Introdução A Filosofia

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SEMINÁRIO BÍBLICO DE TEOLOGIA CRISTÃ DO RIO DE JANEIRO

Seminário Interdenominacional – Entidade Mantenedora: COMUNIDADE CRISTÃ VIDA NOVA


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A Vida e as Obras

Este grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei


da Macedônia, nasceu em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral
setentrional do mar Egeu, em 384 a.C. Aos dezoito anos, em 367, foi
para Atenas e ingressou na academia platônica, onde ficou por vinte
anos, até à morte do Mestre. Nesse período estudou também os
filósofos pré-platônicos, que lhe foram úteis na construção do seu
grande sistema.

Em 343 foi convidado pelo Rei Filipe para a corte de Macedônia, como
preceptor do Príncipe Alexandre, então jovem de treze anos. Aí ficou
três anos, até à famosa expedição asiática, conseguindo um êxito na
sua missão educativa-política, que Platão não conseguiu, por certo,
em Siracusa. De volta a Atenas, em 335, treze anos depois da morte
de Platão, Aristóteles fundava, perto do templo de Apolo Lício, a sua
escola. Daí o nome de Liceu dado à sua escola, também chamada
peripatética devido ao costume de dar lições, em amena palestra,
passeando nos umbrosos caminhos do ginásio de Apolo. Esta escola
seria a grande rival e a verdadeira herdeira da velha e gloriosa
academia platônica. Morto Alexandre em 323, desfez-se politicamente
o seu grande império e despertaram-se em Atenas os desejos de
independência, estourando uma reação nacional, chefiada por

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Demóstenes. Aristóteles, malvisto pelos atenienses, foi acusado de


ateísmo. Preveniu ele a condenação, retirando-se voluntariamente
para Eubéia, Aristóteles faleceu, após enfermidade, no ano seguinte,
no verão de 322. Tinha pouco mais de 60 anos de idade. A respeito do
caráter de Aristóteles, inteiramente recolhido na elaboração crítica do
seu sistema filosófico, sem se deixar distrair por motivos práticos ou
sentimentais, temos naturalmente muito menos a revelar do que em
torno do caráter de Platão, em que, ao contrário, os motivos políticos,
éticos, estéticos e místicos tiveram grande influência. Do diferente
caráter dos dois filósofos, dependem também as vicissitudes
exteriores das duas vidas, mais uniforme e linear a de Aristóteles,
variada e romanesca a de Platão. Aristóteles foi essencialmente um
homem de cultura, de estudo, de pesquisas, de pensamento, que se
foi isolando da vida prática, social e política, para se dedicar à
investigação científica. A atividade literária de Aristóteles foi vasta e
intensa, como a sua cultura e seu gênio universal. "Assimilou
Aristóteles escreve magistralmente Leonel Franca todos os
conhecimentos anteriores e acrescentou-lhes o trabalho próprio, fruto
de muita observação e de profundas meditações. Escreveu sobre
todas as ciências, constituindo algumas desde os primeiros
fundamentos, organizando outras em corpo coerente de doutrinas e
sobre todas espalhando as luzes de sua admirável inteligência. Não
lhe faltou nenhum dos dotes e requisitos que constituem o verdadeiro
filósofo: profundidade e firmeza de inteligência, agudeza de

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penetração, vigor de raciocínio, poder admirável de síntese, faculdade


de criação e invenção aliados a uma vasta erudição histórica e
universalidade de conhecimentos científicos. O grande estagirita
explorou o mundo do pensamento em todas as suas direções. Pelo
elenco dos principais escritos que dele ainda nos restam, poder-se-á
avaliar a sua prodigiosa atividade literária". A primeira edição completa
das obras de Aristóteles é a de Andronico de Rodes pela metade do
último século a.C. substancialmente autêntica, salvo uns apócrifos e
umas interpolações. Aqui classificamos as obras doutrinais de
Aristóteles do modo seguinte, tendo presente a edição de Andronico
de Rodes.

