de John Wesley et les spiritualités du continent”
[A originalidade teológica de John Wesley e as espiritualidades do
continente], na Revue historique nº 222, 1959, p. 51-80). Mais tarde ele
distanciou-se dos místicos, mas, nesse meio tempo, suas ideias já tinham sido
difundidas por todos os cantos. Mas, alguma coisa, sem dúvida, nele
permaneceu, em particular a santificação pela fé de Madame Guyon — que
Mahan também nela tinha descoberto —, sem seu processo de esvaziamento
total, nem seu quietismo. Vejamos o que diz Olivier Baudraz em sua obra De
la sanctification selon Watchman Nee [Da santificação segundo Watchman
Nee]:
Wesley claramente separa a justificação e a santificação como
dons da graça oferecidos por Deus e recebidos por dois atos de fé
distintos. Ele se opõe aos reformadores quanto às noções de
pecado e graça e não aceita o simul justus et pecator de Lutero
(ao mesmo tempo justo e pecador). Entendemos isso facilmente
quando conhecemos sua definição de pecado: “O pecado é a
transgressão voluntária de uma lei conhecida. A transgressão
involuntária de uma lei divina ou desconhecida é chamada
pecado de maneira imprópria”. Para Wesley, a partir do momento
em que o cristão experimenta o perfeito amor, ele não peca mais.
Wesley é tricotomista; ele separa radicalmente alma e corpo e
situa o pecado somente no espírito, não no corpo.[26]
b. Thomas Upham (século XVIII), metodista
Thomas Upham escreveu uma obra sobre a vida de Madame Guyon,
revista e interpretada por ele (Life, Religious Opinions and Experience of
Mme de la Motte-Guyon [Vida, opiniões religiosas e experiência de Madame
de la Motte-Guyon], London, 1868). Sobre isso citamos Warfield:
Upham diz que as doutrinas da Madame Guyon são
essencialmente protestantes porque ela faz da fé, em vez das
obras meritórias, o fundamento da vida religiosa, e inclusive
introduz o poder da fé na renovação da natureza interior, além do
que comumente encontramos nos autores protestantes.
Interpretações como essa repousam sobre um mau entendimento
completo. A Madame Guyon não tem nada em comum com o
protestantismo, exceto a interiorização de sua religião e sua
emancipação em relação aos ritos e cerimônias decorrentes disso.
Existe, igualmente, uma certa exaltação de Cristo no centro de
sua vida religiosa, ainda que sua ideia sobre Cristo e o que espera
dele sejam completamente diferentes do protestantismo
reformado. No que concerne à distinção entre o protestantismo e
o catolicismo, ela é inteiramente católica. Sua concepção de fé
não é a mesma dos protestantes. Nada poderia ser mais enganoso
do que sugerir que ela opõe a fé às obras, da mesma maneira que
a concepção protestante. O que ela fazia era opor a fé às obras
externas. Pois ela não ensinou uma religião interior? Mas, no
tocante às obras, em seu sentido amplo, ela ensinava tão
flagrantemente uma religião das obras, como qualquer outro
católico ensinaria, apenas que as obras das quais dependia não
eram exteriores, mas interiores. Ela colocou tudo num nível
subjetivo e via a santidade pessoal como uma condição e não
como a consequência da comunhão com Deus. Escrevendo sobre
o trabalho da Madame Guyon entre as jovens do pensionato de
Saint Cyr, Upham traz algumas explicações que, se fossem
implementadas em nossos cultos, poderiam mostrar de maneira
clara não somente a diferença entre o ensino católico ordinário e
o de Madame Guyon, mas em parte também mostrariam a
distinção entre seu ensino e o protestantismo. “Essas jovens”, diz
ele, “sem dúvida nenhuma foram habituadas, conforme o ensino
católico tradicional, a ver sua aceitação por Deus depender, em
última instância, da realização de um grande número de obras
exteriores, ao invés de depender das disposições interiores — o
que agora Madame Guyon as ensina”. Aqui temos a realidade
exata. A Madame Guyon fazia com que a aceitação do homem
por Deus dependesse das disposições interiores e não das obras
exteriores, e era dessa forma que ela interiorizava a religião.
(Warfield, Works, Vol. 8, Perfectionism Vol. II, p. 376-377)
c. Asa Mahan (século XIX)
Asa Mahan, “durante seus 55 anos de vida, fez profissão de viver pela
fé e pelo poder do Espírito, na santificação total que Deus prometeu a seu
povo” (citado em sua obra Le baptême du Saint-Esprit [O batismo do Espírito
Santo], pelo pastor Ch. Challand). A alta espiritualidade de Mahan, à maneira
de Guyon, o fez esquecer a declaração de 1 João 1.8: “Se dissermos que não
temos cometido pecado, a nós mesmos nos enganamos e a verdade não está
em nós”.
Nessa obra, Mahan fala de Madame Guyon de uma maneira bastante
elogiosa:
Muito tempo antes de seu batismo, Madame Guyon tinha a
convicção profunda de que Deus a havia destinado a uma missão
especial. E foi com jejuns, orações, leituras e meditações
contínuas que procurou descobrir qual seria essa missão, e obter
o poder do alto para realizá-la. Enfim, entendeu essa missão tão
claramente que com toda a força exclamou em alta voz:
“Santificação pela fé!”.
Desde aquele momento não teve mais nenhuma dúvida que havia
sido chamada por Deus para anunciar essa doutrina e demonstrar
sua verdade; essa luz foi acompanhada de um batismo do alto
com tal poder, que não demorou muito para que toda Europa
sentisse a influência exercida pela conduta piedosa, os discursos
e escritos de Madame Guyon. (Edição de l’Étoile du Matin, p.
70-71)
d. Jessie Penn-Lewis (1861-1927)
A senhora Penn-Lewis escreveu um pequeno livro, no qual retomou e
resumiu as ideias de Madame Guyon expostas na obra Les Torrents. Em seu
livreto, Penn-Lewis transpôs e adaptou a linguagem mística católica romana
para o vocabulário evangélico de seu tempo. Suas ideias se apoiaram sobre
numerosos versículos bíblicos. Tratou-se do livro Life Out of Death: a Brief
Summary of Madame Guyon's Spiritual Torrents [A vida que emerge da
morte: um breve resumo das Torrentes espirituais de Madame Guyon].[27]
Penn-Lewis estimava muito essa mística. Sobre ela, disse: “Seu pensamento
profundo a ensinou diagnosticar as ações de Deus no caminhar avançado da
fé. Seu livro As torrentes espirituais descreve o aspecto subjetivo da obra do
Espírito Santo na alma”. (Extraído do prefácio da primeira edição da obra
citada, datando de 1896. A segunda edição, de 1900, foi inteiramente revista.
Foi a partir desta última que tiramos as citações que virão a seguir.)
Esse livro consiste em uma introspecção subjetiva e psicológica
detalhada sobre a vida da alma, a qual foi comparada a uma torrente que
avança, para finalmente se fundir no oceano que é Deus. Essa vida da alma
representa o caminhar da vida cristã e possui quatro etapas ou graus. A
primeira etapa teria início com a conversão, que é carnal. A segunda etapa é
andar na luz. A terceira etapa é aquela em que se aprende a morrer para si
mesmo e a odiar sua própria vida. E a quarta é a união com Cristo, na qual, se
seguirmos as instruções corretamente, experimentaremos a fusão total
descrita pelo panteísmo gnóstico. Cada etapa é constituída por estados
intermediários e sua duração varia de acordo com cada indivíduo.
Vamos considerar a última etapa, a da união com Cristo ou da vida
abundante. Seguem alguns trechos tirados do Life Out of Death:
Abandonando-se a si mesma, a alma torna-se consciente de que
uma nova força passa a possuí-la. A alma é possuída por Deus.
Não é mais ela, mas o próprio Deus que, pelo Espírito Santo,
vive, trabalha e opera. A alma não precisa mais fazer esforços
para viver e agir. Ela está numa tranquilidade perfeita, tem
alegrias abundantes, está em harmonia com a vida divina, não
tem mais vontade própria, porque a vontade da alma e a vontade
de Deus são uma só. Ela retorna à simplicidade. Nesta etapa, ela
não tem visões, revelações, êxtases, porque está acima de tudo
isso, pois vê somente a Deus, o princípio de todas as coisas. Ela é
uma com Cristo, em Deus. Deus não é mais distinto da alma; ela
está em Deus como em sua atmosfera natural; não há mais
consciência de amor, de luz ou de conhecimento. A alma sabe
somente que Deus existe e que só pode viver nele. Nesta etapa, a
verdadeira liberdade é dada, além de uma grande facilidade e um
poder para fazer todas as coisas segundo Deus. A alma começa a
ter grandes poderes sobre os outros. (op. cit., p. 25-27)
“Deus não é mais distinto da alma” — é a fusão panteísta. No
cristianismo nunca há fusão, mas comunhão. “A alma não precisa mais
esforçar-se”, isto pertence ao quietismo, uma noção em conflito direto com o
Novo Testamento: 2 Pedro 1.5; 1 Timóteo 4.7,15,16; 1 Coríntios 9.26,27;
Filipenses 2.12,13; o poder de Deus não substitui os esforços humanos, mas
os promove e os torna eficazes!
Na ioga, encontramos as mesmas técnicas que podem conduzir,
finalmente, à obtenção de grandes poderes. Vejamos o que diz Maurice Ray
sobre isso:
A própria técnica da ioga prevê um tempo de vazio interior, de
passividade que conduz à intuição pura, conforme a linguagem
própria do ocultismo. [...] Em um mundo submisso aos poderes
sobrenaturais inimigos das Escrituras, a intuição pura e submissa
não abre a porta ao Espírito Santo, mas a seu contrário.[28]
Que não imagine (aquele que deseja fazer hatha-ioga) possuir
liberdade para, por si mesmo, impor limites aos efeitos possíveis
das práticas às quais se submeterá [...] Ele não sabe que essas
práticas, que ultrapassam a simples condição humana, conduzem
seus adeptos a provar estados extáticos, paranormais em qualquer
caso, cujo mecanismo, uma vez acionado, escapa de seu controle
[...] Ele saberá, como diz um dos seus Mestres, que “qualquer
pessoa que pratique um pouco seriamente a hatha-ioga se verá
beneficiada por faculdades novas como a telepatia, a
clarividência, a adivinhação, e todos os poderes de um estado
transcendente indispensável às ações ocultas”.[29]
Retomemos a análise da senhora Penn-Lewis:
Nessas almas, os segredos de Deus são revelados não por
palavras, sinais ou luzes, mas por uma ciência interior, a ciência
do conhecimento de Deus. Quando a alma escreve ou fala, ela
fica espantada em perceber que tudo flui como de um centro
divino. No contato com os outros, ela recebe revelações sobre
eles. Ela se surpreende ao descobrir que escreve coisas que não
conhecia antes. Nas outras etapas, a luz precedia a experiência;
aqui, a experiência precede a luz. (op. cit., p. 28-29)
Esta nota é das mais significativas, ou mesmo das mais
reveladoras:
Nesta etapa, é Deus quem toma posse das pessoas, segundo a
capacidade de cada um. A alma está tão livre e expandida que
toda a terra lhe parece como um ponto. Ela se sente livre para
fazer tudo, ou não fazer nada. Ela não se sente mais limitada por
qualquer coisa que seja. A condição para permanecer em Deus é
a sua fidelidade em cooperar com ele. A todo momento deve dar-
se a Deus para ser possuída e controlada por ele. A fidelidade não
consiste em uma inação passiva, mas no fato de nada fazer fora
da vida divina que a anima, aceitando a vontade de Deus em cada
momento, como sendo a evidência da Providência, como a
vontade de Deus para esse momento, sem lamentar o passado ou
antecipar o futuro. Ela deve evitar refletir ou pensar sobre si,
porque isso impedirá seu progresso. Deve evitar o esforço
pessoal e deixar que Deus esteja na origem de todas as suas
ações. A alma deve andar no caminho que Deus preparou para
ela. (op. cit., p. 29)
Keswick diz que as condições definidas por Penn-Lewis para
permanecer em Deus e fazer sua vontade eram as mesmas dos adeptos do
movimento por uma vida espiritual superior. Tratava-se de entregar-se a Deus
a todo instante, a fim de ser possuído e controlado por ele, de não fazer nada
que estivesse fora da vida divina que anima o crente, de evitar a reflexão e o
ato de pensar. Evitar todo esforço pessoal e deixar que Deus fosse a única
origem de todas as nossas ações. Praticamente, é um controle rigoroso, quase
constante de todos os nossos pensamentos, nossas sensações e reações. Ela
descreve, longamente, esse processo em La guerre aux saints. (Watchman
Nee retomou quase todas essas ideias em sua obra O homem espiritual.)
Prosseguimos com a senhora Penn-Lewis:
A alma está perdida em Deus, com Jesus Cristo. Ao redor dela,
tudo é Deus. Ela está agora enraizada e firmada nele, que é a
Rocha imutável. A verdadeira entrega. Como são numerosas as
pessoas que põem limites a Deus e à sua submissão. Isso é
apenas uma aparência de renúncia, não sua realidade. A
verdadeira renúncia não permite nenhuma exceção e não faz
nenhuma reserva. Quantos aceitam submeter-se a Deus,
permanecer em sua mão, deixar que Deus os trate livremente e
como bem quiser, sem oferecer resistência ou preocupar-se com
o que vão dizer sobre isso? O que você teme, ó alma medrosa?
Você tem medo de se perder? Sim, você se perderá se aceitar
abandonar-se em Deus, mas se perderá nele. Oh, nada bendito,
como teu fim é glorioso, que lucro, ó minha alma! Você não
perdeu para sempre todas as coisas? Você as perdeu. Foi elevada
acima de tudo, pela perda de tudo. (op. cit., p. 32-33)
É a experiência panteísta que conduz ao sentimento do nada.
Finalmente, Deus é visto em tudo e em todo o lugar. O Criador é confundido
com sua criação. Nadando em águas assim tão turvas, não surpreende que
Penn-Lewis tenha sido alvo de ataques diabólicos violentos e contínuos, tal
como Watchman Nee. Eles próprios falam disso em suas obras. Como vimos
em La guerre aux saints, Penn-Lewis se afastou de muitas falsas crenças e
atitudes, mas não completamente, porque ao dar abertura à busca do batismo
com o Espírito Santo, que abre a porta para o contato com o mundo
espiritual, ela abriu-se aos poderes malignos, como revela esta procura por
uma união mística panteísta. Na verdade ela não se retratou sobre os erros
contidos em suas obras, contentando-se em acrescentar advertências de toda a
sorte, muito pertinentes, sobre as ciladas de Satanás. No entanto, não
duvidamos, nem por um instante, que a senhora Penn-Lewis, tanto quanto
Watchman Nee, tenham sido cristãos autênticos. Infelizmente sua má
teologia causou muito estrago e seus efeitos são sentidos até nossos dias.
e. Watchman Nee (1903-1972), pastor e mártir chinês, autor de inúmeras obras
No prefácio de sua obra O homem espiritual (veja nota 11), Watchman
Nee diz ter sido inspirado diretamente por Jessie Penn-Lewis, pela Madame
Guyon, por Evan Roberts e por Stockmayer. Foi também fortemente
influenciado pelos escritos de Darby e Scofield, de cujos princípios de
interpretação Nee está muito próximo, tomando de empréstimo a tipologia e
literalismo desses autores.
Para Nee, há duas categorias de crentes: o carnal e o espiritual. Ele
distingue a justificação da santificação, mas separa os dois no tempo: a
santificação acontecendo pela própria presença de Deus e recebida por fé.
Para isso é preciso que a pessoa seja mortificada. Ora, as Escrituras nos
dizem que quem precisa ser mortificado é o velho homem e que é preciso
lutar contra o pecado e não contra a nossa personalidade.
Citaremos de novo Olivier em sua obra De la sanctification selon
Watchman Nee[30] (cf. nota número 11):
Se por um lado a doutrina reformada considera — devido ao dom
gracioso do Espírito Santo — a justificação e a santificação como
uma obra sobrenatural, ela, por outro lado, distingue uma da
outra, considerando a santificação como não instantânea. Esse
dom da graça age primeiramente pela Palavra e em segudo lugar
pelos sacramentos. O que significa dizer que o homem,
compreendendo a vontade de Deus, — “Pois esta é vontade de
Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição”,
etc. (1 Tessalonicenses 4.3) — se esforça... para conformar sua
vida de acordo com a Lei de Deus” (João Calvino: Instituição da
religião cristã, III, iii, 16).
O Espírito Santo não age sem as faculdades do homem, o que
implica, evidentemente, sua vontade e inteligência, e as reforma
em novidade de vida, a fim de que, pela fé, o homem seja
habilitado a entrar nesse combate. Não se trata de um ativismo,
que diz: “Deus fez sua parte, agora cabe a você fazer a sua”, nem
de um quietismo que espera tudo da obra do Espírito Santo,
iludindo-se com uma santidade infundida; porém, trata-se de uma
obra inteira do Espírito, regenerando a imagem de Deus que tinha
sido obscurecida (Calvino) e criando o novo homem segundo
Deus (Efésios 4.24), obra de inteira responsabilidade do homem.
Calvino refere-se a isso como a uma batalha para reformar a
natureza humana, que terminará somente com a morte. Esse
combate não é a luta de uma humanidade autônoma, mas é o
combate da fé. [...] Assim, é todo o eu [...] que, adotando uma
atitude de fé, deve lutar contra o pecado. [...] Nee vê a
santificação como a anulação da pessoa, enquanto que os
reformados a consideram uma graça de Deus e a luta do crente
pela fé. (op. cit., p. 93-95)
O que seria, segundo Nee, a “disciplina do Espírito” e “a morte de si
mesmo”? Vejamos novamente Baudraz:
A “disciplina do Espírito” é tratada muito claramente em A
libertação do Espírito. Nee vê duas fases na obra do Espírito,
sendo uma destrutiva e outra construtiva (op. cit., p. 73). A
“disciplina do Espírito” é a fase destrutiva. Nee a denomina “um
meio de graça”, ao qual nada se compara, “nem a oração, nem as
leituras bíblicas, reuniões, mensagens, meditações ou cantos de
louvor”. (ibid., p. 76)
A imagem preferida de Nee é o vaso de alabastro que, depois de
quebrado, espalha seu maravilhoso perfume de nardo puro.
Enquanto o vaso não for quebrado, o seu cheiro não será sentido.
Assim, o Espírito de Deus tem somente um desejo: quebrar o
nosso homem exterior (isto é, nossa alma), a fim de que nosso
espírito, o nosso bom perfume, possa propagar-se no mundo e
propagar o conhecimento de Deus. Essa quebra é necessária para
que Deus não se limite ao nosso “interior”, mas possa “abençoar
o mundo através daqueles que lhe pertencem”. (ibid., p. 14)
Para fazer a ligação com a soteriologia [a doutrina da salvação], cabe
também especificar que essa ação do Espírito pertence à segunda “etapa” da
salvação, que é a identificação com a morte e ressurreição de Cristo. Vejamos
como o radicalismo de Nee se manifesta nessa área. As expressões utilizadas
são muito duras e violentas. O caráter oriental de sua abnegação tem a
oportunidade de se manifestar nesse contexto.[31] Seguem alguns exemplos:
É um caminho marcado por traços de sangue, de muitos
ferimentos [...] devemos deixar o Senhor fazer completamente
explodir nosso homem exterior. (ibid., p. 14)
O Senhor utiliza dois métodos: um é progressivo e outro brutal;
ele processa uma destruição generalizada. (ibid., p. 15)
Para alguns... a obra permanece inacabada. Nada mais sério! Não
há nada mais grave do que desperdiçar o tempo de Deus. (ibid.,
p. 15 s)
A cruz deve destruir tudo o que pertence ao nosso homem
exterior — opiniões, métodos, conhecimento, autopiedade — e
ao nosso ser inteiro. (ibid., p. 16)
O Senhor nos faz comer pó. (ibid., p. 78)
Para tirar o tutano, é preciso quebrar os ossos. Para separar as
juntas, é preciso cortar na carne. É assim que a espada de dois
gumes consegue trabalhar em nós. (ibid., p. 88)
Deus opera nas circunstâncias de forma a quebrar os traços
principais do nosso caráter. Deus não descansará enquanto esses
traços particulares não forem liquidados em você. (ibid., p. 99)
Eles falham (os cristãos carnais) em tudo o que pretendem
fazer... É assim que o Espírito Santo lhes dá um cheque mate e
alcança seus objetivos. (ibid., p. 108)
Em cada golpe ele procura nos enfraquecer um pouco mais, até
que chegue o dia em que seremos esmagados e nos tornemos
maleáveis em suas mãos. (ibid., p. 109)
Tudo isso é apenas uma pequena amostra do que encontramos em sua
vasta obra.
Essa luta do Espírito Santo contra a natureza do crente resultará,
num momento preciso, numa crise final que podemos chamar de
“sua morte mística” que corresponde à aplicação total da morte
de Cristo. O caráter dessa experiência é assustador. Nee a
descreve, ainda que discretamente, e fala “de águas profundas”,
de “perda da alma” (A vida cristã normal, p. 227 e 231) e que é
preciso “deixar a cruz reduzir ao silêncio esse instinto de
conservação”. (ibid., p. 232)
As consequências são graves. Ocorre uma verdadeira mudança
na pessoa, há uma perda total de confiança em si mesmo (ibid., p.
238, 240; A libertação do Espírito, p. 80), um medo de si mesmo
e um conhecimento do “tormento que teríamos em nosso coração
diante do Senhor, se agíssemos sob o impulso de nossa alma” (A
vida cristã normal, p. 240). É o medo que reina no indivíduo, um
sentimento do inferno e do abandono de Deus até que — o
homem não ousando mais ter medo pelo que é — Deus venha
tirá-lo dessa experiência. Se Deus não viesse em seu socorro, ele
poderia morrer em consequência, tão profundos são os tormentos
(conforme o testemunho de um discípulo de Nee). Esse abandono
pode durar várias semanas ou meses. No que diz respeito à sua
própria experiência, Nee nos fala de vários meses. (ibid., p. 241)
Para conduzir os cristãos nisso, ele não economiza argumentos,
tais como: para que tentar escapar desse tipo de disciplina de
Deus, uma vez que “aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-
á”, ou ainda, “Deus esperará o tempo necessário, mas completará
a sua obra”? O efeito é de colocar-nos diante de uma “saída”
mórbida que nos atrai irresistivelmente, mesmo que tenhamos
algumas imaginações quanto à morte. Em resumo, nada pode
afastar esse cálice, nem a oração, nem súplicas, porque essa é a
vontade de Deus, o caminho para seguir Jesus Cristo.
Essa experiência busca uma ruptura total com o mundo. Ela
verdadeiramente coloca o crente no Reino de Deus. Se o crente
esperava tornar-se um ser ressuscitado, mas ainda não vivia como
tal, através desta passagem ele é verdadeiramente ressuscitado. A
carne, agora, é algo distante, tão distante quanto era,
anteriormente, a ressurreição. Assim, o homem torna-se um
crente espiritual e o Espírito Santo poderá usá-lo na obra de
Deus. Essa experiência tem, então, um caráter redentivo e
antecipa a ressurreição. A libertação do pecado consiste nisso.
Essa concepção de morte mística é diferente daquela que
encontramos nas histórias dos espirituais. É uma nova síntese,
constituída de elementos comuns a diversos místicos, aos quais
Nee acrescentou certo número de variações, tomadas de
diferentes movimentos perfeccionistas. [...] É preciso constatar
que esses místicos eram, em sua maioria, monges que,
voluntariamente, tinham escolhido sacrificar-se através de
restrições, jejuns e orações. O “privilégio” de seus ensinos, nada
inconsequentes, era aceito por aqueles que queriam trilhar “a via
real”, mas em nenhum caso tinha como alvo o povo cristão. Nee,
nos parece, tem uma grande responsabilidade por ter trazido
essas noções e tê-las apresentado como obrigatórias a todos os
crentes que queriam ser “normais” (refiro-me à vida cristã
subnormal e normal ensinada por ele). Porque é preciso dizer: se
houve mortos, neuróticos e loucos em razão da “overdose” de
práticas espirituais nos conventos, hoje é com a pele de jovens
cristãos que brincamos por meio de tais ensinos.
A particularidade dessa abordagem é certamente crer que, por
uma experiência psicológica ou espiritual, toda a realidade seja
modificada até suas raízes, que o pecador esteja morto, a natureza
anulada e o contato com Deus restabelecido plenamente. Isso
corresponde mais a uma vida angelical do que terrestre.
Podemos, então, falar de uma entrada ilusória no Reino de Deus,
uma vez que na realidade nada mudou; se tudo permanece o
mesmo, há somente uma “realização subjetiva”. (De la
sanctification selon Watchman Nee, p. 61-66)
Voltemos, agora, para o papel da intuição em Nee. Para ele, diz
Baudraz:
O espírito é o hálito de vida que Deus soprou. Ele tem três
funções a realizar: a consciência, a intuição e a comunhão. A
consciência permite o discernimento do bem e do mal, por um
“julgamento espontâneo e direto”. A intuição possui uma
“percepção direta”, um “verdadeiro conhecimento” que não
procede da inteligência, nem do sentimento ou da vontade. É por
essa via que “as revelações de Deus se fazem conhecer ao crente,
como também todos os movimentos do Espírito Santo”. A
comunhão é a adoração a Deus, “porque as faculdades da alma
não são competentes para adorá-lo”. Para Nee, nosso espírito é
praticamente da mesma substância do Espírito de Deus; “assim,
Deus não faz distinção entre o seu Espírito e o nosso”. (op. cit., p.
45-46)
Vejamos o próprio Nee explicar, em O homem espiritual, que a
vontade de Deus é conhecida dando ouvidos à intuição:
Para realizar a vontade Deus, basta simplesmente que o crente
esteja atento à intuição que recebe. Ele não tem nenhuma
necessidade de perguntar aos outros, nem mesmo de perguntar a
si mesmo. A Unção lhe dá o ensino que precisa sobre todos os
assuntos. De maneira nenhuma a Unção o abandonará ou não lhe
dará a liberdade de escolha. Todo aquele que deseje andar
segundo o Espírito tem de admitir este princípio. Não temos
outra responsabilidade além de aceitar a instrução dada pela
Unção. Não temos nenhuma necessidade de decidir que caminho
tomar; na verdade, ela não nos dará essa liberdade. Tudo o que
não vem da direção dada pela Unção, só pode vir do nosso
próprio entendimento. A Unção funciona independentemente. Ela
não precisa de nossa ajuda. Ela exprime, em total independência,
o pensamento do Espírito, sem que nosso entendimento o busque,
ou que nossos sentimentos fiquem inquietos por causa disso. A
Unção opera no espírito do homem, para torná-lo capaz de
conhecer o seu pensamento. (op. cit., p. 191)
Os cristãos não têm nenhuma necessidade de que outros os
instruam, porque a Unção os instrui em seu interior sobre todas
as coisas. O Espírito Santo que está neles se encarregará de
ensiná-los a distinguir o que é de Deus do que não é. [...] Todo o
mundo sabe que as falsas doutrinas são abundantes. Somente
aqueles que se apegam intuitivamente ao ensino da Unção são
preservados da sedução neste tempo de confusão teológica e de
manifestações sobrenaturais. (op. cit., p. 192)
Conhecer as coisas pela nossa intuição é o que a Bíblia chama de
revelações. O Espírito Santo torna o crente capaz de extrair algo
particular, fazendo-o perceber sua realidade por seu espírito. A
revelação não tem outro sentido. No que diz respeito à Bíblia ou
à pessoa de Deus, só há uma espécie de conhecimento que tem
preço: a verdade revelada ao nosso espírito pelo Espírito de
Deus. Deus não utiliza a razão para fazer revelações a respeito de
si mesmo. (op. cit., p. 194)
Quando cremos nele [...] Cristo nos comunica sua própria vida
(transferência de substância) [sic]. (op. cit., p. 370)
Para Nee, no estado de santidade, nós possuímos a própria vida de
Deus, isto é, há uma transferência de substância. A obediência à Lei não é
mais necessária. Baudraz nos diz isto:
Para Nee, o estado de santidade é alcançado por uma adesão total
à vontade de Deus, o que implica dois aspectos distintos: a
conformidade com o propósito eterno de Deus e a obediência à
revelação do Espírito Santo. A obediência à Lei não é mais
necessária porque, por nossa morte sobre a cruz, nossa vida foi
suprimida. A obediência à revelação do Espírito a substitui.
Vamos, então, tentar explicar o que Nee chama de propósito
eterno de Deus, que tem uma importância primordial em sua
doutrina da santificação.
O propósito de Deus é ter filhos que sejam a plena expressão de
seu próprio Filho. Para fazer isso, Deus derramou seu Espírito
sobre o homem ao regenerá-lo, o qual passou a fazer parte da
família de Deus. Ora, se o homem é dessa família, significa
também que sua vida não pode ser inferior à de Deus. Nee fica
maravilhado com esta condição a ponto de dizer: “Já percebemos
que hoje temos a mesma vida que Deus possui?” (A vida cristã
normal, p. 109). Depois ele diz: “Cristo nos comunica sua
própria Vida (transferência de substância)” (O homem espiritual,
p 370). Não há dúvida que Nee crê na mesma divinização que
cria São João da Cruz, quando professou: “Deus comunica tão
bem à alma seu ser sobrenatural, que ela parece ser o próprio
Deus [...] a alma é transformada, ela participa do que Deus é, ela
parece ser mais Deus do que alma; ela é Deus, por participação”.
(São João da Cruz, A subida ao Carmelo, livro II, cap. IV, na op.
cit. p. 67-68)
Baudraz continua:
É essa presença da divindade que pode, então, realizar a
santidade no homem; nossa santidade será então soletrada com
“S” maiúsculo, dirá Nee. Ora, para soletrar santidade com “S”
maiúsculo, Nee age de uma maneira especial, similar à Madame
Guyon e Molinos. Ele chama isso de um ato de fé sobre a
realidade de sua morte. Diante da tentação e da raiz do pecado
que lhe faz cócegas, ele separa radicalmente o mundo real do
espiritual: “Temos de crer nos fatos tangíveis do mundo natural
que estão claramente diante dos nossos olhos, ou nas realidades
invisíveis do mundo espiritual, que não podemos tocar nem
provar pela ciência?” (W. Nee: A vida cristã normal, p. 64). Em
outro lugar diz que é necessário que o espírito “não se deixe
afetar por uma desobediência às leis divinas...” (O homem
espiritual, p. 39), se quiser permanecer em união com Deus. A
separação da alma e do espírito permite viver sobre dois planos
ao mesmo tempo, isto é, no Reino de Deus e no mundo, se a
pessoa for desdobrada (a expressão está em A libertação do
espírito, p. 35).
Entretanto, o problema é o seguinte: o que é do mundo está
destinado a desaparecer, mas corpo e alma estão nisso,
precisamente. Nee, diz ainda, que o eu é suprimido e que tudo o
que “pertence ao ser criado é abandonado” (O homem espiritual,
p. 379). A solução proposta para manter a integralidade do ser
será a “segunda substituição”, que é Cristo vivendo em nós para
reformar a pessoa e para lutar contra o pecado (A vida cristã
normal, p. 7, 154-158). Trata-se de uma verdadeira substituição,
porque a vontade, que para Nee representa o eu, é suprimida em
favor da vontade de Deus. Nee diz claramente: o verdadeiro
cristianismo é uma vida de troca e não de mudança (A vida cristã
normal, p. 164). É nesse sentido que ele interpreta Gálatas 2.20
— “Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim...”.
Este passo, na vida espiritual, ocorre após a regeneração e ele o
chama de a “reprodução”, porque diz, “é a vida do próprio Cristo
que se reproduz em nós”, isto é, ela se desenvolve e cresce em
nós.
Como entre muitos místicos, podemos perguntar que diferença
subsiste ainda entre Criador e criatura e como o homem conserva
uma personalidade distinta; porque Nee fala de “perder-se em
Deus e de fusão com o Espírito” (O homem espiritual, p. 107,
137, 259, 380).
W. Nee crê, igualmente, na experiência com o batismo do Espírito
Santo, à maneira da senhora Penn-Lewis:
Em geral, para o cristão que ainda não experimentou o batismo
com o Espírito Santo, a realidade do mundo espiritual é um
pouco vaga. [...] Ele pode receber instruções da Bíblia, mas a
compreensão dela é limitada por sua mente, porque lhe falta
ainda a revelação em seu espírito. Mas uma vez que experimenta
o batismo, torna-se extremamente sensível à sua intuição, e vê
abrir-se diante dele, em seu espírito, todo um mundo espiritual.
Pela experiência do batismo com o Espírito Santo, não somente
passa a tocar o poder sobrenatural de Deus, mas vê estabelecer-se
um contato com sua própria Pessoa. Ora, é justamente aí que
começa a luta espiritual. É o período em que o poder das trevas
se disfarça em anjo de luz, e tenta até falsificar o poder e a obra
do Espírito Santo. É também o momento em que a intuição toma
consciência da existência de um mundo espiritual, da realidade
de Satanás e dos maus espíritos. (O homem espiritual, p. 175)
Muitos livros de Nee são hoje editados com sucesso garantido. Isso
ajuda-nos a compreender melhor como (ainda que não seja a única causa!) o
atual movimento evangélico chegou onde está. Tal procura pelo batismo com
o Espírito Santo, o esvaziamento do eu e o estímulo a uma “marcha do
Espírito somente pela intuição”, tem fortemente preparado o caminho para a
atração desenfreada, que hoje conhecemos, por revelações, profecias, visões e
tudo o que aí quisermos acrescentar. Vamos, agora, à tricotomia de
Watchman Nee.
Para compreender a tricotomia de W. Nee (o ser humano seria formado
por corpo, alma e espírito), leiamos as palavras de Henri Blocher em seu
excelente estudo, Da alma e do espírito.[32] Lembremos que no pensamento
clássico e bíblico, a estrutura do ser individual é composta por duas partes, o
corpo e a alma (ou espírito), organicamente unidos, mas distintos, e que
somente uma catástrofe, como a morte, pode separá-los.[33] Segue um trecho
desse estudo:
Os que defendem uma constituição tripla, ou uma tricotomia,
argumentam que simplificamos abusivamente as coisas por
confundirmos alma com espírito. Porque são duas partes além do
corpo!
Na verdade, a tricotomia se apresenta em duas versões totalmente
opostas: uma, de tendência racionalista, e outra, irracionalista. A
primeira é antiga e, apesar de minoritária, ressurge de tempo em
tempo, desde Orígenes até Ruben Saillens! Ela faz da alma a sede
da sensibilidade, dos desejos vitais, das emoções, bem abaixo da
razão mental. Esta concepção surge na era platônica, sobretudo
no neoplatonismo. Quando o dualismo se acentua e são
introduzidos intermediários, a extremidade racional da alma,
segundo Platão, torna-se uma parte separada, e a zona inferior,
uma parte mediana; foi sob a influência do estoicismo que a
palavra espírito (pneuma) se juntou à palavra razão (noûs).
A outra versão, ao contrário, é uma criação recente; não há
conhecimento dela antes da era contemporânea. Ela tem muita
importância para um grupo de pensadores espiritualistas ou
neomísticos […] — entre os quais o inglês T. Austin-Sparks e o
chinês Watchman Nee. Por uma curiosidade histórica, esta
segunda e tão rara tricotomia penetrou largamente nos grupos
evangélicos de língua francesa, a ponto de alguns crentes
ignorarem que existem outras teses! Ela rebaixa a razão e a
vontade, colocando a alma na parte intermediária e o espírito na
superior, uma percepção do divino além de todo raciocínio e de
toda deliberação, porém não é uma intuição intelectual, como na
noésis platônica, que coroa a razão, mas uma intuição espiritual
frequentemente contrastada com a razão. As consequências
teóricas e práticas são maiores do que aquelas da velha
tricotomia.
Distanciando-se da Escritura, rapidamente nos tornamos presa de
incoerências ou heresias na construção doutrinária. Dividir alma
e espírito é fabricar um problema insolúvel: em última análise,
onde está o verdadeiro eu? Quem é responsável? Enganados por
seu esquema, os autores irracionalistas, a que nos referimos,
chegaram a dizer que somente a alma pecava, e o espírito não
tinha participação nisso (apesar do que está em 2 Coríntios 7.2).
Pior ainda: houve quem tivesse afirmado que o espírito (do
homem) foi emanado, e não criado. Se fosse levada a sério, essa
proposição conduziria direto ao panteísmo. Aliás, a tentação
panteísta está presente nas duas versões da tricotomia. Quando a
teologia platonizada eleva o espírito acima da alma, o faz porque
tende a vê-lo como uma fagulha da razão divina. Quando a
doutrina neomística eleva o espírito acima da inteligência e do
querer, o faz em razão da atração por uma união fusional com o
divino. Mesmo quando a moderação protege das piores
consequências, como no caso de Watchman Nee, homem de
Deus admirável em muitos aspectos, as Escrituras não podem
exercer seu papel de regra objetiva (que se aplica por intermédio
da razão), e a porta se abre a todo tipo de desordem e a
ditadurazinhas iluministas: o Little Flock [O pequeno rebanho] de
Watchman Nee foi dilacerado pelo cisma de um discípulo
tricotomista extremo, Witness Lee, que se separou com seu Local
Church Movement. A sedução espiritualista tem feito, na história,
uma multidão de vítimas! (Henri Blocher, op. cit.)
O entusiasmo pelas obras de Watchman Nee, Witness Lee, e por esse
tipo de misticismo, está em forte expansão. Uma seita poderia ser constituída,
fundada sobre sua doutrina. Lemos no prefácio de sua publicação Le Courant
[A corrente] (nº 3, 1997):[34]
Temos nos esforçado por apresentar a essência da revelação
divina. Diversos mestres cristãos apresentaram as verdades
bíblicas de forma adequada, mas muito poucos têm ajudado os
crentes a tomar consciência de sua união orgânica com o Deus
trinitário. Graças a essa união orgânica possuímos a vida e a
natureza divinas, que nos torna capazes de viver uma vida
humana e divina, para exprimir Deus em sua glória.
A regeneração não faz com que possuamos a vida ou a natureza divina,
pois nossa natureza permanece sempre humana. Mas pela comunhão do
Espírito Santo que em nós habita, somos participantes da natureza divina. A
vida que levamos permanecerá sempre humana, ainda que Cristo nos
transforme cada vez mais em sua imagem. Não somos deuses e não seremos
jamais. Não misturamos as coisas. A tentação de Lúcifer, quando ainda
estava ao lado de Deus, foi desejar ser como ele.
3. ALGUNS MOVIMENTOS PERFECCIONISTAS DO SÉCULO XIX
a. O Higher Life Movement (R. P. Smith, W. E. Boardman)

