E-Book Ampara 2ed
E-Book Ampara 2ed
E-Book Ampara 2ed
Realização
2ª edição . 2023
2
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
APOIADO POR:
3
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Sumário
Apresentação ......................................................................... 5
Aula 1
O abortamento
no mundo e no Brasil ............................................................. 6
Aula 2
Aula 3
Abortamento e
evidências científicas ............................................................ 54
Aula 4
Aula 5
Aula 6
4
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
APRESENTAÇÃO
Este curso é uma intervenção nesse contexto e foi desenvolvido a partir da siste-
matização do conhecimento interdisciplinar, com base em evidências científicas,
produzido por especialistas em abortamento no Brasil e no mundo. Com ele, quere-
mos levar até você o que há de mais atual e científico sobre o tema, com o objetivo
de contribuir para sua formação como profissional de saúde. Mas não entendemos
que a ciência esteja dissociada de valores e, por isso, incorporamos também conhe-
cimentos relacionados às melhores práticas profissionais, para que a formação aqui
recebida seja orientada pelos valores do cuidado integral, do acolhimento digno e
empático e da humanização.
Objetivos do curso
Os objetivos deste curso são:
5
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Aulas
Para a compreensão deste tema tão importante e pouco
estudado, o curso foi dividido em 6 aulas. Veja a seguir quais são:
Jornada do cursista
Encerramento
Aula 1
O abortamento no mundo e no Brasil
6
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Começaremos com os fatos mais importantes que marcaram a história dos direitos
sexuais e reprodutivos. Acompanhe:
Entre
Diversos países da União Europeia adotam
1970 e políticas de legalização do aborto e acesso ao
1980
aborto seguro.
7
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
reprodutivo.
8
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Como você pode observar na linha do tempo, o debate sobre os direitos sexuais e repro-
dutivos vem de longa data. Para compreender cada uma de suas dimensões e se apro-
fundar nesse tema, detalhamos a seguir os eventos mais importante sobre os DSRs.
Direitos reprodutivos
A partir dos anos 1950, governos nacionais em diferentes partes do mundo passa-
ram a implementar políticas de planejamento e controle populacional, com a justi-
ficativa de impulsionar o desenvolvimento econômico. Tais políticas se funda-
mentavam na ideia de que há uma forte relação entre fecundidade e crescimento
econômico, sendo, portanto, dever do estado administrar a vida reprodutiva de sua
população, por meio de ações controlistas ou pró-natalistas (MARTINS, 2019).
Em alguns países, como o Peru entre os anos de 1996 a 2001, esses programas
consistiram na esterilização forçada de milhares de mulheres, em sua maioria
pobres e indígenas (GUTIERREZ, 2014). Já na China, vigorou por mais de três déca-
das, até 2016, a política que determinava que cada família poderia ter apenas uma
criança (FENG; GU; CAI, 2016).
Ponto de reflexão
Pare um instante para refletir... Você consegue identificar, nos dias de hoje,
práticas do Estado que possam ser caracterizadas como políticas controlistas?
No Brasil, também houve a atuação de instituições de caráter controlista finan- Fique por dentro
ciadas por capital estrangeiro e, na década de 1980, vieram a público denúncias Conheça o relatório
de programas de controle da natalidade e planejamento familiar que esterilizaram da CPMI na íntegra.
mulheres negras sem o consentimento delas. Tais denúncias culminaram em uma
9
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI), cujo relatório serviu de base para a Lei
do Planejamento Familiar nº 9.263, aprovada em janeiro de 1996.
Direitos sexuais
10
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
O conceito de direitos sexuais tem uma história distinta e mais recente. Sua formu-
lação inicial se deu nos anos 1990 pelo trabalho incansável de movimentos gays e
lésbicos em diferentes partes do mundo, que logo foram abraçados por segmentos
dos movimentos feministas e por outras minorias sexuais, como os movimentos
trans e travesti, e intersexo.
Os direitos humanos das mulheres incluem seus direitos a ter controle e decidir livre e respon-
savelmente sobre questões relacionadas à sexualidade, incluindo saúde sexual e reproduti-
va livre de coerção, discriminação e violência. Relacionamentos igualitários entre homens e
mulheres nas questões referentes às relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respei-
to pela integridade da pessoa, respeito mútuo, consentimento e divisão de responsabilidades
sobre o comportamento sexual e suas consequências.
(ONU, 1995 parágrafo 96)
Como você pode observar, foi um longo caminho entre as políticas controlistas
iniciadas nos anos 1950 e o reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos
como direitos humanos nos anos 1990.
11
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Contudo, há ainda vários grupos sociais cujos direitos humanos são violados com
base na sexualidade, como lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, inter-
sexos e pessoas não binárias, bem como pessoas que exercem a prostituição como
trabalho e também aquelas que vivem com HIV/Aids.
12
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
13
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
O direito à informação e à
educação sexual e reprodutiva.
Construções sociais
Gênero
sobre gênero
(identidade/vivência)
Desejo
Atração
Sentimento
Relacionamento
Orientação:
Sexual
Afetiva
Romântica
Práticas sexuais
Características do corpo:
Expressão Genitália
Órgãos reprodutivos
de gênero
Cromossomos
Dependentes de hormônios
14
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Agora, veja quais são os direitos reprodutivos que protegem também todas as
pessoas, sem distinção.