I. Escritos lógicos: cujo conjunto foi denominado Órganon mais tarde,


não por Aristóteles. O nome, entretanto, corresponde muito bem à
intenção do autor, que considerava a lógica instrumento da ciência.

II. Escritos sobre a física: abrangendo a hodierna cosmologia e a


antropologia, e pertencentes à filosofia teorética, juntamente com a
metafísica.

III. Escritos metafísicos: a Metafísica famosa, em catorze livros. É


uma compilação feita depois da morte de Aristóteles mediante seus
apontamentos manuscritos, referentes à metafísica geral e à teologia.
O nome de metafísica é devido ao lugar que ela ocupa na coleção de
Andrônico, que a colocou depois da física.

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IV. Escritos morais e políticos: a Ética a Nicômaco, em dez livros,


provavelmente publicada por Nicômaco, seu filho, ao qual é dedicada;
a Ética a Eudemo, inacabada, refazimento da ética de Aristóteles,
devido a Eudemo; a Grande Ética, compêndio das duas precedentes,
em especial da segunda; a Política, em oito livros, incompleta.

V. Escritos retóricos e poéticos: a Retórica, em três livros; a Poética,


em dois livros, que, no seu estado atual, é apenas uma parte da obra
de Aristóteles. As obras de Aristóteles as doutrinas que nos restam -
manifestam um grande rigor científico, sem enfeites míticos ou
poéticos, exposição e expressão breve e aguda, clara e ordenada,
perfeição maravilhosa da terminologia filosófica, de que foi ele o
criador.

O Pensamento: A Gnosiologia

Segundo Aristóteles, a filosofia é essencialmente teorética: deve


decifrar o enigma do universo, em face do qual a atitude inicial do
espírito é o assombro do mistério. O seu problema fundamental é o
problema do ser, não o problema da vida. O objeto próprio da filosofia,
em que está a solução do seu problema, são as essências imutáveis e
a razão última das coisas, isto é, o universal e o necessário, as formas
e suas relações. Entretanto, as formas são imanentes na experiência,
nos indivíduos, de que constituem a essência. A filosofia aristotélica é,
portanto, conceptual como a de Platão mas parte da experiência; é

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dedutiva, mas o ponto de partida da dedução é tirado - mediante o


intelecto da experiência. A filosofia, pois, segundo Aristóteles, dividir-
se-ia em teorética, prática e poética, abrangendo, destarte, todo o
saber humano, racional. A teorética, por sua vez, divide-se em física,
matemática e filosofia primeira (metafísica e teologia); a filosofia
prática divide-se em ética e política; a poética em estética e técnica.
Aristóteles é o criador da lógica, como ciência especial, sobre a base
socrático-platônica; é denominada por ele analítica e representa a
metodologia científica. Trata Aristóteles os problemas lógicos e
gnosiológicos no conjunto daqueles escritos que tomaram mais tarde o
nome de Órganon. Limitar-nos-emos mais especialmente aos
problemas gerais da lógica de Aristóteles, porque aí está a sua
gnosiologia. Foi dito que, em geral, a ciência, a filosofia - conforme
Aristóteles, bem como segundo Platão - tem como objeto o universal e
o necessário; pois não pode haver ciência em torno do individual e do
contingente, conhecidos sensivelmente. Sob o ponto de vista
metafísico, o objeto da ciência aristotélica é a forma, como idéia era o
objeto da ciência platônica. A ciência platônica e aristotélica são,
portanto, ambas objetivas, realistas: tudo que se pode aprender
precede a sensação e é independente dela. No sentido estrito, a
filosofia aristotélica é dedução do particular pelo universal, explicação
do condicionado mediante a condição, porquanto o primeiro elemento
depende do segundo. Também aqui se segue a ordem da realidade,
onde o fenômeno particular depende da lei universal e o efeito da

