Resumo Exame Português
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A principal temática destes poemas é o amor e a saudade ou no caso das cantigas de escárnio, a sátira direta
ou indireta das personagens. Este tipo de lírica é geralmente designada por lírica profana. O género de poesia
trovadoresca mais centrado na música é designado por lírica religioso.
• Cancioneiro da Ajuda– encontra-se na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa, e contém pouco mais de 310
cantigas (64 não têm correspondência nos outros 2 cancioneiros);
• Cancioneiro da Biblioteca Nacional– cópia mandada fazer pelo colecionador italiano Angelo Colocci;
documenta o maior número de composições;
• Cancioneiro da Vaticana– contém 1205 cantigas de diversos trovadores galaico-portugueses, de fins do
século XII a meados do século XIV;
Cantigas de amigo
• Variedade do sentimento amoroso;
• Confidência amorosa;
• Relação com a Natureza.
Cantigas mais simples, escritas sobre o ponto de vista da mulher (eu poético feminino - a amiga/donzela ), que
por norma encontra-se em ambientes naturais (fontes, romarias, rios, praias…). Estas são muitas vezes
associadas a ambientes como as romarias ou as peregrinações, onde as jovens procuram o amor. O sujeito
poético é uma jovem (solteira) enamorada, geralmente do povo, que pode dirigir-se ao amigo, “namorado”, à
própria mãe, a amigas e irmãs ou mesmo ao santo de que ela ou a mãe são devotas. A jovem encontra-se à
espera do seu amor, seja à espera que os barcos (descobrimentos) voltem, seja desnudada e a banhar-se, ou
mesmo a lavar roupa no rio. É muito comum a donzela revelar os sentimentos à sua mãe, às amigas ou até a
própria Natureza, funcionando todas elas como confidentes desse amor, umas vezes de forma silenciosa, outras
vezes intervindo e respondendo aos anseios, às dúvidas, aos medos da donzela. Esta ligação à Natureza e esta
vertente de confidência emprestam à cantiga de amigo uma espontaneidade e uma naturalidade próprias.
1. Temas:
• Sofrimento no amor;
• Encontro com o amigo;
• Tristeza pela ausência do amigo;
• Enganos/mentiras à mãe;
• Saudades do amigo;
• Alegria pelo regresso do amigo;
• Confidências à Natureza;
• Confidência à mãe;
• Confidências às amigas;
• Ansiedade causada pelo amor;
• Ciúmes/infidelidade;
• Confiança no amigo.
2. Características:
• Feminismo– os sentimentos que se exprimem são sempre de mulher, isto é, quem exterioriza as
intimidades é uma donzela;
• Simplicidade– possuem uma estrutura muito simples;
• Ruralismo- os ambientes de trabalho e de diversão referidos nas cantigas evidenciam também o
seu ruralismo: o campo, a fonte, o baile, a romaria, etc;
• Ligação com o canto e a dança– o trovador era frequentemente acompanhado por um jogral que
tocava o que ele recitava; para além do jogral acompanhava também o trovador a jogralesa que
dançava;
• Paralelismo;
• Refrão.
3. Símbolos recorrentes:
• A fonte: é origem da vida, da maternidade e da graça; as suas águas límpidas podem indicar
também a pureza da donzela;
• A alva (alvorecer): é símbolo da inocência, da pureza e da virgindade;
• Os cervos: simbolizam a fecundidade, do ritmo do crescimento ou da virilidade (do amigo) e do
ardor amoroso; no entanto, quando os cervos turvam a água, pretende-se simbolizar a confusão
e o aturdimento de espírito que os encontros amorosos provocam;
• As flores: podem remeter-nos para a delicadeza e feminilidade;
• As ondas: traduzem o tumulto interior; as aves: com a beleza do seu canto, representam a
sedução e o enamoramento que podem ressurgir em qualquer momento;
• O vento: também pode relacionar-se com as inquietações ou representar a fecundidade;
• A luz: traduz o deslumbramento do amor e, tal como a luz pode cegar, também o amor pode nos
impedir de ver as situações com clarividência e com sensatez;
• A noite (longa, escura, silenciosa e misteriosa): representa as incertezas do amor.
4. Ambientes:
• A fonte e o rio;
• A praia e o campo;
• A casa.
5. Linguagem e recursos:
• Esquema de composição rígido e repetitivo;
• Variação subtil de motivos;
• Descrição do quotidiano rural e do ambiente campestre;
→ Ida à fonte;
→ Ida à ermida;
→ Ida ao baile;
• Vocabulário simples, corrente e familiar;
• Simbolismos;
• Polissemia (propriedade de uma palavra ou locução ter vários sentidos);
• Utilização de arcaísmos ( palavras ou locuções que já são usadas ou o são raramente);
• Geografia vaga (casa, fonte, rio…);
• Toponímia precisa ( vigo, Guarda ou San Simion).
6. Classificação temática:
• Cantigas de Romaria: mencionam-se festas e peregrinações a santuários e capelas onde a
donzela vai cumprir promessas, rezar pelo amigo ou simplesmente distrair-se em locais de culto
que ainda hoje perduram. Tema amoroso ou religioso;
• Bailias: são todas simples que acompanhavam a melodia de dança. Daí a importância que nelas
tem o aspeto musical realçado pelo paralelismo e existência indispensável do refrão. Ao
contrário das anteriores, em que o tom é triste, o tema é a alegria de viver e amar;
• Albas: são as cantigas em que aparece o romper do dia, a alvorada, como momento de
separação e despedida de dois apaixonados;
• Barcarolas ou marinhas: ocorrem na presença do mar, onde a donzela vai esperar o amigo ou
lamentar-se da sua ausência , o qual adquire certa personalização ao se lhe dirigir a amiga como
seu confidente. Tema amoroso e marítimo, as vezes há a presença do tema religioso;
• Pastorelas;
7. Classificação formal:
• Cantigas de refrão: cantigas com repetição do mesmo ou mesmos versos no fim de cada estrofe.
• Cantigas de mestria: cantiga de influência provençal, sem refrão, que evita repetições e com
frequência tem 3 coblas ou estrofes regulares;
• Cantigas paralelísticas ou de leixa-prem: há a repetição da ideia expressa numa estrofe na
estrofe seguinte, substituindo-se apenas nos versos paralelos as palavras finais por outras que
sejam sinónimas.
→ Paralelísticas imperfeitas: o paralelismo está isolado em cada par
de estrofes, sem qualquer ligação aos outros pares;
→ Paralelísticas puras: molde tradicional. Têm 6 estrofes, 18 versos
e cada estrofe têm um dístico e o refrão. As rimas podem ser:
emparelhadas (aabb), cruzadas (abab) e interpeladas (abba);
Cantigas de amor
Estas cantigas assemelham-se com as cantigas de amigo, no entanto, o eu poético é masculino, “ A senhor / a
dona” e o seu amor cortês deverá ser de um estrato social superior. Estas estão mais associadas à aristocracia,
pois o amor cortês, com base numa relação de suserano (dama) e súbdito (senhor), é descrito ao longo dos
versos. A dama é geralmente fruto da imaginação do trovador, conjugando com uma vivencia espiritual do amor,
em detrimento do amor físico. O “senhor” não se aproxima do eu poético, havendo uma distância característica
de um amor platónico. O principal cenário é a corte ou o ambiente palaciano. A influencia da poesia provençal,
tanto na escrita como na temática (língua provençal – langue d’oc), está muito presente, nomeadamente a poesia
vinda de França. O serviço do amado que não revela a identidade da “senhor”, mantendo os seus sentimentos
em segredo quando está em público, assim como precisando da autorização da “senhor” quando se ausenta.
O amor é a fonte da ascese (espiritualização), tornando-o quase divino, através de louvores hiperbólicos à
senhor, assim como a sua idealização. O sofrimento é a base do relacionamento amoroso destas canções, o eu
poético sofre constantemente pelo amor incansável, proibido, impossível. A analise destes sentimentos ocorre
ao longo de todo o poema.
1. Temas:
• Análise do sentimento amoroso;
• Amor impossível de se realizar;
• A vassalagem amorosa;
• A mesura (timidez, reserva, autodomínio do amador);
• A «coita de amor» (sofrimento);
• A morte de amor;
• O amor como ascese;
• O louvor hiperbólico da «senhor»;
• A idealização da «senhor».
2. Linguagem e recursos:
• A estrutura do poema é repetitiva e circular;
• O vocabulário repete-se frequentemente;
• Vocabulário provençal (sé, m, prez);
• Presença de sinónimos e antónimos;
• Utilização de conjunções causais e consecutivas (discurso);
• Orações complexas;
• Simbolismos relacionados com a «coita de amor;
• Utilização de expressões cultas e fórmulas codificadas e relacionadas com a expressão do amor
cortês.
3. Classificação formal:
• Cantigas de refrão;
• Cantigas de mestria (sem refrão).
O alvo da critica pode ser uma “velha feia”, que nunca será louvada ou elogiada, pois não reúne os requisitos para
ser vista como uma “senhor”. Estas também podem narrar episódios ridículos explicitamente, em que a
perspetiva do eu poético é sempre irónica. Em algumas produções, o sofrimento e a morte pelo amor são
criticadas, particularmente através de ironia, morte e ressurreição (eu poético), morrer e renascer por amor… A
parodia do fingimento amoroso também pode estar presente, quando se fala do sofrimento do amor cortes, uma
vez que este é visto como exagerado. A canção de escárnio tenta gozar com estrutura das cantigas de amor e/ou
amigo através:
Assim, as cantigas de escárnio critica-se de forma aberta alguém, mas não se revela a identidade da pessoa
visada. Já nas cantigas de maldizer, o eu poético troça de alguém abertamente e de forma inequívoca, podendo
o poema indicar o nome da pessoa visada.
1. Temas:
• Sátira moral e religiosa:
→ O desconcerto do mundo;
• Sátira política e militar:
→ A traição dos fidalgos na guerra de Granada;
→ A guerra civil portuguesa (D. Sancho II e D. Afonso III);
• Sátira social e de costumes:
→ A decadência da nobreza;
→ Os conflitos entre jogral e trovador;
→ Críticas à avareza;
• Sátira literária:
→ Paródia de cantigas de amor;
→ Ridicularização do amor cortês;
→ Crítica ao fingimento poético.
2. Linguagem e recursos:
• Linguagem expressiva e variada;
• Ironia;
• Jogos de palavras;
• Polissemia;
• Equívocos.
3. Classificação formal:
• Cantigas de refrão;
• Cantigas de mestria (sem refrão).
Contexto histórico
A crónica de D. João I foi escrita por Fernão Lopes, que viveu no século XV e foi escrivão de livros de D. João I,
de D. Duarte e escrivão da puridade do infante D. Fernando. Este cronista (primeiro cronista oficial do reino)
trabalhou para a dinastia de Avis. Um cronista, no século XV, tinha como funções, registar os feitos mais
importantes do seu reinado ou dos anteriores. A pedido de D. Duarte, Fernão Lopes escreve a história da
primeira dinastia e do reinado de seu pai, D. João I. Para além disso, ele foi ativo durante três reinados, mas
acabou por ser substituído por D. Afonso V, em 1454. O seu trabalho historiográfico terá começado com os
primeiros reinados portugueses. Fernão Lopes concluiu as crónicas de D. Pedro I, de D. Fernando e de D. João
I. A importância desta crónica é evidente pois retrata duas grandes passagens da história de Portugal: a crise
dinástica de 1383 a 1385 com a ascensão de Mestre de Avis e ainda a os confrontos que D. João I trava com
Castela até o restabelecimento de paz.
• novelas de cavalaria;
• registos genealógicos;
• lendas.
Crónicas: narrativas do passado histórico português.
Livros de linhagens: narrativas do passado histórico português (genealogias da nobreza + lendas da tradição
europeia).
1383, instala-se então uma crise dinástica que só tem fim com a aclamação de um dos quatro possíveis
pretendentes:
Resumindo:
Cronística régia
Interregno de 1383-1385
Na primeira parte da Crónica de D. João I é relatada a crise de sucessão de 1383 e 1385 que teve lugar no fim
da primeira dinastia e que levou ao poder da dinastia de Avis. Durante esta crise, o Mestre de Avis, futuro rei D.
João I teve um papel determinante na defesa da independência de Portugal do domínio de Castela.
Objetivo da crónica: Demonstrar a legitimidade da eleição régia determinada pela vontade da população do
reino.
Afirmação da consciência coletiva: O povo manifesta o seu patriotismo, o seu apoio ao Mestre, garante a
independência de Portugal: suportando os ataques dos castelhanos, a fome e a miséria. O povo é o verdadeiro
herói da revolução.
• Capítulos organizados em sequências narrativas que evoluem de forma gradual até ao clímax do
episódio (planos cenográficos);
• Caracterização das personagens a partir das suas atitudes;
• Utilização de narração, descrição e diálogo de forma alternada;
• Utilização de verbos de ação e do gerúndio.
Linguagem coloquial/oralizante:
Apelo visual:
Capítulos
Estes capítulos pertencem à 1º parte.
Capítulo 11: Mestre de Avis, juntamente com Álvaro Pais e seu pajem, conspiram contra a Rainha Leonor Teles
e seu amante castelhano Conde Andeiro para conseguirem devolver ao trono português a independência do
poder castelhano.
1. O pajem e Álvaro de Pais cavalgam pelas ruas de Lisboa bradando ao povo (que tanto adorava Mestre
de Avis) que o Conde Andeiro estava prestes a matar o Mestre nos paços da rainha;
2. A população pega em armas, algumas até improvisadas, na esperança de salvar o Mestre. Ao chegar
aos paços, a multidão encontra as portas do paço fechadas, fazendo com que os ânimos de quem ali
estava se descontrolassem
numa tentativa de
verificarem se o Mestre estava vivo;
3. Ao ver que a população estava
deveras inquieta, Mestre de
Avis aparece à janela dos paços
confirmando a sua sobrevivência e anunciando que o Conde está morto e, portanto, nada há a temer;
4. Após o tumulto, o Mestre deixa os paços e contacta com a população que se mostra aliviada e alegre
novamente.
Resumindo:
• Personagens:
→ A multidão:
1º momento: movimento de concentração- indignação, revolta e agressão;
2º momento: movimento de dispersão- alívio, serenidade e satisfação;
→ O Mestre de Avis, figura carismática:
Populista: aparece à janela, pois pretende obter o apoio da população;
Gentil: dirige-se à multidão com termos afáveis;
Humano: pretende salvar o Bispo de Lisboa;
Carismático: consegue liderar a revolta contra a fação castelhana;
Desejado: a população de Lisboa acorre para o salvar, pois associa-o ao seu pai, D. Pedro
I, e à ideia de independência.
→ Figuras do movimento de apoio à ação do Mestre de Avis:
Grupo de apoiantes: Pajem e Álvaro Pais, que cumprem o plano no exterior.
• Dinamismo da narração (marcas linguísticas):
→ Utilização de verbos de movimento;
→ Utilização de verbos declarativos;
→ Utilização do imperfeito do indicativo e do gerúndio;
→ Recurso ao discurso direto;
→ Emprego de advérbios expressivos;
→ Campo lexical relacionado com movimento ou ruído;
→ Descrição de espaços de forma gradual (rua, janela do Paço, rua, Paços do Almirante).
Capítulo 115: é feita uma primeira descrição das defesas que Lisboa prepara devido ao ataque que é comandado
pelo “el-rei de Castella” e que está cada vez mais próxima da cidade. Para isso, o Mestre lidera e delega tarefas,
tais como: recolher mantimentos, erguer muros e fortificações, levantar vigias, … Fernão Lopes realça o espírito
patriótico do povo que age como se de um só se tratassem.
1. Mestre e seus aliados recolhem alimentos (gado) às terras envolventes na com objetivo de aguentar um
possível longo cerco à cidade. A população, inicialmente, divide-se entre aqueles que decidem fugir para
Setúbal, aqueles que irão aguentar a cidade e uma minoria que permanece nas vilas apoiando Castela;
2. Já dentro das muralhas, preparam-se defesas ao nível dos: muros, torres, armamento e homens de
armas, entradas da cidade, zonas ribeiras, etc. Nesta preparação são referidos não só fidalgos, a quem
foram delegadas algumas tarefas maiores, como também mulheres que ajudam, sem medo, a preparar
os terrenos;
3. Existe uma comparação, por parte do cronista, entre os portugueses que defendem tão bem a sua cidade
e os filhos de Israel (que o mesmo fizeram) e ainda é destacado a superioridade de rei de Castela em
termos de quantidade de homens, mas apenas para que realçar a postura valente da cidade Lisboeta
perante um inimigo tão feroz.