Mas, além de aderir aos acordos internacionais que resultaram dessas conferên-
cias, o Estado brasileiro também internalizou essas ideias em leis e políticas públi-
cas. Agora, vamos compreender os principais Marcos Referenciais para as Políticas
de Saúde Sexual e Reprodutiva no Brasil:
15
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Ponto de reflexão
Agora, pense na atenção às pessoas com útero nas unidades básicas de saúde.
Você identifica um atendimento integral às necessidades de saúde, inclusive
as necessidades psíquicas e sociais, ou apenas ações de atenção programática,
como o pré-natal, e medidas de prevenção de câncer de colo uterino?
16
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação
da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole
pela mulher, pelo homem ou pelo casal.
Parágrafo único - É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo
de controle demográfico.
Para impedir que essas esterilizações ocorressem, a referida Lei proibia expres-
samente a utilização de ações de planejamento “para qualquer tipo de controle
17
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
demográfico” (artigo 2º, parágrafo único). Além disso, vedava a realização de este-
rilização cirúrgica durante os períodos de parto ou aborto, exceto se comprova-
da necessidade, e estabelecia uma idade mínima de 25 anos (ou menos, se tiver
2 filhos vivos) para a realização de esterilização em homens e mulheres, sempre
observado o prazo de 60 dias entre a manifestação da vontade e a realização do
procedimento. Finalmente, a Lei exigia o consentimento de ambas as pessoas para
a realização da esterilização cirúrgica em caso de sociedade conjugal.
Essa lei foi alterada pela Lei nº 14.443, de 2022, e hoje (i) a idade mínima para a
esterilização voluntária para todas as pessoas é de 21 anos (ou menos, se tiver 2
filhos vivos), e (ii) a esterilização voluntária durante o período de parto é garantida.
Em ambos os casos, deve ser observado o prazo de 60 dias entre a manifestação da
vontade (ou o parto) e a realização do procedimento.
Como vemos nos trechos anteriores, as leis brasileiras deixam claro que as instân-
cias gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS), em todos os seus níveis, bem como
profissionais de saúde que nelas atuam, devem garantir a atenção integral que
inclua a assistência à concepção e à contracepção.
Em 2005, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos
Direitos Reprodutivos. Entre as diretrizes e ações propostas por essa política, estão:
18
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
19
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Diante desse quadro, essa política estabelece ainda ações que visam combater o
racismo e a discriminação social nos serviços de saúde e garantir a atenção integral,
com qualidade e respeito, a toda a população negra.
Justiça reprodutiva
O conceito de justiça reprodutiva foi criado em 1994 por um grupo de mulheres
negras estadunidenses que se autodenominaram “mulheres afrodescendentes por
justiça reprodutiva” (Women of African Descent for Reproductive Justice).
Acesse a cartilha do
Assim, a justiça reprodutiva foi definida por aquele grupo de mulheres como: “o direi- Coletivo Margarida
to humano à autonomia corporal pessoal, a ter filho/as, a não ter filho/as, e a criar o/as Alves e saiba mais
sobre o assunto.
filho/as que temos em comunidades saudáveis e sustentáveis” (SisterSong Collective).
Desse modo, o paradigma da justiça reprodutiva propõe uma abordagem mais Fique por dentro
ampla para os direitos reprodutivos e a saúde reprodutiva. Ela vincula esses direi- Assista ao vídeo da
Fiocruz “Juventudes e
tos às lutas por justiça social, racial e ambiental de mulheres negras e de suas comu- Justiça Reprodutiva:
nidades, e relaciona suas trajetórias reprodutiva e sexual à busca por cidadania, contribuições
contemporâneas para
dignidade e bem-viver em todos os espaços de vida, individual e coletiva. o campo da saúde”.
A justiça reprodutiva ganhou espaço ao longo dos anos, e é importante que você
Fique por dentro
conheça como ela é discutida em nosso país. Um exemplo no Brasil é a organização
Criola que atua na defesa e promoção dos direitos das mulheres negras no Brasil Ouça o podcast da
Organização Criola.
há quase três décadas.
20
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Ponto de reflexão
Para você, qual a relevância dos serviços de saúde na garantia desses direitos?
Você pôde ver até aqui como se desenvolveram os direitos sexuais e reproduti-
vos e também o conceito de justiça reprodutiva. A seguir, você entenderá um dos
temas centrais deste curso, que é o abortamento, e por que precisamos discuti-lo
no âmbito da saúde pública. Vamos lá?
21
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
22
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Tratar o abortamento induzido como uma questão de saúde pública – e não como
questão moral ou criminal – implica uma redefinição de argumentos e prioridades.
Os argumentos relevantes passam a ser aqueles embasados em evidências
científicas e as prioridades passam a ser os cuidados em saúde da pessoa em situação
de abortamento, seja aquela que recorre ao serviço de atenção ao abortamento
previsto em lei ou aquela que busca o cuidado pós-aborto, espontâneo ou induzido.
A regulação jurídica restritiva do abortamento induzido, o seu tratamento como Fique por dentro
uma questão social polêmica e sua consequente estigmatização levam muitas Ouça a entrevista com
pessoas a abortar de forma insegura, o que pode levar a adoecimento e, em casos o professor Jefferson
Drezett, que explica
extremos, à morte. por que o abortamento
inseguro é uma questão
de saúde pública.
