Livro Atas XXIX Encontro AULP 2020

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Arte e Cultura na

Identidade dos Povos


XXIX Encontro da
Associação das Universidades
de Língua Portuguesa
LISBOA, Portugal, 2019
XXIX Encontro
Associação das Universidades de
Língua Portuguesa

PORTUGAL, LISBOA, 2019


FICHA TÉCNICA

Título
ARTE E CULTURA NA IDENTIDADE DOS POVOS

Editor
Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP)

Coordenação editorial
Cristina Montalvão Sarmento
Pandora Guimarães
Patrícia Oliveira

Design capa e contracapa


João Quaresma (autor)
EUROPRESS (design gráfico)

Montagem dos textos e arranjo gráfico


EuropressLab

Recolha de textos e lista de participantes


Sandra Moura

Revisão dos textos


Patrícia Oliveira
Sandra Moura
João Gama

Impressão e acabamento
Europress - Indústria Gráfica

Tiragem
300 exemplares

ISBN
978-989-8271-20-4

Depósito Legal
465506/19

Fotografia de capa e contracapa (panorâmica de Lisboa vista a partir da margem sul do Tejo,
sobre a Ponte 25 de Abril) por João Quaresma, 2016.
Os artigos publicados nesta edição são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Escritos em língua
portuguesa, estes representam variantes da língua consoante o país de origem.
Arte e Cultura na Identidade dos Povos

XXIX Encontro
Associação das Universidades de Língua
Portuguesa

PORTUGAL, LISBOA, 2019


ÍNDICE

LISTA DE PARTICIPANTES .......................................................................... 15

SESSÃO DE ABERTURA

Discurso de S. Ex.ª o Presidente da Associação das Universidades de Língua Portuguesa


e Magnífico Reitor da Universidade Mandume Ya Ndemufayo
Professor Doutor Orlando Manuel José Fernandes da Mata ................................... 23

Discurso de S. Ex.ª o Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa


Professor Doutor Elmano Margato ................. .......................................................... 27

Discurso de S. Ex.ª o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal


Professor Doutor Manuel Heitor ............................................................................... 31

TEMA I – Arte e Cultura

Arte, cultura e identidade em sociedades disruptivas


Francisco Noa, Universidade Lúrio ........................................................................... 35

A Heráldica e a falerística do Politécnico de Lisboa: um exemplo de cultura e arte


Paulo Morais-Alexandre, Instituto Politécnico de Lisboa ......................................... 47

As músicas de resistência e dahur dos timorenses


Cipriana Dias e Irta Araújo, Universidade Nacional de Timor Lorosa’e .................. 59

Latências identitárias de ontem e de hoje na dança dos heróis simbólicos de Martha


Graham
Cristina Graça, Instituto Politécnico de Lisboa ......................................................... 71
O cinema negro como arte de afirmação ontológica na luta de imagem do ibero-ásio-
-afro-ameríndio: as relações étnico-raciais postas em questão
Celso Prudente, Universidade Federal de Mato Grosso ........................................... 83

O papel da educação na promoção da coesão social em Angola: desafios e perspec-


tivas actuais
António Julião, Universidade Katyavala Bwila......................................................... 93

Convergências políticas no cinema novo luso-brasileiro


Patrícia Oliveira, Universidade de Lisboa ................................................................. 101

Letramento cartográfico em práticas artísticas relacionadas à geografia


Jorge Silva, Universidade de Pernambuco ................................................................ 111

Laboratório de Artes na Montanha – Graça Morais: uma ponte entre o mundo local
e a aldeia global
António Meireles e Joana Baião, Instituto Politécnico de Bragança ........................ 117

Criação Coreográfica, interpretação contemporânea e mediação artística em dança


João Fernandes e Madalena Xavier, Escola Superior de Dança ............................... 123

Vivência Amazônica: aprendizados e culturas


Enaile Iadanza, Manoel Andrade et al., Universidade de Brasília ............ ................ 133

Visita de estudo ao Museu Nacional de Arqueologia de Benguela (MNAB): o despertar


de consciência dos estudantes dos 4º anos de licenciatura em história do ISCED-
-Benguela
Angelina Ngungui, Universidade Katyavala Bwila................................................... 139

Identidade e cultura digital: estudo de caso e-Otyioto em Angola


Rui Fraganito, Instituto Politécnico de Lisboa, e Alberto Wapota, Universidade Man-
dume Ya Ndemufayo .................................................................................................. 149

Armadilhas visuais: as “profecias” de Randolpho Lamonier


Maria Veneroso, Universidade Federal de Minas Gerais ......................................... 167

Fantasmagorias da modernidade
Vera Spínola, Universidade Federal da Bahia ..... ..................................................... 179

Questão de ethos, patos e logos na recepção de casamento timorense


Miguel Maia dos Santos, Universidade Nacional Timor Lorosa’e ........................... 189
Efuko “Festa da Puberdade” sua importância na educação das meninas do grupo
etnolinguístico Nyaneka Nkhumbi na Huíla
Bernardo Camunda e Georgina Figueiredo, Universidade Mandume Ya Ndemufayo . 197

TEMA II – Saúde e Tecnologia

O impacto das tradições culturais, mitologias e tabús nos programas de educação


sexual na África Meridional
Martha Nyanungo e Manguvo Angellar, Universidade Metodista de Angola ........... 207

Incidência da Hepatite B nos pacientes atendidos no centro médico Israel no Muni-


cípio do Cazengo província do Cuanza Norte de Janeiro a Junho 2018
Ndombasi Sebastião, Universidade Kimpa Vita ........................................................ 219

Doenças graves e soluções curativas na sociedade timorense de Timor-Leste: cruzar


o saber local e saber moderno
Vicente Paulino, Irta Araújo, Miguel Santos, Universidade Nacional Timor Lorosa’e 223

Alimentação coletiva e cultura alimentar regional: reflexões a partir da análise do


cardápio de um restaurante universitário em Salvador, Brasil
Celina Alonso, Virgínia Machado, Carlos Lira et al., Universidade Federal da
Bahia ............................................................... ........................................................... 243

O alcoolismo e seus impactos em adolescentes nos bairros de São Filipe e Tala-Hady


no Município do Cazengo da Província do Cuanza Norte nos anos de 2016 e 2018
Pedro Vita, Universidade Kimpa Vita ....................................................................... 251

Cuidadores e assistentes pessoais. Profissões no espaço lusófono


José Manuel Silva, Escola Superior de Saúde de Santa Maria ................................. 261

A diversidade na escolha dos Cursos de Engenharia na região de Lisboa


Manuel Matos, Politécnico de Lisboa ....................................................................... 265

Dependência tecnológica dos países subdesenvolvidos (caso de Angola)


Kinsumba António, Universidade Kimpa Vita .......................................................... 275

Estratégias e tecnologias sociais de promoção da saúde em comunidades tradicio-


nais de terreiro em Sergipe
Clécia Ferreira, Ilzver Oliveira, Érica Chagas et al., Universidade de Tiradentes .... 283
Disfagia em doentes pós acidente vascular cerebral: contributos dos enfermeiros
especialistas em enfermagem de reabilitação
Rosa Martins, Nélia Carvalho, Susana Batista et al., Instituto Politécnico de Viseu .... 291

Caracterização dos conhecimentos, atitudes e práticas clínicas dos profissionais da


saúde angolanos diante das mordeduras por serpentes
Paula Oliveira, Universidade Katyavala Bwila ......................................................... 299

A influência do clima tropical na operação de um sistema de células solares fotovol-


taicas de películas finas de amorfo silício em Angola
Mateus Neto, Universidade Agostinho Neto .............................................................. 303

A Rede de Estudos Ambientais dos Países de Língua Portuguesa: REALP: seus obje-
tivos e realizações
João Serôdio Almeida, Universidade Agostinho Neto, e Maria Manuela Morais, Univer-
sidade de Évora.. ........................................................................................................ 313

Educação das comunidades sobre a utilização dos rios como fontes de água para
consumo, com vista à promoção de saúde em Moçambique
Agnes Novela, Universidade Pedagógica ................................................................. 317

Reconhecimento das espécies de moluscos dulçaquicolas, sua distribuição na pro-


víncia do Uíge e o seu papel como vector de agentes patogénicos com repercussões
em saúde e na economia
Maria de Fátima, Isidora Quitoco, Cabita Menga et al., Universidade Kimpa Vita .. 323

Análise de dados climáticos e índice de vegetação na distribuição epidemiológica da


Malária no Município do Huambo (Huambo-Angola)
Isaú Quissindo e Virginia Quartim, Universidade José Eduardo dos Santos ........... 331

TEMA III – Educação e Coesão Social

O papel das Universidades na promoção da coesão social


Judite Nascimento, Universidade de Cabo Verde ..................................................... 341

Projeto UDI-África (Erasmus+) – Parceria com impacto no desenvolvimento de


capacidades e inovação do ensino superior da África lusófona
Patrícia Salgueiro, Rita Falcão, Anifa Assane et al., NOVA Lisboa .. ........................ 355
UERJ – Inclusão e diversidade como prioridade na educação
Cristina Furtado, Tânia Netto, Ruy Marques et al., Universidade do Estado do Rio de
Janeiro ....................................................................................................................... 367

O Projecto de Educação e Cidadania Fiscal na Lusofonia – os desafios do ensino da


fiscalidade e a internacionalização
Clotilde Palma, Instituto Politécnico de Lisboa ........................................................ 375

A diversidade cultural como princípio educativo contribui para a coesão nacional


angolana
Teresa Patatas, Agostinho Cachapa e Sebastião Tumitangua, Universidade Mandume Ya
Ndemufayo ................................................................................................................. 383

A realização do clítico no português falado em Angola


Natália Viti, Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela ...................... 391

Paisagens angolanas com vultos matemáticos, e outros académicos


José Oliveira, Maria Nobre Santos e João António Minga, Universidade de Évora. 401

Música na educação infantil: investigação das práticas pedagógicas musicais dos


professores de artes
Karen Nascimento, Jussara Rodrigues Fernandino e Sandro Sales dos Santos, Universi-
dade Federal de Minas Gerais .................................................................................. 441

A representação da mulher angolana na toponímia: um factor de coesão social


Nsambu Vicente, Instituto Superior Politécnico Atlântida ....................................... 453

A UTFPR e o IPB numa perspectiva de coesão territorial


Caroline Helmann e Luiz Pilatti, Universidade Tecnológica Federal do Paraná .... 461

Uma educação catalisadora de aprendizagens


Jorge Brito, Universidade Jean Piaget de Cabo Verde ............................................. 475

Ações, pesquisas e políticas linguísticas no CEFET-MG: propostas e desafios do


ensino e aprendizagem de Português como língua de acolhimento
Eric Costa e Marlúcia Alves, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais ......................................................................................................................... 479

Língua como elemento de coesão social: o caso da língua Umbundu em Angola


Joana Quinta, Universidade Katyavala Bwila ........................................................... 489
Colaboração luso angolana para formação de excelência em ciências do mar em
África
Maria Teodósio, Universidade do Algarve, Carmen Van-Dúnem Santos, Universidade
Agostinho Neto, e Filomena Velho, Instituto Nacional de Investigação Pesqueira e Mari-
nha, Luanda ............................................................................................................... 497

A internacionalização do IPBEJA; o caso particular da comunidade guineense: o


estudante no centro do processo
Paulo Cavaco, Instituto Politécnico de Beja ............................... ............................... 505

Aproximações entre as vicissitudes da escola pública em Cabinda (Angola) e no Bra-


sil: aspectos psicológicos e socioculturais
Isael Sena et al., Universidade Federal de Minas Gerais, Leandro de Lajonquière, Uni-
versidade de São Paulo, Marcelo Ricardo Pereira e Fátima Cardoso Gomes, Universida-
de Federal de Minas Gerais ...................................................................................... 507

A valorização da Língua Portuguesa em programa interinstitucional


Luiz Alberto Pilatti e Marizete Cechin, Universidade Tecnológica Federal do Paraná . 517

TEMA IV – COMUNICAÇÃO E POLÍTICA

Representação mediática do conteúdo dos dois primeiros discursos de João Lou-


renço
Gabriel Benguela, Universidade de Lisboa ............................................................... 529

Contributos da filosofia para o processo de reconciliação nacional em Timor-Leste


Martinho Borromeu, Universidade Nacional Timor Lorosa’e .................................. 539

Ações desenvolvidas pelo Instituto Superior de Ciências da Educação do Cuanza Sul


(ISCED CS), à luz dos convénios com algumas universidades brasileiras
Lourenço Sousa, Amélia Sakongo e Miguel António, Universidade Katyavala Bwila . 545

Que educação superior e conhecimento em ciências sociais e humanas no século


XXI? A experiência da AILPCSH e dos CONLAB
Ricardo Cardoso, Jacqueline Freire, Tiago Castela et al., AILPCSH – Associação Interna-
cional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa ................................. 551
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
Discurso de S. Ex.ª o Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa
Professor Doutor Elmano Margato ................. .......................................................... 561

Discurso de S. Ex.ª o Presidente da Associação das Universidades de Língua Portuguesa


e Magnífico Reitor da Universidade Mandume Ya Ndemufayo
Professor Doutor Orlando Manuel José Fernandes da Mata ................................... 565

Discurso de S. Ex.ª o Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de


Portugal
Professor Doutor João Sobrinho Teixeira ................................................................. 569
Lista de Participantes

ANGOLA João Francisco de Sousa Gaspar da Silva


Universidade Kimpa Vita
Albano Vicente Lopes Ferreira
Universidade Katyavala Bwila João Pongo
Escola Superior Pedagógica do Bengo
Albertino Candimba Sebastião
Universidade Técnica de Angola João Serôdio
Universidade Agostinho Neto
Angelina Lopes Luís Aguiares Ngungui
Universidade Katyavala Bwila Joana Quinta
Universidade Katyavala Bwila
António Afonso Bindanda
Universidade Técnica de Angola Jorge Manuel de Sousa Chaves
Instituto Superior de Ciências de Educação da Huíla
António Santana
Escola Superior Pedagógica de Bengo Jose Carlos Fernandes Alves de Lima
Universidade Mandume Ya Ndemufayo
António Valter Chisingui
Instituto Superior de Ciências de Educação da Huíla José Luís Mateus Alexandre
Instituto Superior de Ciências de Educação da Huíla
Bernardo Camunda
Universidade Mandume Ya Ndemufayo José Mateus Francisco
Universidade Lueji A’Nkonde
Carlos Andrade Neto
Universidade Agostinho Neto Kinsumba Pedro António
Universidade Kimpa Vita
Cláudia Maria Furtado Paulo
Universidade Kimpa Vita Lourenço Lino de Sousa
Universidade Katyavala Bwila
David Anjos Jacó Caunda
Universidade Mandume Ya Ndemufayo Maria da Conceição Barbosa Mendes
Universidade Katyavala Bwila
Ermelinda Monteiro Silva Cardoso
Universidade Katyavala Bwila Maria de Fátima
Universidade Kimpa Vita
Esperança da Costa
Universidade Agostinho Neto Mateus Manuel Neto
Universidade Agostinho Neto
Eurico Wongo Gungula
Universidade Óscar Ribas Martha Nyanungo
Universidade Metodista de Angola
Felizardo Tchiengo Bartolomeu Costa
Escola Superior Pedagógica do Bengo Natália Valentina Viti
Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de
Fleiras Pepe Rivelino de Gove
Benguela
Universidade Agostinho Neto
Ndombasi Afonso Sebastião
Georgina Tchilinga Dumbo Pequenino de Figueiredo
Universidade Kimpa Vita
Universidade Mandume Ya Ndemufayo
Nsambu Baptista Vicente
Isau Alfredo Bernardo Quissindo
Instituto Superior Politécnico Atlântida
Universidade José Eduardo dos Santos
Orlando Manuel José Fernandes da Mata
Joaquim Ferreira da Silva Tavares
Universidade Mandume Ya Ndemufayo
Instituto Superior de Ciências de Educação
Paula Regina Simões de Oliveira
João Domingos Cadete
Universidade Katyavala Bwila
Universidade Mandume Ya Ndemufayo
Pedro Magalhães Karen Luane Nascimento
Universidade Agostinho Neto Universidade Federal de Minas Gerais
Pedro Vita Luana Paixao Dantas do Rosário
Universidade Kimpa Vita Universidade Estadual de Santa Cruz
Rangel de Assunção Francisco Domingos Luis Mauricio Resende
Universidade Mandume Ya Ndemufayo Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Sónia Isabel Fernandes Barreto Burity da Silva Luiz Alberto Pilatti
Universidade Independente de Angola Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Teresa de Jesus Portelinha Almeida Patatas Maria do Carmo de Freitas Veneroso
Universidade Mandume Ya Ndemufayo Universidade Federal de Minas Gerais
Virgínia Lacerda Quartim Ricardo Cardoso
Universidade José Eduardo dos Santos Associação Internacional de Ciências Sociais e
Humanas em Língua Portuguesa
Silvia Virginia Luisa Maria do Amaral
Universidade José Eduardo dos Santos Sandra Regina Goulart de Almeida
Universidade Federal de Minas Gerais
BRASIL Tania Maria de Castro Carvalho Netto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Ana Paula da Silva Pena
Universidade Federal de Minas Gerais Vanessa Duron Latansio
Universidade Estadual de Santa Cruz
Aziz Tuffi Saliba
Universidade Federal de Minas Gerais Vania Gico
Centro Universitário do Rio Grande do Norte
Carlos Henrique Figueiredo Alves
Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Vera Maria Luz Spinola
Janeiro Universidade Federal da Bahia
Celso Luiz Prudente Waldenor Moraes
Universidade Federal de Mato Grosso Universidade Federal de Uberlândia
Clécia Lima Ferreira Wilson Risolia Rodrigues
Universidade Tiradentes Fundação Roberto Marinho
Constance Rezende Bonvicini
Universidade Federal de Minas Gerais CABO VERDE
Cristina Russi Guimarães Furtado Maria Madalena Duarte Almeida
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto Superior de Ciências Económicas e
Empresariais
Emmanuel Zagury Tourinho
Universidade Federal do Pará Jorge Sousa Brito
Universidade Jean Piaget de Cabo Verde
Enaile do Espírito Santo Iadanza
Universidade de Brasília Albertino Emanuel Lopes da Graça
Universidade do Mindelo
Eric Júnior Costa
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Graciano Emiliano Fernandes Nascimento
Gerais Universidade do Mindelo
Fernando Antonio Mencarelli Judite Medina Nascimento
Universidade Federal de Minas Gerais Universidade de Cabo Verde
Isael de Jesus Sena
Universidade Federal de Minas Gerais GUINÉ-BISSAU
Jorge José Araujo da Silva João Paulo Pinto Có
Universidade de Pernambuco Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
MACAU Ana Cristina Marques
Instituto Politécnico de Lisboa
Alan Norman Baxter
Universidade de São José Ana Cristina Perdigão
Instituto Politécnico de Lisboa
Augusto Teixeira Garcia
Universidade de Macau Ana Maria Bettencourt
Instituto Politécnico de Lisboa
Han Lili
Instituto Politécnico de Macau Ana Paula Laborinho
Organização de Estados Ibero-americanos
Henrique Fátima Boyol Ngan
Instituto de Formação Turística Ana Pipio
Universidade de Lisboa

MOÇAMBIQUE Anabela Graça


Instituto Politécnico de Lisboa
Agnes Clotilde Novela
Anabela Martins
Universidade Pedagógica de Moçambique
Instituto Politécnico de Bragança
Amalia Alexandre Uamusse
António Belo
Universidade Eduardo Mondlane
Instituto Politécnico de Lisboa
Arminda da Conceição Janfar Mucusse
António Fernandes
Instituto Superior de Formação, Investigação e
Instituto Politécnico de Castelo Branco
Ciência
António José Santos Meireles
Brazão Mazula Instituto Politécnico de Bragança
Instituto Superior de Formação, Investigação e
Ciência António Lousada
Ordem dos Engenheiros Técnicos
Cesar Palha de Sousa
Universidade Eduardo Mondlane Armando Pires
Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino
Cláudio Mungoi Superior
Universidade Eduardo Mondlane
Beatriz Fernandes
Duarte Jaime Xavier Tembe Instituto Politécnico de Lisboa
Academia de Ciências Policiais de Moçambique
Bernardo Rodrigues
Francisco Noa Associação Académica de Lisboa
Universidade Lúrio
Carla Ruivo
Jaquelina Maria Janfar Instituto Politécnico de Lisboa
Instituto Superior de Formação, Investigação e
Ciência Carlos Alberto Fonseca
Embaixador de Angola em Portugal
José de Jesus Mateus Pedro Mandra
Academia de Ciências Policiais de Moçambique Carlos Pires
Instituto Politécnico de Lisboa
Marisa Guião
Cláudia Valente
Universidade Pedagógica de Moçambique
Instituto Politécnico de Lisboa
Rodrigues Zicai Fazenda
Clotilde Palma
Instituto Superior de Formação, Investigação e
Instituto Politécnico de Lisboa
Ciência
Cristina Maria Pereira de Almeida Graça
Instituto Politécnico de Lisboa
PORTUGAL
Cristina Montalvão Sarmento
Alexandra Neves Associação das Universidades de Língua Portuguesa
Instituto Universitário da Maia
Daniel Pinheiro
Aline Pinelli Associação de Estudantes da Escola Superior de
Universidade de Aveiro Música de Lisboa
David Antunes Jeane Zaccarão
Instituto Politécnico de Lisboa DIGITALIS
Elisabete Lourenço João Fernandes
Universidade Lusófona de Humanidades e Instituto Politécnico de Lisboa
Tecnologias
João Monney Paiva
Elisabete Pinto da Costa Instituto Politécnico de Viana do Castelo
Universidade Lusófona de Humanidades e
João Nuno Calvão da Silva
Tecnologias
Universidade de Coimbra
Elmano Margato
João Pedro Coelho Gomes de Abreu
Instituto Politécnico de Lisboa
Instituto Politécnico de Lisboa
Ezequiel Fernandes
João Sobrinho Teixeira
Instituto Politécnico de Lisboa
Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e
Fabrícia Pereira Ensino Superior de Portugal
Instituto Politécnico de Santarém
Jorge Adelino da Costa
Fátima Raposo Universidade de Aveiro
Instituto Politécnico de Beja
José Carlos Gomes
Fernando Carmo Instituto Politécnico de Leiria
Instituto Politécnico de Lisboa
José Carlos Tiago de Oliveira
Fernando Carvalho Universidade de Évora
Instituto Politécnico de Lisboa
José Cavaleiro Rodrigues
Fernando Ferreira Pinto Instituto Politécnico de Lisboa
Universidade Católica Portuguesa
José Manuel Silva
Fernando Melício Escola Superior de Saúde de Santa Maria
Instituto Politécnico de Lisboa
José Sá Fernandes
Filomena Novo Câmara Municipal de Lisboa
Instituto Politécnico de Lisboa
Madalena Xavier
Francisco Ribeiro Telles Instituto Politécnico de Lisboa
Secretário Executivo da Comunidade dos Países de
Manuel Esturrenho
Língua Portuguesa
Instituto Politécnico de Lisboa
Gabriel Luciano Maria Benguela
Manuel Heitor
Universidade de Lisboa
Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Gonçalo Calado de Portugal
Universidade Lusófona de Humanidades e
Manuel Joaquim Coelho da Silva
Tecnologias
Fundação Jorge Álvares
Helena Figueiredo Pina
Manuel Matos
Instituto Politécnico de Lisboa
Instituto Politécnico de Lisboa
Hortense Infante
Manuela Ferreira
Instituto Politécnico de Lisboa
Instituto Politécnico de Viseu
Inês Boa Vida
Maria Cristina Palma
Salvar + Vidas
Instituto Politécnico de Beja
Isabel Ferreira
Maria João Centeno
Instituto Politécnico de Lisboa
Instituto Politécnico de Lisboa
Isabel Ximenes
Niall Power
1ª Vice-Secretária do Parlamento Nacional de
Universidade de Aveiro
Timor Leste
Orlando Rodrigues Rui Alberto Martins Teixeira
Instituto Politécnico de Bragança Instituto Politécnico de Viana do Castelo
Otília Reis Rui da Silva
Fulbright Portugal Vencedor PFMP 2018
Pandora Guimarães Rui Manuel Fialho Franganito
Associação das Universidades de Língua Portuguesa Instituto Politécnico de Lisboa
Patrícia Oliveira Rute Agostinho
OP/ISCSP-Ulisboa/AULP Instituto Politécnico de Lisboa
Patrícia Salgueiro Sandra Moura
Universidade NOVA de Lisboa Associação das Universidades de Língua Portuguesa
Paula S.A.R Senhor Duque de Bragança
Instituto Politécnico de Lisboa Fundação D. Manuel II
Paulo Costeira Sílvia Alves
Instituto Politécnico de Viseu Instituto Politécnico de Lisboa
Paulo Almeida Vanda Nascimento
Instituto Politécnico de Leiria Instituto Politécnico de Lisboa
Paulo Morais-Alexandre Zé Justino
Instituto Politécnico de Lisboa Instituto Politécnico de Lisboa
Pedro Dominguinhos
Presidente Conselho Coordenador dos Institutos SÃO TOMÉ E PRINCIPE
Superiores Politécnicos (CCSISP)
Agostinho Rita
Pedro Lourtie Instituto Universitário de Contabilidade,
Instituto Politécnico de Leiria Administração e Informática
Pedro Pinheiro
Instituto Politécnico de Lisboa TIMOR LESTE
Raúl das Roucas Filipe Célia Silva dos Reis Horta
Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril Universidade Nacional Timor Lorosa’e
Ricardo Oliveira Cipriana Santa Brites Dias
DIGITALIS Universidade Nacional Timor Lorosa’e
Ricardo Pereira Rodrigues Francisco Miguel Martins
Instituto Politécnico de Lisboa Universidade Nacional Timor Lorosa’e
Rita Cadima Jacinto Hermenegildo Soares Belo
Instituto Politécnico de Leiria Universidade Nacional Timor Lorosa’e
Rogério Rei Martinho Borromeu
Associação das Universidades de Língua Portuguesa Universidade Nacional Timor Lorosa’e
Rosa Martins Miguel Maia dos Santos
Instituto Politécnico de Viseu Universidade Nacional Timor Lorosa’e
SESSÃO DE
ABERTURA
Discurso de S. Ex.ª o Presidente da Associação das
Universidades de Língua Portuguesa e Magnífico
Reitor da Universidade Mandume Ya Ndemufayo

Professor Doutor Orlando Manuel José Fernandes da Mata

Excelência Senhor Professor João Sobrinho Teixeira, Secretário de Estado da


Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal;
Excelência Senhor Professor Elmano Margato, Presidente do Instituto Politécnico de
Lisboa;
Excelência Senhor Embaixador da República de Angola acreditado em Portugal,
Doutor Carlos Alberto Fonseca;
Excelência Senhor Secretário Geral da Fundação Roberto Marinho;
Excelência Senhor Director Executivo do Instituto Internacional de Língua
Portuguesa;
Excelência Senhor Presidente da Fundação Dom Manuel II;
Excelência Senhor Presidente do Conselho de Administração da Fundação Oriente;
Excelência Senhor representante da Fundação Calouste Goulbenkian;
Excelência Senhora Diretora da Organização de Estados Ibero-Americanos;
Magníficos Reitores e Presidentes de Instituições de Ensino Superior aqui presentes;
Caríssimos membros do Conselho de Administração da AULP;
Caros docentes, investigadores, discentes, convidados, minhas senhoras e meus
senhores.

Gostaria em primeiro lugar, em nome da Associação das Universidades de Língua


Portuguesa, de expressar os meus sinceros agradecimentos pela vossa presença e natural-
mente saudá-los.
Sejam bem-vindos ao XXIX Encontro da AULP.
A Associação das Universidades de Língua Portuguesa realiza o seu XXIX Encontro
Anual que este ano decorre sob os auspícios do Instituto Politécnico de Lisboa.
Este Encontro representa um retorno ao ponto de partida dos Encontros AULP, pois,
foi aqui em Lisboa, que teve lugar no ano de 1989, o Primeiro Encontro da AULP.
Lisboa é para nós (lusófonos) hoje um destino especial. Cidade descrita internacional-
mente como “um autêntico tesouro, repleta de história e cultura, que preserva a beleza e
o encanto antigos, local onde tiveram lugar alguns dos momentos mais marcantes da
História de todos os países aqui representados, é hoje o principal centro de convergência
de culturas dos povos que se unem por meio da Língua Portuguesa.

Excelências
O comprometimento que as Instituições membros da AULP têm, para com a missão
de promover a comunicação entre si, em prol do desenvolvimento coletivo do ensino e

XXIX Encontro AULP | 23


da língua portuguesa no mundo, permitiu-nos até ao momento, a realização exitosa de
vinte e oito Encontros, distribuídos por quase todos os países com Instituições a nós
afiliadas.
Hoje, eis-nos aqui uma vez mais, unidos pela história e pelo mesmo ideal, em torno
do qual nos reunimos anualmente, que é, a busca do reconhecimento, da importância e da
força desta comunidade de pessoas que falam a língua portuguesa e, sobretudo, que fazem
investigação e estudos superiores.
Assim sendo, continuamos a dedicar horas de reflexão em torno dos desafios do Ensi-
no Superior na Lusofonia, do papel das universidades na difusão da Língua Portuguesa, e
a promoção da cooperação entre os países membros da AULP.
Se por um lado a geografia nos divide por quatro continentes, África, América, Ásia e
Europa, é facto que tal divisão resulta de um passado comum, que nos remete para a gran-
de epopeia dos descobrimentos, por isso, para lá dessa divisão geográfica, existem mais
elementos que nos unem, do que aqueles que nos podem eventualmente separar. Por isso,
nada melhor do que termos como base de unidade e ponto de partida para o alcance dos
nossos desideratos, a nossa história comum, vivida e partilhada durante séculos.
É dentro desse espírito que resulta a ideia do tema para este XXIX Encontro da AULP:
“Arte e Cultura na Identidade dos Povos”.
Esta é mais uma ocasião para conjuntamente debatermos sobre a importância da arte
como ferramenta humana para a expressão de sentimentos e sensações, dentro dessa cul-
tura comum a todos os lusófonos, que se traduzirá, e definindo o conceito de cultura de
forma mais simples, num conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de
comportamento adquiridos e transmitidos socialmente.
Assim sendo, teremos a oportunidade de testemunhar aqui no Instituto Politécnico de
Lisboa, a apresentação da produção científica e dos resultados das novas tendências das
pesquisas voltadas para as vertentes da Arte e Cultura, Saúde e Tecnologia, Educação e
Coesão Social, Comunicação e Política.

Excelências
As universidades estão para servir, elas são no seu conjunto o principal sector de pro-
dução do elemento humano qualificado, que a sociedade definiu como a força motora
para o seu desenvolvimento. Por isso, a AULP procura fazer com as universidades da
lusofonia, por via da sua cooperação, partilhem os frutos da sua produção académica e
científica para que o desenvolvimento do espaço se processe com base nos padrões co-
muns a todos os países.
A cada ano que passa e em cada Encontro que organiza, a AULP segue demonstrando
que se consolidou como uma organização, que tornou real o sentido de unidade entre as
Instituições de Ensino Superior Lusófonas, fazendo com que os seus membros participem
activamente na construção de uma cultura científica e de estudos superiores com que to-
dos se identifiquem, sobretudo num mundo globalizado, onde as divergências de pontos
de vista são uma normalidade. Essa coesão e partilha que cultivamos, nos confere um
estatuto distinto, que se caracteriza pela capacidade que as instituições têm de produzirem
activos, que são uma mais-valia nos diferentes sectores dos nossos países, seja tecnológi-
co, comercial, diplomático-político, comunicação, cultural…

24 | XXIX Encontro AULP


Mas, mais do que palavras devemos mostrar tudo isso com acções, por isso apresento
como uma acção de êxito real, fruto dessa unidade, o Programa Mobilidade AULP, o
primeiro programa de mobilidade académica que abrange exclusivamente o intercâmbio
de alunos entre instituições dos países de língua oficial portuguesa e Macau, que resultou
das preocupações e debates que se desenvolveram na Associação em torno de um sistema
de transferência de créditos no espaço lusófono, pelo que este programa dispõe-se a pro-
mover a creditação e a qualidade das instituições, a internacionalização do ensino supe-
rior, a mobilidade académica, a formação de pós-graduação, de modo a que as instituições
de ensino superior estejam em pé de igualdade com outras, quer a nível dos países de
língua oficial portuguesa, como do resto do mundo.
Permitam-me dizer-lhes, e para que sirva de incentivo para a adesão de mais institui-
ções, que o programa de Mobilidade AULP alcançou já os 8 países, envolvendo 66 insti-
tuições de ensino superior dos países de língua oficial portuguesa e Macau (RAEM, Chi-
na) que mostraram interesse em fazer parte do mesmo, tendo disponíveis para os
estudantes mais de 344 projetos promovidos por 8 instituições de Angola, 19 do Brasil,
2 de Cabo Verde, 1 da Guiné-Bissau, 2 de Macau, 8 de Moçambique, 24 de Portugal, 1 de
São Tomé e Príncipe e 1 de Timor-Leste.
A divulgação da produção científica das nossas Instituições é outro aspecto que deve
concentrar a nossa atenção. As dificuldades resultantes de um contexto económico parti-
cularmente difícil, que afecta os países do nosso espaço, tem condicionado para alguns, a
implementação de iniciativas voltadas para a edição de publicações, sendo por isso perti-
nente incentivar as Instituições com essa carência, a prestarem mais atenção às publica-
ções AULP, e a aproveitarem a oportunidade para concretizarem intercâmbios com outras
que possuem uma experiência consolidada nesse ramo.
Termino agradecendo ao Instituto Politécnico de Lisboa, por albergar esse Encontro,
correspondendo com as expectativas em termos de uma organização exemplar.
Os nossos agradecimentos são também extensivos ao secretariado da AULP, que na
pessoa da professora Cristina Sarmento prestou todo apoio para a realização exitosa deste
Encontro.
Agradeço também a todas as outras entidades, pessoas anónimas, que contribuíram
para a realização do XXIX Encontro da AULP.

Muito Obrigado a todos.


Bem-haja!

XXIX Encontro AULP | 25


Discurso de S. Ex.ª o Presidente do
Instituto Politécnico de Lisboa

Professor Doutor Elmano Margato

Sua Ex.ª Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal,


Prof. Manuel Heitor
Exma. Sr.ª 1ª Vice-Secretária do Parlamento Nacional de Timor Leste, Dr.ª Isabel
Ximenes
Exmo. Sr. Embaixador de Angola em Portugal, Dr. Carlos Alberto Fonseca
Exma. Sr.ª Diretora da Organização dos Estados Ibero Americanos, Dr.ª Ana Paula
Laborinho
Exmo. Sr. Duque de Bragança, Presidente da Fundação D. Manuel II
Exmo. Sr. Presidente do Conselho de Administração da Fundação Oriente,
Dr. Carlos Monjardino
Exmo. Sr. Secretário Geral da Fundação Roberto Marinho – Brasil, Wilson Risolia
Rodrigues
Exmo. Sr. Diretor Executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa –
Cabo Verde, Dr. Incanha Intumbo
Exmo. Sr. Presidente da Associação das Universidades de Língua Portuguesa,
Magnifico Reitor, Prof. Orlando da Mata
Exmo. Sr. Representante do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas,
Magnífico Reitor da UBI, Prof. António Fidalgo
Exmo. Sr. Presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos de
Portugal, Ilustre Prof. Pedro Dominguinhos
Magníficos Reitores e Presidentes de Instituições de Ensino Superior de Portugal e
dos demais países de expressão Portuguesa
Exmo. Senhor Bastonário das Ordem dos Engenheiros de Portugal, Eng. Carlos
Mineiro Aires
Exmo. Senhor Bastonário da Ordem dos Engenheiros Técnicos de Portugal,
Eng. Augusto Guedes
Exmo. Sr. Representante da Agencia de Avaliação e de Acreditação do Ensino
Superior de Portugal, Prof. Armando Pires
Exma. Sr.ª Presidente do Conselho Geral do Instituto Politécnico de Lisboa,
Prof.ª Ana Maria Bettencourt
Exmos. Srs. dirigentes dos diferentes Movimentos Associativos Estudantis
Nacionais e do Politécnico de lisboa
Caros Convidados
Caros Colegas
Caros Estudantes
Minhas Senhoras e Meus Senhores

XXIX Encontro AULP | 27


É com enorme prazer que o Politécnico de Lisboa acolhe o XXIX Encontro da Asso-
ciação das Universidades de Língua Portuguesa – AULP.
Gostaria de começar por agradecer a presença, que muito nos honra, de Sua Ex.ª o
Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal, Prof. Manuel Heitor
que demonstra a inequívoca importância deste evento, quer no panorama político, quer
como contributo para uma sociedade cada vez mais alicerçada no conhecimento.
Ao Presidente da AULP, Magnifico Reitor da Universidade de Mandume Ya Ndemu-
fayo, Prof. Orlando da Mata, à Sr.ª Secretária Geral desta Organização, Prof.ª Cristina
Sarmento, bem como, a todos os Reitores e Presidentes das diferentes instituições de en-
sino superior aqui presentes, aos conferencistas, aos participantes e aos convidados, apre-
sento, em nome do Politécnico de Lisboa, as Boas Vindas ao “Campus de Benfica”, espe-
rando que todas as vossas expectativas em relação aos resultados que deste evento possam
advir sejam plenamente atingidas, senão mesmo ultrapassadas.
Este XXIX Encontro vem no seguimento de outros espaços de discussão e de partilha
organizados, quer no seio da AULP, quer no seio de outros grupos de instituições, sendo
de destacar, pela sua importância a 1ª Edição do Fórum dos Reitores das Instituições do
Ensino Superior da China e dos Países de Língua Portuguesa organizado pela Univer-
sidade de Macau e pela Universidade Católica de São José, tendo tido o nosso colega
Prof. Rui Martins, Vice-Reitor da Universidade de Macau, um papel de relevo.
Todos estes encontros visam promover a cooperação científica, técnica, cultural e
artística entre diferentes povos e culturas.
Conduzidos por esta ideia geral, escolheu-se para o XXIX Encontro o tema “Arte e
Cultura na Identidade dos Povos”.
Para além da língua oficial, que partilhamos, é a cultura própria de cada país, ou
região, e a arte, sua expressão maior, que caracterizam e identificam cada um dos nossos
povos.
É na assunção e na compreensão da nossa diversidade, na tolerância pela especificida-
de do outro, que advém a riqueza do espaço lusófono.
A este propósito permito-me citar Francisco Noa, aqui presente: “Só os espíritos tíbios
se atemorizam com os que não são como nós ou pensam diferente.”.
Conscientes deste cadinho de culturas aqui presente, assumindo-nos como um espaço
de liberdade, aberto e tolerante a diferentes convicções políticas, sociais, éticas e religio-
sas, acolhemos as diferentes instituições participantes neste Encontro e acarinhamos to-
dos os parceiros, na expectativa de, em conjunto e num espírito de empenhada coopera-
ção, contribuirmos para o desenvolvimento dos nossos países.
Aproveitando o conhecimento, as experiências ricas e diversas, de cada participante,
com humildade sem sobrancerias, partiremos, no fim deste encontro, mais ricos e mais
preparados para acolher e respeitar toda a nossa diversidade cultural e artística.
É nossa convicção que cabe à academia, longe das questiúnculas conjunturais e exó-
genas, com olhar no futuro distante, colocar o seu saber ao serviço dos nossos povos,
potenciando o seu desenvolvimento intelectual, científico, técnico, cultural e artístico.
Incrementar a mobilidade social através da promoção da equidade no acesso ao ensino
superior, que todos pretendemos de qualidade, permitirá a construção de sociedades mais
cultas, prósperas e mais justas na distribuição da riqueza produzida.

28 | XXIX Encontro AULP


Implementar a mobilidade académica entre as nossas instituições através do programa
“Mobilidade na AULP” constituirá um passo decisivo para uma maior aproximação entre
os nossos povos.
O Politécnico de Lisboa está empenhado em percorrer, em conjunto com os nossos
parceiros, o árduo caminho da criação de conhecimento novo, da criação artística nas suas
diferentes formas de expressão, em suma na contribuição proativa para o desenvolvimen-
to sustentável na sua expressão mais lata.
Sua Exª. Sr. Ministro Da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Caros Convidados
Caros Colegas
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Na expectativa de que os trabalhos que serão apresentados, neste XXIX Encontro da
AULP, no âmbito dos seus quatro subtemas:
– Arte Cultura;
– Saúde e Tecnologia;
– Educação e Coesão Social;
– Comunicação e Política;
possam despoletar a discussão académica, permitir a troca de experiências e estabelecer
vias de cooperação futura, não posso deixar de estimular, nos momentos próprios, o con-
tacto franco e informal durante todo o encontro.
Nesta linha organizou-se a Feira do Ensino, da Ciência, das Artes e da Cultura onde
estarão representadas 19 instituições de ensino superior.
Espero que neste espaço possamos conhecer melhor o que os parceiros da AULP pro-
duzem, em termos editoriais, potenciando a oportunidade de incremento da cooperação
entre as nossas instituições.
Por fim, quero agradecer a todos os conferencistas que com a apresentação das suas
comunicações e moderação das sessões consubstanciam este XXIX Encontro da AULP.
Faço votos de bom e profícuo trabalho em prol da aproximação dos nossos povos e do
seu desenvolvimento científico, técnico cultural e artístico.
O meu agradecimento ao Director da Escola Superior de Música, Prof. Miguel Henri-
ques, pela disponibilização deste magnífico espaço e aos Colegas e alunos desta Escola
pelo seu envolvimento nos momentos culturais.
O meu reconhecimento ao Presidente da Escola Superior de Teatro e Cinema,
Prof. David Antunes, e à Diretora da Escola Superior de Dança, Prof.ª Vanda Nascimento,
bem como aos docentes e alunos destas Escolas pela apresentação dos seus objetos artís-
ticos.
A AULP, o IPL e, estou certo, a cidade de Lisboa orgulham-se de acolher este presti-
gioso encontro académico do espaço lusófono.

Muito Obrigado

XXIX Encontro AULP | 29


Discurso de S. Ex.ª o Ministro da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior de Portugal

Professor Doutor Manuel Heitor

Bom dia a todos e antes de mais bem-vindos a Lisboa e a Portugal.

Queria endereçar uma palavra de agradecimento ao Presidente da AULP pelo convite


que me foi dirigido para estar presente neste encontro, tão carregado de simbolismo e
também um agradecimento especial ao Presidente do Instituto Politécnico de Lisboa pelo
acolhimento nestas magnificas instalações, pela organização deste evento e pela mobili-
zação do esforço para, em conjunto, pensarmos o futuro.
Gostaria de deixar uma mensagem de acolhimento, mas sobretudo de ambição para
o futuro porque certamente que a aposta no conhecimento, que é produzido nas universi-
dades e nos politécnicos, deve ser o nosso compromisso para o futuro. O nosso futuro,
entrelaça-se num desígnio comum a todos os povos. Todos tiramos proveito do entusias-
mo e dos benefícios da descoberta de novos conhecimentos, quando todos participamos
na aprendizagem e na aplicação produtiva desses conhecimentos.
Entre outros aspetos, interessa sobretudo considerar que num contexto de crescente e
contínuas fricções e transformações políticas, sociais, económicas e tecnológicas em todo
o mundo, e certamente nos Países de Expressão Portuguesa, particularmente associado às
alterações climáticas, a novos movimentos migratórios, às pressões demográficas e ao
crescimento acelerado sobretudo no Sul mas também ao envelhecimento acelerado no
Norte, nunca é pouco para recordar e aprofundar o debate sobre os princípios que o Ensi-
no Superior deve ensinar.
Os novos desafios, as ameaças, as oportunidades estão aí. Urge refletir sobre eles e
contribuir para a sua superação. O Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres,
ainda há menos de uma semana referia que temos, necessariamente, que preparar as novas
gerações para garantir o melhor compromisso entre aquilo que é a ambição justa e huma-
na do desenvolvimento económico com a necessidade absolutamente critica de preservar
a biodiversidade e as condições de vida no nosso planeta.
Acresce a este processo difícil e complexo, que sabemos que só pode ser resolvido
com mais conhecimento e com mais formação de todos – e por isso chamo a vossa aten-
ção para o papel inequívoco do Ensino Superior –, o processo paralelo de contínua e
acelerada transformação digital das nossas sociedades, que constitui uma oportunidade
particularmente relevante para o reforço do Ensino Superior e também para a formação e
a investigação em português, no sentido de promover competências digitais para todos e
de forma diversificada.
O Ensino Superior está também em contínua transformação e é importante, não ape-
nas fomentar o interesse nas formações tradicionais ou em todas as áreas do conhecimen-

XXIX Encontro AULP | 31


to, mas também promover a aprendizagem em sentido lato, em estreita articulação com
a atividade de investigação e inovação, inspiradora de um espírito crítico nas pessoas e
nos grupos para estimular formas modernas de cidadania global, providenciar e facilitar
ambientes multiculturais, multilinguísticos, preservando as culturas locais e a cultura em
português e sobretudo a língua portuguesa.
Neste sentido, este Encontro é particularmente importante para melhor pensar o Ensi-
no Superior nos Países de Expressão Portuguesa, em estreita articulação com os sistemas
de ciência, tecnologia e inovação, face a transformações que são globais e à necessidade
intrínseca de internacionalizar as nossas instituições. Pensar como trazer a produção
e difusão do conhecimento à população e aos jovens constitui também hoje um novo
estímulo, juntamente com os desafios que hoje se colocam ao desenvolvimento de
novas formas colaborativas entre as instituições de Ensino Superior dos nossos países e a
sua corresponsabilização reforçada pelo desenvolvimento científico, social, cultural e
económico.

32 | XXIX Encontro AULP


Tema I
Arte e Cultura
Arte, cultura e identidade em sociedades disruptivas

Francisco Noa
Professor de literatura e reitor da Universidade Lúrio

E nós? Temos nos sentido exponencialmente sendo passados para trás ou desatualizados?
Onde está o ser humano nessa história?
Como ele pode encontrar seu espaço nesse mundo em transformação? Onde ele pode se
destacar? Onde ele pode fazer a diferença? Qual a grande oportunidade?
Alessandro Gruber

Eu sempre digo que a vida não pode ser trabalhar a semana inteira e ir ao supermercado
no sábado. Não pode ser assim. Essa vida não é humana. Deve haver algo mais, mas aqui,
nessa vida. E essa outra coisa se chama cultura. É a música, a poesia, a natureza, a bele-
za... É o que se deve apreciar e aproveitar porque, caso contrário, isso é uma merda.
Juan Luis Arsuaga, paleoantropólogo

Introdução
Criámos e vivemos num mundo verdadeiramente desconcertante, tal é a rapidez, com
que ocorrem transformações fracturantes, por um lado, e se acumulam, por outro, situa-
ções paradoxais reveladoras de como os seres humanos parecem ter perdido o controlo
sobre o seu próprio percurso evolutivo. Ou, por outra, como se este tivesse ganho vida
própria e passasse a conduzir e moldar a nossa existência. São, por conseguinte, infindá-
veis as expressões desse desconcerto e de um profundo mal-estar que tem sido traduzido
por alguns dos espíritos mais destacados do nosso tempo.
Por um lado, temos a reveladora constatação de um generalizado e acentuado esvazia-
mento interior, caso de Lipovetsky (1993), com a era do vazio, ou do camaronês Achille
Mbembe (2016), com a lúcida, mas angustiada percepção de que o humanismo está che-
gando ao fim. Constatação já outrora avançada por Gianni Vattimo (2002), quando con-
cede que assistimos, hoje, ao crepúsculo da humanidade. Tudo isto, diante das quotidia-
nas demonstrações de niilismo, desigualdades globais com muito poucos tendo muito e
muitos tendo quase nada, com os conflitos sociais transformados em formas de racismo,
ultranacionalismo, sexismo, rivalidades étnicas e religiosas, xenofobia, homofobia e ou-
tras paixões exacerbadas e mortais.
Por outro lado, confrontamo-nos com expressões que traduzem sentimentos de um
esgotamento colectivo, expressas, por exemplo, por Byung-Chul Han, em A Sociedade do
Cansaço (2014), ou as indefinições, a ambiguidade e a aguda vocação pelo efémero da
sociedade contemporânea, como nos explica Zygmunt Bauman nas suas várias obras ao
redor da inovadora e desafiante ideia de modernidade líquida.

XXIX Encontro AULP | 35


Assistimos, também, ao regresso quase compensatório do conceito de comunidade
(local ou global) e que procura sobrepor-se ao de sociedade. Alain Touraine (2005), por
exemplo, propõe um novo paradigma conceptual e existencial ao defender a ideia de uma
pós-sociedade. Isto é, bem distante da convicção nietzschiana de os seres humanos
necessitarem da sociedade, razão da sua força e, por outro lado, alinhado na instituição
recente da ideia de pós-verdade. Esta que, por sua vez, nega a função edificante e congre-
gadora da informação no espaço público, sem esquecer o individualismo e o consumismo
obsessivo do nosso tempo.
E, finalmente, desembocamos na indagação inquietante provocada pelo crescente de-
sajustamento e descentramento do homem colocado perante a sua irrelevância iminente
face à preponderância da inteligência artificial, da interconectividade digital e da biotec-
nologia, como nos situa o historiador israelita Yuval Noah Harari nas suas 21 Lessons for
the 21st Century (2018).

O lugar e papel da arte, da cultura e das humanidades face à disrupção global


É verdade que hoje a referência a Marshall McLuhan está bastante esbatida e distante.
Sobretudo em relação à sua emblemática obra Understanding Media: the Extensions of
Man (1964), cujas ideias, apesar de controversas e objecto de alguma incompreensão,
tornaram-se indiscutivelmente inovadoras e premonitórias na abordagem dos impactos
das tecnologias de comunicação e informação no comportamento dos seres humanos e da
sociedade, em geral. Segundo ele, as tecnologias iriam afectar o modo como nos relacio-
namos ou percebemos o mundo que nos rodeia, amplificando ou acelerando esses mes-
mos processos, alterando a escala e o padrão das associações e dos actos humanos, com
sérias consequências psíquicas e sociais.
Hoje, mais de meio século depois destas pioneiras constatações e à luz das profundas
e vertiginosas transformações instituídas pelo desenvolvimento tecnológico, sobretudo
nos últimos trinta anos, são ineludíveis os sinais de que de facto quase tudo mudou quer
no nosso quotidiano quer no nosso imaginário.
Comecemos pelo simples registo de objectos que faziam parte do nosso dia a dia, e
que nos davam a confortante ilusão de que tinham vindo para ficar. Porém, num espaço
de tempo muito curto, tornaram-se obsoletos. Tais são, entre muitos, os casos do telefone
fixo, do fax, do walkman, da lista telefónica, das cassetes, das diskettes, dos DVDs, dos
CDs, etc. O advento recente dos smartphones, por sua vez, tem feito rapidamente esque-
cer as máquinas fotográficas, as enciclopédias e os dicionários impressos. E há já quem
vaticine que, dentro de muito pouco tempo, deixaremos de usar os pen drives, os discos
duros externos, câmaras digitais, dispositivos GPS, e outros afins e que preenchem o
nosso quotidiano.
E o mundo mudando à mesma velocidade que este aparato tecnológico vai mudando.
E colocando ao ser humano o desafio de rápida e permanentemente adaptar-se às inova-
ções que vão ocorrendo sem lhe dar sequer possibilidade de desfrutar minimamente de
algumas dessas inovações, apesar de que, em muitas partes do globo, não só não passam
ainda de uma referência distante, ou simplesmente não chegam sequer a ser conhecidas.
E a disrupção significa, por isso mesmo, uma nova realidade que emerge, alterando
tudo, mesmo que de forma deferida, e que não poupa ninguém. E, cada vez mais, pois a

36 | XXIX Encontro AULP


velocidade e o impacto global da digitalização têm cada vez mais empurrado o centro
para periferia e esta a ligar-se inexoravelmente ao centro.
Face à cada vez mais hegemónica presença, acção e autonomização das tecnologias
digitais e que vão, aparentemente, colocando o homem numa condição de marginalidade
vão se multiplicando indícios e manifestações de desconforto e pessimismo, como exem-
plificámos acima, diante da dissociação entre as máquinas e os seres humanos. Algo que,
para alguém como Mariella Combi (2006:4), não faz muito sentido pois

Technology is not only the machine itself but is the whole set of relationships between hu-
man beings, utensils and fields of knowledge. Another important feature of anthropological
theory is that it enables us to define culture as a set of communicative acts. Communication
is what allows groups and individuals to represent themselves and interact with the world
through norms and values.

Esta dimensão comunicacional, real ou potencial, acaba por encerrar em si própria


algo de dramaticamente controverso e perverso. Se é verdade que os seres humanos estão
por detrás da eclosão e afirmação hegemónica das tecnologias e do universo digital, estas,
à medida que se autonomizam, vão não só tornando irrelevante a intervenção humana,
mas também interferindo nas relações que eles estabelecem com as máquinas, como tam-
bém entre eles e consigo próprios. Hoje, mesmo quando aparentemente existem sinais em
sentido contrário, os comportamentos anti-sociais e as alterações neuropsicológicas entre
os seres humanos vão adquirindo dimensões extremamente preocupantes.
As mudanças de hábitos, a emergência de novas gestualidades – é manifesta a dimi-
nuição drástica, e a nível global, da existência de pessoas que não tenham nas mãos um
telemóvel, seja ele ou não um smartfone – a lista infindável de virtualidades, práticas,
vícios e perigos provocados pela internet, e tudo o que lhe está associado, vão impondo
uma nova configuração da vida humana, quer em termos privados quer públicos, amea-
çando de forma crescente a sua própria identidade.
Portanto, as novas tecnologias modificaram não só as relações mas também as percep-
ções de espaço, tempo e formas de comunicar. Os ilimitados e acelerados fluxos de infor-
mação, a sua rápida disseminação também sem limites, o número cada vez mais alargado
de pessoas de praticamente todas as latitudes que têm acesso a essa informação no tempo
real da sua produção e emissão, num intenso e vertiginoso exercício de simultaneidade e
virtual transparência, colocaram os seres humanos na virtual, mas ao mesmo tempo real
circunstância de ver esbatidas as distâncias e diferenças entre o local e o global, o privado
e o público, o próprio e o do outro:

When analysing theoretically the features of the artificial information contained in any lin-
guistic message, it becomes clear that this new society is not at all a society of reciprocal
understanding. This excessive communication is too often a symptom of self-expression
rather than the desire to really step into the shoes of another person (Combi, 7).

Daí que no entender da autora que temos estado a analisar, “the greater our awareness
of living in a global world, the more strenuous our defence of local identity is.” Este é,

XXIX Encontro AULP | 37


pois, um entendimento que inevitavelmente nos remete para a qustão das ameaças que se
colocam quer à diversidade cultural quer linguística.
Como, pois, preservar essa mesma diversidade num contexto em que a imersão no e a
sedução do mundo global, muitas vezes assente na indiferenciação e na homogeneização,
tem que se confrontar com a hegemonia de códigos linguísticos (o inglês), estéticos (a
moda), artísticos, intelectuais, que praticamente rasuram o direito e a possibilidade de ser
diferente, de ser específico?
Mas é diante desta nova conformidade despoletada pela explosão tecnológica, mais
particularmente dos dispositivos digitais, e que parece constranger a própria condição
humana, que coloca aos homens desafios e oportunidades sem fim, e que os obrigam a pôr
em campo todo o seu arsenal de emoções, conhecimentos, experiências, vivências e sen-
timentos.
Não podemos, pois, esquecer-nos que, apesar de tudo, o ser humano não deixa de estar
por detrás das estruturas, dos sistemas e dos programas informáticos, muitas das escolhas
nos acessos a esses programas continuam dependentes do factor humano, que as suas
preferências, experiências e sensibilidade gerem, em grande medida, a relação e o desem-
penho desses mesmo dispositivos. Daí que concordemos, uma vez mais, com Mariella
Combi (2006) ao conceder que “surfing the web is not a neutral or objective experience,
but is the result of decisions made by someone who knows how to exploit the expecta-
tions of the moment, who means to obtain some economic profit from this activity and
who maintains control of the information.”
Há outros aspectos significativos referenciados por Combi, e que devem ser devida-
mente tidos em conta, como sejam a desterritorialização e descontextualização propicia-
das pela web, o tempo ao mesmo acelerado e contínuo que cancela o limite entre passado
e futuro como se o presente fosse infinitamente contínuo, a inexistência de intervalos para
o recolhimento, o silêncio, ou isolamento que deveriam ser dedicados à reflexão e à ima-
ginação.
Tal como a falta de oportunidade para avaliar a seriedade de um problema ou hierar-
quizar prioridades, visto que a pressa é inquestionável e incontornável.
Na mesma linha, inscreve-se a falta de preocupação com a veracidade de uma infor-
mação, que legitimam as famigeradas fake-news, que melhor definem a sociedade da
pós-verdade, bem como alguns traços identificadores da chamada geração dos nativos e
dependentes digitais (nascidos sobretudo nos anos 90) como sejam a impunidade, as múl-
tiplas e problemáticas identidades, a possibilidade de anonimato, narcisismo, autopromo-
ção, individualismo exacerbado, reduzido sentido de responsabilidade e de risco, consu-
mismo sem limites e distorcida percepção do tempo.
A dependência aos aplicativos (apps) não só acelera a alienação dos espíritos em rela-
ção ao mundo real, como também concorre para a automatização e codificação dos pro-
cessos de obtenção de soluções invariavelmente rápidas, pré-configuradas e adequadas ao
momento.
A generalizada constatação dos múltiplos e desafiadores impactos provocados pelas
tecnologias e pela acelerada e desestruturante digitalização da informação e da comuni-
cação têm orientado debates e reflexões em diferentes fóruns que tendem a multiplicar-se
um pouco por todo o lado em que são recorrentes inúmeras questões, muitas vezes sem

38 | XXIX Encontro AULP


respostas imediatas. Um desses fóruns foi, por exemplo, o seminário intitulado “Culture,
Criativity and Artificial Inteligence (E-relevance of Culture in the Age of AI)”, que teve
lugar, ainda muito recentemente, em Rijeka, na Croácia, nos dias 12 e 13 de Outubro de
2018.
Aí foram levantadas questões tão acutilantes, tão transversais e tão actuais, como as
que se seguem: como é que a cultura pode manter o seu importante papel de iluminação
num momento em que a Inteligência Artificial (IA) já impacta fortemente (e de facto cria)
a cultura? Pode ela contribuir para um futuro tecnológico mais humano e centrado no ci-
dadão, propondo e desenvolvendo conceitos alternativos? Como a IA tem impacto na
percepção da singularidade e genialidade humana, no papel dos artistas e na propriedade
intelectual?
Tão antiga como a arte é a reflexão sobre a sua função na sociedade. Se até aos finais
do século XIX, quer a produção artística, quer o discurso metartístico, sobretudo no Oci-
dente, assentavam em pressupostos dominados por uma relativa estabilidade de referên-
cias e de valores sejam eles estéticos, culturais, éticos, políticos ou filosóficos, as últimas
décadas do século XX significaram uma reviravolta de todo esse campo referencial. Em
especial, o que eles representavam numa lógica de integridade, estabilidade e regulação.
Em sociedades, também elas cada vez mais disruptivas, incluindo as africanas apesar
de que aí o acesso às tecnologias é sempre mais tardio, em que medida a cultura, a arte e
a questão identitária se inscrevem na possibilidade, ou não, do resgate de uma condição
humana por todos os lados ameaçada?
Aliás, esta é a questão que, como nos referimos anteriormente, tem sido colocada de
forma sistemática, directa ou indirectamente, por filósofos, sociólogos, antropólogos,
gestores e outros especialistas das ciências sociais, e não só, diante do acentuado protago-
nismo das tecnologias, sobretudo as de comunicação e informação: afinal, onde está o
homem? Qual o lugar e o papel que lhe cabe, por conseguinte, em todo este movimento
simplesmente esmagador?
Analisando a sucessão de disrupções causadas por todos esses fenómenos verdadeira-
mente revolucionários da era digital, é notório que os impactos se fazem e se farão sentir,
cada vez mais, na vida íntima e colectiva das pessoas, no seu quotidiano e no seu imagi-
nário.
E o caudal das convulsões a diferentes níveis é tão acentuado que a grande questão é
saber até que ponto os seres humanos desenvolverão capacidade adaptativa e resistência
emocional para não sucumbir diante das exigências tecnológicas do nosso tempo. É face
a isso que emerge a legítima interrogação: “Assim, se os seres humanos não fazem falta
nem como produtores nem como consumidores, o que vai salvaguardar a sua sobrevivên-
cia física e o seu bem estar psicológico” (Harari, p. 60).
Num artigo intitulado “O ser humano terá lugar no mundo disruptivo que vem por
aí?”, quase que no mesmo fio condutor do pensamento questionador de Harari, o brasilei-
ro Alessandro Gruber (2017) levanta também a questão sobre como pode o homem en-
contrar o seu espaço nesse mundo em transformação, e também como e onde ele se pode
destacar e, sobretudo, como pode ele fazer a diferença.
Curiosa e talvez paradoxalmente, a resposta, face a todas estas angustiadas perplexi-
dades, esteja, entendemos nós, no resgate do próprio percurso do homem ao longo da

XXIX Encontro AULP | 39


história rastreando e reflectindo sobre as experiências e conhecimentos acumulados, entre
desaires e triunfos, desejos e frustrações, superação e fracasso, ousadia e temor, grandeza
e precariedade, liberdade e recalcamento.
E o território, por excelência, onde todas essas experiências que marcaram a trajectó-
ria da humanidade e todas as suas circunstâncias foram representadas, recriadas e subli-
madas, é seguramente o da cultura, em geral, e da arte, em particular.
Num artigo intitulado “The Role of Art in Digital Society – the Significance of Media
Art”1, Machiko Kusahara, professora da Faculty of Letters, Arts and Sciences, da Waseda
University, no Japão, analisa as inúmeras possibilidades trazidas pela era digital e consi-
dera que muitos artistas têm sabido tirar um proveito inesgotável em relação ao ela apeli-
da de “media art”, ou seja, arte que se realiza através dos meios digitais.
Essas obras de arte usam tecnologias prontamente disponíveis na ponta dos dedos,
bem como tecnologia de ponta desenvolvida em laboratórios ou até mesmo tecnologias
antigas e esquecidas. Explorando novos sentidos criativos e críticos, este tipo de arte
expande não só a ideia que temos de criação artística como dos usos ilimitados da tecno-
logia em seu próprio benefício bem como da imaginação e da sensibilidade humanas.
A realidade é, assim, a todo o momento inventada e reinventada, desafiando todos os seus
limites, tal como ensinava Soren Kierkgaard, no século XIX, quando falava da omnipo-
tência da possibilidade.
Debaixo desta lógica que contraria o fatalismo e pessimismo que tomaram de assalto
diferentes sensibilidades, encontramos também reacções institucionais a vários níveis que
exprimem uma espécie de pragmatismo iluminado. Surgem, assim, projectos de pesquisa
científica em diferentes universidades que, entre outros aspectos, e num enfoque interdis-
ciplinar, envolvendo áreas de conhecimento tão diversas como engenharia informática,
antropologia, psicologia, linguística, história, exploram, por exemplo, a relação dos seres
humanos com as tecnologias, ou muito em particular, a percepção dos homens em relação
ao comportamento dos robots.
Ou, então, assistimos ao desenvolvimento de projectos de investigação que têm como
alvo problemas sociais no contexto dos desafios tecnológicos e digitais. Além das pesqui-
sas sobre factores sociais, outras incidem na compreensão e explicação dos aspectos psi-
cológicos, neuropsicológicos e genéticos bem como do desenvolvimento humano e dos
processos educacionais na sociedade digital.
Novos campos de estudo vão surgindo, entretanto, como as “humanidades digitais”
(Digital Humanities), com direito, inclusivamente a associações como a European Asso-
ciation for Digital Humanities (EADH), ou a Association “Computer and Humanities”
(ACH) e que versam sobre uma maior compreensão e interligação entre o mundo dos
homens e o mundo digital.
Todas estas iniciativas que, no essencial, traduzem o inconformismo dos seres huma-
nos, face à disrupção do mundo em consequência da ascensão hegemónica das tecnolo-
gias, através de uma ilimitada capacidade de inovação, criatividade e imaginação permi-
tem que se preserve ou renasça a esperança, ou a utopia, da condição humana naquilo que
a distinguiu durante milénios.

1. https://yab.yomiuri.co.jp/adv/wol/dy/opinion/culture_180226.html.

40 | XXIX Encontro AULP


Por outro lado, propicia também que seja possível enfrentar, com sábia expectativa, a
revolução tecnológica que continua em curso, muitas vezes de forma frenética e confron-
tacional, como podemos testemunhar, nos últimos tempos, as incidências que envolvem
a chegada iminente da tecnologia comunicacional de última geração, o 5G.
Uma espécie de guerra fria tecnológica de contornos e consequências imprevisíveis
legitima toda a sequência de apreensivas, cépticas e amargas constatações que fomos
desfiando ao longo desta reflexão. A busca quase esquizofrénica e incessante de lucros
astronómicos e de domínio tecnológico conduz a colossais e questionáveis investimentos
materiais, humanos e financeiros. Por exemplo, em 6 de novembro de 2013, a Huawei
anunciou planos para investir um mínimo de US$ 600 milhões na pesquisa e desenvolvi-
mento para redes de próxima geração 5G capazes de velocidades 100 vezes mais rápido
do que as redes LTE modernas.
E os questionamentos surgem não só em relação à exorbitância dos valores investidos,
mas também em relação aos impactos na saúde humana e não só, que estas tecnologias
desencadeiam. Aliás, o conceito de tecnologias das coisas (IoT) associado a esta nova
revolução tecnológica é, por si só, revelador de que o espaço dos seres humanos parece
cada vez mais reduzido e marginal.
Uma longa lista de estudos produzida pela Environmental Health Trust (EHT)2 ates-
tam os riscos para a saúde do corpo humano devido às elevadas radiofrequências provo-
cadas pelo 5G.

Os desafios para as sociedades africanas face à era digital: a problemática iden-


titária
Ao referirmo-nos à cultura e arte africanas corremos sempre o risco de tropeçarmos
na armadilha da generalização por, em certa medida, subvertermos a sua diversidade e
complexidade. Facto de que nos dá conta o professor de arte da Universidade de Benin,
Odiboh Freeborn (2005) para quem

Since the character of art and formal representation has never been monolithic, in Africa or
elsewhere, there is a multiplicity of approaches ranging from the figurative and mimetic to
the stylized and abstracted. Thus to generalize about African art is to radically oversimplify
the situation.

Além do mais, é também importante considerar uma das dicotomias mais problemáti-
cas no que a arte africana diz respeito que é o facto de termos, por um lado, artistas afri-
canos vivendo praticamente no Ocidente e que mesmo que resgatem uma certa “autenti-
cidade” africana, estão profundamente presos aos cânones ocidentais que os legitimam e
promovem.
Por outro lado, temos os artistas africanos, mal conhecidos ou mesmo desconhecidos
no Ocidente, e que evoluem fortemente ancorados na tradição e no quotidiano. E, entre os
dois grupos, encontram-se aqueles artistas africanos que, vivendo em África, e que re-

2. (https://ehtrust.org/key-issues/cell-phoneswireless/5g-networks-iot-scientific-overview-human-health-risks/)

XXIX Encontro AULP | 41


criando alguns temas e formas tradicionais, estão mais virados e formatados para os mo-
delos e lógicas estéticas e de recepção do Ocidente.
Por vários circunstancialismos, sobretudo históricos, o desenvolvimento e a moderni-
zação do continente africano vão acontecendo quase sempre em descompasso em relação
ao mundo mais evoluído. É verdade que a colonização, com todo o seu repertório de in-
justiças, destruição, violência, dominação, segregação e desapropriações, acaba, mesmo
assim, e de forma perversa, por instituir-se como um dos grandes propulsores da moder-
nidade em África.
Daí que muitas das tensões e conflitos vividos ainda hoje no continente, em especial
do ponto de vista de imaginário cultural e identitário, sejam grandemente tributários des-
sa experiência histórica cujo epílogo, em termos de presença administrativa, política e
militar, coincidiu com as independências dessas nações.
Podemos mesmo dizer que a arte desempenhou o seu papel, em África, nos momentos
marcantes que terão a sua apoteose na revolução tecnológica do século XXI. Temos, as-
sim, um primeiro momento que se caracteriza pela adaptação, ou a sua tentativa, aos
moldes canónicos da arte e da cultura ocidental e que geraria o quadro de ambiguidades
e de identidades problemáticas que caracterizariam as elites culturais e artísticas africanas
surgidas no período da dominação colonial.
O segundo momento, nos finais dos anos 90, decorre do enfrentamento das rápidas
alterações provocadas pelas transformações socioeconómicas, políticas e pelo desenvol-
vimento tecnológico e que, ao concorrerem para a desconcertante desestruturação das
sociedades africanas modernas, propiciam uma espécie de apropriação criativa desse mo-
vimento disruptivo global pelas novas gerações de artistas africanos. Coincidência, ou
não, é na época em referência que ritmos como o rap, surgido entre as comunidades
afroamericanas nos Estados Unidos, rapidamente ganham aficionados no mundo inteiro,
e muito em particular, em África.
Não poderia haver cadência musical que melhor ilustrasse um espírito do tempo onde
a velocidade, a fragmentação, o híbrido e o efémero são dominantes. Juntam-se a isso
tendências estéticas e temáticas que, quase sempre alinhadas com o quotidiano, proble-
matizam as questões dos indivíduos e das sociedades africanas, já em diálogo com o
mundo global.
Da nação passa-se à trans-nação. Da obsessão pelas raízes à desterritorialização e à
evasão. E é, na música, verdadeira arte de massas, onde a tendência à imersão no mundo
é mais sintomática. Além da mistura de ritmos, na mesma música vemos cruzarem-se
diferentes registos linguísticos. É muito comum, por exemplo, na música moçambicana
actual, o artista expressar-se simultaneamente numa língua nativa, em português e em
inglês, e à imagem dos outros artistas africanos, reinventado não só o quotidiano, mas
muito particularmente a própria tradição.
Afinal, uma das grandes características da arte africana é que ela procura estar em es-
treita e recriadora sintonia com aspectos de maior relevância e actualidade política, econó-
mica, social, cultural e espiritual e que definem o meio onde o artista se encontra e circula.
A disrupção global, mesmo tendo em conta, que a revolução tecnológica e digital
ainda está muito longe dos impactos gigantescos que provoca nos outros continentes, faz-
-se mesmo assim sentir profundamente em África. É, sem dúvida, sintomática e reveladora

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a afirmação, ao mesmo tempo peremptória, de Achille Mbembe (2016) de que “the world
as we knew it since the end of World War II, the long years of decolonisation, the Cold
War and the defeat of communism has ended”. E, sem dúvida, o grande catalisador dessa
transformação que nos fez mergulhar num mundo novo e outro, além do conjunto das
mudanças políticas e económicas, tem sido a revolução tecnológica que interferiu em
todos os domínios da nossa vida, quer em termos individuais quer colectivos.
Estamos num continente dominado por crises cíclicas de vária ordem, sejam elas eco-
nómicas e políticas, movimentos migratórios, violência étnica e religiosa, tensões e con-
flitos políticos e militares recorrentes, democracia incipiente, grande explosão demográ-
fica, pandemias, carência de infraestruturas. A tudo isso, associam-se mudanças climáticas,
assentamentos populacionais descontrolados, desordem urbanística, degradação ambien-
tal, catástrofes ecológicas (em menos de um mês, Moçambique, por exemplo, foi assola-
do por dois ciclones de enorme magnitude simplesmente avassaladores). Ao mesmo tem-
po, são visíveis os impactos no imaginário cultural e identitário dos africanos, traduzido
quer nos seus comportamentos quer na sua fértil e imensa produção artística.
Além do mais, os movimentos migratórios, tanto dos meios rurais para os meios urba-
nos, como dos países africanos para o Ocidente, e que se têm acelerado nas últimas
décadas, aumentam não só a porosidade em relação às influências culturais, como também
alargam e aprofundam a dispersão identitária. Acresce o facto de as massivas práticas
consumistas concorrerem, irrecusavelmente, para um crescente e irreversível cosmopoli-
tismo traduzido nos costumes, nas linguagens, nos bens adquiridos e acumulados,
na moda.
Em relação a esta última, Bauman (2011) entende que a moda coloca todo o estilo de
vida em estado de permanente e interminável revolução. Ainda segundo ele, ela assumiu
o papel de operador chefe da transformação da mudança constante em norma do modo de
vida humano. Estruturalmente ligada aos mercados de consumo, que a televisão e a inter-
net tornam exponenciais, a moda guia o imperativo de “juntar-se ao progresso”, da obses-
são pelo novo, pela importação ou conexão com o que está distante.
E porque a busca do novo é incessante, a cultura e a própria identidade são pressiona-
das pela rapidez dos processos, pelo transitóro, pelo fragmentário, pelos cruzamentos
intermináveis. Daí que as identidades se tornem instáveis e adaptativas, na lúcida percep-
ção de Bauman (2011: 28):

A cultura plenamente abrangente de nossos dias exige que se adquira a aptidão para mudar
de identidade (ou pelo menos sua manifestação pública) com tanta frequência, rapidez e
eficiência quanto se muda de camisa ou de meias. Por um preço módico, ou nem tanto, o
mercado de consumo vai ajudá-lo na aquisição dessas habilidades, em obediência à reco-
mendação da cultura.

Consciente de todos esses movimentos e apropriações que se iniciaram no período


colonial e que se aceleraram com a globalização, Babatunde Lawal3, historiador de arte
nigeriano, entende que no início do século vinte e um, a arte africana não está mais con-

3. https://science.jrank.org/pages/8379/Arts-Africa-Postcolonial-Postmodern-Transnational.html

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finada apenas aos trabalhos de artistas negros e que agora, mais do que nunca, inclui todos
aqueles produzidos por descendentes de europeus, árabes e asiáticos.
É cada vez mais evidente nas obras de arte, a combinação de elementos africanos com
novos materiais, formas, técnicas de outras latitudes e que reflectem a peculiaridade e a
dinâmica da história do continente e da complexidade dos encontros com outras culturas.
O multiculturalismo incontestável abriu, ainda segundo Babatunde, novas portas para
a arte africana contemporânea, demonstrando ao mundo que a criatividade formalmente
associada ao seu passado tem sido rejuvenescida. Por outro lado, para acentuar ainda mais
a complexidade cultural e identitária, temos casos de inúmeros artistas africanos que mes-
mo naturalizados ingleses, franceses, belgas ou americanos, mantêm fortes laços culturais
com África o que resultou numa «double consciousness» que ressoa nas suas obras.
Tendo em conta o mundo digital em que vivemos, ou “computational age” como lhe
chama Mbembe, a análise do sistema artístico (autor-obra-público) terá de considerar, de
ora em diante, além do dinâmico e complexo quadro intercultural que emoldura a arte
africana, a crescente presença e impacto dos dispositivos tecnológicos e digitais e que
condicionam quer o universo de criação quer o universo de recepção. Enfim, todo o com-
plexo existencial dos africanos, cada vez mais desafiados a um exercício permanente de
alienação e de reencontro com a sua história, origens, cultura, valores e experiências
acumuladas durante gerações inteiras.

Conclusão
Entre posições que traduzem um cepticismo e pessimismo indisfarçáveis, mas de uma
notável lucidez, e outras, não menos clarividentes, de um pragmatismo e um optimismo
inspiradores, procuramos explorar algumas das posições que pontuam a análise dos im-
pactos provocados pela disrupção global dos finais do século XX.
Em todas as posições por nós identificadas, e que exprimem de forma singular aquilo
que são percepções generalizadas, é inegável a transformação das nossas sociedades so-
bretudo nos últimos trinta anos. São mudanças contínuas e aceleradas, do ponto de vista
psicológico, cultural socieoeconómico e existencial, alterando e instaurando novos ima-
ginários, tudo por força da intensa e massiva aceleração tecnológica, que não deixa nada
nem ninguém de fora. E nem um continente historicamente tão marginalizado como o
africano consegue escapar ao vórtice de todas estas mudanças tão rápidas, tão impactan-
tes e de um alcance inimaginável.
Perante a hipótese tão real e tão presente de as máquinas sobreporem-se aos seres
humanos condenando-os à irrelevância, a solução acaba por residir naquilo que está para
além da eficácia matemática e algorítmica das novas tecnologias. Referimo-nos a factores
como imprevisibilidade, sensibilidade, criatividade, imaginação, emoção, falibilidade,
sensibilidade, memória, identidade, isto é, todo um agregado de características tão huma-
nas, demasiadamente humanas, e que têm determinado a trajectória vitoriosa da humani-
dade ao longo dos tempos.
E o desafio e a oportunidade residem na capacidade de os seres humanos reiventarem
essa trajectória, mantendo-se no centro e no comando dos destinos do planeta, naquilo
que eles têm de melhor e distintivo. A cultura, a arte, a ciência e as humanidades são se-
guramente domínios que irão ajudar a assegurar que assim seja.

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Referências bibliográficas
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canaltech.com.br/telecom/cientistas-estao-preocupados-com-como-o-5g-pode-afetar-nossa-saude-126783/

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A Heráldica e a falerística do Politécnico de Lisboa
um exemplo de cultura e arte

Paulo Morais-Alexandre
Doutorado em Letras pela Universidade de Coimbra, Professor da Escola Superior de Teatro e Cinema,
IPL, Pró-presidente para as Artes do Politécnico de Lisboa, Investigador do Centro de Investigação
e de Estudos em Belas-Artes – CIEBA da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa
E-mail: [email protected]

Introdução
O Instituto Politécnico de Lisboa assumiu em 2010 heráldica própria, complementan-
do o uso de logotipo criado aquando da fundação do instituto. Tal foi entendido como
complementar ao já existente e não como sua substituição. Toda a estruturação heráldica
foi feita tendo em conta a missão do Instituto e também a sua história e até o património
histórico das unidades orgânicas que o integravam, algumas já seculares, como o ISEL,
ISCAL ou as Escolas das Artes. O resultado redundou na criação de novas formas plásti-
cas que antes não existiam, com óbvias preocupações em termos estéticos, que passam a
constituir também património não só da instituição que o criou, mas tornando-se parte
relevante de um corpus heráldico, no domínio da Heráldica Corporativa, onde nem sem-
pre esta opção foi tomada. Paralelamente na ordenação das armas foi também criada uma
divisa que espelha o que é o Instituto.
Paralelamente houve lugar a uma reforma das distinções atribuídas pelo Instituto,
nomeadamente ao nível das medalhas de mérito já existentes, que foram adequadas à
nova simbologia e foram igualmente criadas as insígnias da presidência e dos professores.

A Heráldica do Ensino Superior


A utilização da heráldica como simbologia de instituições de ensino em Portugal é
relativamente limitada, piorando o panorama no ensino superior, com uma utilização qua-
se residual, dominando a utilização daquilo que por vezes surge designado por “identida-
de visual” correspondendo à adoção de logotipos ou de um mero arranjo gráfico da sigla.
A explicar tal facto uma errada associação da heráldica à nobiliarquia e até ao regime
monárquico, o que se entende não fazer qualquer sentido e se pode provar que é falso, já
que, na atualidade, há uma clara predominância da utilização da heráldica de domínio,
derivada, sobretudo a partir de 1991, da possibilidade das freguesias se dotarem brasão-
de-armas, algo que foi aceite, qualquer que fosse o espectro político do executivo, fosse
de esquerda, centro ou direita. De igual forma a heráldica corporativa teve também nas
últimas décadas um período de florescimento, nomeadamente com um extraordinário de-
senvolvimento da heráldica sobretudo em dois ramos das Forças Armadas, a Marinha e o
Exército, mas também constituindo a heráldica da Guarda Nacional Republicana um mui-
to bom exemplo.

XXIX Encontro AULP | 47


Ao nível do ensino superior, são raras as universidades que têm heráldica, nomeada-
mente as públicas, verificando-se que, no geral, predominam os logotipos1. Há, no entan-
to, bons exemplos, dos quais se cita a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, a
Universidade dos Açores e a Universidade do Minho, qualquer destas instituições com
boas ordenações heráldicas2. Quanto aos politécnicos o panorama é a este respeito fran-
camente desolador: apenas tem heráldica o Instituto Politécnico de Lisboa. Duas outras
instituições de ensino politécnico usaram armas, mas essa utilização foi abandonada: o
Instituto Politécnico de Bragança e o Instituto Politécnico de Castelo Branco.
O Instituto Politécnico de Bragança ainda tem no seu site a indicação que pos-
sui brasão de armas3, embora já não haja qualquer uso por o considerar anacróni-

1. Veja-se a este respeito de Humberto Nuno de Oliveira e Miguel Metelo de Seixas – Heráldica Universitá-
ria: Subsídios para o Ordenamento Heráldico da Universidade Lusíada. Lisboa: Universidade Lusíada / Aca-
demia Lusitana de Heráldica, 2004.
2. Qualquer destas instituições adotou paralelamente um logotipo, o que se compreende, não se entendendo,
no entanto, o arrazoado que a Universidade do Minho publicou na sua página para justificar a adoção de logoti-
po, com erros absolutamente grosseiros e que evidencia da parte do autor um desconhecimento de regras básicas
da heráldica, confundindo, nomeadamente, a esquerda com a direita das mesmas: «[…] Outras observações e
comentários poderiam ser feitas sobre a identificação de uma nobreza de segunda, atendendo à posição em
que aparece o elmo, virado para esquerda, e com isso significando uma descendência ilegítima. / Em resumo, a
actividade militar subjacente a um brasão de cavalaria, realizado segundo uma retórica quatrocentista, (invocan-
do D. Manuel I), servindo o modelo familiar da representação genealógica da aristocracia, publicado em plena
República Portuguesa logo após o deflagrar da revolução política que instauraria o regime democrático de go-
vernação, para identificar uma Universidade pública, parece no mínimo insólito.» Cit. Francisco Providência –
“Sobre o “nascimento” da Nova Imagem da UM” in Sítio da Universidade do Minho. Disponível em: https://
www.uminho.pt/PT/uminho/Simbolos-e-Hino/Identidade-grafica/Documents/nova_identidade.pdf. Acedido em
2019, junho, 6. «A falta de qualidades técnicas do actual símbolo (brasão) para o pleno exercício da comunica-
ção com valor de marca e a sua inadequação representativa; por um lado, pela escala e complexidade dos ele-
mentos iconográficos associadas à sua variação cromática e à hesitação entre a linha e a mancha como suportes
de forma, por outro, atendendo ao pressuposto ontológico da universidade enquanto lugar de desenvolvimento
do conhecimento, actualmente representada por insígnias militares de cavalaria na retórica manuelina da herál-
dica nacional de família.» Cit. “Universidade do Minho: Manual de Identidade Visual” in Sítio da Universidade
do Minho. Disponível em: https://www.uminho.pt/PT/uminho/Simbolos-e-Hino/Identidade-grafica/Docu-
ments/Alt.%20Manual_Identidade_UMinho.pdf. Acedido em 2019, junho, 6.
3. «Símbolo do Instituto Politécnico de Bragança: Aspectos descritivos e simbologia inerente / O escudo de
armas do Instituto Politécnico de Bragança pretende identificar a instituição na região do País onde está inserida.
/ O escudo de armas obedece às leis da heráldica portuguesa. No timbre e nas suas cores naturais está represen-
tada uma cegonha, ave de visão imensa, ex-libris de muitas aldeias transmontanas, referência permanente à
natureza e à liberdade, observando-se um pleno respeito das populações. O Instituto Politécnico de Bragança
tem também esta visão de abertura permanente em relação à cultura e o respeito em relação a outras formas de
cultura existentes e complementares. / No bico da cegonha aparece um pequeno ramo de carvalho, árvore pre-
ponderante na região, identificando o Instituto Politécnico de Bragança com os grandes espaços naturais perfei-
tamente conservados na região. / Por detrás do timbre observamos a divisa do Instituto «SCIENTIA ET LA-
BOR» como grito de guerra, dada a sua colocação e segundo as leis da heráldica. / O elmo possui as cores
convencionais, ouro e prata, sendo forrado a púrpura. Como símbolo honorífico que é, tem um penacho de
plumas brancas, identificação do elmo usado nas instituições educativas. / O paquife ondolande, simulador dos
montes e da preponderante floresta de carvalho da região, termina os seus oito braços em folhas de carvalho
estilizadas. O paquife utiliza a cor principal do Instituto Politécnico de Bragança: o vermelho-púrpura. Esta cor
simbólica identifica a instituição com a dignidade, a soberania e o poder cultural. / O escudo tem como fundo a
segunda cor do Instituto: o negro, que simboliza ciência, fartura, fidelidade, modéstia e sofrimento. / Na parte
superior aparece o escudo de Portugal decorado com dois ramos de oliveira, árvore comum da região. Pretende-
-se que o Instituto Politécnico de Bragança, na sua simbologia, e onde quer que esteja representado, se identifi-
que com Portugal e Bragança. / Na parte lateral direita observamos um símbolo que se identifica com a revolu-

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co4. Registe-se que a simbologia heráldica que o Politécnico de Bragança usou, não era
formalmente correta, infringindo várias leis fundamentais da heráldica, quer na ordena-
ção, quer na representação “oficializada” em Diário da República5, nomeadamente a lei
dos esmaltes, com o escudete das armas nacionais cosido sobre o escudo de negro, o
mesmo se passando com os ramos de oliveira de verde sobre o já referido campo de ne-
gro. Acresce que o escudete das armas de Portugal tem torres em vez de castelos na bor-
dadura. No escudete a prata é representada a branco enquanto que no castelo e torre de
menagem do campo surge de cinzento; paralelamente a introdução da perspetiva na pon-
ta, não é uma solução heráldica. A localização do grito de guerra também é defeituosa,
sendo dito que se trata da divisa da Universidade. A descrição heráldica enferma também
de vários e graves erros. Há ainda a registar uma profusão de móveis, o que torna as armas
confusas, difícil leitura e esteticamente muito frágeis, o que é acrescido por, no campo,
estarem representadas todos os metais e cores heráldicos: ouro e a prata, bem como ver-
melho, azul, verde, negro e púrpura.
O Instituto Politécnico de Castelo Branco, que tinha armas bem ordenadas6, abando-
nou esta solução substituindo-a por um logotipo7, que se pode considerar com leitura

ção tecnológica e a agricultura: o arado transmontano. / Na parte lateral esquerda observa-se o símbolo mais
comum à cultura e ao saber: o livro. / Na parte central aparece a mais bela fortificação portuguesa: o Castelo de
Bragança, símbolo de resistência, liberdade e autonomia. / Na parte inferior observa-se uma quadrícula a negro
e púrpura, pretendendo simbolizar o salpicado de terrenos agrícolas da região que assumem um belo quadricu-
lado.». Cit. “Símbolo do Instituto Politécnico de Bragança” in Diário da República. Lisboa: 1995, setembro, 5,
1.ª série B, n.º 205/1995, p. 5628.
4. Cf. informação dos Serviços de Imagem – Viva Voce. 2019, junho, 6.
5. “Símbolo do Instituto Politécnico de Bragança”, p. 5629.
6. «Escudo ibérico: / De azul, castelo de prata, aberto, frestado e lavrado de negro, sustido por um monte de
sua cor; em chefe, dois livros abertos com folhas de sua cor, capas e ferragens de ouro. Correia de sua cor per-
filada e afivelado de oiro. / Elmo de prata volvido a três quartos, tauxiado de negro, guarnecido de oiro e forrado
de vermelho. / Paquife e virol de ouro, prata e azul. / Timbre: dragão de vermelho, armado e linguado de oiro,
segurando na garra dextra uma folha de hera de prata. / Divisa em listel branco, com caracteres maiúsculos a
negro: INSTITUTO POLITÉCNICO DE CASTELO BRANCO. […] Simbologia: / Castelo – armas falantes em
relação ao topónimo; / Monte – grandeza ou firmeza; / Livro – conhecimento; / Dois (livros) – número perfeito
da criação; / Prata – amizade; / Azul – lealdade; / Vermelho – valor; / Dragão – sabedoria; / Hera – eternidade.»
Cit. “Emblemática do Instituto Politécnico de Castelo Branco” in Diário da República. Lisboa: 1995, março, 9,
1.ª série B, n.º 58, p. 1292.
7. «[…] análise do brasão do IPCB constatou-se que o código simbólico empregue pela heráldica não era
suficientemente conhecido pelo público em geral. Por outro lado, a complexidade própria de um brasão (quer ao
nível da forma ou da cromática), tornava-se num impeditivo à memorização fácil e uma condicionante às pos-
sibilidades de redução ou aplicação em distintos suportes analógicos ou digitais. A quantidade de cores do bra-
são implicava que a impressão fosse no mínimo a quatro cores. Assumindo o princípio de que uma marca grá-
fica tem como primeira função a diferenciação, o brasão do IPCB apresentava lacunas a esse nível. Na verdade,
constatou-se que partilha demasiados elementos gráficos semelhantes ou iguais a outros brasões pertencentes a
organismos militares ou de outros sectores. Sendo que a emblemática da heráldica atribuída ao IPCB era cons-
tituída por um brasão de armas, uma bandeira e um selo, formalmente muito diferentes, não existiam critérios
para o seu uso coerente, pelo que a instituição se fazia representar indiscriminadamente das três formas. Embo-
ra o uso do brasão fosse predominante, esta situação dificultava a criação de uma Identidade Visual marcante e
facilmente identificável pelo público.» Cit. Daniel Raposo e João Neves – “O Instituto Politécnico de Castelo
Branco como marca” in ddiseño: Boletín académico-científico de Información y Desarrollo del diseño en el
ámbito hispano/italiano/portugués. Málaga: 2000, janeiro, ano 3, n.º 5. Disponível em: http://www.arsfluentes.
es/ddiseno/ddiseno-5/documento1.htm. Acedido em 2019, junho, 5.

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heráldica, mas com um erro grosseiro8, não tendo sido avaliada a opção de considerar que
o logotipo podia ser concomitante com o uso de armas, como fez e bem inicialmente o
Instituto Politécnico de Bragança9 e o que o próprio Politécnico de Lisboa faz no presen-
te, ao reservar o uso do brasão-de-armas para os diplomas e para a bandeira, enquanto que
o logotipo fica vocacionado para a imagem institucional, não sendo incompatíveis, nem
colidindo entre si.
No momento em que o presente artigo era escrito, estava aberto um concurso de ideias
para “Criação e Desenvolvimento de Logótipo do Instituto Politécnico de Viseu e respe-
tivo manual de normas”, o que, segundo a documentação do procedimento, derivava da
necessidade “imperativa” «[…] de criar uma nova imagem do instituto, tornando-a ape-
lativa, dinâmica e capaz de refletir o seu valor como instituição do Ensino Superior.»10.
Não era sequer equacionada a hipótese heráldica, o que não se entende.
Importa questionar se os brasões-de-armas das muito prestigiadas universidades de
Harvard, Cambridge, Yale ou Princeton prejudicam o dinamismo destas instituições ou
não refletem o seu valor?
A cíclica atualização dos logotipos prova, sobretudo, a efemeridade deste tipo de sim-
bologia e a necessidade da sua renovação constante que tem como consequência, quando
aplicada em exclusividade, a substituição periódica da bandeira, selos, insígnias, etc.,
perdendo-se claramente o valor patrimonial e cultural transmitido pela perenidade da
simbologia heráldica e, até, a união e comunhão dos alumni junto da simbologia, que
permanece desde o tempo em que eram estudantes e na qual se reveem, que está nos seus
diplomas e não da incompreensão por uma simbologia recém-adotada, desconhecida e
que não vale a pena registar porque será rapidamente reformada.

8. O logotipo do Instituto Politécnico de Castelo Branco pode permitir a seguinte leitura heráldica: de azul
uma torre de prata; por timbre um dragão segurando na garra dextra uma folha de hera, tudo de prata. A justifi-
cação e descrição apresentada pelos autores mostra que não conhecem as regras da linguagem heráldica, que
atribuem significado simbólico às peças que estas dificilmente têm e omitem até alguns elementos da composi-
ção, como se eles não estivessem presentes: «Considerado um símbolo com forte potencial de diferenciação,
manteve-se o dragão, ser mitológico que simboliza sabedoria e desejo da inteligência. Em alusão à nacionalida-
de destaca-se o escudo, que acaba por funcionar como elemento de interligação entre as várias marcas gráficas
criadas. Deu-se ênfase ao castelo que representa a cidade de Castelo Branco.» Cit. Daniel Raposo e João Neves
– ob. cit.. Ao contrário do afirmado não é representado um castelo, mas antes uma torre; não se entende como é
que um escudo é uma alusão à nacionalidade; não se faz referência à folha de hera que o dragão segura na garra;
por fim, o mesmo metal, a prata, é representado no campo do escudo pelo branco e no timbre por prata.
9. «O Instituto Politécnico de Bragança (IPB) possui um símbolo e um brasão. O símbolo é utilizado na
projeção da imagem e ações do IPB, representando a unidade do Instituto e evidenciando a sua abertura para o
exterior e acompanhando a sua evolução e das respetivas Unidades Orgânicas, de acordo com as necessidades
de diferenciação e posicionamento no contexto do ensino superior e o sentir coletivo da comunidade do IPB. [/]
A utilização do brasão é reservada para ocasiões excecionais, onde se considere necessária uma insígnia formal
e cerimonial, devendo a sua utilização ser aprovada pelo Presidente do IPB, para garantir a conformidade de
uso e para assegurar a sua reprodução em moldes adequados.» Cit. “Símbolos e Brasão” in Sítio do Instituto
Politécnico de Bragança. Disponível em: https://portal3.ipb.pt/index.php/pt/ipb/quem-somos/ipb/simbolos-e-
brasao. Acedido em 2019, junho, 5.
10. “Logotipo IPV – Concurso de Ideias” in Sítio do Instituto Politécnico de Viseu. Disponível em: http://
www.ipv.pt/ci01_19/pconc_ci_2019.pdf. Acedido em 2019, junho, 5.

50 | XXIX Encontro AULP


A HERÁLDICA DO POLITÉCNICO DE LISBOA

O primeiro logotipo
A estruturação da imagem institucional do Politécnico de Lisboa começou por ser
feita através da criação de um logotipo, concebido ainda sob a égide da comissão instala-
dora desta instituição e começado a utilizar em 198611, mas apenas registado no Instituto
Nacional de Propriedade Industrial em 200712. Trata-se de um arranjo gráfico da sigla IPL
que remete para a forma de um veleiro / caravela estilizado sobre ondado (fig. 1). Este
logotipo seria utilizado exclusivamente até à criação de simbologia heráldica, altura em
que cairia em desuso, vindo a ser criado posteriormente, em 2012, um novo logotipo13,
também este reformado posteriormente.

1 – Primeiro logotipo do Politécnico de Lisboa

A opção pela assunção de armas pelo IPL


Não se conhece, até à presidência do professor Luís Vicente Ferreira, qualquer interes-
se na criação de heráldica para o Politécnico de Lisboa. De igual forma, a existência de
heráldica nas unidades orgânicas do Politécnico era absolutamente residual e sem qualquer
tradição, salvaguardando-se o caso do Instituto Superior de Contabilidade e Administração
de Lisboa, muito anterior à estrutura onde viria a ser integrado, já que remonta a sua origem
à Aula do Comércio pombalina, com uma composição simbólica que incluía um escudo-
-de-armas e até divisa, mas, desde logo, com uma grave infração à lei dos esmaltes14.
Foi na sequência de uma conversa informal havida entre o autor do presente texto e o
referido presidente do Politécnico que, em 2007, foi levantada tal hipótese e foi pedida a
apresentação de uma proposta.

O enquadramento legislativo
A legislação relativa à heráldica corporativa é lacunar e anacrónica. Efetivamente em
1991, foi aprovada a “Lei n.º 53/91 de 7 de Agosto – Heráldica autárquica e das pessoas

11. Cf. Arminda Rodrigues – “Instituto Politécnico de Lisboa tem novo logotipo” in Politecnia, Lisboa: 2012,
março, n.º 26, p. 10.
12. Rui Solnado da Cruz – “Ofício Ref. DM/20/2007/65219” in Pasta Logotipos. S.l.:, 2007, abril, 26. Arqui-
vo do Gabinete de Comunicação e Imagem do IPL.
13. Arminda Rodrigues, ob. cit., pp. 10-11.
14. Escudo partido cosido de azul e vermelho carregado com um caduceu rematado na parte superior de um
elmo alado, com duas serpes entrelaçadas, tudo de prata, sobre-o-todo.

XXIX Encontro AULP | 51


colectivas de utilidade pública administrativa”15 onde se estabelecia, não só a reforma da
heráldica do território, mas também era instituída a possibilidade das “pessoas colectivas
de utilidade pública administrativa” adotarem armas, sendo a legislação muito lacónica
relativamente ao processo, apenas registando que seria criado um «Gabinete de Heráldica
Autárquica, com funções de consulta e registo na área da heráldica e das pessoas coletivas
de utilidade pública administrativa.»16. Mais se determinava que: «Até à plena entrada em
funções do Gabinete previsto no número anterior, as funções de consulta na área da herál-
dica autárquica e das pessoas coletivas de utilidade pública administrativa são assegura-
das pela Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses.». Não se
conhece nenhum caso de armas de estabelecimentos do ensino superior armigerados a
partir de parecer desta associação, entendendo-se que não fará qualquer sentido, pelo que
se pode considerar que, atendendo aos estatutos das instituições17, estas podem assumir
armas, como tem efetivamente acontecido.

A estruturação de armas para o IPL


Campo do escudo
O ponto de partida para a ordenação do campo foi a integração, na solução heráldica,
de tudo o que fosse possível manter da simbologia já existente, ou seja, um veleiro ligado
à história de Portugal. Paralelamente, entendia-se afirmar a ligação à região de implanta-
ção do armigerado – o distrito de Lisboa, através da criação de uma afinidade visual com
a bandeira da cidade de Lisboa, o que podia ser feito através do gironado, que, pelos
motivos aduzidos, teria que ser forçosamente de negro e prata o que afastava a predomi-
nância do azul anteriormente usado no logotipo (fig. 2).

2 – Campo do escudo do Politécnico de Lisboa

Coronel
Não existindo qualquer tradição no uso da “coroa cívica” prevista pela legislação18,
existindo universidades que adotaram o uso do elmo, algo que não tem particular justifica-

15. “Lei n.º 53/91 de 7 de Agosto – Heráldica autárquica e das pessoas colectivas de utilidade pública admi-
nistrativa” in Diário da República, Lisboa: 1991, Agosto, 7, 1.ª série A, n.º 180, pp. 3904-3906.
16. O que não foi feito na altura, nem viria a ser feito até ao presente.
17. «Artigo 7.º Símbolos 1 – O IPL adopta emblemática e traje próprios, a serem aprovados pelo Conselho
Académico do IPL.» Cit. “Estatutos do Instituto Politécnico de Lisboa” in Diário da República. Lisboa: 2009,
maio, 2.ª série, n.º 98, pp. 20492-3.
18. Esta “coroa cívica” destinava-se a todas as armas de pessoas colectivas de utilidade pública administrati-
va e deveria ser «[…] formada por um aro liso, contido por duas virolas, tudo de prata e encimado por três ramos
aparentes de carvalho de ouro, frutados do mesmo.» “Lei n.º 53/91 de 7 de Agosto”, p. 3905.

52 | XXIX Encontro AULP


ção, existindo uma muito interessante criação de coronéis próprios para certas áreas, sendo
disso bons exemplos os coronéis dos três ramos das forças armadas, foi decidido propor a
criação de um coronel específico a um estabelecimento de ensino superior das ciências
aplicadas e das artes, mas evitando o uso de um coronel de livros como o utilizado na
Escola Superior de Enfermagem do Porto. Optou-se por uma composição com folhas de
figueira, simbolizando a aplicação dos conhecimentos que deve caracterizar o ensino supe-
rior, representando as ciências e artes alicerçadas na pesquisa e execução, e com lanternas
bilícnias, simbolizando a luz do espírito, a difusão do conhecimento e aludindo ainda ao
estudo como atividade primordial do Instituto, sendo que o número de chamas correspon-
deria também às duas vertentes por este cultivadas: as ciências e as artes (fig. 3).

3 – Coronel do Politécnico de Lisboa

Timbre
A proposta de timbre derivou da universalidade do ensino superior, mas remetendo
também para os Descobrimentos Manuelinos, através da utilização do corpo da empresa
do rei D. Manuel I, a esfera armilar, um importante instrumento tão aplicado na navega-
ção através da astronomia (fig. 4).

4 – Timbre do Politécnico de Lisboa

Divisa
Não tinha o IPL até à data da criação das armas qualquer divisa. Na criação desta fo-
ram pensadas várias soluções e ensaiadas várias hipóteses, nomeadamente a utilização, à
semelhança do que sucede, por exemplo, nas armas do Instituto Universitário Militar ou
da Academia Militar, entre vários outros exemplos, de uma divisa camoniana, respetiva-
mente «POR PURO ENGENHO E POR CIÊNCIA»19 e «EM PERIGOS E GUERRAS
ESFORÇADOS»20.
Registe-se por fim que, na diversidade dos saberes de que o Instituto é composto, tem
denominadores comuns, evidenciados igualmente na forma como se relaciona não só

19. Luís de Camões – Os Lusíadas. Lisboa: Antonio Gonçalvez Impressor, 1572, V, 17.
20. Ibidem, I, 1.

XXIX Encontro AULP | 53


com as questões patrimoniais, mas sobretudo nas suas duas prioridades, o Ensino e a In-
vestigação e que tão bem são conjugados na sua divisa: VBI SCIENTIA ET ARS, IBI
SAPIENTIA ET PRAXIS, que é entendida como: Onde há Ciência e Artes há Sabedoria
e Experiência, registando de alguma forma as características do ensino ministrado.

Grito-de-guerra
Entende-se o grito de guerra «INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA» não como
uma mera legenda da designação do estabelecimento de ensino, mas exatamente com a
função de um verdadeiro grito de guerra, ou seja, a aglutinação de uma força, neste caso
de saber, de artes, ciência e investigação, reforçando a coesão e solidariedade das unida-
des orgânicas no organismo que as une e a que pertencem.
A proposta para as armas do IPL mereceu a aprovação do respetivo presidente que a
levou a conselho académico e, na sequência da aprovação, foram encomendados os dese-
nhos finais das armas, da bandeira e selos, bem como a iluminura, a um dos mais relevan-
tes ilustradores e iluminadores heráldicos em Portugal, José Colaço, com uma obra muito
significativa e responsável, entre outras, pelas iluminuras das armas do Exército nas últi-
mas quatro décadas21.

INSÍGNIAS E FALERÍSTICA DO POLITÉCNICO DE LISBOA


Na sequência da criação da heráldica para o Instituto, foi decidido também criar o
traje académico22 e respetivas insígnias23, sendo também feita a reforma das distinções
que o IPL outorgava.

Insígnias
Pelo despacho “Despacho n.º 6 /IPL-2010 – Normas do Traje Académico do Instituto
Politécnico de Lisboa”24 foram instituídas as insígnias de professores, da direção do Poli-
técnico de Lisboa e, posteriormente, dos membros do Conselho Geral.
A solução encontrada foi relativamente simples e passou pela utilização de uma me-
dalha oval, com as armas do IPL, suspensa de epitoge, de ouro para o presidente (fig. 5),
de prata para os vice-presidentes e de bronze para os professores25.
Para os membros cooptados do Conselho-Geral foi criado um colar de função. Trata-
-se de uma peça constituída por uma cadeia composta por 12 esferas armilares, 6 escudos
do IPL e 6 elementos geométricos de ligação, interligados, do qual pende a medalha oval

21. Sobre José Colaço veja-se o capítulo dedicado a este artista plástico e heraldista em Paulo Jorge Morais
Alexandre – A Heráldica do Exército na República Portuguesa no século XX. Dissertação de Doutoramento.
Disponível em: Estudo Geral – Repositório Digital. Universidade de Coimbra. Endereço: https://estudogeral.
sib.uc.pt/jspui/handle/10316/12166. Acedido em 2019, junho, 14
22. Veja-se a este respeito: Jorge Silva – “Armas e Traje Académico do IPL” in Politecnia. Lisboa: 2010,
janeiro, n.º 23.
23. Cf. Luís Vicente Ferreira – “Despacho n.º 6 /IPL-2010 – Normas do Traje Académico do Instituto Poli-
técnico de Lisboa” in Sítio do Politécnico de Lisboa. Disponível em: https://www.ipl.pt/sites/default/files/
ficheiros/Normas_Traje_Academico_IPL.pdf. Acedido em 2019, junho, 9.
24. Ibidem.
25. Ibidem.

54 | XXIX Encontro AULP


com as armas do IPL. O presidente do Conselho-Geral usa colar de prata (fig. 6) e os
outros conselheiros cooptados de bronze.

5 – Desenho da insígnia de Presidente


do Politécnico de Lisboa 6 – Colar de Presidente do Conselho
Geral do Politécnico de Lisboa
Falerística
Na sequência da criação de heráldica houve uma reforma das distinções atribuídas pelo
Politécnico de Lisboa: de uma situação existente onde as medalhas de distinção não eram
portáveis, caso da Medalha de Ouro de Conhecimento e Mérito do IPL e da Medalha de
Prata de Emérito e Serviços Prestados ao IPL de 1.ª classe (fig. 7). Excetuava-se a Medalha
de Prata de Emérito e Serviços Prestados ao IPL de 2.ª classe, atribuída aos funcionários que
haviam trabalhado pelo menos 10 anos ao serviço da instituição e que se aposentavam, que
era constituída por uma insígnia de peito, com fita de suspensão
partida de prata e azul, tendo pendente medalha circular de prata,
com o logotipo do IPL inscrito (fig. 8).

7 – Medalha de Prata de
Emérito e Serviços Prestados
ao IPL de 1.ª classe

8 – Medalha de Prata de
Emérito e Serviços Prestados
ao IPL de 2.ª classe

Todas as medalhas do IPL passaram a ser condecorações e a ter características falerís-


ticas, ou seja, passaram a ser portáveis e passaram a incluir nas insígnias as suas armas.
A Medalha de Ouro de Conhecimento e Mérito do IPL (fig. 9) diferencia-se apenas no
material da Medalha de Prata de Emérito e Serviços Prestados ao IPL de 1.ª classe (fig.

XXIX Encontro AULP | 55


10), com insígnia para pescoço com gravata constituída por fita de seda ondeada de prata,
com um filete longitudinal de negro, argola espalmada cinzelada e canelão de ouro / pra-
ta, tendo pendente oval de ouro / prata, com as armas completas do IPL esmaltadas.

9 – Desenho da Insígnia da Medalha de Ouro de 10 – Insígnia da Medalha de Prata de Emérito e


Conhecimento e Mérito do IPL Serviços Prestados ao IPL de 1.ª classe

A Medalha de Prata de Emérito e Serviços Prestados ao IPL de 2.ª classe, com insígnia
para o peito, com fita de suspensão de seda ondeada de prata, passadeira: de prata, pen-
dente de prata oval, com as armas completas do IPL esmaltadas (fig. 11).

11 – Insígnia da Medalha de Prata de Emérito e 12 – Insígnia da Medalha de Prata de Valor e


Serviços Prestados ao IPL de 2.ª classe Distinção do IPL

Em 2014 foi criada a Medalha de Prata de Valor e Distinção do IPL, destinada a ga-
lardoar personalidades ainda estudantes ou já diplomados do IPL que se tenham notabili-
zado de forma muito relevante. A condecoração é composta por insígnia de peito, com fita
de suspensão de seda ondeada de prata, com um filete longitudinal de negro, carregada no
centro de uma coroa de louros de ouro, pendente de prata oval tendo no centro as armas
completas do IPL esmaltadas (fig. 12)26.

26. Cf. Luís Vicente Ferreira – “Despacho n.º 4/2014 – Regulamento para atribuição da Medalha de Prata de
Valor e Distinção do IPL” in Sítio do Politécnico de Lisboa. Disponível em https://www.ipl.pt/sites/default/files/
ficheiros/instituto/regulamento_medalha_prata_valor_e_distincao_0.pdf. Acedido em 2019, junho, 9.

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CONCLUSÃO
A proposta de ordenação das armas, insígnias e falerística do Politécnico de Lisboa foi
feita pelo autor do presente artigo, mas sem o trabalho de ilustração e iluminura do heral-
dista José Colaço, não teria a qualidade que lhe é reconhecida, já que se trata de um dos
mais importantes artistas heráldicos portugueses, com uma obra ímpar. Registe-se que se
considera que há trabalho artístico na criação de armas, que é a sua ordenação, que é in-
dependente de qualquer desenho ou interpretação, mas que poderá existir também instau-
ração na forma como essa ordenação é interpretada como se considera no caso presente.
Deve ainda ser registado o empenho do presidente Luís Vicente Ferreira numa solu-
ção que, sem dúvida, colocou esta instituição junto aos melhores exemplos de heráldica
corporativa, neste caso entre os melhores exemplos de heráldica de estabelecimentos de
ensino superior.

Fontes e Bibliografia
“Emblemática do Instituto Politécnico de Castelo Branco” in Diário da República. Lisboa: 1995, março, 9,
1.ª série B, n.º 58.
“Estatutos do Instituto Politécnico de Lisboa” in Diário da República. Lisboa: 2009, maio, 2.ª série, n.º 98.
“Lei n.º 53/91 de 7 de Agosto – Heráldica autárquica e das pessoas colectivas de utilidade pública adminis-
trativa” in Diário da República, Lisboa: 1991, Agosto, 7, 1.ª série A, n.º 180.
“Logotipo IPV – Concurso de Ideias” in Sítio do Instituto Politécnico de Viseu. Disponível em: http://www.
ipv.pt/ci01_19/pconc_ci_2019.pdf. Acedido em 2019, junho, 5.
“Símbolo do Instituto Politécnico de Bragança” in Diário da República. Lisboa: 1995, setembro, 5, 1.ª série
B, n.º 205/1995
“Símbolos e Brasão” in Sítio do Instituto Politécnico de Bragança. Disponível em: https://portal3.ipb.pt/
index.php/pt/ipb/quem-somos/ipb/simbolos-e-brasao. Acedido em 2019, junho, 5.
“Universidade do Minho: Manual de Identidade Visual” in Sítio da Universidade do Minho. Disponível em:
https://www.uminho.pt/PT/uminho/Simbolos-e-Hino/Identidade-grafica/Documents/Alt.%20Manual_Identi-
dade_UMinho.pdf. Acedido em 2019, junho, 6.
ALEXANDRE, Paulo Jorge Morais – A Heráldica do Exército na República Portuguesa no século XX.
Dissertação de Doutoramento. Disponível em: “Estudo Geral – Repositório Digital” in Sítio da Universidade de
Coimbra. Endereço: https://estudogeral.sib.uc.pt/jspui/handle/10316/12166. Acedido em 2019, junho, 14.
CAMÕES, Luís de – Os Lusíadas. Lisboa: Antonio Gonçalvez Impressor, 1572
CRUZ, Rui Solnado da – “Ofício Ref. DM/20/2007/65219” in Pasta Logotipos. S.l.:, 2007, abril, 26. Ar-
quivo do Gabinete de Comunicação e Imagem do IPL.
FERREIRA, Luís Vicente – “Despacho n.º 6 /IPL-2010 – Normas do Traje Académico do Instituto Politéc-
nico de Lisboa” in Sítio do Politécnico de Lisboa. Disponível em: https://www.ipl.pt/sites/default/files/ficheiros/
Normas_Traje_Academico_IPL.pdf. Acedido em 2019, junho, 9.
FERREIRA, Luís Vicente – “Despacho n.º 4/2014 – Regulamento para atribuição da Medalha de Prata de
Valor e Distinção do IPL” in Sítio do Politécnico de Lisboa. Disponível em https://www.ipl.pt/sites/default/files/
ficheiros/instituto/regulamento_medalha_prata_valor_e_distincao_0.pdf. Acedido em 2019, junho, 9.
OLIVEIRA, Humberto Nuno de, e SEIXAS, Miguel Metelo de – Heráldica Universitária: Subsídios para
o Ordenamento Heráldico da Universidade Lusíada. Lisboa: Universidade Lusíada / Academia Lusitana de
Heráldica, 2004.
PASTOUREAU, Michel – Traité d’Héraldique, Paris: Grands Manuels Picard, ed. de 1993.
PROVIDÊNCIA, Francisco – “Sobre o “nascimento” da Nova Imagem da UM” in Sítio da Universidade
do Minho. Disponível em: https://www.uminho.pt/PT/uminho/Simbolos-e-Hino/Identidade-grafica/Documents/
nova_identidade.pdf. Acedido em 2019, junho, 6.

XXIX Encontro AULP | 57


RAPOSO, Daniel e NEVES, João – “O Instituto Politécnico de Castelo Branco como marca” in ddiseño:
Boletín académico-científico de Información y Desarrollo del diseño en el ámbito hispano/italiano/portugués.
Málaga: 2000, janeiro, ano 3, n.º 5. Disponível em: http://www.arsfluentes.es/ddiseno/ddiseno-5/documento1.
htm. Acedido em 2019, junho, 5.
RODRIGUES, Arminda – “Instituto Politécnico de Lisboa tem novo logotipo” in Politecnia. Lisboa: 2012,
março, n.º 26.
SILVA, Jorge – “Armas e Traje Académico do IPL” in Politecnia. Lisboa: 2010, janeiro, n.º 23.

ANEXO: BRASÃO-DE-ARMAS DO POLITÉCNICO DE LISBOA

Descrição: Escudo: gironado de oito peças de negro e prata, uma nau entrecambada. Coronel: acadé-
mico, composto por um arco liso com virolas nos bordos superior e inferior encimado por quatro lanternas
bilícnias acesas, das quais duas são aparentes, o intervalo entre cada duas lanternas bilícnias acesas é pre-
enchido por uma folha de figueira, tudo de ouro. Timbre: uma esfera armilar de prata. Grito de guerra:
num listel de prata, ondulado, sobreposto ao escudo, em letras de negro, maiúsculas, estilo elzevir: “INS-
TITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA”. Divisa: num listel de prata, ondulado, sotoposto ao escudo, em
letras de negro, maiúsculas, estilo elzevir: “VBI SCIENTIA ET ARS, IBI SAPIENTIA ET PRAXIS”.
Simbologia: O Gironado cita a bandeira do concelho de Lisboa, cidade onde o Instituto Politécnico
de Lisboa está sediado. A Nau alude à gesta marítima portuguesa, onde se aliaram, o conhecimento e a
prática, só possíveis pelo cultivo das ciências e das artes, estabelecendo-se um paralelismo com o deside-
rato do Instituto. A Esfera Armilar remete para as armas nacionais e representa a vocação universal do
ensino ministrado no Instituto Politécnico de Lisboa, vocacionado para a expansão e o intercâmbio de ex-
periências e saberes. A Lucerna Bilícnia simboliza a luz do espírito, a difusão do conhecimento e alude ao
estudo como atividade primordial do Instituto. O número de chamas corresponde às duas vertentes por este
cultivadas: as ciências e as artes. A Folha de Figueira, de uma espécie endémica em Portugal, simboliza a
aplicação dos conhecimentos que caracteriza o ensino superior politécnico representando as ciências e ar-
tes alicerçadas na pesquisa e execução. O Grito de Guerra “INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA”
alude à união do Instituto sob a sua designação e órgãos. A Divisa “VBI SCIENTIA ET ARS, IBI SAPIEN-
TIA ET PRAXIS” que se traduz por “Onde há Ciência e Arte, há Sabedoria e Prática” alude por um lado
às duas vertentes do ensino do Instituto, as ciências e as artes, mas por outro aponta claramente a sua
orientação e vocação expressa na “Lei de Bases do Sistema Educativo” quando se afirma que «O ensino
politécnico, orientado por uma constante perspetiva de investigação aplicada e de desenvolvimento, dirigi-
do à compreensão e solução de problemas concretos, visa proporcionar uma sólida formação cultural e
técnica de nível superior, desenvolver a capacidade de inovação e de análise crítica e ministrar conheci-
mentos científicos de índole teórica e prática e as suas aplicações com vista ao exercício de atividades
profissionais». Os esmaltes significam: OURO, constância e firmeza; PRATA, verdade, riqueza na virtude
e humildade nos procedimentos; NEGRO, sabedoria, honestidade.

58 | XXIX Encontro AULP


As músicas de resistência e dahur dos timorenses

Cipriana Santa Brites Dias


Doutoranda em Estudos da Cultura – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professora
Permanente da Faculdade de Educação, Artes e Humanidades da Universidade Nacional Timor Lorosa’e.

Irta Sequeira Baris de Araújo


Professora Convidada no Departamento do Ensino de Língua Tétum. Mestre em Educação e Movimentos
Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina – Brasil

Introdução
A sociedade timorense é uma sociedade multicultural, ou seja, uma sociedade com
muitas práticas ou cerimónias rituais. A vivência social dos timorenses é assinalada pela
forte relação entre homem e natureza, e isso se reflecte nas músicas como no caso das
músicas de resistências, músicas de reconciliação, músicas de Tebe Dahur1 na construção
e na inauguração de Uma Lulik2, música religiosa, músicas de casamento e de funeral, que
também fazem parte nas cerimónias rituais da cultura timorense.
Os timorenses já têm, desde tempos primordiais, suas próprias músicas e danças
dahur que os acompanhavam na realização de todas actividades culturais e festivas so-
ciais. É por isso que desde a primeira geração até o actual, os timorenses continuam a
manter todas as práticas culturais e rituais através da música, dahur, tebedai e etc., porque
acreditarem que estas práticas representam pilares básicos da construção de uma vida
feliz entre os vivos e a sua natureza.
A música tocada ou apresentada em algumas cerimónias rituais e oficiais tem uma
posição muito forte, porque ela revela a identidade de determinado grupo que se agrupa
no território de Timor-Leste. Por exemplo, a música da resistência está sempre a ser con-
siderada como verdadeira “representação simbólica de expressão”, porque envolve o sen-
timento e emoções de beleza revolucionária do povo Maubere e de repugnância aos mili-
tares indonésios. A música de resistência comunga o componente de uma realidade
política e sociocultural dos timorenses na luta contra o invasor indonésio.

1. O valor da música na formação humana


O ser humano é, desde o nascimento e durante toda a vida, sempre vivido com o som
da música, logo, a sua vida é uma musicalidade de plena sinfonia. A música tem uma

1. Tebe dahur é uma dança tradicional timorense, utilizada pela comunidade nas festas sociais, cerimónias
culturais, festas religiosas, muitos ritmados em conjunto um grande círculo composto por sons masculino e
feminino, durante o noitecer.
2. Uma Lulik ou casa sagrada. A uma lulik é um sitio sagrado das almas dos ancestrais. Atualmente, Uma
Lulik tem grande importância na continuidade das gerações timorenses, por isso ele tem o poder mágico em
afastar todos os problemas da vida pessoal e social.

XXIX Encontro AULP | 59


performance significativa para o ser humano, pois, ela é uma arte que faz feliz a vida. De
facto, a música também está ligada com o som da natureza que acompanha o descanso
dos seres humanos, e o som dos pássaros que acompanha a vida diária do homem.
É por isso que podemos dizer que os sons são produzidos pelas mais diversas fontes
sonoras, entre as quais o próprio homem que segundo Swanwick (2008, p.18; obs. cit.
Brites Dias, 2009, p.21),

A música pode ser agradável, pode manter as pessoas afastadas das ruas, pode gerar empre-
gos, pode engrandecer eventos socioculturais. Creio que a música persiste em todas as
culturas e encontra um papel em vários sistemas educacionais, não por causa de seus servi-
ços ou de outras actividades.

Além disso, este autor considera também a música como discurso, ou como uma arte
que transmite a mensagem sobre um algo sobre a vida do ser humano e suas respectivas
relações na sociedade. Realçamos ainda que as músicas podem estar associadas às
memórias e às lembranças, querendo dizer que as músicas podem transportar as pessoas
para o passado, quando essas pessoas lembram um algo tão importante ou significativo
que aconteceu na sua vida passada, por exemplo, a sua vida infância rodeada pela tristeza
e alegria, e essa memorização do passado através das músicas é sempre reflectida com a
melodia específica. As músicas estão sempre ligadas a celebrações e eventos, por exem-
plo, o nascimento, adolescências, casamento, morte.
Ouvir música é libertar a mente nas incertezas de vida e de stress, por isso, a música é
considerada como uma das modalidades que desenvolve a mente humana, proporcionan-
do um estado agradável de bem-estar, facilitando a concentração e o desenvolvimento do
raciocínio, especialmente a questão relacionada à acção de pensar.
A música é uma expressão humana que integra todo o contexto do individuo ao am-
biente e natureza em uma harmonia constante. A música serve para valorizar o sentido de
viver humano, porque está inter-relacionada com o sentimento. Todos já ouvem alguém a
cantar, ou a sentir ou saborear o som de um instrumento, de modo a poder dar a essência
de vida enquanto obra de arte. É por isso que segundo Glécia Oliveira (2014):

A produção musical reafirma sentimentos de pertencimento e distinção, colocando em jogo


a elaboração de uma identidade multicultural. (…) A música é, acima de tudo, um impor-
tante meio, uma arma vital para a negociação [das] diferenças3.

A música é usada para reflectir sobre a interacção entre os seres humanos com as coisas
(vida, culto e rituais que têm os próprios padrões de actividade sociocultural). Daí, a mú-
sica ser entendida como a inter-relação mais íntima com o viver concreto. Envolver o
sentimento mais profundo na vivência sociocultural e mística. Tem os seus próprios pa-
drões de actividade sociocultural, sua própria mistura de peso, espaço, tempo e movimen-

3. Oliveira, Glécia. 2014. Músicas e resistência: uma breve análise historica e discursiva do preconceito racial
e social nas músicas da banda Reflexu’s. In RAS – Revista Angolana de Sociologia, nº 13 – https://journals.
openedition.org/ras/1006 (acesso a 1/5/2019).

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to (Swanwick, 1999; Blacking, 1981; Williamon, 2004). Além disso, a vida social do nos-
so viver é enfeitada pelo som de musicalidade, significando que viver socialmente é uma
performance e procura compreende-lo com a “música” como processo de interação. Ou
seja, indo um bocado além de situar a música como parte da cultura, propõe entender a
vida social a partir do fazer musical, captando os modos pelos quais as performances criam
e recriam diversos aspectos da cultura e da sociedade (Seeger, 2015; Sautchuk, 2018).

2. A música da resistência
A música é uma arma para denunciar os crimes cometidos pelos políticos e a injustiça
social na sociedade global. Na luta pela democracia e pelos direitos humanos, alguns
músicos fizeram seu papel de fazer críticas com letras de musicalidade, e assim dizia Igor
Gomes que

A música e a luta política caminham juntas há um bom tempo. Seja com o Sam Cooke e a
Nina Simone inspirando a luta por direitos civis nos EUA; seja com Chico Buarque e Nara
Leão inspirando a luta contra a ditadura no Brasil; seja com o Racionais MCs denunciando
a violência policial já nos anos 90 na Zona Sul4.

Aliás, necessário compreender que a música de resistência ou de protesto já se ouviu


nas décadas 60 do século XX, o marco mais importante foi desde a guerra do Vietnã e os
movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos, que procurou transformar o mundo
para o possível respeito pela democracia e pela direitos dos civis. Estimulados por esse
contexto de fortes mudanças e transformações, cantores e compositores latino-america-
nos uniram-se com a ideia de que suas canções tinham o potencial de operar inúmeras
outras mudanças e transformações na sociedade. Eles passaram a compor letras que
propagavam ideias revolucionárias e atuavam na conscientização das massas. Criaram
movimentos, promoveram encontros transnacionais, mobilizaram o continente america-
no. Esses artistas deram voz ao que conhecemos como “canções de protesto” (Gomes,
2013).
Além disso, a música da resistência ou de protesto reflecte, sobretudo, a tortura, a
violência sexual, a matança e a intimidação, praticadas pelos regimes militares. A música
de resistência ou de protesto é um instrumento para denunciar a tortura que foi usada
pelos regimes militares para manter uma ou mais pessoas fiquem no sofrimento prolon-
gado, e essas pessoas embora estão no “buraco de tortura” continuam a acreditar que algo
do bem está por vir.

3. Músicas em Timor-Leste
Os timorenses têm suas próprias músicas que passavam de pais para filhos. Eram
cantos de guerra, inovações aos deuses, canção para a inauguração e a construção de
“Uma Lulik” (dahur, tebe dai), ou de da casa sagrada. A função de Uma Lulik é renuir as

4. Esta informação foi tirada no artigo de Igor Gomes intitulado “E a música de protesto, cadê?” publica-
do em https://medium.com/@igorgomes_chico/e-a-m%C3%BAsica-de-protesto-cad%C3%AA-af17c19ece87
(acesso a 2/5/2019).

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gerações do mesmo clã. A actividade de Uma Lulik normalmente ocorre uma vez por ano,
principalmente na época de colheita (sau batar5). A música para debulhar o arroz pisando-
-o com os pés (sama hare6). A música para entregar o dote de mulher (hafolin feto7) no
processo de casamento. Há música para reconciliação e da paz entre os timorenses (Nahe
Biti Bo’ot8). A música de cerimónia funeral está sempre ligada com a música da igreja.
Aliás, segundo o maestro timorense Simão Barreto (1996), a música é um elemento
catalisador de toda a manifestação cultural timorense. A música e a dança tradicionais
timorenses foram também influenciadas por outras culturas como a ocidental, fruto da
colonização portuguesa, bem como pela Indonésia. Do repertório tocado, constam alguns
géneros bem definidos: “tebe ou dansa e kansaun”. Todos se baseiam na tradição oral e
foram passando de geração em geração (Euclides & Costa, 2014, p.1).
Daí, a música estar sempre presente em cada actividade sociocultural. Por isso, a mú-
sica uma parte integrante à vivência dos timorenses. As canções em língua Tétum e com
muito ritmada e quase sempre acompanhada com a dança: dahur, tebe-tebe e bidu9, e de
instrumentos ruinosos. As letras de canções populares reflectem às necessidades da vida
sociocultural de cada região e as letras de canções de resistência ou canção de guerra re-
flectem, sobretudo, a heroicidade dos timorenses na luta contra o invasor indonésio, como
constata a interessante letra mauberiana no romance Colibere: “Eh Maubere Buibere! Eh
Timor Lorosa’e ita rain, rai Timor ita nia rain10”.
Cada música tem os seus próprios momentos e seus próprios instrumentos tradicio-
nais que os pais mesmo faziam como lakodo11 de bambu (uma espécie de violão); chifre
de búfalo (instrumento musical de sopro utilizado em receções de visita); babadok de pau
e pele de animais (um adereço utilizado para apresentar dança ou bidu tradicionais).
Vale a pena apresentar descritivamente os músicos timorenses que contribuíram para
o desenvolvimento musicais de “performance timorense” no nível local ao global.

Comecemos pelos maestros: Simão Barreto, o autor-maestro timorense, com uma carreira
internacional, e Cornélio Vianey da Cruz. Abril Metan, foi um famoso violinista e com-
positor. Teve grande prestígio como músico, morrendo na década de 90 em Timor. No en-
tanto, o ritmo tradicional kore-metan, que ele adoptou, continua a ser tocado e gravado em
Dili pelo seu filho. Mau Soko, pertencente a uma família de músicos distintos e construto-

5. Sau batar é uma actividade de colheita de milhos da comunidade timorense, geralmente essa atividade ti-
nha sido realizado antes do dia de sau batar.
6. Sama hare é de pisar se o arroz, debulhar o arroz e acompanhada com música de Mai ita sama Hare ou
vamos nos debulhar o arroz.
7. Hafolin feto é uma cerimónia de integrar a dote da mulher pela família do noivo
8. Nahe Biti boot ou esteiar se o tapete grande. A cerimónia de Nahe Biti Bo’ot ou cerimónia de reconciliação
é uma cerimónia tradicional e cultural do povo de Timor-Leste. A realização da cerimónia tem por objectivo de
reunir as comunidades timorenses que estão em conflitos
9. Palavra tebe-tebe ou tebe dai é conhecida como dança tradicional e os dançarinos cantam, saltam como
ritmados, sem utilizar instrumentos. E, bidu também uma dança, as mulheres usando os instrumentos tradicio-
nais como babadok, gongo e dadir, os homens dançar entre eles, pode ser entre a frente ou de traz da dançarinas.
10. Eh Maubere Buibere! Eh Timor Lorosa’e ita rain, rai Timor ita nia rain”. Significa o povo Maubere a
terra do Timor sol nascente é a nossa terra, o Timor é a nossa terra.
11. lakodo de bambu é um instrumento musical e acompanha nas várias apresentações da canção timorense.

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res de tambores. Ele distinguiu-se não só a construir, mas também pela perícia de tocar estes
tambores. Na diáspora, assumiu como missão passar os conhecimentos que possuía, o que
fez até à sua morte em 1996, em Melbourne, na Austrália.
Mas outros nomes aparecem no enorme rol de músicos timorenses: João Betro, mais co-
nhecido por Mau Mali, Zeto da Costa, Altino e Amândio de Araújo, Gina Correia,
Agostinho Moniz, cantor e compositor de Laclubar, José Pires, Francisco Tilman, Albi-
na da Costa, Fernando de Santos Castro, Mário Boavida e família, Jessica Maliana.
O grupo Maun Alin Iha Cristo, fundado em 1988, por Maria de Lourdes, mais conhecida
entre os timorenses por Mana Lu, é uma instituição que tenta minimizar as enormes carên-
cias da educação, saúde, serviço pastoral, etc. Visam o desenvolvimento social, cultural, e
económico das pequenas sociedades/comunidades nas regiões mais escondidas de Timor.
Adaptando-se à história das comunidades locais onde se inserem, e ao seu dialecto, apren-
dem as canções casino online e mudam-lhes os textos, dando-lhes uma feição mais cristã.
As músicas são belíssimas, ao mesmo tempo que fazem reviver canções que de outro modo
seriam esquecidas.
A banda Timorense Estrela do Mar, surge na década de oitenta e ainda hoje actua um
pouco por todo o Timor. A sua música pode ser considerada tradicional, com uma instru-
mentalização e interpretação modernas. Muitas das canções foram escritas na década de
oitenta por Chico Maloi, um homem que dedicou a sua vida à música, após soldados indo-
nésios terem morto a sua esposa. Actualmente, é talvez um dos músicos mais conhecidos
em Timor. Era membro da banda Cinco Orientes, muito conhecida antes de 1975 e que
desapareceria com a guerra. Actualmente, um grupo de jovens músicos adoptaram este
nome como designação da sua banda.
Jonhy Pereira, e Anito Marto são músicos que se afirmaram na década de noventa,
interpretando música de influência pop, que mobilizava a juventude12.

Esses músicos timorenses são pessoas ligadas directamente à música, têm carácter ser
profissional ou amador da música, e alguns deles estavam e estão a exercer alguma função
no campo da música como instrumentista, cantor ou compositor, porque eles percebem a
totalidade performance da música que vai ser apresentada ao seu público-alvo. Isto é, a
performance é muito importante para um músico a compor a letras de sua música, como
adverte Swanwick (1979, p.44) “(…) a performance é um compromisso muito especial,
um sentimento para o músico como uma espécie de presença”.
É necessário realçar também que a música e a dança tradicionais desempenhavam e
desempenham um papel importante em todas as atividades da vida humana e reconhecida
como os símbolos da identidade de maneira em que cada vez mais a música representa a
presença e o espírito dos ancestrais e também a música entendida como um remédio é que
tem o seu pode de curar os problemas psicológicos enfrentados pelo povo, por causa dos
sofrimentos do passado. A música tem uma força curadora, ela traz a luz, a alegria ou “A
música é a linguagem dos espíritos.” Khalil Gibran13.

12. Estas informações foram buscadas em http://www.cjpav.org/tt/cerit/ema-sira/edukasaun-ba-kultura/302-


-musica (acesso a 1/5/2019).
13. Para informações mais detalhadas consulte o Site Oficial:http://mensagens.culturamix.com/frases/citaco-
es-sobre-a-musica.

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3.1. O valor da música de resistência na formação do carácter revolucionário
timorense
A história da música timorense se cruza com a história da luta do povo de Timor-
-Leste. As letras e melodias das canções dialogam com a realidade de sofrimentos e de
massacrares, e ainda os problemas sócio cultural e político enfrentado pela população
foram quase três décadas.
A música de Timor-Leste realmente vindo a reflectir sobre às realidades e condições e
o contexto geográfico, cultural e social local, às cerimónias rituais, os costumes de forma
que cada vez mais não só conhecia como instrumento artístico, mas venha tratado como
algo congénito da própria comunidade timorense. Ou seja, todas essas coisas configuram
a particularidade de um povo com algumas lutas para alcançar um objectivo comum,
como no caso de luta dos timorenses pela sua independência, que do ponto de vista meta-
fórico, a luta heróica é uma “particularidade” dos timorenses e o desejo de “obter inde-
pendência” é um objectivo comum que deve ser alcançado. Certo é que para alcançar tal
objectivo comum, o povo timorense fez muitos esforços, um deles é lutar com letras
musicais, e para memorizar a luta pela libertação o Grupo Timor-Maubere lançou um
disco de “Músicas da Resistência” composto por 12 músicas contadas por veteranos.
Grande parte as letras destas músicas foram escritas por atuais dirigentes e figuras proe-
minentes da história da Resistência14.
Uma canção pode dar algumas luzes sobre uma determinada realidade. Uma canção
pode identificar e desenvolver o pensamento individual e colectiva de um ser humano
para se integra numa cultura. A música é a personificação da inteligência que se oculta no
som, e por isso que todas actividades acabam em canções. Como dizia Oscar Wilde: “A
música é o tipo de arte mais perfeita: nunca revela o seu último segredo15, mas revela um
momento único na história do ser humano, como no caso da história de luta dos timoren-
ses contra o invasor indonésio. É portanto o facto nos mostra que as canções têm uma
particularidade histórica na defesa de uma causa, e assim que as canções são, de algum
modo, consideradas como “grande arma” de luta pelos direitos civis, pela democracia, e
de luta pelas guerras a conquistar.
É por isso mesmo que apresentamos aqui algumas músicas de resistência como uma
forma de recordar memória de uma luta feita por via de letras musicais, e isso revela o
espírito patriótico de um e muitos timorenses que lutaram pela liberdade e independência
de sua Pátria Timor-Leste. Por exemplo, a canção intitulada “Lutar lutando” dá-nos
alguma mensagem de que os heróis do povo de Timor-Leste, principalmente, os
guerrilheiros da FRETILIN e das FALINTIL estiveram entregar sua alma e seu
corpo para libertar Pátria no cerco dos inimigos invasores.

14. É necessário justificar que o disco de 12 Músicas da Resistência contadas por veteranos foi lançado
pelo governo sob a pessoa do Primeiro-Ministro Rui Maria de Araújo no Palácio do Governo – veja https://
quedapamusica.wordpress.com/2015/07/25/para-uma-banda-sonora-alternativa-da-resistencia-timorense/
(acesso 1/5/2019).
15. Foi tirado em https://www.pensador.com/frases_arte_musica/ (acesso a 12/5/2019)

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Lutar lutando16
Lutar lutando, continuando,
Os guerrilheiros da FRETILIN
As gloriosas FALINTIL
Não agressores morte aos traidores
Maubere alerta, vitória é certa (bis)
Morrer matando, matar morrendo
Por causa justa, na justa luta
Indo em defesa do solo pátrio
Solo tingido, sangue vertido
Revolução para a nação (bis)

Vale a pena dizer também que a música “Lutar lutando” revela-nos uma memória,
uma luta com letras de musicalidade, em busca de justa resistência e em defesa de uma
verdade histórica. Revela-nos também uma história de derramamento do sangue por uma
revolução do povo pela liberdade e autodeterminação com o sangue derretido no corpo,
que simboliza “resistir e vencer” e “a vitória é certa”. Estas expressões eram palavras de
ordem do comando de luta na afirmação da identidade cultural, e por isso que a música
também revela a identidade cultura de um povo, e assim podemos considerar as músicas
de Resistência como músicas de afirmação das identidades (cf. Hargreaves, 2004).
Não podemos esquecer também que há uma outra canção que revela a repugnância do
povo timorense sobre a presença dos javaneses em Timor-Leste, como constata as letras
da canção “Ó Javanês, Ó Javanês”17.

Ó javanés, ó javanés Ó javanês, ó javanês


Fila ba o nia rain haree parente (bis) Regressa para tua terra a cuidar teus parentes
Tansa tansa o mai to’o iha ne’e? Porque é que vieste aqui?
Tansa tansa o mate nune’e? Porque é que morres desta maneira?
Tansa tansa o mate arbiru deit? Porque é que morres estupidamente?
Buat ne’e hotu ema riku nia hahalok Tudo isso é interesse dos ricos.

Sabemos ainda que a denúncia da dominação indonésia foi feita pela visão artística,
isto é, através das letras musicais, dos versos poéticos e das pinturas. Muitos países fize-
ram vénia de solidariedade com a luta do povo timorense pela autodeterminação e inde-
pendência, e essa tal solidariedade foi mostrado também por algum grupo jovem com a
apresentação de algumas canções por Timor, por exemplo, canção “Timor dos Trovante”
com letra de João Monge que estava incluída no álbum Um Destes Dias (1990), que acla-

16. Esta música de resistência e revolucionária foi recolhida pelo Tercisio Pinto, e apresentada por ele na 3ª
conferência internacional “A produção do conhecimento científico em Timor-Leste”, 13-15 de Setembro 2018,
organizado pela Unidade de Produção e Disseminação do Conhecimento/Programa de Pós-graduação e Pesqui-
sa da UNTL
17. Esta música de resistência e revolucionária foi escrita por António do Espirito Santo (Watumau), e reco-
lhida pelo Tercisio Pinto, e apresentada por ele na 3ª conferência internacional “A produção do conhecimento
científico em Timor-Leste”, 13-15 de Setembro 2018, organizado pela Unidade de Produção e Disseminação do
Conhecimento/Programa de Pós-graduação e Pesquisa da UNTL

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mava a voz dos oprimidos com uma responsabilidade de redenção, quando grita suave-
mente:

Ai Timor
Calam-se as vozes dos teus avós
Ai Timor
Se outros calam cantamos nós

É uma forma de assumir a voz de geração de vítimas anteriores à descolonização


portuguesa e de reconhecer os erros cometidos pelos políticos portugueses de época 25 de
Abril de 1974 que deixaram o povo de Timor mergulhado no sofrimento prolongado. Foi
nesse contexto que “Timor dos Resistência” apresentado no álbum Mano a Mano (1992),
e assim que a canção Timor dos Resistência foi reforçada pelas letras de Pedro Ayres
Magalhães, reflectindo sobretudo, a saudade que teve um irmão pelo Timor:

Andorinha de asa negra


Se o teu voo lá passar
Faz chegar um grande abraço
Dá saudade a Timor.

Talvez, as andorinhas iam apresentar a mensagem de saudade a Timor, mas essa men-
sagem foi recebida com lágrimas e nem ouviam a voz das crianças a chorar. De facto,
como dizia letra da música “Timor dos Resistência” que “já não posso lá voltar/á idade de
lembrar/a Timor” além-de-mar que alguma vez Ruy Cinatti o designa “mulher amada”
(Araújo, 2014).
É necessário revisitar também uma temática bastante interessante que devemos
conhecer como parte integrante do circuito das músicas da Resistência, como o “Resistir
É Vencer” do álbum Olhos Meus, lançado em Novembro de 1999. É um álbum que
reflectia, sobretudo, a luta do povo de Timor e seus respectivos sofrimentos sentidos pela
libertação de sua Pátria Timor-Leste. Outra canção da Resistência que devemos conhecer
e considerar também é “Mate ka Moris Ukun Rasik An” do álbum Today’s Empires,
Tomorrow’s Ashes, inspirada pela vida de Bella Galhos18. Tal fato ocorre quando a memó-
ria coletiva é construída para atender a função de “definir e reforçar o sentimento de
pertencimento e as fronteiras” (Pollak, 1989, p. 1).
É por isso que a música é uma arte que revela a identidade original e digna no viver
humano, e muitas pessoas reconhecem que a música aumenta a qualidade de vida huma-
na, o senso estético. Não se deseja passar um dia sem ela, pois ela evoca a criação. Isto
nos relembra que a educação musical deve contribuir para a formação integral humana
em todos os seus aspectos: físico, espírito, social, intelectual, de forma que cada um pos-
sa desenvolver a sua criatividade e senso crítico, seus valores que o conduzam à sua

18. Bella Galhos foi uma resistente timorense que sobreviveu após do Massacre de Santa Cruz, conseguiu
sair de Timor e viveu no Canadá, e lá que fez várias denúncias contra o regime ditador indonésio e suas relações
norte-americanas. Informação mais completa consulta-se o artigo de Rui Lopes intitulado “Para uma banda
sonora alternativa da resistência timorense” in https://www.google.pt/amp/s/quedapamusica.wordpress.
com/2015/07/25/para-uma-banda-sonora-alternativa-da-resistencia-timorense/amp/ (acesso 2/5/2019).

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construção da própria história. A educação musical quase sempre tem vida por si próprio,
ou seja, está sempre presente em cada momento de formação do individuo.

3.1. Dança Dahur musicalizado no quadro da Resistência timorense


As principais danças típicas timorenses que têm forte ligação com a cultura e a natu-
reza, é o dahur. O dahur é apresentado em vários eventos ou festivais sociais e culturais
realizados pela comunidade timorense na época da construção e da inauguração de uma-
-lulik, na actividade de colheita de arroz, e outra actividade religiosa.
O dahur é uma dança tradicional timorense que está a ser utilizada pela comunidade
timorense ao longo dos tempos, e transmitida de geração em geração. A dança dahur re-
flecte o contexto geográfico que envolve alguns elementos artísticos, sendo capaz de ex-
primir os valores autóctones tanto as mais simples quanto as mais fortes emoções, assim
que o dahur tem uma forte influência sobre a vivência social da sociedade timorense.
O dahur é um tipo de dança feita em grande círculo, pode ser em roda, constituído por
um ou mais conjunto de sons que formam uma ou mais frases musicais, com variações e
com e sem acompanhamento instrumental, executada por elementos femininos e mascu-
linos entrecruzados de um depois do outro, de forma diálogo. O círculo ou pode ser a
meia-lua alarga-se ou concentra-se, enquanto os dançarinos saltam com movimento mui-
to vivo, batendo ritmadamente e entusiasticamente os pés no chão em determinadas lin-
guagem musical. As músicas dahur são músicas acompanhadas com dançar movimento
corporal, são lendárias e geralmente de origem de remota de carácter poético e representa
a vida da uma comunidade do passado continuando a transmitindo assim, para a constru-
ção da vida futura melhor e abençoada.
A música sempre é utilizada pelo homem como meio de comunicação e resgate da
história das sociedades. Uma das características mais marcantes na história da Resistência
do povo Maubere é a sua cultura e sua música. A música é usada muitas vezes para acom-
panhar a dança Dahur no momento que os velhos e os jovens fazem marchas nas ruas pela
liberdade e autodeterminação. Portanto, deve ser levada em consideração a partir do mo-
mento em que canta música “Fretilin besi asu” acompanhada pela dança dahur, o espírito
de luta do povo timorense nas épocas passadas. Segue a música de Resistência que se
aplica para a dança dahur, intitulada “Fretilin besi asu/Fretilin ferro sólido”19

Fretilin besi asu Fretilin, ferro sólido


Harii nian bandeira Içando a sua bandeira
Rin besi asu Poste de ferro sólido
Talin be korente la kotu Corrente que não quebra
Besi asu tebes duni Poste de verdadeiro ferro sólido
Soeharto doko doko Soeharto por mais que abane
Ada Malik doko doko Ada Malik por mais que abane
Talin be korente la kotu Corrente que sendo de elos fortes não quebra

19. Esta música de resistência e revolucionária foi recolhida pelo Tercisio Pinto, e apresentada por ele na 3ª
conferência internacional “A produção do conhecimento científico em Timor-Leste”, 13-15 de Setembro 2018,
organizado pela Unidade de Produção e Disseminação do Conhecimento/Programa de Pós-graduação e Pesqui-
sa da UNTL

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A dança dahur acompanhada pelas letras da música “Fretilin besi asu” é de certeza
que revela uma produção artística associada ao movimento social revolucionário de um
povo que queria libertar-se no obscurantismo do regime colonialista e do invasor.
O “Foho Ramelau” é uma outra canção da Resistência que começou representar como
Hino da Fretilin, e foi composto por Afonso de Araújo e tem letra de Francisco Borja da
Costa. É uma canção que estava a ser cantada com grande sentimento de patriotismo, e
sempre acompanhada com a dança dahur, para puder invocar os espíritos guerreiros dos
ancestrais timorenses.

Hei Foho Ramelau, O Foho Ramelau Oh Monte Ramelau


Sá be aas liu o tutun? O que há mais alto que o teu pico?
Sa be bein liu o lolon? O que há maior do que a tua majestade?

Tan sá Timor oan hakruk be-beik? Porquê, Timor, se inclina a tua cabeça?
Tan sáTimor ulun sudur oioin? Porquê, Timor, estão os teus filhos escravizados?
Tan sáTimor oan a’atan oioin? Porquê, Timor, vagueiam os teus filhos como escravos?

Hader! Rai-hun mutin ona la! Acorda! O sopé da montanha é vasto.


Hader! Loron foun sa’e ona la! Acorda! Um novo sol nasceu.

Loke matan! Loron foun to’o iha o knua! Abre os olhos, um novo sol ergue-se sobre a tua aldeia
Loke matan! Loron foun iha ita rain Abre os olhos, um novo sol ergue-se sobre a tua terra

Hader! Kaer rasik o nia kuda talin! Acorda! Toma as rédeas do teu cavalo.
Hader! Ukun rasik ita nia rain Acorda! Toma o controlo da tua terra.

A Fretilin escolheu “Foho Ramelau” como seu hino, porque compreendeu sobretudo
o valor simbólico que o Monte Ramelau tem para os timorenses, e aliás, é a montanha
mais alta de Timor-Leste e representa simbolicamente o carácter de resistência do povo
timorense. Trata-se de uma canção com letras invocatórias que se tornou uma fonte de
inspiração para os guerrilheiros e os militantes patrióticos para se unirem a defender a
Pátria Maubere. Portanto, os velhos, os jovens e as crianças, os artistas, os políticos e até
os guerrilheiros armados, dançam o dahur e cantam as músicas de resistência, como uma
manifestação de recusa a presença do regime de Jakarta – Indonésia. É portanto, a canção
– no período da resistência timorense, e a mesma luta que se viu acontecer no Brasil con-
tra a ditadura militar – foi usada como forma de comunicação e de registro. Porque trans-
mitia uma mensagem sobre “sentimentos de falta, de saudade, de perda, de desespero, de
sofrimento e de luta, compartilhados por todos que sofreram exílio, torturas, prisões e por
quem queria acabar com aquele regime. Através dela era possível passar as idéias que não
eram permitidas pelo regime” (Paulse, 2009, p.205).

Conclusão
Perante uma obra de arte musical e dança tradicional na cultura timorense, pode ser
tem sentido profundo nas suas próprias emoções e sentimentos, da beleza e da harmonia,
a partir de uma escala de notas se pode, de acordo com determinadas leis da tonalidade,

68 | XXIX Encontro AULP


produzir harmonia universo ou dissonância de som que serve para realçar o sentido de
pensamento, sentimento e emoções artística, sensação e intuição.
Neste sentido, de certo momento, a música revelando as suas energias naturais de um
bom retrato, no sentido humanístico na medida em que é necessária para sobrevivência do
ser humano. Ela está sempre pronto porque sempre faz parte da vida humana, desde o seu
princípio. E, isto entendido como uma expressão tipicamente humana de modo se apre-
senta as actividades sociais e culturais de uma certa comunidade.
Por isso notamos que em qualquer atividades sociais e culturais, ou os movimentos
sociais, as manifestações politicas e religiosas realizadas na sociedade, a música esteve e
está sempre presente para transmitir a mensagem desejada por meio de sons, o ritmo e a
melodia da música e contempla se ao mesmo tempo no ritmo da vida da pessoa de uma
dada cultura. É assim que “na música, como representante de um género textual, a
produção discursiva apresentava-se constituída de vários sujeitos, identificados num
discurso heterogéneo em que o sujeito, ora se apresenta como dono único do seu dizer,
ora como representante de várias outras vozes”20. Realçamos também que a memória
discursiva se apresenta nas letras musicais da Resistência timorense está repleta a força
de uma vontade e de patriotismo no dizer “mate ka moris ukun rasik – morrer e viver,
independência é certa”.

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Latências identitárias de ontem e de hoje na dança dos
heróis simbólicos de Martha Graham1

Cristina Graça
Escola Superior de Dança, Instituto Politécnico de Lisboa, Portugal; E-mail: [email protected]

1. A Modern Dance Americana: That Will Be America Dancing


A dança, enquanto ocorrência social gerada a partir de contextos específicos, incorpo-
ra e reenvia ao público, através do movimento, muitas das conceções culturais que mar-
cam o tempo dos seus autores.
Nesta perspetiva, o desejo de criar uma forma de dança que fosse distintamente ame-
ricana e que traduzisse uma visão do mundo diferente das expressões e representações
europeias e aristocráticas veiculadas pelo ballet foi um dos propósitos subjacentes à
emergência da modern dance na América, como nos dão conta as palavras de Isadora
Duncan:

Why should our children bend the knee in fastidious and servile dance, the Minuet, or twirl
in the mazes of the false sentimentality of the Waltz? Rather let them come forth with great
strides, leaps and bounds, with lifted forehead and far-spread arms, to dance the language
of our Pioneers, the fortitude of our heroes, the Justice, Kindness, Purity of our statesmen,
and all the inspired love and tenderness of our Mothers. When the American children dance
in this way, it will make them beautiful beings, worthy of the name of the Greatest Demo-
cracy. That will be America Dancing. (1927/2002, p. 199)

Diremos, pois, que a modern dance americana, ancorada numa elite culta, de expres-
são eminentemente urbana e feminina, contrariou, nas primeiras décadas do século XX,
convenções estéticas e sociais enraizadas, ajudando a redesenhar a própria cultura que a
havia produzido. Mas, se esta “ new force in the American arts” (Foulkes, 2002, p.25)
refletia o espírito inconformista e progressista característico da América, também viria a
corporizar, reativamente, num subtexto de significação latente, a expressão de uma iden-
tidade nacional que, na essência, se revia como branca, anglo-saxónica, cristã e social-
mente estruturada numa perspectiva patriarcal.

1. Martha Graham (1894-1991) Sistematizou e desenvolveu um novo vocabulário de dança que se tornou
simultaneamente um sistema de treino e um instrumento coreográfico. A técnica Graham usa a respiração e a
oposição como princípios estruturantes, dos quais resultaram os conceitos de contraction/release e spiral que a
suportam. Os movimentos em que o corpo se recolhe sobre si mesmo para, logo depois, se expandir, feitos em
diferentes dinâmicas e registos emocionais, associados à teatralidade e tensão da espiral, conferiram ao seu
trabalho uma dimensão angular, definida, forte e assumidamente dependente da gravidade que conferia poder ao
corpo das bailarinas (Jowitt, 2012).

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Integrando, a um tempo, a ideia de uma expressão individualizada – um dos marcado-
res identitários mais relevantes do imaginário americano – e colectiva, o constructo “the
American dance” (Needham, 2002, p.1) requeria, por isso, temáticas, narrativas, persona-
gens e lugares que tivessem ligação com a realidade do país, ainda que essa realidade se
alicerçasse tão-somente na “tradition of our Anglo-Saxon forefathers” (Shawn, 1950,
p. 114) e, deste modo, fosse condicionada por uma perspetiva W.A.S.P. (White, Anglo-
-Saxon, Protestant), como faz notar Needham: “African American, Asian American, Spa-
nish American, and Native American dances were assumed to reflect character traits of
“the other”, which meant they did not follow the performance preferences or styles attri-
buted to the dominant majority of the population”. (2002, p. 2)
Em linha com a observação de Needham, o legado textual de Isadora Duncan, cultu-
ralmente marcado por essa whiteness hegemónica, reforça o testemunho da afirmação de
um nós oposto àqueles outros cujos modos, hábitos e exteriorizações culturais eram sen-
tidos como disruptivos da projeção identitária anglo-saxónica:

I, too, had a vision – the vision of America dancing a dance that would…have nothing to do
with the sensual lilt of the jazz rhythm: it would be like the vibration of the American soul
striving upward, through labour, to harmonious life. Nor had this dance that I visioned any
vestige of the Foxtrot or Charleston – rather was it the living leap toward the heights, towar-
ds its future accomplishment, towards a new great vision of life that would express Ameri-
ca. It seems to me monstrous that anyone should believe that the Jazz rhythm expresses
America. Jazz rhythm expresses the primitive savage. (Duncan, 1927/2002, p. 198-199)

Também Ted Shawn, em 1938, nas conferências e palestras que proferiu no George
Peabody College for Teachers (Nashville, Tennesse) viria a eleger as mesmas temáticas
para a sua própria definição de uma dança genuinamente americana:

It is our concern that the dance of America shall express the richness, the dignity and mello-
wness of our national tradition; that it have the bigness of heart and long-suffering of our
Lincoln; the vastness of our plains, the majesty of our mountains, the fertility of our soil…
But, beyond this, because of the tradition of our Anglo-Saxon forefathers, who fought and
died to make it possible for us to have Life, Liberty and the Pursuit of Happiness, we must
in all our activities be a torch to the world and in the dance most of all. (1950, p. 114)

Menos radical do que Duncan e Shawn quanto à exclusão do legado afro-americano,


Doris Humphrey não deixou, mesmo assim, de expressar a ideia de que a diversidade
cultural se constituía como uma dificuldade na conceção de uma dança genuinamente
americana:

He [the American dancer] must know not only how his experience originates...but also what
part it takes in the organic progression of his race. The most difficult problem for the Ame-
rican dancer is the realization of this relationship…because of his conglomerate racial heri-
tage without a common folk-lore or mythology. (Humphrey, 1932, pp. 46-47)

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Assim, o sujeito discursivo branco terá, inicialmente, optado por não integrar no seu
conceito de American dance as alteridades que com ele partilhavam o espaço geográfico
e social, mantendo os palcos e as companhias racialmente separados e atribuindo o esta-
tuto menor de primitivo, sensual e vernáculo às produções dos bailarinos afro-americanos:

African Americans› natural dancing ability confirmed their closeness to so called primitive
societies, unsophistication, nature, bodies, and sex…white critics had difficulty acknowled-
ging African American dancers› contributions to an aesthetic project that included philoso-
phical ideas about art. Racism limited their involvement in modern dance…and performan-
ce opportunities were scarce. (Foulkes, 2002:77)

O progressismo cinético das fundadoras da modern dance, assente na expressão indi-


vidual de um sujeito excecional, excluiu, pois, da sua high art – abstrata, despida de arti-
fícios e rigorosa no movimento e nos conceitos que o sustentavam – as manifestações
artísticas daqueles outros que a sua própria cultura subalternizava e excluía de uma mito-
logia comum.
Das marcas identitárias que a dança modern dance ambicionava apreender, Graham
elegeu a “vastness of our plains” e o(a) settler mítico(a) da conquista do Oeste para su-
portar imagisticamente Frontier2 (1935), um solo que projetava a ideia de uma America-
ness construída com base na apropriação do espaço. Os movimentos largos e amplos e o
poderio físico necessário para os inúmeros saltos executados pela bailarina testemunha-
vam o esforço e o poder de superação dos conquistadores, naquilo que Foulkes qualifica
como “the glorification of an individual´s strength and resolution with outstretched
arms and forceful high kicks (2002, p. 44). Frontier, ao convidar os americanos a olhar
“homeward”, como propunha a revista Dance em dezembro de 1938, apelava ao espírito
empreendedor, combativo e aventureiro da América, tornando-se um retrato coletivo de
resiliência, conquista, autoconfiança e afirmação identitária que se constituiu como exem-
plo paradigmático do movimento designado como Americana, uma manifestação artística
simultaneamente estética e política, de cariz nacionalista, desencadeada pela crise da dé-
cada de 1930 e continuada durante os anos da guerra. Corporizado por uma mulher que
se afirmava fora da esfera doméstica, sem a tutela do casamento e sem a aura da materni-
dade, Frontier, enquanto imagem de triunfo, poder e pujança moral e física, enviava aos
americanos um sinal claro de mudança quanto ao papel feminino na ordem tradicional.
No final dos anos de 1930, Graham e as suas bailarinas expunham, assim, a indepen-
dência, o vigor e a assertividade social, intelectual e económica das mulheres, tornando-
-as metáforas de liderança e independência.

2. As Modern Dancers: A Construção de uma Identidade Autoral no Feminino


Como referimos no ponto anterior, a procura de uma motilidade alternativa protago-
nizada pelas fundadoras da modern dance deu visibilidade a um fenómeno de afirmação

2. Frontier, obra de 1935, com música de Louis Horst e cenário de Iasmu Noguchi. Ethel Winter interpreta-a,
numa reconstituição feita pela própria Martha Graham, em http://acceleratedmotion.org/dance-history/creating-
-american-identities-2/primary-sources/. Janet Eilber também interpreta Frontier (com introdução explicativa
de Martha Grahm) em https://www.youtube.com/watch?v=wX--wIO82FY.

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social e profissional protagonizado por mulheres que transformaram em objetos perfor-
mativos as suas visões e preocupações, através de narrativas e de corpos também femini-
nos. Ao invés de serem leves aves, frágeis donzelas ou espectros incorpóreos, estas baila-
rinas assumiram através do movimento a materialidade dos seus corpos e redesenharam
os cânones do movimento dançado, numa afronta à tradição estética que causava estra-
nheza e desconfiança aos públicos mais tradicionais: “Graham and Humphrey accumula-
ted descripions of their dancing as masculine and ugly” (Foulkes, 2002, p. 79).
Foi com estes vocabulários não familiares, agressivos e angulares para muitos espeta-
dores, que também no plano político Graham atribuiu à dança e às mulheres um papel
inovador: o de comentadoras naquele que era um terreiro habitual de confronto no mas-
culino. Num momento em que os ideários fascistas tomavam a Europa e se assistia à
Guerra Civil em Espanha, a sua postura antifascista e de oposição à guerra levou Franko
a afirmar “her choreography itself became identified with the Popular Front” (2012: 18).
Esta posição já patente em Chronicle3 (1936) intensificou-se em Immediate Tragedy4
(1937) e em Deep Song5 (1937), peças que transmitiam em forma de movimento a expe-
riência humana da guerra e manifestavam apoio aos ideais democráticos das forças opo-
sitoras ao General Franco.
Desta forma, Graham, a par de outras autoras do seu tempo, em vez de integrarem o
anonimato do corpo de baile, tornaram-se solistas, criadoras e diretoras de companhia,
consubstanciando, através da dança, uma nova visão do feminino, não compaginável com
a subalternização e a domesticidade herdadas da era vitoriana. A dança escrita no femini-
no tornou-se, assim, numa alegoria da afirmação pessoal, social e profissional que as
mulheres do início do século XX perseguiam: dançavam para expressar ideias e emoções
de um ponto de vista feminino, através de novas linguagens de movimento também de
regulação feminina; dançavam fora das convenções estéticas patriarcais, não como deli-
cada e subalterna idealização do feminino, mas como corpo material construtor de uma
nova ordem: “Through modern dance and its affirmation of the female body, women
chose to be agent rather than object. (Hanna, 1988, p.131)
Martha Graham, em concreto através do estabelecimento de um novo paradigma de
movimento técnico, foi capaz de ultrapassar a expressão individualizada da modern dan-
ce cujos vocabulários coreográficos corriam o risco de se extinguir com as suas autoras,
já que a efemeridade do corpo se fazia metáfora da efemeridade da própria dança. O que
aqui pretendemos dizer é que, se a abstração do movimento balético com os seus códigos,
normas, formas e vocabulários, podia ser transmitido verticalmente de professor para
aluno e horizontalmente do coreógrafo para os bailarinos, a modern dance parecia exclu-
ída dessa possibilidade antes de os seus movimentos terem sido tornados abstractos, co-
dificados e transformados em técnica.

3. Bailado composto por três partes (Dances Before Catastrophe/Dances After Catastroph/Prelude to Action)
estreado a 26 de dezembro de 1936, em Nova Iorque, com música de Wallingford Riegger (versão completa em
https://www.youtube.com/watch?v=BXGPJPG3aOE, dançada pela Martha Grahm Dance Company).
4. Bailado estreado a 30 de julho de 1937, em Bennington, Vermont, com música de Henry Cowell.
5. Obra estreada a 19 de dezembro de 1937, em Nova Iorque, com música de Henry Cowell (excerto dançado
por Carrie Ellmore-Tallitsch no Joyce Theater, em 2015, em https://www.youtube.com/watch?v=-aoyWTItS08).

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Neste aspeto específico, Graham transpôs o preconceito que ligava o pensamento abs-
tracto aos homens e contrariou a ideia de que a expressão individualizada da modern
dance, suportada pelo corpo e pela mente femininos, seria incapaz de sistematizar os
vocabulários criados e ultrapassar a individualidade. Muito embora o seu propósito fosse
a procura de uma expressão universal e não de uma expressão exclusiva às mulheres, a
sua técnica tornou-se “embodied conciousness of a feminine subject” (Bartky, 1990, p.1),
pelo facto de assentar em potencialidades expressivas e cenestésicas de regulação femini-
na, como evidenciam as próprias palavras de Graham em Blood Memory:

Now Jocasta kneels on the floor at the foot of the bed and then she rises with her leg held
close to her breast and to her head, and her foot way beyond her head, her body open in a
deep contraction. I call this the vaginal cry; it is the cry from her vagina. It is either the cry
for her lover, her husband, or the cry for her children. (1991, p. 214)

Em várias das obras que criou a partir de 1944, Grahm reinterpretou coreograficamen-
te narrativas da mitologia greco-romana. Nelas, a condução do fio diegético deixou de
pertencer ao herói masculino e tornou irrelevantes os feitos guerreiros e as conquistas
territoriais, estandartes tradicionais da afirmação masculina na mitologia, na história e na
política. Revisitados, estes mitos foram o pano de fundo onde Graham inscreveu as suas
“landscape[s] of the human soul” (Graham, 1991, p. 96); mais do que dançar uma histó-
ria, traduziam em forma de movimento as experiências, desejos e perceções de uma pro-
tagonista feminina que a narrativa patriarcal sempre secundarizara enquanto complemen-
to da ação. Medeia, Jocasta, Clitmnestra e Phaedra conduzem a ação a partir do ponto de
vista do seu desejo erótico, ou da frustração dele, em vez de serem objeto passivo do de-
sejo masculino.
Adicionalmente, o recurso a figurinos que cobriam as pernas das bailarinas e impe-
diam a sua exposição ao olhar do espetador masculino contribuiu para uma inversão da
lógica escópica, assente num “male gaze” (Mulvey, 1973, p. 384) que tradicionalmente
desfrutava do corpo feminino enquanto espetáculo6. Ao cobrir os corpos com saias longas
ou com vestidos tubulares, Graham recentrava o olhar sobre o movimento das bailarinas,
em concreto sobre as capacidades expressivas do torso, exponenciadas pelos novos voca-
bulários estabelecidos: a contraction, o release e a spiral.
Em sentido inverso, quando passou a integrar elementos masculinos nas suas coreo-
grafias, o corpo destes surgiu frequentemente exposto, espetacularizado, numa quase nu-
dez que contrastava com os figurinos que velavam o corpo das mulheres. Indicadora de
uma rotura com a economia visual da ordem patriarcal, esta reconfiguração do paradigma
voyeurístico que objetivava e erotizava o corpo masculino era, também ela, um sinal re-
velador das mudanças sociais protagonizadas pelas mulheres:

6. Até um momento relativamente recente no contexto da história da arte, o recetor da obra (coleccionador/
espetador/patrono/dono) era fundamentalmente masculino. De acordo com Berger, sendo este recetor perciona-
do como masculino, era para o deleite do seu olhar que a obra era concebida. No caso paradigmático da pintura,
o corpo feminino nu, idealizado na forma, na sedução, na exposição e no desapossamento da horizontalidade,
era, tanto no lado do produtor/pintor, como no lado do recetor/visualizador, exibido para um olhar masculino
como posse material e simbólica.

XXIX Encontro AULP | 75


The public celebration of men as erotic objects is a phenomenon that could only occur in
periods when women had gained a measure of social equality. The late 19th century saw the
emergence of the matinee idol, an actor whose looks and personality especially appealed to
female audiences. (Shewey, 1990/2009, p.107)

Particularmente em Phaedra, uma obra do início dos anos de 1960, Graham iria exa-
cerbar esta subversão da lógica escópica normativa, atribuindo à bailarina “the controling
gaze” (Mulvey, 1973, p. 384) sobre o corpo masculino. O desejo erótico da protagonista
era dado a conhecer pela observação voyeurística do corpo de Hipólito, mediante a mani-
pulação de um conjunto de painéis deslizantes que escondiam e expunham sucessivamen-
te diferentes partes do corpo do afilhado, objeto de desejo. Neste processo, o prazer de ver
é colocado do lado da protagonista que fragmenta e objetifica o corpo observado, sub-
traindo-lhe a sua unidade e completude humana e reforçando, desse modo, o seu papel
controlador.
Errand into the Maze (1947), uma releitura do mito do Minotauro, apresenta, igual-
mente, uma perspetiva incomum quanto à representação do papel masculino. Nesta peça
construída em forma de dueto, o confronto desenrola-se entre Ariadne, aqui a figura
heroica que usurpa o protagonismo e a própria existência de Teseu, e a criatura bestial,
meio homem meio touro, símbolo do medo e da opressão que acaba vencida pela heroí-
na feminina.
Do ponto de vista da economia do olhar, a objetificação do corpo masculino em
Errand into the Maze resulta de múltiplas estratégias. A começar, pela espetacularização
da fisicalidade do bailarino a que atrás aludimos. Em segundo lugar, pela limitação de
movimento a que o seu corpo está sujeito, fragilizado por um adereço cénico que o impe-
de de usar os membros superiores e o impossibilita de se apossar de Ariadne. Como refe-
re Rohlinger (2002) relativamente ao universo da publicidade, a imagem da mulher amar-
rada é um dos símbolos mais poderosos do exercício de controlo do masculino sobre o
feminino. Graham faz uso desta simbologia, mas transfere-a, aqui, para o corpo do baila-
rino homem. E, em terceiro lugar, por um processo de animalização que subtrai a figura
masculina à esfera do humano e do racional, colocando-a, de certa forma, fora da ordem
simbólica criada pelo próprio sistema patriarcal. A figura masculina, derrotada e reduzida
à sua essência biológica e morfológica, transforma-se em inócuo fetiche, construindo,
assim, novas perceções sobre o corpo, nas quais a mulher surge como a construtora de
sentido e o homem como a ideia (re)construída. (Butler, 1999)
Corroborando também esta perspetiva de debilitação simbólica da autoridade mascu-
lina e patriarcal, Burt comenta a propósito de Night Journey (1947): “The only two male
characters in “Night Journey” are blind, marking them as weak and symbolically castra-
ted, just as American men were by their war time experiences”. (1998, p.30)
Embora Graham se tenha demarcado sempre das lutas feministas, a assertividade das
suas heroínas simbolizava, à época, uma ameaça direta à sobrevivência do regime patriar-
cal ao subverter o ideal virginal e incorpóreo epitomizado pela bailarina romântica. Ao
mesmo tempo, a liberdade de expressão em forma de movimento que as suas bailarinas
evidenciavam igualava a liberalização sexual que os anos da guerra haviam trazido às
mulheres e que se constituía como outro fator disruptivo da autoridade masculina:

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I know that my dances and technique are considered deeply sexual, but I pride myself in
placing onstage what most people hide in their deepest thoughts…It bemuses me that my
school in New York has been called “The House of the Pelvic Truth”, because so much of
the movement comes from a pelvic thrust, or because I tell a student “you are simply not
moving your vagina.” (Graham, 1991, p. 211)

O caráter transgressor e voluntarioso das personagens femininas de Graham, o prota-


gonismo diminuído das representações masculinas e a inédita exposição dos seus corpos
em cena geraram, através da escrita coreográfica, novas identidades escópicas e novos
sentidos para a leitura dos corpos na dança que, como observa Foster, “disrupted the se-
xual economy of viewing to which the audience had become accustomed” (1996, p. 23).
Neste processo, o universo representacional da dança e a sua nova economia visual pu-
nham em causa o domínio patriarcal sobre a identidade feminina e sobre a sua sexualida-
de, num processo freudiano de castração simbólica que ameaçava a ordem ancestral e
deixava insegura uma América pouco tolerante a representações que contestassem a ima-
gem de robustez, vigor e autoridade do homem.