Resumindo:
Capítulo 148: este capítulo é uma homenagem a toda a população pelo sofrimento e miséria que viveu durante
o cerco. Desde homens e mulheres que são expulsos do interior do cerco por não lutar, ou por não contribuir
para a defesa, a mortes lentas devido à fome e à situação precário que de um modo geral a “gente” viveu.
1. Já a meio do longo cerco, os mantimentos faltam devido à elevada população que permanecia dentro
das muralhas. A população vê-se com necessidade de procurar alimento fora das muralhas, correndo
grande perigo. O Mestre é ainda obrigado a colocar determinados grupos socioeconómicos (miseráveis,
prostitutas, quem não combate, judeus…) fora do cerco;
2. Existe quem ainda procure migalhas e sementes no chão imundo para sobreviver, já que o preço dos
alimentos básicos é muito elevado. A fome afeta crianças que correm pela cidade procurando esmola e
mesmo mães que incapazes de amamentar os filhos vêm-nos morrer;
3. Um rumor assombra a cidade: o Mestre iria expulsar todos aqueles que não têm o que comer; no
entanto é desmentido mais tarde. O capítulo acaba com um forte e emocionante apelo à “geeraçom que
depois veo”, ou seja, aqueles que leem a crónica, dizendo que são afortunados aqueles que não tiveram
de enfrentar tais sofrimentos.
Resumindo:
• Serve, dada a natureza jovial da farsa, para provocar o riso através do qual se «castigam» os costumes,
os vícios;
• Marca o claro contraste entre as personagens e as situações por elas vividas.
• De situação: resulta das circunstâncias da atuação da personagem que provocam o riso, existindo uma
inadequação entre a ação da personagem e a realidade em que se encontra (situações de mal-
entendidos, ignorância sobre certos preceitos sociais e regras de convivência);
• De caráter: baseia-se na movimentação da personagem em palco que provoca o riso, existindo uma
inadequação entre a personagem e a sua própria realidade (social, cultural…);
• De linguagem: corresponde ao vocabulário usado e ao próprio discurso da personagem, que provocam
o riso, existindo uma inadequação entre o código linguístico e o contexto em que este se realiza (uso de
registos de língua desajustados, ironia, trocadilhos…).
A Farsa de Inês Pereira é uma comédia de costumes escrita por Gil Vicente, e que relata os comportamentos
amorais e degradantes da sociedade na época. Tem como mote o ditado “mais vale asno que me leve, que
cavalo que me derrube”.
O aspeto humorístico da obra vê-se pelo facto de que a protagonista trai o marido e não recebe por isso
nenhuma punição ou censura. É uma comédia que retrata a vida doméstica e envolve tipos psicologicamente
bem definidos.
Resumo
Inês Pereira é uma rapariga bonita e solteira que se vê obrigada a passar o dia nas tarefas domésticas. Inês
queixa-se sempre e vê no casamento a chance de se livrar dessa vida. Ela idealiza o noivo como sendo um moço
bem educado, cavalheiro, que soubesse cantar e dançar, enfim, que fosse um fidalgo capaz de lhe dar uma vida
feliz.
Um dia, Lianor Vaz, a casamenteira, chega na casa de Inês dizendo que havia sido atacada por um clérigo, mas
que conseguira escapar. Lianor, porém, foi à casa da moça para relatar que Pero Marques, um rico camponês,
quer se casar com Inês. A moça, então, lê a carta que Pero escreveu com suas intenções de casamento, mas ela
não se conforma com a rusticidade do moço e concorda em recebe-lo só para rir da cara dele.
Lianor vai então buscar Pero e, enquanto isso, a mãe de Inês a aconselha a receber bem o pretendente. Quando
Pero chega, ele comporta-se de modo ridículo e demonstra não ter nenhum traquejo social. Vendo-se a sós com
Pero, Inês o desencoraja quanto ao casamento e o moço vai embora. Nisso, ela informa à mãe que havia
contratado dois judeus casamenteiros para encontrar um noivo que tivesse boas maneiras.
Entra em cena Latão e Vidal, os dois judeus casamenteiros, que vieram oferecer Brás da Mata, um escudeiro.
Armado o encontro entre os dois jovens, Brás da Mata planeja ir à casa de Inês acompanhado de seu criado, o
Moço, e os dois combinam contar uma série de mentiras para enganar Inês e conseguirem dar o “golpe do
baú”. Já na casa de Inês, Brás da Mata age conforme ela queria: trata-a de modo distinto com belas palavras,
pega a viola e canta. Ele pede-a em casamento, mas a mãe diz que a moça não deve fazê-lo, ao que os judeus
contra-argumentam elogiando Brás de todas as formas.
Os dois casam-se e a mãe presenteia os noivos com a casa. A sós com Brás, Inês começa a cantar de felicidade,
mas ele irrita-se e manda que ela fique quieta. Brás começa, então, a impor uma série de regras e exige que a
moça fique trancada o dia inteiro em casa, proibindo-a até mesmo de olhar pela janela e de ir à missa. Pouco
tempo depois, Brás informa ao Moço que partiria para a guerra, ordenando que ele vigiasse Inês e que ela
deveria ficar trancada às chaves dentro de casa. Trancada em casa e não fazendo nada além de costurar, Inês
lamenta e sua sorte e deseja a morte do marido para que pudesse mudar seu destino.
Passado algum tempo, Moço aparece com uma carta do irmão de Inês onde ele informa que Brás havia morrido
covardemente tentando fugir do combate. Feliz, Inês despede Moço, que vai embora lamentando seu azar.
Então, sabendo que Inês havia ficado viúva, Lianor Vaz retorna oferecendo novamente Pero Marques como novo
marido. Dessa vez Inês aceita e os dois se casam.
Com a ampla liberdade que o marido lhe dava, Inês parecia levar a vida que sempre desejou. Um dia, chega em
sua casa um Ermitão a pedir esmola e Inês vai atende-lo. Porém, este é um falso padre e o deus que ele venerava,
na realidade, ela o Cupido. Inês reconhece o moço, que havia sido um antigo namorado seu. Ele diz que só havia
se tornado ermitão porque ela o havia abandonado e começa a se insinuar para Inês, acariciando-a e pedindo
um encontro entre os dois. Ela aceita e os dois marcam um encontro.
No dia marcado, Inês pede a Pero Marques que a levasse à ermida dizendo que era por devoção religiosa. O
marido consente e os dois partem de imediato. Para atravessar um rio que havia no meio do caminho, Pero
Marques carrega a mulher nas costas e essa vai cantando uma canção alusiva à infidelidade dela ao marido e à
mansidão dele. Pero segue cantando o refrão, terminando como um tolo enganado.
Personagens
• Inês Pereira: no início da peça, mostra ser indolente, na medida em que não cumpre as tarefas
domésticas. É também sonhadora e romântica, visto que pretende casar não apenas para se libertar da
sua vida, que considera uma prisão sufocante, mas também para ter a seu lado o homem que idealizou.
Finalmente, revela-se rebelde e determinada, dado que não ouve os conselhos da mãe relativamente à
necessidade de se casar com um pretendente com posses, mantendo-se firme na decisão de apenas
desposar um homem que amasse. No entanto, depois de cumprir a sua vontade, casando-se com o
Escudeiro, apercebe-se de que este não passa de um tirano, que a trata cruelmente. Assim sendo,
promete que, se a oportunidade surgir, se há de vingar dos maus-tratos sofridos, escolhendo um marido
que se submeta à sua vontade. O desencanto em relação aos homens leva-a então a aceitar a proposta
de casamento do primeiro pretendente, Pero Marques, aproveitando a sua ingenuidade e ignorância
das regras sociais para lhe impor a sua autoridade e se tornar uma mulher adúltera. Apesar de não ter
conseguido concretizar o sonho de se casar com um homem que amasse, acaba por atingir a liberdade
a que aspirara.
• Mãe: representa a voz da experiência, procurando avisar a filha de que é impossível manter um
casamento sem meios de sustento. Apesar da recusa de Inês em seguir os seus conselhos, acaba por
respeitar a decisão da filha, aceitando o casamento desta com o Escudeiro. Com efeito, mostra-se
generosa ao ponto de oferecer a sua casa aos recém-casados. Pede apenas ao genro que trate
com carinho a filha, o que é revelador do seu amor por Inês.
• Lianor Vaz: é uma alcoviteira, que propõe a Inês casamento com Pero Marques. Após entrar em cena,
narra o encontro que terá tido com um clérigo que a assediara. Os pretextos que avança para explicar a
fraca resistência evidenciada face às investidas desta personagem mostram que é uma figura astuciosa.
Além disso, o seu comportamento em relação ao assédio do homem religioso pode ser visto como uma
forma de dar a entender que Lianor Vaz não era um modelo de virtudes. Tal como a Mãe, é também a
voz da experiência, procurando persuadir Inês a casar com Pero Marques, dado que ele tinha meios para
se sustentar. Apesar de não ter tido sucesso, mostra a sua determinação, regressando após a morte
do Escudeiro, e acabando efetivamente por conseguir alcançar o objetivo de casar Inês com o
pretendente que lhe recomendara.
• Pero Marques: é um lavrador abastado e, no entanto, grosseiro, ingénuo e ignorante ou, pelo menos,
ignorante das regras sociais. Mostra também ser determinado, uma vez que, apesar da recusa de Inês,
lhe promete que esperará por ela para se casar- objetivo que acaba por atingir. Não passa de um meio
que a protagonista usa para concretizar um dos sonhos que exprimira no início da peça: alcançar a
liberdade.
• Escudeiro: trata-se de um homem fanfarrão e mentiroso, procurando fazer-se passar perante Inês por
alguém muito importante. Além disso, é interesseiro, dado que diz ao Moço que, quando se casar, terá
dinheiro para lhe pagar. O facto de, mesmo após o casamento, continuar a não lhe dar dinheiro denuncia
a sua sovinice. É ainda autoritário, despótico e cruel, como se pode verificar pela forma como trata o
Moço e, após o casamento, pelo modo como humilha e oprime Inês. Finalmente, a sua morte (às mãos
de um pastor, quando fugia da batalha) revela que não passa, no fundo, de um cobarde.
• Moço: tem a função de denunciar a pretensa importância que o Escudeiro se atribui ao apresentar-se a
Inês- deste modo, cria-se um efeito de cómico através do qual é evidenciada a condição miserável de
Brás da Mata, bem como a sua avareza.
• Judeus casamenteiros: têm uma função análoga à de Lianor Vaz, sendo, no entanto, bem-sucedidos na
sua missão de persuadir Inês das virtudes do Escudeiro. Mostram, deste modo, ser astuciosos.
• Ermitão: procura seduzir Inês e propõe-lhe um encontro amoroso; à semelhança do clérigo referido no
início da peça por Lianor Vaz, a personagem representa aqueles que dizem dedicar a vida a Deus e a
abdicar dos prazeres terrenos, mas que não cumprem o voto de castidade e outras regras inerentes à
sua condição.
Estrutura
Apesar de esta farsa não estar formalmente organizada em atos nem em cenas, podemos dividir a ação do
auto em três momentos:
• «Inês fantasiosa»: apresentam-se as ambições e os sonhos de Inês e a recusa do casamento com Pero
Marques, que a protagonista vê como desinteressante e desvantajoso;
• «Inês malmaridada»: Inês casa com o homem que idealizara, mas enfrenta as agruras e a desilusão de
um matrimónio que não corresponde em nada às suas expectativas;
• «Inês quite e desforrada»: Inês volta a casar e o segundo matrimónio traz-lhe a liberdade, o conforto e
até um amante. A jovem está vingada dos maus momentos que passou.
O tempo da ação segue uma linha cronológica mas cortada por elipses (saltos temporais) entre as sequências.
A ação decorre sobretudo em espaços interiores ou contíguos ao lar, o que representa o confinamento de Inês
à área doméstica. Só no segundo casamento a ação sai claramente para o espaço exterior, onde Inês pode gozar
a sua liberdade. A pequena peregrinação final a uma ermida tem fins bem pouco religiosos.
Temáticas
A temática da Farsa de Inês Pereira relaciona-se sobretudo com questões sociais da época gil-vicentina, embora
alguns do temas tratados sejam intemporais.
• A duplicidade é o tema central do auto. A maioria das personagens pretende aparentar ser algo que não
é. De facto, a dissimulação e a hipocrisia caracterizam figuras que representam diferentes grupos
sociais. O Escudeiro quer passar-se por valente, «distinto» e galanteador, mas acaba por se revelar
cobarde, fraco, pelintra e autoritário com Inês. O Clérigo e o Ermitão, que deviam ser celibatários e viver
uma existência contemplativa, revelam ser licenciosos. Lianor quer fazer-se passar por honrada e
virtuosa, mas a sua concupiscência vem à superfície no relato da tentativa de sedução do clérigo.
• O tema anterior liga-se ao da dissolução dos costumes: a viragem da Idade Média para o Renascimento
traz consigo uma nova mentalidade, originada em circunstâncias como o enfraquecimento do domínio
da nobreza, a ascensão da burguesia e a questionação das doutrinas e das práticas da Igreja. Na farsa,
assistimos a consequências desta nova realidade: a ambição de ascender socialmente, a valorização
excessiva do dinheiro, o desrespeito pelas regras religiosas, a decadência dos modelos de
comportamento da corte e a perspetivação do casamento como um negócio.
• A condição feminina é outro tema da obra. A mulher da Idade Média e do início do Renascimento vê a
sua liberdade e os seus direitos limitados pela lei e pelas condições sociais. Inês Pereira protagoniza
esse problema, e a insatisfação da personagem ao longo de grande parte da peça advém das
circunstâncias em que se encontra e decorrem do estatuto social da mulher: vive submissa, sob a
autoridade da mãe ou do marido, com a liberdade limitada e direitos sociais cerceados. Mas o problema
estende-se a outra figura feminina, Lianor Vaz, que é alcoviteira por não ter outra forma de subsistência.
• O casamento é outra questão que marca presença na temática deste auto. Na perspetiva de Inês, o
casamento é a oportunidade para concretizar o seu projeto de vida: ter um marido «discreto», ascender
na escala social e libertar-se da condição em que vivia. No entanto, o primeiro matrimónio, contraído
com o Escudeiro sob o signo da ilusão e do embevecimento, coloca-a sob o domínio de um marido
autoritário e confina-a, de novo, ao espaço doméstico. O segundo casamento, com o ingénuo e abastado
Pero Marques, é contraído com um grande sentido prático: Inês encontra liberdade de atuação, poder
de decisão e conforto económico.
• Se a relação mãe-filha é um tema intemporal, neste auto ela é condicionada pelas regras sociais da
época. Inês vive na dependência e sob a autoridade da mãe e a perspetiva de um casamento que lhe
trouxesse algum estatuto e independência encontra vários obstáculos. A relação entre Inês e a Mãe é
pautada ora por momentos de conflito e tensão ora por gestos de apoio e afeto, como vemos
na preocupação da progenitora e nos conselhos que dá à filha sobre a escolha de um marido.
Sátira
Os autos de Gil Vicente têm uma função edificante, isto é, procuram reformar os costumes, corrigir os
comportamentos sociais e a atuação das instituições. Em toda a produção gil-vicentina, é nas farsas que a crítica
social é mais forte e acutilante. Podemos, pois, aplicar aos dramas deste autor o lema latino ridendo castigat
mores: a rir se corrigem os costumes.
Na Farsa de Inês Pereira, para empreender a sátira social, Gil Vicente recorre a diferentes processos, como a
caracterização direta e indireta, a ironia, o cómico, a caricatura. Os grupos sociais e os seus comportamentos
condenáveis são denunciados sobretudo a partir de personagens-tipo, que os representam:
• Pero Marques é o rústico, o «vilão». A personagem representa à primeira vista a ingenuidade, ignorância
e a rudeza daqueles que então viviam em zonas rurais. No entanto, enquanto vítima de Inês, Pero passa
a veicular a denúncia da arrogância, da presunção urbana. Mas Pero é um «lavrador abastado», que
sabe gerir economicamente a sua vida. A personagem representa assim o mundo rural face a um mundo
citadino que se desenvolve com a burguesia, e que tem outras regras de convivência.