Existe um consenso internacional de órgãos de direitos humanos e saúde de que esse
é um sério problema de saúde pública em muitos países e precisa ser discutido e estu-
dado pelos profissionais de saúde (ASSEMBLEIA MUNDIAL DA SAÚDE, 1967).
Ponto de reflexão
Este é um ponto importante! Profissional de saúde não deve nem pode inves-
tigar, julgar, recriminar ou discriminar – seu papel é cuidar. O que você pensa
sobre isso?
23
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Mortalidade materna
Antes de tudo, é preciso saber o que é mortalidade materna. Você conhece a defini-
ção da Organização Mundial de Saúde (OMS)?
A redução da mortalidade materna foi estabelecida como uma das metas globais Fique por dentro
prioritárias nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Saiba mais sobre
os objetivos da ODS.
Unidas.
No Brasil, a razão de morte materna está próxima a 50 por 100 mil habitantes.
Esses valores são muito superiores àqueles considerados aceitáveis pela OMS, que
estabelece que a razão de morte materna nunca deve ser superior a 20.
desse índice é o entendimento de que o abortamento inseguro contribui para mortes Sobre o abortamento
inseguro, leia o artigo
maternas evitáveis e deve ser enfrentado como um problema de saúde pública. dos Cadernos de
Saúde Pública.
Você sabe como se calcula a razão de mortalidade materna?
24
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
É científico!
número de óbitos maternos
Para saber mais sobre
Razão de diretos e indiretos os indicadores de
100.000 mortalidade, acesse
mortalidade número de nascidos vivos o site do Datasus.
25
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
1 3
Pessoas negras e Pessoas
indígenas. residentes na
região norte e
nordeste.
2
Crianças e
adolescentes <14
anos e mulheres >
40 anos.
E o fato de que o abortamento inseguro continua sendo uma das quatro maiores
causas de mortalidade materna no Brasil é um dado sério, que não pode ser igno-
rado. Em especial, por ser uma das causas mais evitáveis com ações simples, como
essas que discutiremos neste curso.
Você quer saber como está a situação de seu estado ou cidade em relação à
mortalidade materna? É científico!
Baixa (100-299)
Alta (300-499)
Razão de mortalidade materna (número de mortes maternas por 100.000 nascidos vivos)
Fonte: https://data.unicef.org/topic/maternal-health/maternal-mortality/
26
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Hoje, a taxa mundial é de 223 mortes maternas por 100,000 nascidos vivos. Em
2000, essa taxa era de 342.
Hemorragia Infecções
severa (a maior parte, (normalmente
hemorragia após o parto) após o parto)
27,1% 10,7%
Aborto
inseguro
7,9%
Hipertensão durante Complicações
a gravidez (pré-eclâmpsia resultantes
e eclâmpsia) do parto
E para acompanhar
como se distribui a
mortalidade materna
no mundo em relação
Fonte: Adaptado de Say et al. (2014). aos Objetivos de
Desenvolvimento
Sustentável das
Nações Unidas (ODS/
O gráfico mostrou que o abortamento inseguro é uma das principais causas evitáveis de ONU), veja este mapa
interativo.
mortalidade materna mundialmente, e, infelizmente a situação do Brasil não é diferente.
27
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Abortamento no mundo
Totalmente proibido
Para salvar a vida da mulher Fique por dentro
Para preservar a saúde Interaja com o mapa
As Leis de Aborto do
Razões sociais ou econômicas amplas Mundo e entenda
melhor suas categorias.
Sob solicitação (limites gestacionais variam)
A partir do mapa anterior você pode observar em quais regiões do mundo a legis-
lação sobre abortamento é mais permissiva e mais restritiva. É possível também
identificar que os países do sul global tendem a ter leis mais restritivas.
28
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Ponto de reflexão
12% 17%
25% 31%
42%
41%
87% 44%
Ainda segundo dados da OMS (2020), a cada ano entre 4,7% a 13,2% das mortes
maternas podem ser atribuídas ao abortamento inseguro. Além disso, o abortamento
inseguro implica despesas públicas que poderiam ser evitadas com políticas públicas.
Estimativas mostram que, nos países em desenvolvimento, o gasto anual para os siste-
mas de saúde inclui US$ 553 milhões de dólares para tratar complicações por aborta-
mento inseguro e US$ 6 bilhões para tratar infertilidade pós-abortamento inseguro.
E no Brasil, você sabe qual a situação atual? Siga em frente para conhecer!
Abortamento no Brasil
Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, da Fiocruz, 55% das gestações não são planeja-
das. Isso se deve a uma série de barreiras sociais, econômicas ou educacionais. Muitas
vezes, as pessoas não têm informações adequadas sobre planejamento reprodutivo,
outras vezes não têm acesso aos métodos, como contraceptivos e preservativos ou
não têm condições de negociação desses métodos dentro de uma relação.
Na faixa etária de
18 38 a
4,7 milhões
de mulheres já fizeram aborto
anos
1 em cada 5 mulheres
até os 40 anos já fez aborto
88 % 67 %
têm religião têm filhos
Dessas:
56 % 25 % 7 %
são evangélicas possuem
católicas protestantes outras religiões
31
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
O gráfico nos revela que o abortamento é um evento comum na vida reprodutiva de É científico!
mulheres comuns – pelo menos uma em cada cinco mulheres até os 40 anos já fez Para compreender
um aborto, e a grande maioria delas tem religião e já possui filhos. Com certeza você melhor, leia a Pesquisa
Nacional Aborto, que
tem alguém em seu círculo próximo que já passou por um abortamento induzido. explica em detalhes o
panorama destacado no
infográfico anterior.