3. Recuperando a Ordem Simbólica Patriarcal: O Subtexto Heteronormativo


dos Heróis de Martha Graham
Como observa Franko, os significados produzidos a partir da dança e dos corpos que
a executam são complexos, múltiplos e até contraditórios:

...dance can absorb and retain the effects of political power as well as resist the very effects
it appears to incorporate within the same gesture. This is what makes dance a potent politi-
cal form of expression: it can encode norms as well as deviation from the norms in structu-
res of parody, irony, and pastiche that appear and disappear quickly, often leaving no trace.
(2006, p.6)

Neste sentido, a exposição do corpo masculino a que fizemos referência no ponto


anterior pode ter uma leitura secundária que, ao invés de apontar no sentido da fragiliza-
ção e da objetificação, se compreenda como parte de um processo de reafirmação e de (re)
construção identitária, na qual o corpo forte e perfeito do herói, inequívoca e enfatica-
mente másculo, serviria de modelo idealizado para os públicos masculinos, num processo
de confirmação da ideologia tradicional que não acomodava a ideia de exibição e objeti-
ficação sexual da figura masculina:

A male movie star´s glamorous characteristics are thus not those of the erotic object of the
gaze, but those of the more perfect, more complete, more powerful ideal ego conceived in
the original moment of recognition in front of the mirror. (Mulvey, 1973, pp. 384-385)

Deste modo, se numa primeira análise o palco parecia confirmar o processo de afirma-
ção que as mulheres haviam encetado socialmente, as subsequentes leituras permitidas
pela polissemia do texto coreográfico levar-nos-ão a uma ideia de retorno à normativida-
de patriarcal. Ou seja, se por um lado a reconfiguração do paradigma voyeurístico levada

XXIX Encontro AULP | 77


a cabo por Graham ao objetivar e erotizar o corpo masculino tinha contribuído para pro-
jetar uma imagem emancipatória e investida de poder relativamente às mulheres que re-
futava a fragilidade virginal da “white swan feminity” (Kowal, Siegmund & Martin,
2017, p. 18), por outro a exposição dos corpos enfaticamente másculos dos bailarinos
concorria para a ratificação de uma autoimagem masculina americana, heteronormativa e
heroicizada, particularmente relevante num momento em que, finda a II Guerra Mundial,
os soldados regressados a casa pretendiam reconquistar o lugar dominante nas esferas
familiar, laboral e social.
A exposição dos corpos heróicos dos bailarinos de Graham contribuiu, assim, para a
reposição dessa hierarquia, num processo de confirmação identitária e retorno à normali-
dade que sustentava, simultaneamente, “standards of heterosexual love and white, femi-
nine beauty” (Kowal, Siegmund & Martin, 2017, p. 18), um paradigma que também o
cinema e a banda desenhada replicavam:

Jocasta is presented as a problematically strong female, similar to those depicted in films of


the time, which reflected society’s opinion of women in the work force and the desire for
them to return to the home. “Night Journey” transforms a classic Greek myth into a social
commentary. (Burt, 1998, p.30)

Ainda a propósito deste processo de confirmação identitária normativa, acrescentare-


mos que Graham, apesar das profundas alterações que introduziu nos paradigmas técnico,
estético e cinético na esfera teatral, sempre perspectivou a dança a partir de um ponto de
vista inequivocamente tradicional no que diz respeito às representações de género. Assim,
e à semelhança de outros coreógrafos do seu tempo (Shawn, Weidman, Humphrey, Hor-
ton, Limón), Graham promoveu, através do dimorfismo dos corpos, da qualidade especí-
fica dos movimentos dos bailarinos e das bailarinas e da sustentação nos duetos e lifts
(quem sustentava e quem era sustentado), uma dissociação entre a dança e a homosse-
xualidade masculina, um objetivo que a modern dance perseguia desde as primeiras dé-
cadas do século XX7:

Mothers and fathers did not want their sons to be dancers. They thought it was effeminate
and not a very pretty thing to watch. Only when men became heroes – strong, gifted-body
men, as I think they are in my company – only then did we have men (Graham, 1991, p. 170).

Em Appalachian Spring8 (1944), por exemplo, Graham apresenta-nos figuras estereo-


tipadas tanto do ponto de vista do imaginário histórico americano, como do ponto de

7. É curioso que a ideia de uma sensualidade primitiva e exuberante associada aos bailarinos afro-america-
nos, durante muito tempo afastados dos circuitos main stream da modern dance americana, tenha servido, fre-
quentemente, o propósito ideológico e cultural de restituir à normatividade heterossexual a sexualidade ambígua
do bailarino homem: “In fact, white male modern dancers such as Ted Shawn plundered African and Native
American dance traditions for heroic images to display in their choreography that would affirm the masculinity
of male dancers.” (Foulkes, 2002, p. 54)
8. Appalachian Spring pode ser visto integralmente em https://www.youtube.com/watch?v=XmgaKGSxQVw,
com interpretação de Martha Graham (The Bride); Stuart Hodes (The Husband) e Bertram Ross (The Preacher),
na década de 1950.

78 | XXIX Encontro AULP


vista das representações de género. Esta diferenciação é patenteada pelo movimento, já
que as personagens masculinas e femininas utilizam vocabulários e dinâmicas do movi-
mento substancialmente diferentes. The Preacher salta repetidas vezes, mantendo o torso
vertical e pouco flexível, em movimentos diretos e angulares, numa demonstração de vi-
gor, austeridade e autoridade. The Husband desloca-se com grandes passadas assertivas,
de peito aberto e costas direitas, confiante, exibindo-se em saltos sustentados e em voos
que revelam o poderio físico e desafiam a gravidade. Já as mulheres dançam de forma
diferente e menos assertiva: The Followers apresentam-se leves, saltitantes mas com pe-
quena elevação, curvam e torcem o torso, fazem gestos rápidos e limitados em termos de
amplitude que lhes retiram seriedade e sugerem uma leitura de comicidade, inconsequên-
cia e puerilidade; The Bride parece leve, aérea e insegura, frequentemente suportada em
lifts por The Husband. Graham enfatiza em Appalachian Spring os movimentos ‘naturais’
das mulheres em espirais, voltas, contractions e falls numa demonstração de fluidez mas
também de vulnerabilidade e insegurança. Apenas The Pioneerwoman, a única mulher
que não está sob a tutela ou influência de um homem, se desloca com passos seguros e
ligados à terra, de cabeça elevada, numa atitude de autodomínio e autoridade, antes de
entregar a filha ao futuro marido.
Deste modo, Graham, ao mesmo tempo que transforma em dança uma identidade
americana hegemónica e mitificada (a do colono branco, cristão, conquistador do espa-
ço), expõe nas entrelinhas do movimento o ideário de género que a sustenta e corrobora.
Siegel sintetiza estes vetores ideológicos de sentidos divergentes que temos vindo a
identificar na obra de Graham: “Graham’s dances speak of the American temperament; of
religion, rite, and atavism; of the anguish of artists and the obligations of Kings; and of
women’s struggle for dominance without guilt” (2001, p. 308); são estas as marcas da sua
profunda americaness que a tornariam num instrumento apetecível de propaganda por
parte do status quo.

4. Conclusão
O processo de manipulação e reorganização do movimento levado a cabo por Martha
Graham permitiu mediar de forma inovadora o encontro do público com a dança, fazendo
com que outros universos de fruição estética fossem descobertos, quer ao nível visual,
quer ao nível narrativo. Se, numa primeira fase, o estranhamento da forma, a angularida-
de do movimento, a assunção da gravidade, o despojamento cénico, os corpos atléticos e
mais pesados das bailarinas e as temáticas abordadas a colocaram na periferia do tecido
artístico e cultural da América do seu tempo, o reconhecimento posterior da profunda
americanness da sua dança, através das projeções identitárias que sugeria, não só a trouxe
para o circuito main stream, como a tornou em instrumento apetecível de propaganda do
poder instituído. Em primeiro lugar, pelo domínio técnico e pelo poderio físico dos baila-
rinos capazes de cotejar a tradição balética, importada e estrangeira, usando um sistema
de movimento e de treino genuinamente americanos. Em segundo lugar, pelas represen-
tações identitárias projetadas pelos corpos em cena que, inequivocamente, cumpriam a
normatividade dos biótipos de género e dos padrões de movimento e ofereciam, adicio-
nalmente, imagens de masculinidade e de feminilidade atléticas e vigorosas que reprodu-
ziam a consciência identitária da nação numa simbiose entre o político e o físico: através

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dos corpos e com os corpos, projetava-se uma idealização da nação que passava pela
inovação do movimento, pelas temáticas dançadas, mas também pelo rigor e pelo poderio
físico evidenciados.
Num momento histórico em que, graças à fotografia e ao cinema, a visibilidade se ti-
nha tornado condição essencial para a existência, a construção escópica do mito identitá-
rio do pionneer e a sua transformação em objecto performativo, ajudavam a confirmar a
americaness branca como identidade oficial e construíam uma narrativa familiar que con-
substanciava o imaginário coletivo americano. Como no cinema, o público da dança sa-
ciava o desejo de (se) ver e de se deleitar na “fascination with likeness and recognition:
the human face, the human body, the relationship between the human form and its sur-
roundings, the visible presence of the person in the world” (Mulvey, 1973: 981).
Aproveitando as condições emocionais que o espaço do teatro oferecia, as representa-
ções propostas pela dança de Graham tornavam-se o espelho onde o espectador america-
no se revia e se incluía, onde criava relações de pertença e se construía enquanto sujeito
social, nacional e político, alicerçando a sua perceção do real através de “heroic or quoti-
dian figures [that] stand in for what is commonly shared...they evoke sentiments of patrio-
tism, the value of hard work, and the attachment to a location that encourages people to
feel they belong together” (Martin, 2006:3).
Como sugere Lacan (2009) relativamente ao processo de consolidação identitária da
criança, também o Eu social e coletivo da América, enquanto jovem nação, se consolida-
va na contemplação da sua própria imagem, embora esta fosse romantizada e construída
a partir de um espelho fragmentado que apenas lhe devolvia uma parcela do seu imenso
corpo e onde só tinha lugar a whiteness que a América idealizava para si:

I see America dancing, standing with one foot poised on the highest point of the Rockies,
her two hands stretched from the Atlantic to the Pacific, her fine head tossed to the sky, her
forehead shining with a Crown of a million stars. (Duncan, 1927/2002: 199)

Agradecimentos
Agradeço ao Instituto Politécnico de Lisboa, na pessoa do seu Presidente, Professor
Doutor Elmano Margato, o apoio à minha participação no XXIX Encontro AULP.

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XXIX Encontro AULP | 81


O cinema negro como arte de afirmação ontológica
na luta de imagem do íbero-ásio-afro-ameríndio:
as relações étnico-raciais postas em questão

Celso Luiz Prudente


Doutor em Cultura pela Universidade de São Paulo. Pós-Doutor em Linguística pelo Instituto
de Estudos da Linguagem – IEL/UNICAMP. Professor Adjunto IV da Universidade Federal
do Mato Grosso – UFMT. Antropólogo, Cineasta. Curador da Mostra Internacional do Cinema Negro

Reiterou-se aqui a compreensão, que o cinema negro se constitui na arte de afirma-


ção ontológica do afrodescendente. Constatou-se também nesta tendência cinematográ-
fica o papel da arte de causa, que se revelou na dinâmica da dimensão pedagógica do
cinema negro no processo essencial da imagem de afirmação positiva do afrodescenden-
te, enquanto minoria. Fez-se isto na condição de manifestação das culturalidades estra-
nhas aos nomos da eurocolonização, tais como: a ibericidade, a asiaticidade, a africani-
dade e a amerindidade, que formaram a horizontalidade da imagem íbero-ásio-
-afro-ameríndio. Observou-se que esta figuração étnico-racial foi vítima do balbucio da
fragmentação dos traços epistemológicos. Tentame que se fez pela eurocolonização, que
foi substancial à verticalidade da hegemonia imagética do euro-hétero-macho-autoritá-
rio, com sua euroheteronormatividade, cuja finalidade foi a reificação de todas as mani-
festações bioexistencias, que lhes foi dessemelhante. Localizam-nas com efeito na con-
dição de minoria, na medida em que se mostraram incoadunável com a poderosa
coisificação da euroheteronormatividade. Notou-se no advento da Revolução Tecnológi-
ca com sua substancial informação essencialmente epistêmicas, que as relações subjeti-
vas de representação se tornaram mais importantes, que as relações objetivas do fato.
Com isto as lutas de classes se traduziram em lutas de minorias, que se projetaram em
lutas de imagens. Demonstrou-se no artigo uma identidade das culturalidades, que foram
objetos da tentativa de fragmentação dos traços epistêmicos pela iracunda eurocoloniza-
ção. Isto contribuiu para formação de uma possível consciência identitária da lusofonia
de horizontalidade democrática. Concluiu-se aí uma luta ontológica, de contemporanei-
dade inclusiva, da horizontalidade da imagem do íbero-ásio-afro-ameríndio, que se con-
figurou versus o anacronismo excludente da verticalidade da hegemonia imagética do
euro-hétero-macho-autoritário.

A arte de afirmação ontológica


Trata-se, de uma preocupação que este autor se debruçou, aqui a compreensão, que o
cinema negro se constitui na arte de afirmação ontológica Prudente (2005) do afrodescen-
dente. Fez-se este discernimento a partir da observação da importância das religiões de
matrizes africanas no processo de resistência do afrodescendente, mediante o tentame de
fragmentação dos traços epistemológicos pela eurocolonização.

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Notou-se na dinâmica religiosa do negro na diáspora africana a possível afirmação da
sua humanidade, que foi objeto de negação imposto pela tentativa de abjurar a condição
humana como forma de abjuração das manifestações epistêmicas, que foram resultados
na iniciativa da africanidade. Percebeu-se na religião o sentido no qual se revelou a pos-
sibilidade do negado resgatar sua plenitude, diante da anomia que decorreu do balbucio
da negação dos traços epistemológicos.
Mostrou-se sugestivo o discernimento, que no dinamismo das devoções de natureza
peculiares o negro reconstituiu provavelmente a polissemia telúrica de lugar ideal que foi
percebido no significado da Mãe África. Pois se percebeu aí a dimensão clânica, que lhe
permitiu a força familiar percebida nas nuances das relações comunais próprias das cosmo-
visões africanas primogênitas. Considerou-se que nelas o sagrado foi estrutural, em razão
do conhecimento da consciência de respeito à biodiversidade. Notou-se nesta cosmovisão
de relações ecossistêmicas, que todas as manifestações foram expressões da orixalidade.
Constatou-se na cerimônia dos cultos o possível resgate da força vital em que o indi-
víduo ou grupo reencontra o sentido do pai, como polissemia do simbolismo totêmico na
demanda indicativa das relações clânicas, fortalecendo assim o elo de grupo. Como fenô-
meno que se estabeleceu no dimensionamento telúrico das relações divinas. O dramatur-
go Abdias do Nascimento observou na África a primeira manifestação teatral, que ante-
cedeu o teatro Grego. Fê-lo, observando que o dimensionamento religioso do negro
africano se mostrou essencialmente nas relações artísticas. Para este esteta o negro foi
pela natureza expiatória inegável ator, como segue:

Citado por Fernando Ortiz Woodson afirma que “a função histriônica na África é tão geral
que até podemos assinalar o negro africano como um ator nato. O africano é um ator con-
gênito devido à sua extraordinária emotividade em busca de expressão. (NASCIMENTO,
1961, p. 11).

Comportamento que se mostrou percebido na compreensão identitária da orixalidade


para formação do princípio de nação, na perspectiva das relações comunais enquanto
demanda ética das relações étnico-raciais da africanidade. Pierre Verger (1977). Foi sen-
sato supor que o processamento das relações religiosas se revelou como dinamismo da
alma, revelando a santimônia enquanto dimensionamento das nuances oníricas. Isto se
fez na possibilidade de profunda reserva do ser em factibilidades expressivas, que se fize-
ram concomitante a uma movimentação de instancias inacessíveis, conferindo aí inequí-
voco comportamento privado no espaço ontológico, fazendo-se como uma subjetividade
indelével, que marcou o indivíduo como indicativo de traços comunais de relações de
teluricidade coletivas.
Este fenômeno étnico-racial do negro que se revelou na ritualidade expressiva, conju-
gada na reserva privada da interioridade querigmática do orixá. Constatou-se, portanto a
tentativa de negação da iniciativa privada do oprimido, negando-lhe a condição humana.
Desconsiderou-se neste contexto a sapiência do afrodescente, tentando lhe impor inimpu-
tabilidade epistêmica, inimputabilizando-o das relações da iniciativa privada, onde decor-
reu a criatividade na qualificação digital do indivíduo Prudente (2007). Lembrou-se aqui
a compreensão da iniciativa privada como elemento do campo epistemológico.

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Tornou-se neste contexto imperativo a compreensão de que a religiosidade de matriz
africana foi talvez o componente consubstancial mais caro ao cinema negro. Concluiu-se
nesta reflexão que os rituais de origem africana formaram por sua vez inequívoca forma
de resistência, em proveito da afirmação ontológica do afrodescendente.
Fez-se assim elemento essencial para o discernimento da dimensão pedagógica do
cinema negro, considerando que as relações piaculares formaram também traços epistê-
micos cujos sentidos constituíram um componente estruturante à imagem de afirmação
positiva. Desenvolveu-se desta maneira o cinema negro na perspectiva de possível afir-
mação étnico-etiológica1 da africanidade. Isto abriu espaço para pensar a arte negra como
sendo uma provável arte de causa.

A arte de causa
Notou-se neste artigo o discernimento da consciência racial como elemento significa-
tivo da produção artística, demandada na realização desta tineta cinematográfica, que
implicou nas relações étnico-raciais da imagem de africanidade. Pois se observou neste
contexto que o engendramento do cinema negro brasileiro se localizou na gênese do
MNU – Movimento Negro Unificado Prudente (2005), cujo surgimento se caracterizou
na irreverência juvenil dos militantes afro-brasileiros, que o fundaram. Isto aconteceu no
ambiente da ascensão internacional dos movimentos de massas da década de setenta.
Constatou-se de tal sorte a inequívoca influencia das lutas pelos direitos civis no EUA
e as descolonizações revolucionarias na África, que foram lideradas respectivamente pelo
afro-americano Reverendo Martim Luther King e pelos intelectuais africanos, tais como:
Samora Machel, Agostinho Neto e Amílcar Cabral.
Notou-se aí como fundamental o fato do tentame de fragmentação dos traços epis-
têmicos das imagens da africanidade, encontrada provavelmente na teleologia do incô-
modo, que viu na africanidade egípcio-bantu a primeira civilização humana. Segundo
Dussel:

(...) [no] mundo da África bantu, negro (kmt em egípcio), hoje ao sul do Saara, é uma das
origens da cultura egípcia – primeira coluna da revolução neolítica. No oitavo milênio aC,
o Saara úmido era atravessado por rios e habitado por numerosos plantadores bantus. A
partir do sexto milênio começou o processo de seca e a origem do deserto; muitos povos
bantus emigraram para o Nilo. (DUSSEL. 2000, p. 26.)

Considerou-se, com efeito, que neste período os gregos se encontravam no estágio


da pedra lascada, concomitante a fase bárbara dos europeus, como lecionou Otto Marques
da Silva:

(...) [na] Idade da Pedra Lascada corresponde a uma boa parte do também chamado Período
Paleolítico – uma vastidão de tempo, com milhares de séculos muito obscuros, iniciadas
provavelmente há mais de um milhão de anos atrás. A Idade da Pedra Polida já corresponde

1. Étnico-etiológica da africanidade – É o estudo de uma determinada questão que se dá no âmbito das re-
lações étnico racial da africanidade.

XXIX Encontro AULP | 85


aos Períodos conhecidos como Mesolíticos e Neolíticos, isto é, a época correspondentes a
10.000 anos antes da Era Cristã até 2.500 a.C.
Os tempos que costumamos chamar de históricos começaram a ser vislumbrados com a
idade do Bronze e definidos com a idade do Ferro.
Essas Idades ou Períodos indicam graus de desenvolvimento e não necessariamente perío-
dos cronológicos da história do homem sobre a terra. Esses graus de desenvolvimento, nos
quais alguns povos até hoje existentes encontram-se mergulhados por milênios, foram por
vezes atingidos com rapidez por algumas raças.
Para ilustrar essa disparidade de momentos de desenvolvimento basta lembrar que, enquan-
to os egípcios já viviam na Idade do Ferro, os gregos estavam vivendo sua Idade do Bronze
e as tribos bárbaras do norte europeu viviam na Idade da Pedra Polida. Em regiões onde a
natureza sempre foi mais pródiga e o tempo mais acolhedor e ameno, a velocidade do de-
senvolvimento foi muito menor. Ainda hoje vemos em zonas tropicais ou temperadas do
globo terrestre – inclusive no Brasil – povos que vivem vidas das altamente primitivas e
sem qualquer contato com a civilização, como homens das Eras mesolíticas e Neolíticas.
(SILVA, 1986. p. 27).

Há várias possibilidades de que o europeísmo fez disto uma espécie de eleição do seu
contrário, no qual se furtaria qualquer sentido da edificação da sua dominação hegemôni-
ca, que teve como cimento a eurocolonização. O principal intento da colonização foi
impor o mito da superioridade do eurocaucasiano, sobre todas outras forças segmentarias
e manifestações étnico-raciais diferentes da referência do branco europeu, pela mera in-
tenção de encobrir a qualquer custo a epistemologia africana, que foi a mais antiga, co-
nhecida pela humanidade.
Buscou-se o balbucio desta fragmentação dos traços epistemológico do afrodescen-
dente, promovendo o estereótipo do negro nos meios de comunicação de massas. Para
manutenção deste conciliábulo eurocidental se desenvolveu um discurso, cuja forma su-
geriu um aparência mais sugestiva da nuance da luta pelo respeito a diversidade da afri-
canidade. Este discurso foi adotado pelos setores menos avisados da crítica reflexiva an-
tirracismo, mantendo-o por reprodução um significante pseudoinsigne mais elaborado
com uma insidiosa modernização, escamoteando com o significado abjeto do anacrônico
racismo.
Observou-se aí a tentativa de desenvolver a aviltação dos traços epistêmicos do negro
com reiteração da imagem indigna, que foi promovida pelo racismo. Promoveu-se desta
maneira a configuração do afrodescendente fora da condição plena, demonstrando-o em
uma figuração anômala. Fez-se, por exemplo, assim: mostrou-se o negro em um quadro
de anomalia imagética, que se revelou como decorrência maléfica do racismo. Isto se
tornou algo atrasado e desumano, localizado no lugar obsoleto do politicamente incorre-
to. Este ensejo colocou os racistas em uma situação de inequívoco desconforto em razão
da aparência maléfica.
Fez-se por outro lado o comportamento de demonstração da imagem aviltada do ne-
gro como forma de denúncia antirracista, tornando-se desta maneira mais palatável aos
setores mais folclóricos e menos avisados, que se mostrou “mais cabeça”, ou seja, dife-
rente do convencional sem alterar o status quo. Tratou-se aqui este comportamento racis-

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ta mais soft e sápido de racismo inteligente. Cuja sofisticação da forma esconde a vilania
essencial do senso segregacionista.
Compreendeu-se, contudo nesta postura ainda a reiteração do racismo de forma mais
sofisticada, configurando o negro como anormal. Notou-se que sofisticado ou não a repe-
tição da imagem aviltada do afrodescente, concorreu para uma possível naturalização do
racismo, que foi uma tentativa de torná-lo natural, aceitável e consensual.
Foi de bom alvitre lembrar uma lição de Vitor Hugo, “uma mentira que é repetida
várias vezes se torna verdade”. Concluiu-se nesta linha de discernimento que a reconstru-
ção da imagem de afirmação positiva da africanidade implicou a luta contra o estereótipo
que foi dado pelo audiovisual, buscando o resgate da imaginação por meio de uma repre-
sentação condigna.
Tentou-se notadamente aviltar a imagem do negro no cinema e na televisão, fazendo-
-o assim a impetuosa cruzada contra todas as manifestações culturais estranhas à axiolo-
gia eurocidental. Fê-lo no processo da imposição da hegemonia imagética do euro-héte-
ro-macho-autoritário e a sua euroheteronormatividade, tentando coisificar todos os
segmentos culturais que lhe são estranhos, localizando-os na condição de minoria, tais
como: negro, índio, japonês, português, ibéricos, asiáticos, africanos, ameríndios, mulher,
homossexual, deficiente e outros.
Percebeu-se nesta linha de compreensão que arte negra, que se fez em proveito da
dignidade da africanidade se estabeleceu como uma arte cuja a causa se revelou na pers-
pectiva da afirmação dos valores da negritude. Fez-se desta maneira uma arte de causa na
qual o cinema negro encontrou também sua essência e fim ético para o sentido da sua
estética de tineta étnico-racial do negro, enquanto negado na condição de minoria maio-
rizada. A arte de causa é um tema estudado por Prudente (2002), no livro Mãos negras:
antropologia da arte negra.

A horizontalidade da imagem do íbero-ásio-afro-ameríndio


A linha de abordagem na qual se compreendeu a possível horizontalidade da imagem
do íbero-ásio-afro-ameríndio decorreu do discernimento da condição de vítima da euro-
colonização, como elemento identitário. Considerou-se nesta reflexão o ibérico como ob-
jeto da colonização dos europeus. Situação concorrente à aproximação dos povos lusofô-
nicos. Constatou-se, portanto aqui as diferenças culturais e geográficas, que existiam
entre lusitanos e europeus; levando em consideração que todos os povos de língua portu-
guesa ficaram à mercê da subordinação das relações da eurocaucasianidade colonial.
Entendeu-se, com efeito, que os ibéricos entraram na empresa do descobrimento em
decorrência do imaginário europeu de negação à incursão às águas, quer fluvial ou quer
marítima. Considerou-se aí o mar como lugar de castigo, que foi dado aos insanos men-
tais. Como foi percebido nos poemas e nas pinturas renascentistas, que aludiram a respei-
to da Nau dos Loucos. Isto foi observado por Foucault, na sua obra História da Loucura,
como segue:

Um objeto novo acaba de fazer seu aparecimento na paisagem imaginaria da Renascença; e


nela, logo ocupará lugar privilegiado: é a Nau dos Loucos, estranho barco que desliza ao
longo dos calmos rios da Renânia e dos canais flamengos.

XXIX Encontro AULP | 87


(...) Mas de todas essas naves romanescas ou satíricas, a Narrenschiff é a única que teve
existência real, pois eles existiram, esses barcos que levavam sua carga insana de uma cida-
de para outra. Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escor-
raçavam-nos de seus muros; deixava-se que corressem pelos campos distantes, quando não
eram confiados a grupos de mercadores e peregrinos. Esse costume era frequentemente
particularmente na Alemanha: em Nuremberg, durante a primeira metade do século XV,
registrou-se a presença de 62 loucos, 31 dos quais foram escorraçados. Nos cinquenta anos
que se seguiram, têm-se vestígios ainda de 21 partidas obrigatórias, tratando-se aqui apenas
de loucos detidos pelas autoridades municipais. Eram costume frequentemente confiados a
barqueiros: em Frankfurt, em 1399, encarregam-se marinheiros de livrar a cidade de um
louco que por ela passeava nu; nos primeiros anos do século XV, um criminoso louco é
enviado do mesmo modo a Mayence. Às vezes, os marinheiros deixavam em terra, mais
cedo do que haviam prometido, esses passageiros incômodos, prova disso é o ferreiro de
Frankfurt que partiu duas vezes e duas vezes voltou, antes de ser reconduzido definitiva-
mente para Kreuznach. Freqüentemente as cidades da Europa viam essas naus de loucos
atracar em seus portos. FOUCAULT. 1997, p. 9.

Somou-se a esta situação o sentido histórico da Revolução dos Cravos, cujo desidera-
to se revelou na condição de referência do espírito, da liberdade, da igualdade, da solida-
riedade e da soberania das nações. Este desiderato indicou para possível consolidação do
princípio ético deste processo revolucionário, concorrendo à abertura do caminho de
aproximação identitária entre os povos de língua portuguesa. Pois todos carregaram, com
efeito, o sórdido fardo colonial, mesmos aqueles que o fizeram na condição de mais pri-
vilegiados entre os lusófonos.
Buscou-se para esta pesquisa a linha de abordagem na qual se compreendeu na pelí-
cula Leão de Sete Cabeças, de Glauber Rocha, a fundação do cinema negro brasileiro.
Nô-lo, perceber-se-ia, na irreverência da crítica glauberiana a compreensão do lusitano
como vítima mais privilegiada da eurocolonização, discernido aí inequívoca luta contra a
colonização eurocaucasiano, como componente estruturante da sua original invenção do
cinema negro brasileiro. Na pesquisa doutoral, sobre a película em voga Cardoso, já ob-
servou esta percepção, como segue (Veneno Cardoso L7 Cabeças):
Esta situação foi resultado da aproximação analógica como fenotípico eurocoloniza-
dor, que se constatou nos ibéricos. Ainda assim isto não lhe furtou da condição de vítima
da colonização. Promoveu-se com isto o elemento fundamental para concorrência da uni-
dade identitária, que deu origem a formação da horizontalidade da imagem do íbero-ásio-
-afro-ameríndio.
Tratou-se aí de uma imagem diferente do símbolo eurocidental, que se tornou por isto
minoria em relação imagética do poder eurocêntrico, que se caracterizou na eurohetero-
normatividade, coisificando todas as expressões estranhas a axiologia eurocolonial, con-
figurando-se na verticalidade da hegemonia imagética do euro-hétero-macho-autoritário.
Fez-se desta maneira como uma iracunda potestade inexorável.
Constatou-se neste contexto os processos das relações de culturalidades estranhos
aos nomos eurocaucasiano, que foram concorrentes a hegemonia imagética do euro-
-hétero-macho-autoritário e sua euroheteronormatividade, localizando-se como mino-

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ria, tais como: ibericidade, asiaticidade, africanidade e amerindidade. Estas matrizes
concorreram para formação da horizontalidade da imagem do íbero-ásio-afro-amerín-
dio. Fez-se isto na condição de manifestação das culturalidades estranhas aos nomos da
eurocolonização, que formaram por sua vez a horizontalidade da imagem íbero-ásio-
-afro-ameríndio.

A verticalidade da hegemonia imagética do euro-hétero-macho-autoritário


O eurocentrismo se estabeleceu como um comportamento cujo propósito demonstrou
a tentativa de desarticulação das manifestações culturais diferentes das referências euro-
caucasianas, no limite das relações da subordinação do contérmino da inferioridade. Esta
postura se fez na incompreensão atrabiliosa com dinamismo das culturalidades, que ca-
racterizaram a ibericidade, a asiaticidade, a africanidade e amerindidade.
Fez-se assim por meio da dominadora verticalidade hegemônica imagética do euro-
-hétero-macho-autoritário, no qual este sentido se estabeleceu somente na negação da
polissemia de horizontalidade do íbero-ásio-afro-ameríndio. Discerniu-se aqui a hegemo-
nia da verticalidade imagética do euro-hétero-macho-autoritário, como sendo a personifi-
cação do eurocentrismo, na condição de valor da tentativa da imposição do mito da supe-
rioridade racial do eurocaucasiano. Considerou-se nesta linha de abordagem que o
estabelecimento desta compreensão eurocêntrica se fez na supervalorização da cor branca
no processo da desvalorização das relações coloridas, no processo multicor das dinâmicas
étnico-raciais.
Tentame que se fez efetivamente pela eurocolonização, que foi substancial à vertica-
lidade da hegemonia imagética do euro-hétero-macho-autoritário, com sua eurohetero-
normatividade, cuja finalidade foi a reificação de todas as manifestações bioexistencias,
que lhes foi dessemelhante. Localizaram-nas com efeito na condição de minoria, na me-
dida em que se mostraram incoadunável com a poderosa referência da euroheteronorma-
tividade, coisificando as expressões que lhe são contrarias.
Compreendeu-se nesta linha de reflexão que a verticalidade da hegemonia imagética
do euro-hétero-macho-autoritário consistiu na imposição autoritária do eurocaucasiano
colonizador, sobre as imagens das expressões culturais, que são diferentes das axiologias
da eurocolonização, determinadas por um princípio normativo eurocêntrico. Isto foi tra-
tado aqui como a categoria da euroheteronormatividade.
Este fenômeno formou provavelmente uma espécie de matriz causal e reguladora do
autoritarismo da imagética eurocaucasiano, que se deu no decurso da supremacia da ira-
cunda imposição do universo europeu. Constatou-se ai a tentativa de negar os traços
epistêmicos dos diversos, tais como: o ibérico, o asiático, o africano e o ameríndio, como
de justificativa da eurocolonização.

As lutas de classes se projetam em lutas de imagens


Na Revolução Tecnológica tanto a informação se mostrou substancial quanto a má-
quina se demonstrou essencial na era industrial. Foi sensato supor que nesta revolução
tecnologia as relações subjetivas de representação se tornaram possivelmente mais im-
portantes, que as relações objetivas do fato. Por conta disto se percebeu que os conflitos
sociais se revelaram como contendas de imagens.

XXIX Encontro AULP | 89


Constatou-se aí que as contradições sociais ganharam mais expressividade nos com-
bates de afirmação das minorias. Demonstrou-se nesta abordagem que as lutas de classes
se traduziram provavelmente em lutas de minorias, demonstrando que, por conseguinte se
projetaram em lutas de imagens como lecionou Celso Prudente na sua obra: A dimensão
pedagógica do cinema negro aspectos de uma arte para a afirmação ontológica do negro
brasileiro: O olhar de Celso Prudente, como segue:

Vê-se, então, que as lutas de classes se projetam em lutas de imagem24 que concorrem pela
revolução da imagem de afirmação positiva das minorias que enquanto vulneráveis são
aviltadas na sua própria imagem. A era do conhecimento foi previamente anunciada pelo
cinema ainda na era industrial. (PRUDENTE e SILVA. 2018. 104).

Notou-se que a emergência da horizontalidade da imagem íbero-ásio-afro-ameríndio


enquanto minoria desenvolveu uma luta ontológica contra a estabelecida verticalidade
imagética do euro-hétero-macho-autoritário.
Percebeu-se, portanto que nestas lutas de imagens as minorias buscaram a construção
da imagem de afirmação positiva, que se fez contra os estereótipos cujos objetivos cons-
tituíram no balbucio de fragmentação dos seus traços epistêmicos. Esta tentativa de avil-
tação da expressão epistemológica das minorias foi feita pelos meios de comunicação de
massa, notadamente o cinema e a televisão, usando do estereótipo de inferioridade das
forças que se localizaram como minoria, visto na medida em que não coadunaram com o
poder da euroheteronormatividade.
Constatou-se, contudo que a construção da imagem de afirmação positiva se deu por
meio da dimensão pedagógica do cinema negro. Pois se considerou que aí a minoria, tal
como horizontalidade da imagem do íbero-ásio-afro-ameríndio demonstrou uma contem-
poraneidade inclusiva na emergente luta ontológica contra a verticalidade imagética do
euro-hétero-macho-autoritário, que mostrou um anacronismo excludente.
Esta contemporaneidade inclusiva da minoria lecionou por meio da dimensão pedagó-
gica do cinema negro, como as minorias, tais como: mulher, negro, índios, homossexuais,
deficientes e outros, e desta maneira também o íbero-ásio-afro-ameríndio ensinou a socie-
dade no processo de contemporaneidade democrática, como foi a imagem, construída por
si mesmo e como esta imagem deve ser vista ou tratada. Isto se fez somente na perspecti-
va contemporânea, que se mostrou democrática por essência, na medida em que foi inclu-
siva.
Observou-se também nesta linha de compreensão que a luta ontológica da horizonta-
lidade da imagem do íbero-ásio-afro-ameríndio teve uma essencial contemporaneidade
inclusiva contra a opressão da hegemonia de verticalidade imagética do euro-hétero-ma-
cho-autoritário de substancial anacronismo excludente. Este discernimento abriu cami-
nho para construção da possível lusofonia de horizontalidade democrática. Isto se fez
com as consciências dos respeitos à diversidade e à biodiversidade, no processo das rela-
ções dos diversos inclusivos contra o universo excludente, respeitando a dinâmica da
contemporaneidade em favor da cultura de paz, que se percebeu no cinema negro como
arte de afirmação ontológica.

90 | XXIX Encontro AULP


Referências
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Pag. 135-141.

XXIX Encontro AULP | 91


O papel da educação na promoção da coesão social
em Angola: desafios e perspectivas actuais

António Luís Julião


Universidade Katyavala Bwila, Angola; E-mail: [email protected]

Introdução
A República de Angola é um País da costa ocidental da África austral, cujas fronteiras
foram definidas no fim do século XIX. É o terceiro maior país da África Austral, com uma
superfície territorial de 1.246.700 km quadrados, incluindo o enclave costeiro de Cabin-
da, que se encontra separado do resto do país por uma faixa de território de cerca de cin-
quenta quilómetros, segundo o Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da
Educação (INIDE, 2003). É um país que apesar de ser um espaço ou ambiente multilin-
gue e multicultural, a recente Constituição da República (Angola, 2010) reconhece ape-
nas o português como a língua oficial, língua de prestígio, da burocracia, do ensino, do
funcionamento do estado e da “coesão”.
Os constrangimentos causados pelo conflito armado no país afectaram gravemente o
funcionamento das estruturas sociais. Com o estabelecimento definitivo da paz começa
um ciclo de reconstrução, que não se limita somente às infra-estruturas, mas sobretudo à
coesão e unidade social dos diferentes grupos em todas as suas vertentes. Para isso, re-
quer-se continuamente um sistema educativo que acolha a diversidade, que estimule a
construção de uma sociedade livre, democrática, de paz, de tolerância, unidade nacional
e desenvolvimento justo das comunidades (Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensi-
no de Angola, 2016).
Importa sublinhar que no contexto angolano, não se pode deixar de observar que a
qualidade do ensino ainda deixa a desejar, pois procura satisfazer e completar as estatísti-
cas, deixando cidadãos em estado de analfabetismo funcional. Levantou-se esta constata-
ção porque as políticas educacionais e curriculares angolanas ainda se preocupam com o
número de aprovados em cada ano e em cada classe, deixando de lado a qualidade e a in-
clusão dos grupos, que são mais importante a nosso ver e solicitado pela Lei de Bases do
Sistema de Educação e Ensino. Os saberes escolares transmitidos aos educandos em pro-
cesso de escolarização nada mais são que uma ideologia pautada num currículo monocul-
tural, conservador e elitista, que fomenta a exclusão de certos grupos sociais. Esse proces-
so meramente instrucional, que perdura até os dias actuais, impossibilita que outros
saberes sejam acoplados ao currículo, inviabilizando a questão da unidade e coesão social.
É certo que se registaram alguns avanços muito significativos nos últimos dez anos,
em termos quantitativos, mas também é verdade que ainda persistem debilidades estrutu-
rais que travam as dinâmicas de integração social da generalidade da população. Entre
elas sobressaem os abandonos escolares precoces e todas as saídas do sistema escolar sem
qualquer qualificação profissional. Estas debilidades não podem considerar-se inscritas

XXIX Encontro AULP | 93


apenas no plano escolar, mas traduzem com bastante nitidez as fragilidades sociais que
habitam outros sistemas sociais, com destaque para o sistema produtivo.
A homogeneização e padronização das escolas angolanas ainda tendem a menospre-
zar a cultura e os saberes dos educandos das camadas populares em benefício daqueles
que detêm os bens culturais. A escola, enquanto espaço de descobertas, interacção, troca
de experiências e aprendizados diversos, necessita abrir-se para a realidade dos educan-
dos e da comunidade. Essa realidade se traduz naquilo que consideramos de suma impor-
tância para a complementação do currículo escolar: a inserção de saberes, vivências e
manifestações culturais que acontecem fora dos muros escolares. A inclusão e coesão
social que a Educação deve promover são fundamentais para que o país tenha uma socie-
dade melhor, fundada no bem-estar e na harmonia entre os distintos grupos sociais. Sem
coesão teremos um estado de anomia e uma desintegração social. Para isso, ela deve ser
objecto de políticas educativas e curriculares coerentes e abrangentes em respeito ao tem-
po e contexto de sua realização.
A questão curricular que aqui propomos repensar perpassa a ideia de formar um cur-
rículo voltado para a diversidade e multiculturalidade. Acreditamos que, a partir do enten-
dimento de que o currículo pode ser um caminho para se trabalhar questões de preconcei-
to, discriminações, violência, diversidade cultural, coesão, dentre outros, a educação
tornar-se-á elemento indispensável para o combate das desigualdades sociais e educacio-
nais, contribuindo grandemente para a unidade e bem-estar dos povos.
Neste sentido, o presente texto pretende discutir e contribuir com algumas reflexões
acerca dos desafios e perspectivas do sistema educativo angolano na promoção da coesão
social, repensando a questão curricular e pressupondo o estabelecimento de novos para-
digmas na educação seguindo uma perspectiva multicultural. Para dar suporte ao mesmo,
e inspirando-se na abordagem qualitativa, privilegiamos a recolha bibliográfica, a leitura
e interpretação da documentação relacionada ao tema.
A nosso ver, a escola deveria ser o espaço de consolidação das culturas para que elas
possam ganhar força para a coesão e unidade social. Nas áreas rurais angolanas, pais e
encarregados de educação das crianças ainda enviam seus filhos para os ritos de iniciação
durante o tempo escolar, porque perceberam que a escola não consegue dar conta da edu-
cação necessária, básica e fundamental para a integração do futuro responsável pela con-
tinuação da geração naquela comunidade, que é a criança. A educação formal angolana
ainda está longe de satisfazer a realidade das comunidades e isso não anima os pais. Tal
atitude, resulta em altos índices de abandono escolar, e mais do que isso, de desintegração
social. Assim, perspectiva-se que o Estado angolano possa efectivamente promover a
coesão e reconciliação social por intermédio de uma educação, que respeite e acolha as
múltiplas diversidades, tanto nas zonas rurais, quanto nas zonas urbanas, garantindo des-
ta forma o bem-estar de todos e de cada um.
O artigo conta com cinco secções (Introdução; Algumas questões sobre a Educação
em Angola; Educação, Currículo e Coesão Social; A Educação como instrumento de
Coesão Social; Conclusão), seguindo uma abordagem que, inicialmente, trata de explici-
tar os enredos do sistema educativo angolano, seguindo-se reflexões acerca da relação
entre Educação, currículo, bem-estar e coesão social, tendo como principal farol o para-
digma multicultural.

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1. Algumas questões sobre a Educação em Angola
Segundo a Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino 17/16, o currículo escolar
angolano tem um carácter nacional e afigura-se de cumprimento obrigatório, teoricamen-
te fundado na lógica da unidade nacional, mas praticamente proporciona uma desintegra-
ção e fragmentação dos grupos, mormente minoritários. Do ponto de vista vertical, o
Sistema Nacional de Educação angolano foi organizado em quatro níveis de ensino. O 1º
nível (pré-escolar), o 2º nível (primário/obrigatório) compreende seis classes (da 1ª a
6ª classes), o 3º nível (secundário) compreende sete classes (7ª a 13ª classes) e o 4º nível
(superior) corresponde quatro a seis anos académicos (1º a 6º). No nível de ensino primá-
rio cada turma é ensinada por um professor que lecciona todas as disciplinas curricula-
res, enquanto, nos demais níveis, cada disciplina é leccionada por um único professor
(INIDE, 2003). O Nível de Ensino Superior goza de uma autonomia administrativa, pe-
dagógica e financeira, não se subornando às orientações directas do Estado.
Nessa lógica do currículo de inspiração centralista, que é o caso de Angola, quem não
se adapta, está fora dos padrões de uma qualidade excludente, que o mesmo sistema criou
e vai consolidando. Contudo, tais processos contrariam o objectivo da República vertido
na Constituição (Angola, 2010), que visa construir uma sociedade livre, justa, democráti-
ca, solidária, de paz, igualdade e progresso social.
E se à luz da Declaração de Salamanca (1994), as políticas educativas e curriculares
proporcionassem a adaptação do currículo às necessidades e diversidade dos povos, for-
necendo oportunidades curriculares que correspondessem às crianças com capacidades e
interesses distintos? Não estariam a contribuir sobremaneira para a almejada coesão e
unidade social? Não estariam a contribuir para a felicidade dos povos que conformam o
diverso mosaico cultural do país? Não estariam a fomentar a consciência colectiva e soli-
dária, que pudessem contribuir para o desenvolvimento e bem-estar do país? Não esta-
riam a ajudar a criar um país de todos e para todos, por via da educação? Não estariam a
respeitar os princípios da universalidade e democraticidade plasmados nos cânones que
regem o país?
Não obstante ao supra aludido, importa ainda sublinhar que o português é utilizado
como língua-veículo dos conhecimentos em sala de aula, para todos os alunos (artigo 16º,
Lei de Bases, 17/16). Por conseguinte, no meio rural, onde há forte predominância das
línguas nacionais, observam-se situações mais drásticas, uma vez que grande parte da
população muito raramente fala ou conhece a língua oficial. O que significa que muitos
alunos só falam o português na escola, com o professor. Somente em situação escolar é
que os alunos entram em contacto com o português. Por esse facto, é válido relevar, que
“a língua é ao mesmo tempo cultura” (Velasco & Timbane, 2017, p.5). Assim, relativa-
mente ao ensino em Língua Portuguesa, ele é realizado num contexto multicultural, o que
em nosso entendimento dificulta não só o processo educativo, como também coloca em
risco a tónica da coesão e unidade social. A Declaração Universal de Direitos Linguísticos
(Unesco, 1996), no seu 2º artigo, nº 2 estabelece: o direito ao ensino da própria língua e
da própria cultura; o direito a dispor de serviços culturais; o direito a uma presença equi-
tativa da língua e da cultura do grupo nos meios de comunicação; o direito a serem aten-
didos na sua língua nos organismos oficiais e nas relações socioeconómicas. Como a rea-
lidade angolana difere dessa posição, tal facto, provoca, em alguns grupos, um senti-

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mento de rejeição e de auto-exclusão decorrente de um sistema educacional fechado e
excludente, contribuindo para a pouca atracção da escola, o que se configura como uma
das causas relevantes do abandono e do insucesso escolar em Angola. Ademais, olhando
bem para este elemento, pode-se pensar que o problema está na escola, mas na realidade
não é. Em nossa perspectiva, o problema ancora-se nas políticas educativas, curriculares
e de integração nacional. Dito de outro modo, o problema reside, portanto, em um facto
meramente político. São as concepções políticas que do ponto de vista objectivo têm
contribuído muito pouco para a coesão e inclusão das várias vontades, dos vários saberes,
experiências, hábitos e costumes dos diferentes grupos sociais angolanos.
Neste sentido, defendemos um sistema educativo pensado não para sujeitos, como o
que existe actualmente no nosso contexto, mas pensado pelos sujeitos e através dos sujei-
tos. Sujeito que não vive e que não narra sozinho, mas que traz consigo – e em si – as
muitas vozes e suas experiências, suas mundividências que narram também (Serpa, 2011),
de modo a contribuir para uma pedagogia emancipadora, fundada na riqueza da diversi-
dade.
Destarte, tendo em conta o papel da educação na unidade e coesão dos diferentes
grupos sociais, contribuindo para o desenvolvimento do país, importa fazer uma reforma
drástica no currículo numa perspectiva das diversidades, na lógica do reconhecimento do
outro, fortalecendo os laços de confiança e de unidade nacional (um só povo, uma só na-
ção). Para isso, torna-se imperativo caminhar-se para uma perspectiva multicultural como
eixo organizativo do currículo escolar, fazendo ecoar o grito das culturas silenciadas. O
multiculturalismo busca promover respostas à diversidade cultural no currículo escolar e
da formação docente, implicando conquistas e reivindicações, de modo a evitar as formas
diversas de opressão, exclusão e dominação. Acreditamos que, a partir do entendimento
de que o currículo pode ser um caminho para se trabalhar questões sobre inclusão, coesão,
diversidade cultural, participação, cidadania, dentre outros, a educação tornar-se-á ele-
mento indispensável para o combate das desigualdades sociais e educacionais, fortalecen-
do e contribuindo para a unidade entre os povos e o desenvolvimento do país.

2. Educação, Currículo e Coesão Social em Angola: Que desafios?


O conceito sociológico de coesão social está relacionado a uma espécie de estado,
pelo qual os indivíduos mantêm-se unidos, integrados em um grupo social, ou, simples-
mente, o estado de integração regional, a rigor um dos grandes desafios das políticas so-
ciais integradas. Inclusão e pertencimento são os eixos sobre os quais a noção de coesão
social em sociedades ordenadas sob a égide do Estado tem evoluído. Há coesão social
quando temos um grupo composto por indivíduos que compartilham objectivos, acções,
ideias e crenças. É esse compartilhamento que possibilita a existência do grupo, que co-
labora para o bem-estar da sociedade. Assim, até que ponto a educação, por via do currí-
culo pode promover a coesão e solidariedade social? Angola permeada por regiões pluri-
culturais, qual deverá ser o papel da Educação no acolhimento e consideração dessas
variedades, que até enriquecem o mosaico cultural? Enquanto sujeitos, como estamos
sendo representados no currículo?
Como vimos acima, o currículo escolar angolano tem um carácter nacional e afigura-
-se obrigatório, independendo da diversidade das várias regiões. Por se considerar mono-

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cultural, elitista e excludente, não abre espaço para os saberes locais, os hábitos e costu-
mes, nem para as manifestações culturais, tendo em conta a diversidade cultural que
caracteriza o povo angolano. Assim, para que a escola assuma o seu verdadeiro papel de
servir o desenvolvimento das sociedades e garantir a inclusão e coesão de todos os ango-
lanos, precisa de uma Educação, que seja conduzida por um currículo aberto, pluricultural
e flexível para dialogar com os saberes e culturas locais, que juntas enriquecem e enobre-
cem o país.
À título de exemplo, uma das manifestações culturais com os quais o sistema educa-
tivo angolano, por via do seu currículo não estabelece diálogo e, por isso, sua existência
é preterida no sistema de ensino, são os rituais de iniciação à vida adulta, às quais rapari-
gas e rapazes se submetem, em algumas regiões do país. Assim, para as raparigas os ritu-
ais são efico, mufico, tchicumbi e usso a depender da região do país em que se manifesta
o ritual. Durante a manifestação cultural, a menina aprende a cuidar do lar, dos filhos, do
esposo e servir a comunidade e, para os rapazes a circuncisão, evamba ou outra designa-
ção usada pelo grupo étnico, cujo objectivo é inculcar a responsabilidade deste como
maioral da família.
No entanto, estas manifestações, por norma, acontecem de Junho a Agosto, período
lectivo em que decorrem as aulas. Assim, Moisés (2014), afirma que os ritos de iniciação,
embora bons, no sentido em que, a partir deles se molda o indivíduo, com valores morais
para a vida, têm, ao mesmo tempo, um impacto negativo para a educação, uma vez que os
pais e encarregados de educação submetem os filhos aos ritos no tempo lectivo, o que
concorre para elevados índices de desistências nas escolas e/ou insucesso escolar. Isto
origina um aproveitamento pedagógico negativo, devido a não identidade cultural e lin-
guística com a escola e, por conseguinte com os conteúdos nela ministrados que, na maio-
ria das vezes, entram em conflito com as suas culturas e valores, originando a desintegra-
ção social.
Portanto, com a rigidez do currículo macro e a não programação destes saberes, não se
dá a possibilidade de os sujeitos abrangidos recuperarem os conteúdos escolares perdidos
e, como resultado, vem o abandono escolar de ambos os sexos e pior que tudo isto, surge
a desintegração social. A menina desiste da escola e vai se juntar ao seu parceiro, como
forma de preencher o espaço deixado pela ausência dos conteúdos que a escola deveria ter
a responsabilidade de ministrar. Regista-se a gravidez precoce, maternidade irresponsável
e o rapaz engrena nas actividades de seus familiares para se “tornar num grande homem”.
Nesta óptica, Moisés, (2014) alude que a integração dos ritos de iniciação no currículo
pode contribuir significativamente para a redução das desistências e dos casamentos pre-
coces, na medida em que, a educação daria continuidade, em termos de acompanhamento,
aos iniciados, para tomada de consciência de que, embora sintam-se adultos socialmente,
por terem passado pelos ritos de iniciação, continuam crianças no Ensino. Daí que preci-
sam estudar para garantirem o seu futuro e o desenvolvimento socioeconómico nas comu-
nidades onde estão inseridos e o fortalecimento dos vários grupos sociais.
Outros hábitos e costumes característicos da cultura angolana com os quais a educa-
ção formal não dialoga são os das comunidades, quer sejam autóctones ou não. A título de
exemplo, o currículo não prevê o período em que algumas comunidades do Sul do país se
deslocam das suas habituais áreas de residência em busca de água para si e para o gado (a

XXIX Encontro AULP | 97


transumância), os locais onde se concentram as escolas construídas pelo poder e Estado
em relação às distâncias das zonas de residência das comunidades (prováveis alunos des-
tas escolas), as condições económicas e sociais destas comunidades, os períodos de culti-
vo que se realizam entre os meses de Outubro a Janeiro e ceifa que se processa entre os
meses de Maio à Agosto, entre outros. Estes aspectos, se constituem num ponto negativo
para o sistema de educação e ensino, já que, a relação entre o currículo (educação formal)
e os rituais, os hábitos e costumes (educação familiar e comunitária) dos vários grupos e
outras manifestações, deveria ser de complementaridade, fortalecendo e contribuindo
para o estreitamento dos laços dos diferentes grupos e povos, e cumulativamente para o
desenvolvimento do país.
Neste sentido, nota-se que a coesão social, inclusão e o reconhecimento das diferenças
culturais constituem ainda um enorme desafio para o sistema educativo angolano, pelo
facto de não existir um processo de Estado que aproxime às pessoas ao conhecimento e
práticas normativamente oficiais, fazendo com que a escola que seria para o povo se tor-
ne, na verdade, contra o povo, tornando o país balcanizado e empobrecido culturalmente
(Soares, 2005). Assim, o silenciamento cultural no currículo, efectivado na prática educa-
tiva, parte do pressuposto descabido de que a cultura hegemónica e dominante deva pre-
valecer sobre as demais culturas consideradas minoritárias. Essa realidade, presente em
muitas instituições escolares do país, reforça a defesa de uma estrutura curricular rígida
que desconsidera as experiências culturais vindas do meio popular, reduzindo a coesão
entre os diferentes grupos.
Destarte, acreditamos que só será possível pensarmos na coesão social em Angola, por
via de um currículo de eixo multicultural, que acolhe as experiências oriundas dos pró-
prios cidadãos/educandos que levam para as salas de aula idiossincrasias que eles consi-
deram importantes de serem percebidas. Desta forma, teríamos uma educação a promover
significativamente a igualdade, a coesão social e o tão almejado desenvolvimento do país.

3. A Educação como instrumento de Coesão Social: Caminhos possíveis para


Angola
Retomamos a discussão reforçando a ideia de que, o sistema educativo angolano não
tem mais espaço na actual conjuntura e diversidade de culturas e povos do país. Assim,
em nosso entendimento só será possível estar-se diante de uma educação portadora de
coesão social, optando por um modelo de educação inspirado no multiculturalismo, isto
é, um modelo inclusivo, actualizado, que incorpore as culturas dos diversos grupos so-
ciais, que considere a diferença e o potencial de outros. Daí, a necessidade de reflectirmos
sobre procedimentos e práticas que sejam compagináveis aos novos imperativos e às vá-
rias culturas.
O primeiro elemento que propomos está relacionado à necessidade de desconstrução
de concepções, processos, práticas e modelos que ainda reforçam a classe dominante he-
gemónica para reforçar a diversidade e unidade dos grupos; Um segundo núcleo se rela-
ciona à articulação entre igualdade e diferença no nível das políticas educativas e curricu-
lares, assim como das práticas pedagógicas que conduzem à educação de todos e para
todos os grupos; Quanto ao terceiro núcleo, ele se relaciona com o resgate dos processos
de construção das identidades socioculturais, tanto no nível pessoal como colectivo, con-

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siderando a história de vida, cultura e língua de todos os cidadãos. É muito importante
esse resgate das histórias de vida e que elas possam ser narradas, reconhecidas, valoriza-
das e promovidas como parte importante do processo educacional; Um último núcleo tem
como eixo fundamental promover experiências de interacção sistemática com os “ou-
tros”, experimentando uma espécie de justiça, equidade e coesão social, na lógica funcio-
nal de um só povo e uma só nação.
A educação que reconhece as diferenças afecta as politicas educativas e curriculares,
selecção curricular, a organização escolar, as linguagens, as práticas didácticas, as activi-
dades extra-curriculares, o papel do/a professor/a, a relação com a comunidade, etc.

Figura 1 – Vectores da Educação para a Coesão Social

Em função da figura acima exposta, queremos aqui relevar que o primeiro desafio para
coesão social é desconstruir/repensar o actual paradigma. Obviamente, que de tal proces-
so resultarão tensões, conflitos, resistências próprios de uma mudança que homenageia a
diversidade e a coesão, caminhando a passos largos para um paradigma multicultural, que
mobiliza processos dinâmicos em várias direcções. Este talvez seja o maior desafio da
multiculturalidade, não ocultar as desigualdades, as contradições e conflitos das socieda-
des actuais, mas trabalhar, dialogar e intervir neles, de modo a tornar possível a promoção
e o reconhecimento da riqueza da diversidade e uma convivência plural e harmónica entre
os principais sujeitos e actores, resultando num processo de coesão social, desenvolvi-
mento e fortalecimento da nação.

Conclusão
Angola, igual a muitas nações no mundo, e em particular em África, tem um mosaico
cultural rico e diversificado. O presente artigo pretende demonstrar que, apesar de várias
tentativas, o sistema educativo, ainda não consegue dar resposta às aspirações que a di-
versidade dos grupos sociais têm sobre ele. A escola devia preparar cidadãos para inseri-
-los na sociedade e não desvinculá-los, desintegrá-los da sua cultura e do seu povo, difi-
cultando a luta pela igualdade, conquista dos direitos, patrocinados pela política educativa
e curricular vigente.
Os sistemas de educação vigentes na maioria dos países africanos foram criados pro-
positada e especificamente para reforçar a ideologia colonial de dominação, segundo a
qual, os africanos precisam civilizar-se, pois são selvagens e sem cultura. É desta forma
preconceituosa que o sistema colonial difundia e incutia menosprezo na mente dos africa-

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nos. Até hoje, isso se observa quando o sistema educativo recusa a cultura do aluno con-
siderando-a atrasada e pobre valorizando assim culturas e línguas alheias, adiando o pro-
cesso da coesão e bem-estar social e consequentemente o próprio desenvolvimento do
país.
Finalmente, constatamos que Angola pretende avançar no campo da educação e do
desenvolvimento científico e tecnológico, formando cidadão críticos e conscientes. En-
tretanto, parece longo ainda o percurso para modificar o perfil nacional, marcado pelos
desequilíbrios regionais e pelas desigualdades sociais. Isto nos leva à conclusão de que a
caminhada deve prosseguir e que as abordagens sobre o tema precisam ser aprofundadas,
no sentido de contribuir com os avanços na perspectiva da equidade, da coesão e bem-
-estar dos diferentes grupos sociais que pululam em Angola.
Assim, tentámos aqui mobilizar argumentos para afirmar, que o desafio da educação
para a coesão social e formação de uma sociedade melhor em Angola será dificilmente
resolvido sem políticas educativas e curriculares hodiernas, justas e coerentes, que este-
jam fundadas em princípios inclusivos e calcadas na lógica multicultural e emancipatória,
que visam reconhecer o outro. Desta forma, abrem-se perspectivas para a divisa “um só
povo, uma só nação”.

Referências
Angola (2010). Assembleia Nacional – Constituição da República. I Série-n.º 23, de 5 de Fevereiro.
Angola (2016). Decreto-Lei n.º 17/16, de 7 de Outubro – publicado no Boletim Oficial da República.
I Série – n.º 170 – Cria os principios e as bases gerais do Sistema de Educação e Ensino.
Moisés, R. (2014). “Os ritos de iniciação no distrito de Lichinga: desafios para a educação”. In: Duarte, S.
e Maciel, C (org). Temas Transversais em Moçambique: Educação, Paz e Cidadania. Textos da Conferência
Organizada pelo Centro de Estudos de Políticas Educativas. Maputo, Editora Educar.
Serpa, A. (2011). A cultura escola em movimento: diálogos possíveis. Rio de Janeiro: Rovelle.
Unesco (1994). Declaração de Salamanca e Enquadramento da Acção: Necessidades Educativas Espe-
ciais. Salamanca: Unesco
Unesco (1996). Declaração universal dos direitos linguísticos. Barcelona: UNESCO.
Velasco, M. e Timbane, A. (2017). O processo de ensino-aprendizagem do português no contexto multicul-
tural moçambicano. RILP – Revista Internacional em Língua Portuguesa, nº 32, pp.100-120.

100 | XXIX Encontro AULP


Convergências políticas no cinema novo luso-brasileiro

Patrícia Oliveira
Observatório Político / ISCSCP – Universidade de Lisboa
Associação das Universidades de Língua de Portuguesa

Introdução
A comunicação apresentada durante o XXIX Encontro Anual da Associação das Uni-
versidades de Língua Portuguesa (AULP), no Instituto Politécnico de Lisboa, no início de
julho de 2019, é baseada na minha tese de doutoramento em ciência política, dedicada ao
estudo da cultura política através do filme documentário, em Portugal, ao longo do perí-
odo de 1974-2012. Aquela apresentação e o texto aqui proposto, Convergências políticas
no cinema novo luso-brasileiro, são por isso apenas parte do resultado desse trabalho
maior de investigação e de redação. O objectivo inicial era o de sintetizar as principais
ligações políticas no movimento do cinema novo luso-brasileiro (CNLB), demonstrando
que a prática do documentário permitiu estabelecer redes de cultura política.
Nesta versão escrita da apresentação, em termos de estrutura, não excluí uma primei-
ra parte dedicada à apresentação dos conceitos fundamentais e às possibildiades de en-
quadramento metodológico do filme documentário na ciência política. A segunda parte
centra-se no cinema novo luso-brasileiro, mais concretamente nas contribuições dos
aspectos sociais e políticos do movimento que permitem identificar redes de cultura polí-
tica. A terceira parte é dedicada à análise das convergências políticas no cinema, em par-
ticular no filme documentário enquanto instrumento de cultura política.
Os argumentos apresentados ao longo do texto são apoiados pelos episódios e mo-
mentos históricos registados nos filmes documentário do chamado período do cinema
novo – desse cinema com ambições fraternas e expansionistas, desse activismo político e
social através do cinema e das suas narrativas documentais. O material de referência é
vasto, e a influência da personalidade dos próprios cineastas é naturalmente multidimen-
sional e complexa. As opções metodológicas de execução e expositivas adoptam diferen-
tes estratégias nos diversos trabalhos que podem ser consultados sobre o tema. As refe-
rências a Glauber Rocha, Fernando Lopes, Paulo Rocha e António da Cunha Telles, por
exemplo, são incontornáveis e sistemáticas.
Constituem pontos de partida para esta reflexão os filmes documentário As Armas e o
Povo (Colectivo dos Trabalhadores da Actividade Cinematográfica, 1975, Portugal) e
Cinema Novo (Erik Rocha, 2016, Brasil), os quais tomados igualmente como referência
ao longo do texto. É também pelo facto destes filmes documentário terem tido um bom
acolhimento e recepção por parte do público em geral que o estudo das redes de cultura
política luso-brasileiras adquire outras oportunidades de compreensão e aprofundamento.
Trata-se, portanto, da constatação da necessidade de abordagens culturais da política que
promovam a investigação sobre o cinema e as relações culturais e políticas em português.

XXIX Encontro AULP | 101


Conceitos e enquadramento
Tomando a perspetiva do filme documentário e da análise política, o cinema é poten-
cialmente uma extensão da política por outros meios (Zimmer, 1974; Bessa, 1997, p.
119); um veículo de transmissão e difusão das ideologias políticas no espaço e no tempo.
Quer seja, afinal, a projeção da imagem em movimento nos filmes documentário de pro-
paganda dos regimes políticos, das aspirações revolucionárias ou das utopias, de reflexão
e análise social ou histórica, quer seja no cinema de autor, o filme documentário constitui
um instrumento de análise e de representação dos valores, ou seja, uma prova documental
dos estados de espírito, das causas particulares ou colectivas, da defesa dos valores.
A percepção da imagem cinematográfica convoca outros sistemas de referência, outros
quadros mentais, outras imagens sobre conceitos abstractos – outros planos reveladores
das imagens que compõem a subsjetividade do espetador mediada pela perspectiva do ci-
neasta. Deste modo, a perspectiva deste é direccionada e intencional, tendo, por isso, fins
determinados, embora a apreensão desses conteúdos da imagem no filme documentário
varie conforme os a prioris do sujeito espetador-observador. O cinema faz parte da vida e
o filme documentário nela inscreve modelos de comportamento individual e de convivên-
cia coletiva, registando e acomodando outras perspectivas sobre a realidade política.
A perspetiva do filme documentário, pressupondo uma investigação e metodologia,
constitui também uma perspetiva crítica sobre a história das ideias políticas através do
cinema. Alguns autores consideram que, ao referirmo-nos à história do cinema (Lera,
Crusells e Barba, 2015), mais concretamente ao pormos em prática uma metodologia e
investigação sobre cinema e política (Romero, 2000; Ferreyra, 2011), ou sobre a história
das ideias filosóficas através do cinema (Costa e Pessoa, 2010, 2011), contribuímos para
uma intertextualidade da política e da estética (Beaudry, Ferrer e Pleau, 2011).
As questões do filme documentário abrangem diversos temas – mito e tragédia, exis-
tencialismo, amor, morte, história e violência – entre eles – cinema e revolução, cinema e
democratização, cinema e crise. O cinema, enquanto forma mais revolucionária das artes,
tal como atribuído por Walter Benjamin, é também o resultado histórico do próprio pro-
cesso político e da constante discussão em torno da condição humana, em evidência na
exibição performativa do filme. O filme documentário estabelece, portanto, a arena pri-
mordial do debate de ideias, conceções e circunstâncias da política.
Podemos considerar igualmente, que o filme documentário exibe a relação da arte
com a vida, convocando não só o conhecimento técnico, produzido pelas artes visuais,
como também criando tendências artísticas, movimentos e tendências, cenários que de-
pendem da realidade e conjuntura históricas existentes. Se por um lado, o filme documen-
tário constitui um género ou expressão cinematográfica, por outro lado, enquanto instru-
mento, faz apelo à urgência em representar realidades e contextos específicos.
Assim, o filme documentário constitui um instrumento de leitura da cultura política,
ao permitir um entendimento sobre as ideologias e os aparatos políticos que a influencia
e orienta. Entendemos a cultura política como o conjunto de valores, crenças e atitudes
politicamente orientadas e manifestadas através das práticas culturais, devido às suas
qualidades interpretativas e simbólicas. O controlo os códigos simbólicos da arte, da cul-
tura, das práticas culturais – o comando sobre a definição, produção, aplicação e interpre-
tação da imagem – consiste numa fórmula de manifestação e de disputa pelo poder, de
afirmação do seu discurso legitimador.

102 | XXIX Encontro AULP


As opções da ciência política pela especialização e institucionalização no estudo das
estruturas e processos políticos, a sua autonomização em relação às ciências sociais, de-
terminaram um afastamento dos estudos culturais. Os domínios da cultura e das práticas
culturais estabeleceram-se como territórios de fronteira, pontualmente tangentes nos es-
tudos clássicos da cultura política e da cultura cívica, de Grabriel Almond&Sidney Verba
e Robert Putnam, respectivamente. A cultura política foi entendida como a alocação de
valores, atitudes e crenças políticas com influência no comportamento e sistemas políti-
cos. Os trabalhos que lhes sucederam, de Ronald Inglehart e Pippa Norris, por exemplo,
contribuíram para a aplicação quantitativa de dados na elaboração de inferências explica-
tivas acerca da cultura política.
Grande parte dessa discussão tem sido útil para definir o estatuto da ciência política,
embora tenha empobrecido ou marginalizado outras perspetivas, cujo foco se distancia
dos centros de poder institucionalizados nas sociedades modernas. Obviamente que ne-
nhum destes estudos esteve isento de críticas, reformulações e propostas alternativas,
porquanto ainda consideradas marginais.
É meu objetivo transpor barreiras e separações entre matérias políticas e matérias não-
-políticas. A marginalidade dos objetos e práticas culturais, enquanto instrumentos de
transmissão de valores, crenças e atitudes, é aqui considerada e analisada em articulação
com os processos de fragmentação, especialização heterogénea e hibridação (Romero,
2000, p. 52). Trata-se de uma especialização fragmentada que privilegia abordagens in-
terdisciplinares, por exemplo com a estética, a antropologia cultural, a história da arte ou
comunicação política. Estas áreas temáticas encontram-se, assim, nas margens e perife-
rias em relação às áreas convencionais da ciência política.
O contexto da descolonização – das fronteiras políticas e das humanidades – veio in-
tensificar a consciência de uma conjuntura crítica onde se cruzam as esferas da arte e da
política (Beaudry, Ferrer e Pleau, 2011). Abordagens recentes no estudo da ação política
pública e seus públicos (étnicos, religiosos, sexuais, ambientais, e de protesto) têm evi-
denciado outras possibilidades de compreensão acerca da complexidade dos comporta-
mento e processos políticos. Consequentemente, não ficam daqui excluídos os estudos
dedicados, por exemplo, à comunicação política ou à antropologia política (Savage e
Nimmo, 1990; Kuschnir e Carneiro, 1999). Algumas destas circunstâncias fazem da ciên-
cia política uma ciência com vocação abrangente – interdisciplinar, multidisciplinar,
transdisciplinar – e, afinal, com diversas possibilidades de interpretação sobre si própria.
Para além disso, quaisquer que sejam as tentativas de reconstituição do passado, estas
assentam na partilha de informação mediatizada através de certos instrumentos, sejam
estes a rádio, a televisão, a música, ou o cinema, e estes colaborando no reforço da cultu-
ra política. Não importa a fonte ou suporte documental – imagens, textos, sons, narrativas
– a memória coletiva e social envolve elementos de criatividade, imaginação, fantasia,
nesse processo infinito de (re)composição da história acerca do passado, pois está sujeita
ao estabelecimento de conexões entre os diversos meios. A utilização (in)consciente des-
ses meios na partilhada de informação mediatizada, assim como a politização mais recen-
te de que os vários elementos de cultura tâm sido alvo, convidam à sua investigação e
perspetiva crítica da ciência política.
Apesar destes obstáculos, o cinema procurou afirmar-se dentro dos diversos campos
disciplinares das ciências sociais – sociologia, história, filosofia, psicologia, antropologia

XXIX Encontro AULP | 103


– e da própria comunicação política enquanto fenómeno sociopolítico, contribuindo para
os seus desenvolvimentos disciplinares, ainda que numa condição marginal (Romero,
2000; Costa e Pessoa, 2010, 2011; Balsom e Peleg, 2016).
A expansão de abordagens conciliadoras dos estudos culturais na ciência política con-
firma as possibilidades de abertura académica, numa perspetiva holística das humanida-
des, sem desconsiderar as interligações entre a ciência política, as ciências sociais e as
artes (Kuschnir e Carneiro, 1999; Romero, 2000; Beadry, Ferrer e Pleau, 2011; Ferreyra,
2011). O recente reconhecimento e significado político atribuído às práticas culturais é
indicativo da complexidade das relações de poder, tornando limitada a utilidade de certas
equações behavioristas e modelos racionais de análise.
Os terrenos de fronteira no estudo da ciência política, a divisão entre as matérias
políticas e não-políticas têm sido sucessivamente desenhados pelo conjunto de intera-
ções sociais que, em dados momentos da conjuntura histórica, conseguem estender ou
retrair essas mesmas noções de fronteira, parcialmente promovendo abordagens inter-
disciplinares.
O alargamento destas noções de fronteira entre as disciplinas das ciências sociais tor-
nou possível e estimulou o desenvolvimento de outras perspetivas analíticas e empíricas
sobre o modo como a cultura adquiriu relevância explicativa (Kuschnir e Carneiro, 1999;
Sarmento, 2008; 2009; 2015; Oliveira, 2012), em relação às perspetivas formalistas sobre
os processos e mecanismos de transformação política (Tilly, 2001, p. 24; Costa Pinto,
2011; Meirinho, 2010).
Como consequência destes debates e desenvolvimentos, a atualização da noção de fron-
teira entre matérias políticas e não-políticas, de qualquer esforço de delimitação exclusiva
do objeto de estudo da ciência política, pode ser assim definido pelo conjunto relevante de
interações sociais e políticas dentro de determinados momentos de conjuntura histórica.
A partir da ciência política, numa perspetiva analítica sobre o papel da imagem no
cinema, e em concreto do filme documentário corroboramos o modo como as ideias con-
dicionam a própria história e a construção da memória coletiva.
O contributo crítico e analítico adiante apresentado tem por objetivo comum analisar
a cultura política através das interações do filme documentário numa perspetiva da ciên-
cia política. Procuramos contextualizar o filme documentário em relação ao conjunto de
interpretações e problemáticas sociopolíticas suscitadas, como também compreender o
modo como estas agem sobre a comunidade de indivíduos.

Cinema novo luso-brasileiro


A produção de filmes documentários é extensa, tanto quanto a participação e interesse
dos intelectuais brasileiros exilados em Portugal. Os intelectuais – das letras, artes plásti-
cas, poesia, música, teatro, cinema – desempenharam um papel central na luta contra a
ditadura e a censura, de forma a dotar o país de uma espécie de nova “consciência nacio-
nal democrática”, enquanto vozes interpretadoras do país e, paralelamente testemunhos
das arbitrariedades do regime.
Os intelectuais assumiram-se como os novos criadores simbólicos, ocupando o espa-
ço público da produção e consumo cultural direcionado para as massas e classes trabalha-
doras, contra uma cultura de elites. Deste modo, os meios de comunicação e audiovisual

104 | XXIX Encontro AULP


foram os instrumentos escolhidos para acompanharem o processo de urbanização e mo-
dernização num período de aspirações e tentaivas revolucionárias.
Ao mesmo tempo, é de assinalar igualmente a intensidade da atividade cineclubista e
do associativismo cultural, ainda que numa escala reduzida e para um público sensível às
questões cinematográficas. Em 1956, havia 30 cineclubes ativos em Portugal, de norte a
sul, o que à época não deixa de ser significativo, tendo possibilitado uma maior circulação
de filmes e tomada de consciência quanto ao papel do cinema.
Os cineclubes eram os espaços de associação, de partilha e debate de ideias, escolas
de formação informais devido à inexistência de escolas de cinema até meados dos anos
80. A formação e discussão cinematográfica acontecia assim em ambientes alternativos,
espaços livres de porporcionaram uma abertura de afirmação social e política através do
cinema, até então impossível de realizar dentro de uma estrutura de cinema ao serviço do
Estado Novo, apesar da tentativa da sua desmobilização, no final dos anos 60, numa de-
monstração de força efetiva da censura e repressão.
Considerando o conjunto de transformações sociais e políticas que caracterizam a
terceira vaga de democratização, é através da produção de cinema documental, que as
primeiras propostas políticas revolucionárias e democráticas são registadas, mas também
partilhadas entre Portugal e Brasil. As amizades pessoais e as filiações cinematográficas
impulsionaram um novo cinema, à época de carácter progressista e expansionista.
No Brasil os eventos da revolução portuguesa do 25 de abril de 1974 chamaram a
atenção do governo, intelectuais e da opinião pública. A oposição à ditadura militar bra-
sileira celebrou a revolução portuguesa como se fosse de um braço revolucionário brasi-
leiro se tratasse. Exilado na Europa, o realizador Glauber Rocha colaborou na produção e
realização do filme documentário português, As Armas e o Povo, mostrando as manifes-
tações populares e os desejos de futuro.
Neste texto estabelecemos um paralelismo simbólico, mas também revisionista daqui-
lo que significou o CNLB e os seus impacto na história do cinema. Essa proposta surge
no filme documentário Cinema Novo (2016), de Erik Costa. Muito provavelmente, sob
influência da memória biológica do pai, Erik Costa, filho de Glauber, propõe no seu filme
uma revisitação dos pressupostos, da narrativa, dos objetivos, das personalidades que fi-
zeram parte do CNB. Há uma narrativa expliciativa do CNB, mas também um “mosaico
afectivo” de um tempo passado, talvez procurando-se uma imagem para um humanismo
político e social, central para a nouvelle vague, e denunciador da fase de decadência na
atualidade. Não menos coincidente, Cinema Novo teve passagem por Paris, França, em
2018, inserido no Festival de Cinema Brasileiro.
O resultado deste filme documentário é a revisitação de um conjunto de cineastas e
grupo de cinéfilos que, embora distintos entre si, uniram-se para viabilizar esforços e os
meios de produção necessários à mudança no contexto político e social brasileiro. A men-
sagem aribuindo ao cinema a possibilidade de veículo do compromisso ideológico e de
reflexão antropológica em sentido convergente é forte.
Paralelamente, os conteúdos dessa mensagem são igualmente reconhecidos e promo-
vidos entre a cineastas da geração do CNP. A consulta de periódicos da época permitiu
constatar o debate intenso, não somente em relação às correntes estéticas no cinema, em
Portugal, e nas geografias de maior influência para o cinema novo, como também em re-
lação às políticas para o cinema – sobre as políticas que verdadeiramente impulsionassem

XXIX Encontro AULP | 105


o cinema e a atividade cinematográfica em Portugal, incluindo a presença de filmes por-
tugueses em festivais de cinema, tal como adiante fica demonstrado pela entrevista de
Fernando Lopes (Sales, 2009).
Por seu turno, em retrospectiva do filme documentário português, as Armas e o Povo
(1975) representam a convergência revolucionária e singular do caso português, num fil-
me revelador da emotiva união entre as Forças Armadas e o Povo português, entre os dias
25 de abril de 1974 e o 1º de Maio desse mesmo ano. Este filme documentário é fruto
desse momento político e social, realizado pelo Colectivo dos Trabalhadores da Activida-
de Cinematográfica.

“As Armas e o Povo” é o mais célebre filme da revolução portuguesa. Rodado durante a
semana entre o 25 de Abril e o 1º de Maio de 1974, junta as grandes movimentações de
massas aos discursos de Mário Soares e Álvaro Cunhal e a libertação dos presos políticos
às entrevistas de rua conduzidas pelo cineasta brasileiro Glauber Rocha. Assinado pelo
Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica, é um documento histórico
inestimável, feito a quente e em cima do acontecimento por vários técnicos e realizadores
portugueses. Uma obra incontornável do cinema militante europeu, “As Armas e o Povo” é
também um manifesto sobre a relação entre cinema e política, não apenas como mero difu-
sor dos acontecimentos, mas sobretudo como participante ativo do ato revolucionário. (Fo-
lha de sala da Cinemateca Portuguesa, 2019)

As Armas e o Povo é o filme documentário de referência sobre o início do período


revolucionário, em Portugal. Para além disso, é um filme documentário demonstrativo de
umas das consequências mais directa da revolução sobre os meios de produção em geral,
e sobre os meios da produção cinematográfica em particular. É nesse contexto que são
criadas no Instituto Português de Cinema as unidades de produção, no seguimento da
colectivização da economia e dos sectores produtivos.
A utilização dos meios técnicos de produção e pós-produção eram disponibilizados
pelo Instituto Português de Cinema, funcionando com um espírito colectivista, tinham
como objetivo garantir a atividade dos profissionais de cinema, acompanhar e registar de
norte a sul do país as transformações sociais e económicas. As campanhas cinematográfi-
cas tinham como objetivo agitar politicamente as consciências – consciencializar politica
e socialmente um país empobrecido e iletrado. Surgem as cooperativas de cinema: a Ci-
nequipa, a Cinequanon, o Grupo Zero e certos produtores independentes. Na prática do
cinema militante empenham-se António de Macedo e Luís Galvão Teles (Cinequanon).
Para além de outras possíveis abordagens culturais, a perspetiva trazida pelo docu-
mentário sobre os processos políticos de democratização em Portugal e no Brasil são
viabilizados por uma ciência política aberta a novas abordagens políticas culturais e a
uma revisitação da história. No final do século XX, a imagem e o documentário consti-
tuem um importante mecanismo de comunicação, aumentando o imaginário cultural e
simbólico entre Portugal e Brasil.
Com particular enfoque e em revisitação do ideário de defesa e afirmação do cinema
novo brasileiro (CNB) e do cinema novo português (CNP), a discutível condição de mar-
ginalidade do filme documentário constitui um documento visual e discursivo das conver-
gências políticas da época.

106 | XXIX Encontro AULP


Redes de cultura política
O documentário, com recursos técnicos, visuais e discursivos próprios, revelou-se,
desde logo, marcadamente social e político, enquanto instrumento de reflexão e de ação
sobre as conjunturas políticas, na representação dos valores da cultura política, quer do
passado, quer do futuro das sociedades nas geografias latino-americanas e europeias.
Numa breve retrospetiva das relações entre Portugal e o Brasil através do cinema e do
filme documentário, podemos verificar que as relações políticas tiveram uma forte ex-
pressão cultural (Sarmento e Guimarães, 2015). Nas primeiras décadas do século XX, as
relações entre Portugal e Brasil foram acompanhadas pela promoção e investimento na
cultura, sobretudo, na divulgação da existência de uma cultura comum, muitas vezes em
diálogo, a favor ou contra o sistema político vigente.
Deste modo, os documentários políticos são também eles um exemplo do papel de
intermediação cultural para a construção de memória, mas também para a crítica e reno-
vação de valores que acompanham as transformações no sistema político.
Ao longo das décadas de 50 e 60, podemos considerar que o cinema constituiu um
instrumento de divulgação da ação política, nomeadamente com as visitas presidenciais
nos dois lados do Atlântico, destacando-se a ação do Ministérios dos Negócios Estrangei-
tos português no reforço das relações bilaterais através de uma diplomacia cultural. Des-
tacam-se os filmes documentário: Presidente Café Filho em Lisboa (1955) de António
Lopes Ribeiro; Comunidade Luso-Brasileira (1956) de António Lopes Ribeiro; Relíquias
Portuguesas no Brasil (1959), de Leitão de Barros; Cruzeiro do Sul (1966) e Voo da ami-
zade (1966) de Fernando Lopes.
O início da guerra colonial dos territórios africanos, bem como a crescente pressão inter-
nacional em relação à política colonial portuguesa, foi marcado igualmente por uma aposta
nas relações entre Portugal e Brasil. Por um lado, evidenciando-se que o passado brasileiro
estava indubitavelmente marcado pela presença e influência portuguesa, por outro lado, o
conjunto de celebrações e visitas oficiais reforçavam uma convivência pacífica, necessária
de fomentar à época face à questão colonial portuguesa. A revisitação dessas relações pós-
-colonais entre Portuga e Brasil, e das opções em termos de diplomacia e política externa
consolidaram um soft power de influência atlântica (Vargas, Sarmento e Oliveira, 2015).
Os anos entre 1950-1959 correspondem aos anos de cinefilia e de formação no estran-
geiro da geração do CNP e do CNB, inequivocamente marcados pela nouvelle vague e
seus principais cineastas ou cineastas representantes desse movimento cinematográfico.
Em Portugal, como no Brasil, o cinema novo estava preocupado em debater a condição
humana a partir do ponto de vista estético do cinema, e aí encontraram o recurso ao docu-
mentário. Para além de preocupações políticas e sociais, as redes e origens culturais fo-
ram profundamente compartilhadas.
Os cineastas do movimento CNLB procuraram com convicção produzir um cinema
completamente diferente – a partir de um ponto de vista estético – e também totalmente
independente do status quo dos respectivos regimes políticos autoritários. Tanto em Por-
tugal, como no Brasil, os cineastas desta corrente cinematográfica manifestavam a sua
atenção para com a condição humana – a imagem estava concentrada em mostrar as con-
dições de vida, as clivagens rurais e urbanas, mas também significavam mostrar a políti-
ca. Ambos, estavam profundamente convencidos de que através do cinema que poderiam
antecipar uma revisão das elites e do sistema político.

XXIX Encontro AULP | 107


A geração do cinema marginal brasileiro ou do cinema novo português, assumiu o
registo do pensamento progressista e ações revolucionárias, por via das redes de cultura
estabelecidas nas décadas precedentes da nouvelle vague francesa, mas com traços distin-
tos no quadro de uma cultura luso-brasileira.

“Quando se fala em ‘cinema marginal’, ninguém, ou quase ninguém, gosta da etiqueta. No


entanto, ela persiste, em parte devido à associação problemática entre transgressão estética
e violência de assaltantes, num transporte que, no entanto, sugere algo a respeito da produ-
ção e do seu contexto: um país marcado pela guerrilha urbana em resposta àquele que foi o
período mais negro da ditadura. ‘Marginal’ opera, sem dúvida, uma redução e não dá conta
da invenção formal, do teor de experimentação de uma parcela dos filmes que se costumou
incluir nesta tendência – que, grosso modo, se afirmou de forma mais vigorosa no período
1968-1973, mas ecoou nos anos seguintes, em aspectos do trabalho, já em regime franca-
mente ‘solo’ de cineastas que por aí passaram, como Bressane, Tonacci, Rosemberg, Sgan-
zerla, Reichenbach e Neville d’Almeida, entre outros. (...) Há no Cinema Marginal uma
galeria dos não-reconciliados” – Xavier, Ismail, O Cinema Marginal Revisitado, ou o aves-
so dos anos 90. Artigo disponível em <http://www.portalbrasileirodecinema.com.br/margi-
nal/ensaios/03_03.php>. Consultado em junho de 2014.

é curioso... A primeira pessoa, uma das primeiras pessoas que assistiu a montagem do Be-
larmino foi o Cacá Diegues e depois o Glauber Rocha. O Belarmino chegou a passar no
festival de Pésaro clandestinamente. O primeiro festival de cinema novo...O mesmo festival
que deu ao Glauber Rocha o prêmio pelo Barravento deu o prêmio de crítica para mim pelo
Belarmino. E aí ficamos muito amigos, tivemos imensas relações, eu e o Glauber, sobretudo
em Paris, e depois aqui em Lisboa já na fase final do Glauber, quando eu era diretor de co-
-produções do serviço público, já muito depois do 25 de Abril. Naquela época, tivemos a
ideia de fazer um filme que se chamava Uma Cidade Qualquer. Depois que ele morreu, eu
dei o roteiro para a mãe dele… a relação com o cinema novo brasileiro foi sempre muito
forte. (Sales, 2009, p. 143)

No início dos anos 60, diferentes experiências de renovação cinematográfica associa-


das aos desejos de revolução política juntaram cineastas latino-americanos – Argentina,
Brasil, Chile, Venezuela, Colômbia, México, Bolívia, Uruguai, Equador. Oriundos das
várias esquerdas, protagonizaram o Novo Cinema Latino-americano (NCL), para o qual
contribuíram com um conjunto de reflexões estéticas e ideológicas por ocasião dos festi-
vais de cinema de Sodre, Montevideu (1958), Sestri Levante, Itália (1962 e 1963) e Viña
del Mar, Chile (1967). Tal como refere Dávila, “o conceito [NCL] carrega uma grande
imprecisão pela amplitude de experiências que engloba, na tentativa de abarcar várias
cinematografias sob a mesma denominação [novo cinema], pela dificuldade de estabele-
cer os limites temporais em que se inscreve” (Dávila, 2013, p. 174).
O lastro da nova vaga cinematográfica, cuja epicentro foi, sobretudo, França e Itália,
não se limitou a repetir as modas do cinema daquela época, mas acomodou as contextos
sociais, políticos e económicos das diferentes geografias por onde se instalou.
Na tentativa de compreender o cinema documentário exploramos as redes entre inte-
lectuais, cineastas e produtores. Embora coexistam diferenças na cronologia histórica dos
acontecimentos revolucionários em Portugal e no Brasil, verificamos a existência de uma
partilha de códigos e práticas de cinema documental antecipadoras dos próprios eventos

108 | XXIX Encontro AULP


políticos. Por isso o documentário é aqui considerado como um mecanismo possível de
reforço da imagem cultural e simbólica entre Portugal e Brasil.
Assim, as redes políticas no cinema configuram uma estratégia cultural militante, pre-
sente nas dicotomias entre esquerda e direita, e de intervenção política através do mains-
tream cultural e assimilada de forma mais vasta, com o objetivo de atingir o máximo
impacto e transformar as estruturais ideológicas, numa interação próxima entre as esferas
da política e da cultura.

Conclusão
A abordagem insterdisciplinar, convocando áreas comunicantes das ciências sociais e
das humanidades, permitiu quebrar pré-conceitos latentes na ciência política, ao mesmo
tempo abrindo campo ao estudo de abordagens cinematográficas da política e das rela-
ções de poder.
Em suma, este texto prentendeu abordar de forma sintética os principais aspectos so-
ciais, políticos e mesmo históricos do cinema novo de expressão portuguesa, aqui abor-
dados no enquandramento luso-brasileiro. Possivelmente alguns poderão questionar a
fórmula singular aqui utilizada – movimento, em vez de movimentos, uma vez que vários
pescursos, estilos ou estéticas cinematográficas são reconhecidas; ou luso-brasileiro, em
vez de português e brasileiro, porém os discursos pós-coloniais já extrapolam a discussão
aqui apresentada; outros poderão preferir outras designações – cinema marginal, cinema
periférico ou novo cinema.
Ao longo do texto pretendemos evidenciar que em vários momentos a produção cine-
matográfica, a ideologia cultural e artística, a relação com o público e as tentativas de
internacionalização do cinema e do filme documentário de expressão portuguesa consti-
tuíram uma realidade, através de abordagens partilhadas sobre os fenómenos socais e
políticos luso-brasileiros, e naturalmente os estéticos também. Referimo-nos, por isso, às
redes políticas e culturais luso-brasileiras.
A pesquisa pelas identidades dos povos através da artes e das culturas, sobretudo,
através do cinema e do discurso do filme documentário, permitiu explorar e desvendar
redes de poder simbólico, constituídas com relativa autonomia e independência, em parte
possível devido ao movimento do cinema novo.
As convergências políticas no cinema novo luso-brasileiro abordam aspectos diversos
e relacionados não só com a história e estética do movimento do cinema novo, como
também com os contextos sociais e políticos, com os movimentos culturais de protesto
que potenciaram a internacionalização e a criação de redes de cultura política entre Por-
tugal e o Brasil. Assim, se demonstra que há ainda por aprofundar conhecimento e inves-
tigação que advêm das identidades e das culturas em rede e em português.

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110 | XXIX Encontro AULP


Letramento cartográfico em práticas artísticas
relacionadas à geografia

Jorge José Araujo da Silva


Professor da Universidade de Pernambuco, Brasil, Pós-doutoramento na FBAU Porto
E-mail: [email protected]

Introdução
A Geografia é uma ciência que supre a estruturação da formação humana, por este
motivo se apresenta em todo currículo letivo da formação educativa, o que exige do pro-
fessor uma atenção diferenciada para a didática e aplicá-la em idades diferentes adaptadas
aos conteúdos específicos.
Nas ações teóricas e práticas deste artigo nortearemos sentidos na temática da Geogra-
fia Cultural relacionado à Arte Educação, o que experimentamos teoria e prática com di-
dáticas específicas, sendo a dança circular “a ciranda”, que é praieira e geográfica por si,
uma ferramenta na linguagem cultural, para comunicar a ciência geografia aos discentes.
É currículo pessoal desta atividade ter participado como professor de geografia dos
ensinos fundamental, médio e superior, tanto em escolas particulares como públicas, bem
como, ter a formação em Pedagogia Waldorf, esta que em muito nos dá suporte filosófico
através da antroposofia, para atuar em sala de aula quando experimentamos a época de
geografia no ensino fundamental I (no Brasil hoje denominado de Séries Iniciais). Com
este suporte vivenciamos a geografia do quarto ano (para alunos de 9 anos de idade),
classe que requer bastante cuidado para trazer aspectos científicos da geografia, com em-
basamento teórico e com o suporte da arte, através da ciranda, a teoria geográfica, com
palavras novas ao alunado, chega através do movimento de corpo, integração do grupo,
exercício físico, integração do grupo classe e relações humanas.
Os conteúdos surgem intercalados com os assuntos do currículo escolar, neste caso
temas como equador, Greenwich, hemisférios, quadrantes, latitude, longitude, norte, sul,
oeste e fazer o azimute com o leste e norte magnético do planeta Terra, chegam para o
grupo com a roda da dança de ciranda.
Esta atividade é praticada e realizada anualmente na Escola Waldorf Recife na época
de geografia no 4° ano escolar, também praticado na UPE – Universidade de Pernambuco
onde trabalho nos cursos de licenciatura em Geografia e Pedagogia. Como currículum já
realizamos esta dinâmica artística geográfica na Universidade Federal de Pernambuco,
aos alunos do 8° período de licenciatura em Geografia, ao alunado do curso de Pedagogia
da FAFIRE quando era professor nesta faculdade, em colégios como no Arco-Íris e CMR
– Colégio Militar do Recife. Apresentamos também em janeiro de 2017 à UniCV na cida-
de de Praia em Cabo Verde, na ocasião, aos discentes formandos em Licenciatura em
Geografia. Realizamos no mesmo mês e ano citados, a mesma prática do Letramento
Cartográfico para alunos da Escola de Formação de Professores da Guiné-Bissau, bem

XXIX Encontro AULP | 111


como, ao alunado do 7° ano da escola de ensino fundamental Ebenezer na cidade de
Bissau em 2017. Em agosto de 2018 apresentamos esta ferramenta didática a professores
de Geografia da rede municipal da cidade do Recife, em oficina realizada no Centro de
Formação de Professores Professor Paulo Freire e em fevereiro de 2019 realizamos a
oficina de letramento cartográfico na escola municipal Córrego da Bica no Recife.
Esse trabalho tem como objetivo estudar a Geografia Cultural em suas instâncias teó-
ricas, didáticas e práticas, na qual propomos experimentos com rodas de ciranda, promo-
vendo o diálogo intercultural das atividades executadas em classe.
Os objetivos específicos desse trabalho, versa aprofundar a Geografia Cultural como
teoria/prática atrelada à Arte Educação; propor atividades didáticas dentro da dinâmica
rodas de ciranda, abordando conteúdos da Geografia; vem experimentar rodas de cirandas
em sala de aula com turmas do ensino básico e formação de professores, para sistematizar
didática ao conteúdo da Geografia, por fim, compartilhar com o evento XXIX AULP
2019 estas práticas.
É metodologia deste trabalho, estabelecer um estudo teórico em Geografia Cultural,
Arte Educação, didática e prática pedagógica com envolvimento em rodas de cirandas,
danças e atividades artísticas; também pretendemos demonstrar os experimentos da roda
de ciranda como atividade didática em classes do 4° ano, trazendo conteúdo da geografia
como aporte pedagógico, atividades praticadas em escolas; de outra forma, descrever os
resultados das atividades práticas relacionadas ao conteúdo específico da Geografia, ga-
nho da comunidade e, apresentar uma compilação das informações com esta publicação.

As Geografia Cultural e as Artes


A ciência geográfica tem em suas especificidades, no trato com a aplicação na educa-
ção como disciplina. Para tanto, alguns estudiosos da prática pedagógica se debruçam nas
formas e metodologias que possam ser aplicadas em sala de aula, para que esta linguagem
geográfica seja melhor trabalhada pelo professor na comunidade escolar ou não.
Uma expressão de como lecionar a geografia, vemos na referência de Castrogiovanni
(2006), quando expressa que a Geografia escolar deve dar conta do objetivo deste estudo,
e complementa, quando descreve a “Geografia deve lidar com as representações da vida
dos alunos, sendo necessário sobrepor o conhecimento do cotidiano aos conteúdos escola-
res, sem distanciar-se, em demasia, do formalismo teórico da ciência”. Desta forma obser-
vamos que, a ciência é o centro da dinâmica em classe, por mais que apareçam as ativida-
des didáticas e bagagem cultural do professor e seu conhecimento com o que é espaço.
Quanto ao espaço, Penteado (2001), conceitua que é básico no estudo da Geografia, é
nesta dimensão que a relação social humana transformadora da natureza, produz cultura.
Assim o espaço adquire concretude, se torna visível, tocável, tátil, no chão em que pisa-
mos e que nos envolve, na Terra em que habitamos (o espaço geográfico).
Por esses motivos, como professores, precisamos nos esforçar em tratar da melhor
forma possível da geografia quanto ao máximo acesso social, de formas a difundir quali-
tativamente, para que grande parte da sociedade seja beneficiada pelo conhecimento geo-
gráfico que, também é estruturador do ser humano e de toda sociedade.
O estudo da Geografia é fortalecedor do tecido da sociedade, que expressa criação e
intervém em seu meio de vida, assim é a orientação de várias propostas pedagógicas para
se estudar a ciência do espaço.

112 | XXIX Encontro AULP


Henri Lefebvre (apud Silviano, 2001) que produziu uma grande obra – entre 1934 a
1986, redigiu ao público extenso e importante relatos de suas obras, como exemplo, La
Production de l’Espace, que embasa teoricamente o pensamento anglo-saxônico neste
quesito. Não particularmente ao entendimento geral da ligação do espaço com a cultura
contemporânea, bem como, em pesquisas ligadas às dimensões mais específicas ou, por
vezes, mais marginais, das sociabilidades urbanas, veio influenciar teóricos como, Frédé-
ric Jamerson, David Harvey, Allan Scott e Edward Soja.
É o espaço que Lefebvre trata como um produto da sociedade, ele é social. Este autor
atua inicialmente em desavença ao marxismo, mas traz inovações em La Production de
l’Espace, e desloca o centro de organização do saber das ciências sociais do tempo para o
espaço, torna o espaço o cerne de suas ações. O que ocorre com essa permuta, uma nova
concepção do trato com o espaço, o permite ter mais abrangência e por sua vez, atribui
mais complexidade.
Essa deslocação permite à geografia, impor-se enquanto objeto esclarecedor do con-
junto dos fenômenos da sociedade. Assim, “Lefebvre propõe uma nova forma de estudar
o espaço, distanciada das leituras fragmentadas que as diferentes disciplinas como (filo-
sofia, matemática, geografia, linguística) foram realizando”, Silviano (2001).
Assim, o estudo do espaço sem fragmentos, permeia e é melhor de ser veiculada nas
outras ciências que compreende e dialoga geograficamente, também não fica a traz da Arte.
Com outro olhar, o autor Careri (2013), traz o caminhar como uma apreensão cultural
dos espaços não usuais das grandes cidades, ocupados por pessoas não inseridas na socie-
dade e tida como vadias. O que expressa uma nova visão de inserir a cultura não visível,
destas pessoas à novos espaços chamados aos usos quando percorridos, ocupados sazo-
nalmente e servil de passagens como caminhos alterados sem marcas fiduciais.
Essa é uma outra forma de ver cultura, a cultura nômade, cigana, dos não integrados
na sociedade, dos guetos, turistas e migrantes que passam pouco tempo no lugar e ocu-
pam o que, Milton Santos chamou de lugares opacos (Santos, 1996).
Ainda seguindo o que Careri (2013) descreve, uma relação direta do nomadismo com
os itinerários ritualísticos, percursos todos como sedentários e libertários, contrapondo
aos homens da cidade, do espaço fechado, e cita:

“O traçado nômade, ainda que siga pistas ou itinerários rituais, não tem a função do percur-
so sedentário que consiste em distribuir aos homens um espaço fechado, atribuindo a cada
um a própria parte e, a partir daí, regulando a comunicação entre as partes. O traçado nôma-
de faz exatamente o contrário, distribui os homens (ou os animais) num espaço aberto, in-
definido não comunicante” (Deleuze, Gilles e Guattari, 1996, apud Careri, 2013).

Este assunto nos contata com a gênese das categorias espaciais quando, do que é cons-
truído, seja arquitetura e o que não é construído é antiarquitetura, nos pondo à observar
todos os espaços culturalmente envolvidos na composição territorial da sociedade, para
assim, sabermos nos organizar e dialogar com as comunidades em suas paisagens de ação.
O espaço preenchido de ocupações sedentárias e dinâmicas também se encontram nos
arredores das escolas e, destes espaços pudemos realizar verdadeiros diálogos didáticos
em visitas com crianças em torno da paisagem onde estuda.

XXIX Encontro AULP | 113


A atenção a estas ações em espaços ocupados e visivelmente vazios que envolvem o
quarteirão donde os pequenos estudam, podem ser trabalhados pedagogicamente e fazer
com que traga maior fortalecimento social no alicerce da formação da criança, no proces-
so educativo, assim a forma de dinamizar os conteúdos do espaço com a arte, principal-
mente a caminhada no entorno da escola, a visita à praça do centro “marco zero” da cida-
de, a dança circular cantada, ritmada e praticada. Tudo isso faz com que se imprima à
criança um alicerce de conteúdo cultural único.
A arte e sua repetição conscientes são fortalecedoras e treino às forças volitivas para
o futuro do aluno. Em Lans (2005), tais atividades devem seguir um caminho pedagógico
que exige repetição, perseverança e capricho, porque atua de forma decisiva sobre a von-
tade e o senso estético, o que não pudemos deixar de lado a ciranda (mais uma técnica),
repetida nas aulas de Geografia, quando leva o alunado a compreender a orientação dos
pontos cardeal e colateral em que se localiza, um treino volitivo à criança, um treino ao
futuro adulto.
Na análise dos espaços, ferramenta pedagógica do professor visualizando a geografia,
não pudemos nos contentar em exercer unicamente uma tipologia paisagística, como Cla-
val in Rhozendhal e Corrêa (2001) sinaliza em não exercer um inventário das relações
produtivas, (gênero de vida ou modus de produção), facilitador na exploração do ambien-
te, por conseguinte da sociedade, e sim, aconselha trabalhar dialeticamente nas relações
sociais do espaço, atrelado ao meio ambiente e seu papel complexo da paisagem, tudo
isso sendo ao mesmo tempo acolhedor e matriz cultural.
Para tratarmos de matrizes e base cultural de nosso trabalho, temos a ciranda como
vetor maior de um ritmo praieiro e próprio do Nordeste brasileiro. A ciranda é expressada
e finalmente documentada no livro “Lia de Itamaracá: 75 anos cirandando com resistên-
cia, sorrisos e simplicidade”, publicado em janeiro de 2019. Quando a cirandeira traz
depoimentos que relaciona a preocupação com a educação cultural de se povo, das crian-
ças e vê na educação uma saída ao criar o centro cultural Estrela de Lia e diz, “sempre
quis que esses meninos e meninas (de Itamaracá) aprendessem a tocar, cantar, fazer arte,
tirar foto. Eu sempre quis que eles tivessem uma ocupação, fizessem algo de bom.
Na mesma edição acima Lia de Itamaracá relaciona sua prática com o plural fazendo
referência com a natureza onde mora, a ciranda se...

“dança no coletivo. E é numa roda, cantando para o povo que ali se sente feliz, ilustre e ao
mesmo tempo popular. As cantigas de ciranda normalmente fazem uma narrativa do coti-
diano simples de um povo, da própria relação do cirandeiro. Lia sempre amou a praia e o
mar, por isso suas letras retratam tanto essa paisagem”.

Uma ligação umbilical com as ondas praieiras, o sistema praial, e sua paisagem,
as letras que falam desta relação de ir e vir das ondas e da sua relação social, cultural,
geográfica, que pode sim ser elemento didático em linguagem dialógica da ciência e
da cultura.
Através da leveza da musicalidade da roda cirandeira, pode-se contribuir com a for-
mação da criança e supri-la com elementos estruturantes à humanidade tais como: ritmo,
equilíbrio, foco, rumo, orientação. E tudo ser base para um entendimento saudável, alicer-
ce e disponível à humanidade, inerente à Geografia, que com estas práticas são prenuncia-

114 | XXIX Encontro AULP


dores de seres humanos férteis geograficamente e fortes no sentido da vida do futuro
adulto, um lastro imprescindível.

O conteúdo da Geografia em diretrizes para o Letramento Cartográfico


No currículo brasileiro, a geografia entra com o conteúdo de cartografia no quarto ano
das séries iniciais, o alunado com 9 anos de idade. Nele os parâmetros curriculares nacio-
nais, sugerem que seja ensinado as questões de: localização, da organização espacial do
bairro, orientação cartográficas, rosa dos ventos, os pontos cardeais colaterais, azimute
básico, a organização corporal relacionada à questão espacial e a relação com os astros e
magnetismo da Terra.
No currículo português a geografia é lecionada em conjunto com várias outras ciên-
cias na disciplina intitulada de Estudo do Meio, é lecionada nas séries do primeiro ciclo
que compreende do 1º ao 4º ano, no quarto ano o alunado com 9 anos de idade, é que,
segundo o currículo deve adquirir conhecimento de si próprio, valorizar a sua identidade
e raízes, respeitando o território e seu ordenamento, ser apresentado às noções da geogra-
fia, a aplicação da rosa dos ventos e a orientação cartográfica.
Estas estruturas temáticas curriculares oficiais não diferem muito, sugerem os temas,
mas pouco trazem de recursos didáticos para que, o professorado do ensino básico, exerça
uma geografia generosa, produtiva e eficiente, com o alunado mergulhando no assunto com
corpo e alma, trazido elos elementos culturais disponíveis no Letramento Cartográfico.

A prática pedagógica do Letramento Cartográfico em alguns detalhes


A organização da sala, a lousa e a janela como aporte da orientação cósmica, o Sol, a
Lua, os ventos, elementos naturais como base da orientação cartográfica.
A rosa dos ventos em pontos, traços e linhas, não se decora os pontos cardeais, cola-
terais e sub-colaterais, aqui aplica-se a lógica hierárquica dos maiores Norte e Sul aos
menores, e se aprende não a decorar tantas letras em direções e sim como se preenche
naturalmente a rosa dos ventos;
A realização e prática do azimute, a orientação cartográfica por si, o alunado é convi-
dado a andar seguindo com a rosa dos ventos apontada para o norte, neste momento é que
eles sentem que devem soltar o corpo e a rosa ficar apontando sempre ao norte, algo
muito difícil de realizar mas com prática, paciência e insistência todos conseguem;
A roda de ciranda como elemento cultural-artístico usada como ponto de partida da
orientação geográfica e estudo dos elementos geográficos, como o equador, o meridiano
de grenwich, hemisférios ½, quadrantes ¼. (o aluno nesta idade já está estudando em
matemática, noção de geometria, a matemática espacial) quando é associada na roda de
ciranda circular e com cordas divide-se em hemisférios, atrela-se ao conteúdo geográfico;
Os vários elementos geográficos nascedouros da prática a partir da roda da ciranda,
tais como a energia do grupo que flui, o girar para direita/esquerda, começando com os
pés opostos à direção, criando na criança a noção de lateralidade, equilíbrio e direção, aí
se descobre os alunos com dificuldades particulares e pode-se encaminhar para o apoio
médico (com limitações físicas) ou psicológico (com limitações sutis do psiquê);
A roda da ciranda e a busca dos elementos da paisagem, com a busca dos grupos que se
portam em específicos pontos cardeais, estes grupos vão buscar os elementos da paisagem
que se encontram, colheita de galhos, folhas secas, flores, liquens. Com estes elementos

XXIX Encontro AULP | 115


coletados, pode-se expor ao grupo ainda no campo todos elementos coletados e que permi-
te uma comparação da dinâmica natural de todo local em que se encontram o grupo classe.
A volta à classe e a aplicação na rosa dos ventos dos elementos coletados da paisagem
do lugar, caracterizando o elemento artístico com a colagem. Quando a rosa dos ventos
ganha elementos primordiais, volume, cor, aroma. Neste momento de execução da cola-
gem na rosa dos ventos os alunos que colheram elementos da paisagem do norte vão colar
no seu ponto cardeal o que ele colheu no campo, tem que buscar na mesa dos colegas os
elementos dos outros pontos cardeais, para assim compor sua rosa, e os colegas só podem
concluir as suas rosas, se ceder o elemento de sua paisagem aos outros, criando uma di-
nâmica de troca, gentileza e melhor interrelação pessoal da turma.
Por fim, é feita uma exposição das rosas dos ventos para apreciar as que tem mais ele-
mentos em diversidades da paisagem e, pode-se observar a arte e o cuidado identificado pela
execução do que foi realizado, a rosa toda preenchida com elementos da natureza colhida
através de uma prática geográfica no campo. Nesse momento a aula fecha seu ciclo vital, ela
respira, porque primeiro a aula é executada em classe, vai ao pátio/praça ou campo da esco-
la e volta para a classe, fechando o ciclo da pulsação do Letramento Cartográfico.

Palavras que não terminam


É urgente na atualidade em que as famílias participam menos da vida das crianças e
que, a tecnologia de ponta/comunicação (TIC) ocupa cada vez mais lugar na escola. Que
os professores, pais e comunidade escolar, pensem em didáticas com práticas alusivas ao
ritmo, toque corporal, música, não fugindo do conteúdo da ciência como currículo.
Desta forma, é proposto este estudo para sistematizar o que já experimentamos em
classe e que, em muito contribuirá para difundir uma didática lúdica, artística, experimen-
tal, interacional que, não cessa a cada paisagem ou sazonalidade que é executada, quando
o conteúdo se torna prazeroso ao alunado, envolve a família, a natureza próxima e cósmi-
ca, o professorado facilitador e potencializadores das relações humanas no presente e
alicerce para as relações humanas futuras.

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SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica, tempo, razão e emoção. São Paulo, Hucitec, 1996.

116 | XXIX Encontro AULP


Laboratório de Artes na Montanha – Graça Morais:
uma ponte entre o mundo local e a aldeia global

António Meireles
Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança, Portugal
E-mail: [email protected]

Joana Baião
Centro de Investigação de Montanha,Instituto Politécnico de Bragança,
Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança, Portugal
E-mail: [email protected]

Vivemos tempos prodigiosos! Temos acesso a uma quantidade de informação antes


inimaginável e a meios que permitem que um qualquer acontecimento seja partilhado
imediatamente pelo mundo, fazendo com que o tempo e o espaço não limitem a comuni-
cação, antes sendo parte ativa para que tudo esteja disponível no imediato. Os aspetos
essenciais da aldeia global que Marshall McLuhan (1992) ideou na década de 60 do sécu-
lo XX têm-se tornado norma na sociedade atual. Esta aldeia global, sobretudo mediada
digitalmente, permite que tenhamos referências culturais e artísticas mundiais, ligando de
algum modo o que é global e o que é local. Esta não é, no entanto, uma relação totalmen-
te recíproca, pois o mundo local das nossas vivências não encontra igual eco de propaga-
ção. Tal verifica-se no emprego e partilha de referências remotas, mas globais e na mo-
desta presença, seja em tempo como em espaço significativo, do que é circunscrito a
territórios específicos.
Ciente que a cultura e a arte são meios fundamentais de conhecimento, conscien-
cialização, e valorização da identidade de povos em territórios singulares, em particular
no território de Montanha que carateriza a região de Bragança, o Instituto Politécnico de
Bragança, estabeleceu um conjunto de parcerias para a constituição do Laboratório de
Artes na Montanha – Graça Morais. Este projeto de investigação baseado na prática visa
estabelecer conexões entre a cultura, a arte e a ciência, mobilizando e articulando ativida-
des formativas, criações artísticas, processos de documentação, o desenvolvimento de
investigação e a disseminação de resultados.
Mais que combater uma aldeia global na promoção do mundo local, pretende-se com
este laboratório estabelecer diálogos construtivos que melhor permitam potenciar as suas
caraterísticas constitutivas para a reflexão, construção e expressão crítica e criativa da
sociedade.
O contexto da região em que Bragança se inscreve é muito particular. É o espaço
continental mais distante de Lisboa, com o que tal compreende na deslocação de bens e
pessoas, mesmo em tempos de desmaterialização crescente.
Trata-se do último distrito em Portugal a ter acesso por autoestrada e mesmo com in-
vestimentos correntes em infraestruturas viárias, a ligação por estrada entre os concelhos

XXIX Encontro AULP | 117


da região é demorada. Tal justifica-se pelas particularidades da orografia, que por ser
muito acidentada, faz com que a construção de vias seja morosa, de valor elevado, com
traçado tão interessante do ponto de vista paisagístico, como difícil e demorada a sua
transposição, dado o nível de curvas e desníveis.
Em termos administrativos o território organiza-se desde 2013 na Comunidade Inter-
municipal das Terras de Trás-os-Montes, que compreende: 4 cidades – Bragança, Macedo
de Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela; 9 vilas – Alfândega da Fé, Mogadouro, Vila
Flor, Vimioso, Vinhais (sedes de concelho), Argozelo, Izeda, Sendim, Torre de Dona Cha-
ma e 533 aldeias. Segundo os Censos de 2011 (fonte: Comunidade Intermunicipal das
Terras de Trás-os-Montes) a população neste território era de 117527 residentes, dividi-
dos entre cidades e vilas (57960) e as aldeias (59567). O território confina com a Associa-
ção de Municípios do Alto Tâmega, com a Comunidade Intermunicipal do Douro e com
a Comunidad Autónoma de Castilla y León, em Espanha.
As povoações são dispersas e, regra geral, de pequena dimensão, mercê de uma demo-
grafia progressivamente reduzida, elevada mobilidade para as grandes cidades do litoral
e para o estrangeiro, mercê os elevados números que a emigração gerou neste território
(Sousa, 2013). A maior parcela de população no continente situa-se a 4-5 horas de viagem
(Leitão, C. e Botelho, I., 2014).
É uma região predominantemente rural, sendo os terrenos agrícolas pequenos e frag-
mentados, persistindo a agricultura tradicional e a pastorícia (Sousa, 2013).
Do ponto de vista paisagístico, o território é maravilhoso. A sua orografia acidentada
proporciona, em áreas reduzidas, grande variedade de vistas e de experiências.
Mais que aspetos negativos, o que acima foi referido reveste-se de um enorme atrativo
pelas suas caraterísticas únicas, suscetíveis de serem enformadas em aspetos que definem,
distinguem e são valiosos neste território – a cultura e a arte.
A cultura é um pilar estrutural da identidade de uma região, congregando a história e
tradição dos povos no que têm de mais característico e identitário. Neste, como noutros
territórios, a cultura é o ligante de aspetos físicos e sociais, associando com fluidez: an-
seios, esperanças, medos, hábitos, orografia ou meteorologia (entre outros). Mais que
aspetos físicos dos territórios, cabe à cultura a definição de um território e dos modos de
ligação a outros territórios, com maior ou menor proximidade física, por estar ligada às
pessoas e às ações desenvolvidas, mais que a caraterísticas materiais de um espaço.
A cultura que esta região gerou desde tempos imemoriais e que se tem sabido e con-
seguido preservar permite o estabelecimento de pontes entre espaços e tempos diversos,
unindo o passado, a contemporaneidade e o futuro, não apenas no seu seio, como, e so-
bretudo, com outros territórios. Neste âmbito, a cultura funda-se nos testemunhos que do
passado nos chegaram, sendo o património imóvel um aspeto crucial da herança cultural
do território.
O território de Bragança, bem como os restantes concelhos das Terras de Trás-os-
-Montes, possui diversos elementos inscritos no património imóvel, integrando patrimó-
nio classificado ou que se encontra em vias de classificação, como no que se refere ao
património arqueológico, inventariado pela Direção Geral do Património Cultural.
Com a consciência da importância que a cultura tem, tem-se vindo a constituir como
uma área de importante investimento público, pela sua natureza estrutural, tanto em ter-

118 | XXIX Encontro AULP


mos globais, como no que se refere a despesa corrente e de capital, ganhando-se progres-
sivamente mais consciência de que este é um valor não apenas em si, mas capaz de gerar
mais valor.
Têm vindo a ser criados museus, centros de arte e galerias de exposições, cuja nature-
za é sobretudo municipal, distribuindo-se pelos concelhos das Terras de Trás-os-Montes
e permitindo cumprir funções de musealização e exposição de conteúdos, tanto de origem
própria, como exterior. Outras instalações culturais têm vindo a ser construídas ou reno-
vadas (fonte: Pordata), sendo exemplo as bibliotecas, distribuindo-se a rede de bibliotecas
municipais por todos os concelhos da região das Terras de Trás-os-Montes e registando-se
a abertura de bibliotecas com outras naturezas.
No que se refere à arte, é um dos mais sublimes modos de conhecimento e expressão
que a humanidade soube gerar, com a capacidade de estabelecer diálogos entre diferentes
territórios e culturas.
Aponta-se o exemplo da pintora Graça Morais, que tendo nascido da aldeia do Vieiro,
soube dar mais mundos ao mundo, fazendo incessantes pontes entre o que é local e cara-
terístico do território de montanha com o que é global e partilhado por todo o mundo.
Estas pontes não são unidirecionais, convocando em todo o momento o observador para
uma reflexão e ação efetivas.
Partindo da figura tutelar da pintora Graça Morais, o Instituto Politécnico de Bragan-
ça, que desde 1983 cumpre a missão da formação e da investigação que caraterizam o
ensino superior politécnico com uma necessária ligação à comunidade, criou um projeto
que, unindo a cultura, a arte e a ciência, potencia a atividade formativa, promovendo a
criação artística, dinamizando um processo de documentação e promovendo a investiga-
ção e disseminação de resultados.
O Laboratório de Artes na Montanha – Graça Morais (LAM-GM) é um projeto de
investigação baseado na prática, da iniciativa do Instituto Politécnico de Bragança (IPB),
através do Centro de Investigação de Montanha (CIMO), em parceria com o Centro de
Arte Contemporânea Graça Morais (CACGM), através da sua tutela, a Câmara Municipal
de Bragança (CMB), e com o Instituto de História da Arte da NOVA FCSH, com o apoio
da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). No âmbito da ação do LAM-GM, a
pintora Graça Morais colabora ativamente na disponibilização da sua obra e documenta-
ção correlativa para estudo e documentação, abrindo dimensões até agora inacessíveis
tanto a um público especializado, como ao público mais genérico.
A base de atuação do projeto do LAM-GM decorre da articulação funcional entre dois
parceiros com missões e natureza diferentes, mas com campos de ação complementares,
o IPB e o CACGM.
O IPB compreende uma oferta formativa de cursos de âmbito artístico, com uma im-
portante componente de estudo e intervenção na comunidade e no território onde está
implantado, bem como a atividade de prática e investigação artística dos seus docentes.
Paralelamente, o CACGM tem promovido exemplarmente uma distinta atividade exposi-
tiva que coloca a obra da pintora Graça Morais em diálogo com a produção de vários ar-
tistas contemporâneos, tanto nacionais, como internacionais. Deste modo, o LAM-GM
surge como resposta a necessidades verificadas na concretização de práticas artísticas,
necessidades decorrentes de processos de formação específica no campo das artes, como

XXIX Encontro AULP | 119


necessidades mais globais de formação de públicos, bem como necessidades de investi-
gação integradas e integradoras, tanto na sua conceção, no desenvolvimento, como tam-
bém na sua divulgação. O trabalho que até ao momento tem vindo a ser desenvolvido
pelos diferentes intervenientes, com toda a valia que tem merecido justo reconhecimento,
tem, no entanto, mostrado a premência de uma estrutura centralizada que permita articu-
lar e otimizar recursos, ações e projetos, ganhando eficácia e escala. Tal estrutura permite
encarar de modo especializado e integrado projetos de financiamento de ações e investi-
gações no campo artístico, possibilitando uma investigação sistemática da obra da pinto-
ra Graça Morais, bem como da produção artística do contexto de montanha, e potencian-
do simultaneamente o diálogo entre os vários agentes (academia, instituições culturais,
empresas), a criação de empregos científicos, a atividade formativa, a criação artística e a
disseminação de resultados, através de ferramentas inovadoras e diversificadas. O labora-
tório estabelece-se como estrutura que permite também desenvolver um trabalho em rede,
rentabilizando o papel de cada um dos intervenientes a um nível que atualmente não é
possível almejar.
A área de Montanha a que Bragança pertence configura, conforme acima foi apontada,
uma identidade geográfica e social que, merecidamente, se tem constituído como polo de
investigação específico, potenciando, à semelhança da obra da pintora Graça Morais, a
ligação entre o que é específico ao território e que configura um mundo global numa ação
que articula a arte e a ciência. No mundo global em que vivemos, o trabalho artístico é
necessariamente considerado num ponto de vista genérico, abrangendo quando não uma
participação alargada, pelo menos a difusão da sua estrutura e disponibilização de resul-
tados. A globalidade compreende uma miríade de constituintes, comportando enorme res-
ponsabilidade na seleção e uso destes. Não recusando esta premissa, o LAM-GM aspira
à promoção de um percurso inverso, de promoção do que é local e específico, não no
sentido de o tornar global, mas procurando estabelecer um diálogo construtivo entre estas
duas dimensões. Assim, pretende-se intervir na comunidade local, procurando valorizar o
território e as comunidades tanto locais como regionais, através do ponto de vista artístico
e social, gerando e promovendo criadores, fruidores e pensadores artísticos e procurando
dotar com ferramentas básicas de intervenção e análise as comunidades envolvidas. Nes-
te sentido, existem quatro grupos de destinatários do laboratório: as comunidades de im-
plantação local e regional, funcionando o LAM-GM como plataforma de contacto forma-
tivo específico, à imagem dos Centros de Ciência Viva; a comunidade artística, enquanto
geradora de ações e produtos mediante a prática intensiva e a investigação dedicada,
como são o desenvolvimento de residências artísticas, ou cursos de verão; a comunidade
académica, mediante a formalização e divulgação da prática e investigação artística de-
senvolvidas e a incorporação destas nos processos formativos em curso e uma comunida-
de mais ampla, contemplando a implantação internacional da obra da pintora Graça Mo-
rais.
Dando continuidade às caraterísticas únicas da sua implantação, é particularmente
relevante a localização privilegiada do Instituto Politécnico de Bragança. O afastamento
relativo de Lisboa configura a aproximação relativa à Europa e em particular, a Espanha.
A estrutura de investigação desenvolverá a sua ação a partir do contexto territorial brigan-
tino, potenciando a sua excecional localização geográfica enquanto plataforma de contac-

120 | XXIX Encontro AULP


to inter-regional e transfronteiriça. Tal inclui necessariamente a cidade de Bragança e
envolvente rural, o concelho, a Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Mon-
tes, a NUT 3, mas também a Comunidad Autónoma de Castilla y León e nesta, a província
raiana de Zamora, ou outras áreas raianas. Este último aspeto é sumamente relevante, por
se compreender a raia como passagem e não como muro, privilegiando a ligação em de-
trimento da obstrução ou encerramento.
Além da parceria entre o IPB com o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, o
funcionamento do LAM-GM depende grandemente da rede de parceiros, reforçando as
colaborações protocoladas do IPB com várias instituições nacionais e estrangeiras, com
particular ênfase nestas últimas para as que se encontram na zona fronteiriça, no sentido
de enquadrar e valorizar o trabalho desenvolvido e de potenciar a sua prossecução. Os
parceiros são instituições públicas como Municípios da região, os Agrupamentos de Es-
colas, a Comunidade Intermunicipal Terras de Trás-os-Montes, a Comunidad Autónoma
de Castilla-León, as Diputaciones Provinciales raianas, como a de Zamora, Museus e
Centros de Arte Contemporânea, como o Museu Abade de Baçal, instituições privadas ou
associativas como a Fundação Rei Afonso Henriques, o Eixo Atlântico, ou instituições
particulares de solidariedade social. Um parceiro destacado será o Centro de Ciência Viva
de Bragança, no que se almeja que constitua uma ligação mais estreita entre a arte e a
ciência.
Como laboratório que é, a ação do LAM-GM é balizada pela experimentação e cons-
trução de saber partilhados entre os elementos envolvidos na estrutura, as comunidades
locais e regionais de implantação e desenvolvimento de projetos e ações e os destinatários
últimos, que podendo ser oriundos de contextos geográficos diferenciados, desenvolvem
uma ação no contexto específico de implantação do laboratório.
Tendo por figura tutelar a pintora Graça Morais, concetualmente o LAM-GM não se
encontra veiculado a programas estéticos ou científicos pré-definidos, pautando a sua
ação pelo rigor, excelência e criatividade dos processos desenvolvidos e produtos obtidos.
Assim, considera-se que toda a prática e investigação artística compreendem pela sua
natureza uma criação, ou seja, o desenvolvimento de algo novo, antes não existente ou
considerado. Esta criação não é niilista, abrangendo e valorizando o que a antecede, mas
promovendo necessariamente valores de originalidade e criatividade. Estando localizado
numa região com um importante património cultural, o LAM-GM não tem como função
uma mera continuidade deste património, mas antes a sua exploração, como recurso que
também é, para uma criação geradora de valor.
Pretende-se que a estrutura do LAM-GM seja simples, eficaz e uma ferramenta útil
para o desenvolvimento de uma ação criadora em vários níveis. Iniciando as suas ativida-
des com pequenos e seguros passos, pretende-se que estes constituam a base de um de-
senvolvimento sustentado e promissor.
Concluindo, o Laboratório de Artes na Montanha – Graça Morais (LAM-GM), atra-
vés da cultura e da arte, visa estabelecer pontes entre realidades locais e globais. Neste
sentido, o próprio símbolo estabelece ligações de aspetos estruturais entre o que é especí-
fico do território e o que é global. A partir de um desenho de Graça Morais que represen-
ta um ramo de oliveira com três azeitonas, a artista congrega o caráter seminal da estrutu-
ra e do trabalho laboratorial que se pretende desenvolver. Neste contexto, o ramo de

XXIX Encontro AULP | 121


oliveira é bastamente simbólico de um ciclo de vida próspero, em paz e produtivo através
da sua semente, a azeitona, que possui em potência não apenas o que dela a humanidade
pode extrair como a própria azeitona para consumo, ou o azeite, como, e sobretudo, o
potencial para se converter em árvore, geradora ela também, de vida.

Graça Morais – Ramo de Oliveira. Tinta da China, 10×15cm, 2019

Possa o caráter seminal em potência da construção de desenvolvimento ser o susten-


táculo do desenvolvimento de múltiplas ações, formações, criações, reflexões e sua divul-
gação, gerando criadores e mais genericamente cidadãos críticos, conscientes e criativos.
Possa o território ser a génese de uma reflexão e ação culturais e artísticas que em articu-
lação com referências globais consiga potenciar o seu desenvolvimento.

Bibliografia
Comunidade Intermunicipal das Terras de Trás-os-Montes. Acedido em 2019-02-25 em http://cim-ttm.pt/
Leitão, C. e Botelho, I. (Direção) (2014). Relatório de Monitorização da Rede Rodoviária Nacional – 2012
e 2013. Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT, IP).
McLuhan, M. e Powers, B. (1992). The Global Village: Transformations in World Life and Media in the
21st Century. Oxford University Press
Sousa, F. (Coordenação) (2013). Bragança na Época Contemporânea {1820-2012). Câmara Municipal de
Bragança
Fundação Francisco Manuel dos Santos. PORDATA Acedido em 2019-02-23 em https://www.pordata.pt/

122 | XXIX Encontro AULP


Criação coreográfica, interpretação contemporânea e
mediação artística em dança

João Fernandes
Escola Superior de Dança, Instituto Politécnico de Lisboa /Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos
em Música e Dança, Portugal; E-mail: [email protected]

Madalena Xavier
Escola Superior de Dança, Instituto Politécnico de Lisboa /Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos
em Música e Dança, Portugal; E-mail: [email protected]

1. Dança Contemporânea: Pluralidade de práticas coreográficas


Da complexidade do fenómeno da dança contemporânea surgem várias questões rela-
cionadas com a sua própria definição, dos seus elementos constitutivos, formatos de apre-
sentação, procedimentos e intervenientes. A dança contemporânea é, na perspetiva de
diversos autores, a dança que se carateriza simultaneamente pela afirmação singular dos
seus criadores e pela pluralidade das suas práticas coreográficas. Resulta de um trajeto
com origem no início do século XX, evidenciado pela diversidade de posicionamentos e
cujas implicações contribuem para a redefinição do género e para a sua condição instável
e provisória. A reconfiguração dos elementos constitutivos da dança, as noções de corpo
e as premissas de construção de uma linguagem, estão, no contexto das práticas coreográ-
ficas atuais, ancorados em princípios de abertura e singularidade. A obra coreográfica
contemporânea advém de processos criativos complexos, potencialmente colaborativos e
cujos procedimentos incluem a experimentação e a improvisação, não como processos
limitados a um determinado padrão ou a regras predeterminadas, mas antes como proces-
sos metamorfoseados pela singularidade do autor, pela especificidade do projeto, pelo
contributo dos intérpretes e pela conjugação de múltiplos fatores e propósitos.
It became evident that any historical examination of choreography of the theatre do-
main had to be selective in terms of both genre and period. While acknowledging the ri-
chness and complexity of the choreographic field today, it can also be recognized that
working practices in dance making are often in flux, merging the paradigms of orthodoxy
with innovation, tradition with experimentation. (Butterworth, 2009, p. 180)
É nesta complexidade que se procura questionar e repensar o corpo, o movimento por
ele produzido e as suas formas de composição, na perspetiva de constituir o presente das
práticas coreográficas.
Aparentemente, a dança fixa-se no movimento, encontrando nele a sua própria essên-
cia; no entanto, este movimento implica a existência de um corpo e é neste corpo que o
movimento encontrará a sua própria individualidade. Destaca-se, assim, para a dança
contemporânea, princípios fundadores que começam a ser definidos pela afirmação de
percursos centrados na ideia de que o movimento deve surgir de uma exploração pessoal
e singular, e não a partir da determinação e imposição de formas estereotipadas. A procura

XXIX Encontro AULP | 123


de uma lógica de movimento, tal como refere Gil (2001), e a forma como essa lógica é
colocada em prática, em articulação com outros elementos da coreografia, através de
conceitos operativos e de determinados procedimentos coreográficos, difere de coreógra-
fo para coreógrafo. Outra das características das práticas coreográficas contemporâneas
reflete-se na ideia de abandono ou deslocação da ênfase exclusiva nos domínios técnicos
do movimento, muitas vezes associada às designadas técnicas de dança moderna e con-
vocada como matéria para a construção coreográfica.
Neste contexto, coreografia e processos de criação são noções, também elas, envoltas
num conjunto de premissas múltiplas e diversificadas.

Choreography is a curious and deceptive term. The word itself, like the process it describes,
is elusive, agile, and maddeningly unmanageable. To reduce choreography to a single defi-
nition is not to understand the most crucial of its mechanisms: to resist and reform previous
conceptions of its definition. (Forsythe, 2011, p. 90)

A diversidade de propostas, no âmbito da criação coreográfica contemporânea, resul-


ta, assim, na dificuldade em definir terminologicamente esta prática artística. O corpo e as
suas linguagens, as decisões coreográficas e todos os elementos passíveis de serem mani-
pulados, música, espaço cénico, cenografia, figurinos, texto ou desenho de luz, tenham
eles uma função mais privilegiada ou secundarizada na concretização no objeto final,
constituem a obra coreográfica que “decorre de um propósito original que funda os seus
próprios códigos e conteúdos e, simultaneamente, os seus modos de actualização” (Lou-
ppe, 2012, p. 290).
Reflexo desta pluralidade de perspetivas, a dança contemporânea é caracterizada por
ser um lugar que proporciona a contaminação de linguagens, conceitos e formas de pen-
sar a criação, lugar onde o coreógrafo, autor de uma linguagem própria, definirá o seu
percurso e posicionamento num contexto que não se esgota em princípios, regras ou im-
posições estéticas demasiado rígidas, e cuja intervenção pode ser multidisciplinar.

2. Repensar noções de coreógrafo e intérprete


Neste enquadramento, os conceitos de coreógrafo, bailarino, intérprete ou de intérprete-
criador surgem pouco estabilizados. Segundo Gardner, nos estudos de dança, estas são no-
ções que surgem aparentemente consensuais mas sobre as quais é importante refletir: “the
terms ‘dancer’ and ‘choreographer’ are often assumed unproblematically in dance theory
and policy, but these terms require critical and historical discussion and contextualising”
(Gardner, 2011, p. 152). Esta é uma ideia que se enfatiza quando falamos sobre os processos
criativos desenvolvidos no âmbito da criação coreográfica contemporânea, pois estes resul-
tam de uma interação entre coreógrafo e intérprete que não é linear. Desde logo a forma com
que muitas vezes se hesita entre a a utilização da designação de bailarino ou intérprete,
disso é reflexo. A desambiguação do binómio bailarino/intérprete torna-se possível, se tiver-
mos em conta a perspetiva relativa ao lugar que estes ocupam num processo de criação
coreográfica e aos contextos em que se desenvolvem. Sobre esta questão, Fazenda (2012)
refere que o facto de alguns coreógrafos preferirem utilizar a designação intérprete em de-
trimento de bailarino reflete, efetivamente, a sua participação no processo criativo. Para a
autora, o termo “intérprete” distingue-se em três aspetos em relação à designação “bailari-

124 | XXIX Encontro AULP


no”: (1) porque o intérprete é o performer que participa no processo criativo; (2) porque o
intérprete não é escolhido apenas enquanto executante, mas também por aquilo que trans-
porta da sua subjetividade e da sua individualidade; (3) porque a palavra bailarino refere-se
tradicionalmente a um performer virtuoso, com competências técnicas extraordinárias. (Fa-
zenda, 2012, p. 28) Sugere-se, por isso, que a problematização de designações como “bai-
larino” e “intérprete”, às quais se acrescentam outras como “coreógrafo”, “direção artística”
ou “direção e coreografia”, reflete aspetos essenciais do desenvolvimento do processo cria-
tivo e da própria definição de uma prática artística. Farrer (2014), no seu artigo The creative
Dancer, refere-se à necessidade de repensar estes conceitos numa perspetiva de valorizar o
contributo do intérprete na criação coreográfica na atualidade:

Within the current contemporary dance climate, there are a myriad of approaches to devi-
sing dance. Many practitioners are beginning to blur the relationship between dancer and
choreographer, inviting audiences to reconsider their perceptions of creativity. Within a
more traditional dance company setting, however – where a choreographer is credited for
the production of a dance and the dancers for performing it – it can still be argued that dan-
cers are not recognised as having a creative contribution, despite it being an important part
of their role. (Farrer, 2014, p. 95)

Entendemos, assim, as práticas coreográficas atuais como legitimadoras de um saber


fazer criativo, impondo o reconhecimento de que a criatividade será desejável e funda-
mental para o desempenho dos intérpretes contemporâneos. Também Charmatz & Lau-
nay (2011) identificam a necessidade de, independentemente da natureza do método e
processo de trabalho, este ser planeado em profunda articulação com o intérprete, valori-
zando assim o seu contributo:

There is no single method for working with performers. All have their merits as far as I am
concerned: previously composed work, work proposed by others or by myself, work com-
posed by two or three people or by a single individual. This reflection on what is at stake
gives way to a great variety of rehearsal modes, to open modes that make the idea of a
rough version acceptable. What is essential, however, is that the project be planned around
the performers, as roles are not interchangeable. (Charmatz & Launay, 2011, p. 46)

A relação entre coreógrafos e intérpretes, através destes pressupostos, envolve-se


numa procura incessante de novos modelos e procedimentos, baseados essencialmente
numa forte relação de partilha. Exemplo disto é o trabalho do coreógrafo Francisco Ca-
macho, que “confere liberdade criativa aos intérpretes e espera que o espectáculo tenha o
contributo do que em cada um deles é único” pois, segundo ele, os bailarinos “(...) têm um
papel activo durante o processo de criação” (Fazenda, 2007, p. 178). Sobre este aspeto,
Preston-Dunlop & Sanchez-Colberg (2002) explicam:

Dance practice itself explodes the traditional assumption in the terms of the processes in-
volved in the making works today and the created products themselves (...) Their choreo-
graphic process includes working with movement material on their own body. This range of
performing involvement is large in that some choreographers complete their movement

XXIX Encontro AULP | 125


material on themselves as performers before coming into studio; others generate the move-
ment primarily from the dancers and only demonstrate occasionally and partially. (p. 13).

O processo criativo no âmbito da criação coreográfica contemporânea parece estar


marcado por relações diversificadas entre coreógrafo e intérprete, proporcionando o con-
tributo do intérprete em diferentes níveis da construção e materialização da obra. Alguns
dos modos de operar que envolvem o processo de gerar materiais de movimento foram
sistematizados pela literatura a partir da observação de processos de coreógrafos, sendo
representativos de formas distintas como o intérprete pode ser convocado para o processo
de criação. Kirsh, Muntanyola, Jao, Lew, & Sugihara (2009) debruçaram-se sobre os
processos de criação do coreógrafo britânico Wayne McGregor com o intuito de identifi-
car e analisar os seus modos de operar quanto às formas de materializar movimento.
Concluíram que estes se desenvolvem através de três métodos de instrução distintos de-
signados showing, making-on e tasking (p. 187). O primeiro método, showing, define-se
pela demonstração da forma, estrutura e dinâmica de um movimento ou de uma frase de
movimento, estabelecida a partir do corpo do coreógrafo. Existe neste método um proces-
so de transmissão de movimento, e os autores destacam o seguinte aspeto: “for some
moves, the dancers are expected to execute in a ‘more perfect’ manner” (Kirsh et al.,
2009, p. 190).
O segundo método identificado no processo de gerar materiais de movimento do
coreógrafo Wayne MacGregor designa-se making-on, neste caso, destaca-se como um
método de direção em que usa determinados intérpretes como alvo de uma exploração de
movimento dirigida. As formas de movimento encontradas podem ser posteriormente
transmitidas a outros intérpretes e ser usadas de diversas formas, em duetos, trios ou quar-
tetos. Neste processo, referem os autores, podem ocorrer: “occasions, however, where the
point of a ‘make on’ is solely for the target dancers” (Kirsh et al., 2009, p. 191).
O terceiro método identificado designa-se tasking. De acordo com este método, o
coreógrafo lança “problemas coreográficos” ou tarefas específicas para que os intérpretes
resolvam ou completem. Neste processo, podemos verificar que é solicitado ao intérprete
um exercício que requer um conjunto de operações que envolvem a imaginação:

(...) these problems or tasks require the dancers to create some sort of mental imagery – a
landscape of Manhattan, the feel of being touched on a certain part of their body, the dynamic
and kinematic feel of being a piston moving back and forth.” (Kirsh et al., 2009, p. 191).

A necessidade de resolver o problema que lhe é colocado é, na perspetiva de McGre-


gor, uma forma de incentivar a que o intérprete amplie o seu repertório de movimento e
de permitir que o criador possa vê-lo fazer novos materiais. O facto de o movimento
surgir da resolução de um problema que é colocado ao intérprete pode significar uma
maior entrega, afeto, qualidade ou intencionalidade no movimento; uma melhor capaci-
dade de memorização; e a estabilização de algumas âncoras intelectuais que sirvam de
pontos de referência para as frases que são construídas posteriormente (p. 192). Deste
estudo, destacamos alguns elementos que são reveladores da diversidade e complexidade
que se atribui ao processo de criação da obra coreográfica. Segundo os seus autores, o
coreógrafo cujo processo foi observado revela, através dos seus modos de operar, que a

126 | XXIX Encontro AULP


comunicação entre coreógrafo e intérpretes é multimodal: When creating a dance in
the contemporary tradition, choreographers communicate with their dancers in diverse
physical ways. (...) Each carries specific information for the dancers. (Kirsh et al., 2009,
p. 2009, p. 189)
Torna-se evidente que, no atual contexto, a definição de coreógrafo implica uma noção
alargada de autor, resultado da procura de novas formas de gerar e manipular os materiais
de movimento, mas também da forma como se conduz e desencadeia o processo de criação,
que, tendencialmente, se caracteriza por ser colaborativo, numa relação de profundo
envolvimento com os intérpretes. Uma das razões pelas quais se verifica um potencial de
reconfiguração num percurso autoral do coreógrafo e intérprete, prende-se, na nossa pers-
petiva, com esta tendência para desenvolver processos de criação altamente colaborativos.
Estes destacam a possibilidade de reunir uma equipa artística cujo contributo para a cons-
trução da obra pode promover um novo olhar sobre o formato da obra, os elementos que a
compõem e, inevitavelmente, os modos de operar e procedimentos implicados.
Em The collaborative habit – life lessons for working together, Twyla Tharp (2009)
reflete sobre aspetos dos processos de criação numa perspetiva de que estes são potencial-
mente colaborativos, procurando estabelecer “(...) a field guide to a lot of the issues that
surface when you are working in a collaborative environment” (p. 5). Tharp (2009) suge-
re que os processos colaborativos podem ter diferentes objetivos, defendendo que estes
são potencialmente propulsores de um ambiente criativo bastante positivo.
Da diversidade de propostas que resultam de uma prática artística extremamente de-
mocratizada, centrada em percursos caracterizados pela singularidade do discurso dos
seus intervenientes mais diretos, coreógrafos e intérpretes, emergem novas necessidades,
nomeadamente, a de dissipar a distância entre a obra e o seu público, procurando formas
de potenciar uma maior aproximação entre ambos.

3. Promover o diálogo: mediação artística em dança


A dança contemporânea tem percorrido um caminho de expansão no âmbito da pro-
dução e apresentação no tecido artístico profissional português. A pluralidade de aborda-
gens é reflexo de um manancial de propostas distintas e, muitas vezes, difíceis de se cate-
gorizar, conforme temos vindo a referir. Apesar do seu crescimento acentuado, “(...)
quando comparamos a produção de dança contemporânea, com outras actividades cultu-
rais, como o teatro, a música e o cinema, o seu peso é muito menor, dada a sua menor
tradição (...)” (Dantas & Gonçalves, 2000), todavia o seu impacto na captação de públicos
é ainda, na atualidade, deficiente (Filler, 2015). Se a arte é muitas vezes criticada pelo
carácter abstrato, pode também ser caracterizada pela sua natureza universal, fomentando
o seu entendimento e liberdade de interpretação. Nas últimas décadas, segundo Mary
Jane Jacob, esta começou a tornar-se “uma língua estrangeira”, acentuada pelas transfor-
mações das práticas artísticas do séc. XX (Martinho, 2013). Estas [refere-se especifica-
mente às belas artes] “(...) vieram questionar a tradição da cultura ocidental no que res-
peita aos seus géneros artísticos, desvalorizando parâmetros até então enaltecidos na
história da arte, como a representação, a figuração ou o reconhecimento de um valor es-
tético da obra de arte” (Bell, 1999 citado por Martinho, 2013). É também o “poder” da
democracia em Portugal que institui o ampliar da liberdade de expressão, que foi cres-
centemente assumindo nos últimos 45 anos. O caráter distintivo de cada marco histórico-

XXIX Encontro AULP | 127


-artístico, pode ser evidenciado culturalmente, nomeadamente através de movimentos
artísticos específicos. Em Portugal, podemos referir o exemplo da ascensão da Nova Dan-
ça Portuguesa que, como refere Fazenda (2012), (...) não era um género nem um estilo,
mas antes um movimento que se definia, precisamente, pela ausência de um estilo domi-
nante, prevalecendo a pluralidade de propostas (...)” (p. 178), e por isso, de difícil enten-
dimento para as comunidades com uma tradição convencional da dança. O crescimento
abrupto em Portugal desta dança, que questionava e entrava em rutura com os cânones da
atualidade à época, careceu de um igual investimento por parte dos organismos do Estado
Português. A subjetividade da obra; a absorção de outras práticas artísticas (como o tea-
tro); o novo paradigma do arquétipo do bailarino/intérprete, o papel e lugar do espectador,
entre outras características desta contemporaneidade da dança contemporânea, mereciam
uma maior atenção na promoção de “diálogos” para a sua compreensão. No entanto,
como refere Noisette (2015), apesar da dança estar “abençoada” com uma (suposta) lin-
guagem universal, para muitos, incompreendida, também sabe estar e ser acessível a to-
dos. Tudo se centra numa questão de educação e é aí que surge o maior atrito, pois

L’absence de formation artistique – ou sa faiblesse-dans les écoles, les lycées et au-delà


joue des tours à bien des disciplines. Comme on remarque qu’il est encore parfois difficile
de pousser les portes d’un musée, franchir le pas d’un théâtre n’est pas plus aisé. La gratui-
té n’est pas la seul solution, il faut avant tout mettre en contact la danse et son (futur) audi-
toire: accompagner le jeune public en salle, aller vers la ville en menant des actions con-
crètes. (p.52)

Este é o posicionamento do coreógrafo João Fiadeiro (um dos protagonistas da Nova


Dança Portuguesa), também, altamente crítico com o poder central. Este afirmava, no
início do século XXI, que,

(...) origem do problema vem da política de fachada de mega-eventos-para-Europa-ver da


década de 90 e da forma como Manuel Maria Carrilho foi incapaz de criar, depois de ter
conseguido regularizar o estatuto da dança contemporânea e retirá-la da alçada da Compa-
nhia Nacional de Bailado, as condições estruturais – através de um investimento claro em
infra-estruturas e nas condições de formação – para que agora ela não estivesse tão fragili-
zada. (Fiadeiro, 2001)

Os escassos investimentos e ausência de reflexão sobre a importância da diversidade


da dança contemporânea em Portugal, enfraqueceram a sua cultura no território nacional.
Para superar esta fragilidade os “diálogos” entre o público e a obra de arte, tornam-se
fundamentais para a concretização dos objetivos das políticas culturais e educativas, par-
ticularmente, a promoção das práticas artísticas, reforçando a literacia e a cidadania e bem
como a democratização da arte e da cultura (Martinho, 2013), particularmente da dança
contemporânea, que tem sido acusada de ser elitista (Filler, 2015). Todavia, como refere
Noisette (2015) “La danse contemporaine n’est pas élitiste, elle est simplement mal con-
nue.” (p.52), reforçando que o seu caráter permeável e instável não é sinónimo de perda
de identidade. Na verdade, tem sido esta que tem aproximado o seu carácter formal do
informal, seja pela sua capacidade de absorção de outras práticas ou linguagens ou pela

128 | XXIX Encontro AULP


sua capacidade de chegar a diferentes públicos através dos múltiplos trabalhos realizados
com a comunidade. Este crescente desinvestimento formativo e de sensibilização, cons-
tatado anteriormente, levaram as estruturas de programação em Portugal, a investir nestes
“diálogos”, reforçando a importância de outras atividades de sensibilização para a capta-
ção de públicos diversificados e a formação de espetadores informados (Martinho, 2013).
Mesmo em França, país educado culturalmente para as práticas artísticas, tornou-se fun-
damental encontrar estratégias para encontrar um espaço de partilha de identidades, onde
os diferentes agentes (artistas e públicos) “dialogam”, através de uma apropriação con-
junta das obras coreográficas (Laroque, 2013).
É neste âmbito que surge a importância dos mediadores culturais. Estes são definidos
por Martinho (2013) como “(...) aqueles que asseguram um modo específico de as pesso-
as se relacionarem com a cultura e com as artes.” (p.425), sendo que o seu objetivo central
é a aproximação e encontros entre as pessoas e as obras de arte. Hennion (1985) já afir-
mava que “a arte não é bela sem especialistas” (p.159), contudo Martinho (2013) numa
caracterização dos mediadores culturais em Portugal, categoriza três perfis-tipo de media-
dores designando-as: “arte e vários caminhos”, “artistas que apresentam arte”, e “arte,
comunicação a cidadania,” onde nem sempre o mediador pertence ao mundo artístico.
Interessa-nos aqui focar a segunda categoria – “artistas que apresentam arte” – onde ser
encontram aqueles que mais se aproximam do que iremos definir como mediação artística
em dança. Nesta categoria situam-se os que “(...) encontram no terreno da mediação um
contexto de aplicação, desenvolvimento e experimentação do conhecimento que detêm
do processo criativo.” (Martinho, 2013, p. 438). Estes poderão ser os coreógrafos, os in-
terpretes ou outro agente que domina a prática da dança e acompanha os métodos e pro-
cessos de criação de uma determinada obra. No contexto deste artigo, interessa-nos “ex-
cluir” dois dos grupos definidos pela autora, visto que a sua intervenção se denota pelo
olhar maioritariamente externo e que se foca na cultura como um todo, não incorporando,
unicamente, especialistas focados nas particularidades de uma determinada área artística.
Neste sentido, e a propósito da área da dança, Filler (2015) destaca que “Se a mediação
pode ser uma ferramenta potente para a ampliação do público da dança, não podemos
esquecer que a especificidade da linguagem não se torne possível generalizar processos
de mediação de outras áreas para a sua prática.” (p.137), reforçando assim, o papel do
especialista, nas ações de mediação. Assim, se a dança se assume como o corpo no espaço
e no tempo como base para a sua linguagem, será essa gramaticalidade que deverá ser
assumida na estratégia de mediação (Filler, 2015). Portanto, este mediador para além de
criar um espaço de cooperação entre os agentes envolvidos, partilhando ideias e saberes,
deverá também deter um domínio especializado do corpo expressivo e saber conceptuali-
zar os processos coreográficos e as obras privilegiando mais o “compor” que o “expor”.
É importante, no entanto, não confundir este mediador com a função de professor. Certa-
mente que a mediação pode promover um lado educativo de produção de novos significa-
dos, de modo a que o encontro com o objeto artístico, produza e interligue conhecimen-
tos, potenciando a compreensão do mundo e da cultura. Seguramente que os conhe-
cimentos didáticos e pedagógicos enriquecem as competências deste agente, não obstante
o que se procura não é o professor que usa como metodologia as artes como meio educa-
cional (Educação pela Arte); ou que usa como metodologia o ensino específico em cada
uma das arte (Artes na Educação), ou, ainda, que usa como metodologia o treino de aper-

XXIX Encontro AULP | 129


feiçoamento profissional (Formação de Artistas), mas sim mediador, onde o lado educati-
vo surge como consequência e não como objetivo. Este pode ter o seu lugar numa equipa
artística (ou em relação com), com um propósito próprio: a relação da obra com os espe-
tadores, a sensibilização e a formação de públicos. Ou seja, alguém que é capaz de con-
juntamente contribuir para a sensibilização e difusão da dança enquanto expressão artís-
tica, conseguindo-se colocar quer do lado do artista quer do lado do espetador e sintonizar
diferentes grupos, recorrendo a referências que lhe possam ser familiares na obra coreo-
gráfica. É possível encontrar no panorama nacional, alguns exemplos concretos, onde se
foca esta necessária relação com os artistas e instituições com os públicos. Figueiredo &
Barriga (2008) referem, no contexto do Teatro Viriato, em Viseu, que a identidade do
serviço educativo está associada a três importantes aspetos:

(...) os projetos e atividades programadas partem, muitas vezes, de desafios específicos lan-
çados a artistas e/ou companhias, permitindo ao serviço educativo ter um papel ativo no
processo de criação; (...) todos os públicos são potenciais públicos-alvo, uma vez que é ne-
cessário um trabalho contínuo de sensibilização, captação e formação para todos (...). (p.170)

Apesar do papel do espectador, se ter vindo a redefinir, ao longo do século XX, com
(por vezes) a sua participação ativa nas performances, a sua relação com as obras artísti-
cas não deve passar pela passividade da assistência a um espetáculo, mas sim na capaci-
dade de despertar os sentidos e potenciar uma real interpretação do que está a ser visto.
Neste sentido, é fundamental mudar este paradigma que apenas foi conseguido, nos últi-
mos anos, até pela única companhia de dança tutelada pelo Estado Português, a Compa-
nhia Nacional de Bailado (CNB). Guerreiro (2017) refere de forma crítica que “Nem
sempre a CNB conseguiu olhar para a capacidade instalada e proporcionar variadas mo-
dalidades de apropriação por parte dos públicos a quem não basta tratar por espectado-
res.” (p.75). Não obstante, apesar de tardio, a Companhia Nacional de Bailado, na direção
artística de Luísa Taveira, também começou a apostar, em Projetos de Aproximação à
Dança, que visavam “(...) aproveitar os extraordinários recursos humanos que integram a
companhia para multiplicar as experiências de formação de públicos.” (Guerreiro, 2017,
p.75). Surgem assim alguns projetos como por exemplo: O ciclo de debates “Eu não per-
cebo nada de dança” com curadoria e moderação de Cristina Peres; o curso de história da
dança “Da vida da obra coreográfica: repor, reconstruir e recriar” concebido por Maria
José Fazenda, onde se articulavam sessões teóricas e a assistência aos espetáculos da
CNB; e ainda os designados projetos de aproximação à dança, para crianças e jovens, nos
últimos anos, orientados pela bailarina/coreógrafa Catarina Câmara, onde estudantes
acompanham os ensaios da companhia, para compreensão da construção da obra coreo-
gráfica; realizam um workshop e assistem ao espetáculo. É neste tipo de trabalho de inter-
-relação com a obra coreográfica que consideramos, que este mediador pode intervir nas
estruturas profissionais, pois:

A perspetiva histórica e sociocultural no enquadramento das obras é essencial para sublinhar


o papel que todos os que participam no trabalho de uma instituição – incluindo espectadores
– têm na constituição de uma cultura coreográfica, ativa e crítica, simultaneamente atenta aos
saberes e práticas herdados e às concretizações contemporâneas. (Fazenda, 2018, p. 11)

130 | XXIX Encontro AULP


Não estamos apenas a falar de uma sensibilização pelo movimento ou pela criação de
uma interdisciplinaridade da dança com outras matérias, como por exemplo, o que Teatro
Viriato está, na atualidade, a promover com o projeto “A dança e o ensino criativo” cruzan-
do a dança com a matemática, filosofia e literatura, mas sim na ligação dos públicos com
as obras. E, por isso, torna-se fundamental que este mediador reflita e vivencie a prática da
dança e dos processos criativos, de forma a que seja possível criar pontes “mais fiéis” da
relação com a construção da obra e o seu posterior entendimento. Assim, destaca-se o que
Filler (2015), considera serem os três grandes objetivos da mediação em dança: (1) difun-
dir o gosto pela dança, não focado num público específico e especializado, mas sim em
múltiplos públicos, promovendo um democratização da arte; (2) trabalhar na relação do
artista ou da obra de arte com o espectadores, promovendo uma vivência da linguagem
prática da dança; (3) focar a sua intervenção mais nos processo coreográficos do que na
obras, oferecendo caminhos para cada um traçar um caminho individual e pessoas, fomen-
tando a liberdade de interpretação e consequentemente o espírito crítico. Desta forma,
procura-se pensar a dança para além, do binómio palco-artista e plateia-espectador, nome-
adamente: ser capaz de dialogar com a diversidade e contribuir para a criação e valorização
de uma singularidade; valorizar a experiência de assistir a um espetáculo, despertando os
sentidos pela experimentação prática; e ampliar e formar públicos para a dança.
A mediação em dança é sem dúvida um território ainda pouco explorado e expandido
no tecido artístico profissional, mas é talvez esta que poderá contribuir para uma maior
acessibilidade e entendimento por parte dos públicos das obras artísticas. Aliás, a investi-
gação de Martinho (2013), não inclui qualquer mediador que se dedique à área artística
da dança, dessa forma, reforçamos a importância da expansão e formação neste âmbito
particular. Não obstante, é importante reforçar que o contacto com o público, através das
diversas ações do mediador, não garante por si só, a constituição futura de espectadores
ou praticantes de dança regulares, mas pode certamente despertar sensibilidades em co-
munidades habitualmente pouco familiarizadas com a ação cultural, intervindo desde
modo, no processo (sempre) inacabado da democratização da arte e da cultura.

6. Conclusão
No contexto da dança contemporânea, refletindo sobre as práticas coreográficas, des-
tacámos a sua dimensão plural, reveladora da afirmação de valores idiossincráticos e
premissas que promovem a reconfiguração dos seus elementos constitutivos e de noções
como coreógrafo e intérprete. O coreógrafo contemporâneo define-se pela especificidade
do seu discurso. Aos intérpretes é solicitada a resposta a desafios eminentemente criati-
vos, mas também o domínio específico sobre o corpo, o movimento e suas formas de
manipulação e configuração. A reflexão sobre as práticas coreográficas contemporâneas
permitiu-nos, ainda, constatar que, apesar dos seus princípios de abertura e diversidade, é
possível identificar ferramentas de sistematização dos modos de operar dos coreógrafos
contemporâneos. A relação potencialmente colaborativa que se estabelece entre coreógra-
fos e intérpretes materializam-se em obras cujos formatos de apresentação e receção são
também diversificados e abrangentes.
A circunstância de afirmação da singularidade da obra coreográfica, condição essen-
cial da produção artística contemporânea, conduz-nos à necessidade incontornável de
dissipar a distância entre a obra e o seu público. Nesta perspetiva, sugere-se como para-

XXIX Encontro AULP | 131


digma para promoção de um diálogo profícuo e consistente entre estas partes, um inves-
timento consolidado em projetos de mediação artística em dança. Para estes, sublinhámos
como objetivos essenciais: difundir as práticas da dança e promover o acesso à obra para
um público diversificado; explorar a relação dos artistas com o público através da experi-
ência prática das linguagens da dança; e desvelar a complexidade da obra, proporcionan-
do o acesso aos seus processos de criação. Constatando que já existe em Portugal algum
investimento neste âmbito, reconhece-se como fundamental o reforço de práticas que
permitam ampliar e formar públicos para a dança.

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132 | XXIX Encontro AULP


Vivência Amazônica: aprendizados e culturas

Ana Paula Vidal Bastos


Economista, Doctor of Philosophy in Economics, Universidade de Tsukuba, Japão, professora da Faculdade
de Economia e Administração da Universidade de Brasília; E-mail: [email protected]

Enaile do Espírito Santo Iadanza


Engenheira Agrônoma, Doutora em Geografia e Planejamento Regional pela Universidade Nova de Lisboa,
professora colaboradora do Núcleo de Estudos Amazônicos da Universidade de Brasília; E-mail: [email protected]

Ingrid Soares de Albuquerque


Bióloga pela Universidade de Brasília, membro do Núcleo de Estudos Amazônicos da Universidade
de Brasília; E-mail: [email protected]

Joenio Marques da Costa


Cientista da Computação, especializado em software livre, mestre em Engenharia de Software,
pesquisador do Laboratório Avançado de Produção Pesquisa e Inovação em Software, colaborador do
MediaLab UnB e Núcleo de Estudos Amazônicos da UnB; E-mail: E-mail: [email protected]

Larissa Gomes Machado


Graduanda em Ciências Ambientais pela Universidade de Brasília, Tecnóloga em Gestão Pública
pela Universidade do Distrito Federal; E-mail: [email protected]

Manoel Pereira de Andrade


Engenheiro Agrônomo, Doutor em Economia Agrária e Sociologia Rural pela Universidade de Lisboa,
professor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária e coordenador do Núcleo de Estudos
Amazônicos da Universidade de Brasília; E-mail: [email protected]

Introdução
Organizada pelo Núcleo de Estudos Amazônicos, do Centro de Estudos Avançados
Multidisciplinares, da Universidade de Brasília (NEAz/CEAM/UnB)1, a Vivência Ama-
zônica tem proporcionado aos/às tecnicos/as-administrativos/as, professores/as estudan-
tes de diversos cursos da UnB conhecer um pouco da região Amazônica, seus povos
indígenas, populações e comunidades tradicionais, seu ambiente, e tem possibilitado mu-
danças significativas na aprendizagem e na vida dos participantes. A realização da viven-
cia Amazônia tem também possibilitado trocas de experiencias e conhecimentos, e con-
tribuído para o intercâmbio científico, técnico e cultural.
O processo de construção desse projeto e a sua efetivação tem aproximado a comuni-
dade acadêmica da Universidade de Brasília à realidade e causas amazônicas. Pode-se
dizer que esse processo, como um todo, tem contribuido para que a UnB esteja mais
atenta e disposta a defender a Amazônia e os direitos de seus povos indígenas e comuni-
dade tradicionais, camponeses e agricultores familiares.

1. O Núcleo de Estudos Amazônicos (NEAz), do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinar (CEAM) da


Universidade de Brasília (UnB), foi criado em 1987.

XXIX Encontro AULP | 133


A Vivência Amazônica se iniciou com a necessidade de agregar à disciplina “Tópicos
Especiais sobre a Amazônia”2 o contato dos/as estudantes com a realidade, onde pudes-
sem conhecer um pouco mais sobre o meio ambiente e vivenciar a realidade das popula-
ções da Amazônia. Tal experiência tem possibilitado diferentes olhares sobre as gentes e
o meio amazónico, natural e construído, ampliando o conhecimento sobre essa região.
O Núcleo de Estudos Amazônicos (NEAz/CEAM/UnB) vem promovendo ações de
estudo, pesquisa e extensão de caráter inter, multi e transdisciplinar sobre questões de
interesse da Universidade, da região amazônica e da sociedade, em especial, dos grupos
sociais e étnicos que trabalham e vivem na região. Assim, busca aproximar a Universida-
de de Brasília aos povos indígenas, populações e comunidades tradicionais que trabalham
e vivem na Amazônia brasileira e continental.
Para cumprir a sua missão primordial, o NEAz/CEAM/UnB realiza uma importante
mobilização da comunidade acadêmica da UnB, dos/as professores/as, dos/as pesquisa-
dores/as, dos/as técnico-administrativos/as, dos/as estudantes e de representantes de dife-
rentes setores da sociedade que estejam, de alguma forma, relacionados e interessados
nas questões amazônicas, em seus territórios, povos indígenas, populações e comunida-
des tradicionais. Também tem incentivado a pesquisa científica, na busca de novas formas
de compreender a realidade amazônica e de seu entorno e nela intervir.

Vivência Amazônica
O processo de preparação da vivência amazônica é fruto de uma construção coletiva
que envolve estudantes, professores e técnicos/as-administrativos/as da Universidade de
Brasília e de outras instituições de ensino, ciência e tecnologia nacionais e internacionais
e, principalmente, representantes de grupos sociais e étnicos que trabalham e vivem nas
regiões percorridas pelas Vivências Amazônicas. Esse processo de construção ocorre
anualmente e possui uma duração superior a seis meses, antes do início da Vivência Ama-
zônica propriamente dita e tem como pilares o diálogo, a colaboração e a solidariedade.
Durante os meses que antecedem a ida dos participantes à região amazônica, surgem
diversos desafios que estimulam os/as estudantes e os demais componentes do coletivo
a criarem métodos colaborativos e solidários para resolve-los. Na discussão da agenda
de organização e funcionamento desse processo de construção; a definição do período da
viagem de campo da Vivência Amazônica; a elaboração do roteiro da viagem e a mobi-
lização dos recursos faz-se necessário o uso do diálogo, da comunicação, do pensamen-
to crítico e questionador. É preciso encontrar uma forma que unifique as vontades e in-
teresses de um coletivo extremamente diverso e numeroso. Cabe confirmar que esse
processo de contrução da vivência mobiliza centenas de participantes da comunidade
universitária e da sociedade, particularmente os/as representantes de povos e comunida-
des amazônicas.
Os aprendizados se iniciam já nos primeiros encontros. São momentos de interação
que proporcionam ao coletivo um contato mais próximo da ideia/concepção da Vivência
Amazônica, familiarizando os envolvidos com as dinâmicas da Amazônia, com o projeto
e compartilhando as experiências anteriores. Os encontros subsequentes iniciam o pro-

2. A disciplina “Tópicos Especiais sobre a Amazônia” do CEAM, é ministrada desde 2004.

134 | XXIX Encontro AULP


cesso de construção coletiva condicionado pelo ritmo e pelas especificidades dos partici-
pantes, atentos e interessados em vivenciarem as realidades amazônicas. Com base nas
decisões tomadas nessa etapa pelo coletivo, são construídas abordagens distintas durante
o processo.
Os contatos iniciais com os povos indígenas e comunidades tradicionais possíveis de
comporem a Vivência; os lugares e territórios a serem visitados; o roteiro e o período
peliminares e a mobilização do transporte fazem parte dos primeiros diálogos travados
pelo coletivo. Este arranjo orgânico, composto pelos participantes e povos indígenas e
comunidades tradicionais, são fundadores do projeto Vivência Amazônica.
Com o decorrer da preparação, os estudantes passam a se organizar em comissões de
estudos e de tarefas relacionadas a construção da Vivência. Em grupos reduzidos, os par-
ticipantes atuarão de maneira mais específica em temas imprescindíveis para a construção
da Vivência. As comissões, geralmente, seguem os seguintes temas, com a possibilidade
de criação de novas comissões a medida que o grupo sente necessidade durante o proces-
so: finanças, alimentação, transporte/roteiro, saúde/higiene, conteúdo/científica/saberes e
comunicação/registro de campo.
A dinâmica da construção é obtida através de reuniões periódicas de acordo com a
disponibilidade dos participantes, alternando os dias e horários. Em cada reunião são
discutidas as pautas das comissões e assim as decisões são tomadas coletivamente. As
ideias que surgem são adicionadas à discussão específica das comissões, construindo,
então, o diálogo entre os pequenos núcleos e o coletivo.
Por se tratar de um grupo multidisciplinar, formado em média for treze cursos distin-
tos de graduação e pós-graduação, reduzir o estranhamento entre os participantes se torna
um processo importante e fundamental para o sucesso da Vivência Amazônica. O alinha-
mento do coletivo no processo da construção, traz desfechos efetivos para as atividades a
serem desenvolvidas.
A forma na qual a Vivência Amazônica é construída proporciona aprendizados diver-
sos aos participantes. A escuta é essencial para o seu funcionamento. Ser capaz de ouvir
a contribuição do outro e fazer o possível para agregá-la ao coletivo é uma tarefa comple-
xa e de alguma forma prepara os/as estudantes para o encontro com a realidade social
amazônica. Durante os dias de vivência, é possível perceber a adoção de conceitos impor-
tantes para o grupo, como a solidariedade, a cooperação, entre outros, que naturalmente
são debatidos pelos estudantes, que passam a buscar resolver os conflitos, não mais
de maneira independente, mas sim dialogando e buscando a resolução da questão conjun-
tamente.
A construção coletiva não se limita ao período que antecede ou decorre a Vivência
Amazônica, esta prática social também tem perpetuado após o retorno dos/as estudantes
à Universidade. Após o retorno é importante avaliar como o processo ocorreu, enfatizado
as questões relevantes da Vivência e aquelas que podem ser aprimoradas. Os resultados
subsequentes advindos dos aprendizados e experiências obtidas também são pensados e
elaborados de maneira coletiva. Os resultados devem ser partilhados, especialmente com
aqueles/as que acolheram o coletivo da Vivência na Amazônia.
Essa nova forma de se construir um projeto é, de início, desafiadora. A maioria dos
participantes relata ser uma transformação que de fato muda sua visão de mundo, sua

XXIX Encontro AULP | 135


forma de interagir com o próximo, lidar com as variáveis do processo ou atuar nas suas
respectivas áreas de formação.

“Queria expressar um pouco do que a gente já viveu um com o outro, teve até mudanças no
meu processo acadêmico. Eu estava um pouco perdida sobre o que eu ia fazer, e ter esse
contato deu uma ampliada dentro do meu próprio curso, sobre o que mais eu posso estudar,
o que mais eu posso fazer, o que mais eu posso pesquisar. Tá sendo muito interessante por-
que a gente nem foi ainda e eu já aprendi tanta coisa” (Estudante de Serviço Social).

“A vivência me fez entender que eu sou uma pessoa em constante transformação. E como
eu, que sou um ser em constante transformação, quero também transformar a realidade que
eu vivo. Como eu quero passar isso para as pessoas. Qual o papel que eu tenho no mundo e
na Universidade, isso é essencial. Eu acho que isso precisa estar no coração de cada um.
Que sejamos todos sujeitos de transformação. De se transformar e transformar a realidade”
(Estudante de Ciencias Ambientais).

Novas tecnologias e a Vivência Amazônica


A Vivência Amazônica tem buscado agregar formas de interação e colaboração que
utilizem novas tecnologias de compartilhamento de dados através de redes participativas
de tomada de decisão. Tais formas de interações tem sido consideradas como uma impor-
tante novidade do processo de construção da Vivência e, sobretudo no seu uso durante as
atividades.
Uma plataforma física e digital, projetada originalmente com uma ferramenta capaz
de simplificar o processo de diagnóstico e deliberação dentro de um exercício participati-
vo de tomada de decisões coletivas vem sendo utilizada na Vivência Amazônica, denomi-
nada de “Caixa Mágica”.
A Caixa Mágica é uma porta de entrada ao universo da participação cidadã, permitin-
do que o coletivo da Vivência possa se conectar diretamente a um processo real e imedia-
to de participação. Mais do que uma máquina, ela contribui para o processo de participa-
ção social e inclusão digital para o empoderamento cidadão.
A estrutura da Caixa Mágica consiste em um objeto modular, auto armável, com
exterior personalizável e seu interior contém um hardware de reduzido investimento
(Raspberry Pi ou Cubeboard). A Caixa Mágica utilizada na Vivência Amazônica foi pro-
jetada num Raspberry Pi3. Ela tem proporcionado conexão numa rede local sem fio, esti-
mulando e possibilitando comunicação e compartilhamento de conteúdo entre todos os
participantes da viagem.
Durante as viagens a Caixa Mágica tem sido especialmente útil nos momentos sem
conexão com Internet, num contexto onde praticamente todos possuem smartphones com
capacidade de conexão sem fio. O software utilizado vem sendo eficiente para os objeti-
vos do coletivo por possibilitar que conteúdos de texto, fotos e vídeos sejam compartilha-

3. Foi utilizado um Raspberry Pi 2B com o sistema operacional livre Raspbian e um dongle wireless usb,
transformado num access point simples sem necessidade de senha para conexão ou autenticação. Foi instalado
um software chamado Known para publicação e compartilhamento de conteúdo

136 | XXIX Encontro AULP


dos, estimulando a troca de informações e olhares diversos sobre a viagem em tempo real,
incluindo e envolvendo todos os participantes da Vivência.
Tem sido uma experiência interessante o uso dessa ferramenta, especialmente por
proporcionar troca de saberes sobre a tecnologia empregada na Caixa Mágica, provenien-
te de conhecimentos da Ciência da Computação, com os participantes da Vivência, como
também possibilitar o compartilhamento de impressões e construção conjunta de relatos
e textos.

Considerações/pontos para discussão


Para uma formação humanista é importante que os/as jovens tenham possibilidade de
experimentar, e a Universidade deve contribuir, de maneira significativa, neste sentido,
formando profissionais que realizem reflexões e diagnósticos, e apresentem soluções para
os desafios colocados pela realidade social. “Os sujeitos conscientes de sua incompletude
buscam, a partir do diálogo, o refazer e o ser mais, que mediados pelo conflito, visualizam
a construção do inédito-viável” (Freire, 1992).
As Vivências devem ser exemplos de ação transformadora, que providas de reflexões
adotem o processo de compreender a realidade para modificá-la. Conhecer, compreender,
se identificar, respeitar e se comprometer para propor e para agir. É um movimento dialé-
tico para desvendar o mundo: nos conhecermos conhecendo a realidade para poder agir
na realidade.