• O Escudeiro é membro de um grupo social que se relaciona com a nobreza e pode frequentar a corte.
Daí vêm a sua presunção e as aspirações sociais: os escudeiros copiavam os modos da nobreza e
concebiam-se acima dos membros do povo. Porém, como sucede com Brás da Mata, não eram
frequentemente pessoas com recursos financeiros. Acusa-se também os escudeiros de serem
fanfarrões, mas, no íntimo, cobardes e fracos.
• Lianor Vaz e os Judeus casamenteiros pertencem ao grupo dos alcoviteiros, pessoas que serviam como
intermediárias em relações amorosas e matrimoniais. Denunciam-se nesta peça a hipocrisia com que
encaram o amor e o casamento e com que promovem casamentos de conveniência a troco de dinheiro.
Lianor é, ela própria, uma mulher licenciosa; e os Judeus casamenteiros, figuras típicas do drama
medieval ibérico, são vistos da forma como se olhavam os indivíduos do grupo étnico judaico: avaros e
interesseiros.
• O Clérigo e o Ermitão são as duas figuras religiosas que surgem na peça. O primeiro procura seduzir à
força Lianor Vaz e o segundo conquista sentimentalmente Inês Pereira e leva-a a praticar o adultério.
Nenhum dos dois cumpre, portanto, os seus deveres celibatários. Podemos ver nestes dois tipos uma
condenação das práticas licenciosas dos membros do clero e dos que se diziam entregues à
vida espiritual e a Deus (o Ermitão).
• Inês Pereira é uma figura que, por ter alguma complexidade psicológica, não é personagem-tipo. Ainda
assim, os seus comportamentos representam aspirações e estereótipos da jovem do fim da Idade
Média. Inês sente-se aprisionada na sua condição de mulher, submetida ao domínio da Mãe ou do
marido, mas com sonhos de liberdade.
Linguagem e Recursos
O português que encontramos na obra de Gil Vicente é uma língua em transição entre o português antigo e o
clássico. Daí a presença de arcaísmos medievais («samicas», «ieramá», «senhos») a par de inovações
renascentistas («esgravatado», «sáfio», «gracejador»). A riqueza linguística dos autos deste dramaturgo reside
no leque de variantes sociais e de outros tipos de registos que neles encontramos. Na Farsa de Inês
Pereira sobressaem as linguagens dos rústicos (Pero corrompe a forma de algumas palavras e a estrutura
frásica), dos Judeus (com as suas fórmulas hebraicas) e das comadres (a Mãe e Lianor). Mas também marca
presença na peça o discurso «galante» e mais elaborado do Escudeiro, que copia as fórmulas que ouve na corte,
e até a língua castelhana, o idioma em que o Ermitão se exprime. Os diferentes registos linguísticos articulam-
se bem com as várias figuras e com o seu estatuto social e servem de modo de caracterização.
Outra característica do discurso das personagens é a sua coloquialidade, ou seja, a capacidade de representar
a linguagem oral. E se, aparentemente, esse deve ser um traço distintivo do teatro, muitos dramas (de
linguagem mais estilizada) não têm a pretensão de o fazer. Assim, na Farsa de Inês Pereira, destaca-se o papel
que têm as expressões populares, os provérbios, as interjeições e as réplicas para se obter o efeito de
coloquialidade. A vivacidade e a fluidez do discurso aumentam nos momentos de comicidade, para os quais
contribuem a ironia e o sarcasmo.
Formalmente, a Farsa de Inês Pereira é um texto dramático escrito predominantemente em versos de sete
sílabas ou redondilha maior, uma métrica de cariz popular. Os versos tendem a agrupar-se em estrofes de nove
linhas (nonas), mas outras formas estróficas aparecem pontualmente ao longo do texto (quadras, sétimas, etc.).
Se a regularidade não é absoluta na estrofe, também não é, consequentemente, na rima. No caso das nonas, o
esquema rimático dominante é abbaccddc.
Renascimento: movimento cultural europeu com origem em Itália (séc. XIV –XVI)
Classicismo: é uma tendência estética que considera os valores clássicos greco-latinos, nas artes plásticas e na
literatura, como modelos a imitar; preconiza a noção das proporções, o gosto das composições equilibradas, a
busca da harmonia das formas e a idealização da realidade.
Humanismo: significa a valorização de tudo o que é humano e implica a exaltação do valor do Homem,
colocando-o no centro do Universo (antropocentrismo), e a crença absoluta na sua capacidade de entender o
mundo e os outros.
Correntes Literárias
Corrente tradicional ou da medida velha: temas tradicionais (a menina que vai à fonte; o verde dos campos e
dos olhos; o amor simples e natural; a saudade e o sofrimento; a exaltação da beleza de uma mulher de condição
servil; apresentação de quadros da vida diária); uso do verso de redondilha maior (sete sílabas métricas) ou
menor (cinco sílabas).
Corrente renascentista ou da medida nova: temas clássicos, renascentistas, petrarquismo, humanismo…; uso
do verso decassilábico.
Petrarquismo
O amor, à maneira petrarquista, é caracterizado de forma contraditória; idealização do amor; amor sensual e
amor espiritual; o amor torna-se uma contemplação interior.
A conceção da mulher:
• Tipo de beleza física: cabelos de oiro, olhar brando e sereno, riso terno e subtil, gesto manso, olhos
verdes ou azuis, tez branca e rosada;
• Idealização da mulher (platonismo – ideal de beleza física como espelho da beleza interior);
• Mulher descrita como um ser superior e inatingível;
• Efeitos da mulher amada no sujeito poético (a metáfora da “rendição amorosa”).
A natureza:
Temáticas
1. Amor: é o principal tema da lírica camoniana. É fonte de contradições vivamente sentidas, pois ele é
“fogo que arde sem se ver”. Aparece sob uma dupla abordagem: uma à maneira petrarquista, de raiz
neoplatónica, caracterizando-se como um amor espiritualizado, em que não se vislumbra o corpo dos
amantes, que se compraz na adoração e contemplação do ser amado e que leva a que o amador se
“transforme” na “cousa amada”. A mulher amada é encarada como reflexo da beleza divina. O seu retrato
é um retrato psicológico da perfeição e pureza que dela emanam. Regista-se a impressão que a sua
beleza causa, e não os traços de que essa beleza é feita. A mulher é um ser sublime, divinizado, que se
movimenta numa natureza alegre, colorida, paradisíaca. Outras vezes, surge uma tensão entre o amor
espiritual e o amor sensual, resultando daí, para quem ama, conflitos interiores, perplexidade,
contradições, angústia. A mulher amada transforma-se em “Circe”, que enfeitiça, transformando o
pensamento do amado;
2. Reflexão sobre a sua vida pessoal (poemas autobiográficos): as composições líricas de Camões oscilam
entre dois polos: o lirismo confessional, em que o sujeito lírico dá expressão à sua experiência íntima, e
a poesia de pura arte, em que se pretende transpor os sentimentos e os temas a um plano formal, lúdico.
Grande parte da obra lírica de Camões centra-se na evocação de um itinerário pessoal assinalado pelo
Engano e pelo Desengano, pela Carência e pela Culpa, pela amargura do desconcerto e pela aspiração
a uma plenitude em que o Amor ocupa, de facto, um lugar subordinante. Assim, reflete sobre:
• Destino (que nunca lhe foi favorável);
• Erros que cometeu;
• Amor (fracassado).
3. A representação da natureza: através de toda a evolução da poesia, a Natureza andou mais ou menos
associada à vida amorosa, já como pano de fundo, moldura do quadro lírico ou ambiente, já como
projeção do eu, em seus momentos de desdobramento emocional, que lhe confiou atributos de pessoa
e simpatia de confidente. No soneto “A fermosura desta fresca serra”, o sujeito lírico descreve uma
natureza alegre, harmoniosa (do tipo “locus amoenus”) e propícia à vivência do amor, concluindo, no
entanto, que essa mesma natureza lhe provoca sofrimento, se a mulher amada não estiver presente (a
Natureza é encarada como um estado de alma);
4. O desconcerto do mundo / temática da mudança: oposição entre o tempo da natureza e o tempo
humano, e há um pessimismo que resulta da consciência que o sujeito adquire sobre a sua condição
existencial limitada. Assim, reflete sobre:
• Errada distribuição dos prémios e dos castigos (os maus são galardoados, os bons severamente
castigados);
• Contrastes entre a «opulência» e a «miséria»;
• Crescente interesse dos homens por valores materiais;
• Renovação cíclica da Natureza;
• Mudança da vida e das coisas.
Linguagem e Recursos
Estilo:
Contextualização
Esta obra dá a conhece 4 novas geografias e retrata conhecimentos de ordem diversa- uma universalidade de
saberes. Foi escrita durante um longo período (25 ano- de 1545 a 1570). Camões revela a postura interventiva e
crítica do homem do Renascimento, através das suas reflexões no final dos cantos. Há, nesta obra, uma
experiência humanista, no respeito pelo modelo clássico da epopeia e na valorização da mitologia greco-latina
Toda esta epopeia é, no fundo, um reconhecimento das capacidades dos Portugueses, que descobriram novos
mundos e que, em vários momentos da História, revelaram a sua coragem e vontade de superação. Esta
epopeia- poema narrativo extenso, de tom sublime e elevado- relata, assim, acontecimentos mitológicos,
lendários ou históricos e ações heroicas- fusão do sobrenatural e do real. A sua narração começa in media res
(a meio da ação), sendo que as lacunas da história são completadas através de analepses e prolepses. O seu
protagonista é um ser de qualidades excecionais que realiza feitos extraordinários e se aproxima de uma
dimensão lendária: os portugueses.
Para além disso, os feitos dos Portugueses são equiparados aos das figuras da Antiguidade, sejam eles reias,
como Alexandre Magno, ou fictícias, como Ulisses e Eneias. Há, ainda, uma valorização da observação e da
inexperiência- as referências a fenómenos da astronomia e da cosmologia, até então desconhecidos, a descrição
de fenómenos físicos e meteorológicos igualmente desconhecidos ou até de novas técnicas náuticas servem
para mostrar como a observação e a experiência dão fruto e são importantes.
Pertencente ao classicismo português, a obra possui uma visão antropocêntrica, ou seja, valoriza a razão e as
conquistas humanas. Porém, traz elementos do semipaganismo ao reverenciar a cultura greco-romana e, ao
mesmo tempo, a fé cristã.
Ou seja:
• Renascimento:
→ Renovação cultural e artística;
→ Reinvenção das formas artísticas, com base numa perspetiva naturalista e humanista;
→ Interesse pela arte e cultura da Antiguidade clássica.
• Classicismo:
→ Recuperação de figuras e temas mitológicos;
→ Gosto pela harmonia e simetria;
→ Entendimento do corpo humano como medida da arte.
• Humanismo:
→ Conceito filosófico;
→ Alicerçado no antropocentrismo.
Resumo
Como era comum na literatura épica, a narração de Os Lusíadas começa in media res – ou seja, em plena ação
– no caminho, quando os portugueses já deixaram sua terra natal e se encontram ancorados em Melinde, cidade
situada no oceano Índico.
Enquanto isso, os deuses fazem uma primeira reunião para decidir o destino dos navegantes. Baco se opõe ao
feito, que diminuirá sua glória como senhor do Oriente.
No entanto, Vênus, deusa do amor, e Marte, deus da guerra, colocam-se a favor dos portugueses. Júpiter
concorda com os dois. Mercúrio, o mensageiro, é enviado para garantir que o povo selvagem de Melinde seja
hospitaleiro com os portugueses.
O capitão do navio, Vasco da Gama, narra ao rei de Melinde a história de Portugal, em que se inserem as figuras
de grandes heróis da história portuguesa e os episódios de Inês de Castro, do Velho do Restelo e do Gigante
Adamastor.
A caravela continua sua viagem, atravessando o oceano Índico. Nessa parte da trajetória, um dos tripulantes, o
marinheiro Veloso, narra a seus companheiros o episódio dos Doze de Inglaterra, espécie de novela de cavalaria
em que 12 cavaleiros portugueses vão à Inglaterra para defender a honra de damas que haviam sido ofendidas
por 12 cavaleiros ingleses. Após uma luta sangrenta, os heróis lusitanos vencem os ingleses, aos quais sobra a
morte ou a vergonha da derrota.
Ao mesmo tempo, o deus dos oceanos, Netuno, recebe a visita de Baco, que o convence a aliar-se contra os
portugueses, argumentando que depois daquela viagem os homens iriam perder o temor dos mares. Toda a
força dos ventos invocados por Netuno atinge a embarcação de Vasco da Gama. Sob a proteção de Vênus e das
Nereidas, as ninfas marinhas, os portugueses sobrevivem, mas seu navio sofre inúmeras avarias, chegando a
Calecute, na Índia, graças a correntes marítimas invocadas em seu auxílio, uma vez que o mastro da embarcação
estava partido.
Em Calecute, os portugueses são envolvidos em mais uma trama de Baco, que havia induzido o Samorim (líder
local) a separar Vasco da Gama de seus companheiros e prendê-lo. O capitão consegue escapar mediante o
pagamento de suborno, o que vale uma crítica do narrador à corrupção dos homens pelo dinheiro.
A última aventura dos argonautas portugueses é sua visita à Ilha dos Amores, já no retorno a Portugal. Vênus
prepara maravilhosas surpresas para os visitantes.
Na ilha, estão ninfas que foram flechadas por cupido. Ao avistarem os navegantes, elas imediatamente ficam
apaixonadas. Começa, então, uma verdadeira perseguição erótica, em que são exaltadas as qualidades do
amante português. Depois de um banquete no qual todos ouvem previsões sobre o futuro de cada um, a deusa
Vênus mostra a Vasco da Gama uma esfera, mágica e perfeita: a maravilhosa Máquina do Mundo.
Após a volta tranquila dos aventureiros a Portugal, o poeta termina seu livro em tom de lamento. Queixa-se de
que sua opinião não seja levada em conta pela “gente surda e endurecida” e oferece ao rei D. Sebastião uma
solução para impedir a decadência do Império: uma grande empresa em direção ao Oriente, buscando a
salvação e muitos infiéis e resgatando a glória do heróico povo português.
Estrutura
Epopeia: Um género é extenso, em verso, que remata à atividade clássica. A epopeia, marcada pelos estilo
grandioso e solene, exalta um acontecimento memorável e extraordinário, de interesse e nacional ou universal
(viagem à India). Há uma visão heroica do mundo, sendo que os episódios retrospetivos e as profecias dão
extensão à riqueza à obra. Os Lusíadas é uma obra épica em que a ação central da epopeia em viagem de Vasco
da Gama à Índia (e os seus navegadores). Assim, há uma visão heroica dos lusitanos, cuja coragem possibilitou
dobrar o Cabo das Tormentas e descobrir o caminho marítimo para a Índia.
Herói: o protagonista devia revelar grande valor moral, além da sua estripe social. O grande herói d'Os Lusíadas
é o povo português.
Maravilhoso: em Os Lusíadas verifica-se não só a sua intervenção das divindades da mitologia, como do Deus
dos cristãos.
• Camões utilizou em sua obra somente versos decassílabos, ou seja, de dez sílabas métricas. Esse tipo
de verso era conhecido como “medida nova”;
• As rimas aparecem da seguinte forma: o primeiro verso rima com o terceiro e o quinto; o segundo verso
rima com o quarto e o sexto; e o sétimo e o oitavo rimam entre si (o que é representado pelo esquema
ABABABCC).
• Essas estrofes são chamadas de oitava-rima. Além disso, o poeta inseriu na obra diversas rimas internas,
o que causa efeitos de assonância (sonoridade das vogais) e aliteração (sonoridade das consoantes).
