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História da

Filosofia Antiga
A Metafísica

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Antonio Auresnedi Minghetti

Revisão Textual:
Letícia Pataquine Levenes
A Metafísica

• A Filosofia Teorética de Aristóteles;


• Conceitos Fundamentais da Metafísica;
• Tipos de Silogismo;
• Filosofia Antiga – Depois de Aristóteles.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Estudar a obra Ética a Nicômaco, na qual Aristóteles trata assuntos como a moralidade,
a ética e o propósito da vida humana, como objetivo primeiro, afiançando o sumo bem,
enquanto fim de todas as ações humanas, e a felicidade como objetivo principal da Ética.
UNIDADE A Metafísica

A Filosofia Teorética de Aristóteles


Aristóteles (384-322 a.C.), considerado o pai da lógica, teve o mérito de elaborar um
sistema filosófico que abordou praticamente todos os assuntos existentes à época, como
geometria, física, metafísica, botânica, zoologia, astronomia, medicina, psicologia, ética,
drama, poesia, retórica, matemática e, principalmente, lógica, uma parte da filosofia
que trata das formas do pensamento em geral (dedução, indução, hipótese, inferência
etc.) e das operações intelectuais que visam à determinação do que é verdadeiro ou não.

Aristóteles também é conhecido pelo agnome1 de o Estagirita, alcunha com a qual


a História o consagrou. Consoante seu apelido, era natural da cidade de Estagira, na
Macedônia. Nicômano, seu pai, era o médico da corte do Rei Amintas III, pai de Filipe II
e avô de Alexandre Magno. Do pai, muito provavelmente, teria herdado seu gosto pelas
ciências naturais, reveladas posteriormente em sua grande obra, a Metafísica, um con-
junto de livros diferentes sobre o mesmo assunto. Aristóteles explica a existência de três
tipos de substâncias: os corpos perecíveis, os corpos eternos e os seres imutáveis;
enquanto os dois primeiros tipos pertencem à ciência da natureza, o terceiro faz parte
de estudos da filosofia. Não confundir o Nicômaco, pai de Aristóteles, com o seu filho,
que tinha o mesmo nome do avô.

Órfão de pai ainda criança, Aristóteles foi criado por um tutor que o encaminhou,
quando tinha 16 ou 17 anos, para Atenas, maior centro intelectual e artístico da Grécia,
para lá prosseguir os estudos no momento em que duas grandes instituições disputavam
a preferência dos jovens: a escola de Isócrates, filósofo e retórico ateniense, discípulo de
Górgias, em Tessália, que se dedicou ao ensino da filosofia, em sua escola de retórica,
onde preparava o aluno para a vida política; e a academia de Platão que dava prefe-
rência à ciência (episteme) como fundamento da realidade. Platão fundara a Academia
de Atenas, ou Academia Antiga, aproximadamente em 384/383 a.C., em um jardim
localizado no subúrbio de Atenas. Pode-se afirmar que a escola de Platão foi a primeira
universidade da História, onde grupos de seus seguidores recebiam educação formal.

Aristóteles, junto de Platão, foi um dos mais expressivos filósofos gregos da Antigui-
dade e, com sua prodigiosa inteligência, se tornou o discípulo predileto do mestre, não
obstante sus constantes divergências. Platão dizia: “Minha Academia se compõe de duas
partes: o corpo dos alunos e o cérebro de Aristóteles” (FRAZÃO, s.d.).

A aplicação de Aristóteles o faria se sobressair entre os demais por seu alto nível in-
telectual e interesse pela racionalidade filosófica e científica, o que era um prenúncio de
um futuro grande filósofo, mais tarde confirmado pela criação de sua Lógica e pelo fato
de mapear as ciências da época, além de contribuir para o desenvolvimento de tantas
outras, como a política, o drama, a poética, a física, a medicina, a psicologia, a história,
a lógica, a astronomia, a ética, a história natural, a matemática, a retórica, a biologia etc.

O filósofo grego Andrônico de Rodes (fl. c. 60 a.C.), o 11º dos discípulos peripaté-
ticos, fundador do Liceu e um dos últimos discípulos de Aristóteles, foi quem organizou
os escritos de seu mestre, dando a eles o nome pelo qual os conhecemos hoje.

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Variedade de metonímia que consiste em substituir um nome de objeto, entidade, pessoa etc. por outra denominação,
que pode ser um nome comum (ou uma perífrase), um gentílico, um adjetivo, entre outros, que seja sugestivo, explica-
tivo, laudatório, eufêmico, irônico ou pejorativo e que caracterize uma qualidade universal ou conhecida do possuidor.

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Ricardo Figueiredo cita que a primeira edição completa das obras de Aristóteles,
substancialmente autêntica é a de Andrônico de Rodes, datada do último século a.C.,
com alguns apócrifos e umas interpolações. Figueiredo classifica as obras doutrinais de
Aristóteles conforme a edição de Andrônico de Rodes:

I. Escritos lógicos: cujo conjunto foi denominado Órganon mais tarde,


não por Aristóteles. O nome, entretanto, corresponde muito bem à inten-
ção do autor, que considerava a lógica instrumento da ciência.

II. Escritos sobre a física: abrangendo a hodierna cosmologia e a antro-


pologia, e pertencentes à filosofia teorética, juntamente com a metafísica.

III. Escritos metafísicos: a Metafísica famosa, em catorze livros. É uma


compilação feita depois da morte de Aristóteles mediante seus aponta-
mentos manuscritos, referentes à metafísica geral e à teologia. O nome
de metafísica é devido ao lugar que ela ocupa na coleção de Andrônico,
que a colocou depois da física.

IV. Escritos morais e políticos: a Ética a Nicômaco, em dez livros, prova-


velmente publicada por Nicômaco, seu filho, ao qual é dedicada; a Ética a
Eudemo, inacabada, refazimento da ética de Aristóteles, devido a Eudemo;
a Grande Ética, compêndio das duas precedentes, em especial da segunda;
a Política, em oito livros, incompleta.

V. Escritos retóricos e poéticos: a Retórica, em três livros; a Poética, em dois


livros, que, no seu estado atual, é apenas uma parte da obra de Aristóteles.
As obras de Aristóteles as doutrinas que nos restam – manifestam um
grande rigor científico, sem enfeites míticos ou poéticos, exposição e
expressão breve e aguda, clara e ordenada, perfeição maravilhosa da
terminologia filosófica, de que foi ele o criado. (FIGUEIREDO, s.d.)

Conceitos Fundamentais da Metafísica


Na Metafísica de Aristóteles, em o capítulo Ética a Nicômaco, obra basal para en-
tender seu pensamento a respeito da moral e do caráter, uma coletânea que reúne dez
livros e versa sobre os mais variados assuntos, enfocando especialmente a questão da
felicidade e os meios para alcançá-la:

Existe uma ciência que considera o ser enquanto ser e as competências


que lhe competem enquanto tal. Ela não se identifica com nenhuma das
ciências particulares: de fato, nenhuma das outras ciências considera uni-
versalmente o ser enquanto ser, mas delimitando uma parte dele, cada
uma estuda as características dessa parte. (ARISTÓTELES, 2002, p. 131)

Platão morreu em 347 a.C., e Aristóteles, após 20 anos de Academia, como discí-
pulo e depois como professor, ansiava substituir o mestre na direção da escola, mas foi
preterido por ser considerado estrangeiro pelos atenienses. Com a escolha de Espeusipo,
sobrinho de Platão, para a chefia da academia, e sua tendência à matematização da
filosofia, o que desagradava a Aristóteles, este partiu para Assos com alguns ex-alunos,

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onde fundou um pequeno círculo filosófico com a ajuda de Hérmias, tirano local e
eventual ouvinte de Platão. Lá, ficou por três anos e casou-se com Pítias, sobrinha de
Hérmias. Quando Hérmias foi assassinado, Aristóteles partiu para Mitilene, na ilha de
Lesbos, onde realizou a maior parte das famosas investigações biológicas.

No ano de 343 a.C., Aristóteles foi para a Ásia Menor, chamado por Filipe II, rei da
Macedônia, para ser preceptor de Alexandre, função que exerceu até 336 a.C., quando
Alexandre subiu ao trono do império macedônico em 340 a.C.

Em 336 a.C., Aristóteles voltou a Atenas e fundou sua própria escola filosófica, o
Lykeion, instalado no ginásio do templo dedicado ao deus Apolo, cujos alunos fica-
ram conhecidos como peripatéticos (os que passeiam), nome decorrente do hábito
de Aristóteles de ensinar ao ar livre, por vezes caminhando em meio às árvores que
cercavam o Liceu.

Entre as escolas de Platão e Aristóteles existiam semelhanças e algumas diferenças,


como os estudos das Ciências Naturais, na escola peripatética. Mas Aristóteles foi
além de seu mestre, principalmente ao desenvolver a lógica para servir de ferramenta ao
raciocínio, visando à elaboração de uma visão científica da realidade. Enquanto Platão
poetizava os mitos que narrava, Aristóteles se comportou como um magnífico pensador
e profícuo enciclopedista, detendo-se a escrever em detalhes quase tudo o que existia
em seu entorno, o que, por vezes, modificou princípios das doutrinas de seu mestre.

Aristóteles escreveu inúmeras obras que, por sua profundidade, se pode afirmar,
metaforicamente, constituírem-se de uma verdadeira enciclopédia. Aristóteles é conside-
rado o fundador da Biologia – ciência que estuda a vida e os organismos vivos, sua es-
trutura, crescimento, funcionamento, reprodução, origem, evolução e distribuição, bem
como suas relações com o ambiente e entre si.

Para os gregos, desde os ensinamentos de Sócrates, o homem só poderia se reali-


zar enquanto tal, a partir do conhecimento de si mesmo e de seu mundo, mediante a
busca permanente da verdade em todos os domínios da realidade e, culturalmente, essa
realização só se daria na vida em comunidade na polis, conforme Platão registrou em
A República.

Diferentemente da Academia de Platão, o Liceu de Aristóteles privilegiava as ciências


naturais, tendo em Alexandre o seu grande incentivador, pois ele mesmo enviava ao
mestre exemplares da fauna e flora das regiões conquistadas. Esse trabalho cobria os
campos do conhecimento clássico à época, que, além da biociência, envolvia filosofia,
metafísica, lógica, ética, política, retórica, poesia e medicina, a partir dos quais Aristóteles
estabeleceu as bases de um procedimento investigativo, que resultou no que hoje conhe-
cemos como metodologia científica.

Nas ciências físicas, Aristóteles estudou Anatomia, Embriologia, Geologia, Meteo-


rologia, Física, Zoologia e Geografia. No campo da Filosofia, ele escreveu sobre Arte,
Metafísica, Governo, Ética, Economia, Psicologia, Retórica e Teologia, e também estu-
dou Educação, Literatura, Poesia e outras culturas.