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causa. Objeto essencial da lógica aristotélica é precisamente este


processo de derivação ideal, que corresponde a uma derivação real. A
lógica aristotélica, portanto, bem como a platônica, é essencialmente
dedutiva, demonstrativa, apodíctica. O seu processo característico,
clássico, é o silogismo. Os elementos primeiros, os princípios
supremos, as verdades evidentes, consoante Platão, são fruto de uma
visão imediata, intuição intelectual, em relação com a sua doutrina do
contato imediato da alma com as idéias - reminiscência. Segundo
Aristóteles, entretanto, de cujo sistema é banida toda forma de
inatismo, também os elementos primeiros do conhecimento - conceito
e juízos - devem ser, de um modo e de outro, tirados da experiência,
da representação sensível, cuja verdade imediata ele defende,
porquanto os sentidos por si nunca nos enganam. O erro começa de
uma falsa elaboração dos dados dos sentidos: a sensação, como o
conceito, é sempre verdadeira. Por certo, metafisicamente,
ontologicamente, o universal, o necessário, o inteligível, é anterior ao
particular, ao contigente, ao sensível: mas, gnosiologicamente,
psicologicamente existe primeiro o particular, o contigente, o sensível,
que constituem precisamente o objeto próprio do nosso conhecimento
sensível, que é o nosso primeiro conhecimento. Assim sendo,
compreende-se que Aristóteles, ao lado e em conseqüência da
doutrina de dedução, seja constrangido a elaborar, na lógica, uma
doutrina da indução. Por certo, ela não está efetivamente acabada,
mas pode-se integrar logicamente segundo o espírito profundo da sua

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filosofia. Quanto aos elementos primeiros do conhecimento racional, a


saber, os conceitos, a coisa parece simples: a indução nada mais é
que a abstração do conceito, do inteligível, da representação sensível,
isto é, a "desindividualização" do universal do particular, em que o
universal é imanente. A formação do conceito é, a posteriori, tirada da
experiência. Quanto ao juízo, entretanto, em que unicamente temos ou
não temos a verdade, e que é o elemento constitutivo da ciência, a
coisa parece mais complicada. Como é que se formam os princípios
da demonstração, os juízos imediatamente evidentes, donde temos a
ciência? Aristóteles reconhece que é impossível uma indução
completa, isto é, uma resenha de todos os casos os fenômenos
particulares para poder tirar com certeza absoluta leis universais
abrangendo todas as essências. Então só resta possível uma indução
incompleta, mas certíssima, no sentido de que os elementos do juízo
os conceitos são tirados da experiência, a posteriori, seu nexo, porém,
é a priori, analítico, colhido imediatamente pelo intelecto humano
mediante a sua evidência, necessidade objetiva.

Filosofia de Aristóteles

Partindo como Platão do mesmo problema acerca do valor objetivo


dos conceitos, mas abandonando a solução do mestre, Aristóteles
constrói um sistema inteiramente original. Os caracteres desta grande
síntese são:

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1. Observação fiel da natureza  Platão, idealista, rejeitara a


experiência como fonte de conhecimento certo. Aristóteles, mais
positivo, toma sempre o fato como ponto de partida de suas teorias,
buscando na realidade um apoio sólido às suas mais elevadas
especulações metafísicas.

2. Rigor no método  Depois de estudas as leis do pensamento, o


processo dedutivo e indutivo aplica-os, com rara habilidade, em todas
as suas obras, substituindo à linguagem imaginosa e figurada de
Platão, em estilo lapidar e conciso e criando uma terminologia
filosófica de precisão admirável. Pode considerar-se como o autor da
metodologia e tecnologia científicas. Geralmente, no estudo de uma
questão, Aristóteles procede por partes: a) começa a definir-lhe o
objeto; b) passa a enumerar-lhes as soluções históricas; c) propõe
depois as dúvidas; d) indica, em seguida, a própria solução; e) refuta,
por último, as sentenças contrárias.

3. Unidade do conjunto  Sua vasta obra filosófica constitui um


verdadeiro sistema, uma verdadeira síntese. Todas as partes se
compõem, se correspondem, se confirmam.