Citamos, ainda, Olivier Baudraz, em sua obra De la sanctification


selon Watchman Nee:
Boardman, pastor americano, em 1842 fez uma experiência
religiosa que chamou de A bênção. Essa experiência foi
determinante para o seu ministério a partir de então. Em 1859
publicou o livro The Higher Christian Life [A vida cristã
superior], que exerceu grande influência sobre os cristãos
evangélicos e tornou-se um verdadeiro livro de cabeceira para os
fundadores da Convenção de Keswick. Nesse livro, Boardman
examina as diversas teorias perfeccionistas: morávias,
oberlinianas (Mahan e Finney) e wesleyanas, e conclui que o que
as separa é apenas uma questão de vocabulário. Todas procuram
a santidade numa experiência posterior à conversão. Para atingir
o nível superior, ele propõe ao cristão confiar num Cristo
plenamente suficiente, numa atitude de fé que entrega tudo. Ele
conheceu Robert Pearsall Smith em 1872 e desde então trabalhou
estreitamente com ele.
Smith, um industrial americano, converteu-se em 1858 com sua
mulher Hannah P. Smith, de origem Quaker. Foi ela a primeira a
fazer a experiência da segunda bênção, depois da leitura de
Progressos espirituais, de Madame Guyon [encontramo-la em
todo lugar!] e por influências metodistas. Pouco tempo depois,
seu marido fez a experiência e publicou, em 1870, uma obra que
teve quatorze edições: Holiness through Faith [Santidade pela
fé]. Esse livro apresentou a libertação do pecado através da morte
ao pecado: crucificada sobre o Calvário, a carne, então, tem que
ser crucificada na prática. A partir daí começa a vida de
santificação que permite viver a perfeição cristã. Hannah Smith
publicou um livro em 1873, que teve grande repercussão,
chamado The Record of a Happy Life [Registro de uma vida
feliz]. Essa obra foi reeditada pela última vez sob o título The
Christian Secret of a Happy Life [O segredo cristão para uma
vida feliz].
Em 1872, Smith e Boardman fizeram algumas conferências em
Londres, diante de grandes auditórios (2400 pastores e leigos), e
em muitos outros lugares da Grã-Bretanha. É preciso destacar
três datas desse período, que marcaram a difusão de sua teoria
perfeccionista:
— em 1874, uma reunião com uma centena de personalidades do
mundo protestante e anglicano, convidadas pessoalmente, numa
propriedade de Broadlands, próxima a Southampton, a fim de
“receber a vida do alto em tão grande medida, tanto quanto
somos capazes de possuir”;
— em 1875, na cidade de Oxford, uma convenção com 1500
participantes (dos quais 150 eram pastores ingleses e do
Continente) que teve como pregadores Smith, Th. Monod, Otto
Stockmayer, Asa Mahan e Boardman;
— em 1875, em junho desse ano, A convenção de Brighton, na
qual 23 países estavam representados, com 8000 participantes.
A partir daí o movimento crescerá consideravelmente. Enquanto
isso, nos Estados Unidos, a Association for Holding Union
Holiness Conventions [Associação para promoção de convenções
unidas de santidade], criada por Boardman, organizava
convenções do mesmo tipo, em vários lugares do leste e do oeste.
O ponto central desse movimento é a separação entre justificação
e santificação, que são realizações distintas em Cristo. A
santificação não é um processo dependente da justificação; ao
contrário, é “algo que se adquire de maneira totalmente nova,
buscada e alcançada por um ato de fé inteiramente novo”. Seu
evangelho consiste na proclamação de uma santificação imediata,
por uma adição de fé. Tudo acontece em duas etapas, em vez de
um processo: libertação da culpa, seguida da libertação do poder
do pecado. Dessa maneira, seus slogans eram: “Jesus me salva
agora, a santificação pela fé somente e não por obras ou esforços,
mas pela fé”. Todo esse pensamento foi difundido por Smith
também na Alemanha e fez nascer o Gemeinschaftsbewegung,
dirigido pelo teólogo Th. Jellinghaus.
b. A Convenção de Keswick
Foi o pastor Harford-Battersby que decidiu convocar uma convenção
em Keswick, para beneficiar seus paroquianos com o ensino que havia
recebido em Oxford e Brighton. A convenção era interdenominacional e
contava com oradores anglicanos, batistas, presbiterianos e Irmãos Largos
[pentecostais]. Entre eles estavam F. B. Meyer e Andrew Murray. As ideias
de Smith e Boardman foram dominantes no começo da convenção, mas não
foram as únicas professadas, em razão do caráter aberto e ecumênico que lhe
foi impresso.
c. O Victorious Life Movement
Citamos, ainda, a obra Memória, de Olivier Baudraz:
Charles Gallaudet Trumbell é o principal líder desse movimento.
Suas ideias foram transmitidas através de seu livro: Victory in
Christ: a report of Princeton Conference 1916 [Vitória em
Cristo: um relato da Conferência Princenton de 1916]. Referindo-
se a Wesley, ele vai ainda mais longe, ao separar radicalmente
“os dois dons da graça” que Cristo quer nos dar. Ele vê duas
classes de cristãos: “os que são simplesmente salvos e os
verdadeiros discípulos de Cristo”. Os primeiros são salvos “como
que através do fogo”, enquanto que os outros vivem a “plena
herança de Cristo”; estes são os vencedores e a eles pertence a
vitória. Trumbell faz ainda uma distinção entre os crentes
superiores. Para atingir a vitória, ele vê duas condições: o
abandono e a fé, cristalizada em seu let go and let God
(abandone-se e deixe Deus agir). Uns podem ter abandonado
tudo por Deus e, no entanto, não serem vitoriosos, porque não
põem em prática o let God. Não é porque demos tudo a Cristo,
que ele vai nos dar tudo o que lhe pertence. O abandono é nossa
parte na vitória; ele é a condição sine qua non para que ela
ocorra.
Para Trumbell, essa vitória não significa uma mudança na
natureza do homem; o coração permanece corrompido, mas a
purificação é realizada por causa da obra divina de libertação a
cada momento. A ação de Cristo depende do nosso querer. É
assim que ele concebe uma cooperação completa, sem esforço de
nossa parte. As influências do quietismo e do pelagianismo são
evidentes em seu sistema, mas no lugar das obras de Pelágio,
Trumbell colocou a fé. (Olivier Baudraz, op. cit., p. 7-11)
4. AVALIAÇÃO DOS MOVIMENTOS PERFECCIONISTAS
Na introdução de uma reedição (1996) da obra The “Higher Life”
Doctrine of Sanctification Tried by the Word of God [A doutrina da vida
Superior da santificação Provada pela Palavra de Deus], escrita por Henry A.
Boardman em 1877 (não é o mesmo W. E. Boardman, autor do livro Higher
Life Movement),[35] P. L. Smuland descreveu muito bem a doutrina da
santificação pregada por esse movimento, a qual foi retomada pelos
participantes da Convenção de Keswick e do Victorious Life Movement, J.
Penn-Lewis, T. Austin-Sparks e Watchman Nee, entre outros.
Leiamos P. L. Smuland:
Os promotores dessa Vida superior (Higher Life) tinham grandes
pretensões quanto aos benefícios que gozariam aqueles que
abraçassem seus ensinos: o cristão seria libertado de todo pecado
que tivesse consciência. Para o cristão, ainda que os impulsos
pecaminosos interiores persistissem, seriam no entanto tão
perfeitamente restringidos por Cristo, que o crente cessaria com
toda transgressão voluntária da Lei de Deus. Sua vida tornar-se-
ia, potencialmente, uma vitória sem fim sobre todas as formas de
tentação e fraquezas morais. Os advogados da Vida superior
utilizavam Romanos 6.1-14, para afirmar que uma pessoa poderia
ser cristã, mesmo não tendo uma vida submissa a Deus. Porém,
se ela passasse por uma crise especial, na qual se abandonasse
em Deus, poderia conhecer uma vida vitoriosa. Foi assim que
inventaram uma receita pela qual se podia alcançar o mais alto
nível espiritual.
a. Três pontos essenciais em sua teoria da santificação
1. O cristão pode ser justificado pela obra expiatória de Cristo e,
no entanto, ser dominado pelo pecado. Por essa razão, ele precisa
de uma segunda bênção, ou de uma segunda obra da graça em
sua vida. Esta teoria tem por base uma doutrina da regeneração
profundamente deficiente. Ela separa a santificação da
justificação, e ao fazer isso, separa também a função real de
Cristo da sua função sacerdotal.
Isto é, separa o Cristo Salvador do Cristo Senhor, o que deu origem à
doutrina das duas naturezas: o cristão carnal e o cristão espiritual. Assim,
Cristo pode perdoar sem mudar e sem reinar no coração do crente
progressivamente. Ora, 1 João 5.3,4 nos diz: “Porque este é o amor de Deus:
que guardemos os seus mandamentos; ora, os seus mandamentos não são
penosos, porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a
vitória que vence o mundo: a nossa fé”.
Continuamos com a análise de P. L. Smuland:
2. Um cristão não santificado pode alcançar as bênçãos de
Romanos 6.1-14, por um ou dois atos de consagração. Assim, os
partidários da Vida superior introduzem uma técnica de sua
invenção, no lugar dos verdadeiros meios de graça.
Esses meios de graça são: dar atenção e procurar obedecer a Palavra de
Deus pregada, perseverar no estudo da Bíblia, na oração, nos sacramentos, na
comunhão fraternal, etc.
J. I. Packer resume com exatidão essa técnica de consagração,
por eles empregada, em sua obra Keep in Step With the Spirit
[Andar no mesmo passo com o Espírito]:[36]
“Primeiramente, o crente deve, de maneira consciente e
perseverante, crer que está morto para o pecado e vivo para Deus.
A experiência de sua libertação do pecado virá somente por um
ato de fé nessa libertação. Segundo essa teoria, as bênçãos
distintas da justificação e da santificação são recebidas da mesma
maneira: pelo exercício da fé em Cristo. Em segundo lugar, o
crente deve depender de Cristo de uma maneira consciente e
constante para vencer o pecado e suscitar a justiça em seu
coração, momento a momento. Em terceiro lugar, o crente deve
recorrer de maneira específica ao poder de Cristo, que pode
colocá-lo acima da tentação”.
Segue o terceiro ponto desenvolvido por Smuland:
3. O cristão deve exercer sua fé de maneira que consiga obedecer
aos mandamentos de Deus sem o menor esforço, evitando, dessa
maneira, contar com suas próprias forças e com a energia da
carne. Se um cristão resiste de maneira direta às tentações do
pecado, elas o vencerão, mas se permite abandonar-se em Cristo,
ele o ajudará, de maneira que não será tocado pelo pecado. Dessa
forma, os advogados da Vida superior caem numa perspectiva
quietista da vida cristã. Eles não compreenderam a obra da graça
de Deus na vida do crente, ou seja, que ele trabalha nos corações
e nos leva à ação. Nosso eu consciente e racional, ao invés de ser
anulado, é fortalecido no sentido de trabalhar para parecer mais
com Cristo.
Além disso, B. B. Warfield ilustra plenamente este ensino quando cita
Asa Mahan, defensor dessa doutrina, em sua obra Perfectionism
[Perfeccionismo]:
Gostaria que o leitor prestasse atenção especial sobre uma
circunstância ocorrida numa experiência recente. Queria dizer
que jamais bani totalmente a ideia de resistir à tentação, de
reprimir toda cobiça, apetite ou tendência, ou de fazer qualquer
serviço para Cristo utilizando, simplesmente, a força de minha
própria decisão. Se as tendências que me levam ao pecado forem
crucificadas, sei que isso terá sido feito por Cristo que habita em
mim. Se eu triunfar sobre o mundo, isso será a vitória da nossa
própria fé. Se o grande inimigo tiver de ser vencido, será em
razão do sangue do cordeiro. Nós mesmos nos santificamos, mas
fazemos isso unicamente pela fé. Fora da fé não há nada que
possamos fazer. Cristo, livre em nós para o trabalho de
santificação pela fé, faz o resto. Temos de deixá-lo fazer
inteiramente. (p. 516)
Isso não é totalmente falso, mas vemos que ele vai muito além quando
diz que nos santificamos unicamente pela fé. Outras ações que decorrem da
fé também são da nossa responsabilidade! (“Na luta contra o pecado, vós
ainda não resististes até o sangue”, Hebreus 12.4). Dessa maneira vamos
caindo pouco a pouco para a hiperespiritualidade, para o culto dos anjos e
para o antinomismo,[37] e muitos passam a crer que não precisam mais
meditar na Palavra de Deus. Como Deus inscreveu sua lei em seus corações,
ele então pode falar-lhes diretamente. Suas consciências tornam-se, dessa
maneira, infalíveis, porque são agora instrumentos diretos do Espírito Santo.
Retomemos a análise de P. L. Smuland:
[...] Infelizmente, os erros difundidos por esse movimento
persistem, e hoje ainda são propagados graças à influência de
alguns seminários evangélicos, de algumas Bíblias de estudo, de
grande variedade de livros sobre esse assunto, etc. Em
consequência, os cristãos são bombardeados por slogans como
abandonar-se totalmente, A vida de entrega, A respiração
espiritual, O crente cheio do Espírito, Entregue a Deus e
vitorioso, Dez passos em direção à maturidade espiritual (mais
ou menos) e O homem espiritual em oposição ao homem
carnal.
Os crentes comuns de hoje não se dão conta, em sua ingenuidade, de
que estão lidando aqui com um perfeccionismo camuflado. Os resultados têm
sido catastróficos.
b. Influências negativas desse ensino sobre a teologia contemporânea
1. Uma fraca visão da santidade de Deus e das exigências de sua Lei
(antinomismo): a Lei de Deus reflete o seu caráter santo. Em razão disso ela
exige de nós uma perfeição absoluta. Deus exige uma santidade perfeita em
cada um dos nossos pensamentos, palavras, motivações e atos. O ponto de
vista desenvolvido por esse movimento rebaixa essas exigências quando
afirma que o cristão é vitorioso ou espiritual, simplesmente porque não
comete pecado conhecido. Os fariseus também caíram nessa armadilha
quando focaram algumas exigências exteriores e passaram ao largo da
extensão (1 João 1.8-10; Gálatas 5.17; Romanos 7.14-25) e profundidade
(Mateus 6.1-6,16-18; 23.25-28) da Lei de Deus. Um cristão que pensa ter
atingido a maturidade espiritual somente pelo fato de não ter consciência de
pecados em sua vida perdeu todo contato com a verdadeira natureza da
santidade segundo a Bíblia. Além disso, sua visão empobrecida da justiça
provocou um curto-circuito em sua convicção de pecado.
2. Uma noção da santificação por suas próprias forças (arminianismo):
os ensinos da Vida superior levam o crente a apoderar-se do Espírito Santo,
de maneira que é ele quem permite ao Espírito trabalhar em sua vida.
Expressões como estar cheio do Espírito (uma interpretação inadequada de
Efésios 5.18) e utilizar o Espírito (como se tratasse de um carro ou um
computador) são comuns. Francamente, a visão de santificação desenvolvida
por esse movimento desconhece a natureza da graça de Deus e coloca o
esforço do homem acima da soberania de Deus. Na verdade, é preciso fazer
todos os esforços, para não fazer esforço algum; e por um ato de vontade,
abandonar-se em Deus.
3. Uma concepção mística das Escrituras (a gnose): ainda que a noção
de santificação proposta por esse movimento seja popular, ela não resulta de
um estudo exegético cuidadoso das Escrituras. Seus advogados aproveitam-
se da doutrina da santificação e a transformam de maneira simplista e
enganosa. Sua teoria pode ser resumida nesta frase: abandone-se e deixe que
Deus faça (let go and let God). Dizem que, se queremos crescer
espiritualmente, precisamos seguir o ensino secreto que eles descobriram na
Palavra de Deus. Tal atitude é decorrente de uma abordagem de estudo da
Bíblia bastante anti-intelectual. Em sua maior parte, trata-se de uma
interpretação intuitiva de alguns versículos. Reduzem a importância de um
estudo sério da Bíblia, porque isso deixou de ser necessário, uma vez que
podemos ser transformados em um instante. Mas Deus nos chama a um
estudo sério de sua Palavra. Devemos fazer o trabalho do teólogo. Um
entendimento sem ajuda exterior não pode discernir o sentido das Escrituras;
da mesma maneira que, sem o raciocínio, as Escrituras não podem ser
compreendidas.
4. A porta de entrada para outros erros doutrinários: os defensores da
Vida superior abriram a porta para entrada de outros erros, quando separaram
o Cristo Salvador do Cristo que santifica. Essencialmente, sua teoria de uma
segunda obra da graça não passa de uma santificação carnal da vida, porque
declaram que o que era impuro agora é santo. Mais tarde, os movimentos
pentecostais e neopentecostais promoveram uma bênção que santificava sua
linguagem (as línguas). Enfatizando a saúde física, a riqueza e a
prosperidade, esses movimentos procuram obter as bênçãos divinas sobre o
corpo e seus bens materiais, declarando tais coisas como santas.
Atualmente, com a nova bênção de Toronto, alguns têm até santificado
seu modo de rir. Os cristãos continuam buscando uma segunda, terceira,
quarta bênção, sem realmente compreender e verdadeiramente considerar a
única bênção de Cristo, em quem temos todas as coisas. Aonde tudo isso
chegará?
c. Consequências dessas ideias falsas
Smuland novamente diz:
Os problemas não se limitam somente à área teológica. As ideias
falsas sempre têm, na prática, consequências desastrosas:
1. O orgulho: certo elitismo e um espírito de superioridade é
inevitável quando um cristão pensa conhecer os segredos
espirituais escondidos que lhe foram revelados. A ideia de que
“sou santo porque conheço algo secreto” ou que “fiz a
experiência que faltava fazer” (e, é claro, que outros não a
fizeram) pode conduzir a um estado de autossatisfação trágico,
ou pior, a um orgulho em nosso relacionamento íntimo com
Deus. Um cristão, atualmente muito conhecido, disse
recentemente: “Desde que aprendi a respirar espiritualmente há
alguns anos, francamente não tenho maior coisa a confessar.”
Anselmo teria protestado: “É porque você ainda não se deu conta
do peso dos seus pecados”.
2. A confusão: uma consequência dramática da Vida superior que
é o terrível dilema em muitos de seus adeptos. As receitas não
funcionaram e o aprendiz se pergunta: a fórmula era falsa? Segui
corretamente todo o processo? Faltou-me fé? Devo participar da
próxima conferência para conhecer mais sobre isso? Ninguém
descreveu melhor esse impasse do que J. I. Packer, que a
experimentou quando era um jovem cristão. Em seu prefácio na
obra Holiness [Santidade] de J. C. Ryle, Packer (escrevendo na
terceira pessoa), declara:
“Ele tinha lido e ouvido seus mestres descreverem um estado de
vitória constante sobre o pecado. Tinham apresentado esse estado
como uma condição de paz e poder no qual o cristão, nascido e
cheio do Espírito, era guardado de toda queda e capacitado para
fazer coisas para Deus que antes estavam além de suas forças.
Abandonar-se, entregar-se e consagrar-se a Deus era o caminho...
Mas a experiência do aluno fazendo esforço para seguir essas
instruções era igual à daquele pobre drogado que foi encontrado
anos mais tarde, tentando, com uma fúria desesperada, atravessar
um muro de tijolos. Suas tentativas para alcançar uma
consagração total fizeram com que permanecesse no mesmo
estado em que estava no começo de suas buscas, ou seja, um
jovem sem maturidade e cheio de contradições, pobremente
consciente de si mesmo, lutando todos os dias para encontrar seu
caminho, como fazem os adolescentes que passam por múltiplas
pressões interiores e por ondas de descontentamento e frustrações
sem número. Que caminho distante dessa vida de poder e vitória
que supunham viver!”.
3. A depressão: todo cristão sensato deseja sinceramente a
santidade. Quando as receitas da Vida superior não entregaram o
que prometiam, muitos crentes foram deixados por sua própria
conta, deprimidos e sem coragem. Muitos jovens cristãos caíram
num ciclo interminável que poderia ser resumido desta maneira:
— a. Eu quero ter a vitória.
— b. Se me consagro inteiramente, serei vitorioso.
— c. Então, agora me consagro inteiramente.
— d. Não tenho a vitória porque não me consagrei
suficientemente.
— e. Volto ao começo!
De novo, Packer descreve seu próprio combate:
Segundo este ensino, a única razão que poderia impedir os
cristãos de viver uma vida feliz seria o fato de não se abandonar
inteiramente em Deus. A melhor coisa a fazer, então, era
consagrar-se de novo e mais profundamente a Deus, revirando
totalmente sua psique até que ficasse danificada e doente, para
encontrar o que ainda não havia sido entregue a Deus e que
impedia a bênção.
Para resumir, as duas grandes ações do movimento de Keswick, a
consagração e a fé em Cristo, com o objetivo de alcançar a vitória,
correspondem, em seu caráter essencial, às duas ações da conversão: a) O
arrependimento, que para eles depende da vontade; b) A fé, uma questão de
dependência absoluta. Mas, em seu ensino sobre a conversão, a Bíblia
vincula a fé e o arrependimento à ação do Espírito, enquanto que Keswick,
em seu ensino sobre a santificação, faz com que a ação do Espírito dependa
da consagração e da fé do homem. Para terminar com as citações de
Smuland, enunciaremos o seu quarto ponto:
4. Uma vida disfuncional: em última análise, os cristãos que
permanecem na síndrome da Vida superior têm de torcer a
realidade. A verdade é que não são vitoriosos sobre o pecado, e
menos ainda santinhos. Se recusarem admitir isso, terão de
redefinir noções tais como pecado, justiça, maturidade,
arrependimento, avivamento, até mesmo o próprio Evangelho.
Além disso, a maneira como veem a si mesmos será sempre
tendenciosa. Esse estado, com o tempo, pode provocar uma
catástrofe mental e emocional grave. Por isso os cristãos devem
viver e andar na verdade com Deus e com eles mesmos. Se pelo
menos a igreja tivesse prestado atenção nas advertências feitas
por Boardman ou Warfield, talvez não estivéssemos no pântano
espiritual que estamos hoje. A reedição da obra de Boardman
ajudará os cristãos sérios a rever sua compreensão sobre a
santificação. É preciso ler esse livro para entender como os erros
contidos nessa espiritualidade superior são um flagelo para a
igreja de Cristo do nosso tempo. Leia-o e regozije-se em Cristo,
que viveu a única vida vitoriosa em nosso lugar. Leia-o e
compreenda a verdadeira natureza da experiência de cada cristão,
os meios de graça que estão à nossa disposição para um
crescimento espiritual consistente, e a bendita esperança de uma
verdadeira vitória final sobre o pecado, que aguarda cada filho de
Deus. (Fim das citações da introdução de P. L. Smuland.)
Os objetivos aparentemente louváveis dos líderes de Keswick eram
estimular os crentes para que tivessem vidas menos carnais e mais
consagradas a Cristo. No entanto, pregavam uma forma de aproximação da
santidade ou da santificação pela qual se permanece:
1. Fundamentalmente centrado no homem e em sua própria felicidade,
ao invés de centrar-se na glória de Deus. Sobre isso, o título do livro de
Pearsall Smith The Christian’s Secret of a Happy Life [O segredo da vida
feliz do cristão] é muito revelador. Essa abordagem da santificação girava em
torno da felicidade do homem: sua vitória, sua alegria, seu poder, como
objetivos supremos. Foi essa perspectiva egocêntrica que fez nascer uma
doutrina da vida cristã da qual todo esforço e conflito estão ausentes.
2. Fundamentalmente arminiano — concedendo ao homem a soberania
e a Deus nenhuma soberania no terreno da santificação cristã. Tudo depende
da vontade do homem e de sua permissão para que as obras de Deus sejam
realizadas.
3. Fundamentalmente quietista (Let go and let God).
4. Fundamentalmente antinomiano.
5. Fundamentalmente subjetivista ou místico. O ponto de referência
para o cristão não é a Palavra objetiva de Deus, mas seus estados interiores. E
na santificação, o Espírito trabalha sem a participação da Palavra na qual se
medita de forma inteligível, mas diretamente sobre o espírito do crente. O
Espírito é desassociado da Palavra.
6. Fundamentalmente legalista. A plenitude do Espírito não vem dos
méritos e da obra de Cristo, como é ensinado em Gálatas 3, mas da
consagração e das condições preenchidas pelo homem.
7. Fundamentalmente gnóstico. Há um ensino secreto, escondido na
Palavra de Deus. A força por detrás, totalmente gnóstica, é o desejo
orgulhoso do homem de fazer parte de uma elite, de tornar-se superior aos
homens comuns. A Vida superior oferece tudo isso e o movimento
pentecostal está ainda mais impregnado desse espírito. Os movimentos
pentecostais e o de Toronto são os filhos naturais das sete características
descritas acima, que resumimos a seguir: 1) Centrada no homem. 2)
Arminiana. 3) Quietista. 4) Antinomiana — quanto às regras de santidade. 5)
Subjetivista ou mística — olhando o interior de si mesmo e separando o
Espírito da Palavra. 6) Legalista — quanto aos meios para adquirir a
plenitude do Espírito. 7) Gnóstica.
Quando você coloca esses sete ingredientes numa igreja reformada —
isto é, que limita a Revelação atual unicamente às Escrituras, como é o caso
das igrejas provenientes da Reforma — obtém-se o movimento de Keswick.
Quando, em tal meio, você deixa ferver esses ingredientes durante uma
geração, ele se distanciará rapidamente do que resta de sua base doutrinária
reformada. Abandonará o estudo sério da Palavra que havia levado os
teólogos reformados para o cessacionismo, isto é, para a doutrina bíblica da
cessação da manifestação dos dons de revelação depois do período apostólico
(1 Coríntios 13). Uma vez abandonada essa convicção bíblica reformada, os
excessos do pentecostalismo (ou da doutrina de Toronto) facilmente serão
constatados nesse ambiente cristão. Tais movimentos não são nada mais do
que o resultado da progressão natural de uma comunidade cristã que
assimilou os sete pontos citados acima.
d. O cristão carnal e o cristão espiritual
Tom Wells, em sua obra Prends courage, mon ami! [Tenha coragem,
meu amigo!],[38] faz a seguinte análise sobre a teoria que ensina a existência
de dois níveis de cristãos, um espiritual e outro carnal:
Se sou um verdadeiro discípulo, darei prova disso procurando
agradar a Cristo. Se você é um irmão autêntico, você vai
perseverar no serviço de Deus. Se nossa profissão de fé não tem
nenhuma substância real, voltaremos um dia à nossa vida antiga.
Até o começo do século XIX, os cristãos, em sua maior parte,
compreendiam essas coisas. Os pastores dirigiam-se aos
membros da igreja como a cristãos professantes. Eles os
advertiam quanto a uma profissão de fé ilusória. Todas as igrejas
evangélicas advertiam os crentes sobre as consequências do
pecado. [...] A partir do começo desse século, uma mudança sutil
foi produzida. Até então, dizia-se aos homens para arrependerem-
se e crerem no Evangelho para serem salvos. E dava-se a cada
um a liberdade de arrepender-se e crer. Somente Deus podia ver
sua fé e seu arrependimento, dizia-se, e colocava-se o homem
face a face com Deus. Não se falava para o homem fazer
qualquer coisa, ou obra, senão voltar-se para Deus. E havia meios
para ver se uma alma estava realmente salva ou não. Quando um
homem declarava crer em Cristo, era acolhido por meio da
profissão de fé. Mas ele recebia uma advertência solene para
perseverar na fé e progredir na piedade. Dito de outra forma, era
tratado como as Escrituras tratam os cristãos confessantes.
Gradualmente esta situação foi mudando. Os servos de Deus
começaram a pensar que a pregação do Evangelho não era mais
suficiente. Era preciso acrescentar alguma coisa para permitir ao
homem obter segurança imediata de seu novo nascimento.
Começou-se a exortar não somente ao arrependimento e a crer,
mas lhe propunham uma ação que selaria sua salvação.
Rapidamente, muitos pastores tornaram-se muito hábeis no uso
desses métodos, e os convertidos se multiplicaram. Porque
faziam as pessoas recitar a oração do pecador, com que
assumissem publicamente uma posição, e davam-lhe um
versículo bíblico sobre o qual apoiar-se, de repente surgiram
cristãos em todo o lugar. As igrejas que estavam vazias
começaram a encher novamente. Uma nova aurora parecia
levantar-se. Os pregadores não utilizavam todos esses métodos,
mas era com dificuldade que os resistiam, uma vez que seus
resultados eram impressionantes. Os pastores pregavam o
arrependimento e fé, mas na prática empurravam as almas para
outro caminho. O arrependimento era transformado num
reconhecimento de que vocês são pecadores. No entanto, a Bíblia
ensina que o homem não regenerado não pode se arrepender e
abandonar o pecado sem a ação do Espírito. Mais e mais as
pessoas reconheciam voluntariamente que eram pecadoras e
faziam isso até com orgulho de sua ignorância. Assim, para
muitos pastores, admitir sua culpa diante de Deus era a prova
suficiente de que tinham aceitado a salvação em Cristo, ainda que
não houvesse nenhuma mudança de vida. Era assim que uma
multidão de pessoas recebia a exortação para que então se
considerassem cristãos. Nas entrevistas pessoais, não se gastava
tempo com a questão da fé. Se o convertido tinha dificuldade em
compreender o significado disso, imediatamente lhe era dado
algo para fazer, dizendo a ele: “Não se preocupe, faça esta
oração, e se for sincero, Cristo o salvará no mesmo instante”. É
claro, todo o pecador convencido da realidade do inferno
sinceramente desejará escapar dele. Assim, sem arrependimento,
com uma fé — se houvesse uma — do mais baixo nível,
multidões tornaram-se cristãs. Rapidamente as igrejas passaram a
ter como membros dois tipos de cristãos. Os hipócritas sempre
existiram, mas agora a maior parte dos cristãos presentes nas
igrejas não manifestava nenhuma mudança em seu
comportamento. Isso ocasionou um problema teológico. Como
toda essa gente poderia ser cristã sem que tivesse tido mudança?
Então, achou-se uma resposta. Esses cristãos deviam ser carnais.
Em razão de sua fé eles tinham a segurança eterna, mas seguiam
o caminho da carne para alcançar o céu. Os cristãos espirituais
eram a minoria, ao passo que os cristãos carnais tinham tomado a
dianteira. Esta situação hoje ainda prevalece. Pergunte aos
pastores se não acham que a maior parte dos cristãos é carnal.
Eles responderão que sim.
Antigamente, falava-se na perseverança dos santos. Isso
significava que teriam de perseverar na piedade, desde que sua fé
fosse autêntica. Esse é o ensino bíblico. Agora, era preciso
transformar essa verdade e substituí-la pela ideia da segurança
eterna do crente, depois pela segurança eterna simplesmente.
Havia desaparecido a necessidade de perseverar na fé e na
santidade. Por isso que hoje dizemos: uma vez salvo, sempre
salvo. Aonde isso leva? Primeiro, encoraja os homens a crer que
estão salvos sem a necessidade de arrependimento. Então damos
a eles um versículo das Escrituras para que tomem posse e tudo
lhes irá bem.
Que Deus tenha piedade daqueles pastores dentre nós que têm
feito essa gente desviar. Um resto será salvo em razão de seu
arrependimento e de sua fé autêntica. Mas a maior parte desses
cristãos imaginará estar salva até o dia em que acordar no
inferno. Outros serão convencidos de ter tentado viver a fé cristã
seguindo tais métodos. Dirão: “Eu tentei, mas não funcionou”.
Tal ensino produz ainda outro efeito. Tendo dado aos homens a
segurança de salvação, certamente não vamos querer que se
percam. Assim, hesitaremos pregar ao povo de nossa igreja como
a pessoas que ainda poderiam estar perdidas. Ensinaremos a
descansar sobre sua conversão ou decisão, esquecendo, assim,
das palavras de Paulo: “Examinai-vos a vós mesmos se realmente
estais na fé” (2 Coríntios 13.5), e esta palavra de Pedro: “Por
isso, irmãos, procurai, com diligência cada vez maior, confirmar
a vossa vocação e eleição” (2 Pedro 1.10). Meu discurso lhes
parece duro? Longe de mim a intenção de fazer tremer a fé de um
só filho de Deus [...] ou de ferir colegas e servos do Evangelho.
Mas temos de abandonar a mensagem atual sobre a segurança
eterna. Temos de advertir os homens. Pouco importa o número de
apelos respondidos e cartas de decisão que assinaram; pouco
importa sua fidelidade em ouvir a Palavra de Deus. Eles não
estão salvos, a menos que tenham se arrependido e colocado sua
fé inteiramente em Jesus Cristo. (op. cit., p. 127-131)
Ideias falsas sempre têm consequências:
Introduzimos no mundo evangélico uma noção falsa, ao
dividirmos os cristãos em duas categorias, os espirituais e os
carnais. Isso implica colocar o cristão comum em nível inferior,
no nível carnal; nós procuramos levá-los ao nível superior. Para
isso organizamos conferências para uma vida de vitória, reuniões
para ensinar como ser batizado e cheio do Espírito. Apesar de
todas essas atividades, a ideia de que o cristão comum era carnal
se impunha cada vez mais. Este ensino criou um vazio nos
corações que não conseguimos preencher. Para remediar isso, um
novo movimento surgiu, o neopentecostalismo ou o movimento
carismático. Nestes últimos anos, esse movimento moderno
centrado em línguas e curas se disseminou no mundo inteiro.
Vejo nisso tal semelhança com a semente que nós, evangélicos,
semeamos, que lhe desejo dedicar um capítulo inteiro. [...] Esse
movimento não é organizado e não publicou uma confissão de fé.
[...] Ele trabalha para restaurar o batismo ou a plenitude do
Espírito acompanhado de sinais sobrenaturais, principalmente o
falar em línguas. Os carismáticos não rejeitam a realidade da
experiência cristã de outros crentes. Mas veem no ensino do
Novo Testamento um cristianismo que vai muito além do nível
vivido pela maior parte dos cristãos. Os carismáticos temem que,
ao contrário do que foi nos dias de Pentecostes, a maior parte do
cristianismo vigente não passe de um conhecimento frio e
intelectual do dom do Espírito. Por seu testemunho frenético,
esperam ver restaurados, nestes últimos dias, esses dons do
Espírito Santo em todos os cristãos. O cristão carismático típico
pode ser um membro respeitado e reconhecido de uma igreja
protestante clássica e histórica. Ele pode pertencer a uma igreja
pentecostal ou ser católico romano. Pode também não pertencer a
nenhuma denominação. A ligação que une a todos é a
experiência do batismo com o Espírito Santo. [...] Examinando
esse movimento, um primeiro aspecto me chama a atenção: a
proclamação da teologia clássica dos dois níveis, mas sob uma
forma nova. Entre os autores carismáticos encontramos dois tipos
de cristãos: os que estão cheios do Espírito e os que não estão.
Eles igualmente pensam que a maior parte dos cristãos pertence à
segunda categoria. Sua missão consiste, então, em elevar os
homens do nível inferior da fé cristã, para o nível superior. Nesse
sentido, eles são muito parecidos com a maioria dos outros
evangélicos. Aliás, eles descrevem com frequência suas
experiências nos mesmos termos. Estabelecem frequentemente
uma distinção entre os cristãos que têm o poder e aqueles que não
o possuem. Fortemente enfatizam uma vida controlada pelo
Espírito Santo. Quanto à questão da origem da teologia adotada
pelo movimento carismático, nos deparamos com uma resposta
surpreendente. Certo grupo de nomes evangélicos, do fim do
século XIX, ressurge constantemente na antiga literatura
pentecostal, por exemplo, A. J. Gordon, F. B. Meyer, A. B.
Simpson, Andrew Murray ou R. A. Torrey. Esses homens foram
líderes evangélicos em sua época, mas vemos uma enorme
quantidade de citações de suas obras nos manuais de doutrina
pentecostal. Trata-se, precisamente, de líderes que ensinaram no
meio fundamentalista e evangélico, a concepção de dois tipos de
cristãos. Os evangélicos conservadores se lembram, com carinho,
de Torrey. Tendo sido formado na universidade de Yale, Torrey
cooperou com D. L. Moody, tanto na evangelização como na
obra do Instituto Moody, em Chicago. Era um autor influente,
citado frequentemente por fundamentalistas de seu tempo. Há
uma passagem escrita por Torrey em seu livro Ce que la Bible
enseigne [O que a Bíblia ensina], que se estima tenha sido citada,
mais do que qualquer outra, pelos autores pentecostais. Nesse
trecho, Torrey declara: “O batismo com o Espírito Santo é uma
operação do Espírito que devemos distinguir de sua obra de
regeneração, anterior ao batismo, e à qual ele é acrescentado. Um
homem pode ser regenerado pelo Espírito Santo, sem ter sido
ainda batizado. Na regeneração, a vida é infundida e aquele que a
recebe é salvo. No batismo, há comunicação de poder e aquele
que o recebe é habilitado para o serviço. Todo verdadeiro crente
tem o Espírito Santo [...] Mas nem todo o crente recebeu o
batismo com o Espírito Santo como o poderia”. Torrey define
aqui, da maneira mais clara, a doutrina das duas categorias de
crentes. Nem por um instante ele poderia imaginar o sentido que,
mais tarde, os pentecostais dariam a essas palavras. Mas não é
difícil entender por que os carismáticos as utilizam. Os dois têm
muito em comum. Este último movimento fez adições à doutrina
de Torrey, mas ainda reteve o que ele ensinou, isto é, a existência
das duas categorias de cristãos: os que foram batizados pelo
Espírito e os que não foram.
Tive uma confirmação sobre a realidade da ligação estreita que
existe entre Torrey e o neopentecostalismo, na própria semana
em que este parágrafo foi redigido. Fui a uma reunião de cura
organizada por uma igreja presbiteriana local. A livraria da igreja
mostrava toda uma gama de livros de autores carismáticos, mas,
no meio deles, vi um título familiar. Tratava-se da obra de
Torrey: Le Saint-Esprit [O Espírito Santo]. Publicada
primeiramente em 1897, foi apresentada naquela ocasião sob
uma roupagem moderna, para cativar os leitores do fim do século
XX.
Se existem duas categorias de cristãos, não é surpreendente que
os homens tocados pelo Espírito procurem o nível superior. Se
alguns podem ser batizados pelo Espírito, outros vão querer a
mesma coisa. Se alguns possuem um poder disponível a qualquer
momento, todos vão querer recebê-lo. Se para isso têm de
abandonar as vias tradicionais, eles o farão. Tal ensino cria uma
sede por satisfação imediata. O movimento carismático propõe
estancar essa sede de uma maneira que as igrejas tradicionais não
podem igualar. Ele oferece um milagre que prova que o nível
superior foi alcançado. Este milagre é o ato de falar em línguas.
Que outro movimento propõe um milagre para confirmar sua
chegada ao objetivo almejado?
Tom Wells vai dizer, na página 140 de sua obra, que, na realidade, o
falar em línguas, como é praticado em nossos dias, não é nenhum milagre,
porque o falar em línguas é ensinado aos homens. Mas voltemos à nossa
citação:
Quanto tempo gastarmos, crendo e ensinando a existência de
duas categorias de cristãos, mais os carismáticos farão sucesso,
porque nenhuma outra versão da vida de vitória oferece um
milagre para provar sua autenticidade. O homem faminto vai
procurar o grupo capaz de lhe provar, por um sinal celeste, que
ele então atingiu o nível superior da vida cristã.
Nosso dever consiste em nos submetermos à Palavra de Deus.
Precisamos rejeitar a ideia de que existe alguma coisa disponível
que não nos foi dada no momento de nossa conversão. Devemos
parar de negar a obra realizada por Deus em cada um dos seus
filhos. Devemos repetir e crer nas palavras de Deus: “Todos os
que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”
(Romanos 8.14). (op. cit., p. 133-137)
A Bíblia contrasta somente dois tipos de pessoas. O salmo 1 nos mostra
aquele que tem prazer na Lei do Eterno, e os outros que são chamados de
maus. Por que não menciona aqueles que são salvos, mas que não têm prazer
na Lei do Eterno? A resposta é clara: porque, a longo prazo, esse tipo de
gente não existe (op. cit., p. 31).
A senhora Penn-Lewis e Evan Roberts buscavam uma segunda
experiência após a conversão, chamada batismo com o Espírito Santo, para
receber o poder para o testemunho; outros procuraram uma experiência que
desse uma satisfação imediata ou uma plenitude instantânea, manifestada em
diferentes formas e acompanhada ou não de dons extraordinários e
paranormais.
5. ALGUMAS OUTRAS DERRAPAGENS ATUAIS
a. John Wimber
John Wimber (falecido em 1998) é o cabeça da terceira onda e do
movimento Vineyard. Ele vai mais longe nessa busca. Os dons
extraordinários e paranormais não mais serão propriedade de uma elite, mas
de cada cristão. Leiamos um trecho da obra de Wolfgang Bühne, La
troisième vague [A terceira onda],[39] a propósito de John Wimber:
John e Carol Wimber tiveram o sentimento de que o poder de
Deus ainda lhes faltava e puseram-se a orar para obtê-lo. Um dia,
após falar sobre o batismo com o Espírito Santo, e a pedido do
público, John se pôs a orar com imposição de mãos. Eis o que
Carol relata: “De suas mãos saía um poder inacreditável. Quando
ele tocava as pessoas, elas caíam de costas. Para John, era como
se uma força espiritual jorrasse de suas mãos, um tipo de energia
elétrica. Era a primeira vez que John sentia que uma força
efetivamente saía dele”. (p. 23)
Para Wimber o batismo com o Espírito Santo não tem o mesmo
significado que tem para os pentecostais ou para os carismáticos,
que o entendem como uma segunda experiência associada ao
falar em línguas. Ele prefere insistir na plenitude do Espírito
Santo [...]. Em geral, a conferência ou o sermão de Wimber ou de
seus colaboradores são seguidos de uma parte prática,
introduzida por uma súplica: vem, Espírito Santo! Após certo
tempo de silêncio, o Espírito Santo revela — conforme o tema do
seminário ou da conferência — as possessões demoníacas, as
doenças, as feridas psíquicas, etc. Então, o Espírito Santo é
invocado como um poder exterior a nós, que deve assinalar sua
vinda ou presença no meio do auditório, através de certas
manifestações. (p. 45, 46)
Segue o que Wimber diz:
Enquanto ouvimos a voz de Deus e oramos pelos doentes, o
Espírito Santo vem sobre eles. Então são produzidos alguns
fenômenos emocionais e físicos que nos indicam que o Espírito
está presente naquela pessoa por quem oramos. Alguns destes
fenômenos são manifestados: choros, gritos, expressões de
louvor prolongadas e exuberantes, tremores, calma, contorções e
distorções do corpo, queda de costas (chamada às vezes de cair
no Espírito), risadas e saltos. (Do livro Allez… guérissez [Vá...
cure], de J Wimber e K. Springer, p. 191, citado por Bühne, op.
cit., p. 46)
Quando falo com os evangélicos sobre o Espírito, lhes pergunto
se o receberam quando nasceram de novo. Se respondem
afirmativamente, o que deveria ser o caso, lhes digo que tudo o
que lhes falta fazer é atualizar o que o Espírito possui; tudo o que
lhes é pedido é que liberem os dons. Então lhes imponho as
mãos, dizendo: “Fiquem cheios do Espírito” — e eles ficam
cheios. (Do livro Allez… évangélisez [Vá... evangelize], de J.
Wimber e K. Springer, p. 150, citado por Bühne, op. cit., p. 49)
Como constatamos, Wimber se mostra muito hábil e sabe como se
adaptar a cada auditório para passar a mensagem desejada.
b. A bênção de Toronto: o progresso se acentua
Esta é uma experiência de risada frenética que leva a um estado de
transe e de sensação de estar embriagado (bêbado de amor por Deus), com
alguns grunhidos como de animais. Sugerimos ver o filme de Alan Morrison
(A different Gospel [Um Evangelho diferente]) para julgar esses fenômenos
por si mesmos.[40] Ele reproduz uma reunião dirigida por Rodney Howard-
Browne e Copeland. Podemos descrever essa bênção como sendo:
a manifestação de Howard-Browne, porque este foi quase que
inteiramente responsável pela propagação desse fenômeno nas
igrejas. Desde 1987 ele tem atuado nos Estados Unidos, na
televisão e em debates, e só em 1992, na América, organizou 550
encontros de renovação. Mas seu ministério atraiu
particularmente a atenção do público quando deu uma série de 15
conferências na Igreja Carpenters Home Church, Lakeland,
Flórida (Pastor Karl Strader). As manifestações associadas a seu
ministério ali ganharam fama sob o nome de avivamento do riso.
(Charisma Magazine, agosto de 1993)
O Vineyard do Aeroporto de Toronto aliou-se ao movimento
principalmente por seus contatos com Rodney Howard-Browne.
Randy Clark, um amigo de John Arnott (pastor de Vineyard), foi
aos encontros de R. Howard-Browne em 1993, e após tê-lo
ouvido, deu à Vineyard um relatório entusiasta. John Arnott
convidou Clark para presidir uma série de encontros no Airport
Vineyard, a fim de entregar a palavra, o que foi feito com
sucesso no começo de janeiro de 1994.
Assim, podemos compreender por que Toronto e não a América
ou Rodney Howard-Browne, foi apresentada como sendo a
origem da renovação. (Banner Ministries)
Vários estudos analisaram biblicamente esse fenômeno. Portanto não
nos estenderemos sobre isso. Mas vale a pena examinar com maior
profundidade três obras que fizeram sucesso na Suíça de língua francesa e
que foram escritas por Mike Bickle e Rick Joyner. Eles descrevem bem a
igreja triunfalista e apóstata que hoje está sendo construída no mundo.
c. Mike Bickle: do grupo carismático da terceira onda
Uma de suas obras, Grandir dans le prophétisme [Crescer no
profetismo],[41] tornou-se muito popular no meio pentecostal. Foi
recomendado até mesmo em muitos círculos evangélicos suíços de língua
francesa. Esse livro enaltece o profetismo moderno e foi escrito para todos
aqueles que desejam ver crescer o ministério profético atualmente na igreja.
Exorta os cristãos a ouvir Deus falar não pela meditação em sua Palavra
escrita, como toda a Bíblia nos exorta a fazer (Salmos 119, Provérbios, etc.),
mas a ouvi-lo falar neles mesmos, ou fora deles, por profecias, sinais ou
prodígios. Na perspectiva desse neoprofetismo, a profecia seria a panaceia
universal, a resposta para todos os problemas da igreja e para as dificuldades
pessoais de cada um, pois, pela profecia, Deus falaria diretamente aos cristãos
para guiá-los em suas diferentes situações.
De fato, essa obra estimula os cristãos abertos à voz do Espírito a
tornarem-se verdadeiros médiuns, com o desejo de receber capacidades
proféticas ainda maiores, pois, segundo Bickle, quanto mais estamos
intimamente unidos a Cristo, mais nos convertemos a ele e dele recebemos
mensagens (cf. Evan Roberts). Segundo Bickle, haveria quatro níveis de
profetismo. A maior parte dos cristãos estaria no primeiro nível. Nessa obra,
o autor descreve todos os problemas ou dificuldades que podem surgir no
exercício desse dom, e fornece toda a sorte de explicações psicológicas sobre
os diferentes comportamentos possíveis relacionados a esse exercício. Os
argumentos de Bickle dão impressão de grande sabedoria, compreensão
humana e indulgência para com os erros que poderiam sobrevir na prática
desse dom, e procuram, assim, diminuir todo o temor que possa provocar
hesitação naqueles que desejam lançar-se à profecia. Para Bickle, como para
todos aqueles que praticam essa espécie de profetismo, hoje a Palavra escrita
de Deus não é mais suficiente. Por isso encorajam os cristãos a procurar
conhecimentos especiais através de uma experiência de iluminação divina,
produzindo mensagens imediatas, provindas, segundo eles, diretamente do
próprio Senhor.
Insistem sobre visões e profecias que teriam recebido e não hesitam em
colocá-las no mesmo nível da Bíblia, ainda que, teoricamente, recusem tal
atitude. Podem até afirmar explicitamente que, para eles, as Escrituras seriam
a norma a partir da qual é preciso julgar as revelações recebidas; mas o
caráter puramente formal de argumentos como esse fica totalmente claro
quando os vemos dar livre curso a doutrinas em completo desacordo com o
ensino bíblico. Tentaremos demonstrar isto mais adiante.
Esses profetas não hesitam em empregar a dialética, uma maneira de
raciocínio que primeiro afirma uma verdade qualquer, para em seguida dizer
exatamente o contrário.
Mike Bickle espera um avivamento mundial; isso teria sido confirmado
por profecias, sinais e visões que regularmente recebe.
Para nós, o ministério profético, com suas características
impressionantes e profecias confirmadas por coisas como
cometas, secas e tremores de terra, visava, sobretudo, uma coisa:
encorajar e manter nossa intercessão por um avivamento da
igreja. (op. cit., p. 27)
Esperam uma voz interior que, proximamente, lhes anuncie uma nova
definição do cristianismo:
O Senhor me disse, simplesmente: “Eu transformarei a
compreensão e a expressão do cristianismo sobre a terra em uma
geração” [...] A expressão compreensão do cristianismo significa
a maneira pela qual o cristianismo é percebido pelos não crentes.
[...] Nestes anos 90, em sua maior parte, os não crentes estimam
que a igreja está por fora e não tem nada a dizer ao mundo
moderno. Deus mudará a maneira pela qual os não crentes verão
a igreja. Eles serão, de novo, testemunhas do poder maravilhoso
e terrível de Deus na igreja. Terão uma compreensão muito
diferente do cristianismo, antes que Deus tenha acabado com esta
geração. (op. cit., p. 31)
Isto é mentira! Não é a visão de prodígios que transformará a vida dos
não crentes e os levará ao arrependimento. A menos que Deus traga a Cristo
(João 6.44) todos os que lhe deu (João 17.11), a compreensão do cristianismo
pelos incrédulos não poderá mudar, ainda que vejam milagres. A pregação da
cruz permanecerá sempre uma loucura para aqueles que perecem. Os cristãos
que quiserem seguir os passos do seu Mestre sempre se sentirão como
estrangeiros e incompreendidos num mundo hostil à sua Palavra. Jesus, aliás,
advertiu seus discípulos:
Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros,
me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o
que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário,
dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia. Lembrai-vos da
palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor.
Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se
guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa. Tudo
isto, porém, vos farão por causa do meu nome, porquanto não
conhecem aquele que me enviou. (João 15.18-21)
Por que querer, a qualquer preço, que haja prodígios e milagres? Por
que deveríamos nos intimidar pelo que podem dizer os não crentes? Por que
lhes faríamos propaganda enganosa? Isso é show business e nada mais. Jesus
disse: “o reino de Deus não vem com visível aparência”. Podemos ver as
características dos últimos tempos em 2 Pedro 3.3-4 e 2 Timóteo 3.1-5. E em
1 Tessalonicenses 4.16-17, Paulo descreve o arrebatamento daqueles que
estão em Cristo:
Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida
a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos
céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós,
os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com
eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e, assim,
estaremos para sempre com o Senhor.
Em nenhuma parte da Bíblia vemos a promessa de um grande
avivamento universal que resulte na criação de uma igreja única e triunfante
que governe o mundo, depois de colocá-lo debaixo de seus pés, a menos que
se trate da apostasia religiosa. Ao contrário, vemos ali uma igreja fiel e
perseguida, sem poder humano, mas que persevera na fé em Jesus e na
obediência aos mandamentos de Deus (Apocalipse 14.12).
Esses novos profetas e seus discípulos declaram que estamos nos
últimos tempos. Talvez sim, mas onde estão suas advertências sobre
seduções, falsos profetas e falsos prodígios que, segundo as Escrituras,
deveriam caracterizar essa época? O Santo Espírito nos adverte pela boca do
apóstolo Paulo:
Ora, o Espírito afirma expressamente que, nos últimos tempos,
alguns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos enganadores
e a ensinos de demônios. (1 Timóteo 4.1)
É verdade que as palavras pelas quais Jesus adverte seus discípulos em
Mateus 24 (v. 4-11,24,30,31) se aplicam, em primeiro lugar, ao período que
precede a destruição de Jerusalém no ano 70, mas elas nos advertem
igualmente sobre o tempo que precederá o fim do mundo:
Vede que ninguém vos engane. Porque virão muitos em meu
nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos. E,
certamente, ouvireis falar de guerras e rumores de guerras; vede,
não vos assusteis, porque é necessário assim acontecer, mas
ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação,
reino contra reino, e haverá fomes e terremotos em vários
lugares; porém tudo isto é o princípio das dores. Então, sereis
atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por
causa do meu nome. Nesse tempo, muitos hão de se escandalizar,
trair e odiar uns aos outros; levantar-se-ão muitos falsos profetas
e enganarão a muitos. E, por se multiplicar a iniquidade, o amor
se esfriará de quase todos. Aquele, porém, que perseverar até o
fim, esse será salvo. E será pregado este evangelho do reino por
todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então, virá o
fim [...]. porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando
grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios
eleitos [...]. Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem;
todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem
vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória. E ele
enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais
reunirão os seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra
extremidade dos céus.
Sobre a base do que acabamos de ler, podemos julgar se a versão
triunfalista de Bickle é fiel às Escrituras ou não. Ele continua:
A frase expressão do cristianismo significa a maneira pela qual o
corpo de Cristo exprime sua vida comunitária. Estou convencido
de que Deus vai mudar isso com seu poder, para que a igreja
funcione como um corpo sadio, no poder e no amor de Deus, em
vez de ser concebida e estruturada essencialmente em torno de
reuniões e programas. (p. 31)
Se essas reuniões e programas não estiverem mais centrados em Cristo,
não trarão mais a mensagem de vida que muitos gostariam de ouvir. Mas
seria isso que chateia Bickle? Não, porque toda a sua obra gira em torno de
prodígios e milagres que teriam acontecido pelas mãos dos seus profetas e
daqueles que encherão inteiramente a terra nos próximos anos. A exortação à
fidelidade a Deus na vida prática de cada dia é colocada de lado. Isso não
atrai muita gente...
A compreensão e a expressão do cristianismo serão
transformadas por um enorme derramamento do Espírito que
atravessará todo o tipo de barreiras nacionais, sociais, éticas e
culturais. Não será apenas um avivamento do mundo ocidental. A
profecia de Joel 2 (Atos 2) diz que nos últimos dias Deus
derramará seu Espírito sobre todos os homens (Atos 2.17).
Muitas coisas começarão a acontecer em consequência dessa
efusão do Espírito. Ela se mostrará numa tal pluralidade de
expressões que não poderá ser, simplesmente, qualificada como
um movimento de evangelização, de cura, de oração, de unidade
ou de um movimento profético. Será tudo isso e muito mais.
Acima de tudo, isso dará e renovará uma afeição profunda e
apaixonada por Jesus, através do Espírito. [...]
O crescimento do ministério profético na igreja local implica
mais do que uma profecia verbal, e sim uma fonte de inspiração.
Para mim, isso compreende visitações de anjos, sonhos, visões,
milagres e sinais prodigiosos no céu, assim como um aumento de
revelações proféticas, inclusive aquelas dadas pelas impressões
sutis do Espírito. (p. 32)
Bickle prediz e descreve exatamente o grande avivamento satânico
dos últimos dias (Apocalipse 13 e 2 Tessalonicenses 2), antes da vinda de
Cristo. Ele se coloca no campo do homem da iniquidade, crendo estar no de
Cristo. Leiamos as palavras de Paulo:
Irmãos, no que diz respeito à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo
e à nossa reunião com ele, nós vos exortamos a que não vos
demovais da vossa mente, com facilidade, nem vos perturbeis,
quer por espírito, quer por palavra, quer por epístola, como se
procedesse de nós, supondo tenha chegado o Dia do Senhor.
Ninguém, de nenhum modo, vos engane, porque isto não
acontecerá sem que primeiro venha a apostasia e seja revelado o
homem da iniquidade, o filho da perdição, o qual se opõe e se
levanta contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto, a
ponto de assentar-se no santuário de Deus, ostentando-se como se
fosse o próprio Deus. Com efeito, o mistério da iniquidade já
opera e aguarda somente que seja afastado aquele que agora o
detém; então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor
Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela
manifestação de sua vinda. Ora, o aparecimento do iníquo é
segundo a eficácia de Satanás, com todo poder, e sinais, e
prodígios da mentira, e com todo engano de injustiça aos que
perecem, porque não acolheram o amor da verdade para serem
salvos. É por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação
do erro, para darem crédito à mentira, a fim de serem julgados
todos quantos não deram crédito à verdade; antes, pelo contrário,
deleitaram-se com a injustiça. (2 Tessalonicenses 2.1-4,7-12)
O amor à verdade é primordial. É esse amor à verdade, dado pelo
Espírito, que nos levará a examinar, a pesquisar, a sondar as Escrituras, como
os bereanos, para verificar se o que é ensinado está de acordo com a Palavra.
Os que não têm amor pela verdade, não vão querer gastar tempo com esse
tipo de pesquisa. A pérola de grande valor não lhes interessa.
Mike Bickle continua:
Eu poderia ter tentado minimizar o ministério do Espírito Santo
para que as pessoas não se tornassem emotivas demais e
excitadas. Mas uma igreja que resiste à dinâmica profética pode
cair numa rotina espiritual mais facilmente. Deus decretou que a
igreja tivesse necessidade da profecia, para que ela contribuísse
para o seu encorajamento, a fim de minimizar a falta de fé e
letargia que hoje tanto consome a Igreja. (p. 52)
Segundo nosso autor, não é o ensino fiel da Palavra de Deus, mas a
profecia que é necessária à igreja, para encorajar e estimular os cristãos a
combater a falta de fé e o desânimo que nela prevalecem! A profecia, nesta
perspectiva, torna-se uma atividade que substitui a Palavra de Deus escrita,
que assim se torna periférica! (2 Timóteo 3.16, 17 ensina, no entanto, que as
Escrituras são suficientes para nos santificar e nos tornar aptos a toda a boa
obra!) O diabo sempre mostrou aversão e desprezo pela Palavra de Deus.
Sabemos, então, de onde vem o desprezo pelo estudo das Santas Escrituras,
como também sabemos de onde vêm suas profecias! Por isso nos diz John
MacArthur:
Um dos primeiros ministérios do Espírito Santo é comunicar a
verdade das Escrituras à nossa mente. [...] Toda vez que se
enfatizou a profecia pessoal, invariavelmente as Escrituras
perderam sua primazia. Dois mil anos de história da igreja estão
aí para confirmar.[42]
A obra de Bickle contém dois apêndices. O primeiro procura
compreender os fenômenos que acompanham o ministério do Espírito Santo.
O segundo nos mostra os objetivos ou o credo do movimento Metro Vineyard
Fellowship. Lemos na rubrica Catálogo das manifestações (esta descrição é
dada pelos dirigentes do movimento Vineyard):
O modelo hebreu e bíblico de unidade da pessoa implica a
influência da mente sobre o corpo. Em certos momentos, a mente
humana é tocada pela glória de Deus de tal maneira, que o corpo
humano é incapaz de conter a intensidade desses encontros
espirituais e disso resultam essas reações físicas. Às vezes, mas
certamente nem sempre, as reações físicas são reações humanas
em resposta à atividade da mente[43] e não são diretamente
causadas pelo Espírito Santo. Entretanto, esta constatação não
implica que por isso sejam carnais e, portanto, devam ser
proibidas. Os fenômenos mencionados a seguir foram observados
em experiências: tremores, perda de força física, respiração
difícil, tremor de pálpebras, tremor nos lábios, corpo oleaginoso,
modificação da cor da pele, choros, risos, intoxicação
(bebedeira), andar cambaleante, dores como de parto, danças,
quedas, visões, percepções audíveis do reino espiritual, palavras
inspiradas (isto é, profecias, línguas, interpretação de línguas),
visitações e manifestações angélicas, saltos, rolar freneticamente
no chão, gritos, vento, calor, eletricidade, esfriamento, náuseas
como discernimento do mal, impressões gustativas ou olfativas
de boas ou más presenças, formigamentos, dores no corpo como
discernimento de doenças, sensações de peso estafante ou de
grande leveza, transes (modificações do estado físico
acompanhadas de uma percepção visível ou audível do mundo
espiritual), incapacidade de falar normalmente e perturbações do
meio natural (como por exemplo, circuitos elétricos queimados).
(op. cit., p. 242-243)
Muitos desses sintomas podem ser encontrados, ocasionalmente, em
certas enfermidades, intoxicações, etc., quando de uma forte emoção, ou em
conversões acontecidas de maneira dramática. Mas não são fenômenos
habituais, enquanto que são moeda corrente entre aqueles que se entregam
aos efeitos da droga ou que praticam ocultismo. É assim que obtêm estados
de consciência alterada. Sabemos que as experiências provocadas pela
suposta bênção de Toronto também apresentam estados importantes de
consciência alterada. Segundo Marilyn Ferguson, uma adepta da Nova Era,
tal modificação do funcionamento normal da psique pode ser desencadeada
pela:
Hipnose, meditação, drogas psicodélicas, estado de oração,
isolamento sensorial, como pela aproximação de uma psicose
aguda. A falta de sono e o jejum também podem provocá-la.
Epiléticos e pessoas que sofrem de enxaquecas crônicas
experimentam com frequência um estado de alerta alterado, no
período crepuscular que precede uma crise. Uma monotonia
hipnótica, o voo solitário em alta altitude, por exemplo, podem
provocar um estado alterado. Uma estimulação eletrônica do
cérebro, o exercício de ondas cerebrais alfa ou teta, visões
telepáticas ou de vidência, exercício de relaxamento muscular,
isolamento (na Antártida, por exemplo), ou um estímulo
luminoso intermitente podem provocar uma modificação brusca
de consciência.[44]
É muito interessante ver essa autora ocultista destacar o verdadeiro ar
familiar que existe entre as sensações provocadas por estados alterados, seja
por efeito da hipnose, pelo uso de drogas, experiências místicas, ou pela
iniciação em práticas ocultas:
Nos relatos de sensações em estado alterado, sob hipnose,
drogas, ou num mergulho místico, etc., ficamos impressionados
com os pontos em comum que os une: perda das fronteiras do
Eu e identificação súbita com a totalidade dos seres vivos
(sensação de fundir-se no universo); sensação de luz; percepção
alterada das cores; exaltação; sensações elétricas; impressão de
se dilatar como uma bolha, ou de saltar muito alto; ausência de
medo, principalmente da morte; som de trovão; vento; impressão
de estar separado do corpo; felicidade profunda; percepção
precisa de esquemas, de modelos, da imagem acessível de um
conjunto (pattern) que escapa da percepção; sensação de
liberação; interpenetração de sentidos (sinestesia), como quando
se vê as cores ao ouvir os sons; uma impressão de tornar-se como
o oceano; impressão de que acabamos de acordar, que o que foi
experimentado é a única realidade, e que a consciência diária é
apenas uma sombra tênue; enfim, uma sensação de transcender o
tempo e o espaço.[45]
Lemos na página 103 do livro de Marilyn Ferguson (que parece pensar
que os estados alterados do cérebro são superiores, e muitos pensam como
ela):
A fórmula clássica para modificar o estado de consciência
[entenda-se: para entrar em estados como transe, Meditação
Transcendental, droga, etc.] foi dada por William James, muito
tempo antes da invenção do eletroencefalograma (William James
cursou a universidade de Harvard e praticava a psicologia
experimental; morreu em 1910):
“O caminho para se conseguir tem de passar pela capitulação,
pela passividade, e não pela atividade. Relaxar-se e não se
concentrar, a partir de então tem de ser a regra. Renunciar ao
sentimento de responsabilidade, deixar-se levar [...]. Trata-se
apenas de dar um pouco de repouso ao seu eu pessoal e
convulsivo, para descobrir a presença de um Eu maior [...]”.[46]
O que dizer mais? Essas descrições são parecidas com as observações
feitas por Jessie Penn-Lewis sobre os cristãos que foram seduzidos e levados
a fazer experiências que provaram ser falsificações satânicas das realidades
espirituais. Os profetas de Kansas City as atribuem ao Espírito Santo. É
exatamente isso que os adeptos da Terceira Onda ou da Bênção de Toronto
tentam introduzir nas igrejas. Em razão da ignorância, do desamparo, do
vazio e tédio espiritual, a atração é possível.
6. RICK JOYNER
Este autor carismático escreveu várias obras, mas examinaremos
somente duas: A batalha final e O mundo em chamas, dos quais já citamos
alguns trechos.