Estrutura externa:
• Dez cantos;
• Número variável de estrofes;
• Estrutura estrófica: oitavas;
• Estrutura métrica: verso decassilábico;
• Esquema rimático abababcc (rima cruzada e rima emparelhada);
Estrutura interna:
• Proposição (Canto I, da primeira à terceira estrofe): o autor nos apresenta o tema de seu poema: a
viagem de Vasco da Gama às Índias e as glórias do povo português, comandado por seus reis, que
espalharam a fé cristã pelo mundo.
• Invocação (Canto I, quarta e quinta estrofes): consiste na invocação das musas do rio Tejo, as Tágides.
• Dedicatória (Canto I, estrofe 6 a 17): o poeta, após inúmeros elogios, dedica a obra ao rei dom Sebastião,
a quem confia a continuação das glórias e conquistas que serão narradas em seguida.
• Narração (Canto I, estrofe 18, a Canto X, estrofe 144): é contada a navegação de Vasco da Gama às Índias
e as glórias da história heroica de Portugal.
• Epílogo (Canto X, estrofes 145 a 156): consiste num lamento do poeta, que, ao deparar com a dura
realidade do reino português, já não vê muitas glórias no futuro de seu povo e se ressente de que sua
“voz enrouquecida” não seja escutada com mais atenção.
Planos:
• Plano da viagem de Vasco da Gama até à Índia: plano relativo a viagem de Vasco da Gama a Índia. Ação
iniciada in média res- a armada portuguesa já se encontra a meio da viagem.;
→ Plano da História de Portugal: encaixado no plano da viagem, que consiste na narração da
história de Portugal, assegurada por diferentes vozes (Vasco da Gama, Paulo da Gama, figuras
mitológicas), e é feito através da analepses e prolepses;
• Plano da mitologia: plano protagonizado pelos deuses do Olimpo e por outros seres mitológicos (deuses
pagãos), sendo que, geralmente, é alternado/articulado com plano da viagem;
• Plano das reflexões do Poeta: interrupção da narrativa para apresentar as reflexões de poeta a propósito
dos fatos narrados. Revela-nos um autor atento ao seu tempo e com uma intenção pedagógica e cívica
(geralmente, nos finais de todos os cantos).
→ Fragilidade da vida humana: consciencialização do carácter terreno/mortal/efémero da vida
humana e da pequenez e fraqueza do ser humano (em oposição à força dos perigos envolventes);
→ Desprezo pelas artes e pelas letras: crítica à falta de cultura dos portugueses, que leva à
desvalorização da arte; constatação de que a ausência de quem divulgue literariamente os feitos
heroicos levará ao desaparecimento dos heróis; censura ao facto de os portugueses serem
dominados pela austeridade, pela rudeza e pela falta de “engenho”;
→ Queixas do poeta / Critérios de seleção dos merecedores do canto: Expressão dos infortúnios
pessoais (vida de perigos diversos, de guerras, de viagens atribuladas por mar e por terra,
errância, pobreza, desterro, incompreensão por parte dos contemporâneos); apresentação de
critérios de seleção dos que merecem e dos que não merecem ser cantados;
→ Poder do dinheiro: considerações sobre o caminho a percorrer para alcançar a fama/imortalidade
(renúncia ao ócio, à cobiça, à ambição desmedida e à tirania; promoção da justiça e igualdade,
da defesa da fé cristã e da pátria);
→ Imortalização do nome: considerações sobre o caminho a percorrer para alcançar a
fama/imortalidade (renúncia ao ócio, à cobiça, à ambição desmedida e à tirania; promoção da
justiça e igualdade, da defesa da fé cristã e da pátria);
→ Desvalorização da arte/Exortações a D. Sebastião: desalento face a uma pátria decadente que
despreza as artes e menospreza a obra do próprio Camões; apelo a D. Sebastião para liderar
Portugal na realização de novos feitos gloriosos.
Linguagem e Recursos
• Vocábulos cultos: latinismos e helenismos;
• Substituição de termos vulgares por perífrases e metonímias;
• Aforismos e frases de valor proverbial;
• Termos técnicos da área da marinharia e da ciência bélica;
• Forte presença de anástrofes e hipérbatos;
• Tom sublime: abundância de recursos expressivos;
• Descrições expressivas em alguns episódios.
Contextualização
• Século XVII:
→ Desaparecimento do rei D. Sebastião em Alcácer Quibir e consequente perda da independência
e domínio filipino (1581-1640);
→ Poder da Inquisição;
→ O Barroco vigorou em Portugal durante todo o século XVII e na primeira metade do século
seguinte;
→ Características: teatralidade, contrastes (luz e sombra), movimento, exagero decorativo, de
modo a provocar o êxtase e a emoção;
→ Padre António Vieira é uma das mais influentes personalidades do século XVII, destacando-se
pela sua intervenção política e pela sua ação missionária.
Objetivos da eloquência
A eloquência é a arte de bem falar, é uma faculdade individual.
A oratória é a arte de falar em público, de forma estruturada e deliberada, com a intenção de informar, persuadir
ou entreter os ouvintes. Refere-se ao conjunto de regras e técnicas adequadas para produzir e apresentar um
discurso e apurar as qualidades pessoais do orador.
Funções da oratória
Sermão: género literário que compreende todo o discurso oral dirigido a um auditório com a finalidade de o
persuadir de uma determinada mensagem, pela razão, pela sensibilidade ou pelo prazer que nele provoca o
texto dito.
• Temas:
→ Aspetos da vida social (acontecimentos mundanos: atos da vida pública e privada dos indivíduos,
desde a entrada de personagens régias às festas de casamento, batizados ou funerais,
cerimónias de profissão monástica, autos de fé, etc;
→ Ideias políticas.
Estrutura
1. Exórdio:
No exórdio, e tendo como ponto de partida o conceito predicável (vós sois o sal da terra), o orador diz que a
“terra” está corrupta, mas reconhece que o mal não está só do lado dos pregadores. Os seres humanos também
têm culpa.
Santo António é apresentado como exemplo do bom pregador, como modelo a seguir para moralizar os
ouvintes (a terra). Diz Padre António Vieira: “Santo António foi o sal da terra, e foi o sal do mar”.Todo o sermão
é, pois, um panegírico em torno da sua figura.
Assim, à semelhança deste santo, também o Orador irá pregar aos peixes, já que os seres humanos não o
ouvem: “ […] quero hoje, à imitação de Santo António, voltar-me da terra ao mar, e já que os homens se não
aproveitam, pregar aos peixes […]”.
2. Exposição/Confirmação:
Ao longo do discurso, Padre António Vieira interage com os seus ouvintes e tenta perseguir os grandes objetivos
do Sermão:
• Ensinar: moralizar;
• Agradar: cativar os seus ouvintes, despertando as suas emoções;
• Persuadir: apelar e convencer da necessidade de mudança através de uma argumentação sustentada.
Para defender a sua tese, recorre a vários tipos de argumentos ilustrativos e convincentes:
3. Peroração
O orador recapitula os seus argumentos e esforça-se por influenciar afetiva e emocionalmente os seus ouvintes,
de modo a obter a sua adesão. Pretende impressionar, convencer e influenciar o seu auditório.
Crítica social: o Sermão assenta numa alegoria, pois através dos peixes, o orador critica os seres humanos, as
suas virtudes e os seus defeitos. As virtudes dos peixes são, por contraste, a metáfora dos defeitos humanos
(“Oh grande louvor verdadeiramente para os peixes, e grande afronta e confusão para os homens!”). Os defeitos
dos peixes são também enunciados, sendo o maior deles o de se comerem uns aos outros. “Mas para que
conheçais a que chega a vossa crueldade, considerai, peixes, que também os homens se comem vivos assim
como vós.” Aqui se manifesta a crítica à exploração social. São quatro os peixes evocados:
• Roncadores: personificam a arrogância: “É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis
de ser as roncas do mar?!;
• Pegadores: representam o parasitismo/oportunismo: “ […] sendo pequenos, não só se chegam aos
outros maiores, mas de tal sorte se lhes pegam aos costados, que jamais os desferram”;
• Voadores: simbolizam a ambição desmedida: “Não contente com ser peixe, quiseste ser ave […]”;
• Polvo: encarna a traição e a hipocrisia: “[…] monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão
enganoso e tão conhecidamente traidor!”
Linguagem e Recursos
À persuasão, fim último do Sermão, associam-se as intenções de instruir e de deleitar. Assim, a escrita de Padre
António Vieira é marcada por um grande virtuosismo. Os recursos expressivos mobilizados, a construção frásica
rigorosa e a riqueza vocabular reforçam o seu estilo lógico e engenhoso. A sedução dos seus raciocínios e o seu
tom combativo tornam Padre António Vieira um escritor ímpar.
Conclusão
O Sermão é uma sátira social. Padre António Vieira crítica a exploração e a ganância humana, particularmente
aquela que é exercida pelos colonos sobre os índios.
Contextualização
Dimensão patriótica
É possível estabelecer um paralelismo entre o período histórico retratado em Frei Luís de Sousa e o tempo da
escrita da obra (década de 1840). A situação de crise e de desencanto provocada pelo desaparecimento de D.
Sebastião e a consequente perda da independência é comparável aos tempos do regime ditatorial de Costa
Cabral, que renegou os ideais do liberalismo doutrinal.
A ação de Frei Luís de Sousa decorre numa conturbada época da História de Portugal: o domínio filipino. Manuel
de Sousa Coutinho representa a defesa e afirmação da liberdade, o desejo de contribuir para a construção da
identidade de um país que vive oprimido, marcado indelevelmente pelo sebastianismo, um país que, tal como
o Romeiro, é “ninguém”.
A família de Manuel de Sousa Coutinho é obrigada a abandonar a sua residência e a mudar-se para a casa que
fora de D. João de Portugal, o que, simbolicamente, pode ser visto como um regresso ao passado, a um Portugal
velho, impeditivo da construção de um Portugal novo.
Em Frei Luís de Sousa percebe-se, portanto, uma crítica ao cabralismo, ainda que latente e simbólica. Aliás, o
regime reagiu à publicação e representação da obra, considerando que esta poderia avivar nos portugueses
valores e sentimentos patrióticos que podiam pôr em causa a política despótica de Costa Cabral.
Sebastianismo
História: D. Sebastião, O Desejado, após duas regências, subiu ao trono aos catorze anos. Movido por um grande
fervor religioso e militar, e entusiasmado pela nobreza a reviver as glórias passadas da Reconquista, decidiu
submeter o reino a um grande esforço financeiro e militar, planeando uma expedição militar em Marrocos
também como forma de resposta ao apelo de Mulei Mohammed, que solicitou a sua ajuda para recuperar o
trono. A derrota portuguesa na batalha de Alcácer-Quibir em 1578 provocou o desaparecimento de D. Sebastião
(e da “nata” da nobreza), facto este que originou uma crise de sucessão e deixou o país financeiramente
exaurido. A crise de sucessão que se seguiu (1580) conduziu à perda da independência, dando origem à dinastia
filipina e ao nascimento do mito sebástico.
Ficção: fundada em superstições, a crença popular profetizava o regresso do Rei numa manhã de nevoeiro para
libertar o país do domínio filipino e instaurar a glória passada. O mito sebastianista tornou-se um traço da
personalidade nacional que se caracteriza por viver as glórias do passado e acreditar que os problemas serão
resolvidos com a chegada de um redentor, de um Messias.
• Crença nacional que surgiu após o desaparecimento do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir;
• Convicção no regresso de D. Sebastião para devolver a independência e a liberdade perdidas a Portugal;
Convicção que D. Sebastião era uma espécie de Messias e que devolveria a honra e a glória a Portugal
que, assim, recuperaria a glória do passado.
Resumo
Frei Luís de Sousa relata a vida de Manuel de Sousa Coutinho, um homem patriota, corajoso e apaixonado pela
sua esposa, D. Madalena de Vilhena, mulher supersticiosa que fora casada com D. João de Portugal. Ela vive
atormentada com o seu próprio passado, e apesar de pensar que o primeiro marido está morto, acaba
surpreendendo-se quando este regressa a Portugal, facto que torna ilegítimo o seu casamento com Manuel.
Manuel e Madalena têm uma filha, D. Maria de Noronha, jovem pura, ingénua, curiosa, corajosa e bela, mas de
saúde frágil, visto sofrer de tuberculose. Outro personagem importante desta história é Telmo Pais, aio da
família, mas que se mantém leal ao seu antigo amo, D. João de Portugal, e alimenta em Madalena o temor de
um possível regresso de D. João, o que de facto acontecerá após 20 anos da sua ausência. Telmo é atencioso e
prestativo, e demonstra um enorme carinho por Maria de Noronha.
Cavaleiro da Ordem de Malta, Manuel de Sousa, homem altamente patriota, incendeia a própria casa para não
alojar os governadores. Ao notar a cena, Madalena tem um presságio, intuindo que perderia o marido tal como
perdeu a sua casa.
Como consequência do seu ato desesperado, Manuel vê-se forçado a morar na residência onde antes morava
D. João de Portugal. Este finalmente retorna ao lar, contudo, disfarçado de romeiro, pede ao velho criado, Telmo,
que minta a respeito da sua existência. Todavia, Maria logo percebe a presença do seu primeiro marido,
revelação que fará com que o casal decida ingressar na vida religiosa, adotando novos nomes: Frei Luís de
Sousa e Sóror Madalena.
Enquanto Manuel de Sousa Coutinho vai para o convento do Livramento, Madalena de Vilhena instala-se no
convento de Benfica. Tal infortúnio fez de Maria de Noronha uma filha ilegítima, o que provoca na jovem grande
consternação e revolta contra a sociedade e a Igreja Católica. Gravemente doente, Maria acaba por falecer de
tuberculose à frente dos seus pais.
No fim da peça de três atos, acontece a morte social de Manuel e Madalena (ao ingressarem na vida religiosa)
e a morte física de Maria, em razão do seu delicado estado de saúde.
Personagens
D. Madalena de Vilhena:
• Origem social: nobreza, da família dos Vilhenas;
• Retrato psicológico: moralmente íntegra; torturada pelo passado e avassalada por pressentimentos
angustiantes indiciadores da tragédia; vulnerável, sobressaltada e incapaz de ser feliz; apaixonada e
ligada às desventuras amorosas de Inês de Castro;
• Modelo representado: a mulher romântica, dominada por sentimentos exacerbados (amor-paixão).
Dimensão trágica
Características da tragédia clássica:
• Lei das três unidades: ação (a intriga deve ser simples e sem ações secundárias), tempo (a ação não
deve exceder as 24 horas) e espaço (ação decorre no mesmo espaço);
• A ação da peça desenvolve-se a partir do conflito entre o ser humano e o destino, entre o indivíduo e o
coletivo ou o transcendente;
• O conflito surge associado a um mistério na origem das personagens;
• O castigo das forças superiores devido ao “desafio” (hybris) cometido pelas personagens conduz à
catástrofe;
• A presença de indícios que apontam para um desfecho trágico;
• A presença de um coro que surge nos momentos de grande intensidade dramática, comentando as
situações ou as personagens;
• O sofrimento das personagens (pathos);
• O conflito que se encaminha progressivamente para um clímax (ponto culminante da ação trágica);
• O desvendamento do mistério com o reconhecimento (anagnórisis);
• As personagens são nobres e em número reduzido;
• O desenlace/catástrofe: morte das personagens (física, social ou afetiva);
• Os efeitos sobre o público: inspirar sentimentos de terror e de piedade.
• A ação tripartida;
• A simplicidade da intriga;
• O desafio (hybris): as personagens desafiam a ordem estabelecida. D. Madalena desafia o destino,
apaixonando-se por Manuel de Sousa quando ainda estava casada com D. João de Portugal. Manuel de
Sousa desafia politicamente o poder instituído, incendiando o seu palácio;
• O sofrimento (pathos): as personagens são torturadas pelos conflitos de consciência vivenciados;
• A peripécia: mudança de rumo da situação – o incêndio e o aparecimento de D. João, que anula a
legitimidade do casamento, colocando Maria na situação de filha ilegítima;
• O reconhecimento (anagnórisis): a revelação da identidade do Romeiro;
• O clímax: o auge emocional acontece no momento em que D. Madalena descobre que D. João está vivo;
• A catástrofe: a morte para o mundo de D. Madalena e de Manuel de Sousa Coutinho e a morte física de
Maria;
• O coro: representado, sobretudo, por Telmo e Frei Jorge;
• A catarse/purificação (cathársis): a reflexão purificadora do espectador/leitor, a irreversibilidade dos
acontecimentos e a vulnerabilidade das personagens provocam piedade e comoção.