Deus, a Ciência e o Livre-arbítrio

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Para Descartes, o Deus criador transcende radicalmente a natureza.


Deus Foi "inteiramente indiferente ao criar as coisas que criou". Não
se submeteu a nenhuma verdade prévia. Em virtude do poder de seu
livre-arbítrio, criou as verdades. Eis por que Deus quer que a soma
dos ângulos de um triângulo seja igual a dois ângulos retos.
Acrescentemos que, para Descartes, Deus criou o mundo instante por
instante (é a "criação contínua"). O tempo é descontínuo e a natureza
não tem nenhum poder próprio. As leis da natureza só são o que são a
cada momento, em virtude da vontade do criador. É importante
compreender que essa transcendência radical de Deus possui duas
conseqüências fundamentais. O livre-arbítrio humano e a
independência da ciência.
1.°  O homem não é uma parte de Deus. A transcendência do criador
afasta qualquer panteísmo. O homem, simples criatura ultrapassada
por seu criador (concebo Deus porque descubro em mim a marca de
sua infinitude, mas não o compreendo), recebo, assim, uma autonomia
que será perdida no sistema panteísta de Spinoza. O homem é livre,
pode dizer sim ou não às ordens de Deus. É certo que, na Quarta
Meditação, Descartes fala da liberdade esclarecida, dessa liberdade
que não pode tratar da verdade ou do bem, dessa liberdade que é
antes um estado de libertação do que uma decisão pura, situada além
de todas as razões. Mas nos Princípios e sobretudo nas cartas ao Pe.
Mesland, de 2 de maio de 1644 e 9 de fevereiro de 1645, Descartes
afirma radicalmente o livre-arbítrio, o poder de recusar a Verdade e o

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Bem até mesmo na presença da evidência que se manifesta. Esses


textos esclarecem a teoria do juízo presente na Quarta meditação. O
entendimento concebe a verdade e é a vontade que dá as costas a ou
afirma essa verdade. Deus propõe e o homem, por intermédio de seu
livre-arbítrio, dispõe. Desse modo, Deus não é o culpado dos meus
erros nem dos meus pecados. Sou eu que me engano, sou eu que
peco. Meu livre-arbítrio me faz merecedor ou culpado.
2.°  Do mesmo modo, a transcendência de Deus vai tornar possível
uma ciência puramente racional e mecanicista da natureza.
a) A natureza, segundo Descartes, já o vimos, não possui dinamismo
próprio. Todo dinamismo pertence ao criador. Na medida em que a
natureza é despojada de toda profundidade metafísica, Descartes
pode eliminar as noções aristotélicas e medievais de forma, alma, ato
e potência. Toda finalidade desaparece e a natureza é reduzida a um
mecanicismo inteiramente transparente para a linguagem matemática.
A natureza nada tem de divino, é um objeto criado, situado no mesmo
plano da inteligência humana, e, por conseguinte, inteiramente
entregue à sua exploração. Isto consiste, ao mesmo tempo, na
rejeição de todo naturalismo pagão (a natureza não é uma deusa) e na
fundamentação metafísica do racionalismo científico.
b) Nem tudo tem o mesmo valor na obra científica de Descartes. Se
sua ótica e suas considerações sobre a expressão algébrica das
curvas (ele é, juntamente com Fermat, o inventor da geometria
analítica) constituem incontestável contribuição científica, sua física

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(dada, aliás, mais como uma possibilidade racional do que como a


verdade certa) não passa de um romance. Mas o espírito dessa física
e da fisiologia cartesiana  que não passa de um capítulo da física 
nada mais é do que o espírito do mecanicismo. Quando Descartes
declara que os animais são máquinas, ele coloca, em princípio, que é
possível explicar as funções fisiológicas por intermédio de
mecanismos semelhantes àqueles que fazem mover os autômatos
que vemos "nos jardins de nossos reis". O detalhe das explicações
não passa de um sonho. Mas a direção tomada é a ciência moderna.
Para Descartes, o mundo físico não possui mistérios. As coisas se
determinam reciprocamente (leis do choque), por contato direto, num
espaço em que não existe o vazio.