A formação da pessoa humana individual à época de Aristóteles, corresponde àquilo


que os gregos denominavam de paideia e o que os romanos, como Cícero, cognominaram

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de humanitas, parte da educação humana que a distinguiria de outros animais. Para os
gregos, a paideia fazia parte da cultura que buscava a realização humana, motivada por
duas características constitutivas: a primeira intimamente unida à filosofia; e a segunda
relacionada à vida social.

Aristóteles costumava afirmar que o homem seria um animal político; o mesmo que
dizer que o homem necessitava viver em uma pólis, para se tornar um homem entre
outros, o que implicaria viver em uma sociedade administrada por leis e costumes, pelos
quais o homem desenvolve o seu potencial e se percebe em um contexto social.

Figura 1
Fonte: Wikimedia Commons

Aristóteles contribuiu com:


• A Psicologia: o estudo do comportamento e das funções mentais, que tem como
objetivo imediato a compreensão de grupos e indivíduos tanto pelo estabelecimento
de princípios universais como pelo estudo de casos específicos, com o objetivo final
de beneficiar a sociedade;
• O estudo científico da alma: Diversamente de Platão, admitiu que todo ser vivo
tem uma só alma, ainda que nela existam faculdades diversas, que originam atos
diversos. Para Aristóteles, o que caracterizaria a alma humana seria a racionalida-
de, a inteligência, o pensamento e o que dela faz ser um espírito. Para Aristóteles,
o homem é um animal pensante, e essa característica é intrínseca à sua natureza,
dado que o espírito que abaliza o homem como um ser racional é indestrutível,
por ser parte da psique (alma), ao se constituir do poder que anima o corpo. Para
Aristóteles, a alma é potencial e, ao contrário do espírito em Platão, não tem uma
existência apartada do corpo, portanto não sobreviveria após a morte;
• A Moral: Tratou a Moral como a diferenciação de intenções, decisões e ações,
abalizadas como próprias e as que são impróprias, dividindo-as em três éticas,
consoante sua doutrina metafísica fundamental, aludindo que todo ser tende
necessariamente à realização da sua natureza, à atualização plena da sua forma, e
nisto está o seu fim, o seu bem, a sua felicidade e, por consequência, a sua lei;

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• A Política: Segundo Aristóteles, a política seria a ciência que tem por objetivo a
felicidade humana e divide-se em: ética, que deveria se preocupar com a felicidade
individual do homem inserido na polis; e na política propriamente dita, que deve-
ria se preocupar com a felicidade coletiva. Sua obra, A Política, é composta por
oito livros, que estudiosos creem se originar da época em que ele era preceptor
de Alexandre;
• A origem da Retórica Gráfica: Foi o primeiro a demonstrar a arte de escrever
com eficácia. Górgias, bem antes de Aristóteles, fora responsável por inovações
retóricas envolvendo a estrutura e a ornamentação do discurso, não obstante a
paradoxologia (aquilo que parece certo, mas não é) de discursos ensofismados, o
que lhe garantiu o apelido de “o pai da sofística”. No entanto, foi Aristóteles, em sua
obra Retórica, quem lançou as bases para sistematizar o estudo da retórica, identi-
ficando-a como um dos elementos chave da filosofia junto da lógica e da dialética,
além de torná-la uma parte central da educação ocidental, preparando oradores e
aparelhando escritores em seus argumentos e teses. A retórica aristotélica foi uma
das três artes liberais ensinadas nas universidades da Idade Média, constituindo o
trivium, junto da lógica e da gramática.

Após a morte de Alexandre, em 323 a.C., os sentimentos anti-macedônicos em Atenas


se avivaram, e Aristóteles, um dos melhores amigos de Alexandre, acusado de não res-
peitar os deuses gregos, passou a ser perseguido. Estava prestes a ser preso, quando
abandonou a cidade, dizendo que estaria evitando que os atenienses pecassem duas
vezes contra a filosofia; a primeira seria uma referência ao episódio que levou Sócrates
à morte. Depois de pouco tempo do exílio que se auto impusera, Aristóteles adoeceu
e, magoado com a ingratidão dos atenienses, optou pelo suicídio e, tal como Sócrates,
bebeu uma taça de cicuta.

Aristóteles morreu em 322 a.C., com 63 anos, em Cálcide, na Eubéia, determinando


em seu testamento a libertação de seus escravos; talvez esse testamento tenha sido a
primeira carta de alforria da História.

Aristóteles defendia que o conhecimento dependeria da razão e dos sentidos, e suas


obras podem ser classificadas em quatro grandes grupos:
• Lógica: Da Interpretação, Categorias, Analíticos, Temas, Apontamentos So-
físticos e os 14 livros da Metafísica, que denominou de Prima Filosofia, todos
reunidos em seu conhecido Órganon;
• Filosofia da Natureza: Sobre fenômenos celestes e oito livros de Física, além de
tratados sobre história e vida dos animais;
• Filosofia Prática: Estudos sobre ética como em Ética a Nicômaco e Ética a Eudemo;
e sobre Política e a Constituição Ateniense;
• Poéticas: Poética e estudos sobre retórica.

Na Biologia, Aristóteles dedicou inúmeros estudos a elementos da natureza, além de


proceder a uma primeira classificação dos seres vivos. Para ele, a finalidade basilar das
ciências seria, de forma real, desvendar a constituição essencial dos seres, reconhecendo
a multiplicidade dos seres que eram percebidos pelos sentidos e, como tal, seriam reais,
ou seja, constituiriam a realidade observável. Aristóteles parte da sensação para chegar

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ao conceito no que, evidentemente, confrontava seu mestre, dado que para a Teoria
das Ideias de Platão, conforme ele explicitou em a Alegoria da Caverna, os dados
transmitidos pelos sentidos seriam meras distorções, sombras ilusórias da verdadeira
realidade vivente no mundo das ideias. Essa alegoria faz parte de um famoso mito, no
qual Platão revela a relação estabelecida pelos conceitos de escuridão e ignorância,
luz e conhecimento.

A ciência, para Aristóteles, deveria partir da realidade sensorial, a princípio empírica,


e nela encontrar as estruturas essenciais de cada ser, ou seja, seria necessário partir da
existência do ser individual, de sua essência de fundamento e, então, caminhar em di-
reção à compreensão do universal. Essa proposição envolveria o ato de induzir, posto
que buscasse definições essenciais que pudessem ser utilizadas de forma generalizada.

Aristóteles antecipou o uso do Método Indutivo, mais tarde consagrado por Francis
Bacon (1561-1626), filósofo e ensaísta inglês que se dedicou à filosofia científica, con-
siderado o pai do método experimental, ou seja, chegar a um resultado conclusivo
a partir de elementos previamente presentes, ou indiciosos, um raciocínio que, se
servindo de indícios, chega a uma causa patente. A indução seria um tipo de raciocínio
que consiste em afirmar uma verdade generalizada a partir de observações de alguns
elementos anteriores; é um processo mental que, para chegar ao conhecimento ou
demonstração da verdade, parte de fatos singulares comprovados para obter uma
conclusão genérica.

A Aristóteles se deve o Hilemorfismo, ou Hilomorfismo, teoria elaborada por ele e


desenvolvida posteriormente na Filosofia Escolástica, segundo a qual todos os seres
corpóreos seriam uma combinação de Matéria x Forma e Ato x Potência, o que im-
pactou sobremaneira o estudo da Antropologia Filosófica.

Aristóteles concebeu o Hilemorfismo como um princípio de oposição simultânea


ao idealismo platônico, a doutrina platônica das ideias, e ao materialismo adotado
por filósofos pré-socráticos, entre os quais figuram, de modo proeminente, Demócrito
e Leucipo, fundadores do Atomismo. Leucipo foi um filósofo grego, pré-socrático, o
primeiro a afirmar que todo o Universo era feito de átomos, abandonando a inter-
ferência divina na explicação do princípio de todas as coisas. Demócrito de Abdera
(460-370 a.C.), filósofo do período pré-socrático, ligado à escola atomista, e discípulo
de Leucipo, julgava que todos os elementos do Universo fossem compostos de átomos.
Demócrito estudou filosofia, matemática, física, astronomia, ética, linguística e música, e
fez parte da Escola Atomística, oposta à Escola de Heráclito de Éfeso (544-484 a.C.),
responsável pela introdução da ideia de que os sentidos nos enganam e que o mundo
estaria em perpétua mudança, em uma luta permanente entre constantes opostas, por
isso é considerado o pai da Dialética.

Aristóteles, ao observar a natureza, percebeu ciclos constantes e regulares, com


plantas e animais nascendo, crescendo e morrendo e observou que, tanto plantas
como animais, nascem, crescem e morrem a partir de um todo orgânico, ordenado e
coeso; independentemente da diversidade e multiplicidade de entes, a vida sugere uma
ordem interna e externa a cada um deles, dentro da sucessão de episódios da vida.
Essa constatação tornou difícil conceber o inteligível totalmente apartado da realidade
concreta e, não obstante perceptível aos nossos sentidos, pertencendo a um outro mundo,

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como assegurava Platão. Daí surgiu o pensamento de estar o inteligível aqui nesse mun-
do e operante nas próprias coisas aqui existentes.

Grande estudioso da natureza, Aristóteles é considerado por teóricos como o primeiro


biólogo, posto considerasse que o sensível e o inteligível estivessem intrinsicamente in-
seridos, na dependência de uma análise ontológica caso interessasse suas identificações,
o que seria apenas conceitual, dada a dificuldade de apartá-los completamente.

A esses princípios, Aristóteles denominou de causas. Para ele, uma coisa é o que é devi-
do à sua forma, compreendendo a forma como a explicação da coisa, a causa de algo ser
aquilo que é. Aristóteles distingue o raciocínio indutivo, composto de quatro causas dife-
rentes e complementares, que se tornaram o fundamento do método científico ocidental.

Para a existência das coisas, o filósofo afirmou a teoria das quatro causas fundamen-
tais que explicam a origem de tudo o que conhecemos no mundo, as quais se fundam
no princípio de causa e efeito, o que se constituiu de o primeiro registro histórico desse
princípio metafísico e lógico, conhecido como princípio da causalidade, segundo o
qual, para tudo o que acontece no mundo (efeito) existe um evento anterior que teria dado
origem a ele (causa), com exceção do que Aristóteles chamou de causa não causada.