Bibliografia
ALVES, Rubem. Conversar com quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, 1980.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Método Paulo Freire. São paulo: Brasiliense, 1981.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Ed. 53, Brasília: Câmara dos Deputados, 2018.
DEMO, Pedro. Educação & conhecimento: Relação necessária, insuficiente e controversa. Petrópolis: Vo-
zes, 2001.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1996.
Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (2012). Plano Nacional de
Extensão Universitária. Porto Alegre. UFRGS, 2012.
FREIRE, Paulo. (1992). Pedagogia da Esperança. São Paulo, São Paulo: Paz e Terra,1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. (17ª ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. In: São Paulo em Perspectiva, 14 (2), Jun, 3-11, São
Paulo, 2000.
LUCK, Heloísa. Pedagogia da interdisciplinaridade. Fundamentos teórico-metodológicos. Petrópolis: Vo-
zes, 2001.
MIRRA, Evando. A Ciência que Sonha e o Verso que Investiga. São Paulo: Editora Papagaio, 2009.
NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel. Políticas da Extensão Universitária Brasileira. Belo Horizonte:
Ed. UFMG, 2005.
THIESEN, Juares da Silva. A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-
-aprendizagem. In: Revista Brasileira de Educação, 13(39), 545-554, 2008.

XXIX Encontro AULP | 137


Visita de estudo ao Museu Nacional de Arqueologia
de Benguela (MNAB): o despertar de consciência
dos estudantes dos 4º anos de licenciatura em história
do ISCED-Benguela

Angelina Lopes Luís Aguiares Ngungui


Professora no Instituto Superior de Ciências da Educação
E-mail: [email protected]

Introdução
A visita de estudo actualmente constitui um desafio pedagógico, no sentido de que
demanda uma planificação à rigor e por outro, constitui uma estratégia pedagógica rele-
vante para a efectivação de um processo de ensino e aprendizagem satisfatório.
A visita que se apresenta neste estudo realizou-se com os estudantes que frequenta-
vam o 4º ano de Licenciatura no período Regular e Pós-laboral, num total de sessenta e
seis estudantes, tendo faltado dois estudantes de cada grupo, o que perfaz um total de
sessenta e quatro estudantes participantes à aula. O destino da visita foi o Museu Nacional
de Arqueologia de Benguela, um edificio erguido nos finais do século XVII e a sua cons-
trução terminou no início do século XVIII, serviu para armazenar escravos no período
conhecido como a ‘’Era do Tráfico de escravos’’ que eram transportados para várias par-
tes do mundo através do litoral benguelense principalmente para as Américas; classifica-
do como Monumento Histórico Nacional aos 02 de Fevereiro de 1949 pelo Boletim Ofi-
cial nº 5; reclassificado pelo Diário da República nº 64, de 11 de Novembro de 1995 pelo
Ministério da Cultura de Angola.
A visita de estudo é uma das estratégias que mais estimula os alunos, dado o carácter
motivador que constitui a saída do espaço escolar. Contudo, mais do que um passeio,
constitui uma situação de aprendizagem que favorece a aquisição de conhecimentos, pro-
porciona o desenvolvimento de técnicas de trabalho, facilita a sociabilidade. Um dos
objetivos das novas metodologias de ensino-aprendizagem é, precisamente, promover a
interligação entre a teoria e a prática, a escola e a realidade (Martins et al., 2006, p. 30).
Cada aluno é influenciado pelo meio em que está inserido, pelo que vai construindo e re-
construindo de acordo com as diversas interpretações que vai fazendo. Estas apresentam-
-se resistentes à mudança, influenciam fortemente as novas aprendizagens e interagem
com o processo de ensino e aprendizagem (Solbes, Jaime & Más, 2006; Ramos, 2009).
Contudo, o professor precisa reunir um conjunto de estratégias que integre actividades
apropriadas que encorajem os alunos a trabalharem com vários tipos de materiais que o
passado deixou para trás, a fazer e a responder questões que visem interrogar e avaliar
fontes em relação a investigações particulares e no contexto da sociedade que as produziu.
À propósito do debate actual em História e do seu ensino-aprendizagem em estreita
relação com as fontes, Irene Nakou (2001) citado por Costa (2007) apresentou uma

XXIX Encontro AULP | 139


comunicação em que dava conta de um estudo de campo longitudinal desenvolvido com
crianças em ambiente de museu, desta visita pretendeu que: a) O estudo pudesse mostrar
algum pensamento oculto dos alunos, com bom potencial para desenvolverem capacida-
des de pensamento histórico; b) Possibilitar a discussão sobre os beneficios da utilização
do museu para a aprendizagem da História, em relação com o estudo e ensino da história
na escola; c) Observar alguns fatores básicos que pudessem dar pistas para ajudar a deba-
ter os programas e as práticas educacionais relacionadas com o ensino da História nas
escolas. Assim, o ambiente histórico dos museus arqueológicos e históricos em particular,
atraísse o pensamento histórico dos alunos, desde que entrassem no museu até serem
envolvidos pelas evidências materiais da vida humana e das ambiências do passado. O
passado histórico foi concebido como envolvendo a seleção e interpretação das fontes das
quais as questões e inferências históricas são produzidas, segundo Costa(2007) ao mobi-
lizar as ideias de Ashby, 2003, p. 39).
Os objetivos por nós perseguidos, increve-se em preocupações sobre os novos desa-
fios a que se colocam ao professor de História, pelo que formulamos como Problema de
investigação: em que medida a visita de estudo desenvolvida no MNAB constituiu uma
alavanca para impulsionar os estudantes na criação de temas para elaboração do ante-
-projecto para o trabalho de fim de curso?
O objectivo geral: potenciar os estudantes de ferramentas e de um campo mais abran-
gente de problemas, para a criação de temas voltados para as áreas de História e Arqueo-
logia, para desenvolverem os trabalhos de fim de curso.
O objetivo específico: criar de forma consciente e independente temas, para a elabo-
ração de um ante-projecto de investigação, para o desenvolvimento do trabalho de fim de
curso.

Metodologia
O estudo em reportagem procurou indagar possibilidades e formas de implementar
com sucesso uma aula que induzisse os alunos na criação de temáticas actualizadas e ac-
tuantes que constituem lacunas não só no processo de ensino e aprendizagem da História,
mas também no contexto angolano.
Trata-se de um estudo de natureza descritiva e essencialmente qualitativa, que se pre-
ocupa entender em profundidade o fenómeno em análise (Ngungui, 2017), com contornos
de estudo de caso, tendo sido aplicada como “estratégia investigativa através da qual se
buscou analisar, descrever e compreender determinados casos particulares (de indivíduos,
grupos ou situações)” (Morgado, 2012).
Técnicas de recolha de dados: este estudo manteve como técnicas de recolha de
dados a análise de conteúdo e a observação (directa) ou participante da experiência de
aprendizagem.
Instrumentos: Foi feita a análise de conteúdo das narrativas contidas nos relatórios
produzidos pelos alunos após a realização da visita de estudo.
Amostra participante: estudantes do Regime Regular e Pós-laboral do 4º anos do
curso de Licenciatura em História do ISCED-Benguela.

140 | XXIX Encontro AULP


Desenvolvimento da visita de estudo
No período da tarde por volta das 14 horas iniciou a actividade programada que visa-
va potenciar os estudantes de matérias para a seleção de temáticas multiperspectivadas
nesta área, para desenvolver os seus trabalhos de fim de curso por um lado, e por outro,
fazer melhor aproveitamento do Protocolo existente entre a Universidade Katyavala Bwi-
la (UKB) e o Museu Nacional de Arqueologia de Benguela (MNAB). Constatou-se du-
rante as aulas de SE que os alunos tinham pouca informação sobre que assuntos concretos
podiam abordar para a elaboração dos seus ante-projectos de fim de curso, que inicial-
mente foram orientados pela professora a desenvolvê-los em pares e posteriormente de
forma individual. Estas aulas de terreno seriam articuladas entre as disciplinas de Semi-
nário Especializado e Metodologia de Recolha e Pesquisa Histórica, disciplinas que per-
mitem munir os alunos de ferramentas para o conhecimento da metodologia para recolha
e pesquisa histórica, e em concomitância poderem elaborar de forma autónoma e compro-
metida os seus ante-projectos de fim de curso. Outrossim, aproveitou-se envolver os alu-
nos em actividades que promovam a Educação Histórica, campo voltado para as aprendi-
zagens que incluem atividades cognitivas como as de exploração de diferentes fontes
(primárias e secundárias) em contexto real. Seguindo a ideologia de Freire (1991) de que
há que se considerar o envolvimento do aluno, com as suas características específicas
próprias enquanto ser social e como tal em constante transformação, aliada as ideias de
Dewey (2007) que incentivou os professores a conhecerem o meio e definirem os objec-
tivos tendo em atenção as características individuais dos alunos, o que exige o conheci-
mento de todos os sujeitos na sala de aula, e inclui o saber das suas qualidades e limita-
ções, visando o estabelecimento adequado dos objetivos a atingir pela turma enquanto
grupo.
Assim, os grupos iniciais estavam constituídos pela professora das duas disciplinas1,
vinte estudantes do período Regular e vinte e seis do período Pós-Laboral. O grupo foi
recebido pelos Especialistas do MNAB liderados pela Doutora Maria Helena Benjamim,
Chefe do Departamento de Pesquisa e doutorada na especialidade de Arqueologia, Etno-
logia e Pré-História, integrava a equipe os Especialistas: Ana Paula Gomes, Bilioo Car-
mo, Catiana Raúl e Rossano Fançony.
A Doutora Maria Helena agradeceu o grupo pela presença e cumprimentou-os por
serem os primeiros a participarem de uma actividade desta natureza, raras no contexto.
Assim, começou por questionar aos alunos “qual era a principal atividade do MNAB? Os
estudantes tentaram dar respostas (figuras 1) de alguma forma incipientes, o que permitiu-
-nos inferir que apresentavam fracas ideias prévias sobre o objeto social daquela institui-
ção. Neste sentido, esclareceu a Especialista “que consistia em pesquisar, colectar e pre-
servar os materiais que tivessem valor para o efeito.

1. Angelina Lopes Luís Aguiares Ngungui professora no Instituto Superior de Ciências da Educação, com a
categoria de professora Associada, Licenciada em História, Mestre em Didáctica do Ensino Superior, Doutorada
em Ciências da Educação, Especialidade de Educação em História e Ciências Sociais. Lecciona as disciplinas
de Seminário Especializado e Metodologia de Recolha e Pesquisa Histórica aos 4º anos do período Regular e
Pós-Laboral do Curso de Ciências Sociais para Licenciatura em História. Correio electrónico: aguiaresa@
gmail.com

XXIX Encontro AULP | 141


Figura 1 – Momento inicial da visita.
Fonte: Feita pela investigadora

A Especialista fez um breve historial da instituição, seu papel social e informou sobre
a existência de um considerável acervo bibliográfico na sua Biblioteca, disponível para o
público em geral e para os interessados em explorar matéria sobre a Arqueologia, História
e outras áreas de interesse. Aproveitou para realçar que o MNAB tem dentre os seus Pro-
jetos, levar as escolas do ensino geral e à universidade, palestras, seminários e conferên-
cias, ou ainda as denominadas “exposições itinerantes”, para se fazerem conhecidos e
divulgar as suas principais atividades sociais. Após esta introdução, a Especialista deu
voz aos alunos que apresentaram as inquietações, que não são todas aqui reportadas, mas
apenas aquelas que foram possíveis de serem registadas durante a discussão, conforme a
figura 2.

Figura 2 – Momentos de discussão


Fonte: Feita pela investigadora

• Porque é que o MNAB não vai as escolas divulgar sobre a sua função social?
• O que faz o Ministério da Cultura e o MNAB diante das invasões de populares que
orquestram aos sítios arqueológicos?
• Sendo que o estado gasta tanto dinheiro para manter o funcionamento do MNAB e
escavações, que retornos obtém?

142 | XXIX Encontro AULP


• Se há lugares que não podem ser escavados por questões de natureza cultural e tra-
dicional rígidas, não se perdem sítios arqueológicos de valor histórico-social?
• O MNAB está em escombros, qual é o papel do estado diante desta triste realidade?

Os estudantes manifestaram também preocupações relativas à falta de interesse que a


comunidade tem pelo MNAB, uma vez que estando a frequentar já o 4º ano de Licencia-
tura nunca participaram de uma visita de estudos a instituição. Lamentou outro estudante
a falta de consciência dos professores à todos os níveis em abordar conteúdos da História
Universal, de África ou de Angola em articulação com matérias ou recursos de apoio as
aulas do domínio da Arqueologia, o que fortaleceria a relação entre a teoria e a prática,
conforme a figura 3.

Figura 3 – Narrativas dos estudantes durante e após a visita ao MNAB.


Fonte: Feita pela investigadora

Das inquietações apresentadas pelos formandos, os Especialistas do MNAB teceram


as seguintes considerações:
• Embora a necessidade de abordagem da importância da Arqueologia não conste nos
programas de ensino e aprendizagem do Ensino Geral, apenas está incluído no se-
gundo ano do Curso de Licenciatura da História, o MNAB leva à público os seus
projectos, mas não tem feedback das escolas. Ao nível da universidade as atividades
cingem-se as atividades de campo organizadas quando possível e claro, no período
que decorrem as práticas de Arqueologia.
• O especialista referiu que nas diferentes atividades que realizam, esclarecem a co-
munidade sobre a necessidade de fomento da existência e preservação dos sítios ar-
queológicos. Neste sentido, a primeira medida a adoptar passa pela consciencializa-
ção da comunidade sobre esta matéria e a sociedade precisa se juntar ao MNAB,
para que em conjunto se consiga preservar estes sítios. A legislação sobre o patrimó-
nio existe é clara e define as políticas de prevenção do património, mas não passam
de discursos. Impõe-se a necessidade de desenvolvimento de uma cultura jurídica,
para a tomada de medida as invasões que se observam um pouco por toda Angola.
• Explicitaram ainda, que para que o MNAB apresente retorno para o Orçamento Ge-
ral do Estado era necessário que o estado fizesse investimentos em toda a estrutura
museológica. Parafrasearam que o MNAB é um Património reconhecido pela
UNESCO e é completamente desvalorizado, a ponto de o edifício estar em ruinas…

XXIX Encontro AULP | 143


sublinhou que a valorização do MNAB só surtirá efeitos se forem feitos investimen-
tos em áreas transversais como a de Hotelaria e Turismo, acessos, segurança e toda
estratégia de divulgação (roll ups, cartazes, folhetos), que são onerosos e escapa as
possibilidades deste órgão. Avançou-se como exemplo o “Louvre” como um dos
sítios que recebe milhares de turistas por ano e participa no crescimento orçamental
do estado francês.

Durante o diálogo apresentava-se imagens sobre pesquisa, prospeção, coletas, e/ ou


atividades em que o MNAB foi solicitado para prestação de serviço, como por exemplo,
durante a construção da “Barragem de Laúca”, na província de Malanje, em que nas suas
redondezas, num vale, existiam túmulos designados de “Malombes ou akokotos” que na
visão deste Órgão podiam ser removidos para outro lugar. Todavia, consultado o poder
tradicional da região alegaram não se poder remover, mas que encerrariam o Malombe
através de um ritual e abrir-se-ia outro, após a morte do Soba da região, o que reforçou a
ideia que os alunos haviam avançado segundo a qual, as tradições, algumas vezes consti-
tuem um entrave ao desenvolvimento social, ao conhecimento da História de um povo ou
de uma nação e por fim, a perca de sítios de interesse para estudos arqueológicos ou de
outra natureza.
O especialista reforçou que esta atitude dos Sobas em impedirem a retirada dos restos
ósseos daquele lugar, não constituía perda de achados arqueológicos, uma vez que os
nativos sabiam de concreto o que havia naquele lugar, e muitas vezes o que se enterra não
é o corpo inteiro do Soba, mas algum órgão. O que leva o investigador a inferir de que
aquele lugar pode não apresentar material significativo de trabalho. Acrescentou, que para
se escavar um achado precisa-se saber que fontes há, bibliografia sobre a temática e por
fim a escavação, para evitar desperdício de tempo e de esforço.
Após estes esclarecimentos, a especialista apresentou o projecto de Pesquisa Científi-
ca em Arqueologia e História da Província de Benguela que podiam ser desenvolvidos em
seis diferentes programas e as suas respectivas cadeias operatórias. Este projecto está in-
tegrado no Protocolo UKB-MNAB.
Fez-se uma visita guiada pelo Museu (figura 4) o que aguçou o interesse pela Arque-
ologia como disciplina capaz de responder a muitas interrogações da História e como
fonte de obtenção, produção e construção do conhecimento histórico, cultural e social,
desde os tempos mais remotos até aos nossos dias.

Figura 4 – Momentos da visita guiada


Fonte: Feita pela investigadora

144 | XXIX Encontro AULP


Da parte dos estudantes ficou o desejo em continuar a ouvir o que a Especialista tinha
para esclarecer e o diálogo em cadeia, que foi preciso lembrar aos intervenientes que tinha
terminado o começo de uma nova etapa de trabalhos entre o MNAB e a UKB.
Na sequência, na segunda visita ao MNAB com a participação de vinte e dois estudan-
tes do período Pós-Laboral e vinte e seis estudantes do período Regular, em diferentes
períodos foram brindados com uma comunicação proferida pela Doutora Maria Helena
Benjamim em torno da sua pesquisa de Doutoramento sob o tema “ Estudo comparativo
da cadeia operatória de fabricação da Cerâmica arqueológica e actual na região de Ben-
guela ”. Na sua exposição inicial esclareceu que existe um importante depósito de cerâ-
micas arqueológicas provenientes de vários pontos do país reunidas no Museu Nacional
de Arqueologia de Benguela; existe igualmente, uma importante coleção de cerâmica
atual no MNAB que não foram ainda objeto de estudo. Por outro lado, a autora constatou
uma larga ausência de estudos sobre a produção artesanal da cerâmica em Angola. Pros-
seguiu a apresentação abordando os seguintes pontos principais:
• Sujeitos inquiridos (oleiros e oleiras da região);
• Cadeia operatória do fabrico da cerâmica actual que inclui: a aquisição da matéria-
-prima; preparação da argila; o fabrico; os instrumentos;
• Momentos de decoração; a secagem; a cozedura e tipos de recipientes, entre outros
aspectos.

Após a apresentação da comunicação seguiu-se o tempo de discussão que levou apro-


ximadamente uma hora e meia, onde os estudantes anotaram as matérias de maior interes-
se, expuseram as suas preocupações e manifestar deceções, insatisfações, mas particular-
mente o interesse pela Arqueologia como disciplina constante no currículo do curso de
História e pela importância que representa o MNAB na preservação da Historia e da
memória dos povos.
Pretende-se com esta parceria orientar os alunos na elaboração de ante-projectos para
o desenvolvimento dos trabalhos de fim do curso e poder-se contribuir para a preservação,
divulgação e fortalecimento da identidade nacional, fundamental para o homem situar-se
no tempo.
As atividades desenvolvidas durante a visita de estudo foram:
• Vista guiada pelo MNAB e discussão entre pares;
• Apresentação de uma comunicação sobre uma tese realizada no âmbito dos estudos
arqueológicos, concretamente sobre a cadeia operatória da cerâmica e período de
discussão entre a especialista e os formandos;
• Apresentação de relatórios dos intervenientes na experiência de estudo realizada no
MNAB nas duas sessões de aulas.

Resultados da visita de estudo:


De algum desconhecimento do objecto social do MNAB, do seu valor histórico, cul-
tural e social de maior parte dos estudantes do 4º ano do curso de Licenciatura em Histó-
ria, das perplexidades que a visita de estudo gerou e das discussões levantadas em torno
destas perplexidades, emergiram algumas temáticas para a elaboração de ante-projectos
investigativos transversais à História e a Arqueologia, que abaixo se descreve:

XXIX Encontro AULP | 145


1. Levantamento do acervo arqueológico depositado no Museu Nacional de Arque-
ologia antes da independência.
2. Levantamento dos sítios arqueológicos com pinturas rupestres na região Centro
de Angola.
3. Trabalhos arqueológicos efectuados pelo MNAB no período de 1976 a 1980.
4. Trabalhos arqueológicos efectuados pelo MNAB no período de 1980 a 2000.
5. Trabalhos arqueológicos efectuados pelo MNAB no período de 2000 a 2016.
6. Levantamento sobre a olaria na região de Benguela, seu impacto cultural.
7. Estado actual da Arqueologia em Benguela.
8. Estado actual dos Monumentos e sitios em Benguela.
9. O comércio do Sal em Benguela seu valor histórico-cultural.
10. A dimensão histórica dos museus e o seu contributo na construção de um paradig-
ma de economia de mercado em Angola.
11. Artesanato em Benguela (A cestaria).
12. Artesanato em Benguela (Olaria e escultura).
14. As invasões dos sítios arqueológicos: a desvalorização da Lei do Património.
13. Pesquisas realizadas sobre o paleolítico na região de Benguela a partir dos anos
1990.
14. A lei do Património: do discurso à prática.
15. Arte funerária: caso da região Dombe Grande.
16. A arte Rupestre na Província do Namibe para o conhecimento da História de An-
gola.
17. A escultura como um meio de divulgação e valorização da cultura no município
de Benguela.

Conclusões
É imperioso que se implemente um processo de ensino e aprendizagem que conduza
o aluno para o depertar de um saber fazer alicerçado na prática, de formas a gerar-se uma
situação de aprendizagem que favoreça a aquisição de conhecimentos, conhecer novos
fazeres, bem como articular os conhecimentos obtidos em contexo real de sala de aula
com os novos, de forma a produzir conhecimentos novos que lhe permitam enfrentar os
desafios quotidianos.
Estimular as atividades fora da sala de aula, como o caso de uma visita de estudo, por
ser considerada como estratégia de aprendizagem que promove a relação entre a teoria e
a prática, a interdisciplinaridade, tendo sempre em atenção o lugar de interesse a visitar,
a sua articulação com os conteúdos ministrados e o alcance dos objectivos preconizados,
para que o formando atribua significado ao conhecimento adquirido.
A visita de estudo ora reportada, aportou aos estudantes a possibilidade de criação de
temáticas que se prendem com a área de Arqueologia e sua articulação com a História, o
que permitirá os alunos abordarem questões atinentes ao domínio da Arqueologia, e ou-
tros aspetos de impacto do MNAB, atividades desenvolvidas, e sua importancia na aqui-
sição de valores, da comunicação, preservação das memórias e dos patrimónios materiais
e imateriais que permeiam a nossa sociedade.

146 | XXIX Encontro AULP


Com esta visita, os estudantes tomaram contacto com fontes multiperspectivadas que
devidamente organizadas, podem suportar as aulas de História, e instigar o desenvolvi-
mento da capacidade de observação, destreza para a pesquisa, o aguçar do espírito crítico
e a elaboração de um relatório que apresente os principais aspetos da visita efetuada.

Referências bibliográficas
Costa, M. A. (2007). Ideias de professores sobre a utilização de fontes dos manuais de História: um estudo
no 3ºCiclo do Ensino Básico. Dissertação de Mestrado. Braga: Universidade do Minho.
Dewey, J. (2007). Democracia e educação. São Paulo: Editora Ática.
Freire, P. (1991). A Educação na cidade, S.Paulo: Cortez Editora.
Martins et al. (2006). Educação em Ciências e Ensino Experimental: Formação de professores. Lisboa:
Ministério da Educação.
Morgado, J. (2012). O Estudo de Caso na Investigação em Educação. Portugal: DE Facto Editores.
Ngungui, A. (2017). Construir conhecimento histórico em contexto angolano: um estudo em torno de uma
experiência de “aula-oficina”. Tese de Doutoramento em Educação. Braga: Universidade do Minho.
Solbes, J., Jaime, C. A. & Más, C. F. (2006). Las ideas alternativas sobre conceptos científicos: Tres décadas
de investigación. Alambique: Didáctica de las ciências experimentales, 48, 64-77.

XXIX Encontro AULP | 147


Identidade e cultura digital:
estudo de caso e-Otyioto em Angola

Alberto Raimundo Watchilambi Wapota


Instituto Superior Politécnico da Huila da Universidade Mandume ya Ndemufayo
Comuna da Arimba, Rua principal, Cel:+244 922 222 492; Tel.+244 925 46 69 49;
Fax:+244 261 22 50 77; www.isph.ed.ao, CP 201 Lubango – Republica de Angola
E-mail: [email protected]/ [email protected]

Rui Manuel Fialho Franganito


Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa
Avenida Miguel Bombarda, 20 – 1069-035 Lisboa Portugal; E-mail: [email protected]

I. Introdução
Desde a sua fase embrionária até aos dias de hoje, a revolução técnico-científica indu-
ziu mudanças significativas nas relações sociais, nas práticas culturais e na forma de
conservar e preservar a sua memória, a histórica e cultural de geração em geração.
Segundo Alvin Toffler (Toffler, 1980), a sociedade humana conheceu três grandes
ondas da revolução técnico-científica, nomeadamente:
i) A revolução agrícola, há 800 anos atrás, decorrente do cultivo da terra como
factor de produção da riqueza;
ii) A revolução industrial, há 300 anos atrás, decorrente da manufactura e comercio,
e tinha o capital como factor de produção da riqueza;
iii) A revolução informacional ou sociedade do conhecimento, que surgiu há 50
anos atrás, decorrente da produção do conhecimento como factor de criação da
riqueza.
A sociedade do conhecimento é caracterizada pela mudança de paradigma, redes,
computadores, colaboração e interdisciplinaridade. Na sociedade do conhecimento, os
computadores e telecomunicações têm um papel importante nas mudanças, que são tam-
bém económicas, sociais, culturais, politicas, religiosas, institucionais e até mesmo filo-
sóficas ou mais precisamente, epistemológicas1.

1. Epistemologia significa ciência, conhecimento, é o estudo científico que trata dos problemas relaciona-
dos com a crença e o conhecimento, sua natureza e limitações. É uma palavra que vem do grego. A epistemo-
logia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento, e também é conhecida como
teoria do conhecimento e relaciona-se com a metafísica, a lógica e a filosofia da ciência. É uma das principais
áreas da filosofia, compreende a possibilidade do conhecimento, ou seja, se é possível o ser humano alcançar o
conhecimento total e genuíno, e da origem do conhecimento. A epistemologia também pode ser vista como a
filosofia da ciência. A epistemologia trata da natureza, da origem e validade do conhecimento, e estuda também
o grau de certeza do conhecimento científico nas suas diferentes áreas, com o objectivo principal de estimar a
sua importância para o espírito humano. A epistemologia surgiu com Platão, onde ele se opunha à crença ou
opinião ao conhecimento. A crença é um ponto de vista subjectivo e o conhecimento é crença verdadeira e jus-
tificada. A teoria de Platão diz que conhecimento é o conjunto de todas as informações que descrevem e expli-
cam o mundo natural e social que nos rodeia.

XXIX Encontro AULP | 149


Nestas grandes mudanças, a tecnologia beneficia e sobrepõe algumas culturas sobre
outras, pondo em risco de extinção daqueles que menos se adaptarem aos novos paradig-
mas de pensar e agir.
O actual processo de globalização que tende não só a unificação de todos os povos e
países do planeta terra, nas suas dimensões tecnológica, politica, económica e sociocultu-
ral, pode pôr em risco a identidade cultural daqueles povos que têm pouca ou quase nada
das capacidades humanas e tecnológicas para produção de conteúdos históricos e cultu-
rais e sua diminuição pelas mídias, e em plataformas digitais como a internet, museus e
bibliotecas virtuais.
Nestas condições, como virtualizar a memória histórica e cultural das pequenas comu-
nidades? Como e o quê resgatar, para sua digitalização e virtualização como forma de
conservar e preservar o património cultural material e imaterial dessas comunidades?
Como usar as tecnologias de informação e comunicação(TICs) como ferramenta de inclu-
são social e cultural das comunidades rurais, no mundo globalizado?
O presente artigo tem por objectivo apresentar alguns resultados de projecto integrado
e-Otyioto ainda em curso desde 2012, e que visa o resgate, digitalização e virtualização
do património histórico e cultural, material e imaterial de Angola. Pretende-se criar um
portal cuja informação é organizada por regiões designadas por culturalmente semelhan-
tes (RCS), não obedecendo, necessariamente, as fronteiras étnicas, mas pelas caracterís-
ticas comuns das etnias que coabitam no mesmo espaço geográfico no contexto do terri-
tório angolano.
Cada Região Culturalmente Semelhante (RCS) corresponde a uma Base de Dados
Multidimensional por sectores de actividades dessas comunidades, e são designadas em
função dos títulos dos antigos soberanos em Angola. Foram identificadas 6 regiões cultu-
ralmente semelhantes, nomeadamente, a Nthotila, na região cultural Congo, a Ngola, na
região cultural Ambundu ou kimbundu, a Mwatiamvwa, na região cultural Lunda-
-Tchokwe ou Tchokwe, a Soma na região cultural Umbundu, a Mwene na região cultural
Nganguela, e a Ohamba, na região culturalmente semelhante, onde coabitam os Ovahe-
rero, Ovanhaneka-Nkhumbi ou Ovanyaneka, os Ovambo, os Ovakwangar, os Vatua,
Kwisi e Nkhoi-San.
A cada designação da base de dado dimensional das regiões culturalmente semelhan-
tes é adicionado o prefixo ‘e’, por exemplo, e-Ngola, o que indica o conceito de digitali-
zação e consequente virtualização da região cultural Ngola, ou melhor Ngola Virtual.
O conjunto de base de dados dimensionais forma a espécie de uma Base de Dados
Multidimensional, uma Datawarehouse, cujo acesso é feito através do portal e-Otyioto.
Otyioto do Nhaneka, é um espaço físico, um santuário onde os ancestrais das comu-
nidades Nhaneka-Nkhumbi, em Angola transmitiam e preservavam a sua cultura e tradi-
ções de geração em geração. Portanto, e-Otyioto, é algo como o Otyioto virtual, a virtu-
alização do Otyioto.
Adoptou-se por estudo exploratório de natureza sistémica, uma vez que o tema esco-
lhido e a analise do mesmo requerem uma abordagem multidisciplinar. É introduzido o
conceito de e-Atropology (virtualização da antropologia do ponto de vista cultural e so-
cial), como processo de estudo, organização e interacção nos espaços culturais virtuais, a
cibercultura.

150 | XXIX Encontro AULP


No fim são apresentados alguns resultados do presente trabalho em curso na região
culturalmente semelhante e-Ohamba, com destaque aos pontos de alfabetização digital
e recolha de dados, designados por Oficinas de inclusão digital vs Inclusão Social
(OIDvsIS), para resgate, digitalização e inovação de alguns artefactos e manifestações
culturais desta região, como Engolo (a capoeira), Ombangula ou Onkhandeka (luta de
mãos), Elumba (dança ambo), Ovipiluka ou Ovindjomba/Omandjomba (dança nhya-
neka e herero), entre outras manifestações artísticas e culturais.

II. Revisão Bibliográfica


Estudos sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação na preservação do
património cultural e novos espaços de interacção humana, o ciberespaço e cibercultura,
foram realizados por vários cientistas da actualidade.

2.1. Património Cultural material e imaterial, identidade cultural na era da so-


ciedade de informação e conhecimento.
Segundo Gómez, Freitas e Callejas (2007, p. 243), “apesar da tendência universal
implícita no processo de globalização, a humanidade ainda se desenvolve na dialéctica
modernidade-tradição”. A tradição é reflexa do passado que o homem foi traçando e tor-
nando permanente, e que hoje se reflecte nas suas diferentes dimensões.
É comum entender o conceito património como um conjunto de artefactos construí-
dos, monumentos, paisagens, sítios turísticos e cultura material de um povo que represen-
ta a sua identidade.
Entretanto, o património cultural pode ser definido em duas categorias fundamentais:
a) Património cultural material, quando se refere aos bens culturais móveis e imó-
veis, visíveis e tangíveis, e
b) Património Cultural imaterial, quando se refere as criações intangíveis, como a
música, lendas, danças, procedimentos e técnicas tradicionais, entre outras mani-
festações culturais associadas a historia, a cultura e identidade de um povo.

No âmbito mais alargado utilizado nesta pesquisa e no seu suporte teórico, a con-
cepção de cultura está relacionada com as vertentes social, material e mental como
agregadores da identidade e memória que possibilitam a interação entre cultura e ciên-
cia cognitiva com suporte das novas tecnologias. Assim, a cultura digital será a repre-
sentação e relação da dinâmica social (indíviduo, grupo e instituição) material (artefac-
tos) e mental (valores, crenças e atitudes) que em simbiose determinam comportamentos
no contexto da sociologia do conhecimento. Paralelamente é também um objectivo re-
alizar o levantamento das tradições orais para redefinir a cibercultura actual com recur-
so a valores tradicionais com sustentabilidade sociológica, antroplógica e ambiental
com retorno e valor acrescentado para as comunidades envolvidas neste processo de
inclusão digital. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:5
2014XG0614(08)&from=EN
A sociedade de informação e conhecimento reduziram as fronteiras culturais, tornan-
do-as menores, e proporcionando uma convergência de processos, sistemas e pessoas. O
grande desafio do momento é a manutenção das identidades locais num mundo globaliza-

XXIX Encontro AULP | 151


do. O património cultural é garantia da identidade cultural e de sobrevivência dos povos,
porque é produto e testemunho da história da sua existência. Um povo sem cultura, é uma
sociedade sem capacidade de escrever a sua própria história e, portanto, sem condições de
traçar o seu futuro.
A alternativa disponível para preservação do património cultural dos povos no contex-
to da sociedade de informação e conhecimento, é identificar para resgatar e digitalizar
para virtualizar o patrimonio cultural material e imaterial, criando websites, portais, bi-
bliotecas virtuais e estabelecendo espaços culturais virtuais.

2.2. Actual vs virtual


Segundo Pierre Lévy (Lévy, 1997), o virtual é a ausência de existência, ilusão, o que
existe em potência. Por exemplo, a árvore está virtualmente na semente. Por conseguinte,
a virtualização é a passagem do actual para o virtual, do tangível para o intangível, do que
existe em acto, para o que existe em potência.
Segundo Michel Serres, citado por Pierre Levy (Levy, 1996), a imaginação, a memo-
ria, o conhecimento, a religião são vectores de virtualização que fizeram abandonar a
presença muito antes da informatização e das redes digitais. No espaço virtual cria-se a
sensação do desaparecimento dos conceitos de tempo e espaço. O texto no papel ocupa
uma posição definida do espaço físico, porém, o hipertexto em suporte digital ocupa vir-
tualmente todos os pontos da rede ao qual está conectada a memória digital onde se inse-
re o seu código.
Um pensamento se actualiza num texto, e um texto numa leitura, numa interpretação.
A virtualização cria espaços culturais virtuais no ciberespaço, e pode torna-los actuais ou
tangíveis recortando o tempo clássico em determinadas situações para escapar em lugares
comuns da realidade em regime de imitação. As características da virtualização como a
ubiquidade, simultaneidade, distribuição mídiada ou massiva e paralela de conteúdos
hipermédias (textos, sons, vídeos), tornam-na em potente ferramenta de conservação,
preservação e disseminação de informação e conhecimento, seja ele popular (empírico),
filosófico, teológico ou científico. A virtualização leva a globalização cultural, a unifica-
ção de um lado ou a perca de identidade cultural de alguns povos.

2.3. Portais Web do património cultural e histórico


Um portal Web é um site na internet que agrupa e disponibiliza vários conteúdos e ou
serviços de fontes diferentes de modo uniforme para diferentes públicos de acordo com
seu interesse. Diferentemente de uma WebSite, um portal serve de ponto de acesso para
uma serie de outros sites ou subsites, internamente ou externamente ao domínio ou sub-
domínio da empresa gestora do portal.
Um portal Web traz informação contextualizada e verticalizada para o seu publico,
permitindo um ambiente propício para relação entre quem produz e quem consome a in-
formação. Por exemplo, um portal com serviços de atendimento ao cliente.
Segundo Cláudia Augusto Dias (Dias, 2001), para manter a relação de colaboração
com os utilizadores, um portal deve dispor de recursos para permitir a interacção actual,
relevante e de fácil recuperação para o público-alvo.
Entre as ferramentas que um portal Web deve ter, podemos destacar:

152 | XXIX Encontro AULP


a) SDK Web-Software Development Kit for Web, Kit de software para desenvolvi-
mento Web
b) WCMS-Web Content Management System, Sistema de gestão de conteúdos Web
c) Ferramentas para Integração de Sistemas
d) Ferramentas para serviços sociais: Diversão, compartilhamento, colaboração, co-
mentários etc.

Portal Web do património cultural e histórico, é um site na internet que agrupa e


disponibiliza vários conteúdos e ou serviços sobre o património cultural e histórico
material e imaterial, tendo como população alvo agentes e interessados `a indústrias
culturais. Quanto ao contexto, este tipo de portais são de carácter publico ou de consu-
midores, porque prevê ao consumidor uma única interface, pois, estabelece um canal de
relacionamento unidireccional com os seus visitantes (internautas) e constitui-se em
uma midia adicional de marketing cultural dos seus acervos e artefactos. Quanto a fun-
ção, o portal Web do património cultural e histórico pode ter uma característica de
portais de negócios e de apoio a decisão, porquanto pode conter um modulo de venda
dos seus produtos, bem como gerar informações úteis ao processo de tomada de decisão
no sector.

Figura 1 – Elementos de um modelo conceitual de um portal de informações culturais e históricas adaptado


de Shilakes & Tylmar[41]

XXIX Encontro AULP | 153


Figura 2 – Principais componentes de um portal Web do património Cultural e histórico. Adaptado de White[48]

Seguem-se alguns exemplos de Portais do património Cultural e histórico.

Figura 3 – Portal do Património Cultural de Portugal

Figura 4 – Portal do Património Cultural da Rússia

154 | XXIX Encontro AULP


Figura 5 – Ensaio do Portal do Património Cultural e histórico e-Otyioto(Angola)

III. Metodologia
Segundo Minayo (1994), a pesquisa é uma actividade básica da ciência na sua inda-
gação e construção da realidade.
Atendendo a complexidade, a heterogeneidade e a multidisciplinaridade do tema em
abordagem, no presente artigo adoptou-se por estudo exploratório de natureza sistémica,
utilizando abordagens qualitativas e quantitativas com procedimentos de estudo de casos
múltiplos2, e uso de métodos de recolha de dados como entrevistas, observação, questio-
nários, revisão bibliográfica e análise de dados.
É um dos objectivos do projecto integrado e-Otyioto a criação de um portal do patri-
mónio cultural com uma Base de Dados Multidimensional em BackOffice, não só com
informações de valor cultural, mas também capaz de apoiar os processos de tomada de
decisão de carácter cultural, analisando e estabelecendo padrões e tendências por regiões
culturalmente semelhantes, numa sequência de Dados, Informação e Conhecimento.

Figura 6 – Pirâmide Dados, Informação, Conhecimento

2. Estudo de casos múltiplos: realiza-se quando os investigadores estudam dois ou mais sujeitos, situações
ou depósitos de dados.

XXIX Encontro AULP | 155


A organização do portal faz-se por 6 regiões culturalmente semelhantes, correspon-
dendo a cada, uma base de dados dimensional, formando a Data Warehouse de Informa-
ção dos patrimónios Histórico, Cultural e Natural.

Figura 7 – 6 Regiões Culturalmente Semelhantes de Figura 8 – Proposta do Portal e-Otyioto


Angola (RCS) do Projecto e-Otyioto

Tabela 1 – RCS do portal e-Otyioto, regiões culturais e respectivas designações de Base de Dados Nr
Designação da RCS Região Cultural Base de Dados/WebSite

Designação Base de Dados/


Nr Região Cultural
da RCS WebSite
1 NTHOTILA Congo/Bakongo e-Nthotila
2 NGOLA Ambundu ou kinbundo e-Ngola
3 MWATIAMVWA Lunda-Tchokwe ou Tchokwe e-Mwatiamvwa
4 SOMA Umbundo e-Soma
5 MWENE Nganguela e-Mwene
Ovaherero, Ovanhaneka-Nkhumbi, os Ovambo, os
6 OHAMBA e-Ohamba
Ovakwangar, os Vatua, Kwisi e Nkhoi-San.

O processo de recolha de dados para digitalização e virtualização do património cul-


tural adoptado neste artigo, obedece os seguintes passos:
1) Identificar:
a. Locais em Regiões Culturalmente Semelhantes(RCS)
b. Indivíduos fontes orais por RCS
c. Arte: Padrões e artefactos por RCS
d. Hábitos e costumes
e. Sitos

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f. Factos
g. Realizar Survey: observações, entrevistas e constatações
h. Realizar revisão bibliografica
i. Fazer Busca na Web
Resultado 1: DADOS histórico-culturais e identificados

2) Resgatar
a. restaurar
b. registar
c. filmar
d. gravar
e. fotografar
Resultado 2: INFORMAÇÕES histórico-culturais estruturadas e registadas

3) Digitalizar
a. textos
b. vídeos
c. imagens
Resultado 3: BASE DE DADOS DIGITAIS de Informações do Património Cultu-
ral e histórico

4) Virtualizar
a. criar websites e portais
b. criar bibliotecas virtuais
c. Criar museus Virtuais
d. Estabelecer Links
Resultado 4: Informação e CONHECIMENTO

5) Inovação Cultural
a. Produção artística Digital
b. Novos produtos culturais inovadores
c. Cibercultura: Espaços virtuais de colaboração e redes sociais
Resultado 5: interacção, colaboração em Plataformas Virtuais, novas indústrias cul-
turais, ensino das línguas nacionais em Ambientes virtuais de Aprendizagem
(AVAs), como por exemplo, o ensino do OluNyaneka, Oshiherero, Olumbundu ou
OshiWambo usando a plataforma AlfaBantu ou Moodle.

IV. Portal Web e-Otyioto


O objectivo que se pretende alcançar com o Projecto Integrado e-Otyioto é desenvol-
ver um Portal com a mesma designação que permita a inserção e consultas georreferen-
ciadas dos patrimónios cultural, histórico e natural por regiões culturalmente semelhantes
de Angola (RCS).

XXIX Encontro AULP | 157


Tratando-se de um portal do património cultural, para além do português e inglês, e
com vista a valorizar as línguas nacionais em Angola, os conteúdos no portal e-Otyioto
serão também expressos em línguas nacionais inseridas nas RCS.
Quanto ao público alvo, o portal e-Otyioto deverá conter ferramentas e Interface ami-
gável ao utilizador, permitindo-lhe utilizar e visualizar em qualquer dispositivo.
Quanto a constituição, o portal e-Otyioto deverá ser constituído por duas componen-
tes fundamentais:
a) BackOffice com o grande repositório de dados Data Warehouse com ferramentas
de mineração de Dados e apoio a decisão. Essa componente do portal só será aces-
sível a equipa de administração dos conteúdos para inserção e analise;
b) Portal Web (www.e-Otyioto.ao), acessível por qualquer utilizador que queira con-
sultar, pesquisar ou adquirir algum conteúdo do património cultural por RSC.

As figuras a seguirem, ilustram a modelação dimensional da DW e-Otyioto em esque-


ma estrela.
O esquema em estrela é uma estrutura de organização de base de dados constituída por
uma tabela de factos associada a varias tabelas de dimensão na modelação dimensional
(MD). Modelação dimensional, é uma metodologia de modelar os dados de maneira a
tornar fácil a interacção entre a aplicação e o utilizador final, e o alto desempenho no
processamento de queries. Ao contrario da MD, a modelação relacional (MR) usa a abor-
dagem Entidade-Relação (E-R). Na modelação dimensional, a simetria do desenho e a
simplicidade são as qualidades mais notáveis deste tipo de modelação de dados.

Figura 9 – Modelo da DW e-Otyioto em esquema Estrela

158 | XXIX Encontro AULP


Figura 10 – Modelação dimensional das Data Mart das Regiões culturalmente semelhantes em 3 dimensões

V. Resultados
Sendo um projecto integrado, os resultados do projecto e-Otyioto são apresentados
por subprojectos que potenciam os processos de recolha, estruturação, digitalização e
divulgação da informçãono portal por RCS.

5.1. Oficinas de Inclusão Digital vs Inclusão Social


Objectivo Geral: Promover a Inclusão Social das Comunidades Desfavorecidas, fun-
damentalmente das áreas rurais, através de Inclusão Digital, inovação cultural e de De-
sign, como forma de resgate e preservação da cultura, história, arte e tradições Angolanas
diante do processo de Globalização. De facto, as oficinas são centros de alfabetização
digital das populações locais para fazerem parte do processo da recolha e digitalização da
informação para o portal.
Resultados obtidos:
Fez-se o levantamento de dados junto das comunidades na região RCS Ohamba

Figura 11 – Interacção com a comunidade Nkhoi –San na Mupa/Cunene

XXIX Encontro AULP | 159


5.1.1. Fez-se o levantamento de dados junto das comunidades na região RCS
Ohamba
A primeira fase de implementação foi concluída, financiada pelo Ministério da Ciên-
cia e Tecnologia. Foram realizados dois workshops em operação com Internet pela VSAT
e ADSL, em Manquete e Kaluquembe, respectivamente. 10 Computadores e 4 formado-
res estão baseados na oficina da comuna de Mupa (Cunene) sem acesso à Internet por
falta de fundos para o pagamento da subscrição do sinal; e uma antena VSAT Yacklick em
Tchavola mas sem sinal.

Figura 12 – Instalacao da antena VSAT na Oficina do Manquete

Entre 2013 a Março de 2016 fez-se a alfabetização digital de 136 capacitados, dos
quais 132 cidadãos + 4 formadores em Informática Básica nacionais das áreas periféricas
e rurais, dos quais:
a) 30 na Tchavola/Arredores da cidade do Lubango
b) 20 na no Manquete – nas Profundezas da comuna do Mucope, província do Cune-
ne. A entrega de certificados realizada em Outubro de 2016.
c) 82 em Kaluquembe na província da Huila.

Figura 13 – Alfabetização digital nas Oficinas de inclusão Digital Vs inclusão Social nas localidades rurais,
na RCS Ohamba

160 | XXIX Encontro AULP


Figura 14 – Mapa de localização das Oficinas de inclusão digital Figura 15 – Aluna beneficiaria da
Vs Inclusão Social na RCS Ohamba Oficina em Manquete

Prémios atribuídos

Medalha de Ouro no Concurso nacional Medalha de prata no Concurso internacional de


(Feira do Inventor e Criador invenções, ideias e novos produtos em Nuremberg
Angolano-FEICA/MINCIT) em (Alemanha) Outubro-2014.
Luanda-Agosto 2014.

5.2. Arte e Design


Foram concebidos nos produtos na base dos artefactos e padrões locais OSAMA-
KAKA, ONDELELA E PINTADO da RCS Ohamba

XXIX Encontro AULP | 161


Figura 16 – Artefactos inovados em padrões Osamakaka, Ondelela e Pintado

Idealizou e prevê-se a produção em massa do Xadrez Histórico de Angola-1845-1945,


que usa as peças que ilustram as personalidades históricas de Angola na guerra de resis-
tência a ocupação colonial, num lado, e noutro, as personagens Portuguesas naquela guer-
ra de ocupação entre os anos 1845 a 1945. O referido Xadrez tem os valores Didáctico,
Histórico, Cultural, Desportivo e Comercial.

Figura 17 – Xadrez Historico de Angola – 1845 a 1945 Figura 18 – Pequenos negocios com
base nos produtos resultantes do
resgate e inovação dos artefactos e padrões locais

5.3. Artes marciais, resgate do Engolo: Engolo vs Capoeira Brasileira


Fez-se expedições na RCS Ohamba para o resgate das raízes angolanas da capoeira
(o Engolo), com os investigadores cobra Mansa, da Universidade de Bahia (Brasil), e
Mathias de Assunção da Universidade de ESSEX, na Inglaterra.

162 | XXIX Encontro AULP


Figura 19 – Muhalambandja, Mestre do Engolo, da Comuna do Mucope/Cunene, instruindo os Mestres Cobra
Mansa da Capoeira Brasileira(Bahia) e Mathias de Assunção da Universidade de ESSEX, na Inglaterra

Figura 20 – Mestre clássico do Engolo, Angelino Ngongolo Figura 21 – Manifestação preparativa


(In Memory), fazendo demonstrações de golpes de Engolo na de um guerreiro diante de um combate:
Santa Teresinha/Mucope/Cunene Okuhavava (em Olunyaneka)

Figura 22 – Combate Engolo vs Capoeira: Mestre de Engolo (no Humbe/Cunene) vs Mestre Cobra Mansa
(Brasil)

XXIX Encontro AULP | 163


Figura 23 – Ombangula na Humpata/Huila, Onkhandeka no Mucope/Cunene vs Luta de Mãos no Brasil com
Mestre Cobra Mansa

Figura 24 – Softwares de Apoio a decisão Figura 25 – Ludificação /Animação


DSS e-Otyioto de Lendas de Cabinda

Figura 26 – PenDrivers 4 GB em padrões Culturais locais

164 | XXIX Encontro AULP


VI. Discussão
A dimensão e a complexidade do projecto exigem uma abordagem sistémica e multi-
disciplinar, para se tirar melhor proveito dos resultados que dele se espera. Trata-se de um
projecto ao longo prazo, visando a digitalização e vitalização do património cultural de
Angola, como forma de resgate, preservação e divulgação da identidade do povo angola-
no, que muito se perdeu durante os 500 anos de colonização portuguesa, guerra civil, e
corre ainda o risco com o processo de globalização. Salienta-se a importância da digitali-
zação e da acessibilidade online ao material cultural, bem como da preservação digital.
Este processo permite o acesso de todos à cultura e ao conhecimento na era da sociedade
do conhecimento, promovendo a riqueza e a diversidade do património cultural Angola-
no. O material cultural digitalizado constitui um importante recurso para as indústrias
culturais e criativas inovadoras angolanas, impulsionando a diversificação da economia e
a criação de emprego dando sustentabilidade ao sector do Turismo em Angola.
Há necessidade de um conjunto de acções para intensificar os esforços de digitaliza-
ção, incluindo, a partilha das actividades de recolha de dados, sistematização da informa-
ção e do financiamento, parcerias público-privadas para incentivar utilizações inovadoras
do material, melhores condições de digitalização e acessibilidade online ao material pro-
tegido por direitos de autor.
Os intervenientes no projecto consideram importante começar o processo de resgate e
digitalização do património cultural material e imaterial nas áreas rurais, porquanto é aí
onde ainda os vestígios da identidade cultural angolana prevalecem, sem desprimor, na-
turalmente, das áreas urbanas.

VII. Conclusão
Os resultados do primeiro teste do projecto no que toca a inclusão social por meio de
inclusão digital, são satisfatórios. Foram criadas bases para a fase de recolha e digitaliza-
ção de dados e informações nas oficinas de inclusão digital que servem como pontos de
recolha de dados das refereidas localidades rurais, e a sua aposterior inserção no Portal
web e-Otyioto.
A adesão da população ao projecto de Inclusão Digital vs Inclusão Social pode ser
considerado de nível muito alto.
Conseguiu-se identificar e compreender as questões problemáticas do processo de
inclusão digital, resumidas em 4 categorias de recursos sem as quais não é possível falar-
-se de inclusão digital, como forma de inclusão social, nem da digitalização e virtualiza-
ção do patrimonio cultural de Angola, nomeadamente:
• Recursos Materiais (acesso às máquinas e à conexão – infraestrutura tecnológica)
• Recursos Digitais (material que se encontra disponível online – Conteúdos)
• Recursos Humanos (orientação para o desenvolvimento das capacidades, compreen-
são e pesquisa – Capacitação)
• Recursos Sociais (estruturas sociais, comunitárias e institucionais que dão suporte ao
acesso às TIC – Organização). Conclui-se que a inclusão digital contribui para o
desenvolvimento sócio-económico de toda a sociedade e ajuda a reduzir as assime-
trias entre as zonas rurais e urbanas.

XXIX Encontro AULP | 165


Referências Bibliográficas
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Lèvy, Pierre. Inteligência coletiva: para uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2007.
https://rafaelpiton.com.br/data-warehouse-modelagem-dimensional/; acessado aos 30 de Junho de 2018
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Report on Increasing the Compettiveness of the Cultural Heritage Sector in Armenia,. Project Title: Eastern
Partnership Culture Programme II ENPI /2014/353745 British Council Date 24th February 2017

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Armadilhasvi suais:
as “profecias” de Randolpho Lamonier

Maria do Carmo de Freitas Veneroso


Departamento de Artes Plásticas, Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil;
E-mail: [email protected]

1. Introdução
A linguagem afastar-se-á do consenso, e exprimirá o desejo e a imaginação
Abdul Varetti

Através do estabelecimento de diálogos com Boris Groys, que discute “quando e em


que condições a arte parece estar mais viva”, e Michel Foucault, na sua abordagem de
“espaços outros”, onde ele trata as utopias como alocações sem lugar real, será feito um
recorte na obra de Randolpho Lamonier, que se insere em uma vertente da arte brasileira
formada por artistas tais como Arthur Bispo do Rosário e Leonilson, que exploram as
relações entre palavra e imagem, através do uso do bordado e de estandartes como meios
expressivos. Também uma aproximação entre os trabalhos de Lamonier e do artista por-
tuguês Álvaro Lapa será explorada, tratando do tema das “profecias” na obra de ambos.

2. A trajetória artística de Randolpho Lamonier


Randolpho Lamonier nasceu em Minas Gerais, Brasil, em uma família de operários,
na cidade de Coronel Fabriciano e viveu sua infância e adolescência em Contagem. É a
partir dos contrastes entre o ambiente industrial da periferia de Contagem, e grandes cen-
tros urbanos, que o artista desenvolve suas poéticas, utilizando o paradoxo como recurso
expressivo. Originário da periferia urbana, com suas privações e sensação de vulnerabili-
dade, ele começou a ter acesso ao circuito da arte a partir de 2012, quando transferiru-se
para Belo Horizonte, capital do estado, tendo ingressado na Escola de Belas Artes da
UFMG para cursar Artes Visuais. Começou sua produção artística pintando composições
abstratas e posteriormente aspectos políticos e sociais passaram a integrar sua poética,
com a incorporação, também, de vários materiais, entre eles o tecido, que tem sido usado
em suas obras mais recentes. No trabalho com costura e bordado em tecido, ele aponta sua
mãe como a principal referência: “Ela trabalhava costurando bancos de carros, e agora
que se aposentou, nós temos feito coisas juntos” (Como citado por Siquara, 2019). Atra-
vés de diversas linguagens e mídias, Randolpho trata de questões identitárias, no nível
individual e coletivo, tais como o papel das mulheres, dos negros, dos índios e da popu-
lação LGBT, na sociedade, focalizando ainda o déficit de habitação, e a exploração do
trabalhador, através de uma abordagem micro-política. Ele atua nos problemas da socie-
dade, entrando dentro do próprio sistema para descontruí-lo, estratégia usada nas suas
“Profecias”, série que será abordada nesse texto, na qual ele apresenta, em um horizonte
utópico, previsões do futuro que tocam nas questões citadas acima.

XXIX Encontro AULP | 167


3. As “Profecias” de Lamonier
Profecia, latim cristão profhetia, do grego prophethéia ‘predição, profecia, dom da
profecia, explicação dos livros sagrados pela inspiração do Espírito Santo’, é um relato,
religioso ou não, no qual se afirma prever acontecimentos futuros. É assim que Randolpho
Lamonier, através de suas “profecias”, anuncia um futuro utópico, no qual desigualdades
são dissolvidas, e acontecimentos idealizados e improváveis se tornam realidade.
O trabalho desenvolvido por Lamonier, envolvendo palavras e imagens através de
costura e bordado em tecido, remete diretamente a uma linhagem de artistas brasileiros
formada, entre outros, por Arthur Bispo do Rosário e Leonilson. Porém, enquanto os
trabalhos desses artistas podem ser considerados “textos de fronteira”, quando Bispo tra-
balha no limite entre a saúde e a doença mental, e Leonilson reflete sua luta contra a AIDS
nas suas obras, Randolpho Lamonier utiliza esse meio, da costura e do bordado de pala-
vras e imagens, para discutir temas atuais e urgentes do nosso tempo, por um viés político
e ativista.
Pode-se considerar os contextos em que Leonilson e Lamonier nasceram e cresceram
como determinantes na sua produção artística. Leonilson fez parte da chamada Geração
80, e começou pintando grandes telas, em trabalhos próximos da linguagem pop. Durante
sua juventude, o Brasil atravessava um clima de euforia, associada ao momento político
em que o país se encontrava: o fim da ditadura militar, a abertura política e as Diretas Já,
com os jovens nas ruas em grandes manifestações, gerando um clima de otimismo.
Já os anos finais de Leonilson foram marcados por uma sensação de sobrevivência,
provocada pela descoberta da AIDS. Nesse período, ele passou a utilizar cada vez mais
palavras e imagens bordadas em tecidos, produzindo um trabalho íntimo e confessional,
um diário pessoal, onde a ambiguidade está presente em suas frases – “São tantas as ver-
dades” – e nas palavras soltas: puros e duros – ouro de artista – ilusões (Figura 1).

Figura 1 – Leonilson. Puros e duros, 1991. Bordado e pedras sobre voile, 24 × 20 cm.

A obra de Bispo é marcada pelo delírio – “Eu preciso dessas palavras. escrita” (Figu-
ra 2). O corpo está presente em suas obras assim como está presente na obra de Leonilson.

168 | XXIX Encontro AULP


A arte desses dois artistas é politica, sem ser partidária ou panfletária, tendência recorren-
te nos anos 1990, trazendo em seu bojo o discurso das minorias e as contradições acirra-
das dos problemas de raça, gênero, classe, geração, local institucional, localidade geopo-
lítica, orientação sexual, temas esses que seriam cada vez mais presentes na arte. Essa
temática também conecta esses dois artistas a Lamonier. Porém, diferentemente do traba-
lho de Leonilson e de Bispo, o trabalho de Randolpho tem um tom mais partidário e
panfletário, em consonância também com o clima político atual, no Brasil, marcado pelas
polarizações e pelo extremismo.

Figura 2 – Arthur Bispo do Rosário. Eu preciso dessas palavras. escrita. Estandarte (bordado sobre tecido),

A série “Profecias”, de Randolpho Lamonier, composta por estandartes costurados e


bordados em tecido, medindo 155 x 185 cm cada um, atrai o espectador, através de cores
vivas e uma fatura elaborada. Porém, como em uma armadilha visual, as mensagens
veiculadas mostram uma outra realidade, utópica, essencialmente política, que traz à
tona questões correntes, mostrando que a arte ainda tem o poder de provocar, resistindo
ao status quo, e propondo, hipoteticamente, soluções para problemas atuais, vividos pela
sociedade, em frases tais como: “Guerreirxs guarani kaiowá vencem luta por sua terra
ancestral – 2034” (Figura 3). Assim, através de textos e imagens, novas narrativas são
criadas.

XXIX Encontro AULP | 169


Figura 3 – Randolpho Lamonier. Da série Profecias. Guerreirxs Guarani Kaiowá vencem luta por sua terra
ancestral – 2034. 2018, bordado, colagem e costura em tecido, 155 x 185 cm.

Michel Foucault (2013), no seu conhecido texto, “De espaços outros”, onde ele discute
o espaço em que vivemos, aborda as utopias como alocações sem lugar real. Assim, “são as
alocações que mantêm com o espaço real da sociedade uma relação geral de analogia dire-
ta ou invertida. É a própria sociedade aperfeiçoada, ou é o inverso da sociedade; mas, de
toda forma, essas utopias são espaços fundamentalmente, essencialmente, irreais” (Fou-
cault, 2013, p. 115), não assumindo um lugar concreto. É o que pode ser percebido nas
obras de Lamonier, quando o artista apresenta soluções utópicas para problemas reais, atra-
vés do paradoxo. Boris Groys vê a arte contemporânea como “local de revelação do para-
doxo que administra o equilíbrio de poder”, e considera que “a maior dificuldade de lidar
com a arte moderna é nossa relutância em aceitar interpretações paradoxais e auto-contra-
ditórias como adequadas e verdadeiras” (Groys, 2015, p. 15). O autor vai mais longe, ao
afirmar que “na realidade, ser um objeto paradoxo é exigência normativa implícita na exe-
cução de qualquer obra de arte contemporânea” (Groys, 2015, p. 24), e ele continua

A arte contemporânea é excesso de gosto, inclusive de gosto pluralista, excesso de igualda-


de democrática. Esse excesso tanto estabiliza quanto desestabiliza o equilíbrio democrático
do gosto e do poder ao mesmo tempo. Na realidade, esse paradoxo é o que caracteriza a arte
contemporânea na sua totalidade. (Groys, 2008, p. 14).

Assim, de diferentes maneiras, artistas contemporâneos exploram relações parado-


xais, materializando tese e antítese.
Também o artista e escritor português Álvaro Lapa, tal qual Lamonier, assume o lugar
do profeta, transcendendo o seu tempo, sem deixar de falar dele. Assim, é através de uma
ideia difusa de atemporalidade, que suas obras são construídas. Miguel von Hafe Pérez,
curador da retrospectiva da obra de Álvaro Lapa, No Tempo Todo, realizada no Museu de
Serralves, afirma que o artista foi aquele que “melhor refletiu a esquizofrenia de um país
no estertor da ditadura e que viria a viver a energia libertária da revolução. Poucos, como

170 | XXIX Encontro AULP


ele, conseguiram tão rapidamente identificar o quanto essa utopia estava a ser dilacerada”
(Como citado em Marmeleira, 2018).
Uma das obras de Álvaro Lapa, “As profecias de Abdul Varetti, escritor falhado” (Fi-
gura 4), é um conjunto de painéis em lona de cor crua, presos a simples estruturas de
ferro, nos quais o artista bordou um conjunto de aforismos e ditados que proclamam no-
vos modos de vida e de experiência.

Figura 4 – Álvaro Lapa. As profecias de Abdul Varetti, escritor falhado. 1972, bordado sobre tecido,
estrutura metálica.

“Há neste trabalho uma afirmação absolutamente luminosa do que seria uma sociedade
utópica”, considera Miguel von Hafe Pérez, “em que há uma espécie de equiparação do
humano e do natural, algo que em termos sociais surge como um igualitarismo vital” (Como
citado em Marmeleira, 2018). Essa série, de cerca de 1972, apresenta um momento ímpar
e marcante na obra do artista, tanto pelo afastamento da pintura, e pelo uso de materiais
“pobres”, quanto, e, principalmente, pela introdução de um elemento que, a partir daí, con-
tinuará a povoar seu trabalho: a linguagem escrita. Hafe Pérez pontua que “o fato de atribuir
a autoria a Abdul Varetti não funciona em termos de heteronomia. É uma personagem que
lhe aparece entre o sonho e a realidade e que tem a ver com essa visão utópica, solar da
realidade” (Como citado por Marmeleira, 2018). Tal qual Randopho Lamonier, Lapa tam-
bém pratica o engajamento político. Porém, nas suas profecias, sua abordagem é mais
fluida e subjetiva. Ao tratar da temática religiosa, por exemplo, Lapa profetiza que:

AS RELIGIÕES SERÃO
DESCONSIDERADAS. A EXPERI-
ÊNCIA MÍSTICA SERÁ RE-
CONHECIDA, E UM FATO
COMUNICÁVEL.

XXIX Encontro AULP | 171


Já Arthur Bispo do Rosário se via como um mensageiro de Deus, que teria vindo do
céu com a missão de refazer o mundo para apresentá-lo a Ele no dia da passagem. Bispo
confecciona o “Manto da Apresentação” (Figura 5), com o qual pretende ser apresentado
a Deus, no dia da “passagem”. O manto foi bordado durante toda a sua vida, no lado di-
reito e no avesso, acumulando palavras, números e objetos, que fazem parte do seu uni-
verso. Traz também ornamentos, como franjas, galões e pingentes, que o aproximam de
um traje de gala, uma farda.

Figura 5 – Arthur Bispo do Rosário. Manto da Apresentação. Bordado sobre tecido.

Tocando na temática religiosa (Figura 6), Randolpho Lamonier anuncia:


EXÉRCITO
QUEER
INCENDEIA IGREJAS
E INAUGURA O ESTADO
LAICO NO BRASIL
2028

Figura 6 – Randolpho Lamonier. Vista da exposição MitoMotim, Associação Cultural VideoBrasil. Obras da
série Profecias. Guerreirxs Guarani Kaiowá vencem luta por sua terra ancestral – 2034 e Exército Queer
incendeia igrejas e inaugural o estado laico no Brasil – 2028. 2018, bordado, colagem e costura em tecido,
155 x 185 cm cada uma.

172 | XXIX Encontro AULP


Essa e outras “Profecias” de Lamonier foram expostas no Museu de Arte do Rio
(MAR), na mostra ‘Arte democracia utopia – Quem não luta tá morto’ (inaugurada em
15/10/2018, com curadoria de Moacir dos Anjos), que reuniu mais de sessenta obras com
teor político. Essa exposição teve ampla repercussão, e reações, algumas vezes negativas,
por tratar de questões religiosas, como no estandarte de Lamonier, em um país profunda-
mente religioso, como o Brasil.
Algumas profecias de Lamonier, como a citada acima, sugerem que, muitas vezes, os
métodos usados para atingir certos objetivos podem incluir a violência. É nesse sentido
que seus estandartes bordados podem ser considerados, também, como armadilhas visu-
ais: o espectador se aproxima, atraído pelas cores vivas e formas atraentes e só então tem
acesso às mensagens veiculadas. A obra EXÉRCITO QUEER INCENDEIA IGREJAS E
INAUGURA O ESTADO LAICO NO BRASIL 2028 lança mão de uma linguagem que
se aproxima dos quadrinhos, com o uso de recursos como o balão, para veicular uma
mensagem política, com referência a atos de violência, através da representação de uma
metralhadora e de uma granada.
O Brasil é um estado laico, como declara a Constituição Federal de 1988, onde se lê
que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, declarando
que a igualdade entre todo cidadão deve ser vista de forma universal, e que não será
uma diferença de crença ou de religião que permitirá que as pessoas não sejam vistas
de maneira igualitária perante o Estado. Apesar de deixar claro que o Brasil é um país
declaradamente laico, há discussões sobre se, na prática, a laicidade estatal é de fato
aplicada, ou seja, se o que está escrito no nosso texto constitucional sobre o assunto
acaba sendo refletido (ou não) na vida cotidiana. São exemplos disso, o fato do preâm-
bulo da CF/88 mencionar a “proteção de Deus”, assim como as cédulas nacionais, e
uma série de outras situações em que referências à religião não apontam para um esta-
do realmente laico. Ainda assim, o STF entendeu que o país é sim, um estado laico.
Toda essa discussão está refletida na obra de Lamonier, que sugere que o país ainda
não pode ser considerado um estado laico, e, que, na sua opinião, isso só será alcança-
do, de fato, no futuro.
As referências a problemas políticos e sociais, atuais, do Brasil têm servido de moti-
vação para vários artistas e isso pode ser constatado na exposição já citada, ‘Arte demo-
cracia utopia – Quem não luta tá morto’. O eixo conceitual da exposição, arte – utopia –
luta, é sintetizado na pintura de Gustavo Speridião que anuncia em grandes letras
vermelhas, manuscritas: “Amanhã manifestação”, apontando para o futuro (“amanhã”)
através de uma ação (“manifestação”), e para a possibilidade de mudança. Essa obra re-
mete aos cartazes de rua usados nas manifestações que vem ocorrendo no país nos últi-
mos anos, e principalmente às chamadas “Jornadas de junho”, movimento que ocorreu
em 2013 e que teve como motivação inicial a contestação dos aumentos nas tarifas de
transporte público e posteriormente passou a defender outras questões, de cunho político,
tendo levado multidões às ruas.
A maior parte das obras mostradas na exposição foi produzida a partir de 2015, repre-
sentando o interesse dos artistas jovens por questões políticas. São apresentadas também
obras elaboradas durante a vigência da ditadura militar no Brasil, refererindo-se princi-
palmente ao período compreendido entre o fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, uma

XXIX Encontro AULP | 173


época nebulosa para a democracia no país. O diálogo entre essas obras, atuais e de um
passado recente, aponta para o papel da utopia e da luta nesses dois momentos. O curador
da mostra, Moacir dos Anjos, acredita, porém, que em termos artísticos há uma diferença
marcante entre a produção artística desses dois períodos

Hoje, vemos a primeira geração de artistas brasileiros na qual a política está disputando
hegemonia na representação do país. Porque a política sempre foi presente na arte brasilei-
ra, mas de forma periférica. Nesta geração de hoje, a desigualdade, as violências que muitas
vezes ficaram recalcadas vieram à tona de maneira muito forte. Esses artistas parecem estar
respondendo a este nosso momento político. (Como citado por Lichote, 2018).

Nota-se que o momento atual é de muita polarização, no Brasil. Isso pode ser consta-
tado, por exemplo, a partir de reações conservadoras a exposições como “Queermuseu” e
a obras como “La bête”, de Wagner Schwartz, mostrando que a arte é um espaço de dis-
cussão política, o que demonstra que ela ainda tem o poder de provocar.
A exposição ‘Arte democracia utopia – Quem não luta tá morto’ mostra também a
diversidade de pautas levantadas na sociedade brasileira hoje, como, o racismo, que apa-
rece, entre outros, no trabalho de Paulo Nazareth, a questão indígena, que está na obra de
Maria Thereza Alves e de Randolpho Lamonier, que também veicula a discussão de gê-
nero em obras como as “Profecias”.
Voltando à aproximação entre as profecias de Lapa e de Lamonier, será abordada, a
seguir, a maneira como os dois artistas se relacionam com o presente e o futuro. Ao com-
parar esses dois momentos, a época atual e o futuro, eles demonstram otimismo com re-
lação ao que está por vir. Álvaro Lapa (Fig. 7) afirma que:

NÃO SE FALARÁ SEM VERGO-


NHA DO VELHO TEMPO. DISCU-
TIR-SE-Á DE PREFERÊNCIA O
AMANHÃ COTIDIANO.

Figura 7 – Álvaro Lapa. As profecias de Abdul Varetti, escritor falhado. 1972, bordado sobre tecido, estrutura
metálica.

174 | XXIX Encontro AULP


Já Randolpho Lamonier (Figura 8 e 9) prevê que:

TOMA POSSE
PRIMEIRA
PRESIDENTA NEGRA DO
BRASIL
2027

E ainda:

EM 2050
DESCOBRIMOS:
BRASIL É
AMÉRICA
LATINA!

Figura 8 – Randolpho Lamonier. Da série Figura 9 – Randolpho Lamonier. Da série Profecias.


Profecias. Toma posse primeira presidenta negra Em 2050 descobrimos: Brasil é América Latina!
do Brasil – 2027. 2018, bordado, colagem e costura 2018, bordado, colagem e costura em tecido,
em tecido, 155 x 185 cm. 155 x 185 cm.

Leonilson demonstra desesperança no futuro, ao aceitar que:

LEO NÃO CONSEGUE MUDAR O MUNDO, ABISMO, LUZES

Trata-se da pintura de um coração, do qual partem duas ramificações: “incorfomado,


solitário”. Ou ainda Pescador de pérolas Ruínas Templos (Figura 10)

XXIX Encontro AULP | 175


Figura 10 – Leonilson. O Pescador de pérolas. 1991, bordado sobre voile, 36 x 30 cm.

Novamente fica clara a abordagem intimista e confessional de Leonilson, enquanto


Lapa e Lamonier tratam de questões mais amplas, coletivas, atingindo a sociedade como
um todo. O mesmo ocorre na abordagem de problemas vinculados à moradia. Enquanto
Lapa (Figura 11) tem uma postura mais individualista

A CASA, LUGAR DE REPOUSO,


SERÁ INDIVIDUAL E PESSOAL.
AS ACTIVIDADES DE RELAÇÃO
SERÃO CONSAGRADAS COMO
TAIS, PÚBLICAS E TRIBAIS

Figura 11 – Álvaro Lapa. As profecias de Abdul Varetti, escritor falhado. 1972, bordado sobre tecido,
estrutura metálica.

176 | XXIX Encontro AULP


Lamonier (Figura 12) demonstra preocupação com o direito de todos à terra:

MST
SAI EM CRUZADA
NACIONAL E FAZ A
REFORMA
AGRÁRIA
COM AS PRÓPRIAS MÃOS
2021

Figura 12 – Randolpho Lamonier. Da série Profecias. MST sai em cruzada nacional e faz a reforma agrária
com as próprias mãos – 2021. 2018, bordado, colagem e costura em tecido, 155 x 185 cm.

(Figura 13) Ao aproximar as obras desses artistas, nota-se que existem alguns pontos
que os aproximam e outros que os afastam. Enquanto Lamonier pratica uma arte ativista,
panfletária, com viés ideológico, Lapa se coloca como um artista sonhador, enquanto
Leonilson adota uma atitude intimista, auto-biográfica.

Figura 13 – Randopho Lamonier. Mapa das rebeliões dxs operárixs da indústria. Cidade Industrial – Conta-
gem – 2023. 2018, bordado, colagem e costura em tecido, 155 x 185 cm. Álvaro Lapa. As profecias de Abdul
Varetti, escritor falhado. 1972, bordado sobre tecido, estrutura metálica. Leonilson. O Zig-zag. 1991, bordado
e pedras sobre tecido, 33 x 22 cm.

XXIX Encontro AULP | 177


Conclusão
Concluindo, pode-se notar que Randolpho Lamonier, como outros artistas contempo-
râneos, quer “refletir sobre sua própria identidade cultural, expressar seus desejos indivi-
duais” mas, antes de tudo, quer se mostrar verdadeiramente vivo e real (Groys, 2008,
p. 38). Assim, discutindo assuntos que afetam toda a sociedade e tomando uma posição
ideológica clara, ele mostra que a arte ainda tem o poder de provocar, através do engaja-
mento na realidade política e social.

Referências
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Recuperado de
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
Foucault, M. (2013). De espaços outros. Estudos Avançados, USP, 27(79), pp. 113-122.
Groys, B. (2015). Arte, Poder (1a ed.). Belo Horizonte: Editora UFMG.
Veneroso, M. C. F. (2012). Caligrafias e Escrituras (1a ed.). Belo Horizonte: C/Arte.
Marmeleira, J. (2018, Fevereiro 8). Álvaro Lapa: entre a escuridão e a luz. Recuperado de http://www.pu-
blico.pt/2018/02/08/culturaipsilon/noticia/pintar-e-amar-de-novo-1802026
Lichote, L. (2018, Setembro 15). Mostra no Museu de Arte do Rio reflete efervescência do país. O Globo.
Recuperado de http://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/mostra-no-museu-de-arte-do-rio-reflete-eferves-
cencia-do-pais-23070217
Siquara, C. A. (2019, Março 6). Randolpho Lamonier amplia seu raio de ação no cenário das artes visuais.
O Tempo. Recuperado de http://www.otempo.com.br/o-tempo-contagem/randolpho-lamonier-amplia-seu-raio-
-de-a%C3%A7%C3%A3o-no-cen%C3%A1rio-das-artes-visuais-1.2145410

178 | XXIX Encontro AULP


Fantasmagorias da modernidade

Vera Spínola
Doutora em Administração, mestre em Economia e bacharel em Letras pela
Universidade Federal da Bahia (UFBA); E-mail: [email protected]

Ao vaguear pela exposição “Passagens por Paris: Arte Moderna na Capital do Século
XIX”, o quadro “O Conforto Moderno dos Objetos” (Figura 1) foi um dos que mais me
chamou a atenção. Trazia a seguinte legenda:

O tempo já é dos objetos, a sociedade de consumo que se iniciara no final do século XIX
começa a instalar-se para ficar. A sala da princesa Bibesco é um oceano de coisas – e ela
mesma parece um objeto a mais. Seu retrato é feito por aquilo que ela possui, não pelo que
ela é. A obra, também num impressionismo tardio, poderia ser tanto de crítica quanto de
adesão à ostentação visível num “apartamento moderno” (MASP, 2013, p. 66)

Em outras palavras, a tela “O Conforto Moderno dos Objetos” (Figura 1) é uma repre-
sentação polissêmica, como a maioria dos objetos identificados com a arte. O quadro
pode ser tanto uma exaltação quanto uma crítica ao consumo.
O ensaio “Paris Capital do Século XIX” foi escrito em 1935. Nele, Benjamin se propôs
a mostrar as novas formas de vida e de criações decorrentes da revolução industrial a partir
do século XIX. Ele diz entrar no universo da fantasmagoria, que o dicionário define como
a arte de fazer surgir, de fazer ver, imagens luminosas por efeito de ilusões de ótica. Pode
ser também, no sentido figurado, uma ideia ou expressão que se opõe ao que é racional.

Figura 2 – “Les Sept Vieillards” (Os Sete Velhos).


Jan Mensiga (1924-1998) – desenho do artista
Figura 1 – “O Conforto Moderno dos holandês inspirado no poema de Baudelaire.
Objetos” Edouard Vuillard (França/1940).
Acervo do MASP

XXIX Encontro AULP | 179


Benjamin (2003, p. 5) observou que as exposições universais, sobretudo ocorridas em
Paris no século XIX, combinavam-se com a indústria do entretenimento. Na sua aborda-
gem, o flâneur1 se deixa levar pelas fantasmagorias do mercado, pelos bens produzidos
em escala graças ao avanço da tecnologia. Comenta que exposições idealizavam o valor
de troca das mercadorias e colocavam seu valor de uso em segundo plano. Com seus
objetos e parques de diversão, proporcionavam a fantasmagoria, quando o homem se
deixa levar pelo deleite de coisas que parecem incorporar certa magia. “Eram centros de
peregrinação da mercadoria-fetiche” (Idem, p. 9).
Com o subtítulo “O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo” Karl Marx, no
primeiro capítulo da obra O Capital, havia se referido ao conceito com as palavras:

À primeira vista, a mercadoria parece uma coisa trivial, evidente. Analisando-a, vê-se que
ela é uma coisa muito complicada, cheia de sutileza metafísica e manhas teológicas. Como
valor de uso, não há nada misterioso nela, quer eu a observe sob o ponto de vista de que
satisfaz necessidades humanas pelas suas propriedades, ou que ela somente recebe essas
propriedades como produto do trabalho humano (MARX, 1983, p.70).

Marx ressalta que o valor da mercadoria só é realizado na troca: “Como os produtores


somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as ca-
racterísticas especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa
troca” (Idem, p. 71). O local abstrato dessas trocas é o que chamamos de mercado. O
economista/filósofo percebe o caráter efêmero do objeto de troca ao observar que “todo o
misticismo do mundo das mercadorias, toda magia e fantasmagoria que enevoa os produ-
tos de trabalho na base de produção de mercadorias, desaparece, por isso, imediatamente,
tão logo nos refugiemos em outras formas de produção.” (Idem, p. 73). Na nossa interpre-
tação, ele quer mostrar que a magia despertada por uma mercadoria cessa ao desviarmos
a atenção para outro objeto ou forma de produção. De fato, a produção em escala na
economia de mercado requer uma constante ampliação e renovação dos bens de consumo,
requer um dinamismo desse mercado. A moda está em sintonia com as necessidades do
próprio sistema, ao provocar as mudanças nos gostos dos consumidores.
Benjamin (2003) amplia a concepção marxista de fetichismo da mercadoria ao utilizar
a expressão fantasmagoria como fio condutor de uma abordagem que capta o fetichismo
como processo social de constituição da modernidade. Ele se propõe a discutir a moder-
nidade através de imagens produzidas a partir do avanço tecnológico, tomando essas
imagens como representação do mundo moderno. Em outras palavras, faz uso de uma
alegoria, que, como síntese cultural, tende a incorporar as contradições de uma sociedade.
Do ensaio de Benjamin (2003), procuramos dialogar com as seções “Luís Felipe ou o
interior”, e “Baudelaire e as ruas de Paris”.
Louis Philippe (1773-1850) foi rei dos franceses de 1830 até sua abdicação em 1848.
Seu reinado foi dominado por ricos burgueses e vários ex-oficiais napoleônicos. Benja-
min associa Louis Philippe aos interiores que seriam como uma caixa que serve de abrigo

1. flâneur – Charles Baudelaire desenvolveu um significado para flâneur de “uma pessoa que anda pela
cidade a fim de experimentá-la”.

180 | XXIX Encontro AULP


ao áspero mundo da cidade grande, um refúgio onde se acumulam objetos de luxo. O
colecionador é o ser que ocupa esse interior. Tem prazer em suscitar um mundo não ape-
nas distante e defunto, mas também um mundo melhor; um mundo onde o homem é
também pouco provido para falar a verdade daquilo que ele tem necessidade no mundo
real, mas onde as coisas são liberadas da necessidade de serem úteis (BENJAMIN, 2003,
p. 11-12), tal como no apartamento moderno da Figura 1.
Em contraste com esse interior luxuoso, surge o poeta Baudelaire, buscando inspira-
ção nas ruas de Paris. Segundo Benjamin (2003, p. 14), a genialidade de Baudelaire, que
encontra alimento na melancolia, é alegórica. Pela primeira vez, em Baudelaire, Paris se
torna objeto de poesia lírica. Como flâneur, Baudelaire procura refúgio na multidão,
como um véu através do qual a cidade familiar se move em fantasmagoria, numa multi-
plicidade de imagens.
Na obra de Baudelaire, aparecem personagens populares, excluídos da prosperidade
burguesa. Benjamin reconhece em Baudelaire uma fantasmagoria angustiante, presente
com todo vigor no poema Les Sept Vieillards (Os Sete Velhos)2. A poesia trata da apari-
ção, sete vezes seguidas, de um velho de aspecto repugnante. Esse indivíduo é apresenta-
do na sua multiplicação como testemunho da angústia do cidadão.
O poeta começa descrevendo o ambiente da cidade grande, “cidade fervilhante”, mas
aos poucos vai criando uma sensação pesada, a começar pelo tempo cinzento. Sua alma
está cansada num bairro agitado por grandes carroças:

Cidade fervilhante, cidade a sonhar,


Onde o espectro, de dia, agarra o passante!
Os teus mistérios correm por todo lugar
Qual seivas nos canais do soberbo gigante [...]

No poema aparecem vários exemplos de fantasmagoria, quando o olhar do flâneur faz


as coisas se multiplicarem, a exemplo de:

[...] Uma manhã, enquanto na rua cinzenta,


As casas, que com a bruma ficavam maiores,
Imitavam os dois cais de um rio que aumenta [...]

A figura do velho provoca em Baudelaire um sentimento ambíguo. Tem vontade de


lhe dar esmola, mas fica assustado com o olhar, com a barba que parece de Judas, com o
andar curvado sobre um cajado que faz o poeta lembrar um quadrúpede deficiente ou um
judeu de três patas:

[...] Súbito, um velho num remendo amarelado,


Que a cor do céu chuvoso vinha duplicar,
Desses que atrai esmolas pelo seu estado,
Não fosse o brilho de maldade em seu olhar [...]

2. Poema completo disponível em http://www.revistazunai.com/traducoes/charles_baudelaire.htm, tradução


de Duda Machado. Acesso em 16 out. 2018

XXIX Encontro AULP | 181


[...] De geada, e a barba dura como espada
Se projetava idêntica a que foi de Judas [...]

[...] De um quadrúpede enfermo ou judeu de três patas.


Em meio à neve e ao lodo, pisava fundo
Como se espezinhasse os mortos com as sapatas,
De modo mais hostil que indiferente ao mundo [...]

A cena era tão chocante que, em sua fantasmagoria angustiante e poética, multiplica o
velho por sete.

[...] Em que complô infame eu tinha me enredado


Ou que acaso perverso tanto me humilhava?
Pois contei sete vezes devagar, pausado
Que este velho sinistro se multiplicava! [...]

E a ambiguidade de Baudelaire se manifesta novamente ao revelar que sente um “te-


mor fraterno”. A figura humana lhe desperta medo, repugnância, e ao mesmo tempo,
certa identidade e solidariedade:

[...] Todo aquele que ri de meu tom inquieto,


E não foi invadido por tremor fraterno,
Repare que apesar do aspecto tão decrépito
Os sete horríveis monstros tinham o ar eterno! [...]

O poeta não é um flâneur qualquer, que sente o prazer fugaz da circunstância. A cena
é passageira, mas dela procura extrair o eterno ao observar “Os sete horríveis monstros
tinham o ar eterno”. E na sua inquietação vai procurar refúgio em casa, onde não encontra
tranquilidade. O temporal de fora dá lhe a impressão de estar vivenciando um naufrágio
sem qualquer perspectiva de salvação:

[...] Minha razão queria sustentar a vela;


Mas de nada valia contra o temporal,
E minha alma dançava, antiga caravela
Num mar medonho, sem mastros, sem litoral!

O poema Os Sete Velhos inspirou o desenho do artista holandês Jan Mensiga3 (Figura
2), em contraste com o quadro “O Conforto Moderno dos Objetos” (Figura 1).
As duas obras de arte expressam dimensões opostas da modernidade, pós-revolução
industrial: de um lado os consumidores de uma profusão de objetos sem valor de uso, e

3. Imagem disponível em https://www.google.com/search?sa=X&q=Images+Les+Sept+Vieillards+Jan+Me


nsiga&tbm=isch&source=univ&ved=2ahUKEwiEuI3z7ZbhAhUkD7kGHX5JC9cQ7Al6BAgJEBE&biw=103
4&bih=620%20-%20imgrc=NBdsfPVOdwXbIM#imgrc=IbwQFtyKM7rfmM. Acesso em 01 jun. 2019

182 | XXIX Encontro AULP


do outro, os excluídos, os marginalizados vivendo em condições precárias, os quais o
sistema não tem condições de absorver, tais como os velhos de Baudelaire.
Deixemos Baudelaire. Vagueemos em Lisboa com Cesário Verde (1855-1886).
Segundo a filóloga portuguesa Maria Ema Tarracha Ferreira, Cesário é um poeta-
-pintor, aquele que foi simultaneamente considerado um realista e um parnasiano:

É também reivindicado pelos Surrealistas como seu antecessor, pois foi o primeiro a tentar
deliberadamente traduzir nos seus versos ‘certo espírito secreto’, corrigindo, pela visão
transfiguradora, a objetividade de naturalista, e reconstituindo, por meio de imagens e de
analogias audaciosas, que dão um sentido profundo ao mundo concreto, uma super-realida-
de (FERREIRA, 1995, p. 28)

O poema “Num Bairro Moderno”4 publicado em 1878 no Diário de Notícias de Lis-


boa, reflete seu realismo-surrealista com um encadeamento textual comum à literatura
modernista: o fluxo de consciência. Tem-se a sensação do flâneur, isto é, daquele que dá
um passeio sem um rumo específico, visando observar o cotidiano de uma rua, de uma
cidade:

Dez horas da manhã; os transparentes


Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada [...]

Na caminhada pelas ruas de Lisboa, o poeta procura experimentar a cidade. Cesário


busca algo que se pode chamar de modernidade, tentando extrair o eterno do fugaz, como
se quisesse perpetuar o fugidio de um instante em um momento infinito. O poema é uma
crônica descritiva do cotidiano de uma rua. Sob o olhar do poeta, aparecem belas residên-
cias da modernidade, os jardins, as ruas calçadas. O autor destaca aconchego da casa
burguesa com seus objetos de valor, que configuram aquilo que Benjamin chamou fantas-
magoria, e Marx, fetiche da mercadoria:

[...] Rez-de-chaussée repousam sossegados,


Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama dos papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas
Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego [...]

4. Poema completo em http://www.citador.pt/poemas/num-bairro-moderno-cesario-verde. Acesso em 15 out.


2018.

XXIX Encontro AULP | 183


O olhar do poeta cai justamente sobre aqueles que não participam plenamente da
prosperidade capitalista: sobre uma vendedora de verduras; uma ambulante, sem empre-
go formal. Ele a descreve como roliça, portando tamancos típicos dos camponeses portu-
gueses.

[...] Notei de costas uma rapariga,


Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho da horta aglomerada
Pousara, ajoelhando, a sua giga [...]

O poeta se deixou levar pela fantasmagoria do flâneur descrita por Walter Benjamin,
e começa a viajar no brilho de personagens e coisas imaginárias. Numa atitude claramen-
te surrealista, como se começasse a pintar um quadro além daquilo que via, na cesta de
verduras identifica formas humanas. Os repolhos se transformam em seios; os nabos, em
ossos; as uvas, em olhos; o melão, em um ventre. O efeito da luz do sol contribui para as
imagens brilharem e se multiplicarem:

[...] E nuns repolhos seios injetados.


As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos – ossos nus, da cor do leite,
E os cachos de uvas – os rosários de olhos.
Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como alguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que lembrou um ventre.
E, como um feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vívida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras [...].

Mas o grito da vendedora “Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!...” faz o


poeta voltar à realidade. Vai ajudar a vendedora a levantar sua pesada cesta. Ela lhe agra-
dece com uma alegria ingênua.
Deixando Cesário no bairro moderno de Lisboa, partimos para a próxima flânerie, na
cidade do Salvador, também conhecida como Cidade da Bahia, capital do Brasil colonial
de 1549 a 1763.
O ponto de partida foi o poema “Ladeira da Misericórdia” do poeta modernista brasi-
leiro/baiano Godofredo Filho (Feira de Santana 1904 – Salvador 1992):

184 | XXIX Encontro AULP


Foste rua de prosápia
e hoje és ladeira de negras
de mulatas sifilíticas
de soldados e de bêbados

ruas de míseras putas


ou das sombras que entrevejo
cavalgando desabrido
ginetes de bruma errante
Ó, esse amor ignorado
Que só eu te dei, ó ladeira
de insone Misericórdia:

amor de carne, de sangue,


de saliva e beijos ácidos,
amor que sobe no fundo
dos pântanos seminais

Além de poeta, escritor e professor, Godofredo Filho foi também diretor do IPHAN,
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, cargo que exerceu por cinquenta
anos (1936-1985). O espaço urbano foi assim objeto de trabalho e preocupação. Para ele,
modernizar significava também preservar, logo a ‘cidade moderna’ não se oporia à ‘cida-
de museu’.
A professora de literatura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mônica Mene-
zes observou:

Nesse texto está visível a ambivalência do estereótipo, na qual convivem tanto a dominação
e o prazer, quanto o medo e a recusa. O negro é desejado e amado (embora o amor seja
carnal), mas também é execrado e punido com a miséria e a fome. É o discurso do coloni-
zador que se repete com tudo que há de normativo, racionalizador e excludente (MENE-
ZES, 2005, p. 8)

Na análise da pesquisadora, o olhar do poeta havia sido contaminado pela mentalida-


de do colonizador. Godofredo defende a preservação da cidade museu concomitante à
modernização urbana, mas ao mesmo tempo propõe que a população carente, habitante
dos casarões em estado precário, sem condições de “higienizá-los”, seja removida para
locais distantes do Centro Histórico.
A Ladeira da Misericórdia existe desde o século XVI e era uma das vias de acesso
de pedestres entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa, ligando a Rua da Misericórdia (Ci-
dade Alta) ao início da Ladeira da Montanha no bairro do Comércio. Hoje, meio século
depois da publicação do poema, não se pode passar pela Ladeira, atualmente interdita-
da, com vários prédios em ruínas, ameaçados de desabar. Contudo, os personagens do
poema circulam em meio aos turistas que visitam o monumental Centro Histórico. Ali
se pode encontrar tanto a fantasmagoria reluzente do ouro barroco das igrejas quanto

XXIX Encontro AULP | 185


a fantasmagoria angustiante de Baudeulaire, herança de uma sociedade colonial escra-
vagista.
Para travar um diálogo do poema com a pintura, selecionamos o quadro representado
na Figura 3, “Incêndio no Pelourinho” (LIMA, 2012, p. 17), do artista baiano João Alves,
titulado “o pintor da cidade” por Jorge Amado, que o imortalizou como personagem do
romance Dona Flor e Seus Dois Maridos.
João Alves foi um artista negro autodidata, que trabalhou como engraxate dentre mui-
tos outros ofícios no Pelourinho (LIMA, 2012, p. 13). Sua atividade como pintor ocorreu
principalmente nas décadas de 1940, 1950, e 1960, lembrando que, segundo Lima (2012,
p. 23), a década de 1950 foi o apogeu do modernismo nas artes da Bahia.
A pintura é uma narrativa do cotidiano da cidade. Incêndios de casarões do centro
histórico eram comuns naquela época e continuam acontecendo hoje em pleno século
XXI. O professor Milton Santos chama atenção para os incêndios recorrentes naquele
local, habitado pela população pobre, vivendo em cortiços. Santos (2008, p.169) observa
que dos 854 incêndios registrados em Salvador entre 1943 e 1952, mais da metade, isto é
453, ocorreu nos bairros centrais da Sé e da Conceição da Conceição da Praia.

Figura 3 – Incêndio no Pelourinho. João Alves (Acervo do Museu Afro Brasileiro, São Paulo/SP)

O pintor João Alves (Ipirá 1906-Salvador 1970) e o poeta Godofredo Filho (Feira de
Santana 1909-Salvador 1992) foram contemporâneos.
Sob a perspectiva do poeta, o abandono dos governantes levou à degradação da Ladei-
ra da Misericórdia. Seus sentimentos são contraditórios. Refere-se à sensualidade e a
atração que sente pelas negras, mas ao mesmo tempo propunha que a população carente
fosse removida para se preservar a cidade museu. Os personagens do poema de Godofre-
do podem ser identificados com a população negra desesperada com o incêndio da Figura
3. As pinceladas não detalham os semblantes, as feições, mas mostram que a população

186 | XXIX Encontro AULP


pede socorro. Os bombeiros, todos brancos, parecem apáticos espectadores, incapazes de
apagar o fogo. Seria como o pintor negro via a indiferença da elite branca?
Ao vaguear pelo Centro Histórico, em pleno século XXI, em meio ao ambiente pito-
resco e efervescente, depara-se com um corpo negro estendido no chão, que parecia invi-
sível aos passantes. Poderia ser um dos bêbados do poema de Godofredo Filho ou uma
figura baudelairiana, ou um dos personagens desesperados do quadro de João Alves (Fi-
gura 3). Desperta curiosidade e ao mesmo tempo receio de proximidade.
Os sete velhos de Baudelaire se multiplicam pelos becos.
Os inúmeros ambulantes, sem emprego formal, parecem versões ampliadas e multi-
plicadas da vendedora de frutas do poema “Num Bairro Moderno”, de Cesário Verde. Há
mulheres de acarajé, vendedores de picolé, de taboca, de pipoca, de mingau, além dos que
comercializam quinquilharias, como fitas do Senhor do Bonfim.
Em meio à imponência barroca do Centro Histórico da cidade do Salvador, ao brilho
dourado das igrejas, a fantasmagoria angustiante de Baudelaire ainda se faz presente.

Referências
BENJAMIN, Walter. Paris, capitale du XIXe siècle 1939. Quebec: Chicoutimi, 2003. Disponível em
http://www.urbain-trop-urbain.fr/wp-content/uploads/2011/04/Benjamin_Paris-capitale-du-XIXe-
si%C3%A8cle.pdf, acesso em 10 set. 2018.
FERREIRA, Maria Ema Tarracha. Introdução. O Livro de Cesário Verde. 4ª edição. Lisboa: Editora Ulis-
seia, 1995, p.7-29.
GODOFREDO FILHO. Ladeira da misericórdia. Salvador: Ed. Macunaíma, 1979.
LIMA, Márcio Santos. João Alves, O Pintor da Cidade: relações dialógicas entre a pintura “primitiva”
e o modernismo baiano. Salvador, 2012. Disponível em
https://ppgav.ufba.br/sites/ppgav.ufba.br/files/dissertacao_marciolima_parte01-merged.pdf. Acesso em 21
mar. 2019.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Tradução de Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. –
Coleção Os Economistas. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
MASP, Museu de Arte de São Paulo. Passagens por Paris: arte moderna na capital do século XIX. Ca-
tálogo da Exposição, 2013.
MENEZES, Mônica. As Bahias de Godofredo Filho. Salvador: I Enecult, 2005, disponível em http://
www.cult.ufba.br/enecul2005/MonicadeMenezesSantos.pdf. Acesso em 20 out. 2018.
SANTOS, Milton. O Centro da Cidade do Salvador: Estudo de Geografia Urbana. 2ª Edição. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo; Salvador: Edufba, 2008.

Sites Consultados
http://www.revistazunai.com/traducoes/charles_baudelaire.htm, tradução de Duda Machado. Acesso em 16
out. 2018
https://www.google.com/search?sa=X&q=Images+Les+Sept+Vieillards+Jan+Mensiga&tbm=isch&sourc
e=univ&ved=2ahUKEwiEuI3z7ZbhAhUkD7kGHX5JC9cQ7Al6BAgJEBE&biw=1034&bih=620%20-%20
imgrc=NBdsfPVOdwXbIM#imgrc=IbwQFtyKM7rfmM. Acesso em 01 jun. 2019
http://www.citador.pt/poemas/num-bairro-moderno-cesario-verde. Acesso em 15 out. 2018.

XXIX Encontro AULP | 187


Questão de ethos, patos e logos na recepção
de casamento timorense

Miguel Maia dos Santos


Instituto Nacional de Linguística da Universidade Nacional Timor Lorosa’e

Introdução
Este trabalho pretende descrever e interpretar analiticamente os traços culturais, como
o uso dos símbolos na cerimónia ritual do casamento baseado nas tradições (adat) herda-
das pelos nossos antepassados, de uma geração para a outra. Ann Swideler (1986) afirma
que a cultura em geral, fala sobre arte, crença, lei, morais costumes, e todos os hábitos
rituais. Estas percepções estão bem visíveis na tradição timorense com a realização de
cerimónias rituais com nascimento, recepção dos convidados, casamento, fúnebre. Ann
Swideler (1986) citado por Hannerz (1969, p.184) que:

Culture as beliefs, ritual practices, art forms, ceremonies, language, gossip, stories, rituals
of daily life – means through which “social processes of sharing modes of behavior and
outlook within a community” take place.

Esta afirmação conduz-nos para perceber e descobrir o processo e os componentes


relacionados ao ethos, patos e logos, que são partes integradas na cerimónia ritual do ca-
samento. É necessário saber quais são as partes que demonstram a credibilidade do orador
que transmite a mensagem a uma audiência ou o seu contra parte (ethos), compreende o
conteúdo emocional do texto ou do diálogo (patos) e a lógica do descuro que demostra o
seu argumento para persuadir o seu contra parte para aceitar o pedido que tinha mostrado
na sua fala (logos), e de que modo o orador usa a sua linguagem cognitiva no discurso
dialogais na cerimónia ritual do casamento que os timorenses costumam chamar adat
istiadat.
Partindo destes pressupostos, podemos realçar que na vivência social do povo de
Timor-Leste, o adat (tradição) é identificado como um hábito que orienta os timorenses a
lembrarem o seu passado histórico é para eles como um símbolo de representação identi-
tária (Mendes, 2005; Paulino, 2009 e 2012), porque segundo Anthony Giddens: “todas as
tradições têm um conteúdo normativo ou moral que lhes dá o seu carácter vinculativo. A
sua natureza moral está intimamente ligada aos processos interpretativos através dos
quais são alinhados o passado e o presente. A tradição representa não só o que é feito
numa sociedade, mas também o que deveria ser feito” (Giddens 1994 [2000:62-63].
Se for assim, o adat (costume / hábito) do povo timorense é o resultado de uma parti-
lha da “memória coletiva” que está associada à formação cultural e social (família e casa,
“uma”, uma-kain (família), uma-fukun (casa principal/central), uma-lulik (casa sagrada)”
e a horikle’un (ambiente-natureza). É portanto, a memória coletiva que se encarrega nos

XXIX Encontro AULP | 189


conjuntos elementos referidos representa a vitalidade e a reprodução da identidade da
sociedade timorense. Esta reprodução é baseada no conceito de “unidade”, da qual na
expressão do tétum (língua timorense) significa “hamutuk” (juntos).

O adat na cerimónia do casamento na cultura timorense


Sabemos que há dois tipos de casamento em Timor-Leste: a) casamento de tipo Ma-
trilinear – é praticado pelos étnicos Bunak e alguns de Tetun Terik, de Galole e de Baique-
no; b) casamento de tipo patrilinear é praticado pelos étnicos de Kemak, Mambae, Toko-
dede, Makasa’e, Fataluku, Naueti, e alguns de Tetun Terik, e etc.
Quando se fala sobre o casamento em Timor-Leste, vale a pena recordar que antes de
1960 o casamento só aconteceu entre as famílias reais, baseado na estratificação social,
ou seja na linhagem (entre filho do irmão e filha da irmã do primeiro ou segundo grau), e
este tipo de casamento designado por Tunanga. A família como sujeito negociador (pode
não por amor entre dois candidatos de uma-kain) que assume a responsabilidade pelo um
processo, e longo que possível, começa a fazer uma discussão entre os representantes de
duas famílias durante todo o dia (cf. Correia, 1935, p.107; Menezes, 1992).
Na cultura timorense, as mulheres não são objectos/materiais que possam a ser vendi-
dos no mercado, não são objectos de negócio do preço determinado, mas um valor sim-
bolicamente negociável onde existe um equilíbrio de valores entre o homem e a mulher,
e isso se chama trocos de objectos que na fala de Pierre Bourdieu (2001) designa-se por
“trocas simbólicas. E com a evolução do tempo, os dois tipos de casamento tradicional
“matrilinear e patrilinear” começam a ter uma mudança gradual desde 1970 até à presen-
te data (Campagnolo, & Campagnolo, 1992; Paulino, 2012), mas continua a manter a sua
ligação com a sociedade de casa e os mitos de sua linhagem (Leví-Strauss, 1979).
Para compreensão cabal é necessário recorrer a fala Pe. Domingos Maubere1 que de-
fine a família como uma instituição ou seja organização, apresentando dois tipos de famí-
lia: a) família constituída tradicionalmente com a base dos usos e costumes de cada étni-
co; a) família constituída com a base de sacramento matrimonial eclesiástica. Em relação
a estes dois tipos de família, Pe. Domingos Maubere disse que:

“Familia tradicional iha nia prosesu tenle liu hosi dalan oioin cultura nian nune’e parte hosi
mane “mane-foun” mak nu’udar kandidatu mane-foun tenke apresenta na ka apresenta hosi
ninia família ba família uma-mane ka família feto nain kona-ba kandidata mak atus sai feto-
-foun. Hafoin diskusaun ida ho prosesu tempu naruk nian, no iha ona konkordansia hosi
parte rua, depois kontinua ba etapa ida seluk mak borlake ne’e bele dehan katak família
ne’e hakarak forma sira niaan nu’udar família moderna (intergrasaun entre cultura tradicio-
nal no cultura ekleziatika)”2.

Família tipo tradicional no seu processo, tem de ultrapassar várias etapas culturais onde
da parte do homem que é o candidato para “mane-foun” tem de apresentar o candidato à
família matriarcal para ser Feto-Foun. Depois de uma discussão longa, e ter concordância

1. Entrevista concedidas à TVTL em 27 de Fevereiro de 2018.


2. Entrevista concedidas à TVTL em 27 de Fevereiro de 2018.

190 | XXIX Encontro AULP


entre duas partes, continua-se para outra etapa que é prenda e/ou barlaqueado. Por outra
parte diz que a família constituída com base moderna (integração entre cultura tradicional
e cultura eclesiástica).

Baseando na explicitação do Pe. Domingos Maubere percebemos que há junção de


duas realidades: tradicional (usos e costumes) e moderno (matrimonial eclesiástica), e que
cada qual tem o seu significado e a sua função. Os componentes representativos relaciona-
dos ao ritual de casamento são de uma-fukun e/ou uma-lulik do noivo e a da noiva, a famí-
lia das duas partes uma-mane, mane-foun (matriarcal e patriarcal), família parte do noivo
e a família parte da noiva, noivo e noiva, e representantes de duas partes, incluindo os
objetos que simbolizam e fortificam os laços ou as alianças de duas famílias constituídas.
Em todo o processo de casamento costuma a precisar de um lia-na’in (senhor da pala-
vra) para proceder o ritual, pois tem capacidade e habilidade de dar lições matrimoniais
ritualmente. Usando um discurso expositivo que une de duas famílias, partindo de um
processo inicial estabelecido por um manutalin ou manu-ain (mensageiros) para marcar
o dia de encontro de duas famílias: família do noivo e da noiva.
No encontro de duas famílias começa a transmitir o interesse de cada uma com um
conjunto de ideias organizadas por meio de linguagem, como uma forma de influir o sen-
timento de cada parte. Transmitir uma ideia significa construir um discurso por meio de
linguagem, quer dizer que na visão de Trask (2006, p. 84), é o fato de um dado texto es-
crito ou falado como um nexo que caracteriza o próprio discurso. A coesão e a coerência
de uma ideia transmitida é segundo Maingueneau (2008), tomada como objecto de confi-
guração de interesse ou do ponto de vista sobre um algo que está a ser negociado ou dis-
cutido. Todavia, esta ideia de Maingueneau tem cabimento no discurso dialogal na nego-
ciação do casamento timorense onde existem dois oradores principais e as suas equipas
que lhes expõem os seus objectivos ou interesses.
Em todas as circunstâncias há um discurso dialogal na cerimónia ritual de casamento
dos timorenses, que está ordenado pela identificação do nome de uma-lulik (casa sagrada)
e suas respectivas linhagens. O discurso dialogal entre duas famílias se estabelece me-
diante de uma argumentação retórica e poéticas, como uma produção de “raciocínio per-
suasivo em algumas actividades numa percepção literária e poética” de que fala o filósofo
grego Aristóteles (2004), de certeza que toda a argumentação é organizada de forma clara
numa “ordem de discurso” (Foucault, 1997). Isto é, o discurso dialogal de duas famílias
representadas pelos dois lia-na-in (senhores da palavra) é para alcançar a certeza absolu-
ta de uma união no quadro conceptual de relação fetosá-umane.
O discurso de dois lia-na-in que representam as famílias do noivo e da noiva é apre-
sentar uma possibilidade de unir os noivados com uma argumentação persuasiva de que a
relação fetosá-umane é tão importante na vida familiar e social. Portanto, o discurso de
lia-na’in é uma arte que procura convencer os seus interlocutores por intermédio de suas
palavras.
O discurso poético de um lia-na-in feito na cerimónia ritual de casamento pode ser
classificado como uma percepção literária, particularmente as narrativas oralmente trans-
mitidas criam a sua própria literalidade de sentidos, e fazem fluir uma emoção que im-
pressiona os ouvintes.

XXIX Encontro AULP | 191


Os representantes da família fetosá-umane são considerados como personagens prin-
cipais de ethos familiar, isto é, representantes do “carácter moral” de duas famílias. Toda-
via, na percepção filosófica da ética, o Ethos é uma palavra de origem grega, que signifi-
ca “caráter moral” (Greimas, 1976; García Berrio, 1990; Perelman, 1993; Plebe &
Emanuele, 1992). É usado para descrever o conjunto de hábitos ou crenças que definem
uma comunidade ou nação, por exemplo, o hábito de realizar cerimónia ritual do casa-
mento pelos timorenses. Na percepção da sociologia e antropologia, o ethos reflecte aos
usos e costumes e os traços comportamentais que distinguem o carácter de um povo (cf.
Załęska, 2012; Godelier, 1973), por exemplo, ethos de “receber os convidados” (bai-
nakas) praticados pelos timorenses. O ethos também exprime o conjunto de valores carac-
terísticos de um movimento cultural ou de uma obra de arte, por exemplo, ethos dos
motivos artísticos timorenses de que fala Ruy Cinatti (1987).
O encontro realizado pelas duas famílias: família do noivo e família da noiva, simbo-
liza um pathos, pois têm a mesma paixão pelos seus filhos. O noivo e a noiva que une
duas famílias com seus pathos, isto é, um sentimento de amor que procura a ser fortifica-
do por uma fonte familiar que é o próprio encontro de Tuku odomatan (bater a porta”,
significa bate o coração da família para aceitar o desejo dos noivados. Isto é o que se
chama um pathos de passagem de vida solteiro para a vida casal. Nesse sentido, alguns
filósofos dizem que o Pathos define-se pela sensibilidade do auditório que é variável em
função de representação das características de paixões, sentimentos e passagens (cf. Grei-
mas, 1976; García Berrio, 1990; Perelman, 1993; Plebe & Emanuele, 1992). É preciso
perceber que, por mera intuição, o encontro realizado pelas duas famílias mediante um
pathos que move a paixão de dois corações, a que toca fundamentalmente o sentimento,
pelo que é considerado como o início de um traço de união. Essa traço de união é aclama-
do poeticamente pelo lia-na’in de duas famílias, porque eles têm habilidade de fazer uma
oratória.
No encontro de duas famílias: família do noivo e família da noiva, aplica-se um “diá-
logo familiar”, usando o logos como pano de fundo para persuadir as diferentes ideias.
Nesse diálogo, só os representantes (lia-na’in) de duas famílias é que podem discutir e
argumentar sobre o desejo de ambas e sobre as formas de trocas simbólicas. É portanto
cada um com seus logos a defender os seus interesses, mas o objectivo final é encontrar
uma solução para unir as duas famílias no ritual de casamento, baseando naquilo que é
pronunciado verbalmente como uma prova de confiança; baseando naquilo que é racio-
nalmente aceitável, por exemplo, a estimativa dos bens oferecidos e recebidos pelas par-
tes; baseando-se na justificação de duas partes sobre o valor atribuído a alguma coisa na
preparação do ritual de casamento; e finalmente baseia-se também no motivo de que os
noivados querem formar a família nova de acordo com as normas ritualísticas de casa-
mento. Estes são argumentos (logos) usados pelos representantes (lia-na’in) de duas fa-
mílias com expressões metafóricas que simbolizam o percurso de vida dos noivados
como fonte de iniciação do “rito de passagem” para a constituição de vida familiar.

Discurso sobre os objetos que representam a cerimónia do casamento


Nas fotografias dos oradores (lia-na’in) observamos que eles estão a ser acompanha-
dos ou rodeados pelas duas famílias, tanto de fetosá como de umane. O discurso dos lia-

192 | XXIX Encontro AULP


-na’in de duas famílias apresenta claramente um ethos que representam o seu carácter
moral familiar e as características de sua linhagem, porque estão vestir o traje tradicional
conhecido “táis) como icónico de sua representação. Observamos também que os lia-
-na’in (representantes) de duas famílias usam o caebau ouro (lua minguante dourado) que
se coloca no rosto a rolar-se para nuca e está asseguarado por um pano chamado lesu –
boot (lenço grande), e o uso destes objectos simbolizam o poder; usam-se também uma
ou duas medalhas de ouro com cordas vermelhas penduradas no pescoço, (representam o
poder e a iluminação dos raios do sol como energia vital): Vestindo trajes tradicionais
como tais (pano tradicional) que simboliza o espírito de uma-adat (casa sagrada), luha
(pulseira) no braço que simboliza a competência como oficial da autoridade da casa sa-
grada, isto é, só os lia-na’in que vestem o traje tradicional podem guiar ou gerir todo o
evento cerimonial.
A espada na mão simboliza o espírito de heroísmo e defensor da verdade, isto é, usada
para defender a sua cultura e o seu povo em quaisquer ataques.
Tudo isso representa um discurso dialogal de carácter expositivo que transmite toda a
superioridade e diferença de duas famílias.
Na aclamação da palavra oralmente anunciada pelos lia-na’in encontra-se muitas ex-
pressões metafóricas associadas ao princípio de saudações e respeitos mostrados à família
de Caebau e Lelomau, usando a expressão “ha’u nai, ha’u bei, ha’u tio no ha’u tia sira,
loron sae ona ita atu hamutuk, fulan romano na ita atu koalia – meu senhor, meu ante-
passado, meu tio e minha tia, o sol já raiou para deixar-nos sentar juntos, a lua já dá luz
para deixar-nos falar”. Esta expressão é uma aclamação poética com uma alusão metafó-
rica, para entender a expressão de boas-vindas e de respeito mútuo, os dois representantes
de duas famílias expressam os seguintes enunciados:

“Mak ami respeitu lia na’in hosi família boot uma fukun Kaebau ho familian mak ami
hamta’uk no hadomi (Celestino). “Mak ami respeitu lia na’in hosi família boot uma fukun
Lelo-Mau ho familia mak ami hamta’uk no hadomi” (João).

Nestas expressões, percebemos que os lia-na’in de duas famílias mencionam sempre


os nomes das casas sagradas de Lelo Mau e Kaebau. A identificação do nome de duas
casas sagradas é para invocar os espíritos dos antepassados de duas partes, para que estes
possam ajudar a unir as duas famílias harmoniosamente. E isso é uma consideração pré-
via de que vale a pena comunicar também com os antepassados por meio de rituais de
casamento. Além disso, na fala dos lia-na’in ouve-se também o dizer do nome de Deus
como criador de vida e das coisas na terra.
Os dois lia-na’in têm capacidades de extrair a emoção do público. Não era à troveja
que até emoções ruins atraem mais o público-alvo. Em outras palavras, sentimentos con-
venceram. Assim, o discurso de dois lia-na’in é uma aclamação emocionante, usando a
linguagem emotiva para persuadir as emoções de todos os presentes na cerimónia ritual
de casamento.
Ao longo do processo de negociação entre dois grupos familiares, existe pathos nas
provas intrínsecas psicológicas que produzem comoção psíquica para convencer o públi-
co de que este aceite mais facilmente os discursos apresentados pelos dois lia-na’in. Tal

XXIX Encontro AULP | 193


consentimento afetivo, como acontece igualmente com a convicção espiritual, pode sus-
citar uma ação. Como se tem sugerido, os argumentos de cunho psicológico bifurcam-se
em duas linhas: os éticos e os patéticos.
As palavras ou provas éticas assentam-se na impressão favorável que os dois lia-na’in
– João (kaebau) e Celestino (Lelomau) transmitem nos seus discursos as duas famílias
presentes. Em termos de ética, os dois lia-na’in fazem recomendações que devem ser
executadas ou ouvidas pelas duas famílias, por exemplo, apresentar-se como pessoas
boas, dotadas de sentimentos humanitários, agradáveis, prudentes, virtuosas, nobres, sá-
bias, fortes e sinceras.
Persuadir os ouvintes por meio das palavras que reflectem sobre as paixões, senti-
mento e amor ao próximo. Sabendo o sentido de paixões (pathos) age diretamente na
mente do ser, como anota Aristóteles (1964, p.100), as paixões “são as causas que intro-
duzem mudanças em nossos juízos”, e variam consoante daquilo que o sentimento mos-
tra e a sua satisfação se realiza mediante de um pacto estabelecido, como o casamento,
por exemplo.
Reportando essas observações para o campo da cultura, podemos asseverar que o
pathos relaciona-se às emoções provocadas por uma ação dialogal nos espectadores ao
longo do discurso dado. Assim, o patho é um modo de receção que pode acompanhar à
prenda, e por isso, o público-alvo como duas famílias de fetosá-umane tem obrigação de
apreciar todas as decisões tomadas. Torna-se útil também reparar que o pathos no discur-
so de dois lia-na’in de duas casas sagradas que conduz ao processo de construção da fa-
mília nova.
O discurso dialogal entre dois lia-na’in perante a presença de toda a família matriarcal
e patriarcal é um acto de acumular o espírito de união de duas casas sagradas. Os dois
lia-na’in dão os seus argumentos (logos) um ao outro para chegar a uma conclusão de que
podem avançar o ritual de casamento.
O primeiro orador (João) no seu discurso de abertura, ele apresentou ao seu homólogo
(Celestino) e a família sobre o objetivo de suas presenças. Um dos seus objetivos é para
falar sobre o dote (borlaque) que tem sido apresentado pelo candidato do noivo e apresen-
tado pelo Manu-ain, (a pessoa que faz ligação) nos tempos anteriores. É um processo do
casamento realizado entre um membro da casa sagrada de Kaebau e um membro da casa
sagrada de Lelomau. E enquanto da parte do lia-na’in da uma-mane (Celestino) aceitou
todas as razões com uma nova proposta para ser discutida entre eles. A razão fundamental
para que no último possam tomar a decisão mais digna e satisfazer toda a família, de
modo a poder fortificar os laços de duas famílias.
O lia-na’in João tentou convencer a família da noiva que a família não pode deixar um
homem a viver sozinho nem uma mulher a viver sozinha com analogia da criação do
homem “génesis” onde Deus criou Adão e Eva a viver juntos como um casal. Pelo con-
trário o lia-na’in da noiva lançou algumas ideias, referindo a história e o processo de
evolução do casamento que aconteceu desde antes de 1960, na década do ano de 1970 e
toda a consequência que refletia sobre casamento, nomeadamente no que diz respeito ao
material e não material. Além disso, ele salientou também que os tipos de casamento
matrilinear e patrilinear “tuir dalan rai mane no rai feto” até podem associar-se ao mode-
lo misto de casamento.

194 | XXIX Encontro AULP


Numa discussão longa, o lia-na’in João intensionalmente acabou por estabelecer uma
ponte para fortificar a relação entre duas famílias, mas em todo o caso o barlaque/dote é
considerado como um fator determinante para classificar o estatuto da família patrilinear
(depois da entrega de barlake, a noiva é integrada na casa sagrada do noivo) o que é com-
binado entre a família de Caebau para adotar o tipo de casamento folin kotu (dote pago).
Em contraste com a ideia lançada pelo João, o lia-na’in Celestino reagiu com o seu
contra argumento (logos). Ele com as suas ideias propunha uma solução alternativa para
não considerar a pessoa como objeto ou seja instrumento do comércio de mercado. E, ele
lançou um novo conceito para tomar um caminho ou um rumo certo que é o próprio futu-
ro do casal com uma alusão metafórica: “imi rua mak ami nia sadang no wee matan”. Isto
é, uma ponte para ligar entre as duas casas sagradas, mesmo que o nome em si sobressai
é a de Kaebau na qualidade como sujeito ou mento de casamento. Sendo assim, o lia-na’in
continua a propor o nome de objectos do barlaque/dote que vão ser entregues à família da
noiva de acordo com as normas culturais. Só assim é que o futuro do novo casal será
abençoado pelos espíritos dos antepassados das duas casas sagradas referidas e assim a
vida deles fique com aquilo que se chama “matak-malirin husi bei-ala sira – verde-fres-
cura dada pelos antepassados”.
Com estas razões fundamentais do lia-na’in da uman-mane (porta voz da noiva) fez
com que o lia-na’in da família do noivo (mane-foun) fique satisfeito com toda a decisão
tomada por ambas as partes.

Conclusões
Depois de fazer uma leitura compreensiva, percebemos que o lançamento de batar-
-musan (grão de milho) simboliza os materiais que vão ser entregues pela família do
noivo. É verdade que é apenas uma afirmação, mas tem o seu significado próprio no
ritual de casamento. Esta expressão é entendida como uma afirmação metafórica para
dizer que “um grão de milho” significa “um búfalo”, ou um objecto como disco de ouro.
Vale a pena acrescentar aqui que é a aplicação das seguintes metáforas usadas pelos lia-
-na’in no processo da cerimónia ritual de casamento.
• Ai-funan (flores) é a metáfora (personificação) das mulheres em geral, particular-
mente as meninas.
• Nahe dalan (preparar caminho) é metáfora de abrir o novo caminho para outra casa
sagrada que nunca teria antes.
• Ai-kaletek (ponte) é a metáfora de criar uma nova relação entre duas casas centrais-
-casas sagradas.
• Uma ho ahi (casa e fogo) é a metáfora da casa sagrada-casa central, lugar onde a
geração duma família vem.
• Bee manas ai-tukan (Água quente e brasas de fogo) é a metáfora do débito de
gratidão que mostra o suor e o cansaço do pai e da mãe.
• A corrente da ribeira não destrói é a metáfora de que nenhumas as forças podem
destruir a relação das duas famílias.
• Tahan hitu (7 folhas) é a metáfora de dinheiro. Cada folha representa 1000.00 ez,
sete folhas quer dizer 7 mil dólares.

XXIX Encontro AULP | 195


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196 | XXIX Encontro AULP


Efuko “Festa da Puberdade” sua importância
na educação das meninas do grupo etnolinguistico
Nyaneka Nkhumbi na Huíla

Bernardo Manuel Camunda


Universidade Mandume ya Ndemufayo: Escola Superior Pedagógica do Namibe
E-mail: [email protected]

Georgina Tchilinga Dumbo Pequenino de Figueiredo


Universidade Mandume ya Ndemufayo: Escola Superior Pedagógica do Namibe
Namibe – Angola; E-mail: [email protected]

Introdução
A educação tradicional Angolana é, geralmente, entendida como uma educação assen-
te na tradição oral, nos valores, nos hábitos e costumes. São transmitidos às novas gera-
ções através da oralidade, isto é, por meio dos contos, de lendas, de mitos, de provérbios,
de advinhas, de danças, dos ritos de iniciação e outros.
Assim, Angola, sendo um país plurilingue, comporta uma gama de tradições culturais
onde iremos destacar o “Efuko” rito de iniciação feminina, geralmente praticada pela
comunidade Nyaneka-Nkhumbi na Província da Huíla.
Em Angola, esta festa de iniciação é praticada por vários grupos: Ganguela, Tshokwe,
Nyaneka-Nkhumbi e Ambó. A menina deve ser iniciada quando lhe aparece a primeira
menstruação. Em alguns grupos, iniciam-nas antes e, noutros, depois de passar dois anos
ou mais (Altuna, 2014).
Tendo em conta a cultura de cada grupo, as formas, bem como as práticas dos ritos de
iniciação, variam, tal como afirma Imbamba (2010, p.34), “cada cultura tem expressões
peculiares que a distinguem das demais, pois ela não é um uniforme de todas devem re-
ceber e vestir indiscriminadamente”.
Estas comunidades entendem que, através deste rito, educa-se as meninas para uma vida
adulta. Assim, no sentido geral, educação significa o meio através do qual hábitos, costumes
e valores de uma comunidade são transferidos de uma geração para a outra mais nova.

1. Caracterização do grupo etnolinguístico Nyaneka-Nkhumbi


Os Ovanyaneka são povos bantu que pertencem ao grupo etnolinguístico Nyaneka-
-Nkhumbi, estabeleceram-se no planalto da Humpata e nos territórios do curso médio do rio
Cunene, entre os séculos XV e XVI ”. São falantes da língua Olunyaneka e suas variantes
são: Handa (Cipungo), Handa (mupa), Hinga, Nkhumbi, Mwila, Ngambwe, Ocilingehum-
bi, Ocilengemusó, Ocipungo, Onkwakwa e Ndongwena (Fernando & Ntondo, 2002).
A actividade económica mais praticada pelo grupo nyaneca-nkhumbi é a agricultura e
a pecuária. O espaço territorial que é ocupado pelo referido grupo etnolinguístico oferece
condições para a prática de outras actividades como: a caça, a pesca, o artesanato e a

XXIX Encontro AULP | 197


olaria. Culturalmente os Ovanyaneca-nkhumbi, representam uma população de Angola
muito conservadora da sua cultura, língua, danças, e dos ritos de iniciação como o Efuco
(cerimónia de passagem feminina da meninice à adolescência) e o Ekwendje – circunci-
são, (rito de iniciação masculina) (Dias, Costa & Palhares, 2015).
Tendo em conta a principal actividade económica da região, a principal fonte de ali-
mentação da população é a base de leite de vaca, guarnecida pelo funge de cereais como:
milho, massango e massambala, para além do peixe, carne de gado bovino, cabrito e
ovino, bem como de caça e frutos silvestres (Redinha, 1970).
As mães idosas ocupam-se das raparigas, ensinando-lhes a serem mães, oleiras, ma-
nufacturadoras dos enfeites da mulher, enquanto os pais idosos se ocupam dos rapazes,
educando-os a serem pais, praticantes de artes e ofícios, fortes à prova de fome, corajosos
e determinados contra várias vicissitudes da vida. Os rapazes são preparados para a práti-
ca da caça (Dias & Costa, 2011); (Dias, et al., 2013, 2015).

Mulher Nyaneka-Nkhumbi com o filho nas costas


Fonte: Estermann, (1970)

As diferentes formas como se apresenta a mulher Nyaneka-Nkhumbi permitem distin-


guir as diferentes fases etárias de cada mulher, isto é, por meio de tranças, os enfeites de
missangas à volta da cabeça e da cintura, das pernas e braços. Assim, na fotografia abaixo
podemos distinguir uma criança, uma adolescente e uma mulher adulta. (Dias & Costa,
2011).

Fonte: (Dias & Costa, 2011)

198 | XXIX Encontro AULP


2. As festas tradicionais no grupo etnolinguístico Nyaneka-Nkhumbi
O Ovanyaneka são povos bantu muito ligados a festividades, são alegres e tudo é
motivo para festa. A guisa de exemplo, logo nos primeiros dias da vida de um bebé reali-
za-se o Pita Pondje (sair fora, ou seja, o contacto do bebé com o exterior), festa que acon-
tece entre os sete ou oito dias depois do nascimento de um bebé. Tal acto simboliza a
apresentação da criança aos familiares mais próximos e amigos e, para o efeito, faz-se o
Macau (bebida fermentada feita à base de um produto agrícola chamado massambala),
São mortos alguns animais de pequeno porte como, cabritos, porcos galinhas e outros.
Faz-se a festa de iniciação masculina Ekwendje (circuncisão), que acontece entre os 3 aos
6 e 7 anos. Para alguns este acto ocorre, devido a várias razões, um pouco mais tarde. A
festa de iniciação feminina Efuko que é o foco da nossa investigação. Mas dizer que as
festas não terminam por aí, porque ainda existe várias festas que acontecem na comuni-
dade Nyaneka.
O Efuko é uma cerimónia de iniciação feminina que acontece na fase da adolescência.
A menina deve apresentar-se virgem a estes ritos, caso contrário sofre de discrimina-
ção por parte da família, amigas e a comunidade, de uma forma geral, para além de que é
um acto de desonra para a mesma, para a sua família e, de certo modo, pode afectar a
relação no futuro matrimónio. Segundo Altuna (2014), “a rapariga deve apresentar-se
virgem a estes ritos, de contrário sofre vexações e paga uma indemnização, além de atrair
a vergonha para ela e para a sua mãe, responsável pela sua educação e acrescenta, antes
podiam ser mortas”. Actualmente podem distinguir dois tipos de festa do Efuko: uma que
é realizada no Ombelo (Casa de Cerimónia numa aldeia ou Quimbo) e outra que acontece
na igreja, sobretudo para os da religião católica.
Apesar de o Efuko ser uma festa tradicional, ainda distingue-se diferença entre o
Efuko de tradição autóctone e Efuko de uma tradição que sofreu um processo de acultu-
ração, no caso o que acontece na igreja.

a) O Efuko do Ombelo (Casa de Cerimónia)


O Efuko de tradição autóctone geralmente acontece durante um mês na época do ve-
rão. O ato acontece de uma forma secreta, pois as meninas, submetidas ao rito, são apa-
nhadas de surpresa por um grupo de rapazes já preparados previamente; as meninas são
separadas das famílias e levadas a uma casa chamada Ombelo, normalmente pertencente
a um ancião da região e ficam sob cuidados de uma tia, prima ou mesmo amiga designada
mãe substituta, que será responsável pela mufuko (a menina iniciada). Durante o período
em que ocorre a cerimónia, a iniciada não realiza atividades gerais, apenas aquelas pre-
viamente programadas pelos responsáveis do ato, sendo a mãe substituta responsável pela
alimentação e outros cuidados da menina iniciada. Este período também é marcado por
uma caraterística muito relevante, ou seja, as meninas iniciadas não se vestem de roupa
comum, Os pais compram um tecido que será retalhado em forma de farrapos, cobrindo
apenas as partes íntimas da menina, pois o resto do corpo é pintado de um pó branco,
mascarando-a, o que a torna quase irreconhecível. Assim afirma Altuna (2014), que “é um
rito de maturidade, uma dramatização da ruptura com a influência e incorporação na
idade adulta, a separação é o símbolo da morte e o seu termo representa a ressurreição
para uma vida nova e responsável”. Daí que, finalmente passado o tempo previsto de

XXIX Encontro AULP | 199


cerimónia, as famílias preparam a festa, comidas e bebidas, compra-se roupa nova, panos
para a menina e, na véspera do encerramento, a menina é submetida a um banho prepara-
do pelas tias. Fazem-na tranças novas com enfeites de missangas para a cerimónia final
onde será apresentada à família e à sociedade, com uma nova identidade em termos de
maturidade e ganha o estatuto de mulher, pronta para assumir responsabilidades na famí-
lia, fica apta para o casamento, para ser mãe e, oficialmente, declara-se a sua capacidade,
valor e estima.

b) O Efuko na religião católica


Como é sabido, Angola foi colónia de Portugal durante cerca de 5 séculos, na tenta-
tiva de civilizar o bantu. Por isso, os portugueses procuraram eliminar hábitos, costumes
tradições dos povos autóctones, mas como forma de resistência nem todos os povos
abandonaram as suas culturas. Algumas desapareceram e outras ficaram patentes até
hoje. Como afirma Neto (2014), “O etnocentrismo português negou, ignorou e deturpou
a realidade cultural e tradicional dos nativos de Angola”. A mesma aponta como prota-
gonistas o sistema colonial português e a igreja católica. Silva (2011), aponta a coloni-
zação como fonte de desvalorização da cultura angolana: “a colonização conduziu à
descaracterização da cultura tradicional, razão pela qual muitas práticas tradicionais fo-
ram quase erradica”.
Associada à colonização, depois da independência de Angola, proclamada a 11 de
Novembro de 1975, o Governo independentista, tomado pela ideologia marxista, não
valorizou a cultura angolana, pois era tida como fonte de atraso ao desenvolvimento do
país como afirma Silva (2011), “após a independência, em virtude da ideologia marxista,
as práticas tradicionais foram desvalorizadas por terem sido tomadas como obscurantistas
ou contrárias aos interesses nacionais”.
Desta forma a evangelização dos nativos pela igreja cristã contribuiu para que muitos
grupos etnolinguísticos abandonassem alguns ritos de iniciação, de igual modo, a obriga-
toriedade ao abandono aos ritos de iniciação, serviu de empecilho para a evangelização
de alguns povos muito ligados à cultura, pois preferiram não aceitar o cristianismo e
manter as suas culturas, ao invés do contrário.
Alguns anos depois da independência, a igreja católica toma uma nova atitude quan-
to à forma de evangelização dos povos sem porém chocar com as suas culturas, man-
tendo-as e melhorando-as em alguns aspetos menos positivos. Assim surge Efuko na
igreja Católica que, em termos gerais, tem os mesmos objetivos do Efuko de tradição
autóctone. A diferença consiste no fato de que esta é realizada na igreja católica com
duração de três dias, onde as meninas iniciadas ficam em reclusão, propriamente em um
retiro, cuja formação recebida tem bases na educação cristã, sobretudo introduzir a me-
nina na vida social sobre princípios morais e religiosos. A atitude foi bem aceita pelos
fiéis, pois como afirma Martinez (2014), “a cultura não é algo tão rígido que obrigue os
indivíduos a repetir mecanicamente o que receberam da tradição: ela é compreendida
como um fluxo perene; embora os indivíduos se comportem fiéis à tradição, não agem
repetindo mecanicamente as formas da tradição, eles acrescentam sempre algo novo e
próprio”.

200 | XXIX Encontro AULP


Meninas iniciadas durante a missa de encerramento.
Fonte: Própria dos autores, (2018)

As meninas recebem orientações relativas às vocações que podem ser matrimonial ou


para a vida consagrada a Deus, isto é, para a vocação de madre; são preparadas igualmente
para a vida em sociedade, na família, para os cuidados com o marido e os filhos; são
orientadas para uma vida sexual responsável, prevenindo doenças sexualmente transmis-
síveis, gravidezes precoces, sobretudo uma forma de evangelizar a cultura. As práticas
são menos agressivas em relação ao Efuko de tradição autóctone, pois a menina que será
iniciada é avisada antecipadamente e, durante o período da sua estadia no retiro, tem di-
reito a visitas por parte das famílias. Já no terceiro dia do encerramento realiza-se uma
Missa solene onde as meninas são apresentadas à comunidade como jovens iniciadas e
prontas a exercer outras funções sociais com maturidade.

Meninas iniciadas durante a missa de encerramento.


Fonte: Própria dos autores, (2018)

XXIX Encontro AULP | 201


3. Importància do Efuko na educação das meninas do grupo etnolinguístico Nya-
neka nkhumbi na Huíla
O Efuko é considerado como uma alavanca na educação dos povos, já que contribui
para a valorização da cultura angolana.
As suas manifestações, proibições, mitos valorizados pelos povos fazem desta ceri-
mónia um meio de transmissão de valores, como danças, cantos, a forma como uma
menina deve comportar-se diante dos adultos, a importância que deve dar ao marido e
à família do marido, os cuidados a prestar às pessoas idosas e sobretudo o fato da exi-
gência de que a menina deve manter-se pura ou virgem antes do Efuko. Na tradição
dos Nyaneka-Khumbi, a jovem que se casa ou engravida sem passar por Efuko ou festa
da puberdade é uma pessoa sem valor, de acordo com os mitos, ela não podia ter filhos
ou se os tivesse não podiam viver; ela seria uma pessoa azarada, podendo ser mor-
dida por cobras ou vítima de vultos, assombrações e muita coisa má até a sua morte,
podendo atrair o mal para família. Tendo em conta esses mitos, isto fazia com que as
meninas respeitassem rigorosamente a educação familiar e que de certo modo era
uma forma de prevenção de gravidezes precoce ou o nascimento de filhos fora do casa-
mento.
Imbamba (2010, p.35) afirma, “a cultura não é um acontecimento espontâneo, ins-
tintivo, inato ou automático; ela requer uma aprendizagem, uma educação e, exige do
indivíduo singular, quer da sociedade, um esforço árduo, sacrifícios e um empenho
constante”.

4. Metodologia
O nosso estudo é descritivo de natureza qualitativa, onde recolhemos os dados através
de uma entrevista semi-estruturada aplicada a 10 participantes, cujo critério de seleção
baseou-se em seguintes fatores: os participantes pertencem ao grupo etnolinguístico Nya-
neka-Nkhumbi, a idade que varia entre o 30 à 60 anos, ter participado em algumas festas
do efuco, conhecer profundamente a cultura Nyaneka e o interesse que mostrado pelos
mesmos em participar e colaborar na investigação.
Para tal, foi necessária a construção de um guião de entrevista que serviu de orienta-
ção para a aplicação das entrevistas. Dos dados recolhidos e analisados, foi possível sin-
tetizar as principais ideias.
Assim, quando perguntamos aos participantes sobre o papel do rito de iniciação efuko
(festa da puberdade), dos 10 entrevistas 8 correspondendo a 80%, reconhecem que a fes-
ta de puberdade contribui para o resgate e valorização da cultura angolana. Ainda na
mesma questão 6 participantes correspondente a 60%, dizem que esta festa promove a
identidade dos povos e preservação da cultura Angolana. Numa outra questão sobre a
importância do efuco, 10 participantes correspondente a 100% concordam da ideia de
que, o cumprimento e o respeito aos valores culturais, serve de base de orientação para a
educação dos jovens, pois nestas cerimónias aprende-se a obediência e respeito aos mais
velhos, a propriedade familiar, privada, o valor a dignidade da mulher como pilar na edu-
cação da família.
Na Terceira pergunta sobre a importância da exigência da menina em apresentar-se
virgem no ato, dos 10 entrevistados, 100% responderam:

202 | XXIX Encontro AULP


– Para evitar a gravidez antes da menina atingir a idade considerada adulta, uma vez
que nestas comunidades as pessoas não tinham domínio sobre os métodos anti-
-conceptivos;
– Para honra da família já que a virgindade era tida como sinal de pureza e honesti-
dade;
– Outros ainda evocam uma forma de precaução a doenças transmissíveis sexual-
mente muito cedo;
– Na quarta pergunta sobre o papel das diferentes atividades que a menina aprenderá
durante o período da festa de puberdade, dos participantes 7 correspondente a 70%
responderam: as habilidades que a menina adquire durante a cerimónia ficam para
a vida toda o que podemos chamar de uma aprendizagem significativa, pois o mo-
mento, o companheirismo de outras meninas torna-se tão marcante na sua vida.

Na quinta pergunta e última sobre a qualificação da mulher que passa pela festa da
puberdade, 1 participante revelou que o objetivo é educar, embora que nem toda semen-
te cai em solo arável (dito por um Padre), os demais participantes mostram que é bom
educar as novas gerações segundo os costumes dos antepassados no entanto como a
cultura não é imutável nem sempre todos seguem os mesmos passos.
Por últimos o único padre (Padre Sapalalo) entrevistado fez uma abordagem do pon-
to de vista religioso, dizendo que a religião católica tem fundamento no cristianismo de
origem Europeia, entre tanto antes da colonização as populações angolanas já
professavam algumas religiões consideradas pagãs, logo era necessário evangelizar a
cultura para que as pessoas tenham fé no cristianismo sem obrigá-las a abandonar as
suas culturas.

Considerações Finais
Em síntese o estudo permitiu-nos colher conhecimentos de forma mais profunda so-
bre a cultura angolana, concretamente do grupo etnolinguístico Nyaneka-Nkhumbi, isto
é, sobre o Efuko e sua importância para a educação das meninas.
Ao recorrer a diferentes bibliografias, permitiu-nos reconhecer o valor contido em
certas culturas dos povos que, muitas vezes, parecem mais festas simplesmente para co-
mer, beber e dançar, enquanto o foco principal consiste na educação dos povos.
Ainda podemos compreender que a educação assente aos ritos de iniciação para os
africanos em particular angolanos podem contribuir para a educação dos jovens no que
concerne, a responsabilidade social, o combate a promiscuidade, a prevenção de doenças
transmissíveis sexualmente bem como a precaução e prevenção de gravidez precoce que
muito assola a juventude angolana.
Assim pensamos que com esta investigação podemos contribuir para a sensibilização
da população na valorização dos ritos de iniciação, bem como orienta-las de formas a
fazerem um bom aproveitamento destes valores e ao mesmo tempo eliminar as práticas
menos boas contidas nos ritos de iniciação.

XXIX Encontro AULP | 203


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204 | XXIX Encontro AULP


Tema II
Saúde e Tecnologia
O impacto das tradições culturais, mitologias e tabús nos
programas de educação sexual na África Meridional

Martha Nyanungo e Manguvo Angellar


Universidade Metodista de Angola

Introdução
A sexualidade é um dos aspectos mais complexos da humanidade. O fenómeno possui
múltiplas dimensões, que englobam sexo, orientação sexual, papéis e identidades de
género, erotismo, prazer, intimidade e reprodução (World Health Organization (WHO),
2010). Como reitera ainda a OMS, a sexualidade é vivenciada e expressa em diferentes
formas, que incluem pensamentos, fantasias, crenças, atitudes, valores, comportamentos,
práticas, papéis e relacionamentos. Considerando a multiplicidade de traços abrangidos,
é inegável que a sexualidade ocupa uma parte central da vida humana (Manguvo e Nya-
nungo, 2018). Aprender seus vários aspectos, como subentende o Fundo de População
das Nações Unidas (UNFPA) (2015), é um processo vitalício que começa na infância e
progride através da adolescência e idade adulta com efeitos significativos no bem-estar
dos indivíduos e das comunidades em geral.
Considerando o papel central que a sexualidade desempenha na humanidade, o UN-
FPA e a Federação Internacional de Planeamento Familiar (IPPF) defendem a adoção e
expansão mundial de programas de educação sexual nas escolas. Galvanizada pela neces-
sidade de um currículo holístico que inclua vários aspectos da sexualidade, a IPPF propôs
uma abordagem baseada no currículo, a saber: Educação Abrangente em Sexualidade
(CSE). A IPPF (2010) define CSE como “uma abordagem baseada em direitos que visa
dotar os jovens com os conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que precisam para
determinar e desfrutar da sua sexualidade, física e emocionalmente, individualmente e em
relacionamentos.” O objetivo do CSE, como a UNFPA (2015) reitera, é equipar os jovens
com conhecimentos e habilidades na exploração dos seus próprios valores e atitudes, de
modo a fazer escolhas responsáveis sobre os seus comportamentos sexuais e relações
sociais. A CSE também se concentra em outros tópicos amplos, como relações de género,
infecções sexualmente transmissíveis, prevenção do HIV e AIDS, bem como relações
emocionais e responsabilidades relacionadas com a sexualidade.
O UNFPA trabalhou em parceria com várias organizações governamentais e não-go-
vernamentais e a sociedade civil para ampliar a implementação da CSE em escolas em
todo o mundo. De acordo com isto, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
sobre os Direitos das Mulheres demonstrou um compromisso em adotar a CSE nos currí-
culos escolares. Em 2013, representantes dos países da África Oriental e Austral também
concordaram em adotar e implementar os programas da CSE como parte integral das
medidas formuladas para combater as infecções pelo HIV entre os jovens (UNFPA,
2015). Desde então, um número considerável de países africanos propôs a adoção de di-

XXIX Encontro AULP | 207


retrizes da CSE na formulação de uma estrutura para os currículos de educação sexual nas
escolas (Shortridge, 1997). Como Shortridge afirma ainda, as diretrizes podem percorrer
um longo caminho para ajudar os jovens a adquirir conhecimento e desenvolver um com-
portamento responsável que, em última instância, reduza as taxas de gravidez indesejada
e doenças sexualmente transmissíveis. No entanto, apesar das promessas de adotar a edu-
cação em sexualidade por muitos países africanos, as avaliações da situação dos progra-
mas da CSE revelaram que a implementação é muito pobre, lenta e desigual (Manguvo e
Nyanungo, 2018). O objetivo deste artigo, portanto, é desvendar e discutir alguns fatores
contextuais que potencialmente apresentam impedimentos substanciais à implementação
de programas de educação sexual na África Austral. O artigo foca principalmente as tra-
dições, mitologias e tabus culturais africanos que estão centrados no tema da sexualidade,
bem como os modos indígenas de educação sexual inevitavelmente em evolução.

A Região da África Austral


Os países discutidos no texto, além de estarem geograficamente localizados na África
Austral, trabalham sob os auspícios de uma organização política e económica conhecida
como Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). A organização tem 15
estados membros; nomeadamente: Angola, Botsuana, República Democrática do Congo,
Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícias, Moçambique, Namíbia, Seicheles, África do
Sul, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbabué. A maioria da população desses diferen-
tes países são indígenas de língua bantu de várias etnias. Os processos de colonização e
tendências recentes na migração global continuaram a mudar a dinâmica populacional da
África Austral, com um aumento significativo na população de descendentes de europeus
e asiáticos. Como consequência dessa mistura cultural, as perspectivas sobre a sexualida-
de na África Austral são, indiscutivelmente, influenciadas por múltiplos fatores, incluindo
ideologias culturais, religiosas, coloniais e pós-coloniais. Dada esta multiplicidade de
factores associada à heterogeneidade entre e dentro de vários estados membros, é de fac-
to um desafio fornecer uma análise holística de pontos de vista ideológicos específicos
quando se relaciona com a sexualidade. Assim, tomamos conhecimento do fato de que
diferentes países experimentaram trajetórias históricas únicas, potencialmente resultando
em distintos valores, atitudes e crenças sobre sexualidade.
Embora reconheçamos as diversas origens étnicas e históricas entre os países da Áfri-
ca Austral, abordámos a questão da sexualidade a partir de um terreno comum em que a
pluralidade de culturas e tradições indígenas nos países da África Austral encontra con-
vergência. Além disso, independentemente das diferentes experiências coloniais, a maio-
ria das etnias possui bases sólidas para a educação tradicional da sexualidade indígena.
Ao abordar esse tópico, consideramos a África Austral como uma comunidade integrado-
ra em relação à sexualidade, destacando aspectos comuns das práticas tradicionais e cul-
turais da sexualidade partilhadas pelas diversas etnias mais da região.

HIV / AIDS e a Necessidade de Educação em Sexualidade na África Austral


A África Subsaariana abriga apenas cerca de 13% da população mundial e, ainda as-
sim, segundo a UNAIDS (2012), a região foi responsável por cerca de 71% das novas
infecções por HIV em 2012. Dentro dessa taxa desproporcional, a África Austral sub-re-

208 | XXIX Encontro AULP


gião tem a maior taxa de infecção pelo HIV. Com apenas cinco por cento da população
mundial, a África Austral continua a ser o epicentro da pandemia do HIV / SIDA (Delva
& Karim, 2014). Nove dos 15 países da região descritos anteriormente têm taxas de pre-
valência de HIV superiores a 10%. Jovens, com idade entre 15 e 24 anos, constituem o
grupo etário de maior risco que, de acordo com a UNAIDS, é responsável pela maioria
das infecções pelo HIV na região.
Considerando a taxa desproporcional de infecção por HIV e SIDA na África Austral,
especialmente entre os jovens, a necessidade de adoptar programas de educação sexual
nos currículos escolares não pode ser minada. Como mencionado anteriormente, a educa-
ção em sexualidade pode ajudar muito os jovens a adquirir conhecimento e desenvolver
um comportamento responsável, o que acaba reduzindo as taxas de doenças sexualmente
transmissíveis e gravidez indesejada (Shortridge, 1997). Confrontados com os efeitos
devastadores da pandemia do HIV / SIDA, não é surpreendente que vários governos na
África Austral demonstrem desde já uma dedicação à adopção do CSE nos seus currícu-
los escolares.
Embora muitas organizações governamentais e não-governamentais na África Austral
tenham demonstrado um compromisso inabalável para implementar o CSE nas escolas,
relatórios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) (2012) e do UNFPA (2015) revelaram resultados pobres, lentos e implemen-
tação desigual. Por exemplo, na Zâmbia (que é um dos primeiros países a ter ampliado a
implementação do CSE na África Austral), apenas 23% das escolas forneceram CSE e
menos de 38% das escolas do governo e da comunidade tiveram professores treinados em
educação sexual. (UNFPA, 2015). Mesmo nas instituições que ofereciam educação em
sexualidade, foi relatado que a maioria dos conceitos-chave relacionados com a educação
em sexualidade, como acesso a preservativos, aborto e serviços de saúde sexual, foram
omitidos do currículo; preferencialmente enfatizando conceitos mais culturalmente acei-
táveis como a abstinência (UNFPA, 2015). Implementações mal-intencionadas seme-
lhantes foram relatadas em países signatários do Compromisso Ministerial Conjunto de
Saúde e Educação, que se destinava a fornecer CSE na escola no Leste de África. Por
exemplo, um relatório sobre a situação da educação em sexualidade no Quênia revelou
que, além de omitir elementos críticos do plano, o currículo adotou métodos de ensino
prescritivos e baseados no medo, que não incentivam o pensamento crítico suficiente para
os alunos entenderem melhor a sexualidade e saúde reprodutiva (Sidze et al. 2017).
Indiscutivelmente, há uma multiplicidade de impedimentos potenciais para a imple-
mentação adequada do CSE na África Austral. Como afirma a UNFPA (2015), os impedi-
mentos incluem ausência de quadros claros para traduzir as políticas em prática, falta de
direção política, coordenação e padronização, regulação e supervisão fracas dos progra-
mas implementados, inadequação de professores bem treinados, bem como inadequação
de políticas, recursos técnicos e financeiros. Embora a contribuição desses fatores multi-
facetados seja inquestionável, é notável o fato de que notável resistência ainda é observa-
da em escolas onde, por exemplo, recursos financeiros e humanos foram disponibilizados
(Huaynoca, Chandra-Mouli, Yaqub e Denno, 2014). Neste artigo, apresentamos uma di-
mensão diferente das barreiras à implementação da CSE, discutindo como tradições, cos-
tumes e práticas étnicas, mitologias e tabus são impedimentos instrumentais à implemen-

XXIX Encontro AULP | 209


tação de programas de CSE. Esses fatores, afirmamos, apresentam explicações plausíveis
sobre por que os programas de educação em sexualidade na África do Sul são insuficien-
tes em comparação com os «padrões internacionais».

Sexualidade e a cosmovisão filosófica social e religiosa africana


A noção de sexualidade na África Austral tem sido vista e interpretada como uma
perspectiva ocidental e, no entanto, a África do Sul tem um conceito de mundo de religião
que é claramente distinto da perspectiva eurocêntrica (Manguvo e Mafuvadze, 2015).
Como Mbiti (1969) afirma, uma visão do mundo é baseada em uma ontologia holística e
antropocêntrica, que coloca o homem como um todo inseparável com o cosmos. A pers-
pectiva está no mundo como sendo composta do sobrenatural e do vivo, com o primeiro
controle sobre o último. A perspectiva dos africanos sobre o universo é teórica, holística
e pró-natal social e social de orientação (Nsamenang e Tchombe, 2011). Ideias sobre se-
xualidade são perceptivelmente dirigidas por valores espirituais. A educação em sexuali-
dade é, portanto, vista como um processo e um resultado que busca a orientação como
crianças para o universo (Manguvo e Nyanungo, 2018). Juntamente com esta cosmovisão
filosófica, a maioria das comunidades africanas é, em geral, de natureza patriarcal. De
fato, os sentimentos patriarcais têm uma influência significativa sobre as várias facetas da
sexualidade em termos do que é considerado normal e aceitável (Izugbara, 2011). Uma
noção de sexualidade, portanto, não é uma função única do gênero biológico; Antes, é um
subconjunto da construção social do gênero.
As visões de mundo filosóficas africanas determinam a forma como os indivíduos são
reconhecidos, definem e atribuem significado aos processos biológicos e psicossociais da
sexualidade. Indiscutivelmente, uma base filosófica é um quadro psicológico de referên-
cia muito diferente para os modelos de informação de sexualidade baseados no Ocidente.
Isso representa uma imagem clara do conhecimento e dos valores polarizados.

Mitologias, Tabus e Tradições Culturais


Imersos em uma cosmovisão que polariza o natural e o sobrenatural, as mitologias e
os tabus são um componente integral na expressão da interconexão entre esses dois domí-
nios. Esses códigos comunitários não escritos moldam inadvertidamente o comportamen-
to moral, especialmente em comunidades étnicas altamente conservadoras. Posteriormen-
te, uma multiplicidade dessas mitologias e tabus envolve a noção de sexualidade. Como
Izugbara (2011) afirma, os jovens foram ensinados a não questionar as mitologias e os
tabus porque estavam inseridos nas práticas culturais e religiosas, tornando-os assim uma
fonte de orientação moral e ordem social. Este ponto de vista continua a desempenhar um
papel significativo na formação de atitudes, crenças e valores em relação à sexualidade,
mesmo em tempos contemporâneos. A noção de sexualidade, portanto, no contexto afri-
cano deve ser conceptualizada dentro das realidades da vida social. Um conhecimento
profundo das mitologias e tabus relativos à sexualidade é crucial se quisermos compreen-
der plenamente as dimensões psicológicas e sociais da implementação de programas de
educação sexual voltados para o Ocidente na região.
A sexualidade em si como um assunto é considerado muito um tabu e é envolvida em
privacidades e ocultada em silêncios; como tal, não é discutido abertamente (Manguvo e

210 | XXIX Encontro AULP


Nyanungo, 2018; Mukoro, 2017a; Musengi e Shumba, 2014). Em toda a África Austral,
é considerado um tabu discutir assuntos de sexualidade com ou na presença de crianças
até que estejam prontas para o seu rito de passagem para a idade adulta. Mesmo durante
esses tempos, os discursos são um domínio de indivíduos responsáveis, como tias, tios e
avós. Por exemplo, entre os zulus da África do Sul, os tabus da sexualidade são gravados
para evitar o sagrado, respeitando a regra de ukuzila e ukuhlonipha, significando “evita-
ção” e “respeito” (Ndinda, Uzondile, Chimbwete e Mgeyane, 2011).
O respeito implica não discutir abertamente questões de sexualidade. Como Mangu-
vo e Nyanungo (2018) reiteram, a observância do ‘silêncio’, ‘evitação’ e ‘respeito’ cen-
trados no tema da sexualidade potencialmente representam um forte obstáculo à imple-
mentação efetiva dos programas de educação sexual centrados no Ocidente nas escolas
da África Austral. O mistério do silêncio desencoraja potencialmente qualquer forma
de abertura em relação ao assunto. Enquanto a voz é valorizada e o silêncio é construído
como um vazio na perspectiva ocidental, no contexto africano, o silêncio, especialmen-
te no contexto da sexualidade, pode ser fortalecedor. É, portanto, uma percepção erró-
nea interpretar a relutância dos jovens sul-africanos em discutir publicamente a sexua-
lidade, como indicativo de uma falta de problemas; antes, o silêncio é um reflexo da
força dos tabus subjacentes. Estudos recentes confirmaram que a maioria dos professo-
res de ambas as escolas de ensino fundamental e médio mantêm sem restrições visões
conservadoras em relação à sexualidade e defendem suas fortes tendências para a pre-
servação do silêncio que oculta. Não surpreendentemente, eles são relutantes em aceitar
o seu papel recém-esperado como guardiões dos currículos de educação sexual, inde-
pendentemente de receberem treinamento adequado (Francis, 2013; 2016). Consideran-
do que a ascensão ou queda de qualquer novo currículo é altamente dependente da dis-
posição, do comprometimento e da capacidade de entrega dos professores, a sua
relutância é um sério impedimento para a implementação adequada dos programas de
educação sexual.
Nas raras ocasiões em que ocorrem discursos sobre sexualidade, há amplo uso de
linguagem mitológica que é intencionalmente destinada a esconder o verdadeiro signifi-
cado do que está sendo discutido. O uso de coloquialismo, expressões idiomáticas, eufe-
mismos, metáforas, gestos e simbolismo é acentuado simplesmente porque o uso da ter-
minologia apropriada é tabu (Moto, 2004). Em alguns casos, a linguagem mitológica
pode ser muito difícil de descodificar e pode até levar a equívocos. Tendo em conta esta
limitação linguística, não é surpreendente que o relatório do UNFPA (2015), que avaliou
os estatutos dos programas de educação em sexualidade na África Austral, revelou várias
lacunas entre o que estava no plano CSE e o que foi realmente ensinado. Além disso,
considerando os recentes apelos pelo uso de línguas indígenas como meio de instrução
nas escolas (Viriri e Viriri, 2014), as limitações do vocabulário permissível nos discursos
sobre sexualidade podem representar desafios ainda maiores para o conteúdo disponibili-
zavél. Assim, um grande impedimento para a implementação do CSE decorre da difícil
postura de que a sexualidade continua sendo um assunto tabu. Curiosamente, ou melhor,
surpreendentemente, apesar da noção de silêncio que rodeia o assunto, a atividade sexual
entre os jovens da África Austral está bem documentada, algumas indo além das práticas
sexuais típicas familiares às gerações mais velhas (Mukoro, 2017b).

XXIX Encontro AULP | 211


Além da natureza sagrada do assunto, existem muitos prós e contras que aplicam pe-
sos e contrapesos em questões de sexualidade (Manguvo e Nyanungo, 2018). Por exem-
plo, a masturbação foi amplamente considerada um tabú na maioria das etnias tradicio-
nais da África Austral (Otaigbe, 2008). Entre as pessoas Shona no Zimbábue, acredi-
tava-se que a masturbação levava ao crescimento de pelos na mão que se masturbava. Em
outras etnias, acreditava-se que a masturbação causava cegueira. Invariavelmente, acredi-
tava-se que os espermatozoides eram sagrados, de modo que eliminá-los era considerado
um insulto aos ancestrais. Isso pode ter efeitos inibitórios sobre o uso de preservativos,
onde os espermatozoides são eliminados. É, portanto, discutível que as atitudes negativas
generalizadas em relação ao uso de preservativos na África possivelmente possam ser
atribuídas a tais crenças míticas (Benefo, 2010).
Havia vários outros tabús comuns nas etnicidades da África Austral, centrados em
vários aspectos da sexualidade, como a menstruação. Por exemplo, entre o povo Shona do
Zimbábue, foi amplamente aceite que entrar em contato com um recém-nascido enquanto
alguém está menstruando levará à esterilidade no futuro. Em algumas comunidades, as
mulheres menstruadas eram geralmente retiradas das rotinas diárias e não podiam sequer
compartilhar utensílios domésticos com outras pessoas.
Independentemente do misticismo associado, as mitologias e os tabús tinham um lu-
gar muito especial na sociedade africana; como tal, pode não ser fácil ignorá-los comple-
tamente, especialmente considerando que eles foram incutidos em pessoas em idades
mais tenras. De fato, embora a maioria das mitologias e tabus tenha sobrevivido à sua
essência na África do Sul contemporânea, um número considerável deles permaneceu
tenaz. Os códigos não escritos permanecem como versões mistificadas do sistema legal
das comunidades, que controlam o comportamento social.

Programas Indígenas de Educação Sexual e sua Evolução


A educação em sexualidade é um dos primeiros ensinamentos de qualquer cultura,
independentemente da raça e do nível de desenvolvimento (Nyika, Manguvo, e Zinyan-
duko, 2016). Como berço da humanidade, a África tem tido formas tradicionais de edu-
cação sexual desde tempos imemoriais. Quando os programas de educação sexual volta-
dos para o Ocidente foram posteriormente introduzidos nos sistemas de educação formal,
pouca consideração foi dada às formas tradicionais de educação em sexualidade que já
existiam, embora tenham evoluído ao longo do tempo. Uma compreensão objectiva dos
actuais desafios na implementação de programas de educação sexual orientados para o
Ocidente na África Austral contemporânea é, portanto, incompleta sem uma compreensão
completa dos padrões indígenas de educação em sexualidade.
Durante a era pré-colonial, o currículo de educação sexual na África Austral foi estri-
tamente estabelecido para preparar os jovens para serem adultos responsáveis dentro do
contexto africano. O ápice do currículo era o ritual das cerimônias de passagem. Meninos
e meninas foram ensinados separadamente para ajudar a prepará-los para seus respectivos
papéis adultos. Como Baguma e Aheisibwe (2011) afirmam, o conteúdo da instrução e a
duração do aprendizado foram geralmente determinados pelo nível de domínio dos co-
nhecimentos e competências do aprendiz.
A educação em sexualidade evoluiu nas décadas de 1930 e 1940, quando o cristianis-

212 | XXIX Encontro AULP


mo começou a se espalhar em várias partes da África Austral. A maioria dos missionários
ocidentais difamava os modos tradicionais de educação sexual, tornando-os primitivos,
bárbaros e; como tal, impedimentos para a progressão do cristianismo. A educação tradi-
cional sobre sexualidade continuou a sobreviver a vários outros esforços coloniais abra-
sivos e implacáveis e ondas de intervenções pós-coloniais para erradicá-las. De facto,
algumas formas de educação em sexualidade são praticadas continuamente na África
Austral contemporânea (Musengi e Shumba, 2014). Por exemplo, um estudo de Setlhabi
(2014) mostra que os jovens de algumas comunidades do Botswana ainda frequentam as
cerimônias Bogwera (iniciação dos meninos) e Bojale (iniciação das meninas). Práticas
semelhantes foram relatadas em partes do Zimbábue e do Malawi, onde alguns grupos
étnicos ainda aderem à iniciação cultural Chinamwari / Chinamwali (Kapungwe, 2003;
Moyo e Zvoushe, 2012).
De fato, mitologias e tabus centrados na sexualidade, bem como nos modos tradicio-
nais de educação em sexualidade, permaneceram tenazes contra forças abrasivas e impla-
cáveis que buscavam erradicá-las. Não obstante, é também indiscutível que trajetórias
históricas como o advento do cristianismo e em alguns casos o islamismo, o colonialismo,
a pandemia do HIV e da AIDS e a explosão da tecnologia da informação perpetuaram
inevitavelmente a evolução e a transformação desses fenómenos. Considerando sua pre-
valência, embora tenham evoluído ao longo do tempo, é evidente que a implementação de
programas de educação sexual voltados para o Ocidente nas escolas enfrenta desafios dos
modos predominantes. Por exemplo, enquanto formas tradicionais e centradas no ociden-
te de educação em sexualidade podem convergir em muitos aspectos, há vários outros
aspectos em que os dois estão em claro conflito.

Resistência da Educação Sexual Orientada para o Ocidente


Pesquisas anteriores mostraram que algumas tradições culturais indígenas represen-
tam um obstáculo substancial aos programas de educação sexual voltados para o Ociden-
te (Oshi, Nakalema e Oshi, 2005). Isso não é surpreendente, uma vez que os programas
de educação em sexualidade são originários da América do Norte; Portanto, o currículo
permanece excessivamente euro-americano em caráter, conteúdo e estrutura (Manguvo e
Nyanungo, 2018). Como discutido anteriormente, o currículo é separado das visões filo-
sóficas globais, das tradições culturais e das realidades gerais dos povos indígenas. Além
disso, muito do que é proposto nos programas é muito técnico e biomédico; assim, a pe-
dagogia remove a educação sexual dos contextos socioculturais (Mwambete e Mtaturu,
2006). Frequentemente, os modelos de educação sexual voltados para o Ocidente são
promovidos de maneiras que denigrem, desvalorizam e desmistificam os sistemas de co-
nhecimento e modos de educação sexual indígena africanos. Além disso, alguns dos prin-
cipais conceitos e tópicos recomendados para o currículo, como masturbação, resposta
sexual, orientação sexual, contracepção e aborto são considerados indiferentes e, em al-
guns casos, valores estrangeiros imorais propagados para minar a cultura africana (Man-
guvo e Nyanungo, 2018). Por exemplo, embora o CSE ensine o valor da abstinência, ele
apresenta uma impressão de que o sexo antes do casamento é permissível ao fornecer uma
opção de usar contraceptivos e medidas de prevenção de doenças se os jovens escolherem
ser sexualmente ativos. Isto está em claro contraste com os ensinamentos religiosos tradi-

XXIX Encontro AULP | 213


cionais e fundamentais, que categoricamente condenam o sexo fora do casamento. Além
disso, o CSE parece aceitar mais a homossexualidade do que a maioria das etnias africa-
nas, que tratam a orientação homossexual como algo não natural e uma abominação.
Contra tais contextos, não é de surpreender que as tentativas de incluir esses tópicos nos
currículos sejam enfrentadas com notável resistência por pais africanos, educadores, co-
munidades religiosas e sociedade em geral. Nesse sentido, o CSE é percebido como uma
imposição cultural generalizada e, muitas vezes, é responsabilizado pela rápida dissemi-
nação da imoralidade, como sexo pré-marital, abortos, homossexualidade e desobediên-
cia adolescente (Manguvo e Nyanungo, 2018). Não surpreende, portanto, que alguns ati-
vistas religiosos, políticos e culturais em alguns países africanos tenham condenado
publicamente os programas da CSE (Ahimbisibwe, 2016; Matsiko, 2016; Nakatudde,
2016). A resistência a alguns tópicos importantes da educação em sexualidade, como
aborto, masturbação e homossexualidade, levou o governo de Uganda a banir todos os
programas da CSE em 2016, tanto nas instituições escolares quanto nas não-escolares, até
que uma estrutura afro-centrada seja formulada. A medida radical já foi condenada por
muitos jovens, incluindo activistas da saúde, e organizações não-governamentais ugan-
denses, com alguns processos legais legais contra a proibição (Fallon, 2017).
A notável resistência aos currículos de educação sexual orientada para o Ocidente tem
sido frequentemente atribuída a inadequações culturais das culturas africanas. Surpreen-
dentemente, há muito pouca culpa em tentativas insidiosas pelas abordagens pedagógicas
para contornar culturas e práticas indígenas (Nsamenang e Tchombe, 2011).
A resistência à educação sexual orientada para o Ocidente é, antes, uma manifestação
da busca dos africanos pela necessidade de um currículo de educação sexual cujo conteú-
do, estrutura e pedagogia estejam alinhados com sua visão de mundo, sistema social e
valores. Apesar de outras barreiras à implementação efetiva de programas de educação
sexual, ressaltamos que uma das principais razões pelas quais os programas enxertados de
educação em sexualidade murcham na África Austral é sua falta de determinação em levar
em conta as cosmovisões e filosofias sócio-filosóficas africanas (Manguvo e Nyanungo,
2018). Para que os programas de educação em sexualidade sejam relevantes no contexto
africano, os esforços devem começar com a consulta das principais heranças coexistentes
que são fundamentais para as crenças e práticas da sexualidade contemporânea.
O fato de algumas formas tradicionais de educação em sexualidade, consagradas em
variadas fontes e estruturas informais, terem sobrevivido por séculos, apesar de esforços
incansáveis e intervenções para erradicá-las, é um testemunho de sua tenacidade e con-
tinuada utilidade percebida (Manguvo e Nyanungo, 2018). De fato, os currículos esco-
lares da educação sexual não podem minar esses elementos. É provavelmente por essa
razão que houve recentemente chamadas na África do Sul para a revitalização e reestru-
turação de alguns aspectos dos currículos tradicionais sobre educação em sexualidade e
em conformidade com os contextos modernos (Kang’ethe, 2014). No mesmo sentido,
trajetórias históricas como a ocidentalização, especialmente em assentamentos urbanos,
a epidemia da pandemia do HIV / AIDS, a recente explosão da tecnologia da informação
e as tendências gerais da globalização apresentam novas realidades sociais que inevita-
velmente impactaram as crenças e práticas da sexualidade juvenil. (Manguvo e Nyanun-
go, 2018). De acordo com essas realidades sociais, não há dúvida de que alguns aspectos

214 | XXIX Encontro AULP


centrados no ocidente do currículo de educação sexual são muito aplicáveis na África
Austral contemporânea. Portanto, considerando a dualidade das forças que influenciam
a sexualidade, é imperativo que os projetistas do currículo de educação em sexualidade
consultem o currículo coexistente heranças, uma vez que ambas formulam bases funda-
cionais igualmente poderosas para crenças e práticas contemporâneas relacionadas à
sexualidade.

Conclusão
A necessidade urgente de incorporar a educação em sexualidade como parte dos cur-
rículos escolares na África Austral não é discutível, considerando que a África Austral é
o epicentro do HIV / SIDA mesmo na região da África Subsaariana. Não há dúvida de que
a implementação da educação em sexualidade nas escolas ajudará bastante no combate à
pandemia do HIV / AIDS. É, no entanto, lamentável que a sexualidade africana tenha sido
continuamente interpretada a partir de uma perspectiva ocidental e, no entanto, contrária
à sexualidade ocidental sem reservas que é publicamente compartilhada através de revis-
tas, anúncios, programas de televisão, publicações científicas e muitos outros caminhos;
a sexualidade no contexto africano está muito escondida na arena privada (Manguvo e
Nyanungo, 2018). O enraizamento de algumas práticas tradicionais, mitologias e tabus
associados à sexualidade, bem como a tenacidade de algumas formas tradicionais de edu-
cação sexual, continuam exercendo poderosa influência sobre os marcos ideológicos con-
temporâneos da sexualidade. Esses fenómenos ditam quais componentes dos currículos
de educação sexual voltados para o Ocidente são aceitáveis ou inaceitáveis. Se quisermos
compreender plenamente as dimensões psicológicas e sociais da implementação do CSE
na África Austral, os fatores culturais e contextuais que envolvem o assunto devem ser
envolvidos. A abordagem do “tamanho único” para a educação em sexualidade, consagra-
da no plano CSE, pode não fornecer aos jovens africanos a informação de que necessitam
para fazer escolhas acertadas. É, portanto, imperativo que os planejadores dos currículos
de educação em sexualidade considerem os aspectos convergentes e divergentes e ex-
traiam das fortalezas das heranças coexistentes, a fim de construir uma pedagogia integra-
da de educação sexual que seja culturalmente relevante para os jovens da África Austral.

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XXIX Encontro AULP | 217


Incidência da Hepatite B nos pacientes atendidos no centro
médico Israel no Município do Cazengo província do
Cuanza Norte de Janeiro a Junho de 2018

Ndombasi Afonso Sebastião


Universidade Kimpa Vita

Motivação
O número elevado de pacientes diagnosticados com Hepatite B no Centro Médico
Israel no Município de Cazengo, preocupou-nos e procuramos saber as causas que estão
na origem desta patologia.

Formulação do problema
Qual é a incidência da hepatite B nos pacientes atendidos no Centro Médico Israel no
Município do Cazengo Província do Cuanza Norte de Janeiro à Junho de 2018?

Objectivos do estudo
• Geral:
– Avaliar a incidência da hepatite B nos pacientes atendidos no Centro Médico Israel
no Município do Cazengo Província do Cuanza Norte de Janeiro à Junho de 2018.
• Específicos:
– Determinar o número de casos positivos e negativos à hepatite B nos pacientes aten-
didos no Centro Médico Israel no município do Cazengo no Ano de 2018;
– Identificar o género e a faixa etária mais afectados pelo VHB;
– Conhecer as condições socio-económicas dos pacientes.

Hipóteses
H1 – O género feminino é o mais afectado;
H2 – A faixa etária dos 25 a 30 anos é a mais afectada.

NOÇÕES GERAIS
• Hepatite B:
– Patologia que acomete a região hepática, cujo agente etiológico é o vírus da hepati-
te B pertencente à família hepdnaviridae (Engelkirk & Duben-Engelkirk, 2012).
• Vírus:
– Agentes infecciosos com capacidade replicativa, originariamente distinguidos pelo
seu tamanho, que vária entre os 20 à 200 nm e virulência como a capacidade de um
bioagente produzir casos graves ou fatais (Rouquayrol e Gurgel 2013).

XXIX Encontro AULP | 219


• Incidência:
– Número de ocorrências ou casos de uma doença numa definida população num dado
momento (Velosa et al., 2007).