O Problema do Homem: a Moral


1.°  No Discurso dobre o Método, Descartes adota uma moral
provisória  pois a ação não pode esperar que a filosofia cartesiana
engendre uma nova moral! Recordemos seus três preceitos:
a) Submeter-se aos usos e costumes de seu país.
b) Antes mudar os próprios desejos que a ordem do mundo e vencer-
se a si próprio do que à fortuna.
c) Ser sempre firme e resoluto em suas ações; saber decidir-se
mesmo na ausência de toda evidência, à semelhança do viajante
perdido na floresta que, ao invés de ficar fazendo voltas, adota uma
direção qualquer e nela se mantém! (O cartesianismo, antes de ser
uma filosofia da inteligência, é uma filosofia da vontade).

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2.°  É certo que a moral definitiva de Descartes não apresenta uma


unidade perfeita. Influências estóicas, epicuristas e cristãs estão
presentes nela. Mas, na realidade, essa complexidade reflete a própria
complexidade da condição humana. Na plano das idéias claras e
distintas, Descartes separa claramente as duas substâncias, alma e
corpo: a essência da alma é pensar; a do corpo é ser um objeto no
espaço. E no entanto, o pensamento está preso a esse fragmento de
extensão. A alma age sobre o corpo e este age sobre ela. (Para
Descartes, o ponto de aplicação da alma ao corpo é a glândula pineal,
isto é, a epífise.) Mas isso não esclarece a união da alma e do corpo,
que é um fato de experiência, puramente vivido e ininteligível.
Na medida em que Descartes considera o homem no que ele tem de
essencial, enquanto espírito, ou quando se ocupa do composto
humano, sua moral assume aspectos diferentes:
a) Consideremos o homem enquanto espírito, enquanto liberdade: o
valor supremo é a generosidade. "A verdadeira generosidade que faz
com que um homem se estime, no ponto máximo em que ele pode
legitimamente estimar-se, consiste, em parte, na consciência de que
nada lhe pertence verdadeiramente, exceto essa livre disposição de
suas vontades... e em parte no sentimento de uma firme e constante
resolução de bem usá-la, isto é, de nunca lhe faltar vontade para
empreender e executar todas as coisas que julgar melhores, o que é
seguir a virtude perfeitamente".

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b) Se considerarmos o homem enquanto espírito unido a um corpo,


somos obrigados a levar em conta as paixões, isto é, a afetividade em
sentido amplo. Paixão é, para Descartes, tudo o que o corpo
determina na alma. E Ele, que nada tem de asceta, acha que devemos
antes dominá-las do que desenvolvê-las. Isso porque ele se coloca do
ponto de vista da felicidade. O bom funcionamento do corpo, as
ligações harmoniosas entre os espíritos animais e os pensamentos
humanos são altamente desejáveis. A moral surge, então, como uma
técnica de felicidade e, nessa técnica, a medicina desempenha
importante papel. A moral surge aqui como uma aplicação direta ao
mecanicismo cartesiano.

Período Sistemático

O segundo período da história do pensamento grego é o chamado


período sistemático. Com efeito, nesse período realiza-se a sua
grande e lógica sistematização, culminando em Aristóteles, através de
Sócrates e Platão , que fixam o conceito de ciência e de inteligível, e
através também da precedente crise cética da sofística. O interesse
dos filósofos gira, de preferência, não em torno da natureza, mas em
torno do homem e do espírito; da metafísica passa-se à gnosiologia e
à moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego
também o nome de antropológico, pela importância e o lugar central

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destinado ao homem e ao espírito no sistema do mundo, até então


limitado à natureza exterior.
Esse período esplêndido do pensamento grego - depois do qual
começa a decadência - teve duração bastante curta. Abraça,
substancialmente, o século IV a.C., e compreende um número
relativamente pequeno de grandes pensadores: os sofistas e
Sócrates, daí derivando as chamadas escolhas socráticas menores,
sendo principais a cínica e a cirenaica, precursoras, respectivamente,
do estoicismo e do epicurismo do período seguinte; Platão e
Aristóteles, deles procedendo a Academia e o Liceu , que
sobreviverão também no período seguinte e além ainda,
especialmente a Academia por motivos éticos e religiosos, e em seus
desenvolvimentos neoplatônicos em especial - apesar de o
aristotelismo ter superado logicamente o platonismo.