a. O mundo em chamas[47]
O objetivo dessa obra foi lembrar os acontecimentos que marcaram o
avivamento do País de Gales e deles extrair ensinos, ao menos aqueles
considerados úteis pelo autor e que não contrariavam seus pontos de vista,
tendo como alvo preparar-nos para o avivamento futuro. Ele cria, como todos
os seguidores e líderes do movimento Vineyard, num próximo avivamento
mundial de extensão extraordinária. Suas predições, suas profecias e visões
eram todas nesse sentido.
Joyner não via nenhuma necessidade de uma norma fixa, absoluta,
exterior e objetiva, como as Escrituras, que pudesse servir como teste para
suas visões sobre o fim dos tempos. Para ele, a Palavra de Deus não era
suficiente, nem o único critério. Era preciso mais. Ele escreve:
O verdadeiro cristianismo é essencialmente uma relação com
Cristo, e uma relação é essencialmente uma comunicação
[compreendida aqui como receber profecias, visões]. Como o
Senhor declarou quando foi tentado, o homem não viverá apenas
de pão, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (Mateus
4.4). Notem que o verbo sair foi empregado no presente e não no
passado. Não podemos nos contentar com o que ele disse no
passado; é preciso escutar o que ele diz hoje. Isso não quer dizer
que novas doutrinas serão estabelecidas ou serão incluídos outros
elementos no cânon das Escrituras; mas, subentende-se que
devemos todos ter com ele uma relação pessoal e viva. (op. cit.,
p. 140)
Sua afirmação de não querer promover novas doutrinas, de maneira
nenhuma o impede de estabelecê-las (perceba aqui sua dialética!). Essas
novidades, ele vai tirá-las de seus sonhos e visões. Que tremenda blasfêmia
dizer que não podemos mais nos contentar com o que foi dito no passado.
Sua explicação sobre o tempo presente do verbo sair não passa de um
sofisma, isto é, um erro de lógica que zomba das afirmações bíblicas sobre a
suficiência da Palavra de Deus (veja Salmos 119; 2 Timóteo 3.16), e sobre a
atualidade dessa Palavra hoje. Além disso, é o resultado de uma exegese
fantasiosa.
No final dessa obra, Joyner descreve uma visão que se cumprirá,
afirma ele, em uma geração. Não vamos nos deixar impressionar por suas
predições fabulosas, mas ainda assim ficamos pasmos com a quantidade de
pessoas que o seguem tão docilmente. Será que ainda é possível denunciar o
mal e advertir os cristãos dos perigos que os ameaçam? Quando Hitler
escreveu Mein Kampf, ele exibiu seus planos à luz do dia. Seu livro obteve
um grande sucesso. Todos podiam lê-lo, todos podiam conhecer seus projetos
malignos. Quase todos foram seduzidos. Hitler pôde, então, executar
livremente grande parte dos seus planos criminosos. É errado crer que as
falsas doutrinas vão desaparecer num passe de mágica. Vemos a igreja
apóstata, a prostituta, crescer cada vez mais e pouco a pouco preparar o
surgimento do Homem da iniquidade (literalmente o sem Lei), o Iníquo.
Paralelamente, a igreja fiel, a Esposa se santificará cada vez mais, na espera
pela vinda do seu Esposo bem amado. E nessa situação, é exigido às
sentinelas que previnam aqueles que ainda podem ser advertidos.
Joyner, como Bickle, prediz um avivamento universal extraordinário,
produzido por um derramamento ou um batismo com o Espírito Santo
coletivo tão grandioso que, em comparação, não se falaria mais de
Pentecostes ou dos avivamentos do passado:
Ainda que o avivamento no País de Gales tenha sido tão
extraordinário, ele não passou de uma degustação do que
acontecerá no fim dos tempos. (p. 159)
Se não nos prepararmos para o avivamento que virá, então é melhor
morrer, escreveu Joyner. E chega até a ameaçar:
Prepare-se ou morra! (p. 161)
E continua:
O Senhor revelou a muitos que em breve acontecerá um
derramamento do seu Espírito. Esse avivamento será maior que
todos os que o precederam. Esta visão compreende os elementos
chave da colheita que virá e o que o Senhor está fazendo,
atualmente, na igreja, para prepará-la. (p. 165)
Essa efusão produzirá finalmente mudanças radicais, tanto na
igreja como no mundo. Essas mudanças terão de ser
compreendidas por aqueles que quiserem ser úteis nas mãos de
Deus em um dos maiores acontecimentos da história. Àqueles
que diligentemente buscam a Deus e obedecem a sua vontade,
esta visão não causará nenhum problema. Tudo isso lhes parecerá
como um movimento natural do Espírito levando-os a mais luz e
intimidade com Deus. Os que estiverem no seu conforto e
resistirem à mudança passarão por momentos muito difíceis. (p.
165)
O desejo pela novidade e mudança está bem na moda. Basta
observar o que se passa na esfera escolar e no culto. [...] Na
verdade, haverá muitos cristãos que serão perseguidos porque
optarão pela Palavra de Deus e não pela mudança.
O Senhor prepara para a colheita futura uma imensa rede
espiritual, capaz de conter tudo o que será recolhido. Ele forma
essa rede unindo o seu povo. [...] O Espírito constrangerá os
pastores a unirem-se a outros pastores, profetas a outros profetas;
assembleias inteiras visitarão outras assembleias fora de sua
esfera doutrinária e construirão relacionamentos com elas. Isso
vem do Senhor. (p. 165-166)
O Espírito constrange [...], isso vem do Senhor [...], dito de outra
maneira, submetam-se a Deus, isto é, a nós, senão vocês terão problemas.
Assim começa o totalitarismo espiritual característico das seitas mais
perigosas.
Desde há muito vemos uma grande parte do movimento evangélico
daqui e de outros cantos do mundo — e na Suíça de língua francesa, muitos
reformados e católicos romanos fazem o mesmo — rapidamente seguir esses
profetas, graças à velocidade dos meios de comunicação, aos seminários
organizados e ao espírito de profecia dos adeptos desses falsos profetas, que
também anunciam os mesmos acontecimentos, porque o mesmo espírito
anima a todos. Voltemos às nossas citações:
Ele [o Espírito] começa a derrubar as barreiras que existem entre
os líderes, porque é aí que a maior parte das barreiras tem sua
origem e onde elas são mais sólidas. Quando esses muros caírem,
o corpo por inteiro começará a harmonizar-se. Se os líderes
resistirem a essa ação do Espírito Santo, o Senhor fará com que
ela prossiga através das assembleias. [...] Alguns pastores e
líderes que continuarem resistindo a essa onda de unidade serão
exonerados de suas funções. Alguns permanecerão endurecidos
de tal maneira que se oporão e resistirão a Deus até o fim. A
maior parte deles aceitará a mudança e se arrependerá de sua
resistência. (p. 166)
Querer manter-se na fé em Jesus Cristo, recusar andar pelo que vê e
perseverar na sua Palavra será considerado como resistência ao Espírito e
uma revolta aberta contra Deus. Aqueles que permanecerem nesse campo
serão perseguidos.
Os que estiverem unidos pela doutrina, ou que se apegarem a
personalidades, não demorarão a ser extirpados. Somente os que
estiverem unidos em e por Jesus resistirão à pressão que a
colheita exercerá sobre a igreja. (p. 167)
Pronto! Agora ficou claro! A palavra doutrina tornou-se desprezível e
algo a ser negligenciado. No entanto, essa palavra significa simplesmente
ensino. Quando gostamos de um autor, nos interessamos por tudo o que
escreve para que possamos melhor compreendê-lo. Seu pensamento e sua
pessoa formam um todo. O ensino de Jesus teria se tornado desprezível? O
que o próprio Senhor Jesus Cristo diz sobre suas Palavras, sobre o seu ensino
e doutrina?
Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem
em vós, pedireis o que quiserdes, e vos será feito. Se guardardes
os meus mandamentos, permanecereis no meu amor. (João
15.7,10)
Se me amais, guardareis os meus mandamentos [...] Aquele que
tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e
aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o
amarei e me manifestarei a ele [...] Se alguém me ama, guardará
a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos
nele morada. Quem não me ama não guarda as minhas palavras.
(João 14.15,21,23,14)
Jesus jamais dissocia sua Palavra de sua Pessoa. Há uma ligação tão
íntima entre elas que as torna indissociáveis. Joyner contrapõe a união com
Jesus à doutrina e sua Palavra, o que é radicalmente contrário às palavras de
Cristo citadas acima. Isso nos faz concluir que o Jesus de Joyner é um falso
cristo.
Para Joyner, a união, ou uma maior intimidade com Cristo, é obtida
pela profecia, por uma experiência imediata, ou por uma sensação de amor. É
preciso experimentar Deus, senti-lo. Joyner prevê uma perseguição daqueles
que guardarão os mandamentos de Jesus, mas não se coloca, evidentemente,
nesse campo (Apocalipse 12.17; 14.12)!
Ele prediz a união em um movimento mundial único de todos os
cristãos, e diretrizes únicas para o governo das cidades. Esse movimento terá
uma única direção. Isso foi igualmente predito na Bíblia, mas os cristãos fiéis
no testemunho de Jesus e aos seus mandamentos estarão excluídos de tal
movimento de unificação universal. Ao contrário de Joyner, vemos nisso os
agentes do Anticristo preparando sua vinda.
Participando dessa colheita, todos os grupos de ministérios ou de
influência, com identidades particulares, finalmente se fundirão
em uma identidade cristã única. Comandos únicos serão
formados para dirigir cidades e vilas. Elas serão constituídas por
pastores e líderes vindos de todos os meios. Sua unidade e
harmonia no trabalho, como também nas variadas assembleias,
deixarão o mundo maravilhado. (p. 168)
Os que se recusarem a colaborar serão tidos como sectários,
intolerantes, que adoram suas obras em vez de Deus:
Haverá problemas para aqueles que caírem, a ponto de adorar a
obra de Deus em lugar do Deus da obra. (p. 169)
Os que se opuserem, os quais Joyner denomina pedras de tropeço,
serão descartados por profetas especialmente enviados por Deus para esse
ministério:
Mas a maior parte dentre eles será igualmente liberta pela unção
extraordinária que virá. Não será o Senhor que enviará os que se
sentem chamados para atacar e destruir as coisas antigas. Muitas
pedras de tropeço estarão na igreja, as quais causarão confusões
e, de vez em quando, alguns danos. Essas pessoas se
considerarão profetas enviados para julgar e libertar. Os que
servirem nas equipes de liderança terão de ter muito
discernimento para descartar essas pedras. Para que essa
distinção possa ser feita e para que não haja erro quanto às pedras
de tropeço, o Senhor levantará uma quantidade considerável de
profetas, doutores, pastores e apóstolos, habitados pelo Espírito
de Finéias.
Junto com a colheita, virá sobre o mundo uma terrível tribulação,
que terminará por destruir as obras que não foram ordenadas pelo
Senhor. (p. 169)
Ele prediz guerras nucleares, sobretudo nas nações do terceiro mundo.
É mais cômodo (e diplomático)! A feliz América será poupada. Ela bem
merece, aquela que produziu tão grandes líderes e profetas de Deus!
As guerras se multiplicarão. Até mesmo ataques nucleares, mas
serão limitados e acontecerão, sobretudo, entre as nações do
terceiro mundo. Grandes massas de revoltosos tomarão posse de
tudo o que estiver em sua passagem. Um de seus primeiros alvos
será a infraestrutura das igrejas das grandes denominações e os
grandes ministérios, que desaparecerão quase que do dia para a
noite. As religiões pagãs, as seitas e a feitiçaria, se multiplicarão
como um flagelo, mas elas próprias se tornarão alvo dos
amotinados. [...] O medo e densas trevas cobrirão a Terra, mas
será ainda mais impactante a glória que estará sobre os santos.
Grandes multidões virão ao Senhor e esse movimento será tão
considerável em certos lugares, que cristãos jovens exercerão o
ministério de pastor para grandes grupos de crentes. (p. 170)
Em que isso concorda com as instruções de Paulo sobre a constituição
de presbíteros (1 Timóteo 3.1-9)? Além disso, Isaías nos diz que um povo
governado por mulheres e crianças é sinal de decadência e omissão dos
homens. Isso prenuncia calamidades muito próximas. Para Joyner, isso é um
bom presságio:
Espontaneamente acontecerão grandes reuniões, que alterarão a
vida de cidades inteiras. Milagres extraordinários se tornarão
banais e aqueles que hoje são considerados grandes, serão
percebidos pelos jovens crentes como quase sem nenhuma
importância. A aparição de anjos aos santos será comum e uma
glória visível do Senhor aparecerá sobre alguns por longos
períodos em que o poder fluirá através deles. (p. 171)
Não foram os milagres de Jesus ou dos apóstolos que operaram
conversões, mas a pregação da cruz. Pois é ela que convence do pecado e
leva ao arrependimento, à fé em Jesus Cristo e à obediência, pelo ministério
do verdadeiro Espírito Santo.
A Igreja Primitiva e as Escrituras não serão mais o modelo para a igreja
de hoje:
Essa colheita será tão impressionante que não se terá mais a
Igreja Primitiva como modelo; todos dirão que certamente o
Senhor guardou o seu melhor vinho para o fim. A Igreja
Primitiva constituía as primícias; agora, haverá uma verdadeira
colheita! Foi dito que o apóstolo Paulo havia posto o mundo de
cabeça para baixo. Agora, dos apóstolos que serão ungidos, se
dirá que endireitaram um mundo que estava de cabeça para
baixo. As nações tremerão quando seus nomes forem
mencionados. (p. 171)
Para esses profetas, o arrebatamento da igreja não faria parte de suas
considerações. Para eles, como para os Testemunhas de Jeová, a esperança do
cristão é, antes de tudo, terrestre:
Para mim é impossível exprimir aqui a amplitude exata desses
acontecimentos, nem o caos ou a ação do Espírito Santo. Quanto
ao arrebatamento, ou a Segunda Vinda do Senhor Jesus, tenho
minha ideia, mas não recebi nada sobre esse assunto nesta visão.
O que foi me permitido ver resumiu-se no caos que imperará e no
avivamento que se intensificará. (p. 172)
Tanto as verdades bíblicas, como os mandamentos de Deus, que
refletem o caráter santo e imutável de Deus Pai, Filho e Espírito Santo são
rebaixados:
A revelação crescente de Jesus suplantará — como a luz do sol
nascente faz diminuir a luz da lua — a enorme variedade de
doutrinas que no passado julgávamos importantes. Quando a
igreja começar a ver “aquele em quem estão escondidos todos os
tesouros da sabedoria e do conhecimento”, as verdades que
absorviam a atenção serão vistas como insignificantes
(Colossenses 2.5). (p. 173)
A sabedoria e o conhecimento de Cristo não podem ser opostos à sua
Palavra. Aqui, manifestamente, só pode tratar-se de um falso cristo:
O orgulho espiritual e a exaltação dos homens, das verdades ou
das obras individuais, cairão sob o julgamento implacável do
Senhor e logo será compreendido tratar-se de fogo estranho.
Aqueles que continuarem a oferecê-lo desaparecerão do
ministério em razão de manifestações tão impressionantes que
um santo e puro temor do Senhor tomará todo o corpo de Cristo.
Isso ajudará a igreja a entrar numa real adoração espiritual e
numa unidade fundamentada sobre esse louvor. (p. 173)
A unidade, assim constituída, será fundamentada sobre o louvor, e não
sobre a verdade. Os que recusarem essa união para louvar a Deus serão
eliminados.
Os instrumentos que atualmente ele prepara terão uma ousadia e
confiança tais que deixarão este mundo pasmo e tomado pelo
medo. Os milagres serão uma constante na vida daqueles que
viverem nesse tempo. Para eles isso será tão normal, como no
passado foi para Israel colher o maná. Alguns dos feitos do
Senhor em favor do seu povo não terão precedentes, e
ultrapassarão os milagres bíblicos mais impressionantes. Serão
vistos como quase normais, e se produzirão porque a presença do
Senhor provocará maior admiração do que suas obras. Ele estará,
então, muito próximo do seu povo. (p. 174-175)
Os únicos prodígios e milagres preditos na Bíblia para tal época são os
da segunda besta. Veja o que nos diz João:
Vi ainda outra besta emergir da terra; possuía dois chifres,
parecendo cordeiro, mas falava como dragão. Exerce toda a
autoridade da primeira besta na sua presença. Faz com que a terra
e os seus habitantes adorem a primeira besta, cuja ferida mortal
fora curada. Também opera grandes sinais, de maneira que até
fogo do céu faz descer à terra, diante dos homens. Seduz os que
habitam sobre a terra por causa dos sinais que lhe foi dado
executar diante da besta, dizendo aos que habitam sobre a terra
que façam uma imagem à besta, àquela que, ferida à espada,
sobreviveu; e lhe foi dado comunicar fôlego à imagem da besta,
para que não só a imagem falasse, como ainda fizesse morrer
quantos não adorassem a imagem da besta. (Apocalipse 13.12-
15)
Joyner continua:
O Senhor abrirá o entendimento de sua Palavra bem além de
nossa atual compreensão. Os livros não foram ainda abertos
como haverão de ser. Quando forem abertos, nosso progresso na
compreensão das verdades, até as mais elementares, como a
salvação, o novo nascimento, etc., será enorme. Nisso o corpo de
Cristo como um todo ganhará mais solidez, como também
profundidade em suas motivações. O que é espiritual se tornará,
para a igreja, mais real do que o natural. Quando o verdadeiro
fundamento for estabelecido na igreja (nossa união e nosso apego
ao próprio Jesus), haverá tal derramamento do Espírito de
revelação como jamais houve. (p. 175)
Por que fazer brilhar diante dos nossos olhos um conhecimento divino
direto, adquirido nesta terra por iluminação imediata, como a pregada pelo
gnosticismo? Cristo nos deixou sua Palavra, que é suficiente e capaz de fazer
com que o homem de Deus alcance a maturidade espiritual e seja
perfeitamente habilitado para toda boa obra:
Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste
inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância,
sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a
salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por
Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para
a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja
perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra. (2
Timóteo 3.14-17)
Joyner acrescenta:
A renovação carismática e a terceira onda foram ações notáveis
do Espírito Santo. Ainda que, às vezes, os frutos tenham parecido
superficiais, multidões realmente encontraram o Senhor. Mas,
dramático foi o retorno ao mundo de tão grande número deles.
Apesar de tudo e de muito trabalho, um grande número, dos que
foram levados ao reino, permaneceu e cresceu. [...]
Neste trabalho, não resista ao Senhor. Procure uma maior
intimidade com ele, e esteja aberto aos outros membros do corpo
de Cristo. [...] A unção quebrará rapidamente todos os nossos
jugos. A Reforma [do século XVI] nos mostrou o caminho. As
renovações carismáticas e pentecostais começaram a nos
conduzir à verdade. Graças ao avivamento que está próximo,
finalmente conheceremos Jesus como nossa vida. (p. 175-176)
Joyner, em sua nova concepção do cristianismo, apagou quase que
completamente a Palavra escrita de Deus, como também a história da igreja.
Segundo ele, antes das renovações pentecostais e carismáticas, não existia
grande coisa que fosse realmente boa. Todos os que morreram como mártires,
desde os primeiros séculos até nossos dias, não são muito dignos de
consideração, uma vez que tinham uma teologia diferente da sua. Antes de
Joyner e dos profetas do Metro Vineyard, Jesus não podia ser conhecido
como a nossa vida. Quando Paulo diz “Cristo é minha vida”, sem dúvida
alguma isso não passa de uma pobre ilusão. Os discípulos e os cristãos
autênticos de todos os séculos viveram a realização das promessas do Senhor
Jesus Cristo citadas em João 15 e outros textos. Isso Joyner nega
categoricamente.
Esses exemplos sobre Joyner são suficientes para convencer-nos de que
estamos lidando com um falso profeta, e também são falsos profetas todos
aqueles que seguem e propagam seu ensino.