A maior parte das internações para finalização de abortos acontece por falta de
atualização técnica dos profissionais e por limitada informação prestada às pesso-
as que abortam acerca do que esperar do ponto de vista fisiológico quando se trata
de aborto espontâneo.
E, ainda mais sério, uma internação por aborto hoje no Brasil não é garantia de
acesso a um procedimento seguro. Isto porque cerca de 95% das mais de 200 mil
internações anuais por aborto terminam em curetagem, método considerado
inseguro pela OMS, que impõe mais riscos de complicações à pessoa em situação
de abortamento, como veremos mais à frente neste curso.
5 mil
complicações graves 203 mortes, ou seja, uma
morte a cada dois dias
32
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Ponto de reflexão
É importante, contudo, que você perceba que o risco à saúde e à vida relacionado
ao abortamento inseguro não ocorre igualmente na população. De acordo com o
estudo de Cardoso, Vieira e Saraceni (2020), as brasileiras em maior risco de óbito
por abortamento são mulheres de cor preta e indígenas, de baixa escolaridade, com
menos de 14 e mais de 40 anos, vivendo nas regiões Norte, Nordeste e Centro-o-
este, e sem companheiro.
33
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Isso se explica porque classe, condição geográfica, raça, idade, e contexto cultural
são fatores determinantes no acesso à informação e a recursos para a realização
de um abortamento, mesmo em contexto de clandestinidade. Esses fatores são os
“determinantes sociais em saúde”, definidos como os fatores sociais, econômicos,
culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocor-
rência de problemas de saúde e os fatores de risco na população, produzindo desi-
gualdade e iniquidade (FUSCO; SILVA; ANDREONI, 2012).
34
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 1. O aborto no mundo e no Brasil
Você chegou ao final dessa aula. Aqui você conheceu os conceitos de direitos sexu-
ais e reprodutivos e de justiça reprodutiva. Conheceu também dados sobre o abor-
tamento no Brasil e no mundo e sua relação com a saúde pública. Siga em frente
para conhecer mais sobre o acolhimento de pessoas em situação de abortamento e
pós-aborto. Até lá!
35
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Aula 2
Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
São essas situações que você conhecerá mais a fundo, mas também aprenderá um
pouco sobre as consequências danosas da criminalização.
Apesar de ser previsto em lei há muitas décadas, o primeiro serviço para assistên-
cia de abortamento legal no Brasil foi estruturado apenas em 1989, no Hospital Dr.
Arthur Ribeiro de Saboya, na cidade de São Paulo.
36
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Ponto de reflexão
É científico!
Para entender melhor esse cenário, veja ao lado, no É científico o mapa com os
Interaja com o mapa
estabelecimentos do SUS que oferecem os serviços de abortamento previsto em
Tudo sobre aborto legal
lei no Brasil. no Brasil, que contém
a localização desses
estabelecimentos.
Apesar da ampliação do número de serviços de atenção ao abortamento previsto
em lei no país desde a criação do primeiro em 1989, há ainda uma série de barreiras
de acesso. A primeira delas é a concentração em algumas regiões do país. Como
você pôde observar, praticamente não há serviços estruturados na região Norte e
há poucos na região Centro-Oeste.
Quer saber mais sobre as barreiras de acesso ao abortamento previsto em lei? Veja
a seguir as principais barreiras identificadas pelo estudo de Madeiro e Diniz (2016).
37
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
38
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
39
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
E como deve ser o acolhimento feito por essa equipe? É o que você vai saber a seguir.
40
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Cuidados em saúde
Como você pôde observar na aula anterior, o abortamento ainda é um tema carre-
gado de estigma na sociedade brasileira e, por isso, passar por essa situação pode
causar sofrimento, dor, autojulgamento e vergonha.
Da mesma forma, há pessoas que relatam sentir alívio e conforto. Essa multiplicida-
de de reações e sentimentos que a experiência do abortamento pode gerar é que
torna tão importante o acolhimento por parte de profissionais de saúde. Estudos
Fique por dentro
mostram que não há prejuízo para a saúde mental de quem realiza um aborto quan-
Conheça na íntegra
do ele é desejado (ANSIRH, 2018). a Norma Técnica de
Atenção Humanizada
ao Abortamento do
Como é destacado na Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento Ministério da Saúde.
do Ministério da Saúde, a postura acolhedora da equipe multiprofissional é funda-
mental para a criação de um ambiente de empatia e confiança que dará segurança
e conforto à pessoa em situação de abortamento.
41
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Agora que você já conheceu as responsabilidades que lhe cabem como profissional da
medicina ou enfermagem, chegou a hora de conhecer o que a Norma Técnica indica
como responsabilidade específica de profissionais do serviço social e da saúde mental.
Como você já viu neste curso, a atenção integral à saúde requer não apenas que
tenhamos atenção à dimensão biomédica do cuidado, mas também que cuidemos
dos impactos sociais e psíquicos relacionados. Por isso, a participação de profis-
sionais da psicologia e do serviço social no atendimento à pessoa em situação de
abortamento é fundamental!
42
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Para que seja livre, a pessoa não pode estar sob qualquer tipo de pressão, coação
ou constrangimento, físico ou psicológico.