Segundo a Metafísica aristotélica, existem:


1. Causa material: diz respeito à matéria da qual algo é feito. Por exemplo, a
argila é o material com o qual uma moringa é produzida;
2. Causa formal: é a forma que um determinado objeto ou ser possui. Essa causa
também é, de certo modo, a sua definição conceitual, visto que uma moringa
deve possuir a forma de um vaso recipiente, e uma cadeira deve possuir o for-
mato de cadeira;
3. Causa eficiente: seria aquilo que deu origem a um determinado ser ou objeto,
ou seja, a sua causa primeira, o que fez algo, o processo ou o meio pelo qual
algo passa a existir – por exemplo, um oleiro é a causa eficiente de uma mo-
ringa. Nos seres naturais, a causa eficiente não ocorre, pois eles surgem e são
o que são pela própria natureza, fazem-se por si mesmos e não dependem de
uma causa externa;
4. Causa final: diz respeito à finalidade ou à razão de existir de um determina-
do ser ou objeto, o seu propósito ou objetivo, ou a função ou potencial de algo.
Por exemplo, a causa final de uma moringa é que ela é um objeto utilizado para
guardar água. A causa final é a menos científica e se aplicaria também aos seres
naturais, pois, para Aristóteles, as vidas animal e vegetal, ante seus processos bio-
lógicos de crescimento e de reprodução, expressam a finalidade contida em suas
naturezas e, nesse sentido, se sobreporiam à causa formal. Essa seria a causa
mais relevante, dado que retrata o propósito de algo e articula todas as outras.

A causa formal procede a causa material, como no caso do exemplo do recipiente


da moringa quando esta adquire sua forma e essa mutação, necessariamente, implica um
movimento de passagem de um ponto “A” para um ponto “B”. Aristóteles entende que a
causa não é semente finalística, indicando, além disso, um princípio que determina uma
nova estrutura de algo, pois toda mudança indica um novo começo, uma nova forma
da coisa.

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As causas não causadas implicavam sobremaneira a Física de Aristóteles, na qual
ensinava que existiriam quatro principais elementos primários que modelavam a Terra,
diversos daqueles que comporiam o céu e o espaço exterior: terra, ar, água e fogo.
A física aristotélica tinha um caráter qualitativo, no qual as substâncias se distinguiram
entre si por suas qualidades. Aristóteles defendia que cada um dos quatro elementos
mundanos buscava uns aos outros e se aglomerava.

É necessário considerar que o termo “terra” se refere a um elemento puro e teórico


e não exatamente ao planeta Terra, hoje definido como formado de grande número de
elementos químicos, e esta mesma interpretação vale para os outros elementos.

Aristóteles ainda sugeriu que o Céu e frações de matéria do Universo seriam forma-
das a partir de um quinto elemento, a Quintessência, que ele denominou de aether
(éter), supostamente leve e íntegro, que com os outros quatro (água, terra, ar e fogo)
seriam a gênese dos corpos celestes.

A filosofia da natureza, também designada de filosofia natural, trata do conheci-


mento das primeiras causas do mundo material, considerada a precursora das ciências
naturais, como a física, uma ciência geral que estuda movimentos e mutações, que
ocorrem naturalmente.

A filosofia natural em Aristóteles implica particularidades e diferenças, implicadas,


em sua maior parte, na dinâmica dos movimentos, determinados principalmente pela
natureza e pelos objetos moventes. A Physis (natureza, em Aristóteles) implica o prin-
cípio de movimento e de repouso, presente naquilo em que se encontra; esta noção de
natureza significa que a forma não é verdadeiramente ela mesma enquanto não houver
alcançado sua plenitude na matéria, porque a natureza de um ser corresponde à finali-
dade de seu movimento, isto é, à orientação da mutação e do devir do ser.

Em sua física, Aristóteles detecta o problema do movimento e formula a doutrina


do primeiro motor, ou motor imóvel, a causa primeira de toda mobilidade universal,
no entanto, entendia o perigo de se cair em uma espécie de via ad infinitum se não
estabelecesse que, em algum momento, houvera uma causa primeira para existir mo-
vimento em tudo, a qual não fora causada por nada e que deu origem às outras causas.

Para Aristóteles, o mundo seria eterno, nunca teve um início e nunca terá um fim
dado seu conceito, pois princípio e fim contrariam sua concepção de movimento, que
seria a passagem da potência ao ato, onde varia a forma, mas se mantém a matéria, o
que implica sempre existir um algo antes de um imaginado e um algo depois ao que se
pressupõe chegar.

A partir desse conceito aristotélico, seria impossível conceber um início do mundo


sem entrar em contradição, dado faltar o ponto de partida do movimento, assim como
seria impossível conceber um fim do mundo, pois faltaria um ponto de chegada desse
movimento. Então, seria o caso de se admitir um mundo eterno, que nunca começou
e nunca terá um fim? Esse é o problema que se apresentou para Aristóteles, pois essa
conclusão preliminar não explica totalmente o problema do movimento do mundo, dado
que tudo o que se move necessariamente deve ter sido colocado em movimento por
um outro algo, que por sua vez também foi colocado em movimento por outro e assim
sucessivamente. Porém, essa sequência não pode ser infinita, deve se deter em algum

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ponto da história onde exatamente tem seu início. Por isso, Aristóteles foi quase que
obrigado a admitir que algo seria eterno, admitindo então a substância e o ato em um
se mover sem mover-se (Metafísica, XII, 7, 1072 a).

Essa causa primeira, que Aristóteles chamou de Primeiro Motor Imóvel seria a causa
não causada, através de um raciocínio de regressão intelectual pelo qual Aristóteles
conjectura a existência de um princípio causador da origem do mundo, o qual não teria
sido impulsionado por nada e nem por ninguém, pois ele foi o elementar. Aqui, a ques-
tão é entender como poderia algo ser imóvel e ao mesmo tempo gerar movimento?
Aristóteles intenta uma resposta afirmando que a mobilidade se deu por atração, pois
todas as coisas tendem ao que é bom, belo, perfeito, o que atende perfeitamente ao
conceito de primeiro motor, como ato puro de perfeição e que o faz a causa final do
mundo. Evidentemente, essa é uma concepção de mundo teleológica, a capacidade de
relacionar um acontecimento com seu efeito final, que é a sua primazia e onde o radical
telos indica a passagem de potência ao ato, gerando o movimento real.

Para Aristóteles, referencialmente, Deus não seria o Creador2, mas o Motor do Uni-
verso ou, ainda, o motor imóvel do mundo, e Ele não poderia ser resultado de alguma
ação, não poderia ser escravo de amo algum, pois é a fonte de todas as ações, o amo
de todos os amos.

Para Aristóteles, o movimento tem significado de mudança, representando a passa-


gem daquilo que está em “potência” para o “ato” (realidade). Ele via todo movimento
como uma mutação que possui uma causa. Em sua Metafísica, Aristóteles definiu o
seu princípio da causalidade, e necessário se faz ressaltar que a sua concepção de
causa não corresponde ao conceito moderno de que há um agente causador; Aristóteles
apenas considera a causa eficiente, que não refere ao sistema mecanicista, como o da
física moderna, que surgiu na Revolução Científica.

No contexto aristotélico, se não existisse o movimento que produz a mutação e, se


o ser fosse estático, o elenco das causas se reduziria às formais e às materiais, que
envolveria apenas a forma imutável da coisa e o material de que é feita. Ao surgir o
deslocamento, também surge a questão de saber quem ou o que provoca e com que
finalidade? Dessa forma, além das quatro causas fundamentais, se fazem necessárias
as ideias de causas eficientes e finais.

Como já visto, a causa eficiente é a causa primeira, aquela que dá ensejo a um de-
terminado ser ou objeto, sendo o agente que produz o resultado; a causa final corres-
ponde à finalidade da mudança, a realidade para a qual a coisa tende e, assim, é possível
admitir que todos esses tipos de causas, determinam não apenas o ser, mas também a
sua porvindoura evolução.

A ideia de finalidade está no núcleo da solução aristotélica, para um hipotético


absurdo lógico, que caracteriza a mutação como via do ser ao não ser. De fato, para
Aristóteles, a mudança se faz não tão somente como uma transição do ser ao não ser,
mas se faz a sua finalidade primeva, de passagem de um modo de ser ainda latente à

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Observação contida na contracapa de todos os livros de Huberto Rohden: Creador com “e”, do latim credere, signi-
ficando crear a partir do nada, o que diferencia do “criador” em português, onde o criar tem a conotação de trans-
formação, criar algo a partir de outra substância (ROHDEN,H. Filosofia da Arte. São Paulo: Martin Claret, 2007).

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concretização cabal da essência desse ser, através da consecução finalística motivada
pelos movimentos conclusivos. Aristóteles em sua Metafísica, identificou quatro tipos
de mudanças contrapostas em deslocamentos por movimentos: gênese e destruição,
mutações qualitativas e suas alterações.

As mutações, que envolvem a qualidade de algo, pressupõem a sua existência, e uma


existência pressupõe uma gênese desse algo, portanto, nesse algo existe uma anterio-
ridade, que envolve uma qualidade de mutação de dimensão, e essa mutação envolve
um movimento no tempo e no espaço. Portanto, é um movimento gerativo, causal
e não aleatório, ou seja, tem a sua razão de ser um agente deslocador marcadamente
mecânico e uma ação de causação com primazia sobre as demais.

Para Aristóteles, a matéria se moveria naturalmente por uma forma de energia,


que a compeliria em uma determinada direção, porém, essa ideia mereceu críticas nega-
tivas já na época em que foi formulada, pois ela seria anulada se imaginarmos que todas
as forças naturais existentes na Terra fossem anuladas, como ocorre com a gravidade,
então, teríamos um paradoxo3. Um exemplo do pensamento de Aristóteles seria uma
flecha lançada no vácuo que continuaria seu movimento provocada pela corda do arco
e o manteria pela ação inercial, mas não por um movimento natural.

Aristóteles escreveu na Física (1936) que o filósofo pré-socrático Zenão de Eleia


(490/485 a.C.-430 a.C.), partindo das premissas de seus oponentes, buscava reduzi-las
ao absurdo, através de argumentos utilizados para provar a inconsistência dos conceitos
de multiplicidade, divisibilidade e movimento. Buscava provar a impossibilidade da
mobilidade por meio de paradoxos contra o movimento, tal como o da flecha imóvel
(voando e ao mesmo tempo estática) e o da maratona entre Aquiles e a tartaruga.

É evidente que as flechas atingem seus alvos, mas Zenão, conceitualmente, admitiu
que uma flecha, ao ser lançada, jamais atingiria o seu alvo, pois o espaço a ser percorri-
do em sua trajetória, seria infinitamente divisível em segmentos menores, o que implica
ultrapassar infinitos espaços menores em uma via infinita de possibilidades espaciais,
tornando inesgotáveis os espaços a serem percorridos pela flecha. Esse argumento,
evidentemente, é abstrato e puramente lógico.

Um outro célebre e histórico paradoxo de Zenão, muito conhecido da filosofia, é o


que retrata um episódio de uma corrida entre o herói grego Aquiles e a tartaruga, no
qual os argumentos lógicos provam que a conclusão é falsa.