Estrutura
Drama
romântico
Drama romântico: o drama é um género teatral que procura diferenciar-se da distinção clássica entre a tragédia
e a comédia. O drama romântico é uma modalidade de drama. Garrett constrói um drama romântico definido
pelos princípios de estética romântica:
• O uso da prosa;
• O assunto nacional;
• A valorização dos sentimentos humanos das personagens;
• O ser humano como vítima das suas próprias atitudes/paixões, deixando de ser um joguete do destino;
• O pendor social (espelha a verdade social e a realidade dos acontecimentos quotidianos);
• A linguagem fluente e coloquial, próxima da realidade vivida pelas personagens.
Características românticas em Frei Luís de Sousa:
• Crença no sebastianismo;
• Amor à pátria: patriotismo e o nacionalismo;
• Crenças em agouros, superstições e visões;
• Fatalismo (as personagens tentam negar racionalmente o destino, mas não o conseguem);
• Religiosidade (sobretudo a presença do ideário cristão);
• Apologia do individualismo (o confronto entre o indivíduo e a sociedade; a felicidade individual é
contrariada pelas normas sociais);
• Aspiração à liberdade;
• Exacerbação dos sentimentos;
• Noite como tempo em que se desenrola a ação (fim da tarde, noite e madrugada);
• Tema da morte: a morte como solução para os problemas;
• Intenção pedagógica: a problemática dos filhos ilegítimos e a denúncia da falta de patriotismo.
Contextualização
A novela foi escrita em quinze dias, enquanto o autor estava preso na Cadeia da Relação do Porto. Aí, Camilo
encontrou o registo da condenação ao degredo de um tio, Simão Botelho. A partir deste facto, o autor criou
uma história onde cruza ficção e algumas notas biográficas. Assim, se compreende o título Amor de Perdição
e o subtítulo Memórias de uma Família.
Ao longo da obra, o protagonista é caracterizado como herói romântico: no início, é apresentado como um
jovem forte, solitário, rebelde e irrefletido; por influência do poder transfigurador do amor, Simão modifica-se,
mas, porque se sente injustiçado, quando mata Baltasar e é condenado ao degredo, acaba por se revoltar contra
a família e contra a sociedade.
Resumo
O enredo de Amor de Perdição passa-se em Viseu, cidade localizada na região Centro de Portugal, no século
XIX. Conta a história de Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, dois jovens pertencentes a famílias nobres e
rivais.
Pelo seu temperamento irascível, Simão está sempre envolvido em confusões – por este motivo, o seu pai
mandou-o para Coimbra estudar, onde acaba por se meter em novas brigas, sendo detido. Já em liberdade,
regressa a Viseu, onde conhece Teresa Albuquerque, a vizinha por quem se apaixona perdidamente. É este o
evento que provoca no rapaz uma série de transformações positivas: regenera-se, torna-se estudioso, passa a
compreender a importância do amor – sentimento que passará a conduzir todos os seus atos a partir de então.
Quando descobrem o namoro do filho com uma das integrantes da família Albuquerque, os Botelho ordenam
que Simão regresse a Coimbra. A Teresa são oferecidas duas opções: ou se casa com o seu primo Baltazar, ou
vai para um convento. Proibidos de viver a paixão fulminante que os acometeu, com a ajuda de uma mendiga
e de Mariana, filha do ferreiro João da Cruz, os jovens enamorados passam a trocar correspondência. Mariana
sucumbe à paixão por Simão, embora saiba que o seu amor jamais será correspondido; todavia, sente-se
satisfeita ao ver a felicidade do amado.
Após sofrer diversos atentados e ameaças, Teresa recusa o casamento, facto que a levará ao convento de
Monchique, no Porto. Ao descobrir o exílio da amada, Simão decide raptá-la, matar o seu rival e entregar-se à
polícia. João da Cruz, o ferreiro, oferece ajuda a Simão, propondo que fuja; contudo, Simão recusa,
comprovando assim o típico comportamento de um herói romântico.
Ao matar por amor a Teresa, Simão assume o seu gesto desesperado e faz questão de pagar por este; por isso,
vai preso. O destino de Teresa é o convento, enquanto Mariana segue firme ao lado de Simão, oferecendo
sempre ajuda ao homem que ama. Condenado à forca, a sentença é atenuada e Simão é degredado para a
Índia.
No momento da sua partida, Teresa, padecendo de uma doença grave, pede que a coloquem no mirante do
convento, para que assim possa assistir à partida do navio que levará o seu amor para longe. Depois do último
adeus, morre, condenada pelo amor exagerado que a levou à perdição.
Durante a viagem, Mariana, companheira inseparável, mostra a Simão a última carta de Teresa e, ao saber da
morte da mulher amada, Simão tem uma febre inexplicável, acabando por morrer. Tal e qual Teresa, o amor
de Simão levou-o à perdição. Na manhã seguinte, o seu corpo é lançado ao mar. Mariana, por não suportar tal
infortúnio, atira-se ao mar, abraçada ao cadáver de Simão. Os três personagens são, portanto, vítimas de um
amor inexequível, um amor de perdição.
Mudança social
Aspetos criticados em Amor de Perdição:
• A aristocracia: símbolo de uma sociedade retrógrada e decadente materializada na oposição
preconceituosa das famílias de Teresa e Simão ao amor, conduzindo-os à morte;
• A podridão da vida conventual: o convento de Viseu é descrito como um mundo de intrigas e de vícios,
de maldade e de falsas virtudes;
• A prepotência e arbitrariedade da justiça: visível na demonstração da influência e do poder do pai de
Simão quando este é aconselhado a fugir pelas autoridades;
• A corrupção no exército: presente na interferência de Domingos Botelho no caso do filho Manuel
Botelho.
Personagens
Simão Botelho:
Teresa Albuquerque:
• De origem popular;
• Jovem e bonita (mais bonita do que Teresa), desembaraçada e decidida;
• Acredita no amor eterno e é apaixonada por Simão, revelando-se abnegada e sofredora – ama Simão e
acompanha-o sempre, mesmo sabendo que o jovem ama Teresa, suicidando-se quando Simão morre;
• Revela-se uma personagem forte e determinada.
João da Cruz:
• Personagem do povo, um castiço rude e violento, mas muito corajoso, grato e bondoso;
• Amigo de Simão.
Baltasar:
Amor - paixão
O amor em Amor de Perdição é sofrimento. Teresa e Simão vivem um amor impossível e proibido, no entanto,
apesar dos obstáculos impostos pela família, não desistem da sua felicidade. As adversidades parecem até dar-
lhes mais força para lutarem pelos seus objetivos.
Como creem no amor eterno, encaram a morte/transcendência como superação das dificuldades da vida,
achando que encontrarão nela a felicidade que não conseguiram alcançar em vida. A morte é encarada como
salvação e única saída para o sofrimento que vivem, ou seja, para Simão e Teresa só a morte permitirá a
concretização do seu amor.
Nas cartas que os dois apaixonados trocam pode encontrar-se o desenvolvimento do conceito de amor eterno.
Para além de estas funcionarem como o verdadeiro diálogo entre os amantes, cumprem outras funções:
Estrutura
A obra é composta por Introdução, vinte capítulos e Conclusão e pode resumir-se na seguinte sentença: “Amou,
perdeu-se e morreu amando”.
Tempo
Os acontecimentos desenrolam-se de forma linear e cronológica, num ritmo rápido. Os diálogos, a ausência de
análises psicológicas, a valorização da ação em detrimento da reflexão e o discurso epistolar aceleram o
processo narrativo.
Na ação, que começa em 1779 e termina em 1807, os acontecimentos sucedem-se por ordem cronológica. A
intriga secundária, referências à vida de Manuel Botelho, contrasta com os valores apontados na intriga
principal.
Título
O título desta obre é “Os Maias”. Este romance conta a história da família Maia, através de três personagens
masculunas que representam três geraç~es, correspondentes a moemnts histórico-políticos e culturais
diferentes.
O trajeto da família Maia estrelaça-se com a histrória do século XIX, servindo o conjunto das três gerações
sucessivas para retratar a evolução de uma sociedade que continua a não encontrar um certo de modernidade.
Subtítulo
O subtítulo da obre é “Episódios da vida romântica”. Estes contituem-se como “flagrantes” da vida portuguesa
onde estão representados os degeitos caracyerizads da sociedade portuguesa da segunda metade do século
XIX- visão crítica de uma época-, em múltiplos aspetos:
Este subtítulo permite-nos o contacto com múltiplas cenas e casos típicos da vida e da sociedade romântica da
época da regeneração:
• A sociedade lisboeta (costumes, vícios, virtudes...), representada por personagens que tipificam um
grupo, uma profissão, um vício...;
• O mundo social e político da sociedade lisboeta de grande parte do século XIX, através de cenas e
quadros: atividades sociais, culturais, desportivas, lúdicas...;
• Carácter estático;
• Menos ficção, mais descrição;
• Menor interferência do narrador, embora adote frequentemente um tom irónico e pessimista.
Trata-se de uma tela viva, onde se movimentam figuras da elite portuguesa, pertencentes a diversos sectores
(finanças, política, diplomacia, administração pública, jornalismo, literatura, aristocracia).
O leitor é conduzido por Carlos da Maia aos locais frequentados pelos importantes do Reino e, através do seu
olhar, acede ao retrato desse Portugal medíocre, apático, atrasado, provinciano em que, por vezes, situações de
personagens atingem a categoria de caricatura.
O narrador ironiza, critica, satiriza e deforma em excesso um ou vários traços caracterizadores da Nação,
exprimindo deste modo a necessidade urgente de reformar os hábitos, os costumes e sobretudo a mentalidade
de uma gente tão tacanha, tão limitada, tão ridícula
O romance Os Maias denuncia os vícios da Pátria para a qual Eça de Queirós olhava do exterior. De facto, o
afastamento de Portugal, por razões profissionais, possibilitava-lhe realizar a análise objetiva, por vezes
impiedosa, de uma sociedade ridícula, decadente, tão distanciada da civilização estrangeira que ele tão bem
conhecia.
Epílogo
Passeio final de Carlos da Maia e João da Ega, em Lisboa, dez anos após a sua partida.
Resumo
A ação de “Os Maias” passa-se em Lisboa, na segunda metade do século XIX. No outono de 1875, Afonso da
Maia, nobre e rico proprietário, instala-se no Ramalhete (casa cuja descrição abre o primeiro livro). Do
matrimónio com Maria Eduarda Runa, nasce o único filho do casal, Pedro da Maia, rapaz de temperamento
nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional. Muito ligado à mãe, que o criou com enorme apego e
devoção, Pedro vê-se inconsolável após a morte desta, mas consegue recuperar quando conhece uma bela
mulher chamada Maria Monforte, filha de um traficante de escravos.
Afonso da Maia rejeita o relacionamento do seu filho com Maria Monforte, todavia, os jovens casam-se mesmo
a contragosto do patriarca. Deste casamento nascem duas crianças, Maria Eduarda e Carlos Eduardo; não
obstante, pouco depois do nascimento do garoto, Maria Monforte enamora-se por Tancredo, um príncipe
italiano, visita da casa, com o qual foge, levando embora consigo a filha. Ao chegar a casa, Pedro descobre a
fuga e, desesperado, refugia-se na casa do seu pai, levando o filho, ainda bebé. Nessa mesma noite, redige uma
longa carta destinada ao pai e, por não suportar o abandono, comete suicídio.
Aos cuidados do avô, Carlos Eduardo recebe uma educação forte e austera; passados alguns anos, contra a
vontade de todos, exceto do seu avô Afonso, o jovem transfere-se para Coimbra, para estudar medicina. Após
se formar, regressa ao Ramalhete e monta um consultório, mas sem prescindir de uma vida de aventuras
burguesas ao lado dos seus amigos intelectuais João da Ega, Alencar, Damaso Salcede, Palma de Cavalão,
Euzébinho, o maestro Cruges, entre outros.
Um dia, Carlos conhece uma mulher chamada Maria Eduarda e apaixona-se por ela, mesmo acreditando ser
esta senhora casada com um cavalheiro brasileiro de nome Castro Gomes. A despeito da sua condição, o jovem
tenta-se aproximar dela, sem obter êxito, até que recebe o chamado de Maria Eduarda, que necessitava dos
seus serviços médicos, visto que a sua governanta se encontrava doente. Em razão das frequentes visitas de
Carlos à casa de Maria Eduarda, ambos começam a envolver-se e decidem viver um romance.
Amantes, encontram-se às escondidas numa casa na quinta dos Olivais. Ao descobrir o envolvimento do casal,
Castro Gomes, o brasileiro com quem Carlos julgava que Maria Eduarda era casada, decide procurar o jovem
médico para lhe contar que ela não é sua esposa, mas sim uma dama de companhia, revelação que põe fim ao
romance proibido. Contudo, uma reviravolta no enredo de Os Maias aclara o passado misterioso de Maria
Eduarda que, ao receber documentos e objetos de um viajante, que portava papéis que comprovavam a sua
riqueza e um cofre, herança da sua mãe, tem o seu sobrenome exposto.
Ao ter acesso à verdadeira identidade da sua amada, Carlos descobre que a mãe de Maria Eduarda era Maria
Monforte, a sua mãe, que havia fugido anos antes com o príncipe napolitano e abandonando-o e ao pai, Pedro.
Ou seja, ele e Maria Eduarda eram irmãos.
Apesar da aterradora constatação, Carlos ignora o facto e, sem revelar a sua descoberta para Maria Eduarda,
decide continuar com a relação incestuosa. O seu avô, Afonso da Maia, descobre toda a verdade e morre de
desgosto. Quando Maria Eduarda finalmente descobre ser irmã do próprio amante, parte rumo a Paris, onde
tempos depois se casa. Para esquecer a sua triste sina, Carlos resolve viajar pelo mundo, regressando dez anos
depois a Portugal, onde reencontra os seus velhos amigos.
Ação
O plano da intriga apresenta uma ação secundária, que envolve Pedro e Maria Monforte; e a ação principal é
centrada na relação de Carlos e Maria Eduarda.
Intriga secundária: surge como introdução e permite a apresentação de Afonso da Maia, como fator de unidade,
e situa no tempo e no espaço o ínicio da ação,
centra-se na personagem Pedro, dando conta do
seu nascimento, formação, paixão e drama.
Crónica de Costumes
Estes lugares, que constituem o espaço físico do enredo, são olhados de outra forma quando criam ambientes
povoados com personagens da narrativa e proporcionam momentos de caracterização de grupos socias, de
figuras individuais e de crítica de costumes.
Em Lisboa assistimos à decadência da sociedade burguesa da segunda metade do século XIX. Estabelecem-se
contrastes entre Lisboa e outras capitais, como Paris e Londres, para melhor dar a conhecer os vícios cívicos e
civilizacionais do nosso país.
1. Jantar no Hotel Central:
• Organizado por Ega, tendo como finalidade:
→ Homenagear o banqueiro Cohen, marido de Raquel Cohen, amante de Ega (situação
moralmente incorreta);
→ Apresentar Carlos ao meio social lisboeta;
• Funciona como elo de ligação entre a Crónica de Costumes e a intriga principal, pois Carlos vê
pela primeira vez Maria Eduarda, à porta do Hotel;
• Temas abordados durante o jantar:
→ Literatura, que põe em confronto o realismo e o naturalismo, através dos seus
representantes Carlos, Ega e Alencar. E ainda o ultrarromantismo, defendido por Alencar;
→ Finanças – Cohen aposta nos empréstimos; Carlos acredita que o país caminha a passos
largos para a bancarrota; Ega acredita que a solução passa pela invasão espanhola.
→ História e política.
• Personagens que se destacam:
→ Ega (cujas opiniões, por vezes, refletem as do autor) que juntamente com Alencar e
Dâmaso são pessoas que não pertencem à respetiva classe social, pois não têm
personalidade e cultura;
→ Cohen demonstra ser calculista;
→ Carlos e Craft são os únicos que estão à altura, fruto da educação inglesa que receberam.