b. A batalha final[48]
Examinemos, para terminar, outra obra de Rick Joyner, A batalha final.
Alguém poderia perguntar por que perdemos tempo em ler e refutar tal obra.
Fazemos isso na esperança de ver alguns retornarem ao bom senso, aqueles
que poderiam aindar ter alguma dúvida. Não escrevemos para aqueles que
estão convencidos da falsidade dessa obra, embora seja útil para estes
perceber em que pântano o mundo cristão está atolado e possam ajudar
alguns. Muitos se perguntam como ter discernimento. A Bíblia nos diz que o
estudo da Palavra torna-nos sábios, inteligentes e nos dá esse discernimento.
A crítica dessa obra poderá ser uma ajuda prática para aqueles que não
aprenderam a avaliar, pelas Escrituras, tudo o que leem ou ouvem.
O livro A batalha final foi editado pela Jeunesse en Mission [Juventude
em missão], em 1997. Sabemos que a Jeunesse en Mission infiltrou-se em
todas as igrejas (inclusive a católica) e trabalha ativamente para construir
pontes entre as comunidades cristãs, em nome de um amor sem doutrina e
sem preocupação com a verdade. Ela introduziu, igualmente e em todos os
lugares, comportamentos e doutrinas carismáticas, tanto quanto fizeram os
movimentos Vineyard, Toronto e outros. Nem tudo é ruim na Jeunesse en
Mission, e é isso que torna sua sedução mais sutil e faz com que todo o
questionamento seja difícil. Sua máxima, vista em todos os lugares onde
atuam — não é preciso julgar, não é preciso criticar — não leva à reflexão e
não contribui para fazer cristãos, homens feitos ou adultos, “aqueles que,
pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o
bem, mas também o mal” (Hebreus 5.14). Adiante veremos a demonstração
disso.
Essa obra faz referência a uma nova série de visões que Rick Joyner
teria recebido do Senhor. Essas experiências foram, primeiramente, escritas
em várias publicações americanas, atraindo assim a atenção das igrejas e dos
líderes cristãos, ávidos por esse tipo de fábula. Essencialmente, essas visões
teriam como alvo encorajar os crentes a tornarem-se vencedores, a fim de
enfrentar a batalha final diabólica contra a igreja.
Essas visões são todas orientadas na perspectiva definida pelos profetas
de Kansas City e sua escatologia triunfalista. Evidentemente, ela não vem do
Deus de Jesus Cristo, mas do anjo caído que consegue fazer-se passar por
Deus, assim como de seus asseclas, os demônios, que se fazem passar por
defuntos. A Bíblia, no entanto, é categórica. Ela nos proíbe fazer contato com
os mortos, sejam santos ou não! Portanto, trata-se de mensagens ocultistas!
Que tenhamos consciência disso!
Joyner viu aparecer diante dele uma horda de demônios montados não
sobre animais, mas sobre os cristãos! Com sua sutileza habitual, nosso
profeta declarou:
Essas pessoas professavam as verdades cristãs para apaziguar
suas consciências, mas viviam uma vida de compromisso com os
poderes das trevas. (p. 18)
Não foi por inocência que Joyner pôs em cena aqueles que
professariam as verdades cristãs para apaziguar suas consciências e que, ao
mesmo tempo negociariam com os poderes das trevas!
Essa horda de demônios disparava suas flechas contra os partidários do
avivamento de Kansas City. O nome que essas flechas levavam não era
ocasional, uma vez que se tratava dos nomes daqueles que ousavam colocar
em dúvida a autenticidade da obra dos profetas de Kansas City e de seus
apoiadores. Eram as flechas inflamadas da Acusação, da Maledicência, da
Calúnia e da Crítica. Um belo exemplo de manipulação por intimidação.
Quando os preguiçosos, os medrosos, os simples, os ignorantes, por
questionarem, são tratados dessa maneira, suas bocas são fechadas. É por isso
que tantas pessoas, devidamente intimidadas, seguem esses profetas como
ovelhas mansas e são levadas para o matadouro sem nenhuma pena. Quanto
aos batedores à frente dessa horda de demônios, eles se chamam: Rejeição,
Amargura, Impaciência, Resistência a perdoar, Luxúria. Todos muito na
moda nas terapias de autoajuda de hoje.
Joyner viu em seguida uma guerra civil espiritual sendo preparada na
igreja:
O Senhor prepara líderes que estarão prontos para dar início a
essa Guerra Civil espiritual, a fim de libertar os homens. Isso
implicará a escravidão ou liberdade. O segundo desafio, que será
mais difícil para alguns, será o dinheiro. Exatamente como a
Guerra Civil americana, que às vezes parecia querer destruir a
nação inteira, o que virá sobre a igreja também às vezes parecerá
marcar seu fim. Entretanto, como a nação americana não apenas
sobreviveu, mas tornou-se a nação mais poderosa da terra, assim
será também com a igreja. Ela não será destruída, mas as
instituições e as doutrinas que mantiveram os homens na
escravidão, essas serão. (p. 37)
Certamente não foi graças a sua santidade que ela se tornou a nação
mais poderosa da terra. Basta constatar sua arrogância, seu desprezo aberto à
Lei de Deus, seu frenesi em destruir quem ousa resisti-la e as falsas doutrinas
que destila.
Nessa visão, o Senhor parabeniza a Rick Joyner e o exorta a munir-se
da melhor arma para travar essa guerra: o amor do Pai... Esta expressão o
amor do Pai não é nem um pouco nova. Todas as manifestações torontistas
tinham por alvo experimentá-lo. Continuemos na leitura de nosso autor:
Eu fechava os olhos e via a glória de Deus, o que era
reconfortante, porque não podia mais viver sem vê-la, agora que
a tinha experimentado. (p. 41)
Que visão pobre e banal da santidade e da grandeza de Deus! Ver a
glória de Deus e sua santidade e sentir-se reconfortado! Que contraste com a
visão de Isaías 6.1-6! Isso confirma que não podia ser a glória do Deus
verdadeiro. O entendimento e a reflexão são rebaixados.
Jesus lhe diz: O que torna justo diante de Deus não é crer com a
mente, mas crer com o coração. (p. 45)
A fé verdadeira é um dom de Deus, que faz com que nossa mente
iluminada se apegue às verdades bíblicas. Ela não elimina o uso da razão. O
encontro, nos lugares celestiais, entre Joyner e grandes personalidades cristãs
e o diálogo travado por eles, ultrapassa todos os limites, tanto do imaginável
como da blasfêmia, tamanha sua frivolidade, insensatez e irreverência. Mas,
para Joyner, esses contos de fadas são um meio muito útil para transmitir
suas próprias ideias e assim, pouco a pouco, modificar a mentalidade dos
cristãos e sua atitude em relação à autoridade e veracidade da Bíblia. Em sua
visão, Joyner chega na região habitada pelas virgens insensatas. Esta é a
região na qual estão aqueles que vivem no estrato mais baixo do céu. Um dos
habitantes lhe explica:
Há algo como uma hierarquia. A recompensa por nossa vida
terrestre é a posição que teremos para toda a eternidade. Esta
grande multidão é composta daqueles a quem o Senhor chamou
de virgens insensatas. Nós conhecíamos o Senhor, tínhamos fé
que sua cruz era nossa salvação, no entanto não vivíamos de fato
para ele, mas para nós mesmos. Não tínhamos nossas lâmpadas
cheias do óleo do Espírito Santo. É verdade, nós temos a vida
eterna, mas desperdiçamos nossas vidas sobre a terra. (p. 87)
A Bíblia nos diz que as virgens insensatas encontraram a porta fechada
e disseram: Senhor, Senhor, abre-nos a porta. Mas ele respondeu: “Não vos
conheço” (Mateus 25.11,12). Joyner, à maneira dos liberais, sem o menor
escrúpulo, se permite falsificar e reinterpretar as Escrituras como lhe convém
e falsear a lógica (as virgens insensatas, nessa obra, dizem que ainda têm a
vida eterna, quando é evidente que jamais a tiveram!). Constatamos aqui a
persistência da teoria que examinamos anteriormente sobre os dois tipos de
cristãos, os carnais, aqueles que vivem para eles mesmos, e os espirituais, que
vivem verdadeiramente para Deus.
Nessa região onde habitam as virgens insensatas, Joyner conversa com
diferentes pessoas, inclusive com aquele a quem chama de “o grande
reformador”. Ele não cita o seu nome, mas podemos facilmente concluir que
se trata de João Calvino em pessoa! Ele fica surpreso em vê-lo nesse lugar e
lhe pergunta a razão. Calvino responde:
Eu estou aqui porque cometi um erro enorme [...]. O apóstolo
Paulo passou do nível em que se considerava superior aos
grandes apóstolos, para aquele em que dizia ser o maior dos
pecadores. Eu fiz como ele, mas de forma inversa. Eu parti do
fato de que era um dos maiores pecadores a encontrar a graça,
para chegar a pensar que era um dos grandes apóstolos. Foi por
orgulho e não por insegurança [...] que comecei a atacar todos os
que não viam as coisas exatamente como eu as via. [...] Ninguém
ousou me questionar, porque o teria feito em pedaços. Pensei que
rebaixando os outros, me elevaria. Acreditava que era o próprio
Espírito Santo! [...] No fim, eu não servia mais ao Senhor, mas ao
ídolo que eu tinha feito de mim mesmo e, no fim de minha vida,
eu era, literalmente, um inimigo do verdadeiro Evangelho, ao
menos na prática, ainda que meus ensinos e escritos tivessem a
aparência de ser impecavelmente bíblicos. (p. 94)
Fora o aspecto absolutamente cômico da passagem, que injúria a
Calvino! Examinemos a imagem do reformador traçada por Joyner: era um
poço de orgulho que julgava ser o Espírito Santo e que estava pronto para
destruir quem quer que o questionasse; era inimigo do Evangelho; seus
escritos e ensinos tinham aparência de ser bíblicos, mas, subentende-se, não o
eram realmente.
Se, segundo Joyner, Calvino apenas fingia conhecer Jesus, então o que
fazia nos lugares celestes? Joyner, no entanto, deveria saber o fim que está
reservado aos hipócritas e mentirosos:
Fora ficam os cães, os feiticeiros, os impuros, os assassinos, os
idólatras e todo aquele que ama e pratica a mentira. Eu, Jesus,
enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas às igrejas.
(Apocalipse 22.15-16a)
Na verdade, ele não está preocupado em saber, uma vez que a Palavra
escrita não exerce nenhuma autoridade sobre ele. Joyner questiona, ainda,
Calvino:
Se é verdade que você tornou-se um inimigo do Evangelho,
como é possível que esteja aí? Perguntei eu.
Pela graça de Deus, eu sempre tive fé na obra da cruz para minha
salvação pessoal, ainda que tenha, efetivamente, desviado outros
ao conduzi-los a mim mesmo e não ao Senhor. Mas, no entanto,
nosso Salvador amado permanece fiel para conosco, ainda que
sejamos infiéis. Foi também por graça que o Senhor me tirou da
terra antes da hora, para que aqueles que estavam sob meu poder
pudessem encontrá-lo e conhecer somente a ele. (p. 95)
Que ilusão! Se o Senhor permanece fiel a si mesmo, às suas promessas
e ameaças, por outro lado não permanece “fiel” àqueles que romperam a
aliança feita com ele, que perseveram na desobediência e que desprezam sua
Palavra escrita. Calvino certamente sabia e agia em consequência disso. Basta
ler uma ou outra das suas biografias para julgar se Calvino era a espécie de
homem aqui descrita por Joyner.[49] Ele põe na boca de Calvino um dialeto de
Canaã frouxo, que o reformador vomitaria se ainda estivesse no mundo!
Além disso, o relato de Joyner é totalmente anacrônico. Se um certo Calvino
realmente lhe falou, sem dúvida alguma tratou-se de um demônio utilizando a
máscara do reformador.
Em seguida, vem um diálogo com a mulher do reformador (Idelette de
Bure). Julgue você mesmo. Joyner coloca-se aqui no mesmo diapasão do
mundo americano e descreve o que seus leitores gostariam de ouvir:
Depois, uma mulher que eu não conhecia se separou deles. Ela
era de uma beleza e graça de cortar o fôlego, sem que tivesse
nada de sensual ou sedutor.
“Eu era a sua mulher na terra”, disse ela. “Grande parte do que
você sabe sobre ele veio na realidade de mim, de maneira que o
que vou lhe dizer não diz respeito somente a ele, mas a nós dois.
Pode-se reformar a igreja sem reformar sua alma. Podemos
decidir o curso da história e não fazer a vontade de Deus, nem
glorificar seu Filho. Se nos engajamos a fazer a história humana
isso é possível, mas é uma obra efêmera, que desaparecerá como
se dissolve uma espiral de fumaça”. (p. 96-97)
Quem reina sobre a história do mundo e das pessoas é Deus. A
verdadeira mulher de Calvino sabia disso. Essa mulher da visão de Joyner
não passa de uma invenção estúpida, ou foi inspirada por demônios, produto
de uma inspiração delirante e caluniadora. A pseudo-mulher de Calvino
continua:
Somente guardando a alma pura pode-se exercer um impacto
sobre o mundo que seja útil aos propósitos de Deus. Meu marido
perdeu sua alma por minha causa, e a encontrou no fim de sua
vida, porque fui tirada da terra para dar-lhe uma nova chance. A
maior parte do que ele fez foi por mim, mais do que pelo Senhor.
Eu o pressionei e lhe dei uma grande parte do que ensinou. Fiz
uso desse expediente para encher o meu ego, porque, naquela
época, uma mulher não era reconhecida como líder espiritual. Eu
vivi sua vida em seu lugar, a fim de viver minha vida através
dele. E, rapidamente, fiz com que fizesse tudo isso por simples
fidelidade a mim. (p. 96)
É um delírio! Ela queria “encher seu próprio ego”! Esta é a expressão
psicológica de uma reivindicação feminista vinda diretamente da América.
Em suma, o pobre Calvino foi um tolo governado por uma mulher que lhe
assoprava todo o seu ensino! Em seguida ela lhe fez confissões delirantes
sobre a qualidade do amor existente entre ela e seu marido, que tudo não
passava de hipocrisia e de uma vida de mentira, etc., etc.
O grande reformador faz esta última exortação ao nosso viajante
celeste:
Não tente ensinar aos outros o que você mesmo não faz. A
Reforma não é somente uma doutrina. (p. 99)
Quem disse que a Reforma foi somente uma doutrina?
A verdadeira Reforma vem somente de uma real união com o
Salvador. Quando se está sob o jugo de Jesus Cristo e carregamos
o seu fardo, o próprio Jesus está ali para carregá-lo. Só podemos
fazer suas obras com ele, e não somente por ele. Somente o
Espírito faz as coisas do Espírito. Se estivermos debaixo do seu
jugo, não faremos nada por interesse político ou pela história.
Tudo o que é feito em razão de pressões do poder ou por causa
das circunstâncias dará fim ao verdadeiro ministério. (p. 99)
Calvino teria sido o maior dos hipócritas. A sede de poder teria dirigido
todas as suas ações. Não teria tido nenhuma comunhão com Jesus Cristo. De
novo, Joyner apenas rebaixa a doutrina ou o ensino das Escrituras. Ele tece
belas frases que soam ocas. Na verdade, ele descreve a si mesmo e não
percebe.
Em seguida, Joyner encontra um homem que considera como um dos
maiores escritores de todos os tempos, que percebemos tratar-se, talvez, de
um C. S. Lewis de sua fabricação. Esse escritor lhe diz:
[...] Eu era honrado pelos reis, mas não fui fiel ao Rei dos reis.
Fiz uso dos maiores talentos e da mente penetrante da qual fui
dotado, para atrair os homens a mim mesmo por minha
sabedoria, e não ao Senhor. Além disso, eu o conhecia somente
por ouvir falar e foi dessa maneira que obriguei os homens a
conhecê-lo. Fiz com que conhecessem o raciocínio dedutivo, em
vez do Espírito Santo que eu mal conhecia. Não os levei a Jesus,
mas a mim mesmo ou a outros como eu, que achavam que o
conheciam. (p. 109)
Pobre escritor! Ele teria também figurado entre os maiores hipócritas
deste mundo. Achava que conhecia a Jesus. O que ele faz, então, nos lugares
celestes? Por outro lado, o raciocínio dedutivo, isto é, o bom senso, o
verdadeiro, a boa lógica que não contradiz o bom senso dos Provérbios e da
Sabedoria que é Jesus Cristo, tudo isso é diminuído em benefício do Espírito
Santo. Como se o Espírito Santo, que inspirou as Escrituras, pudesse negar-se
a si mesmo. E faz com que esse escritor diga:
Se tivesse buscado o Senhor em vez de conhecê-lo
intelectualmente, os milhares de pessoas que eu teria ensinado
teriam, por sua vez, trazido milhões. [...] É preciso buscar o
Senhor em vez de conhecê-lo mentalmente. (p. 110)
Outra vez, Joyner opõe o conhecimento de Cristo à mente. No novo
nascimento, a mente é transformada pelo Espírito Santo de tal maneira que
nossos pensamentos são gradualmente levados cativos à obediência de Cristo
(2 Coríntios 10.5). A mente é renovada enquanto meditamos na Palavra com
o auxílio do Espírito Santo: “Compreendo mais do que todos os meus
mestres, porque medito nos teus testemunhos” (Salmos 119.99). Jesus diz em
Mateus 12.24, que erramos por não conhecer as Escrituras. A Bíblia descreve
a impiedade em termos de mente pervertida (Efésios 4.18; Romanos 1.21-
22). Nenhuma conversão e nenhum progresso espiritual é possível sem o uso
contínuo do pensamento.
Joyner encontra várias vezes o Senhor sob a aparência de um
personagem chamado Sabedoria, que ensina:
Você fica impressionado quando lhe dou uma palavra de
conhecimento sobre a doença física de alguém, ou outra
revelação qualquer. Isso acontece quando você toca a minha
mente apenas levemente. Se você tivesse a minha mente de
forma plena, seria capaz de conhecer inteiramente todos os que
viesse a encontrar, como fez em sua experiência aqui. Você veria
qualquer homem exatamente como o vejo. Entretanto,
permanecer plenamente em mim é muito mais enriquecedor.
Você tem de ter meu coração para saber como utilizar
corretamente esse conhecimento. Só então você julgará como eu.
(p. 124)
Esse conhecimento direto — unívoco — do pensamento de Cristo, na
verdade é uma identificação com Cristo, uma autodivinização. Esse suposto
Cristo que lhe fala é um falso cristo, porque diz que ele pode tornar-se como
Deus, obter um livre acesso à própria mente de Cristo e atingir assim a
onisciência. Nada mais do que uma repetição da mentira da serpente a Eva no
Jardim do Éden. Além disso, é uma negação grotesca da ordem da criação.
As faculdades humanas, ainda que renovadas pelo Espírito Santo, não são
nada para ele. Tudo deve vir de uma identificação do crente com Deus, de sua
mente com a mente divina. Trata-se aqui de uma total divinização ocultista.
Segundo Joyner, a Sabedoria prossegue:
Só posso lhe dar meu conhecimento sobrenatural na medida em
que você conhecer meu coração. Os dons do Espírito que enviei à
minha igreja são apenas as primícias dos poderes do século
vindouro. Eu o chamei para ser um dos mensageiros desses dias,
e por consequência, você tem de conhecer esses poderes. Você
tem de desejar ardentemente os dons, porque eles fazem parte de
mim, e os dei para que você seja como eu. (p. 125)
Esse falso cristo o lisonjeia, lhe prediz uma carreira extraordinária, faz
com que brilhem os poderes e dons espantosos que deve desejar e cobiçar
para ser um homem de Deus. É possível notar a linguagem do inimigo de
nossas almas. São sempre as mesmas coisas.
Ele passa diante dos tronos e reconhece o apóstolo Paulo, ao qual diz:
Estou exultante por este momento. Sei que tu estás ciente de
como tuas cartas têm sido um guia para a igreja e como elas,
ainda hoje, exercem mais influência do que todos nós. Elas são
uma das maiores fontes de luz sobre a terra.
“Obrigado”, diz o apóstolo amavelmente. “Mas você não imagina
como desejávamos este encontro. Você é um soldado do último
combate. Você e os outros têm sido esperados por nós. Vimos
esses dias somente de forma confusa, pela nossa visão profética
limitada, e você foi escolhido para vivê-los. Prepare-se para a
última batalha. Vocês são aqueles que esperávamos”. (p. 126)
De novo a bajulação grosseira e estúpida. Quem se deixaria levar por
tal jogo? Somente aquele que ama esse tipo de aparência. Joyner joga flores
em si mesmo pela boca de Paulo! É evidente que não é o Paulo da Bíblia.
Joyner lhe pergunta:
O que tu dirias à minha geração, que poderia nos ajudar no
combate?
E Paulo responde:
Poderia dizer-lhe, agora, apenas o que já disse em minhas cartas.
Gostaria que você as compreendesse melhor a partir de agora,
quando lhe informo que não estive à altura de tudo para o que fui
chamado.
E Joyner acrescenta:
Foi o que Paulo me informou, olhando bem nos meus olhos. (p.
126)
“Olhando bem nos meus olhos”, esta expressão Joyner a utilizará
inúmeras vezes, o que, ele crê, irá demonstrar a legitimidade, a sinceridade e
a veracidade de seus personagens e visões. E o seu Paulo acrescenta:
Pela graça de Deus, pude terminar minha carreira. Entretanto,
não fiz todo o caminho que me havia sido traçado. Passei ao
largo dos propósitos mais elevados que me tinham sido dados a
realizar. Isso acontece com todos. (p. 127)
O Paulo verdadeiro completou tudo o que Deus decidiu que devia
realizar (as obras preparadas por Deus antes da fundação do mundo). Os
cristãos verdadeiros — apesar de seus erros, fraquezas e falhas —
seguramente também realizam, pela graça soberana de Deus, todas as obras
para eles preparadas. E essas boas obras os seguem no mundo vindouro. Seu
apóstolo acrescenta:
Como você pôde ler em minhas cartas, eu evoluí de uma posição
para outra: no começo eu pensei que era superior aos apóstolos
mais eminentes, mas depois reconheci que era o maior dos
pecadores. (p. 127)
Em 2 Coríntios 11.5; 12.11, Paulo está ironizando, ele não está se
comparando, seriamente, aos falsos apóstolos. O Paulo de Joyner
continua:
Não era somente por humildade, mas era a pura verdade. Ele me
havia confiado muito, muito mais do que eu podia fazer. Somente
um creu perfeitamente, obedeceu perfeitamente, concluiu
perfeitamente o que lhe foi dado para fazer, mas você pode fazer
muito mais do que eu fiz. (p. 127)
As obras que Deus preparou de antemão para que Paulo as realizasse
ele as realizou, porque o que Deus decide sempre se realiza. Quando alguém
não crê na soberania de Deus, como Joyner, se permite dizer o que diz. Mas,
em Paulo, vemos uma plena demonstração da soberania de Deus. Ele realizou
toda a obra que Deus lhe havia designado, tendo sido sustentado e apoiado
por ele. O Paulo verdadeiro pôde escrever no fim de sua vida:
Quanto a mim, estou sendo já oferecido por libação, e o tempo da
minha partida é chegado. Combati o bom combate, completei a
carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está
guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não
somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda.
(2 Timóteo 4.6-8)
O Paulo de Joyner acrescenta:
Sou muito grato ao Senhor por utilizar minhas cartas como ele o
fez. Mas, me preocupa o fato de muitos de vocês as utilizarem
mal. Elas falam a verdade do Espírito Santo e são a Escritura.
Sim, o Senhor me deu pedras importantes para edificar sua igreja
eterna, mas essas não são pedras fundamentais. As fundações
foram postas somente por Jesus. Minha vida e meu ministério
não são modelo para aquilo a que vocês foram chamados.
Somente Jesus é o modelo. Se o que escrevi for utilizado como
fundamento, não suportará o peso daquilo que é preciso
construir. O que escrevi deve ser erguido sobre o único
fundamento capaz de resistir o que vocês irão enfrentar, mas não
é o fundamento. Você tem de ver meus ensinos através dos
ensinos do Senhor, e não tentar compreendê-lo segundo minha
perspectiva. Suas palavras são o fundamento. Eu apenas construí
sobre elas, desenvolvendo-as. A maior sabedoria, as verdades
mais poderosas, são suas palavras, não as minhas. (p. 128)
Joyner se alia aos erros do liberalismo. Os que utilizam os erros do
método histórico-crítico constantemente contrapõem o ensino de Paulo ao de
Jesus. Tudo isso é uma teia de mentiras. Cremos, com a igreja histórica de
todos os séculos, que os escritos de Paulo foram plenamente inspirados pelo
Espírito Santo e, por consequência, são o próprio pensamento de Deus (1
Tessalonicenses 2.13; 1 Coríntios 14.34). Aliás, Joyner diz isso no início do
parágrafo, para em seguida apressar-se em insinuar o contrário. Ele faz uso da
dialética para confundir o pensamento dos seus leitores e introduzir a dúvida
e novas doutrinas insidiosamente. Em relação aos fundamentos, lembramos a
Joyner as palavras de Paulo:
Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo
ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; no qual todo o edifício,
bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor. (Efésios
2.20,21)
Sempre, para Joyner, a vida e o ministério de Paulo “não são o modelo
para o que fomos chamados a ser”. Ora, Paulo disse explicitamente em 1
Coríntios 11.1-2: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo”; e
em 1 Tessalonicenses 1.6: “com efeito, vos tornartes imitadores nossos e do
Senhor”. O pretenso Paulo de Joyner acrescenta:
Você tem de saber que eu não andei em todos os caminhos que
me foram oferecidos. Há, para cada crente, muito mais
possibilidades do que fiz uso. Todo crente verdadeiro tem o
Espírito Santo. O poder daquele que criou todas as coisas está
nele. O menor santo tem o poder de transportar montanhas, de
parar exércitos, de ressuscitar os mortos. Se você quer realizar,
durante sua vida, tudo para o que foi chamado, meu ministério
não deve ser considerado a derradeira etapa, mas como um ponto
de partida. O seu alvo não é ser como eu, mas como o Senhor.
Você pode ser como ele e pode fazer tudo o que ele fez e ainda
mais, porque ele guardou o melhor vinho para o fim. (p. 128)
Ele faz com que Paulo diga tudo o que deseja que seus leitores creiam.
Temos a impressão de ouvir a antiga serpente, como aos nossos primeiros
pais, fazer com que brilhem aos nossos olhos as capacidades que estariam em
nós: o poder do Criador... nada mais do que isso! Transportar montanhas,
parar exércitos, ressuscitar mortos: “Se me escutarem, serão como os deuses”
— lhes sussurra aos ouvidos. Esse é o ensino da Nova Era, da mística natural.
Devemos nos tornar super-homens, fazedores de prodígios e milagres. Joyner
comenta:
Eu sabia que naquele lugar falava-se apenas a verdade. Eu sabia
que o que Paulo dizia era verdade e que muitos tinham utilizado
mal o seu ensino ao considerá-lo como o fundamento, em vez de
construir sobre o fundamento dos Evangelhos; mas ainda era
difícil aceitar que Paulo estivera longe de cumprir sua vocação.
[...] Eu o tinha posto sobre um pedestal, o que tinha sido uma
transgressão, da qual ele tentava me livrar. (p. 129)
Chegou lá! Abriu o jogo! Inventar, ele próprio, uma doutrina, seria
arriscado. É melhor que ela saia da boca do apóstolo Paulo, e o caso fica
encerrado! Mas Joyner hesita. Parece refletir melhor. Inverteu totalmente a
coisa e depois, finalmente, convenceu-se da veracidade das palavras de
Paulo, ainda mais porque foram ditas “nos lugares celestes, onde só se fala a
verdade”. Se ele, um “profeta de Deus”, foi convencido, nós também
podemos! E os cordeiros seguem o lobo disfarçado de ovelha...
Ele [Paulo] me olhou diretamente nos olhos e me disse: “Eu sou
seu irmão. Eu o amo, assim como todos os que estão aqui. Mas
você tem de compreender. Nós encerramos a carreira e não
podemos tirar, nem acrescentar mais nada ao que plantamos na
terra. Você pode. Nós não somos sua esperança. Você é a nossa.
E o que conversamos apenas confirma o que já escrevi, mas
ainda resta muito a ser escrito por você”. (p. 129)
A esperança do apóstolo Paulo é Joyner! Essa conversa confirma que é
o diabo quem fala.
Minha geração serviu para colocar os fundamentos; ela começou
a construção, e essa honra será sempre nossa. Mas cada andar,
construído sobre o fundamento, faz com que ele suba mais alto.
Não seremos o edifício que devemos ser, se vocês não chegarem
mais alto. (p. 129)
Certamente não é o discurso do Paulo da Bíblia, ao qual Joyner atribui
afirmações contraditórias no que diz respeito aos fundamentos. O Paulo de
Joyner prossegue:
A cruz é o poder de Deus, o centro de tudo a que somos
chamados a viver. Se lhes falta poder para transformar o coração
e a mente dos discípulos de seu tempo, é porque vocês não vivem
e não pregam a cruz. Consequentemente, a gente tem dificuldade
em notar diferença entre os discípulos e os pagãos. Isso que nos
deram para pregar não é o evangelho, nem a salvação. Vocês têm
de retornar à cruz. (p. 130)
Um pouco de verdade para disfarçar a mentira. Perfeito! Ele fala da
cruz, então não pode ser um falso profeta. É o que dirão os que não conhecem
a Bíblia. Assim Joyner conclui, depois de sua longa discussão com esse
apóstolo Paulo imaginário:
[...] eu sentia que tinha recebido uma bênção da igreja universal.
A grande nuvem de testemunhas nos encorajava e sustentava
plenamente. (p. 132)
Mais tarde, ele encontra novamente a Sabedoria, que lhe diz:
Você poderá ficar mais perto de mim e até mais, como ninguém
jamais ficou. Eu preparei o caminho para que todos fiquem tão
perto de mim quanto realmente desejem. Se você desejar
realmente ficar ainda mais perto de mim como nem Paulo esteve,
você pode. Alguns desejarão isso e farão tudo para descartar o
que possa impedir sua intimidade comigo e entregar-se
totalmente a ela. Eles terão o que procuram. [...]. Desejo isso não
apenas aos meus líderes, mas a todos aqueles que reivindicam
meu nome. Quero estar muito mais próximo de você e de todos
os que invocam o meu nome, como jamais estive com alguém
sobre a terra. Você é quem decide sobre nossa intimidade e não
eu. (p. 134)
Alguém poderia estar mais perto de Deus do que Paulo ou o apóstolo
João? Agora, o demônio faz saltar aos olhos as experiências de êxtases e de
união mística com Cristo. Mas como cabe a nós decidirmos, então mãos à
obra! Esforcemo-nos, por qualquer que seja a disciplina, para atingir o
Nirvana. Corramos após os sinais e milagres. Façamos milagres nós mesmos,
pois somos deuses! Enfim, ele reconhece um evangelista da sua infância:
Enquanto escutava, me senti impulsionado a levantar os olhos
para um dos tronos não muito distante. Era um grande
evangelista de minha infância, e muitos pensavam que ele tinha
recebido mais poder do que qualquer um em toda a história da
igreja. Havia lido coisas sobre ele e escutado mensagens
gravadas. Era difícil permanecer insensível à sua humildade
autêntica e à evidência de seu amor pelo Senhor e pelas pessoas.
(p. 138)
A aparência de humildade e de amor é a maior arma dos falsos mestres
para afastar qualquer pensamento de suspeita quanto às suas pessoas, ações
ou doutrinas. Não é por outra coisa que Joyner enfatiza várias vezes a
humildade.
Entretanto, sentia também que alguns dos seus ensinos tinham
sérios desvios. Fiquei surpreso, como também aliviado, por vê-lo
sentado num grande trono. Eu estava fascinado pela humildade e
amor que dele emanavam. Quando me virei para o Senhor, para
perguntar se podia falar com aquele homem, com toda evidência
percebi como o Senhor o amava. (p. 139)
Joyner vê sentados em grandes tronos até mesmo aqueles que ensinam
falsas doutrinas. Trata-se aqui, certamente, de William Branham, que
corresponde bem à descrição dada por Joyner. Mas Branham, o falso profeta
da doutrina “Só Jesus”, não cria na Trindade. Deus Pai, Deus Filho e Deus
Espírito Santo (três Pessoas, mas Um só Deus) eram para ele uma só e
mesma pessoa, com Jesus assumindo papéis diferentes de acordo com as
necessidades e as circunstâncias do momento. É a velha heresia do
modalismo. Branham tinha um poder de cura e uma extraordinária
capacidade de vidência, e quando de suas idas à Suíça, os lugares de reunião
lotavam. Ele próprio dizia que não podia fazer nada se o anjo negro que se
colocava continuamente ao seu lado não lhe desse as revelações e ditasse o
que fazer. O autointitulado Senhor lhe diz:
Só queria que você o visse aqui, explicou o Senhor, e que
compreendesse sua posição em relação a mim. Você tem muito
que aprender sobre este assunto. Ele era um mensageiro para a
igreja dos últimos dias, mas a igreja não pôde compreender no
devido tempo. Por um momento, é verdade, ele mergulhou no
desânimo e no erro, e sua mensagem foi deformada. É preciso
retomá-la. (p. 139)
Que mensagem Joyner quer passar aqui? Sem dúvida a mensagem de
que os erros e as falsas doutrinas não são graves. É preciso amar esse
evangelista como o autodenominado Senhor o amava e fechar os olhos para a
doutrina. Devemos procurar compreendê-lo; ele foi infeliz. Devemos resgatar
sua mensagem e imitá-lo; fazer prodígios, milagres e alinhar-se às obras do
Anticristo!
Finalmente, A batalha final foi colocada no mesmo nível da Escritura.
O próprio leitor pode julgar pelo posfácio, que está no dorso da capa dessa
obra, escrito por Colin Urquhart:
Não somente este livro dá uma visão clara dos lugares celestes,
mas também reforça nossa compreensão sobre o que Jesus
ensinou nos Evangelhos. É uma obra atualíssima, porque torna
claro o combate espiritual que cada cristão tem de enfrentar,
queira ou não.
Ele “reforça nossa compreensão”, isto é, explica e confirma o que Jesus
ensinou nos Evangelhos! Que mentira, que desonestidade intelectual a ponto
de torcer as Escrituras dessa maneira!
A leitura desses livros mostra-nos um flagrante crescimento da
apostasia: o homem procura cada vez mais sair da ordem criacional (sua
natureza humana), e deseja tornar-se como Deus. Mas ele só pode parodiá-lo
com o poder de Satanás. Muitos dos que dizem que a Escritura é sua regra de
vida não discernem mais o mal e ficam presos nessa cegueira. Por quê?
“Porque não creram na verdade” que é a Palavra de Deus — o próprio Jesus
disse isso: a tua Palavra é a verdade (João 17.17), “e [....] deleitaram-se com a
injustiça [...] por este motivo, pois, que Deus lhes manda a operação do erro,
para darem crédito à mentira” (2 Tessalonicenses 2.9-12).
Que tristeza! Todos esses líderes religiosos que creem ser objeto de
grandes bênçãos, que rivalizam em suas experiências, que glorificam uns aos
outros, não buscam a glória de Deus somente. Onde está, então, seu
discernimento? Como ainda alguém pode confiar neles? Que Deus tenha
misericórdia dos cristãos cegos que os seguem. Que ele abra seus olhos e que
os falsos doutores sejam desprezados!