Conta-se que Aquiles, disputando uma corrida com uma tartaruga, admitindo que
sua velocidade era maior que a da tartaruga, resolveu dar a ela uma pequena vantagem,
começando a corrida um trecho à frente da linha de largada de Aquiles. Segundo o
filósofo grego Zenão, por mais rápido que Aquiles se movesse, ele jamais conseguiria
ultrapassar a tartaruga. O paradoxo formulado por Zenão é o seguinte: cada vez que
Aquiles percorre determinada distância num espaço de tempo, a tartaruga já percorreu
uma outra distância e, assim, Aquiles nunca ultrapassará a tartaruga, pois quando ele
chegar à posição inicial “A” da tartaruga, ela estará à sua frente, numa outra posição
“B”, e quando Aquiles chegar à “B”, a tartaruga não está mais lá, pois avançou para uma
nova posição “C” e assim ininterruptamente.
3
O paradoxo é uma contradição na lógica, que é um campo da filosofia; o paradoxo é um raciocínio que encerra
uma oposição.

17
17
UNIDADE A Metafísica

Em termos matemáticos, seria o mesmo que dizer que o limite entre o espaço que se-
para a tartaruga e Aquiles tende ad infinitum e Aquiles nunca alcançará a tartaruga ou
poderá ultrapassá-la, portanto, o paradoxo envolve um conceito de referencial, pois se
a corrida fosse somente de Aquiles, seu movimento seria ilimitado, mas ao compartilhar
a corrida com a tartaruga, surge um referencial para o movimento dele. No entanto, o
que Zenão fazia com esse paradoxo, era demonstrar que o movimento das coisas seria
um fenômeno irreal e contraditório, incidindo sempre em mera ilusão dos sentidos.

Em suas obras, Francis Bacon (1561-1626) dá continuidade a Aristóteles, ao destacar


a primazia dos fatos em relação à teorização, e rejeita a especulação filosófica como
cientificamente válida. Seu método do raciocínio indutivo partia daquilo que podia ser
passível de observação, o empirismo que despertou no homem o gosto pela experi-
ência do real. Quanto a esse método, uma observação importante se faz necessária, a
possibilidade de, em determinados casos, o método indutivo levar a uma generalização
indevida de casos específicos, os quais nem sempre podem ser considerados verdades, o
que não ocorre no método dedutivo, porque este utiliza o procedimento de estabelecer
premissas, para chegar a uma determinada conclusão. Ao entender o método indutivo,
se entenderá as coisas.

O pensamento aristotélico não se limitou à teoria do conhecimento, ou epistemologia,


pelo contrário, se ampliou às ciências outras como a ética, a política e a poética, esta
última compreendendo não apenas a poesia, mas a obra literária e teatral.

A noção grega de ética, um dos pilares basilares da filosofia no período socrático,


o ethos referia um conjunto de costumes e hábitos fundamentais, os quais envolviam
o comportamento humano em suas várias dimensões, incluindo os valores, ideias ou
crenças culturais características, significando, principalmente, os bons costumes, impor-
tando portar um bom caráter. Implicitamente, refletia regras morais de forma racional,
fundamentadas em nos valores e experiências pessoais de vida do povo grego. Impor-
tante atentar para o fato de que a ética não se confunde com a ideia de moral, que está
mais ligada às normas e leis que regeriam a sociedade, sujeitas a mudanças ao longo do
tempo, ou com os costumes socialmente aceitos em dada época.

É necessário considerar que Aristóteles, evidentemente, conhecia as teorias de Heráclito


de Éfeso (544-484 a.C.) e de Parmênides de Eléia (530-460 a.C.), portanto, sabia que a
verdade, muitas vezes, seria paradoxal.

Heráclito pregava que “o ser é e não é ao mesmo tempo”, que tudo flui, tudo está
em movimento e nada dura para sempre. Seu aforismo mais conhecido pregava a im-
possibilidade de se tomar banho duas vezes em um mesmo rio, e que o princípio de
todas as coisas seria o movimento, o Devir, no qual tudo estaria em permanente estado
de mutação, dado nada ser estático. Já Parmênides, considerado o filósofo do “ser”,
concordava parcialmente com Heráclito quando afirmava que tudo efetivamente muda,
exceto a essência, a ideia central e a mais importante categoria de um Ser ou de algo
que permanece inalterada. Embora nossos olhos vejam mudanças, o que realmente
ocorre é que o “ser” permanece sempre o mesmo, porque o “ser” não se perde.

Segundo Marilene Chauí (2002, p. 359), Aristóteles emprega a palavra grega categoria
para designar termos provenientes do vocabulário jurídico, como um indicador que re-
vela alguma coisa que serve para designar uma outra coisa, indicativo de revelação, ou o

18
como essa coisa é em decorrência de uma ação; são os gêneros supremos de predicados
de uma coisa ou sujeito. Aristóteles afirma na Metafisica que “o ser se diz de muitas
maneiras”. São elas:
• Substância ou essência, ousía (homem);
• Quantidade (dois metros de comprimento);
• Qualidade (branco);
• Relação (o dobro, a metade);
• Onde, isto é, lugar (em casa);
• Quando, isto é, tempo (ontem);
• Como, isto é, posição (sentado);
• Posse (está armado, tem armas);
• Ação (corta);
• Paixão ou passividade (está cortado).

Do ponto de vista gramatical, as categorias correspondem a um substantivo, adjetivo,


advérbio e verbo. Chauí cita que no Livro V da Metafísica, Aristóteles escreveu:

Visto que a predicação afirma às vezes o que uma coisa é, às vezes sua
qualidade, às vezes a sua quantidade, às vezes sua relação, às vezes o que
faz ou o que sofre e, às vezes o lugar em que está ou o tempo, segue-se
que tudo isto são modos do ser. (CHAUI, 2002, p. 360)

Parmênides tinha o corpo como algo digno e um meio de transporte para a mente;
aconselhava a não confiarmos nos sentidos, dado que eles nos levam a erros e nos afas-
tam do ser, correndo o risco de cair na existência do não ser, mais conhecido como Doxa,
opiniões, sentidos errôneos, julgamentos apenas de um saber carnal, contraposto ao Pathos,
termo forjado por Aristóteles, significando a oposição entre essência e aparência4 (que
Aristóteles denominou de substância, em face da impossibilidade de separar essas duas),
como um espanto, ao se reconhecer como não conhecendo verdadeiramente as coisas,
implicando a ignorância e a necessidade de construir um caminho para o conhecer, o
que lembra muito a postura de Sócrates, que afirmava nada saber, e, a partir dessa to-
mada de consciência, se deslocar para a Episteme, que constitui a base da Metafísica
Ocidental, um saber além dos sentidos, que se dirige à pureza da sabedoria.

Ambos, Heráclito e Parmênides, “nadificaram” o mundo. Para Heráclito, tudo se


transforma no seu contrário e nada permanece idêntico, pois o Logus seria a mudança
de todas as coisas, um conflito entre elas, dado que nada vem do nada e nada volta
ao nada, pois a natureza é eterna e nela tudo se transforma. Para Parmênides, a
mudança é o não ser, o nada, impensável e indizível. Se uma coisa se tornar contrária
a si mesma, deixará de ser, e em seu lugar haverá o nada, a coisa nenhuma, pois o que
se contradiz se autodestrói.

4
Aristóteles é considerado o filósofo do realismo, pois admita a inseparabilidade entre essência e aparência, pois
ambas ocupariam um único corpus, um único todo. O corpus aristotélico opera com a lógica, a qual o estagirita
denominou de organum, a retórica, a física e a astronomia.

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UNIDADE A Metafísica

Sócrates entendia a natureza do homem como algo que não poderia ser descoberto
da mesma forma como se descobre a natureza das coisas, posto que há a existência da
consciência, o sentimento ou o conhecimento que permite ao ser humano vivenciar,
experimentar ou compreender aspectos ou a totalidade de seu mundo interior. Nesse
ponto, convém recordar que a introspecção foi a característica determinante da filoso-
fia de Sócrates, na qual ele faz uso de um ditame extremado do Oráculo, “Conhece-te a
ti mesmo”, ou seja, torna-te consciente de tua ignorância para poder atingir o cimo da
sabedoria, o que só é possível mediante a virtude da modéstia. Para Sócrates, deparar
a verdadeira natureza ou essência do homem requisitaria primeiro remover dele todos
os seus caracteres incidentais.

Sócrates concebeu o homem a partir de dois princípios, a alma (ou espírito) e o


corpo, que originaram duas vertentes filosóficas, que se fizeram o eixo do pensamento
filosófico ocidental, primeiro com seu discípulo Platão (427-347 a.C.), que admitia o
homem ser conjugado a sua alma, a qual seria imortal; portanto, um princípio idea-
lista que, ao distinguir o mundo concreto do mundo das ideias, deu a estas o status de
realidade; e o princípio realista, que surgiu com Aristóteles, discípulo de Platão, que
acreditava nas ideias advindas do espírito ao mundo real. Diferentemente de seu mestre,
Aristóteles entendia que o homem deve ser interpretado não em sua vida individual,
mas em sua vida política e social. Para Aristóteles, o Universo seria um todo ordenado
e regido por leis da metafísica, que não regem apenas as leis naturais, mas também os
fenômenos sociais.

Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, tratou a moral com um agudo senso prático,
pois esta não aparece como a sua meta primeira, mas sim a prática da virtude, que para
Aristóteles significava, fundamentalmente, a Areté, a excelência da potencialidade hu-
mana, que se mostra através de atos, pelos quais o homem não faz o bem porque este
seria bom, mas o homem seria bom porque perpetraria o bem. Esse seria o homem
superior de Aristóteles, bom em seu mais alto grau, incapaz de cometer desonestidades.

Em Aristóteles, portanto, surgiu a ética do meio termo, também conhecida como


média áurea ou doutrina do meio-termo, uma ética do comedimento, da moderação
e do afastamento de todo e qualquer excesso, também conhecida como Areté, uma
concepção que apresenta a virtude entre dois extremos, os quais ele considerava vícios,
posto que a ética aludida por ele, enquanto uma virtude, era resultante da prudência e
da temperança. O meio-termo aristotélico, evidentemente, altera-se de um ser humano
para outro, conforme sua natureza e circunstâncias; os homens não nascem livres e
iguais em direitos, mas em uma hierarquia que depõe contra o ideal democrático, que
contempla uma gama de possibilidades de ser. Essa gama mostra a potencialidade de
existência de homens bons e maus, mas mostra também o livre-arbítrio, a liberdade de
escolha racional e equilibrada de opções, que envolvem o meio-termo, como a escolha
entre a coragem e a covardia, por exemplo.

A Ética de Aristóteles é um estudo de escolha em uma determinada tomada de ação,


visando o homem desejar um viver melhor. Para Aristóteles, tudo se resume na relação
indivíduo-sociedade, em que determinadas virtudes, como a coragem e a generosidade,
são virtudes práticas, posto que estão ligadas à natureza social e racional do homem.
Para Aristóteles, a felicidade suprema reside na busca da sabedoria para seu próprio
bem, como registrou em sua Ética a Nicômaco.