43
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Para que seja informado, é fundamental que sejam fornecidas informações claras
e acessíveis sobre os procedimentos técnicos que serão adotados, as medidas para
o alívio da dor, o tempo de duração do procedimento, o período de internação, a
garantia do sigilo e privacidade, a segurança do procedimento e os possíveis riscos
envolvidos.
44
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Exames complementares
Além do exame clínico, a ultrassonografia é o exame complementar utilizado para Gravidez ectópica
esses casos. Esse exame determina a idade gestacional e auxilia na escolha do É a gestação em que
o óvulo fertilizado
método do abortamento. está fora do útero.
Os principais fatores
indicativos de que
Quando não for possível realizar a ultrassonografia, e afastados os fatores de risco estamos diante de uma
para gravidez ectópica (sangramento e dor pélvica), é possível calcular a idade gravidez ectópica são
sangramento e dor
gestacional a partir da data da última menstruação (DUM), contando o número de pélvica. Esse é um tipo
dias da DUM até o dia atual e dividindo esse valor por 7. de gestação inviável e
pode acontecer casos
de acompanhamento
Por exemplo, considerando que hoje seja 25/02/23 e a DUM de uma pessoa foi até que se tenha
um aborto tubário
1/12/22, qual seria sua idade gestacional? 87 dias divididos por 7 = 12 semanas e espontâneo, ou casos
2 dias. em que é necessária
uma intervenção
medicamentosa ou
Recomendamos usar um calendário para contar os dias ou usar aplicativos dispo- cirúrgica.
níveis para celulares.
A seguir você vai conhecer quais os documentos necessários para realizar o abor-
tamento legal.
Termos de compromisso
Como o abortamento é autorizado apenas em algumas situações pela lei brasileira,
exige-se a assinatura de alguns documentos pela pessoa ou pela criança ou adoles-
cente que fará o procedimento e seu responsável. Conheça agora esses documentos:
45
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Mas não é só a pessoa ou seu(sua) representante legal que precisa assinar docu-
mentos, a equipe médica também tem a responsabilidade de assinar alguns termos.
Veja a seguir quais são eles:
Mas você não pode esquecer que o objetivo central do atendimento é o cuidado
humanizado e empático e, portanto, a documentação é apenas um meio para se
atender esse objetivo. É fundamental que a equipe esteja atenta para não trans-
formar esse momento de cuidado em um processo frio e burocrático e não criar
barreiras ao acesso do direito.
46
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Risco à vida
Nessa situação, é necessário o laudo de dois(duas) médicos(as), incluindo, sempre
que possível, especialista na área médica da doença que coloca a vida em risco.
Essa é uma das situações de abortamento previstas em lei. A seguir veja o que você,
profissional de saúde, deve fazer em caso de violência sexual.
Violência sexual
Há uma alta prevalência de violência e abuso sexual no Brasil. Por isso, profissionais
de saúde têm diante de si a importante tarefa de identificar situações de violência
que possam autorizar o direito ao abortamento previsto em lei, mesmo quando elas
47
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
não se apresentem como tais, e oferecer às vítimas a informação sobre seu direito.
Assim elas poderão decidir se querem levar adiante a gestação fruto de uma relação
não consentida ou se querem interrompê-la.
Precisamos ter claro que estupro não é só aquele que acontece por um desconhe-
cido que aponta uma arma para a cabeça da vítima. Qualquer situação de relação
sexual não consentida pode ser considerada estupro.
Por isso, é necessário que profissionais de saúde tenham uma postura que chama-
mos de “alta suspeição”, ou seja, deve-se investigar se a gestação é desejada e se é
fruto de uma relação consentida.
No caso de suspeita de violência sexual sofrida por paciente com resultado positivo
para gravidez, deve-se iniciar a conversa procurando entender as circunstâncias em
que a gravidez ocorreu e como a pessoa sob cuidados se sente em relação a ela.
É necessário também que você garanta um espaço que ofereça privacidade para a
entrevista, de preferência onde não haja a presença de pessoas que possam inibir
o relato. A equipe deve estar alerta para manter o sigilo, a fim de não criar estigmas
sobre o atendimento. Podem-se utilizar perguntas diretas e indiretas e avaliar se a
pessoa deseja falar sobre o assunto ou não, respeitando seu desejo.
48
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Perguntas indiretas:
• Como estão as coisas em casa?
• Como está seu relacionamento?
• Você e sua parceria discutem muito?
Perguntas diretas:
• Já foi forçada a ter relações sexuais contra a sua vontade?
• Já vi problemas como o seu em pessoas agredidas fisicamente.
Isso está acontecendo com você?
• Sabemos que é comum que pessoas sofram agressões dentro de casa,
isso já aconteceu com você alguma vez?
Fonte: Quadro adaptado de Comunicação Clínica: aperfeiçoando os encontros em Saúde (DOHMS, 2021).
A palavra da pessoa que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violên-
cia tem credibilidade ética e legal, devendo ser recebida como verdadeira por
profissionais de saúde. Segundo Diniz et al. (2014, p. 293):
É preciso acreditar no que diz a mulher que se apresenta como vítima e testemunha de sua
própria violência. No entanto, estudos demonstram que não basta o texto da mulher; a verda-
de do estupro é construída no encontro entre os testes de verdade sobre o acontecimento da
violência e a leitura sobre a subjetividade da vítima.