• Conclusão: o jantar termina com grande confusão, mostrando a falta de cultura e civismo que
domina as classes mais importantes.
2. Corridas no Hipódromo:
• Tem ligação com a intriga principal – Carlos espera encontrar Maria Eduarda nas corridas, mas
esta não foi;
• Retrata um tentativa de imitar o meio social inglês – os portugueses querem parecer aquilo que
não são (crítica social), pois tudo à volta das corridas se mostra inapropriado para a ocasião:
→ A entrada era uma “abertura escalavrada num muro de quintarola”;
→ Os interveniente não se vestiram bem– relativamente aos homens, alguns usavam
jaquetões claros e chapéu-coco, outros uma sobrecasaca e binóculo a tiracolo
(“pareciam embaraçados e quase arrependidos do seu chique”); as mulheres
apresentaram-se com “vestidos sérios de missa” e chapéus emplumados;
→ A atitude das pessoas também se revelou inadequada – ninguém sabia bem que atitude
tomar perante as corridas (“Carlos, por divertimento, sem mesmo saber porquê,
declarou que tomava Vladimiro. Então, em roda, foi uma surpresa; e todo o mundo quis
apostar).
• Personagens que se destacam:
→ Dâmaso– soube preparar-se para a ocasião, mas não se soube comportar;
→ Mais uma vez, Carlos e Craft foram os únicos que mostraram estar à altura.
• Conclusão: este público de elite nada tem a ver com o evento que fora preparado– as corridas.
3. Jantar em casa dos Gouvarinho:
• Permite observar a perda de valores sociais, o atraso e estagnação do país e a ignorância das
classes dirigentes;
• Temas abordados:
→ O atraso e estagnação do país, por intermédio de uma conversa entre Carlos e D. Maria,
onde este afirma – “Creio que não há nada de novo em Lisboa, minha senhora, desde a
morte do senhor D. João VI”);
→ A educação da mulher, onde nos são apresentadas diferentes conceções. Por um lado, o
conde Gouvarinho defende que é agradável que uma mulher possa falar sobre coisas
amenas, como livros ou um artigo de revista. Por outro lado, Ega opõe-se a esta
perspetiva, pois para ele uma mulher só deveria ter duas prendas, a que se devia dar
mais importância– cozinhar bem e amar bem. Pois ele acredita que “uma mulher com
prendas, sobretudo prendas literárias (…)é um monstro”, minimizando assim, as
mulheres. Perante isto, o conde mudou de opinião– “sim, decerto o lugar da mulher era
junto ao berço, não na biblioteca” (facilmente influenciável);
→ O estrangeiro é outro dos temas abordados, é lhes apelativo, falando dos países como
se lá já estivessem estado, mas uma vez evidenciam-se as limitações culturais de Sousa
Neto.
• Personagens que se destacam:
→ Conde Gouvarinho:
Voltado para o passado;
Tem lapsos de memória e revela enorme falta de cultura;
Não compreende a ironia sarcástica de Ega;
Fala de modo depreciativo das mulheres;
Representa a incompetência do poder político.
→ Sousa Neto:
Personagem muito criticada pelo autor;
Superficial nas suas intervenções– “e de repente calou-se, embaraçado, levando
a chávena aos lábios”;
Desconhece o sociólogo Proudhon– “(…)murmurou que Proudhon era um autor
de muita nomeada”;
Valoriza o estrangeiro e a literatura de folhetins– “Encontra-se por lá, em
Inglaterra, desta literatura amena, como entre nós, folhetinistas, poetas de
pulso?”.
• Conclusão: assim, verifica-se o atraso e estagnação do país, e aqueles que poderiam fazer
alguma coisa para inverter esta situação são os primeiros a preferir o luxo e a diversão às
obrigações.
4. Jornalismo português:
• A “Corneta do Diabo” era um jornal de difamação e escândalos– “e na impressão, no papel, na
abundância dos itálicos, no tipo gasto, todo ele relevava imundice e malandrice”– cujo diretor,
Palma Calavão, um corrupto, publicou um artigo injurioso sobre Carlos, onde exponha a
intimidade deste com Maria Eduarda, a pedido de Dâmaso Salcede;
• Ao saber disto, Ega entrou em ação e conseguiu uma carta de Dâmaso onde este pede perdão,
declarando que estava bêbado quando escreveu a carta sobre Carlos. Assim, Ega consegui vingar
Carlos, mas também a sua pessoa – dada a possível ligação entre Dâmaso e Raquel Cohen, sua
ex-amante;
• Assim, Ega dirigiu-se ao jornal “A Tarde” a fim de publicar a carta sobre Dâmaso. Inicialmente, o
Neves, diretor do jornal e político, recusou a publicação da carta por pensar que se tratava de
Dâmaso Guedes, seu amigo do partido político. Desfeito o engano, Neves publicou a carta;
• Conclusão: Eça expõe o baixo nível e decadência do jornalismo português da altura, movido pela
corrupção, parcialidade e interesses políticos e económicos, onde a realidade dos jornais reflete
a realidade do país – “Tais jornais, tal país”.
5. Sarau no Teatro da Trindade:
• O sarau destinava-se a ajudar as vítimas das cheias do Ribatejo;
• Revela-nos aspetos caricatos da sociedade lisboeta: o gosto pela verborreia oca; a total falta de
sensibilidade estética para apreciar o talento; a lágrima fácil perante o exagero poético
romântico; a superficialidade das conversas;
• O primeiro interveniente é Rufino, um orador tido como sublime; a sua retórica vazia, traduz a
sensibilidade literária da época;
• Cruges representa o raro talento verdadeiro, incompreendido e alvo de risos;
• O último interveniente é Alencar, após “um intervalo de dez minutos, como no ciro”. O poeta
declamou a “Democracia”, aliando poesia e política, numa encenação exuberante e
sentimentalista, ultrarromântica que termina entre fortes aplausos;
• É neste episódio que Ega entra em contacto com o Sr. Guimarães, personagem que se revela
fundamental para o final trágico da intriga.
6. O passeio final:
• Este passeio dá-nos a conhecer aspetos fundamentais da sociedade lisboeta:
→ Imobilismo total: “nada mudara”;
→ Provincianismo: “…com uma curiosidade de província, examinavam aquele homem de
tão alta elegância”;
→ Falta de fôlego nacional para terminar os grandes empreendimentos: “ora aí tens tu essa
avenida! hem?... já não é mau (…) E ao fundo a colina verde, salpicada de árvores, os
terrenos de Vale de Pereiro, punham em bruco remate campreste aquele curto rompante
de luxo barato – que partira para transformar a velha cidade, e estacara logo, com o
fôlego curto, entre montões de cascalho”;
→ Imitação do estrangeiro;
→ Decadência dos valores genuínos;
• Conclusão: a “regeneração” do país não se efetivara de facto; este termo deveria ter significado
o progresso a todos os níveis, de modo a colocar Portugal entre os povos civilizados; porém
após as lutas liberais o país não renascera. De salientar ainda que Carlos e Ega criticam muito o
estado do país, mas nada fazem para inverter a situação, pois no fundo são como ele.
Elementos da tragédia
Antero de Quental nasceu em Ponta Delgada a 18 de abril de 1842 e morreu em Ponta Delgada a 11 de setembro
de 1891. Foi um escritor e poeta português do século XIX que teve um papel importante no movimento da
Geração de 70.
Para Antero, o soneto é a forma lírica por excelência. Este género permite a conjugação perfeita entre
sentimento e ideia, aspecto que caracteriza o discurso conceptual anteriano. Assim, para Antero, o soneto
constitui “uma unidade perfeita”, que se adequa à expressão de sentimentos, ao raciocínio matemático, mas
também à ânsia de Absoluto do poeta.
Tendências
Tendência luminosa, apolínea ou diurna:
• Sonetos otimistas;
• Presença da Razão;
• Racionalidade confiante;
• Romantismo humanitarista;
• Crença na luta por uma sociedade melhor, enquanto “soldado do Futuro”.
Tendência obscura, romântica ou noturna:
• Sonetos pessimistas;
• Presença de desencanto, da angústia, da dor, da morbidez, da frustração e do cansaço;
• Interiorização reflexiva;
• Inquietação filosófica e desassossego;
• Desilusão e incredulidade face à luta;
• Refúgio da desistência, no sonho e na transcendência religiosa.
Angústia existencial
• Inquietação espiritual e desassossego;
• Insatisfação perante o real;
• Desencanto, angustia, dor, morbidez, frustração e cansaço;
• Insatisfação, face ao amor e à vida;
• Interiorização reflexiva;
• Inquietação filosófica;
• Incessante procure de um sentimento para a existência;
• Desilusão e incredulidade face à luta;
• O seu refúgio é o sonho e a transcendência religiosa.
Questão Coimbrã
A Questão Coimbrã (também chamada de “Questão do Bom Senso e Bom Gosto”) representou uma polêmica
travada em 1865 entre os literatos portugueses.
De um lado, estava Antônio Feliciano de Castilho, escritor romântico português. De outro, o grupo de estudantes
da Universidade de Coimbra: Antero de Quental, Teófilo Braga e Vieira de Castro.
A Questão Coimbrã foi o marco inicial do movimento realista em Portugal. Ela representou uma nova forma de
fazer literatura, trazendo à tona aspectos de renovação literária aliado as ideias que surgiram na época em torno
de questões científicas. Por isso, ela se afasta dos moldes ultrapassados dos ultrarromânticos, atacando assim,
as posturas de atraso cultural da sociedade portuguesa da época.
O primeiro grupo envolvido na Questão Coimbrã, liderado por Castilho, era formado por intelectuais que
defendiam sobretudo o status quo literário. Tinham uma visão tradicional, academista e formal. O segundo
grupo, formados pelos jovens estudantes de Coimbra, propunha denunciar a sociedade e mostrar a vida do
homem de maneira mais realista. Por isso, se posicionaram contra a postura formal, conservadora e acadêmica
da Escola Romântica. Os estudantes alegavam a falsidade contida na literatura romântica e propunham uma
transformação artística, cultural, política e econômica.
Além disso, após ser atacado por Castilho, Antero de Quental escreve uma das obras mais emblemáticas do
Realismo Português intitulada “Bom Senso e Bom Gosto”. Ela representou uma resposta à Feliciano de Castilho
num tom sarcástico e irônico. Ademais, Antero de Quental publica o texto “A Dignidade das Letras e as
Literaturas Oficiais” e Teófilo Braga “Teocracias Literárias”.
O realismo em Portugal tem início em meados do século XIX que pôs de dois lados os que defendiam
romantismo e outros, que defendiam o realismo e o naturalismo. Esse confronto ficou conhecido como
“Questão Coimbrã”.
Os principais representantes do Realismo em Portugal foram Eça de Queirós, Antero de Quental e Teófilo Braga.
Eles pertenciam a chamada “Geração de 70”. Eles se preocupavam mais com as questões sociais e propunham
novas maneiras de fazer literatura.
Assim, a literatura realista portuguesa veio mostrar que Portugal estava alicerçado em ideias retrógradas as
quais atrapalhavam o desenvolvimento cultural do país. Por esse motivo, essa nova fase literária focou na
exposição do realismo, demostrando a vida como ela é, em detrimento da visão idealista romântica.
Linguagem e Recursos
Discurso conceptual:
Correntes literárias
Romantismo:
• Apoteose do sentimento;
• Poeta como génio;
• Influência da paisagem no estado de espírito.
Realismo:
Parnasianismo:
Naturalismo:
Simbolismo:
Surrealismo:
Neorrealismo:
Contextualização
No período em que viveu Cesário Verde (1855 – 1866), Portugal estava em profunda transformação. Ele
pertenceu à época literária do romantismo (2º metade do século XIX), do período realista.
A população duplicara e chegavam milhares de pessoas do campo às cidades, que agora se alargavam. A
indústria era ainda diminuta, por isso os aspetos campesinos impunham-se nos arredores da cidade. Algumas
modernizações tinham já sido implantadas em Lisboa: candeeiros a gás e caminho de ferro. Nos bairros mais
velhos não havia higiene, abundando os parasitas. A tuberculose e a cólera reinavam. A água, recentemente
canalizada, chegava a muito poucas casas. A diferente entre ricos e pobres era acentuada. Os operários tinham
salários ridículos, o que os obrigava quase a passar fome. Os trabalhadores não tinham segurança. As
tuberculoses e as pneumonias eram muitas e a taxa de mortalidade era elevada.
Poetização do real
No tempo de Cesário Verde, Lisboa era uma cidade de contrastes. Ele retratou-a realçando a arquitetura antiga
e os bairros modernos da nova burguesia. É na captação objetiva do real que surge a outra face da realidade
lisboeta: a dos trabalhadores que denunciam a sua origem campesina.
Ao deambular, o sujeito poético denuncia o lado oposto ao da grandeza, focando lugares pobres e
nauseabundos, dos humildes que sustentam a cidade: os “criados” de “Um Bairro Moderno”, ou os “caixeiros”
de “O Sentimento Ocidental”. Transfigurando o que vê (subjetividade), capta ainda aquelas personagens
duvidosas (“actrizita” de “Cristalizações”) que, tal como a cidade, tentam esconder a sua condição.
Para Cesário, ver é perceber o que se esconde, por isso, perceciona a cidade minuciosamente através dos
sentidos. O poeta projeta no exterior o seu interior, nascendo, assim, a poesia do real, que lhe permite rever- se
nas coisas, de modo a atingir o equilíbrio, pela fixação fugaz da realidade, à maneira dos impressionistas.
Imagética feminina
Deambulando pela cidade e pelo campo, o poeta depara com dois tipos de mulher, articulados com os locais
em que se movimenta.
Assim, tal como a cidade se associa à morte, à destruição, à falsidade, também a mulher citadina é apresentada
como frígida, frívola, aristocrática, inacessível, luxuosa, calculista, madura, destrutiva, dominadora e sem
sentimentos. O erotismo desta mulher é expresso em imagens antitéticas que permitem opô-las à mulher
campesina, capaz de fazer despoletar um amor puro. O erotismo da mulher fatal é humilhante, conseguindo
reduzir o amante à condição de presa fácil (“Vaidosa” e “Deslumbramentos”).
Em contraste, surge uma mulher frágil, terna, ingénua, pura, despretensiosa, que desperta no poeta o desejo
de protege-la e estima-la, ao contrário da admiração longínqua que tem pela mulher citadina. Os seus atos são
ingénuos e é uma mulher capaz de ofertar o amor e a vida inerentes aos espaços rurais.
Podemos ainda distinguir a dicotomia mulher fatal/mulher angelical, associadas, respetivamente, à noite e ao
dia, à doença e à saúde, à cidade e ao campo, à morte e à vida…
Binómio cidade/campo
Em termos dicotómicos, Cesário Verde trata de dois espaços ao longo da sua obra: a cidade e o campo.
O campo apresentado não tem um aspeto idílico bem como não aparece associado ao bucolismo e ao devaneio
poético, mas é um espaço real, onde pode observar-se os camponeses na sua lide diária, onde as alegrias se
manifestam face ao prazer da vida e onde as tristezas ocorrem quando os acontecimentos não seguem o curso
normal. É o dia a dia concreto, autêntico e real, de eleição do poeta. Ele associa o campo à vida, à fertilidade, à
vitalidade, ao rejuvenescimento porque nele não há a miséria constrangedora, o sofrimento, a poluição, os
exploradores e os ricos pretensiosos que desprezam os humildes, típicos da cidade.
O campo confere-lhe liberdade, a cidade empareda-o, incomoda-o tal como incomoda os trabalhadores que aí
procuram encontrar melhores condições de vida. Por se depararem com enormes dificuldades e injustiças, os
pobres são os ricos aos olhos de Cesário Verde. Há um tom irónico quando fala dos citadinos e um tom eufórico
quando, por exemplo, fala dos passeios campestres com a sua amada, sendo a terra-mãe a fonte inspiradora
do poeta. A cidade á o lugar de atracão, moda, luxo, cosmopolitismo, que repulsa pela doença, corrupção e
aprisionamento da dor humana.