6. A grande religião mundial


Vemos claramente que é pela via do misticismo e pelo abandono
progressivo dos escritos de base das quatro grandes religiões — budismo,
hinduismo, islamismo e cristianismo — que a nova religião está sendo
construída. A obra de Shafique Keshavjee, O rei, o sábio e o bufão[50] está aí
para provar. Segundo ele, é preciso descobrir juntos, num espírito de
abertura, o que é a experiência religiosa autêntica. Para que as diferentes
religiões possam se aproximar, reconciliar-se, juntar-se e unir-se, devem
dialogar e progredir juntas. Cada uma delas deve ir além dos escritos, que são
o fundamento de sua própria religião, e reinterpretá-los para descobrir seu
espírito, o sentido por trás da letra, para entrar numa dinâmica mística que
vivifica e une. É o que S. Keshavjee diz, de diferentes maneiras, a cada um
dos representantes das grandes religiões, isto com muito amor e humildade,
excluindo todo e qualquer espírito apologético. Suas diversas alusões ao
Espírito, à sua ação, à sua dinâmica universal agindo em todas as religiões,
desperta o entusiasmo daqueles que esqueceram as exigências exclusivas da
Verdade. Compreendemos por que tais cristãos sem fundamento doutrinário,
especialmente aqueles que estão abertos ao carismatismo, acolhem tão
favoravelmente o pensamento de S. Keshavjee, feito assim o porta-voz de um
falso cristianismo.
UMA PALAVRA FINAL
O misticismo tem como tendência de fundo distanciar-nos cada vez
mais de Deus, fazendo com que abandonemos sua revelação escrita, que é a
Bíblia. Para os apóstolos, a religião cristã é o conhecimento, a fé e a prática
de uma verdade divina revelada e registrada, de forma definitiva, na Bíblia.
Proveniente de Deus, ela é então suficiente e apropriada para trazer a Palavra
de salvação a todas as gerações.
Três textos demonstram isso:

1. No Antigo Testamento:
À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais
verão a alva. (Isaías 8.20)
2. No Novo Testamento:
a. Jesus:
Respondeu-lhes Jesus: Não provém o vosso erro de não
conhecerdes as Escrituras, nem o poder de Deus? (Marcos 12.24)
Porque, se, de fato, crêsseis em Moisés, também creríeis em
mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não
credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras? (João
5.46-47)
b. Os apóstolos:
Estas coisas, irmãos, apliquei-as figuradamente [...] por vossa
causa, para que por nosso exemplo aprendais isto: NÃO
ULTRAPASSEIS O QUE ESTÁ ESCRITO. (1 Coríntios 4.6)
Aquele que guarda os seus mandamentos permanece em Deus e
Deus nele. (João 3.24)
Aqui está uma promessa do próprio Deus para fortalecer e encorajar
aqueles que amam sua Palavra e se esforçam para colocá-la em prática, com a
ajuda do Senhor, qualquer que sejam as dificuldades encontradas:
Conheço as tuas obras — eis que tenho posto diante de ti uma
porta aberta, a qual ninguém pode fechar — que tens pouca
força, entretanto, guardaste a minha palavra e não negaste o meu
nome. Porque guardaste a palavra da minha perseverança,
também eu te guardarei da hora da provação que há de vir sobre
o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra.
Venho sem demora. Conserva o que tens, para que ninguém tome
a tua coroa. (Apocalipse 3.8,10-11)
TERCEIRA PARTE
MEDITAÇÃO TRANSCENDENTAL, IOGA E OUTRAS PRÁTICAS
RELIGIOSAS NOS CÍRCULOS EVANGÉLICOS
Diante da invasão de certas práticas orientais, que se infiltraram em
todos os lugares, assumindo mil aspectos diferentes e de acordo com a
conveniência de cada um, parece-nos imprescindível procurar compreender
melhor qual seria sua origem, como também a influência real que exercem no
meio cristão através de suas diversas manifestações.
Citaremos neste trabalho alguns textos que nos permitirão captar
melhor o sentido e o conteúdo espiritual de diversos movimentos de
espiritualidade oriental, que têm marcado fortemente o Ocidente a partir do
começo do século XX. Faremos referência, mais particularmente, aos estudos
que se tornaram clássicos nesta área: o de Lit-sen Chang, Maurice Ray e
Denis Clabaine.
1. A meditação transcendental
Examinemos, primeiramente, os textos de Lit-sen Chang[51] sobre a
meditação transcendental. Lembremos que, antes de sua conversão e durante
cinquenta anos, ele foi um dos promotores mais devotados dessa prática.
As pessoas afeitas à reflexão percebem que a cultura moderna
está doente e que perdeu sua alma. O homem moderno percebe
que a corrida materialista é uma via sem saída e tornou-se uma
terrível ameaça. A fim de escapar do demônio do desespero, o
homem do Ocidente é uma presa fácil das seduções religiosas do
Oriente. Uma nova corrente humanista surgiu, enfatizando a
autonomia humana. O homem-deus veio substituir o Deus-
homem. Ele está em busca dele mesmo, de seu próprio mundo
interior, do espaço sem limite e de uma consciência cósmica.
Pela via da meditação transcendental, falsos profetas
introduziram no Ocidente uma droga e disso fizeram a religião do
povo. (p. VII)[52]
A meditação tem por base a repetição de mantras.[53] Esta prática
é muito importante nas escolas hindus. Segundo a tradição, um
mantra é um texto secreto, ou mesmo uma sílaba extraída dos
escritos dos sábios. Diz-se que ele dá à pessoa que o recita, sob a
influência de algum espírito, um poder místico. Ele deve ser
recitado continuamente até que as atividades da mente sejam
fixadas em torno do mantra. Este é o símbolo ativo de uma
divindade particular, e se alguém medita e repete um mantra por
muito tempo, fazendo esforço para se identificar com ele, aquele
que medita torna-se um com a divindade. Segundo sua crença,
nossa energia espiritual se irradia para o exterior, mas a
meditação é capaz de concentrá-la no interior e de liberar o
potencial espiritual que cada um de nós possui. Assim, aquele
que medita pode se identificar com a divindade da qual provém o
mantra.
Ora, segundo a Bíblia, os deuses que os hindus adoram são
falsos. Na realidade, são espíritos de demônios. O salmo 96 verso
5 define claramente o status dos deuses pagãos: “Todos os deuses
dos povos são demônios” (Tradução da Septuaginta). Os deuses
pagãos dos hindus são, portanto, falsificações satânicas, são
demônios disfarçados de divindades. O objetivo do mantra é
convidar um espírito de demônio para que tome o controle das
faculdades humanas. O mantra (normalmente uma palavra em
sânscrito ou uma frase invocando um deus hindu) é repetido
silenciosamente para si mesmo (ou cantado em alta voz) até que
a consciência do mundo exterior seja desligada. Depois, pouco a
pouco ele elimina os pensamentos. A alteração da consciência
resultante da supressão da percepção exterior e dos pensamentos
resultará, finalmente, numa experiência súbita de unidade, na
qual o eu parecerá ser um com o universo. Assim, a supressão
das faculdades mentais durante a prática da meditação abre a
pessoa para a influência de demônios. Essa busca por um estado
mental e físico nas meditações orientais é um convite à
influência, até mesmo ao controle, de espíritos malignos.
Isso vai diretamente de encontro ao mandamento de Jesus a seus
discípulos: “Vigiai, pois, a todo tempo, orando, para que possais
escapar de todas estas coisas que têm de suceder e estar em pé na
presença do Filho do Homem” (Lucas 21.36). (p. 21-22)
A palavra velar, em grego, é agrupneo, que significa estar acordado,
portanto, não dormir. Isso não dá espaço algum para um segundo estado ou
um estado de diminuição da consciência. E quando se tem sono, é uma luta
para permanecer acordado! Para termos força e escaparmos de todas essas
coisas — das seduções de todo tipo que estão no mundo[54] — teremos de
usar todas as nossas faculdades.
Continuemos com nossa leitura de Lit-sen Chang:
Segundo o ensino de Maharishi, “a meditação transcendental é o
caminho que leva a Deus; é um bom método de oração que nos
conduz direto ao Criador. A chave da plenitude, em todas as
religiões, se encontra na prática regular e intensa da meditação
transcendental. É um processo que provoca um encantamento
crescente a cada passo. Sobre esse caminho da transcendência, o
domínio desse encanto faz a fé crescer. Mais ainda, a meditação
transcendental é tão simples que podemos começar a praticá-la
com qualquer grau de fé que se tenha, porque ela produz a fé
naquele que não a tem, e dissipa a dúvida da mente do cético,
possibilitando-lhe uma experiência direta com a realidade”.
Através dos ensinos de Maharishi e de suas próprias palavras,
podemos ver claramente a verdadeira natureza da meditação
transcendental. Ainda que ela se proclame puramente neutra,
científica e não religiosa, não passa de hinduísmo disfarçado. [...]
(p. 22)
A meditação transcendental é uma forma secularizada da prática
da ioga. [...] Por uma estratégia e através da publicidade, os
defensores da meditação transcendental tentam nos fazer crer que
ela não é uma religião, mas uma técnica ou uma ciência que visa
um descanso profundo ou um relaxamento. [...] Um representante
da “Fundação Americana para a Ciência da Inteligência Criativa”
(outro nome para a meditação transcendental), dizia: “A
meditação transcendental não é uma religião, mas uma simples
técnica que qualquer um pode praticar durante 15 a 20 minutos
todos os dias”. (p. 23)
Curiosamente, acrescentamos, está aí exatamente o que se diz e o que
observamos a propósito do atual falar em línguas (dizemos “atual” em
oposição ao falar em línguas da época do apóstolo Paulo). Qualquer um pode
fazer isso; até mesmo um não cristão! Muitos católicos praticam esse falar
em línguas há muito tempo, depois da imposição de mãos feita por
pentecostais. O resultado? Um retorno e um apego ainda maior às devoções
tradicionais da Igreja Católica Romana, entre as quais a própria Maria lhes
falando através de línguas ou profecias.[55]
Foi esse o objetivo daqueles que lhes impuseram as mãos? Certamente,
não! Então por que resultou nisso? Uma boa árvore pode dar maus frutos?
Sobretudo, não deveriam pelo menos questionar-se? Porque, se isso os
tivesse deixado mais consequentes, teriam de renegar algumas doutrinas
caras aos seus corações, como também as experiências que elas produzem!
Como sua vida espiritual está fundamentada sobre essas experiências e
doutrinas, isso seria, para eles, o desespero e o vazio. Não teriam mais nada a
apegar-se em sua vida espiritual.
Que a nossa oração seja: Que tudo o que é abalável em mim, seja
abalado, para que reste o que é inabalável, isto é, Cristo e seus
mandamentos. Os verdadeiros nascidos do Alto devem aprender a apegar-se a
essa única Rocha. Citemos, de novo, Lit-sen Chang:
Maharishi Mahesh Yogi tornou-se o líder espiritual não somente
dos Beatles, mas de milhões de adolescentes no mundo inteiro,
para isso utilizando-se de técnicas de marketing. (p. 50-51)
Bob Larson, cantor muito conhecido, compositor e guitarrista,
depois de sua conversão [ao cristianismo] [...] escreveu vários
livros [...] nos quais [...] explica a natureza satânica do que os
hippies e os Beatles tentavam realizar. Assim, revelou o
propósito que o diabo tinha para a sua própria vida, ou seja, como
fazer dele um instrumento que destruísse inteiramente o senso
moral de sua geração. (p. 24)
2. A verdadeira meditação espiritual
Do ponto de vista espiritual e bíblico, diz-nos Lit-sen Chang, meditar
significa pensar, refletir sobre a Palavra de Deus, suas leis, preceitos,
estatutos, mandamentos, promessas e sobre as coisas que são verdadeiras,
nobres, justas, puras, amáveis e aceitáveis a seus olhos, isto acompanhado de
súplicas, orações, louvores e ações de graças. Ele explica:
Ora, a meditação transcendental faz exatamente o contrário; faz
com que a mente fique vazia, expulsa os pensamentos, concentra-
se sobre sons sem significados e os repete indefinidamente.
É um salto no escuro, uma fuga negativa, um culto místico, uma
autointoxicação, e mais ainda, é uma técnica de suicídio
intelectual e uma aventura perigosa que conduz ao suicídio
espiritual. (p. 55)
Lit-sen Chang nos lembra como o próprio Deus nos providenciou uma
meditação pura:
Não cesses de falar deste Livro da Lei; antes, medita nele dia e
noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo quanto nele
está escrito; então, farás prosperar o teu caminho e serás bem-
sucedido. (Josué 1.8)
Feliz o homem [...] cujo prazer está na lei do SENHOR, e na sua lei
medita de dia e de noite. Ele é como árvore plantada junto a
corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja
folhagem não murcha; e tudo quanto ele faz será bem-sucedido.
(Salmos 1.2,3)
Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o
mandamento do SENHOR é puro e ilumina os olhos. O temor do
SENHOR é límpido e permanece para sempre; os juízos do SENHOR
são verdadeiros e todos igualmente, justos. São mais desejáveis
do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces
do que o mel e o destilar dos favos. Além disso, por eles se
admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa.
Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das
que me são ocultas. Também da soberba guarda o teu servo, que
ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de
grande transgressão. As palavras dos meus lábios e o meditar do
meu coração sejam agradáveis na tua presença, SENHOR, rocha
minha e redentor meu! (Salmos 19.8-14)
Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti [...]
Terei prazer nos teus mandamentos, os quais eu amo [...] Baixem
sobre mim as tuas misericórdias, para que eu viva; pois na tua lei
está o meu prazer. Quanto amo a tua lei! É a minha meditação,
todo o dia! [...] Compreendo mais do que todos os meus mestres,
porque medito nos teus testemunhos [...] Os meus olhos
antecipam-se às vigílias noturnas, para que eu medite nas tuas
palavras. (Salmos 119.11,47,77,97,99,148)
Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é
respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é
amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se
algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.
O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em
mim, isso praticai; e o Deus da paz será convosco. (Filipenses
4.8-9)
Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as
coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus.
Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra.
(Colossenses 3.1,2)
Entretanto, é preciso reconhecer que não se pode alcançar a Deus
por nossos próprios esforços, nem pela meditação. Isso só é
possível por sua graça, porque ele nos salvou, porque nos
ressuscitou a todos e nos fez assentar nos lugares celestiais, em
Cristo Jesus (Efésios 2.5-6) e nos tornou capazes de fixar nossos
corações e mentes sobre as coisas do alto. Essa é a verdadeira
meditação transcendental. (p. 56-58)
Portanto, segundo as Escrituras, a meditação cristã não é uma
meditação no vazio, mas um esforço intelectual que deve conduzir à ação.
Devemos ler o livro da Lei e meditar nele dia e noite. Dito de outra maneira,
devemos pensar na Palavra, refletirmos e nos concentrarmos nela, sob os
olhos de Deus, pedindo ao Espírito Santo que ilumine nosso entendimento e
abra nossa mente. Devemos estar cada vez mais impregnados do pensamento
do Senhor, a fim de que pouco a pouco se torne nosso. Para a nossa satisfação
intelectual? Não! — A fim de agirmos fielmente, conforme tudo o que está
escrito.
Desssa forma, compreendendo corretamente os seus mandamentos,
agiremos de maneira que lhe agrade.
3. O que é meditar?

Vejamos, agora, o que diz Denis Clabaine:[56]


Primariamente, meditar significa, de alguma maneira, ruminar,
repetir, remoer. O sentido psicológico que disso deriva é,
evidentemente, o de remoer uma ideia, e disso vem: refletir,
pensar, de maneira concentrada, especialmente, sobre um dado
tema.
Mas o sentido mecânico, para usar uma expressão de Maharishi,
indica a repetição de uma palavra, no seu sentido material e
fonético, e não de uma ideia, ainda que essa palavra seja
pronunciada apenas mentalmente. Pode-se repetir não somente
palavras, mas simples sílabas, ou fonemas. E o que se faz em
termos sonoros (de maneira audível ou mentalizada), pode ser
feito normalmente em termos de imagem: é possível concentrar-
se sobre um ponto, fixando nele os olhos, fisicamente ou
mentalmente, partindo de uma imagem mais complexa ou não,
focada exteriormente pelos olhos ou interiormente, por
visualização imaginária. (p. 29)
4. A ioga
A ioga, sob a forma de ginástica disfarçada, introduziu na Suíça a
meditação transcendental. Denis Clabaine, em sua notável obra Le Yoga face
à la Croix [A ioga diante da cruz],[57] escreveu:
Da mesma raiz indoeuropeia vêm as palavras ioga e jungum
(joug), com o significado de união. A ioga visa certa união
divino-humana. (Clabaine, p. 3)
A dinâmica específica do Hata-Ioga não é a mesma da ginástica,
mas da ioga. [...] O simples fato de tratar com condescendência
os “poderes” e o desempenho dos yoguins deveria bastar para
suspeitarmos que no fundo a questão é bem outra e não uma
simples “ginástica”. Aliás, no Ocidente também se diz isso,
sobretudo nos meios cristãos, perdendo-se assim numa confusão
pudica em que se pretende preservar a fé, ao mesmo tempo em
que se flerta com temas pagãos.
O simples bom senso deveria ser suficiente para ver que na ioga,
o que há de benefícios “físicos” ou mesmo outros, ainda que
autênticos, “podem ser encontrados em outro lugar com menor
prejuízo”. Não é preciso fazer ioga para ter flexibilidade,
relaxamento, tranquilidade, concentração, etc. Basta fazer
qualquer ginástica sadia e natural, lenta ou rápida, conforme a
necessidade, usando para isso todos os meios apropriados para o
que se deseja obter, utilizando-se do que é saudável: oxigênio,
aplicação cuidadosa, etc. O princípio básico, em termos físicos,
está em que toda a técnica do Hatha-Ioga foi especificamente
orientada para a subida da “kundalini” (serpente vibratória sutil)
desde a base da coluna vertebral até o cérebro, abrindo os sete
“chacras” (centros “vibratórios sutis”) um após outro em seu
conjunto — o primeiro localizado no períneo e o sétimo sobre o
alto do crânio. Todas as forças do corpo (e da mente, pelo menos
ao nível de inconsciência) são sustentadas por essa propulsão de
baixo para cima. (Clabaine, op. cit., p. 3, 8-9)
Todas as iogas recuperam a energia sexual, porque isso é a
própria base da “sublimação vibratória” que elas procuram, é a
vibração de base que elas querem explorar, sublimar, exaltar. A
partir desse princípio comum de base, cada uma tem sua própria
técnica de exploração, sublimação e exaltação, como têm os
cientistas e técnicos em suas áreas. No fundo, trata-se sempre da
mesma coisa. Da mesma forma que o eu do hinduísmo
corresponde na realidade ao não-eu do budismo, ou ainda, a
plenitude do hinduísmo, ao vazio do budismo, ou o teísmo da
ioga de Patanjali, ao ateísmo do Sâmkhya e do budismo, todas
essas oposições aparentes apenas opõem os que estão próximos;
são divergentes, porque profanos na origem, mas com um único
objetivo em comum, que superará, precisamente, essas mesmas
oposições, próprias do mundo da dualidade [...].
A transposição da energia e vibração sexuais a níveis vibratórios
inimagináveis para o comum dos profanos permite falar de não-
sexo, como do eu e do não-eu, do cheio ou do vazio. Tratando-se
da não-dualidade, somente as dualidades do conhecido, do
profano são superadas, “sem verdadeiramente sair do mundo da
matéria e do sexo”. (Clabaine, op. cit., p. 10-11)
Esse sexo que se pretende sublimar é sempre sexo, tanto no alto
como embaixo, e “não é mais casto no alto do que embaixo”. Ele
é, simplesmente, “mais sutil vibratoriamente”, mas também
“mais intenso”: simplesmente, o orgasmo está no cérebro, em vez
de estar embaixo. [...]
Porque, de fato, “todos os que fazem verdadeiramente ioga põem
em ação esse processo vibratório de essência sexual e da
dinâmica ‘mágica’, que deve conduzir a serpente Kundalini até o
alto do crânio”. Não sentir nada, não se dar conta, não notar nada,
não prova que nada está acontecendo. (Clabaine, op. cit., p. 13)
O objetivo da ioga [...] “é suprimir a consciência normal a favor
de uma consciência qualitativamente diferente”. Patanjali assim
define a ioga: “A supressão dos estados de consciência”.
(Clabaine, op. cit., p. 23)
A ioga, em si mesma, não procura a saúde do homem normal,
mas busca criar as condições para um super-homem, para um
homem paranormal. Não deve ser encarada como uma norma,
mas como uma para-norma; seja pelo ponto de vista da
ginástica, ou do respiratório, ou por qualquer outro ponto de
vista.
E esse super-homem, esse para-homem, essa para-norma, não
são de Deus, mas da Serpente, de Satanás. [...]
Portanto, “a ioga inverte essa hierarquia sadia” [a do homem
normal, aberto ao Exterior e para o Alto] e “privilegia o
inconsciente” em detrimento do consciente, o sensitivo, em
relação ao lógico, o subjetivo, em relação ao objetivo, etc.
Dizendo isto, não somente não exageramos em nada, mas os
próprios especialistas o dizem e fazem disso um princípio
explícito. Não somente os da ioga, mas todos os “místicos de
baixo”, que reivindicam ser mais de cima do que de baixo, e tão
objetivos como subjetivos. (Clabaine, op. cit., p. 25-26)
A ioga “desperta o Leviatã”, a kundalini, a Serpente. [...] Sua
consciência verdadeiramente espiritual (do yoguim), seu
verdadeiro eu, sua alma espiritual feita à imagem de Deus, são
adormecidos, mergulhados numa letargia digna do Letes
infernal, em favor de “outra consciência”, não verdadeiramente
espiritual, mas carnal, embora habitada por um espírito, o
espírito da carne. (Clabaine, op. cit., p. 55.)
É daí que vêm esses prodígios que se fazem passar por milagres
de Deus, como os estados vibratórios sutis que o demônio
energiza na vida psíquica e que se fazem passar pelo estado de
graça do verdadeiro Deus. [...] para o demônio é fácil fazer com
que suas sutis super-sensações se pareçam com a vida super-
espiritual da verdadeira graça divina, sobrenatural e inacessível
aos sentidos e a todo conhecimento puramente natural, revelado
pela fé, mas duplamente escondido e desconhecido daqueles a
quem ele desvia, não somente da verdadeira fé, mas também da
natureza sadia. [...]
“Acautelai-vos dos falsos profetas!” [...] “Pelos seus frutos os
conhecereis” (Mateus 7.15-16). Esses frutos não são esses
milagres, porque [...] “operarão grandes sinais e prodígios para
enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mateus 24.24).
Nunca os frutos da verdadeira fé foram qualificados pela Bíblia como
“sedutores”! Trata-se, então, de prodígios enganadores do diabo. Vejamos o
que escreve Clabaine sobre os frutos verdadeiros do Espírito Santo:
São frutos intrinsecamente espirituais, provenientes da verdade e
do amor (e de outros, além desses); objetivamente controláveis, e
não subjetivamente apenas; porque não há critério que seja
razoável para julgar aqueles frutos, mas pura subjetividade
universal, puro arbítrio, radical decadência do império da
verdade, que é um reino de objetividade, de coerência lógica, de
luz, etc. (Clabaine, op. cit., p. 58-59)
5. Os estados alterados de consciência
Continuemos com Denis Clabaine:
[...] temos desenvolvido muito o caráter personalizante, não
diferenciador, escravizador, demonizador, etc., da Ioga e seus
derivados, [...] acrescentemos agora o ponto de vista da
neurologia e da psicologia. [...]
Poderíamos citar, detalhadamente, as obras que tratam da droga.
As descrições clínicas minuciosas dos efeitos de diversas drogas
estranhamente lembram os efeitos dos estados secundários
obtidos por diversas técnicas da Ioga. Aliás, isso não é um
mistério para aqueles que fizeram as duas experiências. [...]
O livro de Marly Ferguson, La révolution du Cerveau [A revolução do
Cérebro],[58] nos dá boa informação sobre esse assunto.
Esse livro é dedicado ao estudo dos estados alterados de
consciência, os quais são, essencialmente, e juntamente com o
sonho, o que chamamos de estados secundários, com todo o
aspecto de “performances” que lhes são atribuídos, e que
recebem, da parte da autora, um juízo favorável, que torna suas
afirmações ainda menos suspeitas.
Marlyn Ferguson desenvolve, então, as conexões claras que há
entre os estados alterados de consciência, que “podem ser
produzidos por hipnose, pela meditação, por drogas psicodélicas,
pelo estado de oração (trata-se, no entanto, de estados anteriores
ao estado de transe, geralmente de agitação, mas nem sempre),
isolamento sensorial, como pela aproximação de uma psicose
aguda. A falta de sono e o jejum podem dispará-los. Os epiléticos
[...] Uma monotonia hipnotizante. [...] Uma estimulação
eletrônica do cérebro... etc.” (A revolução do cérebro, p. 63).
(Clabaine, p. 187-188)
Citamos, ainda, Clabaine. Na página 64 [do livro de Marlyn Ferguson],
lemos:
Nos relatos sobre as sensações em estado alterado, sob hipnose,
drogas, ou num mergulho místico, etc., ficamos impressionados
com os pontos comuns que os unem: perda das fronteiras do Eu e
identificação súbita com a totalidade dos seres vivos (sensação de
fundir-se no universo); sensação de luz; percepção alterada das
cores; exaltação; sensações elétricas; impressão de dilatar-se
como uma bolha, ou de saltar muito alto; ausência de medo,
principalmente da morte; som de trovão; vento; impressão de
estar separado do corpo; profunda felicidade; percepção precisa
de esquemas, de modelos, da imagem acessível de um conjunto
escapando à percepção (pattern); sensação de liberação;
interpenetração de sentidos (sinestesia), como quando se vê as
cores ao ouvir os sons; uma impressão de tornar-se como o
oceano; impressão de que acabamos de acordar, que o que foi
experimentado é a única realidade, e que a consciência diária é
apenas uma sombra tênue; enfim, uma sensação de transcender o
tempo e o espaço.” E mais adiante, numa técnica do tipo ioga
mantra: “[...] a individualidade parece dissolver-se e fundir-se
num ser sem limites [...]”. (Sabemos o que é esse “ser”.)
(Clabaine, p. 188-189)
Lembremos, de passagem, que o fenômeno material de
ressonância (vibratória) provoca sensações de unicidade,
podendo mesmo ir à sensação de identidade (= vibratória). Então,
se o indivíduo está completamente imerso, como em um sonho,
em seu “estado secundário”, não podendo voltar atrás (por sua
inteligência crítica) em relação ao sensível, ele se identifica
psicologicamente com aquilo que é sentido, com a vibração que
ele está vivendo: daí as sensações de fusão com o universo, ou
com todos os seres vivos, ou com alguma personagem do passado
[...] do qual crê ser a reencarnação. (Clabaine, p. 196-197)
Quantas vezes não ouvimos os mesmos relatos das manifestações
descritas acima, sobre as experiências carismáticas na busca pelo batismo
com o Espírito Santo, por falar em línguas, pelas experiências de Toronto e
outras!
Um médico inglês, Patrick Dixon, escreveu uma obra muito favorável
à Bênção de Toronto. Ele notou que todas as pessoas que vivem momentos
assim têm um limite de consciência levemente diminuído em relação ao
normal. Como se está muito vulnerável nesse estado, ele entende que
profissionais cuidadores, especialmente formados para isso, devem ocupar-se
dessas pessoas. O fato citado acima — que reforça as convicções dos que
apoiam tais experiências — foi referido em uma das gravações por ocasião
do encontro de Renovação carismática e do Grupo de discernimento,
ocorrido nos locais da Liga para a Leitura da Bíblia, em Vennes, Lausanne,
em 23 de março de 1995. Esse encontro procurava fazer um balanço sobre a
“Bênção de Toronto”.
Voltemos a Denis Clabaine:
No campo da loucura e da droga, relatos e fenômenos foram
gravados, correspondendo exatamente às experiências e
asserções do hinduísmo, do budismo e do jainismo.[59] De fato,
cada um mostra o que tem em si mesmo; um cristão, em sua
loucura ou em sua droga, virá com temas cristãos. Não
precisamos dar especial atenção ao que cada um revela do seu
interior; não é específico e não deixa de ser um afloramento do
que já estava nele, em ebulição. O que é específico, e deve ser
notado, é a maneira nova com que é experimentado e os
elementos novos que se apresentam. Aí encontramos as várias
características dos estados alterados, tais como as reproduzimos
acima. (Clabaine, op. cit., p. 207)
Vemos, igualmente, que no fenômeno atual de falar em línguas, ou no
que chamamos de profecias, cada um mostra o que já tem dentro de si. Um
católico será ainda mais fervoroso por sua igreja. Ele se dirigirá à Virgem e
ela o responderá por profecias. É o que constatamos na renovação carismática
entre os católicos, que entraram nessa “segunda experiência” graças à
imposição de mãos dos pentecostais[60]. Estes últimos e os carismáticos vão
exteriorizar, do fundo do seu inconsciente, o que neles mesmos estava
encoberto muito tempo antes de sua segunda experiência. Suas profecias
passarão de um conteúdo bíblico, para qualquer invenção que lhes vier à
mente. Os que são verdadeiramente nascidos de novo terão, então, uma
imensa dificuldade para ler a Bíblia e orar normalmente. Serão alvo de
violentos ataques do inimigo de nossas almas. Mas rapidamente ficarão
tranquilos em razão de uma expressão chave, própria desse meio: “Quando
somos alvo de uma grande bênção, o diabo não fica contente e ataca!” (O que
pode também ser verdade). Pensamentos blasfemos e todos os tipos de ideias
malignas poderão levá-los ao pecado. Entretanto, aqueles que amam o Senhor
farão todo o possível para conformar sua vida à Palavra de Deus, mas ainda
assim vão se surpreender ao constatar em sua vida uma tendência à
depressão, como também a reações às vezes bizarras e incontroláveis. Os
erros doutrinários podem conduzir muito rapidamente ao que a Bíblia chama
de “adultério espiritual” e depois também ao adultério puro e simples. Muitos
exemplos no Antigo Testamento também nos mostram isso.
Há uma só maneira de ser um verdadeiro discípulo de Cristo: apegar-se
exclusivamente a ele e à sua Palavra escrita e aí permanecer. Se me amais,
guardareis os meus mandamentos, disse Jesus. Pois levar todos os nossos
pensamentos, nossa vontade e sentimentos à obediência de Cristo é trabalho
para toda a vida. Isso ocorrerá se viermos até ele, se sondarmos as Escrituras
para compreender seus mandamentos e colocá-los em prática com a ajuda do
Espírito Santo, porque somente Cristo poderá fazer essa obra em nós.
Retomemos nossa leitura de Clabaine, na qual cita Marlyn Ferguson,
que parece pensar, como muitos outros também pensam, que os estados
alterados da mente são estados superiores.[61]
Escreve Clabaine: “O conselho clássico para modificar o estado
de consciência [para entrar no estado secundário comum ao
transe, à meditação transcendental, à droga, etc.] foi formulado,
por William James, muito tempo antes da invenção do
eletroencefalograma (EEG)”.
Segue o que escreveu William James, citando M. Ferguson:
“O caminho para se conseguir passa pela capitulação, pela
passividade, e não pela atividade. Relaxar-se e não se concentrar,
a partir de então tem de ser a regra. Renunciar ao sentimento de
responsabilidade, deixar-se levar [...]. Trata-se apenas de dar um
pouco de repouso ao seu eu pessoal e convulsivo, para descobrir
a presença de um Eu maior.” (Clabaine, op. cit., p. 210)
Clabaine acrescenta:
Insistamos no fato de que o verdadeiro Deus não pode estar onde
existe uma contradição interna. Então os convidamos [os adeptos
da ioga e da meditação transcendental] a comparar seriamente
esta mística, com a [as manifestações provocadas pela] droga —
cuja decadência dificilmente seria atribuída ao verdadeiro Deus
— [e depois] com o Evangelho que prega a cruz e toda uma
doutrina diametralmente oposta (distinção entre Deus e a
criatura, pecado e redenção, natureza e graça, etc.). (Clabaine, op.
cit., p. 198)
6. A psicologia
A psicologia não é, de maneira nenhuma, neutra. Ela usa amplamente a
mitologia grega para explicar o comportamento padrão do homem. Ora,
conhecemos suficientemente as histórias dos deuses gregos para saber que se
entregavam a suas paixões sem nenhum freio, não tendo a lei mosaica (e,
aparentemente, nenhuma consciência ativa) para constrangê-los.
Jung e Freud, ambos tinham o ocultismo como pano de fundo. Freud,
da cabala judaica, Jung, do esoterismo e religiões orientais. Jung, aliás,
afirmou ter recebido revelações de espíritos de pessoas mortas para a redação
de sua obra Sete sermões sobre os mortos.
Freud escolheu a pior das neuroses — o complexo de Édipo —
como norma absoluta das estruturas de todo o psiquismo. No
entanto, este não foi estruturado pelo pecado ou por suas
doenças, mas pela ordem dos mandamentos de Deus. Os limites
do bem e do mal, do verdadeiro e do falso, da verdade e da
mentira, foram deslocados, e o homem, crendo ser o dono de seu
destino, por si mesmo construiu novos limites, nos quais se
perdeu. Mas esses limites antigos permanecem [...] É para esses
limites antigos que devemos voltar.[62]
Em sua obra, Denis Clabaine se refere ao esquema psicomítico da
Grande Deusa: Fusão, Nirvana, Vazio, muito bem descrito por J. J. Walter
em seu livro Psicanálise dos ritos.[63] Clabaine escreve:
Não pretendemos endossar a ou as psicanálise(s), das quais
denunciamos precisamente o mesmo mal que há na ioga e no
psicodelismo, isto é, o ataque do inconsciente e do eu inferior
contra a supremacia do consciente e do eu superior. Mas,
justamente porque a psicanálise navega constantemente nessas
águas profundas, que ela oferece uma visão mais especializada
para reconhecer os seus meandros onde quer que se encontrem
(até mesmo, infelizmente, onde eles não estão). É preciso
reconhecer aqui que a abordagem de J. J. Walter é muito
saudável, porque denuncia justamente esse mergulho para baixo,
essa fusão na Mãe-Matéria-Inconsciente, dos quais os ritos
pagãos nos dão um dos espetáculos mais inegáveis e repugnantes.
Sobre o hinduísmo e a ioga, comentados magistralmente por ele,
ainda que brevemente, mas de maneira decisiva sobre o plano
psicológico, não temeu escrever: “É uma marcha para o nada,
oferecida pela Grande Deusa a seus adeptos, sob a forma de
mitos e que os metafísicos hindus conceituaram. A chamamos de
corrente fusional... Fusional porque a fusão é a última etapa
antes do nada... Essa corrente fusional é o Nirvana de Freud; ela
oferece “a tranquilidade, a felicidade e a indiferenciação”, de
acordo com as palavras de Upanishad,[64] mas, por trás dessa
aparência de felicidade, se esconde ou não, sua oferta
fundamental que a torna atraente: a morte do eu”. (J. J. Walter,
op. cit., p. 138)
“De nossa parte acrescentamos”, escreve Clabaine:
Essa atração não é puramente psicológica, como parece crer J. J.
Walter. É também uma fascinação que exalta a Serpente — o
diabo — que, assinando todas as suas obras com a assinatura da
morte, se esforça por fazer passá-la por vida, apresentando esse
não-eu como um super-eu (que, na verdade, toma o seu lugar),
esse nada, por um sobre-ser (sua própria invasão), essa
demissão, por uma promoção, esse orgulho em se divinizar, por
uma humildade em “anular-se” (que em si mesmo é... Orgulho!),
essa escravidão (a si mesmo e aos desejos), por uma liberação
(de sua condição normal... Infelizmente!), essa super-morte
(psíquica, mais ou menos física, e sobretudo espiritual), por uma
super-vida...
“É verdade”, continua Clabaine:
Que essa sedução do Mentiroso explora mecanismos
psicológicos, aqueles do mau “eu”, que atraem para baixo, para o
infra-eu, mecanismos “liberados” pelo Pecado original e para que
todos os pecados e desordens, impulsionados pelo Diabo, entrem
em atividade.[65] Por isso, J. J. Walter une, de forma válida, o
aspecto religioso ao psicológico. Seguem algumas linhas que
tornam nosso assunto mais claro, que poderíamos intitular: N,
como em Negativo e Nada:
“O N de Nirvana vem de uma raiz indo-europeia que
encontramos na palavra não, no russo niet, no alemão nein, no
italiano no, etc., e que significa cessação, neste caso, cessação de
todo desejo. [...] É a felicidade, a tranquilidade e
indiferenciação, o que vale dizer que Freud designa o desejo de
morte por um termo (“princípio do Nirvana”) que significa o
maior prazer imaginável, o prazer da fusão”. (Walter, op. cit., p.
108)
Freud escreveu: “Parece, precisamente, que o princípio de prazer
está a serviço dos instintos de morte”. (Walter, op. cit., p. 108)
E Walter escreve: “O princípio de prazer é a parte visível do
instinto de morte, ele é o próprio instinto de morte”. (Walter, op.
cit., p. 109)
Denis Clabaine escreveu que essa busca pela felicidade absoluta:
[...] se opõe vigorosamente à concepção cristã da cruz, a qual
opõe radicalmente o espírito de sacrifício ao princípio de prazer
e ao desejo de felicidade... Esta oposição radical faz com que a
diferença entre o duplo “eu” e suas duas “mortes” seja muito bem
identificada. O eu-espírito mata o eu-carne pelo sacrifício; é a
cruz, o verdadeiro Deus, o cristianismo. O eu-carne mata o eu-
espírito pelo prazer [as paixões desencadeadas]: é a Serpente, o
falso deus, o paganismo. (Clabaine, op. cit., p. 215-216)[66]
7. Voltemos à ioga pelo ponto de vista de Maurice Ray (1914-2005)