Característica das hepatites virais


Actualmente já foram identificados seis vírus responsáveis pela hepatite viral em se-
res humanos:
• O vírus da hepatite A (VHA);
• O vírus da hepatite B (VHB);
• O vírus da hepatite C (VHC);
• O vírus da hepatite D (VHD);
• O vírus da hepatite E (VHE);
• O vírus da hepatite G (VHG).

Vias de transmissão
Na perspectiva de Beltrán e Ayala (2003) as principais vias de transmissão são:
• Sexual;
• Percutânea (uso de drogas intravenosas);
• Perinatal;
• Horizontal;
• Transfusão;
• Nosocomial.

Período de incubação
• O período de incubação do vírus da hepatite B pode variar de 15 a 180 dias, com um
período médio de 90 dias (de uma forma geral);
• 12 a 14 semanas nos casos em que a infecção se deu por transfusão de sangue.

Manifestações clínicas
Os sintomas começam a surgir no período prodrómico ou pré-ictérico, que dura vários
dias e se caracteriza pelo aparecimento de:
• Fraqueza;
• Anorexia;
• Mal estar;
• Perda de apetite;
• Náuseas;
• Vómitos;
• Icterícia (20%);
• Febre ligeira e urina escura;
• Assintomático (Júnior, 1998).

Diagnóstico laboratorial (Realizado Centro Médico Israel)


• Exames laboratoriais (inespecíficos e específicos).
• Exames inespecíficos (hematológicos e bioquímicos);

220 | XXIX Encontro AULP


• Exames específicos (testes serológicos que buscam identificar no soro dos pacientes
a presença de antigéneos e anticorpos específicos da hepatite B).

Metodologia
Trata-se de um estudo observacional transversal descritivo e analítico, com uma abor-
dagem quali-quantitativa na base de recolha de dados.
• População: 3.000
• Amostra: 196

Gráfico 1 – Distribuição dos casos positivos e Gráfico 2 – Representação do número de casos


negativos do VHB positivos do VHB segundo o género

Gráfico 3 – Distribuição dos casos positivos do Gráfico 4 – Distribuição dos casos do VHB
VHB segundo a faixa etária segundo o nível de escolaridade

Gráfico 5 – Distribuição segundo a classe social Gráfico 6 – Distribuição de casos positivos por VHB
segundo os meses em estudo

XXIX Encontro AULP | 221


CONLUSÃO
Dos 196 pacientes atendidos no Centro Médico Israel no Município do Cazengo na
Província do Cuanza Norte, 38% (74 casos) foram positivos e 62% (122 casos) negativos:
– O género feminino teve maior incidência com 62% (46 casos), confirmando a pri-
meira hipótese;
– A faixa etária dos 21 aos 25 anos de idades teve maior incidência de 20,2% (15 ca-
sos), não confirmando a segunda hipótese;
– O I° Ciclo predominou com 50% (37 casos);
– A classe desfavorecida foi a mais afectada com 54% (40 casos);
– O mês de Março predominou com 24,3% (18 casos).

SUGESTÕES
– Desenvolver campanhas de sensibilização através de palestras, rádio, televisão, fo-
lhetos informativos de modo a alertar a população sobre a problemática da hepatite
B, no que se refere a prevenção, transmissão e tratamento, uma vez que ela é uma
doença que não tem cura tal como a sida;
– Investir no estudo e desenvolvimento de pesquisas relaccionadas a Hepatite B;
– Sensibilizar todas as grávidas a fazer o exame serológico para detecção do AgHBs
e de outros marcadores, de modo a diminuir a propagação do vírus da hepatite B
pela transmissão vertical.

222 | XXIX Encontro AULP


Doenças graves e soluções curativas na sociedade timorense
de Timor-Leste: cruzar o saber local e o saber moderno1

Vicente Paulino
Professor Convidado no Programa de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade Nacional Timor Lorosa’e.

Irta Sequeira Baris de Araújo


Professor Convidada no Departamento de Ensino da Língua Tétum e Artes – Faculdade de Educação, Artes e
Humanidades da Universidade Nacional Timor Lorosa’e.

Miguel Maia dos Santos


Professor Permanente da Faculdade de Educação, Artes e Humanidades da Universidade Nacional
Timor Lorosa’e.

Prólogo
A questão das doenças graves na sociedade timorense é uma das questões que precisa
ser estudada de forma intensiva, de modo a poder encontrar as soluções curativas, usando
algumas técnicas locais (tradicionais) em consonância com a medicina moderna que está
sob controlo das máquinas tecnológicas. Sabendo que dentro do regime de propriedade
intelectual vigente na medicina moderna concentra-se mais, ou confia-se mais nas tecno-
logias, do que na medicina tradicional. Todavia, sabemos que em alguns casos, a própria
medicina moderna possui grande equipamento tecnológico, mas não consegue resolver o
problema de uma doença grave de um paciente. Há aqui, portanto, um desequilíbrio mui-
to grande entre o valor de sensibilidade humana em relação ao próprio ser e à própria
humanidade. Muitas vezes, os médicos e os enfermeiros perdem a sua sensibilidade hu-
mana perante o outro ser, porque eles concentram-se mais no som da máquina de contro-
lo “tic-tac-tic-tac” sem comunicar com o paciente; ou seja, confiam disparadamente nas
informações obtidas no laboratório, dizendo ao seu paciente que já “não pode fazer mais
nada”. Este tipo de atitude dos profissionais de saúde não acontece só em Timor-Leste,
mas em todo o mundo. Ora bem, o que importa aqui é apresentar algumas propostas cura-
tivas para algumas doenças graves, usando o método do cruzamento da medicina tradicio-
nal com a medicina moderna. Este tipo de curativo é aplicado pelos timorenses no aten-
dimento de pessoas com doenças graves, por exemplo, uma mão ou uma perna partida no
acidente motorizado, o coração buracado e etc.
Uma das partes menos saudáveis da infeliz herança de “solução curativa” de determi-
nada doença, tantas vezes admitida sem “análise cuidadosa”, é o ego dos profissionais da

1. Este artigo foi escrito a partir da nossa experiência no atendimento de algumas pessoas com doenças leves
e graves, usando a prática terapêutica natural, isto é, com plantas medicinais que abundam em Timor-Leste e
acompanhado com o “método consolativo” baseada na “terapia espiritual”. Sendo assim, esclarecemos que não
somos “curandeiros tradicionais” nem “médicos profissionais”, mas como simples cidadãos temos também
obrigação para dar a nossa contribuição sobre a forma como fazer junção entre saberes locais e modernos no
atendimento dos doentes que se baseia na prática terapêutica medicinal.

XXIX Encontro AULP | 223


saúde na aplicação do “saber curativo” entre a razão profissional e a emoção em “não
aceitar o saber alternativo” ou “solução alternativa”. Neste artigo procuramos abordar um
pouco sobre “medicina alternativa” que os timorenses aplicam no seu quotidiano, e o seu
conhecimento sobre “saber-curar” está assentado no poder da natureza, nomeadamente
nas plantações medicinais que crescem e abundam em Timor-Leste. O mais fundamental
é procurar cultivar os saberes locais que têm utilidades para a ciência medicina moderna,
ou ciência curativa moderna.

Conceito de doença e ausência da cura


Uma doença está condicionada à “arte de curar” ou simplesmente “medicina”, que

A palavra origina-se de ‘Medicina’, do Latim, que tem o significado de “arte de curar”.


Associa-se ao verbo ‘mederi’, que corresponde a “curar” (“tratar”, “cuidar”). Encontramo-
-la em textos espanhóis e italianos do século ΧΠ. Em Francês, com forma ligeiramente di-
versa, ‘mecine’, aparece na mesma época; logo depois, toma a forma usual, ‘medicine’.
Tomada de textos franceses, surge no Inglês, no século XIV. A palavra ‘mezinha’, emprega-
da em Portugal desde o século XV, alude a remédios caseiros ou poções; em forma similar,
‘meezinha’, parece já ter sido usada no século ΧΠ.
‘Medicina’, porém, com o sentido comum de “arte de curar” (igualmente presente nos de-
mais idiomas citados), só aparece, em Português, no século XVII. Em alguns casos, a pala-
vra remete a um misto dos itens (1) e (2), acima, ou seja, indicaria “drogas ou substâncias
usadas para tratar de doenças e curar ou aliviar a dor”, ligando-se, pois, a ‘mezinha’. Em
casos especiais, também remete a drogas, objetos ou ritos a que se atribuiriam poderes es-
peciais – naturais ou sobrenaturais – de cura (Hegenberg, 1998, p.11).

A doença na medicina é, nessa percepção, particularmente condicionada a um “particu-


lar anormal” que afeta negativamente a estrutura ou função de uma parte ou de um todo
organismo do corpo. Doenças são frequentemente interpretadas como condições médicas
que são associadas a sintomas e sinais específicos. Mas, devemos saber que há doenças
culturais e sociais, por exemplo, stress (é uma doença psico-social) e mutilar o corpo
(doença cultural). Portanto, uma doença pode ser causada por factores culturais, sociais e
médicos (cf. Bolander,1998). Doenças encontradas no corpo do ser humano são frequente-
mente entendidas amplamente como uma ou qualquer condição que causa dor, disfunção,
desconforto, problemas sociais ou morte à pessoa afligida, ou problemas similares àqueles
em contacto com a pessoa. Neste sentido mais amplo, às vezes inclui traumas físicos, defi-
ciências, transtornos, síndromes, infecções, sintomas isolados, comportamentos anormais
e variações atípicas de estruturas e funções, enquanto noutros contextos e para outros pro-
pósitos podem ser consideradas categorias distinguíveis. Doenças podem não somente
afectar as pessoas fisicamente, como também mentalmente, como a contracção e a convi-
vência com uma doença podem alterar a perspectiva de vida de uma pessoa afectada.
Nesse sentido, Rothschuh (1978) sublinha que

a caracterização de doença (D) requer estrutura relacional complexa de que participam o


doente (d), o médico (m) e a sociedade (S). Dispondo esses elementos em um diagrama, ele

224 | XXIX Encontro AULP


poderia ter a forma de pirâmide de base triangular. O vértice, no topo, seria ocupado pela
doença D. Na base, dois vértices à frente, claramente visíveis, com d e m; e um vértice ao
fundo, oculto, com S (apud Hegenberg, 1998, p.14).

É uma caracterização quadrangular interrelacionada entre “Doença” (D), doente (s),


médico (m) e sociedade (S), que precisam um ao outro no quadro de “solucionar o pro-
blema de uma determinada doença”

Rothschuh (1978) observa que a sua referida pirâmide quadrangular apresenta algu-
mas “possibilidades” de ajuda dada pelo médico ao seu paciente, e de certeza que este
apoio é essencialmente clínico e social. Entendendo também que a doença cria uma rela-
ção de proximidade entre doente, médico e sociedade, isto é, há relação: (1) de uma pes-
soa consigo mesma – na medida em que se sente mal e pede auxílio; (2) entre essa pessoa
e um médico; (3) entre a pessoa e a sociedade; (4) entre o médico e a sociedade; (5) entre
o médico e a pessoa que, ao procurá-lo, se transforma em paciente (obs cit. Hegenberg,
1998, p.14).
Na abordagem de ciências sociais, ou talvez ainda ligada à percepção filosófica, a
doença é definida como “ausência de saúde”, ou “ausência de doença” (Albuquerque &
Oliveira, 2002). Duas percepções ainda poucas abordadas e esclarecedoras, mas Albu-
querque & Oliveira (2002) advertem que essas concepções, de forma geral, foram expli-
citadas pelos especialistas em medicina que estudaram sobre a representação da saúde e
a doença na sociedade ao longo dos tempos (Blaxter,1990; Calnan,1987; Cornwell,1984;
Herzlich,1973; Stacey,1988). Contudo, procuramos dar algumas dicas relacionadas a es-
tas percepções: a “ausência de saúde” pode ser entendida como falta de um atendimento
formal dos serviços da saúde; ou por outras palavras, há um paciente com uma doença
grave que necessita um tratamento urgente mas não há serviços de saúde que o atendam,
e daí podemos dizer que há uma “ausência de saúde” – ou falta de assistência médica para
atender o tal paciente.
Se for assim, cada pessoa humana faz a “reserva de saúde” com recurso a um investi-
mento ou garantia de vida saudável, e “reserva de saúde” nesse sentido é um acto digno
na defesa contra a doença ou recuperação dela (Herzlich,1973; Albuquerque & Oliveira,
2002) com “acção preventiva imediata”, isto é, no nível de “prevenção antecipada” da
doença é precisar necessariamente de criar uma agenda da “reserva de saúde” como for-
ma de controlar o nosso corpo na “escala humana” (mais no aspecto querer saudável) e na
“escala divina” (mais no aspecto da fé, da caridade e esperança, significa que o acto de

XXIX Encontro AULP | 225


fazer-bem com caridade e acreditar em algo superior pode tornar a vida mais saudável).
Enquanto “ausência de doença” pode significar que uma pessoa está livre da qualquer
doença, querendo dizer que essa pessoa é saudável, mas é aconselhável que seja atenta
sobre o processo evolutivo de vida, porque em determinado tempo o corpo vai ficar “mo-
lhado pela doença” indesejada. Por isso é que não há uma definição exacta nos estudos
biomédicos e ciência da medicina, porém, alguns estudos psicossociológicos defendem
que existe uma “ausência de doença” na vida de uma pessoa quando essa pessoa não
considera o seu próprio corpo como um “objecto leve”, ou simplesmente, apenas não se
preocupa com aborrecimento das células no interior do corpo, e assim que se acontece o
“silêncio corporal” sobre a ordem da alma (células feridas – como estômago não funcio-
na, constipação, e etc.,) que o orienta.
Contudo, para correlacionar concepções “ausência de saúde” e “ausência de doença”
é necessário uma zona neutra que podemos chamar “equilíbrio et la vita” na manutenção
da “saúde real”, quando se diz: “sinto-me bem quando estamos juntos” – é uma acção de
esconder a visibilidade da doença que está a ser sentida. Significa que em termos de bio-
ética, o equilíbrio associado a noção de “saúde real” é uma simetria que faz com que o
bem-estar positivo seja harmonizado pela substância espiritual, psicológica e corporal.
Assim, o equilíbrio na “saúde real” é um algo que sempre “baixa-alta”, pelo que a “reser-
va de saúde” nesse sentido “se caracteriza por uma presença de saúde” para dar assistên-
cia médica às determinadas doenças surgidas silenciosamente na “ausência de doença”
(Albuquerque & Oliveira, 2002).

Saber viver significa saber cuidar da saúde


O futuro de vida do homem é sustentado pelas ideias, e a sua definição epistemológi-
ca é conduzida pela velocidade das mudanças e essa que determina a velocidade de seu
pensamento. Querendo dizer que o sentido epistemológico do “viver” é parte integrante
da velocidade do pensamento do próprio cérebro do ser humano. Saber viver significa
“saber cuidar a saúde”, mas com o quê? Claro que com ideias de arranjar meios curativos,
para poder prolongar a vida, nesse contexto, percebemos que

O conceito de doença é o traço de união entre pensamento e ação, à beira do leito de enfer-
mo. Esse conceito organiza as ideias recolhidas nas concretas investigações e estabelece
alicerces em que assentar cada fase da atividade médica; a ele cabe tornar inteligíveis as
transformações que ocorrem no paciente, fundamentando, assim, eventuais indicações tera-
pêuticas. O conceito de doença possibilita a ação médica (Hegenberg, 1998, p.17).

Isto significa que na teoria de “antropologia da medicina” ou da “antropologia


da saúde” (Foster & Anderson, 1978; Laplatine, 1991), todas as actividades médi-
cas associadas à arte de curar são de facto uma relação de “pensamento” (razão) e
“acção” (práticas medicinais), que devem ser compreendidas culturalmente. Pois, o
sentido epistemológico “saber viver” é saber cuidar a saúde, ser saudável significa sa-
ber assegurar a qualidade de vida, tanto de forma pessoal como social. E portanto, o
serviço de um médico é saber-relacional com os doentes e conduzindo-os para a vida
saudável.

226 | XXIX Encontro AULP


Viver na sociedade é assumir a responsabilidade de “cuidar a sociedade”, de assegurar
a saúde pública, porque a obrigação do “ser social” é compreender a “saúde pública”
como uma política pública de prevenir a doença, de promover a vida saudável, de promo-
ver estratégias de prevenção das doenças, usando a educação como meio de “sensibilizar”
as pessoas sobre a importância da saúde para a vida, reflecte-se também a organização de
serviços médicos e de enfermagem para o diagnóstico precoce e pronto tratamento das
doenças e o desenvolvimento de uma estrutura social mais saudável.
Saúde colectiva é da responsabilidade de todos os cidadãos que vivem numa cidade
ou num país. A saúde colectiva não é apenas da responsabilidade dos médicos ou
dos curandeiros, mas de todos os seres humanos. Assim, temos que saber o estado da
saúde colectiva na sociedade em geral, segundo a definição epistemológica (Rosen,
1979):
• o estado de saúde da população ou condições de saúde de grupos populacionais es-
pecíficos e tendências gerais do ponto de vista epidemiológico, demográfico, sócio-
-económico e cultural;
• os serviços de saúde, enquanto instituições de diferentes níveis de complexidade (do
posto de saúde ao hospital especializado), abrangendo o estudo do processo de tra-
balho em saúde, a formulação e implementação de políticas de saúde, bem como a
avaliação de planos, programas e tecnologias utilizada na atenção à saúde;
• o saber sobre a saúde, incluindo investigações históricas, sociológicas, antropológi-
cas e epistemológicas sobre a produção de conhecimentos nesse campo e sobre as
relações entre o saber “científico” e as concepções e práticas populares de saúde,
influenciadas pelas tradições, crenças e cultura de modo geral.

Estes estados da saúde colectiva podem ser entendidos também a partir das concep-
ções da medicina social, da medicina familiar e medicina preventiva (tanto local com
moderno). Esta categorização das concepções se constitui pelas teórico-paradigmáticas,
políticas e ideológicas com profundas reflexões em torno do campo do saber e de práticas
(Paim, 2005; Foucault, 1979).

O hospital, profissionais de saúde e os pacientes


O problema da ética no atendimento do paciente é um problema que os hospitais e
profissionais de saúde devem resolver de imediato, para que não diminua a sua credibili-
dade profissional (Ribeiro, 1993). Os profissionais da saúde (médicos, enfermeiros e ou-
tros profissionais de saúde) têm a obrigação de estudar a possibilidade de curar a doença
sem a intervenção dos medicamentos com a medicina alternativa (Pereira, 1980). Por isso
que na mente de cada paciente surge uma esperança de que no mundo da vida sempre há
uma vitalidade das partículas atmosféricas solutivas, e o mais importante é os profissio-
nais de saúde compreendem o epistémico de junção dos dois saberes (saberes locais, ou
tradicionais e saberes modernos) em favor de soluções alternativas na história da ciência
medicina contemporânea. Pensamos que com intersecções de dois saberes (tradicionais e
modernos), os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e outros elementos dos servi-
ços de saúde) vão solucionar o problema de algumas doenças graves sem intervenção
chemo therapy.

XXIX Encontro AULP | 227


Assistimos globalmente à doença (que pode ser prevenida e tratada) que “afecta mais
de 32 milhões de pessoas, sendo responsável por cerca de 275 mil mortes por ano”2. Cer-
to é que segundo Josh Francis:

Aqui há duas questões, primeiro a prevenção: a doença é causada por infeções e por isso é
essencial melhorar o acesso aos serviços de saúde, melhor o tratamento de infeções co-
muns. Depois podemos trabalhar nas escolas, ajudar médicos e enfermeiros timorenses para
poderem detetar melhor estes casos3.

Sabendo que uma doença afecta facilmente uma pessoa com um “pequeno retoque de
infecção”, que de facto pode ser tratada facilmente também se detectada a tempo, mas se
o paciente não consultasse ao seu médico familiar ou esse médico não atende e trata de
imediato seu paciente, daí a doença pode degenerar e causar graves problemas ao pacien-
te, incluindo danos às válvulas do coração, se o sintoma de doença é mais para a “cardía-
ca reumática”. No caso deste, os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e especia-
listas medicinais) usam, muitas vezes, a tecnologia medicinal (tecnologia termo-tera-
peutica) para detectar os sintomas da doença que afecta o paciente, aliás, segundo Josh
Francis, responsável da Menzies School of Health Research de Darwin,

Tecnologia que apesar de cara permite detetar com muito mais eficácia, em mais locais e em
regiões mais isoladas, uma doença que, outrora, só era detetada com o estetoscópio, instru-
mento que podia deixar escapar “até metade dos casos”4.

Sendo assim, as equipas de investigadores, médicos e pediatras timorenses e austra-


lianos estão a conduzir um “específico estudo” sobre a doença “cardíaca traumática”,
embora já está prevenida e tratada, encontra-se ainda muitos dos casos que não estão
ainda diagnosticados.
No laboratório da análise hospitalar timorense encontram-se vários casos como a do-
ença pulmonar e cancro (trata-se de “doença habitual” conhecido pela expressão “fuma-
dor” e “bêbados”), como sublinha Rajesh Pandav (o representante da Organização Mun-
dial de Saúde (OMS) de Timor-Leste) que “Os timorenses estão entre os maiores
consumidores de tabaco do mundo, com 70% dos homens e 10% das mulheres a fumar, o
que os torna vulneráveis ao cancro e às doenças pulmonares”, acrescenta ainda que a
obesidade afecta 8% dos homens e 17% das mulheres, enquanto 39% dos adultos timo-
renses têm pressão arterial elevada e 21% têm níveis altos de colesterol5.

2. Esta informação é de World Heart Federation, e cadastrada em “Notícia da Lusa” sob o título “Timor-
-Leste com um dos índices mais elevados do mundo de doença cardíaca reumática” – disponível em www.noti-
cias.sapo.tl/portugues/lusa/artigo/24039508.html (acesso a 15/6/2019).
3. Ibidem,
4. Ibidem.
5. Informação foi tirada na notícia da Lusa, intitulada “ONU saúda plano de ação contra doenças não-
-transmissíveis em Timor-Leste”, datada de 30 de Novembro de 2018 – disponível em www.noticias.sapo.tl/
portugues/lusa/artigo/25210037.html (acesso a 15/6/2019).

228 | XXIX Encontro AULP


O trabalho dos profissionais de saúde nos hospitalares e seus relacionamentos com
pacientes, muitas vezes é indispensável e absolutamente exige aplicação do conhecimen-
to com uma boa técnica cirúrgica, dando melhor tratamento clínico aos pacientes com
melhores tecnologias para os salvar e/ou cuidar. Porém, os profissionais de saúde encon-
tram muitos problemas no tratamento de seus pacientes, e tudo isto faz parte de um pro-
cesso, por isso ao lado humano eles têm obrigação moral de priorizar o paciente que está
carregado de emoções, de dor, de insegurança e indefinições perante seu estado de saúde.
Devido a este facto os profissionais de saúde são obrigados psicologicamente a sentirem
o que os pacientes sentem, procurando aproximar e estabelecer uma relação mais humana
com os seus pacientes. Certo é que tudo pode funcionar com a “qualidade do trabalho em
equipa que do brilhantismo do médico assistente (Wachter, 2012). Aliás, em algumas si-
tuações, o espírito dos profissionais de saúde em humanizar o atendimento fica ausente
quando

As condições de trabalho, os baixos salários, a dificuldade na conciliação da vida familiar e


profissional, a jornada dupla ou tripla, ocasionando sobrecarga de atividades e cansaço,
bem como o contato constante com pessoas sob tensão, geram ambiente desfavorável ao
desenvolvimento de uma assistência humanizada. Acrescenta-se, nesse contexto, a falta de
ambiente adequado, de recursos humanos e materiais quantitativos e qualitativos suficien-
tes, remuneração digna e motivação para o trabalho (Simões., Bittar., mattos & Sakai, 2007,
p.84).

Compreendemos também que a ausência do espírito humanizado dos profissionais de


saúde não é propriamente por razões referidas por Simões et al (2007), mas tem a ver
também com a bioética, onde alguns profissionais não dão atendimento aos seus pacientes
com boas maneiras, por algumas razões inexplicáveis. Ou seja, por outras palavras, nem
todo o atendimento é sempre praticado de forma humanizada de acordo com normas de
atendimento e “na aparência do profissional da área de saúde, pois, quando nos observam,
verificam se somos cuidadores de nós mesmos, capazes de cuidar deles” (Simões, Bittar,
Mattos & Sakai, 2007, p.84), e isso faz-nos entender que a relação dos profissionais de
saúde e os pacientes é uma “relação delicada”, pois, tudo tem a ver com o processo de
salvar a vida (Ismael, 2002; Andrade et al. (2009).

Conhecer plantas medicinais usadas pelos timorenses para curar doenças especí-
ficas
Timor-Leste é conhecido como o mundo da medicina tradicional, onde os seus ha-
bitantes usam as plantas da terra para curar as doenças leves e graves. Timor-Leste é um
país de “imensa planta medicinal” e cada planta tem a sua função de curar, e de certeza
que se combina com o “o rito de cura”, conhecido em língua local tétum por “hamulak
kura nian”. O nosso conhecimento sobre abundância das plantas medicinais em Timor-
-Leste através de alguns estudos feitos por William Dampier (1729), Henri Forbes
(1884 e 1885), Alfred Russel Wallace (1869) e defende Vicente Paulino (2012, p.15)
que

XXIX Encontro AULP | 229


Talvez seja esta a ideia que tenho da minha terra Timor-Leste, onde, já no século XIX, se
encontravam vários contributos dados pelos naturalistas e etnógrafos europeus, entre os
quais se destacam Henry Forbes (1885:470-471 e 499-523) que, na esteira de Wallace,
deixou algumas referências sobre a flora de Timor, que na sua maioria faz parte de uma
série de espécies existentes no vasto Arquipélago Malaio, que ele encontrou na ilha. Para
Wallace (1869:20; 1863:480): “In Timor the most common trees are Eucalypti of several
species, so characteristic of Australia, with sandal-wood, acacia, and other sorts in less
abundance”.

Ainda há alguns portugueses (ou seja, servidores do Estado Timor Português de en-
tão), como a “contribuição descritiva” de F. Morreira (1968) sobre algumas plantas medi-
cinais usadas pelos timorenses na prática de cura. Alberto Osório de Castro também fez
uma nota descritiva sobre algumas plantas de Timor na sua obra “Ilha Verde e Vermelha
de Timor” (1943) e Ruy Cinatti (1954) pela sua parte apresentou uma lista de “vocabulá-
rio indígena de algumas plantas timorenses” a partir de uma observação directa no local
onde a população usa como “remédio” para curar a sua doença.
Para a melhor compreensão sobre a existência das plantas em Timor-Leste, particular-
mente as plantas medicinais, apresentamos desde já a lista de 105 plantas medicinais em
Timor-Leste elaborada por Xisto Martins (2017) com base na informação bibliográfica
constante em Cinatti (Gomes, 1955), Correia (1968), Collins (2005) e Collins et al (2006.
2007) e Sousa et al. (2011) e no resultado de sua própria pesquisa (2015).

Plantas medicinais usadas pelos timorenses para curar doenças específicas


(Martins, 2017, pp.123-125).

No Nome em Tétum Nome Botânico Indicação terapêutica


1 Aidila Fatuk Aegle marmelos Hipertensão; pedras nos rins
2 Ai-dila Carica papaya Malária, Hipertensão
3 Ai-bubur Eucalyptus alba Erupções cutâneas e prurido
4 Ai-Riti Euphorbia sp Problemas de resfriados e de dentes
5 Avocate persea gratissima Hepatite e corrimento vaginal
6 Ai-Lia Zingiber officinale Tosse, Tuberclose, asma, dores de costas
7 Ai-nanas Ananas comosus Otite
8 Karau nanal Aloe vera Asma, bronquite, câncer, e diarreia
9 Ai-Ata Kik Anona squamosal Dores de dentes
10 Ai-Ata bot Anona sp. Lepra, câncer, tumor e ácido úrico
11 Ai-Kanela Cinnamomum zaylanicum Tuberculose, hepatite, gripe
12 Ai-Faulor Não identificado Cura de ossos e hematogénica
13 Ai-Hanek Cinchona pubescens Enterite, malária, vermes
14 Ai-Sisi Não identificado Problemas de ossos, mau hálito
15 Ai-Tahan tolu Não identificado Tremores, Malária
16 Ai-Tasi Funan Não identificado Hepatite
17 Ai-Fau Tahan Hibiscus tiliaceus Dor de cabeça
18 Ai-Leno Não identificado Prolapse rectal
29 Ai-Bunut Kulit Não identificado Asma
20 Ai-Daak dikin Schleicera sp Ferida das mamas
21 Ai-Lasukur Não identificado Dor de estômago, feridas

230 | XXIX Encontro AULP


No Nome em Tétum Nome Botânico Indicação terapêutica
22 Ai-Rame Não identificado Diarreia, Lepra
23 Ai-St. Antonio plumeria rubra Pedras nos rins
24 Ai-Hali Ficus benyamina problemas de ossos, luxação
25 Salxa mutin Apium graveolens. Tuberculose, hipertensão
26 Ai-Hae Laran Não identificado Melena
27 Ai-manu Herik Não identificado Febre e malária
28 Ai-Muletir Não identificado Febre e malária
39 Ai-Kelenuk Não identificado Doenças de ovários e do pénis
30 Ai-Kulat metan Não identificado Diarreia
31 Ai-Fuan Lelas Não identificado Doença de coração
32 Ai-Samera Não identificado Fortificante dos dentes
33 Ai-Tafuk Não identificado Angina
34 Ai-manuk Não identificado Doenças de Penis
35 Ai-Katimur Não identificado Hematuria
36 Ai-Lele Ceiba pentandra Fracturas de ossos e feridas
37 Ai-Berliuk Não identificado Fracturas de ossos
38 Ai-lalitin Não identificado Angina, dor de corpo, dor de cabeça
39 Ai-Karas Não identificado Diarreia
40 Ai-Makadadi Mutin Não identificado Anginas (inflamação garganta)
41 Ai-Kandok Não identificado Tonificante
42 Ai-Kahunan Não identificado Diarreia, dor de cabeça e vómitos
43 Ai-Kalan Fuik Não identificado Cataratas
44 Ai-Kun Não identificado Tonificantee suplemento contra anemia
45 Ai-Fahi Fuan Não identificado Lesões de ossos
46 Ai-Bogonok Mean Não identificado Hemorragia interna, sangramento
47 Ai-Fuanuran Não identificado Melena e sangramento
48 Ai-Kafe fuik leucaena leucocephala Hepatite
49 Ai-Komak Não identificado Dor de dentes
50 Ai-Doti mutin Não identificado Febre, malária e inchaços
51 Ai-abut modok Não identificado Náusea
52 Ai-Fuir Não identificado Diarreia, melena
53 Ai-Tuduk Não identificado Aborto
54 Ai-Tali Ihik Não identificado Apendicite
55 Ai-funan Trapadera Não identificado Morte fetal intra-uterina
56 Ai-Leci Mali Não identificado Obstrução urinária, diarreia
57 Ai-Raem Não identificado Tonificante
58 Ai-Hali dikin Ficus benyamina Suplemento do sangue
59 Ai-Daor Tia Não identificado Limpa sangue
60 Ai-Kapcou Não identificado Corrimento vaginal
61 Ai-Manu Mata Não identificado Tonificante
62 Ai-Hlal tia Não identificado Depuração do sangue
63 Ai-Daul Tia Não identificado Feridas nos peitos (mulheres)
64 Bora Pandanus amaryllifolius Doenças do coração e dos rins
65 Bilimbi Averrhoa bilimbi Hipertensão
66 Bak Moruk lotuk Não identificado Malária, bronquite, hipertensão, fadiga
67 Bayam mean Celosia argentea Hemorragia interna, melena

XXIX Encontro AULP | 231


No Nome em Tétum Nome Botânico Indicação terapêutica
68 Covi maluku Não identificado Hepatite
69 Du’ut Kukit mean Não identificado Metrorragia
70 Du’ut Morin cymbopogon citratus Hipertensão
71 Du’ut Manu Kidun Não identificado Dor de cabeça
72 Du’ut Claur Não identificado Dor de cabeça
73 Du’ut Labuturen Não identificado Febre, reumatismo
74 Guavas Psidium guajava Diarreia, dengue, febre, malária, sarampo
75 Ha’as Mangifera indica Problemas dermatológicos
76 Hudi Lis Musa sp. Problemas dermatológicos
77 Hudi Musa paradisiaca Problemas dermatológicos
78 Jambua Citrus paradisi Malária, hipertensão
Hepatite, mau hálito, malária, diabetes, hepatite,
79 Kinur Curcuma domestica
tifo, apendicite, amigdalite, dor de estômago
80 Busa iburahun Orthosiphon aristatus Rins, obstrução urinária, hepatite, epilepsia, cancer
81 Kami’i Aleurites moluccana Luxação, dor de corpo
82 Kabas Gossypium sp Tonificante
83 Karamek Não identificado Fractura de ossos
84 Kulu Jaka Artocarpus heterophyllus Doenças internas, hepatite
85 Kwai Talin Não identificado Fractura de ossos
86 Lenkuas Alpinia sp. Hipertensão
87 Lelengan Não identificado Malária, insónia, indutor de apetite
88 Maringi Não identificado Fractura, distensão, corrimento sanguíneo
89 Malus Piper betle Problemas oftalmológicos
Hipertensão, hepatite, pedras nos rins, câncer, in-
90 Mengkudu Morinda citrifolia
feções
91 Mialur Não identificado Infeções urinárias
92 Marungi Moringa oleifera Hipertensão
93 Mimis tahan Não identificado Problemas oftalmológicos
94 Nu’u Cocos nucifera Luxação, fractura, enterite, febre e malária
95 Sambiloto Andrographis paniculata Malária, colesterol, diabetes
96 Sukaer Tahan Tamarindus indica Sarampo e dor abdominal
97 Tua metan Arenga pinnata Ajuda o bébé a desenvolver e caminhar
Hipertensão, hepatite, pedras nos rins, câncer, infe-
98 Tali (Bebak) Metroxylon sago
ções
99 Tapak Dara/ Bingkaro Sesa Vinca rosea Diabetes, hipertensão, queimaduras, tremores
100 Tabaku Nicotiana tabacum Problemas de resfriados e de dentes
101 Temu giring Curcuma heyneanae Indutor de apetite, lombrigas e infeções
102 Temulawak Curcuma xanthorrhiza Pedras nos rins, gastrite, indutor de apetite, infeções
103 Tohu Mean Sacharum offisinale Melena e hematuria
104 Pagagang Centella asiatica Doenças do útero e vaginais
105 Varia Momordica charantia Malária e hipertensão

Além das plantas medicinais específicas acima apresentadas, há também outro estudo
de carácter científico e de carácter informativo que fala de “130 plantas medicinais” asso-
ciadas às práticas fitoterapêuticas tradicionais (Casquilho & Xavier, 2019) que algumas
delas são explicitadas por alguns timorenses de forma sucinta sobre a sua aplicabilidade

232 | XXIX Encontro AULP


no curativo (Costa, 2018; Hornai, 2018), e defendendo que estas plantas medicinais po-
dem curar a doença de um indivíduo sem a intervenção da medicina moderna supervisio-
nada pelas máquinas termoquímicas ou pela maneira chemo therapy.
O curativo feito a uma determinada doença com algumas plantas medicinais específi-
cas apresentadas na tabela acima tem características específicas também, porque nelas
(plantas medicinais) encontram-se o “poder de curar” e que muitas pessoas, nomeada-
mente “quase maioria timorense” usam tais plantas medicinais, como:
• Maut (em bunak6) ou Marungi (em tétum7) que cientificamente chamado Moringa
oleífera. É usado pelos timorenses para resolver a hipertensão e colesterol que lhes
afectam;
• Ai-ata nona (cientificamente chamado por Annona muricata) é conhecido pelo seu
poder de cura as doenças como cancro, depressão, diminuir a tensão alta e ainda mais.
• Ai-bubur (cientificamente conhecido por Eucalyptus Alba) é usado para curar o
“apendise” e “mi-fatuk “, ou seja, em português para curar a doença como “Erupções
cutâneas e prurido”.
• Ai-dila (cientificamente denominado por Carica papaya) é usado para combater a
malária, hipertensão, depressão e o cansaço.
• Heran-loi (em Bunak), borro-maus (em tétum) é uma planta de pequena dimensão e
a sua folha é usada para curar algumas doenças como “rins”.
• Nuni’i (em bunak) ou Ai-nino (em tétum) é uma árvore de grande dimensão, a sua
folha é usada para curar algumas doenças como: coração e problema dos cabelos
caídos.
• Kandola (em tétum) é uma planta de pequena dimensão e usada para curar doenças
como: o vómito-sanguedo (em tétum: tafui-ran) e asma.
• Muchu-leno (em bunak) ou modo-china (em tétum) é uma planta de pequena dimen-
são que tem menor função, mas tem utilidade para o corpo saudável daqueles que a
consomem.
• Zap-gulo (em bunak) ou bayan-fuik (em tétum) e luru-buleen (em bunak) ou bayan-
-mean (em tétum) são plantas de pequena dimensão e as suas folhas são usadas para
curar “kabun-moras – a dor de barriga.
• Cilon (em bunak) é uma planta de pequena dimensão e a sua folha é usada para curar
“kotuk laran naksala – lesões nas costas)
• Molo (em bunak) ou malus (em tétum) é cientificamente conhecido por Piper betle
L., é uma planta de pequena dimensão e sua folha é usada para curar “moras kanek
sira – lesões corporais)
• Ai-manas Ai-leten (em tétum) é cientificamente conhecido por Piper retrofractum
Vahl e tem função curativa, nomeadamente usado para recuperação da mulher no
pós-parto, além disso aplicado para resolver o problema de fraturas.
• U-gapa (em bunak) é uma planta de pequena dimensão e é usada para curar “kabun-
-moras – dor a barriga” e “te’ben – diária”

6. Bunak é uma língua, ao mesmo tempo, o nome de um dos grupos etnolinguisticos de Timor-Leste.
7. Tétum é uma língua, ao mesmo tempo, o nome de um dos grupos etnolinguisticos de Timor-Leste.

XXIX Encontro AULP | 233


• U-gapal (em bunak) é uma planta de pequena dimensão e é usada para curar a doen-
ça “ran-mutin – sangue branco”.
• Du’ut morin (em tétum) é cientificamente chamado por Cymbopogon citratus (DC.)
Stapf. É uma planta de pequena dimensão e usada para fazer “terapêutica de proble-
mas do sistema respiratório” (Casquilho & Xavier, 2019:125).
• Derok sin/Deroc mean é cientificamente chamado por Citrus medica L. É usado para
tratar vários problemas de saúde como o respiratório e tosse convulsa.
• Rumaun (em tétum) é uma planta de pequena dimensão e a sua folha é usada para
tratar a doença “tafui-ran – vómito de sangue).
• Aibubur é cientificamente conhecido por Eucalyptus Alba e usado para tratar o pro-
blema de saúde como Erupções cutâneas e prurido.

Estas plantas medicinais são actualmente também objecto de estudo ou fazem parte do
objecto da “antropologia médica” (Laplatine, 1991). É uma denominação dada ao “estudo
curativo” socialmente aceitável, porque através de uma explicação antropológica medici-
nal compreendemos o modo como se formam os distintos agentes de cura, o modo como
as plantas medicinais podem modificar a realidade cultural e social da sociedade relativa-
mente o seu uso na prestação de serviços primários de saúde. Encontra-se hoje em Orga-
nização Mundial de Saúde (OMS) está empenhada em desenvolver as medicinas tradicio-
nais como “medicina alternativa” à prestação de serviços primários de saúde, o exemplo
concreto desta acção encontra-se nos trabalhos dos “médicos de pés-descalços na China”
(OMS, 1984), e em Timor-Leste quando é que pode acontecer?

Marungi (em latin: Moringa oleifera) Ai-nino

Luru-buleen (em bunak) ou Zap-gulo (em bunak) ou


Bayan-mean (em tétum) bayan-fuik (em tétum)

234 | XXIX Encontro AULP


Planta medicinal Heran-loi ou borro-maus, cujas Árvore medicinal Ai-nino cuja folha está colhida por
folhas estão colhidas por uma jovem uma jovem

Cilon (em bunak) Kandola Muchu-le (em bunak) ou Ai-ata nona


modo-china (em tétum)

U-gapa (em bunak) U-gapal (em bunak) Na prática da cura, U-gapa e U-gapal são
ou du’ut nakukun ou du’ut-nakloke usados de forma espontânea para curar a doença
(em tétum) (em tétum) “ran-mutin – sangue branqueado”

XXIX Encontro AULP | 235


Ai Santo António Aibubur (Eucalyptus Alba) Kulu-kisa

Lida buaya Du’ut morin

Planta Maraun Folha de Maraun e Árvore Mimba


Ai-nino8 (Azadirachta indica)
8

8. Para resolver de imediato o problema da doença “tafui-ran – vómito de sangue”, o remédio é melhor juntar
a folha de Maraun e Ai-nino num pacote de tratamento. E assim, o problema de “tafui-ran” é resolvido nuns
instantes.

236 | XXIX Encontro AULP


As plantas medicinais apresentadas foram – quase na sua maioria – usadas pelos guer-
rilheiros das FALINTIL (Bouma & Kobryn, 2004) relativamente à terapêutica dos pro-
blemas digestivos, problemas de infestações parasitárias, problemas de lesões e fraturas e
etc. No ensino, algumas delas são usadas como recurso didáctico e pedagógico para su-
portar ou auxiliar o processo de aprendizagem dos alunos na sala de aula, nomeadamente
na aula da disciplina de Biologia, e ao mesmo tempo, recurso de consciencialização do
meio ambiente (Costa 2010). Ainda, outro estudo defende que as plantas medicinais em
Timor-Leste representam algumas características específicas, porque carregam em si os
valores culturais e socioeconómicos (Martins, 2015).

Classificação de doenças e suas soluções de cura: saber local e moderno


Existe uma abundante evidência epidemiológica de “possibilidade” do uso das plantas
medicinais” em algumas doenças específicas, e essa “possibilidade do uso” é um comple-
mento da ciência da medicina moderna na “técnica da cura”. Para tal, é necessário conhe-
cer a gene (sintoma) que determina a doença, para que depois, possam ser tomadas algu-
mas medidas necessárias para prevenir a doença antes que ela seja grave.
Sabendo que a medicina moderna é apoiada pelos dispositivos tecnológicos medici-
nais, mas não consegue resolver os problemas da saúde da nossa sociedade. Existem do-
enças como o cancro, diabetes, tubérculos, colesterol, problema do coração buracado, e
etc., que de forma alguma, a medicina moderna não consegue dar uma resposta concreta,
daí os doentes são deixados a viverem com problemas de saúde e sem “esperança do viver
pleno”. Por isso é que existe um desafio constante no mundo da ciência da medicina mo-
derna, e tal desafio pode ser ultrapassado, se os profissionais deixarem cair um pouco dos
seus “egos intelectuais” na ciência da medicina moderna, tentando olhar para a medicina
tradicional e as plantas de pequena e de grande dimensão associadas a “práticas curati-
vas” que eram usadas pelos antigos povos civilizados. A prática curativa aplicada pelos
povos (chineses, timorenses, indianos, ou seja, quase a maioria do povo asiáticos que
ainda vive no ciclo de “prática cultural e ritual”) a uma determinada doença é sempre com
as plantas e árvores medicinais.
O curativo é um processo terapêutico que na ciência da medicina moderna é praticado
apenas pelos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), mas em algumas situações,
os não-profissionais de saúde (simples indivíduos) que conhecem alguns remédios para
solucionar o problema da saúde de um paciente, ajudam os doentes que necessitam mes-
mo do “suporte de cura”. É nesse sentido que definimos o sentido de “ter doença” em
categorias classificatórias: doença como destruidora de vida, doença como libertadora de
vida e doença como desafio de vida (Herzlich, 1993), e assim explicitamos soluções cura-
tivas da seguinte forma:
1) Doença como destruidora, quando a própria pessoa que estava doente não conhece
os sintomas da sua doença, ou conhece os sintomas de sua doença mas ninguém da famí-
lia se preocupa com o seu estado de saúde. Aliás, a doença como destruidora quando as
“pessoas envolvidas na sociedade e para as quais qualquer interferência com o seu papel
familiar ou profissional constitui um problema importante”, porque na “medida em que a
doença pode limitar a capacidade pessoal para assumir as responsabilidades e a concomi-
tante perda de posição social e isolamento social” (Herzlick, 1993). Ou se o próprio

XXIX Encontro AULP | 237


doente desiste de lutar na busca de soluções curativas e a desistência dos profissionais de
saúde também aumenta o medo do paciente psicologicamente. Então, qual é a solução
alternativa? O mais aceitável é que os profissionais de saúde devem e podem resolver o
problema de doença do seu paciente (que está a ser classificado como grave e destruidora
de vida desse paciente) com a “terapia tradicional” – usando plantas medicinais compro-
vadas pela maioria das pessoas para resolver o problema da doença de seu paciente. Isto
é, se os profissionais de saúde sabem que a doença do seu paciente é destruidora (no
sentido “doença malignos”) e não conseguem resolver com a “terapêutica da medicina
moderna” (ou com tecnologias medicinais modernas), procuram outras soluções alterna-
tivas, por exemplo, usam o método de “terapêutica tradicional” com a aplicação das me-
dicinais tradicionais, e nesse sentido, os profissionais de saúde não podem orgulhar-se
apenas nos seus princípios profissionais, mas aceitam humildemente a concepção mista
conhecida por “cruzar o saber local e saber moderno” no processo de salvar a vida da
pessoa com doença grave, e não com expressão “ami desiste deit ona tanba laiha ona
meius atu salva pasiente ne’e – nós desistimos porque já não há outro meio para salvar
este paciente”9.
2) Doença como libertadora de vida. Se consideramos a doença como libertadora de
vida, significa a doença em si é um alívio do cansaço, ou seja, uma responsabilidade da
alma que coloca o corpo a descansar, isto é, “quando estou muito cansado, quem me dera
ficar doente... a doença é uma espécie de descanso, que nos pode libertar das preocupa-
ções do dia-a-dia...” (Herzlich,1973, p.114). Sendo assim, se o descanso do corpo com
mais tempo, então precisa fazer uma “terapia da cura” com o acto de beber alguns remé-
dios vindos das plantas medicinais tradicionais para evitar que este tipo de doença alas-
trasse. Neste caso, não precisa fazer uma consulta médica, mas apenas com “terapia da
alma” – usando o método de yoga, método de akupuntur, ou ainda outros métodos tradi-
cionais que possam resolver de imediato o problema dos sintomas de doença vindo do
cansaço. A doença nesta concepção é espontaneamente curada com os cuidados imediatos
e a simpatia dos outros, ou seja, em termos de aplicação das “práticas medicinais mistas”
é preciso ter em conta o suporte da “cultura ritual” como complemento da “cultura médi-
ca hospitalar”, pelo que se destaca na antropologia médica (Laplatine, 1991).
3) Doença como desafio de vida. Se é assim, então, é obrigação de todos nós lutar com
todos os nossos poderes e recursos para evitar que a doença venha ao encontro da nossa
alma e do nosso corpo. É necessária muita energia, empenho e toda a nossa capacidade

9. O sentido desta afirmação é aplicável quando os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros especialis-
tas) já fizeram várias tentativas de resolver o problema da doença do paciente, mesmo assim, em alguns casos,
esses profissionais de saúde obrigam a família do paciente a aceitar a sua análise “laboratorial” que de facto não
dá nenhuma “solução substancial” ou “solução convencível”, e isso vai ser acidentalmente fatal. Como no caso
de um bebé recém-nascido como um problema de saúde, os médicos especialistas pediram aos pais do bebé para
aceitar o diagnóstico do laboratório para que esse bebé seja operado de imediato, se não diziam médicos: “tenke
opera deit, tanba laiha meius atu salva nia – tem que operar mesmo porque já não há meios para o salvar”, daí
ocorreu a operação e alguns dias depois, o bebé ficou com mais problema, e os médicos disseram: “ami labele
halo tan buat ida – nós não podemos fazer mais nada” (Paulino & Araújo, 2018). Este tipo de atitude é um in-
sulto e eticamente os médicos não estavam a brincar mesmo com os sentimentos da família do paciente, é uma
incapacidade de análise laboratorial e incapacidade de dar “solução alternativa” para resolver o problema do
paciente que neste caso é o bebé recém-nascido.

238 | XXIX Encontro AULP


no sentido de melhorar. Para tal, é preciso fazer exercício físico diariamente como parte
integrante da nossa “recuperação do cansaço corporal” após a realização de grandes acti-
vidades profissionais. Este tipo de doença tem origem na “preocupação” e no “stress”
recebidos diariamente no local de trabalho, na família e na sociedade, e deve ser solucio-
nada com a “terapia espiritual” e muitas pessoas acreditam nos poderes da mente sobre o
corpo.
Sintetizando que cruzar o saber local e saber moderno no processo de “curar a doen-
ça” de uma pessoa, usando o método curativo tradicional com a terapêutica das plantas
medicinais a partir:
• do contacto entre o curandeiro tradicional e o paciente, embora na ciência medicina
moderna é difícil de aceitar;
• da comunicação estabelecida com a natureza por aquele que usa a planta medicinal
como “remédio da cura tradicional”, acompanhado com a entoação de uma oração
aos espíritos da natureza e dos espíritos dos avôs, que alguma vez, usaram a planta
medicinal.
• de uma ação “fazer curativo” com a palavra, é claro que todas as plantas medicinais
tradicionais têm buscado com um certo ritual, como “hamulak iha nia hun – apre-
sentar oração na sua raiz” –, raiz aqui refere-se à raiz da planta medicinal.
• de uma convicção de que a planta medicinal tradicional pode prevenir a infecção,
devendo ser impermeável a bactérias, por exemplo, o malus (bételes) é uma planta
que tem magia curativa – particularmente tem a função para curar as feridas do cor-
po exterior.

E assim que se percebe culturalmente a doença surge como “dolorosas consequên-


cias” vindas da obra de algum espírito, cuja solução de cura deve ser feita por meio de
“invocação dos poderes sobrenaturais”. No caso da “cultura curativa” dos timorenses é
sempre por meio de “invocação do espíritos dos antepassados” através de cerimónia pri-
vada “halo urat”, trata-se de outra “terapia espiritual” mais do lado cultural, porque os
timorenses sabem que “a doença é como sendo fruto de invasão do organismo por matéria
estranha, ora como “perda da alma”, ora em termos de corpo ‘tomado’ por fantasmas, ora
como decorrência do rompimento de tabus, ora, enfim, como fruto de ritos mágicos”. E
se a doença tem a ver com a alma, então “a terapia aconselhável consistiria em reencon-
trar a alma para devolvê-la ao proprietário” (Hegenberg, 1998, p.18). Assim, a doença
associada à alma é resolvida com a intervenção de um curandeiro tradicional (feiticeiros,
ou bruxarias do bem) que conhece os fenómenos naturais que estimulam a doença. Esta
conceptualização é vivida e aplicada pelos antigos povos romanos, gregos, os ibéricos, e
povos do sudeste asiático, incluindo o povo de Timor também (Pascoal, 1936).

Epílogo
Os profissionais de saúde de Timor-Leste podem apostar na medicina tradicional
como “alternativa curativa” da medicina moderna, seguindo alguns países lusófonos que
apostam na medicina tradicional para resolver o problema da saúde dos seus cidadãos.
Por exemplo, Moçambique já aplicou a “medicina tradicional”, na sua política de preven-
ção de algumas doenças menores e graves, ou seja, “Moçambique tem vindo a apostar na

XXIX Encontro AULP | 239


área da medicina tradicional, tendo já criado um centro (…) em Moçambique e pensamos
que é importante para complementar a medicina convencional”10
Vimos que hoje em dia, os profissionais de saúde usam a tecnologia com o instrumen-
to útil para resolver os problemas da saúde dos doentes, ou melhor dizendo, os seus pa-
cientes. Só olham para a movimentação da frequência aparecida na máquina de controlo,
devido a isto,

tecnicização da Medicina tem suscitado o distanciamento entre paciente e médico, acarre-


tando a ausência de uma relação que viabilize a vazão da capacidade do paciente em sim-
bolizar a doença que o acomete. A falta de comunicação deixa pacientes e familiares, mui-
tas vezes, confusos frente às diversas informações que recebem sem o devido acolhimento.
O fato de não se contemplarem os sentimentos, as razões e as expectativas do ser humano
acaba por culminar em um processo chamado de “objetualização do paciente”, em que a
doença é valorizada acima do ser que a possui, o qual é fragmentado em sedes cada vez
menores de patologias (Martins, 2003; apud Lima., Guzman., De Benedetto & Gallian,
2014).

Se o ser humano é frágil e um “ser de vida”, então, cuida-lo humanamente. O mais


importante é fazer uma comunicação que possa aliviar a dor do paciente no momento em
que ele necessita mesmo dessa atenção.

Agradecimentos
Agradecemos a Etelvina Bau pela sua ajuda na identificação de algumas “plantas
medicinais” (apresentadas nas figuras) associadas a “práticas curativas tradicionais”, ou
tecnicamente conhecido por “terapia orgânica e natural”. Além disso aos senhores anóni-
mos que partilharam experiências sobre o uso das plantas medicinais no tratamento das
doenças.

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10. É advertido por Rafael Custódio Marques no encerramento do colóquio sobre a cooperação do domínio
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242 | XXIX Encontro AULP


Alimentação coletiva e cultura alimentar regional:
reflexões a partir da análise de cardápio de
restaurante universitário em Salvador, Brasil

Virgínia Campos Machado (autor correspondente)


Docente do Departamento de Ciência da Nutrição da Escola de Nutrição da UFBA; Brasil,
E-mail:[email protected]
Maria da Conceição Pereira da Fonseca
Docente do Departamento de Ciência dos Alimentos da Escola de Nutrição da UFBA, Brasil,
E-mail: [email protected]
Gabriela Santos da Conceição
Mestranda da Pós-Graduação em Ciência de Alimentos pela Universidade Federal da Bahia, Brasil,
E-mail: [email protected]
Allana Franklim Felippe do Carmo
Nutricionista graduada pela Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Brasil,
E-mail: [email protected]

Carlos Rodrigo Nascimento de Lira


Mestrando da Pós-Graduação em Alimentos, Nutrição e Saúde pela Universidade Federal da Bahia; Brasil,
E-mail: [email protected]
Larissa Silva Santos
Mestranda da Pós-Graduação em Ciência de Alimentos pela Universidade Federal da Bahia, Brasil,
E-mail: [email protected]
Amanda Santos Bispo
Discente do curso de Nutrição da Universidade Federal da Bahia – UFBA; Brasil,
E-mail: [email protected]
Celina Maria Pereira Alonso
Docente do Departamento de Ciência dos Alimentos da Escola de Nutrição da UFBA, Brasil,
E-mail: [email protected]
Telma Melo Brandão
Docente do Instituto Federal de Sergipe – Campus São Cristóvão, Brasil,
E-mail: [email protected]

1. Introdução do Artigo
A oferta de alimentação para a coletividade acontece por parte das Unidades de Ali-
mentação e Nutrição (UAN), as quais possuem o cardápio como principal instrumento
direcionador do trabalho, visto que as etapas do fluxo produtivo o seguem como base
(NOVELETTO; PROENÇA, 2014). Desta maneira, o processo de planejamento do car-
dápio visa incluir dimensões de qualidade, sendo estas: nutricional, sensorial, simbólica,
de serviços, higiênico-sanitária e regulamentar, com propósito de obter refeições conside-
radas satisfatórias à clientela (ALEXANDRE, 2007).
Ao incluir a dimensão nutricional no planejamento, enfatiza-se a capacidade de utili-
zação deste como instrumento de promoção da saúde, bem como para a prevenção de
doenças e estímulo aos hábitos saudáveis (MOTA et al, 2017). Mas, além disso, é impor-

XXIX Encontro AULP | 243


tante considerar a necessidade de incluir preparações da cultura local, assim como aque-
las de costume da população, em busca de atender o anseio daqueles que frequentam o
ambiente (FONSECA, 2018) e contribuir para uma perspectiva mais ampliada da nutri-
ção.
Desta forma, compreende-se também a alimentação enquanto expressão sociocultu-
ral, tendo em vista o fato de trazer como representatividade as crenças, as práticas cultu-
rais, os costumes e conhecimentos transmitidos entre grupos sociais, permitindo a sensa-
ção de pertencimento e apropriação identitária. Por outro lado, a globalização permite que
aconteça a comunicação entre a culinária de diversas culturas, proporcionando maior
variedade de preparações (ROCHA; RIAL; HELLEBRANDT, 2013).
Sendo assim, percebe-se que o processo de planejamento e construção de cardápio
engloba diversos aspectos que envolvem a clientela em geral. Portanto, ao direcionar a
alimentação para uma coletividade, deve se buscar incluir a diversidade alimentar e fato-
res culturais para que haja aceitação da alimentação ofertada entre os clientes das UAN,
o que concorre para a promoção da segurança alimentar e nutricional através do cardápio
(SPAK, 2017; ROSÁRIO; SOUZA, 2017).
Considerando a importância da relação entre alimentação, cultura e identidade, este
trabalho tem como objetivo identificar a expressão da cultura alimentar local na elabora-
ção de cardápios de um restaurante universitário.

2. Procedimentos Metodológicos
O estudo se insere no âmbito do Projeto intitulado “Controle de qualidade das refei-
ções produzidas e transportada destinadas aos universitários da Universidade Federal da
Bahia”, aprovado no comitê de ética em Pesquisa da Escola de Nutrição da Universidade
Federal da Bahia, com o parecer número nº 228.318/2012. Caracteriza-se como estudo de
caso, com coleta de dados primários e secundários relacionados aos cardápios planejados
e executados no Serviço de Alimentação coletiva de Restaurante Universitário em Insti-
tuição de Ensino Superior da cidade de Salvador (Ba), região do Nordeste do Brasil.
A gestão deste serviço vem sendo realizada por concessionárias prestadoras de servi-
ços terceirizadas, que produzem e/ou distribuem refeições em três restaurantes localiza-
dos em diferentes campus da Universidade. No total são distribuídas entre desjejum, al-
moço e jantar cerca de 2.970 refeições por dia.
Para avaliar a relação entre a cultura alimentar local, os cardápios foram avaliados
com vistas à identificação de marcadores identitários da alimentação. Os cardápios ava-
liados do Serviço de Alimentação em foco eram do tipo rotativo com ciclo de nove sema-
nas, padrão intermediário e compreendiam café da manhã, almoço e jantar. O café da
manhã é composto por café infusão, leite integral, pão com manteiga e recheio, e acom-
panhamento. No almoço e jantar são oferecidos dois tipos de saladas cruas, prato princi-
pal, acompanhamentos, opção ovolactovegetariana, guarnição, sobremesa e suco.
Todos os alimentos e/ou preparações do cardápio foram analisados neste estudo, sen-
do classificadas como regional, quando se tratava de alimentos ou preparações que são
característicos da região nordeste do Brasil; nacional, quando consumidos nas diferentes
regiões do Brasil; ou internacional, quando se tratava de preparações já incorporadas ao
gosto do brasileiro, mas cuja origem ou uso remete claramente a outros países. A análise

244 | XXIX Encontro AULP


foi realizada por docentes, nutricionistas e um estudante de nutrição, que usaram como
base a publicação do Ministério da Saúde (MS), intitulada Alimentos Regionais Brasilei-
ros (2002) (BRASIL, 2002).
No processo de interpretação dos resultados, os achados referentes à análise do cardá-
pio foram confrontados com dados de outros estudos realizados no âmbito do projeto
maior e nos mesmos cardápios planejados e executados, em diferentes períodos (2016 a
2018) como uma avaliação qualitativa de preparações do cardápio (SILVA et al, 2019),
uma pesquisa de satisfação do cardápio (CARMO et al, 2017), e um estudo sobre a per-
cepção dos estudantes sobre a contribuição do restaurante universitário como instrumento
de promoção da Segurança Alimentar e Nutricional (BISPO et al, 2019).

3. Resultados e Discussão
A alimentação tem relação direta com a cultura e a identidade de um povo e das pes-
soas; por isso é considerada como uma memória coletiva e social. No entanto, observam-
-se transformações nos hábitos alimentares em ritmo acelerado na sociedade, resultado de
um universo cada vez mais globalizado (SOUSA & SOUSA, 2015). Essa perspectiva
globalizante co-existe com um movimento de valorização das culturas alimentares e gos-
tos locais.
Para abordar essa relação no contexto da alimentação institucional, os alimentos ou
preparações ofertadas no cardápio foram identificados como pertencentes à cultura ali-
mentar regional, nacional brasileira, ou como internacional. Após a análise mais geral,
buscou-se identificar os marcadores identitários da alimentação regional e nacional de
forma quantitativa, para uma expressão numérica geral (Tabela 1) e qualitativa, no senti-
do de descrever os principais marcadores presentes (Quadro 01).

Tabela 1 – Frequência relativa e absoluta dos marcadores identitários observados


nos cardápios e executados do Serviço de Alimentação Coletiva de Restaurante Universitário em Instituição
de Ensino Superior da cidade de Salvador (Ba),
região do Nordeste do Brasil, maio de 2019.

Marcadores de Café da manhã Almoço Jantar Total


identidade N % n % n % n %
Regional 36 11,4 66 11,6 54 9,5 156 11,2
Nacional 131 41,6 328 57,8 347 61,2 806 57,9
Internacional 121 38,4 158 27,9 150 26,5 429 30,8
Fonte: dados da pesquisa.

Na Tabela 1 é possível observar os marcadores identitários regionais (Nordeste/ou


específico da Bahia) em menor proporção (11,2%). Contudo, os alimentos e/ou prepara-
ções presentes no cardápio são extremamente característicos dessa região. O Quadro 2
demonstra a forte presença de raízes, tubérculos bem como de frutas tipicamente regio-
nais, presentes principalmente na forma de suco. As preparações identificadas como na-
cionais apareceram em maior proporção (57,9%) seguidas de preparações de origem in-
ternacional (30,8%).

XXIX Encontro AULP | 245


No que tange aos marcadores identitários nacionais observa-se fortemente a presença
de frutas tropicais do Brasil, usadas inteiras ou picadas na sobremesa e saladas. Com re-
lação às preparações de origem internacional observa-se a influência generalizada de di-
ferentes culturas. Tal fato pode ser atribuído à própria história do Brasil e ao processo de
globalização. Remetendo ao processo de colonização, observa-se a influência marcante
de Portugal em preparações como ensopado de bacalhau com batatas e azeitonas e o bife
à portuguesa; e da África, com a utilização do dendê. Numa perspectiva mais próxima da
influência da globalização dos gostos alimentares, pode-se citar a boa avaliação das mas-
sas e de preparações como o quibe, tabule, quiche e frango xadrez, classificadas como
internacionais.

Quadro 1 – Descrição de preparações e alimentos caracterizados como marcadores identitários regionais e


nacionais observados nos cardápios planejados e executados do Serviço de Alimentação coletiva de
Restaurante Universitário em Instituição de Ensino Superior da cidade de Salvador (Ba), região do Nordeste
do Brasil, maio de 2019.

Marcadores Café da manhã Almoço e Jantar


Regional Cuscuz (milho, Frutas utilizadas em sucos (umbu, acerola, tamarindo,
(Nordeste/ tapioca), mingau cajá, maracujá, cacau, graviola, caju), abóbora (purê e gra-
Bahia) (milho, aveia), tinada), aipim (purê, gratinado e frito), escondidinho
mugunzá, banana da de aipim, purê de banana da terra, farofas, batata doce gra-
terra, aipim, batata tinada, pirão, vatapá, moqueca de carne e de peixe, xinxim
doce, inhame, arroz de galinha, dobradinha, carne de sol acebolada, paçoca.
doce de corte, lelê.
Nacional Café com leite, frutas Arroz simples e com combinações (açafrão, corado, com
(Brasil) tropicais. salsa, entre outros), feijão, banana doré churrasco misto,
feijão de tropeiro, frutas tropicais inteiras e na forma de
suco (mamão, laranja, tangerina, banana, manga, abacaxi),
saladas a base de folhosos típicos das regiões brasileiras
combinados com frutas tropicais (escarola, rúcula, couve,
etc.) e outros elementos (repolho, milho, ervilha coco seco
ralado) e doces industrializados tipicamente brasileiros (pé
de moça, pé de moleque, goiabada, doce de leite cremoso.
Houve uso das diferentes carnes bovinas, frango, peixe,
vísceras (fígado) e suína (assado, frito, etc) e mix de carnes
como vaca atolada.
Fonte: dados da pesquisa

Passando a uma discussão pelo prisma das refeições ofertadas, no que diz respeito ao
desjejum, observou-se que a presença de alimentos como o cuscuz, mingau, mungunzá,
banana da terra e raízes (como mandioca e inhame cozidos). Tais alimentos caracterizam
a composição típica de café da manhã do nordeste brasileiro.
O cuscuz, originalmente africano, está relacionado à presença do milho no Brasil,
vinculada aos povos indígenas. No entanto, este alimento assume diferentes formas nas
diferentes regiões do Brasil. A versão nordestina do cuscuz de milho consiste em uma
massa de fubá temperada com sal e açúcar, cozida no vapor de uma panela específica
para este fim, denominada cuscuzeira (FARIAS et. al, 2014). O cuscuz de milho é fre-

246 | XXIX Encontro AULP


quentemente consumido com ovo frito, complemento que não é oferecido nos cardápios
analisados.
O cuscuz de tapioca, por sua vez, utiliza tapioca (fécula de mandioca) e coco ralado,
resultando em uma versão mais adocicada da preparação. A tapioca é de origem indígena,
comum nas regiões norte e nordeste do Brasil, e é utilizada em outras preparações, como
o beiju (SILVA, et. al, 2013).
No desjejum também estão presentes outros alimentos amplamente consumidos no
Brasil, como o famoso café com leite (pingado), com pão e manteiga que remete ao esta-
do de São Paulo (SONATI, 2019).
No almoço e jantar os alimentos e preparações regionais e locais também são nume-
rosos. Como prato principal observa-se a oferta de moqueca de carne e de peixe, xinxim
de galinha, dobradinha, carne de sol acebolada e paçoca. A moqueca marca a presença
do dendê na alimentação ofertada no RU, que é um ingrediente que denota a forte influ-
ência africana sobre a culinária baiana. Vale mencionar que os pratos principais do RU
foram avaliados positivamente por cerca de 68% dos usuários do serviço, fato pode estar
relacionado à maior identificação com a cultura local, entre outros aspectos (CARMO,
et al. 2017).
A composição do almoço e jantar são similares e por isso, pode causar estranhamento
ao observar maior frequência de alimentos regionais no almoço do que no jantar (Tabela
1). Este fato é explicado pela forte expressão cultural mantida nos serviços de alimenta-
ção comercial e institucional em algumas regiões do Brasil. No nordeste é comum que o
almoço das sextas-feiras seja composto por preparações tipicamente regionais.
Outras preparações que remetem bem à cultura brasileira e baiana estão presentes nas
guarnições do cardápio, que são preparações que costumam acompanhar o prato princi-
pal. Por exemplo, geralmente a moqueca de peixe é acompanhada com pirão ou vatapá,
que também geralmente são temperados com azeite de dendê. Outras importantes prepa-
rações que remetem à cultura local são: escondidinho de aipim, purê de banana da terra,
batata doce gratinada e farofas.
Estas últimas merecem destaque, tendo em vista que aparecem em diferentes compo-
sições – de banana da terra, azeite de dendê, couve e cenoura, tendo como base a farinha
de mandioca. A farinha é de origem indígena e vastamente usada em todo território brasi-
leiro, com maior frequência nas regiões Norte e Nordeste.
É comum ouvir um nordestino mencionar que “não fica sem comer farinha”. No car-
dápio em estudo foi observado o uso diário da farinha, além de serem frequentes as pre-
parações que a utilizam como ingrediente, como a farofa. A farofa também pode ser feita
com o cuscuz, sintetizando dois elementos tipicamente nordestinos. As guarnições são
avaliadas positivamente por cerca de 60% dos comensais que frequentam o RU em estudo
(CARMO et al, 2017).
Os cardápios analisados apresentam preparações que podem ser identificadas como
pertencentes à cultura alimentar nacional, como é o caso do arroz com feijão. Mas, apesar
de ser a “cara” do Brasil, pode ser encontrado com feijões de diferentes espécies e com
modos de preparo característicos de cada região (SONATI, 2019). Neste aspecto ressalta-
-se que a Bahia é um dos estados do Brasil com maior variedade de feijões, como exem-
plo: feijão de corda, feijão fradinho, entre outros.

XXIX Encontro AULP | 247


Contudo, no presente estudo foi pouco explorada a variação no uso do feijão de dife-
rentes espécies e preparações no planejamento de cardápio do Serviço de Alimentação.
Há presença diária do feijão de caldo comum e somente em um dia do cardápio do jantar,
o feijão tropeiro, uma preparação típica dos estados de Goiás e Minas Gerais. O arroz
também esteve presente diariamente no cardápio em foco; contudo observa-se maior
variação deste, já que foi combinado com ingredientes típicos da culinária local, como
com açafrão.
Mesmo se considerando a pouca variação no uso dos feijões no cardápio, na pesquisa
de satisfação realizada em 2017 os usuários (principalmente estudantes) apontaram que
65,6% gostam dos feijões servidos no cardápio do Restaurante Universitário. Assim
como cerca de 73% dos usuários se mostraram também satisfeitos com os arrozes servi-
dos no Serviço (CARMO et al, 2017). Alguns chegam a reclamar da quantidade servida,
“pouco feijão”, “aumentar a quantidade”, ainda que a porção servida seja adequada do
ponto de vista nutricional.
As polpas de frutas utilizadas nos sucos ofertados também demonstram características
tipicamente brasileiras, tendo em vista sua variedade de sabores. São ofertados, por
exemplo, sucos de umbu, acerola, tamarindo, cajá, maracujá, cacau, graviola, caju. A
predileção por frutas regionais foi citada na pesquisa de satisfação, quando um discente
usuário do RU mencionou que preferia “menos suco de manga e mais suco de cajá”. As
frutas também estão presentes na sobremesa e contribuem para a qualidade do cardápio.
Em relação à qualidade dos cardápios, estes foram considerados adequados, indican-
do que contribui para uma alimentação saudável, tendo em vista que mostra uma boa
presença de frutas, verduras, poucas frituras e carnes gordurosas (SILVA et al, 2019). Em
outro estudo quando os usuários foram questionados sobre a adequação aos hábitos ali-
mentares da população baiana, 42,9% consideram o cardápio moderadamente adequado
(BISPO et al, 2019).
Ao terem a chance de expressar suas predileções, os comensais colocam em evidên-
cia outros costumes e gostos alimentares, como o consumo de frutas ao fim da tarde e a
redução da realização de refeições completas no jantar, sendo o mesmo substituído por
lanches. Nesse sentido, surgem falas como “Gostaria que voltasse a sopa e o café com
pão no jantar, pois as vezes ainda janto, acho uma boa sugestão para o horário”, “No
jantar ter a opção de café, cuscuz, aipim, banana da terra e pão com ovo” (CARMO et
al., 2017). As restrições ao consumo de alguns alimentos ou preparações ofertadas são
justificadas pelo gosto pessoal ou razões religiosas, como a interdição ao consumo de
carne de porco ou dendê. Entre os menos consumidos por falta hábito, o alimento que
mais prevalece é a soja (BISPO et al, 2019). De forma geral estas citações remetem à
necessidade e ao desejo de que o cardápio venha a atender ainda mais às características
regionais da alimentação.
Em um estudo realizado por Cavale (2018) foi verificado em editais de licitação para
restaurantes universitários uma baixa presença de exigências para a elaboração de cardá-
pios que respeitem a cultura e o hábito alimentar local dos usuários. Os cardápios anali-
sados relevam uma tendência contrária, de valorização da diversidade na cultura culinária
e o incentivo e o respeito aos hábitos alimentares, à cultura e à tradição alimentar. Apesar
de ser notável que o ingresso na faculdade modifique os hábitos alimentares dos estudan-

248 | XXIX Encontro AULP


tes, verifica-se a importância do incentivo à valorização da cultura e dos hábitos alimen-
tares da população (PAIVA, 2012).
Para Freitas e Pena (2007), este aspecto é importante devido à diversidade alimentar
regional e está propensa a conservar e agregar novos valores que expressem inscrições
simbólicas aos alimentos consumidos por diversos grupos sociais.

4. Considerações Finais
Ao analisar a expressão da cultura alimentar local na elaboração de cardápios de um
restaurante universitário, foi possível observar que a perspectiva pretensamente homoge-
neizadora dos gostos em restaurantes institucionais não se sustenta e a cultura local se faz
notar em vários elementos. Ao incorporar elementos da cultura alimentar regional e na-
cional, o cardápio do RU contribui para o fortalecimento das identidades sociais, sempre
consolidando a concepção do respeito à diversidade cultural e aos hábitos alimentares
locais. Deste modo, acredita-se que as avaliações positivas realizadas no cardápio em
foco indicam que eles exercem o papel de identificação dos usuários com este, seja no
aspecto sensorial, nutricional e de identidade cultural.
Este estudo colocou em relevo a discussão sobre a elaboração de cardápios institucio-
nais capazes de orientar a oferta de alimentação adequada sanitária e nutricionalmente
para coletividades, mas que também considere a comida enquanto expressão identitária e
elemento da cultura. Acredita-se que essa discussão contribui para que os serviços de
alimentação para coletividades possam se orientar por conceitos mais ampliados de saúde
e segurança alimentar e nutricional, incluindo em perspectiva a cultura alimentar.

Agradecimentos
Ao Grupo de Pesquisa e Extensão do Restaurante Universitário (GPERU), ao Nú-
cleo de Segurança Alimentar e Nutricional (NuSA) da Universidade Federal da Bahia
(UFBA).

Referências
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simbólica de bufês executivos em hotéis de negócios (tese de mestrado). Universidade Federal de Santa Catari-
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250 | XXIX Encontro AULP


O alcoolismo e seus impactos em adolescentes nos bairros
São Filipe e Tala-Hady no Município do Cazengo da
Província do Cuanza Norte nos anos de 2016 e 2018

Pedro Vita
Universidade Kimpa Vita

Motivação
Actualmente é grande o número de adolescentes que fazem uso abusivo de bebidas
alcoólicas, tornando-se preocupante e consequentemente um problema de saúde pública.
A dificuldade da medicina neste diagnóstico e tratamento, resultam na importância da
abordagem desta investigação.

Formulação do problema
Qual é o impacto do alcoolismo em adolescentes nos bairros São Filipe e Tala-Hady
no município do Cazengo na província do Cuanza Norte nos anos de 2016 e 2018?

Objectivos do estudo
• Geral:
– Analisar o impacto do alcoolismo em adolescentes nos bairros São Filipe e Tala-
-Hady no Município do Cazengo na província do Cuanza Norte nos anos de 2016 e
2018.
• Específicos:
– Comparar a incidência do alcoolismo nos bairros S. Filipe e Tala-Hady no Municí-
pio do Cazengo da província do Cuanza Norte nos anos de 2016 e 2018;
– Reconhecer o género e a faixa etária mais afectados pelo alcoolismo;
– Identificar as características sócio demográficas dos bairros São Filipe e Tala-Hady;
– Esclarecer os principais factores de risco para o consumo do álcool na adolescência;
– Determinar o tipo de bebida mais consumida pelos adolescentes nos dois bairros.

Hipóteses
H1 – Os adolescentes dos bairros São Filipe e Tala-Hady consomem bebidas alcoóli-
cas de produção caseira;
H2 – O género masculino é o que mais consome.

NOÇÕES GERAIS
• Alcoolismo:
Doença que afecta a saúde física, o bem-estar emocional e o comportamento do indi-
víduo. (Araújo, 2007).

XXIX Encontro AULP | 251


• Álcool:
Droga (substância natural) bastante poderosa, de fácil acesso a todas as camadas da
sociedade devido ao seu baixo valor e mata mais pessoas.
• Adolescência:
Etapa de desenvolvimento marcada por drásticas mudanças, tanto a nível físico, como
a nível cognitivo (aquisição de conhecimentos, tais como pensamento, linguagem, per-
cepção, memória, raciocínio) e social (Shaffer, 2005).

ÁREA DE ESTUDO
A área em estudo está localizada na zona sul da Província do Cuanza Norte, entre as
coordenadas Geográficas, longitude 15°11›29»E, 15°12›00»E e latitude 09°15›00»S,
09°31›00»S1, com uma área total de 1174 km², e com uma população estimada em
165.839 habitantes.
O levantamento foi feito com base a fotografias aéreas (ortofotos) a escala 1/20.000.
O levantamento foi feito com um aparelho de estação total da Laica, e utilizou-se as
coordenadas geográficas no sistema no sistema de referenciação WGS-84.

Figura 1 – Localização da área de estudo. Fonte: Autor

Bairro Quitata
(São Filipe)

252 | XXIX Encontro AULP


Bairro
Tala-Hady

XXIX Encontro AULP | 253


Causas que levam os adolescentes a fazerem o uso de bebidas alcoólicas
Comportamento de assumir riscos e testar limites (tendência de procurar situações
novas, sensação de prazer e que pode ser potencialmente perigoso);
Expectativas (ficar mais comunicativo e divertir-se mais);
Traços de personalidade (agressividade, rebeldia, dificuldades em seguir regras, an-
siedade ou depressão);
Factores hereditários (influenciados pela genética, isto é, transmissão de característi-
cas biológicas de geração em geração);
Factores microssociais, abragindo pequena massa social (actitudes pais/familiares,
ofertas de bebidas alcoólicas);
Factores macrossociais abrangido grande parte da massa social (norma social, isto é,
quando está envolvido num meio em que todos bebem, tornando-se hábito do estilo de
vida do adolescente);
Factores ambientais (acessibilidade de bebidas alcoólicas);
Factores de protecção (consumo não regular de bebidas alcoólicas, ter uma religião).

DESVANTAGENS DO CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS


O consumo de bebidas alcoólicas em quantidades maiores pode provocar:

• Pancreatite (processo inflamatório do pâncreas: glândula de aproximadamente 15 cm


de extensão, responsável pela produção de enzimas que actuam na digestão de ali-
mentos e pela insulina-hormônio que reduz o nível da glicose).

• Hepatite (processo inflamatório do fígado).

O fígado desempenha várias funções, tais como:


– Actua na digestão e auxílio no metabolismo (transformações que as substâncias
químicas sofrem no interior do organismo) e armazenamento de alimentos;

254 | XXIX Encontro AULP


– Armazenamento e libertação de glicose;
– Destruição das células sanguíneas desgastadas e bactérias;
– Armazenamento de vitaminas e minerais.

Úlcera gástrica (ferida que se forma no tecido que reveste o estômago causada pela má
alimentação e acumulação de bactérias)
O estômago tem como função principal a digestão de alimentos proteicos).

Sinais e sintomas do uso abusivo de bebidas alcoólicas


• Fala arrastada, sonolência, vómitos;
• Diarreia, azia e queimação no estômago;
• Dor de cabeça, dificuldade para respirar;
• Alteração na capacidade de raciocínio (euforia, perdendo a coordenação e autocon-
trolo, diminuição da capacidade intelectual);
• Urinar demasiado;
• Pode provocar infertilidade e diminuição dos hormônios masculino, afectando o
desejo sexual e levar à impotência;
• Pode provocar à diminuição da menstruação e infertilidade;
• Perda de memória e dificuldade de concentração;
• Apatia, depressão;
• Problemas cardíacos.

Tratamento e prevenção
• O tratamento deve ser acompanhado por uma equipa de especialistas no campo emo-
cional e clínico (médicos, psicólogos, sociólogos), que trabalham para a desintoxi-
cação, reabilitação, tratamento clínico e manutenção do organismo;
• Apoio familiar;
• Associação anónima (AA);
• Papel da escola, igreja, polícia, INAC, Família e Promoção da mulher;
• Uso de Extracto de Própilis, produto natural produzido pelas abelhas (para desinto-
xicação do organismo);
• Uso de Suco Detox, cheio de vitaminas e minerais (ajuda o fígado na filtragem do
sangue e das toxinas vindas dos alimentos e medicamentos);

XXIX Encontro AULP | 255


• Gengibre, actua como anti-inflamatório, antimicrobiano e digestivo, melhorando a
limpeza do intestino e a digestão de gorduras, facilitando o trabalho do fígado;
• Uso de chá (chá verde, facilitando o funcionamento do fígado);
• Para o tratamento medicamentosa recomenda-se a Naltrexona, Acamprosato ou
Campral e Carbamazepina (Tegretol), que facilitam a desintoxicação do organismo.

METODOLOGIA
Trata-se de um estudo observacional transversal descritivo e analítico, com uma abor-
dagem quali-quantitativa na base de recolha de dados.
– Observacional (observamos os adolescentes para medir o estado do alcoolismo e
posteriormente intervir);
– Transversal (analisamos os dados colectados ou observados);
– Descritivo (Descrevemos e registamos a frequência do alcoolismo em adolescentes
na área estudada e num determinado tempo)
– Abordagem qualitativa (estudamos as particularidades dos adolescentes);
– Abordagem quantitativa (utilizamos as técnicas estatísticas, obtendo-se números
através de cálculos e que estes foram apresentados em forma de gráficos e tabelas).

Questionário
– Foi construído um questionário adaptado à realidade e que contou com a participa-
ção dos adolescentes dos dois bairros em referência;
– Seleccionamos as variáveis de interesse e de forma livre e anónima foram preenchi-
das, mantendo o sigilo.

Colecta de dados
– Previamente foram realizadas consultas preliminares com os responsáveis dos bair-
ros e encarregados dos adolescentes para esclarecer a finalidade de estudo.

Material usado
– Impresso contendo o questionário de consentimento livre e esclarecido;
–C aneta;
–P rancheta
– Telemóvel, contendo GPS, o que permitiu a localização das coordenadas e o mape-
amento da área em estudo;
– Transporte.

População e amostra
População aproximadamente de 165.839;
Amostra de 250 adolescentes (Bairro São Filipe, obtida de forma intencional);
Amostra de 250 adolescentes (Bairro Tala-Hady, obtida de forma intencional).

256 | XXIX Encontro AULP


Gráfico 1 – Alguma vez fez o uso de bebida Gráfico 2 – Alguma vez fez o uso de bebida
alcoólica (Bairro São Filipe) alcoólica (Bairro Tala-Hady)

Gráfico 3 – Distribuição dos consumidores Gráfico 4 – Distribuição dos consumidores


segundo o género (São Filipe) segundo o género (Tala-Hady)

Gráfico 5 – Distribuição dos consumidores Gráfico 6 – Distribuição dos consumidores


segunda a faixa etária (São Filipe) segunda a faixa etária (Tala-Hady)

Gráfico 7 – Distribuição dos consumidores Gráfico 8 – Distribuição dos consumidores


segundo o nível académico (São Filipe) segundo o nível académico (Tala-Hady)

XXIX Encontro AULP | 257


Gráfico 9 – Tipos de bebidas alcoólicas mais Gráfico 10 – Conheces as consequências e os
consumidas (Tala-Hady) factores do uso de bebidas alcoólicas na
adolescência (São Filipe)

Gráfico 11 – Conheces as consequências e os factores do uso de


bebidas alcoólicas na adolescência (Tala-Hady)

CONCLUSÃO
• Quanto ao número de consumidores
Bairro São Filipe: Bairro Tala-Hady
– 2016 (60,4%); – 2016 (77,2%);
– 2018 (59%). – 2018 (51%).
• Quanto ao género:
Bairro São Filipe
– 2016 predominou o género masculino com 53%;
– 2018 prevaleceu o género masculino com 55%, confirmando a segunda hipótese.
Bairro Tala-Hady
– 2016 predominou o género masculino com 53,9%;
– 2018 prevaleceu o género masculino com 65%, confirmando a segunda hipótese.

• Quanto a faixa etária


Bairro São Filipe
– 2016 predominou dos 15-17 anos (56,3%);
– 2018 predominou dos 11-14 anos (61%).
Bairro Tala-Hady
– 2016 predominou dos 15-17 anos (73,6%);
– 2018 predominou dos 11-14 anos (57%).

258 | XXIX Encontro AULP


• Quanto ao tipo de bebida alcoólica mais consumida:
São Filipe
– 2016, a caipirinha foi a mais relevante com 37,4%;
– 2018, prevaleceu a caipirinha com 35,8%, confirmando a primeira hipótese.
Tala-Hady
– 2016, a caipirinha foi a mais relevante com 44,6%;
– 2018, prevaleceu a caipirinha com 45,7%, confirmando a primeira hipótese.

SUGESTÕES
– Promover campanhas de sensibilização através de palestras nos bairros São Filipe e
Tala-Hady, bem como nas escolas com objectivo de informar aos adolescentes dos
riscos associados ao alcoolismo;
– Criação de uma sociedade anónima para alcoólicos que pretendem expor os seus
problemas;
– Propor a Administração Municipal do Cazengo a criação de políticas públicas e
projectos direcionados a população adolescente, como por exemplo a criação áreas
de lazer, Centros de reabilitação para adolescentes alcoólicos;
– Estender o projecto a nível da VII Região Académica, em todos os municípios das
Províncias do Cuanza Norte e Uíge, envolvendo equipas de trabalho constituídas
por investigadores, docentes e discentes;
– Sugerir assinatura de um protocolo de cooperação entre a Escola Superior Politéc-
nica, Direcção Provincial da Saúde, Gabinete Provincial de Educação e INAC, para
projectos comuns em benefício da comunidade e em particular os adolescentes;
– Proibir a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, e controlo eficaz dos
locais do fabrico caseiro;
– Proibir a venda de bebidas alcoólicas próximo das Instituições de Ensino;
– As publicidades de venda de bebidas alcoólicas que se façam depois das 22 horas;
– Que haja controlo eficaz na venda de bebidas alcoólicas em adolescentes nas mara-
tonas;
– Estudar-se mecanismos de implementação de uma multa aos encarregados que en-
volvem adolescentes na compra de bebidas alcoólicas, bem como os vendedores
infractores;
– Proibir a realização de concursos no uso de bebidas alcoólicas.

“Só podemos construir uma sociedade saudável com adolescentes saudáveis”

XXIX Encontro AULP | 259


260 | XXIX Encontro AULP
Cuidadores e assistentes pessoais.
Profissões no espaço lusófono

José Manuel Silva


Escola Superior de Saúde de Santa Maria

Introdução
A longevidade acrescida nas sociedades contemporâneas origina problemas novos de
organização e sustentabilidade, particularmente dos sistemas de segurança social e saúde,
e obriga a uma redefinição da organização das famílias progressivamente confrontadas
com os cuidados aos seus idosos, que nem sempre conseguem assegurar.
Também a melhoria do apoio a grávidas e dos cuidados de saúde, particularmente
neonatais, e uma maior consciência social são responsáveis pelo crescimento das neces-
sidades de apoio a crianças com patologias incapacitantes e défices de autonomia que
requerem cuidadores especializados e assistentes pessoais.
Os cuidados são assegurados, informalmente, por familiares, quase sempre sem qua-
lificação e sem apoios estatais, por profissionais também sem qualificação, geralmente
designados por informais e por profissionais com formação, regra geral de curta ou muito
curta duração, e com níveis remuneratórios muito baixos.
Nenhuma destas situações é justa, à luz dos direitos de quem necessita de cuidados e
de quem os presta, pelo que é urgente procurar no espaço do ensino superior Lusófono um
consenso de princípio quanto à necessidade de assegurar formações nestas áreas que pos-
sam contribuir positivamente para uma mudança profunda que sirva de alicerce a novas
carreiras profissionais de cuidadores e assistentes pessoais.

Falemos de cuidadores e de assistentes pessoais


De uma forma simples, cuidador(a) e/ou assistente pessoal é alguém que ajuda outrem
a realizar as suas atividades de vida diária, variando a relação que se estabelece entre o
profissional e o beneficiário dos cuidados, no primeiro caso, liderando o cuidador, no se-
gundo, o beneficiário.
Genericamente existem dois tipos de cuidadores, os familiares e os profissionais, os
primeiros ocupam-se dos seus entes queridos e não auferem remuneração, os segundos
prestam serviços remunerados e podem ser informais se não possuem qualificações ade-
quadas ou formais se as possuem.
Relativamente aos familiares é importante que os Estados promovam medidas de
apoio compensatórias e supletivas do esforço familiar; quanto aos segundos, importa
criar estatutos de carreira que sublinhem a vertente profissional da função, com exigência
de qualificação adequada e remuneração digna e justa.
É um lugar-comum afirmar que a atividade de cuidador e assistente pessoal, seja
exercida em termos familiares ou como exercício profissional, é desgastante e muito

XXIX Encontro AULP | 261


mal remunerada, a qualificação é insuficiente para os padrões de exigência crescente,
muitos nunca frequentaram qualquer formação, não há estatutos nem carreiras na gene-
ralidade dos países lusófonos. O Brasil aprovou recentemente legislação pioneira neste
sentido.
No estádio em que o setor se encontra a imagem destes profissionais exibe dois atri-
butos fundamentais, baixa formação e baixo nível remuneratório. O problema começa a
ser sentido com a agudeza suficiente para já hoje ser corrente ouvir responsáveis falar da
dificuldade em contratar pessoas qualificadas, primeiro, porque não as há e em segundo,
porque os baixos salários não são atrativos.
O desenvolvimento dos países lusófonos não é similar, nem as questões da natalidade-
-mortalidade se colocam da mesma forma, mas o futuro vai determinar a emergência de
problemas semelhantes, em todos os países se vai viver mais e vai haver mais gente para
cuidar. A necessidade de cuidadores e de assistentes pessoais vai crescer em todos e é útil
que as experiências dos mais avançados neste processo ajudem a queimar etapas aos que
vão chegar a esse estado de necessidade mais tardiamente.
De uma forma geral o problema tem os mesmos contornos, é necessário que os Esta-
dos atuem supletivamente relativamente às famílias que não tenham condições para cui-
dar dos seus familiares e é fundamental que se institucionalize a profissão de cuidador/
assistente pessoal como hoje já existe a de enfermeiro, fisioterapeuta ou terapeuta ocupa-
cional, para dar apenas alguns exemplos.
A formação deve contemplar vários níveis e o mais qualificado deve ser obtido no
ensino superior como qualquer outra qualificação académica de alto nível com incidência
posicional e remuneratória na carreira profissional e na prestação de serviço.
Empoderar os cuidadores implica três ações indispensáveis nas quais estão subsumi-
das todas as condições necessárias ao desempenho da função – formação adequada, re-
muneração justa, suporte permanente. Sem formação adequada não há cuidadores nem
assistentes pessoais, pode haver prestadores de cuidados. Sem uma remuneração justa
não há dignidade profissional reconhecida, sem suporte permanente põem-se em risco os
cuidadores, os assistentes pessoais e quem é objeto de cuidados.
E o mesmo acontece com os cuidadores familiares, sem a formação a que têm direito
poderão ser dedicados, mas isso não basta para cuidarem da melhor maneira os seus entes
queridos, sem um estatuto que lhes reconheça o papel social e os apoios financeiros que
lhe são devidos, não se lhes reconhece a dignidade a que têm direito, sem o suporte indis-
pensável não se acautelam os seus direitos nem os de quem cuidam a uma vida digna e
com a qualidade exigível.

Conclusão
Ser cuidador ou assistente pessoal é uma das mais meritórias ocupações familiares e
uma das profissões do futuro, mas está-se ainda no limiar de um processo caracterizado
por uma confrangedora falta de conhecimento sobre a realidade da prestação dos cuida-
dos, uma quase completa ausência de reflexão conceptual sobre o múnus de ser cuidador,
de inexistência de regulamentação adaptada ao contexto familiar e profissional dos cuida-
dos e níveis de formação claramente desadequados das necessidades de um mundo em
completa transformação social, tecnológica e comunicacional.

262 | XXIX Encontro AULP


Os cuidadores e assistentes pessoais são pivots das relações transacionais de cuidado
e afeto que estabelecem com quem cuidam ou para quem trabalham e para se assumirem
em plenitude precisam do empowerment que só a formação adequada, a remuneração
justa e o suporte permanente lhes conferem.
A sociedade lusófona necessita ser desassossegada para esta realidade, é imperioso
que sejam adotadas políticas ambiciosas e de rutura com os modelos vigentes incapazes
do corresponder às exigências do futuro, é necessário que a investigação aprofunde o
conhecimento sobre a prestação de cuidados, não apenas na perspetiva pessoal, mas na
consideração ampla das relações sociais de uma sociedade em mudança, finalmente é
urgente que cada um se interpele sobre a responsabilidade que lhe incumbe para que
quando necessitar de ser cuidado(a) possa ter os cuidadores/assistentes pessoais que de-
seja e merece.

XXIX Encontro AULP | 263


A diversidade na escolha dos Cursos de Engenharia
na região de Lisboa

Manuel Matos (autor correspondente)


Departamento de Engenharia Química, ISEL-IPL, Portugal; E-mail: [email protected]

1. Introdução
Os cursos de engenharia são, em Portugal, os cursos que mais alunos atraem no Ensi-
no Superior. A região de lisboa oferece cerca de 3 500 vagas a cada ano, constituindo-se
como a região de maior oferta de vagas para cursos de Engenharia no país. Nas institui-
ções públicas a admissão ao primeiro ano dos cursos do Ensino Superior é realizada
através de Concursos Nacional de Acesso em que os alunos concorrem a nível nacional.
As colocações no ensino privado são realizadas a nível de cada escola não existindo uma
base comparativa nacional. Por estas razões o nosso trabalho se centra no estudo dos
cursos de engenharia do Ensino Superior Público da região de Lisboa.
A relevância deste estudo estará em tentar perceber quais as alternativas de cursos que
os alunos consideram face ao curso que escolhem em primeira opção para seguir no Ensi-
no Superior. Esta análise irá fornecer-nos indicações sobre os cursos que os alunos de cada
área de engenharia também consideram passível de seguir profissionalmente. Dá-nos as-
sim indicações sobre o racional mental dos alunos no seu ingresso no Ensino Superior.
Os alunos que pretendem ingressar no Ensino Superior Público Português concorrem
ao Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior onde são seriados pela sua média de
candidatura. Esta é uma média ponderada entre a classificação do Ensino Secundário e as
classificações dos exames das disciplinas consideradas específicas para cada curso. Cada
Curso pode optar por ponderar de modo ligeiramente diferente cada uma das componen-
tes da nota de acesso ao Ensino Superior: nota do Ensino Secundário e notas dos exames
considerados como específicos para acesso ao curso pretendido. Ou seja, um aluno pode-
rá apresentar notas de candidatura diferentes para diferentes cursos do Ensino Superior.
Os exames do Ensino Secundário são considerados como provas de acesso aos cursos de
Ensino Superior e são definidas pela Direção Geral do Ensino Superior (DGES) com três
anos de antecedência. Os três anos de duração do Ensino Secundário em Portugal. Esta
prática obvia que ao alunos tenham de prestar provas em cada Universidade ou Politécni-
co a que se queiram candidatar. É um sistema centralizado mas justo e transversal na sua
essência de concurso nacional. Todos os alunos candidatos a um mesmo curso prestam as
mesmas provas nacionais. Cada curso pode também prever uma percentagem de vagas
locais e existem, por lei, vagas para diversas categorias de candidatos: deficientes, filhos
de diplomatas, atletas de alta competição, militares, etc.
Na candidatura ao Ensino Superior, os alunos podem escolher até seis cursos desde
que tenham realizado os exames nacionais requeridos para esses cursos. De salientar que
os cursos de Engenharia exigem como provas específicas os exames de Matemática e de

XXIX Encontro AULP | 265


Física e Química A. No entanto alguns cursos, como Engenharia do Ambiente e de Enge-
nharia Informática, apenas exigem a prova de Matemática. Tal especificidade na lei colo-
ca estes cursos numa situação de vantagem competitiva face aos cursos que exigem as
duas provas. Realizados os exames, os alunos concorrem a nível nacional e a colocação
baseia-se na nota de candidatura. Em cada curso é colocado o aluno com notas mais altas
que escolheu o curso. As vagas são preenchidas atendendo às notas dos alunos candida-
tos, em decrescendo, até se esgotarem as vagas do curso. O último aluno colocado em
cada curso define a nota mínima verificada para a admissão no curso, a nota do último
colocado (NUC).
O tratamento dos dados consistiu em cruzar, para cada curso, os colocados nesse cur-
so com os candidatos a todos os outros cursos de engenharia da área de Lisboa. Deste
cruzamento identificaram-se os outros cursos para os quais os candidatos também concor-
reram. Para o tratamento de resultados utilizaram-se os dados recolhidos on-line, na pági-
na oficial de acesso ao Ensino Superior. Estes dados foram organizados através do trata-
mento com rotinas específicas do autor em linguagem Python. Os cruzamentos de dados
foram realizados com o SPSS Statistics (IBM, versão 23) e o tratamento final foi realiza-
do com o MS EXCEL (Microsoft Office 365).

2. Análise dos Dados do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior em


Portugal (2018)
A nível nacional foram em 2018 disponibilizadas um total de 50 852 vagas para in-
gresso nos cursos do Ensino Superior Público. Na região de Lisboa as vagas disponibili-
zadas foram de 14 046 (28%) e destas 3 482 (7%) eram em cursos de engenharia. Esta é
a zona do país com maior oferta na área. Considerámos como Cursos de Engenharia
aqueles em cuja designação estava incluída a palavra Engenharia. Os restantes cursos
com designação mais genéricas com “Tecnologia de...” não foram considerados. Foram
considerados os cursos que conferem os graus de Licenciatura e Mestrado Integrado, le-
cionados nas Instituições Politécnicas e Universitárias.
Existe atualmente uma grande variabilidade na designação dos cursos no Ensino Su-
perior. Esta variabilidade pretende acompanhar a evolução das áreas de conhecimento
mas também é um carácter distintivo que as instituições e escolas pretendem introduzir
nos seus cursos. Faz parte da estratégia de captação de alunos que atualmente é bastante
competitiva em Portugal e, acreditamos, que este carácter se irá acentuar com a diminui-
ção da população jovem em Portugal. Para ultrapassar esta diversidade, centrámo-nos nos
cursos representativos das áreas nucleares da engenharia.
Baseando-se a admissão na nota de acesso, os alunos com notas de acesso mais eleva-
das poderão escolher um maior número de cursos. A sua classificação elevada não limita
as suas escolhas. Os alunos com notas de acesso mais baixas estão limitados na sua esco-
lha de cursos e irão centrar as suas escolhas nos cursos em que consideram provável se-
rem admitidos. A nossa análise considerou assim os cursos de engenharia da região de
Lisboa com as mais elevadas notas de acesso para não introduzir o enviesamento do fator
classificação. Este é sem dúvida o fator determinante no acesso ao Ensino Superior e a
maioria dos candidatos adaptam as suas escolhas a esta realidade, no entanto não preten-
demos condicionar o estudo a esta variável.

266 | XXIX Encontro AULP


A escolha de um curso e a obtenção de um diploma do Licenciatura ou Mestrado re-
presenta um investimento com retorno confirmado por vários estudos (Portugal, 2004;
2018; Campos e Reis, 2017; Campos & Reis, 2017) e que é também confirmado para a
maioria dos países europeus pelo último relatório Education at a Glance 2018, da OCDE.
Os alunos e as suas famílias terão estes fatores em conta mas esta é uma análise merece-
dora de estudo.
Atendendo ao critério da mais elevada nota de admissão do último aluno colocado,
foram considerados os Cursos de Engenharia mostrados na tabela 1. Indica-se também a
Instituição e Escola onde o curso é lecionado, o grau concedido e as vagas disponibiliza-
das. Cremos que estes cursos representam atualmente as “grandes” áreas de Engenharia
em Portugal.

Tabela 1 – Cursos das “grandes” áreas de Engenharia com notas de acesso mais elevadas na região de Lisboa.

Instituição – Escola Nome do Curso Grau Vagas NUC


UL – Instituto Superior Técnico Engenharia Física Tecnológica MI 60 189.0
UL – Instituto Superior Técnico Engenharia Aeroespacial MI 80 188.5
UL – Instituto Superior Técnico Engenharia Biomédica MI 57 181.0
UL – Instituto Superior Técnico Engenharia Mecânica MI 160 174.3
UL – Instituto Superior Técnico Engenharia Informática e de L1 170 171.5
Computadores
UL – Instituto Superior Técnico Engenharia Biológica MI 61 170.5
UL – Instituto Superior Técnico Engenharia Química MI 75 163.3
UL – Instituto Superior Técnico Engenharia Eletrotécnica e de MI 220 160.8
Computadores
UL – Instituto Superior Técnico Engenharia do Ambiente MI 31 151.8
UNL – Faculdade de Ciências e Engenharia Civil MI 50 128.2
Tecnologia
Notas: UL-Universidade de Lisboa, UNL-Universidade Nova de Lisboa, NUC-Nota do último colocado.

Devemos salientar que da análise da tabela 1 se constata que todos os cursos, exceto
um, são cursos oferecidos pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa. A
exceção trata-se de Engenharia Civil cuja maior nota de acesso se registou na Faculdade
de Ciências e Tecnologias da Universidade Nova de Lisboa. Todos os cursos, também
com exceção da Engenharia Civil, apresentam uma nota de acesso superior a 15 valores.
Em todos os cursos listados as vagas oferecidas foram totalmente preenchidas na primei-
ra fase do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior.
Definidos os cursos em que se centrou a nossa análise, foi elaborada a lista dos colo-
cados a cada um deles e esta foi cruzada com as listas de candidatos aos restantes cursos
de engenharia da área de Lisboa. De salientar que o volume de dados envolvidos esta
análise nos condicionou a que esta se centrasse apenas na região de Lisboa.
A escolha de um curso no Ensino Superior é uma tarefa complexa para os estudantes
em que sentimentos e racionais concorrem para a escolha. Vários estudos abordam a
complexidade mental envolvida, os dilemas e ânsias associados à escolha (Agrey & Lam-

XXIX Encontro AULP | 267


padan, 2014; Ribeiro, 2008; Woolnough, 2007). Com este estudo pretendemos evidenciar
os resultados dessas escolhas através dos resultados das candidaturas.

3. Cursos Considerados Alternativos a Cada Área Nuclear de Formação em En-


genharia na Área de Lisboa
Para cada um dos cursos listados na tabela 1 foram calculadas as frequências de
outros cursos de engenharia a que os colocados nesse curso também concorreram, os
cursos alternativos. Consideraram-se os 12 cursos alternativos com maior frequências
(Freq) de respostas porque este é o número que permite, para a maioria dos cursos ana-
lisados, explicar pelo menos 70% de frequência cumulativa (FreqC) dos cursos alterna-
tivos.
Na tabela 2 mostram-se os resultados para o curso de Engenharia Física Tecnológica
da UL-IST. Verificamos que 64% das escolhas alternativas dos alunos pertencem à mes-
ma escola com o Curso de Engenharia Aeroespacial a constituir a alternativa mais signi-
ficativa. Fora do IST aparece a Engenharia Física da UNL-FCT como quinta alternativa,
apenas com 5% das escolhas. O glossário da lista de Instituições e Escolas é fornecida em
nota final.

Tabela 2 – Escolhas alternativas ao curso de Tabela 3 – Escolhas alternativas ao curso de


Eng. Física Tecnológica da UL-IST. Eng. Aeroespacial da UL-IST.

Curso em análise: Curso em análise:


UL-IST E. Física Tecnológica UL-IST E. Aeroespacial
Cursos alternativos: Freq FreqC Cursos alternativos: Freq FreqC
UL-IST E. Aeroespacial 23% 23% UL-IST E. Mecânica 23% 23%
UL-IST E. Eletrotécnica e de Comp. 16% 39% UL-IST E. Física Tecnológica 22% 44%
UL-IST E. Mecânica 15% 53% UL-IST E. Eletrotécnica e de Comput. 13% 57%
UL-IST E. Biomédica 11% 64% UL-IST E. Biomédica 8% 65%
UL-FC E. Física 8% 72% UL-IST E. Informática e de Comput. 6% 71%
UL-IST E. Informática e de Computadores 6% 78% UNL-FCT E. Mecânica 4% 75%
UNL-FCT E. Física 5% 82% UL-IST E. Naval e Oceânica 3% 78%
UNL-FCT E. Micro e Nanotecnologias 2% 85% UNL-FCT E. Eletrotécnica e de Comput. 3% 81%
UNL-FCT E. Informática 2% 86% UL-IST E. Materiais 2% 83%
UL-IST E. Biológica 2% 88% UL-FC E. Física 2% 86%
UL-IST E. Civil 2% 89% UL-IST_T E. Gestão Industrial 2% 88%
UL-IST E. Materiais 2% 91% UL-IST E. Civil 2% 89%
Nota: Freq – Frequência de respostas, FreqC – Frequência cumulativa de respostas

A tabela 3 mostra as alternativas consideradas pelos alunos ao curso de Engenharia


Aeroespacial da UL-IST. Também para este curso os alunos preferem como alternativas
os cursos oferecidos no IST. Apenas em sexta posição aparece o curso Engenharia Mecâ-
nica da UNL-FCT mas apenas com 4% das escolhas.
Na tabela 4 são mostrados os resultados para o curso de Engenharia Biomédica da
UL-IST. Enquanto que para os dois cursos anteriores os alunos escolhiam como alterna-
tivas cursos da mesma escola, no caso da Engenharia Biomédica os alunos privilegiam
cursos da área e áreas afins como as engenharias Biológica e Biofísica mesmo noutras

268 | XXIX Encontro AULP


escolas. Quando se esgotam as alternativas da área noutras escolas, os alunos recentram
as suas escolhas noutros cursos do IST. Na mesma escola procuram alternativas à Biomé-
dica mas em áreas do saber também incluídas nos cursos de Biomédica (Física, Química,
Eletrotecnia). A Engenharia Aeroespacial e a Engenharia de Gestão Industrial parecem-
-nos aqui as escolhas mais dissonante em relação à área da Biomédica.
Os cursos alternativos ao curso de Engenharia Mecânica no IST são elencados na ta-
bela 5. Também para este curso são consideradas como alternativas outros cursos do IST
como Engenharia Aeroespacial, de Electrotecnia e Computadores e de Física Tecnológi-
ca. Apenas 11% dos alunos considerou escolher o curso de Engenharia Mecânica da
UNL-FCT e 2% dos alunos consideraram o curso de Engenharia Eletrotécnica e Compu-
tadores também da UNL-FCT. Esta análise revela uma clara opção dos alunos pelo IST
sacrificando mesmo a primeira área da escolha de curso face à opção pela escola.

Tabela 4 – Escolhas alternativas ao curso de Tabela 5 – Escolhas alternativas ao curso de


Engenharia Biomédica da UL-IST. Engenharia Mecânica da UL-IST.

Curso em análise: Curso em análise:


UL-IST E. Biomédica UL-IST E. Mecânica
Cursos alternativos: Freq FreqC Cursos alternativos: Freq FreqC
UNL-FCT E. Biomédica 17% 17% UL-IST E. Aeroespacial 15% 15%
UL-IST E. Biológica 10% 27% UL-IST E. Eletrotécnica e de Comput. 13% 28%
UL-FC E. Biomédica e Biofísica 8% 34% UL-IST E. Física Tecnológica 12% 40%
UL-IST E. Física Tecnológica 7% 42% UNL-FCT E. Mecânica 11% 51%
UL-IST E. Química 5% 47% UL-IST E. Naval e Oceânica 7% 58%
UL-IST E. Eletrotécnica e de Comput. 5% 52% UL-IST E. Informática e de Comput. 5% 64%
UL-IST E. Aeroespacial 4% 56% UL-IST_T E. Gestão Industrial 5% 69%
UL-IST E. Mecânica 3% 59% UL-IST E. Biomédica 5% 73%
UL-IST E. Informática e de Comput. 2% 61% UL-IST E. Civil 3% 77%
UL-IST_T E. Gestão Industrial 2% 63% UL-IST E. Materiais 3% 80%
UNL-FCT E. Micro e Nanotecnologias 2% 65% UL-IST E. Química 2% 82%
UL-IST E. Materiais 2% 67% UNL-FCT E. Eletrotécnica e de Comput. 2% 84%

Na tabela 6 mostram-se os cursos considerados pelos alunos como alternativa à Enge-


nharia de Informática e computadores da UL-IST. A primeira alternativa com 19% das
respostas é o curso similar mas com funcionamento nas instalações do IST no Tagus Park.
Os alunos optam depois por cursos na mesma área mas em escolas diferentes. Fora da
área aparece em sexto lugar a Engenharia Mecânica também no IST. Em sétimo lugar das
escolhas aparece o curso da área mas numa escola do subsistema Politécnico (IPL-ISEL)
com 3% das escolhas.

XXIX Encontro AULP | 269


Tabela 6 – Escolhas alternativas ao curso Tabela 7 – Escolhas alternativas ao curso
de Engenharia Informática e de de Engenharia Biológica da UL-IST.
Computadores da UL-IST.

Curso em análise: Curso em análise:


Cursos alternativos: Freq FreqC Cursos alternativos: Freq FreqC
UL-IST_T E. Informática e de Comput. 19% 19% UL-IST E. Química 26% 26%
UNL-FCT E. Informática 15% 34% UL-IST E. Biomédica 18% 44%
UL-IST E. Eletrotécnica e de Comput. 14% 48% UNL-FCT E. Biomédica 10% 54%
UL-FC E. Informática 11% 59% UL-FC E. Biomédica e Biofísica 9% 63%
ISCTE E. Informática 7% 66% UNL-FCT E. Química e Bioquímica 8% 71%
UL-IST E. Mecânica 7% 72% UL-IST E. de Materiais 5% 76%
IPL-ISEL E. Informática e de Comput. 3% 75% UL-IST E. do Ambiente 4% 81%
UL-IST E. Física Tecnológica 3% 78% UL-IST_T E. Gestão Industrial 3% 84%
UL-IST E. Aeroespacial 3% 81% UNL-FCT E. Micro e Nanotecnologias 2% 86%
UL-IST_T E. Telecom. e Informática 3% 83% UL-IST E. Informática e de Comput. 2% 88%
UNL-FCT E. Eletrotécnica e de Comput. 2% 85% UL-IST E. Eletrotécnica e de Comput. 2% 90%
UL-IST E. Química 2% 87% UL-IST E. Mecânica 2% 93%

Na tabela 7 são elencadas as alternativas ao curso de Engenharia Biológica da UL-


-IST. A alternativa mais forte a este curso é a Engenharia Química com 26% das escolhas.
Seguem-se cursos na área da biomédica noutras instituições. Até à quinta opção, na área
da Química, são consideradas escolhas que representam já 71% de percentagem cumula-
tiva de cursos alternativos. Depois destes segue-se uma variedade de outros cursos mas
que continuam maioritariamente centrados na UL-IST. Parece-nos que os alunos após
esgotarem a alternativa ao curso de vocação noutras escolas, recentram as suas escolhas
em cursos da UL-IST.
A tabela 8 mostra-nos os cursos que os alunos consideraram como alternativas ao
curso de Engenharia Química da UL-IST. Neste curso verifica-se que a grande alternativa
(18%) é o curso de Engenharia Biológica também da UL-IST. Recorde-se qua a grande
alternativa à Eng. Biológica da UL-IST foi a Eng. Química também da UL-IST. Estes
dois cursos parecem funcionar como complementaridade para os alunos. Depois da En-
genharia Biológica foram considerados os cursos de Eng. Química e Bioquímica da
UNL-FCT e os cursos de Biomédica, Ambiente e Materiais da UL-IST. Depois da sétima
opção surgem alguns cursos diversos mas que representam apenas 20% das escolhas.
Na tabela 9 mostram-se os cursos alternativos à Engenharia Eletrotécnica e de Com-
putadores da UL-IST. Os alunos preferem considerar primeiro dois outros cursos da mes-
ma escola, Eng. Mecânica e Eng. Informática e de Computadores, antes de considerarem
cursos na área da Eng. Eletrotécnica noutra escola. A Eng. Mecânica na UL-IST represen-
ta 14% das escolhas alternativas e o mesmo curso da UNL-FCT para estes alunos repre-
senta 7% das alternativas. A Eng. Mecânica aparece assim como uma forte alternativa à
Eng. Eletrotécnica para estes alunos.

270 | XXIX Encontro AULP


Tabela 8 – Escolhas alternativas ao curso de Tabela 9 – Escolhas alternativas ao curso
Engenharia Química da UL-IST. de Engenharia Eletrotécnica e de
Computadores da UL-IST.

Curso em análise: Curso em análise:


UL-IST E. Química UL-IST E. Eletrotécnica e de Computadores
Cursos alternativos: Freq FreqC Cursos alternativos: Freq FreqC
UL-IST E. Biológica 18% 18% UL-IST E. Mecânica 14% 14%
UNL-FCT E. Química e Bioquímica 13% 31% UL-IST E. Informática e de Comput. 11% 24%
UL-IST E. Biomédica 10% 41% UNL-FCT E. Eletrotécnica e de Comput. 10% 34%
UL-IST E. Ambiente 10% 50% UNL-FCT E. Mecânica 7% 41%
UL-IST E. Materiais 9% 59% UL-IST E. Física Tecnológica 6% 47%
UL-FC E. Biomédica e Biofísica 7% 66% UL-IST_T E. Informática e de Comput. 5% 52%
UNL-FCT E. Biomédica 6% 72% UL-IST E. Aeroespacial 4% 57%
UL-IST E. Mecânica 4% 76% UL-IST E. Materiais 4% 61%
UL-IST_T E. Gestão Industrial 3% 79% UNL-FCT E. Informática 4% 65%
UNL-FCT E. Gestão Industrial 3% 81% UL-IST_T E. Eletrónica 4% 69%
UL-IST E. Civil 3% 84% UL-IST E. Civil 3% 73%
UL-FC E. Física 2% 86% UL-IST E. Química 3% 76%

A tabela 10 mostra-nos as alternativas consideradas pelos alunos ao curso de Enge-


nharia do Ambiente da UL-IST. A alternativa primeira é também o curso de Eng. do
Ambiente mas da UNL-FCT. Estes alunos parecem qurer primeiro considerar outro curso
na área mesmo noutra instituição. Seguem-se como outras alternativas significativas
os cursos de Eng. de Materiais, Biológica, Civil e Química, todos cursos na UL-IST.
Seguem-se depois alguns cursos em áreas várias e noutras instituições. De salientar que
os colocados neste curso são um dos que consideram um conjunto de cursos alternativos
mais variados e sem uma escolha bem acentuada numa das opções. As frequências para a
terceira escolha é 9% e para a sexta ainda se mantêm nos 6%.
Na tabela 11 apresentam-se os dados para o curso de Engenharia Civil da UNL-FCT.
Este é o único curso que registou a média mais alta de entrada do último aluno e que não
pertence ao IST. No entanto este curso tem, quando comparado com os restantes deste
estudo, uma média de entrada mais baixa. Recorde-se que um dos efeitos da recente crise
económica em Portugal foi a retração da construção e do investimento em obras públicas.
Esse facto fez aumentar bastante o desemprego entre os Engenheiros Civis e os candida-
tos ao Ensino Superior quase desistiram de concorrer aos cursos de Engenharia Civil.
Recupera-se agora alguma dinâmica nesta área mas ainda com resultados baixos na pro-
cura destes cursos pelos alunos. Este posicionamento doa alunos é também verificável
através dos cursos considerados como alternativas a Eng. Civil. Verificamos a existência
de uma lista diversificada de cursos e de instituições a que os alunos concorrem. Nota-se
no entanto a predominância dos cursos da UNL-FCT o que denota a preferência por esta
escola ou uma maior facilidade de acesso. A FCT da UNL é a única escola situada fora da
cidade de Lisboa e também fora do concelho de Lisboa.

XXIX Encontro AULP | 271


Tabela 10 – Escolhas alternativas ao curso de Tabela 11 – Escolhas alternativas ao curso de
Engenharia do Ambiente da UL-IST. Engenharia Civil da UNL-FCT.

Curso em análise: Curso em análise:


UL-IST E. Ambiente UNL-FCT E. Civil
Cursos alternativos: Freq FreqC Cursos alternativos: Freq FreqC
UNL-FCT E. Ambiente 12% 12% UNL-FCT E. Mecânica 9% 9%
UL-IST E. Materiais 9% 21% UNL-FCT E. Ambiente 8% 17%
UL-IST E. Biológica 7% 28% UL-IST E. Civil 8% 25%
UL-IST E. Civil 7% 36% UNL-FCT E. Eletrotécnica e de Comput. 8% 33%
UL-IST E. Química 7% 43% IPL-ISEL E. Mecânica 6% 39%
UNL-FCT E. Química e Bioquímica 6% 49% UNL-FCT E. Micro e Nanotecnologias 6% 45%
UL-FC E. da Energia e do Ambiente 5% 55% IPL-ISEL E. Civil 6% 51%
UL-IST E. Geológica e de Minas 5% 60% UNL-FCT E. Geológica 5% 56%
UL-IST_T E. Gestão Industrial 5% 65% UNL-FCT E. Informática 4% 61%
UNL-FCT E. Micro e Nanotecnologias 3% 68% ISCTE E. Telecom. e Informática 4% 64%
UNL-FCT E. Gestão Industrial 3% 72% UNL-FCT E. Materiais 3% 68%
UL-ISA E. Ambiente 3% 75% UNL-FCT E. Gestão Industrial 3% 71%

4. Conclusões
Este estudo mostra-nos as alternativas que os candidatos ao Ensino Superior em Por-
tugal consideram para cada curso na área das Engenharias em Lisboa. Os alunos esco-
lhem um percurso na Universidade ou no Politécnico entre, habitualmente, os 17 e os 18
anos de idade. Bastante cedo para a maioria ter já definido o seu futuro profissional. As
escolhas reveladas neste estudo mostram-nos essa mesma escolha difusa, com a maioria
dos alunos a escolher cursos de diversas áreas, optando na sua maioria por vários cursos
na mesma escola. A maioria escolherá atendendo ao prestígio da escola e pela garantia
tradicional de emprego para os seus diplomados. Este foi um dos perfis que encontrámos:
escolher diversos cursos de engenharia mas na mesma escola. É um perfil que se encon-
tra, por exemplo, na escolha dos cursos de Física Tecnológica e Eng. Mecânica. Um outro
perfil foi de alunos que preferem uma área muito claramente em detrimento de outras.
Escolhem assim determinado curso optando por várias escolas. Encontramos este perfil,
por exemplo, na escolha dos cursos de Biomédica e de Informática.
O estudo revela-nos também os cursos que poderemos considerar como alternativas e
ajuda-nos a perceber o racional dos nossos futuros alunos. Uma das vantagens competiti-
vas deste estudo para as escolas será permitir que estas elaborem percursos complemen-
tares. Por exemplo que permitam aos alunos frequentar dois cursos e obter os dois graus
num período de tempo mais curto que a soma da duração dos dois cursos. Algumas insti-
tuições de ensino já o fazem, como por exemplo a Universidade Católica Portuguesa que
conjuga uma dupla licenciatura em Direito e Gestão, possibilitando a obtenção dos dois
diplomas em quatro anos.
A informação obtida sobre os cursos considerados como alternativa pelos alunos é
também uma vantagem para as instituições na planificação e divulgação da sua oferta
formativa. Sabem a priori quais os cursos que os alunos mais considerarão como alterna-
tiva ao curso considerado em primeira opção. Podem assim oferecer percursos escolares
multidisciplinares e unidades curriculares de opção com uma muito maior recetividade
pelos alunos.

272 | XXIX Encontro AULP


A informação para a tutela e decisores é também importante para as políticas de de-
senvolvimento da rede de Ensino Superior em que poderão atender, não apenas às solici-
tações tecnológicas do mercado de trabalho, mas também às expectativas dos alunos em
termos de cursos que estes prefiram os outros por estes considerados como uma válida
alternativa. Face aos resultados, não nos pareceria disfuncional a existência de um ano
comum para os cursos de engenharia, diversificando-se e especializando-se o percurso
académico nos dois anos seguintes.

5. Futuros Desenvolvimentos deste Trabalho


O trabalho agora apresentado deverá ser continuado em diversos aspetos. Deverá ser
alargado à área da Engenharia mas em todo o país. Esta opção implica a recolha e análise
de um considerável volume de dados. Idealmente deveria ser alargado a todas as áreas de
ensino mas este objetivo apenas será conseguido com a disponibilização de dados anóni-
mos por parte da Direção Geral do Ensino Superior (DGES).
Uma outra vertente importante deste estudo será refletir sobre os cursos com mais
baixas médias de entrada e constatar as limitações de percursos no Ensino Superior para
os alunos também com classificações de acesso mais baixas.
Atualmente em Portugal discute-se bastante o fortalecimento das regiões do interior.
Uma maior vitalidade dessas regiões seria uma maior colocação de alunos nas Institui-
ções de Ensino Superior do interior. Importava assim estudar as preferências nas escolhas
dos alunos do interior, atendendo a que muitos deles optam por vir estudar para cidades
como Coimbra, Porto, Braga ou Lisboa. No entanto a origem dos alunos não está dispo-
nível nos dados públicos. Apenas, e mais uma vez, com a colaboração da DGES se con-
seguirá realizar este estudo.

Referências
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University. Journal of Education and Human Development, 3(2), p. 391-404.
Alves, N., Centeno, M. & Novo, A. (2010). O investimento em educação em Portugal: retornos e heteroge-
neidade. Boletim Económico do Banco de Portugal, 16(1), p. 9-37.
Campos, M. e Reis, H. (2017). Uma Reavaliação do Retorno do Investimento em Educação na Economia
Portuguesa. Revista de Estudos Económicos Banco de Portugal, Janeiro 2017, p. 1-29.
Education at a Glance 2018, OECD Indicators, OCDE 2019, DOI:https://doi.org/10.1787/eag-2018-en
Portugal, P. (2004). Mitos e factos sobre o mercado de trabalho português: a trágica fortuna dos licenciados.
Boletim Económico do Banco de Portugal, Março 2004, p. 73-80.
Portugal, P., Raposo, P.S. & Reis, H. (2018). Sobre a distribuição de salários e a dispersão salarial. Revista
de Estudos Económicos Banco de Portugal, Janeiro 2018, p. 1-14.
Ribeiro, I. (2008). Factores decisivos para a escolha do binómio curso/instituição: o caso do ensino superior
agrário português. Revista Portuguesa de Educação, 2008, 21(2), pp. 69-89
Woolnough, B. (2007). Factors affecting students’ choice of science and engineering. International Journal
of Science Education, 16(6), p 659-676.

Nota final – Glossário da lista de Instituições e Escolas


UL-IST : Universidade de Lisboa – Instituto Superior Técnico
UL-IST_T : Universidade de Lisboa – Instituto Superior Técnico (Tagus Park)

XXIX Encontro AULP | 273


UNL-FCT : Universidade Nova de Lisboa – Faculdade de Ciências e Tecnologia
UL-FC : Universidade de Lisboa – Faculdade de Ciências
ISCTE : ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa
IPL-ISEL : Instituto Politécnico de Lisboa – Instituto Superior de Engenharia de Lisboa
UL-ISA : Universidade de Lisboa – Instituto Superior de Agronomia

274 | XXIX Encontro AULP


Dependência tecnológica dos países subdesenvolvidos
(caso de Angola)

Kinsumba Pedro António


Universidade Kimpa Vita, Escola Superior Politécnica do Cuanza-Norte, Cidade de Ndalatando-Angola;
E-mail: [email protected]

1. Introdução
O desenvolvimento tecnológico é visto pelos seus participantes, como um fenómeno
que, por si só, é positivo porque significa o progresso e é intrinsicamente bom. Na socie-
dade moderna, o progresso significa o uso de tecnologias cada vez mais avançadas que
supostamente melhoram a qualidade de vida de todos. Assim, através das inovações tec-
nológicas, a vida do homem sobre a fase da terra torna-se cada vez mais facilitada, mais
confortável e agradável. Assim, a tecnologia é o elemento que propicia, não só o avanço
da sociedade, como também, determina as suas condições de desenvolvimento e progres-
so. No entanto, os problemas climáticos que ameaçam o mundo actual e futuro devem-se
ao uso e ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia sem sustentabilidade. (Colectivo
de actores GEST, 2004)
A dependência tecnológica dos países subdesenvolvidos ou em via de desenvolvimen-
to tem-se manifestado com a importação principalmente por parte destes, de tecnologias
necessárias para a exploração das suas abundantes reservas de recursos naturais que, por
sua vez, servem como os principais produtos de exportação. E, consequentemente, o ba-
lanço comercial sempre tem sido negativo para os países subdesenvolvido (Vide tabela 1).
Angola é um país que não está alheio à realidade dos países em via do desenvolvimen-
to, cuja importação de tecnologia é um facto, o que obriga a um grande esforço na forma-
ção de quadros qualificados para o domínio destas tecnologias e na inovação.
O objetivo deste trabalho é espelhar a dependência científica e tecnológica dos países
subdesenvolvidos.

Tabela 1 – Quadro comparativo dos valores de produtos no mercado internacional (Silva, 2008)

Produto Soja Carro Aparelho electrónico Avião Satélite


Valor(USD)/ kg 0.10 10 100 1000 500000

2. Base Teórica
Aqui abordam-se os principais conceitos relacionados com a sociedade, ciência, tec-
nologia, inovação e educação.
Segundo a página Web do Conceito de (2011) A sociedade é um conjunto de indiví-
duos que partilham uma cultura com as suas maneiras de estar na vida e os seus fins e, que
interagem entre si para formar uma comunidade. Embora as sociedades mais desenvolvi-

XXIX Encontro AULP | 275


das sejam as humanas (estudadas pelas ciências sociais como a sociologia e a antropolo-
gia), também existem as sociedades animais (estudadas pela sociobiologia ou a etologia
social). As sociedades humanas são formadas por entidades populacionais cujos habitan-
tes e o seu entorno se inter-relacionam num projecto comum que lhes outorga uma iden-
tidade de pertença. O conceito também implica que o grupo partilhe laços ideológicos,
económicos e políticos. Na hora de analisar uma sociedade, são tidos em conta factores
como o grau de desenvolvimento, a tecnologia alcançada e a qualidade de vida.
Ciência pode definir-se segundo Ander-Egg citado por Adriane Bruchêz et al. (2017),
como um conjunto de conhecimentos racionais, certos ou prováveis, obtidos metodica-
mente, sistematizados e verificáveis, que façam referência aos objetos de uma mesma
natureza.
O desenvolvimento científico é concebido como um processo regulado por um rígido
código de racionalidade autônomo em relação a condicionantes externos, tais como:
sociais, políticos, psicológicos, entre outros, em que, nas situações de incertezas, apela-se
para algum critério metafísico objectivo, valorizando a simplicidade, o poder preditivo,
da fertilidade teórica e do poder explicativo sendo o desenvolvimento temporal do conhe-
cimento científico visto como avanço linear e cumulativo, como paradigma de progresso
humano. (Silveira, 2014).
Técnica pode descrever-se segundo o dicionário de português, como um conjunto de
processos utilizados para obter um certo resultado, e outrossim, o Conceito. De (2011) o
define como um conjunto de regras, normas ou protocolos que se utiliza como meio para
chegar a uma certa meta.
A Tecnologia é um conjunto de conhecimentos científico e empírico, habilidades,
experiências e organização requeridos para produzir, distribuir e utilizar bens e serviços.
Inclui, portanto, conhecimento teórico, prático, meios físicos know-how, métodos e pro-
cedimentos produtivos, gerenciais e organizativos, entre outros; identificação e assimila-
ção de êxitos e fracassos anteriores, capacidades e destrezas dos recursos humanos, etc.
(Colectivo de actores GEST, 2004)
De acordo com Edgar Marín et al. (2010), uma referência importante para o conceito
de tecnologia é a ITEA (Internacional Technology Education Association): a Inovação, o
câmbio ou a modificação do ambiente natural para satisfazer desejos e necessidades hu-
manas. Faz relativamente pouco tempo; a Tecnologia abordava-se como a parte aplicada
da física, a química e outras disciplinas, porque considerava-se como uma aplicação dos
conhecimentos científicos. A partir dos meados da década dos anos setenta, começou a
diferenciar-se das ciências naturais, adquirindo espaços curriculares próprios.
Tendo em conta os conceitos anteriores, podemos inferir que no mundo moderno, a
ciência é o estudo dos fenômenos naturais através de método científico e; a tecnologia por
sua vez é a aplicação de conhecimento científico para conseguir um resultado prático.
Sendo assim:
Tecnologia = ciência + técnica + organização socioeconómica
A educação pode ser definida como sendo o processo de socialização dos indivíduos.
Ao receber educação, a pessoa assimila e adquire conhecimentos. A educação também
envolve uma sensibilização cultural e de comportamento, onde as novas gerações adqui-

276 | XXIX Encontro AULP


rem as formas de se estar na vida das gerações anteriores. O processo educativo é mate-
rializado em uma série de habilidades e valores, que ocasionam mudanças intelectuais,
emocionais e sociais no indivíduo. (concepto. de, 2011).
O documento “Better Skills, Better Jobs, Better Lives – A Strategic Approach to Skills
Policies” citado no Plano de Desenvolvimento Nacional 2018-2022 (Planeamento, 2018)
sublinha que, sem competências e aptidões, não se consegue responder às necessidades
do mercado de trabalho e fazer a transposição da evolução do conhecimento e da tecno-
logia para a economia e para a sociedade.
Pelo que se possa afirmar, a educação é um dos instrumentos para reduzir as assime-
trias em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico entre as sociedades.

3. Caracterização da assimilação e produção científica e tecnologia em Angola


Angola é um típico país em via de desenvolvimento, importador de tecnologia e
conhecimentos científicos que ainda não tem condições de produzir ou em estado timi-
damente incipiente e; um exportador de produtos de produção tradicional e de recur-
sos naturais em estado bruto explorados com tecnologia transferida por via de aquisi-
ção direita ou através de convênio com os Estados Desenvolvidos ou Empresas Trans-
nacionais.
Um dos maiores desafios que enfrenta Angola é o défice de quadros qualificados a
altura de dominarem os conhecimentos técnico-científicos à sua disposição; outrossim,
produzirem novos conhecimentos e fazerem inovações tecnológicas.
O Plano Nacional de Formação de Quadros 2013-2020 “PNFQ” (República, 2013),
foi o instrumento de implementação da Estratégia Nacional de Formação de Quadros, e
resultou da constatação de que existe um défice de qualificações do stock nacional de
quadros, em domínios considerados estratégicos e prioritários. Procurando, assim, pro-
mover o ajustamento quantitativo e qualitativo entre a oferta formativa e a procura de
quadros do mercado de trabalho.
O Índice de Desenvolvimento Humano em Angola pertencente ao grupo dos países
de Baixo Desenvolvimento Humano de acordo ao censo realizado no ano 2014 (Vide
tabela 2). Situação que poderia ultrapassar-se com a aposta na educação para formação
integral de um novo homem em todas as vertentes e níveis tanto cientifico, tecnológico
e cultural.

XXIX Encontro AULP | 277


Tabela 2 – Previsão do quadro Geral dos recursos humanos em Angola – 2010 – 2025 (República, 2013)

Itens 2010 2015 2020 2025


1. População residente (milhares) 19.082 21.842 24.779 27.767
2. População por Grupos Etários
6-11 anos
– Número (milhares) 3.433 3.751 4.000 4.270
– % em relação a população total 18,0 17,2 16,1 15,4
12-14 anos
– Número (milhares) 1.436 1.729 1.850 1.990
– % em relação a população total 7,5 7,9 7,5 7.2
15-17 anos
– Número (milhares) 1.280 1.535 1.791 1.910
– % em relação a população total 6,7 7,0 7,2 6,9
18-23 anos
– Número (milhares) 2.175 2.569 3.089 3.480
– % em relação a população total 11,4 11,8 12,5 12,5
– Total 6-23 anos
– Número (milhares) 8.324 9.584 10.730 11.650
– % em relação a população total 43,6 43,9 43,3 42,0
3. População Economicamente Activa (milhares) 9.290 10.680 12.220 13.800
4. Tasa de Actividade Global 48,7 48,9 49,3 49,7
5. Emprego Total (c/agricultura família) (milhares) 6.970 7.850 9.240 11.040
6. Emprego Total (s/ agricultura família) (milhares) 4.270 5.130 7.000 9.370
7. Taxa líquida de Escolarização do ensino primário (%) 72,2 82,0 87,0 90,0
8. Taxa Bruta de Escolarização de Ensino Superior (%) 5,0 7,7 9,0 10,3
9. % de Escolarização Superior e Media no Emprego Formal 10,0 14,0 20,0 25,0

3.1. Aposta na educação para desenvolvimento científico e tecnológico


A educação é um direito fundamental de um ser humano, prepara o homem para a vida
na sociedade em que este se encontra inserido. Através dela, o homem qualifica-se para
contribuir no desenvolvimento da sua sociedade, já que constitua a forma de propiciar
que este homem, absorva os conhecimentos técnico-científicos e, por conseguinte a sua
valorização.
Angola, ainda, debate-se com a fraca qualidade do ensino em todos os níveis e subsis-
temas de educação, estando em situação crítica o ensino e aprendizagem das ciências
básicas (matemática, física, química, biologia e a língua portuguesa), o que pode compro-
meter o desenvolvimento do país, assim como, as metas traçadas para conseguir se atingir
o nível de desenvolvimento humano elevado, conforme preconiza PNFQ.
Maria do Rosário Sambo (2018), reconheceu ser necessário o reforço do ensino destas
disciplinas e todas que contribuam para o conhecimento de base tecnológica desde os
primórdios da situação escolar até ao ensino superior
Angola assegura através do PNFQ a formação e a valorização de recursos humanos
qualificados e altamente qualificados, enquanto condição essencial para a sustentabilida-

278 | XXIX Encontro AULP


de do desenvolvimento económico, social e institucional e para a inserção internacional
competitiva da Economia Angolana.
O PNFQ (República, 2013) encontra-se estruturado em programas de acção: Forma-
ção de Quadros Superiores; Formação de Quadros Médios; Formação de Professores e
Investigadores para o Ensino Superior e Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Ino-
vação; Formação de Quadros Docentes e de Especialistas e Investigadores em Educação

Tabela 3 – Previsão do Plano Nacional de Formação de Técnicos – Indicadores de Objectivos 2020


(República, 2013)

Indicadores Unidade 2010 2015 2020 2025


Stock Nacional de Técnicos Milhares 1.230 1.600 2.320 3.325
Taxa Geral de Técnicos % 28,8 31,2 33,0 35,0
Milhares 350,9 425 599,8 853,2
Dirigentes, Gestores y Técnicos Superiores
% do Emprego Total 8,2 8,3 8,5 9,0
Milhares 879,1 1.175 1.702,2 2.471,8
Técnicos Médios
% do Emprego Total 20,6 22,9 24,5 26,0
Taxa de Participação dos Técnicos
% 5,3 5,0 3,5 2,5
Estrangeiros nas Empresas
Alunos Matriculados no Ensino Superior Milhares 117 200 275 360
Alunos Matriculados no Ensino Superior
Unidade 610 910 1.100 1.300
por 100 mil Habitantes
Alunos graduados no Ensino Superior ao
Milhares 5,7 14,0 22 36
Nível Nacional
Relação Alunos Graduados / Alunos
% 4,9 1,5 2,0 10,0
Matriculados ao Nível Superior
Número de Professores no Ensino Superior Milhares 2,4 4,4 6,9 9
Relação Alunos/ Professor no Ensino
Unidade 49 45 40 40
Superior
Alunos Matriculados no Ensino Técnico
Milhares 106,6 250 440 690
Professional
Alunos Matriculados no Ensino Técnico
Unidade 557 1.145 1.776 2.485
Professional/ 100 mil Habitantes
Alunos Graduados no Ensino Técnico
Milhares 20,1 47,5 88,0 155,3
Professional
Relação de Graduados/ Matriculados no
% 18,9 19,0 20,0 22,5
Ensino Técnico Professional
Número de Professores no Ensino Técnico
Milhares 3,7 7,1 11,0 15,3
Professional
Relação Aluno/ Professor no Ensino
Unidade 29 35 40 45
Técnico Professional
Número de Médicos Unidade 3.000 4.500 8.500 13.850
Medico/ 100 mil Habitante Unidade 16 21 35 50
Número de Cientistas e engenheiros no IƐtD Unidade - 3.000 6.100 11.100
Cientistas e Engenheiros no IɛtD por
Unidade - 100 250 400
Milhão de Habitante

XXIX Encontro AULP | 279


3.2. Papel da universidade na produção de conhecimentos tecnológicos diferen-
ciados
Coronado Guerreiro e outros citados em (Moura, Rozados, & Caregnat, 2005) abordam
o papel da universidade como elemento de um sistema de inovação, partindo de uma con-
cepção moderna da universidade a qual desempenha três funções essenciais: 1º, lidera o
processo geral de investigação científica, que afecta a fronteira tecnológica da indústria a
longo prazo; 2º, gera um tipo de conhecimento que é directamente aplicável aos processos
industriais de produção; 3º, proporciona os inputs principais do processo de inovação indus-
trial: os recursos humanos que se incorporam à indústria, e os investigadores destas institui-
ções que colaboram com o Sector Privado Industrial. (Moura, Rozados, & Caregnat, 2005)
A universidade angolana deve chamar-se a si, o papel reitor na produção de conheci-
mentos científico, tecnológico e inovação fazendo valer os três princípios que o norteia
(ensino, investigação e extensão); sendo um parceiro estratégico do governo para encon-
trar soluções de problemas que afligem as comunidades, contribuindo na melhoria da vida
da sociedade.
Para se conseguir vencer esta batalha contra a dependência tecnológica, será primor-
dial enraizar dentro da comunidade académica a cultura de investigação científica, não
somente a nível de formação diferenciada (Mestrado e Doutoramento), mas a todos os
níveis de subsistemas da educação.
Um dos calcanhar de Aquiles de Angola, está no défice em relação a produção cientí-
fica e o não aproveitamento (divulgação e valorização) dos resultados das investigações
produzidas pelos poucos quadros na formação diferenciada, onde grande maioria é feita
através de acordo de cooperação com instituições de formações superiores internacionais
(Vide tabela 4). Este quadro para o autor, deve ser mudado, respeitando e valorizando o
intercâmbio e a cooperação com instituições de formação superior internacionais, contu-
do a formação diferenciada deve ser feita na sua maioria dentro do país para que os resul-
tados das investigações científicas permaneçam no país. Um país que queira alcançar uma
independência tecnológica, como afirmava Fernando Vecino Alegret (2016), deve priori-
zar a formação pós-graduada diferenciada dentro do próprio país.

Tabela 4 – Dados de 2017 dos docentes com formação diferenciadal na Ecola Superior Politecnica
do Cwanza Norte

FOMAÇÃO NACIONAL EXTERIOR TOTAL


Doutoramento 0 3 3
Mestrado 1 14 15

Conclusão
• O domínio científico e tecnológico é utilizado pelas sociedades desenvolvidas como
forma de dominar economicamente aos países em via de desenvolvimento;
• Angola tem um déficit de quadros para fazer frente aos desafios técnico-científicos e
económicos necessários e imprescindível para o desenvolvimento da sua sociedade
no mundo, cada vez mais competitivo e globalizado, pelo que faz falta, a aposta na
educação massiva da sua população;

280 | XXIX Encontro AULP


• O PND e PFNQ são instrumentos projectado pelo Governo Angolano para a forma-
ção, superação contínua dos quadros em diferentes sectores, ramos e níveis para o
desenvolvimento técnico-científico-económico e social de Angola.
• A universidades tem papel reitor na produção de conhecimentos científico, a tecno-
logia e a inovação de forma sustentável e imprescindível e; é um dos instrumentos
para o desenvolvimento económico e social de um país.

Referências Bibliográficas
Alegret, F. V. (11 de 2016). Formação Doutoral. Coloquio de pedagogia. Havana: CREA-CUJAE.
Bruchêz, A., d’Avila, A. A., Fernandes, A. M., Castilhos, N. C., & Olea, P. M. (2017). XV Mostra de Inicia-
ção Científica, Pós-Graduação, Pesquisa e Extenção. Metodologia de Pesquisa de Dissertações sobre Inovação:
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Jover, J. N. (2003). La ciencia y la tecnología como procesos sociales. Universidad de la Habana, La Haba-
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Materia, T. (s.d.). O que é Ciencia – toda materia. Fonte: TodaMateria: https://www.todamateria.com.br/o-
-que-e-ciencia/
Moura, A. M., Rozados, H. B., & Caregnat, S. E. (2005). ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO (ENANCIB). RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA: UMA ABOR-
DAGEM PRELIMINAR NO ÂMBITO DA UFRGS, (p. 6). Florianópolis, SC.
Planeamento, M. d. (04 de 2018). PLANO DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL 2018-2022. Luanda,
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Republica, A. d. (2013). Plano Nacional de Formação de Quadros 2013-2020 (PNFQ). Luanda, Angola.
Sambo, M. d. (17 de 08 de 2018). III edição do concurso Nacional de Criação de Jogos Digitais. Agência
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Silva, J. F. (16 de 12 de 2008). Conferencia proferida. PUC / Rio de Janeiro, Brasil.
Silveira, R. M. (29 de 04 de 2014). CIÊNCIA E TECNOLOGIA: Transformando a relação do ser humano
com o mundo. Ponta grossa, Paraná, Brasil.

XXIX Encontro AULP | 281


Estratégias e tecnologias sociais de promoção da saúde em
comunidades tradicionais de terreiro em Sergipe

Clécia Lima Ferreira


Doutora em Ciência Política pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa,
Universidade Tiradentes, Brasil; E-mail: [email protected]

Ilzver de Matos Oliveira


Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade Tiradentes, Brasil;
E-mail: [email protected]

Pedro Meneses Feitosa Neto


Mestrando em Direitos Humanos, Universidade Tiradentes, Brasil; E-mail: [email protected]

Érica Maria Delfino Chagas


Graduanda em Direito, Universidade Tiradentes, Brasil; E-mail: [email protected]

Introdução
Para a maioria dos brasileiros, a saúde e o campo místico das religiões está fortemen-
te interligado. A promoção da saúde perpassa, assim, o campo metafísico, tornando a re-
ligião fator de grande importância para o alcance daquela, podendo ser percetível essa
situação com a procura das pessoas de ajuda em igrejas, terreiros, templos, centros espí-
ritas, casas de curandeiros e rezadeiros para amenizar males físicos e espirituais na busca
da saúde ao tempo que também buscam ajuda médica, profissional. É através das rezas,
passes, banhos e afins e com a utilização de tratamento e medicamentos receitados por
profissionais que a população procura dia-a-dia se despir de problemas físicos e, também,
espirituais.
Além disso, a raça vem se demonstrando fator crucial no acesso à saúde no Brasil. O
acesso da população a ela é comprovadamente restrito em relação à raça branca, mas
também, em contrapartida, existe uma procura por saberes advindos e preservados pelas
religiões afro-brasileiras e que tem como resultado a melhoria dos que procuram, sendo
essas pessoas os adeptos da religião, simpatizantes e também as comunidades que entor-
nam os terreiros.
Com isso, e com base na Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que
como já traduz o nome, tem como objetivo o direito à política de saúde da população
negra com a promoção da equidade em saúde, e da necessidade de estimular o reconheci-
mento dos saberes e práticas de saúde das religiões afro-brasileiras para atingir esses
objetivos, é que este estudo pretende abordar estratégias para a promoção da saúde em
comunidades tradicionais de terreiro em Sergipe.
Assim, tem-se como objetivo desta pesquisa abranger potencialidades na promoção
de saúde para povos de terreiro em Sergipe, estado do nordeste brasileiro, com base nos
aspectos de raça, etnia e religiosidade na busca pela equidade desse direito; fazer uma

XXIX Encontro AULP | 283


análise crítica quanto às políticas, ações ou programas para a saúde das comunidades
tradicionais de terreiro, bem como quanto as deliberações da 15ª Conferência Nacional da
Saúde e da já dita Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.
Para isso, utiliza-se pesquisa documental e bibliográfica em obras de autores como
Ferretti, Gomberg, José Marmo da Silva, Sodré, dentre outros. Tem-se como parâmetro a
região do Vale do Cotinguiba, mais especificamente os municípios de Laranjeiras e Ria-
chuelo (municípios do Estado de Sergipe), uma vez que estes contemplam o maior arca-
bouço histórico em relação às religiões afro-brasileiras, sendo o primeiro considerado a
Atenas de Sergipe – possuindo diversos terreiros de grande peso histórico no estado – e o
segundo onde nasceram importantes Yalorixás do estado.
O estado de Sergipe é permeado de diversos terreiros de religiões afro-brasileiras e
comunidades tradicionais, inclusive na capital, a cidade de Aracaju, na qual resiste, por
exemplo, a Comunidade da Maloca, o primeiro quilombo urbano do estado, situado entre
os Bairro Cirurgia e Getúlio Vargas. Ademais, as supracitadas cidades de Laranjeiras e
Riachuelo contemplam, como já dito, um maior arcabouço histórico e de resistência em
relação às comunidades tradicionais de terreiros, pois nelas se encontram o Quilombo da
Mussuca, a Sociedade de Culto Afro-Brasileiro Filhos de Obá, a Casa de Ti Hérculano e
a Irmandade de Santa Bárbara Virgem, todos patrimônios históricos, e que há décadas são
comunidades que traduzem o que o estudo pretende abordar: a utilização dos saberes
tradicionais na promoção do direito à saúde nos terreiros.
Dessa maneira, este estudo se mostra relevante, pois pretende refletir sobre a relação
entre a raça, religiosidade, saberes tradicionais e saúde no estado de Sergipe. Tendo em
vista que a saúde é direito essencial para a existência e pressuposto para a condição de
cidadão em gozo de seus plenos direitos, há, através do presente artigo, a pretensão em
discutir sobre o maior acesso, promoção, equidade no tocante às comunidades tradicio-
nais do estado de Sergipe.

1. Promoção da saúde e a sua relação com a religião


Para que seja possível abordar a temática central da pesquisa, qual seja a saúde das
comunidades tradicionais de terreiro de Sergipe, faz-se necessário compreender a relação
estabelecida entre a busca pela saúde e a religião para os brasileiros, bem como de que
maneira ela se dá. Por isso, é importante, primeiramente, compreender de qual maneira
ocorre essa dita relação para depois adentrar nas questões mais específicas.

1.1. A religião como fator importante para a busca pela saúde


A religião para os brasileiros, independente de qual seja, pois no Brasil há uma grande
diversidade de religiões cultuadas pela população, é fator importante e existente na vida
das pessoas. Isto fica evidente, pois, de acordo com o Instituto Gallup (2010), 87% dos
brasileiros tem a religião como um importante ponto em suas vidas.
Moreira-Almeida e outros (2010) estudando as adesões religiosas e sua relação com
variáveis sociodemográficas mostraram que 95% dessa população tinham uma religião,
83% consideravam-na muito importante e 37% a frequentavam ao menos uma vez por
semana, vale ressaltar, sem qualquer diferença entre adeptos brancos ou negros. Já de
acordo com Santos e Incontri (2010) nota-se que 90% da população, independente da

284 | XXIX Encontro AULP


religião, a utiliza para conseguir força e conforto diante das adversidades da vida, como
as doenças e a morte (BORGES E OUTROS, 2015).
Para Santos e Incontri (2010), a terapia do cuidado aos enfermos foi a maior contri-
buição do cristianismo à área da saúde, uma vez que como os pagãos não cuidavam de
seus doentes de forma organizada ou em larga escala e os judeus ofereciam cuidados
apenas aos seus pares, era a Igreja cristã que ofertava cuidados para todos os cristãos e
não cristãos (SANTOS, INCONTRI, 2010, p. 490). Assim, resta demonstrada que a reli-
gião, no caso em apreço, a católica, há tempos vem exercendo uma contribuição impor-
tante em relação à saúde dos que são adeptos a ela, mas também dos não cristãos, ou seja,
há uma naturalidade nessa relação religião e busca pela saúde, inclusive por iniciativa da
própria entidade religiosa, como demonstrado. E no Brasil, mesmo à parte das questões
de busca pela saúde, a prática religiosa é algo inerente à vida das pessoas, tornando uma
consequência o pensamento dela com a saúde.
Assim, para elucidar, no Brasil, de acordo com Ferretti (2003), existe uma grande li-
gação entre saúde e religião porque a maioria das pessoas considera a doença como algo
causado tanto por fatores materiais (vírus, micróbios) como por fatores espirituais (espí-
ritos, castigos, provações, falta de proteção), por fatores mágicos (feitiço) e também por-
que se acredita na ação do sagrado na prevenção e na cura de enfermidades. Por essa ra-
zão, as igrejas, os terreiros, os centros espíritas, as residências de pajés e curadores são
diariamente procurados por pessoas atormentadas por males diversos. Dessa maneira, não
é algo fora do comum no país a procura de autoridades religiosas – padres, pastores, ya-
lorixás, babalorixás – por seus adeptos e até descrentes em momentos de angústia por
conta de problemas que acreditam-se ser espirituais e, inclusive, os comprovadamente
físicos, unindo as indicações e tratamentos religiosos aos realizados por profissionais da
área da saúde.
Resta evidente, nesse contexto, que no Brasil boa parte da população tem uma cren-
ça e pratica alguma religião de maneira frequente e que isto acaba por estar relacionado
com a busca pelas crenças religiosas para a cura de males físicos, espirituais e, até,
mágicos. Tal situação tem relação com diferentes religiões, sejam elas de matriz africa-
na ou não, como demonstrado com a história da igreja católica na cura de seus fiéis há
tempos atrás e que perpetua até os dias atuais. Logo, a religião é sim ainda um fator
determinante na vida dos brasileiros, não restringindo a mesma apenas aos aspectos de
saúde.

2. Promoção da saúde e estratégias nas comunidades tradicionais de Sergipe


Analisa-se as disposições da 15ª Conferência Nacional de Saúde e da Política Nacio-
nal de Saúde Integral da População Negra, uma vez que se pretende abordar como vem se
dando e como pretende-se alcançar o direito à saúde. Logo, tais documentos, ao tratar do
assunto com relação à saúde e a raça, conforme pretendido com o estudo, são de suma
importância para discutir o tema. Também será tratada mais especificamente das comuni-
dades tradicionais em Sergipe e a relação entre elas, a raça, a religiosidade na busca pela
saúde.

XXIX Encontro AULP | 285


2.1. Promoção da saúde das comunidades tradicionais: análise da conferência e do
plano nacional de saúde da população negra
Da análise da 15ª Conferência Nacional de Saúde, no eixo temático “Direito à Saúde,
Garantia de Acesso e Atenção de Qualidade”, o documento trata da ciência das carências
quanto ao acesso à saúde de maneira igualitária e de qualidade. Traz consigo a ideia de
saúde pública como direito à cidadania, necessidade de superação das desigualdades, e
das diferenças nas possibilidades nesse âmbito de acordo com o gênero, raça, intolerân-
cias às diversidades de uma maneira geral. Assim, diz que “O Conselho Nacional de
Saúde também reafirma o papel das conferências como processo político-mobilizador de
caráter reflexivo, avaliativo e propositivo não devendo ser visto meramente como um
evento” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015).
Assim, dentre os diversos pontos que abrangem o documento, traz como uma, entre as
diversas propostas pretendidas para suprir essas faltas (qualidade e equidade), garantir a
atenção diferenciada aos povos indígenas, ciganos, quilombolas e comunidades tradicio-
nais, aprimorando ações de atenção básica e saneamento, contudo observando e respei-
tando as suas práticas de saúde. Traz também a necessidade de estruturação de políticas
que tomem como base a territorialidade e regionalidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2015).
A partir disso, nota-se que há a preocupação e a ciência das desvantagens que compre-
endem a vida dos indígenas, ciganos, comunidades quilombolas e tradicionais, contudo
essa mesma ciência importou apenas – ao menos na maneira que foi escrita – numa solu-
ção rasa definida como atenção básica e saneamento. Foi mencionado o respeito às práti-
cas de saúde, no entanto, estão em segundo plano, não as tornando também prioridade
como possíveis medidas visando uma maior equidade na saúde desses povos. Pode-se
dizer, de certa maneira, que houve uma considerável descrença em suas potencialidades.
Já a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2007), promovida pela
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR e pelo Mi-
nistério da Saúde, trás consigo a importância em se questionar o direito à saúde, vez que
afirma ter como objetivo o combate a discriminação racial nos serviços de saúde e promo-
ção da equidade desse direito para a população negra, logo, também para as comunidades
tradicionais das religiões afro-brasileiras. Torna-se óbvio afirmar, assim, que a saúde é
direito primordial, constitucional e, por isso comum a todos sem distinção de qualquer
natureza. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007, p. 9).
Esse documento demonstra o quanto a raça pode ser um fator decisivo para a inserção
das pessoas pretas e pardas nos piores índices relacionados à mortalidade e não acesso à
saúde digna. Discrimina, de acordo com dados do Relatório Saúde Brasil de 2005, pro-
movido pelo Ministério da Saúde, que essas pessoas são as que mais são propensas a
morrer por doenças transmissíveis e não transmissíveis, também, mortalidade infantil,
questões envolvendo nascituros e mortes maternas, dentre inúmeras situações. De acordo
com o dado relatório, para exemplificar, as mortes por causa mal definidas em crianças de
0 a 4 anos no Brasil é sempre maior com as pretas e pardas, em todas as regiões do país
em análise realizada entre os anos 2000 e 2003, conforme a tabela 1 abaixo. (BRASIL,
2005)

286 | XXIX Encontro AULP


Tabela 1 – Dados sobre o índice de mortalidade por causa mal definida em crianças de 0 a 4 anos de idade no
Brasil e regiões por conta da raça.

Taxa de Mortalidade (por 1000 hab.) Razão de Taxas


Região Ano
Branca Parda Preta Parda Preta
2000 29,3 33,9 36,3 1,2 1,2
2001 25,8 31,9 37,0 1,2 1,4
Brasil
2002 23,6 32,8 30,3 1,4 1,3
2003 22,3 35,2 34,8 1,6 1,6
2000 41,7 42,7 49,0 1,0 1,2
2001 36,7 45,9 33,6 1,3 0,9
Norte
2002 39,9 45,8 50,4 1,1 1,3
2003 34,1 47,1 42,5 1,4 1,2
2000 25,6 24,3 29,9 0,9 1,2
2001 22,3 20,5 31,5 0,9 1,4
Nordeste
2002 33,4 39,4 36,4 1,2 1,1
2003 32,2 47,5 42,4 1,5 1,3
2000 25,6 24,3 29,9 0,9 1,2
2001 22,3 20,5 31,5 0,9 1,4
Sudeste
2002 19,0 19,8 24,9 1,0 1,3
2003 18,8 16,7 28,8 0,9 1,5
2000 27,2 19,0 29,9 0,7 1,1
2001 22,6 14,1 36,6 0,6 1,6
Sul
2002 19,3 11,7 18,1 0,6 0,9
2003 16,8 11,6 28,9 0,7 1,7
2000 27,2 30,3 29,3 1,1 1,1
2001 25,1 25,1 35,1 1,0 1,4
Centro-Oeste
2002 22,4 29,8 18,8 1,3 0,8
2003 22,2 24,4 24,6 1,1 1,1
Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS)

De acordo com os dados expostos acima, em todos os anos e em todas as regiões do


país a taxa de mortalidade calculada a cada 1000 habitantes é sempre menor para crianças
brancas. Tal situação se repete em outros tipos de análise levando em considerações ou-
tros parâmetros, como idade e causa da morte. Ou seja, em todos os aspectos a raça é fator
pontual para a discrepância apresentada. Resta evidente que com base na história brasilei-
ra de escravidão e da situação em que vivam os negros escravizados, sabe-se que eles não
possuíam direito algum de cuidar da sua saúde com tratamento médico e, por isso, os
quilombos e comunidades autônomas passaram a ser um refúgio para tanto, com base nos
saberes e conhecimentos passados que eles detinham. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007)
É neste ponto que se faz necessário tratar as religiões afro-brasileiras como detentoras de
capacidade de promoção de saúde, principalmente no tocante à melhoria das próprias
comunidades tradicionais das quais fazem parte.

XXIX Encontro AULP | 287


2.2. Saúde com base nas religiões afro-brasileiras em Sergipe
Para as religiões afro-brasileiras, as doenças de certa maneira são enxergadas de uma
forma específica. De acordo com Ferretti, os adeptos dessas religiões classificavam a do-
ença em duas grandes categorias: 1) doença física (erisipela, congestão, etc) tratada pela
medicina oficial e pela medicina popular; 2) doença espiritual (desmaios, paralisias, loucu-
ra, violência, alcoolismo, etc), tratada pelo terreiro (FERRETTI, 1988). Algumas das do-
enças que integram essa última categoria são às vezes tratadas pela medicina oficial como
doença mental ou são encaradas pela sociedade mais ampla como criminalidade (FER-
RETTI, 1988), mas nas comunidades de terreiro é comum que sejam interpretadas como
manifestações mediúnicas e tratadas por pais e mães de santo e rezadores, pois, as doenças
nunca são consideradas exclusivamente físicas ou espirituais, e assim os doentes que pro-
curam os terreiros podem ser tratados ao mesmo tempo por técnicos e por religiosos.
Por essa razão também os pais-de-santo e curadores ou pajés fazem uso de orações,
benzimentos, passes e também de remédios caseiros e, não raramente, de medicamentos
produzidos pela indústria farmacêutica, comungando a medicina científica com a medici-
na popular, geralmente encaradas no espaço de terreiro como complementares. (FERRE-
TI, 2003, p. 1-2). Dessa maneira, há a conjunção entre a utilização da ciência e da religião
por parte dessa religião para alcance do bem-estar das pessoas.
Ademais, de acordo com Silva (2007) a importância dessas religiões se dá, dentre
outras coisas, por conta da existência do espaço que proporcionam de acolhimento e in-
clusão para grupos minoritários e excluídos socialmente, de aconselhamento. Utiliza-se
dessas formas de relações interpessoais, da propagação e fortalecimento de saberes, da
utilização de plantas medicinais para promoção de saúde e, muito importante, para pre-
venção de doenças. Além disso, com o estabelecimento da relação saúde e religiões afro-
-brasileiras com o objetivo de melhorias, há a preservação das tradições religiosas, impor-
tantes para fortalecimento e resistência. Para a religião, o corpo é primordial por ser um
elo de ligação com os seus deuses (SILVA, 2007).
A promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde mostra-se
uma perfeita estratégia para promoção da saúde, tendo em vista que, conforme supracita-
do, há a preocupação e necessidade em manter os saberes populares tradicionais a medida
em que devem ser proporcionados meios para aumento do alcance igualitário e de quali-
dade da saúde da população de maneira geral. Além disso, como já demonstrado, a popu-
lação negra é prejudicada quanto ao acesso a esse direito e esta seria uma maneira de
utilizar do tipo religioso, que já vem sendo utilizado para melhoria, como um ponto a ser
alavancado como meio de melhora e modificação da realidade.
Para tanto, existe uma rede, a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde
que tem como objetivo a capacitação das pessoas de terreiro com fulcro no uso de tecno-
logias acessíveis para promoção dos direitos humanos, especificamente no combate à
intolerância religiosa e racismo, mas também na promoção de saúde da população negra.
Contempla adeptos da religião, profissionais da área da saúde, integrantes de organiza-
ções não governamentais e lideranças do movimento negro para cumprir os objetivos da
sua causa, qual seja a promoção de saúde para as comunidades de terreiro e das que vivem
em seu entorno. Essa rede, assim, entende a potência em se utilizar das religiões afro para
obter mais acesso à saúde.

288 | XXIX Encontro AULP


No mais, as religiões afro-brasileiras possuem, como demonstrado com Farretti, um
cuidado e preocupação com a saúde de certa forma natural a medida que realizam uma
correspondência de males que acometem as pessoas com manifestações tratadas por suas
autoridades religiosas, e em Sergipe não seria diferente. Utilizar dessa relação como meio
promotor de saúde inclusive nas comunidades tradicionais de Sergipe seria uma maneira
de proporcionar melhoria do quesito saúde no estado, nas comunidades mais carentes, nas
comunidades quilombolas e nas que circundam os terreiros, que geralmente se estabele-
cem em regiões periféricas, ora, mais necessitadas da região.
Assim, as cidades de Laranjeiras e Riachuelo, por exemplo, por concentrarem uma
considerável quantidade de terreiros historicamente importantes, tendo em vista serem
antigos e marcados pela resistência ao preconceito e violência, são áreas propicias dentro
do estado de Sergipe para fomento da relação entre as comunidades tradicionais/terreiros
e promoção da saúde com base nos saberes e costumes populares e ancestrais. Os mesmos
possuem ao seu redor uma população que carece desse cuidado, que por todo contexto
acaba já usufruindo dessa ligação.
Tornar os parâmetros e objetivos elencados pela Rede seriam iniciativas consistentes
para atingir o objetivo de melhoria da saúde das comunidades de Sergipe, da população
negra e da que reside perto dos terreiros. Resta demonstrado o desafio em articular essas
constatações para que o direito a essa bem essencial para condição de ser humano e cida-
dão seja inerente a todos, sem qualquer distinção social, econômica, de raça, sexo e ou-
tros.

4. Conclusão
Percebe-se, portanto, que a junção dos aspectos raça, etnia e religião demonstra-se
eficaz na promoção da saúde. Fica evidente, primeiramente, a real necessidade de igual-
dade no acesso a saúde de qualidade, inclusive por parte do próprio Estado brasileiro,
com a emissão de documentos a fim de estudar e criar mecanismo para que essa realidade
seja modificada. No mais, que o aspecto raça é algo que torna ainda mais dificultoso o
acesso a condições dignas de saúde como educação, segurança e não é diferente com o
bem-estar físico dessa parcela da população que, diga-se de passagem, compreende mais
da metade de toda a população do país.
Outrossim, em nada seria dificultoso utilizar da religião para esses fins, uma vez que
ela, conforme evidenciado no decorrer do artigo, é algo importante e natural na vida dos
brasileiros. Demonstrou-se que a maioria dos brasileiros tem uma religião, acreditam
nela, frequentam de forma regular e ainda a utilizam e acreditam como meio de melhora
física e espiritual. Além disso, é algo que ocorre não só com as religiões afro-brasileiras,
mas sim com diversas religiões, como na Igreja católica em tempos atrás.
Também fica perceptível que já há a ideia de que as religiões afro-brasileiras tem ca-
pacidade de promover e ajudar na saúde e bem-estar de uma maneira geral. Seja com base
nas próprias práticas comum a elas de recepção, acolhimento, ajuda dos que são na maio-
ria das vezes excluídos socialmente, e também na utilização das relações mais específicas
em relação aos males e como eles são tratados dentro da visão da crença.
A Conferência e o Plano analisados foram importantes para toda essa análise, pois
parametrizaram com seus dados e apontamentos essa conclusão. E Sergipe, não diferen-

XXIX Encontro AULP | 289


temente do resto do país, ao possuir também uma necessidade de melhoria da saúde de
suas comunidades mais pobres, das pessoas pretas e pardas, das comunidades de terreiros
e suas adjacências e por possuir em seu estado, como já dito, nas cidades de Laranjeiras e
Riachuelo, terreiros capazes de tornar uma prática real e reiterada toda a relação discuti-
da, poderá contribuir com o acesso à saúde e promoção dos direitos humanos.

Referências
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sociais sobre religião e espiritualidade. Rev Bras Enferm. 2015 jul-ago;68(4):609-16.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Documento orientador de apoio aos debates da 15ª Conferência Nacional
de Saúde. Brasília, 2015.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Brasília, 2007.
MINISTÉRIO DA SAÚDE, SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, DEPARTAMENTO DE
ANÁLISE DE SITUAÇÃO EM SAÚDE. Saúde Brasil 2005: uma análise da situação de saúde no Brasil.
Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
CORREIA, Miraci dos Santos. Análise da implantação da política de saúde da população negra no
Estado de Sergipe. Orientador: Profª Dr. Wilson José Ferreira de Oliveira Dissertação (Mestrado em Sociolo-
gia). Universidade Federal de Sergipe, 2015, 85p.
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Pesquisa, UFMA, S. Luís, v.4,n.1,p.87-97, jan./jun.1988.
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In Silva, José Marmo da. Religiões afro-brasileiras e saúde. São Luís: CCN-MA, 2003.
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www.gallup.com/poll/142727/religiosity-highest-world-poorest-nations.aspx&gt; Acesso em: 25 mai. 2018.
GOMBERG, Estélio. Hospital de Orixás: encontros terapêuticos em um terreiro de candomblé. Salva-
dor: EDUFBA, 2011.
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a uma mudança de paradigma. In: Santos, Franklin Santana, Incontri, Dora, organizadores. A arte de cuidar:
saúde, espiritualidade e educação. Bragança Paulista: Comenius; 2010b. p. 214-30.
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ras e Saúde. Saúde Soc. São Paulo, v.16, n.2, p.171-177, 2007.

290 | XXIX Encontro AULP


Disfagia em doentes pós acidente vascular cerebral:
contributos dos enfermeiros especialistas
em enfermagem de reabilitação

Rosa Martins (autor correspondente)


Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, Portugal; E-mail: [email protected]

Nélia Carvalho
Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, Portugal

Susana Batista
Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, Portugal

Alexandra Dinis
Escola Superior de Saúde-Instituto Politécnico de Viseu, Portugal

1. Introdução
O envelhecimento atual da população, representa um dos fenómenos demográficos
mais preocupantes das sociedades modernas. Portugal não é exceção e os dados do Insti-
tuto Nacional de Estatística (INE, 2017), estimam que o total de pessoas com idade supe-
rior a 60 anos, irá ultrapassar em 2050 os três milhões e a população com mais de 75 anos
sofrerá um acréscimo que rondará os 80%.
No conjunto dos 28 Estados Membros da União Europeia, Portugal apresenta o 5º
valor mais elevado do índice de envelhecimento e o 3º valor mais baixo do índice de re-
novação da população em idade ativa. Estes dados levantam preocupações que exigem
um maior e melhor conhecimento dos problemas e necessidades desta população, nome-
adamente as questões de saúde, patologias e consequências associadas.
A principal causa de incapacidade neurológica grave nos idosos, de acordo com a
American Heart Association, são os Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC), estimando-se
uma prevalência anual de 15 milhões de pessoas em todo o mundo. Os AVCs representam
atualmente a primeira causa de morte em Portugal, constituem a principal causa neuroló-
gica de disfagia e estão associados a múltiplas complicações médicas que levam a hospi-
talizações prolongadas com custos significativos nos cuidados de saúde (OPSS, 2017).
A disfagia é clinicamente diagnosticada em 40 a 70% dos doentes nos três primeiros
dias após o AVC, contudo a incidência de aspiração de saliva, alimentos e/ou líquidos
pode variar entre os 20 e os 45% nos primeiros cinco dias (Mourão, Almeida, Lemos,
Vicente & Teixeira, 2016). Etimologicamente, o termo disfagia provém dos étimos gre-
gos “dis” que significa dificuldade e “phageo” que se refere à alimentação (Silva, 2015).
A American Speech and Hearing Association (ASHA, 2011), define disfagia como uma
desordem na deglutição, caracterizada por dificuldades no ato de levar o alimento ou a
saliva da boca até o estômago. A deglutição por sua vez, corresponde um comportamen-
to sensório-motor controlado por numerosos componentes que vão desde o sistema ner-

XXIX Encontro AULP | 291


voso central até ao esófago, e proporciona a passagem de alimentos da boca até o estô-
mago. Trata-se de uma disfunção que se manifesta comumente pela dificuldade em
deglutir, pelo aumento do tempo despendido na refeição, por períodos de tosse durante
as refeições, pelo excesso de secreções na traqueia, por pneumonias recorrentes e perda
de peso. Pode ainda ocorrer edema pulmonar ou pneumonia, com consequente aumento
dos tempos de internamento, das taxas de morbilidade, mortalidade e custos hospitalares
(Nunes, 2016).
No sentido de minimizar os danos da disfagia torna-se fundamental o estabelecimento
de um diagnóstico precoce efetivada pelos profissionais de saúde. O diagnóstico realiza-
-se através da avaliação clínica da deglutição, numa fase inicial, avaliações instrumentais
complementares às avaliações clínicas, realizadas através da análise objetiva da biodinâ-
mica da deglutição, visualizada, ou através de exame radiológico ou vídeo-endoscópico,
havendo a necessidade de protocolos formais quanto a este tipo de avaliação (Passos et al.
2017).
As recomendações da World Gastroenterology Organisation (2014) apontam para a
necessidade de diagnósticos e intervenções precoces nos casos de disfagia pós AVC, uma
vez que os estudos têm demonstrado que a sua prevenção e tratamento precoces, tem
impacto significativo na morbilidade, mortalidade, tempo de internamento hospitalar,
recuperação funcional e custos associados à saúde (Coen et al., 2016).
Numa revisão sistemática da literatura desenvolvida por Frias et all. (2015), ficou
demonstrado que dos diferentes testes utilizados, o de Toronto para a avaliação da deglu-
tição (TOR-BSST) é o que produz melhores resultados na deteção de doentes com deglu-
tição comprometida. Contudo, a capacidade do teste GUSS de permitir uma avaliação da
deglutição comprometida com diferentes graus de severidade, separada do risco de aspi-
ração é um facto relevante a ter em conta. Na referida revisão, observou-se que é positiva
a utilização de métodos não-invasivos de avaliação do comprometimento da deglutição e
do risco de aspiração em doentes com AVC, com elevada sensibilidade e especificidade,
comparativamente aos métodos mais invasivos. O Enfermeiro Especialista em Enferma-
gem de Reabilitação (EEER), pelas competências específicas que lhe estão atribuídas é o
profissional de saúde mais habilitado para intervir nestas situações, uma vez que o seu
foco de atuação visa o diagnóstico e a intervenção precoce, a promoção da qualidade de
vida, a maximização da funcionalidade, o autocuidado e a prevenção de complicações
evitando as incapacidades ou minimizando as mesmas (Ordem dos Enfermeiros, 2011).
São já vários, os estudos que destacam a importância das intervenções dos EEER no
doente com disfagia pós AVC, considerando a relação de proximidade e continuidade de
monitorização refletidos na melhoria da autonomia, independência e qualidade de vida
dos doentes (Frias, et al. 2015). Contudo, são relatórios que carecem de indicadores de
resultado que traduzam os ganhos em saúde das pessoas com disfagia pós AVC e, em
particular, na autonomia, independência e qualidade de vida dos Cidadãos.
Foram estes os factos que despoletaram a realização do presente estudo que teve por
objetivo avaliar a prevalência da disfagia em Doentes pós AVC e o impacto das interven-
ções dos Especialistas em Enfermagem de Reabilitação na prevenção destas complica-
ções.