49
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Essa situação, tão comum na sociedade em geral, também ocorre em alguns servi-
ços de saúde. Em muitos desses serviços, as pessoas que buscam cuidado passam
por procedimentos interrogatórios que se assemelham a inquéritos policiais, com
múltiplas entrevistas que parecem buscar possíveis contradições na sua narrativa.
Esse tipo de comportamento é inaceitável, tanto do ponto de vista legal quanto
ético, dentro de um serviço de saúde.
50
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Com esses dados você pode perceber que quatro meninas de até 13 anos são
estupradas por hora no Brasil! Infecções
Sexualmente
Transmissíveis
A elevada prevalência da violência sexual exige, portanto, que o maior número possí-
São causadas por
vel de unidades de saúde estejam preparadas para atuar nos casos de emergência. vírus, bactérias ou
outros microrganismos
e são transmitidas,
O atendimento imediato aos casos de violência sexual permite oferecer medidas principalmente, por
de proteção e prevenção, como a anticoncepção de emergência e as profilaxias meio do contato sexual
(oral, vaginal, anal) sem
das Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), hepatite B e HIV/Aids, evitando o uso de camisinha
assim danos futuros para a saúde da pessoa vítima de violência. masculina ou feminina,
com uma pessoa que
esteja infectada. A
Embora a maioria dos casos sejam atendidos em hospitais, todos os estabelecimen- transmissão pode
acontecer, ainda,
tos de saúde deveriam estar preparados para oferecer esse cuidado da forma mais da mãe para a
facilitada possível. criança durante a
gestação, o parto ou a
amamentação.
Registro adequado
Coleta de vestígios
A coleta de vestígios deve ser incentivada para garantir que a vítima, ainda que
após muito tempo, possa recorrer àquela prova pericial para buscar a punição do
agressor, caso assim deseje.
51
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Essa coleta deve ser realizada em um prazo máximo de 72h da ocorrência do fato
e por equipe treinada. Por outro lado, é preciso empatia e entendimento de que a
denúncia cabe apenas à vítima, e, portanto, sua não realização não pode constituir
um impedimento para o acesso ao direito a atendimento.
O artigo 154 do Código Penal Brasileiro caracteriza como crime “revelar alguém,
sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício
ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.
Notificação epidemiológica
52
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
A Portaria GM/MS 78, de 2021, regula a notificação e estabelece que “a comuni- Fique por dentro
cação dos casos de violência contra a mulher à autoridade policial deverá ser feita Conheça a Portaria
de forma sintética e consolidada, não contendo dados que identifiquem a vítima e o GM/MS 78 na íntegra.
profissional de saúde notificador”.
Em crianças e adolescentes menores de 18 anos de idade, a suspeita ou a confirma- Fique por dentro
ção de abuso sexual deve, obrigatoriamente, ser comunicada ao Conselho Tutelar Para que você saiba
ou à Vara da Infância e da Juventude. Na falta desses órgãos, deve-se comunicar à exatamente o que
deve fazer legalmente
Vara de Justiça existente no local ou à Delegacia, sem prejuízo de outras medidas em caso de violência
legais, conforme o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). sexual contra crianças
e adolescentes, leia o
Estatuto da Criança e
do Adolescente.
Caso clínico:
Uma paciente chega a um serviço de emergência da maternidade em que você trabalha
com resultado de gravidez afirmando que a gestação é resultado de violência sexual.
53
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
(Respostas: F, V, F, V, F, V, F, V)
Feedback negativo: Se você errou alguma das situações anteriores, talvez seja
bacana retornar e ler novamente o conteúdo anterior.
Como você pôde perceber, em casos de violência sexual são necessários muitos
cuidados. Agora, siga em frente para saber como a equipe de saúde deve atuar na
última situação de abortamento previsto em lei no Brasil, que é a anencefalia fetal.
Anencefalia fetal
Nos casos de anencefalia fetal, os documentos necessários para que possa ser
realizado o abortamento são:
54
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
dos. Por isso separamos uma seção que trata especificamente desses casos.
É importante saber que o Código Penal brasileiro, em seu artigo 217-A, define como
estupro de vulnerável “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com
menor de 14 (catorze) anos”. Ou seja, qualquer ato sexual ou libidinoso com criança
menor de 14 anos é crime e, portanto, se desse ato resultar uma gestação, essa é,
por lei, sempre considerada fruto de violência e, portanto, autorizada pela lei está a
sua interrupção. Ou seja, toda gestação de menores de 14 anos é legalmente consi-
derada resultado de estupro e disso decorre o direito ao aborto previsto em lei.
É vedado ao médico revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclu-
sive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o adolescente tenha capacidade de avaliar
seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-los, salvo quando a não
revelação possa acarretar danos ao paciente
(art. 103).
Agora veja o que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “a) Conside-
ra-se criança a pessoa menor de 12 anos de idade; e adolescente, a partir dos 12
e antes de completar 18 anos; e b) Deve prevalecer o princípio do respeito à sua Princípio da
opinião e vontade.” proteção integral
O princípio da
proteção integral, que
A assistência à saúde da menor de 18 anos em abortamento deve se submeter ao orienta todo o ECA,
princípio da proteção integral. Se a revelação à família for feita para preservá-la de determina que crianças
e adolescentes sejam
danos, estaria afastado o crime de revelação de segredo profissional. tratados como sujeitos
de direito, recebam
prioridade absoluta
Entretanto, a revelação do fato também pode acarretar prejuízos ainda mais graves, e sejam respeitadas
como o seu afastamento do serviço de saúde pela família e consequentemente a em sua condição
especial de pessoas em
perda da confiança nos(as) profissionais de saúde que a assistem. A decisão, qual- desenvolvimento.
quer que seja, deve estar justificada no prontuário da adolescente.