Maurice Ray, em seu livro Non au yoga [Não à ioga],[67] mostra o que
está por trás dessa prática e demonstra sua incompatibilidade com a Palavra
de Deus. Dez anos antes, ele tinha escrito o livro L’occultisme à la lumière
du Christ [O ocultismo de acordo com Cristo].[68] E conforme a
recomendação do autor, os que têm amor pela verdade, após a leitura do seu
livro, farão como os bereanos: examinarão as Escrituras para ver se o que foi
dito é verdade, e se deixarão convencer pela Palavra de Deus. Porém, outros
não levaram em conta esta recomendação. Acharam que a posição do autor
do Não à ioga era muito sectária e minimizaram a importância dessa saudável
recomendação.
E qual foi o resultado? Segundo Maurice Ray, às vezes abertamente, ou
sob disfarce religioso, o ocultismo pôde continuar seu trabalho de sabotagem
ou de corrupção de toda espiritualidade cristã autêntica.
Foi assim que nestes dez últimos anos[69] o ocultismo conquistou para
sua causa milhares de adeptos, sob a forma sedutora, atrativa, certamente
nova para os ocidentais, mas completamente normal no Oriente: a ioga (p.
10-11).
De acordo com Maurice Ray, os meios que acompanham a ginástica e
que são recomendados para se alcançar o estado de graça, de iluminação, do
prazer interior, do absoluto, do mundo dos espíritos, são os mesmos que
acabamos de examinar:
a) Expulsar os pensamentos.
b) Concentrar-se sobre um objeto, uma imagem (piedosa ou não), uma
visualização.
c) Repetir palavras indefinidamente.
Vejamos o que diz Maurice Ray em seu livro Não à ioga:
Os cristãos que se alimentam da ioga são aqueles católicos
romanos e protestantes mais preocupados com o humanismo
cristão do que com sua fidelidade ao Cristo da Escritura. (p. 60)
A própria técnica da ioga admite um tempo de vazio interior, de
passividade, conduzindo à intuição pura, “conforme a linguagem
própria do ocultismo. [...] Num mundo submisso às forças
sobrenaturais inimigas da Escritura, a intuição pura e consentida
não abre a porta para o Espírito Santo, mas para o que lhe é
contrário”. (p. 64-65)
Que não imagine (aquele que pretende fazer o hatha-ioga) que
terá, por si mesmo, a liberdade de colocar limites aos efeitos
possíveis das práticas que vai consentir.
[...] ele não sabe que essas práticas que ultrapassam a humilde
condição humana conduzem seus adeptos a experimentar estados
extáticos, paranormais, cujo mecanismo, uma vez ativado,
escapará ao seu controle. [...] ele vai saber, como diz um dos seus
Mestres, que “qualquer pessoa que pratique um pouco seriamente
o hatha-ioga vai ganhar a introdução de novas faculdades como a
telepatia, a clarividência, a adivinhação, e todos os poderes de
um estado de vida transcendente indispensável às ações ocultas
[...]”. (p. 82)
Segundo Maurice Ray, a ioga encontrou na Suíça um forte interesse,
graças, entre outras coisas, a um professor de teologia, que por ocasião de
uma mesa redonda na televisão, declarou:
A ioga não é uma prática condenada pelo Evangelho de Cristo;
ao contrário, ela favoriza a busca e a prática espirituais, segundo
as próprias exigências do Evangelho.
Prossegue Maurice Ray:
O que concluir, senão que um de nós dois está enganado em sua
interpretação da verdade cristã? [...] Ainda assim, seria
importante, neste caso, discernir quem faz o jogo do Inimigo.
Porque, se a ioga está entre aquelas exigências compatíveis com
o Evangelho, então é absurdo, senão escandaloso, censurar seus
adeptos. Mas se os que me contradizem — retomando uma
expressão de Paulo aos Coríntios — utilizam argumentos
contrários ao conhecimento de Deus, isso é de extrema gravidade
para eles mesmos e para aqueles que eles desviam.
Em nenhum momento nos esquecemos das recomendações de
Paulo a Timóteo (2 Timóteo 2.23): “repele as questões insensatas
e absurdas, pois sabes que só engendram contendas”. Não se trata
aqui de questões fúteis e disputas de palavras [...] que gerariam
suspeitas e vãs discussões. Trata-se de velar pelo conteúdo do
nosso ensino, conforme a advertência apostólica: quem quer que
ensine diferente, que propague heresias ou introduza inovações,
que ultrapasse as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, a
doutrina que conduz à verdadeira piedade [...] corre o risco de ter
crido em vão. (p. 4-6)
O que um cristão procura na ioga? Vejamos a resposta do abade
Déchanet, citada por Maurice Ray:
O senhor abade Déchanet [...] não está pedindo salvação à ioga,
mas espera simplesmente que esta ascese [...] o torne receptivo à
fé, à graça, ao amor de Deus [...], que ela o torne receptivo a
alguns apelos de Cristo (a docilidade, a justiça, a paz, o respeito
aos outros) às vezes esquecidos pelos cristãos [...] que dê ao seu
corpo uma boa saúde, a fim de fazê-lo um bom instrumento de
oração [...], que ela lhe dê paz ao coração sobre a qual possa
enxertar a paz de Cristo [...], que ela desperte em seu espírito
certas energias escondidas, para um conhecimento melhor, uma
percepção mais profunda do mistério de Deus. (Ray, op. cit., p.
11)
E esta é a resposta de Maurice Ray (destacamos o trecho inteiro):
Muitos dizem que a salvação do homem está na obra de Cristo.
Mas, a partir dessa salvação, dada gratuitamente por Deus e
recebida pelo homem, buscam em outros lugares — e não nos
caminhos traçados por Deus — os instrumentos necessários para
a sua manutenção sob a graça, para a vida e fortalecimento desse
homem na fé. A Igreja Primitiva perseverava na doutrina e no
ensino das Escrituras, na comunhão fraternal, no partir do pão,
nas orações. [...] Então, tem-se a impressão de que nem a Igreja
Primitiva, nem o apóstolo Paulo teriam entendido os métodos do
Espírito em sua totalidade. Sim, tem-se a impressão de que um
último método deveria ser revelado e trazido ao conhecimento
dos cristãos.
Fiéis à revelação das Escritursa, críamos até aqui que, por causa
da morte de Cristo por nossas ofensas e por sua ressurreição para
nossa justificação, o Espírito Santo não somente teria feito de nós
novas criaturas, mas que somente ele teria condições de levar a
cabo a boa obra que havia começado em nós. [...]
Recorrer às técnicas orientais para aproximar-se mais do Senhor
e revigorar uma igreja fossilizada poderia ser considerado
blasfêmia. Uma igreja se fossiliza quando vive da tradição, da
justiça própria, do moralismo, do formalismo, em vez de viver da
Palavra do seu Senhor ressuscitado. Quando ela tiver consciência
disso, não serão as técnicas, ainda que orientais, que a trarão de
volta ao seu Deus. Isaías anuncia: “Habito com o contrito e
abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e
vivificar o coração dos contritos”.
A igreja que está morrendo precisa de arrependimento, e não de
técnicas, ainda que sejam espirituais. Essa nova vida espiritual
que os homens buscam, Cristo a dá. Pois é o Espírito que nos
convence do pecado, nos conduz na verdade, nos tira dentre os
mortos, nos faz sábios, pacificadores, amorosos, nos faz crescer
até à estatura perfeita. O Espírito toma o que pertence a Cristo e
nos comunica. Jesus nunca disse que esta comunicação seria
facilitada por qualquer que fosse a técnica. Além disso, ele disse
claramente nas Escrituras que o Espírito é dado para aqueles que
o pedem. Se alguém dissesse que ele foi dado e recebido apenas
sob certas condições e sugerisse com isso que a prática da ioga
facilitaria a recepção do Espírito, nós responderíamos segundo os
Evangelhos, ou seja, que o Espírito é dado, primeiramente, por
causa do amor do Pai, do qual Cristo é o doador — enfim, que
ele é recebido pela fé. Esta fé não tem nada a ver com esforços
“yogânicos” para se receber o Espírito, mas com a confiança,
pela mente regenerada, na Palavra do Senhor, nas promessas e
em suas ordens, conforme Atos 10.44 e 5.32. (Ray, op. cit., p. 20-
21)
Quem poderia responder melhor? Esses textos de Maurice Ray,
escritos em 1959, são de uma enorme relevância. Por isso achamos bom
destacá-los. No que diz respeito à ioga e à meditação transcendental, são
sempre muito atuais. Mas outras práticas espirituais entraram na cristandade
pouco tempo antes do início do século XX. Elas penetraram em todos os
círculos, sem quase nenhuma oposição. Aqueles que não as adotaram,
permaneceram, no entanto, abertos...
Enfim, se realizou o desejo daqueles que trabalharam para a sua
propagação! Por isso são muito gratos ao Senhor! Essas práticas são: a busca
pelo batismo com o Espírito Santo como uma segunda experiência,[70] o atual
falar em línguas,[71], o profetismo atual, a cura interior, o exorcismo a todo
custo, as curas em série, experiências de todo o tipo, sendo a última a de
Toronto. (Desde então, sem dúvida, houve outras.)
Tente substituir, em todas as exortações de Maurice Ray citadas, as
palavras ioga, hatha-ioga e práticas orientais, pelas práticas citadas acima...
Vale a pena gastar um pouco de tempo para fazer esse pequeno exercício e
veremos que é curioso como eles se adaptam bem ao texto!
É bom destacar aqui que Maurice Ray não estaria muito de acordo com
nossa aplicação daquilo que escreveu sobre a ioga em 1959 aos fenômenos
carismáticos, cujo ponto culminante foi a famigerada bênção de Toronto.[72]
Maurice Ray, se levarmos em conta suas declarações por ocasião do encontro
da renovação carismática de Vennes, citado acima nas notas, tornou-se,
atualmente, favorável a essas manifestações. Porque, naquela época, ele via
no fenômeno de Toronto os primeiros sinais de um grande avivamento
futuro. Embora reconhecendo os aspectos benéficos de seu ministério,
devemos concluir de tudo isso: 1) Maurice Ray não concorda mais com o que
escreveu em seu livro sobre a ioga; 2) Ou pratica (sem se dar conta) o método
de dois pesos, duas medidas; 3) Ou, então, que teria, talvez, mudado de
posição. Apenas constatamos esse desvio infeliz. Entenda-se como quiser!
8. Outras práticas religiosas atuais
Por que fizemos tantas citações, de diferentes autores, sobre a
meditação transcendental? Simplesmente porque é preciso conhecer um
pouco a tática do inimigo para não sermos enganados, ou para escaparmos da
armadilha na qual estamos presos?
Ficamos pasmos ao ver com que rapidez uma grande parte do mundo
evangélico se precipita em experiências cada vez mais irracionais, ou ao
menos, se abre para receber qualquer que seja a bênção, ou seja, “se Deus
quer...”, como dizem, confundindo seus desejos com o de Deus. Alguns
reformados, considerados equivocadamente mais reflexivos, seguem o
mesmo caminho. Chegamos a um ponto em que não reconhecemos mais a
voz do Bom Pastor. No entanto, Jesus disse: “Minhas ovelhas ouvem a minha
voz e elas me seguem”.
As ovelhas estão errantes (não se sabe mais onde está a verdade; corre-
se para todo e qualquer show evangélico), desanimadas (doentes, com
depressão, mais ou menos profunda), famintas (nunca saciadas, sempre à
procura de mais). Quando um lobo disfarçado em pastor surge e lhes oferece
alimento envenenado, embora lhes prometendo alegria, amor, cura e
prosperidade, elas caem de olhos fechados.
Toda a sabedoria, reflexão, todo o bom senso parece ter desaparecido!
É o caos, não há mais nenhum discernimento! “Meu povo perece por falta de
conhecimento” (Oseias 4.6-10), mas esse conhecimento o povo cristão não
parece desejá-lo; prefere correr após uma multidão de doutores que o orienta
segundo sua cobiça.
Quando nos distanciamos de Deus e da prática dos seus mandamentos,
nos tornamos cada vez mais cegos. Mas como as coisas decaíram tão
rapidamente? O que ativou esse processo? O que influenciou fortemente
nosso mundo e a cristandade há alguns decênios? Teriam sido, entre outras
coisas, essas práticas vindas do Oriente?
Porque eles são espíritos de demônios, operadores de sinais, e se
dirigem aos reis do mundo inteiro com o fim de ajuntá-los para a
peleja do grande Dia do Deus Todo-Poderoso. (Apocalipse
16.12-14)
As práticas que acompanham a ioga ou a meditação transcendental são
encontradas em todas as atividades ocultas, ainda que disfarçadas por
vocabulário bíblico.
É evidente que a busca de um batismo com o Espírito Santo, como
sendo uma segunda experiência, e o falar atual em línguas, não têm nada a
ver com o ensino da Escritura.[73] São experiências iniciáticas com mantras
carismáticos, sejam humanas, ou ocultas (mas sabemos aonde leva a
passividade e a repetição, ainda que, inicialmente, se trate de uma fabricação
humana). São obtidas exatamente como são os mantras orientais: produzir o
vazio, cessar todo raciocínio (conhecemos alguém que foi exorcizado do
demônio da reflexão, porque era um obstáculo para que recebesse o batismo
com o Espírito Santo), abandonar qualquer resistência, deixar-se levar,
concentrar-se sobre o que se deseja, visualizá-lo, repetir palavras
indefinidamente (é preciso ajudar o Espírito Santo). “Bastam duas ou três
palavras que se repitam e está bom, é assim que funciona!”, inúmeras vezes
nos repetem isso.
Vejamos o que escreve o evangelista Fernand Legrand sobre esse
assunto:
O falecido Thomas Roberts, incontestavelmente um dos líderes
pentecostais mais influentes no mundo de fala francesa, dizia em
alto e bom som, mesmo já estando com idade avançada e cansado
por causa de suas muitas pregações, que bastava falar em línguas
por alguns momentos, para ser renovado em seu corpo. Assim ele
fazia propaganda do dom de línguas e o recomendava como um
remédio para o cansaço. Tal era o uso que fazia desse dom do
Espírito.
Mas, todos os recordes bizarros foram batidos por Gaston
Ramseyer,[74] antes pastor reformado, depois pregador
pentecostal muito ouvido e que gozava de grande audiência em
outras igrejas, além daquelas do “avivamento” carismático. Seu
livro intitulado Vous raisonnez trop [Você raciocina demais], não
obstante algumas páginas de bom senso, deixa-nos perplexos
com sua insistência no falar em línguas. Ele trata a insônia com o
dom de línguas, em termos que podem ser verificados por
qualquer pessoa:
“Então digo a todos aqueles que têm problemas de insônia, por
não conseguirem parar os seus raciocínios e pensamentos, que
falem em línguas e então conseguirão dormir. Se você ainda não
recebeu o presente divino, peça a ele, que lhe dará. Se você fala
em línguas interiormente, na sua cama, seus raciocínios cessarão
e você dormirá logo. [...] Permita-me que eu insista. Em vez de
voltar dez vezes para sua cama, fale em línguas, e ore a Jesus.
Você não precisará mais de sonífero. O remédio é infalível”.
Fazendo coro com Thomas Roberts, ele acrescenta: “Até seu
cansaço físico e cerebral desaparecerá”.
Fernand Legrand continua:
É essa gente que pretende nos explicar a Bíblia. [...] Roberts e
Ramseyer, para citar apenas alguns, caem na triste categoria
daqueles que profanam as coisas sagradas e que, de um dom
espiritual destinado a ser um sinal público para o Israel descrente
quanto à salvação dos pagãos, fazem uma prescrição absurda de
medicina alternativa.[75]
Thomas Roberts, proveniente do pentecostalismo moderado da Igreja
apostólica do País de Gales, foi um pregador apreciado.[76] Com o passar dos
anos ele tornou-se a ponta de lança do carismatismo francófono. Foi também
o vetor de transmissão da experiência pentecostal nos arraiais católicos
romanos. Ali ele viu acontecer sua segunda bênção com os sinais que a
acompanham. Trabalhou incansavelmente para promover a comunhão entre
os carismáticos protestantes e católicos; comunhão na Santa Ceia, do lado
protestante, e na falsamente chamada Eucaristia, entre os católicos.
Consagrou-se com tanto zelo que acabou por ver sua identidade evangélica
diluída. Ao ver sua descendência espiritual, de maneira milagrosa, dirigir-se
em línguas à Virgem Maria, ele não podia opor-se, porque tinha sido por seu
ministério e pela imposição de suas mãos que esses católicos tinham recebido
esse dom. Não tendo jamais contestado sua própria experiência, não podia
contestar a deles, sob pena de negar-se a si mesmo. É como a galinha que
chocou os ovos da pata e seguiu os seus patinhos em direção ao lago, até que
ela mesma entrou na água: ficou tão molhada que acabou se afogando.
Thomas Roberts fez o mesmo. Fernand Legrand continua:
Como os seus filhos espirituais, animados pelo mesmo espírito,
oravam à Virgem, ele então fez o mesmo. Um dos meus amigos
apontou isso seriamente e o reprovou. Ele não negou a coisa, mas
tentou atenuá-la, dizendo: “Não era preciso ver a oração que se
fazia à Maria como a viam os católicos, mas como um louvor a
Deus pelo serviço dessa humilde serva”.
Ainda que sua explicação seja forçada, o fato é que ele se dirigia a ela.
É preciso lembrar que além desse grave erro de doutrina, está aí também o
pecado considerado como uma abominação, que consiste em invocar o
espírito de uma morta! Que essa morta tenha sido uma santa, não muda em
nada um caso que cheira à necromancia (Deuteronômio 18). Como D.
Cormier, em seu tempo, compreendeu muito bem, o espírito que força as
pessoas nessa direção não pode ser o Espírito Santo.
Não, o erro nunca é de graça. Há sempre uma relação de causa e efeito.
Uma doutrina que torce os textos das Escrituras, que silencia sobre outros e
que privilegia a experiência em detrimento da Bíblia, no momento pode
parecer agradável ao paladar, mas vai acabar ficando amarga no estômago.
Os pais do falar em línguas comeram uvas verdes e agora os dentes dos seus
filhos se embotaram. Acabamos de dar uma visão geral; veremos onde isso
vai dar a longo prazo.[77]
Thomas Roberts[78] era muito conhecido pelos frequentadores dos
retiros da “União de oração de Charmes” com Louis Dallière, como também
da “Porta Aberta” de Lux, perto de Chalon-sur-Saône. Muitos pastores
reformados e evangélicos e, através deles, muitos fiéis, foram influenciados,
tanto por ele como pela assiduidade nesses encontros. E podemos observar
que bom número de pastores que conservavam, à época, uma mensagem fiel,
clara e penetrante, hoje não a têm mais. Diluíram-na até que perdesse o seu
verdadeiro poder espiritual e acabaram por desviar seus ouvintes da Palavra
de Deus, conduzindo-os por fim a outro Evangelho. E diante das experiências
religiosas de todo o tipo, hoje não sabem mais distinguir o Espírito Santo do
espírito do diabo que procura falsificá-lo. Na melhor das hipóteses,
aconselham esses ouvintes a serem prudentes. Então o que seria melhor: ser
“prudente” em relação à meditação transcendental e à ioga, ou romper de vez
com isso para não participar das obras do diabo?
É nesse círculo — mas graças também ao apoio da Juventude em
missão, movimento não confessional que se infiltrou em todos os lugares —
que se prepara, lenta mas continuamente, a abertura dos evangélicos ao
catolicismo e a todas as denominações protestantes liberais; e em seguida, à
visão sincretista de uma igreja universal, a um ecumenismo no qual todos se
unam em volta de um amor informe e de carismas indiferenciados. Não se
fala mais daquilo que poderia nos separar. Porque isso seria contrário ao
amor. É preciso amar-se! Queremos nos reunir em torno do Cristo vivo e
não em torno da doutrina, porque nela está a letra que mata e divide.
Manteve-se a “vida”, mas esqueceu-se tanto do “caminho” como da
“verdade”, os únicos que podem levar-nos à vida. Infelizmente! Um Cristo
destituído de sua doutrina ou de seu ensino é um Cristo que não tem mais
nada a dizer. É um ídolo mudo. Não é mais o Cristo da Bíblia! Não se fala
mais do inferno, porque isso poderia provocar medo.
Segundo esses pregadores, não é mais preciso falar de arrependimento
aos judeus. Eles não precisam disso, uma vez que já são o povo de Deus!
Esquecem-se dos apelos insistentes dos profetas? Aqueles não eram apelos ao
arrependimento? Esquecem também da pregação biblicamente robusta dos
apóstolos no dia de Pentecostes, ou nas sinagogas judaicas do século I?[79]
Segundo esses apóstolos da heresia do amor, é preciso falar menos aos
homens dos seus pecados, do que do Salvador e de sua próxima vinda. Um
auditório que não seja instruído com a Lei de Deus, pela qual é possível
tomar conhecimento do seu pecado, a longo prazo não será mais capaz de
compreender o significado dessa palavra. Menos ainda do arrependimento!
Arrepender-se do quê? Ser salvo do quê? Ser perdoado para quê?
Querem muito ouvir a palavra amor. Querem muito tentar uma
experiência que possa trazer esse amor. Pode-se melhor sentir Deus nos
louvores, nas orações, nos carismas, no cair de costas de todos os tipos, como
também nas curas.
Chega-se a pretender, de maneira totalmente insensível, que os judeus,
hindus, muçulmanos e os cristãos têm o mesmo Deus.[80] Ora, Jesus disse aos
judeus incrédulos: “Vós tendes por pai o diabo” (João 8.44); e também: “Eu
vim no nome do meu Pai e vós não me recebestes; se outro vier em seu
próprio nome, vós o recebereis” (João 5.43). E a seus discípulos: “Aquele que
me recebe, recebe aquele que me enviou” (João 13.20). Portanto, o que não
recebe aquele que é o caminho, a verdade e a vida, também não recebe o seu
Pai.
E o que nos dizem as Escrituras — a única norma dos cristãos — sobre
as religiões não cristãs? Os profetas da Antiga Aliança não convidavam o
povo de Israel para fazer experiências com as religiões à sua volta. Pelo
contrário, esse povo deveria manter-se longe de tudo o que dizia respeito ao
culto dos ídolos. Se desobedecessem e não voltassem para Deus, a promessa
de julgamento não falharia. E que drama é o relato sobre a vida dessa nação,
e as inúmeras profecias anunciando o exílio e depois o seu cumprimento!
Que terrível é ler as circunstâncias da tomada de Jerusalém pelos romanos no
ano 70 d.C., descritas com enorme cuidado pelo historiador da época, Flávio
Josefo. Tantas advertências receberam! Que história trágica teve esse povo. E
nós não somos muito melhores com todas as nossas negações. Isso também
foi escrito para nossa instrução!
9. A corrida pelo que não sacia
Corre-se atrás dos fazedores de milagres e sensações. Quando ousamos
fazer alguma objeção, nos respondem: “Deus deve ser adaptado aos nossos
tempos. Os jovens querem o êxtase da droga, do sexo, etc., então, Deus tem
de fazer com que passem por uma experiência forte para que sejam tocados”.
Um presbítero de uma igreja evangélica nos disse esta frase clichê: “O falar
em línguas é o substituto da droga; por isso que um drogado que fala em
línguas é curado da droga”. Ele não percebeu que se tratava apenas de uma
troca de drogas!
E o que dizer das escolas de louvor? Parece que podemos conseguir
tudo através do louvor! Da mesma maneira que no pensamento positivo!
Louva-se a Deus até que a atmosfera se aqueça e todos se sintam alegres,
eufóricos (uma espécie de transe, dizem os que já praticaram o ocultismo,
porque conhecem a coisa de perto), dão-se as mãos, sentem algo como uma
corrente elétrica que passa. Sente-se uma sensação de bem-estar, de
plenitude. Creem ter sentido a presença de Deus.
Esses grupos de oração e louvor tornaram-se um instrumento
emocional para provar a existência de Deus, para tocá-lo, para senti-lo.
Convida-se descrentes para participarem desse êxtase místico. Se se deixam
levar, também entram no circuito; então também provam toda sorte de
experiências (gritos, tremor, êxtase, cair por terra, etc.). Os cristãos que
vivem abertamente no pecado também sentem as mesmas coisas,
supostamente provenientes de Deus, o que só fará com que se permaneçam
no pecado.
Salmos 33.1 nos diz: “Aos retos fica bem louvá-lo”. “O louvor convém
aos homens retos.” Existe retidão onde se abusa de Deus? E o que pensar
dessas escolas de profetas nas quais se aprende a desenvolver o dom da
adivinhação, a visualizar uma realidade que se imagina “profética”. E das
sessões de ajuda baseadas na busca do pensamento do Senhor, o que a
psicologia chama de “inspiração súbita”. Nelas encontramos todas as terapias
que estão na moda e que devem servir para nos liberar. Não nos é exigido
andar a toque de revelação, mas que peçamos sabedoria (Tiago 1.5).
Além disso, muitos dos nossos problemas físicos seriam por causa de
uma perna curta demais. É preciso alongá-la e o Doutor Jesus vai fazer isso
muito bem! Numa sessão de evangelização, com demonstração no palco, esse
Jesus teria trabalhado tão bem que a perna teria ficado longa demais. O
evangelista teve de “re-orar”, com a ajuda de todo o auditório, para que Jesus
viesse em socorro da perna!
A maior parte dos nossos problemas psíquicos seria por causa de um
traumatismo do passado, dizem eles. Organizam grupos de oração sem fim.
Concentram-se e ficam esperando ouvir o Senhor, até escutar uma pequena
voz e que todo o tipo de ideias e imagens surjam na mente. Em todo o lugar é
assim... sempre a mesma coisa. Seja na América, na Nova Zelândia ou na
Europa: foi o pecado do pai! Como estamos cheios de psicologia, interpreta-
se tudo segundo a psicologia, que substitui a Palavra de Deus. Trata-se de
Freud requentado!
Na Bíblia não nos é exigido olharmos para trás e mergulharmos no
passado, mas sim:
Desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente
nos assedia, corr[ermos], com perseverança, a carreira que nos
está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador
da fé, Jesus. (Hebreus 12.1-2)
Agora o olhar deve estar voltado para frente, com os olhos fitos em
Jesus. Ora, todos estão sob um peso, sob um fardo imenso. É o que se espera
quando se pratica a meditação carismática e tenta-se, com todas as forças,
permanecer com o Senhor, apesar dos ataques violentos do inimigo que
reclama seus direitos, porque “[...] serão consumidos pelas suas iniquidades”
(Levítico 26.39).
Muitos cristãos se sentem terrivelmente frustrados, e com razão! Os
profetas e evangelistas da moda prometem sucesso, riqueza, alegria, amor,
paz, êxtase, cura, e ainda por cima, todos os dons espirituais. Cobiça-se cada
vez mais, auxiliados por frases que oferecem todo o tipo de esperança, tais
como: “Aqueles que quiserem dar um passo a mais com o Senhor, ou receber
algo a mais para auxiliar melhor os outros, levantem-se!”.
Quem recusará ficar melhor equipado para ser mais útil? Para deixar
bem claro que deu liberdade a todos, sem nenhuma manipulação, o pregador
do momento, por ocasião de um encontro na Catedral de Lausanne,
acrescentou: “Aqueles que se sentirem constrangidos fiquem sentados!”. É
preciso coragem para permanecer sentado, quando a massa se levanta como
um só homem. Em Nuremberg também era preciso ter coragem para não
levantar o seu braço direito!
Para fazer um tratamento de rejuvenescimento evangélico, corre-se
para Toronto ou para as suas sucursais em todo o mundo. A impressão de que
se está num hospital psiquiátrico não leva muito tempo para ser sentida. O
pregador então grita aos seus adeptos: “Os caminhos de Deus não são os
nossos caminhos; não resista ao Espírito Santo, deixe-se levar”. E somos
pegos!
Não se consegue mais refletir sobre a legitimidade de uma experiência.
Por quê? Porque funciona! O fim justifica os meios. Queriam ficar
revigorados, suspiravam por uma comunhão intensa com Deus e a qualquer
preço. Conseguiram!
Algumas experiências não eram esperadas: rir convulsivamente sem
motivo algum, cair de costas ou de frente, uns sobre os outros, trombar-se,
gritos, andar de quatro, sensações de bebedeira, “andar sobre os ombros”, de
cabeça para baixo e pernas para cima...! Mas Deus falou, ele nos encheu de
amor, ele até brincou de Pai leão, se divertindo com o seu leãozinho e até lhe
ensinou a rugir.[81] Que privilégio! Além disso, para se convencer de que foi
bem compreendido, ainda explicou por meio dessas experiências — de
maneira “psicológica” — o amor de Deus Pai. Não faltou nada. Até pessoas
para nos ajudar e tapete que nos conduzisse até lá, tudo foi planejado!
Não nos surpreendamos se, em todos esses esquemas, que levam a um
amor inebriante ou a uma pseudo-libertação, a psicologia não estiver ali
misturada, uma vez que ela vai também buscar suas bases na mitologia
(Freud) e nas revelações ocultas (Jung). Os semelhantes se atraem.
Fizeram com que crêssemos que, para ser um cristão espiritual normal,
fossem necessários sinais e a busca por dons. Aliás, trata-se sempre do
mesmo: línguas, profecias, milagres, exorcismos; dos outros dons, ligados ao
culto, por exemplo, se faz pouco caso.
Quando há manifestações em cadeia, se diz: “Está se movendo!”. “Há
fogo em todo o lugar! É o avivamento!” É verdade? É possível, quando
vemos a depressão que se instala em tantas almas, sem falar do pecado, dos
divórcios, da imoralidade na igreja, do aliciamento pelo dízimo, etc.? São
palavras que não podemos mais pronunciar — por causa do “amor”. Por isso
a procura por prazer para escapar de tantos males fabricados por essas
práticas carismáticas.
Paulo escreve à igreja de Deus em Corinto e a todos os santos que
estão na Acaia, e se dirige aqui aos cristãos que aceitavam facilmente “outro
Jesus”, ou que seguem “outro espírito”:
Mas receio que, assim como a serpente enganou a Eva com a sua
astúcia, assim também seja corrompida a vossa mente e se aparte
da simplicidade e pureza devidas a Cristo. Se, na verdade, vindo
alguém, prega outro Jesus que não temos pregado, ou se aceitais
espírito diferente que não tendes recebido, ou evangelho
diferente que não tendes abraçado, a esse, de boa mente, o
tolerais. Porque suponho em nada ter sido inferior a esses tais
apóstolos. [...] Porque os tais são falsos apóstolos, obreiros
fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo. E não é
de admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjo de
luz. Não é muito, pois, que os seus próprios ministros se
transformem em ministros de justiça; e o fim deles será conforme
as suas obras. (2 Coríntios 11.3-5; 13-15)
Se isso aconteceu no tempo de Paulo, por que não aconteceria no
nosso? Nosso fundamento é o Cristo da Bíblia ou outro “cristo”? É preciso
ter coragem e se questionar.
Porque ninguém pode lançar outro fundamento, além do que foi
posto, o qual é Jesus Cristo. Contudo, se o que alguém edifica
sobre o fundamento é ouro, prata, pedras preciosas, madeira,
feno, palha, manifesta se tornará a obra de cada um; pois o Dia a
demonstrará, porque está sendo revelada pelo fogo; e qual seja a
obra de cada um o próprio fogo o provará. Se permanecer a obra
de alguém que sobre o fundamento edificou, esse receberá
galardão; se a obra de alguém se queimar, sofrerá ele dano; mas
esse mesmo será salvo, todavia, como que através do fogo. (1
Coríntios 3.11-15)
Então nos perguntamos: apesar disso tudo, pode o Senhor agir num
meio tão cheio de confusão? Sim, porque ele cuida dos seus, daqueles que
por um tempo foram seduzidos, a fim de que sejam depurados, purificados e
limpos (Daniel 11.35; 12.10).
Ele pode até usar um falso doutor. Pois usou um asno para falar com
Balaão. Ele usa a quem quiser, num determinado momento, visando
especialmente alguma pessoa. E num tempo de apostasia, ele permite ao
inimigo de nossas almas semear o joio abundantemente. A confusão e a
sedução são cada vez maiores. Mas, coragem! Aqueles que receberam o amor
à verdade serão salvos. A dificuldade será grande para escapar disso, como
também é difícil escapar do ocultismo tradicional. Os outros, os que creem
ser ricos, continuarão crendo na mentira (2 Tessalonicenses 2.9-12). Que
Deus nos dê esse amor pela verdade!
Aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação. (1
Coríntios 1.21)
A pregação da cruz de Cristo é uma loucura tão grande que o cristão
será sempre tentado a empregar outros meios para conduzir as pessoas a
Cristo. Os judeus incrédulos, do tempo de Jesus, pediam milagres; os
religiosos e incrédulos do nosso tempo pedem a mesma coisa. Nada mudou.
Quanto menos esperamos em Deus, mais vamos procurar por sinais,
esquemas e truques da moda. Ora, todos esses truques só servirão para mexer
com os sentimentos efêmeros das pessoas. Uma multidão entusiasmada por
Jesus não significa nada. Jesus sabia muito bem quando entrou em Jerusalém
em cima de um jumento. Todo o mundo o aclamava. Mas, alguns dias após,
foram muitos os que gritaram: “Crucifica-o!”.
Porque a palavra da cruz é loucura para os que se perdem; mas,
para nós os que somos salvos, ela é o poder de Deus. (1 Coríntios
1.18)
Os judeus pedem por milagres e os gregos procuram a sabedoria,
mas nós pregamos a Cristo, e este crucificado; escândalo para os
judeus, loucura para os gentios. (1 Coríntios 1.23)
Pedir por milagres e sinais é querer andar pela vista; é fazer parte desta
geração má. Jesus disse:
Uma geração má e adúltera pede um sinal; mas nenhum sinal lhe
será dado, senão o do profeta Jonas. (Mateus 12.39)
Jesus os leva de volta às Escrituras. Sob a Antiga Aliança, os cultos a
Baal eram frequentemente misturados ao culto do verdadeiro Deus (prática
muito atual!). A Bíblia inteira trata disso a fim de nos prevenir. Ainda que um
sinal ou um milagre se realize, isso não prova que ele vem de Deus.
Quando profeta ou sonhador se levantar no meio de ti e te
anunciar um sinal ou prodígio, e suceder o tal sinal ou prodígio
de que te houver falado, e disser: Vamos após outros deuses, que
não conheceste, e sirvamo-los, não ouvirás as palavras desse
profeta ou sonhador; porquanto o SENHOR, vosso Deus, vos prova,
para saber se amais o SENHOR, vosso Deus, de todo o vosso
coração e de toda a vossa alma. Andareis após o SENHOR, vosso
Deus, e a ele temereis; guardareis os seus mandamentos, ouvireis
a sua voz, a ele servireis e a ele vos achegareis. (Deuteronômio
13.1-4)
Mas como reconhecer isso? Deus nos colocou numa armadilha? Não!
Todas as práticas que não estão em sua Palavra, mas, sobretudo, que são
próprias do ocultismo, não provêm de Deus. Se Israel recebeu ordem para
fazer exatamente o que lhe havia sido prescrito pelo Eterno, não foi por
acaso. Sempre achamos que somos os mais espertos. Ninguém que acredita
ter discernimento das coisas, mas se desvia da Palavra de Deus, permanecerá
impune.
Voltemos aos sinais. Se o cristão não deve procurar por sinais e
milagres para ser mais espiritual, então o que deve fazer para distinguir-se do
mundo? Ele mesmo deve ser um sinal e um milagre. Num mundo em trevas e
pervertido, não é extraordinário ter passado da escravidão de Satanás para o
Reino de Deus e ter uma vida transformada por Jesus Cristo? Não é
extraordinário ter a ousadia de viver de maneira diferente das outras pessoas e
fazer isso cada vez melhor, com a ajuda do Senhor? O Espírito Santo nos foi
dado para que possamos praticar os mandamentos de Deus, qualquer que seja
a situação.
É mais fácil passar despercebido e agir como a maioria. Não é um
testemunho extraordinário não roubar, ser honesto, não enganar, tentar fazer
o melhor trabalho, não jurar, não colocar o seu coração naquilo que os pagãos
glorificam — as posses e prazeres de toda a sorte? Não é um testemunho
extraordinário não ser adúltero, não ter amantes, não abortar, recusar-se em
aprovar a evolução teísta ou ateia, a homossexualidade ou a ideologia de
gênero, ser casto antes do casamento, educar seus filhos segundo o Senhor,
num mundo em que é preciso nadar contra a corrente, em que é preciso lutar,
perseverar e ficar firme? O combate é duro, feroz, mas a tentação nunca é
forte demais. A vitória nos foi assegurada. Se aceitarmos a comunhão nos
sofrimentos de Cristo (1 Coríntios 10.13), ele nos preparará os meios para
sairmos vitoriosos de todos os combates (Filipenses 3.10).
A Pastoral da renovação, presidida pelo grupo de Oração e
discernimento, reuniu-se em Lausanne, no dia 13 de março de 1995, para
refletir sobre o fenômeno da bênção de Toronto. O que foi, de fato, essa
bênção? Segundo os responsáveis não foi um avivamento, que é
caracterizado por arrependimento, pela busca de santidade e engajamento
cristão. Mas o que foi então? Segundo eles, tratou-se:
[...] principalmente de uma preparação para um avivamento
futuro. Foram os seus primeiros sinais. A igreja de hoje não está
preparada para um avivamento. Se alguém dissesse para a igreja:
“Você mesma terá de morrer aos pés da cruz”, ela responderia:
“Mas já estou tão doente, cheia de feridas interiores, como me
pedir ainda para que eu morra, se já estou quase morta; mais um
esforço e não sobrará nada”. É por isso que os cristãos têm de ser
primeiro revigorados e deixar-se cuidar pelo amor do Pai [...]
para mais tarde ter energia para arrepender-se...!
Essa explicação é inacreditável. Mas está totalmente na linha do
cristianismo atual. Como os pastores evangélicos deixaram de compreender
totalmente a obra da cruz! Essa atitude mostra o seu retorno à doutrina da
salvação pelas obras, como também a um culto ao evangelho da
prosperidade, da saúde e da felicidade em todas as áreas.
Encontrar uma base bíblica para justificar todos esses fenômenos seria
uma tarefa bem difícil. Entretanto, os promotores dessas experiências
encontraram várias.
Um versículo muito utilizado por esses promotores do erro e que
anestesia quase que definitivamente a reflexão daqueles que querem apenas
ouvir uma falsa explicação, é o seguinte:
Qual dentre vós é o pai que, se o filho lhe pedir [pão, lhe dará
uma pedra? [...] ou uma cobra? [...] um escorpião? Ora, se vós,
que sois maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto
mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lho
pedirem? (Lucas 11.11-13)
Este é o versículo senha que abre a porta para qualquer coisa. E não
vimos ainda tudo: “As riquezas do Senhor são infinitas!”. Outro versículo
muito citado:
Ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo. (1
Coríntios 12.3)
O que Paulo queria dizer? Certamente não quis dizer que bastaria
pronunciar a frase Jesus é o Senhor para fazer com que todas as pretensões e
ações de quem a pronuncia sejam confiáveis.
Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos
céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos
céus. (Mateus 7.21-22)
E o Senhor ilustra seu discurso com exemplos bem atuais: profetizar,
expulsar demônios, operar milagres, mas tudo isso sem praticar a justiça!
Eles estão bêbados, mas não de vinho; andam cambaleando, mas
não de bebida forte. (Isaías 29.9)
Este versículo foi citado por uma conselheira paroquial no momento
desse encontro, cujo objetivo era discernir o que teria sido a bênção de
Toronto. Ninguém, então, disse que esse versículo de Isaías foi dito num
contexto de julgamento. Uma vez que a maioria compreendia que os
fenômenos de Toronto vinham diretamente de Deus, não havia espaço para
os contrários, porque estes semeariam a dúvida e apagariam o Espírito...
Como gerenciar todos esses fenômenos? Esta foi, finalmente, a grande
questão que surgiu na reunião do Grupo de discernimento reunido em
Vennes-sur-Lausanne. De fato, como gerenciar todas essas bênçãos, porque o
risco de fugir ao controle é grande! Alguns aconselharam prudência... — Ora,
os que praticam o ocultismo sabem muito bem que é preciso ser prudente e
que, sobretudo as pessoas de mente frágil, não devem aventurar-se. Vejam
só! Este foi o conselho dado! Que contradição! Como se aproximar-se
verdadeiramente de Cristo pudesse causar dano à psique das pessoas. Ao
contrário, Cristo traz a libertação. Ele veio para os que estavam cansados e
sobrecarregados, para os humildes, para aqueles que querem colocar toda a
sua confiança sobre ele. Ele lhes promete o descanso de suas almas. Mas, há
aqui uma condição:
Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim [...], porque o
meu jugo é suave e o meu fardo é leve. (Mateus 11.28-30)
Somente uma pessoa teve a coragem de dizer: “Esse é outro
Evangelho!”. E foi humilhado publicamente. Diante de uma oposição como
essa, de uma hostilidade que paralisa física e intelectualmente qualquer
pessoa que queira reagir, como deve ter sido grande a assistência do Espírito
para com ele.
E a conclusão foi a seguinte: “Amemo-nos cada vez mais e estejamos
ainda mais abertos uns aos outros, para que sejamos um”. O amor e a
unidade! Estes são a onda do momento. Essa busca se vê em todo o lugar, até
mesmo no meio secular. Como meio de sedução, o diabo não poderia ter feito
melhor escolha! Ele escolheu o que Cristo pediu a seu Pai — amor e unidade
— para que o mundo nele cresse..., mas aqui, sem o caminho da cruz e o
amor da verdade (João 17). Neste mesmo capítulo, Cristo nos diz:
Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram
teus, e tu mos deste; e guardaram a tua palavra. [...] Eu rogo por
eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me tens dado,
porque são teus; [...] Eu lhes dei a tua palavra; e o mundo os
odiou, porque não são do mundo, assim como eu não sou do
mundo. [...] Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.
Aqui Jesus ora somente por aqueles que o Pai lhe deu e que guardam
sua Palavra. Todos nós merecemos a morte. Foi do seu agrado salvar alguns,
quando deu por eles a sua vida em sacrifício.
Voltemos ao versículo 9 de Isaías capítulo 29. Como puderam
contradizer, na reunião, a pessoa que o citou? Porque teria sido penoso e
teriam que renegar tudo o que tinham vivido, pois a experiência está acima da
Palavra. Não são melhores que os outros, com sua tradição.
Vejamos estes versos em seu contexto. Todos os comentaristas dizem
que os versículos 9 a 14 anunciam o julgamento. Consultemos a Bíblia
anotada:
Isaías 29.9-14: Cegueira dos habitantes de Jerusalém; Deus
continua castigando-os com seus julgamentos.
V. 9-10: Ficai estupefatos e estatelados..., o povo recebe o
discurso do profeta com uma incredulidade misturada com
surpresa. A fé, que não têm, seria necessária para compreender e
aceitar essas estranhas predições. [...] O profeta lhes anuncia,
como castigo por sua cegueira voluntária, uma cegueira ainda
maior vinda de Deus.
V. 10: Os profetas são chamados aqui de olhos e cabeças da
nação: eles deveriam velar pelos outros, ensiná-los e conduzi-los;
mas, ao contrário, são eles que os desviam. [...]
V. 11-12: As revelações dos verdadeiros profetas são, para o
povo, como um livro selado, ou um livro impossível de ser lido.
— Os que sabem: os sacerdotes e profetas. Não é por falta de
conhecimento que não entendem a profecia, mas porque sua
incredulidade os impede de ver o seu significado divino. [...] Se
quisessem compreender, eles poderiam. Coisa completamente
diferente é a multidão descrita nas seguintes palavras: os que não
sabem ler fazem parte da multidão ignorante, que não pode fazer
outra coisa senão deixar-se enganar pelos que vieram antes;
porque eles próprios não têm um entendimento nem mesmo
superficial das palavras proféticas.[82]
O versículo 14 nos diz: Por isso continuarei a fazer uma obra
maravilhosa no meio deste povo; sim, com prodígios e milagres
(veja Dt 28.45-46; 58-59).
É claro que para aqueles leitores que não levam em conta o sentido
preciso dos textos que citam (e de seu contexto), as palavras “prodígios” e
“milagres” sempre têm um sentido positivo e, para eles, os comentaristas da
Bíblia anotada são apenas intelectuais, teólogos que não têm o Espírito e que
novamente estão enganados.
É preciso acrescentar mais para mostrar que se trata de outro
evangelho? Deus não previu nenhuma experiência ou técnica para nos
fortalecer espiritualmente que não fosse o arrependimento e a obediência à
sua Palavra e uma grande comunhão com Jesus Cristo pelo Espírito Santo.
10. Como ser libertado do pecado?
Cristo e sua Palavra nos libertam pela ação do Espírito Santo. Jesus
disse àqueles que haviam crido nele: “Se permanecerdes em minha palavra,
verdadeiramente sereis meus discípulos; conhecereis a verdade e a verdade
vos libertará [vos tornará livres]” (João 8.31-32). É pelo arrependimento e um
retorno – em Cristo e pelo Espírito — à prática da Palavra de Deus, à
obediência a seus mandamentos, que seremos livres. O verdadeiro
conhecimento de Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida, passa pelo
conhecimento de sua Palavra e por colocá-la em prática.
Quando navegamos nas águas turbulentas desse Evangelho truncado e
falsificado, nos tornamos incapazes de compreender a verdade, ainda que ela
seja escrita preto no branco. Somos tomados de tal maneira pela experiência
de uma real sensação de comunhão com Deus (como é o caso da prática da
meditação transcendental examinada amplamente), que nossa lógica é
bloqueada, fica como que paralisada. É preciso, então, ter coragem dobrada,
um espírito determinado para se autoviolentar — porque Cristo nos diz que o
Reino de Deus se toma por violência (Mateus 11.12), e procurar, com toda
sua força, o pensamento de Deus em sua Palavra. O Espírito Santo virá em
nosso socorro. Isso, talvez, leve tempo. Mas pouco importa!
Não se trata de intelectualismo. Procurar compreender é um ato de
obediência. E, sobretudo, não diga: vou ver o que o Senhor vai me dizer
através da oração. Essa seria a melhor maneira de aumentar a confusão. Isso
seria algo como aquelas duas senhoras que, estando grávidas, não sabiam se
podiam interromper a gravidez ou não. Então decidiram procurar saber a
vontade do Senhor pela oração. O Senhor teria dito a uma delas: “Pode
abortar. Faça isso”; e à outra, “Mantenha o seu filho” (!)
Se há alguma coisa que nos desagrada, não temos de buscar, pela
oração, a vontade do Senhor, porque ele já a revelou claramente em sua
Palavra. Somente quando nos rebaixamos — nas exigências do nosso ego —
que Cristo poderá crescer em nós mesmos. A menos que aceitemos carregar
nossa cruz dia a dia, não poderemos ser seus discípulos. Levar nossa cruz é
colocar-se na posição do condenado que vai ser crucificado e deve carregar
sua cruz até o lugar do suplício. É aceitar morrer todos os dias, por Jesus
(Mateus 16.24). Morrer para si mesmo é renunciar ao pecado e suas
concupiscências, é procurar praticar os mandamentos de Deus. Nós não
estamos sozinhos. Jesus, o Filho de Deus, o próprio Deus, está conosco!
“Estou crucificado com Cristo; e logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo
vive em mim” (Gálatas 2.20). Um cristianismo de concupiscência e de
licenciosidade é outro evangelho.
Sim, na verdade, tenho também como perda todas as coisas pela
excelência do conhecimento de Cristo Jesus, [...] para conhecê-
lo, e o poder da sua ressurreição e a participação dos seus
sofrimentos, conformando-me a ele na sua morte. (Filipenses 3.8-
11)
Não se trata de uma mortificação insana. Não procuramos o
sofrimento. Num dia, ou noutro, o sofrimento estará lá; não faltará ao
encontro. É o quinhão de todos sobre esta terra. Foi também o de Cristo e dos
seus discípulos e não somos maiores que o nosso Mestre. O Espírito Santo
nos foi dado, entre outras coisas, para que sejamos capazes de suportar.
Vejamos as exortações de Jessie Penn-Lewis:
“Trazendo sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também
a vida de Jesus se manifeste em nossos corpos” (2 Coríntios
4.10).
Qual o significado dessas palavras? Por que é tão necessário
trazer em seu corpo a morte de Jesus? — Porque o corpo está
exposto aos ataques do mundo, da carne e do diabo, ainda que em
espírito o resgatado já esteja nos lugares celestes, unido ao
Senhor ressuscitado e esteja participando do seu trono. Por esta
morte cotidiana, o crente é cada vez mais conformado à morte do
seu Salvador, enquanto que a vida espiritual de Cristo, a vida
segundo o Espírito, se fortifica mais e mais.
Nossa maior vitória é morrer com Cristo em sua morte. Essa é a
própria manifestação da vida divina em nós.
É preciso, também, que a morte atue constantemente em seu
resgatado, para que haja nele uma contínua manifestação da vida
de Jesus.
Se as raízes do crente são fracas e insuficientemente
desenvolvidas, se a ênfase for colocada sobre a vida, ao invés de
estar sobre a morte de Cristo, essa vida permanece frágil e fica
exposta a todos os ardis do inimigo na esfera espiritual.
Manter a atitude de morte[83] permite à vida se manifestar. A
morte age em mim e a vida em vós, diz o apóstolo (2 Coríntios
4.2). A morte em ação? A morte ativa? Sim, é isso mesmo;
porque se trata aqui da morte de Cristo. Não de uma morte
qualquer. Ela é ativa; por ela temos a libertação; ela opera a
separação do pecado; ela faz morrer a atividade da carne e nos
torna conforme o Senhor em sua morte.
A vida que jorra da união com Cristo em sua morte desenvolve
maravilhosamente o crente. [...] A vida nova não destrói a
personalidade; ela a desenvolve ao máximo[84] para o louvor de
Cristo, que comunica sua vida.
A igreja precisa desse derramamento de poder.[85] A morte de
Cristo, com Cristo, faz jorrar a vida. Mas essa vida, ponto
culminante da vida de ressurreição, leva à cruz. A ação da cruz é
constantemente necessária para separar do pecado: “O sangue de
Jesus nos purifica de todo pecado” (1 João 1.7).
[...] Se todos os membros do Corpo de Cristo, unidos ao Chefe,
quisessem viver uma vida crucificada (conformando-se à sua
morte), encontrariam essa plenitude gloriosa, esses rios de água
viva que o mundo tanto precisa.
Escondidos na morte de Jesus, encontrariam também um refúgio
seguro contra todas as armadilhas do Diabo. Pela cruz, ele é
vencido.[86]
“Tenho-vos dito estas coisas, para que em mim tenhais paz. No
mundo tereis tribulações; mas tende bom ânimo, eu venci o
mundo” (João 16.33).
“Porquanto guardaste a palavra da minha perseverança, também
eu te guardarei da hora da provação que há de vir sobre o mundo
inteiro, para pôr à prova os que habitam sobre a terra”
(Apocalipse 3.10).
“Aqui está a perseverança dos santos, daqueles que guardam os
mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Apocalipse 14.12).
A verdade é clara e luminosa. Mas, por causa da nossa natureza
pecaminosa, de nossos próprios pecados, de ideias falsas recebidas em casa,
ou na igreja, na escola, ou na universidade, ou por diferentes falsos doutores
(estamos todos no mesmo barco), a verdade é escondida, abafada e
contaminada. É através de muita busca (cf. com a pérola de grande preço) e
tribulações, sondando as Escrituras com a ajuda do Senhor que nunca nos
abandona, que aprenderemos a conhecer a Cristo, a fim de levar todo o
pensamento cativo à sua obediência.