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A educação grega, designada por areté, reflete a tentativa de formação do cidadão
em concordância com um ideal fundamental de beleza, no sentido não apenas físico,
mas, essencialmente, espiritual, manifestado não apenas em sua conduta e compor-
tamento exterior, mas principalmente em sua atitude interior.

A doutrina do meio-termo estaria relacionada com o agir virtuosamente e, im-


plicaria o sujeito saber se colocar entre esses dois extremos, um de excesso e outro
de deficiência, no que mais lembra uma das Máximas Délficas, inscrita do Delphus
Templum, que recomendava nada em excesso, concebendo a moderação, a harmonia
e o equilíbrio. Por exemplo, a coragem seria uma virtude, mas em excesso despontaria
como imprudência, e por deficiência apareceria como covardia. O meio-termo se carac-
teriza como conduta ética a partir do momento em que a pessoa conhece a si mesma e
possui um equilíbrio sobre si, o que é muito difícil de conseguir, conforme um aforismo
grego, reportado em outra máxima délfica: NOSCE TE IPSVM5.

Assim, a virtude seria o resultado da prudência, o exato equilíbrio entre a falta e o


excesso, o que Aristóteles denominou de phronesis.

A phronesis é caracterizada como o discernimento, uma faculdade que possibilita a


ação ou a conduta ética, como uma qualidade racional que leva à verdade, às ações
relacionadas com coisas boas ou más para os seres humanos. No Livro IV da Ética a
Nicómaco, a phronesis designa a sabedoria por ser uma virtude do pensamento.

O Livro VI da Ética a Nicômaco busca compreender de que modo a razão correta da


phronesis delimita as mediedades e afiança a efetiva realização das ações, conforme os
propósitos da virtude do caráter. Essa delimitação envolve dois conjuntos: o uso do racio-
cínio deliberativo para a determinação de prohaireseis (propósitos); e a avaliação dos
fatores singulares envolvidos nas circunstâncias de cada ação. A definição da phronesis
implica a praktike, o ato que realiza a atuação tanto quanto o bem, enquanto sua inter-
dependência em relação à virtude do caráter.

Em Sócrates, a Areté está ancorada à ideia de virtude, sobretudo com a excelência na


participação cívica, na qual se assentava a concepção de democracia em Atenas. Essa
questão nuclear implica necessariamente a busca por respostas para questões como:
O que é a virtude? A virtude é ensinável ou é inata? Entretanto, numa segunda avaliação
do conceito grego, a Areté também era um sinônimo de excelência humana, da qual
surgiram outros predicados para qualificar esse termo, tais como a justiça, a sensatez,
a piedade, a sabedoria e o heroísmo. A abrangência de possibilidades de interpretação
da palavra areté em sua origem denotava, sobretudo, à excelência das ações humanas,
considerando que, para os gregos, a areté seria uma atividade da alma e que nem to-
das as pessoas atingiriam essa perfeição.

O termo areté surgiu pela primeira vez entre os cantos VI-XI da Odisseia, em que
Homero lhe deu um sentido amplo, designando a excelência humana, como um predi-
cado da superioridade de seres não humanos, associada à força dos Deuses, responsável
por constituir a perfeição humana, da qual resultou a póstuma ética da polis como uma
das mais altas virtudes do ser humano e a subentendida exigência de heroísmo. Assim, à
areté estão adjuntos dois sentidos: um relativo a um elemento social; e outro ao conceito

5
Tradução: “Conhece-te a ti mesmo!”.

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21
UNIDADE A Metafísica

grego de ética, que por vezes surgem visivelmente distinguidos e em outros momentos
surgem combinados.

Na história de quase todas as culturas, principalmente na Grécia Antiga, na área da


educação sempre existiu em currículo a prática da moral. Para os gregos, a moral na
educação seria composta por um conjunto de valores, que se apresentavam sob a forma
de preceitos tais como: honrar os deuses, honrar pai e mãe, respeitar os mandatários
do país etc. por uma série de regras de comportamento social, além dos conhecimentos
e aptidões profissionais designados por techne.

Aristóteles, em sua obra “A Ética a Nicômaco”, aborda assuntos como moralidade,


ética e o propósito da vida humana, onde surgem os pontos principais de sua filosofia
ética, que são o sumo bem e o fim de todas as ações humanas, aquilo que realmente
constitui a felicidade humana. Nesta obra, Aristóteles apresenta a seguinte explicação:

[...] o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de melhor e


de aprazível para ela; e, assim, para o homem a vida conforme a razão
é a melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra
coisa, é o homem. Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz.
(ARISTÓTELES, 2019, p. 08)

Quanto à felicidade, a tese de Aristóteles afirma que o ser humano obtém a felicidade
por meio de uma vida virtuosa, ao desenvolver sua razão e sua sabedoria como via ao
sumo bem, que é alcançado por meio das instituições desenvolvidas pela comunidade e
seus costumes. Aristóteles, de certa forma, segue a linha de Sócrates e Platão ao con-
siderar que a virtude seria o fundamento de uma vida bem vivida. Cotrim e Fernandes
(2016, p. 25) comentam os argumentos que dão sustentação para essa tese:
• Aristóteles afirmava que um ser só alcança seu fim quando cumpre a
faculdade que lhe é própria e, que o distingue dos demais seres, isto é, a
da virtude aqui expandida em Areté.

• A palavra virtude é entendida aqui como a propriedade mais caracte-


rística e essencial de um ser, aquela cujo exercício conduz à excelência
ou perfeição desse ser, trazendo-lhe prazer. Por exemplo: a virtude de
uma faca é o seu corte, de uma laranjeira e produzir laranjas, de um
dentista é tratar dos dentes.

• O ser humano, por sua vez, dispõe de uma grande quantidade de


funções ou faculdades (caminhar, correr, comer, sentir, dormir, dese-
jar, obrar, amar etc.), mas outros animais podem possuí-las também.
Existe, porém, uma única faculdade que ele possui com exclusividade
e, que o distingue dos demais seres: o pensar de forma racional. Essa
seria, portanto, sua virtude essencial.

• Assim, o ser humano só alcançará se fim e bem supremo, a felicidade,


se atuar conforme sua virtude, que é a razão.

Os autores chamam a atenção para que em Aristóteles não bastaria uma virtude, a
racionalidade, seria necessário exercitá-la; um esforço para realizar aquilo que lhe é dado
pela natureza como potência, a possibilidade de ser. Para atingir a felicidade verdadeira,

22
o ser humano deveria dedicar-se fundamentalmente à vida teórica, no sentido de uma
contemplação intelectual, buscando observar a beleza e a ordem do cosmo, a autên-
tica realidade das coisas, durante a vida inteira e não apenas em um dia ou outro, como
diz a passagem de uma de suas obras: “[...] porquanto uma andorinha não faz verão,
nem um dia tampouco; e, da mesma forma um dia, ou um breve espaço de tempo, não
faz um homem feliz e venturoso” (ARISTÓTELES, 2019, p. 16).

A física e a cosmologia de Aristóteles perduraram no campo dos estudos, desde o


século IV a.C. até o século XVI d.C., como os únicos pensamentos sistemáticos estabe-
lecidos sobre os fenômenos físicos e a estrutura do Universo.

Figura 2 – Via Láctea


Fonte: Getty Images

As palavras Eudaimonismo ou Eudaimonia dizem respeito a uma doutrina que prega


a felicidade como a finalidade da vida humana. A Eudaimonia é uma palavra de origem
grega formada a partir dos termos Eu, o bem ou aquilo que é bom, e Daemon, deus ou
um intermediário entre os homens e as divindades superiores. O Daemon seria a entidade
que orienta o caminho dos seres humanos. Devemos atentar para o fato de que algumas
traduções equivocadas interpretarem a palavra grega Daemon como o demônio, mas, na
verdade, esse termo era, na Grécia antiga, a entidade que traria luz e sabedoria divina à
humanidade. A eudaimonia pode ser traduzida como a ética da felicidade, a sabedoria
prática necessária para que o agir humano alcance o bem supremo.

A palavra Eudaimonia, na forma como Aristóteles estabeleceu em Ética a Nicômaco,


está fundamentada na excelência da ação humana, na qual a felicidade teria relação com
a vida contemplativa, promovida pela virtude promovida pela mediania ou justa medida
da ação, por falta ou excesso de algo, referindo-se a uma doutrina ética grega, que afirma
a busca da felicidade como fundamento da Ética, a qual visaria o alcance da felicidade como
finalidade moral, a qual o estagirita definia como o bem composto de todos os bens.

Aristóteles observa que o homem é um ser que não se basta em si, necessita da con-
vivência social, por isso, é um ser carente e imperfeito, quando busca na comunidade a
sua completude. A partir dessa constatação, Aristóteles deduz que o homem é natural-
mente político. Para Aristóteles, quem vive fora da comunidade organizada da Pólis é
um ser degradado ou um ser sobre-humano, divino.

23
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UNIDADE A Metafísica

Aristóteles desatou o estudo da Ética da esterilidade das abstrações místicas e as


fundeou nas realidades do cotidiano, em especial, em fatos da vida em comunidade, a
polis, ao conceituar o homem como Zoon Polytikon6. Para tanto, via a virtude como o
meio, o equilíbrio entre o excesso e a ausência, excetuando-se a virtude, a qual deveria
ser elevada ao seu máximo; a vida moral deveria se pautar na moderação e ser definida
conforme as circunstâncias, pois que nenhum desejo humano seria ruim, desde que seja
ajuizado pela razão e pelo princípio moral.
Segundo Aristóteles, a virtude moral não poderia ser obtida abstratamente, requere-
ria ações morais em um ambiente social. A vida virtuosa do ser humano, enquanto um
ser racional, requer a racionalidade nas escolhas das ações virtuosas, as quais levam à
felicidade, por meio da combinação de conhecimento, hábito, atividade e autodisci-
plina, por isso o homem é o responsável moral por suas escolhas.
Na visão de Aristóteles, a melhor forma de governo só é alcançada por meio das cons-
tituições das cidades-estados, onde os seres humanos jazem conexos em um contexto
social, dado consistirem de seres sociais e políticos, realizando a sua perfeição dentro do
Estado, a partir da Política fundamentada na moral e na ética. Nesse contexto, o concei-
to de cidadão varia de acordo com o governo da polis onde se insere e na dependência
de sua participação ativa na discussão, elaboração e execução das leis, que devem ser
elaboradas, principalmente, por todos os cidadãos livres, o que consistiria da democracia.
Quanto ao cidadão e à cidade, Aristóteles adotou uma posição liberal- conservadora,
envolvendo a política e a sociedade, ao entender que a propriedade não deveria ser limi-
tada. Nesse sentido, critica outros sistemas políticos como os propagados por Sócrates
e Platão, idealizando uma Cidade fechada em si mesma e hostil aos estrangeiros. Nesse
aspecto, é preciso recordar que Aristóteles ambicionava substituir Platão na direção da
Academia e que foi preterido pelos atenienses por ser estrangeiro.
Para Aristóteles, a própria ideia de comunidade em si implicaria visar um bem co-
mum. Assim, em Atenas, a concepção de democracia, diversa do que hoje experimenta-
mos, derivava de valores anteriores ao nascimento da própria democracia grega, implican-
do pressupostos distintos, característicos de sua cultura, os quais excluíam boa parte da
população; escravos, mulheres, estrangeiros e menores de 18 anos não tinham o direito
de participar das questões políticas. Aristóteles escreveu sobre o casamento, a família e a
educação dos filhos, no entanto, ele era contra o igualitarismo e afirmava que as mulhe-
res seriam inferiores aos homens, pois, por natureza, o macho seria superior a mulher:
“Além disso, o macho tem sobre a mulher uma superioridade natural e, um é destinado
por natureza ao comando e, o outro a ser comandado” (ARISTÓTELES, 2001, p. 61).
Aristóteles afirmou que a escravidão sempre existiu e continuaria a existir:
De resto, o uso dos escravos e dos animais não é muito diferente: com seu
corpo, ambos atendem ao serviço das necessidades da vida. A própria
natureza desejou dar características distintas ao corpo dos homens livres
e ao dos escravos, dotando alguns com força adequada ao trabalho a que
são destinados e, outros, com uma compleição inteiramente inadequada
para esse tipo de trabalho, porém úteis na vida civil, tanto na arte da
guerra quanto da paz. (ARISTÓTELES, 2001, p. 61-62)