55
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Caso clínico:
Você acabou de se formar e está trabalhando em uma unidade básica de saúde em uma
cidade próxima à capital onde se graduou. Chega para acolhimento pela equipe de enfer-
magem uma paciente de 12 anos, acompanhada da mãe, com atraso menstrual e náuseas.
Você discute o caso, solicita B-hcg e confirma a gestação. Com esse resultado é esperado:
56
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Objeção de consciência
Segundo Diniz, a objeção de consciência é:
[...] um dispositivo normativo de códigos profissionais e de políticas públicas que visa prote-
ger a integridade de pessoas envolvidas em uma situação de conflito moral. Em um conflito
entre deveres públicos e direitos individuais, esse dispositivo é acionado para proteger a moral
privada do indivíduo, como no caso do profissional de medicina ou enfermagem que decla-
ra objeção de consciência para não atender uma mulher que deseja abortar legalmente. Em
nome de convicções individuais, esse dispositivo protegeria o sentimento de integridade moral
do profissional, ao autorizá-lo a não participar de um procedimento que acredita ser moral-
mente errado, embora legal.
(2011, p. 982).
É importante ressaltar que existem casos em que não é possível invocar a objeção
de consciência. Essas situações são as seguintes:
2
1
Quando a paciente
Risco de morte
puder sofrer danos ou
para a pessoa
agravos à saúde
gestante.
em razão da
3
omissão
No atendimento de
profissional.
complicações derivadas do
abortamento inseguro, por se
tratar de casos de urgência.
4 5
Quando inexistente outro No cuidado
profissional que o faça, nas situações pós-aborto.
de abortamento previsto em lei.
57
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Agora, veja o que diz o Código de Enfermagem e como que ele trata desse assunto:
58
É proibido provocar aborto, ou cooperar em prática
destinada a interromper a gestação, exceto nos
tratamento, conforto, bem-estar, realizando ações
necessárias, de acordo com os princípios éticos
Ampara. Acolhimentoede
legais” (art.
pessoas em 42).de abortamento e pós-aborto
situação Aula 2. Serviços de atenção ao abortamento
previsto em lei no Brasil
Dessa forma, é dever do estado manter nos hospitais públicos profissionais que
realizem o procedimento do abortamento. E, caso a pessoa venha a sofrer preju-
ízo de ordem moral, física ou psíquica em decorrência da omissão, poderá haver
responsabilização civil, administrativa, penal e/ou institucional.
Você chegou ao final desta aula. Nela você conheceu as situações em que o aborta-
mento é previsto em lei no Brasil. Viu também o que é responsabilidade de profis-
sionais de saúde nesses casos. Siga em frente!
59
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Aula 3
Abortamento e evidências científicas
Conheça a Norma
No Brasil, a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Aborto, publicada em Técnica de Atenção
2005 e atualizada pela última vez em 2014 pelo Ministério da Saúde, é um guia Humanizada do Aborto
na íntegra.
indispensável de acolhimento adequado para os casos de abortamento.
60
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Você pode observar que citamos os níveis primário, secundário e terciário de servi-
ços de atenção à saúde das mulheres. É importante que você entenda o que é cada
um desses níveis:
61
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
As ações essenciais citadas devem ser prática rotineira nos serviços e, sempre que
possível, podem ser abordadas em reuniões clínicas, discussão de casos, apresen-
tação de artigos científicos e pauta de organização de fluxo entre serviços nos dife-
rentes níveis de atenção à saúde.
Ponto de reflexão
Gestações não-planejadas
A pesquisa Nascer no Brasil avaliou gestações de 2011 a 2012 em todo o país e
concluiu que 55,4% dessas gestações não foram planejadas, principalmente entre
adolescentes, usuárias de drogas e portadoras de doenças crônicas.
A pesquisa ainda demonstrou que 29,9% das mulheres não desejavam engravidar
em momento algum da vida, no momento atual ou no futuro, e, ainda, que as mulhe-
res que planejam suas gestações são majoritariamente brancas (52,7%), de maior
escolaridade (59,3%), com idade acima de 35 anos (52%) e relações estáveis (casa-
das ou com companheiro – 49,5%).
Uma parcela das gestações não planejadas será levada adiante tanto pela impos-
sibilidade de acesso à interrupção legal quanto também porque, apesar de não
planejadas, podem ser desejadas. Por isso, é importante distinguir entre gestações
não planejadas e gestações indesejadas. As duas situações têm em comum a ausên-
cia de planejamento prévio, mas nem toda gestação não planejada é indesejada.
É importante destacar que uma gestação indesejada ocorre por diversos motivos.
Um deles é porque os métodos contraceptivos são falhos ou inacessíveis e podem
causar vários efeitos colaterais que implicam o abandono do seu uso.
62
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Ponto de reflexão
Você já parou para refletir sobre as diversas situações que levam a uma
gestação indesejada? Consegue imaginar outras situações além das que
apontamos aqui?