292 | XXIX Encontro AULP


2. Metodologia
Optou-se por realizar uma Revisão Sistemática da Literatura (RSL) sem metanálise,
sobre as” Disfagia em Doentes Pós Acidente Vascular Cerebral: Contributos dos Enfer-
meiros Especialistas em Enfermagem de Reabilitação”, que visa identificar as evidências
científicas sobre a temática, esperando-se ser um contributo para a clarificação de boas
práticas nos cuidados de enfermagem especializados em reabilitação. Para a sua concre-
tização, foram seguidas as linhas de orientação internacional Cochrane Handbook (2017).
A pesquisa de artigos para a presente revisão orientou-se de acordo com o referencial
PI[C]O, e a questão de investigação é a seguinte: Que intervenções desenvolve o Enfer-
meiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação face à pessoa com alteração da de-
glutição (disfagia), em situação pós AVC, promotoras da sua independência na atividade
comer e beber? Os participantes foram doentes com disfagia pós AVC, a pesquisa decor-
reu entre o mês de Janeiro e Fevereiro de 2018 e foi realizada por duas autoras em simul-
tâneo, no sentido de fazer validação por pares no processo de recolha de informação. As
bases de dados eletrónicas, que foram consultadas foram: CINAHL (Cumulative Index to
Nursing and Allied Health Literature) complete, Cochrane Central Register of Controlled
Trials, MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) complete,
por apresentarem reconhecida idoneidade científica. Complementamos ainda a nossa pes-
quisa com as bases de dados Pubmed (Public Medline), PEDro (Base de Dados em Evi-
dências em Fisioterapia) e Repositórios Institucionais. Definiu-se como filtro cronológico
2008-2018 e os descritores utilizados foram retirados da MeSH Browser, sendo estes:
“nurse”, “rehabilitation”, “stroke”, “swallowing”, “deglutition disorders”, “nursing prac-
tice”, nos idiomas português e inglês, com os operadores boleanos OR e AND. Os crité-
rios de inclusão e exclusão estabelecidos encontram-se expressos na tabela 1.

Tabela 1 – Critérios de inclusão e exclusão no estudo

Critérios de
Critérios de inclusão Critérios de exclusão
seleção
Pessoas com outro tipo de patolo-
gias
Adultos com idade superior a 18 anos, pós
Participantes Pessoas que não apresentem alte-
AVC, com alteração da deglutição
ração da deglutição e que não se
encontrem em situação de AVC
As intervenções de outros profis-
Intervenções Todo o tipo de intervenções apenas do EEER
sionais de saúde
Intervenções do EEER dirigidas à pessoa Resultados que não abrangem in-
com alteração da deglutição, pós AVC, que tervenções do EEER face à pes-
“Outcomes”
promovam a independência da pessoa nas ati- soa com alteração da deglutição,
vidades comer e beber em situação de AVC
Estudos experimentais e quasi-experimentais
Outros desenhos para além dos
Desenho Revisões sistemáticas com e sem metanálise
definidos na inclusão
Estudos randomizados controlados

Num primeiro momento, obtivemos uma lista (com título e resumo) de 873 artigos
filtrados, que foi submetida a uma avaliação crítica por dois revisores, de forma indepen-

XXIX Encontro AULP | 293


dente, com base na relevância do tipo de estudo, dos participantes e das intervenções para
a RSL em curso. Após seleção dos estudos por parte de cada revisor resultou por consen-
so, a exclusão de 862 artigos, por estarem repetidos, por não se relacionarem com a ques-
tão de investigação, resultando a identificação de 11 artigos para análise integral do texto.
Num segundo momento, os revisores independentes procederam à leitura integral dos 11
artigos em texto completo e, à luz dos critérios de inclusão e exclusão definidos, e dos
testes de relevância utilizados foram selecionados apenas 5 artigos, conforme explicitado
no fluxograma da figura 1.

Figura 1 – Fluxo da informação com as diferentes fases da revisão sistemática

3. Resultados
No estudo 1 de Hughes (2011), Management of dysphagia in stroke patients ficou
demonstrado que existe a necessidade de se proceder a uma avaliação holística da pessoa
para garantir a hidratação e as necessidades nutricionais de forma efetiva e segura. A hi-
giene oral e o estado nutricional, assumem-se como elementos fulcrais na gestão da pes-

294 | XXIX Encontro AULP


soa com alteração da deglutição pós AVC, bem como a posição correta da cabeça no
momento da alimentação e hidratação, impedindo os riscos de aspiração de alimentos
sólidos/líquidos. Os EEER constituem-se como elementos pivôs para garantir os cuida-
dos especializados na pessoa com alteração da deglutição, dado que são estes os primei-
ros a realizarem a avaliação da alteração da deglutição. Ficou ainda demonstrado que são
os profissionais que se encontram mais capacitados para intervir na alteração da funcio-
nalidade da deglutição, cuja intervenção garante uma alimentação e hidratação adaptadas,
com a finalidade de se evitarem complicações resultantes da disfagia. Os EEER são os
que mais possuem formação para detetar as necessidades reais e potenciais do doente com
disgfagia pós AVC e seu cuidador principal, possuindo a capacidade de monitorizar mais
criteriosamente as situações e intervir mais atempadamente.
O estudo 2 de Liu, Shi, Shi, Hu e Jean (2016), Nursing management of post-stroke
dysphagia in a tertiary hospital: a best practice implementation project, objetivou avaliar
prevalência e a implementação de evidências para melhorar a gestão da disfagia em do-
entes pós AVC e prevenir a ocorrência de aspiração, em doentes internados no serviço de
neurologia do Huashan Hospital, da Universidade de Fudan de Changai. Este projeto
utilizou as ferramentas de auditoria e feedback do Sistema de Aplicação Clínica do Siste-
ma de Evidência Clínica do Instituto Joanna Briggs. Os mesmos seis critérios de auditoria
foram utilizados para a linha de base, bem como as auditorias clínicas de acompanhamen-
to. A auditoria de linha de base foi seguida pela implementação de estratégias direciona-
das para abordar as barreiras identificadas e a auditoria de acompanhamento avaliou mu-
danças na prática. A amostra ficou constituída por 20 EEER e 30 doentes. Os resultados
do estudo revelam: uma prevalência de 42% de disfagia, melhorias na prática em todos os
critérios da auditoria. O resultado da auditoria pós-implementação mostrou 100% de con-
formidade para as seguintes recomendações: uso de um instrumento validado para diag-
nóstico da disfagia e sua avaliação, diagnóstico precoce de disfagia iniciado pelo enfer-
meiro, encaminhamento adequado para a fona audiologia e formação para os enfermeiros
em relação à triagem da disfagia. A menor taxa de adesão foi para a educação do doente
antes da alta (80%) e a taxa de conformidade para a triagem nas 24 horas de admissão do
doente no serviço foi de 93%. Este projeto demonstrou melhorias significativas na prática
de enfermagem relacionadas com o diagnóstico da disfagia e intervenção precoce do
EEER. Este projeto obteve sucesso não só em relação ao aumento de conhecimento e
competências dos enfermeiros, mas também ao nível da implementação de um processo
formalizado para a triagem e encaminhamento dos doentes com disfagia. Os autores
sugerem a implementação de estratégias para sustentar as mudanças na prática, bem
como a realização de auditorias regulares para monitorizar o verificar o processo de
atuação e avaliar os resultados.
No estudo 3 de Juan, Hind, Jones, McCulloch, Gangnon e Robbins (2013), Case
Study: Application of Isometric Progressive Resistance Oropharyngeal Therapy Using
the Madison Oral Strengthening Therapeutic Device, verificou-se a efetividade do uso da
terapia isométrica de resistência progressiva orofaríngea (I-PRO) na melhoria da função
da deglutição. Este estudo de caso de uma doente com 56 anos pós AVC apresenta os re-
sultados do uso da terapia com I-PRO, com recurso ao dispositivo Madison Oral Streng-
thening Therapeutic (MOST) de 5 sensores combinado com a dilatação do esfíncter eso-

XXIX Encontro AULP | 295


fágico superior (EES). Os dados incluíram o inventário da dieta, pressões linguais
(MOST), volume lingual (imagem latente de ressonância magnética), resíduo post
offallow (videofl uoroscopy), pressões faríngeas (manometria de alta resolução) e avalia-
ção da qualidade de vida. Os resultados revelam que, após 8 semanas de terapia com
I-PRO, houve uma progressão para a dieta oral geral, com ganho de peso, aumento das
pressões isométricas, com a transferência para as pressões de deglutição, aumento do
volume lingual, redução do resíduo da parede da faringe (p=0,03), aumento das pressões
do volume faríngeo e aumento das pressões de abertura com melhor coordenação do
tempo-pressão em toda a faringe, diminuição das pressões isométricas e melhoria da qua-
lidade de vida. Após a manutenção do I-PRO, as pressões linguais isométricas anteriores
voltaram aos níveis observados após as 8 semanas de intervenção. Ficou demonstrado
que a terapia I-PRO, facilitada pelo dispositivo MOST combinado com instrumento de
dilatação, torna mais segura a deglutição, aumento da ingestão orofaríngea e facilitamen-
to da abertura, promovendo melhor qualidade de vida.
O estudo 4 de Kim, Kim, Lee, Kim, Kim, Kim e Cho (2017), Effect of the combination
of Mendelsohn maneuver and effortful swallowing on aspiration in patients with dyspha-
gia after stroke, com doentes com disfagia após AVC tratados com um método combina-
do, consistindo na manobra de Mendelsohn (com os dedos – polegar e indicador – eleva-
-se a laringe e segura-se em cima no momento da deglutição) e esforço na deglutição, teve
como objetivo investigar o efeito de um método combinado que incorpora a manobra de
Mendelsohn e o esforço de deglutição na aspiração em doentes com disfagia após AVC.
Os resultados do estudo revelam que, depois da intervenção por parte do EEER, todos os
doentes mostraram uma diminuição na aspiração com alimento líquido e alimento semi-
-sólido. Este estudo confirma que o método combinado da manobra de Mendelsohn e da
deglutição de esforço têm um efeito positivo na aspiração em doentes com disfagia após
o AVC. De acordo com os mesmos autores, a deglutição de esforço consiste numa das
técnicas terapêuticas utilizadas na reabilitação da disfagia orofaríngea, tendo observado
que esta técnica reduziu os componentes parassimpáticos e global da variabilidade da
frequência cardíaca. Todavia, salvaguardam que a técnica de deglutição de esforço só
deve ser usada em pessoas disfágicas com indicação para a mesma.
O estudo 5 de White, O`Rourke, Ong, Cordato e Chan (2008), Dysphagia: causes,
assessment, treatment and management, uma revisão sistemática da literatura com base
em estudos descritivos relativos à intervenção do EEER na pessoa com disfagia após
AVC, ficou demonstrada a prevalência elevada 67%, a importância da deteção precoce da
disfagia, para facilitar/promover estratégias de gestão que permitam minimizar a morbili-
dade. Realça ainda a importância do uso de testes de cabeceira ou o teste de Guss, a vide-
ofluorografia e a realização de uma endoscopia a fim de avaliar o processo de deglutição
(FEES – avaliação endoscópica da deglutição). Quanto ao tratamento terapêutico que per-
mita restabelecer a funcionalidade da deglutição, evidenciaram-se: a estimulação elétrica
e termal, os exercícios musculares, o uso de óleo de pimenta preta (na modalidade de es-
timulação olfativa), a acupunctura. A nível da gestão da disfagia, o método seguro da de-
glutição consiste igualmente nas dietas modificadas/especializadas. A reabilitação da de-
glutição em doentes pós AVC compreende os ensinos/treinos, por parte do EEER, à pessoa
e seu familiar/cuidador principal em relação aos métodos seguros para a deglutição.

296 | XXIX Encontro AULP


4. Conclusão

A prevalência da disfagia nos Doentes pós AVC encontrada nos estudos analisados,
(42% e 67%) vem reforçar a variabilidade referida em outras pesquisas similares. Apesar
de se tratar de um indicador importante na monitorização das complicações das pessoas
portadoras de AVC, observámos que tem sido uma variável subestimada nos diferentes
estudos realizados, espectável face á escassez de realização de diagnósticos precoces, de
avaliações específicas e respetivos registos.
As alterações neurológicas, mecânicas e/ou mesmo psicogénicas consequentes à
ocorrência do AVC, estão presentes na maioria destes Doentes conduzindo a disfunções
musculares (sensorio-motoras) que alteram efetivamente a deglutição com instalação da
disfagia (sobretudo do tipo orofaríngea).
Ficou demonstrado, que os Enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Reabilita-
ção são elementos centrais nas equipas multidisciplinares, no que concerne ao diagnósti-
co e tratamento da disfagia. A efetividade das intervenções dos EEER integram progra-
mas/processos reabilitativos que se desenvolvem em várias fases, e que vão desde a
avaliação clínica inicial da deglutição (designada à beira do leito) através da anamnese e
exame físico do doente; da observação morfodinâmica ou estrutural visualizada ou atra-
vés do exame radiológico em complementaridade coma fona audiologia; aplicação de
testes específicos devidamente protocolados; realização de testes de ingestão oral; inter-
venções instrumentais de deglutição, complementares às avaliações clínicas, realizadas
por análise objetiva da biodinâmica; monitorização sistematizada da higiene oral e do
estado nutricional do doente; aplicação de exercícios de resistência muscular da região
cervical associada a posturas e técnicas de deglutição compensatórias.
Menos consolidadas são as evidências reveladas nos estudos sobre as correlações
existentes entre o diagnóstico precoce da disfagia (alterações da deglutição) e a redução
do risco de pneumonia, o menor tempo de internamento e o melhor custo-efetividade,
resultante da redução dos dias de internamento. Assim, consideramos pertinente o desen-
volvimento de futuros estudos randomizados e de carater longitudinal, que permitam ava-
liar o potencial de recuperação das pessoas com disfagia e o seu impacto nos tempos e
frequência de internamentos e respetivos custos-efetividade.
Como nota final, consideramos que os resultados deste estudo demonstram que o in-
vestimento na efetividade de cuidados especializados por parte dos EEER, como pilar de
reforço dos serviços de saúde, numa lógica de continuidade de cuidados, pode ser um
recurso muito vantajoso tanto para os doentes, como para as famílias e para os sistemas
de saúde no geral, face ao aumento das taxas de prevalência e incidência do AVC e disfa-
gias consequentes.

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XXIX Encontro AULP | 297


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298 | XXIX Encontro AULP


Caracterização dos conhecimentos, atitudes e práticas
clínicas dos profissionais da saúde angolanos diante das
mordeduras por serpentes

Paula Regina Simões de Oliveira (autor correspondente)


Faculdade de Medicina, Universidade Katyavala Bwila, Angola; E-mail: [email protected]

Maria de Lourdes Bastos


Laboratório de Toxicologia Faculdade de Farmácia da Universidade de Porto, Portugal;
E-mail: [email protected]

Denise Vilarinho Tambourgi


Instituto Butantan, São Paulo, Brasil; E-mail: [email protected]

Introdução
As mordeduras de serpentes constituem um problema de saúde em vários países do
mundo. Estes acidentes são considerados uma doença tropical negligenciada responsável
por uma alta morbilidade e mortalidade no Sudeste Asiático e África subsariana. A di-
mensão deste problema de saúde em Angola é desconhecida.
Mundialmente, permanece indefinida a incidência exata das mordeduras de serpentes
em humanos e, por conseguinte, não é conhecido o real número de envenenamentos. Os
países que apresentam números confiáveis sobre a incidência, morbidade e mortalidade,
são ainda escassos (Slagboom, Kool, Harrison e Casewell, 2017). O Sudeste da Ásia e a
África subsariana são de longe as regiões mais afectadas, sendo a Índia o país que maior
número de mortes apresenta por mordeduras de serpentes no mundo.
A educação comunitária assim como o incremento do nível de conhecimentos nos
profissionais da saúde, médicos e enfermeiras, sobretudo nas zonas endémicas de serpen-
tes, constitui um passo importante para um melhor manuseio clínico das mordeduras de
serpentes (Gutiérrez et al., 2015).

Objetivos
Caracterizar conhecimentos, atitudes e práticas clínicas dos profissionais de saúde
angolanos diante das mordeduras por serpentes nas Províncias selecionadas.

Metodologia
Foi realizado um estudo observacional descritivo transversal com 151 profissionais da
saúde dos hospitais provinciais das províncias de Cuanza Sul, Benguela, Malanje e Huíla.
Foi aplicada uma técnica de amostragem poli-etápica. Na primeira etapa foram sele-
cionadas quatro das 18 Províncias do país, com uma técnica probabilística por conglome-
rados (considerou-se cada Província como um conglomerado). Logo foram seleccionados
dois municípios por Províncias (oito municípios no total), com uma técnica não probabi-

XXIX Encontro AULP | 299


lística por critério, já que foi utilizado como critério de seleção principal os municípios
com maior índice de mordeduras por serpentes. Numa terceira etapa foram selecionados
151 profissionais da saúde que estiveram no momento da apresentação da conferência
para aplicar os questionários na reunião matinal (Técnica de amostragem não probabilís-
tica acidental ou deliberada).
Como técnicas de recolha da informação, além da documentação científica, a entre-
vista, e a observação científica foi aplicado o inquérito com um questionário validado
previamente pelo método de Delphi.
Os dados foram submetidos a uma base de dados desenhada no pacote estatístico
SPSS (versão 22.0)
Foi utilizada estatística descritiva, de acordo aos objetivos da presente investigação,
para variáveis categóricas tanto nominais quanto ordinais, obtendo-se tabelas de distri-
buição de frequências.
A presente investigação foi apresentada e aprovada pelo Conselho Científico da
Faculdade de Medicina da Universidade de Lueji A NKonde com o número do processo
22 VDAC/ULAN/2013 de 31 de Outubro de 2013.
Foi garantido total anonimato e privacidade dos profissionais inquiridos e teve-se em
conta os princípios e normativos vigentes nos regulamentos sobre ética da investigação
científica tanto nacionais quanto internacionais (O Código de Nuremberg, A Declaração
de Helzinki, A Declaração de Budapest).
Obteve-se o consentimento informado da totalidade dos elementos incluídos na amos-
tra, respeitando o princípio da autonomia e garantindo o carácter confidencial da sua
participação.

Análise e discussão dos resultados


A idade média de todos os profissionais inquiridos foi de 38,7 anos com um desvio
padrão de 14,46, que confirma o predomínio de pessoal jovem nos hospitais provinciais
abordados, embora exista uma diferença considerável das idades deles em relação à mé-
dia. Além disso, existe uma maior percentagem do sexo masculino (57,8%).
Em relação à experiência com mordeduras de serpentes, 28% dos profissionais refe-
rem tê-la tido, em algum momento da sua prática profissional ou pessoal. Para além disso,
68% dos inquiridos tiveram conhecimento de outras pessoas com mordeduras por serpen-
tes que ocorreram em pacientes.
Ao indagar sobre o conhecimento do nome das serpentes, 82,8% não conhecem e
17,2% conhecem, embora uma percentagem maior (25,8%) pudessem identificá-las pe-
rante fotografias.
Nos casos em que as identificaram (39), os gêneros mais frequentemente envolvidos
foram as Dendroaspis, as Bitis e as Najas). Embora para uma amostra de estudo cinco
vezes superior à do nosso, Chafiq et al (2016) verificaram em Marrocos, que de um total
de 873 casos apenas em 54 (6,2%) as serpentes foram identificadas, sendo este resultado
inferior ao da presente pesquisa.
A Dendroaspis polylepis, mais conhecida por mamba negra, foi a que com maior fre-
quência foi identificada (28,2 %), seguida da Bitis arietans (23%). No estudo de Chafiq et
al., 2016, realizado em Marrocos, 33,4% das serpentes identificadas eram da família Co-

300 | XXIX Encontro AULP


lubridae. Esta família é constituída de serpentes que, geralmente, são consideradas não
peçonhentas e 16,6% eram Bitis arietans (Chafiq et al., 2016). Chama a atenção o facto
de que a coloração de alguns colubrídeos, e até sua fisionomia, ser muito parecida à da
mamba negra Dendroaspis polylepis (só se diferencia dos colubrídeos pela coloração
negra do interior da boca); provavelmente, no nosso estudo, a identificação referindo-se à
mamba era de colubrídeos.
Respeitante ao local da mordedura, mais frequentemente referida pelos profissionais
da saúde, os pés e pernas foram as regiões vulneráveis às picadas. Num estudo idêntico
ao nosso realizado em Kédougou, região este do Senegal, 85% dos casos não especifica-
ram o local da mordedura (Lam, Camara, Kane, Diouf e Chippaux, 2016)
Em ordem de frequência, as manifestações clínicas referidas pelos profissionais da
saúde, tendo sido as manifestações locais referentes ao local da picada as mais frequentes,
seguidas em ordem pelas manifestações de neurotoxicidade, manifestações sistémicas e
oftalmopáticas.
As manifestações na região da mordedura, mais frequentemente relatadas, foram a
dor (74,8%), o edema (48,3%) e a equimose (15,9%). Relativamente às manifestações
oftálmicas, 22,5% dos inquiridos relataram-na, tendo sido a dor ocular a mais referida
(11,3%). Em relação aos sinais de neurotoxicidade, 59,6% dos inquiridos referiram sinto-
mas, sendo as cãibras e a sensação de formigueiro (17,9%) com a visão turva ou diplopia
(14,6%), as principais manifestações nos casos de neurotoxicidade.
Em relação às manifestações sistémicas 79 dos inquiridos (52,3%) apresentaram-nas.
No estudo de Chafiq et al., (2016), realizado em Marrocos, 57,5% dos sintomas mais fre-
quentes decorrentes de mordedura de viperídeos foram dor, edema, equimose e necrose.
Em muitos casos (54,9%), realizaram-se tratamentos tradicionais pré-hospitalares,
fundamentalmente cortes no local da mordedura, aplicação de folhas da mata e outros. No
estudo de Lam et al. (2016), realizado no Senegal, foram tratados pré-hospitalarmente
121 casos pelos líderes tradicionais, no entanto, a evolução favorável foi de 17,2% e para
a morte de 2,4% (Lam et al., 2016)
Somente alguns casos procuraram os serviços médicos; o tratamento hospitalar efe-
tuou-se em 74 casos (49%), dos quais mais de metade (49: 66,21%) foram assistidos nos
bancos de urgência. Realizaram-se apenas 22 testes de laboratório e assistidos 7 casos
(9,45%) na terapia intensiva; nos casos mais graves ocorria o desfecho fatal por compli-
cações e falta de um antídoto adequado (90% dos relatos referem a não existência do
mesmo). Estes resultados são similares aos do estudo de Lam et al., (2016) em que se
verificou que de um total de 122 casos, mais da metade recebeu tratamento pré hospitalar,
sendo que 1 em cada dez pacientes receberam tratamento hospitalar.
38 (25,2%) dos inquiridos referiram complicações tendo sido infeção (11,2%) e insu-
ficiência respiratória (7,9%) as que maior percentagem apresentaram.
A maior percentagem dos inquiridos referiu a cura dos pacientes (65,5%), embora
10% terminaram em óbitos. No estudo de Lam et al. (2016) não são mostrados dados
sobre a evolução em 71 % dos casos, tendo sido referido melhoria em 26% dos mesmos,
sequelas em 2% dos casos e 1 % terminando em óbito. Estes resultados são discordantes
aos do presente trabalho em que os valores são superiores.
Os exames laboratoriais como tempo de coagulação, creatinoquinase e desidrogenase

XXIX Encontro AULP | 301


láctica foram realizados em mais de 90 % dos pacientes, apresentando alterações em
1,3%, 2,6 % e 1,3% dos casos, respetivamente.
Em relação ao tratamento com soro antiofídico, dos 151 inquiridos, apenas 12, o que
correspondeu a 7,9%, utilizou o soro. No estudo de Chafiq et al. (2016), 41 pacientes re-
ceberam soro antiofídico, sendo que 38 casos evoluíram bem e três faleceram mesmo
com a administração deste. Já no estudo de Lam et al. (2016), beneficiaram da adminis-
tração deste 19% dos casos. Nos resultados conclusivos da 6ª Conferência internacional
de Abidjan, sobre envenenamentos por serpentes e escorpiões em 2015, verificou-se que
na maior parte dos países Africanos participantes, os antivenenos disponíveis eram inade-
quados (Chippaux et al., 2016) e, em 1998, Chippaux assumia que menos de 25% das
necessidades de antiveneno eram cobertas e na maioria dos pacientes as doses eram insu-
ficientes (Chippaux, 1998).

Conclusões
1. Existe pouca experiência de profissionais da saúde sobre a ocorrência de mordedu-
ras de serpentes, e pouco conhecimento em relação à nomenclatura das mesmas e
sua identificação perante fotos (imagens).
2. As manifestações locais no local da picada (dor) são as mais frequentes, seguidas
pelas manifestações de neurotoxicidade (parestesias), manifestações sistémicas
(mialgias) e oftalmopatia (dor ocular).
3. Em relação ao perfil terapêutico, existe maior frequência de acidentados com mor-
deduras de serpentes com tratamento pré-hospitalar, em relação ao tratamento ins-
titucional, e estes não recebem soro antiofídico, como acção emergente, embora a
maior percentagem tenha evoluído para a cura.

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302 | XXIX Encontro AULP


A inflência do clima tropical na operação de um sistema
de células fotovoltaicas de películas finas de amorfo silício
em Angola

Mateus Manuel Neto


Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola. E-mail: [email protected]

I. INTRODUÇÃO
Células a-Si de junção são células de silício não cristalinas. A camada do semicondutor
é apenas 0.5-2.0 μm de expessura; consequentemente, menos matérias primas são
necessárias para a sua produção do que para as células de silício cristalina [1]. O filme de
silício de amorfo é depositado numa superfície, tal como o gás, vidro, aluminium, ou
plastico; desta forma é sempre referenciado como filme fino. Este tipo de células possui
eficiência entre 6% a 8% [2]. A faceta mais intrigante de tal tecnologia é o significante
declínio na sua eficiência durante as primeiras centenas de horas de iluminação. Isto é
reduz aproximadamente cerca de 30% da sua eficiência inicial, após 1000 h [3] isto ad-
vém devido o efeito Staebler-Wronski [4]. Tradicionamente, a tecnologia de silicone cris-
talino tem sido a escolha preferida no mercado fotovoltaico graças a sua eficiência de
conversão de energia. Portanto, apesar da baixa conversão de eficiência, a tecnhologia
a-Si possui um custo menor de produção de electricidade por watt [5]. Por conseguinte,
foi mostrado que a tecnologia a-Si domina em condições quentes devido ao seu menor
coeficiente de temperatura de energia [6]. Este tipo de photocelulas, parece-nos adequa-
das para o clima tropical africano, desta forma foi escolhido para o estudo.
Devido ao clima e a localização de Angola, a energia solar parece ser uma boa opção
para investigação. Este estudo analisa os efeitos da ridiação solar, temperatura ambiente
dos painéis fotovoltaicos, dados metereológicos, bem como humidade relativa no desem-
penho da tecnologia thin-film a-Si, sistema de grelha amarrada, no periodo de Setembro
de 2011 à Setembro 2012. A importância deste estudo está na análise de um sistema foto-
voltaico no seu primeiro ano de operação, afim de percebermos o desempenho inicial,
bem assim como as perdas ocorridas no princípio da vida útil, e avaliarmos os factores
que afectam o seu desempenho. Detalhes na tecnologia fotovoltaica e configuração usada
nesta pesquisa são abordadas nas seguintes secções.

II. EXPERIMENTAL
A importância deste estudo está na análise de um sistema fotovoltaico no primeiro ano
de operação, a fim de compreender o desempenho inicial e perdas acontecendo no princí-
pio da duração do sistema, e para classificar os factores que afectam o seu desempenho.
Um sistema fotovoltaico está localizado na central do Hoji Ya Henda, Luanda, Angola, e
a média de irradiação diária nesta região de Luanda ronda os 4.5 kW h/m2/dia, e altera

XXIX Encontro AULP | 303


ligeiramente de época por época. A média mensal dos níveis de isolação em Luanda con-
forme demonstra a figura 1.

Figura 1 – Média mensal dos níveis de isolação em Luanda

A irradiação solar é medida em kWh/m2/dia num painel solar colocado a um ângulo


de 81o (para o melhor desempenho anual). O nível da radiação solar pode ser um proble-
ma durante a estação chuvosa, quando o céu estiver nublado durante vários dias de segui-
da. Na época chuvosa, a bateria pode não estar completamente carregada num único dia.
O ponto de observação possui as seguintes coordenadas geograficas: Latitude: 8º 51’
25’’ S e Longitude: 13º 17’ 13’’ E, correspondendo a cidade de Luanda-Angola. Neste
sistema fotovoltaico, os módulos fotovoltaicos de película fina à base de silício estão
voltados para o norte, com um ângulo de inclinação de cerca de 30 º.
A figura 2 mostra o sistema de diagrama para recolher e monitorar dados de painéis
solares operantes. Este sistema consiste em vários periféricos conectados a um computa-
dor através de uma interface. A comunicação entre computadores e os periféricos é faci-
litada pela electricidade convertida em energia eléctrica pelo sistema solar fotovoltaico
em permanência através da bateria e do inversor. As estruturas de suporte dos painéis são
de aço galvanizado.

Figura 2 – Diagrama para colheita e monitoramento de dados do painel solar operante

304 | XXIX Encontro AULP


a) sistema de medida do Solarímetros b) anemómetro.

Figura 3 – ilustra a imagem do solarímetros e anemómetro do sistema fotovoltaico experimental.

Os periféricos conectados a interface são:


– Um anemómetro localizado a dez metros de altura para medir a velocidade e a di-
recção do vento,
– Um higrômetro localizado ao nível dos painéis para medir a umidade relativa,
– Um ponto de paragem localizado na placa para medir a temperatura dos módulos,
– Dois solarímetros (Piranômetro): (a) um solarímetro localizado no plano inclinado
dos painéis solares e (b) Um solarímetro localizado no plano horizontal, para medir
a intensidade da radiação geral (W/ m²) com a integração da energia diária. As es-
truturas de suporte do painel são de aço galvanizado com Kipp & Zonen’s Piranô-
metro Modelo CMP6, ISSO 9060 / WMO padrão de primeira classe,
– Dois computadores com impressoras a cores, para imprimir toda informação e mo-
nitorar o sistema,
– Baterias e reguladores,
– Inversor com uma eficiência de 90%.

A fim de testarmos o desempenho do sistema, os dados foram recolhidos em cada


segundo. As gravações destes dados foram colhidas várias vezes numa semana em dife-
rentes intervalos de tempo ao longo do dia. A imagem do programa para a colheita de
dados é ilustrada na figura 4.
O inversor é o segundo componente mais importante de um sistema fotovoltaico liga-
do à rede após o gerador solar. Converte a energia produzida pelo sistema fotovoltaico de
corrente contínua (CC) para corrente alternada de 50 Hz (CA) em conformidade com a
rede eléctrica. Como toda a corrente solar flui através do inversor, as suas propriedades
afectam o comportamento do sistema fotovoltaico [3]. Assim, a eficiência do sistema é
significativamente afectada pela eficiência do inversor. Os inversores não são usados ape-
nas para a conversão de corrente, mas também são usados para garantir que o sistema
funcione nos momentos necessários, como o início da manhã, quando o sol nasce e as
células solares têm energia suficiente para operar [3].

XXIX Encontro AULP | 305


Figura 4 – Programa para colheita de dados

III. DISCUSSÃO E RESULTADOS

3.1. Radiação Solar


A potência de saída de um módulo fotovoltaico baseia-se principalmente em diferen-
tes factores climáticos, tais como: radiação solar incidente no sistema [3], temperaturas
ambiente e celular e humidade. À medida que aumenta a irradiância solar, a corrente de
curto-circuito, a potência máxima e a eficiência de conversão aumentam [4]. Está prova-
do que à medida que a temperatura aumenta, a tensão de circuito aberto diminui, o que
leva à redução da potência máxima [3].

Figura 5 – Potencia de máxima Saída versus Radiação Solar

306 | XXIX Encontro AULP


Um dos principais factores afectando o desempenho dos sistemas fotovoltaicos, in-
cluindo o filme fino, é o montante de radiação pelo qual as células são expostas. A Fig.5
compara a saída máxima de energia do sistema com a irradiação solar. Os pontos de
dados encaixam-se numa relação linear que parece ser a única variável de irradiação
solar que significativamente determina a saída do sistema. Foi demostrado que a saída
do sistema está directamente relacionado ao montante de radiação chegando aos painéis
solares.
Uma visão mais compreensiva desta tendência é ilustrada na figura 6 onde foi
observado que a tensão de circuito aberto aumenta significantemente com maior iso-
lamento, e a corrente de curto-circuito foi grandemente afectada pela quantidade de
radiação do qual o sistema foi exposto, com um grande aumento tal como a irradiação
aumenta. Este dado foi traçado sob temperatura ambiente constante humidade relativa.
Os pontos extremos na figura. 5 indicam a quantidade de radiação flutuante alcançan-
do o sistema devido as nuvens que passam em dias geralmente claros, e remendos re-
pentinos de céu claro num dia nublado. Visto que este é um ambiente de flutuação mui-
to típico, os valores máximos de energia usados para calcular a eficiência são instantâ-
neos, enquanto os valores da radiação solar variam sobre muito poucos segundos e
minutos.

Figura 6. – a. Tensão de circuito aberto; b. corrente de curto circuito com variação da radiação.

3.2. Temperatura
A temperatura ambiente determina a temperatura de operação da célula solar, ava-
liando os dados disponíveis no computador conectado a internet, encontramos vantagem
ao avaliarmos o comportamento do a-Si sob alta temperatura ambiente. Para melhor
compreender o comportamento do sistema de película fina sob variação de temperaturas,
existe uma relação entre a temperatura ambiente da célula solar, considerada na figura 5
versus a temperatura média ambiente do painel. Uma vez que medindo a temperatura
actual das células actuando no campo é difícil, a temperatura dos painéis obtiveram os
seguintes registos:

XXIX Encontro AULP | 307


Figura 7 – Temperatura média do painel Figura 8 – Potência máxima de energia
v/s temperatura ambiente v/s Velocidade do vento

Ao analisarmos o efeito da temperatura no sistema fotovoltaico, foi observado que


ambas a voltagem do circuito aberto e o curto-circuito corrente aumentam ligeiramente a
medida em que a temperatura aumenta para 34oC, e desta forma, diminui à medida que a
temperatura aumenta.
As figuras 7 e 8 fornecem uma visão desta relação entre temperatura e desempenho
dos fotovoltaicos. Foi descoberto que a voltagem de circuito aberto na figura 9, assim
como o curto-circuito corrente na figura 10 não diminuíram quando a temperatura aumen-
tou de acordo com a teoria. Estas mudanças verificadas foram devido a diferenças nos
níveis de irradiação. A maior irradiação solar teve uma maior influência no desempenho
dos módulos do que um aumento na temperatura ambiente.

Figura 9 – Tensão de circuito aberto Figura 10 – Curto-circuito corrente


v/s temperatura ambiente. v/s temperatura ambiente

A tensão de circuito aberto bem como corrente a curto de circuito têm valores máximos
em temperatura ambiente que vai de 30oC à 36o C. Isso implica que houve outra variável
afectando as temperaturas dos painéis. Ao examinarmos os dados metereológicos e compa-
rando aos resultados obtidos, notamos que quando o vento situou-se acima de 2 m/s ou so-
prando em direcção aos lados frontais e laterais do painel, a temperatura registada decresceu

308 | XXIX Encontro AULP


vários graus. Os pontos registados na figura 8 mostram que a saída máxima de energia de-
pende da velocidade do vento devido a ventos lentos, soprando em direcção ao lado de trás
dos painéis. Como resultado, o vento pareceu ter um efeito nas temperaturas dos painéis.

3.3. Humidade
Um estudo de humidade de alta temperatura foi feito nos módulos fotovoltaicos c-Si
PV, e a degradação do seu desempenho devido o início de umidade são discutidas nesta
secção. Quando as células fotovoltaicas são expostas sob humidade a longo, prazo haverá
alguma degradação no desempenho. Foi observado que o alto conteúdo do vapor de água
no ar causa delaminação encapsulante.

Figura 11 – Relação, corrente de Figura 12 – A relação Tensão de


curto-circuito e humidade relativa circuito aberto e humidade relativa

A cidade de Luanda é caracterizada pelas suas temperaturas médias que variam de 26


a 40°C. A figura 13 mostra a relação entre humidade relativa e temperatura do ar no perí-
odo estudado. Quando a humidade relativa aumenta, causa uma redução relativa na tem-
peratura do ar.

Figura 13 – Relação entre humidade relativa e temperatura ambiente

XXIX Encontro AULP | 309


As temperaturas obtidas no verão em Luanda eram adequadas para a operação de
matrizes fotovoltaicas. Portanto, a humidade relativa parece ser o factor dominante afec-
tado que reduz o desempenho fotovoltaico nesta cidade.
A humidade relativa causa uma redução na intensidade solar que reduz a eficiência
resultante de um painel fotovoltaico, tal como revela a figura 14 as reduções na eficiência
do painel fotovoltaico testado foi de cerca de 18 % respectivamente.

Figura 14 – Relação entre humidade relativa e eficiência fotovoltaica

Dos resultados experimentais, é evidente que a humidade relativa tem efeitos signifi-
cantes no desempenho das células a-Si. Isso pode ser explicado ao olharmos para o cir-
cuito equivalente de uma célula solar tal como demostrado na figura 15.

Figura 15 – Circuito equivalente para a célula solar do amorfo.O colector actual Irec significa perdas de
combinação na camada-i

Quando a humidade entra na célula solar, fornece um caminho de derivação adicional


para a corrente da potência. Isto é equivalente a redução de Rp que pode ser uma redução
significante. Quando a corrente é encurtada para medir o Isc, este desvio de manobras irá
desviar alguns dos fotões, correntes Iph gerados da absorção de fotões, resultando numa
redução na Isc medido, tal como verificado experimentalmente.

310 | XXIX Encontro AULP


A redução será ainda mais significativa se Rs aumenta devido a corrosão das almofa-
das de contacto sob exposição de humidade. A degradação da tensão de circuito aberto
Voc é baixa observada experimentalmente, a reducção da corrente de curto circuito, Isc
pode reduzir Potencia, Pmax. Desta feita, a tendência de degradação do Pmax é similar
ao do Isc.
Com o entendimento dos mecanismos de falha das células fotovoltaicas sob ambien-
te de humidade, pode se dizer que quando as células fotovoltaicas estão sob condições
climáticas cíclicas quentes ou frias durante o uso, a delaminação da protecção da camada
de passivação da célula será mais severa, e assim, espera-se que o efeito de degradação
da humidade descrita neste trabalho será pior. Na verdade, deste trabalho, está claro que
uma avaliação de confiabilidade mais precisa das células fotovoltaicas deve ser humida-
de e temperatura cíclica. Para desenvolver a confiabilidade das células fotovoltaicas, a
adesão da camada de passivação na célula deve ser realçada.

3.4. Inverter
A energia máxima produzida pelo sistema foi comparada com a transmitida pelo
inversor afim de calcular a eficiência de toda configuração e verificação da eficiência da
conversão de energia do inversor que foi avaliado em cerca de 90%. Fig. 16 demostra a
energia produzida e convertida com a media calculada de 50% conversão de eficiência.
Foi muito baixa a que tinha sido estimada pelo fabricante. Desta forma, Quando a efici-
ência do sistema foi considerado com o inversor, reduziu em quase 12%, de 4.9% para
4.2%. isto foi duas vezes o montante da redução na eficiência causada pela combina/
ção de factores que incluem, velocidade do vento, aumento da temperatura ambiente,
umidade, eficiência da conversão real de energia do inversor, e uma degradação geral do
sistema.

Figura 16 – Comparação de energia convertida pelo inversor (Pac) e pela energia produzida
pelo sistema fotovoltaico (Pmax).

XXIX Encontro AULP | 311


IV. CONCLUSÃO
Neste estudo, o impacto dos factores ambientais nos parametros de um módulo foto-
voltaico de a-Si, o teste do campo exterior foi quantitativamente analisado. Analisando os
efeitos de diferentes varáveis que afectam o desempenho de um a-Si de película fina, lo-
calizado em ambiente tropical Angolano, observou-se que a irradiação solar teve o seu
maior impacto no desempenho. Isto implica que o factor inesperado tal como acumulação
de pó, irá provavelmente ter um impacto significante no desempenho do sistema ao redu-
zir o montante de luz solar pelo qual os painéis solares são expostos.
O ponto de observação mostra que a corrente de saída é limitada pela menor célula de
componente da corrente. Também, os comportamentos da parte exterior do sistema foto-
voltaico não são completamente entendidos. Uma relação entre a temperatura ambiente e
a saída do sistema foi observada, portanto, a irradiação solar e o efeito Staebler-Wronski
[8] teve uma maior influência na operação do que as mudanças na temperatura ambiente.
A humidade e o vento, também pareceram ter um efeito, mas as variações da humidade
tiveram uma estrita relação com a temperatura, que torna difícil precisar o real impacto da
humidade no seu desempenho.
Finalmente, uma redução considerável no desempenho de toda configuração ocorreu
Quando a energia produzida foi inserida na grelha através do inversor.

REFERENCES
[1] A. Nakajima, M. Ichikawa, T. Sawada, M. Yoshimi, K. Yamamoto, Optimization of device design for
thin-film stacked tandem solar modules in terms of outdoor performance, Jpn. J. Appl. Phys. 43 (2004) L1162.
[2] Antony F, Dürschner C, Remmers K. Photovoltaics for professionals. Berlin: Solarpraxis AG; 2000.
[3] Luque A, Hegedus S. Handbook of photovoltaic science and engineering. Wiley; May 2008.
[4] Staebler D, Wronski C. Applied Physics Letter 1977; 31:292.
[5] Jansen KW, Kadam SB, Groelinger JF. The advantages of amorphous silicon photovoltaic modules in
grid-tied systems. Hawaii, USA: IEEE 4th World Conference on Photovoltaic Energy Conversion; May 2006.
[6] Photon International. Market Survey solar modules 2005; February 2005. pp. 48e67.
[7] Wenham S, Green M, Watt M, Corkish R. Applied photovoltics. London: Earthscan; 2007.
[8] Kolodziej A. Staebler-Wronski effect in amorphous silicon and its alloys. Opto-Electronics Review
2004; 12(1):21e32.

312 | XXIX Encontro AULP


A Rede de Estudos Ambientais dos Países de Língua
Portuguesa REALP: seus objectivos e realizações

João Serôdio de Almeida


Universidade Agostinho Neto; E-mail: [email protected]

Maria Manuela Morais


Dept. de Biologia da Universidade de Évora; E-mail: [email protected]

A Rede Luso Brasileira de Estudos Ambientais – RLBEA foi criada em 1997 no Rio
de Janeiro com o objetivo global de concretizar os termos da Declaração de Lisboa de
1977, através da cooperação científica na área do ambiente e do desenvolvimento susten-
tável, entre Portugal e o Brasil, e com um objetivo específico de implementar um curso de
Mestrado em Gestão e Políticas Ambientais em ambos os países.
Nesse sentido foi estabelecido um protocolo entre diferentes instituições governamen-
tais e universitárias. Pelo lado português assinaram o protocolo a Universidades de Avei-
ro (UA), a Universidade de Évora (UE), a Universidade dos Açores, a Universidade Nova
de Lisboa, o Ministério do Ambiente, e a Junta Nacional de Investigação Científico e
Tecnológico, atual FCT (órgão com vinculo ao Ministério da Educação e Ciência); pelo
lado brasileiro, assinaram o protocolo a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade
Federal do Amazonas (UFAM), a Universidade Federa de Santa Catarina (UFSC), a Uni-
versidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Ministério do Meio Ambiente, o CNPq e a
CAPES.
Dando cumprimento aos objetivos estruturais definidos na sua génese, em 2004 a
RLBEA expandiu as suas atividades para a África lusófona e, naquele ano, incorporou
nas suas atividades, a Universidades Eduardo Mondlane de Moçambique e a Universida-
de de Cabo Verde; mais tarde, em 2009, a Universidade Agostinho Neto de Angola parti-
cipou em vários eventos da Rede. Todavia, apenas, em 2011, durante o XIV Encontro
anual da Rede, realizado em Recife, o Conselho Superior, no âmbito de suas atribuições
protocolares, oficializou, como membros efetivos a Universidade Eduardo Mondlane
(Moçambique), a Universidade Agostinho Neto (Angola), a Universidade de Cabo Verde
e também a Universidade de Lisboa (Portugal). Nesta mesma Reunião, com a adesão dos
novos membros, foi igualmente decidido alterar o nome da Rede para “Rede de Estudos
Ambientais dos Países de Língua Portuguesa – REALP”.
No âmbito das atividades estruturais desta Rede, foi considerado prioritário: (1) con-
tribuir para a preservação do ambiente e para a melhoria da qualidade de vida das popu-
lações, aspeto essencial para o desenvolvimento sustentável das nações e harmonia das
relações internacionais; (2) promover a formação avançada de recursos humanos para a
investigação, a análise, o planeamento e a decisão em questões ambientais; (3) promover
a realização de investigação integrada entre instituições nacionais e internacionais, otimi-

XXIX Encontro AULP | 313


zando os recursos humanos e materiais; (4) reforçar instrumentos de cooperação no do-
mínio do ambiente em linhas de ação prioritárias para os países signatários da declaração
da 1ª Conferência Interministerial sobre Ambiente e Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (Declaração de Lisboa de 1997); (5) contribuir para cooperação científica e
tecnológica através do Convénio Bilateral (CNPq/FCT); (6) promover o intercâmbio aca-
démico e profissional de recursos humanos de alto nível através do programa CAPES/
FCT); (7) possibilitar que outras universidades portuguesas, brasileiras ou da Comunida-
de de Países de Língua Portuguesa (CPLP) pudessem integrar a Rede.
O Protocolo tem assim permitido que ao longo dos anos, se venha consolidando uma
rede de investigação e pós-graduação de abrangência nacional e internacional, através da
realização de projetos de investigação partilhados, de seminários, de intercâmbios e in-
vestigação conjuntas, sobre temas relacionado com o ambiente, com a melhoria da quali-
dade de vida e da inclusão social, na perspetival global do desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, são efetuados encontros anuais; apresentam-se trabalhos, promove-se a
discussão científica e a discussão de linhas de ação para futuros projetos de cooperação
científica e pedagógica.
Presentemente a REALP integra 15 universidades de países de língua portuguesa
(Portugal, Brasil, Angola, Moçambique e Cabo Verde). Integram simultaneamente esta
Rede, o Ministério do Ambiente em Portugal e no Brasil, a Fundação para a Ciência e
Tecnologia de Portugal (FCT) e as congéneres brasileiras CAPES e CNPq.
A REALP está estruturada em dois Conselhos: o Conselho Superior, constituído pelos
Ministros, Reitores e Presidentes das agências de fomento (CAPES, CNPq e FCT); o
Conselho de Coordenadores, composto pelos representantes de cada instituição parceira.
Com uma regularidade anula/bianual este Conselho reúne e delibera sobre as atividades a
desenvolver, tais como sejam a decisão sobre a realização de Encontros técnico-Científi-
cos, seus temas e local. A nível nacional existe ainda uma coordenação que agrega o tra-
balho realizado pelos diferentes parceiros nacionais.
Os resultados da REALP agrupam-se em diferentes tipologias ação tais como sejam:
1) formação académicas; 2) projetos de investigação/desenvolvimento; 3) publicações e
ações de divulgação; 4) mobilidade académica.
Dentro da 1ª tipologia (formação académica), destacam-se entre outras: (a) o Mestra-
do em Política e Gestão Ambiental em Portugal; (b) o Mestrado em Desenvolvimento e
Meio Ambiente da UFPE; (c) Encontros anuais onde são trocadas experiências pedagógi-
cas, apresentados e discutidos trabalhos de investigação de interesse comum; (d) Partilha
na orientação de trabalhos de Mestrado, Doutoramento (doutoramentos sanduiche) e Pós-
-Doc; (e) o Doutoramento Internacional na Universidade de Cabo Verde em Gestão e
Políticas Ambientais; (f) a implementação do Doutoramento Internacional na Universida-
de Agostinho Neto e na Universidade Eduardo Mondlane em Gestão e Políticas Ambien-
tais (ambos em fase de implementação).
No âmbito da 2ª tipologia (projetos de investigação/desenvolvimento), foram realiza-
dos vários projetos de cooperação, com destaque para a área dos recursos hídricos e es-
cassez hídrica.
Em termos de publicações e ações de divulgação (3ª tipologia de ações) saliente-se a
organização e edição de 3 livros, a publicação de artigos científicos em revistas indexadas

314 | XXIX Encontro AULP


de circulação internacional da autoria de membros de diferentes instituições e países, a
publicação da Newsletter da REALP com 18 números editados e o site da REALP http://
www.reaplp.uevora.pt/.
No âmbito da 4ª tipologia de ações (promoção da mobilidade académica), destaca-se
a criação do consórcio AMIGO constituído pelas instituições de ensino português da
REALP para concorrer ao programa ERASMUS+ direcionado para o financiamento de
mobilidades de professores, estudantes e staff técnico para os países membros da REALP
(Brasil, Angola, Cabo Verde, Moçambique). Os resultados da candidatura para 2019/20,
recentemente divulgados, vão garantir a realização de 31 mobilidades (in e out), consoli-
dando-se desta forma o intercâmbio académico de recursos humanos, para partilha de
conhecimento e consolidação de estratégias eficazes de pedagogia, direcionadas para a
área do ambiente na sua abrangência interdisciplinares.
O plano estratégico da REALP para os próximos 4 anos, definido na última reunião do
Conselho de Coordenadores realizada em Maio de 2019 no Namibe, Angola, integra a
promoção de diferentes atividades inseridas nas 4 tipologias de ação, tais como sejam, por
exemplo, a implementação de cursos de formação de curta duração, de novos Mestrados
e Doutoramentos, e a criação de um laboratório de Limnologia nas instalações da Barra-
gem de Capanda (rio Kwanza), Angola. As ações a desenvolver serão sempre programa-
das tendo em consideração o Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Uni-
das sobre Mudança do Clima e dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável constantes
da Agenda 2030 da ONU.

XXIX Encontro AULP | 315


Educação das comunidades sobre a utilização dos rios
como fontes de água para consumo, com vista à
promoção de saúde em Moçambique

Agnes Clotilde Novela


Universidade Pedagógica, Faculdade de Ciências Naturais e Matemática ([email protected]) Maputo/Moçambique
E-mail: [email protected]

1. Introdução
A promoção de saúde, garante condições de vida e de trabalho seguros. De acordo
com a OMS (organização Mundial de Saúde), a saúde é definida como estado de comple-
to bem estar, físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doenças. Esta defi-
nição é enfatizada na conferência de Alma-Ata. A saúde é um direito humano fundamen-
tal, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante meta
social, cuja realização requer a ação de muitos outros setores.
De acordo com a carta de Ottawa, os pré-requisitos e as perspectivas para a promoção
de saúde, é o envolvimento dos diversos sectores, como Educação, Habitação, Agricultu-
ra, obras públicas, entre outras. Entretanto, a abordagem nesta comunicação será em vol-
ta do sector da Educação, minha área de actuação.
A Educação e Saúde são sectores chave para a continuidade de uma nação. Todos os
aspectos inerentes a educação e as mudanças a ele sujeitos têm em vista a criação de um
mundo melhor onde homens, mulheres e crianças possam viver em harmonia, não só
entre sí, mas entre estes e o meio ambiente que os rodeia. A relação entre os humanos e
entre estes com o ambiente é determinado não apenas socialmente, mas em grande medi-
da pela cultura. O conjunto de crenças, hábitos e custumes, passados de geração em ge-
ração ao longo dos tempos pode até certo ponto colocar em risco a saúde de uma uma
comunidade ou de um povo. A carta de Otawa (1986), refere que os factores culturais
podem favorecer, assim como prejudicar a saúde.
A declaração de Alma-Ata (1978), sobre os cuidados primários de saúde, destaca mais
uma vez a educação como um dos sectores que deve estar envolvido na ação de promoção
de saúde das comunidades, do ponto de vista de consciencialização e sensibilização dos
povos para a adopção de práticas culturais saudáveis como forma de prevenir-se das do-
enças. É também considerada pela carta de Otawa (1986) como um dos pré-requisitos
para a promoção de sáude.
Durante as actividades de pesquisa universitária, realizadas por estudantes no âmbito
das actividades curriculares sobre a Educação ambiental, constatou-se que uma comuni-
dade residente no interior do parque nacional do limpopo, possuia um hábito cultural de
fecalismo a céu aberto, pois de acordo com os seus argumentos as fezes dos diferentes
membros de uma família nunca se devem misturar. Esta prática é também notória em al-
gumas zonas costeiras do nosso país, como é o caso de Cabo Delgado, onde as popula-

XXIX Encontro AULP | 317


ções saem das suas residências até a beira das praias para satisfazerem as suas necessida-
des biológicas. Esta prática durou anos naquele ponto do país, porém com as acções de
Educação ambiental reduziu significativamente. Entretanto, dados do UNICEF, indicam
que 40% da população moçambicana pratica o fecalismo a céu aberto. Este é um hábito
culturalmente aceite naquela comunidade, porém ambientalmente incorrecto, pois perriga
a saúde pública. Foi possível constatar que estas comunidades não aceitariam de forma
fácil a mudança, pois eles crêem nesta prática e não imaginam a possibilidade de constru-
ção de latrinas em suas residências. Em algumas regiões do sul do país, esta prática pode
ser verificada à beira dos rios (será cultura?), onde a população tem a fonte de água para
o consumo e para o cuidado de sua higiene pessoal.
De acordo com os especialistas em antropologia, não existe entre os povos uma cultura
melhor que a outra, elas são apenas diferentes, entretanto do ponto de vista ambiental e
de saúde pública, podemos considerar algumas práticas culturais não aceites. “o processo
saúde-doença constitui uma expressão particular do processo geral da vida social” (Breilh)
e de acordo Diener (1984), a presença ou ausência de doença é um problema pessoal e
social. É com base nesta problemática acima apresentada que surge a questão principal:
De que forma a Educação pode contribuir para as mudanças culturais, com vista a
promoção de Saúde nos povos do mundo Lusófono?

Objectivo: Com este estudo pretende-se trazer uma reflexão sobre o papel das Uni-
versidades na mudança de algumas práticas nas comunidades, com vista a promoção de
Saúde em Moçambique

2. Fundamentação Teórica
A Educação é o caminho pelo qual poderá encontrar-se mudanças por meio de acções
dos estudantes nas comunidades. Estas acções podem ser por forma de implementação de
projectos que criem mudanças nos estilos de vida das populações e promovam a saúde
(Vilaça, 2014). Para além do desenvolvimento científico do Homem, as universidades
tem o papel de apoiar as comunidades na resolução de problemas como forma de tornar
melhor a vida das mesmas, por isso deve doptar os seus estudantes de habilidades para
realizarem acções reflexivas, individual ou colectivamente (Vilaça & Mabote, 2016) e
criarem mudanças positivas nos estilos de vida.
Um dos grandes problemas enfrentados pelas comunidades viventes em países em via
de desenvolvimento ou destruidos quer por causas naturais ou antropogénicas (guerras),
é o acesso a água potável. A água consumida por milhares de pessoas em todo mundo é
imprópria (sem nenhum tratamento prévio), retirada em poços ou rios. O UNICEF (2015),
estima que cerca de 748 milhões de pessoas em todo mundo não tem acesso a água potá-
vel e esta é apontada pela OMS, como a causa de cerca de 3,5 milhões de mortes. Estas
mortes estão associadas ao consumo de água contaminada principalmente por agentes
microbiológicos patogénicos de origem fecal. Muitas populações rurais ignoram este fac-
to, muitas vezes por falta de alternativas hídricas para satisfazerem as suas necessidades,
mas algumas vezes por suas próprias práticas, consideradas culturais. As universidades
não conseguiriam criar fontes de água potável, mesmo se assim desejassem, tampouco
levar as populações à regiões acessíveis a água potável, pois estas são questões governa-

318 | XXIX Encontro AULP


mentais dos países, mas com as pesquisas nelas desenvolvidas podem conseguir desen-
volver projectos virados a resolução deste problema real (Vilaça & Mabote, 2016).
Vários são os estudos desenvolvidos sobre a análise microbiológica da água consumi-
da pelas populações em Moçambique, cujos resultados mostram que esta apresenta níveis
elevados de contaminantes biológicos, tornando-se assim imprópria para o consumo.
Entretanto a população continua consumindo a água contaminada, pois os resultados des-
tes estudos não chegam às comunidades envolvidas, como forma de criar mudanças no
modo de vida com vista a garantir uma segurança alimentar e à promoção de saúde.

3. Metodologia
As Universidades desempenham um papel fundamental no ensino, pesquisa e extensão
dos conhecimentos produzidos para a sociedade, com vista a ajudar na solução dos mais
variados problemas que exitem e a melhorar as condições de vida da sociedade. É neste âm-
bito, de pesquisa, que foram desenvolvidos dois estudos por estudantes da Universidade
Pedagógica de Moçambique, com o objectivo de analisar a qualidade microbiológica da água
consumida pela população de dois postos administrativos de um dos distritos da Província de
Maputo, pois nestas regiões são observadas algumas prácticas que muito provavelmente
contaminam as águas e que culminam com o surgimento de doenças. O primeiro estudo,
sobre a análise de coliformes fecais e totais das águas do rio Sabié e o outro com os mesmos
parâmetros de análise nas águas do rio Incomati. O primeiro Estudo teve duas etapas:
1ª Etapa: Estudo com a População do Posto Administrativo de Matucanhane,
Distrito de Moamba
Esta etapa baseou-se em inquérito à uma amostra de 41 famílias, sobre os seus hábi-
tos, no concernente à fonte de água para as suas necessidades, sobre os seus cuidados de
higiene e ainda sobre os cuidados que têm com água que é usada para o consumo.
2ª Etapa: Análise Laboratorial de Amostras de Água Retirada dos Rios acima
Referidos
Foram colhidas três amostras de água, sendo duas nos dois leitos do rio e uma no meio
do leito, em frascos estéreis de 250ml. Esta colheita foi efectuada em três dias dferentes.

4. Resultados
4.1. Resultados do Inquérito à População
Da primeira etapa do estudo, sobre os hábitos da população em relação a água alguns
resultados estão apresentados nas tabelas seguintes:

Tabela 1 – Fonte de Água para o Consumo

Pergunta N.º 2 : Onde buscam a agua para o consumo?


Resposta Nº de Respostas Percentagem (%)
Rio 41 100.00
Poço 0 0.00
Torneira 0 00.00
Outro 0 00.00
Total Inquiridos 41 100

XXIX Encontro AULP | 319


Tabela 2 – Métodos de Tratamento de Água

Pergunta N.º 7: Quais são os métodos usados na escola para tratar água do consumo?
Respostas Nº de Respostas Percentagem (%)
Fervura 4 9.70
Adicionar certeza 12 29.20
Nenhum 25 60.90
Total das respostas 41 –
Total Inquiridos 41 100

Os quadros 1 e 2, mostram respectivamente que 100% das famílias inqueridas no


posto administrativo de matucanhane tem o rio Sabié como a fonte de água para o consu-
mo, e uma boa parte não usa nenhum método para o tratamento da mesma, alguns por
desconhecimento entretanto dos que conhecem e não usam nenhum (60.9%), pode ser por
razões de carência de condições para o efeito.
Existem nesta região alguns indivíduos com a prática de fecalismo a céu aberto
(36.5%). O espaço usado é vasto, podendo ser nas matas às proximidades das residências
e também próximo do rio.

4.2. Resultados das Análises Laboratoriais


Feitas as análises laboratoriais verificou-se a existência de coliformes fecais, que são
um indicador de contaminação fecal da água. Um dos indicadores de contaminação fecal
é a bactéria Escherichia coli, nem sempre patogénica, porém a sua presença na água é um
indicador de que a água pode conter outros microorganismos patogénicos de origem fecal
oriundos dos intestinos de animais de sangue quente, incluindo o Homem. Estes aspectos
são coroborados por Valsechi (2006), ao afirmar que o grupo de coliformes são indicado-
res da contaminação fecal da água, onde a E. coli é a representante por ser unicamente de
origem fecal. A E.coli está entre as mais variadas bactérias que contaminam a água (Hirai,
2013), sendo esta a causa de várias doenças de origem hídrica.

5. Conclusão
A população da localidade envolvida no estudo (Matucanhane), depende totalmente
do rio, como fonte de água para o consumo. Porém, de acordo com os parâmetros estabe-
lecidos pelo MISAU (Ministério da Saúde), a água dos rios Sabié, no posto administrati-
vo de Matucanhane e Incomati, no posto administrativo de Moamba Sede, é imprópria
para o consumo humano, pois apresenta níveis de contaminação por coliformes fecais.
Esta população não conhece os métodos de tratamento da água para o consumo. Al-
guns por questões ligadas aos hábitos não os adoptam.
Diante desta grande conclusão, a população destas localidades deverá adoptar medi-
das para o tratamento de água que consome, bem como mudar algumas práticas, tais
como fecalismo a céu aberto, cuidados de higiene pessoal e colectiva próximo às fontes
de água para o consumo, pois os rios são o único recurso de água de que a população rural
dispõe. Esta mudança só será possivel se houver o envolvimento da comunidade acadé-
mica nas comunidades, como forma de apoiar o sistema de saúde na prevenção de doen-
ças.

320 | XXIX Encontro AULP


Referências
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XXIX Encontro AULP | 321


Reconhecimento das espécies de moluscos dulçaquicolas,
sua distribuição na província do Uíge e o seu papel como
vector de agentes patogénicos com repercussões em saúde e
na economia

Maria de Fátima
Escola Superior Politecnica do Uíge (ESPU) UNIKIVI

Isidoro Mebinda Quitoco


Escola Superior Politecnica do Uíge (ESPU) UNIKIVI

Cabita Pedro Menga


Escola Superior Politecnica do Uíge (ESPU) UNIKIVI

Fernanda Henriques de Jesus Rosa


Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, Portugal

INTRODUÇÃO
A schistosomiase é uma das parasitoses mais prevalentes no mundo, sendo endêmica
em 76 países na África, Ásia e América. Estima-se que cerca de 200 milhões de pessoas
se encontram infectadas enquanto outras centenas de milhões vivem em zonas endêmi-
cas, expostas a infecção e cerca de 20.000 pessoas morrem anualmente devido a doenças
associadas, como cancro urogenital e fibrose (2) A schistosomiase urogenital e a intestinal
são doenças endêmicas em Angola. A OMS (Organização Mundial da Saúde) calcula que
11.3 milhões de pessoas em Angola estejam em risco de contrair schistosomiase. Contudo
estas estimativas assentam em poucos estudos epidemiológicos e os dados não são reco-
lhidos de forma sistemática (1).
Em Angola os estudos mais recentes incidem principalmente sobre o reconhecimento
e prevalência da infecção de Schistosoma haematobium em várias populações (3, Cardo-
so, 2010, 4, Sousa-Figueiredo et al., 2010) e nas suas repercussões no desenvolvimento
de patologias genito-urinárias (5, Figueiredo et al., 2013, 6, Figueiredo, 2014, 7, Botelho
et al., 2015, 8, Santos et al., 2015, 9, Grácio, 2018). Embora também existam já estudos
antrpológicos sobre a importância dos significados e ações associados à infecção por es-
quistosomas na região do Bengo (10, Maghema, 2010).
No que se refere ao papel que moluscos dulçaquícolas, potenciais hospedeiros inter-
mediários destes parasitas, em Angola, depois do trabalho de Cristopher A.Wright em
1963, Allan et al. (2017) publicaram o estudo mais recente, sobre os moluscos existentes
nas regiões do Bengo, Cuanza Norte e Malange, salientando os responsáveis pela trans-
missão de S. haematobium como sendo Bulinus globosus.
Relativamente às infecções animais os estudos mais recentes tratam essencialmente
dos prezuízos económicos devido às infecções por Fasciola spp. (11, Noel et al., 2013),
não existem estudos epidemiológicos sobre os moluscos hospedeiros intermediários des-
te tramatódeo, que também pode infectar o homem.

XXIX Encontro AULP | 323


Materiais e Métodos
Recolha de caracóis
O estudo foi realizado na província do Uíge, mais precisamente no município do
Uíge, Songo, Negage, Ambuíla e Quitexe as colheitas foram feitas entre 2015 e 2016
entre os meses de Maio a Setembro. Foi selecionado este período do ano por ser uma
época em que os cursos de água, rios e riachos e lagoas, tem menor corrente, as águas são
relativamente mais calmas, mais límpidas permitindo maior visibilidade, por outro lado
os caracóis hospedeiros intermediários têm preferencia para as águas mais calmas das
margens próximo das pedras ou em algas que lhes serve de suporte e de alimento.
A pesquisa de caracóis foi realizada por uma equipa de campos treinados, que analisou
as massas de água com recursos a um protocolo padrão, por colheita manual. Esta equipa
foi treinada em matéria de saúde e segurança, na medida em que cada massa de água é um
local de potencial transmissão da schistosomíase, o contacto direito com as águas deveria
ser evitado, mediante o uso de botas a prova de água, luvas resistentes e o uso de pinças
que facilitou a colheita. O tempo de amostragem foi fixado em 20 a 30 minutos por cada
ponto ou local e foi realizado entre 08:30 hs e 14:30 hs, nos locais onde existia ponte, estes
eram vistos os dois lados do curso da água e designados em ponto 1 e ponto 2. A cada co-
leta, os caracóis de cada local eram adequadamente rotulados, identificados de acordo o
ponto de colheita e transportados em frascos plásticos com tampas até ao Laboratório.
No laboratório os caracóis eram separados em grupos de 7 por cada posto, tendo sido
utilizado para tal copos de vidro devidamente etiquetados figura 1, cobertos com papel
aderente com a água da mesma fonte do local de coleta ou água da fonte do campus. Du-
rante o tempo de exposição a luz os caracóis eram alimentados com folhas de alface
previamente tratado em água morna e expostas a secagem, depois de secas eram distribu-
ídos pelos copos, evitando assim a morte prematura dos caracóis.
Após 24 horas de exposição á luz artificial ou natural, eram colocados individualmente
em placas de Petri, para permitir melhor observação das larvas libertas e induzir a elimina-
ção de cercarias. Aos Caracóis que não eliminaram cercárias na primeira exposição, troca-
va-se a água e eram re-expostos no segundo dia a luz artificial e novamente observados.
Os caracóis foram identificados ao nível das espécies com base nas características
morfológicas da concha usando chaves padrão. Caracóis eram armazenados em álcool a
70% para análise prospectiva em laboratórios com mais recursos para identificação das
espécies com recursos as técnicas de biologia molecular.

Figura 1 – Separação das amostras após colheita

324 | XXIX Encontro AULP


Características ambientais e físico-químicas
Durante as colheitas foram registadas variáveis ambientais e físico-químicas sugeri-
dos como importantes para a distribuição dos caracóis de água doce. Nesse sentido, regis-
tramos cobertura vegetal e presença de massas de algas. As características físico-químicas
da água em cada local de amostragem, incluindo pH e temperatura, foram determinadas
usando um medidor de pH com um eletrodo de vidro e uma sonda de temperatura.
As espécies foram coletadas em locais de amostragem diferentes, ao longo das mar-
gens dos lagos, rios, riachos, nascentes, foram selecionados locais bastante frequentados
pela população nas suas varias actividades, lavar, banho, lavar motorizadas, transportar
água, encher cisternas e até aos locais de actividade de demolhar a mandioca (bombecar)

Resultados
Apresentamos os resultados preliminares de uma pesquisa cujas as colheitas foram
realizadas entre o período de 2015 e 2016 entre os meses de Maio a Setembro em 4 mu-
nicípios da província do Uíge sendo estes Songo, Ambuíla, Uíge, Quitexe e Negage.
Foram visitados 52 biótipos. As caraterísticas físicas e demostra que a temperatura da
água varia entre 19ºC e 23ºC e o Ph entre 3,5 e 9.1 (tabela 1), foram observados presen-
ça de plantas em cerca e 70% dos lacais visitados. A vegetação mais prevalente observa-
da em todos os 52 locais foi capim (57%), plantas macrófitas (52%), nenúfares (37%),
juncos (35%) e jacintos de água (13%) essencialmente em cursos de água da periferia da
cidade do Uíge. Foram observados nas correntes de Água do município do Uíge como
Candombe, Piscina uma grande quantidade de plástico, latas e outros poluentes como
ilustra figura 2

Figura 2 – pontos de colheita Rio Candombe

Foram colectados um total de 823 espécimes incluindo os três gêneros mais importan-
tes Biomphalaria, Bullinus, Lymnea e outras menos conhecidas mais nem por isso em
menor quantidade, como distribuído na tabela 1.

XXIX Encontro AULP | 325


Tabela 5 – Caraterização físico-químico dos biótipos e da biomassa

Nome da linha de Tipo de Presença


Município Bairro água Biótopo pH água Temp de
caracois
Uige Quindenuco Rio Quindenuco riacho 6,4 22,5ºC 4
Uige Mbemba Ngangu Rio Nkulu riacho 7,4 23ºC 2
Uige Pedreira Piscina lagoa 7,4 20ºC 6
Uige Candombe Rio Candombe riacho 7,4 22ºC 6
Uige Capote Rio Candombe riacho 7,4 23ºC 5
Uige Benvindo Rio Candombe riacho 7,3 21ºC 4
Damba 1ª ponte Rio Lueca riacho 5,5 22ºC 0
Damba (Escola 1º nº 86) Rio Lufululu riacho 5,1 21ºC 0
Damba Kinteka Rio Minguedi nascente 4,3 22ºC 0
Damba Kinteka Rio Mtzombi nascentes 3,5 22ºC 0
Damba Kinteka Rio Lucenga riacho 3,9 23ºC 0
Ambuila Ambuila Mantoyo Riacho 7,5 20ºC 15
Ambuila Terra Mãe Sanga Malavo Riacho 7,3 20ºC 8
Ambuila Kissengui Ndongo Rio 6,6 21ºC 0
Ambuila Nduizo Nduizu Nascente 7,1 21ºC 27
Ambuila kimbambi Matamba Nascente 7,9 22ºC 52
Ambuila Terra Mãe Nsimba Riacho 6,9 23ºC 6
Ambuila Nsumbi Luau Riacho 7,6 23ºC 4
Ambuila Nsadi Luinga Riacho 7,2 22ºC 19
Songo Captação de Água Rio Dino Nascente 8,4 19°C 70
Songo Kinekuna Mufututu Riacho 7,6 20°c 46
Songo Songo Nsamba Riacho 6,5 22ºC 39
Songo Mansoko Mansoco Riacho 8.3 20ºC 12
Cassexe Cassexe Tsangui Riacho 7.8 23.1 °C 10
Cassexe Fazenda Local de Bombecar Riacho 8.0 23.1 °C 5
Cassexe Fazenda Candangue Riacho 8.2 24 °C 0
Cassexe Cassexe Kamanssoco Rio 8.1 22.5 °C 9
Cassexe Cassexe Quissaça riacho 8.3 22.5 °C 4
Cassexe Perto da Universidade Ndunga Nkoko riacho 8.4 27.4 °C 9
Cassexe Catorze Bolongonso riacho 8.1 24.0 °C 11
Songo II Vez Nganga Ndombe Nganga Ndombe Riacho 8.9 22.4 °C 10
Songo II Vez Captação de Água Dino Nascente 8.2 24.8 °C 76
Songo II Vez Kinekuna Ndunta/ Mufututu Riacho 8.0 24.2 °C 25
Songo II Vez Songo Nsamba Riacho 8.5 23.3 °C 36
Songo II Vez Mansoko Mansoko Riacho 8 22.5 °C 10
Negage Cacongolo Cacongolo Riacho 8.6 23.5 °C 25
Negage Caua Cáua Riacho 7.6 23.5 °C 45
Negage Lulovo Riacho 8.2 23.5 °C 20
Negage Camagi Camagi Riacho 6.3 23.5 °C 13
Negage Cesse Cesse Nascente 8.1 23.5 °C 0
Negage Lago Caluquele lagoa 6.0 27.0 °C 0
Quitexe Dambi / Lagoa Feitiço Ngindo Riacho 8.8 21 °C 7
Quitexe Dambi / Lagoa Feitiço Ngindo Riacho 8.8 21.1 °C 3
Quitexe Dambi / Lagoa Feitiço Ngindo Riacho 8.4 20.4 °C 0
Quitexe Dambi / Lagoa Feitiço Ngindo/ ponte manilia Riacho 8.2 20.2 °C 50
Quitexe Dambi/ Lagoa Feitiço Luegi Riacho 7.7 21.5 °C 10
Quitexe Dambi/ Lagoa Feitiço Njiu Riacho 8.8 21.6 °C 10
Quitexe Dambi/ Lagoa Feitiço Njiu Riacho 9.1 22.2 °C 60
Quitexe Dambi / Lagoa Feitiço Nsamba riacho 9 22.5 °C 12
Quitexe Roça castelo Loée/ Roça Castelo riacho 9.1 22.8 °C 12
Quitexe Roça castelo Loge Rio 8.7 22.8 °C 14
Quitexe Roça castelo Kanga riacho 8.3 23.8 °C 12

326 | XXIX Encontro AULP


Presença dos Caracóis
Dos 52 biótipos visitados foram encontrados caracóis do pertencentes a 4 famílias
da classe Gastropoda, distribuídas em 7 gêneros. Sendo gênero Biomplalaria, Lymnaea,
Bullinus, Brotia, Melanoides e Thiara encontrados no município do Songo em grande
quantidade na estação de captação da água locais a coexistência de pessoas e animais.

A) Brotia B) Melanoides

D) Lymnea Spp E) Bullinus F) Physa

G) Biomphalaria

Figura 3 – caracóis recolhidos em diferentes pontos

Eliminação de larvas
Das espécies de caracóis colheitas depois da exposição a luz poucas eliminaram cer-
carias tendo encontrado apenas 10 caracóis que eliminaram larvas. As larvas eliminadas
possuíam bastante vitalidade depois de mortas fazendo recurso a literatura espécie dispo-
nível a classificamos como xifidiocercaria. A cercaria e alongada ovalada incolor e espi-
nhosa, o otario oral é circular e seu estilete é inserido no tecto do otario oral, a pré faringe
é muito curto, o genital primordial é globular a cauda é esbelta.

XXIX Encontro AULP | 327


Figura 4 – larva expelida por caracóis

Conclusões
Os resultados preliminares do presente trabalho indicam a presença de caracóis em
todos os municípios e locais visitados. Na província do Uíge ao contrário de estudos rea-
lizados e reportados por outros autores foram encontrados caracóis em zonas urbanas e
periféricas da cidade do Uíge onde os rios e riachos apresentam-se bastante contaminados
de matérias inertes como plásticos, latas material lodoso em abundância e sugere que os
padrões de transmissão estão intimamente relacionados à abundância e distribuição espa-
cial de caracóis vectores.
Foram encontradas outras espécies de caracóis os do gênero Brotia, Melanoides, e do
gênero Thiara não reportados pelo estudo recente de Fiona et all 2017
Podemos notar que maioria dos caracóis não expeliam larvas, mas alguns essencial-
mente proveniente do município do Songo e Ambuíla expeliram cercarias.
Os locais com maior população de caracóis em termos de abundancia foi o município
do Songo seguido do município de Ambuíla.

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328 | XXIX Encontro AULP


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XXIX Encontro AULP | 329


Análise de dados climáticos e índices de vegetação na
distribuição epidemiológica da Malária no Município do
Huambo (Huambo-Angola)

Isaú Alfredo B. Quissindo


Universidade José Eduardo dos Santos / Huambo-Angola. Laboratório de Sistemas de
Informação Geográfica e Detecção Remota da Faculdade de Ciências Agrárias – UJES.
E-mail para correspondência: [email protected]

Virgínia Lacerda Quartin


Universidade José Eduardo dos Santos / Huambo-Angola

1. INTRODUÇÃO
A malária representa um grande problema de saúde pública nas regiões tropicais e
subtropicais devido ao seu endemismo nestas zonas, favorecido pela abundância de
precipitação, altas temperaturas e grande quantidade de águas estagnadas. Constitui uma
das principais causas de morte na África subsaariana e, particularmente, em Angola
(UNICEF, 2008).
A doença é um importante problema de saúde pública e a principal causa de morbi-
lidade e mortalidade em Angola (Gosoniu et al., 2010). Em 2004, foram notificados
3,2 milhões de casos de malária, dois terços dos quais ocorreram em crianças com menos
de 5 anos de idade (Rowe et al. 2009; UNICEF, 2008).
O Huambo tem sentido as consequências desta doença e o governo local tem imple-
mentado programas de prevenção e combate.
Os factores ambientais relacionados com o NDVI têm sido considerados na determi-
nação da taxa de ocorrência de malária quer nas populações residentes nestas zonas como
entre viajantes não imunes (Haddawy et al., 2018).
Devido a natureza e ecologia do mosquito Anopheles1 (sobretudo a fêmea – vector
transmissor do causador da malária, Plasmodium falciparum), o clima tem uma forte in-
fluência sobre a sua capacidade de sobreviver, por isso, a temperatura, humidade, preci-
pitação, elevação, vegetação e águas residuais são importantes determinantes da trans-
missão da malária. Vários estudos mostraram a associação entre factores ambientais e
ocorrência de malária em populações autóctones (UNICEF, 2008; Haddawy et al., 2018).
Pelo facto de os métodos entomológicos serem muito difíceis de implementar, indicado-
res baseados em tecnologia de detecção remota têm sido utilizados como variáveis subs-
titutas para avaliar a densidade dos mosquitos. Entre esses indicadores utilizados em apli-

1. O anofeles, melga, mosquito-prego ou simplesmente mosquito, é um género de mosquito com ampla dis-
tribuição mundial, presente nas regiões tropicais e subtropicais, incluindo Portugal, Brasil, China, Índia e Áfri-
ca. É o agente transmissor da malária e, em alguns casos, da filariose.

XXIX Encontro AULP | 331


cações de saúde humana, o NDVI tem sido o índice mais comum em ocorrência de casos
clínicos de malária (Shililu et al., 2003).
O pioneiro na técnica de representação espacial de doenças ou factores que as favore-
cem foi o físico e médico inglês John Snow que, em 1984 em Londres, estabeleceu
uma correlação entre a ocorrência da cólera e as fontes de abastecimento de água. Snow,
baseando-se em mapas de distribuição da ocorrência dos óbitos causados pela cólera e
dos poços de água, identificou a fonte da epidemia (poço de água da Broad Street). Nos
meses subsequentes às suas recomendações, houve uma diminuição considerável da taxa
de letalidade da cólera.
Assim, o principal objectivo deste trabalho é analisar espacialmente os factores climá-
ticos e índice de vegetação relacionados com a distribuição de zonas mais propensas a
ocorrência da malária no Município do Huambo (Angola) mediante a utilização de dados
e ferramentas de SIG e DR.

2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1. Área de estudo
O estudo foi realizado no Município capital da Província do Huambo que leva o mes-
mo nome (Fig. 1), área que apresenta um clima alternante húmido e seco por influência
da altitude (acima de 1774 m), a temperatura mínima é de 7ºC e a máxima de 30ºC, mar-
cada por duas estações com temperaturas médias anuais de cerca de 19ºC (Diebel et al.,
2019; Nhamba, 2016); possuindo assim um clima Tropical de Altitude (Cwb) ou Clima
Oceânico (Cwb), caracterizado por época chuvosa e quente com noites amenas e dias
relativamente quentes e época seca e fria (cacimbo) com dias amenos e noites relativa-
mente frias (Quissindo et al., 2016; Diebel et al., 2019).

Figura 1 – Localização da área de estudo

A município do Huambo (designada por Nova Lisboa entre 1928 e 1975), ocupa uma
área de 2 609 km² e tem cerca de 1 204 000 habitantes (Ceita, 2014). É limitada a Norte
pelo município do Bailundo, a Este pelo município de Chicala-Choloanga, a Sul pelo

332 | XXIX Encontro AULP


município do Chipindo, e a Oeste pelos municípios de Caála e Ecunha (Fig. 1). É consti-
tuído pelas comunas de Chipipa, Huambo e Calima (Matos, 2005; Neto, 2012).
O município tem uma forte tradição académica, motivo pelo qual atribuiu a uma de
suas zonas a designação de Bairro Académico, local onde se encontra o Hospital Regional
do Huambo, que cedeu os dados de registo anual de casos de malária.

2.2. Colecta de dados geoespaciais


Os dados geoespaciais processados e analisados no Laboratório de Sistemas de Infor-
mação Geográfica e Detecção Remota da Faculdade de Ciências Agrárias da Universida-
de José Eduardo dos Santos / Huambo-Angola foram adquiridos a partir dos seguintes
servidores web:
• Map library para descarga de dados vectoriais com informação de divisão política
administrativa;
• Worldclim para a descarga de dados climáticos;
• International Research Institute for Climate and Society (IRI) e Lamont-Doherty
Earth Observatory (LDEO) para aquisição de informação sobre índice de vegeta-
ção;
• European Space Agency (ESA) para a descarga de dados de uso do solo.

2.3. Metodologia
Índice de Vegetação de Diferença Normalizada
O NDVI (da sigla inglesa Normalized Difference Vegetation Index) obtido a partir do
IRI / LDEO foi calculado conforme proposto por Jensen (1996):

NDVI = (NIR – Red) / (NIR + Red)


NDVI – Índice de Vegetação de Diferença Normalizada;
NIR – Refletância no comprimento de onda correspondente ao Infra-Vermelho Próximo (0,76 a 0,90 μm);
Red – Refletância no comprimento de onda correspondente ao Vermelho (0,63 a 0,69μm).

Este índice de vegetação (que varia entre –1 e 1) é um indicador útil na análise de


presença ou ausência de vegetação ou biomassa e da actividade fotossintética. Embora
muito utilizado na agricultura, silvicultura e meio ambiente (Huete et al., 2002; Fensholt
& Proud, 2012), também foi utilizado por vários autores (Gurgel, 2003; Gosoniu et al.,
2006; Haddawy et al., 2018; Grover-Kopec et al., 2006) para criar representações visuais
de indicadores de zonas potenciais e propensas à ocorrência de malária.
Assim, baseando-nos na metodologia de Grover-Kopec et al. (2006), utilizando os
dados colhidos em campo (hospital, bairros e ruas) juntamente com a informação geoes-
pacial (dados climáticos e de vegetação) processada em softwares SIG foi possível iden-
tificar e fundamentar as possíveis causas de ocorrência da doença em algumas zonas
comparativamente com outras. Esta metodologia permitiu alcançar os resultados descri-
tos e fundamentados nos parágrafos seguintes.

XXIX Encontro AULP | 333


3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1. Análise de variáveis biofísicas no município do Huambo relacionadas com a
epidemia da malária
3.1.1. Cartografia temática, dados climáticos e cotas de altitudes do município do
Huambo
Registou-se maior valor de precipitação média anual no noroeste e sobretudo no cen-
tro do município, que corresponde à zona urbana, tendo em conta o mapa de uso e ocupa-
ção do solo (Fig. 2a).
O mapa de precipitação média anual do Município do Huambo (Fig. 2b) apresenta
valores que variam entre os 1000 – 1200 mm de água por ano. Registaram-se valores mais
altos de precipitação média anual em zonas com maior altitude, devido a relação entre as
duas variáveis e, possivelmente, pelo surgimento de chuvas orográficas, além da existên-
cia de muita vegetação no Município (Fig. 2a).
A presença de vegetação nos arredores das zonas residenciais e em zonas agrícolas e
florestais (Fig. 2a e Fig. 3), bem como os altos valores de cotas de altitudes (Fig. 2c) nas
proximidades das zonas urbanas e suburbanas, podem estar na base da possível ocorrên-
cia de um microclima caracterizado por valores de humidade relativa (HR) e de precipi-
tação no Huambo, superiores à média.
Lima et al. (2006), trabalharam com a variação da HR do ar no Pico das Agulhas Ne-
gras (Itatiaia/ Brasil) em um perfil variando de 2760 a 1910 metros. O Ambiente 1 era
caracterizado por ausência de vegetação e registou uma média de HR do ar de 88% en-
quanto o Ambiente 3 caracterizado pela presença de Floresta Estacional Semidecidual
registou uma média de 99%.

Figura 2 – Mapas temático (a) de precipitação média anual, (b) de cotas de altitudes,
(c) do município do Huambo

3.1.2. Índice de Vegetação de Diferença Normalizada (NDVI) do município do Huambo


O Índice de Vegetação de Diferença Normalizada calculado para o Município do Hu-
ambo, no final da época chuvosa (12-18 de Fevereiro) mostrou haver presença de vegeta-
ção nas zonas suburbanas e urbanas. Com excepção do centro da cidade do Huambo

334 | XXIX Encontro AULP


(zona com tons avermelhados, Fig. 2a), as zonas suburbanas dispersas na área de estudo
apresentaram valores de NDVI médios a altos (0,4 – 0,8) o que evidencia a existência de
vegetação nestas zonas (Fig. 3b). Mediante a reclassificação dos dados raster e a soma das
camadas reclassificadas foi possível conhecer as áreas com maior propensão para a ocor-
rência da malária e que devem merecer maior atenção nos programas de prevenção.

3.2. Adequação climática sazonal para a transmissão da malária


Neste estudo a zona em causa é o corredor da área suburbana do Huambo que vai do
Belém do Huambo, São Bento, Lufefena, Benfica Baixa, Bairro 8 de Fevereiro, São José,
São João Popular, Cacilhas e Santo Amaro o que pode estar associado à elevada quanti-
dade de precipitação que este corredor recebe ao longo do ano e às águas estagnadas pela
existência nesta zona de uma rede de saneamento básico pouco eficiente. Nesta análise, a
variável mais expressiva foi a precipitação, seguida da presença de vegetação em zonas
habitadas. A expressividade da precipitação na distribuição espacial da malária no Huam-
bo está associada ao facto de a época chuvosa ser mais prolongada que a seca. Embora as
zonas rurais um pouco afastadas do centro da cidade do Huambo apresentem pouca pro-
babilidade de ocorrência da doença relacionada com a precipitação média anual, o certo
é que o factor fundamental nestas áreas é a presença da cultura do milho próximo das
residências, evidenciada pelos altos valores de NDVI, comparativamente com os do cen-
tro da cidade e arredores.

Figura 3 – NDVI para o Huambo – 12-18 de Fevereiro de 2018

Este mapa mostra o número de meses favoráveis para a transmissão da malária, com
base nas médias da precipitação. De acordo com Harrison Arroz (2016), esta condição é
definida como a coincidência de: valores de precipitação superiores a 800 mm, tempera-
tura média entre 18C e 32ºC e HR maior que 60%.
De acordo com a análise espacial feita, o período mais crítico (com condições favorá-
veis para o vector da malária), é o compreendido entre meados de Fevereiro e finais de
Março, por haver uma boa combinação entre a presença de vegetação fotossintéticamente
activa e elevada precipitação.

XXIX Encontro AULP | 335


Figura 4 – Sazonalidade climática e de vegetação no período crítico de transmissão da malária

Alguns estudos realizados na África Austral mostraram que existem dois períodos
com maior percentual de ocorrência de condições climáticas adequadas para transmissão
de malária para esta zona, que são: final de Janeiro a final de Abril e princípio de Outubro
a final de Novembro (Grover-Kopec et al., 2006; World Health Organization & Unicef,
2003; Harrison Arroz, 2016).
Segundo Grover-Kopec et al. (2006), a temperatura, precipitação e HR são factores
que determinam a abundância e a taxa de ciclo de alimentação dos mosquitos Anopheles
que transmitem a malária. A temperatura também impulsiona a taxa de desenvolvimento
do parasita Plasmodium no interior do vector. O valor combinado das condições climáti-
cas favoráveis é uma indicação do limite inferior para potencial transmissão da malária.
Relatos sobre maior ocorrência da malária na estação chuvosa em relação à seca fo-
ram feitos por Chanda et al. (2012) e OMS (2012), que concluíram num de seus estudos
que na Zâmbia, a malária é endémica, com pico de transmissão sazonal entre Dezembro
e Maio e coincidindo com a estação chuvosa e húmida. Já a ADPP (2006), afirma que em
Angola há um aumento de transmissão durante a estação das chuvas, com um pico entre
os meses de Janeiro e Maio.
Os dados cedidos pelo Departamento de Estatística do Hospital Regional do Huambo
relativamente ao período de Janeiro de 2017 a Março de 2019 mostraram a mesma ten-
dência (Fig. 5). Os meses que registaram maior número de casos da doença foram: Abril
com 7608 casos em 2017 e 2516 em 2018, Maio com 7305 em 2017 e 1894 em 2018 e
Março com 3747 em 2017 e 3938 em 2018. Já os meses de Julho, Agosto e Setembro
registaram o menor número de casos de malária. De um modo geral, o ano de 2017 foi
mais severo no número de casos de malária do que o de 2018, sobretudo nos meses críti-
cos de Abril e Maio.

336 | XXIX Encontro AULP


Figura 5 – Casos de malária no Hospital Regional do Huambo entre Janeiro de 2017 a Março de 2019
Fonte: Hospital Regional do Huambo

4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
As conclusões do presente estudo são:
– É notável a presença de vegetação (cultivos agrícolas) ao longo do ano nas zonas
suburbanas e urbanas do Município do Huambo;
– O período compreendido entre meados de Fevereiro e finais de Março, do ponto de
vista climático e de presença de vegetação, é o mais crítico para a ocorrência da
malária;
– Entre as principais causas da maior ocorrência da malária na “zona alvo” por nós
referenciada citam-se a existência de águas paradas, focos de lixo e concentração de
vegetação (cultivos agrícolas) em zonas habitadas.

Assim, recomendamos as seguintes acções de prevenção e combate à malária:


– Aos cidadãos que eliminem periódica e continuamente os focos de lixos e águas
residuais nas proximidades das residências, além de dormirem debaixo de mosqui-
teiro e recorrerem imediatamente à Unidade Hospitalar mais próxima em caso de
algum sintoma;
– Que a área descrita como mais propensa à ocorrência da doença receba maior aten-
ção por parte dos tomadores de decisão antes e durante o período crítico;
– Que os Serviços de Saneamento Básico da Administração do Huambo seja rigoroso
na sua actuação;
– Que se aprimorem as correlações entre os dados médicos e os climáticos e de vege-
tação para uma intervenção cada vez mais precoce na prevenção e se reduzam o
número de casos de malária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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XXIX Encontro AULP | 337


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338 | XXIX Encontro AULP


Tema III
Educação e Coesão Social
O papel das Universidades na promoção da coesão social

Judite Medina do Nascimento


Reitora da Universidade de Cabo Verde

INTRODUÇÃO
A história das universidades acompanha a evolução das sociedades e reflete todas as
transformações que esta sofre, estando sempre a montante das transformações, através da
produção, da multiplicação e da transferência de conhecimento e de tecnologias.
A primeira revolução industrial, a geração 1.0., na sequência da invenção da máquina
a vapor e da energia hidráulica, contribuiu para a transformação dos transportes e para o
início da mecanização de muitos processos de produção nas fábricas, mas também levou
ao aumento da produtividade. Teve repercussões no sistema de ensino porque criou novos
desafios ligados à aposta na invenção e na inovação e, claro, com efeitos nas metodolo-
gias de ensino.
A segunda revolução, a geração 2.0, na sequência da descoberta da eletricidade e da
criação da primeira correia transportadora e da linha de montagem nos processos de produ-
ção, transformou radicalmente as sociedades e os modos de vida, sobretudo com a melhoria
da mobilidade e do conforto nas deslocações, como consequência da massificação da pro-
dução de automóveis. Este processo revolucionou a logística multiplicando as economias
de escala e o lucro nas transações comerciais, com efeitos absolutamente transversais em
toda a sociedade. As repercussões no sistema de ensino foram inevitáveis, com realce para
a transformação das condições físicas e materiais de suporte ao ensino e à aprendizagem.
Mas o mundo acelerou verdadeiramente, e os fenómenos tornaram-se efémeros, foi com
a entrada na Era da computação e da automação, conhecida como geração 3.0, que relativi-
zou o tempo, o espaço e os custos, de forma transversal e impactante. O mundo globalizou-
-se, determinadas culturas tornaram-se hegemónicas e o planeta homogeneizou-se.
O deslumbre está a acontecer agora, pois estamos a viver a era da internet das coisas
e da computação nas nuvens, a famosa geração 4.0. Os dispositivos móveis deixam de ser
tão importantes pois o armazenamento e o acesso à informação estão a distância de um
click e conservados na nuvem. Isso tem significado um desafio para as universidades por-
que os estudantes conseguem aceder muito rapidamente à informação de qualidade e o
papel do professor também deve ser repensado para que continue a ser relevante para o
estudante e para o sistema de ensino universitário.
A quantidade de informação disponível na núvem é tal, que a capacidade do ser huma-
no de processar e potenciar a informação, transformando-a em conhecimento e tecnologia
torna-se obsoleta e demanda outros mecanismos, felizmente ao alcance da inteligência
humana e que se traduz na inteligência artificial. Os robôs estão a transformar-se em ver-
dadeiros substitutos do homem, com vantagens competitivas e comparativas enormes
para o crescimento económico. A geração 5.0 não é uma utopia, já é uma realidade.

XXIX Encontro AULP | 341


Há pessoas que já não precisam sair da cama porque têm a casa inteligente cujos robôs se
ocupam de todas as suas necessidades e os algoritmos de altíssima precisão e a dinâmica
do mercado de ações se ocupa de multiplicar o seu capital financeiro. Quando se deslo-
cam, por opção, não precisam de condutores porque o carro é automático.
Os principais desafios das universidades atualmente estão diretamente ou indireta-
mente relacionados com esta dinâmica mundial e transformadora das Tecnologias de
Informação, da Comunicação, da eletrotécnica e da robótica e com todos os seus efeitos
multiplicadores e transversais nas sociedades.
Para esta comunicação destacaremos os seguintes desafios, que consideramos rele-
vantes para o debate: Pertinência e relevância do Ensino Superior para o desenvolvimen-
to dos países, Os modelos universitários e a sua pertinência face aos desafios atuais, e A
adequabilidade da resposta às demandas atuais da sociedade.

1. Pertinência e relevância do Ensino Superior para o desenvolvimento dos países


O Ensino superior é um tema em destaque na agenda e nos discursos políticos e é notícia
em todos os meios de comunicação social, a nível mundial. Surpreendentemente não se
discute o seu reforço e relevância, como era de se esperar. A tendência que prevalece nesses
círculos e que, infelizmente, se generaliza paulatinamente e influencia a opinião pública, é
de contestação da pertinência e da relevância do Ensino Superior, sobretudo universitário.
O nosso sentido crítico, deteta uma série de contrassensos nesta tendência e nós vis-
lumbramos inúmeros riscos para a manutenção das grandes conquistas da humanidade,
nomeadamente no que concerne à garantia da salvaguarda dos direitos, dos valores e dos
princípios humanitários. Revela-se de grande pertinência, a promoção de debates interna-
cionais e interinstitucionais sobre temáticas que direta ou indiretamente tenham uma re-
lação com os direitos humanos e com o desenvolvimento sustentável dos países a nível
mundial. As sociedades devem reagir refletindo e tomando posições firmes para contradi-
zer esta tendência. Os universitários têm uma responsabilidade acrescida, como produto-
res e difusores do conhecimento científico. Devemos consciencializar a sociedade e mo-
bilizar todos para garantirmos a indiscutibilidade dos preceitos da Carta dos Direitos
Humanos e para salvaguardarmos o interesse e a continuidade das reflexões em torno dos
indicadores para o desenvolvimento sustentável, em todos os países do mundo.
A questão atual é “qual será efetivamente a relevância do ensino universitário para as
sociedades, no contexto descrito?”.
Nós estamos convencidos de que o conhecimento científico deve continuar a ser o
suporte de todas as decisões que determinam o destino das populações mundiais e a
sustentabilidade do desenvolvimento e do ambiente no nosso planeta. A relevância do
Ensino Superior é indiscutível porque está mais do que comprovado que as sociedades
que apostam na educação, de forma transversal e integral, são as mais evoluídas e está-
veis e constituem as nações onde o índice de felicidade é mais elevado. A felicidade é a
meta mais almejada por qualquer ser humano. Nós estamos conscientes de que a noção
de felicidade é relativa e varia de pessoa para pessoa, em função dos fatores que cada um
considera como relevantes para o seu bem-estar e conforto. Como forma de criar alguma
homogeneização e de definir um índice que pudesse ser utilizado para medir o desenvol-
vimento humano, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou um novo índice para

342 | XXIX Encontro AULP


completar as medidas já tradicionais, como o Produto Interno Bruto (PIB), para medir o
desenvolvimento de uma nação. Os principais indicadores considerados pelo Índice da
Felicidade Interna Bruta (FIB) são o bem-estar humano, o nível de esgotamentos dos
recursos da natureza, os cuidados familiares e a utilização do tempo de forma equilibra-
da. A FIB, é medida a partir de nove indicadores principais (Araújo, Felicidade Interna
Bruta (FIB), 2019):
• Bem-estar psicológico: mede o otimismo que cada cidadão tem em relação a sua
vida. É feita uma análise da autoestima, nível de stress e espiritualidade.
• Saúde: analisa as medidas de saúde implementadas pelo governo, exercícios físicos,
nutrição e autoavaliação da saúde.
• Uso do tempo: inclui questões como o tempo que o cidadão perde no trânsito, divi-
são das horas entre o trabalho, atividades de lazer e educacionais.
• Vitalidade comunitária: entra na questão do relacionamento e das interações entre
as comunidades. Analisa a segurança dentro da comunidade, assim como sensação
de pertencimento e ações de voluntariado.
• Educação: Sonda itens como participação na educação informal e formal, valores
educacionais, educação no que se refere ao meio ambiente e competências.
• Cultura: faz uma análise de tradições culturais locais, festejos tradicionais, ações
culturais, desenvolvimento de capacidades artísticas e discriminação de raça, cor
ou gênero.
• Meio ambiente: Relação entre os cidadãos e os meios naturais como solo, ar e
água. Estuda a acessibilidade para áreas verdes, sistemas para coletar o lixo e bio-
diversidades da comunidade.
• Governança: estuda a maneira da relação entre a população e os Mídias, o poder
judiciário, os sistemas de eleições e de segurança.
• Padrão de vida: análise da renda familiar e individual, segurança financeira, dívi-
das e qualidade habitacional.

A escolha dos indicadores é baseada na identificação dos fatores transversalmente


considerados como hegemónicos na determinação da felicidade humana. Verifica-se, da
análise dos mesmos, que a felicidade de um indivíduo depende globalmente do seu bem-
-estar pessoal e profissional. A estabilidade financeira desse indivíduo está proporcional-
mente correlacionada com a sua ocupação profissional, que por sua vez se correlaciona
diretamente com a sua formação académica. Uma profissão que garanta um rendimento
que seja suficiente para suprir as necessidades básicas em habitação, alimentação, saúde,
educação, lazer/entretenimento e mobilidade, é fundamental para a garantia da felicidade
individual e coletiva. O bem-estar da maioria da população tem efeitos multiplicadores
positivos sobre a perceção global da felicidade. A felicidade também provoca a elevação
da autoestima e aumenta a produtividade dos indivíduos, com efeitos retroativos positi-
vos sobre o desenvolvimento sustentável do sistema em questão.
Logicamente concluímos que o Ensino Superior é uma via segura para se atingir a
felicidade porque forma integralmente cidadãos, altamente capacitados em todas as áreas
científicas e disciplinares, competentes para assumirem a responsabilidade da promoção
do crescimento e do desenvolvimento sustentável, criando um ciclo virtuoso e complexo

XXIX Encontro AULP | 343


de efeitos multiplicadores positivos que desemboca na felicidade proporcional dos que
integram o sistema em questão (Figura 1). Um cidadão qualificado tem mais discernimen-
to, é dotado de sentido crítico, tem consciência das necessidades efetivas pessoais e cole-
tivas, tem capacidade para participar com qualidade e assertividade nas discussões, na
construção e/ou socialização de instrumentos de planificação e de gestão estratégica das
políticas públicas. Ele está igualmente preparado para desenhar estratégias para a cons-
trução de um futuro profissional sólido, seja como empregado ou como empregador, con-
tribuindo para a dinamização da economia do seu país e promovendo o desenvolvimento
sustentável, sendo um verdadeiro parceiro e não um encargo para o Estado.
A Figura 1 é ilustrativa dos principais efeitos multiplicadores retroativos, provocados
pelo impacto do ensino universitário no crescimento económico e no desenvolvimento
sustentável de um país.
Há uma correlação clara entre o investimento na capacitação e na valorização dos re-
cursos humanos e a evolução positiva dos indicadores económicos, sociais e políticos de
um país. A participação política da população é muito mais relevante e consciente quando
as pessoas têm competências e conhecimentos para analisarem e interpretarem a pertinên-
cia e a adequabilidade das políticas implementadas pelos governos, podendo contribuir
para o reforço da coesão social e para a consolidação da democracia.

Figura 1 – Ciclo virtuoso dos efeitos transversais e retroativos do Ensino Superior no crescimento económico
e no desenvolvimento sustentável
Adaptado de: (Nascimento, 2017; Nascimento, 2017)

2. Os modelos universitários e a sua pertinência face aos desafios atuais


Desde sempre o ser humano compreendeu a importância da educação e do conheci-
mento científico para a felicidade e prosperidade das sociedades. Os antigos sábios, alqui-
mistas e filósofos, assumiram conscientemente o desafio de refletir criticamente sobre os

344 | XXIX Encontro AULP


fenómenos que os rodeavam e de produzir conhecimento, soluções inovadoras e explica-
ções lógicas para os mesmos. Desta forma contribuíram para a criação de massa crítica,
para o desenvolvimento das sociedades, para a difusão, multiplicação do conhecimento e
preservação da história, o que garantiu a perenidade e progresso mundiais. O surgimento
das primeiras universidades europeias em Bolonha e em Paris foram cruciais para o fim
da Idade Média e para a transição para o renascimento e posteriormente para o iluminis-
mo. É fundamental que todos os cidadãos compreendam a importância e a relevância das
instituições de ensino superior (IES) para o progresso da sociedade e para a perenidade,
soberania e estabilidade de um país.
As Universidades sempre foram, desde os tempos medievais, espaço de reflexão e
debates sobre questões importantes para o país e para o mundo. Sobretudo, desde sempre,
as Universidades tinham como missão elevar a virtude e a nobreza dos que por elas pas-
sam, preparando-os para enfrentarem com dignidade os desafios da sua profissão e assu-
mirem com bases científicas sólidas, responsabilidade e coerência, o destino dos países.
Será que os modelos atuais ainda são pertinentes? Qual será o maior desafio para as
Universidades?
A análise da pertinência dos modelos atuais será feita em função de 3 parâmetros:
i) O modelo de organização; ii) O modelo de negócio e de financiamento; iii) A autonomia
das Universidades e a sua relação com o Estado; iv) A estratégia de gestão científica,
pedagógica e administrativa

i) O modelo de organização
Existe uma grande diversidade de modelos de organização das universidades a nível
mundial, mas algumas das suas características são comuns e são identitárias do seu esta-
tuto. Todas elas têm órgãos de governo típicos, como: a) o Conselho Geral (cuja denomi-
nação varia de país para país, mas que tem mais ou menos a mesma função e a represen-
tação de todas as classes constituintes da comunidade académica); b) o Reitor/Chanceler/
Presidente da universidade; c) os decanos ou diretores de Faculdades, Escolas, Institutos
e Departamentos.
O provimento dos órgãos de governo também varia em função dos países e pode ser
por nomeação pelo Governo ou por eleição pela comunidade académica, havendo ainda
variações e especificidades no formato do processo de nomeação ou de eleição.
Todas as universidades têm os 3 pilares comuns e transversais de desenvolvimento da
sua missão, que são o ensino, a investigação e a transferência de conhecimento e tecnolo-
gia ou extensão universitária.
As universidades podem estar organizadas: a) em sistemas universitários, como é o
caso das universidades americanas, que configuram uma federação de diferentes institui-
ções com maior ou menor autonomia em relação a um órgão central comum, de adminis-
tração global. Normalmente têm uma única denominação do sistema, só que cada uma
das instituições integrantes, para além da designação do sistema, ainda tem um acréscimo
de designação particular. Existem sistemas universitários que possuem órgão de gestão de
topo totalmente independentes; b) em múltiplos campi (campus) e/ou polos. Esta organi-
zação não permite o nível de autonomia das instituições integrantes dos sistemas univer-
sitários. Os campi são dependentes de uma administração central e não se trata de uma

XXIX Encontro AULP | 345


federação, mas sim de uma universidade única, mas com instalações disseminadas no
espaço. A nível deste segundo modelo também existem variações, em função da realidade
dos diferentes países, sobretudo no concernente ao modelo de financiamento e ao grau de
autonomização da gestão dos diferentes campi.
Na nossa perspetiva, a organização física, o modelo de gestão global e a estrutura or-
gânica das Universidades têm sido adaptadas aos contextos específicos e pouco têm in-
fluenciado a qualidade do desenvolvimento dos 3 pilares fundamentais da missão das
universidades a nível internacional. Não existe um modelo certo, cada realidade deve
adaptar o modelo clássico, mas salvaguardar a essência, de forma a não se perder a iden-
tidade estrutural, que a identifica como universidade.
A nossa experiência nos mostra que o verdadeiro desafio das universidades na manu-
tenção e incremento da pertinência da sua atuação, está centrada nos seguintes fatores:
a) Nível de autonomia da instituição; b) Modelo de financiamento; c) Estratégia de ges-
tão científica, pedagógica e administrativa

ii) Autonomia da instituição


Se a Universidade tem como missão formar, de forma isenta, objetiva e rigorosa, qua-
dros competentes do ponto de vista científico e tecnológico, para enfrentarem com suces-
so e excelência, os desafios da sociedade, do setor privado e do Estado, ela não pode estar
subjugada a interesses de qualquer ordem, salvo os estritamente éticos, pedagógicos,
científicos e tecnológicos. Desde sempre se reconheceu que a universidade, para que
cumpra o seu desígnio, deve ser parceira dos governos, da sociedade civil e do setor pri-
vado, sem estar subjugada à pressão destes quadrantes. As universidades medievais, para
que esta autonomia fosse respeitada, tinham inclusive o próprio sistema judicial (incluin-
do espaços de encarceramento) para que os membros da comunidade académica não esti-
vessem vulneráveis a pressões externas. Isso permitiu a capacitação de ilustres académi-
cos, artistas, eclesiásticos e políticos, que retiraram a Europa do obscurantismo da idade
média e a conduziram ao renascimento e, posteriormente, ao iluminismo.
A Universidade deve recuperar a confiança da sociedade (de forma transversal, mas
sobretudo do setor empregador) e do governo, para poder exercer e cumprir cabalmente a
sua missão, conduzindo os países ao desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
Para que este desiderato seja efetivo, é necessário que os Governos e a Sociedade
acreditem nas Universidades e concedam condições para que se tornem robustas e pere-
nes. A gestão pedagógica e científica deve ser garantida pelos especialistas universitários,
que devem apoiar os governos, as empresas e a sociedade civil, com suporte científico
para o desenho de instrumentos de política e decisão. Os compromissos assumidos no
quadro da parceria e da cooperação, devem ser estabelecidos sob uma base de profissio-
nalismo, sentido de Estado e de diplomacia e nunca, sujeita ao cumprimento de interesses
pessoais, de ordem ideológica, religiosa, partidária ou outros. As Instituições universitá-
rias privadas não têm qualquer obrigação de implementar as políticas públicas para o se-
tor, tendo outros objetivos e metas e podendo fazer escolhas livremente, mas cumprem
igualmente um serviço público, embora com um estatuto e sob regras diferentes. As ins-
tituições públicas, sem prejuízo da autonomia necessária, têm a obrigação de sintonizar
as suas políticas, metas e estratégias, com a sociedade (civil e setor privado) e com as

346 | XXIX Encontro AULP


metas do Estado, definidas em instrumentos de planificação estratégica, sob pena de per-
derem a sua relevância. Mas, para o cumprimento deste desiderato, sem prejuízo das es-
tratégias de diversificação das fontes de receitas próprias, o Estado deve compensar a
Universidade, através de contratos-programa e do financiamento através de duodécimos,
pelo ônus inerente a alguns dos desafios, como por exemplo a prática de propinas abaixo
dos custos reais e a abertura de cursos extremamente onerosos, que ultrapassam as reais
condições financeiras da instituição.
A sintonização com os desafios externos, não isenta as universidades da responsabili-
dade de salvaguardar a sua essência e a sua identidade, a coberto do princípio da univer-
salidade, que garante o seu estatuto institucional. Para tal, a Universidade deve desenhar
estratégias específicas que garantam a cultura universitária, o espírito académico, a cien-
tificidade e o rigor na implementação de todos os seus programas de desenvolvimento,
sem perder de vista a sua missão verdadeira, suportada pelos 3 pilares tradicionais, o
Ensino, a Investigação e a Extensão Universitária, permitindo que ela produza, divulgue,
multiplique e transfira para a sociedade, o conhecimento e a tecnologia e garantindo o
reforço contínuo da sua relevância interna e externa (Figura 2). Este deve ser o modelo de
base, que poderá ser adaptado às diferentes realidades.

Figura 2 – Modelo de visão universitária, com equilíbrio entre a relevância interna e a externa

As Universidades públicas, devem ser instituições cuja sustentabilidade seja assumida


como um assunto de Estado e deve ser suportada por um compromisso social e nacional,
não devendo ser penalizada pela dinâmica política, religiosa ou ideológica. Deve ser con-
siderada a par da saúde, da defesa e da segurança nacionais, como assunto de Estado e
objeto de um pacto nacional para a sua preservação e perpetuidade. Nos países democrá-
ticos, o Orçamento das Universidades deveria ser discutido e aprovado na Assembleia
Nacional e estas deveriam ser convidadas a se fazerem representar, sem direito a voto, nas

XXIX Encontro AULP | 347


sessões parlamentares de discussão de instrumentos de política nacional, sobretudo os de
caráter estratégico.

iii) O modelo de negócio e de financiamento


Em alguns países do mundo verifica-se uma tendência de retração do investimento do
Estado nas universidades públicas, em contraposição com o reforço das exigências sobre
a qualidade do Ensino Superior associado à cada vez maior vulnerabilidade económica
das famílias. Este cenário paradoxal e contraproducente constitui um desafio acrescido
para as universidades no sentido de conseguirem construir canais de articulação e nego-
ciação com os respetivos Governos, criando uma relação de confiança nos resultados e de
parceria na implementação das políticas públicas.
É necessário que se consiga chegar a consenso sobre um modelo de financiamento do
Ensino superior que garanta o equilíbrio e que promova verdadeiramente a sustentabili-
dade das instituições e de todo o sistema, por inerência e por efeito de onda e de contágio.
Na Era da inteligência artificial, o investimento a ser feito nas Universidades cresce por-
que estas devem adaptar-se aos novos tempos, sob pena de se tornarem obsoletas e desa-
parecerem. A reinvenção das metodologias de ensino-aprendizagem, a inovação inerente
à criação de novas ferramentas, instrumentos, materiais e equipamentos de suporte ao
Ensino e à Investigação, tornam o Ensino Universitário oneroso e as Universidades sozi-
nhas não conseguem arcar com essas despesas. As entidades instituidoras das Universida-
des vêm a sua responsabilidade reforçada, no que respeita ao financiamento do orçamen-
to de investimento das instituições instituídas.
Acreditamos que o equilíbrio só será conseguido se a decisão sobre o modelo for
equacionada com objetividade, isenção e coerência, tendo como metas a sustentabilidade
do sistema, de forma integrada e integral.
Um modelo de financiamento deve ser construído em função do contexto onde estiver
inserida a instituição, para que possa efetivamente responder às demandas específicas da
sociedade em que se integra. Há elementos que têm sido comuns e determinantes para a
sustentabilidade do sistema de ensino superior em diferentes países. Vários são os inter-
venientes no sistema de financiamento das IES (Reitoria, 2017):

• O Estado
Nesse quadro, sem prejuízo para especificidades inerentes aos diferentes contextos, o
Estado exerce essencialmente um papel triplo: a) como entidade de tutela/superinten-
dência do Ensino superior – responsável por definir os eixos prioritários de desenvolvi-
mento e as políticas nacionais para o setor. O Estado constrói todo o sistema regulamentar
e legal e assume as despesas inerentes à sua implementação. Exerce igualmente a superin-
tendência das instituições públicas e a tutela global do setor; b) como entidade instituido-
ra das instituições públicas de ensino superior – como forma de garantir o serviço públi-
co, o acesso, a equidade e a inclusão, o Estado cria instituições públicas de ensino superior,
que, ao abrigo da responsabilidade inerente ao seu papel de entidade instituidora, praticam
propinas uniformes para todos os cursos e abaixo do custo real, de modo a salvaguardar a
abertura de oportunidades para que todos os que aspiram ingressar o Ensino Superior e te-
nham capacidade e vocação para determinados cursos onerosos, mas estratégicos para o

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país, possam fazê-lo e beneficiar de um serviço de qualidade, em prol do desenvolvimento
do capital humano do país. O Estado subsidia as IES públicas pela diferença entre o custo
real e a propina instituída por lei. Trata-se de um investimento adstrito somente às IES pú-
blicas e constitui uma forma de garantir o acesso, a permanência e o sucesso de um ensino
superior público a custos controlados e acessíveis para as famílias, sem prejuízo para a
qualidade e c) como cliente das Universidades – o Estado usufrui dos resultados do traba-
lho desenvolvido pelas Universidades, sob a forma de estudos, instrumentos e soluções
tecnológicas e inovadoras. O Estado pode assinar contratos-programa com as IES para a
implementação de programas e projetos de interesse e fomentar a investigação e a inovação
lançando editais para submissão de propostas, por parte das universidades.
• As famílias – que pagam as propinas e os emolumentos às Universidades em troca
do serviço prestado aos estudantes
• As instituições financiadores de bolsas e programas de ação social – que finan-
ciam bolsas e custeiam programas de ação social para apoio ao alojamento e à ali-
mentação dos estudantes, contribuindo para o seu bem-estar, permanência e sucesso
nos programas de ensino.
• A sociedade civil e o setor empresarial – as empresas e outras entidades da socie-
dade civil, quando acreditam nas universidades, contratam-nas para a realização de
estudos e para a implementação de projetos e de programas para os quais necessitam
de competências específicas.

Se cada um dos atores identificados cumprir cabalmente com o seu papel, as IES terão
asseguradas as condições para um funcionamento harmonioso e poderão cumprir cabal-
mente com a sua tripla missão de ensinar/formar/capacitar, de investigar e de transferir
conhecimento e tecnologia para o Estado, para a sociedade civil e para as empresas.

3. A adequabilidade da resposta às demandas atuais da sociedade.


A Era da inteligência artificial é uma realidade incontestável e incontornável. A inven-
ção e a inovação tecnológica estão inscritas indelevelmente no ADN das gerações mais
jovens. Em países como o Japão, a robotização atingiu tal nível que algumas profissões já
começaram a sofrer metamorfoses para se adaptarem às demandas da Nova Era. As Uni-
versidades devem começar a reinventar as suas ofertas formativas para poderem capacitar
estudantes para essas novas realidades, hoje desconhecidas, mas que serão o futuro que
eles irão gerir e em que irão labutar.
Será que as Universidades estão preparadas para formar quadros com competências
para enfrentar este futuro próximo, mas desconhecido?
A resposta a questão será fundamentada em 6 eixos: a) O incontornável suporte da
entidade instituidora; b) A importância de se repensar a visão estratégica e a abordagem
de gestão científica, pedagógica e administrativa, redefinindo as ofertas formativas e
reforçando a relevância interna e externa e a internacionalização

a) O incontornável suporte da entidade instituidora


Países como Portugal e Alemanha já tomaram consciência da necessidade de um verda-
deiro investimento do Estado nas Universidades, de forma a garantir a sua perenidade e a

XXIX Encontro AULP | 349


reforçar a sua relevância enquanto instrumento do Estado para a implementação das políti-
cas e das metas para o desenvolvimento sustentável dos países, acompanhando as novas
tendências mundiais. Em Portugal, para além de um maior investimento direto do Estado
nas IES públicas, sobretudo com uma aposta séria na investigação científica, assiste-se à
fusão de instituições de Ensino Universitário, com vista à criação de sinergias e economias
de escala, com benefícios claros para o sistema do Ensino Superior, também ao nível dos
rankings internacionais. Trata-se de investir hoje para colher os benefícios no futuro. O
mesmo investimento deve ser feito pelas entidades instituidoras das universidades privadas.
Em outros países, pelo contrário, o Estado está a desinvestir no Ensino Superior, difi-
cultando o seu desenvolvimento e a sua adequação aos novos tempos. Esse desinvestimen-
to pelo Estado, associado à cada vez maior vulnerabilidade de muitas famílias, leva a uma
desmotivação crescente dos estudantes, ao aumento da taxa de incumprimento no paga-
mento das propinas, ao abandono e ao incremento do desemprego. É um desafio acrescido
para as Universidades, mas é igualmente um risco pois a sociedade poderá perder as enti-
dades responsáveis pela formação e qualificação do capital humano, o que poderá levar à
perda de todo o investimento e de todos os ganhos sociais, acumulados por muitos anos.
Esta situação leva ao descrédito progressivo e à redução da confiança no Ensino Uni-
versitário, pelo que as universidades devem repensar a sua visão e as suas estratégias.
No entanto, não restam dúvidas de que o papel da entidade instituidora se torna incon-
tornável e fundamental para o incremento do ensino universitário e para o sucesso do
sistema do ensino superior.

b) A importância de se repensar a visão estratégica e a abordagem de gestão científi-


ca, pedagógica e administrativa, redefinindo as ofertas formativas, reforçando a
relevância interna e externa e promovendo a internacionalização
Estamos a viver a era da internet das coisas e da computação nas nuvens, a famosa ge-
ração 4.0. Os dispositivos móveis deixam de ser tão importantes pois o armazenamento e o
acesso à informação estão a distância de um click e conservados na nuvem. Isso tem signi-
ficado um desafio para as universidades porque os estudantes conseguem aceder muito ra-
pidamente à informação de qualidade e o professor passa a desempenhar um papel muito
importante, mas que exige um maior esforço e empenho, que é o de orientador, atuando
como mediador e facilitador da aprendizagem e cada vez menos, como transmissor de co-
nhecimento. Ele deve apoiar o estudante, usando a sua experiencia, sabedoria e bom senso,
com um suporte forte nos valores que norteiam a moral e a ética, para prepará-lo para o
processamento e potencialização da informação que ele consegue aceder. Assim, o próprio
papel do pedagogo deve ser repensado e adaptado, acompanhando a metamorfose das me-
todologias, das ferramentas e dos meios de suporte ao processo Ensino-aprendizagem.
O mundo tornou-se muito uniformizado e as sociedades vivem a um ritmo acelerado,
acompanhando a dinâmica das transformações rápidas, inerentes à Era virtual em que
vivemos. As relações pessoais e interpessoais tornam-se efémeras, os valores vão-se in-
vertendo e o ser humano vai perdendo a sua essência, como Ser Social. Contrariamente
ao que se veicula sobre as ciências sociais e humanas, elas não perderam a pertinência e
são ainda mais intensamente necessárias para que as sociedades resgatem os princípios e
valores que enformam a ética e a moral, indispensáveis à estabilidade social e política, à
paz e à salvaguarda e garantia dos direitos humanos.

350 | XXIX Encontro AULP


É de realçar que os princípios da solidariedade, da paz, da segurança e da estabilidade,
são cada vez mais relevantes nas sociedades contemporâneas e devem ser adotados de
forma transversal nas universidades (Figura 3). Como valor, devem constar dos valores
estatutários e ser apropriados por toda a comunidade académica, integrando, como unida-
de curricular os programas de estudo da Universidade. Como um princípio de gestão,
devem ser integrados em todas as estratégias e procedimentos, na criação do ambiente
académico e da cultura universitária e no modelo de prestação de serviço aos utentes.
O desafio das Universidades é o de, por um lado, repensar as ofertas formativas, os
perfis de saída e as saídas profissionais, adequando-os às novas demandas e, por outro,
redefinir os programas das Unidades Curriculares de forma a incrementar a sua relevância
interna e externa, apostando sobretudo na internacionalização. A relevância externa está
muito diretamente correlacionada com as demandas dos governos e do mercado emprega-
dor (público e privado) que tende a preferir quadros com o perfil mais profissionalizante,
que respondam prontamente com o saber fazer e para os quais a universidade deve respon-
der com a oferta de cursos muito práticos, cujo perfil de saída seja o mais profissionalizan-
te possível, nos diferentes níveis e graus. A flexibilização dos horários de funcionamento é
outra estratégia, permitindo aos trabalhadores-estudantes, cada vez mais numerosos, a pos-
sibilidade de melhorarem continuamente o seu perfil académico e profissional.

Figura 3 – A transversalidade dos princípios da paz e da solidariedade


para o incremento da relevância das Universidades

Nós reconhecemos que é urgente reinventarmos modelos pedagógicos que redefinam


o processo de Ensino-Aprendizagem (tipo de sala de aulas, organização do espaço, meios
e ferramentas utilizadas, modelos de aulas, etc.
A capacitação contínua e continuada é igualmente de grande pertinência e de grande
relevância atualmente porque permitirá adequar permanentemente os perfis académicos
dos profissionais e facultará oportunidades de aprendizagem ao longo da vida. Neste âm-
bito e para que se possa garantir a equidade no acesso, é necessário inovar nas metodolo-
gias e nos formatos dos programas de formação, utilizando as novas tecnologias e o po-
tencial que oferecem, nomeadamente na promoção de formação a distância. Esta
relevância acentua-se quando se trata de territórios insulares, como é o caso do Arquipé-
lago de Cabo Verde (Figura 3).

XXIX Encontro AULP | 351


Figura 4 – A formação a distância como estratégia para a incrementação
da relevância do ensino universitário

Mas a Universidade pública não deve negligenciar a relevância interna, que tem a ver
com a essência da sua missão, de desenvolver competências em áreas importantes para a
formação integral e integrada, incluindo valores cívicos e sociais do ser humano, preparan-
do-o enquanto cidadão, mas igualmente enquanto Ser social. Os estudantes universitários
devem ser capacitados para desempenhar todos os papeis na sociedade. A Universidade
deve igualmente formar quadros que possam transmitir conhecimentos transversais e uni-
versalistas a todos os estudantes das diferentes áreas científicas e disciplinares, como com-
plemento ao seu perfil académico na especialidade escolhida. Para tal, as universidades
devem implementar estratégias para preservar as áreas disciplinares que estão inscritas no
seu ADN, tornado os programas mais relevantes, com um ajustamento e modernização das
metodologias e das ferramentas, mas continuando a cumprir com a sua missão de construir
competências sociais e cívicas, de modelar a personalidade dos cidadãos, definindo o Ser
e o Estar em sociedade, contribuindo assim para a estabilidade e para a paz mundiais.
A estratégia da aposta na formação a distância é indiscutivelmente uma opção viável
para contornar os constrangimentos ligados à estrutura demográfica e geográfica de deter-
minados países. Os países nórdicos, por exemplo, desenvolveram-se rapidamente e reu-
niram condições que lhes permitem oferecer um ensino superior de excelente qualidade,
mas vêm-se a braços com o envelhecimento da sua população e com a escassez de estu-
dantes. Por outro lado, alguns países da América do Sul e Central e de África, se encon-
tram em um estádio de desenvolvimento do ensino superior e universitário ainda inci-
piente e que não consegue responder às demandas de uma população muito jovem. A
cooperação internacional surge como uma excelente via para a procura do equilíbrio ne-
cessário a nível mundial, colocando as vantagens comparativas e competitivas dos dife-
rentes países em articulação, em prol da construção de um sistema global de ensino uni-
versitário. O uso das Tecnologias de Ensino a distância provoca a relativização do tempo,
do espaço e dos custos promovendo benefícios e ganhos significativos a todas as nações,
com um ensino de qualidade elevada e acessível. A viabilização destes projetos poderia
ser feita de 3 formas: a) Presencial – através de programas conjuntos no âmbito dos 3
pilares tradicionais da missão universitária (Ensino, Investigação e Extensão). Envolveria
uma aposta muito grande em programas académicos de mobilidade internacional e em

352 | XXIX Encontro AULP


bolsas de estudo. b) E-learning – com uma aposta em programas totalmente a distância, o
que exigirá um investimento inicial em infraestruturas tecnológicas e equipamentos ade-
quados, mas com economias de escala muito importantes e c) B-learning – uma conjuga-
ção dos modelos anteriores, capitalizando o potencial dos mesmos e minimizando as
desvantagens. Desta forma, os estudantes e professores poderiam desenvolver a sua fun-
ção a partir do seu próprio país. O projeto resultaria em economias de escala e sinergias
importantes pois evitaria custos de deslocação, relativizaria os custos com equipamentos
e infraestruturas e eliminaria os constrangimentos ligados aos choques culturais inerentes
à presença de estrangeiros. Uma outra vantagem seria o facto de as pessoas continuarem
a desempenhar a sua profissão, ao mesmo tempo que frequentariam programas de forma-
ção, sobretudo ao nível de mestrados e doutoramentos. Várias experiências, a nível mun-
dial, podem comprovar a relevância atual destas opções, com resultados concretos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizamos a presente comunicação com algumas considerações finais, retomando os
tópicos propostos para o debate:
Existe uma crise dos modelos universitários clássicos ao passar do industrialismo
para a era da informação? Qual é o propósito da universidade do futuro e qual será o
modelo de negócios das universidades?

Da reflexão efetuada, concluímos que os modelos clássicos não estão em crise, mas
que as universidades estão a atravessar por mais um momento de transição para um novo
paradigma dominado pela inteligência artificial, que demanda delas alguns reajustes ao
modelo, nomeadamente:
a) Que repensem as suas estratégias de gestão científica, pedagógica e administrati-
va e os princípios e valores que as suportam, redefinindo e reajustando o modelo e
a visão estratégica, com equilíbrio entre a relevância interna e a externa. Concreta-
mente, as instituições devem definir novas ofertas formativas, novos programas
adaptados às novas exigências do perfil dos profissionais do futuro, em áreas e com
competências específicas e relevantes para a nova era da inteligência artificial, sem
descurar a sua missão clássica e que as identifica como universidades.
b) Que levem em consideração a importância vital da garantia da autonomia das
universidades públicas e que definam um modelo de negócio e de financiamento
que seja realmente sólido e permita à Universidade tornar-se resiliente e robusta.
Este modelo deve permitir à Universidade, cumprir com a sua missão com pereni-
dade, excelência, isenção, rigor e objetividade, nos 3 pilares clássicos, o Ensino, a
investigação e a transferência de conhecimentos e tecnologia.
c) Que definam um modelo de negócio e de financiamento que seja realmente compar-
ticipado pelo Estado, pelas famílias e pelo setor empregador, de forma proporcional.
d) Que tenham estratégias de preservação da sua identidade, como universidade.
e) Que beneficiem de um suporte efetivo da entidade instituidora, no quadro da estra-
tégia nacional de ensino superior, devendo as universidades reivindicar que o seu
orçamento seja objeto de um pacto nacional, como um assunto de Estado, a par da
saúde, da segurança e da defesa nacionais.

XXIX Encontro AULP | 353


Como será o campus universitário do futuro? Como é que os estudantes aprenderão
e qual é o papel das universidades na aprendizagem ao longo da vida?
Acreditamos que o campus físico continuará a ser importante, mas a componente
virtual (formação a distância) assumirá uma dimensão significativa e uma relevância in-
contornável. O recurso às novas tecnologias revolucionará o processo ensino-aprendiza-
gem. O estudante do futuro será muito criativo e autónomo e participará ativamente no
seu processo de aprendizagem. O professor desempenhará um papel de orientador e de
moderador no processamento da informação a que o estudante acederá facilmente via
internet ou através de outros programas inteligentes. O Professor deverá acompanhar e
transmitir valores e princípios morais e cívicos que ajudarão o estudante a compreender e
a respeitar os limites da manipulação da informação e dos dados.
Considerando que as transformações serão profundas, sobretudo no que diz respeito
às exigências sobre o perfil do profissional do futuro, a aprendizagem ao longo da vida,
através de programas de capacitação contínua e continuada, terá uma relevância acentua-
da e as Universidades deverão ter programas adequados para responder a essa demanda.
Isto reforçará a pertinência do ensino a distância (e-learning e b-learning), permitindo
uma maior globalização do ensino universitário.
Será que transmitir aos estudantes, habilidades práticas, os ajuda a encontrar traba-
lho mais rápido? É necessário mudar totalmente o programa educacional?
A relevância externa está muito diretamente correlacionada com as demandas dos
governos e do mercado empregador (público e privado), que tende a preferir quadros com
o perfil mais profissionalizante e muito prático com uma componente forte do saber fazer.
Para estes desafios, a universidade deve oferecer cursos muito práticos, cujo perfil de sa-
ída seja o mais profissionalizante possível, nos diferentes níveis e graus.
Paralelamente, o ensino universitário tem uma identidade e deve continuar a reforçar
a sua relevância interna, a essência da sua missão e identidade, continuando a oferecer
cursos nas áreas tradicionais, importantes para o desenvolvimento de competências em
áreas importantes para a formação cívica e social do ser humano, com reajustes nas me-
todologias, meios e ferramentas e com recurso às incontornáveis tecnologias de informa-
ção e comunicação, à robótica e outras formas de inteligência artificial.
A cooperação internacional surge como uma excelente via para a procura do equilí-
brio necessário a nível mundial, colocando as vantagens comparativas e competitivas dos
diferentes países em articulação, em prol da construção de um sistema global de ensino
universitário em que o tempo, o espaço e os custos se relativizem e em que todas as na-
ções saiam a ganhar, com um ensino de qualidade elevada e acessível. A Universidade de
Cabo Verde tem apostado sempre na cooperação internacional e continuará a reforçar e a
expandir a sua rede de parcerias.

DOCUMENTOS CONSULTADOS
Araújo, F. (2019). O Índice da Felicidade Interna Bruta. Obtido em 12 de maio de 2019, de https://www.
infoesco/la.com/sociedade/felicidade-interna-bruta-fib.
Nascimento, J. (2017). Qualidade e relevância do Ensino Supeior. Praia: Ministério da Educação.
Reitoria. (2017). Subsídios para a construção de um modelo de financiamento do Ensino Superior em Cabo
Verde. Praia: Universidade de Cabo Verde.

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Projeto UDI-África (Erasmus+) – Parceria com impacto
no desenvolvimento de capacidades e inovação do
ensino superior da África lusófona

Patrícia Salgueiro (autor correspondente)


Gabinete de Desenvolvimento Internacional, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal; E-mail: [email protected]

Rita Falcão
Gabinete de Desenvolvimento Internacional, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal; E-mail: [email protected]

Anifa Assane
Universidade de Lúrio, Moçambique; E-mail: [email protected]

Lóide Chivinda
Universidade Katyavala Bwila, Angola; E-mail: [email protected]

Marta Mendonça
Universidade Eduardo Mondlane, Moçambique; E-mail: [email protected]

Sabino do Nascimento
Universidade Agostinho Neto, Angola; E-mail: [email protected]

Athanasia Panoutsou
European Foundation for Management Development (EFMD), Belgium; E-mail: [email protected]

João Amaro de Matos


Gabinete de Desenvolvimento Internacional, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal; E-mail: [email protected]

1. Introdução
O Projeto Universidade Desenvolvimento e Inovação – África (UDI-África) foi finan-
ciado pela União Europeia (UE) em 2017, em resposta a um concurso do Programa Eras-
mus+ para o reforço das capacidades no domínio do ensino superior. O UDI-África inclui
quatro universidades de Angola e Moçambique, universidades da Bélgica, Holanda, Por-
tugal e Reino Unido, além da Fundação Europeia para o Desenvolvimento da Gestão
(EFMD), numa parceria coordenada pela Universidade NOVA de Lisboa (NOVA). O
projeto visa melhorar a qualidade do ensino nas instituições africanas, facilitando respos-
ta mais eficaz aos desafios socioeconómicos locais. A estratégia UDI-África enquadra-se
no âmbito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da
Organização das Nações Unidas (ONU) (United Nations, 2019).
Este artigo visa apresentar o projeto UDI-África, os seus principais objetivos, atores e
progressos. Apresentamos também uma análise crítica do impacto local e social do proje-
to na primeira metade da sua implementação. No que se segue, a introdução descreve os
propósitos gerais do desenvolvimento sustentável, explicando como este projeto aborda
alguns dos ODS, e os implementa no contexto da relação entre as instituições Europeias
e Africanas.

XXIX Encontro AULP | 355


1.1. Desenvolvimento Sustentável
O Desenvolvimento Sustentável deve responder às necessidades atuais sem compro-
meter as gerações futuras. Isto requer esforços concertados para a construção de uma so-
ciedade inclusiva e adaptável. Em 2016, os 17 ODS da ONU entraram em vigor. Os ODS
são uma chamada universal à ação para acabar com a pobreza, proteger o planeta e garan-
tir que todas as pessoas usufruam de paz e prosperidade (United Nations, 2019).

1.1.1. Integração dos ODS no UDI-Africa


Por construção, o projeto UDI-Africa toca desde logo o ODS 4 (Educação de Quali-
dade) e o ODS 17 (Desenvolvimento de parcerias).
A educação como força motriz para o desenvolvimento está refletida no ODS 4. Este
envolve um conjunto diversificado de atores e requer uma abordagem multidisciplinar
para assegurar oportunidades inclusivas, equitativas e de aprendizagem ao longo da vida
para todos. (United Nations, 2019). No âmbito deste ODS destacamos metas dedicadas
com impacto no emprego, trabalho digno e empreendedorismo (4.4), promoção do desen-
volvimento sustentável (4.7), e cooperação internacional para a formação de professores
nos países em desenvolvimento (4.C) (United Nations, 2019).
A ONU reconhece o impacto positivo das parcerias para o desenvolvimento sustentá-
vel, bem como a sua relação transversal com todos os outros ODSs, uma vez que a capaci-
tação e a inovação dependem cada vez mais da cooperação entre equipas multidisciplina-
res de diferentes países. Por meio da cooperação Norte-Sul, Sul-Sul e triangular ao nível
regional e internacional, o ODS 17 foca explicitamente em parcerias voltadas para transfe-
rência de tecnologia (17.6) e capacitação (17.9 e 17.18). (United Nations, 2019).
Em consonância com a Agenda 2030, o Programa Erasmus + contribui para uma so-
ciedade mais ecológica, equitativa e justa, apoiando a educação, formação e voluntariado
para uma economia sustentável (European Commission, 2019).
Uma das ações-chave do Erasmus + (KA2) centra-se na cooperação para a inovação e
no intercâmbio de boas práticas, permitindo que instituições de diferentes países coope-
rem para desenvolver e partilhar abordagens inovadoras nos domínios da educação, for-
mação e juventude.
Uma atividade focal no KA2 são os Projetos de Reforço de Capacidades no domínio
do Ensino Superior. Estes visam incentivar a cooperação entre a UE e países parceiros
apoiando-os na resposta aos desafios na gestão e governança das suas instituições de en-
sino superior. Isto inclui reformar os seus sistemas de ensino melhorando a sua qualidade,
desenvolvendo programas inovadores, bem como fomentando a cooperação em diferen-
tes regiões do mundo (European Commission, 2019).

1.2. A realidade Africana


Segundo o Banco Mundial, a África Subsariana representa metade da pobreza extre-
ma mundial (African Union Commission/OECD, 2018). África é também o continente
mais jovem do mundo, com quase 50% da população com menos de 15 anos de idade
(Africa-America Institute, 2015). Prevê-se que a população ativa de África aumentará de
705 milhões em 2018 para quase 1000 milhões em 2030. À taxa atual de crescimento da
força de trabalho, África precisa de criar cerca de 12 milhões de novos empregos em cada
ano para evitar que o desemprego aumente. Um crescimento económico forte e sustenta-

356 | XXIX Encontro AULP


do é necessário para gerar emprego, mas isso por si só não é suficiente (African Develo-
pment Bank, 2019).
A África Subsariana é a região do mundo com a população menos qualificada e com
as maiores dificuldades em educação. Uma das principais áreas de intervenção para Áfri-
ca cumprir as metas de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 é investir na educa-
ção universal e no desenvolvimento de competências profissionais que correspondam à
procura do mercado de trabalho (African Union Commission/OECD, 2018).
De acordo com o relatório “State of Education in Africa” (Africa-America Institute,
2015), as taxas de inscrição no ensino universitário na África Subsariana estão entre as
mais baixas do mundo. Enquanto os governos investem nas universidades, os esforços
deveriam concentrar-se em expandir o acesso e melhorar a qualidade da educação, inves-
tindo em professores qualificados e no desenvolvimento de infraestrutura para atender às
necessidades da força de trabalho local e global atual.
Depois de quase quatro décadas de conflito devido às Guerras de Independência e
depois a Guerras Civis, alguns países africanos tiveram as suas infraestruturas destruídas,
incluindo a rede de administração pública e o tecido social. Este foi o caso em alguns
países lusófonos como Angola (World Bank, 2018) e Moçambique (Brück, 1998), que no
período pós-guerra ficaram sem sistemas funcionais de saúde e educação. Segundo a
Unicef (2018), nestes dois países as taxas de mortalidade infantil e materna ainda estão
abaixo da média da África subsariana. As taxas de inscrição no ensino primário permane-
cem comparativamente baixas (World Bank, 2019) e a taxa de trabalho infantil é de cerca
de 23% (Unicef, 2018). Em suma, Angola e Moçambique têm uma força de trabalho jo-
vem e qualificada que precisa criar cadeias de valor alternativas para aumentar e diversi-
ficar sua atividade económica.

1.2.1. Angola
De acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento (2019), a fim de acelerar os
esforços de redução da pobreza, as autoridades angolanas desenvolveram uma nova visão
para o país para 2011–2015 com os seguintes objetivos:
“1) Promoção e aceleração do crescimento e competitividade através da diversifica-
ção económica; 2) Redução da pobreza através do desenvolvimento de capital humano e
intervenções direcionadas, especificamente através da criação de emprego no setor priva-
do; 3) Crescimento equilibrado e desenvolvimento harmonizado em paralelo com a pro-
teção dos recursos naturais; 4) Eficiência e prestação de contas na gestão de políticas
públicas, com ênfase no fortalecimento institucional e no desenvolvimento da capacidade
humana (African Development Bank, 2019).”
Na cidade de Luanda, modernos arranha-céus entopem o centro da cidade, cercados
por musseques, onde vive 70% da população. Na província de Luanda (26% da popula-
ção) coexistem as áreas rurais e o maior parque industrial nacional. A Província de Ben-
guela (8,4% da população) tem as suas principais atividades no setor agrícola, juntamen-
te com a extração de minério e indústria metalúrgica.

1.2.2. Moçambique
O Governo de Moçambique tem um foco na promoção do crescimento inclusivo para
a estratégia de redução da pobreza. A estratégia tem dois temas abrangentes de estabilida-

XXIX Encontro AULP | 357


de macroeconómica e boa governança, com três objetivos principais: “1) Aumento da
produção e produtividade agrícola e pesqueira, 2) Geração de emprego, 3) Desenvolvi-
mento social e humano (African Development Bank, 2019)”.
Na Província de Maputo (> 6% da população de Moçambique), as áreas rurais coexis-
tem com o maior parque industrial e comercial nacional. A Província de Nampula é a mais
populosa de Moçambique (> 19% da população) tem as suas principais atividades no
sector agrícola e na extração de minério e pedras preciosas.

1.3. O interesse Europeu


Nas palavras de Juncker (2018), a UE está estrategicamente preocupada em criar “uma
nova Aliança África-Europa para o Investimento Sustentável de forma a aumentar o inves-
timento em África, fortalecer o comércio, criar empregos e investir em educação e compe-
tências”. O empenho em reforçar a Parceria África-EU destaca uma série de ações-chave
que incluem o investimento em educação e competências para reforçar a empregabilidade
e igualar competências e empregos, incluindo também bolsas de estudo e programas de
intercâmbio, em particular através do Programa Erasmus (European Commission, 2018).
Em 2017, a NOVA criou uma plataforma estratégica “NOVA in the Globe“ para promo-
ver a colaboração e integração de diferentes campos de conhecimento, focando a sua ação
nos ODSs. A NOVA está envolvida em vários projetos de cooperação internacional neste
contexto com abordagem multidisciplinar, o que expressa a sua capacidade de estabelecer
parcerias com universidades de diferentes países para a implementação de projetos em todo
o mundo. Uma das regiões prioritárias para estes projetos de cooperação tem sido África.

2. UDI-Africa: visão geral


Os membros do Consórcio do UDI-África (2017-2020) são: Universidade Agostinho
Neto (UAN) e Universidade Katyavala Bwila (UKB) de Angola, Universidade Eduardo
Mondlane (UEM) e Universidade de Lúrio (UniLúrio) de Moçambique, King’s College
University (KCL) – UK, Universidade Livre de Bruxelas (ULB) – Bélgica, Universidade
de Maastricht (UM) – Holanda, Universidade Nova de Lisboa (NOVA) – Portugal e o
parceiro não académico EFMD.
O UDI-África visa:
• Reforçar as capacidades das universidades africanas para enfrentar melhor os desa-
fios sociais e económicos e apoiá-los a desempenhar um papel efetivo de impacto na
promoção do desenvolvimento sustentável e inclusivo em sua região e país.
• Reforçar as capacidades das universidades europeias para o desenvolvimento de
parcerias com universidades africanas.

Alinhado com as prioridades de desenvolvimento dos países africanos, os objetivos


específicos do UDI-África são:
1. Melhorar a qualidade da educação, investigação e serviço, atualizando conheci-
mentos e competências
2. Aproximar a universidade da sociedade, envolvendo atores como estudantes, pes-
soal docente e não-docente.
3. Contribuir para a internacionalização promovendo a mobilidade internacional
4. Promover uma cultura de inovação e empreendedorismo social

358 | XXIX Encontro AULP


O UDI-África centra-se nas seguintes abordagens:
• Desenvolvimento Profissional Individual: Através do envolvimento do pessoal do-
cente e não-docente das Instituições Parceiras Africanas num Programa Internacional
de Capacitação, onde tiveram a oportunidade de se atualizar técnica e cientificamente
através de iniciativas de formação formal, autoaprendizagem e aprendizagem não
formal. Isso permitiu a formação de um conjunto significativo de pessoal de cada
instituição parceira, a fim de criar equipas de “Champions para inovação e mudança”.
• Desenvolvimento Académico Institucional: O conhecimento adquirido com a mo-
bilidade internacional foi transferido para as universidades africanas, e multiplicado
para a sociedade através dos Centros de Desenvolvimento Académico e Inovação
(Centres for Academic Development and Innovation – CADIs), um novo serviço
universitário criado no âmbito do projeto.

Portanto, o UDI-África tem quatro áreas de atividade, alinhadas com os objetivos do


projeto:
1. Criação e desenvolvimento dos CADIs, que são um serviço novo ou restruturado
dos parceiros africanos. Estes novos centros são vitais para o projeto, uma vez que
são as estruturas responsáveis pela implementação das atividades do projeto em
África.
2. Desenvolvimento do pessoal docente e não-docente com novos conhecimentos e
competências científicas, técnicas e transversais.
3. Alcançar a sociedade através de uma abordagem interdisciplinar de empreendedo-
rismo e inovação social
4. Promover a internacionalização dos CADIs, funcionários, estudantes e instituições.

2.1. Os atores-chave: Champions e Juniors


As universidades parceiras africanas têm os seus respetivos Planos Estratégicos alinha-
dos com as estratégias nacionais e necessidades locais. O Plano de Desenvolvimento Estra-
tégico das Universidades articula claramente a necessidade de qualificar a força de trabalho
nacional jovem e dar-lhe competências e atitudes empreendedoras para um impacto positi-
vo no desenvolvimento sustentável e inclusivo de sua nação (Universidade Agostinho Neto,
2016), (Universidade Katyavala Bwila, 2012), (Ministério de Educação de Moçambique,
2012), (Universidade Eduardo Mondlane, 2018), (Universidade de Lúrio, 2016).
A solução proposta no UDI-África tem duas vertentes: 1) capacitar um grupo signifi-
cativo pessoal docente e não-docente de cada instituição parceira, a fim de criar equipas
de Champions; 2) estabelecer a ligação entre essas equipas capacitadas com seus alunos
e com as partes interessadas locais, de forma a criar um ecossistema local de desenvolvi-
mento sustentável e inclusivo, nos CADIs.
Portanto, cada instituição africana selecionou 10 Champions para participar num pro-
grama de capacitação internacional. Estes foram escolhidos entre docentes com experiên-
cia equivalente a mestrado, com experiência de 5-15 anos e evidência de atividade acadé-
mica internacional. Já os não docentes, tinham de ter nível mínimo de bacharel,
experiência de 5-15 anos e envolvimento em educação contínua e assuntos internacionais
da universidade.

XXIX Encontro AULP | 359


Posteriormente, os Champions foram responsáveis pelo desenvolvimento dos CADIs,
bem como pelo recrutamento de membros Juniors. O objetivo é permitir que ambos
atualizem os currículos dos módulos pelos quais são responsáveis, bem como o desenvol-
vimento de projetos colaborativos. O facto de o UDI-Africa se centrar na inovação social
e empreendedorismo visa a colaboração entre Champions, Juniors, estudantes e partes
interessadas locais, visando a criação de novos projetos com impacto concreto nas comu-
nidades locais.

2.1.1. Programa Internacional de Capacitação


Entre março e abril de 2018, o projeto implementou um Programa Internacional de
Capacitação (ICP) para atualizar as competências do pessoal docente e não-docente de
Angola e Moçambique. O programa foi acordado e planeado por académicos das univer-
sidades europeias em cooperação com os académicos das universidades africanas. Cada
instituição europeia foi responsável por uma das quatro áreas científicas e por orientar os
Champions do mesmo tópico em todas as universidades africanas parceiras. Estas áreas
são os quatro pilares de uma abordagem multidisciplinar identificada durante a fase de
análise de necessidades pelos parceiros africanos, como as mais relevantes para o desen-
volvimento sustentável e inclusivo na região.
• Economia e gestão – NOVA
• Construção e infraestruturas – ULB
• Ciências da saúde – UM
• Humanidades e ciências sociais – KCL
Nas últimas semanas do ICP na NOVA, o programa incluiu módulos focados em aspetos
pedagógicos, comunicação e competências transversais. Também foi desenvolvida uma for-
mação interdisciplinar em empreendedorismo social e inovação para todos os Champions.

2.2. O cenário: CADIs e Consolidação nas Instituições Africanas


Após o período de treino intensivo, os Champions voltaram para casa e começaram a
transmitir a experiência adquirida no ICP, adicionando membros Juniors à equipa. A
transferência da capacitação continuou para a instituição através dos módulos-piloto atu-
alizados científica e pedagogicamente, que eles estão a organizar e que chegarão a muitos
estudantes. Juntos, Champions, Juniors e estudantes multiplicarão o impacto do UDI-
-África para a sociedade. Para cumprir este objetivo, tem sido crucial a criação de Centros
de Desenvolvimento Académico e Inovação (CADIs), um novo (ou revitalizado) serviço.
Os CADIs são serviços inovadores que integram múltiplas perspetivas de suporte
numa única estrutura. Cada Universidade Africana Parceira tem cerca de 20 membros do
pessoal a trabalhar no projeto UDI-Africa e a participar nas suas atividades localmente.
Atualmente, todos os CADIs possuem uma equipa de gestão estabelecida, geralmente
bastante diversificada, incluindo pessoal docente e não-docente, Champions, Juniors,
bem como representantes das equipas reitorais. A equipa tem o triplo papel de 1) Gestão
dos CADIs; 2) Apoio e orientação (com parceiros da UE) dos Juniors; 3) Envolvimento
com os estudantes e as partes interessadas locais.
Para melhorar a adoção do projeto pela comunidade, o UDI-África também promoveu
uma estratégia de comunicação institucional para os CADIs que reflete a instituição e a
cultura local. Isso inclui um nome, logotipo, e uma estratégia sobre como comunicar o

360 | XXIX Encontro AULP


projeto internamente. O projeto também forneceu equipamentos de informática para os
CADIs.
Os CADIs organizaram um grande número de seminários e atividades de formação.
Estes têm um duplo propósito, educativo e promocional, e podem ser encontrados no site
do projeto: https://online.unl.pt/udi-africa/ (UDI-Africa, 2019a).

2.2.1. Cooperação Triangular


O UDI-África promove a cooperação regional e internacional triangular por meio de
diferentes ações. Dentro da estrutura do projeto, três conferências internacionais foram
planeadas.
A primeira aconteceu em novembro de 2018, em Luanda, Angola, organizado pela
UAN. Reuniu 187 participantes entre Champions, Juniors, os parceiros do projeto, altos
representantes das universidades parceiras, partes interessadas externas da UE, Angola e
Moçambique, bem como o Ministério de Educação e do Ensino Superior de Angola e outros
decisores políticos. A conferência foi um grande desafio para a universidade, pois foi uma
das primeiras vezes que acolheu um público tão internacional. Considerando os desafios,
esta foi uma conferência excelente, verdadeiramente académica, com a participação de um
público diversificado, com interesse genuíno no projeto e seus resultados (EFMD, 2019a).
A segunda Conferência Internacional está agora a ser preparada e será organizada pela
UEM em Maputo, Moçambique, em novembro de 2019. A conferência final ocorrerá em
março de 2020, em Bruxelas, organizada pela EFMD.
Paralelamente à conferência internacional, a KCL preparou duas oficinas de escrita
científica em Luanda e Benguela. Essas oficinas foram organizadas para partilhar expe-
riências em termos de publicação de artigos em jornais locais e internacionais.
Os principais objetivos destas ações são promover a cooperação Sul-Sul, Norte-Sul e
triangular, disseminar amplamente o projeto, criar interesse e encontrar financiamento
nacional e internacional para continuar as atividades do projeto.

2.2.2. Ações “Twinning”


Um capital de conhecimento comum e confiança institucional está a ser desenvolvido
no UDI-África. Criámos um sistema deligação entre parceiros europeus e africanos para
a implementação de uma rede de apoio. Cada parceiro africano tem um parceiro “gémeo”
da UE disponível para ajudar remotamente e orientar a implementação local do projeto.
Os pares de “gémeos” são: UAN-NOVA, UEM-UM, UKB-ULB, UniLúrio-KCL.
Os Parceiros Africanos podem contar com seu parceiro “gémeo” como consultor pró-
ximo em todas as questões gerais relativas ao Programa de Capacitação. Os parceiros da
UE têm viajado para as suas instituições “gémeas” para acompanhar o processo de con-
solidação e ajudar o desenvolvimento dos CADIs e dos Champions e Juniors. O Moodle
do Projeto é o espaço de trabalho estruturado on-line usado para as diferentes tarefas do
projeto, e onde todas as informações e documentos são partilhados.

2.2.3. Divulgação e valorização


Neste tipo de projetos, a divulgação e valorização dos resultados constituem uma ta-
refa fundamental. A principal ação para o público foi a implementação de um website em
português e inglês, para ligar os parceiros europeus e africanos numa comunidade virtual

XXIX Encontro AULP | 361


de intercâmbio, divulgação e informação (UDI-Africa, 2019a). Como complemento, os
sites de todos os Parceiros divulgam notícias e eventos relacionados com o projeto, usan-
do também o Facebook (UDI-Africa, 2019b) e o Linkedin (UDI-Africa, 2019c). A rede
UDI-África em curso tem um papel importante na difusão de boas práticas entre os mem-
bros do Consórcio, mas também para outras Universidades de outros países. O projeto
tem vindo a ser convidado como um exemplo de Parceria para a Capacitação em sessões
dedicadas sobre: Investigação (NOVA/ Cambridge Joint Initiative: “Research in Africa”,
2018), Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP); Mobilidade Internacional
(REALISE, 2019); Confiança, Parcerias e Impacto (EFMD, 2019b). Nestas sessões, al-
guns dos Champions têm tido a oportunidade de participar e falar sobre a sua experiência
pessoal e o desenvolvimento das suas Instituições.

3. Impacto esperado
O UDI-África trouxe as seguintes mudanças no que diz respeito à operação dos par-
ceiros africanos a nível institucional, nacional e internacional:
1. Os parceiros africanos contam agora com uma equipa de Champions (docente e
não-docente) que estão a mudar de forma estável e estratégica as suas instituições,
através da transferência e disseminação do conhecimento que receberam na Europa.
2. Uma ligação institucional ativa e sólida está a ser desenvolvida para promover o
desenvolvimento sustentável e inclusivo em Angola e Moçambique, em particular
nas regiões onde as Universidades Parceiras estão implantadas.

3.1. Avaliando o impacto


Para monitorizar o impacto do UDI-África, temos uma tarefa específica de Garantia
de Qualidade liderada pela EFMD. O consórcio definiu os mecanismos e critérios para
monitorizar a qualidade dos procedimentos e resultados do projeto. As ferramentas para
a monitorização incluem observação e análise dos documentos produzidos durante todo o
ciclo de vida do projeto, inquéritos e entrevistas partilhados após um evento de formação
ou divulgação. A metodologia de garantia de qualidade adotada foi desenvolvida com
base na abordagem que as estruturas internacionais de qualidade utilizam para avaliar a
qualidade de ações e projetos semelhantes ao UDI-Africa (EFMD, 2017).
Em paralelo, também temos um projeto de monitorização de impacto que visa explorar
a capacitação na prática, abordando as expectativas, imaginários e experiências dos Cham-
pions da área Saúde. Usando entrevistas semi-estruturadas, grupos focais e observação dos
participantes em reuniões de projeto relevantes, este estudo reflete sobre a performativida-
de das metodologias de capacitação, explorando uma ampla gama de questões que emer-
gem no âmbito das parcerias Norte – Sul (Carvalho, Ferrinho, & Craveiro, 2018).

3.2. Individual
3.2.1. Champions:
O projeto formou os parceiros para desenvolverem e gerirem projetos com impacto
local em diferentes setores. Dois inquéritos dirigidos aos Champions apresentaram resul-
tados muito positivos em ambas as avaliações (EFMD, 2018).
Após a sua formação na Europa e depois de regressarem às suas tarefas profissionais
diárias, os Champions reconheceram os benefícios para o ensino, investigação e gestão

362 | XXIX Encontro AULP


dos grupos de alunos, facilitando tipos específicos de formações, lidando com o trabalho
de vários departamentos e na comunicação com novos colegas e alunos. Embora pareçam
priorizar as competências de comunicação e o trabalho em equipa, as formações em com-
petências transversais influenciaram muitos aspetos do trabalho institucional, indepen-
dentemente da experiência profissional (EFMD, 2018).
No geral, há uma indicação clara de que o ICP proporcionou um conhecimento teórico
e prático equilibrado. Depois do ICP, os Champions deram atenção a problemas sociais
específicos relacionados ao seu campo científico. Os inquéritos mostraram que cada
Champion com uma formação profissional diferente identificou uma forma diferente de
intervenção. Isto é essencial para as etapas do projeto que se seguem, em que esses tópi-
cos inspirarão a implementação de projetos comunitários. Concluindo, os Champions
estão focados no desenvolvimento dos projetos e sentem-se equipados com as ferramen-
tas para implementá-los (EFMD, 2018). Vários depoimentos dos Champions estão dispo-
níveis no site do projeto (UDI-Africa, 2019a).

3.2.2. Juniors:
Após o ICP, os Champions selecionaram e começaram a treinar jovens colegas (Juniors)
para se envolverem no UDI-África. Um inquérito recente dirigido aos Juniors confirmou a
relevância e aplicabilidade do novo conhecimento ao seu contexto e área científica. Igual-
mente importante, eles reconheceram a influência do projeto para ajudá-los a entender o
conceito de empreendedorismo social, como usar o novo conhecimento para desenvolver
projetos relacionados e como envolver partes interessadas relevantes. (EFMD, 2019a). Os
Juniors participaram na 1ª Conferência Internacional em Luanda, onde foram promovidos a
Champions II. Eles participarão também na 2ª Conferência Internacional em Maputo.
Além da participação ativa no projeto, seja recebendo ou dando formação, um dos
impactos identificados inerentes à rede UDI-África foram alguns Champions que recen-
temente iniciaram doutoramentos e investigação colaborativa fora das suas instituições e
países, principalmente nalgumas universidades portuguesas. Isto aumentará o número de
doutoramentos nas universidades africanas, o que ainda é bastante limitado, contribuindo
fortemente para o aumento da qualidade do Ensino Superior.

3.3. Institucional
As Universidades Africanas já estabeleceram os CADIs para coordenar uma série de
atividades que têm uma perspetiva de impacto social e económico nas comunidades lo-
cais. No geral, os relatórios dos resultados dos CADIs (EFMD, 2019a) forneceram indi-
cadores importantes sobre o impacto que o projeto está a ter localmente. Um canal de
comunicação entre os CADIs e as comunidades locais foi estabelecido e informa os
CADIs sobre prioridades, a natureza dos eventos a serem organizados, bem como os pro-
jetos que se espera venham a desenvolver. Além disso, esses eventos têm um propósito
educativo e fornecem formação sobre questões de empreendedorismo social. Dessa for-
ma, tornam-se parte do processo de geração e disseminação de conhecimento que come-
çou na Europa com o ICP e os Champions, depois os Juniors e agora os estudantes e a
comunidade. Muitos dos indicadores de qualidade estabelecidos para o projeto são inspi-
rados pelo BSIS, a estrutura do EFMD para a avaliação e medição do impacto das insti-
tuições de ensino superior. Uma visão geral do progresso do projeto, em relação aos indi-

XXIX Encontro AULP | 363


cadores da BSIS, revela um progresso significativo em trazer localmente o impacto sobre
a sociedade, o desenvolvimento e o impacto intelectual.
Em conclusão, o projeto mostra importantes sinais de impacto social, de desenvolvi-
mento intelectual, educacional, financeiro e de imagem nas regiões onde os parceiros
africanos se baseiam. Quatro CADIs coordenados internacionalmente para questões aca-
démicas e científicas deverão desempenhar um papel fundamental na tradução do impac-
to social para o impacto financeiro e de desenvolvimento económico e, consequentemen-
te, para resultados sustentáveis (EFMD, 2019a).
Sem dúvida, o trabalho dos CADIs localmente tem um impacto importante na imagem
das regiões em que se inserem, especialmente aquelas relativamente desconhecidas ante-
riormente, como Benguela e Lúrio. Cada CADI também tem a oportunidade de promover
esta imagem internacionalmente em eventos como as conferências internacionais e as
oficinas científicas. O UDI-África, na sua parceria triangular, deu às universidades africa-
nas a oportunidade de aumentar a sua extensão e internacionalização, alinhando-se com
os seus objetivos estratégicos (Universidade Agostinho Neto, 2016),(Universidade
Katyavala Bwila, 2012), (Ministério de Educação de Moçambique, 2012), (Universidade
Eduardo Mondlane, 2018), (Universidade de Lúrio, 2016).

3.4. Social
Os CADIs vão promovera inovação social e a abordagem do empreendedorismo, aproxi-
mando a universidade da sociedade. Isso acontece através da interação com a comunidade
local numa série de seminários e ações de formação. Estas atividades têm um duplo propósi-
to, educativo e promocional. Mais de 10 eventos foram organizados desde novembro de
2018 para informar a comunidade sobre o papel dos CADIs e para treinar professores e atores
da comunidade local sobre questões de empreendedorismo social. Os seus exemplos mos-
tram que as atividades envolvem as comunidades ao redor das universidades e, em alguns
casos, atingem os decisores políticos de alto nível. Sem dúvida, oferecem espaço para troca
de conhecimento e beneficiam o desenvolvimento do curso e dos projetos de empreendedo-
rismo social. Em Maputo e Luanda, o Projeto Nguzu-CPLP, que está a organizar Bootcamps
de Inovação nas regiões, estará a cooperar com o projeto tendo em vista os próximos Cursos.
Em Moçambique, está em andamento uma colaboração com a Ideialab (EFMD, 2019a).
Estas partes interessadas estarão envolvidas no planeamento e avaliação dos cursos de
Inovação e Empreendedorismo Social que estão a ser desenvolvidos durante 2019 em to-
das as instituições parceiras africanas para os seus alunos. Espera-se que esses cursos de-
sempenhem um papel impactante, ajudando os alunos a ligarem-se à atividade económica
e aos processos sociais locais de forma a criar novas cadeias de valor ou ajudar a melhorar
as existentes, sempre com preocupação em inclusão, desenvolvimento sustentável e me-
lhoria social. Os alunos terão um forte apoio institucional para desempenhar esse papel. O
UDI-África financiará os alunos com os melhores projetos de empreendedorismo social
para apresentarem sua ideia na Conferência Internacional Final em Bruxelas em 2020.

4. Conclusões
Este artigo apresenta resultados preliminares de um projeto ainda em curso. Conscien-
tes dos desafios em envolver os parceiros do Norte e do Sul na gestão e implementação
de projetos, fizemos um esforço para criar canais e procedimentos de comunicação com

364 | XXIX Encontro AULP


vista a relacionamentos mais justos, responsáveis e sustentáveis. Embora a implementa-
ção desses procedimentos nem sempre seja simples, tem vindo a ficar clara a necessidade
de desenvolver e aplicar os conceitos de cocriação e co-design. Isso permitirá uma parce-
ria mais equitativa com um entendimento compartilhado de mutualidade.
Para além do impacto acima mencionado nas instituições parceiras africanas, o UDI-
-África teve também um forte impacto nas instituições europeias, nomeadamente no coor-
denador NOVA. Desde o início do projeto, e acompanhada por uma nova equipa reitoral, a
NOVA iniciou um novo gabinete de desenvolvimento internacional (GDI) focado no plane-
amento estratégico e na gestão de projetos de cooperação, e no desenvolvimento da plata-
forma NOVA in the Globe. Neste contexto, o GDI recentemente planeou e apresentou uma
nova proposta de capacitação com os outros países insulares lusófonos (Cabo Verde e São
Tomé e Príncipe) onde os atuais parceiros do UDI-África de Angola são parceiros associa-
dos. O UDI-África pode ter impacto na expansão de iniciativas de capacitação em África.
Em geral, a natureza multidisciplinar do UDI-África está a gerar impacto nas escalas
individual, institucional e social. A longo prazo, isso pode influenciar o desenvolvimento dos
países em vários ODSs para além do ODS 4 (educação) e ODS 17 (parcerias) mencionados
acima. Dadas as áreas temáticas e o efeito social previsto para o projeto, prevemos uma li-
gação com os seguintes ODS s: 1-Redução da Pobreza, 3-Saúde, 8-Trabalho Digno, 9-In-
dústria, Inovação e Infraestruturas, 10-Desigualdades, 16-Paz, justiça e instituições fortes.

Agradecimentos
Este trabalho resulta da implementação do Projeto UDI-Africa Referência No:586047-
EPP-1-2017-1-PT-EPPKA2-CBHE-JP cofinanciado pelo Programa Erasmus+ da União
Europeia. Gostaríamos de agradecer a todos os Departamentos/Faculdades envolvidos na
organização do ICP das Instituições Europeias: King’s College London, Maastricht Uni-
versity, Université Libre de Bruxelles, NOVA (Escola Doutoral, IHMT, SBE; NOVAfri-
ca), e aos Parceiros Associados: Instituto de Empreendedorismo Social, rede ÚNICA e
GirlMove. Deixamos também um reconhecimento a todas as equipas reitorais das Uni-
versidades Africanas envolvidas no projeto pelo seu empenho e apoio permanente. Para a
realização da 1ª Conferência Internacional em Luanda foi imprescindível o apoio do Mi-
nistério do Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação de Angola, pelo que gostarí-
amos também de agradecer à Senhora Ministra Maria do Rosário Sambo que esteve en-
volvida no UDI-África desde a sua génese. Por fim expressamos a nossa gratidão a todos
os envolvidos direta ou indiretamente no Projeto UDI-Africa.

Referências
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aaionline.org/wp-content/uploads/2015/09/AAI-SOE-report-2015-final.pdf
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1019-1051. Obtido de http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1221844645N4pCJ4py0Bk40IF4.pdf

XXIX Encontro AULP | 365


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indicator

366 | XXIX Encontro AULP


UERJ – Inclusão e diversidade como prioridade na educação

Andreia Vieira
Diretoria de Cooperação Internacional, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil;
E-mail: [email protected]

Cristina Russi G. Furtado (autor correspondente)


Diretoria de Cooperação Internacional, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil;
E-mail: [email protected]

Tania Maria de Castro Carvalho Netto


Pro-Reitoria de Graduação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil;
E-mail: [email protected]

Ruy Garcia Marques


Reitoria, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil; E-mail: [email protected]

1. Introdução
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) foi criada, no então Distrito
Federal, por decreto datado de 04 de dezembro de 1950, cujo teor a define como herdeira
da primeira Universidade do Distrito Federal. Desde sua criação vem se consolidando, no
cenário acadêmico nacional e internacional, tendo sua história e importância reafirmadas
pela consolidação do ensino, da pesquisa e da extensão, de alta qualidade. Desde sua
fundação, a UERJ destaca-se por seu pioneirismo: foi a primeira universidade pública do
Brasil a oferecer o ensino superior noturno, permitindo a qualificação de estudantes tra-
balhadores; foi a segunda instituição universitária a possuir um hospital de clínicas volta-
do para o ensino; é a Universidade brasileira com maior número de projetos de interação
com a sociedade (extensão universitária); foi a primeira a implantar o sistema de cotas,
com importantes programas de inserção acadêmica dos alunos ingressantes por reserva de
vagas, até hoje referências no país; destacou-se na implantação de programas de qualifi-
cação docente da rede pública do estado; foi inovadora no estímulo à produção acadêmi-
ca (Programa Prociência), responsável pela formação, em seis décadas, de recursos hu-
manos qualificados para o Estado do Rio de Janeiro e para o país.
Com suas atribuições ampliadas para todo o Estado do Rio, a UERJ definiu sua voca-
ção para a interiorização, incorporando instituições educacionais e científicas do antigo
Estado do Rio de Janeiro (Duque de Caxias, São Gonçalo, Nova Friburgo) e ampliando
suas ações para Angra dos Reis (Ilha Grande), Resende, Teresópolis e Petrópolis.
Por ser mantida pelo Estado, a UERJ é diretamente dependente da situação eco-
nômica e dos recursos gerados pelo nível de desenvolvimento do Estado do Rio de
Janeiro, o que implica – mais do que as demais instituições de ensino superior sediadas
no Rio – que ela tenha como vocação principal o desenvolvimento científico cultu-
ral, assim contribuindo para o desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro. Sua mis-
são estratégica, dessa forma, é atuar, de maneira decisiva, como uma agência de desen-

XXIX Encontro AULP | 367


volvimento, destinada a alavancar projetos considerados prioritários pelo governo do
Estado.

2. O Sistema de Cotas
2.1 Histórico
Em 2000, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou
uma lei que introduziu modificações nos critérios de acesso às universidades estaduais
fluminenses e reservou 50% das vagas para estudantes egressos de escolas públicas. A Lei
nº 3524, de 28 de dezembro de 2000, destinava a cota de 50% das vagas das universidades
públicas estaduais do Estado do Rio de Janeiro: UERJ e UENF, para estudantes que tives-
sem cursado integralmente os ensinos fundamental e médio em instituições da rede públi-
ca dos Municípios ou do Estado do Rio de Janeiro.
Em 9 de novembro de 2001, a Lei nº 3.708, regulamentada pelo Decreto nº 30.766, de
04 de março de 2002, determinou a reserva de 40% das vagas para os cursos de ensino
superior de ambas Universidades estaduais, para estudantes autodeclarados negros e par-
dos e a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou o projeto do Depu-
tado José Amorim (PPB), que declarou que a cota de 40% foi estabelecida com base na
representatividade de negros e pardos na população fluminense. Juntas, as etnias soma-
vam, em 1999, 38,2% dos habitantes do Estado, segundo o Instituto Brasileiro de Geo-
grafia e Estatística (IBGE).
Em 4 de setembro de 2003, a Lei nº 4.151 foi promulgada, incluindo o conceito de
“carentes”. A questão social passou a também ser considerada, exigindo, como pré-con-
dição para a entrada nesta universidade através do sistema de cotas, a real comprovação
da condição de carência socioeconômica dos candidatos. Foi estabelecida a reserva de
45% do total das vagas oferecidas, distribuídos pelos seguintes grupos de cota: 20% para
estudantes oriundos da rede pública de ensino, 20% para negros e 5% para pessoas com
deficiência e integrantes de minorias étnicas. A UERJ definiu como minorias étnicas os
indígenas nascidos no Brasil.
A Lei nº 5074, de 17 de julho de 2007, foi publicada incluindo, no último grupo de
cotas, os filhos de policiais civis, militares, bombeiros militares e de inspetores de segu-
rança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço.
Atualmente a legislação está balizada pela Lei nº 8121, de 27 de setembro de 2018,
que prorroga a reserva, por mais 10 anos, para as Universidades públicas estaduais, com
a inclusão de quilombolas e estabelece os percentuais em 20% das vagas reservadas a
negros, indígenas e alunos oriundos de comunidades quilombolas, 20% das vagas reser-
vadas aos alunos oriundos de ensino médio da rede pública, seja municipal, estadual ou
federal e 5% das vagas reservadas aos estudantes com deficiência, e filhos de policiais
civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração peniten-
ciária, mortos ou incapacitados em razão de serviço.
Até o ano de 2000, o ingresso de estudantes de baixa renda, oriundos de escolas pú-
blicas, nas Universidades era reduzido. Soma-se a essa questão social, a questão racial, e
sobre esse aspecto as primeiras iniciativas de implantação de programas de ação afirma-
tiva no Brasil, como ferramentas de combate ao racismo e à desigualdade racial foram
iniciadas em meados da década de 1990.