Questão Social
O poeta coloca-se ao lado dos desfavorecidos, dos injustiçados, dos marginalizados (povo) e admira a força
física, a pujança dos trabalhadores. Interessa-se pelo conflito social do campo e da cidade, procurando
documentá-lo e analisá-lo, embora sem interferir. Cesário Verde focaliza, ainda, a anatomia do homem oprimido
pela cidade e a integração da realidade banal no mundo poético.
Assim, a sua poesia tem uma intenção critica, de análise social, comovendo-se com os trabalhadores, com
quem é solidário, e experimentando um grande sentimento de decadência.
Deambulação
Cesário Verde é um poeta-pintor que capta as impressões da realidade que o cerca com uma grande
objetividade. É realista, atento a pormenores mínimos que servem para transmitir as perceções sensoriais. Da
cidade de Lisboa, por onde deambula, descreve as ruas soturnas e melancólicas, com sombras e bulício, e
absorve-lhes a melancolia, a monotonia, o “desejo absurdo de sofrer”. Do campo, canta a vida rústica, de
canseiras, a sua vitalidade e saúde.
Linguagem e Recursos
• Exatidão vocabular;
• Imagens visuais;
• Mistura do físico com o moral;
• Combinação de sensações;
• Recursos estilísticos que procuram a captação do real:
→ Sinestesias (“Amareladamente, os cães parecem lobos”);
→ Dupla adjetivação;
→ Hipálages (“Um cheiro salutar a pão no forno”);
→ Comparações;
→ Metáforas;
→ Transporte nas quadras;
→ Estrangeirismos:
Inglês (Anglicismo);
Francês (Galicismo).
• Uso de prosaísmos (“Em imposturas tolas”);
• Estrofe breve e regular, com teor descritivo- quadra;
• Versos decassilábicos ou alexandrinos (12 sílabas), longos;
• Construções impessoais (“Uma alvura de sai branca moveu-se no escuro”).
Temáticas
• Imagética feminina;
• Sentimento da humilhação ligado ao erotismo da “mulher fatal”;
• Binómio cidade/campo;
• Poetização do real;
• Questão social associada ao realismo e naturalismo;
• Movimento deambulatório do poeta pelas ruas da cidade.
Corrente literária
Modernismo: conjunto de correntes e escolas que revolucionaram as conceções artísticas no mundo ocidental,
na primeira metade do século XX.
O modernismo português está associado à publicação da revista Orpheu (1915) e ao grupo homónimo- grupo
dos que estiveram ligados à publicação de Orpheu e ao surgimento de um movimento artístico que pretendia
romper com a tradição (Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Alfredo Guisado, entre outros).
Poesia ortónima
Poesia do ortónimo: do grego «orthónymos», significa «nome verdadeiro, real». É o conjunto de poemas cuja
autoria é identificada com o nome real, verdadeiro, do autor- Fernando Pessoa.
Temas
1. Fingimento artístico: o poeta não expõe diretamente as
suas emoções- a «dor», que «deveras sente»- na obra.
O poeta finge (imagina artisticamente) as emoções 1. Lirismo: expressão do “Eu”;
apresentadas no poema. Distancia-se daquilo que 2. Poesia eufónica: sonoridades
agradáveis e ritmos melódicos, marcada
sentiu efetivamente, poesia sinceridade. Se o poeta é
por rimas internas (assonâncias e
o criador, fingindo as emoções que o poema apresenta,
aliterações);
o leitor é o responsável pela interpretação. Ele 3. Encavalgamento: passar o ritmo de um
experiencia emoções que o poema desencadeou; verso para o outro.
2. Dor de pensar: surge o tema da consciência da existência- os que têm esta consciência são superiores
aos demais. A consciência torna-se um problema quando se converte na omnipresença da razão: o eu
passa a refletir constantemente sobre toda a realidade e acerca das suas próprias emoções.
Intelectualizando as emoções, o poeta deixa de conseguir sentir verdadeiramente. Uma vez que a
consciência traz infelicidade, o eu vai aspirar à inconsciência. Acredita poder libertar-se assim da dor de
pensar. Contradição profunda: o eu deseja ser inconsciente, mas só é verdadeiramente feliz tendo
consciência dessa felicidade- e a consciência anula a felicidade. Não existe solução para a dor de pensar;
3. Infância: existe uma perspetiva profundamente negativa acerca do presente- associado à infelicidade, à
fragmentação, à deceção e à ausência de sentido para a existência. A infância surge como período
evocado e idealizado. A infância torna-se um símbolo. Representa:
• A identidade não fragmentada;
• A inconsciência;
• A existência não contaminada pela omnipresença da razão;
• A possibilidade de alcançar a felicidade.
Evocar a infância não é solução para os problemas do presente. A infância idealizada não existiu, tendo
resultado de uma tentativa ilusória de reconstruir o passado.
4. Sonho e realidade: Oposições que surgem na poesia do ortónimo:
• Sonho vs sono;
• Ideal vs real;
• Desejo vs realidade.
O sonho representa a possibilidade de encontrar a felicidade:
• Negar o vazio e o tédio;
• Encontrar a plenitude;
• Recuperar um bem perdido;
• Ser aquilo que não se é no presente.
Consciência dolorosa da realidade. O poeta, dominado pela reflexão incessante, admite que a existência
sonhada traz um estado de perfeição ilusório: o sonho não resolve insatisfações e não é sinónimo de
felicidade.
Poesia heterónima
Poesia do heterónimo: do grego «héteros», «outro; diferente» + «ónyma», por «ónoma», «nome», significa
«nome diferente». Refere-se a uma personalidade criada por um autor, com qualidades e tendências próprias,
claramente distintas das desse autor. É o conjunto de poemas cuja autoria é atribuída às personalidades criadas
por Fernando Pessoa.
Alberto Caeiro
1. Biografia:
• O mestre;
• Nasceu em 1889, em Lisboa;
• Os seus pais morreram cedo;
• Viveu quase toda a sua vida no campo;
• Quase não teve educação (apenas a instrução primária);
• Não teve profissão, vivendo de pequenos rendimentos;
• Vivia com uma tia velha, tia-avó;
• Morreu em 1915;
• De estatura média, muito frágil (embora não o aparentasse), cara rapada, louro sem cor, olhos
azuis;
• Apresenta uma poesia bucólica, escreve mal, a sua poesia surge associada à inspiração;
• Inspiração.
2. Temas e ideias:
• Poeta guardador de rebanhos: apresenta-se como um «guardador de rebanhos». O conjunto
das sensações que vai recolhendo quando deambula no seio da Natureza é o seu «rebanho»;
• A procura do real objetivo: deseja ver tudo o que o rodeia de forma objetiva, como se fosse a
primeira vez;
• O mundo como realidade física- valorização da perceção sensorial: elege a perceção sensorial
como meio privilegiado de conhecer o mundo, pois, para ele, só existe a realidade física;
• Conhecer como uma criança: o mundo é sempre diferente e múltiplo. Por isso, deseja ter o olhar
de uma criança, para captar a novidade essencial do mundo;
• Rejeição do pensamento da filosofia racional e da metafísica: pensar é «estar doente dos olhos».
Por isso, pensa com os sentidos: vendo e ouvindo. Para ele, «pensar é não compreender»;
• A natureza como modelo/Ser o verdadeiro poeta da natureza: deseja viver de acordo com ela,
existindo de forma tranquila, simples e serena;
• É o mestre: representa a mundividência pagã- regresso a um estado primordial de harmonia
entre o Homem e a Natureza. Para além disso, ele traz a cura para a doença do pensamento- a
solução para os problemas existenciais e filosóficos que afligem o ortónimo e os heterónimos.
3. Estilo e linguagem:
• Ausência de preocupações estilísticas;
• Versilibrismo e liberdade formal;
• Sugestão de espontaneidade;
• Aproximação à fala do quotidiano, pela construção de um discurso fluente e simples;
• Pouca adjetivação, predomínio de nomes, uso de verbos no presente do indicativo ou no
gerúndio;
• Simplicidade de recursos estilísticos;
Ricardo Reis
1. Biografia:
• Nasceu no Porto, em 1887;
• Foi educado num colégio de Jesuítas;
• É um latinista por educação alheia e um semi-helenista por educação própria;
• É médico;
• Exilou-se voluntariamente no Brasil em 1919, por ser monárquico;
• Um pouco mais baixo do que Alberto Caeiro, mais forte do que Alberto Caeiro, seco, cara rapada,
de um vago moreno mate.
• Surge após uma «deliberação abstrata que subitamente se concretiza numa ode», preconiza um
falso paganismo, tem um lado intelectual e um lado pagão, escrevia melhor do que Pessoa
ortónimo, mas com um purismo que este considerava exagerado;
• Deliberação.
2. Temas e ideias:
• Influência da cultura greco-latina: foi educado num colégio de Jesuítas, onde recebeu profundas
influências da cultura greco-latina;
• Escrever à maneira dos clássicos: cultiva a ode (subgénero caracterizado pelo estilo eloquente,
solene e elevado) e inclui nos seus poemas referências a divindades, símbolos e conceitos da
cultura clássica;
• O poema como conjunto de ensinamentos: veicula, em poemas de tom sentencioso e exortativo,
princípios da moral epicurista e estoica (filosofias que tiveram origem na Antiguidade Clássica);
• Epicurismo e estoicismo:
→ Epicurismo:
Fruição do prazer, mas segundo o ideal da moderação;
Cultivo da ataraxia (distância e imperturbabilidade), como forma de afastar os
medos que atormentam a existência humana (sofrimento, passagem do tempo,
morte);
Prática da máxima carpe diem — fruição do momento presente;
Vivência da aurea mediocritas, numa existência simples, moderada e em
contacto com a Natureza.
→ Estoicismo:
Contenção, autodisciplina e autocontrolo;
Indiferença perante as paixões e os sentimentos intensos, como forma de evitar
ceder à força dos impulsos;
Cultivo da apatia (estado de indiferença e ausência de sofrimento, permitindo
enfrentar com determinação as adversidades e a própria morte) e da ataraxia;
Defesa da aceitação racional do destino.
• Transitoriedade e fugacidade: a sua filosofia de vida visa afastar medos e terrores que
atormentam a existência humana. Também supõe a aceitação de que a transitoriedade e a
mudança (o devir), a fugacidade e a brevidade constituem a essência da vida;
• Aprender com Caeiro: aceita do Mestre Caeiro o paganismo espontâneo. Acredita nos deuses e
na sua presença no seio da Natureza.
3. Estilo e linguagem:
• Influência da cultura, da filosofia e da literatura greco-latinas;
• Construção de um estilo clássico, visível no vocabulário e na sintaxe latina;
• Estilo e linguagem subordinados ao propósito de veicular ideias lúcidas e disciplinadas;
• Tom sentencioso e carácter exortativo, evidenciados no uso do imperativo ou do conjuntivo.
Álvaro de Campos
1. Biografia:
• Nasceu em Tavira, no dia 15 de outubro de 1890 (às 13h30);
• Teve uma educação vulgar de liceu;
• Primeiro, estudou engenharia mecânica; depois, engenharia naval em Glasgow;
• Concluiu o curso de engenharia naval;
• Fez uma viagem ao Oriente numas férias, de onde resultou o poema «Opiário»;
• Aprendeu latim com um tio beirão, padre;
• Em 1935, estava em Lisboa, em inatividade;
• Alto (1,75 cm).
• Magro, um pouco tendente a curvar-se, cara rapada, entre branco e moreno («tipo vagamente
de judeu português»), cabelo liso e normalmente apartado ao lado, monóculo.
• Quando sente um impulso para escrever e não sabe o quê, verso irregular, escrevia
regularmente, mas com lapsos, evidencia um lado emotivo, «sensacionista», produziu
compilações de índole «escandalosa e irritante».
• Impulso.
2. Fases:
• Decadentista: exprime as ideias de tédio, cansaço, náusea e ausência de sentido da vida;
• Futurista: celebra a técnica, a velocidade e a força da civilização moderna, deseja experimentar
a multiplicidade de sensações que lhe estão associadas e abandona o paradigma aristotélico;
• Intimista: consciente do fracasso de todos os sonhos e aspirações, sente a nostalgia da infância
e exprime o vazio, a angústia, o cansaço, o ceticismo e a desilusão do presente;
3. Temas e ideias:
• Infância: tema associado à memória e à evocação. A infância desperta a nostalgia. Representa o
bem irremediavelmente perdido. A infância é o contraponto do presente infeliz, representando
um momento em que o poeta ainda não conhecia a dúvida nem a angústia existencial;
• Angústia existencial e ceticismo: poeta põe em causa as verdades que lhe são transmitidas e,
confrontado com a distância entre os projetos e a realidade presente, questiona o sentido da
vida. O ceticismo é a doutrina filosófica que defende a impossibilidade de o espírito humano
alcançar a verdade;
• Inadaptação- eu vs outros: sente-se um «doido», vivendo à margem da sociedade. Rejeita as
conceções e as teorias partilhadas pelos «outros». Sente-se incompreendido, apesar de afirmar
que detém um conhecimento profundo da natureza humana;
4. Estilo e linguagem:
• O desejo de uma nova poética, assente em novos pressupostos estéticos (fase futurista);
• Uma escrita que cede ao impulso do sentimento e da emoção;
• Verso geralmente longo, em estilo torrencial;
• Enumerações, exclamações, interjeições;
• Desvios sintáticos;
• Recurso à metáfora invulgar (que descreve estados de alma) e à ironia (construindo
autodescrições pessimistas ou suportando a crítica social).
Mensagem
1. Fernando Pessoa e os outros poetas:
• Fernando Pessoa e a poesia como «passagem a limpo»;
• Mensagem é, em certo sentido, uma «passagem a limpo», para uma versão moderna, d’Os
Lusíadas (a publicação do poema Camões (1825), de Almeida Garrett, marca o início deste
processo de mitologização);
• Em 1912, com 24 anos, Pessoa escreve na revista A águia:
→ “A nossa poesia caminha para o seu auge: o grande Poeta proximamente vindouro, que
encarnará esse auge, realizará o máximo equilíbrio da subjetividade e da objetividade.
[...] Supra-Camões lhe chamamos, e lhe chamaremos, ainda que a comparação implícita,
por muito que pareça favorecer, antes amesquinhe o seu génio, que será, não de grau
superior, mas mesmo de ordem superior ao do nosso ainda-primeiro poeta”.
2. Mensagem e Portugal:
• Mensagem é uma resposta(/leitura) «moderna» ao(/do) Poema de Camões;
• Em Mensagem, Pessoa propõe uma nova forma de pensar o que somos como Portugueses e o
que poderá vir a ser Portugal («Portugal» foi o primeiro título pensado para a obra Mensagem).
Ou seja: aquilo a que chamamos «identidade nacional» é reavaliado em Mensagem;
• Segunda metade do século XIX — momento em que os escritores refletem seriamente sobre o
que é Portugal.
3. O mito em Mensagem:
• Para Pessoa, o artista — e o poeta em especial — tem um papel muito importante na vida
cultural de uma nação. É ao poeta que cabe a criação de mitos;
• Em Páginas íntimas e de autointerpretação, encontramos um fragmento onde se lê: «Desejo ser
um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade.»;
• E na resposta ao inquérito Portugal, vasto império (1926, 1934), Pessoa afirma: «Há só uma
espécie de propaganda com que se pode levantar a moral de uma nação — a construção ou
renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. […] Temos,
felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa»;
• O mito é para Pessoa a «semente» de toda a possibilidade, o motor
da História, ou o poder de fecundar a realidade;
• A regeneração da Pátria depende da existência de um mito nacional.
4. A estrutura de Mensagem:
• Abrindo com uma proposição latina («Benedictus Dominus Deus Noster qui dedit nobis
signum»), a obra está dividida em três partes:
→ Brasão:
Tempo de preparação:
o Apresentação de figuras mitológicas e históricas que criaram Portugal;
o Estabelecimento da essência (nobreza) de Portugal- esta essência criou
obra no passado (Mar Português) e pode criar no futuro (O Encoberto);
Tempo da preparação para a construção do Império; a primeira parte da obra
apresenta a «caminhada da terra para o mar» como missão confiada a Portugal;
«Bellum sine bello» (A guerra sem guerra)- a epígrafe latina desta primeira parte
avisa-nos de que a nova Distância não se alcança pela força;
19 poemas, divididos em cinco partes (estrutura do brasão do Infante D.