6
Zoon Politikon, em Aristóteles, seria a condição natural da autoridade, o animal político como condição natural da
autoridade, visando compreender, ao menos em parte, o conceito aristotélico de autoridade.

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Um ser social e político seria identificado por rigorosa formação moral envolvendo
a virtude. Aristóteles ensinava que a Ética e a Política estão intimamente ligadas, ou
seja, a ética constituiria uma Ciência que gera a sociedade, na qual seus habitantes te-
riam uma vida profícua, a ponto de desenvolverem todo seu potencial, num ambiente de
justiça entre cidadãos virtuosos e felizes, vivendo eticamente, conforme a cultura onde se
inserem. Portanto, é responsabilidade do Estado suprir o desenvolvimento e a felicidade
do cidadão, pois sua condição impõe ser feliz apenas em sociedade, pois o homem é
muito mais do que um ser social, é um animal político que, em sua vida vivida, carece
de relações sociais com outros cidadãos da sua polis:

Fica evidente, pois, que a Cidade é uma criação da natureza e, que o ho-
mem, por natureza, é um animal político, isto é, destinado a viver em socie-
dade e, que o homem que o homem, que, por sua natureza e não por mero
acidente, não tivesse sua existência na cidade, seria um ser vil, superior ou
inferior ao homem. Tal indivíduo, segundo Homero, é “um ser sem lar, sem
família, sem leis”, pois tem sede de guerra e, como não é freado por nada,
assemelha-se a uma ave de rapina. (ARISTÓTELES, 2001, p. 56)

Em sua Política, Aristóteles descreveu os méritos relativos a vários tipos de governo,


listando suas obrigações bem como as dos cidadãos; ele acreditava que o ideal para uma
sociedade profícua, seria a soberania política proveniente do povo, conforme o conceito
de democracia, em substituição ao poder nas mãos de homens notáveis, decorrente de
uma oligarquia, regime político em que o poder é exercido por um pequeno grupo de
pessoas, pertencentes a um mesmo clã, ou a aristocracia, organização sociopolítica fun-
dada em privilégios de uma classe social formada por nobres selecionados por herança,
ou um monopólio do poder.

Tipos de governo que Aristóteles cita em sua Política:


• Monarquia: governo exercido por um único homem;
• Aristocracia: governo exercido por determinados homens;
• Democracia: governo que está nas mãos do povo.

À época de Aristóteles, esses eram os únicos modelos possíveis de governo, os quais


estavam vulneráveis aos interesses particulares dos homens. Para Aristóteles, a Tirania e
a Oligarquia seriam deformações da Monarquia e da Aristocracia, as quais beneficiavam
interesses particulares e, depunham contra o bem público.

Ante a realidade política ateniense e o conflito de interesses contrários – os dos


pobres em favor da democracia e o dos ricos em favor da Oligarquia –, Aristóteles reco-
mendava uma forma mesclada de governo, onde preponderasse, de forma equilibrada, a
força dos ricos com a quantidade de indigentes, o que seria a forma ideal de governança,
chamando esse tipo de governo de timocracia7.

O bom governo tem duas partes: uma consiste na obediência dos cidadãos
às leis, a outra é se as leis às quais se obedece são boas; tanto as boas
quanto as más leis podem ser obedecidas. E, existe ainda uma posterior

7
A timocracia (de timé, que significa honra) é uma forma introduzida por Platão para designar a transição entre a
constituição ideal e as três formas mais tradicionais (oligarquia, democracia e tirania), que vigorou durante o gover-
no de Sólon na Atenas da Grécia Antiga.

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UNIDADE A Metafísica

subdivisão: ou as leis são as melhores possíveis para certo povo ou são as


melhores de modo absoluto. (ARISTÓTELES, 2001, p. 160)

Aristóteles manifestou preferência pela Democracia, julgando-a superior às outras


formas de governo, porque reunia as qualidades de muitas pessoas e neutralizava os
defeitos de indivíduos em particular, no entanto, advertia contra os demagogos que inci-
tavam o povo, causando profundas revoluções.
Aristóteles justificava que da união de vários cidadãos seria implementada a probidade das
decisões adotadas, pois a associação de vários indivíduos resultaria, necessariamente, qualida-
des positivas inúmeras, derivadas dos valores que cada um deles possui. Na Política, Aristóte-
les, mentor de Alexandre Magno, justifica a existência da monarquia, somente se a virtude do
rei e de sua família for maior que a de todos os outros cidadãos da polis em conjunto.
Platão concebia a existência de dois mundos: o sensível, que é apreendido por nossos
sentidos, o mundo concreto e permanentemente em mutação; e o das ideias, imutável,
apartado do tempo e do espaço, abstrato e somente acessível pelo intelecto. Enquanto seu
aluno, Aristóteles, discordava das ideias de seu mestre, e entendia que a nossa experiência é
o que nos leva a conhecer e a entender o mundo, dado acreditasse que todos os seres seriam
fruto da junção da essência e da matéria. Aristóteles não acreditava em um “mundo das
ideias” que existiria além da realidade, defendendo a apreensão do conhecimento no próprio
mundo da vida vivida, pois, para Aristóteles, existiria um único mundo, o da experiência,
este no qual vivemos e onde encontraríamos as bases sólidas para cultivar investigações
filosóficas pelas quais a essência e as ideias se realizariam apenas no plano material.
Aristóteles foi o primeiro filósofo a realmente sopesar o problema de evidência. Ao
encontrar um problema, analisava as informações disponíveis sobre o assunto, estudava
o contexto e fazia um estudo sistemático das circunstâncias adstritas ao episódio e esta-
belecia, de forma sistemática, as possibilidades de uma possível verdade.

Figura 3 – Obra de Rafael Sanzio


Fonte: Wikimedia Commons

Ao centro e ao alto, Platão, à esquerda, usando toga vermelha, dialoga com


Aristóteles, vestindo uma toga azul. Note que Platão aponta para cima, “o
mundo das ideias”, enquanto Aristóteles aponta para a Terra, a concretude.

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Enquanto as áreas do conhecimento, a partir de Descartes são divididas em suas
especialidades, ou seja, estudam apenas uma determinada parte do todo. Antes, a Me-
tafísica tinha a responsabilidade de estudar o todo, as relações de como as coisas são,
como se organizam racionalmente para além da vontade humana e da existência mate-
rial do mundo.

é evidente, portanto, que a uma mesma ciência pertence o estudo do ser


enquanto ser e das propriedades que a ele se referem, e que a mesma
ciência deve estudar não só as substâncias, mas também suas proprie-
dades, os contrários de que se falou, e também o anterior e posterior,
o gênero e a espécie, o todo e a parte e as outras noções desse tipo.
(ARISTÓTELES, 2002, p. 131)

Aristóteles não via ensejos para acreditar na existência de um mundo das ideias, ou
das formas ideais platônicas, porque tutelava o pensamento de que aquilo que estaria
além de nossa experiência não poderia ser absolutamente nada para nós.

Aristóteles se dedicou ao estudo da matéria e da forma, utilizando-se da Ontolo-


gia como uma das atividades profícuas da filosofia, a qual tem por objeto de estudo as
propriedades mais gerais do ser, a natureza do ser e a existência da própria realidade;
a palavra “ontologia” vem de ontos (ser) e logia (estudos), englobando questões gerais
relacionadas ao significado do ser e da existência. Para Aristóteles, as coisas são o que
são em sua própria natureza, dado que, necessariamente, todo ser verdadeiro deve, por
definição, ser imanente, termo utilizado em filosofia, derivado do latim immănens,
significando algo que está sobre – é usado para designar aquilo que é inerente a
algum ser ou que se encontra a ele unido, de forma inseparável. A imanência (qua-
lidade de imanência) é, pois, um ente intrínseco a um ser. A partir desse conceito,
Aristóteles concebeu sua noção de que todas as coisas estariam constituídas de dois
princípios intrínsecos:

A da matéria, enquanto um princípio indeterminado dos seres e, apenas


determinável pela forma. (Na filosofia, a matéria é objeto de estudos da
ontologia, a disciplina que se preocupa em responder basicamente à per-
gunta: “Que existe?” A matéria é definida em alguns sistemas filosóficos
como manifestação da realidade, em oposição à ideia).

A forma, o princípio determinado em si próprio, mas que é determinante


em relação à matéria. O Aristotelismo, refere a premissa que define a
estrutura e, delimita a essência de um ser. Cumpre aqui, especificar a
diferença entre forma e formato em Aristóteles, para quem o formato
seria a mera aparência exterior, ao passo que forma seria uma articulação
interna, de ordem constitutiva e, princípio de unidade e funcionamento.
Para o conceito de Aristóteles, imagine uma rosa arrancada de seu pé,
ainda assim ela manteria o formato de uma rosa, mas não mais a sua
forma. Aristóteles não era materialista, dado que para ele a forma não
seria a matéria, via o mundo mundanamente, o próprio mundo, posto
que entendia a essência de qualquer objeto como a sua função. Dizia ele:
“[...] se o olho tivesse uma alma, esta seria o olhar; se um machado tivesse
uma alma, esta seria o cortar. (MAGEE, 2001, p. 37)

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UNIDADE A Metafísica

Aristóteles, mais interessado em uma vida in natura que seu mestre Platão, formu-
lou estes dois princípios, de que tudo o que existe seria composto de matéria e forma,
uma teoria que ficou conhecida como Hilemorfismo Teleológico, doutrina inerente ao
aristotelismo e a seu desenvolvimento, fundamentada na ideia de que tanto os múltiplos
seres existentes quanto o Universo como um todo se direcionam, em última instância, a
uma finalidade que, por transcender a realidade material, é inalcançável de maneira
plena ou permanente.