A Sofística

Após as grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império persa,


houve um triunfo político da democracia, como acontece todas as
vezes que o povo sente, de repente, a sua força. E visto que o
domínio pessoal, em tal regime, depende da capacidade de conquistar
o povo pela persuasão, compreende-se a importância que, em
situação semelhante, devia ter a oratória e, por conseguinte, os
mestres de eloqüência. Os sofistas, sequiosos de conquistar fama e
riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloqüência, de retórica,

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ensinando aos homens ávidos de poder político a maneira de


consegui-lo. Diversamente dos filósofos gregos em geral, o
ensinamento dos sofistas não era ideal, desinteressado, mas
sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino abraçava todo o
saber, a cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como
meio para fins práticos e empíricos e, portanto, superficial.
A época de ouro da sofística foi - pode-se dizer - a segunda metade do
século V a.C. O centro foi Atenas, a Atenas de Péricles, capital
democrática de um grande império marítimo e cultural. Os sofistas
maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade, continuando
até depois de Sócrates, embora sem importância filosófica. Protágoras
foi o maior de todos, chefe de escola e teórico da sofística.

Moral, Direito e Religião

Em coerência com o ceticismo teórico, destruidor da ciência, a


sofística sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Como é
verdadeiro o que tal ao sentido, assim é bem o que satisfaz ao
sentimento, ao impulso, à paixão de cada um em cada momento. Ao
sensualismo, ao empirismo gnosiológicos correspondem o hedonismo
e o utilitarismo ético: o único bem é o prazer, a única regra de conduta
é o interesse particular. Górgias declara plena indiferença para com
todo moralismo: ensina ele a seus discípulos unicamente a arte de
vencer os adversários; que a causa seja justa ou não, não lhe
interessa. A moral, portanto, - como norma universal de conduta - é

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concebida pelos sofistas não como lei racional do agir humano, isto é,
como a lei que potencia profundamente a natureza humana, mas
como um empecilho que incomoda o homem.
Desta maneira, os sofistas estabelecem uma oposição especial entre
natureza e lei, quer política, quer moral, considerando a lei como fruto
arbitrário, interessado, mortificador, uma pura convenção, e
entendendo por natureza, não a natureza humana racional, mas a
natureza humana sensível, animal, instintiva. E tentam criticar a
vaidade desta lei, na verdade tão mutável conforme os tempos e os
lugares, bem como a sua utilidade comumente celebrada: não é
verdade - dizem - que a submissão à lei torne os homens felizes, pois
grandes malvados, mediante graves crimes, têm freqüentemente
conseguido grande êxito no mundo e, aliás, a experiência ensina que
para triunfar no mundo, não é mister justiça e retidão, mas prudência e
habilidade.
Então a realização da humanidade perfeita, segundo o ideal dos
sofistas, não está na ação ética e ascética, no domínio de si mesmo,
na justiça para com os outros, mas no engrandecimento ilimitado da
própria personalidade, no prazer e no domínio violento dos homens.
Esse domínio violento é necessário para possuir e gozar os bens
terrenos, visto estes bens serem limitados e ambicionados por outros
homens. É esta, aliás, a única forma de vida social possível num
mundo em que estão em jogo unicamente forças brutas, materiais.
Seria, portanto, um prejuízo a igualdade moral entre os fortes e os