Rose-Marie et Jean-Marc Berthoud, Lausanne, 1995,


Librairie La Proue, Escaliers du Marché 17, 1003 Lausanne.

P. S. Este texto foi publicado em 1995 na revista Résister et Construire,


número 34-35. Atualizamo-lo dez anos mais tarde (em 2006) e de novo o
revisamos e o reeditamos, 22 anos após sua primeira publicação. Você pode
constatar o progresso da apostasia nas igrejas. A Bíblia praticamente não é
mais lida e menos ainda obedecida. Dá-se preferência às profecias, às visões,
às danças, pantomimas e cantos, sob pretensa inspiração do Espírito Santo.
Procura-se um tempo agradável e divertido na casa de Deus, para que o
descrente e os homossexuais se sintam confortáveis. Fazem uso de métodos
modernos de marketing para atraí-los e dar-lhes o que desejam e para que
ouçam o que gostariam de ouvir (Rick Warren). O pastor não precisa mais
instruir-se e meditar nas Escrituras. Tudo isso está ultrapassado. Cada vez
menos se dá crédito a essas coisas. Como há na igreja cada vez mais pessoas
com problemas, o pastor, (além dos cursos de marketing), tem de fazer cursos
de animação, de psicologia e de profetismo para atender às necessidades.
Claro, tudo isso pode dar a impressão de ser caricatural. Há ainda muitos
pastores e cristãos fiéis que amam o Senhor e querem obedecê-lo, qualquer
que seja o preço a pagar. Que Deus honre sua coragem e os fortaleça, num
mundo que quase eliminou totalmente o temor ao Nome do Eterno.
Lausanne, fins de 2017
APÊNDICE: AS RAÍZES EVANGÉLICAS DO PENTECOSTALISMO[87]
Jean-Marc Berthoud
Introdução
Quando as dificuldades doutrinárias, filosóficas, espirituais ou morais
surgem nas igrejas ou nas associações de igrejas, aqueles que têm a
responsabilidade de enfrentá-las, com frequência atacam somente os males
mais visíveis — isso quando ousam enfrentar tais problemas. Dessa maneira,
cuida-se apenas das consequências do erro e não de suas causas, trata-se o
fruto e não a raiz. Essa terapia eclesiástica superficial, amplamente praticada,
equivale ao que a Bíblia chama: [...] “curar superficialmente a ferida do meu
povo” (Jeremias 6.14).
Essa superficialidade no trato com o mal faz com que os círculos
cristãos sejam atingidos por enfermidades e desordens sem conta. Tal
degradação é realmente inevitável? O remédio, nesse caso, como em muitos
outros, está no retorno à Palavra de Deus, em uma nova tomada de
consciência de toda a revelação divina, enquanto lei restritiva, para aqueles
que se proclamam filhos de Deus e cidadãos do reino dos céus. Os profetas
da antiga aliança não conheciam esse antinomismo, nem o agnosticismo
epistemológico e hermenêutico neoevangélico que o acompanha, o qual
supõe que não é mais possível saber, verdadeiramente, o que a Bíblia diz
sobre questões controversas. Para Isaías, por exemplo, o retorno à santidade e
à saúde do povo de Deus não era coisa complicada:
À lei e ao testemunho! Se não falarem segundo esta palavra,
Jamais verão a alva. (Isaías 8.20)
Jeremias também conhecia muito bem o caminho para o
restabelecimento moral e espiritual do povo de Deus:
Assim diz o SENHOR: Ponde-vos à margem no caminho e vede,
perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por
ele e achareis descanso para a vossa alma; mas eles dizem: Não
andaremos. Também pus atalaias sobre vós, dizendo: Estai
atentos ao som da trombeta; mas eles dizem: Não escutaremos.
Portanto, ouvi, ó nações, e informa-te, ó congregação, do que se
fará entre eles! Ouve tu, ó terra! Eis que eu trarei mal sobre este
povo, o próprio fruto dos seus pensamentos; porque não estão
atentos às minhas palavras e rejeitam a minha lei. Para que, pois,
me vem o incenso de Sabá e a melhor cana aromática de terras
longínquas? Os vossos holocaustos não me são aprazíveis, e os
vossos sacrifícios não me agradam. Portanto, assim diz o SENHOR:
Eis que ponho tropeços a este povo; neles cairão pais e filhos
juntamente; o vizinho e o seu companheiro perecerão. (Jeremias
6.16-21)
As palavras que acabamos de ler ajustam-se muito bem ao problema
que aqui examinamos. Temos de concordar que em certas igrejas evangélicas
têm acontecido verdadeiras catástrofes por causa da epidemia carismática.
Temos atacado os problemas específicos que ela nos coloca: a natureza do
batismo com o Espírito Santo e suas falsificações; as características da igreja
no seu período apostólico; a natureza e duração dos dons espirituais
especiais; discernimento de espíritos; cura divina, etc. Estudos como este têm
seu lugar nesse combate; na verdade, são necessários e até indispensáveis.
Mas nisso percebemos ou não os sintomas de um mal muito mais antigo, de
uma doença espiritual mais profunda, que há mais de três séculos corrói os
círculos cristãos que se consideram fiéis à Bíblia?
De fato, desde o surgimento do arminianismo e do pietismo do século
XVII, a fé evangélica tem perdido, em grande medida e com notáveis
exceções, a consciência do caráter objetivo e extrínseco ao crente, da
salvação. Na pregação do Evangelho, a ênfase tem sido colocada, cada vez
mais, sobre o aspecto subjetivo e pessoal da conversão e do novo nascimento,
em detrimento da obra histórica, única e definitiva de Jesus Cristo sobre a
cruz do Gólgota. A regeneração e a santificação sobrepujaram a justificação.
No meio evangélico, por exemplo, a palavra propiciação perdeu quase que
totalmente o sentido, a ponto de ter sido banida da maior parte das traduções
da Bíblia. Pouco a pouco temos negligenciado e posto de lado a grande
redescoberta dos reformadores: a perfeita justiça do crente, a ele imputada,
colocada em sua conta pela fé na única justiça, tanto ativa (sua obediência à
Lei de Deus) quanto passiva (sua perfeita submissão ao julgamento de Deus
sobre nossos pecados), do Filho de Deus, nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo. Diante de Deus nós somos justos. Não por nossa própria justiça,
aquela que obtemos por nossa santificação mais ou menos perfeita, mas pela
impecável justiça do Filho de Deus que, em todas as coisas, obedeceu
inteiramente à única regra de justiça: a Lei de Deus. O Deus feito homem
cumpriu perfeitamente, por nós, a justiça divina, ao viver uma vida sem
pecado e sofrendo sobre a cruz todo o rigor da lei divina que merecíamos por
nossos pecados. Portanto, a obra histórica de Cristo é o fundamento da nossa
salvação. A regeneração e a justificação devem preceder, lógica e
temporalmente, a nossa santificação.
A tese que gostaria de defender neste estudo é dupla:
A. A doutrina evangélica da salvação, que enfatiza primeira e
principalmente o aspecto subjetivo da salvação — regeneração e
santificação — e que oculta, mais ou menos, a obra objetiva de
Cristo da justificação e propiciação, está mais para o ensino
tradicional da Igreja Católica Romana sobre a graça infundida do
que para o ensino dos apóstolos e seus fiéis sucessores, os
reformadores do século XVI.
B. Os erros carismáticos são a consequência lógica inevitável do
subjetivismo evangélico, manifestado pelo arminianismo,
pietismo, metodismo e, sobretudo, pelos movimentos de
santidade perfeita que floresceram no século XIX. A longo prazo
e inevitavelmente levam a um retorno a Roma, porque sua
teologia do Espírito é, essencialmente, a da graça infundida
agindo diretamente na alma do crente.
I. A graça infundida ou a graça extrínseca ao crente?
Conhecemos a doutrina católica romana da salvação? A obra clássica
do padre Gervais Dumeige, Textes doctrinaux du Magistère de l’Église sur la
foi catholique [Textos doutrinários do Magistério da Igreja sobre a fé
católica], publicado em 1969 com as aprovações oficiais de praxe, nos
informa com precisão o ensino da Igreja romana.[88]
O Magistério católico ensina o seguinte sobre a doutrina da
justificação:
Porque assim como os homens não nasceriam na injustiça se não
nascessem da descendência corporal de Adão, descendência que
fez com que sua injustiça pessoal lhes fosse conferida quando
concebidos, assim também não seriam jamais justificados se não
nascessem em Cristo por um novo nascimento, no qual, pelo
mérito de sua Paixão, lhes é dada a graça que os faz justos.[89]
Então, o que é a justificação do ímpio? O Magistério responde que se
trata de uma:
[...] transferência do estado no qual o homem nasce filho do
primeiro Adão, para o estado de graça e “de adoção dos filhos”
de Deus (Romanos 8.15), através do segundo Adão, Jesus Cristo
nosso Salvador. Essa transferência, desde a promulgação do
Evangelho, não pode ser realizada sem o banho da regeneração,
nem sem o desejo de recebê-lo, conforme o que está escrito:
“Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino
de Deus” (João 3.5).[90]
E mais adiante:
De fato, ainda que a pessoa possa ser justa somente pela
comunicação dos méritos da Paixão de nosso Senhor Jesus
Cristo, esta comunicação se realiza na justificação do ímpio
quando, pelo mérito dessa Paixão santíssima, a caridade de Deus
é derramada pelo Espírito Santo no coração daqueles que são
justificados (Romanos 5.5) e ali permanece inseparável.[91]
O Magistério ainda afirma:
[...] nós somos considerados justificados gratuitamente, porque
nada do que precede a justificação, a fé ou as obras, merece essa
graça da justificação. “Porque se é pela graça, não é pelas obras”;
senão a graça não será mais graça (como diz o apóstolo Paulo).
[92]

Essa é a verdadeira doutrina católica sobre a justificação e sem dúvida


você notou, como eu, certa ressonância evangélica nesse texto. A negação
categórica do papel das obras na justificação é especialmente interessante.
Algumas expressões, no entanto, nos tocam: “graça que os faz justos”, ou “a
caridade [...] que ali permanece inseparável”, ou ainda, “transferência para o
estado de graça”.[93]
Mais recentemente, o cardeal Journet, numa obra notável, Entretiens
sur la grâce [Conversas sobre a graça], reafirmou ainda mais a doutrina
católica sobre a justificação. Ele escreveu:
A justificação é um termo teológico que significa o ato pelo qual
Deus transfere para o estado de graça alguém que está no pecado.
Ocorre a passagem do estado de não justiça em relação a Deus
para o estado de justiça ou de santidade, daí a palavra
justificação.[94]
Para o cardeal Journet, a graça não tem o significado primeiro de
perdão, de graça jurídica, mas de dom, de favor ou de ação de graça, de
reconhecimento. Por essa graça a criatura seria feita “[...] participante da vida
divina ao infundir-lhe a graça criada.[95]
Esta graça, na realidade, não passa explicitamente pela obra expiatória
de Cristo, mas é derramada diretamente na alma do cristão. Ele acrescenta:

Mas o que é exatamente a justificação? É o momento em que,


subitamente, as sucessivas graças não tendo sido quebradas, a
flor dá o seu fruto: o amor de Deus invadindo a alma, a coloca no
âmbito da graça e da caridade, a santifica internamente e torna-se
a morada da Trindade. Portanto, a justificação é feita de repente,
comportando, simultaneamente, vários aspectos: Deus estimula a
alma a fazer um ato de amor a Deus e de renúncia ao pecado; ao
mesmo tempo ele mostra o seu pecado e o purifica.[96]
Antes de tudo, foi contra este ensino, à primeira vista bastante
evangélico, que os reformadores lutaram em seu combate pela restauração do
Evangelho do reino de Deus. Podemos constatar, sem dúvida, que os textos
que acabamos de citar confundem constantemente a justificação,
regeneração e santificação. Particularmente, a doutrina bíblica da
justificação, como um ato extrínseco ao homem, ato jurídico que se passa no
interior da própria Trindade entre o Pai que julga e o Filho que suporta o
nosso castigo, é completamente escamoteada e esquecida. Trata-se de uma
graça infundida, não imputada, mas injetada na alma do crente pela ação do
Espírito Santo. Esta ação do Espírito Santo lembra aquele suplemento da
alma que o filósofo Henri Bergson desejava para uma civilização materialista
sedenta. O que efetivamente aconteceu na cruz e no momento da ressurreição
do Senhor Jesus Cristo não parece ter espaço nessa teologia da graça. Toda a
ação se passa entre Deus e a alma. Tendo o Emanuel — o Deus feito homem,
o divino Mediador — sido despojado de sua função mediadora, foi preciso
introduzir intermediários de todo tipo entre Deus e os homens: a tradição, a
igreja, os sacramentos, padres, santos, Maria, etc.
O ensino dos apóstolos é totalmente outro. Nossos pecados são
imputados ao Mediador, que sofreu a ira divina em nosso lugar. A perfeita
justiça do Deus encarnado nos é imputada. Tudo acontece primeiro em Cristo
e fora do crente: é essa justificação por graça que assegura ao pecador seu
status de justo diante de Deus e o livra de toda a condenação. É a fé, dom de
Deus, que nos dá acesso a esse perdão e a essa nova vida. O Espírito Santo
aplica a obra perfeita de Cristo naquele que dela se apropria pela fé e pelo
arrependimento: é a regeneração. Depois disso, no decorrer do tempo, vem a
obra de aperfeiçoamento gradual da vida terrestre do crente, sua santificação
progressiva, sua apropriação pessoal e existencial dessa justiça perfeita que
ele tem em Jesus Cristo. O Espírito Santo aplica a obra de Cristo, pouco a
pouco, a todos os aspectos de sua vida, levando-o a conformar-se a Jesus
Cristo, isto é, levando-o a identificar-se, em todo o momento, com sua morte
e ressurreição, a fim de obedecer à norma de santidade, a Lei de Deus. Nossa
total santificação terminará somente na vida futura, quando o Senhor Jesus
Cristo voltar em glória, na ressurreição do nosso corpo. A perfeição cristã
não acontecerá aqui embaixo.
O cônego Georges Bavaud, em uma obra notável, Le réformateur
Pierre Viret (1511-1571): sa théologie [O reformador Pierre Viret (1511-
1571): sua teologia], nos brindou com uma das melhores exposições que
dispomos hoje, em francês, do que foi a fé dos reformadores. Esta é a
maneira pela qual ele definiu a doutrina católica romana relacionada à
justificação e à santificação:
Deus justifica o pecador fazendo voltar o coração do homem,
fazendo com que abandone o seu fim mau e se apegue ao seu fim
autêntico. Nesta perspectiva, a virtude decisiva que obtém o
perdão é a caridade, pois é por ela que o polo de sua vida é
mudado. Assim, nessa questão, os termos justificação e
santificação designam o mesmo ato divino, fazendo com que
passemos do estado de pecado para o estado de justo. A
justificação enfatiza a graça que transforma o coração.[97]
Pierre Viret se opôs com todas as suas forças a esse ensino errado.
Citamos o que escreveu:
O grande erro vem do fato de que esses pobres cegos nunca
ouviram sobre a verdadeira fé [...] nem sobre o que é a
justificação e também do fato de que misturaram e confundiram
juntamente a justificação e a santificação, as quais têm de ser
diferenciadas uma da outra.
Justificado, segundo o uso corrente das Escrituras, significa ser
considerado como justo, como aquele que foi absolvido e, em
julgamento, pronunciado justo.[98]
A justificação é perfeita, de maneira que ela nos livra de toda a
condenação.[99]
Ao contrário, a santificação:
[...] não foi ainda terminada em nós, nem é perfeita essa
obediência que prestamos a Deus enquanto somos santificados,
mas demasiadamente imperfeita, tendo sido somente começada
em nós. Consequentemente, não é preciso recorrer à santificação
para dar segurança às nossas consciências diante do julgamento
de Deus, o que fazem aqueles que (seja em tudo ou em parte)
recorreram às suas obras ou às de outros, ao invés da obra de
Jesus Cristo.[100]
E Viret acrescenta:
Chamarei a justificação de a imputação da justiça de Jesus
Cristo, que nos é imputada e atribuída pela apreensão dessa
misericórdia de Deus em Jesus Cristo, pela fé nele.[101]
A santificação não é uma obra que nos seja externa. Vejamos o que diz
Viret sobre isso:
Chamo santificação a esse outro benefício que Jesus Cristo nos
traz, quando o recebemos e o abraçamos por uma fé verdadeira e
viva, que resulta desta outra graça pela qual ele faz, pela virtude
do Espírito Santo, com que sua justiça — pela qual ele cobre e
apaga nossos pecados e que nos é imputada e comunicada pela
justificação — tenha tal eficácia em nós que, não somente nossos
pecados — que nos acusavam e nos faziam culpados de eterna
maldição diante de Deus — sejam por ela inteiramente apagados,
mas que também nossa natureza corrompida seja transformada na
justa, pura e santa natureza de Jesus Cristo, de modo que pouco a
pouco renunciamos ao nosso velho homem, para viver segundo o
novo. Porque somos feitos novas criaturas dedicadas e
consagradas a Deus, ao contrário do que éramos antes,
inteiramente dedicados ao diabo e ao pecado.
[102]

Seguindo uma linha muito parecida, o Breve catecismo de Westminster


responde à questão “O que é a santificação?”, por estas palavras:
A santificação é a obra da livre graça de Deus, pela qual somos,
na totalidade do nosso ser, renovados à imagem de Deus, e
somos feitos cada vez mais capazes de morrer para o pecado e
viver para a justiça.[103]
O pastor Stuart Olyott em sua aplicação do Breve catecismo extrai
quatro ensinos desse artigo sobre a santificação.
1. A santificação começa por uma transformação interior.
2. A santificação é um processo.
3. O crente se entrega à santificação, mas é Deus quem opera nele.
4. A santificação é operada principalmente pela Palavra de Deus.[104]

Vemos a que ponto o ensino das Santas Escrituras, restabelecido na


igreja pela ação do Espírito Santo durante a Reforma, difere daquele que
havia sido instalado na igreja durante o longo período de escuridão
doutrinária que foi a dominação espiritual de Roma. A obra de Cristo, a sua
vida humana perfeita, sua crucificação substitutiva, sua ressurreição —
realidades espirituais aplicadas ao crente pela ação da terceira Pessoa da
Trindade, o Espírito Santo — foi substituída por uma ação direta do Espírito
Santo na alma do crente, pela intermediação dos sacramentos da Igreja
romana e por uma graça infundida que nele opera uma justificação-
santificação indistintas, em detrimento da obra de Jesus Cristo na cruz.
Na segunda parte desta exposição, vamos ver como o protestantismo
evangélico pouco a pouco abandonou as conquistas doutrinárias e espirituais
dos reformadores, para retornar a uma doutrina de salvação estranhamente
parecida, em muitos aspectos, aos ensinos da Igreja romana. Veremos que o
sistema teológico do tipo pentecostal, cujo coração está na doutrina do
batismo com o Espírito Santo — que se pretende consecutivo à regeneração e
caracterizado pela ação direta do Espírito na alma do crente — é uma
variante moderna da doutrina romana da graça infundida e corre o risco de, a
longo prazo, trazer de volta, para os braços de Roma, os movimentos
espirituais que a adotam.
As diversas fases e formas desse recuo teológico e espiritual se
chamam arminianismo, amyraldismo, pietismo, metodismo, finneyismo,
movimento de santidade, movimento de Keswick, Avivamento do País de
Gales, pentecostalismo, e, finalmente, o carismatismo em todas as suas
variações e seus descendentes de Toronto e outros. Façamos agora uma
análise rápida da história desse declínio espiritual, dessa perda de luz e sabor
dos cristãos que pretendiam, antes de tudo, ser fiéis ao Evangelho.
II. As origens evangélicas do pentecostalismo

Observações preliminares
O declínio doutrinário e espiritual que iremos descrever agora foi, antes
de tudo, produzido nos círculos cristãos que aberta e exclusivamente
reivindicavam o Evangelho. Esses mesmos cristãos evangélicos, aliás, se
levantavam contra outro movimento ainda muito mais grave: o racionalismo
anti-bíblico e anti-trinitário, representado por aqueles que os reformadores
chamavam de libertinos, dos quais Miguel Servet é um exemplo bem típico.
Os libertinos são os precursores dos socinianos unitarianos do século XVII,
dos deístas racionalistas do século das Luzes e dos materialistas científicos e
políticos anticristãos e ateus dos dois últimos séculos. Foi dessa corrente
funesta que nasceu a crítica bíblica racionalista e dialética, cujo fruto
envenenado é o liberalismo protestante, o modernismo católico e a neo-
ortodoxia barthiana e neo-evangélica. Essa tradição anticristã forjou uma
exegese primeiramente racionalista, depois dialética, que recusa todo o
aspecto propriamente transcendente da revelação e desenvolve uma
exposição dialética que procura guardar certa “ortodoxia”, sob o manto de
uma linguagem evangélica. Mas, de fato, trata-se de um agnosticismo
exegético, filosófico e ético incapaz de extrair doutrinas sólidas e precisas do
texto das Escrituras.
O movimento que queremos estudar é, evidentemente, outro. Os
homens cujos erros doutrinários vamos analisar eram, em sua maior parte,
cristãos evangélicos sinceros, zelosos e corajosos, que quase sempre
provaram uma consagração e uma devoção pela causa de Deus, até hoje,
exemplares. Mas, apesar do seu apego ao evangelismo, às obras da fé e a
alguma forma de santificação, gradualmente foram se distanciando do ensino
dos apóstolos em certos pontos. Não se trata daqueles adversários de fora,
como são os teólogos apóstatas que acabamos de mencionar, mas de homens
que, inconscientemente, com frequência e na maior boa fé contribuíram, sem
saber, para corromper os fundamentos da fé a partir do interior das igrejas.
Esse movimento doutrinário está, evidentemente, ligado a outros
desenvolvimentos, em particular nos campos ético e filosófico. O
antinomismo — rejeição à autoridade normativa da Lei divina para a
santificação da vida individual e social — como também o idealismo
filosófico — rejeição a toda relação essencial entre o pensamento humano e a
realidade — contribuíram, de fato, para a deterioração da doutrina bíblica da
santificação. Mas todos esses movimentos têm algo em comum: eles jamais
enfatizaram a soberania, a autoridade e o poder extraordinário de Deus, o
valor normativo absoluto de sua Lei, a infalibilidade de sua revelação, mas
sim o homem e suas capacidades. Dessa forma eles exaltam o homem,
fazendo dele a medida para todas as coisas.
Vejamos essa história mais de perto.

a. O arminianismo
O primeiro momento foi o arminianismo, que deve o seu nome a Jakob
Hermandzoon, ou Arminius (1560-1609), teólogo holandês que foi quem o
inspirou.[105] O ensino de Armínio se aproximava do semipelagianismo da
Igreja romana por sua insistência sobre a compatibilidade entre a soberania
divina e o livre-arbítrio de um homem, aliás, escravo do pecado. Pelo fato de
que Cristo, segundo Armínio, teria morrido por todos os homens, a salvação
dependeria, no fim das contas, mais da livre escolha daquele que ouve o
Evangelho que do decreto eterno de Deus. A doutrina da depravação total do
homem perdido dá lugar aqui a um ponto de vista muito mais favorável às
capacidades espirituais humanas não regeneradas. Não queremos nos ater
demasiadamente nesse movimento, mas é evidente que se trata de uma
primeira brecha na visão calvinista e agostiniana do mundo. A ênfase dos
reformadores sobre a soberania de Deus e a responsabilidade humana é
deslocada em favor do homem.
Sob uma forma modificada, os ensinos de Armínio foram adotados na
França por Moisés Amyraut (1596-1664), que foi por muito tempo professor
de teologia na Academia Reformada de Saumur.[106] Essa mudança de ênfase
de Deus para o homem teve por efeito obscurecer as doutrinas bíblicas da
justificação e da santificação, abrindo assim a porta para novos
desdobramentos.[107]

b. O pietismo
O pietismo é um movimento de renovação espiritual que se
desenvolveu na Alemanha após a Guerra dos Trinta Anos, no fim do século
XVII, numa reação contra o dogmatismo estéril e a falta de espiritualidade de
uma parte importante da Igreja luterana. Os pietistas se voltaram contra a
teologia e contra a doutrina, em nome de uma piedade viva e da leitura
pessoal da Bíblia. Mas em seu zelo simplificador, o pietismo sacrificou, em
nome da redescoberta de uma experiência cristã autêntica, uma parte
importante das doutrinas essenciais do cristianismo. A diferença capital, por
exemplo, entre a justificação e a santificação, pedra angular do avivamento
cristão do século XVI, tornou-se incompreensível nesse sistema de piedade
“viva” que não via mais sentido no que lhes parecia ser apenas questiúnculas
teológicas.
A tendência, já manifestada no arminianismo, de acentuar a resposta
humana, em detrimento da graça de Deus, foi reforçada consideravelmente
pela importância que os pietistas deram para a experiência cristã, a qual se
tornou quase normativa. Esta abordagem rompeu claramente com o equilíbrio
dos reformadores do século XVI, que haviam mantido em uma síntese viva e
dinâmica uma doutrina sólida, uma piedade cheia de esperança e uma fé
missionária conquistadora.
O historiador G. R. Cragg descreve assim alguns aspectos negativos do
pietismo:
A regeneração era o seu tema mais importante e era definida não
como doutrina, mas como a experiência central e indispensável
de todo verdadeiro cristão. [...] Ao interiorizar o cristianismo, os
pietistas tornaram-no subjetivo. [...] Os sentimentos assumiram
um lugar tão importante em sua vida religiosa que o papel da
razão foi por eles veementemente desprezado. Como o intelecto
não podia sondar os mistérios do destino humano, então os
sentimentos e a intuição tiveram que preencher esse papel. O
forte ataque contra a razão era dirigido contra dois tipos de
adversários: o teólogo dogmático e o livre pensador racionalista.
Como escreveu Zinzendorf: “Aquele que quiser compreender
Deus, utilizando sua própria inteligência, tornar-se-á,
inevitavelmente, um ateu”. O pietismo não soube manter um
equilíbrio sadio entre a vitalidade espiritual e o vigor intelectual.
Aí encontramos o seu erro mais grave e a causa essencial de sua
esterilidade teológica. [...] Apesar da distância que mantinha em
relação a todo debate teológico, o pietismo se via obrigado a
insistir fortemente sobre a responsabilidade moral do cristão.[108]
Mais adiante Cragg, ao comentar a duração relativamente curta da
influência desse movimento, tece comentários que se situam bem no centro
de nossas preocupações atuais:
A maneira como o pietismo via a doutrina era tanto débil quanto
utilitarista. Ele tratava a nova vida simplesmente como um
processo subjetivo, esquecendo-se, por isso, que a justificação
deve sempre ser vista como um ato de Deus. Reduzia a conversão
à participação em uma série, quase ritualística, de experiências
tornadas obrigatórias. Tal atitude implicava dizer que nossa
maneira de sentir era determinante para sermos aceitos por Deus.
Um pensamento como esse é o sinal certo de que o legalismo
invadiu a vida religiosa.[109]
Como corretamente notou Donald W. Dayton, cuja obra Theological
Roots of Pentecostalism [As raízes teológicas do pentecostalismo][110] servirá
de guia na sequência do nosso texto, uma perda tão grave do sentido
teológico conduz, em pouco tempo, à incapacidade de perceber as
verdadeiras dimensões da vida espiritual. Não se compreende mais o abismo
do pecado, menos ainda a imensidão da graça. Uma consequência dessa
redução doutrinária e espiritual foi a ideia, presunçosa e ingênua, de que o
cristão regenerado podia vencer seu pecado e alcançar, já na vida presente, a
perfeição moral. O cristão não era mais perfeitamente justo em sua posição
de justificado em Cristo; era, entretanto, sempre obrigado a trabalhar com
temor e tremor por sua santificação em sua vida terrestre. Neste sentido, o
pietismo preparava o caminho para aquele perfeccionismo que se tornaria o
cavalo de batalha do metodismo.

c. O metodismo
John Wesley (1703-1791) foi, sem dúvida, a conquista mais importante
do movimento pietista. Wesley é, incontestavelmente, um dos gigantes da
história da igreja; teve um papel crucial na história das origens evangélicas do
pentecostalismo. Aos seus dons de pregador do Evangelho, ofício em que
rivalizou com os maiores nomes de seu século, tais como George Whitefield
(1714-1770) e Jonathan Edwards (1703-1758), acrescentou um dom
extraordinário de organização das comunidades cristãs que fundava. Se
devemos aqui criticar algumas de suas orientações teológicas, cujas
consequências posteriores foram particularmente nefastas, é preciso primeiro
reconhecer os enormes benefícios que o seu infatigável ministério trouxe para
as ilhas britânicas e, sobretudo, entre as camadas mais pobres de uma
população deslocada e abalada pelo traumatismo social da revolução agrícola
e empobrecida por uma revolução industrial então na sua primeira fase
particularmente brutal.
Wesley foi herdeiro tanto do arminianismo quanto do pietismo. Sua
pregação era, sem dúvida, marcada pela ação soberana da graça divina
transformando o coração e a vida dos homens que ouviam a proclamação das
Boas Novas, mas sua teologia punha ênfase, claramente, na participação ativa
do não convertido na operação de sua salvação. Além disso, ele insistia, tal
como o discurso pietista, sobre o papel central que a experiência emocional
devia ter na vida cristã. É preciso acrescentar que as preocupações essenciais
de Wesley não eram propriamente doutrinárias e que sua teologia era
incoerente e frequentemente contraditória. Diferentes historiadores o
interpretaram de maneira bastante variada, sem, no entanto, deformar demais
o seu pensamento. Entretanto, temos de constatar que sobre um ponto sua
influência teve um papel decisivo na via que leva ao pentecostalismo: sua
teoria de uma perfeição moral acessível ao cristão, através de uma
experiência externa à regeneração.
No que concerne à sua teologia, Wesley foi mais centrado sobre a obra
de Cristo do que foram os seus sucessores metodistas do século XIX. Wesley,
segundo o historiador A. S. Wood:
[...] percebeu que a obra específica do Espírito Santo era
glorificar o Filho e aplicar as bênçãos da redenção de Cristo.[111]
Tratando-se da santificação, ele ensinava a doutrina bíblica tradicional
de um crescimento gradual na graça e na santidade. Mas ele tinha sido
marcado profundamente por sua conversão ocorrida entre os irmãos morávios
e pelo seu ensino sobre a possibilidade de alcançar, aqui embaixo, uma vida
cristã moralmente impecável. Foi também fortemente influenciado por alguns
aspectos do ensino místico católico, em particular na tradição corrompida de
Madame Guyon. Essas influências fizeram com que defendesse a
possibilidade, para o cristão adulto bem experimentado no caminho da
santificação, de fazer o que chamava “uma segunda experiência”, que daria
àquele que a experimentasse uma santidade completa. Assim, no processo de
uma santificação gradual, seria possível ter uma experiência instantânea que
produziria no crente uma santidade de vida total, definitiva. A partir de 1772,
Wesley ficou plenamente convencido sobre a possibilidade de tal experiência.
Mas ele mesmo constantemente afirmou jamais tê-la experimentado. Para
Wesley:
[...] certamente todo aquele que nasceu de novo em Cristo
recebeu o Espírito Santo e o Espírito testifica com o seu espírito
que é filho de Deus. Mas isso de maneira nenhuma quer dizer
que tenha obtido a perfeição cristã.[112]
Tal concepção da perfeição cristã implica, claramente, uma noção
insuficiente sobre a gravidade do pecado e a extensão do seu efeito sobre o
homem. Como é a Lei divina que nos dá a medida do nosso pecado,
concluímos que tais concepções devem partir de uma noção bastante
defeituosa das exigências dessa Lei. É isso, com efeito, o que encontramos
em Wesley. Para ele:
O pecado é a transgressão de uma lei conhecida. [...] A
transgressão involuntária de uma lei divina ou desconhecida é
chamada pecado de maneira imprópria.[113]
Uma definição do pecado como essa simplifica bastante o problema da
santificação! Mas, como frequentemente é o caso, os discípulos de Wesley
foram muito mais longe do que o mestre. Joseph Benson, cuja visão
arminiana foi a causa direta da ruptura final entre Whitefield e Wesley, e
mais particularmente John Fletcher (1729-1785), o sucessor nomeado por
Wesley, começaram a utilizar a expressão, depois tornada clássica, de o
batismo de Pentecostes do Espírito Santo, para nomear essa segunda
experiência. Seria interessante saber se aqui se tratou da primeira utilização
dessa expressão nesse sentido. Numa carta datada de 7 de março de 1778 e
endereçada a sua futura esposa, Fletcher escreveu:
Você vai encontrar minha visão sobre essa questão (da perfeição
cristã) nos sermões de Wesley sobre a perfeição cristã e sobre o
cristianismo bíblico, que estabelecem uma diferença, ou seja,
uma distinção mais precisa entre o cristão batizado pelo poder
pentecostal do Espírito Santo e o crente que, como os apóstolos
após a ascensão do Senhor, ainda não está cheio desse poder.[114]
Fletcher falaria até (como tinha feito um Joaquim de Fiore no século
XII) de três épocas espirituais: a do Pai, a do Filho e a do Espírito Santo.
Segundo esta perspectiva, a nossa época, a do Espírito Santo, seria
caracterizada pela segunda experiência de um suposto batismo com o Espírito
Santo, experiência que daria acesso ao poder espiritual verdadeiro. Fletcher
nisso se distanciou fortemente do ensino mais sóbrio de Wesley. Uma bela
carreira estava prometida para essas novas visões. Começamos a descobrir as
raízes históricas precisas do pentecostalismo. Foi na América que se
encontrou o terreno favorável para a expansão dessas novidades.