Na perspectiva hilemorfista, a forma é um dos constituintes metafísicos primários de


toda substância individual (ou de compostos de matéria e forma), tanto que ela governa
e determina o outro constituinte metafísico básico, a matéria. Por um lado, é pela forma
que se compreende a natureza de cada coisa; esta forma, por sua vez, com relação às
substâncias sensíveis, é sempre imanente às coisas, não existindo à parte delas; é a
forma que faz as coisas serem o que são e, por outro lado, a matéria constitui somente
o substrato que permanece. Nos processos de mudança, seria a forma que mudaria, en-
quanto a matéria se manteria sempre a mesma. Ao derreter uma corrente de ouro para
fazer uma aliança, por exemplo, muda-se a forma da corrente, mas se mantém a matéria
– o ouro. A novidade do pensamento aristotélico está na teoria do sínolo que, segundo
o filósofo, é exatamente o composto de uma união concreta entre matéria e forma.

O sínolo, como união de matéria e forma, reflete a coisa concreta e individual, o


substrato inerente e predicado de todas as determinações acidentais, o qual subsiste por
si e, independentemente, de modo pleno, é um todo completo de sentido concreto e
uma unidade enquanto constitui suas partes materiais.

Para Aristóteles, a atualidade exposta pela matéria, forma e sínolo, subjaz como subs-
tância, que recebe a predicação de substância, quando os seus pressupostos estão na
condição de matéria, dado ser a matéria que possui algumas das categorias definidoras,
porque não pertence e não predica a outro, tampouco doutro se predica. A forma é,
portanto, o sínolo que, ao contrário da matéria, possui todas as características da subs-
tância. A matéria, hierarquicamente, é o que dispõe de uma forma, contando que essa
forma é algo determinado e também determinante.

Para contrapor o mundo de Platão como uma mera ilusão, Aristóteles questiona
como seria possível as ideias, que seriam substâncias das coisas, estarem apartadas
dessas coisas que representa? Por exemplo: ao falarmos de uma corrente que se con-
verte em um anel ou de uma semente que se transforma em uma árvore, estamos a
falar de duas classes distintas de seres? No primeiro caso, temos um ser artificial, cujo
movimento se deu por um princípio externo, extrínseco; no segundo caso, estamos
falando de um ser natural, no qual o movimento ocorreu por um princípio interno,
intrínseco. Assim, existem seres naturais que se modificam por si mesmos, de acordo
com sua natureza, enquanto os seres artificiais dependem de elementos externos, para
que se modifiquem.

Para Aristóteles, se tomarmos como exemplo a definição de ser humano, no sentido


platônico, teríamos um paradigma, dado que podemos definir o homem sob várias for-
mas: um animal racional, um bípede, um ser etc.

Assim, posto que o mundo das ideias não explica o movimento das entidades mate-
riais, surgiu o Hilemorfismo Aristotélico promovendo uma distinção com o platonismo,

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que postulava a existência apartada das ideias em face dos objetos sensíveis que delas
participariam. Entretanto, mesmo revalorizando o sensível, Aristóteles não desprezou
totalmente a concepção de ideias eternas de Platão, mas sim rebatizou-a com outro
nome, de forma, e a complementou com o que supôs faltar para que ela explicasse to-
das as classes de seres e as mutações do real.

A forma aristotélica tem uma função de determinação e de controle dos elementos


materiais que constituem o objeto em questão, para o qual existe uma forma ou essên-
cia. Assim, o Hilemorfismo Aristotélico se baliza de todas as tentativas de explicação
puramente material dos objetos circundantes e, para seu melhor entendimento, requisita
relacionar conceitos da física com a metafísica de Aristóteles.

A Metafísica refere muito mais uma investigação filosófica, que principia com uma
questão de partida: o que é algo...?, possibilitando um retorno que invoca duas possibili-
dades de resposta, envolvendo existência e essência:
• Só é possível fazer essa pergunta, porque é perceptível a existência de algo incon-
testável, e esse real é exprimível de alguma forma;
• Essa questão poderá se referir à natureza própria de algo, e a dúvida refere à essên-
cia dessa realidade que tem uma existência real.

A Metafísica possui uma característica singular e comum nos 14 livros que a com-
põe: é que eles tratam de uma espécie de Filosofia Anterior, Filosofia primeira ou Fi-
losofia do Ser. O próprio Aristóteles chamava seus estudos de Metafísica da “Filosofia
Primeira”, por se tratar de um conjunto de conhecimentos independentes de qualquer
atividade empírica e experiência sensorial.

Essa Metafísica é um conjunto de escritos de Aristóteles que trata do “ser enquanto


ser”. Essa disciplina, inicialmente, objetivava investigar os embasamentos, os princí-
pios, as causas e o âmago de todas as coisas reveladas em seu ser, indagando por que
existem, por que são o que são e como são. Era um conhecimento racional apriorís-
tico, pois não se fundamentava em dados obtidos pela experiência sensível, empíricos,
mas sim nos puros conceitos formulados pelo conhecimento sistemático, pois cada
conceito dependeria de outros, com os quais mantinha relações em um sistema coeso
de ideias interligadas.

Outra característica da Metafísica envolvia a distinção entre ser e parecer, mais pre-
cisamente entre realidade e aparência, posto que a aparência só poderia ser compre-
endida e explicada através do conhecimento da realidade que subjaz a essa exterioridade.

Ao se distanciar das teses idealistas platônicas, a concepção de que o conhecimento


seria composto apenas pela idealidade das coisas – Platão assume como verdade ape-
nas as formas ideais –, e das teses imobilistas de Parmênides, as quais pregavam que
apenas o ser poderia ser pensado, já que o não ser não seria, Aristóteles se defrontou
com um problema filosófico: o pensador concebe a existência de formas (derivadas de
ideias) e de matéria mutável, tal que ambas, na teoria do conhecimento aristotélica, se-
riam verdadeiras e possuiriam validade. Aristóteles resolve essa ambiguidade aduzindo à
substância como o elo de ligação entre a noção de forma e a noção de matéria, tal que
a substância seria o elemento que permitiria à matéria adequar-se a determinada forma.
Entretanto, ao assumir que as formas são imutáveis e a matéria é mutável, haveria um

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UNIDADE A Metafísica

problema de adequação das matérias às suas respectivas formas ou conceitos e, para


resolver essa anfibologia, o problema da mutação material, Aristóteles introduziu em
sua teoria a noção de distinção entre ato e potência, presentes em todos os seres e
objetos materiais, que existiriam sob duas formas: uma atual e outra em potencial.

Ato é tudo aquilo que existe agora. Tornar-se ato é atualizar, e potência seria uma
forma especial que a matéria guarda dentro de si, isto é, um “vir a ser” ou um “poder
vir a ser”, potência é o poder ser, o devir, o vir a ser. Dessa forma, toda a matéria atual
poderá se transformar em suas potências, e quando isso ocorrer poderemos afirmar
que ele se atualizou, transformou-se em uma nova matéria em ato. Um bom exemplo
desse raciocínio aristotélico seria tomarmos a ideia de que uma semente existe enquanto
semente, seria em ato, mas ela também guarda uma potência internamente, que é a pos-
sibilidade de vir a se tornar uma planta e, se isso ocorrer, brotar e crescer, então, ela se
atualizaria, tomando uma nova forma e transformando a sua matéria. Da mesma forma,
é possível imaginar uma criança, que é criança em ato e adulto em potência; ao crescer,
amadurecer e se tornar adulta, a criança passou pelo processo de atualização. Assim, é
possível assumir que existem princípios intrínsecos e extrínsecos, que levam os seres ao
movimento, àquilo que Aristóteles denominou de passagem da potência ao ato.

Aristóteles manteve na Metafísica a diferença entre ser (einai) e o que é o ente (tó ón),
uma analogia do ente com o uno (tó hen): “Pois, ainda que não sejam o mesmo, são
distintos, ambos os termos são intercambiáveis: com efeito, o uno é, à sua maneira, algo
que é, e ‘o que é’ é algo uno” (ARISTÓTELES, Metafísica, Livro XI,1061b, 15-20).

Em filosofia, ser significa a existência de alguma coisa, portanto, tudo o que existe
é ser. E ente é um termo criado por Aristóteles para indicar o ato final ou perfeito, isto
é, a realização acabada da potência; tudo aquilo de que podemos falar algo a respeito,
aquilo a que, de um modo ou de outro, nos referimos; ente seria também o que e como
nós mesmos somos. O ser não é, necessariamente, um uno, é ser, existir, indefinido
quanto à forma. Aristóteles não estabeleceu uma analogia entre ser-uno, mas sim com
aquilo que é, o ente-uno.

Assim, ente e ser são palavras ligadas por seus significados interdependentes, con-
tando que o ente seja condicionado pelo ser, porque este possui um sentido mais geral,
enquanto o ente é uma determinação do ser. O ser é o que vale também para o ente,
que é o ser-aí, aquilo que está inserido no ser.

O ser se refere a uma existência, ele não tem uma forma específica. Somente o ente
deve ter uma forma, que paira nas possibilidades ilimitadas do ser. Assim a forma possui
a qualidade de ser.

Em Platão, as formas são eternas e múltiplas tais como o cubo, a esfera, as quais
podem ser confundidas com o ser. Em Parmênides, definitivamente, se confunde o ser
com a essência, como uma esfera homogênea e contínua. Parmênides é considerado
o primeiro existencialista, porque fez coincidir a existência com a essência ou forma.
Já em Aristóteles, o ser não coincide com as formas e, apesar de englobar estas, tem
uma maior extensão em relação às formas, porque sua definição contém a matéria
atualizada e organizada, a partir da forma que lhe é própria. Aristóteles ainda distingue
precisamente o ser do ente ao ligar o ente ao uno.

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Nessa linha, o não ser é um dos maiores problemas da filosofia, porque todas as cate-
gorias e a linguagem humana estão voltadas para o ser, aquilo que tem uma existência,
o que dificulta o entendimento do não ser, que é sinônimo daquilo que “não é”, assim
como ser, no sentido de ente, é sinônimo daquilo “que é”.

Segundo Chauí (2002), a lógica aristotélica não seria uma ciência, mas sim um
instrumento para o correto pensar, conforme registrado no Órganon, nome dado ao
conjunto das obras sobre lógica de Aristóteles. O Órganon abre o Corpus Aristotelicum,
composto pelos livros: Analíticos Anteriores, Analíticos Posteriores, Categorias, Da
Interpretação, Tópicos e Refutações Sofísticas.