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fracos, pois a verdadeira justiça conforme à natureza material, exige


que o forte, o poderoso, oprima o fraco em seu proveito.
Quanto ao direito e à religião, a posição da sofística é extremista
também, naturalmente, como na gnosiologia e na moral. A sofística
move uma justa crítica, contra o direito positivo, muitas vezes
arbitrário, contingente, tirânico, em nome do direito natural. Mas este
direito natural - bem como a moral natural - segundo os sofistas, não é
o direito fundado sobre a natureza racional do homem, e sim sobre a
sua natureza animal, instintiva, passional. Então, o direito natural é o
direito do mais poderoso, pois em uma sociedade em que estão em
jogo apenas forças brutas, a força e a violência podem ser o único
elemento organizador, o único sistema jurídico admissível.
A respeito da religião e da divindade, os sofistas não só trilham a
mesma senda dos filósofos racionalistas gregos do período
precedente e posterior, mas - de harmonia com o ceticismo deles -
chegam até o extremo, até o ateísmo, pelo menos praticamente. Os
sofistas, pois, servem-se da injustiça e do muito mal que existe no
mundo, para negar que o mundo seja governado por uma providência
divina.

Protágoras de Abdera

Protágoras nasceu em Abdera - pátria de Demócrito , cuja escola


conheceu - pelo ano 480. Viajou por toda a Grécia, ensinando na sua
cidade natal, na Magna Grécia, e especialmente em Atenas, onde teve

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grande êxito, sobretudo entre os jovens, e foi honrado e procurado por


Péricles e Eurípedes. Acusado de ateísmo, teve de fugir de Atenas,
onde foi processado e condenado por impiedade, e a sua obra sobre
os deuses foi queimada em praça pública. Refugiou-se então na
Sicília, onde morreu com setenta anos (410 a.C.), dos quais, quarenta
dedicados à sua profissão. Dos princípios de Heráclito e das variações
da sensação, conforme as disposições subjetivas dos órgãos, inferiu
Protágoras a relatividade do conhecimento. Esta doutrina enunciou-a
com a célebre fórmula; o homem é a medida de todas as coisas.
Esta máxima significava mais exatamente que de cada homem
individualmente considerado dependem as coisas, não na sua
realidade física, mas na sua forma conhecida. Subjetivismo,
relativismo e sensualismo são as notas características do seu sistema
de ceticismo parcial. Platão deu o nome de Protágoras a um dos seus
diálogos, e a um outro o de Górgias.

Górgias de Leôncio

Górgias nasceu em Abdera, na Sicília, em 480-375 a.C -


correlacionado com Empédocles - representa a maior expressão
prática da sofística, mediante o ensinamento da retórica; teoricamente,
porém, foi um filósofo ocasional, exagerador dos artifícios da dialética
eleática. Em 427 foi embaixador de sua pátria em Atenas, para pedir
auxílio contra os siracusanos. Ensinou na Sicília, em Atenas, em
outras cidades da Grécia, até estabelecer-se em Larissa na Tessália,

INTRODUÇÃO A FILOSOFIA
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onde teria morrido com 109 anos de idade. Menos profundo, porém,
mais eloqüente que Protágoras, partiu dos princípios da escola eleata
e concluiu também pela absoluta impossibilidade do saber. É autor
duma obra intitulada "Do não ser", na qual desenvolve as três teses:
Nada existe; se alguma coisa existisse não a poderíamos
conhecer; se a conhecêssemos não a poderíamos manifestar aos
outros. A prova de cada uma destas proposições e um enredo de
sofismas, sutis uns, outros pueris.
No Górgias de Platão, Górgias declara que a sua arte produz a
persuasão que nos move a crer sem saber, e não a persuasão que
nos instrui sobre as razões intrínsecas do objeto em questão. Em
suma, é mais ou menos o que acontece com o jornalismo moderno.
Para remediar este extremo individualismo, negador dos valores
teoréticos e morais, Protágoras recorre à convenção estatal, social,
que deveria estabelecer o que é verdadeiro e o que é bem!

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