Henrique, assumido como o brasão de Portugal:
o Os campos;
o Os castelos;
o As quinas;
o A coroa;
o O timbre.
→ Mar Português:
Tempo de realização e da queda: tempo em que se conquista um Império que
depois se perde; É preciso buscar uma nova Distância, um outro mar;
Epígrafe: «Possessio Maris» (Posse do mar).
→ O Encoberto:
Tempo de espera: tempo de esperança; espera-se a realização de um projeto
indefinível, transcendente, para lá do espaço e do tempo ( Pax in Excelsis), do que
é dado à razão humana conhecer.
Poemas divididos em três partes:
o Os símbolos;
o Os avisos;
o Os tempos.
5. A visão da História em Mensagem:
• Na História de Portugal, são destacadas «figuras de pensamento» de contemplação, dotadas de
uma capacidade visionária singular;
• A História de Portugal é pensada à luz de um plano de divino. O que somos
resulta de um ato de com-sagração, de algo que é predito por Deus;
• A figura D. Sebastião, Rei de Portugal: à distância de quase quatro séculos, Pessoa recria a
figura/o mito de D. Sebastião de modo a conciliar a ideia de que o Rei pôs a pátria em perigo
com o enaltecimento da sua loucura. Em Mensagem, D. Sebastião é o símbolo da loucura
positiva, da sede de infinito que caracteriza o ser humano que pretende ultrapassar a sua própria
natureza.
• É abandonada a ideia de um novo Império «feito de Matéria» — um império terreno a alcançar
pela ação bélica dos homens.
Modelos literários
• Lírico;
• Dramático;
• Narrativo:
→ Romance;
→ Epopeia;
→ Novela;
→ Conto;
→ Fábula;
→ Lenda;
→ …
Conto
Um conto apresenta:
• Extensão reduzida;
• Número de personagens reduzido:
→ Geralmente figuras estáticas, podendo identificar-se com personagens-tipo;
→ Podem fundir-se com o espaço.
• Concentração de tempo e de espaço;
• Ação simples ou poucas linhas de ação:
→ Raras pausas descritivas.
• Concentração de eventos;
• Unidade de técnica e de tom;
• Convívio entre géneros;
• Cruzamento de características;
• Não há contos puros;
• No conto tudo precisa de ser apontado num risco leve e sóbrio: das figuras deve-se ver apenas a linha
flagrante e definidora que revela e fixa uma personalidade; dos sentimentos apenas o que caiba num
olhar, ou numa dessas palavras que escapa dos lábios e traz todo o ser; da paisagem somente os longes,
numa cor unida;
Os poetas contemporâneos inserem-se na longa lista diacrónica de poetas da literatura portuguesa, com raízes
nos tempos da poesia trovadoresca e, inovando, perpetuam temas e formas que vêm da tradição literária
portuguesa.
Assim, temas intemporais como o amor, a vida, o humor, a crítica, a natureza, entre outros, são recuperados e
reescritos em formas poéticas tradicionais, mas também são vertidos em modelos experimentais
completamente inovadores.
Paralelamente a esta revisitação do passado, os poetas contemporâneos abordam temas marcadamente atuais.
Deste modo, a reflexão sobre a arte poética e a construção do poema, as diversas figurações do sujeito poético,
as representações do quotidiano e a recriação da tradição são as principais linhas temáticas que marcam a
poesia do fim do século XX e das primeiras décadas do século XXI.
Miguel Torga
É o pseudónimo literário do médico Adolfo Correia da Rocha. Natural de Trás-os-Montes, a sua obra reflete sobre
o telurismo (amor à terra natal), a condição humana, o papel do homem/poeta. Aborda, na sua poesia, as
contradições, que decorrem da luta permanente com o mundo, com as palavras e com Deus. Utiliza uma
linguagem sóbria, associada à terra (em oposição à linguagem marítima), insere numerosos símbolos bíblicos
e imagens cristãs e pagãs. É um dos maiores vultos da literatura portuguesa, tanto no plano nacional como a
nível internacional.
1. Representações do contemporâneo:
• Os poemas compostos contra o Estado Novo são expressão de uma profunda revolta contra a
ditadura;
• Os poemas mais recentes salientam o desalento do sujeito face a uma Pátria estagnada;
• Poesia fortemente marcada pelo telurismo, pelos lugares rústicos da paisagem portuguesa;
• Temáticas contemporâneas: a dor humana, a relação homem/Deus, a luta pela a afirmação da
dignidade humana, a comunhão com a natureza.
2. Tradição literária:
• A sua poesia é influenciada pelos mitos da Antiguidade clássica;
• A influência de Luís de Camões e de Fernando Pessoa é visível na obra Poemas Ibéricos, que
retoma várias figuras da História de Portugal;
• Miguel de Unamuno e Miguel de Cervantes terão sido os nomes de dois importantes vultos da
literatura espanhola que influenciaram a vertente iberista deste poeta;
• Miguel Torga retoma também temas da lírica trovadoresca nos seus Diários, cujas entradas são
muitas vezes constituídas por poemas;
• O poeta retoma temas/motivos da tradição literária com valor simbólico.
3. Figurações do poeta:
• O poeta é aquele que apresenta um olhar crítico e que se revolta até contra Deus;
• O poeta é aquele que sonha e que luta para alcançar o seu sonho;
• O poeta é aquele que não se conforma com a morte e que a ultrapassa através da escrita;
• O poeta é aquele que encontra a paz na fusão com a beleza da natureza;
• O poeta é aquele que procura a sua identidade.
4. Arte poética:
• A poesia, pela sua espontaneidade, está fortemente associada ao canto;
• A poesia é uma arma e uma forma de eternização e expressão plena;
• A poesia deve encantar e manter viva a capacidade de a humanidade sonhar;
• O processo da escrita é, por vezes, doloroso e decorre da inspiração proporcionada pela beleza;
• O poema é palco do drama da criação poética, é uma forma de procura da identidade original.
Eugénio de Andrade
Eugénio de Andrade é um poeta com um estilo particular, em que a exaltação do sensualismo e a afirmação da
corporalidade constituem vetores decisivos no seu trajeto poético. A vertente lírica da poesia eugeniana
vocacionada para o amor e para a natureza é indubitavelmente importante, no entanto, Eugénio foi também um
escritor atento às grandes causas dos anos 40 e os seus poemas não estão dissociados de um compromisso
com o seu tempo, embora numa vertente mais ética do que política. Eugénio de Andrade é o pseudónimo
literário de José Fontinhas.
1. Representações do contemporâneo:
• O Poeta, em alguns momentos, manifesta a sua opinião em relação ao País e ao mundo;
• Portugal é visto como um país fechado, com uma sociedade marcada pelas trevas e pela
crueldade;
• O poeta adota um posicionamento crítico face ao que considera errado no mundo;
• O poeta retoma da tradição o tema da Natureza, mas imprime-lhe uma vertente ecológica.
2. Tradição literária:
• A poesia de Eugénio de Andrade foi influenciada pela lírica trovadoresca, por Luís de Camões,
Cesário Verde, Camilo Pessanha (1867-1926), Vitorino Nemésio (1901-1978), Fernando Pessoa;
• Retoma temas como o amor, a natureza;
• A poesia eugeniana apresenta uma grande musicalidade, que vem desde a tradição dos
trovadores.
3. Figurações do poeta:
• O poeta é alguém que vive em comunhão com a natureza;
• O poeta é aquele que reverte o processo de envelhecimento através da escrita que permite a
evocação da infância;
• O poeta é alguém que dignifica o homem;
• O poeta é alguém com consciência da passagem do tempo;
• O poeta é alguém que celebra o amor e exalta o corpo.
4. Arte poética:
• A escrita é concebida como um trabalho de artesão, através de uma cuidadosa seleção e
combinação de palavras para obtenção do efeito desejado;
• A poesia é um constante processo de depuração da linguagem e de construção musicalidade.
Alexandre O’Neill
1. Representações do contemporâneo:
• A poesia de Alexandre O’Neill representa de forma irónica o Portugal e o povo português do seu
tempo, ou seja, maioritariamente, o Estado Novo:
→ Vida portuguesa da época;
→ Regime autoritário;
→ Ausência de liberdade individual e coletiva;
→ Mentalidade fechada;
→ Medo.
• Atitude crítica e corrosiva à realidade social e política da altura;
• Denúncia das medidas opressivas do regime;
• Existência estagnada de Portugal;
• Modo de vida medíocre;
• Mentalidade católica;
• Apatia e conformismo generalizados;
• Mentalidade e pequenez do povo;
• Atraso cultural;
• Isolamento em contexto de uma Europa civilizada;
• Felicidade e amor não se podiam concretizar.
2. Tradição literária:
• Alexandre O’Neill praticava uma poesia Surrealista. O Surrealismo propõe ideias literárias que
O’Neill convoca na sua poesia;
• Este movimento rompe com a tradição literária. Em Portugal dominava uma poesia
convencional e sentimental. Os surrealistas rebelam-se e praticam uma poesia de combate,
nomeadamente contra o regime;
• O’Neill luta por um homem novo e livre, sem convenções sociais;
• Na sua crítica mordaz e satírica, a poesia deste autor é seguida de uma herança literária que tem
como passado mais antigo as cantigas de escárnio e maldizer.
3. Figurações do poeta:
• O poeta analisa o mundo;
• O poeta tem intuições profundas sobre os problemas sociais, culturais e políticos;
• Representa na sua poesia os comportamentos sociais ridículos, a pequenez de um povo e o
autoritarismo do Estado;
• Deseja intervir na sociedade através da sua arte;
• Deseja ser agente de mudança social;
• Deseja despertar consciências;
• Quando se trata de aludir ao próprio Alexandre O’Neill o poeta é representado de forma
humorística e irónica.
4. Arte poética:
• Imaginação;
• Liberdade criativa;
• Subjetividade;
• Cultiva a poesia satírica de denúncia social e política;
• Recorre ao humor, à ironia e ao sarcasmo;
• Para romper com as tradições literárias, recorre a um tom coloquial que simula o nível
corrente da linguagem falada em que o eu poético se refere a um tu, estabelecendo uma
relação de proximidade;
• O discurso de Alexandre O’Neill aproxima-se em muitos casos da prosa demonstrando
que a linguagem de uma composição lírica não tem de ser retórica;
• A sua poesia não se prende a regras rígidas, nem a rimas, nem a métricas apertadas.
Título
Memorial do Convento
Epígrafes
Conceção da história da sociedade.
Resumo
O enredo de Memorial do Convento começa com a história de D. João V e D. Ana Maria Josefa, casal que depois
de dois anos juntos ainda não tinham filhos. Beata, quando finalmente consegue engravidar, a rainha relata o
ocorrido ao Frei António de São José; na posse dessa informação, este procura o rei para relatar uma suposta
premonição da vinda de um herdeiro, mas que tal graça seria alcançada apenas se um convento fosse
construído em Mafra. Esperançoso, D. João V faz a promessa de construir o convento caso a rainha
engravidasse.
A construção do convento vitimou vários operários, entre eles o irmão de Baltasar, que morreu após cair de uma
janela. Baltasar, que também era um operário, conhece Blimunda, uma jovem que tinha o dom de ver o interior
das pessoas e captar as vontades dos moribundos, e por ela se apaixona.
O casal conhece o padre visionário Bartolomeu de Gusmão, e juntos dão início à construção de uma máquina
voadora que sobe em direção ao sol, a Passarola. Pela sua invenção pouco convencional, o padre passa a ser
perseguido pela Inquisição, motivo que o leva a fugir para a Espanha, sendo capturado e morto tempos depois.
Desamparados dos favores do padre e acusados de bruxaria, Baltasar e Blimunda escondem-se em Monte
Junto, Mafra, e um dia, ao fazerem a manutenção da máquina, Baltasar fica preso a um dos cabos que impede
o voo da passarola. O cabo rompe-se, o que faz com que a aeronave vá aos ares e depois despenque.
Após esse facto, Baltasar é capturado pela Inquisição- sem saber do paradeiro do seu amado, Blimunda passa
a procurá-lo, até que, depois de 9 nove anos de incansável busca, durante um auto de fé reconhece-o no
momento em que este está sendo conduzido à fogueira, condenado por bruxaria. Prestes a morrer, a vontade
de Baltazar desprende-se do corpo, sendo capturada pela sua amada Blimunda, a jovem com poderes
sobrenaturais.
Estrutura
Esta é uma metaficção historiográfica (romance pós-moderno):
Ação principal
A ação principal refere-se: à construção do convento, satirizando a relação entre o rei e a rainha; à construção
da passarola, elevando a relação amorosa entre Baltasar e Blimunda.
Ação secundária
Episódios da vida social, cultural e religiosa, ocorridos em Lisboa:
• Autos de fé;
• Procissão da Quaresma;
• Procissão Corpo de Deus;
• Tourada;
• Hábitos da corte.
Transgressões
Transgressão do código religioso:
• Sexo ritual protocolar para procriação vs sexo, entrega permanente e mútua de corpos e almas.
Transgressão ficcional:
Personagens
As personagens dividem-se em referenciais (históricas) e ficcionais.
As referenciais pertencem à História, representam a classe dominante e o alto clero, mas são objeto de sátira.
As ficcionais são as personagens criadas pelo autor que interatuam com as reais tornando-se verosímeis. São
símbolo do contrapoder, do amor, do sonho e da utopia. A personagem central do romance é o povo
trabalhador, maltratado e a viver em extrema pobreza.
Personagens principais:
• Baltasar;
• Blimunda;
• Padre Bartolomeu;
• D. João V.
Personagens históricas:
• D. João V;
• D. Maria Ana de Áustria;
• Padre Bartolomeu;
• Domenico Scarlatti.
Personagens fictícias:
• Baltasar;
• Blimunda.
Tempo
Tempo da história (diegese):
• A ação desenvolve-se num espaço temporal de, aproximadamente, 30 anos, com o início por volta de
1711;
• Existem referências importantes, como a bênção da primeira pedra do Convento de Mafra (1717) e a sua
sagração no 41º aniversário do rei D. João V (1730). Estas datas permitem situar cronologicamente a
narrativa;
• A ação termina em 1739, data em que a Blimunda encontra Baltasar num auto de fé em Lisboa,
juntamente com António José da Silva, o Judeu, que de facto foi executado nesse ano.
Tempo do discurso:
• O tempo do discurso é organizado pelo narrador e detetado no próprio texto, pela forma como relata os
acontecimentos;
• É apresentado através da ordenação linear da diegese ou por alterações da cronologia, por intermédio
de analepse (recuos) e prolepses (avanços).
Espaço
Espaço físico:
• Lisboa e Mafra são as cidades que servem de cenário à ação principal, embora as personagens passem
por outros locais e encontremos relatos no texto dessa passagem. Lisboa e Mafra são os macro espaços.
Mafra é o espaço que faz a ligação com os factos históricos;
• Os micro espaços relacionados com Mafra são o Alto da Vela (local escolhido para a construção do
Convento de Mafra), Pero Pinheiro (palco do episódio do transporte de uma grande pedra para o
Convento), Serra do Barregudo, Serra de Montejunto e Torres Vedras;
• Lisboa serve de palco e cenário das injustiças sociais. Relacionados com Lisboa existem micro espaços
que se destacam, tais como o Terreiro do Paço, o Rossio e São Sebastião da Pesqueira (local onde se
construiu a passarola).
Espaço social: é construído pelo relato de momentos e o percurso de personagens representativas de um grupo
social:
Os objetivos ideológicos da obra são a denúncia e a crítica às mortes durante a construção do convento de
Mafra e o excesso de riqueza e luxo da corte e da Igreja.
A crítica e sátira social é feita à religião, ao clero, às ordens religiosas, ao povo, à prepotência do rei e às
diferenças sociais. Trata-se de uma caricatura da sociedade portuguesa do tempo de D. João V.
Linguagem e recursos
• Discurso barroco, de acordo com a época retratada: anáforas, enumerações, jogo de palavras, períodos
longos, usando apenas o ponto e a vírgula;
• Discurso subversivo no conteúdo e na forma, quer pelo narrador omnisciente, quer pela focalização
interna;
• Uso de provérbios ou a sua paráfrase;
• Envolve o narrador na narrativa.