368 | XXIX Encontro AULP


A Constituição de 1988 pavimentou o caminho para a adoção de tais medidas, pois,
embora permita diferentes interpretações e ênfases, seu texto explicita, claramente, al-
guns princípios de discriminação positiva. Mais precisamente, foi a partir de 1995 que
órgãos do governo federal, estadual e municipal, bem como organizações não governa-
mentais, movimentos sociais e o setor privado passaram a tomar providências, diante das
desigualdades raciais. Por ocasião da Conferência Mundial contra o Racismo, Discrimi-
nação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, África do Sul, em
2001, o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso reconheceu publica-
mente que o Brasil é um país racista e se comprometeu a adotar políticas públicas para
alterar esse quadro. Em sequência, o próprio governo federal começou a dar o exemplo,
adotando medidas de discriminação positiva na composição de alguns dos seus quadros
funcionais, como os do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o da Justiça e o das Re-
lações Exteriores. Costuma-se creditar a esses gestos o aumento expressivo da quantidade
e do alcance de políticas de ação afirmativa que se seguiu. Data efetivamente de 1996 a
primeira vez que um governo brasileiro discutiu a possibilidade de adotar políticas públi-
cas de caráter focal voltadas para população negra. No mesmo ano, o Ministério da Justi-
ça promoveu em Brasília o seminário internacional “Multiculturalismo e Racismo: o Pa-
pel da Ação Afirmativa nos Estados Democráticos Contemporâneos”, que reuniu
pesquisadores brasileiros e estrangeiros, bem como lideranças políticas do movimento
negro com o intuito de obter subsídios para a aplicação de medidas afirmativas no Brasil.
(Heringer, 2001; Htun, 2001).
Em 2001, a adesão do Brasil ao Plano de Ação de Durban sinalizou uma inflexão,
ainda mais significativa, na postura do Estado brasileiro, até então.
Como já mencionado, as primeiras iniciativas de implantação de políticas de ação
afirmativa no Brasil ocorreram por meio de leis estaduais, que orientaram as universida-
des sob administração do Estado em questão a adotar medidas de inclusão em seus pro-
cessos seletivos de ingresso no ensino superior público. No entanto, ao longo do tempo
muitas outras universidades estaduais aderiram às ações afirmativas, por iniciativa pró-
pria, chegando-se a um quadro em que o número de instituições submetidas a leis estadu-
ais iguala-se à quantidade daquelas que adotaram Ações afirmativas por meio de resolu-
ções de seus conselhos universitários.
De acordo com dados do Censo da Educação Superior 2010 (INEP, 2011), o maior
número de matrículas das ações afirmativas, no ensino superior público federal e estadu-
al, permanece concentrado nas universidades (54,3%), seguido das faculdades (31,2%) e
dos centros universitários (14,5%).

2.2. Processo de implantação do sistema de cotas na UERJ


A UERJ foi a instituição pública pioneira no Brasil, na implantação do sistema de
cotas, através de seu Vestibular de acesso aos cursos de bacharelado e licenciaturas / gra-
duação. Esse sistema foi implantado na UERJ justamente quando se intensificava a dis-
cussão, em nossa sociedade, sobre as políticas de ação afirmativa como instrumento de
democratização de acesso ao ensino superior.
Apesar da ampliação da questão do acesso à Universidade, a partir de 2003, a
UERJ constatou que a possibilidade/garantia de inclusão no ensino superior não é

XXIX Encontro AULP | 369


sinônimo de permanência na universidade. Neste quadro social de carência de renda
e capital cultural, o Programa de Iniciação Acadêmica – PROINICIAR – criado pelo
Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão, em 2004, através da Deliberação
043/2004, reformulada em 2010 pela Deliberação 043/2010, funciona como estraté-
gia político-acadêmica-inclusiva de construção de possibilidades de permanência do
estudante cotista na UERJ. O PROINICIAR é destinado aos estudantes que ingressa-
ram pelo sistema de vagas reservadas e tem como principal objetivo apoiar a perma-
nência do estudante cotista na universidade, garantindo-lhe, através da bolsa perma-
nência por cada um deles percebida – ao longo de seu curso – a conclusão do mesmo.
Como instrumento de combate à evasão, a UERJ estabelece como política de perma-
nência o oferecimento de apoio acadêmico e financeiro aos alunos cotistas nos se-
guintes termos:
a. Apoio acadêmico: tem por objetivo garantir não só a permanência, mas também
a inserção acadêmica dos alunos. Está estruturado na participação dos alunos por li-
vre demanda, nas atividades extraclasses em função das disponibilidades das unida-
des acadêmicas, docentes, centros setoriais e parcerias com programas e projetos. As
atividades acadêmicas estão organizadas em quatro eixos que contribuem para o de-
senvolvimento acadêmico e a integração dos estudantes: I- Atividades instrumentais,
com módulos de 30 (trinta) horas, que objetivam o desenvolvimento de conceitos e
conteúdos necessários ao bom aproveitamento acadêmico: língua portuguesa, língua
estrangeira instrumental, informática instrumental; II- Oficinas que oferecem ao alu-
no uma formação mais abrangente, ampliando sua vivência acadêmica e sua visão de
mundo; III- Atividades culturais – que visam complementar a formação do aluno
ampliando o conhecimento da diversidade cultural, apresentando atividades, inova-
doras e criativas, democratizando os espaços e os saberes; e IV- Inserção em práticas
acadêmicas que oportuniza a todos os estudantes desde o 1º período sua inclusão em
projetos de ensino, pesquisa e extensão. Proporcionando desta forma convívio acadê-
mico com colegas de períodos mais avançados, bolsistas e professores, gerando pos-
sibilidades de desenvolvimento de novas habilidades e competências em diferentes
áreas de conhecimento. Para melhor atender os alunos, agilizando o trâmite de infor-
mações e evitando excesso de burocracias foi implementado o PROINICIAR Virtual,
projeto que surgiu para atender á necessidade de aperfeiçoamento no atendimento aos
alunos. Ambiente virtual de aprendizagem que utiliza um software livre, de apoio,
denominado moodle (modular object-oriented dynamic learning environment).
b. Apoio financeiro: até 2008, os alunos ingressantes por reserva de vagas rece-
biam uma bolsa auxílio vinculada à realização das atividades descritas no item ante-
rior, somente no seu primeiro ano da Universidade. Com a promulgação da Lei 5230,
de 29 de abril de 2008, este benefício foi estendido compulsoriamente para “todo o
curso universitário do estudante cotista que mantiver a condição de carente”. Este
auxílio é denominado bolsa-permanência, e atualmente seu valor é de R$500,00 (qui-
nhentos reais), semelhante a outras modalidades de bolsas oferecidas pela UERJ atra-
vés de projetos, aos estudantes. Destina-se a todos os cotistas que estejam ativos e
inscritos em disciplinas e não sejam beneficiários de outra bolsa na UERJ. Além
dessa bolsa, os cotistas têm recebido, ao longo dos últimos três anos, materiais didá-

370 | XXIX Encontro AULP


ticos de acordo com as especificidades de cada curso. A distribuição desta verba se dá
por meio de decisão coletiva entre dirigentes de centros setoriais, de unidades acadê-
micas e representações estudantis, levando-se em conta o quantitativo de alunos co-
tistas de cada curso inscritos em disciplinas no momento da tomada de decisão.
Todo esse sucesso se deve ao incansável trabalho que vem sendo desenvolvido pela
UERJ, ao longo desses anos, com o estabelecimento da legislação interna, profissionais
engajados no processo de consolidação dessas políticas, dedicação do corpo docente,
discente e técnico-administrativos. Com a ampliação do sistema de reserva de vagas pela
Lei 5346/2008, os estudantes passaram a ter direitos assegurados por lei, tais como bolsa
permanência, já acima citada, durante todo o seu curso universitário, aquisição de mate-
rial didático para todos os estudantes cotistas e, ainda, o Passe Livre Universitário, válido
apenas no município do Rio de Janeiro.
Além desses direitos, o Programa consolidou-se com a oferta de atividades de apoio e
complementação acadêmica, através do PROINICIAR Pedagógico, que contribui para o
desenvolvimento profissional e pessoal do estudante, além de auxiliar na integração e na
qualificação acadêmicas dos estudantes.

2.3. Ampliação do sistema de cotas a nível nacional


As ações afirmativas foram replicadas anualmente na UERJ desde 2003. Além
disso, a partir da experiência da UERJ, tornou-se possível refletir sobre como as po-
líticas de ações afirmativas podem promover acesso a uma formação acadêmica de
qualidade, que vai muito além de assegurar o ingresso em cursos de graduação e após
formados, ao se inserirem no mercado de trabalho ou ao ingressarem em cursos de
pós-graduação contribuem para a efetiva transformação social. Espera-se, ainda, que
esses estudantes estejam habilitados para contribuir com a transição para superar e
romper com as desigualdades secularmente instituídas em nosso país, constituindo-
-se, deste modo, em novas elites dirigentes. E, sobretudo, para que os estudantes au-
todeclarados negros e pardos e os segmentos populares da sociedade possam ter aces-
so ao ensino superior de qualidade. Resta, enfim, reconhecer que, diante da expe-
riência adquirida, pelos profissionais envolvidos, pela qualidade acadêmica de seus
cursos de graduação e pós-graduação, pelos recursos destinados e utilizados, por fim
e, sobretudo, o compromisso institucional presente desde a gênese aos dias atuais, a
UERJ revele-se como relevante exemplo, a ser seguido e afirmado, como é possível
aliar e construir transformação social a partir da excelência do ensino público.
Outras leis estaduais e resoluções de conselhos universitários foram responsá-
veis pela ampla disseminação de medidas similares em universidades de todo o país.
Nesse sentido, é importante notar que as ações afirmativas no ensino superior brasi-
leiro têm início através de iniciativas locais articuladas principalmente entre as uni-
versidades estaduais. Como já salientamos, são essas as instituições a aderir mais
precoce e rapidamente a essas políticas, ainda que em um momento posterior as
universidades federais tenham passado a aderir em ritmo acelerado, em especial em
resposta a incentivos do governo federal e, no último ano, em cumprimento à Lei
Federal 12.711 de 2012, que estabeleceu a obrigatoriedade da adoção dessas políti-
cas nas universidades federais, o que elevou significativamente os percentuais de

XXIX Encontro AULP | 371


vagas destinados às cotas nessas instituições, em especial para pretos, pardos e ín-
dios (Feres Júnior, Daflon et al, 2013). Entretanto, como já constatamos em outros
estudos (Feres Júnior, Daflon e Campos, 2011), até o ano de 2008, quando o Gover-
no Federal condicionou a destinação de recursos do REUNI às instituições federais
à sua adesão às ações afirmativas, eram as universidades estaduais o lócus dessas
políticas por excelência.
Nas últimas décadas no Brasil a obtenção de diploma de nível superior para
a população negra aumentou em função das ações afirmativas com a adoção do sis-
tema de cotas. É possível afirmar ao longo desses mais de 15 anos de experiên-
cia com a implementação do sistema de cotas, proposto inicialmente pela Lei esta-
dual 4.151/2003, bem como seus aperfeiçoamentos, que o percentual de negros e
pardos concluintes de cursos de graduação evoluiu de 1% em 2005 para 2.816% em
2018, destacando-se que muitos desses indivíduos são os primeiros em sua família e
ter a oportunidade de ingressar no ambiente universitário em curso de formação
superior.
De acordo com dados do IBGE, apesar disso, a população negra ainda permanece
aquém da população branca diplomada.
Os avanços auferidos, desde de 2011, segundo o Censo do Ensino Superior elabo-
rado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) aponta para o aumento do número de matrículas de estudantes negros em cur-
sos de graduação: do total de 8 milhões de matrículas, 11% foram feitas por alunos
pretos ou pardos e em 2016, ano do último Censo, o percentual de negros matricula-
dos subiu para 30%.
A análise dos resultados comparativos, entre os anos 2003 e 2017, para estudantes
provenientes de cotas (cotistas) e estudantes provenientes de vagas regulares (não cotis-
tas), especificamente, aferindo-se os ingressantes, concluintes e evadidos na UERJ, apon-
ta para a persistência dos cotistas para chegar à conclusão dos cursos. O grupo de estudan-
tes cotistas foi o que mais se formou pela UERJ percentualmente comparando-se ao
grupo de estudantes não cotistas.
Percebemos maior valoração e persistência por parte do grupo de estudantes cotistas
que atribui alto valor ao curso em que ingressou, reforçando a ação afirmativa do Sistema
de Cotas da UERJ, pois o acesso aos cursos de graduação impacta positivamente na polí-
tica educacional fluminense, uma vez que os salários médios de quem possui graduação
em curso de nível superior representa mais do que o dobro daqueles que têm apenas a
formação de ensino médio, além de representar maior produtividade no mercado de tra-
balho.
A educação é fonte geradora de externalidades positivas em qualquer nação e é um
compromisso assumido, não só na Constituição Federal Brasileira (1998) bem como na
Agenda 2030 da ONU, cujo Objetivo 4: “Educação de Qualidade” – estabelece que as
nações assumiram o compromisso de assegurar a educação inclusiva e equitativa de qua-
lidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
Além disso, com esta ação afirmativa, garantida através do Sistema de Cotas da
UERJ, e do Programa PROINICIAR, amparados, ao longo de seus cursos, pela con-
cessão da bolsa de permanência, a UERJ corrobora a Agenda 2030 da ONU para o

372 | XXIX Encontro AULP


desenvolvimento sustentável, cujo documento “Transformando o Nosso Mundo: A
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” (A/70/L.1), refere-se ao compro-
misso dos países a tomar medidas ousadas e transformadoras para promover o desen-
volvimento sustentável, nos próximos 15 anos, sem deixar ninguém para trás, cujo
plano de ação pretende para as pessoas, o planeta e a prosperidade, a busca e o forta-
lecimento da paz universal. O plano indica 17 Objetivos de Desenvolvimento Susten-
tável, os ODS, e 169 metas, para erradicar a pobreza e promover vida digna para to-
dos, dentro dos limites do planeta.
Nesse contexto e após exposição dos itens acima é possível afirmar que as ações
afirmativas – adotadas e consagradas pela UERJ – estão efetivamente alinhadas com
as práticas da Agenda 2030 e inseridas nos itens abaixo destacados:
– 5: igualdade de gênero: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as
mulheres e meninas.
– 10: redução da desigualdades: reduzir a desigualdade dentro dos países e entre
eles;
– 16: Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável,


proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsá-
veis e inclusivas em todos os níveis.

3. Conclusão
Com o destacado pioneirismo na adoção do sistema de cotas dentre as IES, estaduais
e federais, a UERJ – universidade socialmente referenciada – reafirma seu compromisso
de ser uma Universidade pública, inclusiva, democrática e plural, cujo espaço é mantido
com os recursos da sociedade, providos pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro e com
a primordial missão de produzir conhecimento, pesquisa e extensão, promovendo e efeti-
vando transformações relevantes para a sociedade, contribuindo, de forma efetiva, para a
redução das desigualdades.
Segundo Octávio Ianni “a sociedade é desigual e não é democrática”. Portanto, é im-
portante e imprescindível atuar para transformar as estruturas que produzem a necessida-
de de implantação de políticas públicas de ações afirmativas, conquistando-se, por fim, a
redução das desigualdades sociais em nosso país.
Nessa perspectiva a Universidade do Estado do Rio de Janeiro / UERJ defenderá,
firmemente, a política de cotas, pelos resultados e sucesso obtidos, visando contribuir
para a redução do preconceito racial, social e de classe.

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374 | XXIX Encontro AULP


O Projecto de Educação e Cidadania Fiscal
na Lusofonia – Os desafios do ensino da fiscalidade
e a internacionalização

Clotilde Palma
Instituto Politécnico de Lisboa

1. Projecto de Educação e Cidadania e Fiscal


Especialmente em tempos de crise (crise de valores muito para além das crises econó-
micas), torna-se premente consciencializar os cidadãos para a relevância do tributo, im-
portando começar por explicar o que é, para que serve e, muito importante, que assenta
numa relação de reciprocidade entre o Estado e o cidadão que deve sentir a satisfação das
necessidades públicas como uma obrigação a cumprir com padrões de qualidade. Neste
complexo binómio direito dever é que deve ser explicada e entendida a Cidadania Fiscal1.
É neste contexto que a academia, nas suas várias componentes, numa acção comum a
docentes e discentes, se deve envolver, encetando estudos, aprofundando outros e adop-
tando iniciativas proactivas que levem junto dos cidadãos a importância das políticas para
a Cidadania e Educação Fiscal2.
As políticas para a Cidadania e Educação Fiscal e a adopção de programas para a Ci-
dadania e Educação Fiscal têm assumido cada vez maior acuidade, sendo recomendados
pelas diversas instâncias internacionais tais como na União Europeia (UE) e na Organiza-
ção para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE)3.
A Fiscalidade, a Contabilidade e as Ciências Sociais devem estar associadas neste tipo
de programas4. O sucesso deste tipo de acções implica o envolvimento de diversos parcei-
ros quer à escala nacional quer internacional, devendo associar os Ministérios das Finan-
ças e da Educação e, eventualmente, o Ministério da Cultura, bem como entidades privi-
legiadas relacionadas como, no caso português, a Ordem dos Contabilistas Certificados
(OCC). A educação dos contribuintes implica uma grande variedade de actividades e de
actores, desde programas públicos até esforços realizados por associações profissionais

1. Sobre o papel das Finanças Públicas e o caso português veja-se MARQUES, Ana Cristina Lino – “As fi-
nanças públicas e a cidadania e a educação fiscal”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, VIII (2),
Março de 2016.
2. Neste contexto veja-se a obra Políticas de Cidadania e Educação Fiscal na Lusofonia, Coordenação de
Clotilde Celorico Palma, Almedina, Abril de 2019.
3. Da experiência comparada de vinte e oito Administrações Fiscais em colaboração com o EURO social
(Programme Régional de l’ Union européenne pour la cohésion sociale en Amerique Latine), o Institute of
Development Studies (IDS) e o Forum sur Administration Fiscale (FAF), a OCDE lançou uma interessante
publicação em 2015 – Edifier une culture fiscale du civisme et de citoyenneté – Un document de referénce
global de l´’éducation des contribuables.
4. Neste sentido veja-se AAVV, SANTOS, António Carlos dos Santos e LOPES, Cidália, org., Fiscalidade
outros olhares, Vida Económica Editorial, 2013.

XXIX Encontro AULP | 375


para mobilização e representação dos interesses dos seus associados sobre as questões
fiscais.
Como se concluiu na 45.ª Assembleia Geral do Centro Interamericano de Administra-
ções Tributárias (CIAT), realizada de 4 a 7 de Abril de 2011 em Quito, “As administra-
ções tributárias devem introduzir e fortalecer, sempre que possível, o conceito de cumpri-
mento tributário mediante a contínua melhoria e realização consistente de programas de
educação e assistência tributárias”.
Neste contexto, uma política de Educação Fiscal orientada para o cumprimento cabal
das obrigações fiscais deve necessariamente5:
• Identificar os distintos bens e serviços públicos;
• Dar a conhecer o valor económico e a repercussão social dos bens e serviços públi-
cos;
• Identificar as distintas fontes – principalmente, as tributárias – de financiamento dos
bens e serviços públicos;
• Fazer interiorizar as atitudes de respeito pelo que é público, ou seja, financiado por
todos e utilizado em benefício comum;
• Assimilar a responsabilidade fiscal como um dos valores em que se organiza a con-
vivência social numa cultura democrática, identificando o cumprimento das obriga-
ções tributárias como um dever cívico;
• Fazer compreender que a tributação, na sua dupla vertente de receitas e gastos públi-
cos, deve atender aos valores de equidade, justiça e solidariedade nas sociedades
democráticas6.

No âmbito da linha de investigação científica criada no ISCAL e no CIDEFF sobre


Educação e Cidadania Fiscal, a subscritora começou por escrever um livro para crianças
– A Joaninha e os impostos – Uma história de educação fiscal para crianças, que acabou
por ganhar o prémio de reconhecimento de actividades com relevância na Comunida-
de, na área das ciências sociais, concedido em Maio de 2017 pelo Instituto Politécnico
de Lisboa, pelos relevantes serviços prestados no contexto da Cidadania e Educação
Fiscal.
O livro foi inserido numa triologia patrocinada pela Ordem dos Contabilistas Certifi-
cados – A Joaninha e os impostos – Uma história de educação fiscal para adolescentes,
da Professora Ana Maria Rodrigues da FEUC e A Joaninha e os impostos – Uma história
de educação fiscal na Universidade, da Professora Cidália Lopes do ISCAC7.
Os livros foram distribuídos gratuitamente em três conferências internacionais que se
realizaram em Lisboa, Porto e Coimbra, com o patrocínio da Ordem dos Contabilistas
Certificados, da Autoridade Tributária e Aduaneira de Portugal e do Governo de Angola e

5. Cfr. PALMA, Clotilde Celorico e PITA, Mónica – “Para uma Política de Educação e Cidadania Fiscal – Os
casos do Brasil, de Espanha e de Portugal”, em co-autoria com Mónica Pita, Revista de Finanças Públicas e
Direito Fiscal, Ano VIII, n.º2, 2015.
6. Veja-se a este propósito COSTA, Paulo Nogueira da – “Estado, Democracia, Impostos e Cidadania Fiscal”,
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, VIII (2), Março de 2016.
7. Todos Ed. OCC, Almedina, Lisboa, 2017.

376 | XXIX Encontro AULP


foram posteriormente colocados à venda pela Livraria Almedina em 2017, a um preço de
venda simbólico, revertendo parte da venda para a operação Nariz Vermelho8.
Em particular no contexto do Projecto de Cidadania e Educação Fiscal em Moçambi-
que, que ganhou um prémio de investigação IDI&CA do Instituto Politécnico de Lisboa/
IPL9, e no seguimento das acções já antes adoptadas no respeitante à Cidadania e Educa-
ção Fiscal, foi levada a efeito investigação sobre Educação e Cidadania Fiscal na Lusofo-
nia, que ficou plasmada nas diversas comunicações apresentadas no Congresso ocorrido
em Maputo em Novembro de 2017 com o apoio da Autoridade Aduaneira e Tributária de
Portugal (AT), da Autoridade Tributária de Moçambique e do Governo de Angola10.
A organização deste Congresso permitiu promover a investigação sobre Educação e
Cidadania Fiscal na Lusofonia (como se pode constatar pelas comunicações do congres-
so), e, inserindo-se na linha de investigação criada em 2015 pelo ISCAL à qual está asso-
ciado o Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito de
Lisboa/IDEFF, o Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais/ISCEE de
Cabo Verde e a OCC, consubstanciou um primeiro passo para a criação de uma rede de
investigação e criação de ideias e projectos nos países da Lusofonia.
O livro Joaninha e os Impostos, uma história de Educação Fiscal para crianças, da
autora, foi adaptado à realidade moçambicana pela Dra Natércia Sílvia Manhenje, tendo
sido oficialmente apresentado em Maputo em 26 de Novembro de 2018 nas instalações da
Autoridade Tributária, aquando da estadia da autora em Maputo para lecionar o módulo
de Complementos de Fiscalidade no Curso de Mestrado em Auditoria que o ISCAL tem
em parceria com o Instituto Superior de Contabilidade e Auditoria de Moçambique / IS-
CAM.
Posteriormente ganhámos um projecto mais ambicioso de maior amplitude, inserido
na referida linha de investigação do Instituto Superior de Contabilidade e Administração
de Lisboa, do Centro de Investigação de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Fa-
culdade de Direito de Lisboa/CIDEFF, e também do Instituto Politécnico do Cávado e do
Ave, de investigação sobre Lusofonia e Educação Fiscal (Projecto Educação e Cidadania
Fiscal (ECF) financiado com fundos da União Europeia pelo programa Portugal 2020
Sistema de Apoio à Investigação Científica e Tecnológica – Aviso N.º 02/SAICT/2016
Educação e Cidadania Fiscal LISBOA-01-0145-FEDER-023491).
O Projecto Educação e Cidadania Fiscal na Lusofonia (ECF) financiado com fundos
da União Europeia pelo programa Portugal 2020, nasce da ideia de associar a necessidade
de implementar as políticas de Cidadania e Educação Fiscal nos países da Lusofonia e

8. Trata-se, como é sabido, de uma Instituição Particular de Solidariedade Social, sem vinculações políticas
ou religiosas, oficialmente constituída a 4 de Junho de 2002, cujo principal propósito é assegurar de forma
contínua um programa de intervenção dentro dos serviços pediátricos dos hospitais portugueses, através da vi-
sita de palhaços profissionais que trabalham em estreita colaboração com os profissionais de saúde, realizando
actuações adaptadas a cada criança e a cada situação.
9. IDI&CA – Projetos de Investigação, Desenvolvimento e Criação Artística do Politécnico de Lisboa. O
IDI&CA visa a dinamização da Investigação Científica, Desenvolvimento, Inovação e Criação Artística no IPL,
apoiando a realização de projetos propostos pelos docentes e suas equipas.
10. Neste contexto veja-se PALMA, Clotilde Celorico, “As Políticas de Educação e Cidadania Fiscal – o caso
de Portugal e do Projecto de Educação e Cidadania Fiscal”, op. cit..

XXIX Encontro AULP | 377


reuniu diversos investigadores – da parte do ISCAL os Professores Ana Cristina Lino
Marques, Clotilde Celorico Palma, Jesuíno Alcântara Martins e Paulo Nogueira da Costa,
da parte do IDEFF, os Professores Eduardo Paz Ferreira e António Carlos dos Santos e do
IPCA a Professora Liliana Pereira.
Visou-se lançar um projecto de investigação sobre Lusofonia e Educação Fiscal e
trocar experiências sobre tão relevante matéria, bem como apresentar um projecto de
Plano para a Cidadania e Educação Fiscal em Portugal, tendo-se celebrado, para o efeito,
protocolos com a AT e com a OCC.
Em Portugal, com o envolvimento das autoridades nacionais, em especial dos Minis-
térios das Finanças e da Educação, da academia e de agentes económicos (como a OCC),
pretendeu-se, para além da apresentação da proposta de Plano Nacional para a Cidadania
e Educação Fiscal, adoptar diversas iniciativas, como a realização de Conferências, publi-
cações didácticas sobre impostos e finanças públicas dirigidas a todas as faixas etárias
(desde a infância à terceira idade), trabalhos académicos e a realização de um filme e de
um jogo digital (patrocinados pela OCC).
Tendo em vista a promoção do saber da Instituição junto da Comunidade em geral e
em especial junto dos países da Lusofonia, e a natureza eminentemente prática do ensino
que caracteriza o ensino superior politécnico, tal como referimos, começámos por criar
em 2015 uma linha de investigação em Cidadania e Educação Fiscal no ISCAL, envol-
vendo como parceiros, inicialmente, a OCC, o CIDEFF, a Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra/FEUC (Professora Ana Maria Rodrigues) e o Instituto Politéc-
nico de Coimbra/ISCAC (Professora Cidália Lopes)
A linha de investigação denomina-se Educação e Cidadania Fiscal na Lusofonia, pre-
tendendo-se desenvolver uma rede de investigação, conceber e trocar ideias e projectos
nos países da Lusofonia, envolver alunos e professores (foram já realizadas teses de Mes-
trado no ISCAL e em Cabo Verde sobre o tema, bem como outros trabalhos) e apresentar
o aludido Plano Estratégico para a Cidadania e a Educação Fiscal.
O projecto passa por uma forte actuação junto da comunidade lusófona, prevendo
acções junto de todas as faixas etárias da população, tendo sido realizadas Conferências
com o patrocínio da Autoridade Tributária e Aduaneira de Portugal e dos Governos de
Angola, de Cabo Verde e de Moçambique, da Universidade de Marília no Brasil e do
Instituto Pernambucano de Direito Tributário e de outras instituições de ensino, a saber:
• “I Congresso Internacional para a Educação e Cidadania Fiscal”, ocorrido a 23 de
Novembro de 2015 em Lisboa;
• “II Congresso Internacional para a Educação e Cidadania Fiscal”, OCC/ISCAL/
IDEFF/ISCAC/FEUC, ocorrido a 1 de Março de 2016 em Coimbra;
• “III Congresso Internacional para a Educação e Cidadania Fiscal”, OCC/ISCAL/
IDEFF/ISCAC/FEUC, ocorrido a 28 de Abril de 2016 no Porto;
• “Conferência Joaninha e os Impostos – A Cidadania e a Educação Fiscal na infância,
na adolescência e na universidade”, proferida em parceria com as Professoras Dou-
toras Ana Maria Rodrigues e Cidália Mota Lopes, ocorrida na Associação Fiscal
Portuguesa em Lisboa a 23 de Fevereiro de 2017.
• “I Congresso Internacional para a Educação e Cidadania Fiscal na Lusofonia”, ocor-
rido, tal como referimos, a 5 de Dezembro de 2016 na Cidade da Praia/Cabo Verde,

378 | XXIX Encontro AULP


com o patrocínio dos governos de Cabo Verde e de Angola e da AT de Portugal e do
Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais de Cabo Verde;
• “II Congresso Internacional para a Educação e Cidadania Fiscal na Lusofonia”,
ocorrido a 28 de Novembro de 2017 em Maputo, com o patrocínio da AT de Portugal
e da Corporate Business School/CBS da Escola Superior de Gestão Corporativa
e Social de Moçambique – Este Congresso foi patrocinado ao abrigo de um prémio
de investigação científica concedido ao projecto de Cidadania e Educação Fiscal
em Moçambique ganho no Instituto Politécnico de Lisboa em 2017 (2.ª edição
IDI&CA - Concurso Anual para Projetos de Investigação, Desenvolvimento, Inova-
ção e Criação Artística).
• “III Congresso Internacional para a Educação e Cidadania Fiscal na Lusofonia”,
ocorrido a 10 de Junho de 2018 no Recife, com o patrocínio do Instituto Pernambu-
cano de Direito Tributário;
• “IV Congresso Internacional para a Educação e Cidadania Fiscal na Lusofonia”,
ocorrido a 12 de Setembro de 2018 em Luanda, com o patrocínio da Universidade
Agostinho Neto e da AT de Portugal;
• “V Congresso Internacional para a Educação e Cidadania Fiscal na Lusofonia”,
ocorrido a 3 de Outubro de 2018 no Mindelo, com o patrocínio da Autoridade Tribu-
tária de Cabo Verde e da AT de Portugal.
• Conferência final de encerramento do Projecto realizada a 2 de Maio de 2019, em
Lisboa, com o patrocínio dos Ministérios das Finanças e da Educação.

Pretendeu-se, em especial, fazer um levantamento da situação existente nestes países


sobre a Cidadania e Educação Fiscal, bem como proceder a uma publicação final com
análises e propostas de professores alunos, funcionários das Administrações e operadores
económicos – Políticas de Cidadania e Educação Fiscal na Lusofonia, Coordenação de
Clotilde Celorico Palma11.
A matéria da Educação Fiscal foi inserida na Unidade Curricular de Direito Fiscal
Internacional nos Cursos de Mestrado em Fiscalidade do ISCAL e do ISCEE, tendo já
sido realizados cerca de 100 trabalhos académicos abrangendo diversas faixas etárias –
desde a infância à terceira idade, com recurso a diversas técnicas, nomeadamente, a rea-
lização de inquéritos e entrevistas. Os principais resultados destes trabalhos foram apre-
sentados pelos próprios alunos e comentados pelos professores na aludida Conferência
final ocorrida em Lisboa no fecho do projecto.
No Projecto ECF foi adaptado o livro A Joaninha e os impostos – Uma história de
educação fiscal para crianças à realidade fiscal dos países da Lusofonia. Já foi feita a
adaptação ao Brasil pelo Professor Rodrigo Pessoa da Universidade da Amazônia, a adap-
tação a Moçambique pela Dra Natércia Sílvia Manhenje da Autoridade Tributária de Mo-
çambique e a Angola, pela Dra Alice Neves, ex. Directora Geral da Autoridade Geral
Tributária de Angola, e a adaptação a Cabo Verde pela Dra. Odete Andrade, Directora na
Direcção Nacional de Receitas do Estado em Cabo Verde e pela Dra. Dulce Sequeira.

11. Políticas de Cidadania e Educação Fiscal na Lusofonia, Coordenação de Clotilde Celorico Palma,
op. cit..

XXIX Encontro AULP | 379


A publicação e distribuição de exemplares de cada um dos livros foi financiada pelo
Projecto ECF, tendo sido lançados nas Conferências Internacionais.
No âmbito deste Projecto foi celebrado um protocolo de cooperação em Setembro de
2018 com a AT de Portugal e em 27 de Março de 2019 com a OCC.
A 6 de Novembro de 2018 foi concluído, com o apoio da Ordem dos Contabilistas
Certificados, o filme Joaninha e os impostos, uma história de educação fiscal para crian-
ças, cuja versão em inglês vai igualmente avançar. O filme e os livros serão disponibili-
zados no site da AT e nas Escolas sendo que a AT, entretanto, introduziu um link para a
Cidadania e Educação Fiscal e para algumas das iniciativas deste projecto por si apoiadas
e celebrou protocolos com a OCC e o Ministério da Educação no sentido da promoção da
Cidadania e Educação Fiscal, nomeadamente, através da inclusão da matéria nos currícu-
los académicos e da formação de professores especificamente para o efeito.

2. Perspectivas futuras – A internacionalização do Projecto


Apesar de o Projecto ter encerrado, posteriormente ganhámos outro projecto – o Pro-
jecto Ibérico de Literacia Financeira e Fiscal – IDI&CA – 3.ª Edição, que continuou esta
acção mas agora confinada especificamente ao domínio ibérico.
Com este projecto, que ganhou um prémio de investigação IDI&CA do Instituto Poli-
técnico de Lisboa/IPL, pretendeu-se potenciar o acordo que o ISCAL tem com a Univer-
sidade da Extremadura e reunir sinergias em torno da investigação científica sobre Lite-
racia Financeira e Fiscal na Península Ibérica.
Para o efeito realizámos uma Conferência Ibérica na Universidade da Extremadura –
Cáceres no dia 25 de Abril de 2019, onde analisámos o estado da arte em matéria de Li-
teracia Financeira e Fiscal na Península Ibérica, promovemos o debate e incentivámos a
investigação científica sobre estas questões. Foi feita a adaptação da Joaninha e os impos-
tos uma história de educação fiscal para crianças a Espanha pelo Professor Doutor Juan
Calvo Vérgez – Juanina y los impuestos, una história de educación fical para los ninos.
Actualmente está em curso a impressão de uma versão transversal (i.e., sem adapta-
ção em concreto a qualquer sistema fiscal) em inglês e outra em espanhol da Joaninha e
os impostos uma história de educação fiscal para crianças, patrocinada pela OCC, de
forma a espalhar a mensagem em todos os países de língua oficial anglo-saxónica e es-
panhola.

3. Conclusões
A internacionalização e a cooperação do ensino são realidades imprescindíveis desde
há muito para assegurar um ensino de qualidade adaptado aos desafios do mundo actual.
No caso da Subárea em Fiscalidade do ISCAL esta realidade tem sido efectivada com
o envolvimento de docentes, discentes e diversos actores a nível nacional e internacional,
cientes que todos estamos que a qualidade do ensino implica inevitavelmente ultrapassar
fronteiras e falarmos todos numa linguagem universal de forma a podermos vencer juntos
os desafios da globalização.
Estamos juntos nesta e em tantas outras tarefas, para podermos falar a uma só voz
desta tarefa essencial da Cidadania e Educação Fiscal.

380 | XXIX Encontro AULP


Principal bibliografia consultada
AAVV, PALMA, Clotilde Celorico, org., – Políticas de Cidadania e Educação Fiscal na Lusofonia, Alme-
dina, Abril de 2019.
AAVV, SANTOS, António Carlos dos Santos e LOPES, Cidália, org. – Fiscalidade outros olhares, Vida
Económica Editorial, 2013.
COSTA, Paulo Nogueira da – “Estado, Democracia, Impostos e Cidadania Fiscal”, Revista de Finanças
Públicas e Direito Fiscal, VIII (2), Março de 2016.
MARQUES, Ana Cristina Lino – “As finanças públicas e a cidadania e a educação fiscal”, Revista de Fi-
nanças Públicas e Direito Fiscal, VIII (2), Março de 2016.
OCDE – What drives tax morale?, OCDE Working Papers, n.º315, Éditions OCDE, Paris, 2012.
Edifier une culture fiscale du civisme et de citoyenneté – Un document de referénce global de l´’éducation
des contribuables, 2015.
PALMA, Clotilde Celorico – “Para uma Política de Educação e Cidadania Fiscal em Portugal”, Revista
TOC n.º 187, Outubro de 2015.
PALMA, Clotilde Celorico e PITA, Mónica – “Para uma Política de Educação e Cidadania Fiscal – Os ca-
sos do Brasil, de Espanha e de Portugal”, em co-autoria com Mónica Pita, Revista de Finanças Públicas e Direi-
to Fiscal, Ano VIII, n.º2, 2015.

XXIX Encontro AULP | 381


A diversidade cultural como princípio educativo contribui
para a coesão nacional angolana

Teresa Almeida Patatas


Pós-doutoranda em Educação Comparada. Professora e Chefe de Biblioteca da Escola Superior Politécnica
do Namibe – UMN, Angola; E-mail: [email protected]

Agostinho Francisco Cachapa


Professor Associado da Escola Superior Politécnica do Namibe, Universidade Mandume Ya Ndemufayo,
Departamento de Engenharia Ambiental e no Instituto Superior Politécnico da Huíla da Universidade
Mandume Ya Ndemufayo; E-mail: [email protected]

Sebastião Tumitangua
Professor na Escola Superior Politécnica do Namibe – Angola; E-mail: [email protected]

Introdução
Angola é um país africano em subdesenvolvimento, pós-conflito civil, vivendo uma
época de paz desde 2002. A pesquisa de Ferreira (2005) sobre «justiça e reconciliação
pós-conflito em África» salienta que “após a existência de um conflito violento com con-
sequências sociais desastrosas, as sociedades vêm-se confrontadas com a necessidade de
promover a reconciliação e consolidar a paz, com o objetivo central de prevenir um res-
surgimento da violência.” (p. 10).
Existe uma vasta diversidade cultural em Angola, que foi subvalorizada na época co-
lonial, mas que após a paz nacional se almeja valorizar, conhecer e transmitir como patri-
mónio nacional. A cultura e a educação estão interligadas. Acredita-se que através da
educação escolar se pode contribuir para a manutenção da paz, a prevenção do ressurgi-
mento de guerra ou conflitos internos e o aumento da unidade nacional.
Esta comunicação tem como objetivo mostrar que a diversidade cultural existente no
país, tornada em princípio educativo, pode contribuir para a coesão social angolana. Para
a concretização deste objetivo fez-se uma pesquisa bibliográfica nessa área para o apoio
teórico e legislativo.
Com base no princípio educativo da diversidade cultural, nomeadamente para a cons-
trução da tolerância e respeito pelo «outro», em relação à sua cultura ou seu grupo lin-
guístico, apresentam-se dois exemplos empíricos e realizáveis de como executar esse
princípio na educação formal em Angola: (1) a expansão do ensino das línguas autóctones
nas escolas; e, (2) transformar práticas culturais em conteúdo pedagógico, tendo como
exemplo o uso da planta Ximenia Americana L pelo grupo étnico herero da região sul de
Angola.

1. A Educação
A educação é um fator importante na formação individual. Para Silva (2011) “a edu-
cação escolar, exerce uma função central na experiência formativa dos indivíduos”

XXIX Encontro AULP | 383


(p. 16). Para melhor compreender a importância da educação na realidade africana, espe-
cialmente em países pós-conflito, convêm lembrar alguns extratos de frases de Nelson
Mandela1, Nobel da Paz de 1993, considerado por muitos como um dos mais importantes
líderes de toda a história de África: “a educação é a arma mais poderosa que se pode usar
para mudar o mundo”; “para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a
odiar, elas podem ser ensinadas a amar”.
A educação traz desenvolvimento aos indivíduos assim como às comunidades. “É
evidente que para todos que, na construção do presente e do futuro da sociedade da infor-
mação, a educação é um elemento crucial tanto para o desenvolvimento das pessoas
[como] de suas comunidades” (Casassus, 2007, p. 29). No Relatório de Monitoramento
Global de Educação para Todos 2013/14, Bokova (prefácio de Rose, 2014, p. 3) refere
que “a educação confere sustentabilidade ao progresso, no âmbito de todos os objetivos
de desenvolvimento. [...] A educação de comunidades transforma as sociedades e faz
crescer as economias”.
A educação é um direito, como é referido no artigo 13.º do Pacto Internacional dos
Direitos Económicos, Sociais e Culturais2 na alínea 1, onde também é feita a ligação entre
educação e manutenção da paz:

[Os Estados-Signatários] concordam […] que a educação deve capacitar todas as pessoas para
participar efectivamente numa sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a
amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos e religiosos e promover
as actividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz [itálico adicionado]. (p. 6).

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura3 (UNESCO)


tem como lema “Building peace in the minds of men and women” 4. Esse lema mostra
uma crença na construção da paz de modo intelectual e racional, e nessa área se pode in-
cluir a educação. Essa (a educação) é condicionada por vários elementos e “não é algo
que acontece num vazio social e abstrato. Pelo contrário, o contexto cultural e social, no
qual ocorre é importante” (Casassus, 2007, p. 25). Em cada país existem diferentes vari-
áveis e contextos particularizados que condicionam a educação escolar.

2. A Cultura e a Educação
A importância da cultura na coesão social e na manutenção da paz, em países pós-
-conflito, foi, por exemplo, referida no supramencionado estudo de Ferreira (2005):

No plano teórico, a resolução de conflitos assente no valor da cultura local e das abordagens
tradicionais locais, surgida no início dos anos 90, é actualmente aplicada também à constru-

1. Fonte: https://www.pensador.com/frases_nelson_mandela_inspirar_ser_alguem_melhor/
2. Adoptado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Re-
solução N.º 2200-A (XXI), de 16 de Dezembro de 1966.
Entrada em vigor: 3 de Janeiro de 1976, em conformidade com o artigo 27.
3. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO).
4. Fonte: https://en.unesco.org. Em português “construindo paz na mente dos homens e das mulheres”.

384 | XXIX Encontro AULP


ção e reforço da paz em situações de pós-conflito. Partindo da defesa que as percepções (de
nós e dos outros) são elas próprias fundamentais para a paz e relacionando a construção da
paz com o desenvolvimento (pp. 16-17).

Na Agenda 2030 da UNESCO (2015) o alvo 4 do desenvolvimento sustentável tem,


como indicador 4.7, entre outros, que até 2030, pela educação, os educandos tenham o
conhecimento e capacidade de promoção da “cultura da paz e de não-violência […] e
apreciação da diversidade cultural e da contribuição da cultura para o desenvolvimento
sustentável.”5
A cultura e a educação estão interconectadas, porquanto “a educação está intrinseca-
mente relacionada com a ação social e cultural de nos tornarmos humanos, bem como
sujeitos sociais” (Silva, 2011, p. 16). A cultura é uma variável a ter em conta na planifica-
ção da educação formal local. Deste modo, em países multiculturais, deve-se valorizar,
divulgar, preservar e ensinar a respeitar essa diversidade cultural. Essas ações são incen-
tivadas pela Convenção de Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Cultu-
rais6 (UNESCO, 2005) na parte I (objetivos e princípios orientadores), o artigo 1 revela
como objetivos da Convenção:

(a) Proteger e promover a diversidade das expressões culturais;


(b) Criar condições para as culturas prosperarem e interagirem livremente de um modo
mutuamente benéfico.
(c) Encorajar o diálogo entre culturas tendo em vista garantir trocas culturais maiores e
equilibradas em favor do respeito intercultural e uma cultura de paz [itálico adicionado].
(d) Acolher a interculturalidade para desenvolver a interação no espírito de construção de
pontes entre povos. (p. 5)

Esclarece no Artigo 4.º (definições), na alínea 8 que interculturalidade “refere a exis-


tência e interação equitativa de diversas culturas e a possibilidade de gerar expressões
culturais compartilhadas através do diálogo e respeito mútuo” (id., p. 8).
Silva (2011) comenta: “como princípio educativo, a diversidade cultural leva-nos a
rever constantemente os valores políticos, sociais e culturais de compreensão do outro”.
(p.13).

3. Multiculturalismo na Educação em Angola


Durante o longo tempo do colonialismo a cultura angolana foi desvalorizada, mas esta
sempre resistiu, estando atualmente a expandir-se. Neste sentido, a ambição do coloniza-
dor, era a de diminuir o africano à simples função de ser portador de valores europeus,
facto que se demonstrou mesmo entre os intelectuais de origem angolana, e negar a pos-
sibilidade e a realidade culturais negro-africanas, cada vez que estas não se afinassem
pelos valores culturais europeus (Jorge, 2006).

5. Fonte: https://en.unesco.org/node/265600, https://en.unesco.org/education2030-sdg4.


6. Convention on the Protection and Promotion of the Diversity of Cultural Expressions. Paris, 20 de outubro
de 2005, na Conferência Geral da UNESCO.

XXIX Encontro AULP | 385


Angola é um país multicultural. O multiculturalismo pode ser observado por exemplo
pela diversidade linguística. Em Angola existem várias línguas autóctones7, que são
meios de comunicação de um conjunto de povos distintos num tecido multicultural com-
plexo. “A realidade de Angola é muito diversificada, constituída por grupos étnicos dife-
rentes, por culturas diferentes que coabitam no mesmo espaço nacional, sem por vezes se
aperceberem disso, e naturalmente que os idiomas e os falares são igualmente diversos.”
(Costa, 2015, p. 143).
Nesta área, Carvalho (2008) comenta que “Angola é, como a maioria dos países afri-
canos, uma nação plurilingue com uma estratificação linguística e uma composição
sociolinguística muito complexa e heterogénea” (p. 41). Quino (2002) esclarece que “a
situação linguística angolana é, culturalmente, tão distinta quanto as diversidades de
etnias existentes no país, realizando as funções socioculturais e identitárias da comuni-
dade” (p. 146).
A necessidade de manter a paz e a coesão social em Angola apesar da diversidade
cultural ser reconhecida por vários, por exemplo Pequenino, Sapalo e Santos (2014) ao
referirem que “as diferenças etno-linguísticas criam um modelo angolano que aglutina os
povos num só povo partilhando culturas e sentimentos de unidade, sem perder as suas
identidades”. (p. 15); os autores (id.) acrescentam que a “Identidade Nacional em Angola
deve passar necessariamente, por uma organização interna, com todas as implicações
sócio-culturais e políticas entre as quais: fortificação das Culturas Nacionais como Factor
Unitário” (p. 17). Avigoram também:

Todas as nossas diferenças contribuem para a consolidação da Nação. A nossa cidadania só


cabe na unidade de “um só povo e uma só nação” onde todos os angolanos na Pluralidade
são um desafio à criatividade da nossa sociedade. Ou seja os angolanos devem viver unidos
na diferença. (id.)

Com base no Artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que pro-
pugna o direito de todos à educação e a Lei de Bases do Sistema de Educação, começou-
-se a reduzir a negação da identidade cultural angolana e a sua paulatina inserção no en-
sino (Silva, E., 2011). Existem vários modos de introduzir a diversidade cultural como
princípio educativo e transformá-los em meios de coesão social, nesta comunicação apre-
sentamos dois: (1) a expansão do ensino das línguas autóctones; e, (2) transformar práti-
cas culturais em conteúdo pedagógico.

(1) A expansão do ensino das línguas autóctones


Em Angola, apesar da variedade das línguas em coabitação, “o Ensino deve ser minis-
trado em português.” (Lei 17/16, de 7 de Outubro, Artigo 16º, alínea 1, p. 3995). Importa
salientar que as línguas autóctones foram excluídas da educação formal durante o período
colonial. Neste contexto Chicumba (2013, p. 8) comenta que essas línguas “constituem,
irrefragavelmente a base fundamental da identidade cultural do povo Angolano. Elas re-

7. Quino (2002) clarifica que “a nível de Angola cruzam-se seis línguas, de carácter mais amplo: Umbundu,
Quimbundu, Quikongo, Cokwe, Fiote, Cuanhama” (p. 146).

386 | XXIX Encontro AULP


sistiram ao longo dos tempos ao processo da glotofagia em que estavam sujeitas enquan-
to prevaleceu o regime colonial e se fortaleceram na unidade dos seus povos”.
Depois da independência nacional (em 1975) a posterior guerra civil dificultou a de-
vida valorização deste vasto e rico património linguístico. Carvalho (2008, p. 141) co-
menta que “começa-se, gradativamente, a valorizar as línguas nacionais, por constituí-
rem, a par do Português, um património histórico-cultural.”
Em 2008, seis anos após a paz nacional, paulatinamente, foi-se incentivando e inician-
do o ensino das línguas endógenas nas escolas. Pois, “o português é a língua veicular,
língua da administração, comunicação social e ensino, [mas] a identidade nacional é pre-
enchida pelas línguas africanas.” (Quino, 2002, p. 147). A importância desse ensino é
apresentada por exemplo por Chicumba (2013, p. 9):

As línguas nacionais constituem a base fundamental da preservação da herança e identidade


culturais do povo, transmitidas durante séculos das gerações tradicionais ancestrais às no-
vas gerações. Por conseguinte, a escolarização deve constituir-se como tarefa primária para
a sua manutenção, principalmente nesta fase em que os fenómenos da globalização são
mais do que evidentes.

A Constituição da República (2010), Artigo 19º, refere que “o Estado valoriza e pro-
move o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola”. O alvo está no
Artigo 21º, alínea n) “Proteger, valorizar e dignificar as línguas angolanas de origem
africana, como património cultural, e promover o seu desenvolvimento, como línguas de
identidade nacional e de comunicação” (p. 11). Segundo a Lei 17/16, de 7 de outubro,
Artigo 16º, alínea 2, “o Estado promove e assegura as condições humanas, cientifico-
-técnicas, materiais e financeiras para a expansão e generalização da utilização no ensino
das demais línguas de Angola”. Acredita-se que esse ensino precisa de uma maior expan-
são a nível nacional para melhores resultados na coesão social angolana,

(2) Transformar práticas culturais em conteúdo pedagógico


Para Silva (2011) “é função da escola, por meio da prática educativa, transmitir as
várias contribuições sociais, económicas e culturais dos diferentes grupos étnico-raciais
que compõem nossa sociedade” (p. 17). Também em Angola “sob o ponto de vista do
saber e da cultura, somos desafiados a aprender com e na diferença mediante o respeito e
o reconhecimento do Outro.” (Silva, 2011, p. 15).
Existem muitas práticas culturais angolanas que podem ser transformadas em conteú-
do pedagógico, que combinam o respeito pelo outro e o conhecimento da riqueza multi-
cultural além da riqueza patrimonial angolana, como o caso da flora endógena. Tomamos
como exemplo o uso da planta de nome científico Ximenia Americana L na região sul
de Angola, Província do Namibe, concretamente na região da Bibala, pelo grupo étnico
herero.
A agricultura é difícil nessa região, devido à incerteza das chuvas. A recolha de pro-
dutos florestais não madeireiros cumpre um papel extraordinário, fornecendo um comple-
mento dietético de grande significado, assim como fármacos e matéria-prima para a ela-
boração de diferentes bens, que podem ser utilizados nas comunidades, comercializados

XXIX Encontro AULP | 387


localmente ou mesmo em mercados mais distantes (Urso, Signorini, Tonini, & Bruschi,
2016).
Nesta região as folhas e as sementes da planta Ximenia Americana L são usadas como
medicina tradicional (especialmente por esse povo) e como cosmético por várias comuni-
dades, sobretudo das províncias do Namibe, Huila e Cunene.
O óleo Mumpeke é um produto extraído da semente e é usado maiormente como um
cosmético, para cuidados da pele e do cabelo. É empregue para suavizar e hidratar a pele,
para melhorar o seu tom e a sua elasticidade e para impedir estrias. É também utilizado
como um remédio para evitar dores articulares e musculares, dor abdominal e para preve-
nir varizes (Urso, Signorini e Bruschi, 2013).
As folhas dessa planta são usadas como fármaco: cortadas em pedaços pequenos e
moídas para obter uma pomada, que é friccionada sobre o corpo para o tratamento do
sarampo e erupções na pele e para curar feridas e queimaduras. Podem também ser pre-
paradas como infusão, decocção e pomada ou pisadas em água para serem administradas
ou aplicadas no corpo no tratamento de picadas de cobra, escorpião e mordidelas de ani-
mais domésticos. A seiva da folha é usada para dores de ouvidos e para as folhas moídas
e infundidas, utilizadas para diarreia e tosse (Urso, Signorini e Bruschi, 2013).
Há uma variedade de modo de fazer desse conteúdo numa aula interativa incentivan-
do-se a criatividade dos docentes com base nas características dos seus estudantes, por
exemplo: trazendo esses produtos e permitir o contacto com os mesmos, imagens da
planta e do povo a fazer uso dos produtos, ou mesmo em filme, vídeo, etc…. Seguindo
aqui o pensamento de Silva (2011) “a relação entre cultura e educação produz aprendiza-
gens” (p.17).

Nota conclusiva
Alberto (2014, p. 75) aponta entre os caminhos para consolidação da nação (angola-
na): “O dever de todos os angolanos é contribuir para a consolidação da nação e salva-
guardar os resultados positivos já conquistados, sobretudo, a paz, a reconciliação e har-
monia nacional, promovendo o desenvolvimento sustentável generalizado. (...) Incentivar
a Educação das novas gerações sobre a importância dos valores culturais, particularmen-
te, a cultura de Paz, reconciliação e Harmonia Nacional. (...) A valorização da cultura de
grupo social e a respectiva divulgação para o bem da nação”.
Acredita-se que através da educação escolar, tendo como princípio educativo a diver-
sidade cultural, se pode contribuir para a manutenção da paz, a prevenção do ressurgi-
mento de guerra ou conflitos internos e o aumento da coesão social angolana.

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XXIX Encontro AULP | 389


A realização do clítico no português falado em Angola

Natália Valentina Viti


Doutora em Linguística pela Universidade Nova de Lisboa (UNL), Docente e Investigadora do CESPES –
Instituto Superior Politécnico Jean Piaget de Benguela.

1. Introdução

A colocação dos clíticos, em contexto angolano, é um trabalho que desafia qualquer


professor de Língua Portuguesa, pelo facto de se refletir sobre um conteúdo complexo e
“regulador” do discurso quotidiano dos falantes. É de se verificar que estes pronomes são
usados de modo diverso nas diferentes variantes do Português. Deste modo, procura-se
com este artigo, perceber o que está na base do uso inadequado dos pronomes clíticos nas
produções linguísticas de determinados falantes angolanos.
Neste estudo, pretende-se ainda analisar as principais propriedades sintáticas dos ver-
bos reflexos e verificar se certos verbos pronominais, em PE, quando acompanhados por
elementos introdutores de complementos preposicionais, como de e com, exigem ou não
a presença de um pronome clítico, visto que o português, em Angola, se encontra em
constante mutação, fruto de interferências linguísticas resultantes do seu contacto com as
línguas nacionais e com o Português Brasil (doravante PB), o que leva a certos desvios à
norma padrão do Português Europeu (doravante PE).
Consequentemente, por meio de enunciados orais e escritos dos falantes, procura
identificar áreas em que o pronome clítico é empregue de forma inadequada.

2. O Português falado em Angola


O Português é a língua oficial da República de Angola. Possui este estatuto em oposi-
ção às línguas nacionais, de origem bantu; língua oficial de ensino e um dos fatores de
unidade e integração social. O estado proclamou a sua utilidade e declarou a sua conser-
vação (cof. Constituição da República de Angola, Art. nº 19. 1).
Nesta perspetiva, pode-se dizer que, como qualquer outra língua, o Português em
Angola encontra-se em permanente variação, apesar de seguir a norma padrão do PE. Com
efeito, no uso oral, distancia-se cada vez mais desta norma e não deixa de ser curioso que,
por certas particularidades, ele se aproxime do Português do Brasil (Teyssier, 2001:96). O
distanciamento referido resulta não só do seu contacto com o PB e com as línguas nacio-
nais, mas também de uma certa criação de novas palavras e expressões que surgem pela
capacidade de invenção do povo, aliada a certos desvios à norma padrão do PE.
Neste âmbito, o estudo do Português falado em Angola submete-se a uma análise
sistemática de estruturas do PE. Consequentemente, Luandino Vieira, um dos melhores
escritores angolanos, apresenta na sua obra A Linguagem Luandina, estruturas extraídas
do Português falado pelo povo simples de Luanda e de alguns falantes de outros extratos

XXIX Encontro AULP | 391


sociais. Tomemos como exemplo as frases que se seguem: “O João lhe bateram na mãe
dele”; “O mano lhe apanharam na polícia”, expressões usadas por um jovem e que al-
guns leitores podem considerar variante angolana do Português.
Trata-se de um aspeto controverso na medida em que parece precipitado considerar
as expressões apresentadas como produções da “variante angolana”, sabendo que, por um
lado, até à presente data não foram efetuados no país grandes estudos aprofundados que
nos possam fazer chegar a uma norma linguística angolana. Por outro lado, as referidas
produções surgem no seio de uma população não culta. Este aspeto opõe-se ao conceito
de norma segundo o qual esta deve ser erigida da variante utilizada por falantes cultos e
que vivam numa zona habitada maioritariamente por sujeitos detentores de um nível de
escolaridade aceitável, como o refere Duarte (2000:21).
Além do aspeto referido, verifica-se a grande liberdade na colocação dos clíticos,
como se pode verificar na seguinte construção: eu vi ele por eu vi-o. Este e outros exem-
plos não nos surpreenderão se tivermos em conta as analogias existentes entre o Portu-
guês falado em Angola e o Português do Brasil.

3. O Português e sua relação com as línguas nacionais


Estudos realizados por Mota (1996) revelam que a coabitação de duas ou mais línguas
no mesmo espaço geográfico concorre para um contacto entre si, do qual podem advir
consequências. Destas, destaca-se o fenómeno da influência, responsável pelo surgimento
de aspetos novos na língua. Em Angola, a convivência do Português com as línguas na-
cionais deu origem às interferências a vários níveis. Neste âmbito, a opinião de Thomason
et alii, apud Mota (1996) permite perceber que dos vários tipos de interferências a que
mais afeta a língua, em contexto angolano, é a morfossintática, na qual se enquadra a
questão da realização do clítico.
Este, como evidenciam os exemplos da obra de Luandino Vieira, apresentados acima,
encontram uma realização que se distancia da norma padrão do Português Europeu ado-
tado no país. A partir de frases como Vi ele no Kero, Não queria entregar a sua filha para
o João, os costumes estavam sendo atropelados, produzidas por um falante, em ambiente
formal, e tendem a ser produzidas com frequência no discurso de muitos falantes, pode-
mos dizer que além da influência das línguas nacionais, alguns falantes angolanos fazem
adaptações de palavras e de estruturas do PB, facto que realça a ocorrência de formas
destas línguas no Português, causando desvios percetíveis no âmbito da pronúncia, do
léxico e da construção frásica.
O fenómeno de interferência não está apenas relacionado com a simples transferência
de elementos de uma língua para outra. Afeta, igualmente, a expressão e o conteúdo, po-
dendo ser analisada com maior eficácia em termos estruturais caso se parta do princípio
de que as unidades básicas da expressão e do conteúdo – os fonemas e demais elementos
– foram definidos no interior de cada língua pela oposição com outros fonemas dessa
língua. Por exemplo, um grafema ou um grupo de grafemas assume em línguas diferentes
valores fonéticos diferentes. Contudo, em determinadas produções discursivas é possível
identificar tais valores como iguais: a semelhança física acaba por induzir o falante a
produzir discursos em que esses fonemas são passíveis de identificação interlinguística.
(Almeida, 2001)

392 | XXIX Encontro AULP


As referidas identificações interlinguísticas ocorrem, de igual modo, entre relações
gramaticais, isto é, na ordem das palavras. Por exemplo, em inglês o adjetivo é colocado
antes do nome, enquanto em português tanto pode ser colocado antes ou depois do nome:
no entanto, enquanto na língua inglesa se trata de uma ordenação obrigatória, com uma
função denotativa, a colocação do adjetivo antes do nome em português desempenha uma
função mais estilística.
A transposição deste aspeto para o contacto entre o PB e o Português falado em An-
gola (segundo a norma padrão do PE) permite verificar que com verbos simples, o PB tem
sempre o clítico anteposto ao verbo, enquanto em PE é anteposto ou posposto, segundo
orientações normativas. A anteposição passa a ser a forma consagrada que predomina nos
registos mais espontâneos da linguagem oral. Mas a posposição continua a ser praticada,
sobretudo na linguagem escrita. Pelo contacto entre as duas estruturas linguísticas vão-se
identificando os mesmos aspetos no discurso de alguns falantes angolanos, que o asseme-
lham tanto ao PB como à variante moçambicana.
Nesta perspetiva, Petter (2015) põe em evidência que a colocação do clítico é um dos
aspetos morfossintáticos que aproximam as variedades africanas e americana do portu-
guês. Pode concordar-se com a autora ao afirmar que a tendência de colocação do clítico
em Português falado em Angola opõe-se à do PE. Um falante angolano tende colocar o
clítico numa posição diferente da utilizada, naturalmente, por um falante português.
Quando este prefere a anteposição (após conjunções subordinativas e advérbios, por
exemplo), um falante angolano usará a posposição, e quando a norma padrão do Portu-
guês Europeu pede a posposição (no início de orações, por exemplo) o Português falado
em Angola, optará pela anteposição, como se pode ver no ponto 4.

4. Aspetos de colocação e uso do clítico, identificados nas produções linguísticas


de determinados falantes angolanos
Miguel (2014:57) considera que o uso do clítico no discurso oral e escrito de falantes
angolanos é um apeto que revela determinados problemas, mesmo em sujeitos com for-
mação universitária. Por este motivo, pode dizer-se que a ínfima existência de profissio-
nais do ensino formados na área leva a crer que muitos falantes com habilitações literárias
de nível superior e alguns ainda em formação, não puderam aprofundar conhecimentos
relacionados com o funcionamento da língua ao longo do seu percurso académico, o que
os leva a pôr em evidência certos desvios à norma padrão.
Além disso, o número inferior de professores especializados em Língua Portuguesa
permite que os seus utentes tenham dificuldade em produzir enunciados linguísticos com
aplicação da norma padrão. Com efeito, os dados recolhidos mediante o discurso oral e
escrito tornaram possível a realização de uma análise relativa ao uso do clítico por falan-
tes de diferentes extratos sociais, dos quais foram extraídas as produções presentes no
quadro seguinte.

XXIX Encontro AULP | 393


COLOCAÇÃO DO CLÍTICO NA FRASE
Português Falado em Angola
Posição enclítica Posição mesoclítica Posição proclítica
Ele não cuidou-se e morreu. – Não lhe vi.

Já marcou-se aquele encontro. – O encontro se realizará na


sala de conferências.
Professor, não vê-se bem no qua- –
dro.
Português Europeu (Norma Padrão)
O encontro realiza-se na sala de O encontro realizar-se-á na Não o vi.
conferências. sala de conferências.

Ele entregar-lhe-á a encomen- Já se marcou aquele encontro.


da mais tarde.
Professor, não se vê bem no
quadro./Professor, não se con-
segue ver bem o que está es-
crito no quadro.
ASPECTOS NOVOS
Professor, nós não se enganamos.

Colegas, vamos se servir.

Quando se apercebemos, fomos


ter com ele.

Vou se matar, não se mata.

Aqui me disseram-me.

Basta observarmos os exemplos apresentados no quadro para percebermos a diferença


relativamente à posição do pronome clítico na frase, em PE e em Português falado em An-
gola, à qual se acresce um aspeto novo em que se verifica a dupla ocorrência de um prono-
me ou a sua substituição por outro pronome que não exerça a mesma função sintática.
Neste âmbito, alguns autores (Miguel (2014), Brito, Duarte e Matos (2003), Cunha e
Lindley (1994) chamam a atenção para o facto de a colocação do pronome clítico, na
frase, não ser arbitrária e ter de obedecer a regras que determinam a sua posição: enclítica,
mesoclítica ou proclítica.
Muitos problemas, indicados acima, acontecem aos falantes de todos os extratos so-
ciais, principalmente, aos escolarizados por não terem interiorizado o mecanismo da ên-
clise, posição sintática ocupada por um clítico à direita de um morfema. Em Português, a
ênclise corresponde à posição pós-verbal dos pronomes clíticos, designadamente dos pro-
nomes pessoais átonos com função de complemento direto e indireto e dos pronomes
clíticos reflexos.
A posição enclítica destes pronomes é a colocação mais natural em relação ao verbo e
ocorre sempre que não existam na frase palavras que provoquem antecipação do clítico
(próclise) e sempre que o verbo não esteja no futuro do indicativo ou no condicional, si-

394 | XXIX Encontro AULP


tuação que obrigaria o falante a intercalar o clítico na forma verbal, ocorrendo a chamada
mesóclise.
Se tivermos em conta a opinião de diversos investigadores que se dedicam aos estudos
linguísticos, e como já foi referido, a ênclise é a posição normal dos clíticos. Em situações
que exijam anteposição do clítico, na maior parte dos casos, os falantes não respeitam os
atractores, nomeadamente, os advérbios, os constituintes relativos e as conjunções subor-
dinativas, em contextos de uso/anteposição obrigatória, concorrendo deste modo para os
desvios que, se quisermos ser precisos, são considerados incorreções.

5. Possíveis causas de problemas no uso dos clíticos por alguns falantes angolanos
Os vários problemas de colocação do pronome clítico, identificados nos exemplos
apresentados em 4, revelam que a sua origem está relacionada com o insuficiente conhe-
cimento explícito da língua, especificamente da norma padrão do PE, vigente no país.
Nesse caso, Endruschat (1994) afirma que ao estudar a Língua Portuguesa, um não luso-
-falante encontra com um fenómeno sintático inexistente nas outras línguas românicas e
nas de origem bantu: a colocação dos pronomes pessoais átonos, também denominados
clíticos, em relação ao verbo principal. Ao optar por construções que exijam anteposição
ou posposição, o falante tem de considerar não só o tipo de oração e a estrutura sintática
verbal mas também os aspetos semânticos, sendo que, algumas vezes podem-se encontrar
duas construções consideradas corretas. Veja-se o exemplo: Na casa encontram-se pesso-
as./ Na casa se encontram pessoas.
Na verdade, em Português, verbo e pronome clítico formam um complexo sintático e
semântico, servindo de base à cliticização do verbo. Na ênclise, colocação não-marcada,
e na mesóclise, caso especial da ênclise, esta cliticização traduz-se por alternâncias mor-
fo-fonológicas.
Ao aspeto referido associa-se a qualidade do processo de ensino/aprendizagem que,
na nossa opinião, deve ser melhorada em prol do crescimento dos falantes (aprendentes).
Sabendo que a linguagem desempenha um papel fundamental na comunicação e na vei-
culação de aprendizagens (escolares e não escolares), a estimulação linguística é pedra
essencial no crescimento do sujeito. Para além do domínio implícito da língua, as apren-
dizagens escolares, particularmente a competência no emprego e colocação dos prono-
mes clíticos, implicam formas de apreensão do conhecimento que mobilizem um conjun-
to de processos cognitivos conducentes à consciencialização do conhecimento já
implícito e à análise e explicitação de regras, estratégias e técnicas que devem ser objeto
de um ensino sistematizado, rigoroso e cuidado por parte da escola. (Sim-Sim et al.,
1997).
Um aspeto ainda considerável, na base dos problemas relacionados com a colocação
do pronome clítico no discurso (oral e escrito) dos falantes angolanos, é a interferência
linguística quer do PB, por meio do contacto com cidadãos brasileiros que chegam ao
nosso país, de telenovelas, de programas televisivos e de livros em PB, quer das línguas
nacionais faladas no nosso território.
Viti (2012) e outros autores como Mendes (1985), Mingas (2002) e Ançã (1999) de-
fendem a ideia de a interferência linguística ser um aspeto natural e inevitável, na medida
em que se verifica entre os falantes uma tendência crescente para a adaptação de estrutu-

XXIX Encontro AULP | 395


ras de diferentes línguas à outra. Nesse caso concreto, mencionamos as estruturas do PB
e as das línguas nacionais ao Português, criando uma convergência linguística nas intera-
ções idiomáticas, que constitui a base do fenómeno de interferência e pode ser de vários
níveis. Como se pôde constatar em vários pontos do presente artigo, a nossa investigação
contempla a interferência a nível sintático, especificamente o caso da colocação do pro-
nome clítico.

6. Verbos que regem pronomes


Tendo em consideração o insuficiente conhecimento explícito do funcionamento da
língua, referido anteriormente, para um emprego adequado do clítico realça-se a existên-
cia de verbos que não dispensam o uso dos pronomes, remetendo-nos para a conjugação
pronominal, na qual as formas verbais se fazem acompanhar de pronomes. Deste modo,
quando a ação expressa pelo verbo recai sobre o mesmo sujeito que a pratica, este e o
respetivo pronome se encontram na mesma pessoa, pode considerar-se a existência de
uma conjugação pronominal reflexa, a qual se obtém associando à forma verbal os prono-
mes me, te, se, nos e vos.
Vejam-se alguns exemplos apresentados abaixo: chamar-se, lavar-se, vestir-se, lem-
brar-se, suicidar-se, queixar-se, arrepender-se, sentar-se, deitar-se, levantar-se, entre ou-
tros (Eu sento-me sempre na primeira fila; O empresário benguelense suicidou-se quando
perdeu a sua fortuna).
Abster-se
Arrepender-se
Apegar-se
VERBOS QUE NÃO
Compadecer-se
DISPENSAM O USO DO
Descuidar-se
PRONOME
Esquecer-se
Gloriar-se
Queixar-se

Além do aspeto referido, identificam-se ainda certos verbos que em determinados


casos admitem pronomes e em outros não. Barbosa (1830:250) apercebeu-se da existên-
cia, em PE, de verbos que admitem duas situações face ao uso dos pronomes clíticos, isto
é, há verbos que apenas se combinam com o pronome clítico e verbos que, em algumas
situações, são acompanhados do pronome clítico e, noutros contextos, não são acompa-
nhados por ele. São verbos como: “casar”; “casar-se” entre outros.
Observem-se os exemplos:
A Maria vai casar-se com o João no próximo Sábado.
De acordo com este autor, os tipos de verbos que não dispensam o uso do clítico são
designados pronominais, como se pode ver abaixo.
Adormecer Adormecer-se
VERBOS QUE ADMITEM Ajoelhar Ajoelhar-se
PRONOMES ALGUMAS Casar Casar-se
VEZESE OUTRAS NÃO. Partir Partir-se
Sair Sair-se

396 | XXIX Encontro AULP


Barbosa (1830:258) chama, contudo, atenção para o facto de que somente com os
verdadeiros verbos reflexos a ação recai sobre o agente, isto é, sobre si próprio: “Cha-
mam-se finalmente Reflexos, ou Reflexivos os verbos verdadeiramente ativos, cujos agen-
tes fazem recair sobre si mesmos, por meio dos pronomes de sua mesma pessoa, a ação
que praticam”. Por exemplo:
A Maria penteou-se com uma escova nova.
Nesta frase, temos um verbo reflexo em que a ação de Maria recai sobre ela própria.
No entanto, como já foi dito, há verbos reflexos de dois tipos: os verdadeiramente reflexos
(situação do exemplo) e outros que o não são:

7. Verbos reflexos acompanhados pela preposição de


Os verbos como, ir, sair e entrar são transitivos indiretos porque, apesar de não sele-
cionarem um grupo nominal, objeto direto nem objeto indireto, requerem obrigatoria-
mente um complemento oblíquo, categorialmente, grupo preposicional ou adverbial.
Quanto ao pronome reflexo, este não representa qualquer argumento do verbo (Burzio,
1986). Assim, em construções com verbos reflexos como: Eu lembro-me das férias, ainda
que não exista um objeto direto, concorrem dois argumentos: o argumento externo com a
função de sujeito Eu e um outro argumento como complemento preposicional, exigido
pelo predicado verbal pronominal em análise. O grupo preposicional é formado pela pre-
posição de e pelo grupo nominal as férias e é a essa preposição que se atribui caso (abs-
trato) ao grupo nominal. Tendo em consideração a análise feita acima para os verbos re-
flexos, apresentar-se-á um quadro com classes de verbos reflexos e sua relação com o
grupo preposicional. A par disso, indicar-se-ão ainda os verbos reflexos que são regidos
pelas preposições de e com, que se interligam com os pronomes clíticos reflexos, como se
há-de ver a seguir:
Preposição: de
Aperceber-se de;
Abstrair-se de;
Cansar-se de;
Chorar-se de; Apoderar-se de;
Verbos: Despedir-se de; Apropriar-se de;
Verbos indicadores de
Experiência Psicoló- Esquecer-se de; Aproveitar-se de;
posse
gica Fartar-se de; Assegurar-se de;
Lembrar-se de; Utilizar-se de
Olvidar-se de;
Recordar-se de;
Rir-se de/ Sorrir
Afastar-se de;
Verbos Aproximar-se de; Divorciar-se de;
Indicadores de Erguer-se de; Verbos simétricos Separar-se de
movimento físico Levantar-se de; Afastar-se de
Retirar-se de

A lista apresentada mostra os verbos reflexos que selecionam um GPrep com a prepo-
sição de e que não dispensam o uso do pronome clítico nas construções em que ocorrem.
Em nenhum destes casos podem os pronomes clíticos reflexos ser parafraseados por a

XXIX Encontro AULP | 397


mim próprio, a mim mesmo; a ti próprio, a ti mesmo ou outras de sentido equivalente.
Além dos verbos referidos, destacam-se ainda os que selecionam um grupo preposicional
em com, como: verbos de abstração/ação mental/física; verbos emotivos e verbos
simétricos. (Fonseca, 2012:43)

8. Verbos reflexos acompanhados pela preposição com

Dando sequência à referência efetuada no ponto anterior, pode dizer-se que o grupo
preposicional é formado pela preposição “com” e pelo grupo nominal. Vejamos: Encon-
trei-me com a Joana. Nesta frase, são enunciadas as propriedades mais relevantes dos
pronomes clíticos reflexos em Português Europeu. Deste modo, põem-se em evidência
frases com verbos reflexos, seguidos de outros (também reflexos) que são regidos pela
preposição com, interligando-se com os pronomes clíticos reflexos, em conformidade
com o quadro seguinte.

Preposição: com
Aborrecer-se com;
Alarmar-se com;
Alegrar-se com;
Antagonizar-se com/a/em/
por;
Absorver-se com; Chatear-se com;
Admirar-se com; Deleitar-se com;
Atrofiar-se com; Deliciar-se com;
Concentrar-se com/em; Desassossegar-se com;
Debater-se com; Divertir-se com;
Verbos de Enfadar-se com; Enfurecer-se com;
Verbos
abstração/ação Enganar-se com; Enervar-se com;
Emotivos
mental e física Estafar-se com; Ensimesmar-se com;
Fatigar-se com; Entristecer-se com;
Mentalizar-se com/em; Exceder-se com;
Moer-se com; Humilhar-se com/a/em/por;
Preocupar-se com; Indignar-se com;
Prevenir-se com/em Inquietar-se com;
Impressionar-se com;
Irritar-se com;
Orgulhar-se com/a/em/por/de;
Passar-se com;
Zangar-se com;
VERBOS Casar-se com;
SIMÉTRICOS Parecer-se com

A lista apresentada acima mostra verbos reflexos que selecionam um GPrep com a
preposição com e que não dispensam o uso do pronome clítico nas construções em que
ocorrem. Em nenhum destes casos podem ser parafraseados por a mim próprio, a mim
mesmo; a ti próprio, a ti mesmo ou outras de sentido equivalente (Fonseca, 2012:45).

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9. Procedimento didático a propor neste contexto
Como se disse nos aspetos introdutórios, o presente artigo tem a pretensão de contri-
buir para uma reflexão em torno de uma das situações linguísticas de Angola, procurando
mecanismos que permitam a opção por percursos didáticos conducentes à interiorização
e posterior aplicação dos pronomes clíticos consoante a orientação normativa. Nesse con-
texto, julgamos que o ensinante deve ter informações sobre os contextos condicionadores
de cada variante do Português para, a partir desta realidade, poder desenvolver procedi-
mentos que façam do aluno um eficiente usuário da língua nos diferentes contextos comu-
nicativos a que diariamente é exposto.
Assim, na perspetiva de Araújo (2004:2), em primeiro lugar, o professor deve, através
do estudo de análises contrastivas, formar uma ideia dos erros mais comuns dos alunos
em função da sua língua materna ou de aspetos relacionados com a interferência do Por-
tuguês do Brasil. Tome-se como exemplos as frases:
– Vou te pedir lá./ Deixa provar lá. /Lhe entreguei o lápis nas suas vistas./Te encontrei
que saíste./Amanhã vou se levantar cedo./ Me empresta só.
Diante destes erros e de outros que o professor for detetando fora e dentro de uma sala
de aulas, devem tomar-se notas dos enunciados apresentados pelos alunos. A partir destes
enunciados apresentar-se-ão exercícios orais e escritos em que a estrutura correta se repi-
ta em diferentes contextos, fazendo-se assim, comparação com mais de duas produções,
em prol da sua correção linguística.
Vou pedir para ti./ Deixa-me provar./Entreguei-lhe o lápis na sua/tua presença./ Não te
encontrei.
Neste caso, fazendo-se comparação com as primeiras produções, o professor deve
ainda fazer correções em situações de prática oral, pondo os alunos em ambiente de inte-
ração de modo que reconheçam determinados padrões e usos de linguagem.
Ainda segundo a autora citada anteriormente, o professor pode gravar e transcrever
pequenos excertos de situações dramatizadas nas aulas e em seguida, fazer um exercício
de audição, de modo a levar os alunos a detetarem os seus erros de colocação do pronome
clítico, sentindo-se motivados a autocorrigirem-se. Para mais incentivo e concorrência no
uso correto do pronome clítico e demais aspetos sintáticos, o professor deverá elaborar
uma grelha de auto-avaliação (para os alunos) onde diferentes aspetos da linguagem (co-
locação do pronome clítico, pronúncia, uso de vocabulário, sintaxe, entre outros) são
objeto de avaliação numa escala de um a cinco.
Finalmente, é importante frisar que à entrada para a escola, os falantes angolanos
dispõem de uma competência e de uma performance da língua portuguesa que, em geral,
estão bastante afastadas da variedade que a escola pretende que atinjam. Com efeito, é
desejável que, nas aulas de Português dos níveis iniciais, seja introduzido um conteúdo
programático relacionado com a existência de diferentes variantes do Português, associa-
do ao estudo dos clíticos e seu emprego. Em níveis mais avançados, quando a criança, o
jovem ou o adulto já tem maior capacidade de abstração, deve ser confrontado, de forma
mais demorada, não só com os padrões prescritos pela norma padrão do PE, mas também
com os padrões presentes no Português falado em Angola e no Brasil, de maneira que veja
as diferenças que o levem a um conhecimento explícito da língua. Esta abordagem exige,
como se pode constatar, uma formação de professores sólida.

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CONCLUSÕES
Na elaboração deste artigo, procurou-se refletir sobre o uso do pronome clítico, por
alguns falantes angolanos, tendo desembocado numa abordagem relativa ao Português
falado em Angola, assim como à sua relação com as línguas nacionais, assunto que deu
origem a um ponto intitulado Aspetos de colocação e uso do clítico identificados nas
produções linguísticas de determinados falantes angolanos, que permitiu uma breve
apresentação dos dados.
Apresentados os dados, procedeu-se à indicação de causas que possam estar na base
dos problemas no uso adequado do pronome clítico, tendo-se realçado o insuficiente co-
nhecimento acerca da norma padrão do PE, a interferência do PB e das línguas nacionais
faladas em todo território nacional.
Os aspetos mencionados permitiram tomar consciência de que a colocação do clítico
obedece a determinadas regras, sendo a posição normal do pronome a ênclise. No entanto,
isso nem sempre acontece em consequência de certas particularidades da própria língua.
Estamos a falar concretamente da presença de atractores em determinada frase. Conse-
quentemente, importa salientar que a cliticização é um tema muito abrangente e complexo,
podendo ser retomado em futuras reflexões relacionadas com situações linguísticas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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boa: Universidade Nova. (Dissertação de Mestrado)

400 | XXIX Encontro AULP


Paisagens angolanas com vultos matemáticos,
e outros académicos

João António Pequito Minga


Professor Aposentado – Universidade de Évora

Maria Isabel Nobre Santos


Filósofa – Universidade de Évora

José Carlos Tiago de Oliveira


Professor Aposentado – Universidade de Évora

A criação do ensino superior em Angola, uma antiga aspiração das elites minoritárias
(sobretudo urbanas e europeizadas) com influência no contexto socioeconómico e políti-
co da então colónia, só ocorreu em 1962 e posteriormente ao início da luta de libertação
nacional em 4 de Fevereiro de 1961.
Os Estudos Gerais Universitários de Angola e de Moçambique são promulgados a 21
de Agosto de 1962 (Decreto-Lei nº 44530), após um agitado processo político entre o
governo provincial de Angola e o governo central de Lisboa.
Muitas personalidades ligadas a Angola se distinguiram academicamente, antes ou
durante o período colonial do ensino universitário, também em Portugal ou noutros qua-
drantes, no corolário do atribulado caminho para a sua independência em 11 de Novem-
bro de 1975.
De algumas delas, nomeadamente no campo das Matemáticas, aqui se traçam perfis
biográficos.
Muitas outras, que se distinguiram no âmbito do tema deste trabalho, não puderam ser
contempladas como frequentemente acontece nestas situações.
O presente texto deve a elaboração aos 2 primeiros autores; a biografia de seu Pai
Délio por Isabel, todas as outras e a tabela final pelo João. O terceiro ordenou pela forma
abaixo, adaptou localmente, e relacionou, quando oportuno, os Professores e a História.
Os 3 primeiros são ordenados pela influência que tiveram em ambos os continentes:
1. David Lopes Gagean (1916-1994)
2. Délio Nobre Santos (1912-1977)
3. Ilídio Melo Peres do Amaral (1926-2017)

Os 4 seguintes deixam também o seu traço nas histórias de Angola, Cabo Verde, Mo-
çambique e Portugal:
4. José Frederico Bravo de Drummond Ludovice (1919-2007)
5. Sérgio Duarte Fonseca (1913-1994)
6. José Luís Rodrigues Martins (1914-1994)
7. Manuel Fernandes Laranjeira (1928-2003)

XXIX Encontro AULP | 401


Estes 2 últimos nomes optam, em 1972, por dividir entre si os grandes ramos da físi-
ca-nuclear para o primeiro, do estado sólido para o segundo.
Segue-se o Professor que, depois de Angola e Portugal, marcará Macau:
8. Álvaro Manuel Duarte Nunes (1939)

A Universidade tem os seus polos em Luanda, Nova Lisboa e Sá da Bandeira – onde


os 3 subscritores viveram.
Faltam muitos nomes de relevo que tanto se destacaram academicamente na história
da Universidade em Angola e que foram figuras de excelência nas áreas do ensino, das
ciências e da cultura em Portugal.
Histórias marcantes dos 2 seguintes, no Governo e no Brasil:
9. José Manuel Godinho Sena Neves (1936)
10. Carlos Altino Jansen Verdades Dinis da Gama (1941)

Seguem-se 3 matemáticos – um dos quais nasceu e concluiu a carreira em Moçambi-


que – e um físico.
11. Gerberto Fernandes de Carvalho Dias (1940)
12. João Carlos Monteiro Raposo Beirão (1929-2006)
13. José Narciso Marat Mendes (1939)
14. Manuel Neto Murta (1919-1992)

Nos nomes seguintes, emergem 2 gerações, pela ordem expressa:


15. Pedro Bruno Teodoro Braumann (1919-2003)
16. Augusto Damas Mora de Carvalho Moutinho (1942)
17. Carlos Alberto Medeiros (1942)
18. Nair Lisete dos Santos (1942)
19. Abílio Alves Fernandes (1934-2016)
20. Hélder Manuel Ferreira Coelho (1944)
21. José Manuel Fernandes Marques Henriques (1941)
22. José Tiago da Fonseca Oliveira (1928-1992)
23. Carlos Alberto dos Santos Braumann (1951)
24. José Carlos Brandão Tiago de Oliveira (1954)

Por fim, ilustram-se os criadores que não integraram a Universidade em Angola até
1975:
25. Carlos Mar Bettencourt Faria (1924-1976)
26. Augusto Guilherme Mesquitela Lima (1929-2007)
27. António Aniceto Ribeiro Monteiro (1907-1980)
28. Jerónimo ElavokoWanga (1934-2007)

Cada um dos Autores – com relevo para Isabel e João – deixaram a marca do seu co-
nhecimento dos biografados, que incluiu Sá da Bandeira. O terceiro deve referir que os
Académicos 1, 4, 5, 6, 8, 15, 20, 21,23,25, 26 e 28 mantêm nele um traço indelével, assim
como José Tiago de Oliveira, seu pai.

402 | XXIX Encontro AULP


O primeiro Reitor dos Estudos Gerais Universitários de Angola, Professor André
Francisco Navarro (1901-1989), toma posse, em Lisboa, a 31 de Dezembro de 1962. É
Professor Catedrático do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, Deputado pela
União Nacional, e Presidente da Junta Central da Legião Portuguesa entre 1944 e 1960.
É essa a razão pela qual um outro membro da Legião é um dos primeiros Professores
da Universidade.
Antes dele foram nomeados os primeiros catedráticos João de Oliveira e Silva, Ivo
Soares e Délio N. Santos, a seguir o Agregado Virgílio Cannas Martins e depois os 1ºs
assistentes doutorados David Gagean e Rodrigues Martins (nomeado a 28 de Agosto de
1963, em comissão eventual de serviço, para proceder à recepção do equipamento técni-
co, em Luanda). Ivo Ferreira Soares será considerado o professor decano ao longo dos
primeiros mandatos reitorais e o Reitor que mais tempo exerceu (1966 a 1974).
Contrasta esta opção pela simultaneamente tomada de posse para os Estudos Gerais
Universitários de Moçambique, cujo primeiro Reitor, José Veiga Simão, catedrático de
Física em Coimbra, desempenhará funções ministeriais relevantes na Educação com
Marcello Caetano, na ditadura/estado novo, e mais tarde em governos constitucionais do
Partido Socialista, intercaladas com o seu estatuto de Embaixador nas Nações Unidas,
aquando da revolução democrática de 1974 em Portugal. O primeiro Professor será um
outro matemático, de Aveiro, João Carlos David Vieira, que permanece após a indepen-
dência. O que ocorreu em Angola, por vezes (Abílio Fernandes continuou até à aposenta-
ção e foi director da Faculdade de Ciências).
As aulas têm início em Luanda no dia 24 de Outubro de 1963. São abertas delegações
universitárias em Nova Lisboa (Huambo) e Sá da Bandeira (Lubango), mas só, em De-
zembro de 1968, os Estudos Gerais Universitários são transformados nas Universidades
de Luanda e de Lourenço Marques.

1 – David Lopes Gagean (1916-1994)


Nasceu a 2 de Dezembro de 1916.
Fez os estudos superiores na Universidade de Lisboa onde, em 1938, pertenceu à di-
recção da Associação Académica da Faculdade de Ciências.
Licenciado em Ciências Matemáticas pela Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa, em 1939, e em Engenharia Electrotécnica pelo Instituto Superior Técnico, em
1940.
Na Faculdade de Ciências ensinou Mecânica Racional, Mecânica Celeste, Astrono-
mia, Geografia Matemática e Física Matemática, quer como Assistente do Professor Vei-
ga de Oliveira, quer como Regente. Também lecionou Desenho, na Escola Superior do
Exército, e Física Atómica, no Instituto Superior Técnico.
Interrompeu a actividade docente, entre 1942 e 1943, como bolseiro do Instituto de
Alta Cultura, e entre 1952 e 1956, como gestor de uma casa comercial.
Foi dirigente do chamado “ Grupo Universitário de Professores “que representou no
XIX Congresso Mundial da Paz Romana, realizado em Espanha, em 1946.
Apresentou-se a doutoramento com o tema “A geometria diferencial afim nas teorias
unitárias do campo”, defendendo a dissertação, em 1959, na Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa.

XXIX Encontro AULP | 403


Foi dos primeiros professores destacados, em comissão de serviço, para o quadro
docente dos Estudos Gerais Universitários de Angola (EGUA), em Outubro de 1963,
como 1º Assistente. Integrou o júri dos exames de aptidão para a primeira matrícula nos
EGUA, nomeado em 8 de Outubro de 1963.
Professor de várias cadeiras de Matemática, designadamente Matemáticas Gerais, nos
primeiros cursos superiores dos EGUA que funcionaram em Luanda.
Apresentou-se a concurso para Professor Extraordinário, na Universidade do Porto,
com a tese “A Geometria Diferencial Projectiva na Macro e na Microfísica”. O Júri foi
integrado pelo Professor de Química, Mendonça Monteiro, que viria a ser o segundo
Reitor dos EGUA em Luanda.
Em 1968 foi o impulsionador e responsável pela abertura da Secção de Matemáticas
na Delegação dos EGUA em Sá da Bandeira (Lubango) e da implementação do respecti-
vo Bacharelato, o primeiro a funcionar nesta cidade. Foi o Delegado do Reitor na referida
Secção até 1970.
Continuou em Angola ensinando muitas das disciplinas da área das Matemáticas na
Universidade de Luanda e nas suas Delegações de Sá da Bandeira e de Nova Lisboa.
Fundou, em 1971, e dirigiu o Laboratório Electrónico de Tratamento da Informação
(LETI), na Universidade de Luanda.
Regressou a Portugal após o 25 de Abril, havendo sido aprisionado por conexões po-
líticas, e posteriormente absolvido em tribunal.
Nos últimos anos de vida foi membro do Gabinete de Filosofia do Conhecimento,
escreveu importantes trabalhos sobre a cultura científica e sobre a história das ideias em
Física em Portugal, nomeadamente nos campos da relatividade e da quântica.
Foram de sua autoria a revisão e notas de alguns livros de divulgação científica, publi-
cados em Portugal, sobre Einstein e a relatividade.
Um dos seus maiores contributos, em co – autoria com Manuel da Costa Leite, foi o
artigo “General Relativity and Portugal: a few pointers towards peripheral reception
studies” para a Segunda Conferência Internacional da História da Relatividade Geral re-
alizada em França (Luminy,Marselha, Setembro de 1988).
José Marques Henriques, António Fragoso Fernandes, António Bivar Weinholtz, João
Reis de Alfonseca e Manuel da Costa Leite foram os seus amigos mais próximos nessa
última fase.
Faleceu em 1994.

2 – Délio Nobre Santos (1912-1977)


Délio Nobre Santos nasceu a 10 de Agosto de 1912 em Loulé. A Mãe era professora
primária e o Pai construtor civil. Ainda hoje estão de pé alguns dos prédios construídos
por José Francisco dos Santos, incluindo uma ponte em Vila Real de Santo António e o
Mercado de Loulé. Maria Carlota da Costa Nobre Santos, a Mãe, tinha sido das primeiras
mulheres a obter um diploma como Professora Primária, em 1900.
Délio fez a instrução primária em Loulé e o Liceu em Faro. O seu irmão mais velho,
Alexandre Herculano Nobre Santos, já tinha ido para Lisboa estudar, quando a família
decidiu mudar-se para a capital, uma vez que era incomportável manter vários filhos a
estudar em Lisboa.

404 | XXIX Encontro AULP


Délio tinha 16 anos quando vieram para Lisboa, onde a sua Mãe começou a dar aulas
numa Escola de Campolide e o seu irmão mais novo, José Maria Nobre dos Santos, co-
meçou os primeiros anos do Liceu.
Aos 16 anos Délio conhece Félix Bermudes, grande intelectual, desportista e criativo
que para além de ter criado a Sociedade Portuguesa de Autores e Compositores Teatrais
(antecessora da actual SPA) foi um dos criadores do Benfica, por duas vezes seu Presiden-
te, escritor em parceria da maior parte dos argumentos dos filmes portugueses da época
(Leão da Estrela, Costa do Castelo, etc), para além de muitos outros livros de poesia e
espiritualidade.
Félix Bermudes “apresentou” Délio à Espiritualidade e foi seu Padrinho na Sociedade
Teosófica. Uma amizade para sempre, dois grandes criativos com igual entusiasmo e
energia dedicada a uma causa nobre: ajudar a despertar a Humanidade para uma Sabedo-
ria mais profunda e para a necessidade do auto conhecimento.
Délio termina em 1935 a sua licenciatura em Ciências Histórico Filosóficas pela Uni-
versidade de Lisboa.
Faz exame de estado para Professor dos Liceus como professor de História e Filosofia
e lecciona no Liceu Normal Pedro Nunes.
Convidado para professor contratado de Filosofia da Universidade de Lisboa em 1939
faz o Doutoramento em 1940. É Professor Catedrático desde 1952.
Em 1963 é nomeado como Delegado do Reitor para inaugurar os Estudos Gerais Uni-
versitários de Sá da Bandeira, para onde se desloca com a família e onde permanecerá
durante quatro anos lectivos. Depois volta a ser chamado para a metrópole.
Délio faleceu a 8 de Março de 1977.
Habilitações literárias:
Licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas pela Universidade de Lisboa (1935);
Exame de Estado para professor dos Liceus (grupo de História e Filosofia); Doutoramen-
to pela Universidade de Lisboa (1940).
Carreira profissional:
Professor Liceu Normal de Lisboa;
Convidado, por voto unânime do Conselho Escolar da Faculdade de Letras de Lisboa,
para professor contratado de Filosofia (1939);
Professor da Escola Superior de Educação Física da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Provas públicas para professor extraordinário de Filosofia (1947);
Efectua várias visitas ao estrangeiro, como bolseiro do Instituto de Alta Cultura;
Aprovado para professor da Faculdade de Letras de Lisboa (1952);
Professor catedrático de Filosofia (1952).
Obra Publicada:
1. Povoamento da Ilha da Madeira e o sentido económico da cultura lusíada / por
Délio Nobre Santos. Sá da Bandeira. 1966.
2. Nova Instauratio Philosophiae / Délio Nobre Santos. Lisboa: Petri Hispani. Inst.
Philosophicum, 1970.
3. Valor estético da poesia na literatura portuguesa moderna: conferência / Délio No-
bre Santos. Lisboa: Faculdade de Letras, 1943.

XXIX Encontro AULP | 405


4. Missão da Faculdade de Letras / Joaquim Veríssimo Serrão, Délio Nobre Santos.
Lisboa: Universidade, 1974.
5. Descartes e a Speciosa Generalis / Délio Nobre Santos. Lisboa: D. Santos, 1940.
5. Développement intérieur de la philosophie à travers les âges / DélioNobre Santos.
Lisbonne: D. Santos, 1970.
7. Ensaio sobre a unidade de métodos nas ciências / Délio Nobre Santos. Lisboa:
[s.n.], 1946.
8. Nota sobre as condições dos postulados em qualquer teoria dedutiva e a noção de
evidência / Délio Nobre Santos. [S.l.: s.n.], 1946.
9. Curriculum vitae / Délio Nobre Santos. [S.l.: s.n.], 1952.
10. Lógica e tautologia / Por Délio Nobre Santos. [S.l.: s.n.. 1950.
11. Pluridimensionalidade da Cultura Portuguesa / Délio Nobre Santos. Sá da Bandei-
ra: Estudos Gerais Universitários de Angola, 1966.
Virá a ter por Assistente o Filósofo Carlos Henrique do Carmo Silva.

3 – Ilídio Melo Peres do Amaral (1926-2017)


Nasceu em Luanda, no bairro das Ingombotas, a 3 de Setembro de 1926. Descendente
de uma família tradicional angolana que remonta ao final do século XVII, Pio do Amaral
Gurgel, pelo lado do avô paterno. João Pio do Amaral Gurgel, um dos subscritores da
proposta de criação do Grémio Africano (Luanda, 1913), era primo direito do seu pai. O
avô materno, António Duarte Peres, de ascendência caboverdeana, foi para Angola no
final do século XIX como desenhador do Caminho de Ferro de Ambaca (inaugurado em
Outubro de 1888).
Realizou e concluiu os estudos primários (na Escola do Largo do Pelourinho) e liceais
em Luanda.
Foi para Lisboa, em 1944, para estudar Filologia Clássica na Universidade de Lisboa.
Mudou de curso e licenciou-se em Geografia pela Faculdade de Letras, em 1956, com a
tese “São Paulo de Assunção de Luanda”.
Trabalhou no Banco Português do Atlântico, em Lisboa, e no Banco Comercial de
Angola (BCA), em Luanda.
Manteve uma prolongada colaboração e actividade científica em organismos tutelados
pela Junta de Investigações Científicas do Ultramar (JICU), designadamente em missões
de estudo nas antigas colónias portuguesas e nas regiões tropicais. Colaborador do Insti-
tuto de Investigação Científica de Angola (IICA), em 1957,e bolseiro do Agrupamento
Científico de Preparação de Geógrafos do Ultramar, em 1958. Como adjunto do chefe da
Missão de Geografia Física e Humana do Ultramar, a partir de 1961, integrou as campa-
nhas realizadas anualmente, primeiro em Cabo Verde (1962) e depois, durante onze anos
consecutivos, em Angola (1963 a 1973). Integrou o grupo de acompanhamento científico
da barragem de Cahora Bassa, no rio Zambeze em Moçambique, obra adjudicada em
1968 e construção iniciada em 1969. A sua primeira publicação “Aspectos económicos da
cidade de Luanda” ocorreu em 1957, no Boletim do Instituto de Angola.
O Prof. Doutor Orlando Ribeiro, seu mestre e referência, convidou-o para leccionar,
como Assistente, no Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, onde fez a sua carreira docente e de investigação científica. Responsável por

406 | XXIX Encontro AULP


cadeiras de Geografia Física, Geografia das Regiões Tropicais, Geografia Regional, entre
outras, orientou muitos seminários, teses de licenciatura, mestrado e de doutoramento.
Participou, foi arguente e presidiu a júris de provas e concursos académicos em várias
universidades.
Na licenciatura de Arquitectura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (ESBAL)
regeu as cadeiras de Geografia Física e Geografia Humana.
Do trabalho de campanha realizado em Cabo Verde resultou, em 1964, o doutoramen-
to pela Universidade de Lisboa. A dissertação que apresentou sobre “Santiago de Cabo
Verde: A terra e os homens” ganhou o prémio Abílio Lopes do Rego, da Academia das
Ciências de Lisboa, nesse ano. Mais tarde, em 1968, publicou o livro “Luanda. Estudo de
geografia urbana” que foi galardoado com os prémios Almirante Gago Coutinho (da
Sociedade de Geografia de Lisboa) e da Câmara Municipal de Luanda.
Professor Extraordinário, em 1967, da Faculdade de Letras da Universidade de Lis-
boa, após ter sido aprovado nas provas de concurso, ascendeu à categoria de Professor
Catedrático, em 1969, funções que desempenhou até à jubilação, em 1996. Na Universi-
dade de Lisboa foi membro do Senado, Vice-reitor (1975 a 1977) e Reitor (Novembro de
1977 a Março de 1979), sucedendo ao Prof. Doutor Henrique Barahona Fernandes.
Investigador, desde 1958 e durante vários anos, do Centro de Estudos Geográficos da
Universidade de Lisboa (CEG), do qual foi secretário e dirigiu vários projectos, nomea-
damente a Linha de Acção “Estudos de Geografia das Regiões Tropicais”.
A sua área de estudo e de trabalho de campo preferidas foram as regiões tropicais,
principalmente os países de expressão portuguesa, com destaque para quatro ciclos de
estudos monográficos (de geomorfologia, de geografia urbana, de geografia histórica e
política e de cooperação e desenvolvimento).
Teve uma acção importante no lançamento e organização do bacharelato de Geogra-
fia, criado em Junho de 1969, na Secção de Letras da Delegação de Sá da Bandeira (Lu-
bango) da Universidade de Luanda. Neste período estruturou o Gabinete de Estudos de
Geografia do Ultramar (GEGU), orientado para a investigação geográfica nas ex-coló-
nias, cujas actividades decorreram entre 1969 e 1975.
Colaborou e cooperou com a maioria das universidades portuguesas, as universidades
de Luanda e de Lourenço Marques, e com a Escola de Formação de Professores do Ensi-
no Secundário de Cabo Verde (actual Instituto Superior de Educação).
A obra “O reino do Congo, os mbundu (ou ambundos), o reino dos “ngola” (ou de
Angola) e a presença portuguesa, de finais do século XV a meados do século XVI”, publi-
cada em 1996, mereceu da Academia Portuguesa da História o Prémio de História Ca-
louste Gulbenkian, Presença de Portugal no Mundo, 1997.
Proferiu em Luanda, em 1997, a conferência de encerramento do II Seminário Inter-
nacional de História de Angola.
Em 2000 editou “Em torno dos nacionalismos africanos. Memórias e reflexões em
homenagem ao Mário Pinto de Andrade, 1928-1990”. Nesta obra, para além de percorrer
alguns dados biográficos familiares baseados em fragmentos de histórias de vida em Lu-
anda, aborda “O protonacionalismo:ideias e práticas políticas, o período de 1900 a
1914”, nomeadamente em detalhes sobre os subscritores da proposta de criação do Gré-
mio Africano (Angola), em 1913.

XXIX Encontro AULP | 407


Foi professor visitante em universidades brasileiras (São Paulo e Rio Claro, Brasília,
Recife e Baía) e europeias (Paris, Bordéus, Munique e Durham).
Geógrafo de renome e prestigiado a nível internacional, participante e conferen-
cista em inúmeras reuniões científicas em Portugal e noutros países, responsável pela
organização de exposições e colóquios relacionados com as regiões tropicais, colabora-
dor e consultor da Fundação Calouste Gulbenkian e de algumas organizações interna-
cionais.
Autor de vastíssima produção científica (a sua bibliografia reúne cerca de 500 títulos
de diversos trabalhos publicados), colaborador e membro de corpos directivos de revistas
científicas nacionais e estrangeiras, tendo sido co-fundador de algumas como a revista
Finisterra, revista portuguesa de Geografia do CEG (em 1966, com os professores Orlan-
do Ribeiro e Suzanne Daveau).
No antigo Instituto de Alta Cultura foi membro do Conselho Superior e de conselhos
científicos (1971 a 1975), Vice-Presidente e Presidente (1975 a 1976). Entre 1976 e 1984,
foi conselheiro de comissões e da Presidência do Instituto Nacional de Investigação Cien-
tífica (INIC)
Foi membro do Conselho Geral e Vice-Presidente (1979 a 1980) da antiga Junta de
Investigações Científicas do Ultramar (JICU) que deu origem ao Instituto de Investigação
Científica Tropical (IICT). Nesta instituição, em 1984, foi fundador e director (1984 a
2005) do Centro de Geografia.
Académico Emérito da Academia das Ciências de Lisboa (eleito em 13 de Julho de
2011) e seu representante no Conselho Nacional de Educação. Académico de Mérito da
Academia Portuguesa da História, Académico Correspondente da Academia Internacio-
nal da Cultura Portuguesa, Membro Honorário da Associação de Professores de Geogra-
fia (Portugal) e da Associação de Geógrafos Caboverdianos (Cabo Verde). Presidente da
Comissão Nacional de Geografia da União Geográfica Internacional, Sócio da Sociedade
de Geografia de Lisboa e da The Royal African Society, de Londres.
Faleceu em Lisboa, aos 90 anos, a 24 de Março de 2017.

4 – José Frederico Bravo de Drummond Ludovice (1919-2007)


Nasceu a 3 de Dezembro de 1919, em Pedrouços, Santa Maria de Belém em Lisboa.
Descendente do Arquitecto João Frederico Ludovice (1670-1752), que projectou e
assumiu a direcção da obra de construção do Convento de Mafra no reinado de D. João V.
Estudou no Liceu Camões em Lisboa.
Diplomado em 1953 pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde teve como
mestres o escultor Leopoldo de Almeida e o arquitecto Luís Cristino da Silva.
Praticou no atelier da Câmara Municipal de Lisboa sob a direcção do arquitecto Fran-
cisco Keil do Amaral.
Entre 1954 e 1958, desempenhou as funções de arquitecto das Câmaras de Lisboa e
de Sines.
Em 1958 parte para Sá da Bandeira (Lubango) onde foi arquitecto chefe da 6ª Secção
de Urbanização dos Serviços de Obras Públicas e Comunicações de Angola (1960 a
1963). Em Março de 1968, tomou posse do lugar de arquitecto privativo da Câmara Mu-
nicipal de Sá da Bandeira.

408 | XXIX Encontro AULP


Destacou-se na concepção de vários equipamentos, industriais e infraestruturais (Casa
Inglesa e fábrica Lupral no Lubango, Izuzu em Luanda, intalações da Mercedes Benz e
da Central de Camionagem EVA, Gare de Menongue, apeadeiros e casas para trabalhado-
res no Caminho de Ferro de Moçâmedes), e de planos de urbanização (Soyo, Tombua,
Caluquembe, Matala, Quilengues, Ondjiva, Humbe, Nauila e Xangongo).
Foi professor de Desenho dos ensinos técnico e liceal entre 1948 e 1968 (em Angola,
no Liceu Diogo Cão) e de 1977 a 1990.
Concluiu o curso de Ciências Pedagógicas na delegação dos EGUA em Sá da Bandei-
ra, em 1965.
Professor assistente na Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira, de 1970 a 1975,
onde leccionou Desenho, Geometria Descritiva, Geometria e História do Pensamento
Matemático.
Aposentou-se e regressou a Portugal. Exerceu ainda no ensino particular em Lisboa:
Colégio Manuel Bernardes, de 1975 a 1982, e no Externato Irene Lisboa, até 1990.
A sua versatilidade artística foi enriquecida com a frequência dos cursos de Cenogra-
fia e Música no Conservatório Nacional. Compôs, em 1951, o Hino “Europa em Marcha”,
cuja partitura foi adaptada pela NATO em 1952, com o título “Atlantic Hymn” (Hino da
NATO).
Projectou, em 1962, a célebre esplanada capela na Senhora do Monte, em Sá da Ban-
deira. Em Agosto de 2012, foi homenageado postumamente pelo Governador da Huila
durante a inauguração do restauro da Esplanada Miradouro da Tundavala, obra de sua
autoria em 1963.
O Pórtico-Esplanada e os Arcos da Cidade, ambos na Senhora do Monte, continuam a
ser emblemas arquitectónicos da cidade do Lubango.
Em 2013 (a 28 de Agosto na Senhora do Monte no Lubango e a 7 de Dezembro no
Auditório Municipal de Sobral de Monte Agraço) foi lançado o livro “O arquitecto com-
positor José Frederico Ludovice”, de autoria do seu filho Leopoldo Humberto Nóbrega
Ludovice, em sua homenagem e para dar a conhecer a sua obra.
Faleceu em Sobral de Monte Agraço a 19 de Setembro de 2007.

5 – Sérgio Duarte Fonseca (1913-1994)


Nasceu na cidade do Mindelo, S. Vicente, Cabo Verde, a 6 de Outubro de 1913. Fre-
quentou o Liceu do Mindelo.
Licenciado em Matemáticas e em Engenharia Geodésica na Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, em 1936.
Desempenhou diversas funções nos serviços cadastrais e na Companhia Mineira do
Norte de Portugal. Foi director das minas de Vale das Gatas (Sabrosa-Vila Real) e de Ri-
beiro de Frades (Arouca).
Em 1958 ingressou na Missão Geográfica de Angola. Dirigiu várias missões cujos
trabalhos de astronomia e de geodesia, nomeadamente no Cunene e no Cuando-Cubango,
foram fundamentais para a rede básica de caracterização geográfica do território.
Em 1963 foi admitido, no início dos Estudos Gerais Universitários de Angola (EGUA),
como professor de várias cadeiras na área das Matemáticas, tendo lecionado em Luanda
e no Lubango até 1974.

XXIX Encontro AULP | 409


Na Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira (Lubango) orientou, em 1971, o arran-
que da licenciatura em Engenharia Geográfica (a única licenciatura que existiu nesta ci-
dade até 1975) e teve um papel relevante na formação académica e técnica dos primeiros
cinco alunos que se licenciaram em 1973.
Em 1969, como bolseiro da Universidade de Luanda, integrou o Observatoire Royal
de Belgique em Uccle, Bruxelas, onde efectuou trabalhos de investigação no domínio da
georreferenciação por satélites (Transit) e preparou as provas de doutoramento.
Após o 25 de Abril integrou o governo de Cabo Verde, sua terra natal. Foi nomeado
governador desta província, tomando posse em 21 de Setembro de 1974, cargo que man-
teve até à nomeação do Governo de transição com o PAIGC, em 30 de Dezembro do
mesmo ano.
Foi um dos fundadores da UCID (União Caboverdeana Independente e Democrática),
em Maio de 1978.
A partir de 1977 foi professor nos Departamentos de Matemática da Universidade de
Aveiro e da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), até se jubilar, em
1983.
O centenário do seu nascimento coincidiu com a comemoração dos cinquenta anos da
sessão solene do início do primeiro ano lectivo do ensino superior em Luanda (6 de Ou-
tubro de 1963 no então Liceu Salvador Correia).
Faleceu a 19 de Fevereiro de1994, em Lisboa.

6 – José Luís Rodrigues Martins (1914-1994)


Nasceu em Lourenço Marques (Moçambique) a 1 de Outubro de 1914.
Concluiu, em Agosto de 1933, o curso secundário no Liceu Central 5 de Outubro (em
Lourenço Marques), e seguiu para Coimbra onde iniciou os estudos Preparatórios de
Engenharia, na Faculdade de Ciências.
Em Julho de 1936 mudou para o curso de Ciências Físico-Químicas, a convite do
Professor Doutor Mário Silva, tendo concluído a licenciatura, pela Universidade de
Coimbra, em Dezembro de 1938.
Nesta Universidade, foi 2º assistente da secção de Física da Faculdade de Ciências, de
Abril de1939 a Agosto de 1945, passando a 1º assistente, até Fevereiro de 1949.
Desenvolveu trabalho experimental em Física Atómica, no domínio da electrometria,
sob a orientação do Professor Doutor Mário Silva, entre 1939 e 1942.
Em 1942 iniciou a preparação do doutoramento com investigações sobre a teoria da
difusão anómala, no domínio da Física Teórica, sob a direcção do professor doutor Guido
Beck (professor visitante de Física na Universidade de Coimbra, quando refugiado em
Portugal, de Dezembro de 1941 a Dezembro de 1943).
Doutorou-se, em Junho de 1945, em Ciências Físico-Químicas pela Universidade de
Coimbra. A sua dissertação “Da influência das forças de spin nas reacções entre partículas
nucleares”, foi a primeira tese sobre Física Nuclear Teórica apresentada em Portugal e teve
como arguentes os professores doutores Mário Silva e Cyrilo Soares. Voltou a Moçambique
para leccionar no Liceu Nacional de Lourenço Marques (1949-1957 e 1961-1963). Entre
Março de 1957 e Abril de 1961 foi colaborador do Instituto de Investigação de Moçambique
e Físico Investigador do Laboratório de Ensaios de Materiais e Mecânica dos Solos.

410 | XXIX Encontro AULP


Nomeado a 28 de Agosto de 1963, em comissão eventual de serviço, para proceder à
recepção do equipamento técnico, em Luanda, e leccionar no arranque dos Estudos Ge-
rais Universitários de Angola (EGUA). Exerceu como 1º assistente, desde Janeiro de
1964 até Abril de 1967, e dirigiu o Laboratório de Física.
Professor Extraordinário de Física dos EGUA, em Abril de 1967, após realizar as
provas públicas de agregação, e nomeado Professor Catedrático da Universidade de
Luanda em 1969.
No regresso a Portugal, em 1974, foi convidado para integrar o Instituto Universitário
de Évora que deu lugar à Universidade de Évora, em 1979. Aqui foi professor catedrático,
fundou e orientou o departamento de Física, até à sua jubilação em 1985.
Autor de vários trabalhos científicos publicados, possuidor de uma vasta cultura cien-
tífica e filosófica, terá sido, muito provavelmente, o último discípulo do professor doutor
Mário Silva, um dos mais notáveis físicos portugueses da sua geração.
Faleceu em 1994.

7 – Manuel Fernandes Laranjeira (1928-2003)


Nasceu em 1928 na freguesia de Cabanas de Viriato, Carregal do Sal no distrito
de Viseu, mas muito cedo foi viver para Torres Vedras onde permaneceu até à adoles-
cência.
Em Lisboa começou por frequentar o Instituto Superior Técnico. Não sendo a enge-
nharia a sua vocação, mudou para a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
(FCUL) onde se licenciou, em 1951, em Ciências Físico-Químicas.
Foi admitido, em Janeiro de 1954, como bolseiro no CEFNL – Centro de Estudos de
Física Nuclear (anexo ao Instituto Português de Oncologia) –, cujo director era o Profes-
sor Júlio Palacios.
Organizou cursos teórico-práticos sobre “Fundamentos de Física Nuclear e da Radio-
actividade”. Integrou, com Elina Morais Neves e Maria Lusa Martins, a linha de investi-
gação sobre o iodo radioactivo dirigida pelo assistente Fernando Carvalho Barreira
(1928-1976). Em 1955, juntamente com Fernando Barreira, iniciou a linha de investiga-
ção sobre radioactividade atmosférica e estudos sobre a irradiação de materiais com neu-
trões emanados de uma fonte de rádio-berílio.
Desta colaboração resultou a publicação de vários artigos científicos, nomeadamente
na Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa, e comunicações em conferências e con-
gressos internacionais.
Bolseiro do Instituto de Alta Cultura, em 1956, indicado pelo Professor Júlio Palacios,
na sequência da ideia e das diligências para formar um Laboratório de Espectrometria de
Massa, apresentadas à Comissão de Estudos de Energia Nuclear, pelo Professor Hercula-
no de Carvalho.
Estagiou na Holanda, desde Janeiro de 1956 e durante cerca de dois anos, no Labora-
torium voor Massaspectrografie, em Amesterdão, tendo obtido o grau de “Doctorandus”,
em 1958.
Prolongou a sua estadia na Holanda para realizar o seu doutoramento, com distinção,
em Física e Matemática, pela Universidade de Leiden e sob a orientação do Professor
Jacob Kistemaker (físico pioneiro no campo de enriquecimento do urânio). Concluiu o

XXIX Encontro AULP | 411


doutoramento a 5 de Novembro de 1959 com a dissertação “Experimental and Theoreti-
cal Diffusion Factors in Binary and Ternary mixtures”.
Os trabalhos de investigação que realizou tiveram projecção em laboratórios na Ho-
landa, Suíça e nos Estados Unidos, tendo sido convidado para se tornar revisor de Física
Teórica da revista Mathematical Review, da Sociedade Americana de Matemática.
Assistente do Centro de Estudos de Física da Comissão de Estudos de Energia Nucle-
ar, desde 1958, sob a direcção do Professor Júlio Palacios.
Elaborou o plano básico da constituição e funcionamento de uma secção inicial de
Espectrometria de Massa, que acompanhou a exposição dirigida à Fundação Calouste
Gulbenkian, em Julho de 1958, para a criação do Laboratório de Espectrometria de Mas-
sa. Participou também, com o professor Carlos Lloyd Braga, na supervisão científica da
execução do respectivo projecto de arquitectura.
Transitou, como investigador e colaborador, para o Laboratório Calouste Gulbenkian
de Espectrometria de Massa e Física Molecular, inaugurado a 22 de Maio de 1964 e
instalado no Instituto Superior Técnico ao campus da Alameda, para cuja implementação
tanto contribuiu.
Especializou-se em técnicas finas da Mecânica de precisão, de técnicas de vácuo, de
aparelhagem de vidro intervenientes em “linhas de vácuo”.
A seguir passou a dedicar-se à carreira académica, tal como os assistentes que com ele
se notabilizaram nesse período de investigação (Fernando Barreira e António Manuel
Baptista), culminando com a agregação em Física no IST.
Colaborou na orientação dos cursos de Física da Universidade de Luanda, para onde
partiu no final da década de sessenta e permaneceu alguns anos como responsável pela
Secção de Física e Química. Regeu, entre outras cadeiras, a Física Geral e a Química Geral.
Em 11 de Novembro de 1975 tomou posse como Reitor da Universidade Nova de
Lisboa (UNL), o primeiro Reitor eleito desta universidade fundada em 11 de Agosto de
1973, sucedendo no cargo ao Professor Fraústo da Silva.
Integrou na nova Comissão Instaladora da UNL os Professores José Augusto França e
Leopoldo Guimarães (docente que se destacou no Curso de Engenharia Electrotécnica
dos EGUA/Universidade de Luanda, entre 1966 e 1975, e que foi mais tarde Reitor da
UNL, entre 2003 e 2007).
Exonerado do cargo de Reitor, a seu pedido, por despacho ministerial de 17 de No-
vembro de 1977, passou a integrar, como professor Decano da Universidade Nova de
Lisboa, a comissão instaladora da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT-UNL), sendo
o coordenador das obras da sua instalação no Monte de Caparica.
Num Colóquio promovido pela Academia das Ciências de Lisboa na passagem do seu
II Centenário, em Novembro de 1989, produziu uma importante comunicação sobre “A
evolução da Física Atómica e Molecular no Século XX”.
Membro da Sociedade Portuguesa de Física e Química e depois da Sociedade Portu-
guesa de Física, da qual foi Presidente da Assembleia Geral entre 1993 e 1995. Fundador,
em 1994, do Centro de Física e Investigação Tecnológica (CEFITEC) da Universidade
Nova de Lisboa.
Em 1995 integrou o Centro de Física Molecular do Instituto Superior Técnico (IST),
tendo sido seu Presidente. Aqui continuou ligado à investigação, nomeadamente em mi-

412 | XXIX Encontro AULP


cro agregados moleculares e o estudo dos fenómenos de transporte em gases e de modelos
intermoleculares.
Professor Catedrático Jubilado do Departamento de Física da FCT/UNL, em 1998.
Faleceu em Lisboa em 2003.

8 – Álvaro Manuel Duarte Nunes (1939)


Nasceu no Cubal, província de Benguela em Angola, a 26 de Dezembro de 1939.
Efectuou os estudos secundários no Liceu Diogo Cão em Sá da Bandeira (Lubango).
Professor de Matemática na Escola Comercial e Industrial Artur de Paiva em Sá da
Bandeira, onde, no início dos EGUA, fez o curso de Professor Adjunto do 11º Grupo do
Ensino Técnico, entre 1966 e 1968, e concluiu o Curso de Ciências Pedagógicas na Sec-
ção de Letras, em 1972.
Pertenceu ao grupo de alunos que frequentaram a Secção de Matemáticas a partir da
sua criação em 1968 e foi um dos primeiros aí graduados em 1971.
Bacharelado em Matemática na Secção de Sá da Bandeira em 1971 e licenciado em
Matemática Aplicada pela Universidade de Luanda em 1973.
Professor Assistente na Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira entre 1973 e 1975,
tendo integrado a sua Comissão de Gestão em substituição do Professor Doutor Pedro
Braumann em 1974-75.
Professor Assistente no Instituto Politécnico da Covilhã, Instituto Universitário da
Covilhã e Universidade da Beira Interior (UBI), entre 1975 e 1980.
Doutorado em Probabilidades e Estatística pela Universidade de Manchester em
1985, onde também fez o Mestrado em Estatística em 1981.
Foi professor associado da Universidade da Beira Interior até 1991, tendo coordenado
o Departamento de Matemática e Informática.
Em 1991, com a criação da Universidade de Macau, para lá se deslocou e exerceu
como professor até 2003, ano em que se aposentou.
Publicou trabalhos científicos em revistas da especialidade na área das séries cronoló-
gicas, na identificação e modelação matemática de sistemas estocásticos não lineares.
É membro de sociedades científicas relacionadas com a probabilidade, estatística e os
processos estocásticos, tendo sido fundador da Sociedade de Estatística de Macau.

9 – José Manuel Godinho Sena Neves (1936)


Nasceu em Castelo de Vide (Portalegre) a 3 de Fevereiro de 1936.
Licenciado em Ciências Matemáticas pela Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa.
Concluiu o Curso de Ciências Pedagógicas na Delegação dos Estudos Gerais Univer-
sitários de Angola (EGUA), em Sá da Bandeira.
Exerceu, em 1965/1966, como professor de Matemática no Liceu Passos Manuel, em
Lisboa, e no Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira (Lubango), de 1966 a 1974.
Na Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira, em regime de acumulação de serviço,
foi professor colaborador e assistente, de 1969 /1970 a 1973/74. Leccionou as cadeiras de
Álgebra Linear e Geometria Analítica, Análise Matemática, Topologia e Lógica Matemá-
tica.

XXIX Encontro AULP | 413


Em 1974/75, exerceu as funções de Chefe do Departamento do Ensino Liceal de An-
gola, cargo que depois da tomada de posse do Governo de Transição após o 25 de Abril,
passou a ter a designação de Conselheiro Técnico dos Serviços de Educação.
Regressado a Portugal, prosseguiu a carreira docente no ensino secundário, tendo
exercido nas escolas Marquês de Pombal (1975 a 1977) e Dona Luísa Gusmão (1977 a
1982), onde efectivou em 1977/78.
Professor no Colégio Militar a partir de 1982/83 até se aposentar em Fevereiro de
2006, tendo sido adjunto da direcção entre 1991 e 1994.
Integrou equipas de elaboração de provas de exames nacionais de Matemática e foi
co-autor de manuais para o ensino secundário.
Assumiu o cargo de Chefe do Gabinete do Secretário de Estado da Juventude e Des-
portos nos IV e V Governos Constitucionais, de Janeiro de 1979 a Janeiro de 1980.

10 – Carlos Altino Jansen Verdades Dinis da Gama (1941)


Nasceu na Caála, província do Huambo, em Angola, a 16 de Fevereiro de 1941. Efec-
tuou os estudos secundários no Liceu Nacional Salvador Correia em Luanda. Licenciou-
-se em Engenharia de Minas, no Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade Técni-
ca de Lisboa, em 1963.
Bolseiro do Instituto de Investigação Científica de Angola (IICA), em Fevereiro de
1968, para estagiar no IST, sob a orientação do Prof. Engenheiro Fernando Mello Men-
des.
Em Abril de 1968 foi nomeado Segundo Assistente dos Estudos Gerais Universitários
de Angola (EGUA), onde começou a reger, em 1968/1969, as aulas práticas de Geomecâ-
nica da Licenciatura em Engenharia de Minas.
Incluído no plano de especialização de docentes da Universidade de Luanda, foi fre-
quentar, em Setembro de 1969, um mestrado na School of Mineral and Metallurgical
Engineering da Universidade de Minesotta (U.S.A.). Defendeu a tese, em Agosto de
1970, obtendo o grau de Master of Cience.
Prestou provas de doutoramento em Engenharia de Minas, o primeiro doutoramento
realizado na Universidade de Luanda, nos dias 12 e 13 de Julho de 1971. A tese, “Opti-
mização do arranque de rochas com explosivos”, foi defendida perante um júri presidido
pelo Reitor, Professor Doutor Ivo Soares, tendo como arguentes os Professores Engenhei-
ros Fernando Mello Mendes e Jorge Neves da Silva, da Universidade de Luanda, e José
Quintino Rogado, do IST. Também integraram o júri os Professores Doutores Fernando
Real e Manuel Fernandes Laranjeira.
Como Professor Auxiliar, em 1971/1972, foi o director do Departamento de Engenha-
ria de Minas e Petróleos (1971 a 1974) onde regeu várias cadeiras, assim como a de Me-
cânica dos Solos e das Rochas, no curso de Engenharia Civil.
Em Fevereiro de 1973 tornou-se Professor Agregado e foi promovido a Professor
Catedrático da Universidade de Luanda, em 1974, após ter realizado as provas de concur-
so em Lisboa, no mês de Dezembro de 1973.
De 1 a 15 de Junho e 1974 deu um curso acelerado de Mecânica de Rochas na Uni-
versidade de Lourenço Marques (Moçambique).
Foi Director Técnico da empresa Riverwood de Angola (1973 a 1974).

414 | XXIX Encontro AULP


Em 1 de Dezembro de 1974, após deixar Angola, ingressou no Instituto de Pesquisas
Tecnológicas de São Paulo (Brasil), como Pesquisador-Coordenador, funções que desem-
penhou até 1987.
No Brasil, obteve a equivalência de doutoramento na Universidade de São Paulo, em
1976. Aqui foi professor de cadeiras de licenciaturas e mestrados nas áreas de Minas,
Geotecnia e Geologia, no período de 1975 a 1987.
Regressou a Portugal, convidado pelo Instituto Superior Técnico, para leccionar no
Departamento de Engenharia de Minas como equiparado a Professor Catedrático, a partir
de 1 de Fevereiro de 1988.
A nomeação definitiva para Professor Catedrático do IST aconteceu em 1994.
No IST, presidiu ao Departamento de Engenharia de Minas e Georrecursos (1994 a
1998) e ao Centro de Geotecnia (2000 a 2011), e orientou numerosos doutoramentos e
mestrados.
Professor Honorário de duas universidades do Perú: Nacional del Altiplano (em 1999)
e Nacional S. Luiz Gonzaga de Ica (em 2003).
Membro de várias instituições científicas e técnicas, nacionais e internacionais.
Foi Presidente do Comité Brasileiro de Sismologia, ABGE, de São Paulo (1979 a
1981), Vice-Presidente da Internacional Society for Rock Mechanics (1987 a 1991), Pre-
sidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Geotecnia (1992 a 1996) e Presidente da
Rede MASYS, formada por 12 países sul-americanos e Espanha, do CYTED (2010 a
2014).
Autor de vários trabalhos científicos e técnicos publicados. Esteve ligado a revistas e
imprensa do domínio científico, exerceu como engenheiro consultor em numerosos pro-
jectos na área da Mineração e Geomecânica.
Em Angola realizou e participou em projectos e trabalhos da sua especialidade, como
por exemplo: para a Companhia Mineira do Lobito, nas minas da Jamba, Cateruca, Issa-
ca, Ndinga, Tchamutete, e na mineração de xistos betuminosos de Libongos (Caxito).
Jubilou-se, a 14 de Abril de 2011, com uma aula no Instituto Superior Técnico, sobre
o tema “Geoengenharia, mudanças globais e futuro do Planeta”.

11 – Gerberto Fernandes de Carvalho Dias (1940)


Nasceu em Viana do Castelo a 8 de Março de 1940.
Concluiu os estudos secundários no Liceu Nacional de Viana do Castelo.
Licenciado em Ciências Matemáticas pela Faculdade de Ciências da Universidade de
Coimbra, em 1968, onde foi Assistente eventual em 1968/1969.
Em Angola, desde 1969, fez a carreira docente na Secção de Matemáticas da Faculda-
de de Ciências da Universidade de Luanda. Foi Assistente do Prof. Doutor Pedro Brau-
mann nas aulas práticas de Matemáticas Gerais e Análise Infinitesimal, em 1969/1970,
cadeiras que passou a reger, a partir de Novembro de 1970, no Curso Superior de Econo-
mia que então abriu na Universidade de Luanda.
Leccionou na Universidade de Luanda até Julho de 1973, altura em que foi para Ingla-
terra, com uma bolsa de estudos atribuída por esta instituição para preparar o doutoramento.
Na University of Newcastle upon Tyne, durante dois anos, aprofundou os conhecimentos
na área de Estatística, especialmente em Análise de Variância/Delineamento Experimental.

XXIX Encontro AULP | 415


Com o agravamento da conjuntura política e militar já não regressou a Angola. Pros-
seguiu a sua carreira académica em Portugal, no Instituto Politécnico de Vila Real/ Insti-
tuto Universitário de Trás-os-Montes e Alto Douro, depois Universidade de Trás-os-Mon-
tes e Alto Douro (UTAD), entre 1975 e 1980.
Deslocou-se para Lisboa para trabalhar na área dos seguros e ser docente no Instituto
Superior de Gestão (1982 a 1984) e no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (1982
a 1983).
Professor Auxiliar convidado da Universidade Livre (1984/85 a 1986/87) e da Uni-
versidade Autónoma de Lisboa (Março de 1987 a Janeiro de 1988, passando a Professor
Associado até Outubro de 1992).
Em Maio de 1992 foi aprovado nas provas de doutoramento em Matemática, na Uni-
versidade Nova de Lisboa, com a tese “Testes F Selectivos, construção e propriedades”.
Aceitou um convite para ingressar na Universidade Nova de Lisboa onde foi Profes-
sor Auxiliar do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia,
desde o ano lectivo 1992/1993 até se aposentar em Abril de 2004.
Exerceu também como Professor Catedrático da Universidade Lusófona (1992 a
2000, e 2005 a 2009).
Publicou trabalhos referenciados, como autor e coautor, nas Mathematical Reviews e
orientou várias monografias do ramo Formação Educacional. Relativamente a Mestrados,
orientou uma dissertação, regeu e coordenou várias cadeiras e modulos, foi arguente em
vários júris.
Foi Vice-Presidente da Associação dos Antigos Alunos, Professores e Funcionários da
Faculdade de Economia da Universidade de Luanda.

12 – João Carlos Monteiro Raposo Beirão (1929-2006)


Nasceu em Quelimane (Moçambique) a 25 de Dezembro de 1929.
Concluiu o ensino primário em Lourenço Marques (1939) e o ensino secundário no
Liceu D. João III em Coimbra (1947).
Licenciado em Ciências Matemáticas pela Universidade de Coimbra em 1952. Pro-
fessor em Angola, foi Director da Escola Industrial e Comercial de Luanda durante vários
anos antes de se tornar professor assistente na Faculdade de Ciências da Universidade de
Luanda.
Leccionou na Secção de Matemáticas do Lubango, de 1971 a 1973, as disciplinas de
Álgebra, Introdução à Topologia e Análise Superior.
Presidiu à Comissão Directiva do Curso Superior de Economia da Universidade de
Luanda, após o 25 de Abril de 1974.
Continuou a sua carreira académica na Universidade Eduardo Mondlane, em Moçam-
bique, tendo publicado algumas obras na área da Análise Matemática.
Foi Director Nacional do Ministério da Educação, 1983 a 1984, e Vice-Ministro da
Educação de Moçambique, de 1984 a 1990, em ministérios tutelados por Graça Machel.
Deputado à Assembleia Popular de Moçambique em 1984-1986.
Em Janeiro de 1991 foi integrado como especialista de 1ª na carreira técnica do Esta-
do (Moçambique).
Membro da Organização Nacional dos Professores de Moçambique, desde 1982, re-

416 | XXIX Encontro AULP


cebeu em 1983 a medalha Nachingwea pela contribuição dada à educação moçambicana.
Faleceu em 2006 na cidade de Maputo.

13 – José Narciso Marat Mendes (1939)


Nasceu na aldeia da Venda, Santiago Maior, concelho do Alandroal, em 1939.
Licenciou-se em Ciências Físicas e Químicas, em 1967, na Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, onde ainda lecionou.
Partiu para Angola como Assistente da Universidade de Luanda à qual esteve ligado
entre 1968 e 1975. Aproveitou o plano de especialização de docentes para preparar o seu
doutoramento na República Sul Africana.
Em 1969, convidado pelo Professor David Gagean, regeu algumas cadeiras de Física
na Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira (Lubango).
Doutorou-se em Física do Estado Sólido, em 1976, na prestigiada Universidade de
Witwatersrand de Joanesburgo (África do Sul).
Regressou a Portugal para leccionar no Departamento de Engenharia de Materiais e
Cerâmica e do Vidro (hoje Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica) da
Universidade de Aveiro e depois nos Departamentos de Física e no de Ciências dos Ma-
teriais da Universidade Nova de Lisboa (o primeiro com este nome criado em Portugal,
em 1979, por iniciativa do Professor Doutor Eng. Leopoldo Guimarães).
Professor Associado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de
Lisboa, até se aposentar.
Foi fundador, membro de pleno direito e investigador sénior no CENIMAT, Centro de
Investigação em Materiais, no campo das ciências dos materiais e engenharia, e presiden-
te da Sociedade Portuguesa de Materiais assim como Presidente da Mesa da Assembleia
Geral da referida sociedade Científica.
Esteve ligado ao Programa Erasmus, de apoio interuniversitário de mobilidade de
estudantes e docentes do ensino superior entre estados membros da União Europeia e
estados associados, desde o seu início em 1987. Nesse âmbito, foi o primeiro professor da
Universidade Nova de Lisboa que desenvolveu e coordenou (durante 25 anos) Programas
de Mobilidade de Docentes e de Estudantes, Programas de Cursos Intensivos Avançados
e Programas de Desenvolvimento Curricular Conjunto. Este facto levou a que tivesse sido
distinguido pela Comissão Europeia e nomeado Embaixador Erasmus de Portugal, nas
comemorações dos 25 anos do programa Erasmus em 2012.
No domínio dos cursos intensivos avançados, coordenou e desenvolveu cursos em
várias Universidades (Nova de Lisboa, Técnica de Atenas, Pisa, Potsdam e de Valladolid).
Além da docência desenvolveu também intensa actividade de investigação científica
na área da Física e da Ciência dos Materiais. Estabeleceu relações de cooperação com
várias universidades, muitas das quais visitou para proferir conferências ou por períodos
mais longos para desenvolver investigação de parceria, nomeadamente as Universidades
de São Paulo (campus de São Carlos), Sheffield, Aberdeen, Bangor, Odessa, Sampeters-
burgo, Potsdam, Valladolid, Galati, Iasi e Técnica de Atenas.
Os resultados da investigação desenvolvida foram apresentados em inúmeras Confe-
rências nacionais e internacionais. Podem contabilizar-se para cima de 300 as publicações
nas respectivas Actas e ou em revistas da especialidade. Esta actividade foi reconhecida

XXIX Encontro AULP | 417


internacionalmente, tendo sido nomeado revisor de várias revistas científicas de Portugal,
dos EUA, da Inglaterra e do Japão.
Foi agraciado com o Doutoramento Honoris Causa em Ciência dos Materiais pela
Universidade de Iasi da Roménia
Apesar de se ter aposentado continua a dedicar-se à actividade científica.
Em Setembro de 2013 foi eleito Presidente da Assembleia Municipal do Alandroal, no
distrito de Évora.

14 – Manuel Neto Murta (1919-1992)


Nasceu em Lemede (Cantanhede), distrito de Coimbra, no dia 27 de Março de 1919.
Licenciado em Engenharia Civil, em 1944, na Universidade do Porto, após ter terminado
os estudos Preparatórios de Engenharia na Universidade de Coimbra, em 1940.
Regressou a Coimbra e concluiu a licenciatura em Ciências Matemáticas, em 1945,
com 18 valores.
Nomeado 2º Assistente da Universidade de Coimbra, em 27 Fevereiro de 1946.
Após ter realizado uma especialização nos Estados Unidos, prestou provas de douto-
ramento em Junho de 1954, com a dissertação sobre a “Propagação de Descontinuidades
em Meios Plásticos”. Foi promovido a 1º Assistente, em 10 de Julho de 1954.
Desenvolveu a sua carreira académica na Secção de Matemáticas da Faculdade de
Ciências da Universidade de Coimbra.
Professor Extraordinário, em 15 de Julho de 1959, após provas de concurso com a
dissertação “Sobre o caso singular do problema de Cauchy”, publicada em 1958. Nome-
ado Professor Catedrático, em 23 de Maio de 1960.
Desempenhou interinamente o cargo de director do Instituto Geofísico da Universida-
de de Coimbra, entre Junho de 1960 e 1961.
Foi Vice-Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, de 10 de Dezembro de 1966 até
ser exonerado, a seu pedido, em 1 de Abril de 1970, para exercer a docência em Angola.
De 16 de Abril de 1970 a 16 de Outubro de 1973 leccionou, em comissão de serviço,
na Universidade de Luanda. Regeu nomeadamente as cadeiras de Análises e de Probabi-
lidades e Estatística, em Luanda e na Delegação do Huambo (Nova Lisboa), e a de Esta-
tística na Faculdade de Economia de Luanda.
Regressou à Universidade de Coimbra onde continuou sua carreira de Professor Cate-
drático, com especial incidência na área das Probabilidades e Estatística, até se jubilar em
27 de Março de 1989.
Em 1989, o Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra editou uma
publicação intitulada “Estudos de Probabilidades e Estatística em homenagem ao Profes-
sor Manuel Neto Murta”.
Faleceu a 13 de Agosto de 1992.

15 – Pedro Bruno Teodoro Braumann (1919-2003)


Nasceu em Munique em 1919 e fixou residência em Portugal desde 1935, tendo obti-
do a nacionalidade portuguesa em 1951.
Licenciado em Ciências Matemáticas na Faculdade de Ciências de Lisboa, em 1943,
onde exerceu como 2º Assistente, de 1945 a1951.

418 | XXIX Encontro AULP


Doutorado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 1951, com a
dissertação “As participações em diversos ramos da Matemática”, sendo promovido a 1º
Assistente.
Especialização e investigação na Universidade de Stanford, na Califórnia, de 1955 a
1956.
Professor Agregado em Matemática Aplicada, na Faculdade de Ciências de Lisboa,
em 1965. Aprovado no concurso para Professor Catedrático, da mesma Faculdade, em
Dezembro de 1966, e nomeado Professor Extraordinário, em Fevereiro de 1967.
Em comissão de serviço na Universidade de Luanda, de 1969 a 1974, começou por
habitar no Huambo (Nova Lisboa) e seguidamente, em 1970, no Lubango (Sá da Bandei-
ra). Acumulou a sua actividade docente entre as cidades onde residiu e Luanda.
Nomeado Professor Catedrático da Universidade de Luanda em 1970. Dirigiu a Sec-
ção de Matemática em Luanda, foi Delegado do Reitor na Secção de Matemáticas de Sá
da Bandeira, de 1970 a 1974, e Presidente da Comissão de Gestão da mesma Secção, de
Maio a Agosto de 1974, altura em que cessou a sua comissão de serviço.
Regressou então à Universidade de Lisboa e, de 1977 a 1983, exerceu na Universida-
de de Aveiro, onde dirigiu o Departamento de Matemática.
Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no Depar-
tamento de Estatística e Investigação Operacional (1983 a 1987), e da Faculdade de Ci-
ências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, até se jubilar em 1989.
Após a jubilação, foi durante vários anos Professor Catedrático da Universidade Lu-
síada.
Autor de vasta bibliografia em livros e artigos publicados, é um dos maiores especia-
listas portugueses na Teoria da Medida e da Probabilidade e questões conexas, com relevo
para o estudo das distribuições infinitamente divisíveis e limites de somas de variáveis
aleatórias independentes. Proferiu diversas conferências convidadas. Um dos seus teore-
mas ficou conhecido na literatura especializada com a designação de “teorema de Brau-
mann”.
Lecionou inúmeras disciplinas nas áreas da sua especialidade e em variadas outras
áreas da Matemática.
Foi fundador da Sociedade Portuguesa de Estatística e Investigação Operacional e um
dos onze outorgantes da escritura da sua constituição, em Novembro de 1980 (Sociedade
Portuguesa de Estatística, em 1991).
Faleceu em 2003.
A 3 de Outubro de 2018, em memória do centenário do seu nascimento que ocorre em
2019, foi lançado o livro “Obras de Pedro Bruno Teodoro Braumann – Participações em
Diversos Ramos da Matemática”.

16 – Augusto Damas Mora de Carvalho Moutinho (1942)


Nasceu em Malange (Angola) a 12 de Julho de 1942.
Frequentou e concluiu o ensino secundário no Liceu Nacional de Vila Real, em Por-
tugal.
Licenciado em Ciências Matemáticas pela Faculdade de Ciências da Universidade de
Coimbra (27 de Janeiro de 1970) e Engenheiro Geógrafo pela Faculdade de Ciências da

XXIX Encontro AULP | 419


Universidade de Lisboa (22 de Julho de 1970), tendo feito estágio no Instituto Geográfico
e Cadastral de Lisboa, nas áreas de Geodesia e de Fotogrametria.
Em Angola exerceu funções docentes na Escola Industrial de Luanda (Agosto de 1970
a Julho de 1971), na Escola Industrial e Comercial Artur de Paiva em Sá da Bandeira
(Setembro de 1971 a Fevereiro de 1973) e no Instituto Comercial de Sá da Bandeira
(Fevereiro de 1973 até 1975). Foi colaborador do Instituto de Investigação Cientifica de
Angola (IICA).
Assistente, em regime de acumulação, na Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira,
nas cadeiras de Astronomia, Geodesia, Fotogrametria e Hidrografia (Outubro de 1972 até
ao final do ano lectivo 1973-74).
Regressou a Portugal integrado no Quadro Geral de Adidos que o destacou como
professor no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (1975-76) e
no departamento de Matemáticas da Universidade de Aveiro (1977 a 1978).
Realizou um estágio no Institut Geographique National em Paris (Agosto de 1977).
Trabalhou como hidrologista de 1ª classe na sede da Companhia das Águas de Pretória na
África do Sul (1978 a 1980).
Em 1981 ingressou no Quadro Superior do Secretariado Nacional de Reabilitação, na
área de estatística, onde permaneceu até se aposentar como técnico superior principal em
Dezembro de 2002.

17 – Carlos Alberto Medeiros (1942)


Nasceu em Ponta Delgada, nos Açores, a 20 de Novembro de 1942.
Nesta cidade realizou os estudos primários e liceais que concluiu em Julho de 1960.
Estudou e concluiu a licenciatura em Geografia na Universidade de Lisboa, em 1965,
tendo apresentado como dissertação um estudo geográfico da Ilha do Corvo (Açores).
Colaborou e investigou no Centro de Estudos Geográficos de Lisboa (CEG), sob a orien-
tação científica do Prof. Doutor Orlando Ribeiro, que muito contribuiu para a sua forma-
ção de geógrafo.
Em Março de 1966 foi contratado como Professor Assistente de Geografia da Facul-
dade de Letras da Universidade de Lisboa.
Leccionou, em acumulação de funções nos anos lectivos 1966/67 e 1967/68, no curso
de Arquitectura da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa.
Esteve ligado ao aparecimento, em 1966, da revista Finisterra, revista portuguesa de
Geografia do CEG (fundada pelos professores Orlando Ribeiro, Ilídio do Amaral e Suzan-
ne Daveau), na qual colaborou e exerceu diversas funções (secretário, membro da Comis-
são Directiva e Presidente) durante vários mandatos, até 1999.
Em 1968/69 estagiou na Universidade de Bordéus e trabalhou também no Centre
d´Études de Géographie Tropicale.
Em Outubro de 1970 obteve o grau de Doutor em Geografia pela Universidade de
Bordéus, defendendo uma tese de doutoramento baseada num trabalho de investigação
sobre uma grande plantação de cana-de-açúcar da ilha de Guadalupe, nas Antilhas fran-
cesas.
Ainda em 1970, tomou posse como Professor Assistente na Secção de Letras, em Sá
da Bandeira (Lubango), da Universidade de Luanda, cargo que exerceu até 1974.

420 | XXIX Encontro AULP


Neste período, em Angola, dedicou-se principalmente ao estudo aprofundado da colo-
nização da Huíla, tema que escolheu para preparar a sua tese de doutoramento (sob a
orientação científica dos Professores Orlando Ribeiro e Ilídio do Amaral) e consolidar o
domínio africano de investigação na sua carreira científica.
Retomou, entre 1975 e 1976, o lugar de Assistente na Faculdade de Letras de Lisboa.
Em Junho de 1976, prestou provas de Doutoramento em Geografia Humana na Universi-
dade de Lisboa, tendo sido aprovado com distinção e louvor e passado a Professor Auxi-
liar.
A dissertação apresentada, “A colonização das Terras Altas da Huila”, foi galardoada
com o Prémio Abílio Lopes do Rego da Academia das Ciências de Lisboa, em 1977.
Professor Extraordinário de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, após aprovação nas provas de concurso, em Novembro de 1979, e promovido à
categoria de Professor Catedrático, em Dezembro do mesmo ano.
O título de «agregado» foi obtido com a apresentação de um programa desenvolvido
da disciplina de Geografia de Portugal e uma lição sobre o “Significado geográfico da
evolução do desenvolvimento da indústria em Portugal”.
Entre 1976 e 1978, como investigador do CEG, integrou a Linha de Acção “Estudos
de Geografia das Regiões Tropicais “, dirigida pelo Professor Ilídio do Amaral.
A partir de 1979, mudou o rumo das suas investigações, e sucedeu ao Professor Orlan-
do Ribeiro, como director da Linha de Acção “ Estudos de Geografia Humana “,até Abril
de 1996.
Integrou a Comissão Directiva da Faculdade de Letras, de Abril de 1981 a Junho de
1982, e foi Vice-Reitor da Universidade de Lisboa, entre Março de 1990 e Maio de 1998.
Eleito membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, em Julho de
1993, e membro efectivo, em 24 de Julho de 2008.
Aposentou-se em Novembro de 2002.
Participou em numerosas reuniões científicas nacionais e internacionais, apoiou vá-
rios Centros e Institutos de Investigação Científica em Portugal e no estrangeiro.
Publicou mais de uma centena de trabalhos versando diversas áreas específicas da
Geografia.
Foi o responsável pela direcção do conjunto da obra “Geografia de Portugal”, em
quatro volumes, publicada pelo Círculo de Leitores (2005-2006), e coordenador do ter-
ceiro volume «Actividades Económicas e Espaço Geográfico».

18 – Nair Lisete dos Santos (1942)


Nasceu em Vila Real (Alto Douro) a 28 de Abril de 1942.
Estudou até ao 5º ano liceal no Colégio de S. José de Cluny, em Luanda, e completou
o ensino secundário (6º e 7º anos) no Liceu Salvador Correia.
Licenciada em Matemáticas pela Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra,
em 1967.
Regressou a Angola para trabalhar na Inspecção Geral de Crédito de Seguros e nos
Serviços Gerais de Estatística, em Luanda, de Maio de 1968 até 1970.
Ingressou na Universidade de Luanda para leccionar três anos consecutivos na Secção
de Matemáticas de Sá da Bandeira, a partir de 1970 / 71, e depois em Luanda, em 1974 /75.

XXIX Encontro AULP | 421


No Lubango, colaborou com os professores doutores David Gagean e Pedro Brau-
mann, e foi assistente de Análise Numérica e Cálculo Automático, Análise Infinitesimal,
Probabilidades e Estatística, entre outras cadeiras.
Foi professora no Instituto de Odivelas, estabelecimento dependente do Estado-Maior
do Exército, desde Março de 1976 até ser admitida como assistente no Departamento de
Matemática da Universidade Nova de Lisboa, em Janeiro de 1977, e onde permaneceu até
se aposentar, em Janeiro de 2013.

19 – Abílio Alves Fernandes (1934-2016)


Nasceu a 27 de Março de 1934 no Lubango (Sá da Bandeira), em Angola.
Estudou e concluiu o ensino secundário no Liceu Diogo Cão, em Sá da Bandeira, se-
guindo para Coimbra onde frequentou os 1º e 2ºanos dos cursos preparatórios de Enge-
nharia da Faculdade de Ciências.
Regressou ao Lubango e leccionou disciplinas da área de Electricidade na Escola In-
dustrial e Comercial Artur de Paiva.
Bacharelado em Matemática, em 1971, e licenciado em Engenharia Geográfica, em
1973, na Secção de Matemáticas da Delegação de Sá da Bandeira (Lubango) da Univer-
sidade de Luanda.
Foi professor assistente nesta Secção entre 1973 e 1975. Regeu, entre outras, as cadei-
ras de Topografia, Astronomia Geodésica, Mecânica Celeste e Cartografia Matemática.
O seu nome ficará para sempre associado à Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira,
como um dos alunos matriculados no seu arranque, em 1968, um dos primeiros bachare-
lados em Matemática e dos primeiros sete engenheiros geógrafos licenciados em Angola
(cinco em Sá da Bandeira e dois em Luanda). Colaborou, em termos de docência e de
orientação de actividades, com o professor Engenheiro Sérgio Duarte Fonseca, de quem
foi discípulo. Assegurou, com a sua dedicação e capacidade de organização, a continuida-
de da licenciatura em Engenharia Geográfica no crítico ano lectivo de 1974/1975. Para
além das tarefas executivas como membro da Comissão de Gestão da Secção, foi profes-
sor, orientador do seminário e dos trabalhos de final de curso, e contribuiu para a forma-
ção de mais três engenheiros geógrafos que se licenciaram em Agosto de 1975.
Após a independência ingressou na Universidade de Angola / Universidade Agostinho
Neto, em 1975 / 1976, onde foi professor titular até se aposentar.
Director da Faculdade de Ciências da Universidade de Angola / Universidade Agosti-
nho Neto de 1977 a 1997.
Integrou o Núcleo de Angola para o Ano Internacional da Astronomia em 2009. Fale-
ceu em Luanda a 30 de Setembro de 2016.

20 – Hélder Manuel Ferreira Coelho (1944)


Nasceu em Lisboa a 22 de Junho de 1944.
Licenciado em Engenharia Electrotécnica pelo Instituto Superior Técnico (IST), em
1968.
Começou a sua carreira de investigação no Laboratório de Física e Energia Nuclear
(hoje INETI), em 1968, e no ano seguinte, obteve o diploma de Estudos em Signal Han-
dling no Instituto Internacional Philips, em Eindhoven (Holanda).

422 | XXIX Encontro AULP


Coordenador do Grupo de Estudos de Cibernética da Universidade de Luanda, de
1971 a 1973.
Consultor do Observatório Astronómico da Mulemba (Luanda), entre 1971 e 1973.
No IST coordenou, de 1973 a 1974, o Centro de Cibernética.
Ingressou, em 1973, no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), onde per-
maneceu dezasseis anos. Esteve ligado à fundação (1973) do primeiro Grupo da Inteli-
gência Artificial (GIA) em Portugal e ao Centro de Informática (1974). No LNEC, obteve
o grau de Especialista de Informática (1980), foi Cientista Júnior (1980 a 1984) e Pesqui-
sador Sénior (1985 a 1989).
Doutorado (Ph.D.) em Inteligência Artificial pela Universidade de Edimburgo (Escó-
cia), em 1980. A equivalência ao grau de Doutor em Engenharia Informática foi reconhe-
cida, em 1981, pela Universidade Nova de Lisboa.
Professor Auxiliar de Ciência da Computação da Faculdade de Ciências da Universi-
dade de Lisboa, de 1981 a 1983.
Em 1985 ingressou no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universi-
dade Técnica de Lisboa, como Professor Associado de Ciência e Computação, até 1989.
Passou a Professor Titular / Catedrático do Departamento de Matemática (1990 a 1995),
regeu a cadeira de Fundamentos de Inteligência Artificial e chefiou a Secção de Tecnolo-
gia e Ciência da Informação (1993 a 1995).
Professor Agregado em Matemática na Universidade Técnica de Lisboa, em 1988.
Regressou à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa onde foi Professor Cate-
drático de Ciência da Computação e Inteligência Artificial, desde Agosto de 1995 até
à jubilação em 2014. Presidiu ao Departamento de Informática (Novembro de 1995 a
Outubro de 1997) e dirigiu o Laboratório de Modelação de Agentes Lab MAg (2004 a
2006).
Foi Director do Laboratório de Modelos e Arquitecturas Computacionais e Coordena-
dor do Centro de Ciências da Complexidade, entre 1998 e 2004, e Presidente do Instituto
de Ciências da Complexidade (ICC), de 2005 a 2008.
Representante português no Technical Committee Artificial Intelligence da IFIP e foi
Presidente do Comité Coordenador do Iberamia.
Membro efectivo eleito da Academia de Engenharia, desde 1999, e Companheiro EC-
CAI (European Coordinating Committee for Artificial Intelligence), desde 2002.
Na área de Metodologias da Computação, o seu interesse incide nos domínios da In-
teligência Artificial Distribuída, engenharia e gestão do conhecimento, Lógica Matemáti-
ca e linguagens formais, reconhecimento de padrões, Ciências da Vida e Medicina, simu-
lação e modelação.
Participou, coordenou e foi consultor de inúmeros projectos ligados às suas áreas de
especialização, foi um dos principais organizadores do 1º Encontro Nacional de Tecnolo-
gias da Informação (Lisboa, 1986), é autor e coautor de vários livros e artigos publicados.

21 – José Manuel Fernandes Marques Henriques (1941)


Nasceu em Lisboa a 2 de Novembro de 1941.
Frequentou o Instituto de Ciências Económicas e Financeiras (ICEF) e, em Outubro
de 1962, foi para a Alemanha prosseguir os estudos superiores.

XXIX Encontro AULP | 423


Chegou a ser Presidente da Associação de Estudantes do ICEF, tendo como Vice-
-Presidente Abílio Dias Fernandes (Presidente da Câmara de Évora de 1977 a 2001) e
secretário o então aluno Aníbal Cavaco Silva (Presidente da República desde 2006).
Licenciado em Matemáticas (Orientação Ciências Económicas) na Universidade de
Munique, em 1965.
Pós graduação com Mestrado em Estatística na Universidade de Chicago, entre 1965
e 1967, onde foi assistente no Departamento de Estatística. Defendeu a tese intitulada
“Dimensão – Hausdorff e Besicovitch – Espaço Probabilidades Produto”.
Ingressou, em 1967, na IBM Portuguesa na área de análise de sistemas.
Em 1969 fez o estágio profissional, na Alemanha, sobre o computador IBM 360/44.
Participou na instalação de computadores com terminais na Alemanha, Estados Unidos e
Canadá. Em Portugal, entre o final de 1969 e 1970, e após concursos públicos ganhos pela
IBM, foi o responsável pela instalação e operacionalidade dos computadores IBM 360/44
no Instituto Superior Técnico (o primeiro adquirido e que começou a funcionar em 8 de
Janeiro de 1971) e no Serviço Meteorológico Nacional (em Abril de 1971).
Especialista no desenvolvimento de aplicações de natureza científica (fazendo progra-
mação científica em Fortran) e para outras metodologias (nomeadamente em APL e For-
tran).
Trabalhou no Centro de Cálculo Científico da Fundação Gulbenkian e fez também
programação no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e no Instituto Nacio-
nal de Meteorologia.
A reforma dos cursos e do ensino de engenharia em 1970, impulsionada pelo ministro
Veiga Simão, permitiu criar a disciplina de Introdução aos Computadores e Programação,
introduzida no currículo do Instituto Superior Técnico (IST) e rapidamente contemplada
em todos os cursos de engenharia das universidades portuguesas.
Iniciou a carreira docente no IST, em Outubro de 1970, convidado pelos Professores
Fraústo da Silva e Delgado Domingues (director do Centro de Cálculo do IST e que veio
a originar o Centro de Cálculo da Universidade Técnica de Lisboa – CCUTL –), para re-
ger a referida disciplina e organizar os primeiros cursos de formação de monitores. No
ano lectivo seguinte lecionou também Cálculo Automático.
Em 1971 fomentou no IST, com a sua equipa de assistentes e monitores, o “Colóquio
de Computadores” que constava de palestras e onde foi dado o Curso de Linguagem de
Iverson, que foi um dos primeiros cursos de APL (Adventure Programe Language) a ser
ministrado em Portugal.
Esteve ligado à implementação do processamento informático das pautas de classifi-
cações no IST, que ocorreu em Junho de 1971.
Em Fevereiro de 1972 visitou a Universidade de Luanda, a convite do Professor Da-
vid Gagean, para acompanhar a logística do computador IBM 1130 que ali tinha sido
instalado e que foi o primeiro no espaço territorial português a ter APL.
Logo a seguir abandonou a IBM Portuguesa para se dedicar à carreira docente no IST.
Voltou a Angola, em 13 de Janeiro de 1973, ao aceitar uma comissão de serviço para
leccionar na Universidade de Luanda, integrado no Departamento de Matemática da Fa-
culdade de Ciências. Em Outubro deste ano, sucedeu ao Prof. Doutor Manuel Neto Mur-
ta na regência da cadeira de Estatística na Faculdade de Economia.

424 | XXIX Encontro AULP


Trabalhou e potencializou a utilização do ecrã gráfico do computador da Universidade
de Luanda, colaborando nomeadamente com o Professor Auxiliar Alexandre Cerveira
(das Engenharias), o Dr. Nunes da Silva (do Departamento de Física) e o monitor Filipe
dos Santos (aluno de Engenharia Electrotécnica que se destacou como quadro qualificado
do Grupo SIBS, responsável pela marca Multibanco, desde a sua constituição em 1983).
Regressou a Portugal e ao IST em Maio de 1975, onde lecionou até 1977/78.
Em Outubro de 1978 ingressou no quadro de funcionários do Instituto de Informática
do Ministério das Finanças onde esteve até 1983 e se interessou designadamente pelo
campo da segurança informática.
A partir de 1979, em regime de acumulação, lecionou Informática no Instituto Supe-
rior de Economia (ISE, antigo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras)
da Universidade Técnica de Lisboa (UTL).
Em 1981 integrou a Comissão Informática da UTL, em representação do ISE, criada
para renovar as infraestruturas de Cálculo das suas escolas superiores.
Em 1983 passou a dedicar-se com exclusividade ao ensino no Instituto Superior de
Economia que, em 1989, alterou a denominação para Instituto Superior de Economia e
Gestão (ISEG).
No ISEG foi Professor Associado do Departamento de Gestão, até 2009 (Professor
Associado Convidado, desde Julho de 2007), foi Vice-Presidente do Conselho Directivo
e membro do Conselho Pedagógico, e participou em vários júris de Mestrado, alguns
como orientador.
Exerceu como Professor itinerante na Universidade da Beira Interior (UBI) em
1986/87 e 1987/88, e depois de 1997/98 a 2004/05, tendo leccionado várias disciplinas
nas licenciaturas e mestrados.
Na Universidade de Évora foi também Professor itinerante durante três anos lectivos
(1990/91 a 1992/93).
Aposentou-se em 31 de Julho de 2008.
Dedicou-se, ao longo da sua carreira, nomeadamente ao domínio da programação e a
linguagens tipo matricial ou vectorial, ao ensino da Informática, Estatística, Teoria dos
Números e Criptografia.
Apresentou artigos em muitas jornadas e congressos em que participou, é autor de
diversas publicações na sua área de especialização e considerado um dos protagonistas
das tecnologias de informação em Portugal. Foi Presidente da Associação Portuguesa da
Linguagem APL.

22 – José Tiago da Fonseca Oliveira (1928-1992)


Nasceu em Lourenço Marques (Maputo), Moçambique, a 22 de Dezembro de 1928,
cidade onde completou o ensino liceal em 1945.
Licenciou-se em Matemática, em 1949, na Faculdade de Ciências da Universidade do
Porto e, no ano seguinte, concluiu o Curso de Engenharia Geográfica, na mesma Univer-
sidade.
No Porto participou num movimento dinamizado pelo Professor Doutor Ruy Luís
Gomes para o desenvolvimento dos estudos e da investigação matemática e foi membro
do Movimento de Unidade Democrática Juvenil (MUDJ), de oposição ao antigo regime.

XXIX Encontro AULP | 425


A sua ligação à oposição ao regime salazarista justificou a não nomeação para professor
na Universidade do Porto após ter sido o primeiro classificado em dois concursos.
Trabalhou como assistente de investigação no Instituto de Biologia Marítima em Lis-
boa (1951 a 1953), e foi convidado, pelo Professor António Almeida Costa, para 2º assis-
tente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, entre 1953 e 1957.
Defendeu a sua tese de doutoramento ”Residuais de Sistemas e Radicais de Anéis”,
em 1957, tornando-se 1º assistente até 1965.
Esteve um semestre na Universidade de Columbia (USA), em 1960, onde conheceu e
passou a colaborar com o Professor Emil Gumbel, considerado o principal arquitecto da
teoria estatística de valores extremos. Essa cooperação traduziu-se na obtenção de resul-
tados importantes no caso de “extremos bivariados e multivariados”.
Prestou provas na Universidade de Lisboa, em 1964, com a dissertação “Estatística
de Densidades; Resultados Assintóticos” e ascendeu a Professor Agregado, em 1965, e a
Professor Catedrático de Estatística Matemática, em 1967.
Em 1971/1972 colaborou com o Ministro da Educação Veiga Simão na reforma do
ensino, e deslocou-se a Angola onde fez conferências e lecionou na Universidade de Lu-
anda.
Em 1973 foi professor visitante na Universidade de Luanda e voltou a Angola depois
da independência, em 1982, como professor convidado (também na Universidade da Ca-
rolina do Norte e já o tinha sido, em 1959, na Universidade da Baía, no Brasil).
Em 1988 deixou a Faculdade de Ciências, onde iniciara a docência em 1953. Passou
a integrar a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, como
Professor Catedrático, e nela fundou o Laboratório de Estatística e Matemática Actuarial.
Na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa teve um papel determinante na
criação do Centro de Estatística e Aplicações (1975) e do Departamento de Estatística,
Investigação Operacional e Computação (1981). Foi Director do Centro de Matemática
Aplicada (1969 a 1975), Presidente do Grupo de Matemática Aplicada (1978 a 1981) e
Presidente do Conselho Científico (1979/1980).
Foi fundador, um dos outorgantes da escritura de constituição, em Novembro de 1980,
e um grande impulsionador da Sociedade Portuguesa de Estatística e Investigação Opera-
cional. Formou uma autêntica “Escola de Estatística de Extremos” em Lisboa, sendo con-
siderado um dos responsáveis pelo desenvolvimento internacional desta área de estudo.
Estatístico de renome mundial, membro de várias sociedades científicas, nacionais e
estrangeiras, participou em muitos congressos, desenvolveu uma intensa actividade de
investigação com inúmeras publicações científicas e de estudos sobre a História da Mate-
mática em Portugal.
Admitido, em 1952, como “Fellow” na prestigiada Royal Statiscal Society (fundada e
sediada em Londres, desde 1834), e promovido a “Honory Fellow”, em 1987.
Eleito membro correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, em 1976, tor-
nou-se efectivo, em 1985, sucedendo ao Professor Doutor Vicente Gonçalves. Esta ins-
tituição tinha-lhe atribuído, em 1969, o prémio Artur Malheiros para Ciências Mate-
máticas.
Em 1984 recebeu o prémio da Fundação Calouste Gulbenkian para Ciência e Tecno-
logia.

426 | XXIX Encontro AULP


Integrou a lista dos membros que subscreveram a acta de fundação do Partido Socia-
lista (PS), na sequência do congresso da Associação Socialista Portuguesa realizado na
cidade alemã de Bad Munstereifel, em Abril de 1973.
Fundador e membro da Comissão Instaladora do Sindicato dos Professores da Grande
Lisboa, sendo Presidente da Assembleia Geral em 1975/76. Colaborou com as revistas O
Tempo e o Modo e Seara Nova.
Foi Secretário de Estado da Investigação Científica no governo liderado pelo Partido
Socialista, entre 1976 e 1978, que proporcionou a vinda a Portugal (em 1977) do mate-
mático António Aniceto Monteiro, nascido em Angola (Moçâmedes), exilado de Portugal
desde 1945.
Integrou de forma relevante o Grande Oriente Lusitano (ordem maçónica regular fun-
dada em1802).
Faleceu em 23 de Junho de 1992, vítima de problemas cardíacos.
A sua estátua em baixo relevo, elaborada pelo escultor e artista plástico Espiga Pinto,
está patente no Convento da Orada, em Monsaraz no distrito de Évora.

23 – Carlos Alberto dos Santos Braumann (1951)


Nasceu em Lisboa a 4 de Setembro de 1951.
Concluiu os estudos secundários no Liceu Camões em Lisboa.
Bacharelado na Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira, em 1971, e licenciado em
Matemática Aplicada pela Universidade de Luanda, em 1973.
Pertenceu ao grupo dos primeiros bacharéis formados em Sá da Bandeira e recebeu o
Prémio do Rotary Clube de Luanda para o licenciado da Universidade com classificação
mais elevada.
Doutorado em Ciências na State University of New York at Stony Brook, em 1979,
com a tese “Population Growth in Random Environments”.
Foi Monitor e Assistente eventual da Universidade de Luanda entre 1971 e 1974 (na
Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira em 1971-72 e 1973-74).
Investigador no Instituto de Investigação Científica de Angola, em 1973.
Professor na Universidade de Évora desde 1975, onde percorreu os vários escalões da
carreira docente, com agregação em Processos Estocásticos, em 1988, e sendo Professor
Catedrático desde 1989.
Foi Vice-Reitor da Universidade de Évora de 1987 a 1994 e Reitor de Março de 2010
a Abril de 2014.
Investigador especializado em várias áreas matemáticas, designadamente em modelos
estocásticos para fenómenos dinâmicos em ambiente aleatório (especialmente equações
diferenciais estocásticas) e suas aplicações (principalmente biológicas e financeiras). É
autor de muitos artigos científicos publicados e da obra “Introdução às Equações Diferen-
ciais Estocásticas e Aplicações” (2005). Tem proferido inúmeras conferências convida-
das em instituições científicas portuguesas e estrangeiras.
As suas principais áreas de ensino são os Modelos Matemáticos em Biologia, Proces-
sos Estocásticos, Cálculo Financeiro, Probabilidades, Estatística, Medida e Probabilida-
de, tendo também lecionado outras, como por exemplo, Análise Matemática, Análise
Complexa e Topologia.

XXIX Encontro AULP | 427


Entre outras distinções, é membro eleito do International Statistical Institute, desde
1992.
Foi membro do Conselho Superior de Estatística (Portugal, 1989 a 2002) e do Comité
Consultatif Européen de L’information Statistique dans les Domaines Économique et So-
cial (CEIES, União Europeia, 2005 a 2008).
Exerceu os cargos de Presidente da Sociedade Portuguesa de Estatística (2006 a 2012)
e da European Society for Mathematical and Theoretical Biology (2009 a 2012).
Professor catedrático aposentado da Universidade de Évora, desde Março de 2018,
onde proferiu a sua última lição no dia 23 de Maio subordinada ao tema “A Matemática,
o Acaso e a Vida”.

24 – José Carlos Brandão Tiago de Oliveira (1954)


Nasceu no Porto a 25 de Julho de 1954.
Estudou Matemática nas Universidades de Luanda, Lisboa, onde se graduou em 1977,
e em Marselha.
Foi monitor na Secção de Matemáticas de Sá da Bandeira em 1974.
Assistente eventual na Universidade de Aveiro, em 1978, professor assistente na Fa-
culdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, de 1979 a 1990.
Ingressou na Universidade de Évora, em 1990, onde se manteve no Departamento de
Matemática e passou a Professor Auxiliar, desde 2012.
Doutorou-se em História e Filosofia de Ciência na Universidade de Évora, em 2012,
com a dissertação sobre “A personalidade científica de António Gião”.
Trabalhou sempre em equipas: na Universidade de Luanda (com o professor David
Lopes Gagean), no Instituto Gulbenkian de Ciência, na Universidade de Aveiro, no Insti-
tuto Superior de Educação de Cabo Verde, na Universidade Nacional de Timor Lorosae e
na Universidade de Évora.
Esteve filiado na International Society for the Study of Time (ISST) e no Certificat
International d´Ecologie Humaine (CIEH), que secretariou.
Membro Integrado Doutorado do Centro de Filosofias das Ciências da Universidade
de Lisboa.
Pertenceu ao Conselho de Administração do Erasmus Mundus Mobility with Asia-
-West, entre 2010 e 2012, e é o Coordenador do projecto Erasmus Mundus EMMA West
2013 (2012 a 2016).
Leccionou sobretudo nos cursos de Comunicação Social, Sociologia, Antropologia,
Filosofia, Arquitectura e Ecologia Humana; na área das Matemáticas, disciplinas como
História do Pensamento Matemático, Lógica e Fundamentos, Álgebra Linear e Geometria
Analítica.
Fez a biografia e encetou a publicação das “Obras de J. Tiago de Oliveira”, seu pai,
um eminente matemático e estatístico (1928-1992).
Escreveu sobre o Oriente, cosmologia, o infinito, catástrofes, fractais, e quaterniões.
Publicou investigações sobre a vida e obra de Maurits Escher, Lima de Freitas e António
Gião.