Para Aristóteles, a lógica é um instrumento (órganon) para o correto pensar, e o ob-


jeto da lógica é definido pelo termo grego syllogismo, que significa conclusão ou inferên-
cia. O silogismo é um modelo de argumento lógico, estruturado formalmente e baseado
na ideia da dedução, para extrair uma conclusão a partir de duas ou mais proposições
(premissas), que se supõe que sejam verdadeiras, e das quais se obtém, por inferência,
uma terceira, gerando uma conclusão.

O silogismo não confere valor de verdade ou falsidade às proposições (frases ou pre-


missas dadas) tampouco à conclusão; trata-se, simplesmente, de observar a forma como
o raciocínio foi construído, um entendimento mediado que fornece o conhecimento de
uma coisa a partir de outras coisas. Vejamos suas premissas:
• Todo silogismo contém somente três termos: maior, médio e menor;
• Os termos da conclusão não podem ter extensão maior que os termos
das premissas;
• O termo médio não pode entrar na conclusão;
• O termo médio deve ser universal ao menos uma vez;
• De duas premissas negativas nada se conclui;
• De duas premissas afirmativas não pode haver conclusão negativa;
• A conclusão segue sempre a premissa mais fraca;
• De duas premissas particulares, nada se conclui.

Vejamos, agora, um exemplo clássico de silogismo do próprio Aristóteles, esquema-


tizado em três itens:
• Premissa maior: Todo homem é mortal;
• Premissa menor: Sócrates é homem;
• Conclusão: Logo, Sócrates é mortal.

Tipos de Silogismo
• Dedução: parte de premissas universais para se chegar a uma conclusão particu-
lar. O exemplo citado anteriormente é uma dedução, porque parte da ideia de que
todo homem é mortal, portanto, é universal, e qualquer nome que se coloque na
premissa menor terá a mesma conclusão;

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UNIDADE A Metafísica

• Indução: é o contrário da dedução, porque parte de dados particulares para chegar


a uma conclusão geral. Por exemplo: eu janto na segunda-feira quando a Lua surge
no céu às 18 horas. Na terça-feira, eu janto novamente quando a Lua surge no céu
às 18 horas. Faço a mesma coisa na quarta, quinta e sexta e em todas as ocasiões
quando a Lua surge no céu às 18 horas. Concluo que a Lua surge no céu por volta
das 18 horas;
• Hipotético: refere-se a uma possibilidade de acontecimentos; inicia com uma con-
dição: Se… então… Por exemplo, se amanhã chover, então irei trabalhar de carro.
Amanhã o tempo está chuvoso, logo, vou trabalhar de carro;
• Falácias: são formas de argumentos aparentemente válidos, mas que ao serem exa-
minados detalhadamente, percebemos que não o são. Por exemplo: Todas as mu-
lheres gostam de ganhar flores em seu aniversário. Maria é uma mulher, logo, Maria
gosta de flores;

Este raciocínio parece estar correto, mas é uma falácia, porque a premissa maior
parte de um pressuposto falso. É possível afirmar que a maioria das mulheres gos-
tam de flores, mas não podemos dizer que são todas.
• Princípio de identidade: afirma que uma coisa só é igual a ela mesma. Por exemplo:
quando você está andando pela rua e vê duas motos Harley Davidson Iron 883,
do mesmo ano, entende que elas sejam semelhantes, no entanto, pelo princípio
da identidade, estaria enganado. Existe semelhança entre elas, mas não igualdade.
Dentro deste princípio, a igualdade existe quando somente é ela mesma em si, por-
tanto, jamais teremos duas coisas absolutamente iguais ao mesmo tempo;
• Princípio de não contradição ou de contradição: duas afirmações contraditórias
não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Este princípio é complementado pelo
Princípio do Terceiro Excluído, e afirma que as coisas são ou não são e não há
meio termo;
• Princípio do terceiro excluído: afirma que, para qualquer proposição, ou esta
proposição é verdadeira ou sua negação é verdadeira;
• Conclusão: a lógica é um raciocínio que nos leva ao pensar correto. No entanto,
para chegar a este pensar correto, ela pode ser classificada em vários tipos de ra-
ciocínios, tal que o valor de verdade ou falsidade é conferido às proposições, pois
são imediatamente evidenciados.

As proposições em lógica, ou frases declarativas sobre a realidade, principalmente


aquelas que expressam juízos, necessitam seguir apenas três regras fundamentais, a
partir de dois itens simbólicos, S e P, que se classificam em:
• Afirmativas: S é P;
• Negativas: S não é P;
• Universais: Todo S é P (afirmativa) ou nenhum S é P (negativa);
• Particulares: Alguns S são P (afirmativa) ou alguns S não são P (negativa);
• Singulares: Este S é P (afirmativa) ou este S não é P (negativa);
• Necessárias: quando o predicado está incluso no sujeito, por exemplo: “Todo qua-
drado tem quatro lados”;

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• Não necessárias ou impossíveis: o predicado jamais poderá ser atributo de um
sujeito, por exemplo: “Nenhum triângulo tem quatro lados”;
• Possíveis: o predicado pode ou não ser atributo. Por exemplo: “Todos os homens
são justos”.
O silogismo é composto de duas premissas, das quais resulta uma conclusão, ou
seja, temos uma premissa de partida (P), um termo que faça a mediação (P1) e um pre-
dicado (P2). Sua forma lógica é:
Quadro 1 – Silogismo
Premissa maior:
Todo M é P.
Conclusão: S é P.
Premissa menor:
S é M.

Como pôde ser visto acima, existe uma relação entre os termos que constituem as
premissas:
• Termo maior: aparece em uma das premissas e ocupa lugar de predicado na con-
clusão, na estrutura acima é representado por P;
• Termo menor: ocupa o lugar de sujeito na conclusão, aparecendo em uma premis-
sa diversa do termo maior, representado por S;
• Termo médio: o termo médio é o único dos três termos que aparece em ambas
as premissas, mas nunca na conclusão, e funciona como intermediário, permitindo
a passagem das premissas à conclusão, ao apresentar uma relação entre sujeito e
predicado. Na estrutura acima é representado por M.

A relação entre as proposições acontece da seguinte maneira:


• Proposições Contraditórias: quando se diz que Todo S é P e Alguns S não são
P ou Nenhum S é P e Alguns S são P;
• Proposições contrárias: quando se diz que Todo S é P e Nenhum S é P ou
Alguns S são P e Alguns S não são P;
• Subalternas: quando se diz que Todo S é P e Alguns S são P ou Nenhum S é P
e Alguns S não são P.
O silogismo é o estudo da correção (validade) ou incorreção (invalidade), dos argu-
mentos encadeados, segundo premissas das quais é lícito se extrair uma conclusão.
A validade de um silogismo depende da forma como são montados e não da verdade
ou falsidade das premissas. Assim, é possível distinguir argumentos bem feitos, formal-
mente válidos, dos falaciosos, ainda que a aparência induza a enganos. Por exemplo:
• P1: Todos os mamíferos são mortais (V)
• P2: Todos os cães são mortais (V)
• C: Logo, todos os cães são mamíferos (V).
Ora, embora as premissas e a conclusão sejam verdadeiras, não houve inferência,
pois elas não estão formalmente adequadas; as premissas não se correlacionam com
a conclusão.

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UNIDADE A Metafísica

Filosofia Antiga – Depois de Aristóteles


À Filosofia Antiga, pós-Aristóteles, se denominou de helenística, termo cor-
respondente ao período que vai de Alexandre Magno, o grande responsável por
estender a influência grega desde o Egito até a Índia, até a dominação romana (fim
do séc. IV d.C. ao fim do séc. I d.C.). A filosofia helenística, de certa forma, retrata o
desenvolvimento natural ocorrido no movimento intelectual que a precedeu, a partir de
temas pré-socráticos; acrescente-se a esse movimento a experiência cultural com outros
povos e o nascimento da noção de cosmopolitismo, no qual o homem se viu como ci-
dadão do mundo.

As escolas helenísticas mantiveram e aprimoraram a atividade filosófica, como amor


e investigação da sabedoria, como um modo de vida, pelo qual a sabedoria corres-
ponderia a um estado de perfeita tranquilidade da alma e, nesse sentido, a filosofia desse
período reflete, acima de tudo, as angústias e a miséria humana, resultante de compul-
sões sociais. Em especial, para os filósofos cépticos, epicuristas e estoicos, a completa
ausência de perturbações ou inquietações da mente, concretizava o momento da filo-
sofia helênica, de tranquilidade e felicidade através da extinção de paixões, desejos e
inclinações sensíveis.

A postura da filosofia helênica se assemelha à ataraxia, de Demócrito de Abdera,


que implica a tranquilidade da alma e a ausência de perturbação. Esse é um conceito
basilar da filosofia epicurista e dos céticos, que reflete a imperturbabilidade e a ausên-
cia de aflição do espírito. A preocupação das escolas helenísticas, de certa maneira,
refletem os ensinamentos socráticos, ao admitirem que os homens vivem submersos na
angústia e no mal, em face da ignorância a que estão submetidos, posto que os homens
estão envoltos na angústia e no mal. Para essas escolas, o mal não estaria nas coisas,
mas no juízo de valor que os homens a elas adjudicam, o que requisita aos homens al-
terarem seus juízos e, substancialmente, o modo de pensar e ser, o que só seria possível
através da busca pela paz interior e a tranquilidade da alma.

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
As razões de Calabar serão julgadas 383 anos depois da morte do guerreiro portocalvense
https://bit.ly/2KUmWlU
Calabar
Analise o episódio Calabar a partir da ética de Aristóteles e, o julgamento simbólico
que absolveu o mameluco Calabar da acusação histórica de traidor da pátria.
https://bit.ly/3plEENT
História: Calabar é “traidor” ou “herói”?
https://bit.ly/3ogF3jn

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UNIDADE A Metafísica

Referências
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
ARISTÓTELES. De Anima. Apresentação, tradução e notas de Maria Cecília Gomes
Reis. São Paulo: Editora 34, 2006.
________. Ética a Nicômaco. 1. ed. Coleção Filosofia. São Paulo: LeBooks, 2019.
________. Órganon. Tradução, textos adicionais e notas de Edson Bini. Bauru:
Edipro, 2005.
________. Política. Trad. Pedro Constantin Toles. 6. ed. São Paulo: Martin Claret, 2001.
________. Metafísica. Porto Alegre: Globo, 1969.
________. Metafísica. 2. ed. Tradução, introdução e comentários de Giovanni Reale.
São Paulo: Loyola, 2002.
BARNES, J. (ed.). The Complete Works of Aristotle. Princeton: Princeton University
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BERTRAND, R.; ALVES, L. História do Pensamento Ocidental. Rio de Janeiro:


Ediouro, 2004.
CHAUÍ, M. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed.
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KELLER, V.; BASTOS, C. L. Aprendendo Lógica. Petrópolis: Vozes, 2003.
KNEALE, W.; KNEALE, M. O desenvolvimento da lógica. Trad. de M. S. Lourenço.
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