d. O perfeccionismo americano, de Charles Finney a A. J. Gordon


Até o final século XVIII, o metodismo teve muito pouca influência na
vida das igrejas americanas. Mas, por volta do ano 1820, a situação já tinha
mudado bastante. Nessa época os metodistas já eram tão numerosos quanto
os batistas e estavam em plena expansão. Próximo à metade do século XIX,
os metodistas tornaram-se a força religiosa dominante dos Estados Unidos. O
otimismo e a confiança no homem, características daquela época, se refletiam
plenamente no arminianismo e no perfeccionismo dos metodistas.
Foi pelo trabalho de evangelização infatigável de Charles Finney
(1792-1875) que a doutrina metodista de uma perfeição cristã obtida
instantaneamente por uma experiência distinta do novo nascimento foi
disseminada por todo o país. Esta teoria era ensinada na Universidade de
Oberlin onde Finney era professor. Em seu começo, a Universidade de
Oberlin foi presidida por Asa Mahan. Foi ali que a procura apaixonada por
uma total santificação moral e espiritual por fim resultou na experiência do
batismo com o Espírito Santo, dando àquele que o recebia uma santidade
perfeita e imediata. O perfeccionismo de Oberlin, essencialmente de caráter
metodista, tinha, além disso, o cheiro de um legalismo autônomo de tipo
kantiano. Porque, nesse sistema, a consciência de cada um estabelecia suas
próprias normas éticas, adaptadas aos limites de sua capacidade moral
pessoal. Em sua Teologia sistemática, Finney afirma que:
[...] a lei moral não exige nada mais do que integridade da
intenção. [...] A sinceridade ou a integridade da intenção são os
equivalentes da perfeição moral.[115]
Finney simplesmente tinha adotado a “Nova Teologia” pelagiana, tão
popular nos círculos unitarianos da época. Isso lhe proporcionava um
perfeccionismo muito fácil. É evidente que o perfeccionismo somente pode
manifestar-se ali onde as exigências da Lei de Deus são consideravelmente
reduzidas. A americanização da teologia metodista deu origem à
secularização, ao menos parcial, de sua moral e de sua espiritualidade. A
passagem da revelação para a razão, da visão do homem profundamente
pecador para aquela de um homem natural, moralmente neutro em sua
essência, da livre graça de Deus para o livre-arbítrio humano, se fazia
imperceptivelmente.[116] Não é possível superestimar a influência que exerceu
a espiritualidade de Oberlin no meio evangélico americano durante todo o
século XIX. Sua visão arminiana e até pelagiana do homem orientou, de
maneira nefasta, tanto a prática como a teologia da evangelização que em
seguida se desenvolveu nos Estados Unidos.
Em 1845, um dos professores da Universidade de Oberlin, John
Morgan, já tinha publicado um artigo importante sob o título “Dom do
Espírito Santo”, na revista da Universidade. Ele escreveu:
O batismo com o Espírito Santo, na sua plenitude pentecostal,
não é privilégio único da Igreja Primitiva, mas de todos os
crentes.[117]
A partir do avivamento de 1857-1858, o vocabulário inspirado em
Pentecostes começou a invadir todos os círculos evangélicos nos Estados
Unidos. A corrente dominante, favorável à experiência de uma santificação
imediata, apoiou-se cada vez mais nas imagens registradas no texto bíblico
sobre Pentecostes, para propagar sua mensagem. Pouco depois, a partir da
Guerra de Secessão, ocorre uma mudança. A partir de então a ênfase recai
muito menos sobre um batismo para a santidade do que sobre o batismo de
poder. Enquanto o século XIX avança, cresce o interesse sobre tudo o que diz
respeito ao Espírito Santo. O espírito da época era concentrar-se sobre o
homem, ao invés de concentrar-se em Jesus Cristo. Isso faz com que a
atenção esteja cada vez mais voltada ao próprio homem, que cada vez menos
cumpre sua tarefa bíblica — aparentemente considerada ultrapassada — de
comunicar ao cristão tudo o que concerne a Cristo. Se este espírito não realiza
mais a obra para a qual Cristo o enviou em Pentecostes, é preciso então
perguntar: trata-se, de fato, do mesmo Espírito? Em 1874, o pastor David
Steele, em seu Guide pour la sainteté [Guia para a santidade], exortava os
cristãos a:
[...] parar com as discussões intermináveis sobre as sutilezas
relativas à questão da santificação completa ou da perfeição
cristã, para em vez disso clamar a Deus com todas as suas forças,
a fim de receber o batismo com o Espírito Santo.[118]
Todos os que buscavam uma vida mais profunda, segundo os critérios
da perfeição metodista, foram levados pela correnteza. Destacamos algumas
datas que marcaram o crescimento desse movimento:

i) 1859
Phoebe Palmer, em seu livro La promesse du Père [A promessa do
Pai], evocou o tema das últimas chuvas, em parte para justificar o seu
ministério de mulher evangelista, mas também para incitar seus leitores a
buscar o “batismo completo com o Espírito Santo”, que tem a virtude de
conceder o poder espiritual a todos os que o recebem.

ii) 1867
No mês de julho desse ano foi fundada a célebre Associação nacional
de reuniões de evangelização ao ar livre para promover a santidade. O
objetivo explícito desse movimento era promover a experiência pentecostal
do batismo com o Espírito Santo, através de reuniões públicas. Tratava-se de
“uma experiência específica, positiva, consciente e instantânea”.[119]
A maior parte dos círculos evangélicos norte-americanos da última
década do século XIX viveu a generalização desse tipo de encontro, típico
“de um pentecostalismo precursor”. Havia algo como que uma obsessão
universal a favor da atualização dramática da experiência de Pentecostes. As
formulações de Fletcher fizeram submergir tanto o calvinismo tradicional
como as explicações propriamente wesleyanas sobre uma santificação
completa.

iii) 1870
Asa Mahan, então presidente da Universidade Adrian, dirigida por
metodistas perfeccionistas, publicou sua obra célebre Le Baptême du Saint-
Esprit [O batismo com o Espírito Santo], hoje ainda um dos pilares da
teologia pentecostal. Na verdade, é daí que vem a doutrina do batismo com o
Espírito Santo como uma segunda obra decisiva da graça, posterior à
salvação, permitindo ao crente ser revestido de poder para o serviço.

iv) 1877
Mesmo o célebre pregador e evangelista D. L. Moody (1837-1899) fez
— segundo a fórmula recebida — a experiência desse batismo. Em 1877 ele
publicou em seus Discours doctrinaux [Discursos doutrinários] um sermão
intitulado “O batismo do Espírito Santo para o serviço”. Ele escreveu:
Em certo sentido, e de um modo restrito, o Espírito Santo habita
todo crente; entretanto, existe também outro dom que poderia ser
chamado de dom do Espírito Santo para o serviço. Este dom me
parece ser completamente diferente e distinto, tanto da conversão
como da certeza da salvação. Deus tem muitos filhos que não têm
poder e a razão disso é que estes não têm o dom do Espírito
Santo para o serviço.[120]
Moody afirmava, também, em seu livro muito popular La puissance
secrète [O poder secreto], publicado em 1881, a necessidade de uma segunda
experiência.

v) 1899
Reuben A. Torrey, que sucedeu a Moody na chefia do seu Instituto
Bíblico após sua morte, era um defensor entusiasta do batismo com o Espírito
Santo como segunda experiência. Ele propagou esse ensino através de muitos
livros, tais Comment obtenir la plénitude de la puissance [Como obter a
plenitude do poder] (1897) e Le baptême du Saint-Esprit [O batismo com o
Espírito Santo] (1895). Algumas de suas obras tornaram-se clássicos da
literatura pentecostal do século XX.
Na Inglaterra, a partir de 1875, o movimento de Keswick avançou
pelas mesmas águas, mas de maneira mais prudente. A primeira metade do
século XIX havia sido marcada pelo ministério do pastor reformado escocês
Edward Irving (1792-1834), que foi um dos precursores importantes do
movimento pentecostal. Ele tinha assustado a maior parte dos círculos
evangélicos britânicos de sua época, em razão de seus excessos carismáticos.
[121]
O final desse século [XIX] foi mais propício a essas novas orientações.
Em Keswick, interessavam-se mais pela segunda experiência com o Espírito
Santo como resposta ao problema do pecado do que como fonte de poder.
Pouco tempo antes de sua morte, Asa Mahan tornou mais respeitável esse
movimento de santidade, colocando-o, por assim dizer, sobre as pias
batismais. Moody, de sua parte, vai assegurar ao movimento relações
frutíferas com o reavivalismo americano. Esse movimento inglês exerceu
uma influência notória sobre homens da importância de A. B. Simpson
(1843-1919), pastor presbiteriano que foi o fundador da Aliança cristã e
missionária,[122] Andrew Murray, pastor sul-africano reformado que travou
um duro combate contra o liberalismo de seu tempo e ainda conhecido como
autor de grande número de obras de edificação, e A. J. Gordon, fundador do
célebre Gordon-Conwell College nos Estados Unidos. Gordon, a partir de um
estudo renovado do livro de Atos dos Apóstolos, ligado às suas experiências
no trabalho de avivamento, chegou à conclusão eminentemente pentecostal
de que:
[...] as Escrituras parecem ensinar que existe uma segunda etapa
no desenvolvimento espiritual, que é distinta e separada da
conversão, às vezes por um lapso de tempo bastante longo, às
vezes quase simultâneo. Nós alcançamos esse nível espiritual por
uma renovação particular do Espírito Santo e não simplesmente
por um crescimento regular.[123]
Sob a influência dos escritos de Jessie Penn-Lewis e de Evan Roberts,
célebre pregador do Avivamento do País de Gales, e do seu jornal, The
Overcomer [O vencedor], o movimento de Keswick prolongou-se de forma
importante. De maneira inesperada, essa influência se estendeu até nossos
dias, com a ajuda dos variados escritos de Watchman Nee, também adepto
das ideias de Keswick e marcado pelo ensino místico da senhora Penn-Lewis.
[124]

A seguir, a conclusão de todo este desenvolvimento, extraída do livro


de Donald Dayton, que nos serviu de guia:
Em meados dos anos noventa do século passado [séc. XIX], em
todos os ramos dos movimentos de santidade e de vida
abundante, assim como nos círculos de avivamento de maneira
geral, era ensinada, sob uma forma ou outra, a doutrina do
batismo no Espírito Santo. [...] Então não foi um acidente o
pentecostalismo ter nascido exatamente nesse momento. Bastava
apenas que uma fagulha pusesse fogo na palha.[125]
Essa fagulha foi o falar em línguas, sinal milagroso que provava, com
toda evidência, que o Novo Pentecostes havia finalmente chegado.
Decididamente as últimas chuvas começavam cair!
Conclusão
Geralmente se diz que são os cristãos mais sedentos por uma
verdadeira vida espiritual que se deixam prender nas armadilhas do
carismatismo. Se espiritualidade significa entregar-se a essas experiências
subjetivas, sem se preocupar se estão ou não de acordo com as Santas
Escrituras, então esse tipo de sedução não surpreende. É exatamente o que
prova a história teológica e espiritual que acabamos de expor brevemente. Do
arminianismo ao pentecostalismo, passando pelo pietismo e os diversos
movimentos de santidade e de busca de uma vida superior, vimos uma lenta
desintegração teológica e espiritual que dissolve a herança da fé bíblica,
restabelecida em sua inteira verdade na Reforma Protestante. As cartas
reunidas em Lettres de Feu [Cartas de fogo], de Miles J. Stanford, publicadas
em francês em 1973,[126] não poderiam ser mais claras ao mostrar, usando o
exemplo trágico de Evan Roberts, as consequências dessa famigerada
segunda experiência: a depressão, a fragilidade psíquica mais completa e uma
submissão passiva aos ataques de poderes malignos, contra os quais não
parecem ter mais defesa. É para não os expor a tais provas que o Pai dá o seu
Espírito Santo a seus filhos. Sem dúvida, esses movimentos religiosos são
estimulados por pretensões grandiosas; mas onde está o seu poder espiritual,
moral e político? Eles têm uma aparência de piedade das mais espetaculares,
mas onde podemos encontrar a realidade da fé, a fidelidade à Palavra de
Deus, o fruto do Espírito Santo? Belos fogos de artifício, mas pouco fruto
verdadeiro!
O erro de todos esses movimentos, que analisamos rapidamente, foi
confundir, como antes deles já havia feito a Igreja romana, a justificação com
a santificação. Nossa perfeição está em Cristo e não em nós mesmos. Nele
somos sem mancha, puros e irrepreensíveis. Mas nossa peregrinação terrestre
é uma marcha, uma corrida, em direção a um alvo que almejamos: a
perfeição, a santidade perfeita. Esta perfeição do corpo, da alma e do espírito,
somente a atingiremos no mundo vindouro, no qual, pelo despojamento desta
carne pecadora e pela ressurreição do nosso corpo, tudo o que em nós é
mortal será absorvido por essa vida sem fim, sem limite, que nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo, definitivamente, conquistou por sua morte e
ressurreição.
Dizemos, juntamente com um dos mais fiéis defensores da fé bíblica
do século XIX, J. H. Merle d’Aubigné, digno herdeiro dos reformadores do
século XVI:
Entretanto, senhores, há alguma coisa a fazer neste momento em
que uma guerra universal parece acontecer. É preciso manter as
fortes doutrinas da fé, porque elas são a rocha sobre a qual a casa
de Deus deve subsistir. Para vencer a falsa sabedoria dos gregos e
o falso poder dos judeus, é preciso glorificar a Cristo crucificado,
aquele que é, segundo S. Paulo, a sabedoria e o poder de Deus.
[127]

[1]
No original Mysticisme d'hier et d'aujourd'hui, ou seja, Misticismo de ontem e de hoje. [N. do R.]
[2]
Extraído da introdução por J. Cynddylan Jones, no The Awakening in Wales, por Jessie Penn-Lewis,
The Overcomer Literature Trust, Poole, England, s. d.

[3]
Jessie Penn-Lewis, em colaboração com Evan Roberts, La guerre aux Saints, edição inglesa, 1912,
primeira edição francesa, Paris, 1916.
[4]
Místico católico romano sobre o qual falaremos na segunda parte deste estudo.
[5]
Henri Bois, Le réveil au Pays de Galles, Toulouse, 1905.
[6]
Rick Joyner, Le monde en feu, J. F. Oberlin, Mâcon, 1996. [Edição brasileira: Rick Joyner, O mundo
em chamas. Rio de Janeiro: Danprewan, 2000.]
[7]
Entre outras, de D. M. Phillips, Evan Roberts, the Great Welsh Revivalist and his Work, Marshall
Brother, 1906.
[8]
Em todo pensamento anarquista revolucionário dos séculos XVIII-XX, o fogo é o símbolo da ação
da Revolução. Veja o estudo magistral de J. H. Billington, Fire in the Minds of Men. Origins of the
Revolutionary Faith, Basic Books, New York, 1980. O processo revolucionário começou por uma falsa
mística destrutiva da ordem de Deus na personalidade daquele que fazia a experiência.
[9]
Esse falso ensino sobre a cruz foi amplamente retomado por Watchman Nee e sua escola. Veja W.
Nee, La libération de l'Esprit, Fontenay-sous-Bois, Farel, 1975.
[10]
Bois, op. cit., p. 438 e seguintes. Ele tem de escrever exatamente como lhe vem. Deus lhe pede que
enfatize uma palavra quatro vezes e não três, como tinha feito…, etc.

[11]
Jessie Penn-Lewis em colaboração com Evan Roberts, La Guerre aux Saint. Un livre, à l’usage des
croyants, sur l’activité des esprits séducteurs parmi les enfants de Dieu, Bureau de l’Alliance Biblique,
Genève, 1912, p. 5-8.

[12]
Jessie Penn-Lewis com a colaboração de d’Evan Roberts, La Guerre aux Saints, Deuxième édition
abreviada, Introdução de I. Brunel, Chez Mme G. Brunel, Nîmes, s.d. p. 8-10. Reedição, Edições
l’Oasis, 2015.
[13]
Em francês à la lisière, referência a um tipo de vestimenta curta, cobrindo ombros e braços, com
uma fita estendida e controlada pela mãe, que impedia a criança de se distanciar. [N. do T.]
[14]
Veja Watchman Nee, L'homme spirituel, Résurrection et Imprimerie Nouvelle L.-A. Monnier,
Bevaix et Neuchâtel, 1968, que desenvolve e sistematiza esse ensino teológico errado da senhora Penn-
Lewis.
[15]
Sobre a verdadeira busca por direção espiritual, veja: Garry Friesen e Robin Maxson, Vos décisions
et la volonté de Dieu, Vida, Miami, 1989 e Sinclair Ferguson, A la découverte de la volonté de Dieu,
Europresse, Chalon-sur-Saône, 1988. Veja também a obra de James Packer: Connaître Dieu, Grâce et
Vérité, 1984; o vigésimo capítulo trata da direção espiritual.
[16]
Veja a obra de J. Penn-Lewis, Soul and Spirit, The Overcomer Literature Trust, s. d. Na p. 26, uma
nota indica que se o leitor quiser saber mais, deve ler a obra La Guerre aux Saints escrita em 1912, na
qual ela fala explicitamente sobre tudo isso.

[17] J. MacArthur, Comment affronter l'ennemi?, Impact, 1998.


[18]
C. S. Lewis, Tactique du Diable, Delachaux et Niestlé, Neuchâtel, 1967, p. 9.

[19]
Thoughts on Religious Experience, Carlisle, Pennn.: The Banner of Truth, 1978, p. xviii.
[20]
H. E. Alexander, Fondé sur le Roc, Maison de la Bible, Genève, 1943, revista e corrigida sob o
título de Contre vents et marées, H. E. et J. H. Alexander, Maison de la Bible, 1983.
[21]
Na Advertência em Recueil de divers traités de théologie mystique, Jean de la Pierre, Cologne,
1699, p. 6-7.
[22]
François Ribadeau Dumas, Fénelon et les saintes folies de Madame Guyon, Mont-Blanc, Genève,
1968, p. 141-142.
[23]
M. L. Gondal, Madame Guyon, Beauchesne, Paris, 1989.
[24]
Louis Cognet: Histoire de la Spiritualité chrétienne, III, p. 27, Aubier, Paris, 1966.
[25]
Hans Küng, Le Christianisme et les religions du monde, Seuil, Paris, 1986.
[26]
Wesley’s Works, vol. VI, p. 48, Sermon LXXXVI: On Perfection, em: De la sanctification selon
Watchman Nee, de Olivier Baudraz, Dissertação de Mestrado, na Faculdade Livre de Teologia
Reformada d'Aix-en-Provence, 1984, p.3.

[27]
Jessie Penn-Lewis, Life Out of Death, The Overcomer Literature Trust, Christian Literature
Crusade, s. d.
[28]
Maurice Ray, Non au yoga, Ligue pour la lecture de la Bible, Lausanne, 1969, p. 64-65.
[29]
Op. cit., p. 82.
[30]
Olivier Baudraz, De la sanctification selon Watchman Nee, Dissertação de Mestrado, na Faculdade
Livre de Teologia Reformada d'Aix-en-Provence, 1984.
[31]
Baudraz acrescenta em nota: “Ficamos muito perturbados pela onipresença do caráter mórbido
desse contexto, e após a leitura de centenas de páginas, nas quais a brutalidade divina é explicitada, nós
mesmos fomos mergulhados em angústias e tremores que deviam ser superadas por leituras mais
serenas e sadias”.
[32]
Henri Blocher, “De l’âme et de l’esprit”, Ichthus, sept.-oct. 1997.
[33]
Veja os estudos seguintes: Jean-Claude Larchet, Ceci est mon corps. Le sens chrétien du corps chez
les Pères de l'Eglise, La Joie de Lire, Genève, 1996; Roger Verneaux, Philosophie de l'homme,
Beauchesne, Paris, 1985 ; Robert H. Gundry, Soma in Biblical Theology, Zondervan, Grand Rapids,
1987.
[34]
Le Courant é uma revista trimestral publicada por Living Stream Ministry, 1853 West Ball Road,
Anaheim, CA 92804-5590, USA. Le Courant é distribuído por Le Courant de vie, 44 rue Monge,
75005 Paris, France.
[35]
Henry A. Boardman, The “Higher Life” Doctrine of Sanctification Tried by the Word of God,
Sprinkle, Harrisonburg, 1996.
[36]
Edição brasileira: Na dinâmica do Espírito: uma avaliação das práticas e doutrinas (São Paulo:
Vida Nova, 1991). [N. do R.]
[37]
Antinomismo ou antinomianismo: oposição ou indiferença à lei de Deus.
[38]
Tom Wells, Prends courage, mon ami!, Europresse, Chalon-sur-Saône, 1993.
[39]
Wolfgang Bühne, La troisième vague, CLV, Maison de la Bible, Genève, 1992.
[40]
Alan Morrison, The Serpent and the Cross. Religious Corruption in an Evil Age, K. & M. Books,
Birmingham, 1994.
[41]
Mike Bickle, Grandir dans le prophétisme, Carrefour, Crissier, 1996.
[42]
John MacArthur: Spiritualité en crise, Maison de la Bible, Genève, 1996, p. 243 e 262.
[43]
Parecem ser, igualmente, defensores da tricotomia!
[44]
Marilyn Ferguson: La révolution du cerveau, Calmann-Levy, Paris, 1974, p. 63. Sobre a hipnose
veja o estudo muito instrutivo de Eddy Marie-Couste: “L’hypnose et autres pratiques de suggestion ou
d'autosuggestion”, em Perspective scientifique et chrétienne (Novembro 2017).
https://www.youtube.com/watch?v=JGsrqTpSMdg&feature=youtu.be
[45]
Ibid., Marilyn Ferguson, p. 64.
[46]
Denis Clabaine, Le yoga face à la Croix, Auteur-éditeur, Genève, 1980, p. 210.
[47]
Rick Joyner, Le monde en feu, J. F. Oberlin, Mâcon, 1996.
[48]
Rick Joyner, L’ultime assaut, Jeunesse en Mission, Lausanne, 1997.
[49]
Jean-Marc Berthoud, Calvin et la France, L’Age d’Homme, Lausanne, 1999. Veja também: Jean-
Marc Berthoud, Calvino, Genebra e a propagação da Reforma na França do Século XVI, Monergismo,
Brasília, 2017.
[50]
Shafique Keshavjee, Le Roi, le Sage et le Bouffon, Seuil, Paris, 1998. [Edição brasileira: O rei, o
sábio e o bufão. São Paulo: Nova Alexandria, 1998].

[51]
Lit-sen Chang, Transcendental Meditation, Presbyterian and Reformed, Nutley, New Jersey, 1978.
Traduzido por nós.
[52]
Em geral indicamos entre parêntesis (…) os números de páginas do livro citado.
[53]
Mantra: “Palavra em sânscrito significando fórmula sagrada” (Larousse). “Fórmula sagrada do
brahmanismo, emanação do princípio divino” (Petit Robert).
[54]
Veja sobre este tema o belo estudo de Evald Lövestam, Spiritual Wakefulness in the New
Testament, CWK Gleerup, Lund, 1963.
[55]
Fernand Legrand, Le signe du parler en langues, Ed. de Bérée, CH 1326 Juriens, 1990.
[56]
Denis Clabaine, Le Yoga face à la Croix, Auteur-éditeur, Lunel, 1980.
[57]
Denis Clabaine: Le Yoga face à la Croix, Autor-editor, Lunel, 1980. Todos os destaques são de
Denis Clabaine.
[58]
Marlyn Ferguson, La révolution du Cerveau, Calmann-Lévy, Paris, 1974.
[59]
Marlyn Ferguson, La révolution du cerveau, op. cit., p. 128.
[60]
Veja o excelente livreto de Fernand Legrand, Le signe du parler en langues, Editions de Bérée, CH
1326 Juriens.
[61]
De fato, muitos pensam como ela. Após ter ouvido os três cassetes sobre a Bênção de Toronto,
ficamos muito preocupados por ter visto a confusão espiritual em que mergulharam os adeptos dessa
“bênção”. Não podemos mais confiar neles, ainda que em outros assuntos possam acertar. Temos
apenas de repetir: examinai todas as coisas à luz da Palavra escrita, e retende o que é bom!
[62]
Jean-Marc Berthoud, Jacques Ellul entre Marx et Calvin, p. 13, A.V.P.C., Lausanne, incluído em
Jean-Marc Berthoud, Apologie pour la Loi de Dieu, L’Âge d’Homme, Lausanne, 1996. Veja sobre
Freud a brilhante monografia de Rousas J. Rushdoony, Freud, Monergismo, Brasília, 2018, como
também David Bakan, Freud et la tradition mystique juive, Payot, Paris, 1964.
[63]
J. J. Walter, Psychanalyse des rites. La face cachée de l’histoire des hommes, Denoël, Paris, 1977.
[64]
Upanishad: palavra sânscrita que designa os textos sagrados hindus, considerados como revelados e
que datam do fim do período védico (entre 700 e 300 antes de Jesus Cristo).
[65]
Trata-se aqui da libertação do que a Bíblia chama de “carne”, ou seja, o princípio que dirige nossa
natureza pecadora, que é dominada pela ação do Príncipe das trevas que age nos “filhos da perdição”,
que são os homens sem Deus. Os filhos de Deus, os verdadeiros cristãos, são devedores à ação do
Espírito Santo, que anima a sua nova natureza. Veja a forte oposição entre “carne” e “Espírito” escrita
pelo apóstolo Paulo na carta aos Romanos, capítulo 8, versículos 5 a 17.
[66]
Entretanto é preciso distinguir entre a busca demoníaca da felicidade absoluta, dos prazeres
normais da vida dos homens que vivem no temor de Deus, isto é, na ordem, o âmbito — tanto afetivo
como emocional — que lhes proporciona obedecer, em Cristo e pelo Espírito, aos mandamentos de
Deus.
[67]
Maurice Ray, Non au yoga, Ligue pour la Lecture de la Bible, Lausanne, 1969, p. 10-11.
[68]
Maurice Ray, L’occultisme à la lumière du Christ, Ligue pour la Lecture de la Bible, Lausanne,
1959.
[69]
Esse livro foi escrito em 1959. Essa invasão espiritual dataria, então, do final dos anos cinquenta.
[70]
Galates 3.2,3: “Quero apenas saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei” (ou por
qualquer que seja a obra que não a de Jesus Cristo!) “ou pela pregação da fé? Sois assim insensatos
que, tendo começado no Espírito, estejais, agora, vos aperfeiçoando na carne?”.
[71]
O falar em línguas atual, por oposição ao falar em línguas na época de Paulo.
[72]
Texto escrito em 1995. Datam o começo dessa Bênção de Toronto em 20 de janeiro de 1994.
[73]
As línguas da Igreja Primitiva eram línguas verdadeiras, faladas nas nações da época. Tratava-se
de ações de graças para com Deus — não exortações dirigidas aos homens ou ordens dadas aos
demônios! Veja 1 Coríntios 14 e note os versículos referentes a isso. O objetivo dessas línguas
(anunciadas na profecia de Isaías 28.11, que teve seu cumprimento na época de Paulo — é ele quem
diz: 1 Coríntios 14.21) — era de ser um sinal de julgamento para os judeus incrédulos (1 Coríntios
14.22). Esse sinal era, além disso, necessário para demonstrar publicamente que desde então era
possível louvar a Deus, o Deus dos judeus, nas línguas das nações, porque agora, a salvação era
também para os pagãos. Esse sinal foi compreendido. Desde então, toda a história da igreja nos mostra
que judeus e gentios cristãos se unem para adorar o mesmo Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Por isso,
esse sinal não é mais necessário.
[74]
Falecido em 1993 em IBETO, Orvin, cantão de Berna.
[75]
Fernand Legrand, Le signe du parler en langues, Ed. de Bérée, CH 1326 Juriens, Vaud., p. 161-
162.
[76]
Veja sobre isso em: <http://www.fraternite-arbredevie.fr/pasteur-thomas-roberts-figure-du>
[77]
Ibid., p. 176-177.
[78]
Muito instrutiva a curta biografia de Thomas Roberts editada em um suplemento ao número 59 do
periódico Tychique, revista ecumênica de auxílio a grupos de oração e comunidades da renovação
carismática católica.
[79]
Em 1996, sobre a esplanada de Montbenon em Lausanne, a comunidade judaica, com a
colaboração de evangélicos milenaristas pentecostais da região festejaram os 3000 anos de Jerusalém.
Eles soltaram diversos balões portando a inscrição: Jesus (re)tornará. O retorno estando entre
parêntesis, judeus e evangélicos podiam então, cada qual, interpretá-lo da maneira mais conveniente.
[80]
Sábado e domingo, 26 e 27 de outubro de 1996, aconteceu na avenida Rumine, em Lausanne, a
abertura oficial de um centro antirreligioso para a paz no mundo, presidida pelo pastor Shafique
Keshavjee, exercendo então na Igreja Evangélica Reformada do Cantão de Vaud, a função de Mediador
entre as diferentes religiões. Foi ele quem animou o grupo COREAME que procurava promover um
acordo ecumênico entre crentes pluralistas das igrejas oficiais e os círculos evangélicos. Esse mesmo
Shafique Keshavjee, no início dos anos 1970 (isso antes de sua entrada como estudante na Faculdade
de Teologia de Lausanne), professava convicções bíblicas das mais claras e coerentes. Assim acontece
a apostasia de uns... como de outros. Atualmente, Shafique Keshavjee deixou amplamente, graças a
Deus, esses erros sincretistas.
[81]
Todos esses detalhes são autênticos, contados com fidelidade por egressos da bênção de Toronto.
[82]
La Bible Annotée, Ancien Testament, Les Prophètes, Volume I, p. 154-155.
[83]
Não é passividade, ou um abandono da razão, mas uma submissão ativa e pensada à Cristo e a sua
doutrina. Um Cristo sem doutrina não é o Cristo da Bíblia.
[84]
Ainda somos nós, a criatura não é anulada, mas conformada a Cristo.
[85]
Não se trata, é claro, do poder segundo o mundo e menos ainda de um poder segundo as ideias de
John Wimber, do movimento Vineyard e de seus discípulos.
[86]
Jessie Penn-Lewis: Le parfait développement de la vie de résurrection dans le racheté, Imprimeries
Réunies, Valence-sur-Rhône, 1951 (esgotado). Não concordamos, manifestamente, com todos os
escritos desta autora.
[87]
Estudo dado pelo Groupe de Réflexion Biblique, Vevey (Suisse), em 27 de fevereiro de 1988 e
publicado no Nº 11-12, maio-agosto de 1990 da revista Résister et Construire.
[88]
Gervais Dumeige, Textes doctrinaux du Magistère de l’Église sur la foi catholique, Imprimatur de
1969, Éditions de l’Orante, Paris, 1975.
[89]
Ibid., p. 347.
[90]
Ibid.
[91]
Ibid., p. 350.
[92]
Ibid.
[93]
Que se trata aqui do verdadeiro ensino tradicional da Igreja romana está abundantemente provado
pela leitura dos catecismos da Contra-Reforma: Catecismo do Concílio de Trento, Éditions Itinéraires,
Nº 137, setembro-outubro de 1969 e Catecismo de São Pio X, Éditions Itinéraires, Nº 116, setembro-
outubro de 1967. Esse ensino apenas retoma, em sua essência, o de Tomás de Aquino em seu Tratado
sobre a graça, Suma Teológica (1a-2ae Questões 109-114). Encontramos esse mesmo ensino nas obras
de Charles Journet, Entretiens sur la grâce, Éditions St. Augustin, Saint Maurice, 1969. Este último foi
um dos mais lúcidos e vigorosos adversários, desde o começo dos anos vinte, tanto do liberalismo
protestante como do ecumenismo nascente, que já mostrava tendências não doutrinárias e socializantes,
tão largamente propagadas neste fim do século XX em todos os círculos cristãos. Veja as obras notáveis
de Charles Journet: L’esprit du Protestantisme en Suisse, Nouvelle Librairie Nationale, Paris, 1926 e
L’Union des Églises, Bernard Grasset, Paris, 1927. Precisamente sobre a doutrina da graça, a Igreja
Católica Romana praticamente não mudou desde o Vaticano II, como testemunha uma conferência
dada em Lausanne em 26 de janeiro de 1968, pelo Cardeal Suenens.
[94]
Charles Journet, Entretiens sur la grâce, p. 93.
[95]
Ibid., p. 17 e 19.
[96]
Ibid., p. 97.
[97]
Georges Bavaud, Le réformateur Pierre Viret (1511-1571): sa théologie, Labor et Fides, Genève,
1984, p. 189. Sobre todo o debate fundamental entre os reformadores e a Igreja Católica Romana, veja
a obra definitiva de Martin Chemnitz, Examination of the Council of Trent, Concordia, Saint Louis,
1986, 4 vols. Sobre a questão da justificação somente pela fé veja o Tomo I, p. 455-552. Sobre a
doutrina da justificação, veja a obra clássica de James Buchanan, The Doctrine of Justification, Baker,
Grand Rapids, 1977. Sobre estudos mais recentes que levam em conta os debates atuais, veja: R. C.
Sproul et alli., Justification by Faith Alone, Soli Deo Gloria (P.O. Box 451, Morgan Pennsylvania
15064), 1995; Philip Eveson, The Great Exchange. Justification by Faith Alone in the Light of Recent
Thought, Day One Publications (6 Sherman Road, Bromley, Kent BR1 3JH), 1996; Kevin Reed,
Making Shipwreck of the Faith. Evangelicals and Roman Catholics Together, Protestant Heritage Press
(P.O. Box 180922, Dallas, Texas), 1995. Sobre o dogma da justificação veja, com algumas reservas:
Alister McGrath, Iustitia Dei: A History of the Christian Doctrine of Justification, 2 Vols, Cambridge
University Press, Cambridge, 1994-1995; Charles P. Carlson, Justification in Earlier Medieval
Theology, Martinus Nijhof, The Hague, 1975.
[98]
Georges Bavaud, op. cit., p. 189-190.
[99]
Ibid., p. 190.
[100]
Ibid.
[101]
Ibid.
[102]
Ibid., p. 191.
[103]
O Breve catecismo de Westminster, Questão 35, em Les Textes de Westminster, Kerygma, Aix-en-
Provence, 1988, p. 73.
[104]
Stuart Olyott, Un précis de la Foi chrétienne (texto não publicado). Sobre a doutrina bíblica da
santificação, veja: John Murray, Sanctification, Collected Writings, Banner of Truth, Edinburgh, 1977,
Vol. II, p. 275-317, assim como a tese de Mestrado de A. B. R. Clark, Romains 7.14-25 e a doutrina da
santificação, Faculdade Livre de Teologia Reformada, Aix-en-Provence, 1987, e J. C. Ryle, Holiness,
James Clarke, London, 1952.

[105]
Richard A. Muller, God, Creation and Providence in the Thought of Jacob Arminius, Baker,
Grand Rapids, 1991.
[106]
François Laplanche, Orthodoxie et prédication. L’oeuvre d’Amyraut et la querelle de la grâce
universelle, P.U.F., Paris, 1965; Pierre du Moulin, Éclaircissement des controverses saumuriennes ou
défense de la doctrine des Églises réformées, Pierre Aubert, Genève, 1649.
[107]
Veja a obra de John L. Girardeau, Calvinism and Evangelical Arminianism Compared as to
Election, Reprobation, Justification and Related Doctrines, Sprinkle, Harrisonville, 1984 (1890);
Christopher Ness, An Antidote against Arminianism, Still Waters Revival Books, Edmonton (Canada),
1988.
[108]
G. R. Cragg, The Church and the Age of Reason 1648-1789, Penguin Books, London, 1966, p.
104-105.
[109]
Op. cit., p. 106.
[110]
Donald W. Dayton, Theological Roots of Pentecostalism, Asbury Press, Grand Rapids, 1987, p.
37.
[111]
A. S. Wood, “John Wesley Theologian of the Spirit”, Theological Renewal, Nº 6, June-July 1977,
p. 26. Citado por Dayton, op. cit., p. 44. Sobre tudo o que segue, sou profundamente devedor ao livro
notável de Donald Dayton.
[112]
Dayton, op. cit., p. 50. Veja também o número especial de La Revue Réformée, Nº 146, 4, 1986,
dedicada a Whitefield e Wesley.
[113]
Texto citado por Olivier Baudraz, De la sanctification selon Watchman Nee, Dissertação de
Mestrado da Faculdade Livre de Teologia Reformada de Aix-en-Provence, 1984.
[114]
Dayton, op. cit., p. 50. Fletcher, que originalmente se chamava Fléchère, vinha da Suíça de língua
francesa. Estabeleceu-se na Inglaterra em 1750.
[115]
Sobre essas questões veja a obra insubstituível de Benjamin B. Warfield, Perfectionism,
Presbyterian and Reformed, Philadelphia, 1974, p. 70. Sobre a teologia de Charles Finney, veja o
estudo de Charles Hodge, “Finney’s Lectures on Theology”, no Essays and Reviews Selected from the
Princeton Review, Carter, New York, 1857 (Princeton Review, 1847), reproduzido na coletânea de
artigos reunidos por Marc Noll, The Princeton Theology, 1812-1921, Presbyterian and Reformed,
Philadelphia, 1983, p. 165-175. Sobre Finney, veja também: “Clive Tyler, Charles Finney and the
Disappearance of Revival”, em: The Way Ahead, Carey Publications, Sussex, 1974; Miles J. Stanford,
“Fini Finney”, em: Lettres de feu, Publications de Résister, Genève, 1973, p. 37-40; e, sobretudo, o
estudo fundamental de Keith J. Hardman, Charles Grandison Finney 1792-1875: Revivalist and
Reformer, Syracuse University Press, Syracuse, (N.Y.), 1987.
[116]
Dayton, op. cit., p. 68.
[117]
Ibid., p. 72. Não se deve confundir isso com a influência do Espírito Santo de Deus, pela qual os
pecadores são convertidos.
[118]
Ibid., p. 79.
[119]
Ibid., p. 90.
[120]
Ibid., p. 102.
[121]
Arnold Dallimore, The Life of Edward Irving: The Forerunner of the Charismatic Movement,
Banner of Truth, Edinburgh, 1983.
[122]
A.W. Tozer, Wingspread. A. B. Simpson: A Study in Spiritual Altitude, Christian Publications,
Harrisburg, 1943.
[123]
A. J. Gordon, The Twofold Life; or Christ’s Work for Us and Christ's Work in Us, Revell, 1895, p.
33 e 46.
[124]
Veja as obras já citadas de Olivier Baudraz e de Miles J. Standford.
[125]
Dayton, op. cit., p. 107-108.
[126]
Miles J. Standford, Lettres de feu, op. cit.
[127]
J. H. Merle-d’Aubigné, L’expiation de la croix, Beroud, Genève, 1867, p. 9.

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