428 | XXIX Encontro AULP


25 – Carlos Mar Bettencourt Faria (1924-1976)
Nasceu em Lisboa a 13 de Fevereiro de 1924.
O pai, José Augusto Martins Faria e o tio Eduardo, dedicaram-se à Mecânica (eram
sócios gerentes da Empresa Nacional de Máquinas, em Lisboa), viajavam muito e distin-
guiram-se pelas suas competências de criatividade e engenhosidade.
Em 1930, devido aos problemas de saúde e financeiros do pai, foi viver para os Açores
com a mãe e os irmãos. Instalaram-se na casa do avô materno, Carlos Abel Bettencourt
Leça, médico em Ginetes (ilha de S. Miguel). Frequentou o ensino primário e iniciou o
liceal, aprendeu música (tocava violino e piano), desenho e pintura, começou a revelar a
sua vocação inventiva.
Com a morte do pai, em 1938, foi para a ilha da Madeira, ao cuidado de um tio, cóne-
go, irmão do seu avô materno. Aí permaneceu até aos 19 anos e interessou-se pela rádio
e maquinismos, estudou astronomia e biologia marinha.
Em 1944 foi cumprir o serviço militar no Continente. Trabalhou dois anos, 1945 a
1946, nos Serviços Administrativos do Arsenal do Alfeite, onde o contacto com o Coman-
dante Conceição e Silva, destacado astrónomo amador, reforçou o seu entusiasmo por
esta área da ciência que o notabilizou.
Voltou aos Açores como funcionário da TAP, na ilha de Santa Maria (1946 a 1949).
Partiu para Angola, em Setembro de 1951, contratado pela Diamang (Companhia de Dia-
mantes de Angola), para integrar a Missão de Recolha de Folclore, na Lunda Norte, como
técnico de gravação de som (para registos fonográficos), desenhador e inquiridor das
populações locais. Publicou, na revista Geográfica da Sociedade de Geografia de Lisboa,
o trabalho etnográfico “O tiro com arco e setas praticado pelos indígenas do nordeste de
Angola”.
Aprofundou os seus estudos sobre Electrónica em Luanda. Adquiriu um terreno com
10000 metros quadrados nos arredores da cidade, em local isolado e adequado às activi-
dades que pretendia desenvolver. Aí, em Outubro de 1956, iniciou a construção do Obser-
vatório Astronómico da Mulemba.
Foi o único português que fotografou e registou os sinais emitidos pelo Sputnik 1, o
primeiro satélite artificial da Terra, lançado em Outubro de 1957 pela URSS.
O apoio prestado pela Associação Astronómica de Angola (fundada em1964) permitiu-
-lhe a construção de vários equipamentos (a Biblioteca Técnica, o Laboratório de Electró-
nica, a Estação Solar, a Estação de Satélites e o Museu da Mulemba). Nos anos setenta, o
Observatório Astronómico passou a ser designado por Centro Espacial da Mulemba.
Para além de estudos solares, astro-fotografia, astrofísica e oceanografia, o Centro da
Mulemba destacou-se no campo da radioastronomia e rastreio de satélites artificiais. In-
tegrou a rede de colaboradores da NASA, espalhados pelo mundo, que recolhiam e forne-
ciam dados enviados por satélites e naves espaciais.
Em 1965 ingressou nos quadros da refinaria de petróleos Petrofina, situada nos arre-
dores de Luanda.
Lutou sempre com grandes dificuldades financeiras para executar os seus projectos e
manter o Centro da Mulemba a funcionar. A Fundação Gulbenkian atribuiu-lhe um subsí-
dio de quinhentos contos, a título de empréstimo de equipamento, e outro de cinquenta
contos, para efectuar uma viagem de estudo. Nos Estados Unidos visitou Houston e Cape

XXIX Encontro AULP | 429


Canaveral e na Europa participou nas Jornadas de Estudos Ionosféricos e Astronomia
Solar, realizadas na Polónia (Varsóvia,1970).
No célebre programa de rádio “Café da Noite” de Sebastião Coelho, em Luanda, ru-
bricou durante muitos anos (finais dos anos sessenta a Fevereiro de 1975) o espaço “Cos-
mos em sua casa”.
Era um autodidacta genial, investigador, com um grande espírito inventivo e múltiplas
actividades: radioamador, técnico de electrónica e mecânica, fotógrafo, biólogo, mergu-
lhador, inventor e astrónomo.
No Observatório Meteorológico João Capelo de Luanda (que frequentava para con-
sultar e requisitar livros e obras científicas, muitas das quais traduziu para português), nos
organismos oficiais e na maioria da comunidade científica portuguesa, era considerado
um “aventureiro da ciência”. O seu mérito nunca foi devidamente reconhecido e viu re-
cusada a sua eventual colaboração com a Universidade de Luanda.
Vítima de assalto, foi assassinado no seu Centro Espacial da Mulemba, a 4 de Julho
de 1976.

26 – Augusto Guilherme Mesquitela Lima (1929-2007)


Nasceu no Mindelo, capital da ilha de São Vicente (Cabo Verde), a 10 de Janeiro de
1929.
Fez os estudos secundários no Liceu de Mindelo e começou a trabalhar, em 1949,
como escriturário na Alfândega de Cabo Verde.
Foi para Angola, em 1952, como chefe de posto da Inspecção dos Serviços Adminis-
trativos e Negócios Indígenas.
Os trabalhos de campo ligados às suas funções administrativas permitiram um conhe-
cimento aprofundado da vida das populações angolanas e das suas culturas tradicionais.
Despertaram o seu interesse pela Antropologia e pelas Ciências Humanas e Sociais.
Publicou no Museu de Angola, em 1956, um catálogo e um estudo sobre as “Tatua-
gens da Lunda”.
Em 1959, viajou para Lisboa, para frequentar o Instituto Superior de Ciências Sociais
e Política Ultramarina. Foi muito influenciado pelos professores Jorge Dias e Vitorino
Magalhães Godinho na sua formação como investigador que defendia a interdisciplinari-
dade entre os domínios do conhecimento, nomeadamente entre a sociologia, a economia
e a história.
Licenciou-se, em 1963, em Estudos Políticos e Sociais do Ultramar.
Na dissertação que apresentou no final do curso, “Os Akixi do Nordeste de Angola”,
já evidenciava a sua adesão às novas correntes do pensamento antropológico.
De novo em Angola, trabalhou na divisão de Etnologia e Etnografia do Instituto de
Investigação Científica de Angola (IICA), chefiou o seu Departamento de Ciências Hu-
manas e foi nomeado Director do Museu de Angola, onde já exercia, desde 1963, o cargo
de Conservador.
Entre 1966 e 1969 frequentou em Paris diversos cursos, estágios e seminários nas
áreas das Ciências Humanas e Sociais e da Antropologia (estudou e trabalhou com gran-
des especialistas de renome internacional, como Claude Lévi-Straus, entre outros) e viveu
com entusiasmo o Maio de 1968.

430 | XXIX Encontro AULP


Obteve o diploma da École Pratique des Hautes Études (1966), formou-se em Muse-
ologia e Africanologia no Musée de l´Homme (museu etnográfico de Paris).
Em Março de 1969, doutorou-se em Etnologia, na Faculdade de Letras e Ciências
Humanas da Universidade de Paris (Sorbonne), com a menção “Très Bien”.
A sua tese de doutoramento “Fonctions Sociologiques dês figurines de culte Hamba
dans la société et dans la culture Tshokwé (Angola) ”, considerada uma das mais impor-
tantes obras da etnologia e antropologia cultural publicadas por um português (segundo
Vitorino Magalhães Godinho), foi editada pelo IICA, em 1971.
Nos EU, em 1971 e a convite do respectivo Departamento de Estado, foi conferencis-
ta em várias universidades americanas.
Leccionou Antropologia Cultural e Etnologia no Instituto de Educação e Serviço So-
cial Pio XII, em Luanda, e na Faculdade de Economia da Universidade de Luanda, onde
ministrou, em Maio de 1973, o curso “Tradição e Modernismo”.
Em Angola, até 1975, deixou importante trabalho na museologia e nos estudos etno-
lógicos que realizou sobre os Quiocos (Tshokwe), uma etnia de origem banto que se
concentra no nordeste (Moxico e Lunda), e os kyakas, da etnia ovimbundu, instalada no
planalto central.
Professor na Universidade Nova de Lisboa, a partir de 1975, foi um dos fundadores da
sua Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, criou e chefiou o Departamento de Antro-
pologia (1978), assim como o Instituto de Estudos Africanos (1983). Dirigiu o seminário
de Civilizações e Culturas Africanas e os primeiros cursos de pós-graduação e mestrado
na área da Museologia e Património.
Com o estudo sobre “Les Kyaka: Histoire, parente, organization politique e spatiale”
obteve, em 1977, o doutoramento de Estado em França, na Universidade de Paris X –
Nanterre. A sua edição em Portugal, em 3 volumes, intitulada “Os Kyaka de Angola:
história, parentesco, organização política e territorial” só ocorreu entre 1988 e 1992.
Após a sua jubilação na UNL, em 1999, como Professor Catedrático de Antropologia
Cultural, continuou a ser o director do seu Centro de Estudos de Sociologia. Lecionou e
foi director do Instituto Superior de Gestão.
Realizou também várias palestras e conferências sobre Cabo Verde, a sua terra natal.
Autor de imensa obra publicada em livros, jornais e revistas da sua especialidade, era
membro de várias associações internacionais de Antropologia, foi Vice-Presidente do
Conselho Europeu de Estudos Africanos, tendo contribuído bastante para a modernização
da Antropologia em Portugal.
Faleceu em Lisboa, vitimado por uma pneumonia, a 14 de Janeiro de 2007.

27 – António Aniceto Ribeiro Monteiro (1907-1980)


Nasceu em Moçâmedes (Namibe), Angola, a 31 de Maio de 1907.
Viveu nesta cidade até 1915, ano em que, devido à morte do seu pai, tenente de infan-
taria destacado em comissão de serviço no sul de Angola desde 1905, rumou a Lisboa.
Estudou no Colégio Militar desde 1917 até concluir os estudos secundários em 1925.
Casou em 1929 com Lídia Marina de Faria Torres, também natural de Moçâmedes.
Frequentou a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa onde se licenciou, em
1930, em Ciências Matemáticas.

XXIX Encontro AULP | 431


Estudou em Paris no Instituto Henri Poincaré, de 1931 a 1936, como bolseiro do Ins-
tituto para a Alta Cultura (IAC).
Em 1936 doutorou-se em Ciências Matemáticas na Universidade de Paris, com a tese
“Sur l’additivité des noyaux de Fredholm”.
Foi um dos principais impulsionadores, com António Silveira, Manuel Valadares e
Peres de Carvalho, entre outros, do Núcleo de Matemática, Física e Química, que iniciou
as actividades em Novembro de 1936.
Esteve ligado à fundação das revistas Portugaliae Mathematica (em 1937, a primeira
revista portuguesa de investigação matemática) e Gazeta de Matemática (em 1939,com
Bento de Jesus Caraça, Hugo Ribeiro, José da Silva Paulo e Manuel Zaluar), da Socieda-
de Portuguesa de Matemática (em 1940, tendo sido o primeiro Secretário-Geral entre
1941 e 1942) e da Junta de Investigação Matemática (em 1943, com Mira Fernandes e
Ruy Luís Gomes).
Entre 1938 e 1943 viveu de lições particulares, trabalhou num Serviço de Inventaria-
ção de Bibliografia Científica organizado pelo IAC, dirigiu trabalhos de investigação no
Centro de Estudos Matemáticos de Lisboa, desde 1940, e no do Porto em 1943.
A entrada na carreira académica nunca lhe foi permitida em Portugal, por motivos
políticos.
Em 28 de Fevereiro de 1945 abandonou Portugal. Foi contratado, por quatro anos,
para a cátedra de Análise Superior na Faculdade Nacional de Filosofia (actual Universi-
dade Federal), no Rio de Janeiro.
Promoveu actividades de investigação e conferências nas áreas de Topologia Ge-
ral, Espaços de Hilbert, Análise Funcional, Séries Ordenadas, Reticulados e Álgebras
Booleanas.
Foi investigador do núcleo Técnico Científico da Fundação Getúlio Vargas (1945-
-1946), editou seis volumes de uma série de monografias que designou por Notas de Ma-
temática (1948-1949), foi membro fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
(1949) onde trabalhou como investigador de Matemática.
A embaixada portuguesa exerceu influência para não permitir a renovação do seu
contrato no Brasil.
Chegou à Argentina em 5 de Dezembro de 1949 contratado pela Facultad de Ingenie-
ría, Ciencias Exactas, Físicas y Naturales da Universidad Nacional de Cuyo, localizada
na cidade de San Juan no centro oeste do país, e com polos nas cidades de Mendoza e San
Luís.
Foi professor nesta Faculdade de 1950 a 1957, designadamente de Análise Matemática.
Leccionou também na Escola de Arquitectura da mesma Faculdade (1954 a 1956) e
Matemáticas Superiores na Faculdade de Ciências da Educação, no polo de San Luís.
Nomeado membro correspondente da Academia Brasileira de Ciências em 1956.
Em Julho de 1957 ingressou na Universidad Nacional del Sur (UNS), em Bahía Blan-
ca (província de Buenos Aires), onde permaneceu até terminar a carreira em 1975.
Elaborou os planos de estudos da Licenciatura em Matemática, fundou o Instituto de
Matemática (nomeado Organizador em 1959), dedicou-se à constituição da Biblioteca de
Matemática (actualmente com o seu nome) e considerada uma das melhores da América
Latina.

432 | XXIX Encontro AULP


Convidou o Professor Ruy Luís Gomes, no exílio, para leccionar no Instituto de Ma-
temática de 1958 a 1961.
Ministrou um curso sobre Espaços de Hilbert no Instituto de Física de Bariloche, em
1961, ano em que foi professor visitante na Faculdade de Ciências Exactas da Universi-
dade de Buenos Aires.
Em Dezembro de 1965 deixou a direcção do Instituto de Matemática, onde no ano
anterior tinha fundado a colecção “Notas de Lógica Matemática” e em 1966 “Notas de
Algebra y Analisis”, para nele se dedicar exclusivamente à investigação e à formação,
mantendo a sua actividade docente na UNS.
Bolseiro da CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas),
quando gozou uma licença sabática entre Setembro de 1969 e Agosto de 1970, realizou
conferências em várias universidades da Europa (Roménia, França, Bélgica, Inglaterra e
Itália).
Reformou-se a 31 de Maio de 1972, aos 65 anos, sendo designado “Professor Emérito
da Universidad Nacional del Sur (UNS)”. Continuou a trabalhar no Instituto de Matemá-
tica até se jubilar em 1975.
Nomeado Membro Honorário da Unión Matemática Argentina em 1 de Outubro de 1974.
Regressou a Portugal em 1977 para ser durante dois anos investigador no Instituto
Nacional de Investigação Científica, trabalhando no Centro de Matemática e Aplicações
Fundamentais da Universidade de Lisboa. O seu trabalho Sur les Algèbres de Heyting
Symétriques contribuiu para ser contemplado com o Prémio Gulbenkian de Ciência e
Tecnologia em 1978.
Morreu em Bahía Blanca, na Argentina, a 29 de Outubro de 1980.
O Presidente da República, Jorge Sampaio, atribuiu-lhe em Outubro de 2000, a título
póstumo, a Grã-Cruz da Ordem Militar de Santiago da Espada.
No Congresso Internacional de Matemática, que decorreu em Madrid, realizou-se em
de Agosto de 2006 a «António A. Monteiro’s Centenary Session» onde foi apresentada a
obra The Works of António A. Monteiro, em oito volumes, editada por Eduardo Ortiz e
Alfredo Pereira Gomes.

28 – Jerónimo Elavoko Wanga (1934-2007)


Natural de Chissamba, província do Bié (Angola,) onde nasceu a 24 de Abril de 1934.
Efectuou os estudos secundários no Liceu Diogo Cão no Lubango (Sá da Bandeira).
Em Setembro de 1958 partiu para Portugal para prosseguir os estudos a nível superior,
num grupo de estudantes que integrou os seus colegas Jonas Savimbi, Jorge Valentim e
Carlos Gonçalves, entre outros.
Aí continuou a militância política, já iniciada no Lubango.
Frequentou a licenciatura em Matemáticas na Faculdade de Ciências da Universidade
de Lisboa, sendo aluno do professor José Tiago de Oliveira.
Foi um dos cem estudantes africanos que fugiram de Portugal em Junho de 1961.
Teve de se refugiar na Suíça, onde frequentou o curso de Matemáticas na Universida-
de de Lausanne.
Licenciado em Matemáticas exerceu como professor e chegou a ser reitor numa Uni-
versidade de Libreville, no Gabão.

XXIX Encontro AULP | 433


Foi um destacado nacionalista que deu a sua contribuição à luta de libertação contra o
colonialismo, inicialmente como militante da UPA (União dos Povos de Angola) e mais
tarde na UNITA.
Após o 25 de Abril, foi ministro da Educação, designado pela UNITA, no governo de
transição para a independência, investido em Angola a 31 de Janeiro de 1975, a seguir aos
Acordos do Alvor, subscritos com Portugal em meados do mesmo mês. Deixou de exer-
cer aquelas funções a 31 de Agosto de 1975, quando abandonou Luanda devido à situação
política e militar que Angola atravessou na época.
Nas primeiras eleições gerais em Angola, realizadas em Setembro de 1992, foi eleito
deputado pela província do Bié, apesar do país ter logo mergulhado numa longa guerra
civil até Fevereiro de 2002. Nesta legislatura, que se manteve até 2008, foi líder da ban-
cada parlamentar da UNITA e 2º Vice-Presidente da Assembleia Nacional de Angola.
Membro do Parlamento Pan – Africano, desde 2004, onde foi Coordenador da Subco-
missão de Educação.
Faleceu a 3 de Abril de 2007, em Joanesburgo (África do Sul), vítima de doença.

A tabela elaborada por João Minga imprime aos mesmos nomes uma ordem diferente,
inspirada pela data de entrada nos EGUA e pela afinidade entre estes:
Início Saída
NOME N F Categoria Especialidade
EGUA/UL EGUA/UL
Emérito
António Aniceto
1907 1980 -------- --------- Univ. Nac. del Matemático
Monteiro
Sur
Délio N. Santos 1912 1977 09/1963 1968 Catedrático Filósofo
José L. R. Martins 1914 1994 09/1963 1974 Catedrático Físico
Matemático/
David L. Gagean 1916 1994 09/1963 1974 Extraordinário
Engenheiro
Matemático/
Sérgio D. Fonseca 1913 1994 10/1963 1974 Assistente
Engenheiro
Carlos Dinis da Gama 1941 ----- 04/1968 09/1974 Catedrático Engenheiro Minas
José N. Marat Mendes 1939 ---- 1968 1975 Associado Físico
Pedro Braumann 1919 2003 1969 08/1974 Catedrático Matemático
Manuel F. Laranjeira 1928 2003 1969 1974 Catedrático Físico
Gerberto C Dias 1940 ---- 10/1969 1974 Associado Matemático
José M. Sena Neves 1936 ---- 10/1969 08/1974 Assistente Matemático
Manuel N. Murta 1919 1992 04/1970 10/1973 Catedrático Matemático
Carlos Alberto Medeiros 1942 ---- 10/1970 1974 Catedrático Geógrafo
José Frederico D
1919 2007 10/1970 1975 Assistente Arquitecto
Ludovice
Nair L. Santos 1942 ---- 10/1970 1975 Assistente Matemática
João C. M. Raposo
1929 2006 1971 1976 Assistente Matemático
Beirão
Matemático/
Hélder F. Coelho 1944 ---- 1971 1973 Catedrático
Informático
Carlos Braumann 1951 ---- 10/1971 1974 Catedrático Matemático
Matemático/
José Marques Henriques 1941 ---- 02/1972 05/1975 Associado
Informático

434 | XXIX Encontro AULP


Início Saída
NOME N F Categoria Especialidade
EGUA/UL EGUA/UL
Augusto Damas Mora C. Matemático/
1942 ---- 10/1972 08/1974 Assistente
Moutinho Engenheiro
José Tiago F. Oliveira 1928 1992 1972 1973 Catedrático Matemático
Augusto Mesquitela
1929 2007 03/1973 1974 Catedrático Antropólogo
Lima
Engenheiro
Abílio Alves Fernandes 1934 2016 10/1973 2009 Titular
Geógrafo
Álvaro D. Nunes 1939 ---- 10/1973 08/1975 Associado Matemático
José Carlos B. Tiago de
1954 ---- 1974 1975 Auxiliar Matemático
Oliveira
1956 Director Centro
Astrónomo
Carlos Bettencourt Faria 1924 1976 Obs. 07/1976 Espacial.
Autodidacta
Mulemba Mulemba
1957
Ilídio Peres do Amaral 1926 2017 Catedrático Geógrafo
IICA
01/1975
Ministro da
Jerónimo Wanga 1934 2007 Governo Matemático
Educação
Provisório

Estas páginas são a primeira colecção biográfica sobre a História da Matemática An-
golana, incluindo, quando relevante, as vidas dos Professores de Sá da Bandeira e de
importantes Físicos – assim como as daqueles que marcaram as ciências, apesar de afas-
tados das Universidades.
Agradecemos o apoio de Alexandra Padinha.

Bibliografia
Estudos Gerais Universitários de Angola. 50 anos
História e Memórias
Autoria: AAVV
http://www.edi-colibri.pt/Detalhes.aspx?ItemID=1879
Sinopse:
A criação dos Estudos Gerais Universitários de Angola
Etnomatemática do Povo de Angola:
[CITATION] Tusona/Sona-an ideographic script found among the Luchazi and Cokwe of eastern Angola
and adjacent areas
G Kubik – Les peuples Bantu: migrations, expansion et identité…, 1987
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T Vergani – Gèneve: Université de Gèneve-FAPSE (tese de…, 1983
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Um discurso conjugal em relevo para uma (des) codificação posicional das figuras esculpidas nos’ Mabaia
Manzangu’de Cabinda
T Vergani – Revista internacional de estudos Africanos, 1988 – africabib.org

XXIX Encontro AULP | 435


This article examines a particular category of proverbs, traditionally used by the people of Cabinda, An-
gola, at crucial moments of matrimonial life, and expressed in the form of sculptured figures (‘mabaia man-
zangu’; sing.’libaia linzungu’) on the lids of cooking pots…
Cited by 5 Related articles All 2 versions
[CITATION] A aplicação da análise factorial das correspondências aos desenhos iniciáticos do povo
cokwe de Angola
T Vergani – Revista Internacional de Estudos Africanos, 1996
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Symbols of power in the proverbs and graphic representations M abaya M anzangu ofthe Bawoyo of Ca-
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…Quaderni PORO, 2) DICIONÁRIO PRÁTICO (1947) Português-Fiote, Cabinda, Edição da Tipografía
da Missão Evangélica de Angola, 105 p… cycle, Paris, EHESS, 306 p. VERGANI, Teresa (1988) Um discur-
so conjugal em relevo: para uma descodifïcação posicionai das figuras…
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The cultural activities and the classroom of the Herero/Helelo ethnic group in southern Angola (Mucubal
and Muhimba subgroup)
A Capitango, C Georgia – Revista Latinoamericana de…, 2015 – funes.uniandes.edu.co
…País, nas Lundas. Dentre tantos temos a destacar o trabalho feito pelo Paulo Gerdes. Segundo este, o
doutoramento da Teresa Vergani, 1981, versou na desmestificação do simbolismo numérico no seio dos Cokwe
(povos Quiocos ou Chokwe) de Angola…
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A Aroca-Araujo – RIPEM, 2016
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bre dans une culture traditionalle africaine
MTV de Andrade Armitage – 1983 – …de Psychologie et des Sciences de l…
[PDF] ufrn.br
Teresa Vergani: nomadismo, insubordinação, complexidade
LGS Souza – 2019 – repositorio.ufrn.br
…As experiências como consultora da UNESCO em São Tomé e Príncipe e em Angola, seu estudo e apro
– Page 30. 28… do para pensar bem e de forma deslocada. Neste capítulo o conceito de nomadismo é uma noção
guia para falar de Teresa Vergani, apresentan…
Do estudo do memorial de Teresa Vergani à análise de sua obra em educação matemática: trilhando o
caminho da matemática
DEN Kieckhoefel – 2015 – repositorio.unesp.br
…que em seu memorial Teresa Vergani adota o nome Maria Teresa Vergani de Andrade, de… que, ao
referenciá-la ao longo da dissertação utilizaremos por vezes Vergani e por… 1979 – Angola (África) Consulto-
ra nos Ministérios da Educação, atuando na formação de professores…

436 | XXIX Encontro AULP


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[CITATION] 3867 – Trabalho Completo – XXIV Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste-Reunião
Científica Regional da ANPEd (2018) GT08-Formação de…
MCX de Almeida
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[PDF] A ETNOMATEMÁTICA COMO RECURSO METODOLÓGICO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
A DISTÂNCIA: UMA INVESTIGAÇÃO NO CURSO DE…
E da Rocha Rodrigues, ST Frizzarini – unicesumar.edu.br
…é um recurso metodológico defendido por Vergani (2007) como “a matemática de uma criança de rua em
Angola, a matemática do… quantitativa e tem o propósito de identificar a Matemática existente dentro da cul-
tura seguindo o Painel de Sensibilização de Teresa Vergani…
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[CITATION] A cidade de Álea: poemas
J Dionísio – 1981 – Edições Mic
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Vinte cinco años de estudos histórico-etnomatemáticos na África ao sul do Sahara
P Gerdes – Llull: Revista de la Sociedad Española de Historia de…, 2003 – dialnet.unirioja.es
…Angola Teresa Vergani [1981] escreveu uma tese de doutoramento sobre simbolismo numérico no seio
dos Cokwe (Quiocos ou Chokwe) de Angola. Ela concluiu um estudo sobre a codificagáo matematizante de
proverbios…
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[HTML] As atividades culturais ea sala de aula no grupo étnico Herero/Helelo do sul de Angola (subgrupo
Mucubal e Muhimba)
A Capitango de Lúcio, CG Sabba – Revista Latinoamericana de…, 2015 – redalyc.org
… Dentre tantos temos a destacar o trabalho feito pelo Paulo Gerdes. Segundo este,. o doutoramento da
Teresa Vergani, 1981, versou na desmestificação do simbolismo. numérico no seio dos Cokwe (povos Quiocos
ou Chokwe) de Angola…
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[PDF] ucb.br
Da ciência como território à ciência como nomadismo
MCX de Almeida – Esferas, 2015 – bdtd.ucb.br
… Na areia ou na rocha, os povos de Angola desenham uma diversidade de grafismo com os quais repre-
sentam o corpo humano, os… Numa “escuta feita de imaginação liberta e de reflexão atenta” a matemática, te-
óloga e artista plástica Teresa Vergani expõe o que há de…
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[PDF] O doente de etnia cigana
JJS Fernandes – Lisboa: Associação Portuguesa de…, 2002 – repositorioaberto.uab.pt
…Foram deportados para as antigas colónias e, nos finais do século XVI, chegam os primeiros degredados
ao Brasil e a Angola… Page 93. – Sejamos capazes de admitir, como Teresa Vergani, que a personalidade está
para o indivıduo assim como a originalidade cultural está…
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XXIX Encontro AULP | 437


Visimu vya mukatikati – dilemma tales and ‘arithmetical puzzles’ collected among the Valuchazi
G Kubik – South African Journal of African Languages, 1990 – Taylor & Francis
…This is understandable, because people in rural societies of eastern Angola and elsewhere do not feel a
conflict between the spoken and the written. Eastern Angolan peoples. including the Valuchazi… I<J88a;
l981lb: Jaritz. 1983; Vergani. 1986) are synthesized into a whole…
Cited by 11 Related articles
DA CIÊNCIA COMO TERRITÓRIO À CIÊNCIA COMO NOMADISMO.
M da Conceição Xavier de Almeida – Esferas, 2015 – search.ebscohost.com
…Na areia ou na rocha, os povos de Angola desenham uma diversidade de grafismo com os quais represen-
tam o corpo humano, os… Numa “escuta feita de imaginação liberta e de reflexão atenta” a matemática, teóloga
e artista plástica Teresa Vergani expõe o que há de…[PDF] Director General.
C da Almeida, JC Peyrat, MMJM Becerra… – ceuarkos.com
…En la arena o en la roca, los pueblos de Angola diseñan una diversidad de grafismos con los cuales repre-
sentan el cuerpo humano… En una “escucha hecha de imaginación libre y de reflexión atenta” la matemática,
teóloga y artista plástica Teresa Vergani, expone lo que hay…
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[PDF] ul.pt
A educação matemática em Portugal: Os primeiros passos de uma comunidade de investigação
JP Ponte – Quadrante, 1993 – repositorio.ul.pt
…Por outro lado, Teresa Vergani (1983) doutorou-se na Suíça e Ana Mesquita (1989) e Teresa Assude
(1992) em França… Teresa Vergani (1991), com interesses na área da comunicação e na dimensão cultural da
Matemática, ilustra as possibilidades da antropologia…
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[BOOK] History of Mathematics in Africa: 1986-1999
P Gerdes, A Djebbar – 2011 – books.google.com
Page 1. .7] Irlr Jr . I Ira-I fig 1 § in: e ‘ Jr HISTORY “’1” OF MATHEMATICS IN i. 7AFRICA gjgeagrs
Page 2. Paulus Gerdes & Ahmed Djebbar History of Mathematicsin Africa AMUCHMA 25 Years Volume 1:
1986 – 1999 Page 3…
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[HTML] nmsu.edu
[HTML] Minutes of the ISGEm Meeting Minneapolis, MN, USA, April 19, 1997
JO Masingila – nmsu.edu
…Angolan sand drawings, but also in the politics of imperialism that arrested the development of this cul-
tural tradition, and in the politics of cultural imperialism that discounts the mathematical activity involved in
creating Angolan sand drawings… PORTUGAL, Teresa Vergani, 16 Av…
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[PDF] sbemrs.org
EDUCAÇÃO ETNOMATEMÁTICA: TRÊS APROPRIAÇÕES DA TEORIA
R Montoito – EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA–RS, 2012 – sbemrs.org
…Teresa Vergani, pesquisadora portuguesa, deixa transparecer isso na sua fala. Para ela, o século XXI
deveria diferenciar-se do anterior através da valorização do indivíduo e da partilha das diferentes culturas no
ambiente de escolarização…
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[PDF] ufrn.br

438 | XXIX Encontro AULP


Miguilins no sertão da cabaça azul: incandescência, infância e devaneios poéticos em Mutum
E Soares – 2011 – repositorio.ufrn.br
…Ao Egbë Capoeira Angola. Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e à CAPES… 8A com-
preensão de coleção transitória está baseada no texto O lugar da impermanência: a propósito do ato de conhecer
no pensamento tibetano, in: VERGANI, Teresa…
Cited by 1 Related articles
[PDF] ru.ac.za
African space/time concepts and the Tusona ideographs in Luchazi culture
G Kubik – African Music: Journal of the International Library of…, 1987 – journal.ru.ac.za
…In Ngangela-speaking cultures of Angola/ NW Zambia no written notation system for music has come to
our knowledge and certainly… The second problem created is that the parallels between construction principles
in the Angolan sand ideographs and African music do not…
Cited by 17 Related articles All 5 versions
[HTML] google.com
[BOOK] A escola ea escolarização em Portugal: representações dos imigrantes da Europa de Leste
AS Martins – 2008 – books.google.com
Page 1. A ESCOLA º E A ESCOLARIZAÇAO EM PORTUGAL Representações dos Imigrantes da Europa
de Leste ANTÓNIO GOTA MARTINS \!, acidi Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural, IP
PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS Page 2…
Cited by 31 Related articles All 3 versions
[PDF] unesp.br
[PDF] Diálogo entre Aprendizagem Matemática e Cultura Amazônica no Contexto da Sala de Aula
MAL de Queiro, ICR de Lucena – rc.unesp.br
…A matemática de uma criança de rua em Angola, a matemática do Movimento dos Sem Terra no Brasil,
a matemática urbana vinculada às tecnologias e às mídias, a matemática da aquisição de bens em países em
guerra, são exemplos de outras tantas… VERGANI, Teresa…
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[PDF] abpnrevista.org.br
O PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA EO ENSINO DA GEOMETRIA: DIALOGANDO SOBRE A PRÁTI-
CA PEDAGÓGICA
C Coppe – Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores…, 2017 – abpnrevista.org.br
…(Figura 1). Figura 1 – Sona gráfico de Angola Fonte: Arquivo pessoal da autora… algumas perspectivas
teóricas que emergem em suas percepções, realçando características de uma Educação Etnomatemática tal
como considera Vergani (2000). A…
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XXIX Encontro AULP | 439


Música na educação infantil: investigação das práticas
pedagógicas musicais dos professores de artes

Karen Luane Nascimento


Pós-Graduação em Música, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
E-mail: [email protected]

Jussara Rodrigues Fernandino


Pós-Graduação em Música, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
E-mail:[email protected]

Sandro Vinícius Sales dos Santos


Pedagogia – FIH, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
E-mail: [email protected]

1. Introdução
Tornaram-se emergentes pesquisas na área da educação musical, com uma tendência
em compreender como configuram a prática pedagógico-musical de professores atuantes
em diversos níveis de ensino, que segundo, (Del Ben e Henstschke, 2002. pp. 49), visa
investigar “o que pensam ou fazem aqueles engajados nos diversos processos de ensino e
aprendizagem ou transmissão e apropriação musical”. Apesar da não obrigatoriedade do
professor especialista na educação infantil, muitos professores de Artes em especial da
música estão atuando nesse cenário. Entretanto, há uma escassez de informações referen-
tes a esses profissionais, fato que dificulta a elaboração de políticas públicas voltadas para
a formação iniciada e continuada destes professores. Considerando essa realidade, apre-
sentamos nesse texto o seguinte problema: Como acontecem as práticas pedagógicas
musicais realizadas pelos professores de Artes nos (Centros Municipais de Educação
infantil – CEMEI) na cidade de Montes Claros, Minas Gerais? Essa comunicação, obje-
tiva-se apresentar um projeto de pesquisa em andamento, que corresponde a um levanta-
mento sobre as práticas pedagógicas musicais, realizadas pelos professores de Artes, que
evidenciam a conteúdos para a disciplina Música, afim de descobrir algumas lógicas que
sustentam e guiam as suas ações pedagógicas.
Para averiguar tais lógicas é necessário compreender a formação específica dos pro-
fessores. A não formação específica em música dificulta as ações pedagógicas desses
profissionais, fazendo com que muitos desses docentes continuem tratando a música
como uma atividade simples do dia a dia escolar. Como a música está presente em todos
os meios e em todas as sociedades, na escola ela tem um papel fundamental. No proces-
so do fazer musical, ela vem como forma de inserir e reparar socialmente. Considerar a
música como prática social e não apenas um conhecimento erudito ou escolar – “que
implica em estabelecer um diálogo com vivências e conhecimentos musicais do cotidia-
no dos alunos e de suas práticas extraescolares” (Souza, 2002 Apud Pereira & Figueire-
do, 2018). (Ilari, 2018) acrescenta o “musicar” seria de acordo com a autora “modos de

XXIX Encontro AULP | 441


interação social”, juntamente com o educar, possibilitando trocas de ideias entre seres
humano.
O ensino de música nas escolas, como uma prática humana e social, é formado pelas
ações dos seus participantes e um direito humano que “contribui para interação social e
formação de identidade cultural, fortalecendo os vínculos entre os membros de uma
sociedade”; (Conselho Nacional de Educação, 2013, pp. 5-7). Sendo a música um impor-
tante instrumento para promover integração social, e para que ela seja um elemento efi-
caz, quanto a alcançar os objetivos pelos quais está inserida nas escolas, em especial de
educação infantil, que trata esse texto, entende-se que as aulas de música devem ser mi-
nistradas nesses espaços de ensino, por um profissional especialista, tendo em vista que a
música é de fundamental importância para a formação integral do educando, assim como
também para promoção do enriquecimento cultural, educacional, artístico e social do
criança.
Investigar acerca das práticas pedagógicas na sala de aula de educação infantil, será
essencial para promover reflexões acerca dessas práticas musicais, afim de descobrir al-
gumas lógicas que sustentam e guiam as ações pedagógicas dos profissionais atuantes e
entendermos de que forma a música tem sido trabalhada no dia a dia das escolas e em qual
contexto está inserida. É importante discutirmos o formato, os objetivos e as leis que re-
gem os profissionais na educação infantil. Um estudo voltado para as práticas musicais
dos professores de Arte será relevante para que seja questionado e revisto o formato do
profissional atuante nessa área. Bem como o desenvolvimento do trabalho musical, com-
preendendo como acontecem as dinâmicas dos processos de ensino aprendizagem na edu-
cação infantil e como essas práticas podem contribuir para a faixa etária de 2 a 5 anos
dentro desse contexto. O ensino de música nas escolas, como uma prática social e huma-
na, é formado pelas ações dos seus participantes, (Del Ben & Henstscheke, 2002, pp. 55)
corrobora que “a transformação da prática pedagógica-musical em escolas (...) só poderá
acontecer através das ações concretas e cotidianas de seus participantes. Essa transforma-
ção, necessariamente, envolve os professores, com suas próprias concepções e ações”.
Diante disso será apresentado a seguir alguns procedimentos que se prentendem in-
vestigar como um guia da pesquisa em andamento.

1.1.Procedimentos Metodológicos – Caminhos da Pesquisa


A cidade de Montes Claros-MG, conta com a (Universidade Estadual de Montes Cla-
ros – UNIMONTES), está instituição oferece cursos de graduação na área de Artes,
abrangendo as seguintes linguagens (Música, Teatro e Artes Visuais), o que contribui para
uma demanda expressiva de profissionais formados nessa área.
A (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9.394/96) recomenda
que a educação infantil e os anos finais do ensino fundamental sejam ministrados pelo
professor unidocente habilitados em Pedagogia, ficará a cargo dos Conselhos Estaduais e
Municipais, regulamentar a forma de programar os conteúdos, a carga horária e qualifica-
ção profissional. No ano de 2015 o município de Montes Claros – Minas Gerais, inseriu
em todas as unidades de educação infantil professores especialistas em Arte. O levanta-
mento sobre as práticas pedagógicas musicais, realizadas pelos professores de Artes, se-
rão divididos em duas fases. A primeira, de abordagem quantitativa, em que procura in-

442 | XXIX Encontro AULP


vestigar a quantidade de escolas de educação infantil atendidas pelo municipio de Montes
Claros – MG, em quais etapas da educação infantil está inserida a disciplina de Artes, e a
formação dos professores de Artes atuantes na educação infantil da rede municipal de
Montes Claro.
Levantamos informações com análistas da Secretaria de Educação Municipal. Nessa
primeira fase foi verificado que a cidade de Montes Claros, conta com 43 CEMEIs na
zona urbana e 4 pré-escolas na zona rural. E que as disciplinas de Artes está presente nas
etapas da educação infantil em turmas do Maternal I, Maternal II, 1° e 2° períodos.
É importante salientar que o intuito dessa pesquisa é dividir as escolas de educação
infantil em conglomerados e coletar amostras das informações, pois o período que compre-
ende a pesquisa é impossível verificar e analisar tais práticas pedagógicas musicais em 47
CEMEIs. Nessa etapa, será importante verificar por exemplo a formação dos professores
de Artes, a identidade de gênero dos docentes atuantes na disciplina. Juntamente, com essa
fase da investigação, e em todo processo da pesquisa será realizado pesquisas bibliográfi-
cas na área da Educação e Educação Musical, afim de identificarmos trabalhos que se re-
lacionem com o tema, bem como, uma pesquisa documental na legislação federal, estadu-
al e municipal de Montes Claros-MG, assim como, plano político pedagógico das escolas
participantes e planejamentos dos professores de Artes atuantes nesses espaços de ensino.
A segunda fase, compreende com a abordagem qualitativa, que utilizará a pesquisa de
campo nas escolas. Como instrumento de coleta de dados utilizaremos entrevistas se-
miestruturadas e observação participante das aulas, buscando averiguar as práticas e con-
cepções pedagógicas desses professores e suas principais práticas educativos-musicais.
Bem como, os saberes e fazeres musicais desses professores, identificando possíveis pro-
blemas que afetam as suas práticas pedagógicas, além de apontar os impactos do ensino
de música nesses espaços de ensino.
As informações coletadas serão organizadas e analisadas a partir dos seguintes proce-
dimentos: categorização em gráficos e tabelas, dos resultados pertencentes aos levanta-
mentos da primeira fase da pesquisa, categorização da bibliografia e dos documentos
coletados; análise do material bibliográfico com ênfase na investigação dos textos; análi-
se de conteúdo dos documentos; transcrição das entrevistas e análise do discurso dos de-
poimentos coletados.
Investigar as práticas pedagógicas musicais, segundo (Del Ben & Hentschke apud
Gimeno Sacristán, 2002, pp. 57) é “entender como funcionam, na prática cotidiana, os
elementos da cultura sobre a educação [musical escolar].

2. Educação Infantil e a Música


2.1. Algumas Considerações Históricas
A educação infantil desdobra-se em diferentes contextos, hoje ela está organizada de
forma a contemplar as especificidades da infância. Atualmente tem crescido as institui-
ções de educação infantil em todo Brasil, apesar de que esses espaços estão a cargos dos
professores unidocetes1, percebe-se uma demanda expressiva para educação musical no
ensino infantil, (Beyer, 2001) nos coloca que “o profissional de Educação Musical hoje

1. Pedagogo responsável pela educação na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental.

XXIX Encontro AULP | 443


não poderá esperar que o espaço de trabalho lhe seja autorizado e oficializado para iniciar
sua ação como professor”. Portanto, o educador musical deve ajuizar que os espaços de
educação infantil são um potencial para sua atuação. (Martinez & Pederiva, 2012, pp.
212) afirma que:

Enquanto prática social, a música é, possivelmente, uma das mais antigas formas de comu-
nicação do homem. Ela faz parte do universo infantil e é importante para o desenvolvimen-
to da criança e da sociedade. Por meio da música, a criança pode perceber o mundo que
existe a sua volta e experimentar sentimentos diferenciados, uma vez que ela propicia uma
vivência estética.

Ou seja, a criança precisa vivenciar em um todo a música, como uma linguagem artís-
tica e estética. O professor é o profissional que atua de forma mais direta com a criança,
sendo imprescindível uma reflexão sobre o seu pensar em agir profissional. Investigando
suas concepções, perspectivas com o ensino de música nesse contexto pedagógico.
No Brasil, a educação infantil caracteriza-se pela primeira etapa da educação básica,
possui objetivos e estratégias próprias e é oferecida em creches e pré-escolas, a primeira
abrange crianças de zero a três anos, e a segunda de quatro a cinco anos (Lei 9,394/96.
Art.30). O ensino para as crianças de seis ou sete anos de idade aconteceram praticamen-
te no século XX. (Brasil, 1854). Diferente da história do ensino da criança pequena em
outros países, no âmbito de instituições formais, ter se iniciado antes das primeiras pro-
postas brasileiras (Freitas & Biccas, 2009, pp. 137). O atendimento as crianças tinham um
caráter assistencialista, em que seu principal objetivo era cuidar. Nessa época o aspecto
educativo era negligenciado, as creches eram vistas como um lugar para guardar as crian-
ças. Segundo (Lages & Caldeira, 2009, pp. 5),

a política assistencialista do governo imprimiu uma cultura de creche, (...) crianças pobres
precisavam de alimentação, de cuidados e de higiene, revelando uma construção histórica e
social da educação infantil, perpassada por quadros ideológicos.

Praticamente na década de 90, com a Constituição de 1988, que esse panorama veio a
mudar. Com esse documento a educação infantil deixou de ser vinculada à Secretaria de
Assistência Social e passou a integrar a pasta da educação (Brasil, 1988). Buscou-se esta-
belecer uma nova proposta de trabalho, focando no aspecto educativo e ampliando docen-
tes habilitados, buscando adquirir uma melhor qualidade.

A identidade da educação infantil foi sendo construída, percebendo-se que as ideias tradi-
cionais, baseadas no assistencialismo, em visões equivocadas da creche como sinônimo de
lugar destinado somente para oferecer alimentação, cuidados e higiene, cedessem lugar
para espaços que integrassem o cuidar-educar, que permitissem à criança ter acesso à cultu-
ra, a todos os conhecimentos construídos pelo homem. (Lages & Caldeira, 2009, pp.9).

Nesse momento é questionado, o caráter assistencialista da creche, uma vez que, a


criança é entendida como ser capaz de aprender e a manifestar-se. Devido as pesquisas

444 | XXIX Encontro AULP


que começaram a surgir na década de 70, tornando as crianças como sujeitos de direito.
(Gomes, 2011, pp. 49).
A (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN) n° 9394, reafirmou e
ampliou as determinações da Constituição de 1988. Por meio desta Lei a educação infantil
passa a integrar o sistema educacional brasileiro, sendo considerada a primeira etapa da
educação básica (Brasil, 1988). A LDBEN estabelece que a educação infantil tenha como
objetivo promover “desenvolvimento integral da criança até os cinco anos de idade, e seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comuni-
dade” (Lei n° 12.796, de 4 de abril de 2013). Adicionando o brincar juntamente ao cuidar e
educar, ampliando sobre o desenvolvimento infantil e aprendizagem. (Gomes, 2011, pp. 49).
Alguns documentos orientadores pós LDBEN, como o (Referencial Curricular Nacio-
nal para Educação Infantil – RCNEI) e (Parâmetros curriculares Nacionais – PCN), a
educação musical recebeu enfoques específicos.

O propósito desses documentos é atingir escolas de ensino fundamental e médio, de educa-


ção infantil e ensino superior (graduação), cobrindo, assim, todos os níveis de ensino até a
profissionalização e aceitando suas peculiaridades, dificuldades específicas, valores, hábi-
tos, expressões artísticas, que muito bem expressam a multiplicidade cultural que caracteri-
za o país. (Fonterrada, 2008, pp. 234).

O RCNEI é um guia de reflexão de cunho educacional, que tem como objetivo auxi-
liar o professor “na realização de seu trabalho educativo diário junto às crianças peque-
nas” (Brasil, 1998, p. 5). Este documento aponta a música como proposta específica e de
grande importância para educação musical, o que garante a educação musical nesses es-
paços de ensino. Reforçando o objetivo da área, sobre o desenvolvimento integral da
criança (BRASIL, 1998ª, p. 11), colocando o brincar juntamente com o cuidar e educar,
ampliando o desenvolvimento infantil e aprendizagens.
Em 2008, várias discussões acerca da educação e música tornaram-se emergentes com
o a Lei 11.769 de agosto de 2008 que tornou a música “conteúdo obrigatório, mas não
exclusivo”, do ensino de Arte (Art. 26, parágrafo 6°). Nesse cenário, cabem discutir espa-
ços de atuação para o educador musical, suas práticas e perspectivas.
A (Base Nacional Comum Curricular – BNCC) é a mais recente política pública da
educação brasileira e contém diversos conteúdos para serem trabalhados na educação
infantil, entre eles, a música no campo experiência “Traços, sons, cores e formas” (Brasil,
2017, p. 44), esse documento apresenta vários objetivos de aprendizagem e desenvolvi-
mento para educação infantil, inclusive no campo da educação musical. Esse documento
é de caráter normativo e será implantado em todo território nacional. É importante ressal-
tar que, a implantação do BNCC só será possível se houver uma revisão da formação
inicial e continuada dos professores (Brasil, 2017).
Nesse contexto tornam-se imprescindíveis discussões acerca da prática-pedagógica
na educação infantil.

Mudanças importantes aconteceram na legislação respaldando a educação infantil como


primeira etapa da educação básica, buscando que o professor desse nível tenha formação

XXIX Encontro AULP | 445


necessária e garantindo à música o seu espaço nos currículos escolares. (Diniz & Del Ben,
2006, pp.28).

Pesquisas na área da educação musical tem ganhado destaque no que diz respeito a
estudos que abordam as práticas pedagógicas musicais, bem como o pensamento docente
e fundamentos que norteiam a ação do professor. Nessa perspectiva (Beineke,2001) e (Del
Ben, 2001), abordam em suas pesquisas que as ações pedagógicas dos professores de mú-
sica, embasam em conhecimentos considerados legítimos para interpretar e orientar sua
prática. (Del Ben & Hentschke, 2002); (Pereira & Periva,2013) e (Gomes, 2011) reforça a
compreensão quanto as concepções e práticas pedagógicas, perante a perspectiva dos pro-
fessores de música, procurando investigar o que pensam e fazem esses profissionais.
A prática pedagógica acontece em contextos distintos e diversificados envolvendo
sujeitos e situações diferentes. Segundo (Lobato, 2007, pp. 35).,

A prática pedagógica é uma atividade humana que se diferencia da atividade em geral, de-
finida como ato ou conjunto de atos em virtude dos quais um sujeito ativo modifica a maté-
ria-prima e tem por resultado um produto. O que diferencia a atividade humana da ativida-
de em geral é a finalidade, um projeto ou o resultado ideal, que termina com um produto
concreto ou resultado real.

A prática pedagógica não se limita apenas em uma atividade humana; ela é, além dis-
so, “uma prática social, pois tem o homem como sujeito e objeto de sua ação transforma-
dora” (Lobato, 2007, pp. 35).
Pesquisar sobre a prática docente, sobre as diversas possibilidades e limites, sobre
sonhos e desejos sendo eles implícitos ou muitas vezes explícitos no trabalho educativo,
se apresenta como uma tarefa importante para melhor compreender como as relações se
apresentam no contexto escolar. É importante que se busque uma reflexão, abrindo cami-
nhos para extrair novas ideias, novas práticas e perspectivas, buscar constantemente o
entendimento das ações cotidianas e a suas relações com as práticas pedagógicas, a fim de
que conheçamos melhor quem são os professores atuantes na educação infantil, possibi-
litando caminhos para elaboração de políticas públicas voltadas a formação inicial e con-
tinuada destes profissionais.

3. A Importância da Educação Musical


3.1. Na Educação Infantil
Música na escola: porque não? A música abre possibilidades para construção do co-
nhecimento, sendo uma das formas de expressões mais significativas, possibilitando per-
cepções e sensações da criança em relação ao mundo, podendo ser um meio transmissor
de mensagens e valores. Desde os primeiros momentos de vida a música está presente na
vida da criança, em forma de canções de ninar e acalantos. Por ser uma arte presente em
todas as culturas como linguagem simbólica e tendo inúmeras representações, permitindo
que a criança expresse suas emoções e sentimentos, contribuindo para formação integral.
Segundo (Gonh, 2011, pp. 86) “Sendo uma forma de comunicação e de expressão, torna-
-se importante elemento na construção do saber, necessária na Educação Infantil e na

446 | XXIX Encontro AULP


formação do educador”. A música por se fazer presente no cotidiano, permite que bebês e
crianças possam estar inseridos no processo de iniciação musical. (Gohn, 2011, pp. 87),
acrescenta:

Sendo ela uma arte que contribui para o pensamento criativo, vem ganhando cada vez mais
espaço nas pré-escolas, que devem respeitá-la como forma de arte responsável por parte do
desenvolvimento da criança (tanto cognitivo como social, cultural etc.), e não somente
como apoio às atividades escolares.

Também pode-se verificar o papel da música na educação infantil averiguando as leis


e documentos oficiais, no âmbito da educação, tais como a Constituição de 1988; o Esta-
tuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990); a (LDBEN, 9394/96); (RCNEI, 1998) e a
(BNCC, 2017) além de normatizações, em nível estadual e municipal. Alguns destes do-
cumentos foram elaborados como forma de dar uma nova dimensão as práticas pedagógi-
cas das instituições de educação infantil e suas concepções. A música por ser uma forma
de representação humana e estar presente em todas as culturas, por si só se faz essencial
e justificável dentro do cenário escolar. (Figueiredo, 2011) sinaliza que [...] o objetivo
principal da música na escola é oportunizar a todos o contato com esta produção humana,
que assume distintos significados e funções, que se apresenta de maneira extremamente
diversificada a partir dos contextos onde é produzida (Figueiredo, 2011, pp. 5).
Segundo o Referencial Curricular para a Educação Infantil:

Um expoente a ser analisado dentro da linguagem musical é a falta de ações pedagógicas


que atendam as reais necessidades do educando. Apesar de fazer parte do planejamento e
ser considerada como fundamental na cultura da infância, a música tem atendido a propósi-
tos alheios às suas reais especificações. Ela é tratada como um algo que já vem pronto,
servindo como objeto de reprodução e formação de hábitos na rotina escolar, o que acaba
por deixá-la em defasagem junto às demais áreas de conhecimento, quando poderia atender
a um propósito interdisciplinar. (Brasil, 1998, p. 47).

A não formação específica em música dificulta as ações pedagógicas dos professores,


fazendo com que muitos desses profissionais continuem tratando a música como uma
atividade simples do dia a dia escolar, sem significações e objetivos. É importante que a
escola tenha conhecimento da importância da música e seu ensino, e considere-a como
área científica e do conhecimento, a fim de, reconhecê-la como linguagem ou como recur-
so didático em outras áreas do conhecimento.
Vários aspectos precisam ser revistos no que diz respeito a linguagem musical, dentre
eles, os conteúdos que devem ser diversificados, o planejamento das aulas precisa estar
adequado de acordo com cada faixa etária. Fatores que ajudam nesses pontos vão desde
organização do tempo, utilização de espaço, brincadeiras e jogos, registros, materiais
sonoros “além de um entendimento sobre o fazer musical” (Gohn, 2011, pp. 88).
Vale ressaltar que nas aulas de música a criança deve se expressar oralmente, manifes-
tando o que sentiu e percebeu, relacionando suas experiências musicais com outros epi-
sódios novos e desafiadores do dia a dia, para que a construção do conhecimento aconte-

XXIX Encontro AULP | 447


ça em contextos significativos. (Brito, 2003; Gohn, 2011; Parizzi, 2011). (Brito, 2003,
pp. 46), acrescenta “importa, prioritariamente, a criança, o sujeito da experiência, e não a
música, como muitas situações de ensino tendem a considerar. A educação musical não
deve visar a formação dos possíveis músicos do amanhã, mas sim a formação integral da
criança hoje”.
Segundo (Gohn, 2011, pp. 90) “Sendo o educador um facilitador da aprendizagem,
deve garantir a liberdade de expressão e proporcionar situações ricas e produtoras de ex-
periências marcantes e significativas”. (Parizzi, 2011, pp. 8), por sua vez, afirma:

Um fator que deve ser amplamente valorizado e que não poderia deixar de ser mencionado
é a relevância do papel da interação entre as crianças durante as aulas, mediada pelo educa-
dor musical. Essa interação certamente trará contribuições importantes para promover o
desenvolvimento cognitivo-musical e a habilidade de interação social das crianças.

Respeitar o processo de desenvolvimento da expressão musical não deve ser confun-


dido com falta de intervenções educativas. O professor deve atuar como “animador, esti-
mulador, provedor de informações e conhecimentos das crianças, não apenas do ponto de
vista musical, mas integralmente, o que deve ser objetivo prioritário de toda proposta
pedagógica, especialmente na etapa da educação infantil” (Brito, 2003, pp. 45). Diante
disso, é importante que se busque uma reflexão por parte do professor, afim de que pro-
cure constantemente o entendimento de suas ações cotidianas e as suas relações com as
práticas pedagógicas, abrindo caminhos para extrair novas ideias, novas práticas, pers-
pectivas e concepções das suas práticas docentes.

4. O Ensino de Musica
4.1. Como Fator de Integração Social e Diversidade Cultural
Ao verificar estudos na área da educação musical, encontra-se vários aspectos que jus-
tifiquem a importância da música na educação básica vão desde de trabalho com a diversi-
dade cultural, a possibilidade que a educação musical tem de aproximar e integrar aluno e
escola, escola com a comunidade, um outro enfoque diz respeito à importância da educação
musical no desenvolvimento de conhecimentos e habilidades. Tais reflexões são necessá-
rias para propiciar currículos com o intuito de garantir uma educação musical de qualidade.
Como a música está presente em todos os meios e em todas as sociedades; na escola
ela tem um papel fundamental. No processo do fazer musical, ela vem como forma de
inserir e reparar socialmente, e traz algumas considerações sobre as funções da música na
sociedade e na educação. Merriam aponta dez categorias principais da função da música:
expressão emocional, prazer estético, divertimento e entretenimento, comunicação, re-
presentação simbólica, reação física, imposição de conformidade as normas sociais, vali-
dação das instituições sociais e dos rituais religiosos, contribuição para continuidade e
estabilidade da cultura, contribuição para a integração da sociedade. (apud Hummes,
2004, pp. 10-11). Para Hummes as dez funções na música são para:

[...] formar um marco de referência para se pensar a sociedade e a escola, e seu papel de
fomentadora da cultura e do ensino musical. Podemos considerar essas categorias como um

448 | XXIX Encontro AULP


dos referenciais da educação musical que ainda pode ser ratificado e reavaliado, dependen-
do do contexto em que estiver inserido. (Hummes, 2004, pp. 11).

Em sua pesquisa (Souza, 2002), aponta algumas funções da educação na escola e o


seu papel. Um ponto que nos interessa diz respeito A concepção da música como meio de
trabalhar práticas sociais valores e tradições culturais; este ponto tem importância como
fundamento sociológico para a educação musical, segundo as autoras: “trazer para dentro
da escola os textos locais de música é uma forma de promover a aproximação e a intera-
ção entre a escola e o cotidiano dos alunos” (idem, pp. 69). Considerar a música como
prática social e não apenas um conhecimento erudito ou escolar – “que implica em esta-
belecer um diálogo com vivências e conhecimentos musicais do cotidiano dos alunos e de
suas práticas extraescolares” (Souza, 2002 Apud Pereira & Figueiredo, 2018)
Segundo a autora, ao propor princípios sociológicos na educação musical, estamos
considerando uma aula de música que dialogue com os conhecimentos musicais dos alu-
nos, ou seja, “através de um diálogo com a realidade sócio-cultural procura-se uma ação
pedagógica significativa” (Souza, 1996, pp. 29).

A construção de uma cultura musical básica comum através do ensino de música escolar
coaduna-se à função de promover coesão social, mas, em uma compreensão parcial, isso
parece chocar-se com as tendências atuais de valorizar a diversidade cultural e as diferenças
entre os alunos (Pereira & Figueiredo, 2018).

Como prática social, a música reflete o caráter multicultural da sociedade e a educação


musical pode cumprir a função de promover o intercâmbio dentre as diferentes manifes-
tações da cultura (Pereira & Figueiredo, 2018). Pereira, corrobora:

A música é uma prática social que constitui instância privilegiada de socialização, onde é
possível exercitar as capacidades de ouvir, compreender e respeitar o outro. Estudos e pesqui-
sas mostram que a aprendizagem musical contribui para o desenvolvimento cognitivo, psico-
motor, emocional e afetivo e, principalmente, para a construção de valores pessoais e sociais
de crianças e jovens. A educação musical escolar não visa a formação do músico profissional,
mas o acesso à compreensão da diversidade de práticas e de manifestações musicais da nossa
cultura, bem como de culturas mais distantes. A música também se constitui em campo espe-
cífico de atuação profissional. Pelo seu potencial para desenvolver diferentes capacidades
mentais, motoras, afetivas, sociais e culturais de crianças, jovens e adultos, a música se con-
figura como veículo privilegiado para se alcançar as finalidades educacionais almejadas pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). (Pereira, 2010, pp. 67).

Observando a música como aprendizagem musical coletiva e interação social, grande


parte de nossas interações musicais começam em casa, na escola, na comunidade e todas
elas são interações coletivas (Ilari, 2014).

o ato de aprender é dinâmico e tem por base as interações sociais entre diversos indivíduos,
que, por sua vez, possuem características distintas, e que ocupam categorias sociais e iden-

XXIX Encontro AULP | 449


titárias distintas, como por exemplo, alunos, professores, mestres, líderes comunitários,
colegas, membros da família, crianças, adultos, etc. (Ilari, 2014).

Diante disso, o “musicar” seria de acordo com a autora “modos de interação social”,
juntamente com o educar, possibilitando trocas de ideias entre seres humano. A “atividade
musical coletiva também influencia positivamente os comportamentos pró-sociais (ajuda,
cooperação e altruísmo) em bebês, crianças e adultos” (Cirelli et al, 2014; Kirschner;
Tomsello, 2010; Hove & Riisen, 1999 Apud Ilari, 2014).
Percebe-se que a música é um importante instrumento para promover integração so-
cial, e para que ela seja um elemento eficaz, quanto a alcançar os objetivos pelos quais
está inserida nas escolas, em especial de educação infantil, que trata esse texto, entende-
-se que deve ser ministrado nesses espaços de ensino, por um profissional especialista,
tendo em vista que a música é de fundamental importância para a formação integral do
educando, assim como também promoção do enriquecimento cultural, educacional, artís-
tico e social da criança.

5. Conclusão
A partir da pequena amostra de resultados dessa pesquisa, acreditamos poder contri-
buir para a identificação que aponte as circunstâncias do ensino de música na educação
infantil na cidade de Montes Claros. Entendermos a importância da investigação acerca
das práticas pedagógicas na sala de aula de educação infantil, que será essencial para
promover uma reflexão e uma compreensão de tais práticas musicais, afim de descobrir
algumas lógicas que sustentam e guiam as suas ações pedagógicas dos profissionais atu-
antes. (Beineke apud Sadalia, 2001, pp. 104), corrobora “é preciso dar voz, ao professor,
incentivando-o a refletir sobre sua prática, visando também a que ele se reconheça como
um profissional, cujo conhecimento é influenciado por suas experiências e reflexões”. Ou
seja, é essencial compreendermos os conhecimentos que os professores adquirem através
da sua própria ação, nos quais defrontam com o cenário prático da escola, o que o torna
um profissional prático reflexivo (Beineke, 2001, pp. 100). Perceber a criança como su-
jeito, prioritário da experiência musical, a fim de contribuir para a formação musical e
humana das crianças.
O ensino de música nas escolas, como uma prática humana e social, é formado pelas
ações dos seus participantes e um direito humano que “contribui para interação social e
formação de identidade cultural, fortalecendo os vínculos entre os membros de uma so-
ciedade”; (Conselho Nacional de Educação, 2013, pp. 5-7). Sendo a música um importan-
te instrumento para promover integração social, e para que ela seja um elemento eficaz,
quanto a alcançar os objetivos pelos quais está inserida nas escolas, em especial de edu-
cação infantil, que trata esse texto, entende-se que deve ser ministrado nesses espaços de
ensino, por um profissional especialista, tendo em vista que a música é de fundamental
importância para a formação integral do educando, assim como também para promoção
do enriquecimento cultural, educacional, artístico e social do criança.
Refletir sobre as práticas pedagógicas também podem contribuir para o desenvolvi-
mento profissional, visto que permite ao professor uma construção de conhecimentos, a
partir das situações únicas encontradas no contexto prático escolar, “não é suficiente de-

450 | XXIX Encontro AULP


finir a música como uma disciplina específica ou como um domínio especializado se não
se tem clareza quanto aquilo que torna esse domínio ou disciplina algo único” (Del Ben
& Hentscheke, 2002, pp. 56). Para as autoras essa falta de clareza compromete os educa-
dores a definir o que é, e pode ser aprendido e avaliado em música, dificultando maiores
contribuições na área. Pouco se sabe sobre o que os professores fazem na sala de aula,
bem como as dificuldades e desafios que enfrentam no dia a dia das escolas. Entender
esses aspectos para subsidiar políticas públicas, como: projetos de intervenção, formação
continuada, cursos de aperfeiçoamento, que atendam às necessidades desses educadores
e das escolas, colaborando para um ensino de música significativo e a valorização da
música como disciplina curricular.
Possibilitar reflexões, estudos, formações e capacitações aos professores de Artes que
assumem diretamente as aulas de música na escola de educação infantil, possibilita cami-
nhos e propostas para o amplo desenvolvimento educacional, contribuindo para a forma-
ção musical e humana das crianças.

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452 | XXIX Encontro AULP


A representação da mulher angolana na toponímia:
um factor de coesão social1

Nsambu Vicente
Doutorando em História Contemporâneo – Universidade de Évora; Mestre em Ciências da Educação
com especialidade em ensino da História de Angola pelo Instituto Superior de Ciências
da Educação-ISCED; Licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais-FCS/ UNA e Professor no
Instituto Superior Politécnico Atlântida. E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO
A presente comunicação visa reflectir sobre A representação da mulher angolana na
toponímia: Um factor de coesão social. O objectivo principal é assumir uma postura
responsável, sobre a necessidade de homenagear a mulher, (re)valorizando o seu contri-
buto no período da Luta de Libertação Nacional (1950 – 1975) através da toponímia
sob formas a conservar a memória colectiva à luz da Lei n.º 14/16, Lei de Bases da
Toponímia
Para a escolha do tema teve-se em atenção as seguintes razões: (i) Pouca representa-
ção feminina na toponímia do país; (ii) Insuficiência de estudos ligados à toponímia na
academia angolana, particularmente de figuras femininas.
Para alcançar os objectivos, socorramo-nos dos seguintes métodos: (i) Histórico:
Permitiu saber o desempenho da mulher nas várias fases da luta de libertação nacional,
independentemente do seu domínio e do movimento ou partido que tenha pertencido;
(ii) Observacional: Fruto das nossas múltiplas viagens ao país e sobretudo, na cidade de
Lwanda, permitiu perceber a insuficiência que há no reconhecimento do papel desempe-
nhado pela mulher na história recente de Angola (luta de Libertação Nacional, no comba-
te ao analfabetismo, contra a pobreza, etc.); (iii) Comparativo: Permitiu aferir a dispari-
dade de nomes de figuras femininas ligados tentáculos político do partido MPLA em
detrimento dos outros; (iv) Bibliográfico: Lemos alguns livros e artigos que abordam a
participação da mulher angolana na luta de libertação, apesar da insuficiência de biblio-
grafia no contexto angolano.
Partindo do pressuposto que a história e a memória são partes integrantes e necessá-
rias para o entendimento das contradições da sociedade em determinados grupos e o seu
modo de preservar a história; autores como Marc Bloch (2001) e Le Goff (1990), entre
outros, uns dedicados à crítica – tomando como argumentos a espontaneidade da memó-

1. O objectivo da presente comunicação consiste em apresentar algumas reflexões sobre a representação da


mulher angolana na toponímia: um factor de coesão social, à luz da Lei 14/16 Lei de Bases da toponímia. A
comunicação foi apresentada no XXIX Encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa que
se realizou de 03 a 05 de julho de 2019 em Lisboa sob tema “ Arte e Cultura na Identidade dos povos”, Ins-
tituto Politécnico de Lisboa, Portugal, subtema III – Educação e Coesão Social.

XXIX Encontro AULP | 453


ria, outros à defesa, desenvolveram importantes estudos que estimularam o nosso interes-
se em estudar a representação da mulher angolana na toponímia.
Le Goff (1990), no seu livro História e memória, salienta que “como o passado não é
a história, mas o seu objecto, também a memória não é a história, mas um dos seus objec-
tos e […] um nível fácil de elaboração histórica” (Le GOFF, 1990:50).
Na Busca, portanto, de uma discussão toponímica na sociedade angolana, procuramos
reflectir na nossa comunicação o papel da mulher no processo histórico recente de Ango-
la e perceber como ela é hoje representada nas várias esferas da vida social, uma vez que
trabalhar com a memória, por meio da toponímia é conservar a memória colectiva e con-
solidar a unidade nacional por ser estimulante e desafiador, uma vez permitir perpetuar os
feitos/ efeitos daquelas figuras [mulheres] que se debateram para a libertação de Angola
do jugo colonial.

A mulher “angolana” e a luta de Libertação Nacional


No actual território angolano, importantes figuras femininas se destacaram na defesa
da soberania dos seus Estados – Nzinga Mbande, Nsimba Vita [Kimpa Vita], dona Mafu-
ta, Luweji a Nkonde etc.
Deste modo, Desde o século XX, vários países introduziu o debate na academia sobre
a mulher, o que ganhou consistência nos Estados Unidos de América1 e mais tarde para a
Inglaterra, França, Irlanda, Alemanha, Rússia (BATSÎKAMA, 2016).
O projecto da luta cultural, política, iniciada, pelos movimentos nacionalistas africa-
nos [aqui no caso de Angola], pretendia construir um sentimento nacionalista e revolucio-
nário no combate ao colonialismo português, onde a mulher continuamente esteve pre-
sente à causa da luta de Libertação Nacional, enquadrando-se nos movimentos de
libertação (FNLA, MPLA e UNITA).
Estudar os feitos da mulher na luta de Libertação Nacional, implica compreender as
diferentes perspectivas históricas, políticas e sociais inerentes ao reconhecimento que o
país dá aquelas figuras no contexto angolano. A priori, partindo deste ponto, torna-se
imprescindível compreender a importância da mulher dentro da lógica do desenvolvi-
mento sustentável como promotora de uma consciência de luta anticolonial, uma vez,
assumir a condição de guerrilheira.
A mulher que não se inseriu no Destacamento Feminino continuou, a contribuir na
Revolução por outras formas: no transporte de material, na produção de alimentos para as
(os) combatentes, no anúncio do evangelho, como informantes2, professoras3, enfermei-
ras, etc. Assim, as mulheres se tornaram necessárias à política da organização dos movi-
mentos. Nesse aspecto, Miraldina Jamba, apadrinha:

2. Importa aqui lembrar que, no início da Luta Armada, as mulheres prostitutas jogaram um papel fundamen-
tal na condição de informantes. São elas que em alguns casos,tiravam informações aos soldados portugueses e
transmitiam aos nacionaistas angolanos. Discussão que traremos num artigo a ser publicado.
3. No caso da UNITA se destacaram senhoras como Augusta Sakuanda, Felizmina Lucas e Sessa Namaliata
pertencentes a 1ª região. Na segunda região se destacaram na região 2ª, Eunice Sapassa e Laurinda Chissako e
na 3ª região Marta Chiwale, Salomé Epólua.

454 | XXIX Encontro AULP


[…] a partir de 1970, as mulheres passaram a participar tanto nos treinos militares como na
educação dos soldados. Surgiram as escolas de alfabetização nas aldeias e bases para com-
bater o analfabetismo e o obscurantismo. As mulheres passaram a destacar-se nas tarefas de
educação e ensino, saúde e agricultura para garantir a subsistência alimentar para os solda-
dos (JAMBA, 2014 in www.a-contribuicao-da-mulher-na-construcao-da-paz-regional-
miraldina-jamba).

No caso da mulher ligada ao partido, UNITA, a sua integração massiva na luta de li-
bertação nacional, deu-se em 1970, quando as senhoras em todas as bases militares cen-
trais, de zona e de sector, começaram a participar activamente nos serviços auxiliares de
tropas, administração, logística e intendência (Idem).
A 18 de Junho de 1972, tendo-se constatado a capacidade demonstrada pelas mulheres
no seu envolvimento em actividades político-militares nas bases, a 8.ª Conferência Anual
da UNITA proclamou-se sob orientação de Jonas Savimbi, a Liga da Mulher Angolana
(LIMA), ao defender:“ (…) mulheres do nosso país a vossa emancipação não pode ser
uma dádiva dos homens, mas a vossa conquista nas fileiras do combate” (Idem).
Partindo destas considerações, a mulher ligada àquele partido, passaram a fazer servi-
ços de manutenção militar como, os trabalhos de sargento dia, ronda, oficial dia, preven-
ção, patrulhamento das bases num raio de um quilómetro, instrução içar e arriar a bandei-
ra, demonstrações militares: ginástica educativa, luta corpo a corpo, baioneta, pista de
obstáculos, salto em altura, e em comprimento, saltos mortais, enfim todos os exercícios
que antes eram reservados apenas aos homens (Cf. Ibidem).
No partido, UNITA, enquanto algumas mulheres combatiam nas zonas rurais, outras,
no meio urbano, se destacavam nas células clandestinas. Cita-se nomes de Amélia Edite
Epalanga, Melita Tita Malaquias, Celestina Jamba, Cecília Moreira Teresa Numanaua
Kakunda.
No livro de Margarida Paredes, intitulado “Combater duas vezes: Mulheres na luta
armada”, dedicado às mulheres combatentes em Angola, a autora, apresenta alguns teste-
munhos:

As mulheres angolanas estiveram em todas as frentes, na luta política e na luta armada. Na


luta armada foram muito sacrificadas e correram muitos riscos como provedoras da guerri-
lha, transportavam armas, plantavam lavras, cuidavam dos guerrilheiros, a logística estava a
cargo destas mulheres, a maior parte delas camponesas que depois da independência não
foram reconhecidas como guerrilheiras porque não tinham arma e por isso ficaram abando-
nadas à sua sorte. As mulheres de origem urbana mais escolarizadas também participaram na
Luta de Libertação sobretudo na mobilização para a guerrilha, na Educação, na Saúde e al-
gumas como guerrilheiras, no meu livro apresento o testemunho de muitas ex-combatentes
que lutaram de armas na mão. Sem a participação das mulheres a Luta de Libertação antico-
lonial não teria triunfado e Angola não seria independente (PAREDES, 2016 in https://www.
dw.com/pt-002/mulheres-destacaram-se-na-luta-armada-em-angola/a-19286352).

Na entrevista, Margarida Paredes apresenta importantes depoimentos de mulheres


que se sentem silenciadas na actualidade. Foi o caso da antiga combatente da Frente Les-

XXIX Encontro AULP | 455


te cujo nome não se faz referência, ao afirmar: “… nós não abandonámos o MPLA, mas
o MPLA é que abandonou o povo” (Idem).
A autora, ainda apresenta outros nomes de mulheres que se destacaram mas hoje não
são conhecidas pela sociedade; trata-se de Fernanda Digrinha Delfino “Nandi” e Elvira da
Conceição “Virinha”. Segundo Margarida Paredes, elas eram as comandantes, jovens
estudantes liceais. A autora, acode que “Nandi” inclusive comandou um ataque à pri-
são, grávida de oito meses” Margarida Paredes, conta que “Nandi” teve o filho na prisão:
“… mal a criança nasceu pegaram-na de volta, deixaram o filho abandonado na materni-
dade e levaram-na para a prisão e foi fuzilada”. A “Virinha” também foi fuzilada” (Idem).
No caso do movimento MPLA, embora a situação seja genérica a todas as mulheres
angolanas, a luta pela emancipação, esteve sempre ligada à luta de libertação nacional. A
classe feminina era explorada por diversos motivos: por serem mulheres, serem coloniza-
das e ainda discriminadas do ponto de vista racial, económico e social. De forma a incluir
esta franja da sociedade, no combate armado que se tinha iniciado para libertar o país do
jugo colonial português, António Agostinho Neto resolveu criar, dentro do seu movimen-
to, a primeira organização feminina angolana, com a sigla de OMA.
Assim, a sua inserção foi muito séria e, algumas chegando de perder a vida em com-
bate, destacando-se os nomes de Deolinda Rodrigues, Irene Cohen, Lucrécia Paim, En-
grácia dos Santos e Teresa Afonso. Admitimos que um amplo trabalho se deve fazer no
sentido de trazer mais nomes de mulheres que se debateram para a causa do país.
No seio da Associação da Mulher Angolana (AMA), organização afecto à Frente Nacio-
nal de Libertação de Angola (FNLA), fundada a 3 de Outubro de 1968, destacam-se no-
mes como: Catarina Salvador Domingos, exímia combatente, natural de Mabubas e, ten-
do ostentado a patente de Coronel. Mavinga Mbaki Domingos, Joana Kassule, Liliana
Miguel.
Através de depoimentos das guerrilheiras, pode-se notar que a decisão de incluir as
mulheres no processo revolucionário era necessária embora em alguns casos não ter sido
resultado de um consenso por questões tradicionais do papel da mulher nas comunidades
africanas.
Miraldina Jamba (2014), na conferência denominada “A contribuição da mulher na
construção da paz regional”, fazia menção ao seguinte:

[…] até 1968, nas zonas onde combatemos, tais grupos não integravam senhoras nas suas
unidades operacionais. As mulheres permaneciam nas aldeias participando nas actividades
clandestinas organizadas em células: formavam comités, recolhiam informações, recolhiam
as quotizações do povo em dinheiro, géneros alimentícios, roupas, medicamentos, sal ou
produtos de higiene para os combatentes (JAMBA, 2014 in www.a-contribuicao-da-mulher-
na-construcao-da-paz-regional-miraldina-jamba).

No presente artigo, procuramos apresentar de forma sucinta, o seu papel uma vez que
as acções do dia-a-dia e a história não são duas dimensões irreconciliáveis. Pelo contrário,
os modos de vida das pessoas são influenciados pelos contextos históricos, sociais e polí-
ticos que se podem traduzir, por vezes, em novos aspectos da vida quotidiana.

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A toponímia na conservação da memória da mulher angolana
Nsambu Vicente (2018), no seu livro intitulado “Toponímia de Luanda: Casos de In-
gombota e Mayanga”, já colocava a preocupação da presença do género feminino [mu-
lher] na toponímia da Ingombota (VICENTE, 2018:47).
O autor assegura, em Angola, apesar da mulher ter contribuído para a libertação do
país contra o domínio português, o seu reconhecimento na toponímia, está longe de ser
uma realidade, por existir mais nomes masculinos (Idem).
A toponímica, assume particular importância na preservação da memória e identidade
cultural das pessoas, perpetuando nomes, factos e eventos, dando-nos a conhecer a evo-
lução histórica dos lugares e respetivas populações, além de facilitar a localização geo-
gráfica e a coesão social.
Assim, permitir que se valorize o presente para compreender o presente, é importante
que se conheçam as normas e práticas do passado e as transições que foram a ocorrer, em
diferentes períodos, onde a mulher sempre se fez presente (BURKE, 2005).
A mulher angolana, embora tenha exercido um papel fundamental na luta de Liberta-
ção Nacional, a sociedade ainda não atribui o devido mérito. A insuficiência se observa na
atribuição de topónimos aos vários espaços do país (ruas, escolas, centralidades, urbani-
zações, estádios, etc.).
No estudo de Nsambu Vicente (2009) que serviu de monografia, foi possível observar
a carência de topónimos de figuras femininas nas ruas na cidade de Lwanda. A título de
exemplo, no âmbito da construção das centralidades e urbanizações, apenas uma urbani-
zação tem a designação de antropónimo feminino – Urbanização Praia Amélia (província
do Namibe).
Havendo tal carência, julgamos ser oportuno, tomar uma postura responsável em atri-
buir mais topónimos de mulheres as futuras centralidades e urbanizações do país.
O mesmo ainda pode-se dar na atribuição de topónimos as escolas/ universidades, hospi-
tais, etc.
Também ainda, outro parecer que se considera importante é em relação à urbaniza-
ção do Tala Tona. Há uma necessidade de reverem-se os topónimos alfanuméricos exis-
tentes naquele espaço no urbano luandense que muitas vezes provoca confusão aos
transudes.
Francisco Costa “[…] é difícil entender essas placas, onde, por exemplo, vem apenas
escrito via A59/A34B. Isto é o quê?” (https://www.novafrica.co.ao/nacional/regioes/de-
cifrar-talatona-pelas-ruas/).
No entender do cidadão, a administração deveria colocar outras placas com nomes e
os números das ruas adaptados à nossa realidade no sentido de facilitar o endereço das
pessoas.

Interpretar as placas toponímicas do município de Tala tona não tem sido fácil para quem se
desloca ou trabalha naquela zona. A solução para muita gente tem sido usar pontos de refe-
rência para chegar ao seu destino. considera que o Tala tona “é um autêntico labirinto”,
onde “safa-se quem puder” (Idem).

XXIX Encontro AULP | 457


Figura 1 – Placa toponímica da rua Samora Machel – Tala Tona
Fonte: Autor, 2019.

Diante do exposto, algumas questões se impõem:


(i) Porquê não eleger o município de Tala Tona, sobretudo a parte urbana, sendo a
cidade de homenagem à mulher angolana?
(ii) Que estratégias estão a ser adoptadas para mudar o quadro da carência de antro-
pónimos femininos na toponímia do país?
(iii) Que critérios concorrem na atribuição de nomes as instituições?
(iv) Porquê do “entrave” da aplicação da Lei 14/16, Lei de Bases da Toponímia da
parte do executivo?
(v) Até quando se vai assistir a repetição de nomes de figuras femininas ao longo das
ruas e instituições do país?

Exemplo, o antropónimo Deolinda Rodrigues, de quem a designação aparece às duas


ruas na cidade de Lwanda4, ressaltando o seu papel na luta de Libertação Nacional, não
haveria necessidade de repetir caso se fizesses estudos e posterior divulgação de mais
nomes femininos. Ainda, constatamos, a Avenida Deolinda Rodrigues, os cidadãos não a
chamam com a designação oficial, mas sim popular – “Estrada de Catete”.
Outro questionamento ainda se impõe: Como reduzir a carência de topónimos femini-
nos em Angola?
Em resposta aos questionamentos, somos de sugestão de ser fazer mais estudos de
história de vida das figuras históricas na academia angolana. As universidades devem
propor linhas de pesquisas versadas aos heróis do país no sentido de conservar a memória
colectiva.
A mesma inspiração de libertação nacional, que unia todos os “angolanos” no actual
território angolano, seria reforçada por um instrumento simbólico importantíssimo e ina-
lienável – a toponímia, que deve ser estudado num dos capítulos dos manuais de história
dos primeiros ciclos de formação.

4. A avenida Deolinda Rodrigues que parte de Catete e termina no largo 1º de Maio. A outra rua com a mesma
designação começa no cemitério do kamama e termina no Lwanda Sul.

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A partir destas considerações, o tributo que se possa fazer à mulher angolana se deve
basear inicialmente na conservação dos seguintes nomes:

Nomes de guerreiras do Movimento/ Partido UNITA


Celinda Abel; Constança Olinda Kulanda, Delfina Nené, Deolinda Etossi Cinco Reis,
Feia da Costa, Guilhermina Chitekulo, Idalina Njivala Chindondo Emília Kayombe, Isa-
lina Kawina (1ª Presidente da LIMA), Judite Bândua, Lúcia Ekundi, Luisa Lussinga Pau-
lo, Madalena Tula, Maria Alimo, Maria Chela Tchikweka, Maria Etossi Chinhama, Maria
Nakamela Chimbili, Maria Rogério, Natália Kussia, Ruth Beatriz Jamba, Ruth Njujuvili,
Valeriana Sapi, Violeta e Vitória Kanganji (http://www.unitaangola.com/PT/affilima.
awp?pArticle=11456).

Nomes das guerreiras do Movimento/ Partido MPLA


• Cipriana Semedo Costa5, Deolinda Rodrigues, Engrácia dos Santos, Irene Cohen,
Lucrécia Paim, Maria Mambo Café, Teresa Afonso, Vicência Marques (Depoimen-
tos, 2019).
No caso do partido MPLA, as cinco heroínas mais conhecidas, participaram em todas
as actividades políticas e militares, chegando a ocupar cargos de direcção, onde conhece-
ram diversas dificuldades, que vão desde o desconhecimento do terreno, sobretudo de
travessia do Rio Mbridge (Província do Zaire).

Nomes das guerreiras do Movimento/ Partido FNLA


• Adelina Kavungu, Amélia Buby, Branca Domingos Van-Dúnem, Carolina Lopes,
Catarina Salvador Domingos, Isabel António Sinza, Joana Cassule, Joana Ngonga,
Judith Brigeth Pedro Vida, Liliana Miguel, Liliana Pedro Fernando, Luisa Manuel
Morais (Arquivos da FNLA, 2019).

CONCLUSÃO
Considerando a brevidade destes apontamentos, conclui-se que há carência de estudos
que abordam sobre a toponímia, particularmente feminina por não fazer ainda parte das
grandes discussões no contexto angolano, sobretudo nas universidades.
Neste artigo, buscou-se reflectir sobre a importância de homenagear a mulher porque,
estamos cientes que elas se destacaram na luta de Libertação Nacional, onde dirigiram
missões importantes, independentemente do movimento que pertencia, contribuição que
se notou fundamentalmente na luta clandestina. Também ainda, a mulher, contribuiu na
luta contra o Analfabetismo, ensino, mobilização e organização do povo.
Angola precisa, estudar e publicar os nomes das mulheres que se envolveram na luta
de Libertação Nacional desde o seu início, sem olhar no colorido partidário, para o garan-
te da unidade nacional e conservação da memória colectiva e coesão social.

5. Nascida no dia 08.03.1946 na localidade de Nossa Senhora da Graça – Cabo Verde. Foi uma activista e,
acolheu os guerrilheiros do MPLA vindos do Maquis na 2ª Região Militars em Cabinda. Acolheu figuras como
Comandante Gika, Pedalé, Nzagi, Delfim de Castro e João Lourenço, actual presidente da República de
Angola.

XXIX Encontro AULP | 459


As escolas devem criar cartilhas e partilhar com os estudantes e encarregados de edu-
cação para se saber a vida e obra das figuras homenageadas, essencialmente a figura da
mulher.
Os Ministérios da Cultura, Educação, Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inova-
ção, devem criar estratégias, no sentido de incentivarem estudos virados à história de vida
da mulher que lutou para a libertação do país, para despertar o espírito patriótico as novas
gerações.
Dos vários espaços habitacionais, há exemplo do município de Tala Tona, se deve
criar condições de atribuir topónimos femininos às ruas e demais instituições.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
BATSÎKAMA, Patrício, Nação, Nacionalismo e Nacionalidade em Angola, Luanda: Mayamba, 2016.
CHIWALE, Samuel, Cruzei-me com a História – Autobiografia, Lisboa: Sextante Editores, 2008.
COSTA, Francisco, “Decifrar Talatona pelas ruas” in https://www.novafrica.co.ao/nacional/regioes/deci-
frar-talatona-pelas-ruas/, Ced. em 05.03.2019.
HOUSSAYE, Henrique. Aspásia – Cleópatra, Trad. Vieira Neto, São Paulo: Paumape, 1995.
JAMBA, Miraldina, “A contribuição da mulher na construção da paz regional”, in www.a-contribuicao-
da-mulher-na-construcao-da-paz-regional-miraldina-jamba, Ced. 18.02.2019.
LE GOFF.J, História e Memória, Campinas – SP: Unicamp, 1990. (coleção repertórios) Livro digital dis-
ponível, Ced. em 07 mar. 2019.
PAREDES, Margarida, Combater duas vezes: Mulheres na luta armada em Angola, Lisboa: Verso da His-
tória, 2015.
SAKALA, Alcides, Memórias de um Guerrilheiro, 3ª ed., Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2006.
VICENTE, Nsambu, Toponímia de Luanda: Casos da Ingombota e Mayanga, Luanda: Edições Universitá-
rias Tocoistas, 2018.
________ Formação dos bairros Bagdad e Iraque em Luanda: Estudo toponímico, Porto: Mybook, 2018.

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A UTFPR e o IPB numa perspectiva de coesão territorial1

Dra. Caroline Lievore


Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil; E-mail: [email protected]

Dr. Luiz Alberto Pilatti


Universidade Técnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil; E-mail: [email protected]

Dr. João Alberto Sobrinho Teixeira


Instituto Politécnico de Bragança (IPB), Portugal; E-mail: [email protected]

1. Introdução
É amplamente consensual a importância do ensino superior como promotor de desen-
volvimento social e econômico, sobretudo a nível regional (AMARAL; MAGALHÃES,
2002; ALBERT, 2003; PUCCIARELLI; KAPLAN, 2016; ETZKOWITZ; LEYDES-
DORFF, 2000); e o seu papel de gerador de processos de transferência de tecnologia e de
inovação (ETZKOWITZ, et al., 2000; CARAYANNIS; RAKHMATULLIN, 2014), e es-
pecialmente na atração e manutenção de atividades de alto valor econômico numa socie-
dade cada vez mais globalizada e competitiva (CHATTERTON; GODDARD, 2000; ET-
ZKOWITZ et al., 2000; HARKAVY, 2006; HEITOR; HORTA, 2016).
Pucciarelli e Kaplan (2016) identificaram três desafios centrais que as instituições de
ensino superior enfrentarão com implicações fundamentais para o ensino e pesquisa uni-
versitários: (1) a necessidade de aumentar o prestígio e a participação de mercado; (2) a
necessidade de ampliar a mentalidade empreendedora; e (3) a necessidade de expandir as
interações e valorizar a co-criação com os atores sociais. Neste contexto, alguns autores
entendem que a ciência tem como papel primordial fortalecer o desenvolvimento social e
econômico dos países (MACLAREN, 2012; HEWITT-DUNDAS, 2013; SANTOS FI-
LHO, 2015; HEITOR; HORTA, 2014; 2016).
Os objetivos e as finalidades aos quais a universidade se propõe a cumprir são fatores
que impulsionam o crescimento da ciência e da tecnologia no mundo. Sua realidade bási-
ca é o reconhecimento de que o conhecimento é o elemento de maior poder e capaz de
afetar a ascensão e a queda de profissões, classes sociais e até mesmo de nações.
Percebemos que é cada vez mais premente compreender como estas instituições
se adaptam às mudanças recentes e moldam suas estratégias para alcançar sucesso em
novos ambientes. Igualmente relevante, para reitores e líderes das universidades, são as
pesquisas que apresentam as melhores práticas facilitando os processos de mudança den-
tro de suas organizações (MCKENNA; SUTHERLAND, 2006; BAPTISTA; LIMA;

1. Esta pesquisa é parte da tese de doutorado da autora Caroline Lievore, com orientação dos coautores Dr.
Luiz Alberto Pilatti (UTFPR – Brasil) e Dr. João Alberto Sobrinho Teixeira (IPB – Portugal).

XXIX Encontro AULP | 461


MENDONÇA, 2011; HEWITT-DUNDAS, 2013; HOWELLS et al., 2014; HOIDN;
KÄRKKÄINEN, 2014; HEITOR; HORTA, 2016).
Nesta lógica, optamos pela análise de duas instituições de ensino superior, a UTFPR
no Brasil e o IPB em Portugal, avaliando seus comportamentos no que concerne às polí-
ticas internas desenvolvidas numa perspectiva de coesão territorial e de afirmação nacio-
nal e internacional, com vista ao desenvolvimento regional.
Nossa pesquisa se justifica pelas similitudes que existem entre o ensino superior do
Brasil e de Portugal, como o baixo grau de autonomia institucional, baixos níveis de fi-
nanciamento reconhecidos internacionalmente, limitações nas respostas às demandas da
sociedade e um longo processo de democratização do ensino superior. Desafios societais
também são semelhantes embora em diferentes níveis, como necessidade de aumentar as
qualificações formais da população, urgência para desenvolver ciência, tecnologia e ino-
vação com impacto no desenvolvimento socioeconômico regional e nacional (ver JEZI-
NE et al., 2011; HEITOR; HORTA, 2016).

2. Metodologia da pesquisa
A pesquisa classifica-se do ponto de vista do objeto como uma pesquisa bibliográfica,
de natureza aplicada, predominanetemente qualitativa e do ponto de vista dos procedi-
mentos técnicos caracteriza-se como um estudo comparativo.
O corpus documental da pesquisa foi composto por entrevistas semiestruturadas, além
dos documentos institucionais do IPB e da UTFPR e documentos legais do Brasil e de
Portugal.
A escolha dos entrevistados foi direcionada aqueles que tinham experiências relevan-
tes no percurso histórico da Instituição, através do processo bola de neve, sendo que no
Brasil a saturação ocorreu no sétimo entrevistado e em Portugal no décimo quinto. Fon-
tanella; Ricas; Turato (2008) apontam que, em estudos qualitativos, o mais significativo
nas amostras intencionais não é a quantidade de entrevistados, mas a representatividade
destes elementos e a qualidade das informações obtidas.
A fim de obter diferentes pontos de vista e experiências de um grupo diverso de parti-
cipantes e gerar evidências empíricas ricas, todos os participantes têm um alto nível de
envolvimento e liderança com responsabilidades que contribuem para o desenvolvimento
estratégico das instituições analisadas.
Foram entrevistados sete gestores e docentes da UTFPR, doze gestores ligados dire-
tamente ao Instituto Politécnico de Bragança (IPB). Além destes, entrevistamos cinco
docentes vinculados ao ensino superior de Portugal, entre estes: um docente da Universi-
dade do Porto (UP) e ex-secretário de Estado do Ensino Superior e Ciência, e um ex-reitor
da UP, atualmente vinculado à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior
(A3ES), dois docentes ligados ao Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos
(CCISP) que também atuaram como Presidentes de outros Politécnicos e um docente li-
gado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Na apresentação dos resultados, para garantir o anonimato, os entrevistados foram
codificados como Entrevistado (E) e numerados (1, 2, 3, etc.). Estas entrevistas foram
realizadas nas cidades de Ponta Grossa, Curitiba localizadas no Brasil, e Bragança, Mi-
randela, Porto e Braga localizadas em Portugal, durante os meses de janeiro e setembro

462 | XXIX Encontro AULP


de 2018. As entrevistas foram gravadas e transcritas, dando origem a 226 páginas de
texto. O tempo médio das entrevistas foi de duas horas.
Todas as respostas foram mantidas em sigilo, aderindo os procedimentos de ética em
pesquisa científica.
Para analisar os dados qualitativos, utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo pro-
posta por Bardin (2015).
O método utilizado foi o comparativo, que nas palavras de Marc Bloch, quando apli-
cado no campo das ciências humanas, consiste em examinar as semelhanças e as diferen-
ças entre elementos comparados que constituam duas séries de natureza análoga, em
meios sociais distintos (BRIGNOLI; CARDOSO, 2002). Para consecução do método
comparativo, utilizou-se Schneider; Schimitt (1998), que sugerem a adoção dos seguintes
passos: (i) a seleção de duas ou mais séries de fenômenos que sejam efetivamente com-
paráveis, representados pelas duas instituições analisadas; (ii) a definição dos elementos
a serem comparados; o estudo concentrou-se em comparar a UTFPR e o IPB quanto ao
seu papel no desenvolvimento regional; e (iii) generalização, identificando elementos
comuns nos dois casos analisados, mas respeitando suas especificidades.
Logo após a definição das categorias, realizou-se o tratamento dos resultados, sendo
possível com base nas entrevistas e documentos, separar convergências e divergências;
selecionar as respostas que melhor atendiam aos objetivos da pesquisa, além de possibi-
litar a inferência e interpretação dos dados significativos e válidos, à propósito dos obje-
tivos previstos.

3. A atuação do IPB na região de Trás-os-Montes


Em nossa análise, as estratégias assumidas pelo IPB nos últimos dez anos resultaram
em três grandes benefícios para a instituição: melhorou a capacidade científica dos docen-
tes, que passaram a produzir mais conhecimento resultando em publicações de alto im-
pacto (E10; E17; E19; E21); ampliou e fortaleceu o relacionamento do Instituto com as
empresas da região e do país, pois passou a desenvolver pesquisas e projetos vinculados
com o mercado e com a comunidade local, sendo fortemente reconhecido por isto (E10;
E12; E13; E17; E19); e finalmente, aumentou a capacidade de transferência de tecnologia
que é a junção dos dois primeiros, fortalecendo sua identidade e assumindo sua missão
como promotora de tecnologia útil e aplicável (E10; E17; E21).
Para o E17, o IPB enxergou nos doutoramentos uma premissa para alavancar a sua
capacidade de transferência de tecnologia para o tecido empresarial. Percebe-se que há
um alinhamento entre o que foi sancionado nas leis, as entrevistas, as finalidades propos-
tas e a identidade assumida pelo IPB. Isso é evidenciado na própria missão do Instituto;

[...] tem por missão a criação, transmissão e difusão do conhecimento técnico-científico e


do saber de natureza profissional, através da articulação do estudo, do ensino, da investiga-
ção orientada e do desenvolvimento experimental. O IPB desenvolve a sua missão em arti-
culação com a sociedade, incluindo a cooperação transfronteiriça, numa perspectiva de
coesão territorial e de afirmação nacional e internacional, com vista ao desenvolvimento da
Região, assente na inovação e na produção e transferência do conhecimento técnico-cientí-
fico (IPB, 2018, p. 8).

XXIX Encontro AULP | 463


Nossa análise sugere que existem dois aspectos que auxiliam na organização pedagó-
gica dos politécnicos para o cumprimento de sua missão. Primeiro a aposta em “forma-
ções mais profissionalizantes” que tem sido constantemente debatida pelo grupo gestor
(inclusive com os demais Politécnicos) que é o uso de metodologias pedagógicas mais
ativas (E10; E14, E19; E21). Estas práticas que envolvem o uso de metodologias como o
Problem-Based-Learning (PBL) promovendo aulas mais práticas e incentivando uma
maior autonomia do aluno que aprende fazendo.
O segundo aspecto, cada vez mais iminente, refere-se ao papel dos Politécnicos en-
quanto motores de desenvolvimento regional. Este papel que especialmente o IPB assu-
miu na região transmontana, é confirmado pelos estudos de Fernandes (2009), Fernandes,
Cunha e Oliveira (2013) e Alves et al. (2015) que confirmam o impacto econômico dos
IPs nas regiões. Entre os IPs analisados, constatou-se uma variação de 2% a 11% no PIB
regional e crescimento na oferta de empregos destas regiões, sendo que nas regiões me-
nos favorecidas, em termos de PIB regional, foram as que apresentaram valores melhores.
A pesquisa de Fernandes (2009) destaca o papel dos IPs como empregadores e, conse-
quentemente, como fixadores de pessoas qualificadas em suas respectivas regiões. Além
disso, para cada euro despendido pelo Estado e disponibilizado aos Politécnicos, foi ge-
rado um nível de atividade econômica entre 2,63 e 8,07 euros. O impacto anual total do
IPB em Braganca, correspondeu ao total de 44.495.765,86 euros, em 2007. Neste mesmo
ano, em Mirandela, o valor foi de 7.464.348,81 euros o que corresponde a 3,3% do PIB
da cidade. Estimou-se que a atividade econômica gerada pelo IPB corresponde a 8,7% do
PIB dos concelhos de Braganca e Mirandela e que, por cada euro de financiamento do
Estado, o IPB gera na região 2,46 euros em atividade econômica. A pesquisa de Fernan-
des (2009) concluiu que o IPB tem um impacto importante nos concelhos de Braganca e
Mirandela, regiões consideradas desfavorecidas no contexto nacional.
Para além do desenvolvimento econômico e social, os entrevistados apontam que os
IPs dão coesão aos territórios, visto que a pesquisa desenvolvida e o alinhamento entre
mercado e instituição é feito com base nas necessidades daquela região. Apesar dos im-
passes e dilemas consequentes das políticas implementadas por Bolonha, o IPB buscou
desenvolver sua missão politécnica e manter-se como um politécnico diferenciado (E15;
E21; E27; E28) e isso corroborou para que a instituição se afirmasse no contexto regional
e nacional. Para tanto, o IPB investiu fortemente em três grandes estratégias: (i) atração
de estudantes; (ii) qualificação do seu corpo docente; e uma terceira especialmente impor-
tante para esta pesquisa (iii) a ligação e coesão com seu território.
A ligação e coesão do IPB com seu território e a investigação realizada são voltadas
para a prática, dado o relacionamento estreito que existe entre o IPB e a região de Trás-
-os-Montes. Nas entrevistas, verificamos que a ênfase da pesquisa no IPB é a combinação
de uma abordagem científica, com uma forte preocupação com os problemas relevantes
para a sociedade, e isso não apenas no nível de doutoramentos, mas desde o início da
graduação. Obviamente que na graduação, a investigação não é necessariamente uma
investigação de ponta, tampouco que resulta em publicações e citações. Estes resultados
mais “tradicionais” se consegue com os doutoramentos, com equipes de investigação,
com pós-docs, etc. Portanto, numa abordagem mais tradicionalista da pesquisa científica
é importante que os politécnicos tenham instrumentos acadêmicos para lograrem finan-

464 | XXIX Encontro AULP


ciamento e reconhecimento, o que ainda é insipiente no sistema politécnico, inclusive no
IPB, resultado do seu processo histórico. Mas numa visão mais moderna, exposta pelo
E27, a investigação poderá contribuir para a dignificação e valorização do sistema Poli-
técnico à medida que os Institutos perceberem que, existe um espaço de investigação
aplicada, de desenvolvimento experimental, de cooperação com o tecido social e empre-
sarial, que ainda não está convenientemente ocupado, e que os politécnicos poderão agir
como uma força motriz, sem esperar que a sociedade busque competências da instituição,
mas investindo na capacidade de criar.

[...] entramos aqui em um contexto que modernamente se chama ecossistema de cocriação


e inovação, onde a investigação não se faz da forma tradicional, mas faz em completo
acompanhamento pelos atores sociais e empresariais com os nossos investigadores e com
os nossos alunos, criado uma comunidade de intervenção de muito maior dimensão. É
obviamente, uma forma de impacto diferente, [...] os politécnicos estão muito mais prepa-
rados que as universidades, porque culturalmente o corpo docente das universidades acha
que isso não tem prestígio [...], fazer essa abordagem e conseguir arranjar espaços de inves-
tigação dentro dessa abordagem, é muito interessante e muito importante e será o fator de
diferenciação do futuro dos politécnicos (E27).

Isto posto, a região e os atores sociais que a compõe são fontes importantes de legiti-
midade e recursos para o funcionamento dos politécnicos (HASANEFENDIC; PATRI-
CIO; DE BAKKER, 2017). Para o bom funcionamento do ecossistema de investigação, o
estabelecimento de parcerias torna-se um meio importante para garantir este tipo de pes-
quisa, mais prática, aplicada e regionalmente integrada. Isto significa dizer que a existên-
cia de indústrias na região onde os politécnicos estão inseridos tornaria mais plausível sua
atuação na pesquisa. Contudo, a baixa concentração de indústrias na região do IPB não
impediu o desenvolvimento na investigação. Pelo contrário, o IPB viu uma oportunidade
e se dispôs a realizar uma investigação regionalizada, mas sem deixar de apostar em pro-
jetos nacionais ou globais.
Nesta linha de pensamento, o E20 afirma que; “quando o nosso trabalho é relevante
não há fronteiras e, portanto, nós trabalhamos com empresas de todo o país e todo o
mundo”. Mas os entrevistados concordam que seria muito interessante, por via da ciência
da tecnologia, fortalecer os territórios de menor densidade populacional, como é o caso
da região de Trás-os-Montes e capacitá-los para atrair jovens altamente especializados.
O PE (IPB, PE, 2014-2018) do IPB, já apresentava uma estratégia para tornar a insti-
tuição referência na investigação aplicada em algumas áreas de especialização. O Institu-
to se propôs a três objetivos: (i) identificar áreas estratégicas de investigação aplicada e
promover a integração dos investigadores em unidades de investigação; (ii) sustentar o
IPB nos rankings de impacto da produção científica e, (iii) promover a integração dos
investigadores do IPB em redes internacionais de investigação. De fato, nas entrevistas
percebemos que estes objetivos vem sendo alcançados e o IPB tem sido sucessivamente
considerado o melhor politécnico de Portugal pela SCImago Institutions Ranking2.

2. O ranking SCImago classifica as IES através de um indicador global que tem em consideração a perfor-

XXIX Encontro AULP | 465


No PA (IPB, PA, 2018-2022, p. 32), o IPB visa manter sua posição de destaque no
cenário da pesquisa, afirmando que a “inovação pedagógica deve sustentar-se na capaci-
dade de imergir os estudantes em ambientes reais, tanto empresariais como de investiga-
ção aplicada, à volta dos quais se garante que alunos aprendem e se formam como profis-
sionais integrais, com capacidade de reflexão e de ação.”
A missão do IPB materializa-se em grande medida, na sua relação de utilidade com a
região. Neste sentido, o Instituto assumiu o forte compromisso com o desenvolvimento
regional e a coesão nacional que manifesta-se também por meio de seus projetos exten-
sionistas. É por meio da Extensão que o IPB tem participação ativa na definição de estra-
tégias de especialização inteligente para a região de Trás-os-Montes (IPB, 2014), deci-
sões que vão ao encontro das necessidades da economia local, garantindo o sucesso da
instituição em uma região pouco industrializada e com problemas demográficos.

4. A atuação da UTFPR no estado do Paraná


Os entrevistados destacaram que os projetos extensionistas são os grandes responsá-
veis pela conexão da Universidade com a sociedade e com o território. Nas UTs, a exten-
são se concretiza pela Transferência de Tecnologia (TT) (E3; E5). De mesma maneira, no
PPI (UTFPR, PPI, 2007), os processos de extensão e transferência de tecnologia são
vistos como portas de entrada das demandas sociais permitindo o acesso ao conhecimen-
to produzido pela universidade e possibilitando o desenvolvimento regional e a melhoria
na qualidade de vida.
As políticas de extensão (empresarial e comunitária) da UTFPR, através da Pró-reito-
ria de Relações Empresariais e Comunitárias e das Diretorias de Relações Empresariais e
Comunitárias, responsáveis pelas atividades de relações empresariais, inovação, empre-
endedorismo, extensão universitária e interação com a sociedade, visam sobretudo, pro-
mover a TT, garantindo a proteção do conhecimento gerado na universidade (UTFPR,
PDI, 2018). Dentre as ações, o PDI (2018-2022) enfatiza àquelas desenvolvidos em par-
ceria com grandes estatais como a Petrobrás, que totalizam cerca de R$ 60 milhões nos
últimos 10 anos, e com a Copel (Companhia Paranaense de Energia) totalizando R$ 22
milhões, que de forma significativa impulsionam a pesquisa tecnológica na UTFPR.
Seguindo a tendência mundial de incentivar e oportunizar a inovação, a UTFPR pos-
sui uma Agência de Inovação que coordena os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs)
nos campus que objetiva “identificar oportunidades e incentivar a inovação, como nicho
de mercado, amparada pela Proteção Intelectual” (PDI, 2018, p. 49). O portfólio de Pro-
priedade Intelectual da universidade é de 203 pedidos de proteção, sendo que 55 já foram
concedidos. Entre estes, oito patentes de invenção, cinco marcas, 40 programas de com-
putador e duas topografias de circuitos integrados (UTFPR, PDI, 2018; RG, 2017). Além
da Agência, a UTFPR possui desde 1997 o Programa Jovem Empreendedor, atualmente
Programa de Empreendedorismo e Inovação (PROEM), estimulando professores, pesqui-

mance das instituições na pesquisa, na inovação e no impacto societal. Até 2016 a SCImago avaliava as insti-
tuições em indicadores individuais, e colocou o IPB na 1ª posição entre todas as universidades e politécni-
cos portugueses em três indicadores: impacto normalizado, excelência com liderança e impacto tecnológico
(SCImago, 2016). Em 2018, na avaliação que mostra somente o resultado global, o IPB aparece entre as 15
melhores IES do país e mantem a 1ª posição entre todos os politécnicos do País.

466 | XXIX Encontro AULP


sadores, estudantes e ex-alunos empreendedores da instituição a desenvolver projetos
viáveis a partir da estrutura existente e de ambiente propício à inovação (UTFPR, PDI,
2018).
Conforme PDI de 2013 (UTFPR, PDI, 2013-2017, p. 47), a política de Extensão da
UTFPR contemplava, entre outros objetivos “a consolidação da UTFPR como um centro
de desenvolvimento e transferência de tecnologia”. Este desejo não é reafirmado no PDI
(2018-2022) que enfatiza a consistente atuação da Universidade na extensão tecnológica
empresarial, e sua busca por maior participação na extensão social.
Especialmente quando se trata de TT, os entrevistados acreditam que como uma UT,
a UTFPR poderia apresentar uma política de valorização da produção tecnológica (protó-
tipos, patentes). Neste sentido, o novo PDI (2018-2022) apresenta como meta gerenciar
as ações de extensão através de um Sistema Informatizado de Atividades de Extensão, em
desenvolvimento na instituição. Esta ferramenta permitirá a geração de relatórios sobre as
atividades extensionistas.
Sobre a criação de políticas de reconhecimento da produção tecnológica, foram levan-
tadas duas dificuldades. Primeiro, que na avaliação do professor-extensionista, visto que
até o momento não existem meios de valorização que não sejam aqueles contemplados
pelo sistema nacional de Pós Graduação Nacional. Isto, em grande medida, deixa o pro-
fessor extensionista, que trabalha com problemas regionais, que atua e faz a diferença na
região, sem qualquer vantagem sobre o professor que está fazendo pesquisa vinculada
com determinada empresa de prospecção maior. Apresentamos a fala do E5 sobre a atua-
ção da UTFPR no estado do Paraná; “a UTF deveria ter aí uma inserção muito maior, ela
é regional, nucleada no Estado. Ela deveria ter características daquela região, atender e
fazer a diferença naquela região, e ser valorizada por isso. E a gente só é valorizado pela
publicação internacional”.
O segundo problema levantado em nossa análise é a burocracia que existe no Brasil
para solicitação de patentes, e o custo para manter todo o processo. Estes dois pontos
desestimulam docentes e instituições a investir tempo e recurso no pedido de patentes:
“uma patente, no Brasil, leva de 8 a 10 anos para ser concedida. Uma patente verde que
custa teoricamente dez vezes mais, leva um ou dois anos” (E5). A produção de patentes
deveria ser uma métrica importante dentro da UTFPR, porque é um indicador que carac-
teriza uma UT. Para o E3; “nós temos muita publicação e não temos patentes, a patente
deveria ser o alvo muito maior do professor, principalmente na UT”.
Mesmo com este problema sistêmico no País, a UTFPR apresentou evolução signifi-
cativa nos pedidos de proteção intelectual produzida na Universidade depositados junto
aos órgãos oficiais. Entre os pedidos, considera-se: patente de invenção, modelo de utili-
dade, desenho industrial, marcas, registro de software, registro de cultivares, proteção de
cultivares, indicação geográfica, direito autoral, e outros. Em 2007, foram protocolados
quatro pedidos (dois de marcas e dois de software) somado ao acumulado dos anos ante-
riores, de sete pedidos (cinco patentes de invenção e uma marca e um registro de cultiva-
res) (UTFPR, RG, 2007). Em 2017, um total de 89 pedidos foram protocolados e destes,
22 são patentes de invenção. A quantidade de pedidos de proteção intelectual totalizada
em 2017 teve um aumento de 187,10% em relação ao ano de 2016. A instituição possui
37 patentes já concedidas. Em 2018, a Universidade bateu recorde de pedidos de proteção

XXIX Encontro AULP | 467


intelectual em um mesmo ano, ultrapassando a marca de 100 pedidos. Apenas no mês de
setembro de 2018, já haviam sido registrados 330 pedidos de proteção intelectual. Com
este resultado, a UTFPR foi selecionada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial
(INPI) para participar da Conferência Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), em
Genebra. Entre as instituições brasileiras foram escolhidas apenas três, a UTFPR, UFR-
GS e a UFMG (UTFPR, 2018).
Nossa análise também evidenciou que há preocupação da Instituição para que os pro-
jetos de extensão não se caracterizem apenas como assistencialistas. Embora a universi-
dade seja constituída pela ideia da diversidade, o que se busca desde a criação da UTFPR
são projetos de extensão tecnológica, ou seja, prover a região e a sociedade com ferra-
mentas tecnológicas que impulsionem seu desenvolvimento. Esta priorização fica clara
pelo fato da UTFPR ser a única universidade do Brasil que não tem uma Pró-reitora de
Extensão e sim uma Pró-reitoria de Relações Empresariais. Segundo o E2 e E3, nas UTs
da França, isso é ainda mais evidente; lá existe a Pró-reitoria de Transferência de Tecno-
logia. Conforme relatos do E3, no processo de transformação da UTFPR, que buscou o
modelo francês como uma das referências, existia a possibilidade de sustentar o projeto
institucional pedagógico da nova instituição, não no tripé ensino-pesquisa-extensão, usa-
do como regra geral para a educação no País, mas sustentar as políticas pedagógicas no
tripé ensino-pesquisa-transferência de tecnologia. Esse é o conceito da UTC na França, e
outras UT, onde se tem uma visão de extensão voltada diretamente para TT. Aí se conse-
gue um direcionamento melhor das atividades com vistas ao atendimentos das demandas
da sociedade.
A partir deste conceito, a UTFPR vem criando mecanismos para impulsionar a TT
através de ações de extensão previstas nos PCCs, como estágios supervisionados e TCC
realizados dentro das empresas com enforque em projetos de melhoria ou resolução de
problemas; através de iniciação científica; através dos programas de mestrado e de douto-
rado que estimulam a pesquisa e a inovação; do hotel tecnológico e das incubadoras, entre
outros (UTFPR, PDI, 2018; E3; E5). No PDI (2018) verificamos o interesse da Universi-
dade em fomentar projetos de extensão para atender uma das meta do Plano Nacional de
Educação para o decênio 2014-2024 (BRASIL, 2014), que estabelece a participação de
estudantes em projetos de extensão que correspondam a pelo menos 10% da carga horária
nos cursos de graduação.
Importante ressaltar que, na nossa perspectiva, esses mecanismos e propostas só serão
eficazes quando a Universidade colocar como métrica interna a participação de docentes
em projetos de extensão, incentivando os professores, que hoje estão centrados na sala de
aula, sem vínculo com empresas, laboratórios, grupos de pesquisa ou atividades extensio-
nistas. Esta conclusão baseia-se nas premissas encontradas nas entrevistas que, enquanto
a extensão não for uma métrica, a UTFPR continuará falando em tripé ensino-pesquisa-
-extensão de uma maneira incompleta, em que, a grande maioria dos docentes ensina,
alguns ensinam e investigam e poucos fazem extensão. Sem indicadores e métricas de
avaliação para a extensão, a UTFPR acaba por ficar à mercê da atitude individual dos
professores.
Em contramedida, os entrevistados argumentam que não cabe à Universidade solucio-
nar um problema que é de ordem geral e envolve políticas de governo para valorização do

468 | XXIX Encontro AULP


docente, que hoje é cobrado por outros resultados. O Brasil ainda não conseguiu estabe-
lecer uma forma de avaliar a extensão da mesma maneira que avalia a pesquisa. A exten-
são está sempre na retaguarda.
Como o sistema de coleta de informações e registro das ações de extensão instituído
pela Diretoria de Extensão (DIREXT) se consolidou em 2017, não foi possível fazer uma
análise comparativa com 2005, primeiro ano da instituição como universidade. O RG de
2017 registrou 1.579 atividades de extensão, divididas nas três principais modalidades –
programas, projetos e ações. Destas ações, a UTFPR promoveu 10 programas, sendo um
concluído; 629 projetos de extensão, sendo 104 concluídos; e 934 eventos de extensão,
sendo 736 concluídos. Já, o Relatório de 2005 apresentava o número de projetos tecnoló-
gicos que foi de 123 onde participaram 155 servidores e 41 alunos. Estes projetos carac-
terizavam-se pela relação da UTFPR com empresários resultando numa melhoria consi-
derável da produtividade, além de aproximar os mesmos do campo da pesquisa e
desenvolvimento tecnológico (UTFPR, RG, 2015). Não foi possível afirmar se os 629
projetos de extensão de 2017 possuem as mesmas características dos 123 projetos tecno-
lógicos contabilizados em 2005.
Um parâmetro que é comparável é o número de apoios tecnológicos que em 2005 foi
de 6.605, e em 2017 os apoios tecnológicos reduziram para 150. Da mesma forma, o nú-
mero de clientes atendidos apresentou queda, passando de 4.433 para 638 entre 2005 e
2017, bem como o número de vistas técnicas e visitas gerenciais. Em 2010, foram regis-
tradas 144 visitas gerenciais e 276 visitas técnicas (UTFPR, RG, 2010). Houve um salto
para 2013 sendo contabilizadas 558 visitas técnicas e 196 visitas gerenciais e novamente
declínio em 2017 com 420 visitas técnicas e 155 visitas gerenciais. (UTFPR, RG, 2017).
O próprio relatório aponta como causa a saturação na busca de novas relações com as
empresas. Estes dados vão ao encontro das entrevistas corroborando que a UTFPR tem
um histórico muito maior na área de extensão, principalmente na extensão tecnológica,
mais do que na área de pesquisa.
Neste sentido, o vínculo com a sociedade e com o mercado de trabalho aproximaria o
aluno do contexto profissional e da realidade do país. Em nossa análise verificamos que
há pouco incentivo da UTFPR para a extensão, sem políticas internas que meçam e incen-
tivem o relacionamento dos docentes com o ambiente de trabalho do profissional que
formarão, e até mesmo com o território onde a universidade está inserida.

5. Conclusão
Autores como Kerr (1982); Wolff (1993); Moutlana (2009); Louw (2008); Du Pré
(2010), apontam que além do ensino e aprendizagem, as universidades têm uma “vida
pública” e precisam fazer uma contribuição social. Seu foco está em servir a sociedade e,
mais particularmente, sua comunidade imediata. Moutlana (2009) e Engel-Hills et al.
(2010) apontam que, quando o destinatário do conhecimento é a indústria ou a sociedade,
a universidade deve transferir tecnologia, isso caracteriza as UTs ou Politécnicas. Na
perspectiva de Wolff (1993), não é só tradicional e justo que a universidade sirva à socie-
dade, mas também extremamente útil que o faça. O vínculo que se estabelece entre a
universidade e o mercado se operacionaliza por meio de parcerias que favorecem a troca
de conhecimentos, tecnologias e principalmente, o compartilhamento de resultados.

XXIX Encontro AULP | 469


Nossa análise sugere que há necessidade de ações e políticas entre a UTFPR, o gover-
no e a sociedade no sentido de promover a pesquisa orientada para problemas reais, além
de servir aos propósitos educacionais que envolverão ao aprimoramento das habilidades
e conhecimentos necessários ao ambiente de trabalho. Uma das possibilidades reveladas
por Etzkowitz (2004) é o desenvolvimento de um modelo linear assistido de transferência
de tecnologia. Desta forma, a Universidade poderá elevar seu contributo para o desenvol-
vimento local e regional, conduzindo à pesquisa para projetos vinculados às necessidades
regionais ou nacionais. Consequentemente, os resultados não serão limitados à publica-
ção científica, mas valorados também relatórios contendo a resolução de problemas in-
dustriais ou sociais.
Todavia, podemos deduzir que o IPB vem realizando pesquisas relacionados à ques-
tões regionais e a resolução de problemas regionais ou globais, conforme recomendado
pelas diretrizes legais. Identificamos um comprometimento do IPB com a região e uma
cultura voltada para as necessidades societárias. As reações dos nossos entrevistados re-
velaram que a integração da pesquisa prática e científica foi uma maneira do IPB “ser
diferente das universidades” e de encontrar um espaço que não era ocupado, direcionado
para a solução de problemas de empresas da região Norte de Portugal, ao invés de se
posicionar como competidores das universidades.
Na análise, verificamos que para os politécnicos alcançarem maior participação no
campo da investigação científica e da extensão, pretende-se criar um ecossistema de co-
-criação, que já é entendido pelos dirigentes do IPB como uma tendência das UCA e a
grande estratégia adotada para impulsionar a instituição nos próximos anos. Esta tendên-
cia global, em que as instituições de ensino colaboram com o governo, com a indústria e
com a sociedade para promover a transformação e o desenvolvimento social, é vista por
Trencher, et al., (2013) e Carayannis; Rakhmatullin (2014) como sendo uma nova e emer-
gente missão para as IES modernas. Nesta lógica, as instituições dividem responsabilida-
des e riscos, resultando em uma parceria para a geração de novos empregos. Inferimos
que o IPB tem se encaixado no modelo de quádrupla hélice de inovação (Quadruple In-
novation Helixes) apresentado por Carayannis; Rakhmatullin (2014), que dá maior ênfase
à cooperação em inovação e, em particular, aos processos dinamicamente entrelaçados de
co-opetition, co-evolution e co-specialisation dentro e através dos ecossistemas de inova-
ção regionais (ver Carayannis e Campbell, 2009; Carayannis; Barth; Campbell, 2012;
Carayannis; Rakhmatullin, 2014).
Assim como os achados de Hasanefendic (2018), nossa análise mostrou que as ativi-
dades de pesquisa e extensão no IPB são cada vez mais desenvolvidas considerando o
impacto nas empresas regionais, na comunidade e para o desenvolvimento econômico
(ver também Mourato, 2014). Tais atividades visam solucionar problemas concretos de
relevância para a sociedade, através do envolvimento de alunos e professores.

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474 | XXIX Encontro AULP


Uma educação catalisadora de aprendizagens

Jorge Sousa Brito


Professor Catedrático da Universidade Jean Piaget de Cabo Verde. Reitor Honorário da mesma

A Globalização e a frase feita: “Transformar as vantagens comparativas em vantagens


competitivas”. Como materializar esta ideia através da Educação. Em que medida o para-
digma “ensino-aprendizagem” e as “competências” poderão apontar para esse desiderato.
Como transformar o clássico professor expositivo em catalisador de aprendizagens. O
desafio das novas competências: mais do que as necessárias para “resolver problemas”
nascem aquelas para nutrir a Inovação, ou seja, competências que permitam antever e
antecipar problemas e até “criar problemas”. Onde o Pensamento Transdisciplinar é de
suma utilidade para formar e enformar o professor sintonizado com as exigências actuais
e futuras. Será que a futura “aprendizagem autocatalisada” ditará a “morte” do professor?
Em como a experiência docente do autor tem contribuído para a atitude transdisciplinar
no que tange a estas matérias.
Nos finais do século XX, assiste-se (BRITO, 2014) a uma série de eventos com reper-
cussões mundiais, enformando então o que se chamou de Globalização. As consequências
se traduziram e traduzem, numa reviravolta de conceitos e posicionamentos de cariz so-
cial, económico, político e militar, que não se compadecem com pensamentos lineares,
tradicionalistas e ideológicos.
Surgiram então várias “máximas” que se tornaram lugares-comuns e chavões sobeja-
mente conhecidos e alegremente adotados pelos políticos e decisores deste Mundo. Eis
dois exemplos:
• “Pensar global e agir local”
• “Transformar as vantagens comparativas em vantagens competitivas”
O alargamento dos mercados trouxe como uma das principais consequências a luta
pela competitividade. Seria necessário ter os melhores produtos, disponibilizar os melho-
res serviços, otimizar processos, inovar! (BRITO, 2018)
Surge então a questão de como formar cidadãos com um alto grau de competências
inovadoras e competitivas.
O fomento de competências através da educação teve uma reviravolta conceptual nos
finais do século XX com contributos de vários autores e pensadores, dos quais Jacques
Delors e sua equipa se destacam com os seus conhecidos princípios educacionais (“apren-
der a conhecer”; “aprender a fazer”; “aprender a viver com os outros” e “aprender a ser”)
(DELORS et al., 1996). O fervilhar de reflexões sobre estes assuntos, que se assistiu na
Europa nesse fim de século, conhecido por Processo de Bolonha, veio a desembocar em
1999, na assinatura por 45 países, da chamada Convenção de Bolonha.
O foco da formação passou a ser mais no trabalho e esforço do estudante (a “aprendi-
zagem”) do que no trabalho do docente em sala de aula (o “ensino”). Aqui nascia o binó-

XXIX Encontro AULP | 475


mio “ensino-aprendizagem” cuja interpretação do conceito não tem sido muito clara.
De qualquer modo, o objetivo é o de fazer desenvolver no estudante, diversas capacida-
des, enquadradas nas “aprendizagens” de Delors. Essas capacidades são designadas de
competências.
Estas competências eram, e têm sido, as que melhor confiram aos cidadãos a capaci-
dade de “resolver problemas”, tornando-os profissionais mais competentes, com opinião
própria e refletida sobre a natureza do seu trabalho, capazes de encontrar soluções para as
mais subtis circunstâncias, no decorrer dos empreendimentos a seu cargo.
Deste modo, os cidadãos estariam mais aptos a enfrentar os desafios da Globalização,
cujos primeiros frutos se traduziram no alargamento dos mercados e na melhoria da mo-
bilidade em vários espaços geográficos, como o europeu.
Como enquadrar o professor neste paradigma? Com a formação clássica que teve,
centrada na qualidade dos conteúdos a serem transmitidos aos estudantes, teria de adicio-
nar a esta sua competência, a de fazer com que os seus alunos descobrissem esses conte-
údos e outros mais elaborados da mesma área do conhecimento. Um paradigma bem
complicado, pois além de brigar com a posição de “detentor do ensinamento” (enfraque-
cendo sua posição de autoridade na matéria, o clássico binómio mestre e discípulo), traz
consigo uma multitude de fontes de conteúdos e abordagens pelas vias das tecnologias da
comunicação e da informação.
Além disso, a complexidade das informações vem certamente acompanhada de incer-
tezas sobre sua qualidade e da necessidade de saber como utilizá-las, contrapô-las, relati-
vizá-las, enfim, construir conhecimento a partir delas. Aqui, a tarefa do “novo” docente
há de consistir em “separar o trigo do joio” e munir o estudante dos instrumentos de dis-
cernimento consentâneos com a complexidade informativa. Daí a função catalisadora do
docente: “acelerar a aprendizagem, tornando-a específica para cada competência, sem
nela se incorporar”. O atributo de “mestre” se esvai tornando-o numa espécie de “consul-
tor metodológico do saber”.
Entretanto, a Globalização aliada aos desafios do Desenvolvimento Sustentável, fize-
ram e fazem com que a COMPETITIVIDADE e a INOVAÇÃO sejam consideradas como
peças fulcrais do desenvolvimento económico e social da atualidade.
A competitividade requer o aprimoramento da qualidade dos bens e serviços ofereci-
dos, bem como da criação de novos produtos. Neste particular a inovação é de grande
valia. Estas questões requerem ainda uma melhoria dos circuitos distribuidores, dos pro-
cedimentos comerciais, dos acordos políticos e de estudos das necessidades e preferên-
cias dos consumidores.
Num ambiente competitivo, torna-se mister antever não só as necessidades dos consu-
midores como também as eventuais respostas dos concorrentes a estas mesmas necessida-
des. É também importante ter noção das implicações do lançamento de produtos e serviços
no ambiente e conhecer ou equacionar eventuais perigos advenientes dos mesmos.
Como se pode ver, isto é complexo e a contextualização social, técnica, comercial,
ambiental e política é um pressuposto incontornável. Veja-se a polémica envolvendo a
China, os EUA e a Europa, gerada a propósito da tecnologia 5G!
Numa política agressiva, não é despiciendo pensar na capacidade de “criar proble-
mas” a fim não só de desacelerar a concorrência, como de estimular o encontrar de solu-

476 | XXIX Encontro AULP


ções para os mesmos. Veja-se os hackers informáticos, sua comutação de penas e contra-
tação de seus serviços por instituições poderosas.
As “aprendizagens de Delors” parecem atualmente insuficientes e, às habituais com-
petências necessárias à resolução de problemas, vêm se juntar novas competências ainda
pouco trabalhadas. Inovar e antecipar problemas, requerem um uso fortalecido das capa-
cidades mentais, onde o entrosamento da vertente racional e da vertente emocional cria
uma nova visão das coisas, de forma contextual, complexa e capaz de emergir (ZWIRN,
2005) para novos níveis de realidade onde surgem soluções e ideias inovadoras e extraor-
dinárias. Isto tem um nome: Transdisciplinaridade.
Um valente desafio para o professor moderno, que além de saber ser catalisador de
aprendizagens, deve saber integrar as aprendizagens de sua área em outras áreas e estabe-
lecer as pontes entre elas, numa perspetiva transdisciplinar. Infelizmente a formação des-
te professor de terceira geração (a contar a partir do professor expositivo) está ainda
muito incipiente. Requer uma maior dose de cultura geral, de psicossociologia, de capa-
cidade de comunicação, de pensamento e atitude transdisciplinar.
A capacidade catalisadora do docente vai paulatinamente evoluindo para uma capaci-
dade de induzir no estudante a capacidade de “aprendizagem autocatalisada”, isto é, o
estudante aprenderia técnicas de otimização da sua própria capacidade de aprender.
Nesta senda, o governo finlandês irá já em 2020 introduzir no seu sistema educativo,
uma revolucionária metodologia pedagógica onde haverá a supressão de curricula e a
"aprendizagem baseada em projetos / fenómenos". A título de exemplo, Kirsti Lonka, pro-
fessora de psicologia educativa na Universidade de Helsínquia, explica que entre as habili-
dades e competências a adquirir estão o pensamento crítico, necessário para identificar notí-
cias falsas e evitar "cyberbullying" (ataques ofensivos pela internet), e a capacidade técnica
de instalar software antivírus e conectar o computador a uma impressora (SPILLER, 2017).
Será a morte do professor? Da primeira geração, de certeza, e até da segunda! Mas
este professor da quarta geração, não carecerá de ministrar aulas presenciais, sendo um
recurso acessível através das TIC. Terá é de ser cada vez mais imbuído de atitude trans-
disciplinar!
A palavra Transdisciplinaridade foi introduzida em 1970 por Jean Piaget num coló-
quio em Nice (PIAGET, 1970). Ali foi aceite a adição do “para além das disciplinas” à
definição do conceito. Aliás cabe então enunciar o conceito segundo a formulação seguin-
te: “A transdisciplinaridade diz respeito ao que se encontra entre as disciplinas, através
das disciplinas e para além de toda a disciplina” (NICOLESCU, 1996).
Uma das recomendações presentes na Déclaration Mondiale e no Cadre d’Action Prio-
ritaire saídas em 1998 da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior (UNESCO, 1999),
igualmente constantes no projecto “A evolução transdisciplinar na Educação” do CETRANS1,
é o da inserção da metodologia transdisciplinar no ensino e nos programas educativos. Ao
que parece, estas recomendações não foram devidamente seguidas embora hoje, à luz das
necessidades em inovação, elas comecem a revelar a sua capital importância.
Tendo o autor abraçado a causa da Transdisciplinaridade, vem ao longo dos anos pro-
movendo seminários em Pensamento Crítico (BRITO, 2006), onde a Transdisciplinarida-

1. Centro de Estudos Transdisciplinares (CETRANS) da Escola do Futuro da Universidade de São Paulo – Brasil

XXIX Encontro AULP | 477


de é o principal fio condutor, em concertação com técnicas de pensamento lateral, mind
mapping (BUZAN e BUZAN,1994), estratégias didáticas em matéria de aprendizagem
em meios socioculturais específicos como o cabo-verdiano. Para ilustrar esta dinâmica,
permitam ao autor transcrever o resumo de um de seus artigos, onde descreve a metodo-
logia adoptada nos seus seminários sobre Transdisciplinaridade (BRITO, 2005):

Cultivar a atitude transdisciplinar e saber pensar desta forma


“Da ignorância do vocábulo à compreensão do significado da Transdisciplinaridade. As
dificuldades da apreensão do conceito Transdisciplinaridade. Do pensamento transdiscipli-
nar à atitude transdisciplinar. As convenções, as ideias preconcebidas e o lugar-comum
como sérios obstáculos ao desenvolvimento duma atitude transdisciplinar. A ascensão em
lucidez ancorada no elevar da abstração formal e ligada ao entrosamento da experiência
vivida. Como navegar nos mares da complexidade, saltar de níveis de realidade e conviver
com o terceiro incluído: técnicas e procedimentos para desfazer a natural relutância à acei-
tação do “terceiro incluído”. Como tirar melhor proveito das capacidades diferenciadas dos
nossos hemisférios cerebrais no sentido de propiciar uma melhor visão transdisciplinar. As
técnicas de mind-mapping como auxiliares preciosos no desenvolvimento das capacidades
para pensar de modo transdisciplinar.”

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478 | XXIX Encontro AULP


Ações, pesquisas e políticas linguísticas no CEFET-MG:
propostas e desafios do ensino e aprendizagem de
Português como língua de acolhimento

Marlúcia Dias Lopes Alves


Assistente Social – Secretaria de Relações Internacionais – Centro Federal de Educação
Tecnológica (CEFET-MG), Brasil. E-mail: [email protected]

Eric Júnior Costa


Doutorando no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens – CEFET-MG,
Coordenador do Grupo de Estudos Migratórios: Acolhimento, Linguagens
e Políticas (GEMALP), Brasil. E-mail: [email protected]

1. Introdução: O CEFET-MG e a Internacionalização


O Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG é uma
Instituição Federal de Ensino Superior (IFES), que oferta um ensino público e gratuito,
com configuração muticampi, tendo atualmente unidades em Belo Horizonte e nas cida-
des do interior de Minas Gerais (Araxá, Contagem, Curvelo, Divinópolis, Timóteo, Leo-
poldina, Nepomuceno e Varginha). A Instituição apresenta uma estrutura verticalizada de
ensino, ofertando a formação médio/técnica, graduação, pós-graduação, Mestrado e Dou-
torado.
Na Instituição, o ensino, a pesquisa e a extensão no ensino técnico, na graduação e na
pós-graduação – stricto e lato sensu, são indissociáveis. Além dos acordos para a realiza-
ção de pesquisas e acordos de cooperação nacionais com diversas instituições federais
públicas ou particulares de ensino superior, existem também os acordos de cooperação e
mobilidade internacionais, firmados com diversos países, por meio de processos de mo-
bilidade discente e docente, realizados desde a década de 1980. Neste sentido, o CEFET-
-MG, firma-se como uma Instituição que promove e fomenta o acolhimento docente e
discente do público estrangeiro em suas dependências. Ao abordar uma breve retrospec-
tiva histórica da estruturação da Assistência Estudantil no CEFET-MG, (Alves, 2005)
relata que desde o início da criação do Centro Federal, a preocupação com o acolhimento
dos estudantes, mesmo que no início, de forma assistencialista, sempre foi uma preocu-
pação dos dirigentes e dos profissionais que atuavam neste espaço educacional. Neste
sentido, a autora afirma que na origem deste Centro Federal, como “Liceu de Aprendizes
Artífices”, em setembro de 1910, os objetivos eram atender os alunos jovens e pobres e
“desvalidos da sorte”, ofertando uma educação voltada para a capacitação técnica e for-
mação em ofícios tais como ferraria, selaria, ourivesaria, marcenaria, dentre outros, para
que os jovens, obtivessem uma formação moral, profissional, com intuito de ajudar aos
pais e atender a demanda de indústrias nacionais. A autora destaca ainda que a preocupa-
ção com os jovens aprendizes se traduzia na preocupação com alimentação, vestuário,
doenças, umidade do espaço físico (Alves, 2005). Neste sentido, o termo acolher já vinha

XXIX Encontro AULP | 479


sendo cunhado no cerne da Instituição desde a sua criação e permanece como um aspecto
de extrema importância até os dias atuais.
No CEFET/MG a internacionalização é um os pilares da instituição, em conjunto com
a tríade Ensino, a Pesquisa e a Extensão1. A partir da criação da Secretaria de Relações
Internacionais (SRI) em 1996, a instituição tem buscado aproximação entre as institui-
ções de ensino superior brasileiras e estrangeiras por meio de acordos que facilitem a
mobilidade e acolhimento de discentes, docentes e técnico-administrativos interessados
em realizar intercâmbio acadêmico e/ou profissional.
Com a criação em 2008 da Diretoria de Extensão e Desenvolvimento Comunitário
(DEDC), novas ações se desenvolveram a fim de difundir, democratizar e socializar o
conhecimento produzido pela instituição. Nesse contexto, em parceria com a Secretaria
de Relações Internacionais e o Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens
(POSLING), os estudos sobre o Português Língua Estrangeira (PLE) se concretizaram
em uma das “frentes” da internacionalização na instituição.
Hoje, muitas são as práticas e políticas de cooperação internacional no CEFET-MG2,
tais como o Programa de Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G); o Programa de
Estudantes Convênio de Pós-graduação (PEC-PG), a aplicação de exames de proficiência
internacionais (CELU, TOEFL, CELPE-BRAS, TOEIC-BRIDGE); o acolhimento de
alunos e professores pelo programa Internacional Association for the Exchange of Stu-
dents for Technical Experience (IAESTE); o Programa Discente In/Out; o programa de
recepção de estrangeiros (Buddy ou Comitê de Boas-Vindas3); a mobilidade de dupla di-
plomação; os cursos de formação para professores de PLE, Encontro com Alunos Estran-
geiros, Bate-papo Plurilingue, além de programas de leitorado e o projeto de extensão
Português como Língua de Acolhimento (PLAc). O CEFET-MG atua, portanto, no forta-
lecimento da internacionalização, com foco na educação globalizada por meio do inter-
câmbio de experiências e da conscientização de que o conhecimento dá sem levantar
fronteiras, ao contrário, se produz ao diluí-las. É importante mencionar que apenas com
as atividades curriculares não é possível “promover a interculturalidade, diversidade e
pluralidade linguística” (Stalliviere, 2016, s/p) e de que o compartilhamento de vivências
entre os aprendizes é essencial para legitimar um projeto didático-pedagógico crítico ca-
paz de “explorar paradigmas emergentes e imaginar novas possibilidades e novas formas
de pensar e fazer” (Leask & Bridge, 2013, p. 86).
Nesse sentido a abordagem adotada na instituição abre espaço para um diálogo entre
culturas, sem jamais sobrepô-las (Zanatta, 2009), pois a exploração das diferenças é uma
ferramenta para a aprendizagem da língua, auxilia na compreensão do outro e se constitui
um elemento facilitador da desejada integração (Revuz, 1998).
Com este artigo temos a intenção de apresentar um breve panorama das ações de po-
líticas linguísticas adotadas na Instituição, tendo como base a tríade ensino, pesquisa e
extensão. Abordamos especificamente a experiência vivenciada com o ensino e pesquisa
em Português como Língua de Acolhimento (PLAc) e a criação do Grupo de Estudos

1. Cf. Vídeo Institucional do CEFET-MG. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Qy0NuajL5zk


2. Cf. Coura-Sobrinho et al. 2017; Tosatti et al. 2016;
3. Cf. o documentário “Um olhar estrangeiro”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dJIrSqcQyPw

480 | XXIX Encontro AULP


Migratórios: Acolhimento, Linguagens e Políticas (GEMALP). A importância e justifica-
tiva para a realização de pesquisas sobre a relação entre a linguagem, a educação e coesão
social, surgem porque um bom nível de proficiência na(s) língua(s) do novo país é a
principal dificuldade enfrentada pelos imigrantes no Brasil (Instituto de Pesquisas Econô-
micas Aplicadas, 2015).

2. O Português como Língua de Acolhimento (PLAc)


O termo Língua de Acolhimento (LAc) corresponde aos termos host language (Ra-
jput, 2012), langue d’acueil (Candide, 2001) e lengua de acogida (Aranda & El Madkou-
ri, 2005) e refere-se à aprendizagem de uma língua não-materna (LNM) em um contexto
migratório, cujo principal objetivo é a integração ao país de acolhimento de falantes pro-
venientes de lugares em situações de guerra, de precariedade econômica, social ou políti-
ca. Trata-se, portanto, de imigrantes Imigrantes Deslocados Forçados (López, 2016) ou
pertencentes ao cenário de Imigração de Crise (Clochard, 2007; Baeninger & Peres,
2017). Segundo relatório “Tendências Globais” do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR, 2017) estima-se que diariamente 44,5 mil pessoas são obriga-
das a se deslocarem. Trata-se de um deslocamento a cada dois segundos em todo o mun-
do, dos quais 85% deles representam pessoas em condição de refúgio que estão migrando
para países em desenvolvimento, dentre eles, o Brasil. Assim, uma especificidade da Lín-
gua de Acolhimento é que a aquisição/aprendizagem da língua acolhedora se insere num
ambiente de maior pressão social e tem necessidades linguísticas precisas que promovam
o conhecimento sociocultural.
O início dos estudos sobre o PLAc (Grosso, 2010) e o seus desdobramentos encon-
tram fundamentação semelhante ao conceito de Português Língua Não-Materna (PLNM)
em Portugal nos anos 80, ou seja, por um cariz geoestratégico (Pinto, 2007). Nesse sen-
tido, o PLAc está inserido no contexto pós-moderno, em que os sujeitos e as sociedades
não têm uma identidade fixa ou permanente (Hall, 2003), características de um contexto
global formado e transformado por mudanças constantes, características da globalização.
Como afirma Giddens (1990):

“À medida em que áreas diferentes do globo são postas em interconexão umas com as
outras, ondas de transformação social atingem virtualmente toda a superfície da terra e a
natureza das instituições modernas” (Giddens, 1990:6)

No Brasil, tem-se adotado Língua de Acolhimento como definido no verbete de São


Bernardo(2016), incluído no Dicionário de Imigrações4, e também os conceitos em pro-
duções nacionais (Amado, 2013; Anunciação, 2018; Costa, 2017; Costa & Silva, 2018).
Ainda que haja poucas pesquisas sobre o PLAc, há projetos relevantes como pode ser
observado no levantamento de (López & Diniz, 2018) (Costa & Sá, 2018).
A aprendizagem da língua de acolhimento deve contribuir, portanto, para a interação
do imigrante transplantado de outros territórios (Amado, 2011) na vida cotidiana, nas

4. Para mais informações do verbete Língua de Acolhimento de autoria da Dra. Mirelle São Bernardo e Dra.
Lúcia Maria Barbosa, consultar: http://periodicos.unb.br/index.php/obmigra. Data de acesso: 29 maio 2019

XXIX Encontro AULP | 481


convenções sociais mais urgentes e necessárias para sua sobrevivência na sociedade de
acolhimento. O PLAc busca criar agenciamentos linguísticos para estas demandas.
Assim, o foco comunicativo e nas necessidades mais imediatas como produzir currí-
culos e realizar entrevistas de trabalho, compreender os aspectos culturais do país acolhe-
dor, conversar com profissionais sobre direitos e deveres sociais outros (Costa & Sá,
2018). No processo de ensino e aprendizagem de PLAc são privilegiadas ações que, con-
forme indica Caldeira (2012),

“promovam o conhecimento sociocultural, o saber profissional, a consciência intercultural,


as relações interpessoais, bem como a partilha de saberes, favorecendo a interajuda e ultra-
passando estereótipos pela interação e pelo diálogo intercultural”. Caldeira (2012:50).

Ao enquadrar o PLAc no contexto migratório do século XXI, marcado pelos impera-


tivos de um mundo em movimento, e na internacionalização das instituições, percebemos
a importância do fortalecimento de um conceito de internacionalização voltada para a
educação globalizada, que tenha como meta “contribuições para o desenvolvimento de
uma mentalidade global” (Crosling, Edwards & Schroder, 2008), consciente, criativa e
“culturalmente inteligente” (Deardorff, 2006). E nesse sentido, o ensino e aprendizagem
de PLAc se preocupa com uma postura necessariamente transversal e transdisciplinar,
democrática, que possa refletir sobre o papel da linguagem e mais especificamente da
Língua Portuguesa como língua transnacional e internacional no cenário geopolítico e
sociolinguístico global.
De acordo com Lopes (2013):

Essa mudanças são essencialmente construídas pelo discurso, tendo em vista a relevância
que a linguagem ocupa em um mundo de fluxos rápidos nas redes digitais e nos atravessa-
mentos das fronteiras físicas e cibernéticas da globalização” (Lopes, 2013, p. 11).

3. O PLAc no CEFET/MG
O ensino do Português como Língua de Acolhimento (PLAc) refere-se a uma nova
situação socioeducativa nos estudos linguísticos do Português Língua Estrangeira (PLE).
Trata-se de uma abordagem desenvolvida com o objetivo de assistir às demandas de um
novo público, composto principalmente por imigrantes em situação de vulnerabilidade,
imigrantes em condição de refúgio, portadores de visto humanitários e apátridas. Um
projeto de ensino construído no intuito de promover a autonomia linguística desses imi-
grantes e auxiliá-los a pertencer a uma nova sociedade.
Inserido no projeto de internacionalização da Língua Portuguesa (Oliveira, 2013), o
PLAc tem como norte uma prática didática-pedagógica crítica e não prescritiva de agen-
ciamento da questão migratória. É uma prática transversal e multidisciplinar, em que é
necessário recorrer a outras áreas do saber como o Direito Internacional, Geopolítica,
Direitos Humanos, Sociologia etc.
No CEFET/MG, o projeto de extensão Português como Língua de Acolhimento
(PLAc) tem ensinado o Português Brasileiro para imigrantes, refugiados e portadores de
visto humanitário gratuitamente. Em funcionamento desde o segundo semestre de 2016,

482 | XXIX Encontro AULP


já acolheu mais de 300 alunos de 33 diferentes nacionalidades, conforme pode ser obser-
vado no gráfico 1:

Gráfico 1 – Nacionalidades dos alunos do PLAc desde a criação do projeto


Fonte: Secretaria de Relações Internacionais do CEFET/MG (2019). Disponível em:
http://www.sri.cefetmg.br/wp-content/uploads/sites/84/2017/08/Gr%C3%A1fico.png

Atualmente o projeto atende a 138 alunos, sendo 126 adultos e 12 crianças de 26


diferentes nacionalidades. As crianças, inclusive, frequentam o curso que denominamos
Plaquinho, sob a supervisão de duas pedagogas fixas e três ocasionais. Organizado em
níveis de proficiência, o curso tem 02 salas de básico, 02 de intermediário e 01 de avan-
çado (com preparatório para o exame Celpe-Bras) e é realizado por meio de encontros
semanais de 4h/aula (60h por semestre). As atividades dos cursos são planejadas com a
intenção de promover diversidade, riqueza sociocultural e linguísticas dos grupos, com
foco em práticas para a promoção da cidadania global e alteridade que se preocupam em
“questionar o cotidiano e as relações de poder, apreciar realidades e pontos de vista va-
riados, analisar as culturas populares (...) e agir para promover a justiça social” (Lewison
& Leland, 2002, p. 109).
Dessa forma, os cursos de PLAc no CEFET-MG se enquadram no âmbito da interna-
cionalização das instituições e estabelece um lugar especial para o português, conforme a
Portaria 30 do Programa Idiomas Sem Fronteiras de 26 de janeiro de 20165. Por fim,

5. Para mais informações, consultar: http://isf.mec.gov.br/images/2016/janeiro/Portaria_n_30_de_26_de_


janeiro_de_2016_DOU.pdf

XXIX Encontro AULP | 483


destacamos a Resolução nº 15/20196 do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE)
do CEFET-MG, uma política de acolhimento a imigrantes, pessoas com visto humanitá-
rios e refugiados que prevê ofertas de 5% das vagas ofertadas na Educação Profissional
Técnica de Nível Médio e nos cursos de Graduação por meio de chamada pública.

4. Grupo de Estudos Migratórios: Acolhimento, Linguagens e Políticas


(GEMALP)
Em 2018, devido à chegada de novos pesquisadores do Português Língua Não-Mater-
na (PLNM) do CEFET-MG, o projeto se fortaleceu e novas diretrizes foram (e têm sido)
postas em prática – como a criação de um Grupo de Estudos Migratórios que articula
perspectivas de Acolhimento, Linguagens e Políticas: o GEMALP. Desde então, temos
ampliado nosso público e escopo – passando a receber os imigrantes independente da sua
condição migratória, já que entendemos que se a perspectiva do acolhimento do projeto é
excludente, ela contradiz a si mesma. Além disso, frequentemente o grupo tem organi-
zado seminários e propostas de diálogo com os imigrantes e acadêmicos, participado
ativamente de eventos acadêmicos nacionais e internacionais, publicado em revistas e
periódicos.
O GEMALP está cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPQ) junto ao Grupo de Pesquisa INFORTEC, e as reuniões do
GEMALP são realizadas aos sábados após as aulas (de 18h às 20h) e durante os encontros
são tratados diversos assuntos como avaliação das aulas, demandas a serem resolvidas,
organização dos eventos e seminários, discussão de textos pertinentes à pesquisa em
PLAc. O GEMALP também atua no projeto Acolhe Minas, uma rede que envolve várias
instituições de ensino de Belo Horizonte e tem por objetivo acolher os refugiados vene-
zuelanos, parte do programa federal de interiorização desses imigrantes. O GEMALP é
responsável pelas aulas de PLAc para os grupos que chegam a cada 6 meses. Atualmente
contamos com a participação de pesquisadores em PLAc do nível doutorado do Programa
em Estudos de Linguagens do CEFET-MG e da Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), além de graduandos em Letras Tecnologia de Edição
do CEFET-MG.
Na sequência apresentamos as justificativas e objetivos do GEMALP.
Justificativas do GEMALP
– Perspectiva inédita e inovadora no estado de Minas Gerais;
– Necessidade de dar visibilidade ao tema migratório (e aos imigrantes), em especial
ao PLAc como Política Linguística;
– O grupo formaliza o nosso trabalho e se posiciona como uma ação de política lin-
guística;
– Carência de grupos de estudo/pesquisa sobre a temática do PLAc em Minas Gerais;
– Promove os Direitos Humanos, sendo por meio da língua que os imigrantes podem
ter acesso aos outros direitos como saúde, educação etc.

6. Para mais informações, consultar: https://www.cefetmg.br/galeria/download/2019/05/RES_CEPE_15_19.


pdf

484 | XXIX Encontro AULP


– Integração dos alunos do Programa em Estudos de Linguagens com alunos da Gra-
duação em Letras, ambos do CEFET-MG, com a comunidade migrante e civil.
Objetivos do GEMALP:
– Levantar informações metodológicas, técnicas e práticas sobre temas relacionados à
migração e em especial, sobre Língua de Acolhimento e políticas linguísticas;
– Valorizar a diversidade linguística dos imigrantes;
– Identificar conteúdos de atualidades sobre Língua de Acolhimento e políticas lin-
guísticas para servir de atualização e formação constante do grupo de pesquisado-
res/professores;
– Incentivar atualização metodológicas por meio de leituras sobre migração e apren-
dizagem de Língua Não Materna;
– Realizar um seminário por semestre;
– Promover o diálogo entre os pares (pesquisadores em Português como Língua de
Acolhimento, migrantólogos, sociólogos etc)

Em menos de um ano, o GEMALP participou de diversos eventos, publicou suas pes-


quisas em periódicos acadêmicos (Costa & Silva, 2018), deu entrevistas para canais lo-
cais e revistas acadêmicas7, organizou eventos com temáticas sobre a relação entre lin-
guagem e migração (I Diálogos em Rede: Mulheres Migrantes; II Diálogos em Rede:
Literatura de Diáspora). O objetivo principal dos eventos organizados pelo GEMALP é
fomentar momentos de troca de saberes entre os alunos, a comunidade migrante de Belo
Horizonte e região metropolitana, acadêmicos e demais interessados no tema. Importante
mencionar que o GEMALP faz questão da participação dos alunos nos eventos acadêmi-
cos organizados pelo grupo, uma vez que o grupo considera fundamental que os partici-
pantes de pesquisam estejam presentes no diálogo com os acadêmicos. Estamos de acor-
do com Arantes, Deusdará e Rocha (2017):

Trata-se, antes, de propiciar encontros que provoquem uma interlocução em língua portu-
guesa, na certeza de que os textos produzidos e os laços que então se criam são promotores
de uma certa qualidade de sociabilidade que trará ao refugiado aquilo que lhe falta: a garan-
tia de estar construindo um aqui e um agora estreitamente implicados com a produção de
sua subjetividade. (p. 284)

Um dos grandes desafios que o GEMALP tem enfrentado é a ausência de políticas


linguísticas e políticas públicas para o PLAc no âmbito federal, estadual e municipal
(Costa & Silva, 2018; Silva & Oliveira, 2017). E ainda que isso suceda, o grupo tem en-
contrado forças para manter o projeto, as aulas e as pesquisas graças a colaboração da
Secretaria de Relações Internacionais (SRI) do CEFET-MG, dos professores-pesquisado-
res em PLAc da instituição, além do valioso apoio dos alunos.

7. Para mais informações, consultar em: http://minasfazciencia.com.br/2019/02/08/reconhecimento-e-inte-


gracao-de-imigrantes-no-brasil/

XXIX Encontro AULP | 485


5. Considerações finais
Embora o Brasil seja signatário das principais convenções e tratados sobre o refúgio
como os marcos legislativos internacionais: ONU 1951, Genebra 1967 e nacionais: Lei
9474/1997e Lei 13.445/2017, não há nesses documentos políticas linguísticas para imi-
grantes deslocados à força no país (COSTA e SILVA, 2018). E assim, o ensino-aprendi-
zagem do Português como Língua de Acolhimento (PLAc) acaba por assumir uma res-
ponsabilidade originalmente do poder público: a garantia de acesso à língua.
Acreditamos que o projeto PLAc no CEFET-MG tem atuado como um instrumento
para que os imigrantes mitiguem “as amarras da estigmatização, despertando para os jo-
gos das diferenças e semelhanças” (Pereira, 2017, p.131). A língua, portanto, se apresenta
não apenas como um instrumento de comunicação, mas também como um elemento na
luta contra a desproteção inicial da chegada a um território geográfico, social e cultural
desconhecido. As ações de internacionalização no CEFET-MG, em especial às do projeto
PLAc, são significativas para a integração do imigrante à nova sociedade, permitindo-lhe
mais autonomia e possibilidade de atuação social, econômica e política.
Destacamos as iniciativas do recente grupo GEMALP na internacionalização da uni-
versidade por meio dos cursos de PLAc, da organização de seminários, participação em
eventos nacionais e internacionais, além da produção de pesquisas sobre a relação entre
linguagem e migração. Tais propostas têm demonstrado maior abertura para a participa-
ção dos imigrantes nos debates acadêmicos (seminários) e no espaço público escolar.

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488 | XXIX Encontro AULP


Língua como elemento de coesão social:
o caso do Umbundu em Angola

Joana Quinta, Ph.D


Universidade Katyavala Bwila – ISCED – Benguela; E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO
A língua é um dos elementos de identificação, pois diferencia a forma como as pesso-
as se expressam e veem as coisas; como compreendem e interpretam o mundo. O Portu-
guês, sendo maioritariamente língua segunda dos angolanos, surgiu como uma opção
neutra e única que permitiu e permite à nação angolana o seu contacto com o mundo
exterior. Assim, optou-se pelo Português como língua oficial de Angola, colocando o
interesse nacional à frente de qualquer preconceito nacionalista.
No dizer de Fromkin & Rodman, (1993) a língua e a sociedade estão intimamente
relacionadas. Assim, o domínio das línguas é importante para a socialização das pessoas.
Neste sentido, Angola apesar de ser um país multilingue, o seu ensino formal era mono-
lingue, sendo a língua portuguesa a única língua do ensino e da administração. As línguas
angolanas excluídas do ensino formal até 2008 são agora integradas por fases no sistema
de ensino, iniciando na primária, quatro anos após a paz nacional estabelecida em 2002
(Patatas e Quintas, 2019)
Nesta sequência, Quino (2002: p. 146) diz que “a situação linguística angolana é,
culturalmente, distinta quanto às diversidades de etnias existentes no país, realizando as
funções socioculturais e identitárias da comunidade. Em Angola cruzam-se seis línguas,
de carácter mais amplo: Umbundu, Quimbundu, Quikongo, Cokwe, Fiote, Cuanhama”.
Assim “todas as línguas nacionais são estruturalmente diferentes e pertencem a duas
grandes famílias linguísticas: a família das línguas bantu e a das línguas não bantu.“
(Costa, 2015: p. 18).
Deste modo, tal como o Português exerce a função de unidade nacional, a Língua
Umbundu também tem a mesma função. Não só por ser a segunda língua mais falada
depois do português, mas porque os falantes dessa língua que se situam no corredor Cen-
tro Sul de Angola, que corresponde às províncias de Bié, Huambo, Benguela, uma parte
do Kwanza Sul e outra da província da Huíla, estão espalhados em quase todas as provín-
cias de Angola. Aí constituíram grandes comunidades, sobretudo em Luanda. Pode dar-se
o exemplo da zona de Kacuaco, Viana entre outras. Aí, os ovimbundu são a maioria.
Neste sentido, o Umbundu não é apenas falado no corredor Centro Sul, mas em todo o
país, unindo pessoas e famílias pelo fato de terem o mesmo idioma. Além disso, o povo
umbundu identifica-se pela sua simplicidade e irmandade, ou seja, é comum, nas zonas
dos ovimbundu, as pessoas saudarem indivíduos estranhos. A língua e a sociedade estão
relacionadas como já foi referenciado, ou seja, a língua influencia a cultura e a cultura que
é visível na vivência do povo, também é evidente na língua.

XXIX Encontro AULP | 489


O objetivo deste estudo é mostrar que o domínio da língua Umbundu como meio de
socialização contribui para uma verdadeira coesão social em Angola. Para a concretiza-
ção deste objetivo, optou-se pelo método bibliográfico, para se saber o que os autores
dizem sobre o tema. Outrossim, recorreu-se a fontes orais para a recolha de informações
junto de falantes de Umbundo.

1. Línguas em angola
Em cada sociedade há diversas variáveis que influenciam o seu funcionamento como:
escolas, políticas, agentes educativos, estruturas, culturas, o contexto histórico. Neste
sentido, a 11 de Novembro de 1975, Angola tornou-se independente seguido de um longo
período de guerra civil, que deslocou pessoas e famílias inteiras para quase todas as pro-
víncias. Este facto fez com que as comunidades dos ovimbundu fora do Centro Sul do país
crescessem em número. Deste modo, os hábitos e costumes desse povo são vividos aí
onde se encontram, sobretudo a irmandade e a simplicidade.
No dizer de (Costa, 2015: p. 143). “A realidade de Angola é muito diversificada, cons-
tituída por grupos étnicos diferentes, por culturas diferentes que coabitam no mesmo es-
paço nacional, sem por vezes se aperceberem e naturalmente os idiomas e os falares são
diversos.” Angola sendo um país em reconstrução em todos os âmbitos, incluindo o da
educação às mentalidades para uma coesão social, é urgente o incentivo o povo à neces-
sidade de criar pontes entre o seu passado histórico e o seu presente, a fim de se perspeti-
var um futuro promissor e estável.

2. Evolução Histórica
O hoje das sociedades está ligado ao desenvolvimento global do mundo. Assim, as
línguas ganham vitalidade dentro do sistema educativo. Neste sentido, historicamente as
línguas angolanas na educação formal passaram por exclusão, visto que na época colo-
nial, as línguas angolanas foram excluídas do ensino.
As línguas angolanas começaram a ser mais valorizadas, sobretudo após a paz nacio-
nal alcançada em 2002. Para Chicumba (2013: p. 8) “as línguas nacionais constituem,
irrefragavelmente a base fundamental da identidade cultural do povo Angolano. Elas re-
sistiram ao longo dos tempos ao processo da glotofagia em que estavam sujeitas enquan-
to prevaleceu o regime colonial e se fortaleceram na unidade dos seus povos”. Nesta linha
de pensamento, Carvalho (2008: p. 141) comenta que “no processo de devir histórico e
cultural, começa-se, gradativamente, a valorizar as línguas nacionais, por constituírem, a
par do Português, um património histórico-cultural”. Neste sentido, o povo umbundu que
possui características peculiares, pode contribuir para a harmonia nacional e para o desen-
volvimento social. Para tal a escola tem de exercer o seu papel de ensinar e difundir essa
língua de um modo especial.
Nesta sequência, Chicumba (2013: p. 9) reforça dizendo que “as línguas nacionais
constituem a base fundamental da preservação da herança e identidade culturais dos po-
vos, transmitidas durante séculos das gerações tradicionais às novas gerações. Por conse-
guinte, a escolarização deve constituir-se como tarefa primária para a sua manutenção”.
Falando de heranças e de transmissão de culturas, hábitos e costumes, o Papa Francisco
na sua Encíclica “Cristo Vive” diz que a vivência dos adultos deve ser profunda. É esta

490 | XXIX Encontro AULP


profundidade de vida que devem transmitir aos jovens, para que eles continuem o proces-
so de criação do mundo em mutação com convicções construtivas. A essa profundidade,
o Papa chama de “raízes”; uma vida enraizada. Assim, uma cultura vivida com profundi-
dade não desaparece (Francisco, 2019), passa de geração em geração.
No Artigo 19º da Constituição da República (2010: p. 11), é dito que “o Estado valori-
za e promove o estudo, o ensino e a utilização das demais línguas de Angola”. E no Artigo
21º, alínea n) diz ser função do Estado “proteger, valorizar e dignificar as línguas angola-
nas de origem africana, como património cultural, e promover o seu desenvolvimento,
como línguas de identidade nacional e de comunicação”; na alínea m) Promover o desen-
volvimento harmonioso e sustentado em todo o território nacional, protegendo o ambiente,
os recursos naturais e o património histórico, cultural e artístico nacional (p. 10).
Ainda na Constituição da República de Angola (2010, p. 30), Artigo 87.º (Património
histórico, cultural e artístico) expõe:

1. Os cidadãos e as comunidades têm direito ao respeito, valorização e preservação da sua


identidade cultural, linguística e artística.
2. O Estado promove e estimula a conservação e valorização do património histórico, cul-
tural e artístico do povo angolano.

Neste sentido, ainda acrescenta-se dizendo que a Lei 17/16, de 7 de outubro, Artigo
16º, alínea 2, refere que “o Estado promove e assegura as condições humanas, cientifico-
-técnicas, materiais e financeiras para a expansão e generalização da utilização no ensino,
das demais línguas de Angola”.
Tal como a língua portuguesa é importante em Angola por ser um vetor para a unifi-
cação da nação. O ensino de línguas angolanas também o é e segue as diretrizes da Decla-
ração Universal dos Direitos Linguísticos (UNESCO: 1996) que considera que
Os direitos coletivos dos grupos linguísticos podem incluir ainda (...) de acordo com
as especificações do ponto 2 do artigo 2°:

O direito ao ensino da própria língua e da própria cultura;


O direito a dispor de serviços culturais;
O direito a uma presença equitativa da língua e da cultura do grupo nos meios de comunicação;
O direito a serem atendidos na sua língua nos organismos oficiais e nas relações socioeco-
nômicas. (p.5)

A importância e vantagens do conhecimento e ensino das diferentes línguas de um


território foi enfatizada pela Associação Mundial de Escritores (PEN) (2011), no seu
Manifesto de Girona, onde proclamou os dez princípios centrais da Declaração Universal
dos Direitos Linguísticos e que são:

1. A diversidade linguística é um património da humanidade que deve ser valorizado e


protegido.
2. O respeito por todas as línguas e culturas é fundamental no processo de construção e
manutenção do diálogo e da paz no mundo.

XXIX Encontro AULP | 491


3. Cada pessoa aprende a falar no seio de uma comunidade que lhe dá a vida, a língua, a
cultura e a identidade.
4. As diversas línguas e os diversos falares não são só instrumentos de comunicação; são
também o meio em que os seres humanos crescem e as culturas se constroem.
5. Qualquer comunidade linguística tem direito a que a sua língua seja utilizada oficialmen-
te no seu território.
6. O ensino escolar deve contribuir para prestigiar a língua falada pela comunidade linguís-
tica do território.
7. O conhecimento generalizado de diversas línguas por parte dos cidadãos é um objectivo
desejável, porque favorece a empatia e a abertura intelectual, ao mesmo tempo que contri-
bui para um conhecimento profundo da língua própria.
8. A tradução de textos – particularmente dos grandes textos das diversas culturas – repre-
senta um elemento muito importante no necessário processo de maior conhecimento e res-
peito entre os homens.
9. Os meios de comunicação são altifalantes privilegiados quando se trata de tornar efectiva
a diversidade linguística e de prestigiá-la com competência e rigor.
10. O direito ao uso e protecção da língua própria deve ser reconhecido pelas Nações Uni-
das como um dos direitos humanos fundamentais.

Neste prosseguimento, mais de metade da população angolana fala português, sobre-


tudo, em zonas urbanas, sendo o umbundo a segunda língua mais falada a nível do país a
seguir ao português.
A nível nacional o ensino das línguas locais iniciou em 2008, em algumas escolas
como experimentação e até agora este ensino não se faz sentir em todas as escolas. No
entanto, o ensino destas línguas é deveras importante, porquanto os entrevistados referi-
ram algumas vantagens no uso das línguas locais, neste caso, o uso do umbundu falado na
zona Centro Sul. Para esse efeito, numa conversa informal, com 10 professores bilingues
do ISCED de Benguela sobre vantagens do domínio e uso do Umbundu, tivemos como
contributo as seguintes:
• A interação e a comunicação com todos os falantes de diferentes faixas etárias.
• O resgate de vários valores culturais;
• Diminuição de conflitos internos;
• Compreensão e aceitação do cultura do outro;
• Redução de problemas étnicos;
• Pensamento criativo;
• Partilha de valores culturais verdadeiramente angolanos;
• Identificação de culturas nacionais e preservação das mesmas;
• Identidade pessoal e sua aceitação;
• Conhecimento cultural do contexto em que se vive
• Vivência profunda da vida do dia a dia.
• Competências na transmissão de valores aos jovens.

Estas vantagens resumem-se na aceitação da própria pessoa e na aceitação do outro. E


isto é base para uma vivência equilibrada numa comunidade local e nacional. A coesão
social não é mais senão estes aspetos entre os seres vivos. Indivíduos com esses princí-

492 | XXIX Encontro AULP


pios, facilmente integram-se em diferentes comunidades. Assim, os ovimbundu espalha-
dos por Angola mostram a sua solidariedade, alegria, simplicidade, trabalho que liberta o
homem (não importando qual; concretamente, em Luanda homens que empurram carros
de mão são do Centro Sul).

3. Educação desde a infância


Angola vive um período pós-conflito afetado pela guerra civil, tal como já foi referen-
ciado. Por isso é necessário manter uma educação para a paz ensinando as crianças a
compreenderem a diversidade cultural e linguística, o respeito pelo outro, a promoção do
diálogo intercultural, assim como o “direito das várias culturas à sua identidade e ao seu
reconhecimento” (Martins in Amaro, 2002: p 22).
Frequentemente, ouve-se dizer que as crianças/jovens são o futuro de amanhã, tal
como Gandhi dizia se queremos alcançar a verdadeira paz no mundo e travar uma guerra
contra a guerra teremos que começar pelas crianças. Nesta sequência acrescenta Cole (in
Amaro, 2002: p.185)

se há esperança para a paz no mundo, ela reside nos nossos cidadãos mais jovens. Se que-
remos ter paz, temos de ensinar as nossas crianças a respeitarem-se umas às outras, a res-
peitarem a diversidade de valores”. A autora realça que “com crianças pequenas, as mensa-
gens de educação para a paz começam por lhes fornecer vias de aprendizagem sobre as suas
próprias culturas.

Nesta linha de pensamento, uma educação familiar e escolar para a aceitação própria,
para o respeito, a irmandade desde pequeno pode contribuir para a coesão social em An-
gola. É evidente que estas duas entidades são cruciais na vida e na formação de uma
criança. Assim, a sua aprendizagem faz-se em dois tempos “o primeiro é a sua abertura
pessoal-corporal, emocional e mental – a algo novo. O segundo é o da incorporação do
novo em sua maneira particular de viver a vida” (Casassus: 2007, p. 34). Aqui está a im-
portância de os adultos transmitirem, profundamente os valores culturais aos mais novos,
a fim de que eles cresçam com raízes firmes (Francisco, 2019). “A educação escolar vem
sendo considerada como um processo que permite às crianças terem acesso a uma cultura
universal, pela qual poderiam construir uma autonomia pessoal.” Gatti (prólogo de Ca-
sassus: 2007, p. 22).

4. Desenvolvimento da personalidade da Criança


O processo do desenvolvimento integral de uma criança, normalmente é influenciado
por alguns conhecimentos sob a forma de convicções, crenças ou atitude que é um ser in-
terno de qualquer pessoa transformando-se em reações emotivas refletidas que são apren-
didas e experimentadas quando a pessoa é posta perante um objeto (Patatas e Quinta, 2019).
Neste sentido, a importância recai também no acompanhamento familiar e não apenas
ao contexto escolar. Pois é no seio familiar e numa determinada cultura onde se aprende
e se aprofunda a noção de atitude, tendo em conta os elementos psicomotores e cognitivos
que os pais ou encarregados de educação devem evoluir. Assim, qualquer educador que
deseja criar nos seus filhos ou educandos atitudes, dispõe de vários meios de intervenção

XXIX Encontro AULP | 493


(Gingras: 1999). Pode fazer com que eles adquiram conhecimentos que influenciem as
suas convicções. Esta atitude pode facilitar a realização de experiências personalizadas
onde as emoções ou sentimentos apropriados, agradáveis ou desagradáveis convivam, de
acordo aos objetivos a alcançar.
Neste prosseguimento, no contexto escolar, pode ensinar-se atitudes apoiando-se em
atitudes já adquiridas no seio familiar. Visto que os ensinamentos dos pais são os funda-
mentos da construção de novas aquisições. Desta forma, quem ensina deve procurar nos
seus alunos pontos de apoio onde assentar as suas intervenções. Pontos de apoio que po-
dem ser o que os alunos já sabem, o que eles gostam; o comportamento que aumenta a sua
motivação como a delicadeza, a irmandade, a honestidade ou experiências agradáveis que
viveram (Gingras: 1999, p. 158).
Deste modo, “o aluno aprende uma atitude mais facilmente e em menos tempo, se
quem ensina dedicar primeiro algum tempo e trabalho a demonstrar-lhe o significado e
consequências pessoais dessa aprendizagem” (Gingras: 1999, p.159). Esta é uma maneira
de criar na criança atitudes de confiança. Assim será esta confiança que a fará crescer
enraizada nos valores culturais da sua comunidade, contribuindo para a sua coesão.
Quando se fala do processo de desenvolvimento é importante salientar a experiência
social que também tem a ver com a relação da linguagem e do pensamento. Nesta linha
de pensamento Piaget e Vygotsky destacam a importância da mudança evolutiva verifica-
da na formação dos conceitos gerais e abstractos. Na visão de Piaget:

Este progresso é o resultado de uma elaboração das estruturas operacionais que derivam da
interiorização da ação. A perspectiva de Vygotsky sublinha as origens sociais das funções
mentais superiores e o papel dos instrumentos psicológicos nomeadamente da linguagem.
Mas para os dois autores, a tomada de consciência, portanto o carácter consciente e volun-
tário, e uma organização num sistema hierárquico, estão na base da evolução verificada
quando da formação dos conceitos científicos abstractos. (MARTINS: 1998, p. 19).

As funções psicológicas do pensamento possibilitam ao indivíduo o domínio do seu


próprio procedimento, isto é, graças a elas o homem age de forma consciente e intencio-
nal. De acordo com Vigotski (2001), esses processos não são inatos são adquiridos. As-
sim, para o seu desenvolvimento é preciso uma interação social, decorrida por meio da
linguagem e do contexto onde se encontra inserido. Deste modo, uma aprendizagem or-
ganizada é essencial, visto ser responsável por ativar o desenvolvimento de funções psí-
quicas da criança.
Na aprendizagem infantil a língua é um dos elementos de identificação, pois diferen-
cia a forma como as crianças se expressam e veem as coisas; como compreendem e inter-
pretam o mundo; é um veículo que permite transmitir pensamentos e sentimentos por
meio da comunicação e interação com todos os seres. Neste sentido, os pais, encarregados
de educação e professores devem saber diversificar a sua maneira de transmitir os conhe-
cimentos linguísticos, contando estórias, contos, provérbios, expressões idiomáticas (lin-
guagem própria determinada comunidade) entre outras formas, mostrando a importância
das línguas, no caso de Angola, tendo em conta o bilinguismo, promover a interculturali-
dade e valorizar, da mesma forma, as culturas e as línguas. (Amaro: 2002).

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5. Algumas conclusões
Angola como todos os países africanos é um país multicultural e plurilingue. Além do
Português, o centro sul do país fala maioritariamente o Umbundu. Historicamente o Por-
tuguês é língua de escolarização e de Estado. Foi assim, instituída por ter o papel unifica-
dor de comunidades linguísticas diferentes. No entanto, nesta investigação notamos que
o Umbundu também joga o papel de unir o país, por ser falado em quase todo espaço
nacional. Além da escola focamos também a família como um espaço onde se pode de-
senvolver uma educação para compreender o outro, para o conhecimento e valorização
das diferentes culturas. Acredita-se que a promoção e a vivência da coesão social podem
ser incentivadas e incutidas nas crianças desde o seio familiar. Focou-se na importância
de os adultos viverem profundamente os valores culturais e serem bons transmissores
desses valores aos mais novos.
Partindo das características do desenvolvimento infantil acredita-se que é de peque-
nos, que se deve ensinar os valores culturais a partir da aquisição da língua local. São os
valores desta língua que vão moldar o indivíduo dentro da sua comunidade, como é evi-
dente no domínio e uso do provérbios, expressões idiomáticas entre outros recursos. As
conversas informais com 10 professores bilingues do ISCED de Benguela mostram-nos
as vantagens do domínio do Umbundu que são, essencialmente, a aceitação própria do
indivíduo e a aceitação do outro. Levando, assim este facto, a uma vivência harmoniosa,
ou seja, uma coesão social.
Acredita-se que as duas entidades já referenciadas (família e escola) jogam um papel
importantíssimo na transmissão de valores culturais, de conhecimentos, do passado his-
tórico, de bases profundas, para que os mais novos continuem a gerir o mundo assente em
raízes profundas de sabedoria e de humanidade. Pode parecer uma visão irrealizável,
contudo, o provérbio português diz que “è de pequeno que se torce o pepino”

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496 | XXIX Encontro AULP


Colaboração luso angolana para formação de excelência
em ciências do mar em África

Maria Alexandra Anica Teodósio


Vice-reitora da Universidade do Algarve, Centro de Ciências do Mar,
Campus de Gambelas, 8005-327 Faro, Portugal
E-mail: [email protected]

Carmen Van-Dúnem Santos


Docente da Universidade Agostinho Neto, Luanda,
Coordenadora da Universidade de Pescas e Ciências do Mar do Namibe, Moçâmedes
E-mail: [email protected]

Filomena Velho
Presidente do Instituto Nacional de Investigação Pesqueira e Marinha, Luanda
E-mail: [email protected]

Introdução
A existência em África de uma costa extensa e rica em biodiversidade e recursos
marinhos exige uma exploração e gestão sustentáveis e tal deve ser baseado em capaci-
tação a nível de pós-graduação. Tal inclui um vasto leque de ecossistemas marinhos de
grande produtividade (ex. corrente de Benguela, mangais, estuários, baías). A capacida-
de de investigação e de formação ao nível de programas de doutoramento nacionais e
internacionais na área do mar da Universidade do Algarve, as condições de excelência
a nível laboratorial e de campo-mar (ex. navios oceanográficos) da Faculdade de Ciên-
cias da Universidade Agostinho Neto, o Instituto Nacional de Investigação Pesqueira e
Marinha e a Academia de Pescas e Ciências do Mar do Namibe (doravante Universida-
de de Pescas e Ciências do Mar do Namibe) suscita uma complementaridade perfeita
entre os parceiros. O desenvolvimento de um programa de doutoramento na área das
Ciências do Mar entre os dois países, (em cotutela e/ou associação) visa valorizar o
processo de internacionalização do ensino superior e da investigação científica e tecno-
lógica em Portugal e Angola, permitindo capacitar quadros avançados, sem a necessi-
dade de períodos longos de ausência no estrangeiro, fomentando a disseminação do
conhecimento, de modo a garantir que as ciências e tecnologias do mar forneçam res-
postas para o desenvolvimento global e dos oceanos mais sustentável, mais justo, mais
equitativo e mais inclusivo.

1. Âmbito da formação avançada e colaboração prévia


A Formação proposta resulta da necessidade de ter uma resposta integrada dos Obje-
tivos ao Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Nações Unidas, tal como estes se colo-
cam de forma particular em África e naquilo em que estes dependem do conhecimento e
da capacidade de inovação residente nas Universidades Luso-Angolanas;

XXIX Encontro AULP | 497


– A necessidade de assumir agendas de investigação e inovação alinhadas com os
ODS e integradas em redes internacionais, o que requer colaboração e especializa-
ção inteligente a nível da região africana;
– A necessidade de garantir um impacto positivo e continuado na região, o que requer
escala e coordenação a nível regional;
– A necessidade de ajustar a nível da região africana a oferta formativa de forma co-
ordenada e, simultaneamente, de promover ambientes internacionais de formação;
– A necessidade de promover de forma estruturada e complementar a formação avan-
çada na área das Ciências do Mar seja para permitir a requalificação de quadros su-
periores da região africana.

Figura 1 – O lançamento oficial do projeto LuandaWaterFront foi realizado em dezembro de 2018, no dia 4,
na presença da Sra. Ministra do Mar e das Pescas de Angola, Dra. Victoria de Barros Neto. Teve como
objetivo a divulgação do projeto para os interessados na Baía de Luanda, incluindo a academia, autoridades
públicas e comunidade local.

Em maio de 2017, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, (FCT) em


Portugal, e o Imamat Ismaili, Aga Khan Development Network (AKDN) abriram um
concurso a projetos conjuntos de investigação científica, destinados a incentivar e forta-
lecer capacidades científicas, técnicas, humanas e sociais dirigidas ao progresso da Qua-
lidade de Vida nos Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP). Este concurso diri-
giu-se exclusivamente a colaborações em curso entre instituições, com o objetivo de
contribuir para o desenvolvimento e expansão dessas iniciativas que contribuam para
consolidar as capacidades de investigação em África, em interação com Portugal.
A existência de colaboração prévia na área das Ciências do Mar entre Universidade do
Algarve (UAlg), Instituto Nacional de Investigação Pesqueira e Marinha (INIPM), Uni-
versidade Agostinho Neto (UAN) com supervisão partilhada de estudantes de pós-gradu-
ação, estadias curtas de investigadores angolanos na UAlg / e deslocações de investiga-
dores portugueses ao INIPM e à UAN, demonstrada através de 3 protocolos gerais já em
vigor, permitiram suportar o projeto LUANDAWATERFRONT na altura da candidatura
(2017). No entanto, vários outros protocolos e acordos específicos já se adicionaram du-
rante o 1º ano do referido projeto (2018), entre os quais destacamos uma declaração de
intenções de desenvolver o programa de doutoramento em Ciências do Mar, bem como
novos protocolos com a recém-criada Universidade de Pescas e Ciências do Mar do
Namibe (UPCMN).

498 | XXIX Encontro AULP


Desenvolvimentos no âmbito do projeto LuandaWaterFront
Os objetivos deste projeto, financiado pela FCT Portugal e AKDN são:
– Avaliar a saúde do ecossistema da Baía de Luanda, de acordo com compromissos
internacionais como a Diretiva-Quadro Estratégia Marinha Europeia, da Agenda
2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável, objetivos nº 14 “Conservação e
uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento
sustentável”; objetivos definidos na Agenda 2063 da União Africana, Objetivo 6
“Economia azul para um crescimento económico acelerado”, o Plano de Desenvol-
vimento Angolano (PDN-2018-2022), nomeadamente a Política nº 12 “Sustentabi-
lidade Ambiental”;
– Aumentar o conhecimento sobre os riscos ambientais e para a saúde humana asso-
ciados a tópicos emergentes em investigação marinha tropical e subtropical, nome-
adamente proliferações nocivas, lixo marinho-plástico, espécies invasoras e outras
alterações / ameaças globais à biodiversidade deste ecossistema costeiro;
– Interagir com as partes interessadas e comunidades locais da baía, de forma a copro-
duzir estratégias de mitigação ambiental para melhorar a qualidade da água e de
adaptação às mudanças climáticas e, promovendo o desenvolvimento sustentável de
atividades produtivas bem como atividades relacionadas com a natureza.

A área de estudo do projeto é a costa de Luanda, nomeadamente a sua Baía que é


descrita como altamente poluída (Santos, 2012), mas poucos estudos foram desenvolvi-
dos para avaliar a saúde deste ecossistema e os serviços que ele presta. A qualidade da
água, baseada em indicadores de biodiversidade e de stress como o lixo marinho, será
analisada e comparada com ecossistemas adjacentes menos impactados (Laguna do Mus-
sulo, área de reserva, zona de referência, dos Santos, 2007). Devido aos vários usos hu-
manos e ameaças iminentes à conservação da Baía de Luanda, a monitorização da sua
biodiversidade e a melhoria da saúde do ecossistema são urgentes para promover e au-
mentar a Qualidade de Vida das populações locais.
A análise de dados sobre aspetos socioeconómicos e bem-estar, em articulação com o
Instituto Nacional de Estatística de Angola, avaliação da Qualidade de Vida das comuni-
dades locais associadas à Baía de Luanda e realização de campanhas locais, com envolvi-
mento da população, para aumentar a conscientização ambiental sobre a importância da
BL (incluindo ações de limpeza e remoção de plástico) já se iniciou. Foi também já reali-
zada a avaliação do Risco Ambiental na BL, incluindo todos os interessados: comunidade
local, departamentos ministeriais, ambientalistas, empresas portuárias, de petróleo, trans-
portes, pescas e turismo.
A Baía de Luanda, cartão postal da cidade tem pressões múltiplas das áreas adjacentes
que podem ameaçar a saúde do ecossistema. A área abriga portos comerciais e pesqueiros,
áreas de desembarque de peixes para a frota semi-industrial e artesanal, posto de combus-
tíveis, terminais de petróleo, terminais de carga e passageiros e intensa atividade de res-
tauração, bem como a subsistência de atividades de pesca e lazer. A análise de risco eco-
lógico (ERA) que foi aplicada é o processo para avaliar a probabilidade de o ecossistema
ser impactado como resultado da exposição a um ou mais stressores ambientais, como
produtos químicos, plásticos, dragagens (Consulmar, 1994), alterações de habitat, blooms

XXIX Encontro AULP | 499


tóxicos (Rangel & Silva, 2006, 2007, Rangel et al 2004,Coelho et al 2016), espécies in-
vasoras (Andrade, 2011, Cassoma, 2014) e alterações/variabilidade climáticas e globais.

Figura 2 – A análise de risco ecológico (ERA workshop) decorreu em 30 de maio de 2019 e possibilitou a análise
dos riscos ecológicos associados à Qualidade de Vida da Baía de Luanda, através da análise das perspetivas dos
interessados (pesca, petróleo, residencial, comunidade pesqueira, turismo, investigação, conservação).

A Qualidade de vida e o apego ao lugar já foram analisados através da aplicação de


inquéritos online e com a aproximação porta a porta. Os resultados dos primeiros inqué-
ritos mostram que a população tem um elevado apego ao local e tem uma consciência das
principais ameaças desta baía costeira, o que facilitará a apetência pela capacitação de
níveis médios e especializados na temática das Ciências do Mar, não só em Luanda, mas
em toda a costa.

Figura 3 – Resultados parciais da aplicação do inquérito LuandaWaterFront – Riscos ambientais e Qualidade


de Vida disponível online em: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdhDMfo5gPMrLLmgnuoCNeg8
ZF5a1mAoEfI-RNM_taf1T76Mw/viewform

500 | XXIX Encontro AULP


Figura 4 – Monitorização da biodiversidade marinha em vários pontos, na Baía Estação Fixa de Luanda
(EFL), Estação do P. Pesqueiro (PP), Estação da Floresta (FLO), Estação da Ponte Cais (PC), Estação
do Clube Naval (CN), Estação do Lelo (LL), Estação do Ministério do Interior (MI) Estação dos
Correios (CR).

A monitorização da biodiversidade marinha na Baía também já se iniciou em abril


de 2019, baseou-se na revisão da informação existente sobre a Baía de Luanda e siste-
mas adjacentes, continuação da amostragem em curso no INIPM, adicionando novos
parâmetros: físico-químicos (coluna de água /sedimento), biológicos (plâncton, macro-
fauna, peixes, macrófitas) e microbiológicos.
Para além da monitorização serão realizadas experiências para investigação de Pro-
cessos Ecológicos, das ameaças e de soluções a desenvolver, no âmbito de teses de
formação avançada, como mestrado e doutoramento, com supervisão conjunta dos par-
ceiros angolanos e portugueses, nomeadamente sobre: Variações estacionais controla-
das por variáveis naturais e/ou antropogénicas e previsões futuras através de Modela-
ção ecológica da Baía de Luanda, função de cenários da qualidade da água, impactos
dos principais grupos tróficos de Espécies tóxicas (microalgas, gelatinosos), Espécies
não nativas, do Lixo marinho, em especial plástico e Qualidade de Vida na Baía de
Luanda.
Juntamente com a monitorização e amostragem de parâmetros físico-químicos e bio-
diversidade são também propostos Cursos Intensivos avançados de curta duração de
levantamento da biodiversidade (análise de dados (programa R), modelação (Ecopath
with Ecosim) e Oceanografia Observacional e recursos online para análise de ecossiste-
mas marinhos. Este último está já em divulgação para setembro de 2019 em Luanda e
visa introduzir a oceanografia observacional e a sua importância para a monitorização
do oceano e clima e explorar diversas ferramentas e fontes de dados oceanográficos, de
acesso livre no domínio espacial da costa africana.

XXIX Encontro AULP | 501


Figura 5 – Análise do multi índice M-AMBI através dos macroinvertebrados bentónicos permitiu distinguir
diferentes zonas estuadas de acordo com a sua qualidade ecológica (Nicolau 2016).

2. Futuro – Centro Colaborativo de Excelência em Ciências do Mar em África


(CCEMAR)
Foi já assinada em 5 de dezembro de 2018, em Luanda, a declaração de intenções
entre os parceiros mencionados, no âmbito do projeto Luanda Waterfront (financiado pela
Aga-Khan Network e Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal), mas são neces-
sários ainda futuros desenvolvimentos a submeter às Agências de Acreditação de cada
país, e/ou a criação de regulamentos de cotutela. Está em preparação uma proposta de
Centro Colaborativo de Excelência em Ciências do Mar em África (CCEMAR) que visa-
rá suportar investigação de qualidade com investigadores nacionais e internacionais, fora
do âmbito dos países mencionados, que permitirá também alicerçar o referido programa
de doutoramento agora proposto para desenvolvimento.
Pretende-se o desenvolvimento de currículo a nível de doutoramento com especializa-
ção em ciências marinhas, com um Programa na Universidade Agostinho Neto, e com a
Universidade das Pescas e Ciências do Mar do Namibe, também visando atrair estudantes

502 | XXIX Encontro AULP


internacionais de outros países Africanos, em conjunto com a Universidade do Algarve,
em regime de cotutela ou associação.

Figura 6 – Assinatura de protocolos no âmbito do CEEMAR em Luanda (UAN) e no Namibe (UPCMN)

O CEEMAR será uma referência a nível de excelência internacional e visa fomen-


tar a capacitação de técnicos locais, reforçar a investigação para suportar o futuro progra-
ma de doutoramento em Ciências do Mar, com contributo efetivo na monitorização e ava-
liação das alterações globais em ecossistemas marinhos, suportando a implementação da
Qualidade de Vida das comunidades locais, do crescimento azul e sociedade sustentável.
Esta plataforma visa apoiar a investigação internacional em tópicos críticos e/ou
emergentes em ecossistemas marinhos subtropicais e tropicais que, no contexto das alte-
rações globais serão também relevantes para zonas europeias temperadas e, promover a
implementação dos objetivos da ONU 2030.
O CEEMAR será estabelecido conjuntamente pelos parceiros do projeto (UAlg,
ANU, CCMAR, INIP) e incluirá outros parceiros africanos em Angola (APCMN) e no
futuro em Moçambique e São Tomé e Príncipe, entre outros.

Conclusões
O forte desenvolvimento do programa de doutoramento na especialidade de Ciências
do Mar na Universidade do Algarve será usado como referência, com as alterações ade-
quadas para a implementação de um novo curso de Doutoramento em Angola em Ciên-
cias do Mar. Para sustentar esta e outras ações, a futura plataforma, Centro Colaborativo
de Excelência em Ciências do Mar (CCEMAR) a estabelecer pelos parceiros atuais e
alargado a outros interessados, deverá servir como referência internacional em atividades
de investigação em temas críticos e/ou emergentes na área das ciências marinhas em re-
giões tropicais e subtropicais que, face às alterações climáticas e tropicalização das zonas
temperadas, tem também interesse crescente nas regiões do sul da Europa.
A atual proposta de Colaboração Luso Angolana para Formação de Excelência em
Ciências do Mar em África contribuirá ativamente para um crescimento azul sustentável
e para os ODS da Nações Unidas, no que concerne a: garantir o acesso à educação inclu-
siva, de qualidade equitativa e, promover oportunidades de aprendizagem ao longo da
vida para todos (ODS4); garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável

XXIX Encontro AULP | 503


e do saneamento para todos (ODS6); adotar medidas urgentes para combater as alterações
climáticas e os seus impactos (ODS 13); conservar e usar de forma sustentável os ocea-
nos, mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável (ODS 14); prote-
ger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres (ODS15), em es-
pecial nos ecossistemas ribeirinhos com conectividade direta com a zona costeira, para
proteger e restaurar ecossistemas costeiros dependentes da água doce; e, finalmente, re-
forçar os meios de implementação e revitalizar a Parceria Global para o Desenvolvimen-
to Sustentável (ODS 17).

Agradecimentos
Projeto n.º 333191101 LuandaWaterFront – “Luanda Bay Ecological Assessment: A
waterfront based approach to reduce environmental risks and increase quality of life”,
financiado pela Rede Aga Khan para o Desenvolvimento e pela Fundação para a Ciência
e a Tecnologia, I.P.

Referências
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Baía de Luanda. Tese de Licenciatura, UANFC-Departamento de Biologia. pp 76.
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Biologia. pp 54.
Coelho, P., Silva, S., Costa, S. (2016). Massive bloom of Tripos furca in Luanda Bay, Angola. Harmful
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Consulmar. (1994). Complexo lagunar Baía de Luanda-Mussulo/ Estudo da Baía de Luanda e zona maríti-
ma adjacente (1º Relatório). Ministério das Obras Públicas e Urbanismo. Luanda. pp 23.
Nicolau, S. (2016). Caracterização da macrofauna bentónica da Baía de Luanda – Angola. Dissertação
apresentada à Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências e Tecnologia, para obtenção o grau de Mestre
em Biologia Marinha. Orientador Alexandra Teodósio Luanda. pp 70.
Paim, D., Chicoti, G., Lovambo, L. & Pedro, Y. (1995). Estudo preliminar da contaminação bacteriológica
da Baía de Luanda. Instituto de Investigação Pesqueira (INIP). Luanda.
Rangel, I. & Silva, S. (2007). Pseudo-nitzschia spp and Prorocentrum micans blooms in Luanda Bay, An-
gola. Harmful Algae News, No 33, 8-9.
Rangel, I. & Silva, S. (2006). First records of Gymnodinium catenatum, Gambierdiscus toxicus and Pyro-
dinium bahamense on northern Luanda coast, Angola. Harmful Algae News, No 32: 10-11.
Rangel, I., Silva, S. & Muai, J. (2004). Mortality caused by dinoflagellates bloom in Luanda bay. Harmful
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Santos, A.M.P.A. (2012). Estudo da qualidade da água da Baía de Luanda, distribuição de metais pesados
na água, sólidos suspensos e sedimentos. Dissertação apresentada à Universidade Agostinho Neto para obtenção
do grau de Doutora em Engenharia Química. pp 356.
Santos, C.I.V. dos (2007). Comunidades de macroinvertebrados e peixes associadas à pradaria marinha de
Halodule wrightii (Ascherson, 1868) na Laguna do Mussulo, Angola. Dissertação apresentada à Universidade
de Lisboa para o grau de Doutora. pp 209
Vale, P., Rangel, I., Silva, B., Coelho, P., & Vilar, A. (2009). Atypical profiles of paralytic shellfish poiso-
ning toxins in shellfish from Luanda and Mussulo bays, Angola. Toxicon 53: 176-183.

504 | XXIX Encontro AULP


A internacionalização do IPBEJA; o caso particular da
comunidade guineense: o estudante no centro do processo

Paulo Cavaco
Administrador do IPBeja; E-mail: [email protected]

No Instituto Politécnico de Beja, e entre os seus estudantes, estão hoje representadas


28 nacionalidades: este é o resultado de uma estratégia de Internacionalização há muito
definida, mas que depois de implementada e desenvolvida, conheceu, essencialmente nos
últimos quatro anos, um período de notada maturidade. No contexto deste processo de
Internacionalização, e de entre as diferentes proveniências, há porém um grupo que se
destaca, não apenas pela sua representatividade, mas também pelas especificidades do
projeto que se resumem na valorização e reforço do estudante: referimo-nos à comunida-
de de estudantes da Guiné-Bissau.
Assente numa parceria estratégica com a ONG TCHINCHOR, um interlocutor da
sociedade civil da Guiné-Bissau, com o qual o IPBeja lançou as fundações de uma coo-
peração que nunca mais deixou de crescer e de se valorizar. Aos 120 estudantes iniciais
com estatuto Tchinchor juntaram-se outros 80; esta comunidade é já tão expressiva que
está em curso, também com o apoio do IPBeja, a criação de uma associação de estudantes
guineenses em Beja, que se espera concluir no primeiro semestre deste ano e que terá a
missão de assegurar e facilitar a integração de todos os guineenses que escolham o IPBe-
ja como instituição de ensino superior para prosseguirem os seus estudos.
Ao mesmo tempo, os estudantes integram projetos de solidariedade social, da socie-
dade civil e de participação em eventos que beneficiam diretamente a própria comunidade
envolvente do IPBeja, replicando a experiência já vivida no seu país de origem: é uma
forma de responsabilizar e valorizar pela oportunidade.
Este é pois um processo com características e traços distintivos únicos: seja pelos
números, os que afirmam a presença da maior comunidade guineense a estudar em Portu-
gal, seja pela circunstância de este não ser apenas um projeto educativo circunscrito ou
limitado ao período de duração do ciclo de estudos correspondente, mas antes um projeto
de vida, para a vida, que se multiplica e replica, que durará e produzirá frutos no futuro e
que beneficiará também a comunidade e o povo de origem dos nossos estudantes.

XXIX Encontro AULP | 505


Aproximações entre as vicissitudes da escola pública
em Cabinda (Angola) e no Brasil:
aspectos psicológicos e socioculturais1

Isael de Jesus Sena


Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – Brasil. École Doctorale Pratiques et
Theorie du Sens da Université Paris 8 Vincennes – Saint Denis, França. E-mail:[email protected]

Leandro de Lajonquière
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – Brasil. École Doctorale Pratiques et Theorie du
Sens da Université Paris 8 Vincennes – Saint Denis, França. E-mail: [email protected]

Marcelo Ricardo Pereira


Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minhas Gerais – Brasil.
E-mail: [email protected]

Maria de Fátima Cardoso Gomes


Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minhas Gerais – Brasil. E-mail: [email protected]

1. Introdução
A cultura de cada país guarda entre si contrastes, dramas, aproximações e impasses,
os quais devem ser abordados de uma forma crítica em seu contexto sócio-histórico e
político. Para compreendermos as conjunturas de Angola e Brasil, será necessário abordá-
-las levando em consideração, para além dos aspectos socioculturais, o efeito produzido
pela colonização em ambos os países. Em outros termos, precisamos discutir sobre como
as nossas instituições educativas funcionam e como alguns discursos operam nelas, com
vistas a saber se produzem a emancipação dos sujeitos ou reiteram lugares de segregação
justificados pelo discurso pedagógico e médico2 no que tange aos problemas de escolari-
zação de crianças e adolescentes.
Há um consenso, segundo o qual, reitera Melman (1997/2000), de que “o futuro polí-
tico dos países que, no passado, foram colonizados parece marcado por um traço repetiti-
vo. O exercício do poder se mostraria mais preocupado pelos interesses privados, pesso-
ais até mesmo estrangeiros do que pelo interesse nacional” (p.13). Nesse sentido, podemos
observar que “a independência política exibida não impediria, assim, a continuação do
sistema de exploração herdado do colonialismo, e isso apesar da introdução de uma de-
mocracia parlamentar” (p.13). Reitera ainda o autor que,

1. Esta discussão é derivada de nossa última missão de estudos realizada através do Programa Pró-Mobilida-
de Internacional CAPES/AULP, no âmbito do projeto de implementação do Laboratório de Psicologia, Psicaná-
lise e Educação (LPPE), do Instituto Superior de Ciências, da Educação da Universidade 11 de Novembro, em
parceria com a Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisa financiada pela
CAPES/AULP, processo n°. 99999.000412/2016-03.
2. Nos referimos aqui às práticas de medicalização da vida e dos problemas de escolarização, critica pertinente
frente ao abuso de medicação, por exemplo Metilfenidato indicados para crianças que apresentam hiperatividade.

XXIX Encontro AULP | 507


apesar dele estar historicamente ultrapassado, não obstante os vestígios, as cicatrizes pro-
fundas que deixa ou deixou, tenha talvez, no entanto, chances de se propagar. E é talvez
uma das razões...pode ser, não se sabe, e quem sabe se há outras talvez boas, é talvez uma
das razões que continua a nos deixar tão dilacerados, tão sensíveis, no tocante a esses pro-
blemas do colonialismo. (MELMAN, 1990/2000, p. 31).

Considerando esses aspectos – o colonialismo e a independência, como articulá-los no


contexto de nossas instituições educacionais? No Brasil, a mentalidade escravagista até
hoje perdura em nossa sociedade, no modo de funcionar de algumas instituições e ainda
podemos observar seus efeitos na maneira como são tratados os problemas de escolariza-
ção de crianças e adolescentes, objeto central desta discussão que diz respeito a algumas
das muitas vicissitudes enfrentadas nas nossas escolas públicas. Tais fenómenos não são
específicos de nossa cultura, mas são também são encontrados em Cabinda (Angola),
conforme o estudo realizado por Gomes, Goulart e Pereira (2018), Gomes e Reis (2018),
Canhici e Gomes (2016), Sena, Pereira e Gomes (2017).
Nesse sentido, apesar de apontarmos as dificuldades inerentes ao modo como algumas
vicissitudes são enfrentadas em nossas escolas, isso não significa desconsiderar alguns
avanços. Ensejamos que esta discussão possa efetivamente contribuir no sentido de apon-
tar como as desigualdades históricas, em ambos os países, produzem diversos impasses.
Assim, esperamos, não num futuro distante, construirmos uma escola pública digna para
angolanos e brasileiros, comprometidas com uma educação que respeita e preserva as
tradições culturais, que seja também emancipadora, crítica, capaz de romper com as con-
sequências produzidas pela colonização.

2. Problemas no processo de escolarização de crianças e adolescentes: retratos de


Angola e Brasil
Um estudo minucioso apresentado por Canhici e Gomes (2016) sobre as condições
atuais do ensino e das estruturas das escolas em Cabinda, Angola, mostrou que algumas
relações podem ser estabelecidas entre as dificuldades no processo de escolarização de
crianças e adolescentes e as condições estruturais e políticas, apontando assim para: A
falta de especialização dos professores nas áreas em que lecionam e com descontínua
formação dos mesmos, inexperiência de planificação dos professores, insuficiência de
materiais didáticos para professores e alunos e alguns programas, superlotação das salas
de aulas, dificultando o cumprimento dos objetivos da reforma educativa. Soma-se a es-
ses fatos a constatação de que a reforma educativa implementada precipitadamente no
sistema de educação angolano não pode contemplar os recursos financeiros para garantir
a infraestrutura adequada. Assim, os problemas de ensino e aprendizagem são históricos
e socialmente consolidados, exigindo, portanto, soluções que envolvam as esferas políti-
cas, educacionais, culturais e sociais. No entanto, nesse estudo desenvolvido, as autoras
assinalam que a partir de um levantamento das monografias produzidas pelos alunos fina-
listas do ISCED/Cabinda, percebeu-se que apesar da diversidade de temáticas,

Encontramos como denominador comum a concepção de que as dificuldades são indivi-


duais e de cunho biológico. Elas estão localizadas nos alunos e em suas famílias. Ao rotular

508 | XXIX Encontro AULP


os estudantes como disléxicos, disortográficos e com discalculia, os autores atestaram o
movimento ideológico de biologização da sociedade cabindense que transforma diferenças
socioculturais em deficiências socioculturais. (Canhici & Gomes, 2016, p.494).

É preciso ainda ressaltar que as autoras colocam em suspeição o uso do termo “difi-
culdades de aprendizagem”, ao mesmo tempo em que os interroga. Em vista disso,
optam, assim como nós, em inserir a expressão “dificuldades no processo de escolariza-
ção”, pois “não consideram que apenas os alunos possam apresentar dificuldades, mas
que estas, se porventura existirem, terão soluções sempre relacionais, ou seja, uma vez
que acontecem nas relações entre o processo de escolarização e os alunos”. (Canhici e
Gomes, 2016, p. 489).
Desse modo, as dificuldades no processo de escolarização devem ser contextualizadas
levando em consideração o processo sócio histórico daquele país, sobretudo num contex-
to ainda marcado após longos e sucessivos anos de guerra civil. Canhici e Gomes (2016)
chamam atenção para o fato de que com a independência de Angola, em 1975, a dinâmica
das políticas de ensino generalizou-se por todo o país. Nesse sentido, Cabinda, sendo
parte deste, seguiu a mesma dinâmica para formação de uma sociedade justa e de um
homem novo, colocando em destaque a importância da educação e do processo de alfabe-
tização nessa formação.

Explicitados os objetivos pós-independência, podemos ler ainda nos documentos oficiais


do Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA), partido que governa os angolanos, a
preocupação com o processo educacional. Tal cuidado é sublinhado pelas reformas inicia-
das em 1977 e aprovadas em 1978 e pela resolução do Comitê Central do Movimento sobre
a reformulação do sistema de educação e ensino na República de Angola. (Canhici e Go-
mes, 2016, p. 488).

Reis e Gomes (2018) ressaltam o estudo desenvolvido por Silva Neto, segundo o qual
como consequência da antiquada educação colonial a que Angola esteve submetido por
quatro séculos, no período pós-independência, o sistema educacional angolano tem se
caracterizado pela inércia. Ainda de acordo com essa autora, a partir de 1977 – dois anos
após a independência, o país herdou da colonização portuguesa um sistema de educação
precário, praticamente inexistente, caracterizado pelo acesso limitado ao ensino do se-
gundo grau, pela falta de investimentos em qualidade, de ensino e de pessoal, para estru-
turar um sistema de educação. Nesse período, o novo governo enfrentou muitas dificulda-
des, como o analfabetismo de 1/3 da população adulta, escassez e ausência de materiais
básicos de aprendizagem, fraca cobertura do sistema de ensino, 2/3 da população em
idade escolar fora do sistema de ensino e a inadequação dos conteúdos educativos, o que
dificultava o sucesso escolar de muitos alunos. Na tentativa de minimizar os desafios
educacionais do país, o governo angolano aprovou, ainda em 1977, um plano nacional de
ação para a educação de todos.

Assim, a educação realiza-se por meio de um sistema unificado, constituído pelos seguintes
subsistemas de ensino: subsistema de educação pré-escolar; subsistema de ensino geral;

XXIX Encontro AULP | 509


subsistema de ensino técnico-profissional; subsistema de formação de professores; subsis-
tema de educação de adultos; subsistema de ensino superior. Segundo documentos oficiais,
o subsistema de educação pré-escolar é a base da educação, cuidando da primeira infância,
numa fase da vida em que se devem realizar as ações de condicionamento e de desenvolvi-
mento psicomotor. Estrutura-se em dois ciclos: creche e jardim de infância. O subsistema
do ensino geral constitui o fundamento do sistema de educação para conferir uma formação
integral, harmoniosa e uma base sólida e necessária à continuação de estudos nos subsiste-
mas subsequentes. Estrutura-se como ensino primário e ensino secundário. (Canhici e Go-
mes, 2016, p. 488).

Em contraste com a realidade de Angola, no Brasil, considerando que a nossa inde-


pendência ocorreu há mais de 267 anos, ainda hoje presenciamos também diversos im-
passes nas nossas escolas públicas, principalmente quando voltamos a nossa atenção para
as crianças e adolescentes de origem popular. Nesse sentido, um conjunto de saberes e
definições contribuíram para estigmatizar os sujeitos que também apresentavam proble-
mas na escolarização. Como destaca Carvalho (2013)

Na verdade, a experiência cotidiana e a cultura do trabalho docente dão aos professores


informações sobre os alunos e nos ajudam a desenvolver saberes profissionais a que recor-
remos no exercício de seu oficio. Mas, como nos sentimos impotentes frente a muitos de
nossos problemas, apresentamo-nos fórmulas redentoras, embaladas em rótulos de ciência
e diante das quais temos de nos transformar, de abandonar um tipo de saber profissional e
adaptá-lo à “verdadeira criança’, “descoberta” por uma ciência, como a psicologia, por
exemplo. Só que essa “verdadeira criança” se parece muito pouco com nossos alunos, e isso
não é um defeito de teoria, mas um erro de sua transposição. (Carvalho, 2013, p.135).

Os estudos têm demonstrado que a psicologia, infelizmente, ao oferecer de modo in-


dividualizado o atendimento psicológico, como uma demanda desconectada das condi-
ções estruturais, relacionais, políticas e históricas, construiu massivamente para que o
atraso ou dificuldades que seriam próprias da escolarização, fossem atribuídas exclusiva-
mente aos sujeitos. Angelucci et al., (2004) mostra que nos primórdios da década de 1970
encontramos um genuíno interesse dos pesquisadores em identificar os determinantes do
baixo rendimento escolar em variáveis externas ao sistema escolar. Dito de modo direto,
buscavam nas condições socioeconômicas e psicológicas dos usuários da escola pública
as causas para os problemas no processo de escolarização
Na cena escolar, essas mesmas verdades reaparecem pela maneira como são requisi-
tados os saberes (psico)pedagógicos como verdade última dos motivos de dificuldades de
escolarização. Como destaca De Lajonquière (2009):

Por outro lado, tem se tornado hábito esgrimir, alternativa ou conjuntamente, como causas
dos mesmos a falta de maturação das capacidades cognitivo-afetivas da clientela escolar e
a impertinência das práticas pedagógicas desenvolvidas circunstancialmente. Assim, um
punhado de capacidades, como também um catatau de métodos mais ou menos adequados,
um sem-número de erros, dificuldades, fracassos, problemas e distúrbios de aprendizagem

510 | XXIX Encontro AULP


fazem as vezes de uma ontologia educativa mínima. Trata-se de verdadeiras criaturas cujo
pavonear ofusca os espíritos, ao ponto tal que não poucos já não podem pensar em outra
coisa. Em nosso país, são numerosos os esforços governamentais, bem como as pesquisas
acadêmicas que visam insistentemente domesticá-las, prevenir sua reprodução, descobrir
o segredo de seu regime alimentar ou simplesmente torná-las criaturas em extinção. (De
Lajonquière, 2009, p. 161).

Observa-se que a demanda por laudos psicológicos, os quais confirmam muitas vezes
as opiniões e “hipóteses” dos professores, que em geral tem grande poder de convenci-
mento sobre a criança e seus familiares, vão ao encontro do discurso liberal segundo o
qual vencem sempre os mais aptos (Patto, 1992). A autora é contundente e crítica:

A crença na incompetência das pessoas pobres é generalizada em nossa sociedade [...] Di-
zem para o oprimido que a deficiência é dele e lhe prometem uma igualdade de oportunida-
des impossíveis através de programas de educação compensatória que já nascem condena-
dos ao fracasso quando partem do pressuposto de que seus destinatários são menos aptos à
aprendizagem escolar (Patto, 2010, p.76).

A concepção de “dificuldades no processo de escolarização” na literatura especializa-


da tem sido tratada a partir de múltiplas perspectivas. Angelucci et al., (2004), num levan-
tamento do estado da arte da pesquisa sobre o fracasso escolar na Universidade de São
Paulo, durante o período de 1991 a 2002, encontraram estudos que consideravam que o
problema estava relacionado a questões internas do aluno, sendo ele o responsável pelo
seu fracasso escolar; ou estava localizada no ambiente, ou seja, a partir da carência cultu-
ral, a causa desse sintoma. Esse modelo de explicação do fracasso escolar está relaciona-
do às crianças advindas das camadas populares (Morais e Souza, 2000). A essas crianças
teria faltado estimulação sensório-perceptiva e sociocultural, por este motivo apresenta-
riam um déficit nas funções motoras, perceptuais e de linguagem que, por sua vez, impli-
caria negativamente na aprendizagem.
Um estudo de Sena, Pereira, & Gomes (2017), realizado com finalistas do curso de
Licenciatura em Ensino de Psicologia do ISCED, pode observar que aqueles estudantes,
quando questionados a respeito do modo como os psicólogos escolares deveriam atuar
nos espaços escolares, defendiam ainda com uma visão restrita a intervenção focada atra-
vés no psicodiagnóstico, enquanto outros acreditavam que a atividade deveria se funda-
mentar na “orientação”. De modo expressivo, os entrevistados ora acreditavam que os
problemas de escolarização eram relacionais (envolvia a família ou o ambiente), ora se
conjecturava como sendo resultado de conflitos intrapsíquicos.
Essas crenças não se reduzem aqueles estudantes, mas também representam de modo
hegemónico as representações que os professores têm: de que estudantes de classe social
menos favorecida apresentam baixo rendimento e fracasso escolar. Essa concepção pré-
-concebida e a consequente baixa expectativa dos professores em relação a esses estudan-
tes, de certo modo, são fatores que exercem influência no desempenho dos discentes
(Martini e Del Prette, 2002). Em razão do discurso veiculado nas escolas, os problemas
de escolarização acabam sendo associados aos aspectos fisiológico e cognitivo. Diante

XXIX Encontro AULP | 511


das limitações dos estudantes, a alternativa de encaminhamento para atendimento médi-
co, psicológico e psicopedagógico das dificuldades de escolarização tem sido o modelo
adotado pelos professores e diretores das escolas brasileiras (Souza, 2007). Vejamos
então como efetivamente se dá esse processo, levando em consideração a organização dos
serviços sócioassistenciais, que no Brasil foram implementados em função do desenvol-
vimento de políticas públicas que já estão consolidadas.

3. Dispositivos de tratamento dos problemas de escolarização de crianças e ado-


lescentes: a vanguarda do Brasil e os primeiros passos de Angola
No Brasil, a estratégia do encaminhamento3 de crianças e adolescentes com proble-
mas de escolarização para os serviços de saúde não é uma prática recente. Essa conduta
adotada pelos professores tem sido justificada por um conjunto de crenças, com base na
compreensão de que os impasses da aprendizagem são estritamente motivados por causas
individuais ou familiares.
Parte dos problemas de escolarização produzem queixas e encaminhamentos às Unida-
des Básicas de Saúde (UBSs). Essas queixas chegam como resultado do baixo rendimento
escolar e, por outro lado, os educadores, muitas vezes, têm pouca clareza a respeito das
causas subjacentes a elas. O encaminhamento para o serviço de Saúde Mental tem sido uma
das alternativas que a escola encontra para superar o fracasso escolar. Professores e coorde-
nadores pedagógicos solicitam psicodiagnósticos que terminam por justificar a segregação
dos estudantes em classes especiais, com um efeito colateral extremamente danoso. Como
o sistema educacional oferece poucas alternativas para as crianças e jovens que fracassam
no aprendizado, a escola tende a ver esse estudante como diferente, deficiente e o fracasso
escolar como deficiência em aprender. Para explicar as causas dessas limitações da apren-
dizagem, os educadores responsabilizam a criança ou a família, eximindo o próprio sistema
escolar da reavaliação do seu modelo (Bueno, Morais e Urbinatti, 2000).
Os serviços de Saúde têm um papel importante, quando analisado numa perspectiva
de rede. Cabe aos serviços de Saúde oferecer suporte aos estudantes que se encontram em
situação de risco psicossocial e representam uma parcela significativa dos estudantes en-
caminhados que apresentam problemas de escolarização (D’Abreu, 2010). Um estudo
verificou que muitas crianças e adolescentes encaminhados para serviços especializados
da Psicologia acabam também abandonando a escola. O Sistema Público de Saúde brasi-
leiro não dispõe de número suficiente de profissionais para atender as necessidades da
população e, às vezes, quando os estudantes conseguem ser atendidos não é realizada
necessariamente uma abordagem4 que envolva a escola e os professores no sentido de
problematizar o caso (Souza, 2007).

3. O encaminhamento geralmente é feito para as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), serviços de saúde men-
tal, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), mas inclui também o Centro de Referência de Assistência
Social (CRAS), o qual desenvolve o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF).
4. A “Orientação à Queixa escolar” tem sido ultimamente se destacado como uma abordagem crítica para o
tratamento dos problemas de escolarização, uma vez que essa prática leva em conta os diversos atores: família,
escola e os profissionais envolvidos. Uma leitura mais aprofundada pode ser acompanhada em SOUZA, B.P.
(2007). Apresentando a orientação à queixa escolar. In B.P. SOUZA. (Eds.). Orientação à queixa escolar. São
Paulo: Casa do Psicólogo.

512 | XXIX Encontro AULP


No Brasil, dispomos de muitas instituições de acolhimento em diversas áreas da edu-
cação e da assistência social. No entanto, é preciso ressaltar a crítica apontada por Pereira
(2018, p. 69) segundo o qual “as instituições são republicanas, mas lhes parece faltar
musculatura para serem e atuarem como tal (leis, assembleias, sistema jurídico, polícias,
instâncias de governo, poder tripartite etc.)”.
Logo, as dificuldades escolares, quando mantidas por um longo período, isto é, acom-
panhando o indivíduo da infância até a adolescência, culminam com a saída do estudante
da escola. Do mesmo modo, a precocidade da entrada dos jovens no mundo do trabalho é
apontada também como uma das causas para a sua evasão escolar. Nessa etapa da vida,
frente ao insucesso nos estudos, os jovens procuram alternativas para suas vidas. As fa-
mílias desses adolescentes também apoiam a saída dos filhos, isto é, a troca da escola pelo
trabalho, pois consideram que a passagem para adolescência “autoriza” a inserção no
mundo do trabalho e, portanto, uma ajuda extra no custeio das despesas familiares. Em
geral, a “aprovação” da família quanto à saída do adolescente da escola para o mundo do
trabalho decorre da descrença de uma mudança na situação escolar do discente e está as-
sociada às condições de miséria e pobreza às quais muitas famílias estão submetidas.
Além disso, as autoras concluem que, numa sociedade de consumo, o trabalho precoce
estimula o consumismo característico da sociedade contemporânea (Souz & Sobral,
2007).
Segundo Patto (2010), a reprovação e a evasão na escola pública têm assumido pro-
porções inaceitáveis. O enfrentamento desse problema tem sido feito a partir das reformas
educacionais, projetos de pesquisa na área e um conjunto de medidas técnico-administra-
tivas tomadas pelos órgãos públicos. No entanto, essa postura não tem sido eficaz ao
longo dos últimos sessenta anos. Isso implica, tal como aponta Souza (2007), em observar
um complexo universo de questões que abarque os contextos institucionais, políticos,
individuais, estruturais e de funcionamento presentes na vida diária escolar que condu-
zem ao seu fracasso, mantendo os altos índices de exclusão, principalmente de crianças e
adolescentes das camadas mais pobres de nossa sociedade.
Em Cabinda, o índice de evasão escolar (Gomes, Goulart e Pereira, 2018), além do
uso e a comercialização de bebidas alcoólicas (Sambo, 2017), tem sido objeto de estudo,
uma vez que o enfrentamento dessas problemáticas exige ações efetivas de políticas pú-
blicas de educação e sociais. Uma dessas políticas é a criação de Gabinetes Psicopedagó-
gicos para onde os alunos considerados com “dificuldades de aprendizagem” e aqueles
com necessidades educativas especiais são encaminhados para tratamentos psicológico e
pedagógico.
Segundo De Lajonquière (2009) neste tipo de demanda há uma ilusão implicada em
torno do psicodiagnóstico. Assim, conclui o autor:

Quando, numa escola, encaminha-se um aluno para avaliação psicológica em razão de sua
indisciplina ou do fato de não aprender conforme os parâmetros esperados, almeja-se de
boa-fé que, assim, possa vir a se obter alguma informação útil sobre as causas do episódio.
Isso parece, em princípio, tão possível como pertinente. Entretanto, o consabido desenrolar
da história, ao qual esse gesto corriqueiro dá início, já deveria ser suficiente para que alguns
espíritos (psico)pedagógicos tivessem começado a desconfiar de empresa semelhante. De

XXIX Encontro AULP | 513


fato, a informação recebida revela-se sempre insuficiente, pois vir a saber que há suposta-
mente em causa uma falta de “maturação cognitiva”, ou um leque variado de situações mais
ou menos “traumáticas”, não só diz nada sobre a singularidade do curioso acontecimento
senão também nada diz do que fazer de concreto em sala de aula. Como sabemos, as expli-
cações contidas em todo laudo psicopedagógico trazem, apenas, certo sossego moral àque-
le que o recebe em mãos, que dessa forma pode continuar a fazer aquilo que já fazia ou,
simplesmente, excluir aquele que se comporta segundo outro programa para, assim, “enca-
minhá-lo” para outro lugar. Essa última saída é inevitável, uma vez que o peso da tese da
necessidade de homogeneidade psicológica da “clientela escolar” – prima irmã da tese da
adequação pedagógica – é também que, mais cedo ou mais tarde, acaba invalidando qual-
quer honesta tentativa em sentido contrário (De Lajonquière, 2009, p.59).

Em se tratando de Angola, já havíamos discutido numa pesquisa (Sena, Pereira e Go-


mes, 2017) a expectativa em que professores e licenciados em psicologia têm acerca da
promessa envolvida nos futuros “Gabinetes Psicopedagógicos”, os quais serão criados
para atender ao Artigo 40° publicado no Diário da República de Angola, em 11 de Janeiro
de 2011. O governo pretende criar um espaço multifuncional de atendimento a todos os
alunos das escolas de ensino geral ou de escolas próximas, com necessidades educativas
especiais ou não, para que tenham as mesmas oportunidades de sucesso, se promova a
equidade na aprendizagem e se garanta sua inclusão escolar.
Em nosso entendimento, tanto a prática de encaminhamento realizada no Brasil, as-
sim como os “Gabinetes Psicopedagógicos” em Angola, pode sim serem considerados
como alternativas encontradas pelos professores e as famílias diante dos problemas de
escolarização. Entretanto chamamos atenção para o fato de que esses dispositivos tam-
bém correm o risco de não ultrapassar a visão reducionista, segundo a qual o fracasso
escolar é concebido apenas numa perspectiva individualizante, ou seja, o debate restrito
às insígnias do corpo deixa de ser politizado e questionado na própria trama das condi-
ções históricas e sociopolítica. Se a primeira perspectiva for assim reiterada pelos profis-
sionais e professores, cabe aqui evocar a seguinte crítica:

Os especialistas encarregados de reeducar as crianças não se dão conta de que as terapêuti-


cas educativas que aplicam são componentes ativos na fabricação destes fatos. Presos a
ideologia do cientificismo, acreditam na isenção de suas práticas profissionais. Por esta ra-
zão, jamais procuram rever as matrizes sociais da ciência que orienta os postulados teóricos
e técnicos destas práticas. Pelo contrário, permanecem atados ao “cientificismo”. Redo-
bram as medidas de controle psicopedagógicos. Analisam e interpretam a perplexidade e a
fragilidade dos indivíduos como provas de que eles não estão suficientemente convertidos
ou submissos às normas de saúde. Renovam o equipamento teórico-técnico de terapias e
pedagogias terapêuticas, reforçando a engrenagem geradora do desconforto familiar. (Cos-
ta,1999, p.16).

Considerando todo este debate, estamos de acordo com Arendt (2007), segundo a qual
defende que a crise periódica da educação se converteu em um problema político. Os vãos
e inumeráveis esforços das autoridades pelo seu controle da situação mostra bem toda a

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gravidade do problema. Com efeito, é tentador considerá-la como um mero fenômeno
local, desligada dos problemas mais importantes do século. As autoridades responsáveis
pela educação não teriam sido, como foram incapazes de tratar o problema a tempo. Sem
dúvida que, para além da espinhosa questão de saber porque razão o Joãozinho não sabe
ler, a crise na educação envolve muitos outros aspectos. Somos sempre tentados a admitir
que estamos perante problemas específicos, perfeitamente delimitados pela história e pe-
las fronteiras nacionais, que só dizem respeito a quem e por eles é diretamente atingido.

Considerações Finais
Reconhecemos que algumas práticas de atendimento às crianças e aos adolescentes
com problemas no processo de escolarização, se estiverem despolitizadas, tendem a pro-
duzir repressão e a redobrar a segregação em que os pobres historicamente são submeti-
dos. Assim, entendemos que tanto a busca pelos serviços de saúde e socioassistenciais no
Brasil, bem como a criação de Gabinetes Psicopedagógicos em Cabinda, em nosso enten-
dimento, são dispositivos que podem além de beneficiar os alunos, trabalhar no sentido de
introduzir novas discursividades que alterem o entendimento do sujeito na sociedade: ele
deixaria de ser apenas o indivíduo criado e estigmatizado a partir da relação com a norma,
para alcançar o estatuto de sujeito propriamente dito como efeito das relações e interações
sociais.
Esperamos que esta discussão possa contribuir no sentido despertar a atenção dos
agentes públicos responsáveis pelo desenvolvimento e implementação de políticas públi-
cas educacionais comprometidas com uma educação de qualidade, responsável e emanci-
padora.

Referências
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Casa do Psicólogo.

516 | XXIX Encontro AULP


A valorização da Língua Portuguesa em programa
interinstitucional

Luiz Alberto Pilatti (autor correspondente)


Reitoria, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil; E-mail: [email protected]

Marizete Righi Cechin


Engenharia Mecânica, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil; E-mail: [email protected]

1. Introdução
A mobilidade acadêmica é uma prática constante nas universidades e assunto de estu-
dos com focos variados. Existe pesquisa cujo o foco são os desafios, os ganhos e os aspec-
tos dificultadores da mobilidade, com resultados que apontam para a adaptação ao meio
sociocultural e o domínio do idioma no país destino como sendo os principais desafios
(Oliveira; Freitas, 2017). Existe pesquisa que foca nos fatores que determinam a experiên-
cia de participação e de não participação em programas de mobilidade, assim como contri-
butos e motivações que as pessoas têm para participar desse tipo de programa, com resul-
tados que indicam um conjunto de fatores como determinantes à participação em
mobilidade acadêmica como institucionais, familiares, individuais, financeiros e linguísti-
cos (Santos; Ferreira, 2018). Existe estudo que indica a importância da flexibilização cur-
ricular para a promoção da mobilidade acadêmica nacional e internacional com a defesa de
que o vínculo temporário do estudante com a instituição receptora amplia sua formação
(Pereira dos Santos; Gomes Dias, 2012). Estudos envolvendo programas de mobilidade
acadêmica com o foco na valorização do idioma português não foram localizados. Entre-
tanto, localizou-se o estudo de Luce; Fagundes; Mediel (2016) que trata da dimensão in-
tercultural como elemento importante da mobilidade acadêmica na tentativa de definir os
objetivos nacionais (brasileiros) e interinstitucionais que se deseja para a mobilidade. En-
tre as conclusões, está a necessidade de fortalecer, dentro da universidade, a oferta de
idiomas, sobretudo a Língua Portuguesa, para apoiar alunos estrangeiros em mobilidade
no Brasil. Considerando que a união europeia, com a assinatura da Declaração de Bolonha,
contribuiu, entre outros aspectos, para ampliar efetivamente e intensamente a mobilidade
acadêmica e explicitou que o fluxo de alunos estrangeiros é considerado um forte indicador
de atratividade à instituição, qualificar as ações das instituições de ensino superior no Bra-
sil para receber maior número de estrangeiros, outra conclusão do estudo de Luce; Fagun-
des; Mediel (2016), é importante porque os interessados em participar de programas de
mobilidade têm especial interesse em aprender idiomas (Luce; Fagundes; Mediel, 2016).
Este estudo objetiva apresentar o programa de mobilidade internacional e interinstitu-
cional chamado de Engenheiro 3I.
O Programa Engenheiro 3I acontece entre a Universidade Tecnológica Federal Paraná
(UTFPR), membro da AULP e localizada no Brasil, e a Universidade de Tecnologia de

XXIX Encontro AULP | 517


Compiègne (UTC), localizada na França, e tem como objetivo desenvolver habilidades e
competências no estudante com perfil para a Indústria, a Inovação e a Interculturalidade,
o que justifica o nome do Programa. Na dimensão de programas de mobilidade interna-
cional estabelecidos entre instituições pertencentes à países em que um deles não tem o
português como língua oficial, criar programas de mobilidade estudantil valorizando a
língua portuguesa representa incentivo e reconhecimento do idioma português na esfera
educacional e uma ação efetiva da UTFPR enquanto membro da AULP. Este estudo é
relato de experiência.

2. A Língua Portuguesa e o contexto brasileiro


No Brasil, a Língua Portuguesa chega com os colonizadores portugueses na metade
do século XVI. Estima-se que quando os primeiros europeus chegaram ao Brasil havia “a
existência de 1.175 línguas, faladas por cinco milhões de índios” (Fávero, 2016, p.707).
A consciência de que a consolidação de um império sobre uma colônia se dava pela co-
municação eficaz de uma língua comum entre os colonizados e os colonizadores, fez com
que a Coroa Portuguesa apoiasse a institucionlização de uma língua geral (Tupinambá) na
atuação da Companhia de Jesus, fundada em 1534, e conduzida no Brasil na pessoa do
padre Manuel da Nobrega. A finalidade era unificar a comunicação e facilitar o ensino no
modo de trabalho europeu com os índios na colônia brasileira. O Tupinambá era uma
língua falada, usada em paralelo com a língua portuguesa. A língua portuguesa era ensi-
nada na fala, mas também na escrita e leitura. As primeiras gramáticas da Língua e as
Cartinhas, catecismos, impressos em Portugal, serviam para aprender a ler. Esses mate-
riais também eram usados com os filhos dos senhores de engenho, dos colonos e dos es-
cravos, com o propósito de transformar todos em cristões (Fávero, 2016).
Com a expulsão dos Jesuítas do Brasil e as dificuldades da Coroa em implantar a Re-
forma do Marquês de Pombal nessa colônia, em 1757, Francisco Xavier de Mendonça,
irmão de Pombal, escreve o Directório que se deve observar as Povoações dos Índios do
Pará e Maranhão enquanto Sua Magestade não mandar o contrário. O texto é homolo-
gado pelo monarca D. José I em 17 de agosto de 1757 (Cancela, 2013), tem 95 parágrafos,
entre eles se encontra a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa, que era chamada
de a língua do Príncipe, proibindo o uso da língua dos indígenas e das línguas gerais
(Fávero, 2016).
Dessa época até hoje, existe no imaginário coletivo a ideia de que o Brasil é monolín-
gue, são silenciadas “as cerca de 20 línguas de imigração” (Nóbrega, 2016, p.429) e as
274 línguas indígenas faladas por 896,6 mil indígenas que vivem no Brasil, segundo o
último censo brasileiro, realizado em 2010, pelo Instituito Brasileiro de Geografia e Esta-
tística (IBGE) (IBGE, 2019).
O Brasil tem duas línguas oficiais, o Português e a Língua Brasileira de Sinais (Li-
bras), oficializada pela lei N° 10.436, de 24 de abril de 2002. No futuro, pode ser que te-
nha mais línguas oficiais, isso porque “atualmente uma das pautas em que os estudiosos
e planejadores investem é exatamente na mobilização para que o Brasil se assuma como
país plurilíngue e pluricultural” (Nóbrega, 2016, p. 429). Se no nível macro o Brasil é
bilíngue, no nível micro, dentro da esfera governamental (serviços públicos, escola, meio
jurídico), o Brasil têm municípios que cooficializaram línguas de grupos e comunidade

518 | XXIX Encontro AULP


locais, como a “oficialização da língua indígena guarani nos municípios de São Gabriel
da Cachoeira/AM (2002), juntamente com outras três línguas indígenas – nheengatu,
tukano e baniwa; e de Tacuru/MS (2010), com o reconhecimento formal também das
variedades do guarani – kaiowá, ñandeva e mbya” (Severo, 2013, p.460). Em termos das
línguas de imigrantes, também se tem a

cooficialização da língua pomerana no município de Santa Maria de Jetibá/ES (2009), que


juridicamente previu o uso da língua em documentação pública, campanhas publicitárias
e institucionais, entre outros; e, em 2010, o município de Antônio Carlos/SC cooficializou
a língua hunsrückisch, obrigando o ensino da língua em escolas municipais (Severo, 2013,
p. 460).

Da época em que o Brasil foi colônia de Portugual, passando pela independência, até
os dias atuais, a força de um idioma, enquanto domínio político e econômico, ganhou
destaque na medida em que houve a percepção de que o processo produtivo depende da
comunicação. Se antes o domínio do colonizador se dava também pela imposição que a
colônia fosse um país monolíngue, a realidade mudou quando o inglês assumiu destaque
no mercado dos negócios e a valorização do domínio de línguas se dava por países bilín-
gues. Hoje, tem-se uma valorização das competências linguísticas sem precedentes (Se-
vero, 2013). A nova realidade valoriza o multilínguismo, capacidade de uma pessoa se
comunicar em várias línguas, isso porque no contexto atual quanto mais línguas uma
pessoa domina e usa, maiores são as possibilidade de atuação dessa pessoa (Nóbrega,
2016).
Uma estratégia para valorizar o uso da língua portuguesa e aumentar seu status e pres-
tígio entre as línguas usadas, incentivando os multilíngues a usá-la é a união dos países
que elegeram o português como língua oficial. Em 1996 foi criada a Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP), com sede em Lisboa. São membros do CPLP, Por-
tugal e oito nações, todos ex-colônia de Portugal: Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau,
Guiné Equatorial, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste (CPLP, 2019). A
Guiné Equatorial, localizada na África Ocidental, foi a última a entrar na Comunidade. O
país elegeu a língua portuguesa sua 3ª língua oficial em 20 de julho de 2010, isso porque
os equatoguineenses estavam

entusiasmados com as conquistas econômicas e da política externa do Brasil. Aos olhos


africanos, a emergência econômica de nosso país apontaria para situação de uma ex-colônia
sul-americana, tão étnica e culturalmente próxima do continente africano, que serviria de
exemplo de desenvolvimento com inclusão social (Brasil, 2016, p. 265)

O português como língua oficial também é usado em Macau (China). Ao todo são dez
países que usam o Português como língua oficial (Nóbrega, 2016).
A valorização interna da língua portuguesa no Brasil acontece de variadas maneiras,
por entidades como a Academia Brasileira de Letras e a Casa de Machado de Assis, que
cumprem “o que está no artigo 1° do seu estatuto: zelar pela integridade da língua portu-
guesa” (Kiskier, 2014, p.1115) e por meio de leis. Por exemplo, a Lei de Diretrizes e

XXIX Encontro AULP | 519


Bases da Educação (LDB), n° 9.394/1996, no Título V – Dos Níveis e Modalidades de
Ensino; no Capítulo II – Da Educação Básica, o artigo 26, § 1°, trata da obrigatoriedade
do estudo da língua portuguesa no país (Brasil, 1996). No tocante a divulgação da língua
portuguesa no estrangeiro, o Brasil tem o Ministério das Relações Exteriores (MRE),
dentro desse ministério, tem-se o Departamento Cultural, cujo trabalho é aproximar o
Brasil de outras nações e divulgar a língua e a cultura nacional. Existem também, Centros
Culturais Brasileiros (CCBs), que “funcionam como extensão de Embaixadas e Consula-
dos” (Brasil, 2016, p. 06) e os Núcleos de Estudos Brasileiros (NEBs), que “são cursos de
português ofertados por Representações Diplomáticas brasileiras no exterior” (Brasil,
2016, p. 06). O objetivo dos CCBs e NEBs é promover o idioma português e a cultura do
povo brasileiro no exterior. São 28 países-sede que têm essas representações, sendo a
primeira delas instalada na Argentina, em 1954 e a última, em Israel, em 2014 (BRASIL,
2016).
Uma outra forma de promover a língua portuguesa diz respeito às ações promovidas
pelos membros da Associação das Universidade de Língua Portuguesa (AULP), criada
em 1986, com o objetivo de promover a coorperação entre universidades e institutos su-
periores, entre as ações estão os encontro anuais e as publicações da entidade.
No Brasil, uma das universidades que é membro da AULP é a Universidade Tecnoló-
gica Federal do Paraná (UTFPR), única universidade tecnológica no Brasil, localizada na
Região Sul do país. Tem uma estrutura que comporta uma reitoria, localizada na capital
do estado do Paraná, e mais 13 campus, que abrigam um número de professores que vai
além de 2.500, mais de 1.100 técnicos e mais de 32 mil estudantes regulares nos cursos
técnicos, de graduação e pós-graduação. A instituição surgiu em 1909, passou por diver-
sas fases, em 2005 tornou-se universidade, pública e gratuita. A UTFPR é membro da
AULP desde julho de 2017.

3. A Língua Portuguesa e o contexto de um Programa insterinstitucional: relato


de experiência
As políticas linguísticas tratam do caráter estatal-legislativo de uma língua, atuando,
por exemplo, na oficialização de línguas, na escolha de alfabetos para a representação
gráfica de uma língua e na hierarquização formal das línguas. O planejamento linguístico
se ocupa da implementação das decisões sobre a língua através de estratégias políticas,
como as políticas educacionais (Severo, 2013). Uma instituição de ensino superior pode
praticar política linguística com outra instituição estrangeira focando em práticas intera-
cionais. Pode-se ter práticas interacionais no nível macro, entretanto, há de se destacar
que políticas e planejamento linguísticos operam também no nível micro. Trocar informa-
ções do que se faz nesse nível é outra estratégia de fortalecimento e manutenção da iden-
tidade de uma língua, aumentando seu prestígio econômico, político e cultural.
A UTFPR trabalha com instituições parcerias em 30 países e tem Acordos de Dupla
Diplomação assinados com 15 universidades localizadas na Argentina, França, Itália,
Portugal e Reino Unido. Faz parte de redes e associações internacionais como a Asocia-
ción Universitaria Iberoamericana de Postgrado (AUIP), Brazilian Association for Inter-
national Education (FAUBAI), Grupo Coimbra de Universidades Brasileiras (GCUB),
Unión de Universidades de América Latina y el Caribe (UDUAL), Rede de Universida-

520 | XXIX Encontro AULP


des Tecnológicas y Politécnicas de América Latina y el Caribe (UTFPR, 2019). Quando
a UTFPR estava estudando modelos de universidades de tecnologia para se inspirar na
elaboração de seu próprio projeto de universidade tecnológica, a Universidade de Tecno-
logia de Compiègne (UTC), na França, serviu de inspiração. A UTC é uma das três uni-
versidades de tecnologia em território francês, diploma exclusivamente engenheiros e
tem parceria com a UTFPR desde a década de 1970. A UTC trabalha com uma estrutura
acadêmica que oferta 33% das disciplinas, sob o nome de Unidades de Valor (UV), em
humanidades. A língua portuguesa é uma das disciplinas que a UTC oferta, entre outras
como espanhol, alemão, chinês e francês, portanto, os alunos, podem escolher estudar a
língua portuguesa enquanto se graduam em engenharia. Os alunos da UTFPR também
têm a oportunidade de desenvolveram o multilínguismo com aulas presenciais ou a dis-
tância. Cada câmpus da UTFPR tem um Centro Acadêmico de Língua Estrangeira Mo-
derna (CALEM), com aulas presenciais, e a instituição também faz parte das universida-
des que ofertam ensino a distância promovido pelo governo federal do Brasil,
denominado de Idiomas Sem Fronteiras (ISF).
Entre a UTFPR, no Brasil, e a UTC, na França, existem acordos, dupla diplomação e
programas interinstitucionais. Um dos Programas mais novos entre essas duas universi-
dades é denominado de Engenheiro 3i. É um programa que começou a ser formatado em
2015 pensando-se na formação do engenheiro contemporâneo e atuante na indústria. O
significado dos três “is” é uma referência ao perfil do engenheiro que o Programa procura
construir, com características da Indústria, da Inovação e da Interculturalidade (Ingéniuer
3i, 2017). O perfil Indústria se volta à formação do engenheiro preparado para atuar em
um ambiente com pessoas e processos implicados na produção e oferta de algo (bem,
produto, serviço). Esse ambiente exige cada vez mais profissionais capazes de compreen-
der, formular e solucionar problemas, na concepção de projetos voltados à solução dos
desafios sociotécnicos das empresas, cada vez mais globalizadas, com habilidade empre-
endedora e de forma conjunta com equipes interculturais e interdisciplinares. O perfil
Inovação procura assegurar uma formação que provoque o desenvolvimento da aplicação
da criatividade do estudante, sendo capaz de protagonizar mudanças nas empresas, no
desenvolvimento e na condução de projetos internacionais inovadores. O perfil Intercul-
turalidade busca proporcionar ao estudante uma experiência em diferentes situações in-
terculturais. Entre elas a mobilidade internacional durante sua formação, a construção do
domínio de línguas estrangeiras, o conhecimento e a interação no contexto de diferentes
culturas, a vivência de inserção em projetos internacionais, sua imersão em redes interna-
cionais, pessoais, acadêmicas ou profissionais.
O perfil interculturalidade explora um planejamento linguístico no formato do pro-
jeto do Programa Engenheiro 3i. Considerando que a França não tem a língua portugue-
sa como língua oficial, portanto não pertence à CPLP, e que a UTC não faz parte da
AULP, mas oferta a língua portuguesa sob a forma de UV, uma política linguística ascen-
dente (botton-up) foi elaborada e ofertada para os participantes desse Programa. O pro-
jeto contemplou a valorização do multilinguíssimo. Definiu-se a língua portuguesa, a
língua francesa e a língua inglesa como as três línguas para serem contempladas no
Programa. Por ser um programa novo entre as instituições, há um histórico de planeja-
mento e ajustes.

XXIX Encontro AULP | 521


Cziulik, Nascimento, Resende, Shaegger & Schoefs (2016) apresentam as primeiras
negociações na elaboração do Programa Engenheiro 3i, descrevendo procedimentos bila-
terais específicos deste programa. Parte da experiência do primeiro projeto piloto do Pro-
grama Engenheiro 3I encontra-se em Cechin, Pilatti e Ramond (2018). A avaliação do
primeiro projeto piloto aconteceu em 2018. Por conta de um conjunto de situações opera-
cionais novas, decidiu-se pela interrupção do primeiro projeto piloto do Engenheiro 3i.
Uma segunda edição do projeto piloto foi discutida, com ajustes a partir dos ensina-
mentos do primeiro projeto. A valorização do multilinguíssimo nos moldes iniciais, man-
teve-se.
A segunda edição do projeto piloto teve início em fevereiro de 2019, tanto no Brasil
como na França, os editais foram lançados em 2018. A valorização da língua portuguesa
inicia no edital para a candidatura dos estudantes para fazerem parte do Programa. Do
lado francês exige-se o nível inicial B1 do Quadro Europeu Comum de Referência de
Línguas do idioma português, assim como do inglês. Do lado brasileiro, o mesmo nível é
exigido para o francês e o inglês. Ao final dos dois anos de Programa, o nível do Idioma
deve ser C1. O Programa Engenheiro 3i acontece paralelo à formação de engenharia,
tanto na UTFPR quanto na UTC. São previstas atividades presenciais na América e na
Europa, com aulas formais das línguas eleitas para o programa, a atuação e o domínio
linguístico em situação de interação escrita e oral entre as equipes brasileiras e francesas
no ambiente acadêmico, cultural e industrial. Isso porque, na parceria entre as universida-
des, existe a presença de uma indústria que lança um desafio concreto para a equipe ins-
crita no Programa: um problema real, sem resposta aparente, para ser resolvido pelos
alunos, com o apoio dos docentes.
A segunda edição do projeto piloto Engenheiro 3i mantém o tempo de dois anos, no
caso, 2019 e 2020. Uma mudança da primeira edição para a segunda é no número de
pessoas que formam as equipes multiculturais. Optou-se por reduzir o número de pessoas
por equipe e por ampliar o universo de atuação do Programa. Assim, ao invés de um edi-
tal de participação lançado pela UTFPR para os alunos do campus Curitiba, ampliou-se
para um outro campus, o de Ponta Grossa. Desse modo, tem-se uma equipe de estudantes
da França dividida em duas partes, formando uma equipe de estudo e de trabalho com
estudantes da UTFPR da capital e outra equipe formada com estudantes do interior do
país.
O primeiro encontro presencial entre as equipes da UTFPR e da UTC aconteceu em
fevereiro de 2019, no Brasil. Duas semanas de trabalho diluídas numa dinâmica que con-
sistiu na interação de todos na UTFPR campus Curitiba, entre 11 e 15 de fevereiro, no que
se denomina de Escola de Verão, com atividades que contemplaram a interculturalidade e
a prática interativa em língua portuguesa. Durante os dias 18 e 22 de fevereiro uma equi-
pe se manteve na UTFPR Curitiba e a outra equipe se deslocou para Ponta Grossa, fican-
do um grupo distante 120km do outro. Para concluir o planejamento, um dia (22/02/2019)
ficou destinado para a troca de informações entre as equipes, na sede da UTFPR, em
Curitiba. Após isso, os alunos da UTFPR mantiveram-se no Brasil e os da UTC voltaram
para a França. Cada equipe trabalha a distância, nas atividades definidas no período que
estiveram juntas. Está programado um novo encontro presencial em agosto de 2019, na
UTC.

522 | XXIX Encontro AULP


O uso do idioma português e a interculturalidade vivenciada no Brasil no início de
2019 pelos integrantes do Programa Engenheiro 3I foram intensos por conta da vivência
e da imersão do grupo francês em território brasileiro. Em situação de trabalho, o grupo
que se direcionou para a UTFPR campus Ponta Grossa, formado por duas estudantes
francesas e quatro estudantes brasileiros, um tutor francês e três brasileiros, teve o multi-
culturalismo linguístico bastante intensificado. O primeiro dia de trabalho (18/02) consis-
tiu em ir até a indústria parceira do Programa para conhecer as instalações e a situação
problema. A empresa é do ramo de caminhões, tem matriz na Holanda, a única unidade
de montagem de caminhão no Brasil é a unidade de Ponta Grossa. O gerente é mexicano,
fala a língua portuguesa, mas por política da empresa, a língua usada em situação de inte-
ração entre as pessoas da gestão é o inglês, a comunicação entre a indústria e os membros
do Programa Engenheiro 3i também foi em língua inglesa, assim como todos os materiais
escritos, direcionados para a empresa. Houve uma homogeneização discursiva nesse con-
tato inicial, com predomínio da língua inglesa como língua do poder e de prestígio, entre-
tanto, em momentos de diálogo entre alunos e alunos, alunos e tutores e entre tutores e
tutores, o português e o francês, na modalidade oral, foram utilizados.
A interação linguística do grupo de pessoas da universidade no espaço da empresa
com os membros da empresa foi constante e de livre acesso. O primeiro momento foi de
apresentação formal das pessoas da equipe da universidade e da empresa. A empresa e o
grupo ao qual ela pertence foi apresentada por meio de um vídeo, no auditório principal
da empresa, acompanhado do diretor geral e de duas pessoas disponível para darem apoio
e prestarem esclarecimentos durante o tempo que os membros do Engenheiro 3i estives-
sem no ambiente. Após isso aconteceu a apresentação, in loco, de como os caminhões são
feitos. O gerente apresentou cada setor, informou que seu turno de fala poderia ser inter-
rompido caso alguém desejasse mais esclarecimento, apesar do ambiente oferecer ruídos
por conta das máquinas, a situação foi marcada mais pelo diálogo que pelo monólogo do
dirigente.
Durante a apresentação da linha de montagem dos caminhões o discurso foi descriti-
vo, quando se chegou nas células de montagem dos motores, a situação problema foi
apresentada ao grupo de pesquisadores do Engenheiro 3I: repensar a estrutura de monta-
gem dos motores dos caminhões para ampliar a capacidade de produção em mais dois
motores por dia. A linha de montagem dos caminhões tem capacidade para usar todos os
motores feitos num dia mais dois motores. Para compensar a ausência de dois motores
diários na unidade de Ponta Grossa, esses dois motores são importados da matriz euro-
peia. O desafio lançado foi repensar as células de montagem de modo a montar todos os
motores usados em um dia dentro da empresa em Ponta Grossa, diminuindo os custos de
importação e todo o processo que envolve esse procedimento. O desafio foi aceito pelos
alunos. O grupo teve livre acesso às unidades de montagem dos motores e liberdade de
diálogo com quem desejasse para colher o máximo de informação. Com os trabalhadores,
a interação verbal foi no idioma português, com a gerencia, em inglês, entre os membros,
um pouco de cada língua: inglês, português e francês.
A vivência na indústria proporcionou momentos interculturais de conhecimentos sen-
soriais que mobilizaram o uso da língua portuguesa em contexto variado, como por exem-
plo, a equipe do Engenheiro 3I realizou as refeições no refeitório da empresa, junto com

XXIX Encontro AULP | 523


os funcionários da fábrica e da gerencia. O contexto, apesar de corriqueiro para quem
trabalha na indústria, para os alunos e professores foi marcado pela vivência e imersão na
cultura gastronômica ofertada no menu da refeição, momentos de riqueza vocabular do
idioma português. A amplitude vocabular no dialogar sobre pratos típicos do Brasil, a
percepção dos sabores, a descrição das características dos alimentos, entre outros assun-
tos relacionados ao que é típico do Brasil, faz com que a língua portuguesa seja explorada
naturalmente em ambiente autêntico, distante de ambientes construídos para o uso da
linguagem.
Em ambientes de estudo que aconteceram após a ida à indústria e em momentos de
estudo que acontecem no interstício entre a apresentação da situação problema e a so-
lução que será ofertada para a empresa pelos membros do Programa Engenheiro 3I,
o diálogo entre os membros também ocorre via aplicativos e compartilhamento de da-
dos, ou seja, a língua portuguesa é potencialmente explorada, seja na troca de mensa-
gens entre os estudantes ou entre os estudantes e os fornecedores de informações e or-
çamentos.
Programas de mobilidade acadêmica como o Programa Engenheiro 3I podem contri-
buir robustamente para valorizar a língua portuguesa a partir da interculturalidade e da
troca de mensagens orais e escritas em situação real e desafiadora.

4. Conclusão
A Língua Portuguesa é uma das línguas oficiais do Brasil, cohabitando com línguas
cooficiais e não oficiais. Seu prestígio social e status econômico, político e cultural pode
ser potencializado no âmbito educacional por ações estabelecidas entre universidades
membros do AULP com universidades não membros da AULP, mas que ofertam a língua
portuguesa como disciplina ou como Unidades de Valor. Programas de mobilidade acadê-
mica como o Engenheiro 3I, criado entre a UTFPR/Brasil e a UTC/França, prestigia a
Língua Portuguesa na esfera educacional, introduzindo-a como elemento fundamental
para o desenvolvimento da interculturalidade no perfil do engenheiro do futuro, compro-
metido com a inovação e atuante na indústria.

Referências
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BRASIL. (Lei Darcy Ribeiro, 1996) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei n° 9.394, de 20
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CECHIN, M. R.; PILATTI, L. A.; RAMOND, B. (2018). O professor do engenheiro 3i: perfil para a indús-
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CPLP. (2019). Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. www.cplp.org
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524 | XXIX Encontro AULP


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57(2), pp.451-474.

XXIX Encontro AULP | 525


Tema IV
Comunicação e Política
Representação mediática do conteúdo dos
dois primeiros discursos de João Lourenço

Gabriel Benguela
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas – Universidade de Lisboa. Portugal;
CAPP-FCT – colaborador; E-mail: [email protected]

1. Introdução
A 26 de setembro de 2017, foi eleito João Manuel Goncalves Lourenço como terceiro
Presidente da República de Angola, sucedendo a José Eduardo dos Santos, que liderou
Angola de forma autoritária e patrimonial durante 38 anos. Depois da sua tomada de pos-
se, João Lourenço prometeu uma série de reformas com o propósito de alterar as perce-
ções dos cidadãos e transformar o país.
O Presidente João Lourenço nos seus discursos emite mensagens cujo propósito é
mudar a consciência dos cidadãos e credibilizar as instituições do Estado. Destas mensa-
gens identificamos as seguintes medidas e ações: Detenção de altos dignatários e funcio-
nários do Estado, constituição de processos judiciais, retenção de capitais com proveni-
ência duvidosa, repatriamento de capitais indevidamente transferidos para o estrangeiro e
expulsão de estrangeiros ilegais, através de operações policiais.
O estudo foi elaborado em duas fases, na primeira foi feita a revisão da literatura e a
elaboração da parte teórica, na segunda a análise dos discursos e discussão dos resultados.
O artigo comporta uma introdução, desenvolvimento e conclusões.

2. Comunicação Política e Discursos Políticos


Segundo Norris (2000, p. 4), a comunicação política é um processo interativo relativo
à transmissão de informações entre os políticos, os meios de comunicação e o público. De
entre um conjunto de definições possíveis, a comunicação política pode ser caracterizada
como “o intercâmbio e a confrontação dos conteúdos de interesse público-político que
produz o sistema político, o sistema dos meios de comunicação e o cidadão” (Mazzoleni,
2010, p. 36).
Nesta conformidade, Mutsvairo e Karam (2018, p. 3) consideram que no campo aca-
démico, a Comunicação Política não está centrada apenas na relação política entre os
políticos, a media e os cidadãos, mas em todas as formas de comunicação realizadas por
políticos e outros actores políticos tais como a sociedade civil e os grupos de pressão com
a finalidade de alcançar objectivos específicos.
Com base nestas constatações, Van Dijk (2002, p.203) considera que o processamento
da informação política é frequentemente uma forma de descodificação do discurso, por-
que muita ação política e participação são realizadas por intermédio do discurso e da
comunicação.

XXIX Encontro AULP | 529


É, portanto, nesta linha de pensamento que Reyes-Rodríguez, (2008, p.226) concebe
o discurso político como sendo toda a comunicação relativamente autónoma produzida
oralmente por um político na frente de uma audiência, cujo propósito é meramente a
persuasão, transmissão de informação ou entretenimento.
Quanto à representação, mediática dos discursos políticos, Ahmed e Matthes (2016,
p.221), consideram que as histórias e imagens na media fornecem recursos (símbolos)
através dos quais organizamos uma cultura, os meios de comunicação de massas articu-
lam valores, ideologias e desenvolvimentos sociais dominantes, e essas características
frequentemente levam a representações das ideias e dos factos na media.
Quanto à natureza dos discursos políticos, Cardina (2016, p. 34) considera que passa
mais pela reiteração de momentos simbólicos ou de narrativas fundacionais do que pela
elaboração de argumentos historiográficos, e aqui considerando como fazem questão de
referir Mutsvairo e Karam (2004, p. 3), o discurso político como um elemento do proces-
so interativo relativo à transmissão de informações para a media e desta para o público.
Ao clarificar o propósito do discurso político, Koussouhon e Dossoumou (2015, p. 26)
asseveram que no discurso político, o objetivo final é destacar como o Presidente codifi-
cou os significados da sua comunicação para transmitir as suas ideologias presidenciais e
políticas e a sua administração, de maneiras a avaliar as realidades nacionais e, em última
análise, abordar os diversos tipos de problemas que afligem o país.
Portanto é por isso que Espírito Santo (2011, p. 13) assegura que da análise da mensa-
gem política podemos também, e sobretudo, fazer sobressair os moldes de interpretação
da conjuntura política e social, assim como, as tendências de comunicação refletidas atra-
vés da cultura política do sistema político em foco.

3. Caracterização Geopolítica e Socioeconómica de Angola


A República de Angola (doravante Angola) situa-se na região ocidental da África
Austral. Com a globalização das economias nas últimas duas décadas, houve um aumen-
to crescente nas relações políticas e económicas estratégicas, no entanto, em relação a
Angola, o sistema político apresenta ainda sérios desafios, porque o país continua politi-
camente instável e economicamente insustentável (Okoro 2013, p. 49).
Segundo a Constituição da República de Angola (CRA), no seu artigo 2.º a República
de Angola é um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos a soberania
popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de
funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a de-
mocracia representativa e participativa. Angola é um Estado unitário que respeita, na sua
organização, os princípios da autonomia dos órgãos do poder local e da desconcentração
e descentralização administrativas, nos termos da Constituição e da lei (artigo 8, CRA).
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), estimam que em 2019, a população
angolana atinja os cerca de 30.175.553 habitantes dos quais, 14 219 652 são cidadãos
maiores de 18 anos.
Em relação ao sistema económico, Ferreira e Oliveira (2018, p.1) consideram que os
sectores das finanças e bancário, cresceram muito em menos de uma década, situando-se
como um dos maiores em África, impulsionados pelo boom petrolífero. Os bancos se
tornaram cruciais na articulação das interações com o sistema internacional, o que foi

530 | XXIX Encontro AULP


aproveitado pelo governo do Presidente Eduardo dos Santos, para a agenda doméstica de
consolidação oligárquica da elite dominante do MPLA.
No que toca aos órgãos de comunicação social, Martins (2016, p.266) considera que
Angola vive um ambiente restrito de funcionamento dos media, que envolve a intimidação
e prisão de jornalistas, decorrentes da cobertura de assuntos sensíveis, como os protestos
contra o Governo do presidente Eduardo dos Santos ou a corrupção entre funcionários do
Governo. Cunha e Araújo (2018, p. 106) descrevem esta situação como resultado do siste-
ma político autoritário que o dirigia, dai que o país não podia ter uma imprensa suficiente-
mente independente que pudesse investigar e divulgar fenómenos com intensidade.
O relatório da Freedom House de 2017, que analisou a Liberdade de Imprensa em
Angola, atribui Press Freedom Status: Not Free na posição 73 dos 100 estados analisa-
dos, considerando igualmente a conjuntura do ambiente político, económico e legal. O
país recebeu pontuações, mas nenhum relatório narrativo em relação a situação de im-
prensa.
No entanto, a organização Repórteres Sem Fronteiras considera na sua classificação
mundial de 2019 que Angola ocupa a posição 109 de 180 países, com a pontuação 34,96.

4. Transição Política em Angola


Depois do anúncio do Ex-Presidente José Eduardo dos Santos, de que não seria mais
candidato a Presidente da República e declarado em sua substituição um novo candidato,
criou-se uma grande expectativa no sentido de relançar as bases para a prosperidade do
país, pois aventava-se a possibilidade de construir um novo modelo de desenvolvimento
que beneficiasse todos os cidadãos.
As afirmações de Santos (2017, p. 15), demostram que o governo não tinha uma opo-
sição política forte, nem uma alternativa plausível de doutrina partidária. É por isso que
para Faria (2013, p.293) a política angolana do pós-guerra e a vida pública exibiam ondas
de opressão e resistência, e cita a título de exemplo, os protestos contra o governo do
Presidente Eduardo dos Santos e o seu partido que ocorriam em meio a um clima de medo
e repressão.
Descrevendo um certo pessimismo em relação ao novo período de governação, Ste-
venson (2018, p. 41), considera que apesar dos discursos do Presidente João Lourenço,
concentrarem a atenção dos cidadãos para a necessidade de se acabar com a corrupção e
resgatar os valores essenciais a um Estado, ainda assim, o Presidente não podia agir se-
gundo os mesmos, pois a ser assim estaria a desafiar o legado do seu antecessor.
Revisada a comunicação política como um processo interativo que permite a trans-
missão de informações entre os políticos, os meios de comunicação e o público, olhando
para o discurso político como umas das formas desta interação e feita a caracterização
geopolítica, social e económica, assim como, um exame a transição politica em Angola,
segue-se a análise do conteúdo dos discursos do Presidente João Lourenço e para tal,
definiu-se um objectivo geral e duas questões de pesquisa.

5. Opções Metodológicas
O objetivo geral deste estudo é identificar como foram representados mediaticamen-
te os dois primeiros discursos do Presidente João Lourenço e quais foram as principais

XXIX Encontro AULP | 531


temáticas abordadas pelas notícias veiculadas pelo “Jornal de Angola” e o jornal
“O País”. Especificamente, descrever os temas mais abordados nos discursos de João
Lourenço na cerimónia de investidura como Presidente da República e na sua primeira
mensagem à nação, assim como avaliar a representação mediática do conteúdo destes
discursos.
Para a construção do presente artigo, foram identificadas duas questões de pesquisa:
QP2 – Quais são os temas mais abordados nos discursos de João Lourenço?
QP1 – Como foi representado mediaticamente o conteúdo do discurso de investidura
de João Lourenço como Presidente da República e da sua primeira mensagem a nação?
A recolha de dados foi feita com base na pesquisa e análise bibliográfica e documen-
tal. Com ajuda do clipping, foram compiladas as notícias sobre os discursos em análise
em arquivos online, do Jornal de Angola e do Jornal o País publicadas no período que vai
de 27 de setembro a 1 de outubro de 2017 e de 16 a 21 de outubro de 2017.
Como observa Espírito Santo (2006, p. 88), esta análise obedece os pressupostos da
heterogeneidade constitutiva dos discursos com base nos diversos tipos de sequências
dominadas pelo interdiscurso. Pretende-se com isso, demonstrar as tendências de comu-
nicação constantes do corpus selecionado.
Para este estudo, selecionou-se notícias, reportagens e notas noticiosas do período que
vai de 27 de setembro a 1 de outubro de 2017 e de 16 a 21 de outubro de 2017. O Jornal
de Angola é propriedade do Estado, editado pelas Edições Novembro – E. P. uma empre-
sa pública, e o jornal o País, propriedade privada do Grupo Media nova, uma das empre-
sas privadas angolanas que atua no sector da Comunicação Social desde 2008.

5.1. Caracterização dos Textos


O discurso do Presidente João Lourenço na cerimónia de investidura como Presidente
da República, foi pronunciado numa cerimónia pública, realizada no dia 27 de setembro
de 2017 na Praça da República de Angola. Teve início as 11 horas e prolongou-se por 48
minutos e 30 segundos, foi emitido em direto por dois canais de televisão com cobertura
nacional, nomeadamente a Televisão Pública de Angola e a TV Zimbo (privada) e foi
igualmente difundido em direto pelas principais rádios, com destaque para os canais da
rádio pública (Rádio Nacional de Angola) para todo o território nacional. A imprensa re-
presentada pelos diários em análise e os semanários Expansão, Novo jornal, Jornal Ango-
lense, Jornal Económico, Jornal Expresso, Jornal “O Crime”, Folha 8 e o único semanário
editado fora de Luanda, o Correio do Sul também deram cobertura ao discurso.
As páginas alojadas na internet também fizeram a difusão do conteúdo do discurso,
são referencias desta ação os seguintes portais: Angola 24 Horas, Maka Angola, Guar-
dião, Angonoticias, Sapo Angola e o Portal de Angola. A única agência de notícias do
país, Angop Angola-Press, também fez a divulgação dos discursos do Presidente João
Lourenço.
O discurso do Presidente com a sua primeira mensagem a Nação, foi proferido no dia
16 de outubro de 2010, na Assembleia Nacional diante dos deputados, representantes de
partidos políticos, da sociedade civil e do público presente. Teve início às 10 horas e
prolongou-se por 58 minutos e 15 segundos. Quanto a emissão dos conteúdos obedeceu
o mesmo tratamento que o discurso anterior.

532 | XXIX Encontro AULP


5.2. Síntese dos principais temas dos discursos
Recolhidos o conjunto de dados empíricos, procedeu-se a identificação nos discursos,
dos trechos, frases ou palavras que pudessem ser entendidas como gestos de interpretação
e agrupou-se em categorias de acordo com as similaridades entre eles. Depois do estabe-
lecimento destas categorias, distribui-se por quatro eixos temáticos: Progresso, Valores
políticos-ideológicos, Desafios sociais e Desafios económicos.

Quadro 1 – Síntese dos Temas do Discurso de Empossamento

Categorias
Progresso Valores políticos- Desafios sociais Desafios
ideológicos económicos
Promoção do Reforço da ligação Melhoria da Impulso a iniciativa
Estado Social entre os poderes do qualidade da privada para a
Estado informação publica criação de negócios
Produção e Governação inclusiva e Promoção, controlo dos atos
distribuição de participativa divulgação e criação ilícitos no setor
energia elétrica de mais jornais, financeiro e
rádio e televisão bancário
Produção e Consolidação da Melhoria da Incentivo ao crédito
distribuição de água democracia pluralidade e à economia
canalizada multipartidária liberdade de
expressão
Modernização das Aprofundamento das Promoção das Criação de uma
Forças Armadas relações bilaterais e mulheres indústria militar e
multilaterais de defesa
Inserção de angolanos Proteção do meio Incentivo a criação
no sistema das Nações ambiente da indústria
Unidas, na União extrativa e de
Africana e nas processamento
organizações regionais
Implementação das Investimentos em
autarquias locais infraestrutura e
transportes públicos
Combate a Corrupção
e a Impunidade
Promoção da Justiça
Promoção do mérito,
do profissionalismo, da
transparência e do rigor
Reforma dos serviços
públicos
Fonte: Produção própria

Na primeira mensagem à nação, João Lourenço demostrou como pretendia resolver os


problemas identificados.

XXIX Encontro AULP | 533


Quadro 2 – Síntese dos Temas da Mensagem a Nação

Categorias
Valores políticos-ideológicos Desafios sociais Desafios económicos
Conquista de um país Promoção da Transparência na Erradicação dos tempos
independente, livre, unido, em contratação de serviços difíceis que o país vive
paz e reconciliado públicos economicamente
Reforço do sistema Garantir a Liberdade de Adotação de incentivos fiscais
democrático Religião, Crença e Culto e para as empresas
Expansão dos serviços
museológicos
Implementação de Autarquias Melhorar o sistema de Estabilização macroeconómica
educação do país
Aposta num sistema judicial Melhorar a qualidade dos Promoção da agricultura, da
célere para a resolução de Serviços Públicos de Saúde indústria transformadora e
conflitos nas áreas alimentar
administrativas, económica e
financeira
Melhoria dos sectores de Apoiar as áreas responsáveis Dinamização das indústrias
Defesa e Segurança pelo combate à corrupção e siderúrgicas, de construção,
aos crimes económicos e telecomunicações e
financeiros tecnologias de informação
Fonte: Produção própria

5.3. Apresentação dos Resultados


Relativamente ao período em análise, foram identificadas no Jornal de Angola, vinte
notícias, que variam entre as 1.000 e 1.500 palavras, nove reportagens com uma variação
entre 1.500 e 2.300 palavras e seis notas noticiosos com uma variação entre 400 e 500
palavras.
Quanto ao Jornal o País, foram identificadas oito notícias, que variam entre as 1.000 e
1.500 palavras, duas reportagens com 3.300 palavras cada e três notas noticiosos; duas
com 200 palavras e uma com 150 palavras.
Quanto ao primeiro período 27 de setembro a 1 de outubro de 2017, identificaram-se
dezasseis peças no jornal de Angola e uma no Jornal o País. O segundo período de 16 a
21 de outubro de 2017, identificaram-se vinte notícias no jornal de Angola e dezoito no
Jornal o País, relativas a Primeira Mensagem a Nação.

6. Discussão dos Resultados


Problematizando os discursos com base nas regras, nos instrumentos e nos procedi-
mentos apregoados por estes e nas possíveis influências que têm na alteração da perceção
dos cidadãos, nota-se que os discursos tiveram como propósito último, afetar os cidadãos
de maneiras a persuadi-los à mudança de paradigma ao convergir para a criação de meca-
nismos orientados para uma gestão prudente da coisa pública, boas práticas sociais e de
convivência, observação legal das actividades desenvolvidas no interesse publica basea-
das em critérios de eficiência e produtividade.

534 | XXIX Encontro AULP


Ao formular as questões de investigação, entendia-se que a componente dos discursos
se centrava nas representações políticas e ideológicas, sociais, económicas e de desenvol-
vimento das quais distinguiu-se, um conjunto de preocupações relacionadas com assuntos
que pontificam a interligação dos poderes do Estado, governação, democracia, relações
de cooperação internacional, autarquias, corrupção, impunidade, justiça, serviços públi-
cos, transparência e rigor.
Tal como observa Martins (2016, p.266), o ambiente de funcionamento dos média
envolvia a intimidação e prisão de jornalistas, decorrentes da cobertura de assuntos sen-
síveis. Este cenário foi pouco favorável a representação expressiva da mensagem dos
discursos de João Lourenço, devido ao receio invocado, e nos casos em que os dois jor-
nais dão tratamento aos temas do discurso, fazem-no com alguma autocensura.
Ao descrever o propósito que o discurso encerra, Cardina (2016, p. 34) considera que
passa mais pela reiteração de momentos simbólicos ou de narrativas fundacionais do que
pela elaboração de argumentos historiográficos, igualmente a referência de Mutsvairo e
Karam (2004, p. 3) segundo a qual o discurso político, é um elemento do processo intera-
tivo relativo à transmissão de informações para a media e desta para o público, facilmen-
te se depreende que estes pretendem instituir uma política da qual poder-se-á transformar
ou, até mesmo, substituir antigas práticas, criando circunstâncias em que as opções dispo-
níveis de decisão são restritas e modificadas.
Ao clarificar o propósito do discurso político, Koussouhon e Dossoumou (2015, p. 26)
asseveram que o objetivo final deste é destacar como o Presidente codificou os significa-
dos da sua comunicação para transmitir as suas ideologias presidenciais e políticas e a sua
administração, de maneiras a avaliar as realidades nacionais e, em última análise, abordar
os diversos tipos de problemas que afligem o país isto, traduz os a ideia segundo a qual os
elementos apregoados nos discursos, contêm expressões significativas do ponto de vista
dos propósitos do Presidente.

Conclusões
A análise da representação mediática do conteúdo dos discursos de João Lourenço,
levam a concluir que há nos discursos, uma representação transversal dos principais pro-
blemas do país. constata-se ter havido uma mediatização diversificada e declinada num
tom maioritariamente positivo, com forte incidência no tema sobre cooperação interna-
cional, governação e críticas da oposição, correspondendo a uma representação em espé-
cie de publicidade das medidas apregoadas pelos discursos, numa cobertura quase que
total da atividade do Governo.
O que se depreende dos discursos, é que há um valor simbólico em cada frase, que
promove a intenção política do Presidente em alterar a percepção dos cidadãos, codifica-
das e com significados e ideologias que pretendem demostrar a maneira como quer admi-
nistrar o país e como avalia a realidade nacional e em última análise, aborda os diversos
tipos de problemas que afligem os cidadãos.
Crê-se que este artigo pode despertar o interesse para a análise dos processos de mu-
danças e ajudar a recontextualizar as práticas pouco transparentes que os discursos vêm
criticando, visando constituir sentidos que respondam às circunstâncias específicas de
cada contexto.

XXIX Encontro AULP | 535


Registaram-se dificuldades à realização deste trabalho, relacionadas com a indispo-
nibilidade de informação, nos arquivos dos órgãos de comunicação social de Angola,
pois não os organizam suficientemente de maneiras que o pesquisador possa ter acesso
fácil a elas e analisá-las. Pesquisas futuras poderão determinar se as representações me-
diáticas dos discursos de João Lourenço contribuíram ou não para a alteração da percep-
ção dos cidadãos em relação aos principais problemas diagnosticados e que devem ser
revistos.

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XXIX Encontro AULP | 537


Contributos da filosofia para o
processo de reconciliação nacional em Timor-Leste

Martinho Borromeu
Decano da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Nacional Timor-Lorosa’e.

1. Introdução
É nossa intenção apresentar, no contexto da AULP, algumas das preocupações e de-
senvolvimentos em torno das direções temáticas que a Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas (FFCH) da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL) tem vindo a assu-
mir, tendo em consideração a atual realidade social, cultural e política de Timor-Leste.
Neste sentido, são três as linhas de orientação e investigação que se traduzem: a) numa
vertente política e de direitos humanos; b) numa vertente cultural; c) numa vertente edu-
cativa. Estas três vertentes têm como finalidade elevar a qualidade da educação e promo-
ver a coesão social em Timor-Leste.
A vertente política e de direitos humanos efetiva-se com o estudo dos processos de
reconciliação nacional para a paz em Timor-Leste e a tentativa de apontar soluções para
determinados problemas; a vertente cultural tem como preocupação a forma como é se
pode desenvolver a filosofia em Timor-Leste de forma gradual e progressiva; a vertente
educacional tem como finalidade o estudo e a defesa da necessidade da criação da disci-
plina de filosofia no ensino secundário em Timor-Leste.

2. O Processo de Reconciliação para a Paz em Timor-Leste


Timor-Leste é uma jovem nação que só adquiriu a sua independência política a 20 de
maio de 2002, tornando-se no primeiro novo Estado soberano do século XXI. Sem pre-
tender deturpar as palavras de Sílvio Elia, trata-se de uma “nação novíssima” (1989,
pp.16-17), que, a nosso ver, está à procura da afirmação da sua identidade num contexto
nacional e internacional. Neste sentido, considera-se que, em termos históricos, prevalece
algumas semelhanças com outras nações que compõem a CPLP, sobretudo com Angola e
Moçambique, pois, apesar de estes países terem obtido as respetivas independências po-
líticas no século XX, as devastações das guerras civis durariam, no caso de Moçambique,
até 1992, e, no caso de Angola, até 2002.
No caso de Timor-Leste, sobretudo com a ocupação indonésia, foram cometidas vio-
lações gravíssimas nos direitos humanos fundamentais que ainda se repercutem física e
psicologicamente no dia-a-dia de uma grande parte dos cidadãos timorenses. Para além
de ter conduzido o país para um estado de total devastação em termos de infraestruturas
consideradas essenciais e básicas, é inegável que o legado desta ocupação deu lugar a
uma profunda alienação do povo timorense que, lentamente, se tenta libertar.
Neste seguimento, foi criada uma comissão para o processo de reconciliação nacional,
denominada Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação (CAVR, 2005), estabe-

XXIX Encontro AULP | 539


lecida em Timor-Leste em 2001, organizada e supervisionada pelas Nações Unidas, com
o objetivo de “investigar as violações dos direitos humanos cometidas no país asiático
entre abril de 1974 e outubro de 1999 e facilitar a reconciliação da comunidade com a
justiça para aqueles que cometeram crimes menos graves” (Borges, 2015, p. 95). Porém,
uma vez que ainda são diversas as dificuldades sentidas por esta comissão criada para a
reconciliação para a paz, considera-se que é tarefa da filosofia não só auscultar o ponto da
situação atual, mas também o de apontar alternativas e sugerir soluções para determina-
dos problemas levantados pela complexidade do tema.
Entre os desafios políticos e de direitos humanos está o facto de que muitos dos que
pereceram durante o período da resistência (1975-1999), ainda hoje, têm um paradeiro
incerto. Isto faz com que as famílias não possam enterrar os seus próprios mortos. Um
exemplo é o corpo de Nicolau Lobato, que foi o principal líder da resistência e primeiro-
-ministro da autoproclamada independência timorense durante o período de 1975 e 1979.
Apesar da insistência do Governo timorense, a informação do paradeiro do corpo perma-
nece em segredo nos arquivos do Exército Nacional da Indonésia (TNI). Embora a CAVR
(2005) tenha registado inúmeros documentos, artefactos, fotografias e depoimentos rela-
tando casos de violações de direitos e mortes durante o período de 1975-1999, ainda hoje,
os responsáveis não foram julgados.
Este contexto pode favorecer o sentimento de impunidade por parte das vítimas e das
suas famílias. Podemos observar isso na situação das milícias timorenses pró-indonésia e
dos seus líderes. A falta de uma ação efetiva no sentido de promover julgamentos formais
pelos crimes de guerra pode aumentar a tensão social, pois, entre outros contratempos,
algumas pessoas não podem regressar para as suas casas e terras ancestrais das suas famí-
lias, pois persiste o sentimento de vingança e injustiça devido à falta de identificação/re-
conhecimento e punição formal aos agressores. Além disso, pode gerar vinganças inter-
geracionais, agravando ainda mais as disputas, ressentimentos e vitimizando as futuras
gerações que não possuem responsabilidade direta com os factos do passado.
Ainda que, segundo o relatório do CAVR, tenham sido constituídos pequenos tribu-
nais tradicionais e tenha sido feita justiça em algumas pequenas comunidades, a impuni-
dade dos grandes crimes continua a gerar um sentimento de mal-estar entre o povo timo-
rense que, impotente e à mercê das agendas políticas e da comunidade internacional,
continua física e psicologicamente preso a um passado sombrio e turbulento.
A realização de justiça, que, para muitas vozes, deveria ter sido levada a cabo pela
ONU e pela comunidade internacional, efetivamente, nunca se concretizou; e talvez não
seja de esperar que um país pequeno como Timor-Leste possua força política suficiente
para levar a cabo esta missão. Segundo as vozes dos principais líderes políticos de Timor-
-Leste, auscultadas por Camila Tribess (2013, pp. 173-174), repor a justiça internacional
tratar-se-ia, sem dúvida, de uma tarefa sensível e complexa para Timor-Leste, uma vez
que isso implicaria o rompimento das boas relações comerciais e diplomáticas com a In-
donésia. Pelo menos, esta é a perceção de Mari Alkatiri, que considera que as “boas rela-
ções com a Indonésia são mais importantes do que a conquista de justiça” (Ibidem, p.173).
Para Ramos-Horta, é mais importante “a manutenção das boas relações” com a Indonésia
do que fazer “uma caça às bruxas”. Em relação à questão do Tribunal Internacional, refe-
re que “(…) Timor-Leste não quis, não quer e não vai gastar energias, subverter as rela-

540 | XXIX Encontro AULP


ções com a Indonésia com um tribunal Internacional e isso só vai satisfazer os juízes e
profissionais internacionais que iriam ser muito bem pagos (…)” (Ibidem, pp.173-174).
Também Xanana Gusmão defende “um processo de reconciliação em que a justiça lide
com os autores dos crimes, mas evite sentimentos residuais de vingança, ressentimento e
ódio. Embora concorde com a necessidade de justiça, Xanana Gusmão é apologista de
que o interesse nacional “é o de garantir a estabilidade política e social, o que significa a
estabilidade ao longo da fronteira e o fortalecimento da relação com a Indonésia (Ibidem,
p. 174). Neste sentido, como refere Camila Tribess, é possível diagnosticar “uma lacuna
entre as falas e depoimentos publicados pelo relatório do CAVR e o discurso e atuação
das lideranças políticas do país” (Ibidem).
Se, por um lado, os líderes políticos timorenses não pretendem subverter as relações
diplomáticas e comerciais com a Indonésia, porque isso causaria danos irreparáveis para
Timor-Leste, por outro lado, o imaginário social timorense continua enclausurado nos
espectros do passado à espera de justiça. É possível assinalar, segundo as várias vozes
timorenses auscultadas em 2005, a constatação de uma alienação ontológica do presente,
que se repercute não só no desenvolvimento pessoal do cidadão timorense, como também
no desenvolvimento da jovem nação asiática, que, alheada do presente, permanece anco-
rada nas sombras do passado.

3. Alguns Contributos da Filosofia e das Ciências Humanas para o Processo de


Reconciliação para a Paz em Timor-Leste
O dilema originado pelas diferentes perspetivas entre as elites políticas e o povo timo-
rense em relação à reconciliação para a paz não pode permanecer numa tensão periclitan-
te. Se Timor-Leste se encontra numa posição geopolítica extremamente sensível, ao pon-
to de nada poder fazer para se promover a justiça internacional, será que nada mais resta
às várias comunidades em Timor-Leste do que aguardar impávida e passivamente por um
eventual desfecho de justiça? Será que o pathos trágico de vários cidadãos timorenses é o
de aguardar ad aeternum por uma resolução internacional de justiça e legalidade? O que
é verdadeiramente importante, atualmente, é interrogarmo-nos sobre o que é possível
fazermos enquanto aguardamos por uma eventual resolução política e jurídica sobre a
matéria.
É precisamente neste ponto em que a filosofia é necessária em qualquer sociedade.
Sendo a filosofia essencialmente “criação de conceitos”, é através da criação de novos
conceitos que se pode enfrentar o presente sem se perder nada do passado, mas com os
olhos voltados para o futuro. Este é o seu poder e o seu magnetismo, que mais nenhuma
ciência possui. Quando a política não tem respostas, quando outras ciências sociais e
humanas já fizeram incansavelmente o seu trabalho (CAVR), quando não há mais nada a
fazer senão aguardar serenamente que os ventos do destino cumpram com a sua fiel voca-
ção, a filosofia pode apontar novas direções e novos desafios. Não se pretende dizer com
isto que, através da filosofia, se possa encontrar a derradeira solução, mas que a sua tarefa
sempre foi e sempre será, ao longo dos séculos da sua existência, a de abrir novos hori-
zontes e de revelar novos mundos ao mundo.
No fundo, considera-se que é necessário continuar a enveredar pelos trilhos percorri-
dos pela CAVR, ainda que com um sentido de missão inteiramente diferente. Ainda que

XXIX Encontro AULP | 541


as recomendações avançadas pela CAVR até agora não tenham tido qualquer eco na co-
munidade internacional, no sentido de se realizar a justiça formal com o Estado Indoné-
sio, é importante sublinhar o trabalho de grande importância levado a cabo por esta co-
missão: em primeiro lugar, a atenção que concedeu às vozes oprimidas pelo conflito; em
segundo lugar, a catarse nacional; em terceiro lugar, a contribuição destas vozes para o
desenvolvimento da história nacional e da identidade de Timor-Leste; por fim, a cons-
ciencialização coletiva sobre os temas/problemas relacionados com os direitos humanos
e a abertura para a interculturalidade.
Também é importante destacar a importância dos profissionais que levaram avante a
iniciativa de auscultar o que as diversas vozes oprimidas tinham a dizer sobre o conflito;
neste caso, os membros desta comissão não procuraram falar pelo oprimido, secundari-
zando ou suprimindo a sua voz, concedendo, pelo contrário, a inteira e absoluta liberdade
da fala e das narrativas individuais. O perigo, neste tipo de situações, reside, como nos
relembra Spivak, quando o intelectual pretende falar por aqueles que não têm voz, aca-
bando por subalternizar aqueles que já se encontram marginalizados pela sociedade
(2010, p.21).
Desta forma, o que verdadeiramente importa assinalar na CAVR é a inscrição das
vozes oprimidas no mundo que, por sua vez, são portadoras de múltiplos sentidos e de
variados significados identitários. Neste sentido, considera-se que é necessário continuar
a procurar e a desvendar a polissemia destas vozes, não só para os processos de reconci-
liação para a paz, mas, sobretudo, para se levar a cabo uma reconciliação cultural. Por
outras palavras, talvez seja possível passar de um processo de reconciliação para a paz
para um processo de reconciliação com os valores presentes nas próprias culturas em Ti-
mor-Leste. Se a cultura é considerada como o conjunto de valores, hábitos e comporta-
mentos que existem num determinado povo e que são passados de geração em geração;
se, como nos relembra Senghor, “cada continente, cada raça, possui os traços do Homem”
(1969, p.309); se, cada cultura, possui em si valores singulares que a distinguem das ou-
tras culturas, torna-se importante, atualmente, passado quase quinze anos após a auscul-
tação das vozes timorenses oprimidas pelo conflito, saber como as pessoas vivem as suas
vidas, o que elas pensam e sentem da vida e como elas querem ou desejam que a vida seja
para eles. A vida humana, muitas vezes, encontra soluções por si mesma, sem recurso a
medidas políticas, jurídicas ou científicas.
Sob a égide “Despertar a Sabedoria de Timor-Leste”, é possível resgatar o conheci-
mento que permanece oculto em Timor-Leste e que, muitas vezes, nem sequer é herdado
oralmente pelas novas gerações, por várias razões. Sendo o Homem o representante má-
ximo da sua cultura e dos seus valores, é a partir da sua voz que se pode apurar a sua as-
sinatura no mundo e, através dela, a sua sabedoria. Neste sentido, dever-se-á partir das
próprias culturas endógenas, através da forma como os mais velhos e mais novos vislum-
bram e desejam a vida, bem como as contribuições da sabedoria popular, os provérbios,
as máximas e os contos populares1. Em todo este processo, talvez seja possível, tal como

1. Neste ponto, é importante salientar que já foram produzidos estudos dentro destas temáticas e que devem
ser aproveitados para análise, comparação, consolidação e reflexão. Entre alguns dos estudos mais recentes,
podemos citar os trabalhos da autora Anabela Barros (BARROS, Anabela Leal (2019). O Galo do Oriente –

542 | XXIX Encontro AULP


Oruka afirmou, não só auscultar a sabedoria popular através do sábio popular, mas tam-
bém a do sábio filosófico (1991, p.5)2.
O mandato da CAVR provou que é possível envolver as pessoas e as comunidades
num grande projeto, desde que determinado projeto faça sentido para as suas vidas e para
a sua realidade; neste sentido, não encontramos razões para não se continuar este traba-
lho, ainda que com diretrizes diferentes, que visem não só acompanhar a evolução da
vida, numa dimensão holística, como também a de estimular o despertar da sabedoria no
país. Desta forma, este projeto implica uma deslocação da atenção, não só para o passado,
mas para o presente; implica o olhar, atento e apaixonado, para tudo aquilo que se tem e
tudo aquilo que se é; implica a passagem das memórias conturbadas do passado para a
contemplação e a reflexão do presente; por fim, visa a passagem da sabedoria oral para a
sabedoria escrita. Não se pretende, através deste projeto, abafar as narrativas do passado,
nem desenvolver uma operação de cosmética que negligencie as vozes que falaram e não
foram totalmente escutadas. Pelo contrário, pretende-se continuar a auscultar estas vozes,
em toda a liberdade que elas possam ter, dentro de uma temática que é importante e diz
respeito a todos. A proposta da passagem de um processo de reconciliação para a paz para
um processo de reconciliação cultural trata-se, desta forma, de um processo de reconcilia-
ção do eu para com os valores das suas culturas, sem qualquer pretensão de se instaurar
quaisquer nacionalismos ou essencialismos.
Neste enquadramento, o projeto “Despertar a Sabedoria em Timor-Leste” (DAST) –
ou qualquer outra designação que possa vir a ter – trata-se de uma extensão da CAVR que
não implica a sua eliminação, mas de uma passagem, que se pretende fluída e harmoniosa,
onde certamente habitará ecos do passado, mas que não deixa de ser, por isso, um pode-
roso estímulo em direção à valorização da sabedoria e à elevação dos direitos culturais e
humanos em Timor-Leste.

4. A Defesa e a Criação da Disciplina de Filosofia no Ensino Secundário


Sem dúvida alguma, a área de saber que trata da elevação e valorização da sabedoria
é a filosofia. A filosofia trata de conceitos, problemas, teorias e argumentos. Sendo pura-
mente dedutiva, ao contrário da maioria das ciências sociais e humanas, ela tem uma
forma peculiar de abordar determinadas temáticas e a própria realidade em si. Não quer
dizer que ela goza de um estatuto especial: apenas é diferente. Sendo a filosofia compre-
endida como criação de conceitos, a sua tarefa não é só a de formar cidadãos esclarecidos,
com pensamento crítico e construtivo, capazes de debater e de tomar decisões com conhe-
cimento de causa; ela também possui a capacidade de contemplar o passado, interpretar e
interrogar-se sobre o presente e de apontar soluções para o futuro. Entre a realidade e a
utopia, ela tem a capacidade de apresentar soluções teóricas e concetuais que abrem ca-
minhos que, por sua vez, estimulam novas ideias. Não é de espantar que, atualmente,

Contos e Lendas de Timor-Leste. Ribeirão: Edições Húmus); a Timor-Leste Studies Association, através da
TLSA Conference 2015, 2013, 2011, 2009; a Revista Diálogos, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Nacional de Timor-Lorosa’e, entre outros.
2. A filosofia dos sábios designa-se pelo conjunto de ideias filosóficas de alguns indivíduos que estão presen-
tes nas comunidades nativas e que ainda não sofrerem influências das sociedades ocidentais.

XXIX Encontro AULP | 543


milhares de diplomados em filosofia estejam ao serviço de empresas norte-americanas da
área da inovação concetual e tecnológica; pois, no fundo, devido à sua formação filosófi-
ca, estas pessoas conseguem, muitas vezes, apresentar soluções criativas e alternativas
teóricas relevantes com impactos significativos.
Neste sentido, a criação da disciplina de filosofia no ensino secundário afigura-se
fundamental em Timor-Leste, não só para a formação de espíritos críticos e reflexivos,
não só para se estimular a formação do caráter individual e o pensamento livre e racional,
mas também para prover os instrumentos necessários que visem o desenvolvimento har-
monioso da poiesis3 (RUNES, 1990) no estudante. A filosofia é, essencialmente, atividade
poiética.
Contudo, a estrutura da disciplina de filosofia no ensino secundário em Timor-Leste
não poderá ser baseada na configuração temática e curricular da disciplina de filosofia do
mundo ocidental. Ela deverá ter em consideração o estudo crítico da filosofia ocidental,
as contribuições profundas da filosofia oriental e os tributos axiológicos das próprias
culturas endógenas de Timor-Leste.
No entanto, tal como o ponto anterior, os contornos teóricos aqui expostos que supor-
tam a defesa da disciplina de filosofia no ensino secundário em Timor-Leste, merecem,
certamente, novos desenvolvimentos concetuais e um escrutínio crítico redobrado e aten-
cioso que poderão ter lugar numa próxima apresentação.

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3. Poiesis “é a atividade de criar ou de fazer, produção artística”.

544 | XXIX Encontro AULP


Acções desenvolvidas pelo Instituto Superior de Ciências
da Educação do Cuanza Sul (ISCED CS), à luz dos
convénios com algumas universidades brasileiras

Lourenço Lino de Sousa


Departamento de Ciências da Natureza, Vice Decano para Área Cientifica do Instituto Superior das Ciências
da Educação do Cuanza Sul, da Universidade Katyavala Bwila, Angola. E-mail: [email protected]

Amélia de Jesus de Oliveira Freire Sakongo


Departamento de Ciências da Natureza, Vice Decano para Área Cientifica do Instituto Superior das Ciências
da Educação do Cuanza Sul, da Universidade Katyavala Bwila, Angola.
E-mail:[email protected]

Miguel Casimiro António


Departamento de Ciências Sociais, Vice Decano para área académica do Instituto Superior das Ciências da
Educação do Cuanza Sul, da Universidade Katyavala Bwila, Angola.
E-mail: [email protected]

Introdução
O Instituto Superior de Ciências de Educação do Cuanza Sul (ISCED CS) emana do
então pólo universitário do Cuanza Sul, o qual tinha sido integrado ao Centro Universi-
tário de Benguela no ano de 2002, pertencente ainda à Universidade Agostinho Neto
(única universidade pública na altura), tendo iniciado as suas actividades com um uni-
verso de apenas 107 estudantes nos cursos de licenciatura em Pedagogia e ensino da
Psicologia.
Com o redimensionamento da universidade Agostinho Neto e o consequente surgi-
mento das regiões académicas (no ano de 2009), o Cuanza Sul foi inserido na região
académica II sob a égide da Universidade Katyavala Bwila (UKB), com sede em Bengue-
la. Foi deste modo que o Pólo Universitário se transformou em Instituto Superior de Ci-
ências da Educação do Cuanza Sul como Unidade Orgânica desta Universidade.
Actualmente a instituição ministra sete cursos de graduação: Ensino da Pedagogia,
Psicologia, História, Sociologia, Matemática, Geografia e Química e três cursos de Pós
graduação: Mestrado em Educação Pré – Escolar, Mestrado em Ensino Primário e Mes-
trado em ciências da educação, o qual contempla três especializações: Ensino da Matemá-
tica, Língua portuguesa, História e Geografia.
A instituição tem neste momento um universo de 2.262 estudantes nos cursos de licen-
ciatura, 134 nos cursos de pós graduação e conta com um quadro docente constituído por
18 Doutores, 26 Mestres e 21 licenciados. Quanto aos egressos, até ao presente momento
foram lançados no mercado de trabalho 2.385 licenciados e 37 mestres.
O ISCED CS é um espaço de produção, transmissão e divulgação do conhecimento,
que no contexto das outras instituições do Ensino superior, desenvolve suas activida-
des com base na tríade Ensino, Investigação e Extensão Universitária e para o efeito, no

XXIX Encontro AULP | 545


âmbito dos convênios internacionais, tem desenvolvido acções formativas e de extensão,
destacando-se aqui o Seminário internacional de formação de professores Angola-Brasil,
a leccionação de disciplinas nos cursos dos mestrados da Instituição e na elaboração con-
junta de projectos de investigação. Este trabalho persegue justamente o objectivo da par-
tilha das acções acima referidas.

1. Cursos de graduação e Pós Graduação em Funcionamento no ISCED CS


Actualmente a instituição ministra sete cursos de graduação: Pedagogia, Psicologia,
História, Matemática, Geografia, Sociologia e Química. Estão ainda aprovados e para o
arranque breve os cursos de Ensino da Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Física e
aguarda-se pela aprovação do curso de Ensino da Biologia.
No que concerne a pós-graduação a instituição tem três cursos de pós graduação em
funcionamento: Mestrado em Educação Pré-Escolar, Mestrado em Ensino Primário
e Mestrado em Ciências da Educação com especializações em: Ensino da Matemática,
Língua portuguesa, História e Geografia.

2. A Internacionalização do ISCED CS
A internacionalização do ensino superior é uma tendência global e tem sido foco de
atenção da Universidade Katyavala Bwila e consequentemente do Instituto Superior de
Ciências da Educação do Cuanza Sul no intuito de impulsionar a cooperação académica
que promova a excelência no Ensino, Investigação e Extensão Universitária.
Entre vários convénios internacionais da UKB, o ISCED CS tem em funcionamento
os convénios com a Escola Superior de Educação de Lisboa, a Faculdade de Educação de
São Paulo (FEUSP), a Universidade do Centro Oeste (UNICENTRO), a Universidade do
Estado de Amazonas (UEA) e a Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Estão em tramitação os convénios com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN) e com a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).

3. Acções realizadas no âmbito dos convénios


O Ensino, a Investigação Científica e a Extensão constituem as três funções básicas
das instituições do ensino superior e como tal têm merecido igual tratamento no Instituto
Superior de Ciências da Educação do Cuanza Sul, pois o posicionamento adoptado pela
Instituição converge para uma resposta efectiva às necessidades de formação de compe-
tências que sustentem o desenvolvimento da província, da região e do País, em sentido
mais amplo, nos seus diversos sectores.
Segundo Silva (1996), a extensão universitária é uma forma de interação que deve
existir entre a universidade e a comunidade na qual está inserida. É uma espécie de
ponte permanente entre a universidade e os diversos sectores da sociedade. Funciona
como uma via de duas mãos, em que a Universidade leva conhecimentos e/ou assistên-
cia à comunidade, e recebe dela influxos positivos como retroalimentação enquanto
suas reais necessidades, seus anseios, aspirações, aprendendo com o saber dessas comu-
nidades.
O conhecimento contemporâneo tem um crescimento acelerado, maior complexidade
e tendência para a rápida obsolescência. Estima-se que a cada quatro anos duplica a quan-

546 | XXIX Encontro AULP


tidade de informação disponível; os analistas observam, porém, que somos capazes de dar
atenção apenas a cerca de 5 a 10% dessa informação (Bernheim e Chaui, 2003).
Neste contexto a divulgação da informação e do conhecimento tem levado o ISCED
CS, a oferecer a comunidade local e não só, acções formativas nos mais variados domí-
nios do saber. Tirando bom proveito não só de seus docentes com formação diferenciada,
mas também dos convénios com as Instituições de Ensino Superior do Brasil, como bem,
acima, ficou referenciado.

3.1. Seminário internacional de formação de professores Angola e Brasil


O Seminário internacional de formação de professores Angola e Brasil tem sido orga-
nizado anualmente desde o ano de 2016, com objectivo de capacitar professores nas vá-
rias áreas do saber. A primeira edição destinou-se a capacitação de professores nas áreas
de Psicologia, Pedagogia, História e Língua Portuguesa com professores vindos da
FEUSP e UNICENTRO. A segunda edição destinou-se a capacitação de professores das
áreas da Língua Portuguesa, História, Psicologia, Pedagogia e Expressão Musical com
professores vindos da FEUSP e UNICENTRO. A terceira edição capacitou professores de
Língua Portuguesa, Literatura e Ciências biológicas, com professores vindos da FEUSP,
UFTM, UFRN, UFSB e UEB.
A quarta edição a realizar-se em Maio de 2019 será dedicada às áreas de Biologia,
Geografia, Matemática, História e Letras. Os professores hão de vir da FEUSP, UFTM,
UFRN, UFSB e Moçambique.
A partir da terceira edição, à margem do Seminário tem-se um mini forum de mestran-
dos, que tem permitido aos estudantes de pós graduação a apresentação dos seus projectos
de investigação para a dissertação.

3.2. Leccionação de Disciplinas na Pós Graduação


O Instituto Superior de Ciências da Educação do Cuanza Sul para além dos cursos de
graduação, ministra cursos de Pós-Graduação, cujo funcionamento tem contado com Pro-
fessores muito qualificados de Universidades brasileiras os quais têm leccionado algumas
disciplinas nos mestrados em Educação Pré-Escolar, Mestrado em Ensino Primário e no
Mestrado em Ciências da Educação, nas suas diversas especializações (Ensino da Mate-
mática, Língua Portuguesa, História e Geografia). É importante destacar aqui professores
da Universidade de São Paulo, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Universidade
Federal do Sul da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal de Alago-
as, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade do Centro Oeste e Uni-
versidade Federal de Sergipe.

3.3. Produção e Divulgação do Conhecimento


O Instituto Superior de Ciências da Educação do Cuanza Sul é parte integrante do
projecto dirigido pela Professora Doutora Marinalva Vieira Barbosa denominado: “Leitu-
ra e escrita no Brasil, Honduras, Angola e Chile: formação na universidade contemporâ-
nea e (re)produção de conhecimento”.
Elaborou-se um projecto de caráter “COMMUNITY OWNED SOLUTIONS” cujas
acções perspectiva-se que comecem na universidade e cheguem às escolas de educação

XXIX Encontro AULP | 547


básica. O projecto é denominado “Alfabetização mediática – informacional e desafios
ambientais: desenvolvimento e teste de uma proposta para a educação básica, usando
soluções próprias da comunidade”. Participa deste Projecto a Professora Doutora Alexan-
dra Bujocas de Siqueira da UFTM.
As Universidades conveniadas têm dado oportunidades aos professores da nossa ins-
tituição na Publicação de artigos e/ou organização dossier nas suas revistas.
Será publicado em Dezembro o livro “Como escrever a pesquisa: “normas técnicas,
metodologia e guia do trabalho acadêmico” o qual será fruto de uma publicação conjunta
entre a Editora da UKB e da Universidade do estado de Amazonas (UEA).
Este livro será de extrema importância para os mestrandos e na próxima edição pensa-
-se em estender os conteúdos do mesmo para o doutoramento, outro desafio conjunto para
os próximos tempos, visto que no próximo ano se perspectiva submeter ao Órgão de tute-
la o projecto pedagógico para o doutoramento em Educação, cuja implementação contará
sempre com o apoio de docentes provenientes de Universidades brasileiras, no âmbito
dos convênios.

4. Conclusões
O Instituto Superior de Ciências da Educação do Cuanza Sul tem tirado bom proveito
dos convénios internacionais o que tem contribuído muito nos processos da difusão e
socialização do conhecimento; no aprimoramento curricular e criação de novos cursos;
no fornecimento de subsídios para o aperfeiçoamento da estrutura e directrizes da própria
universidade com acções formativas (ensino – pesquisa – extensão) na linha da busca da
qualidade; no Conhecimento da comunidade universitária sobre a problemática interna-
cional e actuar na busca de soluções plausíveis (mobilidade docente, discente e pessoal
administrativo).

5. Referências Bibliográficas
Bernheim, C. T e Chaui, M. S (2003): Desafios da Universidade na Sociedade do Conhecimento. Artigo
produzido pelo Comité Científico Regional para a América Latina e o Caribe, do Fórum da UNESCO, Paris.
Instituto Superior de ciências da Educação do Cuanza Sul (2016 –2017): Síntese das principais activida-
des.
Oberdan Dias da Silva (1997, Palestra proferida no II Simpósio Multidisciplinar “A Integração Universida-
de-Comunidade”, em 10 de outubro de 1996),. Integração III(9):148-9

548 | XXIX Encontro AULP


6. Apêndice

Acto de encerramento do Seminário de formação de professores Angola-Brasil 2017

Entrega certificado a um dos facilitadores Participantes do seminário

XXIX Encontro AULP | 549


550 | XXIX Encontro AULP
Que educação superior e conhecimento em
ciências sociais e humanas no século XXI?
A experiência da AILPcsh e dos CONLAB1

Tiago Castela
Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC), Portugal; E-mail: [email protected]

Cesaltina Abreu
Universidade Agostinho Neto, Angola

Eurídice Monteiro
Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), Cabo Verde

Marina Mello
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Brasil

Ricardo Cardoso
Yale-NUS College, Singapura

Jacqueline Freire
Universidade Federal do Pará (UFPA), Brasil

Introdução: uma história de circulação de ideias e as novas ameaças ao conheci-


mento
A educação superior e o conhecimento em ciências sociais e humanas têm historica-
mente sido temas centrais na agenda académica dos Congressos Luso-Afro-Brasileiros de
Ciências Sociais (CONLAB), iniciados há quase trinta anos, assim como na agenda da
Associação Internacional de Ciências Sociais e Humanas em Língua Portuguesa
(AILPcsh, doravante AILP), fundada em 2011 pela comunidade académica agregada pelo
CONLAB. O objetivo geral do presente artigo consiste em analisar a trajetória dos CON-
LAB desde a sua primeira edição em 1990.
Intitulado “Saber e Imaginar o Social: Desafios às Ciências Sociais em Língua Portu-
guesa”, o primeiro CONLAB foi liderado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Fa-
culdade de Economia da Universidade de Coimbra, tendo reunido pesquisadores do cam-
po das ciências humanas e sociais de Portugal, do Brasil e dos países africanos de língua
oficial portuguesa. A criação do CONLAB constituiu-se num marco histórico para a Uni-
versidade de Coimbra, e para pesquisadores e instituições participantes, de abertura à
comunidade científica dos referidos países, de fomento da interdisciplinaridade, e de in-
ternacionalização da sua produção científica. Sousa Santos, na sessão inaugural do pri-
meiro CONLAB, pautou instigantes reflexões sobre o desassossego epistemológico ante

1. Os autores Cesaltina Abreu, Marina Mello, e Tiago Castela são membros da actual Direcção da AILPcsh,
que iniciou o seu mandato em 2015. Os autores Eurídice Monteiro, Jacqueline Freire, e Ricardo Cardoso são
membros da Direcção eleita, que tomará posse em Outubro de 2019.

XXIX Encontro AULP | 551


os cânones hegemónicos, em profunda crise à época em relação ao paradigma positivista.
Abordava Santos que o CONLAB congregava vozes em tempos de lutas por liberdades e
defesa da democracia, num contexto em que as ditaduras em Brasil e Portugal haviam
terminado e simultaneamente estados como Angola e Moçambique se estavam recons-
truindo após a independência política. A importância da iniciativa exitosa do CONLAB
traduziu-se pela publicação de três números da Revista Crítica de Ciências Sociais
(RCCS) incluindo uma seleção das apresentações.2 Entre 1990 e 2018, treze edições do
CONLAB foram realizadas, impulsionadas por pujantes discussões políticas e académi-
cas, e mediadas por temáticas sintonizadas com as lutas e desafios de seu tempo.
No 11º CONLAB, em 2011, é formalmente criada a AILP, e posteriormente dois con-
gressos são realizados. Aproximam-se os 30 anos do CONLAB e 10 anos da AILP, inicia-
tivas de congregar pesquisadores/as e de construir comunidade científica de países com
língua portuguesa na área das ciências sociais, humanas e abordagens interdisciplinares.3
Importa refletir sobre esta trajectória, identificando seus sentidos e significados, rupturas
e continuidades, convergências e tensões.
Este artigo explora a importância histórica da iniciativa de criação dos CONLAB e da
AILP, num contexto em que a circulação de ideias se fez através da realização de congres-
sos em diferentes países, apesar do domínio de Portugal e o Brasil, ao acolherem respec-
tivamente, seis e cinco edições, tendo havido ainda uma edição em Moçambique e outra
em Angola. A guinada neoliberal na economia política da ciência e do ensino superior,
articulada com a onda de perspectivas políticas conservadoras, assim como os riscos para
a democratização política e para a autonomia universitária em décadas recentes, para
além da emergência de novos paradigmas e atenções epistemológicas, têm repercutido na
agenda académica e institucional dos CONLAB e da AILP. As ameaças ao campo das
ciências humanas e sociais exigem profunda reflexão e acção concreta em defesa de ciên-
cias tributárias deste campo, e constituição de redes de integração internacional, assim
como o fortalecimento das parcerias.

O CONLAB de 1990 na emergência de uma comunidade científica de língua por-


tuguesa pós-colonial
O CONLAB de 1990 é realizado 2 anos após a promulgação da nova Constituição
democrática do Brasil, e apenas 1 ano após as primeiras eleições directas para a Presidên-

2. A RCSS havia sido fundada em 1978, principalmente por docentes da recentemente fundada Faculdade de
Economia de Coimbra, entrando posteriormente para o conselho editorial docentes de Letras. O Centro de Es-
tudos Sociais foi então fundado como associação, inicialmente com o objectivo único de ser a entidade que
publicaria a revista (Cardina e Ribeiro 2018, 20). A revista dedicou três números a uma seleção de atas do
Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais de 1990. No número 32, foram publicados os textos das
sessões plenárias, sob os temas “Democracia e desigualdades sociais”, “Os novos sujeitos sociais”, e “Transna-
cionalização da cultura, saberes e identidades”. Nos números 33 e 34 foram publicados textos seleccionados
agrupados em seis temas.
3. Ao longo do artigo, utilizaremos a expressão “com língua portuguesa”, já que maior parte dos países de
língua oficial portuguesa têm outras línguas oficiais, nacionais, ou de reconhecimento oficial a escalas locais. A
constituição angolana prevê “proteger, valorizar as línguas angolanas de origem africana”, sendo as mais fala-
das o Umbundu e o Kimbundu, sem nenhuma predominar, como aliás é também o caso em Moçambique, onde
existem 23 línguas nacionais. No Brasil, há várias línguas co-oficiais à escala municipal, como o Guarani em
municípios do estado do Mato Grosso do Sul. Em Portugal, a língua mirandesa é oficialmente reconhecida.

552 | XXIX Encontro AULP


cia nesse país. Quanto a Portugal, apesar da democratização política em Portugal ter ini-
ciado em 1974, a recente adesão à então Comunidade Económica Europeia em 1986 e a
hegemonia do liberalismo político com o primeiro governo de maioria absoluta de um
único partido em 1987 pareciam ameaçar o processo de redução das desigualdades so-
ciais que havia caracterizado a primeira década do novo regime. Não é portanto surpreen-
dente que o primeiro artigo do número da RCCS que agregou as apresentações das ses-
sões plenárias seja do sociólogo brasileiro Fernando Henrique Cardoso, e se intitule
“Democracia e Desigualdades Sociais”, avisando que “a democracia só pode vingar se,
ao contrário das ténues experiências conhecidas, vier acompanhada de mudanças subs-
tanciais nas oportunidades dos pobres e marginalizados” (Cardoso 1991, 23).4 É também
importante recordar que o segundo artigo avisava precisamente, a partir da perspectiva
portuguesa, sobre “a necessidade de resistir à tentação ocidentalocêntrica” nos exercícios
prospectivos do político, especialmente tendo em conta o fim da partição da região euro-
peia que estava então em curso (Almeida 1991, 29).
No programa do congresso estava também incluída a atribuição de um doutoramento
honoris causa ao sociólogo brasileiro Florestan Fernandes,5 com quem Cardoso havia
estudado, e à época deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores. Foi portanto um
congresso concentrado em fomentar o diálogo entre académicos interessados na ordem
política nas três principais universidades portuguesas (Lisboa, Coimbra e Porto) e em
universidades brasileiras do estado de São Paulo e do Rio de Janeiro: dos 16 autores de
artigos do número da RCCS que recorda as sessões plenárias, nove são brasileiros, e cin-
co são portugueses. As duas excepções foram Gita Welch, jurista originalmente de Mo-
çambique, e Carlos Cardoso, filósofo da Guiné-Bissau, que aliás era o único autor que
trabalhava numa instituição de ensino superior do continente africano. Por outro lado, foi
também um congresso com algum enfoque nos debates próprios da sociologia, já que 6
dos autores neste número eram sociólogos, sem no entanto se descurar as perspectivas de
outras ciências sociais e humanas, com destaque para a antropologia e a filosofia; como
ainda era habitual à época, o congresso teve uma predominância de académicos homens.
A tendência para a concentração no diálogo entre duas pequenas regiões com língua
portuguesa persistiu nos 3 congressos seguintes, que se realizaram em 1992 na Universi-
dade de São Paulo (USP), em 1994 em Lisboa com organização do Instituto de Ciências
Sociais (ICS) e da Universidade Nova de Lisboa (UNL), e em 1996 na Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro (UFRJ). Os primeiros quatro congressos pretendem construir uma
comunidade científica de língua portuguesa que se poderá caracterizar como pós-colonial,
já que desde o início se pretendeu criar uma alternativa à crescente hegemonia da produ-
ção científica anglófona, assim como contestar a racionalidade colonial implícita no “oci-
dentalocentrismo”. No entanto, não há dúvida que teríamos de esperar pelos congressos
de Maputo e Luanda para esboçar uma ultrapassagem da lógica de dominação pela antiga
universidade imperial única, Coimbra, e pelas principais universidades das 2 maiores ci-

4. Em 1988, Cardoso havia sido um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). No
campo académico, havia-se notabilizado como um dos principais proponentes da teoria da dependência. Em
1992, integrou o governo do Presidente Itamar Franco como ministro, e em 1994 foi eleito Presidente.
5. “‘1º Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais’: Portugal.” Estudos Avançados, 4 (8): 211-212.

XXIX Encontro AULP | 553


dades portuguesas e brasileiras, com alguma marginalização das universidades públicas
que com enorme esforço colectivo se iam criando em quadros de conflito armado em
Angola e Moçambique. Este é aliás ainda um dos desafios que a AILP continua a enfren-
tar: de que forma evitar a reprodução das ameaças para a coesão social decorrentes da
erosão das políticas estatais que pretenderam, nos países com língua portuguesa, criar
redes de universidades públicas dispersas pelos territórios nacionais? Será que a AILP se
conseguirá orientar para um paradigma de fomento de “universidades comuns” (Carrozza
e Castela 2017), face aos discursos governamentais da “excelência científica”, em parti-
cular na região europeia?
Quanto à marginalização específica dos países com língua portuguesa em África, esta
havia sido de alguma forma anunciada no próprio título do congresso, em que a elementos
de composição relativos a dois estados, Portugal e Brasil, se agrega um adjectivo que faz
referência a todo o continente africano, “afro”. Não é por acaso que logo que se retoma a
discussão da criação de uma associação no congresso de Maputo em 1998, a expressão
“Luso-Afro-Brasileiro” utilizada no início desse debate no Rio em 1996 é preterida, pre-
ferindo-se uma referência à língua de investigação, o português. Por outro lado, é revela-
dor dos desafios para um projecto de construção de uma academia pós-colonial que no
programa cultural do primeiro congresso, no caso de música portuguesa a autoria seja
nomeada com especificidade, sendo no final do primeiro dia os Fados “de Coimbra” atri-
buídos a uma cidade específica, e sendo no final do segundo dia o recital “por Arthur
Moreira Lima e Carlos Paredes”. Por contraste, no final do terceiro e último dia, os con-
gressistas assistiram a um “Espectáculo de Música Africana”, sendo neste caso todo um
continente evocado.6 Exploremos agora os efeitos dos dois congressos realizados em ci-
dades africanas no projecto colectivo da associação, e as lições para a actualidade.

Maputo 1998 e Luanda 2006: o fim dos conflitos armados e a democratização


política em Angola e Moçambique
Como já referimos, das treze edições do CONLAB, apenas duas tiveram lugar no
continente africano, ambas em contextos de pós-conflito e democratização formal. A pri-
meira destas duas edições aconteceu em Moçambique, seis anos depois do acordo de paz
de 1992 e um ano antes das segundas eleições multipartidárias de 1999; a segunda teve
lugar em Angola, quatro anos após o final da guerra civil em 2002 e dois anos antes das
legislativas de 2008.
O quinto CONLAB foi organizado, em 1998, pela Universidade Eduardo Mondlane,
de Moçambique, e aconteceu em Maputo. De entre as suas particularidades, destacam-se:
foi o primeiro congresso no continente africano e, contrariamente aos seus antecessores e
aos seguintes congressos, não teve um tema central mas antes uma gama variada de te-
mas, entre os quais “Segurança nas Sociedades”, “Novas Democracias”, “Artes e Socie-
dades”, “Populações e Territórios”, e “Oceano Índico”. Foi, ainda, durante a sua realiza-
ção que se deu sequência à discussão da criação da AILP. Como já foi mencionado, no
congresso anterior no Rio pensava-se em algo como “Associação Luso-Afro-Brasileira
de Ciências Sociais e Humanas”; em Maputo, retomou-se o tema em maior profundidade,

6. “‘1º Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais’: Portugal.” Estudos Avançados, 4 (8): 212.

554 | XXIX Encontro AULP


tendo sido decidida a criação da Associação de Ciências Sociais e Humanas em Língua
Portuguesa. Foi também acordado o lançamento da sua Revista Travessias, que até à ac-
tualidade foi publicando uma selecção dos textos apresentados em congresso.
Só em 2006 o CONLAB, na sua 9ª edição, volta ao continente africano. Realiza-se em
Luanda, a capital de Angola, de 28 a 30 de Novembro, e teve como lema “As Ciências
Sociais e os Desafios das Sociedades em Desenvolvimento”, tendo-se abordado várias
problemáticas com que se defrontam as sociedades contemporâneas. Os painéis apresen-
tados responderam a preocupações comuns aos países participantes possibilitando, ao
mesmo tempo, expressões diferenciadas de identidades e idiossincrasias societais e na-
cionais.
Como particularidade, o facto de ter tido, na sua organização sob a coordenação da
Universidade Agostinho Neto, a participação de universidades e institutos superiores pri-
vados, como a Católica de Angola, a Lusíada de Angola, a Jean Piaget de Angola, a Inde-
pendente de Angola e o ISPRA (Instituto Superior Privado de Angola), assim como de
instituições públicas como o Arquivo Nacional de Angola e o Instituto de Línguas Nacio-
nais, da organização cidadã ADRA (Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente), e
de associações profissionais como a dos psicólogos, dos economistas e dos antropólogos
e sociólogos de Angola, da Sociedade Angolana de Sociologia, e da União de Escritores
Angolanos. Esta abertura da universidade a organizações cidadãs e profissionais foi em
parte recuperada no congresso de 2018 em Guarulhos, São Paulo, mas continua a repre-
sentar um desafio para a AILP; tal como o carácter decididamente mais experimental e
criativo que os dois CONLAB do continente africano tiveram. Como poderemos recupe-
rar hoje para a AILP práticas mais “itinerantes, de circulação” (Mbembe 2013, 148)?

A formalização da AILP em 2011 em tempos de crise da economia política do


Atlântico Norte e de desafios ao liberalismo social no Sul7
A criação da AILP é finalmente formalizada em 2011, em tempos de crise da econo-
mia política do Atlântico Norte, e de desafios ao horizonte do liberalismo social no Sul.
Tendo em conta este quadro global que persiste, a secção final do artigo concentra-se em
reflectir sobre a recuperação da preocupação com a ordem política na qual se centrou a
formação do CONLAB, como mencionamos na primeira secção; e posteriormente explo-
ramos o potencial da ética de circulação sugerida pelos congressos realizados em Maputo
e Luanda.
Na tradição da universidade enquanto instituição actualmente secular, ou seja, autóno-
ma em relação à igreja, e republicana, ou seja, autónoma em relação ao governo, importa
eleger o saber segundo a óptica do direito do cidadão, o que se reflectirá no refrear da
despersonalização e na valorização da democratização, fomentando uma sociedade em
que os valores democráticos da cidadania são imperativos éticos e políticos da vida uni-
versitária. Do ponto de vista da pertinência e da relevância de uma tal opção, recordemos

7. A primeira parte desta secção adapta e expande a comunicação “Ciência e sociedade: um convite à refle-
xão” da autora Cesaltina Abreu, docente e directora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências
Sociais da UAN, na sessão de abertura das XI Jornadas Científicas da Faculdade de Ciências da mesma univer-
sidade, a 23 de Novembro de 2011.

XXIX Encontro AULP | 555


como a Conferência Mundial sobre Educação Superior no Século XXI proclamava que “a
educação superior deve visar a criação de uma nova sociedade, não-violenta e não-explo-
radora, formada por indivíduos altamente esclarecidos, motivados e integrados, inspira-
dos pelo amor à humanidade e guiados pela sabedoria” (UNESCO 1998).
Assiste-se em Angola e em outros países com língua portuguesa a processos de priva-
tização das instituições de ensino superior, quer através do crescimento exponencial das
instituições privadas, que no caso do Brasil se inicia a partir do final dos anos 60 (Martins
2009), quer através da criação de entidades formalmente privadas associadas a universi-
dades públicas, como em Portugal durante os governos de Mariano Gago (Pina-Cabral
2011). Tal processo tem colocado a produção do conhecimento científico ao serviço de
interesses particularistas, desconsiderando ou adiando as prioridades colectivas. Existe
uma pressão para a produção do conhecimento enquanto mercadoria, imediatamente apli-
cado nas áreas que supostamente importam para a economia crescer, em geral das ciên-
cias aplicadas.
É assim fundamental restituir à universidade as condições de recriar a sua capacidade
reflexiva e crítica, e de ensaiar novos processos de produção e divulgação de conhecimen-
tos (Santos 1989 e 2006), informando exercícios prospectivos da ordem política. A uni-
versidade pública precisa de promover uma cultura académica que prepare docentes e
estudantes para contextos multiculturais e abordagens interdisciplinares, que promova o
pensamento criativo e desenvolva atitudes, comportamentos e capacidades para que todos
possam contribuir para a sociedade primeiramente como cidadãos.
Para além dos seus deveres no campo da ciência e tecnologia, a universidade deve
sentir-se responsável também pela emergência de uma nova responsabilidade favorável à
reconstrução de uma sociedade que, sem rejeitar os ganhos da ciência e tecnologia, seja
capaz de reinventar uma cultura mais humana. Para isso, assumindo a sua função cultural,
a Universidade deve retomar a definição da sua função social na tensão entre a cultura e
a profissionalização, buscando um novo equilíbrio entre a formação técnica e a educação
humanista. Isso não significa, apenas, abordar temas humanísticos ou de artes em disci-
plinas ou cursos das grades curriculares, mas ampliar, de facto, o conceito de formação
académica de forma rigorosa, o que pressupõe uma séria revisão da prática académica
prevalecente.
Como já referimos, para além da recuperação de uma atenção à relação entre univer-
sidade e ordem política, acreditamos que é crucial explorar uma ética de circulação, cum-
prindo o horizonte pós-colonial proposto na formação da AILP. Considerando-se que em
um cenário globalizado, as identidades linguísticas não possam ser definidas em termos
essenciais ou essencialistas, inexoravelmente pautadas pelo sangue ou pela terra, por ori-
gens racialmente delimitadas, cumpre-nos reforçar a interrogação da conotação que a
expressão “luso-afro-brasileiro” carrega em termos de anterioridade, sequência ou hierar-
quia, já anteriormente abordada. Para além dos aspectos já mencionados, é notável como
a nomenclatura indicará uma preeminência do “luso” sobre o “afro”, e deste sobre o
brasileiro. Poderemos assinalar uma racionalidade que prima por uma historicidade colo-
nialmente instituída, que deve ser problematizada. Por outro lado, no nome da associação,
a “língua portuguesa” poderá ser interpretada como elemento não meramente aglutinador,
mas também definidor de identidades supostamente homogêneas e íntegras. Por isso, não

556 | XXIX Encontro AULP


se pode prescindir de uma avaliação que atente para a relevância das experiências colo-
niais, em seus aspectos de dominação e controle.
Para tanto, as perspectivas diaspóricas, concebidas em termos de fluxos, movimento,
dispersão e deslocamento (Brah 2011) indicam-nos caminhos para a produção e circula-
ção de conhecimentos na área das ciências sociais e humanas, que permitem concebê-las
em seus aspectos móveis, reversíveis e instáveis (Mbembe 2001), a partir de posições
assimétricas, e desproporcionalmente constituídas em termos do poder-conhecimento. A
hegemonia do modo de produção capitalista, a racionalidade colonial, e a persistente do-
minação patriarcal inevitavelmente condicionam as práticas académicas, fomentando
uma ideia de universidade eurocentrada e monocêntrica. Em contraste, projetos e experi-
ências que investem no translocal, no transnacional e na tradução aparecem como alter-
nativas no sentido de suscitar novos paradigmas interpretativos, novas epistemologias e
alianças: antirracistas, pós-coloniais, pós-ocidentais, transmodernas. No Brasil temos
como exemplo a UNILAB e outras universidades caracterizadas por projetos e experiên-
cias que, por exemplo, confrontam um sistema em que os movimentos inerentes aos fe-
nômenos da migração, sejam lidos apenas em termos de “assimilação” ou “segregação”.

Conclusão: Por uma pluriversidade em língua portuguesa


À guisa de conclusão será lícito afirmar o contributo do CONLAB e da AILP para o
fortalecimento destes campos do conhecimentos e suas epistemologias. É ainda impor-
tante enfatizar a necessidade de se redimensionar o papel e o lugar de enunciação das
universidades dos países com língua portuguesa na construção de redes de conhecimentos
e saberes relevantes na atual conjuntura globalizada: em que as assimetrias nas relações
de poder tornam-se sobretudo evidentes, quando repercutem entendimentos monológicos
e monocentrados acerca do que é ou não válido, importante ou legítimo. Torna-se assim
imprescindível frisar que, embora concernentes a realidades ao mesmo tempo tão próxi-
mas e tão distantes, um desafio para a AILP é criar espaços para diálogos efetivos entre
tais países, lançando luz sobre as especificidades para além das similitudes, em que a
“pluriversidade” se torne desejável e possível, a partir de diferentes perspetivas e mundos
(Santos 2006). Trata-se, pois, de um desafio que nos coloca questões de ordem ética, es-
tética, política e evidentemente, epistémica.

Bibliografia
Almeida, J. F. (1991). “Democracia, desigualdades, valores”. Revista Crítica de Ciências Sociais 32: 29-34.
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XXIX Encontro AULP | 557


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UNESCO (1998). World conference on higher education in the twenty-first century: Vision and action.
Paris: UNESCO.

558 | XXIX Encontro AULP


SESSÃO DE
ENCERRAMENTO
Discurso de S. Ex.ª o Presidente do
Instituto Politécnico de Lisboa

Professor Doutor Elmano Margato

Exmo. Sr. Secretário de Estado da Ciência Tecnologia e Ensino Superior,


Prof. João Sobrinho Teixeira
Exma. Sr.ª 1ª Vice-Secretária do Parlamento Nacional de Timor Leste,
Dr.ª Isabel Ximenes
Exmo. Secretário Executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa,
Embaixador Francisco Ribeiro Teles
Exmo. Sr. Presidente, da Associação das Universidades de Língua Portuguesa,
Magnifico Reitor, Prof. Orlando da Mata
Exmo. Sr. Representante do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas,
Magnifico Reitor Prof. António Fidalgo
Exmo. Sr. Representante do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos de
Portugal, Ilustre Prof. Pedro Dominguinhos
Magníficos Reitores e Presidentes de Instituições de Ensino Superior de Portugal e
dos demais países de expressão Portuguesa
Exmo. Sr. Representante, da Agencia de Avaliação e de Acreditação do Ensino
Superior de Portugal, Prof. Armando Pires
Exmos. Srs. dirigentes dos diferentes Movimentos Associativos Estudantis
Nacionais e do Politécnico de Lisboa
Caros Convidados
Caros Colegas
Caros Estudantes
Minhas Senhoras e Meus Senhores

Chegados próximos do fim do XXIX Encontro da AULP não posso deixar de referir e
agradecer o ambiente de cooperação, abertura e partilha que senti ao longo destes três dias
de trabalhos.
Levámos a cabo, numa organização conjunta AULP e IPL, este Encontro das Univer-
sidades de Língua Portuguesa, com a participação de cerca de duzentos conferencistas de
diferentes países de expressão oficial portuguesa, para além das muitas individualidades
convidadas, com responsabilidades académicas, culturais e políticas, e que nos honraram
com a sua presença.
Devo referir, pela sua importância política, a presença do Sr. Ministro da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior de Portugal, Prof. Manuel Heitor, na sessão de abertura,
bem como, do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, Prof. João Sobrinho Teixeira,
na sessão de abertura e de sessão de encerramento.

XXIX Encontro AULP | 561


A presença destes membros do Governo de Portugal revela bem a importância que
Portugal atribui à cooperação científica, técnica, cultural e artística entre os países de
língua oficial portuguesa, razão maior para a organização deste encontro.
Mas não é só para Portugal que a cooperação entre os nossos povos, nestes domínios,
se revela importante. Também Angola se fez representar pelo seu Embaixador Dr. Carlos
Alberto Fonseca e tivemos entre nós nestes três dias a Sr.ª 1ª Vice-secretária do Parlamen-
to Nacional de Timor Leste, Dr.ª Isabel Ximenes.
Neste XXIX Encontro da AULP, estiveram presentes participantes de todos os países
que falam português, dos quatro continentes, sendo de destacar, pela sua dimensão, con-
tribuição e importância, o grande envolvimento de Angola e o do Brasil.
Claro que a tudo isto não estão alheios os quase 33 anos de trabalho (concretizados em
26 de novembro) que a Associação das Universidades de Língua Portuguesa tem vindo a
realizar, promovendo a aproximação entre os nossos povos.
Penso poder felicitar na pessoa do seu Presidente, Magnífico Reitor Prof. Doutor Or-
lando da Mata, o excelente trabalho que esta organização vem realizando na construção
de uma plataforma potenciadora da troca de experiências, da produção e divulgação con-
junta de conhecimento, da compreensão e divulgação das culturas de cada país, em suma,
do desenvolvimento sustentável de todos os que compõem este espaço de expressão em
português, sempre no estrito respeito pelas especificidades de cada país ou região.

Sr. Secretário de Estado


Caros Colegas
Minhas Senhoras e Meus Senhores

A AULP é uma instituição com mais de três décadas de existência, dela fazendo parte
mais de 130 membros espalhados pelos oito países que têm por língua oficial o português.
A AULP vive da vontade exclusiva dos seus membros, rege-se por princípios demo-
cráticos, possui uma presidência rotativa e a preocupação de ser uma organização abran-
gente e representativa dos seus membros.
Os encontros anuais da AULP, envolvendo muitos atores com responsabilidades na
gestão e na condução das políticas de ensino e investigação das instituições de ensino
superior, são um espaço privilegiado para o diálogo, troca de experiências e para o esta-
belecimento de acordos de cooperação no âmbito da nobre missão que as nossas organi-
zações detêm.
Cabe-nos a nós, académicos, livres de freios políticos de ocasião, darmos corpo e con-
substanciarmos o trabalho de desenvolvimento e de coesão social dos nossos concidadãos.
Nesta linha de raciocínio, há um passo determinante que urge implementar como um
verdadeiro instrumento para aproximação dos nossos povos – A Mobilidade Académica
AULP de alunos, e porque não, de docentes e funcionários não docentes.
Expressa que foi a adesão a este programa pelos membros da AULP, expresso que foi
o incentivo à sua concretização, a AULP, pelo seu posicionamento, constitui-se como a
instituição ideal na sua promoção e desenvolvimento e na mediação, necessária, entre as
instituições de ensino superior do espaço de língua portuguesa.
Contudo, face ao atual número de interessados (100 candidaturas), a operacionaliza-

562 | XXIX Encontro AULP


ção deste programa, para ser eficiente, necessita do estabelecimento de alguns acordos
políticos no seio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Peço-lhe, por isto, Sr. Secretário de Estado o seu empenho, em conjunto com a direção
da AULP, para encontrar forma de ultrapassar as pequenas dificuldades que se encontram
no caminho do sucesso deste programa (financiamento do programa, reconhecimento de
competências).
Os atuais estudantes e futuros graduados, pelas nossas universidades e institutos supe-
riores, não nos perdoarão se não formos capazes de implementar esta mobilidade que,
estou certo, será um contributo maior para a aproximação dos nossos povos e para o
desenvolvimento institucional do que muitas declarações carregadas de boas intenções.

Sr. Secretário de Estado


Caros Colegas
Minhas Senhoras e Meus Senhores

Neste XXIX encontro da AULP foram apresentadas cerca de oitenta comunicações


distribuídas pelos quatro temas do congresso.
Foram abordados temas diversos, muitos deles denotando apurado estudo, donde des-
taco, como mero exemplo, os seguintes:
• A arte e a cultura – Especificidades, e valor;
• O Valor da cultura e das línguas locais;
• O ensino da língua portuguesa;
• Saúde e saúde pública, estudos de situações clínicas locais, regionais e conhecimen-
to popular ancestral;
• A tecnologia no apoio à saúde;
• Coesão social e desenvolvimento regional;
• A comunicação como veículo cultural, de ensino e político.
• A todos os Colegas que contribuíram com os seus trabalhos para o sucesso deste
Encontro, em meu nome e em nome do Politécnico de Lisboa, o meu sincero obriga-
do. Sem a vossa participação dificilmente haveria Encontro.
A todos os moderadores, que com a sua experiência e conhecimento, moderaram e
prestigiaram as sessões temáticas, o nosso reconhecido agradecimento.
Um agradecimento muito especial a todos os convidados e participantes que com a
sua presença fizeram deste Encontro um espaço de partilha de opiniões tornando-o, segu-
ramente, mais profícuo para todos.
Como Presidente do Politécnico de Lisboa gostaria de deixar aqui um penhorado
agradecimento a toda a equipa da AULP e do IPL que organizou e implementou toda a
logística deste evento.
Por fim, na expectativa de que a AULP continue a dar o seu contributo à aproximação
das nossas instituições, no que concerne ao intercâmbio científico e cultural e á mobilidade
no seio das nossas instituições, expresso os meus votos de grande sucesso para o próximo
Encontro desta nossa Associação, XXX Encontro, que se realizará em 2020 em Macau.

Muito Obrigado,

XXIX Encontro AULP | 563


Discurso de S. Ex.ª o Presidente da Associação das
Universidades de Língua Portuguesa e Magnífico
Reitor da Universidade Mandume Ya Ndemufayo

Professor Doutor Orlando Manuel José Fernandes da Mata

Excelência Senhor Professor João Sobrinho Teixeira, Secretário de Estado da Ciência,


Tecnologia e Ensino Superior de Portugal;
Excelência Senhor Professor Elman Margato, Presidente do Instituto Politécnico de
Lisboa;
Excelência Senhor Embaixador da República de Angola acreditado em Portugal,
Doutor Carlos Alberto Fonseca;
Excelência Senhor Secretário Geral da Fundação Roberto Marinho;
Excelência Senhor Director Executivo do Instituto Internacional de Língua Portuguesa;
Excelência Senhor Presidente da Fundação Dom Manuel II;
Excelência Senhor Presidente do Conselho de Administração da Fundação Oriente;
Excelência Senhor representante da Fundação Calouste Goulbenkian;
Excelência Senhora Diretora da Organização de Estados Ibero-Americanos;
Magníficos Reitores e Presidentes de Instituições de Ensino Superior aqui presentes;
Caríssimos membros do Conselho de Administração da AULP;
Caros docentes, investigadores, discentes, convidados, minhas senhoras e meus
senhores.

Permitam-me expressar a minha enorme satisfação pela magnitude e excelência orga-


nizativa, alcançados por este XXIX Encontro da AULP.
Tivemos todos a oportunidade de testemunhar que, ao albergar este encontro, o Insti-
tuto Politécnico de Lisboa soube estar acima das expectativas.
O acolhimento proporcionado e as condições de trabalho criadas, acrescidos do ri-
quíssimo programa cultural que nos foi presenteado, permitem-nos colocar este XXIX
Encontro da AULP, num patamar de referência e padrão a ser seguido pelas instituições
que terão o privilégio de acolher os próximos encontros da nossa associação.
De facto, a AULP e o Instituto Politécnico de Lisboa ofereceram-nos com a organiza-
ção e realização do evento em referência, uma oportunidade única de vivenciarmos a
unidade que, só a arte e a cultura podem proporcionar, enquanto elo que une qualquer
diferença que resulte das nossas diferentes procedências geográficas.
Ficou demonstrado, mais uma vez que, a unidade da lusofonia é uma realidade in-
questionável e, com o passar dos anos, a história vai retratando esta mesma unidade, com
traços de perpetuidade.
E, nesse retrato a AULP e todos os seus associados, estão bem representados, contri-
buindo de uma forma especial para a perpetuidade das nossas acções e realizações.

XXIX Encontro AULP | 565


Minhas Senhoras e meus senhores.

A arte e a cultura representaram um invólucro, envolvendo a partilha de saberes de


diferentes origens, retratando diferentes realidades. Muitas vezes constatamos no nosso
debate estudos de práticas comuns, com designações diferentes, o que nos demonstra que,
a distância não pode separar, aquilo que história uniu.
Hoje permitam-me partilhar a convicção de que somos de facto grandes, talvez não
demasiado grandes no que se poderia entender dentro de uma dimensão política, em que
a grandeza a que me refiro, se manifesta por via das relações interestaduais mas, somos
de facto grandes porque vindos de uma multiplicidade de países, conseguimos juntos
promover o debate voltado para a compreensão do contributo que as instituições que se
dedicam a investigação e aos estudos superiores têm dado para o desenvolvimento dos
seus países.

Excelências.

São vários os aspectos que ressaltam desse XXlX Encontro, cujo balanço pormenori-
zado, a AULP irá disponibilizar nas actas do mesmo.
Permitam-me igualmente destacar aqui neste fórum, a pertinência dos estudos foca-
dos na igualdade étnica e racial, de povos de origens distintas, a quem a história conferiu
o privilégio de partilharem o mesmo espaço, realçando o exemplo dos esforços para a
afirmação da identidade afro, sobretudo no Brasil.
Realço também as tendências para a compreensão de grandes manifestações artísticas
folclóricas, a música, a dança, o cinema nos quais se descrevem traços identitários da
história dos povos.
A coesão social por via da educação é outro aspecto a destacar, que realça o papel da
escola, e como tal de todos nós, na promoção da igualdade social e, para muitos de nós, a
efectivação de uma unidade nacional enquanto factor de uma convivência sã nos nossos
países.
Merecem também destaque a evolução tecnológica e o impacto da sua aplicação para
a garantia do desenvolvimento sustentável, a continuidade dos estudos voltados para o
impacto da utilização da mesma e para a elevação da qualidade de ensino e melhoria dos
serviços de saúde, em particular na identificação das causas e de novos métodos de cura
de doenças.
Não posso deixar de destacar a pesquisa em volta dos desafios para a identificação e
estudo das línguas indígenas, assim como não podia deixar de ser, para os estudos direc-
cionados para as novas tendências no ensino da língua que nos une, o português.
Termino felicitando uma vez mais, o Instituto Politécnico de Lisboa, particularmente
à escola de música que, em três ocasiões, levou-nos a essência da música clássica, com
interpretações fabulosas e desempenhos magníficos dos seus exímios executores.
Não posso deixar de parte o reconhecimento pelo passeio a história de Lisboa, que nos
levou ao passado e imaginário de viver nos Jardins do Palácio dos Marqueses de Frontei-
ra e no mosteiro do São Vicente de Fora.
Agradecer a oportunidade que nos foi proporcionada ao tomarmos contacto com a
famosíssima e riquíssima gastronomia portuguesa. O nosso muito obrigado.

566 | XXIX Encontro AULP


Não podia terminar sem expressar os meus agradecimentos às autoridades de Lisboa
que se associaram à organização deste evento, contribuindo para o sucesso do mesmo.
E claro que não posso de forma alguma deixar de enaltecer o grande suporte dos
Membros do Conselho de Administração da AULP, trabalhando sempre na definição das
acções que determinam o êxito da nossa missão.
A incansável equipa da Associação das Universidades de Língua Portuguesa, bem
guiada pela Professora Cristina Sarmento, o meu muito obrigado, é por Vossa causa que
a AULP é uma das Associações de Universidades de Lusofonia de Maior Prestígio inter-
nacional.
A todo membros da AULP, também agradeço, pois não estaríamos a falar de sucesso,
sem a vossa prestimosa participação e colaboração.

Muito obrigado

XXIX Encontro AULP | 567


Discurso de S. Ex.ª o Secretário de Estado
da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

Professor Doutor João Sobrinho Teixeira

Senhor Presidente do IPL, Senhor Presidente da AULP, Senhor Representante do Par-


lamento de Timor-Leste, Senhor Secretário Executivo da CPLP, Senhor Presidente do
CCISP, Senhor Reitor da UBI em representação do CRUP, Senhores Reitores, Presiden-
tes, dirigentes e professores de instituições do ensino superior aqui presentes e os repre-
sentantes dos diversos organismos nacionais e de abrangência internacional aqui presen-
tes. Quero endereçar uma palavra especial aos homenageados da AULP, à Professora
Maria Luísa, ao Professor Brazão Mazula e ao meu querido amigo Coelho da Silva.
A todos os meus parabéns. Os parabéns também extensíveis ao Instituto Politécnico de
Lisboa pela forma como organizou este encontro. Também o meu reconhecimento à
AULP e seu Presidente pela força com que esta organização cumpre aquilo para a qual foi
criada e pela forma como o faz, persistente e incisiva e neste sentido endereço também
uma palavra de agradecimento ao Secretariado da AULP.
Gostava de começar pelas relações de afeto que nos unem, pelo passado que tivemos
e pelo futuro que juntos iremos construir. Esta é porventura uma das maiores responsabi-
lidades que tem, não apenas a Associação, mas os dirigentes da Associação. É uma forma
que nos enche o coração e em que sentimos que tivemos um passado em comum, que
temos um presente a realizar e teremos também um futuro comum a construir.
Foi aqui referido o trabalho da AULP ao nível da mobilidade, mas acrescentaria tam-
bém aquilo que temos de fazer ao nível da promoção e do reconhecimento de graus con-
juntos. Os processos de mobilidade são processos em que os alunos têm a oportunidade
de conhecer a realidade de outros países. Os processos de mobilidade em que a Europa
apostou e tem de continuar a apostar, são o caminho certo para que haja cada vez mais
tolerância relativamente à diferença e para que o combate à ignorância e à rejeição daqui-
lo que não se conhece seja, de facto, um caminho sobre o qual devemos ancorar o nosso
desenvolvimento futuro. Assim a mobilidade surge, não só como um fator académico,
mas como um fator de promoção da ligação afetiva dentro do espaço da CPLP, sendo
também uma responsabilidade das instituições ajudarem a construir esse caminho. Como
referiu o Ministro Manuel Heitor, na passada quarta-feira, em termos institucionais, o
Governo de Portugal está empenhado na promoção de graus conjuntos no contexto da
Lusofonia, para que esta como um todo se eleve em termos de qualificação e produção de
conhecimento com impacto na nossa visibilidade externa e no aumento do bem-estar das
nossas populações.
O valor do conhecimento é um valor que deve ser visto não como algo fechado, endó-
geno, criado apenas dentro das próprias instituições, mas deve também ser encarado
como produtor do bem-estar e de crescimento da qualidade de vida das populações. Posso

XXIX Encontro AULP | 569


dar-vos um exemplo, que foi vivido na primeira pessoa, de quanto vale o conhecimento e
como é que o conhecimento pode mudar a vida das pessoas. Como sabem sou de Bragan-
ça, portanto, muito ligado ao mundo rural. O meu pai recebeu há muitos anos financia-
mento da União Europeia para proceder ao arranque das vinhas porque se dizia, na altura,
que o vinho não tinha futuro em Portugal, porque não produzíamos vinho de qualidade.
Passadas algumas décadas o vinho é um dos sectores com maior capacidade de exporta-
ção a nível nacional e de afirmação internacional. O que mudou desde há três décadas até
agora foi o conhecimento que pusemos na produção vinícola, os enólogos que qualifica-
mos para produzir bom vinho e a capacidade de introduzir conhecimento no marketing
para exportar esses produtos. Este conhecimento introduzido em todo um sector modifi-
cou a vida das populações da região.
Portugal lançou o Centro Ciência LP, sob os auspícios da UNESCO para a formação
avançada no espaço lusófono, no âmbito da “Iniciativa Conhecimento para o Desenvolvi-
mento”, com o objetivo de avançar e cooperar na criação de novas competências neste
espaço, promovendo a formação e a mobilidade. Não é por acaso que a Europa, com
menos identidade do que aquela que nós temos, tem sucessivamente incrementado de
uma forma exponencial o financiamento da formação e da mobilidade. A criação do Cen-
tro Ciência LP é também a promoção dessa capacidade científica e de conhecimento
criado em Portugal.
E porque estão aqui muitos portugueses, queria manifestar o reconhecimento do Go-
verno de Portugal ao trabalho que é produzido nas instituições portuguesas. A União
Europeia distribui fundos que são alocados a cada país e às regiões, mas normalmente as
verbas para financiar o conhecimento e a inovação são centralizados, com o argumento
que a Europa tem de continuar a produzir conhecimento e inovação de ponta, pelo que
cada país contribui com uma determinada percentagem do seu PIB para esses fundos.
Felizmente, nos últimos anos, Portugal já vai conseguindo, no âmbito dos financiamentos
do Horizonte 2020, ser um recetor dessas verbas e ter um balanço positivo nas nossas
instituições. O desafio para o próximo quadro comunitário, Horizonte Europa, é conse-
guirmos duplicar o financiamento recebido no Horizonte 2020, pelo que contaremos com
o apoio da rede nacional PERIN – “Portugal in Europe Research and Innovation Ne-
twork”, acionada com o objetivo de chegar aos mil milhões de euros de retorno para a
investigação no país.
Refira-se também que Portugal tem tido a capacidade de acolher vários estudantes
internacionais, numa dinâmica crescente que ultrapassa hoje os 50 mil estudantes, corres-
pondente a 13 % do total dos alunos do ensino superior. Muitos desses estudantes são
provenientes de países lusófonos, mas outros vêm de fora desse espaço. Portugal é muito
mais atraente para os estudantes estrangeiros do que países europeus que têm uma demo-
grafia, uma população e uma realidade semelhante à de Portugal. Um dos motivos para
esta atração de estudantes estrangeiros é o facto de Portugal ter uma língua que é falada
por quase 300 milhões de pessoas. Esse património deve potenciar não só os afetos, mas
também a nossa capacidade de afirmação no futuro porque pertencer a esta comunidade
representa uma grande capacidade de competitividade futura.
Por último, queria também referir a obrigação de todos em continuar esse processo de
educação e de qualificação na Lusofonia. Cada um ao seu ritmo, cada uma dentro das suas

570 | XXIX Encontro AULP


próprias capacidades e realidades. É necessário que todos colaboremos uns com os outros
para que no espaço mundial ser lusófono signifique ser uma pessoa qualificada e com
educação. A questão da qualificação e da educação é um esforço permanente e devemos
assumir o compromisso de dotar as crianças da Lusofonia com essa educação, que hoje
passa sobretudo pela capacidade de nos relacionarmos no meio que nos envolve. Eu diria
que um dos maiores desafios ao nível da Lusofonia e ao nível global é o combate à igno-
rância. Os ignorantes são aqueles que não toleram os que são diferentes, que rejeitam tudo
aquilo que não conhecem. E é precisamente pela ignorância e falta de qualificação que
assistimos ao surgimento de movimentos populistas, racistas, nacionalistas e xenófobos.
O combate pela educação deve ser um combate contra a ignorância e sobretudo pela de-
fesa dos valores civilizacionais que construíram o mundo e que irão continuar a construir.
Este é o repto que vos deixo, apostar no combate global a essa ignorância que é transver-
sal a todos os povos e sobre o qual a Lusofonia, num mundo culto e num mundo qualifi-
cado, vai ter uma resposta em defesa dos valores civilizacionais.
Muito obrigado e até Macau, para o próximo ano.

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