Você, profissional de saúde, pode se deparar com situações como as descritas ante-
riormente, nos mais diversos cenários da área da saúde: são comuns queixas de
atraso menstrual e suspeita de gestação em consultas de pronto-atendimentos ou
ambulatoriais de ginecologia e obstetrícia, em emergências, nos atendimentos de
atenção primária à saúde, em visitas domiciliares e até mesmo em conversa com
pessoas próximas e familiares.
63
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Acolher e ouvir essa pessoa é fundamental, assim como não realizar julgamentos
sobre o relato e identificar e informar os próximos cuidados de forma sigilosa.
Explorando a saúde,
Entendendo a
a doença e a experiência
pessoa como um todo:
da doença: sentimentos e
as particularidades
ideias em relação à situação,
individuais, fase de vida e
impactos na funcionalidade
contexto em comunidade
e expectativas devem ser
são únicos para cada pessoa.
abordados.
Elaborando um
Intensificando a
plano conjunto de
relação entre a pessoa e
manejo dos problemas:
o profissional da medicina:
de maneira informada e É científico!
o vínculo é criado com
acolhedora deve-se chegar a Para saber mais
a equipe em saúde por sobre MCCP, leia o
um plano de cuidado que livro Medicina
meio da longitudinalidade
estimule a autonomia de centrada na pessoa:
e confiança. transformando o
escolhas em saúde. método clínico, de
Stewart et al.
64
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Ponto de reflexão
Agora que você já sabe o que é o MCCP, como você aplicaria esse método às
situações de abortamento?
Abortamento espontâneo
O abortamento espontâneo é a perda de uma gestação sem qualquer intervenção
e afeta cerca de 20% das gestações diagnosticadas. Segundo Griebel et al. (2005),
ele pode ser subdividido em:
Você deve ter atenção para os aspectos emocionais de pacientes e suas parcerias
e se informar se a gestação é desejada. Nesse caso, há risco aumentado de depres-
são e ansiedade até um ano após a ocorrência de um abortamento espontâneo, e é
preciso providenciar aconselhamento para que a pessoa possa lidar com sentimen-
tos como culpa e luto, e com pessoas próximas e familiares (GRIEBEL et al., 2005).
65
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Nesses casos, toda a equipe envolvida no cuidado multiprofissional pode entrar Doença trofoblástica
em diálogo com a pessoa em situação de abortamento espontâneo, cobrindo os Também chamada de
gravidez molar, é a
seguintes pontos. proliferação de células
tumorais no útero, com
sintomas semelhantes à
gestação.
Cuidados em saúde
Colo friável
• Identifique se é uma gravidez desejada ou não, tenha empatia com os Colo uterino que sangra
desproporcionalmente
sentimentos que a pessoa possa expressar, como alívio e tranquilidade. ao toque realizado com
• Reconheça e tente dissipar sentimentos de culpa, caso você os identifique. instrumentos.
66
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Esses são cuidados importantes que você deve priorizar em seu atendimento.
Veja a seguir os tipos de abortamento.
Ameaça de abortamento
A ameaça de abortamento define-se como sangramento vaginal de primeiro trimes-
tre, geralmente indolor ao exame físico, com concepto vivo e sem dilatação cervical.
Não havendo regressão do sangramento ou caso surjam sinais de alarme para infec-
ção como febre, dor pélvica e corrimento fétido, deve-se orientar que a paciente
procure um serviço de emergência gineológico-obstétrico.
Abortamento completo
Ocorre quando há sangramento e cólicas com expulsão completa de material ovular.
Ao exame físico, pode-se observar se o colo do útero está entreaberto ou fechado, e
ao ultrassom não há conteúdo ovular, podendo haver coágulos sanguíneos.
Abortamento de repetição
Quando a pessoa já teve três ou mais abortamentos consecutivos, isso é classifica-
do como abortamento de repetição, ou habitual. Tais casos devem ser encaminha-
67
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
dos para investigação. Para uma pessoa com desejo gestacional, a situação pode
ser motivo de muita frustração e preocupação e, portanto, demanda cuidado e
acolhimento empático da equipe multiprofissional.
Abortamento incompleto
Quando a pessoa tem como queixas sangramento vaginal e cólicas, pode ser um caso
de abortamento incompleto. Nesse caso, são encontrados restos ovulares no exame
de ultrassom e no exame físico, e o colo do útero estará aberto ou fechado. Pode-
-se orientar a conduta expectante, medicamentosa ou cirúrgica, que veremos mais
adiante.
Abortamento retido
No abortamento retido, não há perda sanguínea e, ao exame físico, o colo do útero
está fechado.
há regressão de sintomas
de gestação (como mastalgia
e náuseas);
68
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Conduta expectante
A conduta expectante é uma possibilidade pouco oferecida em serviços de saúde,
mas indicada por respeitadas referências da área médica. Ela consiste no acompa-
nhamento ambulatorial até a eliminação completa do material ovular ou por admi-
nistração de medicamentos.
É científico!
O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) recomenda conduta Saiba mais sobre
expectante por sete a quatorze dias após o abortamento ser diagnosticado por essas recomendações
visitando os sites
ultrassom. Já o American College of Obstetricians and Gynaecologists (ACOG) sugere do NICE e ACOG.
aguardar até oito semanas. Caso haja esvaziamento incompleto, deve-se oferecer
tratamento complementar medicamentoso ou cirúrgico (AMIU).
É científico!
A Cochrane publicou revisão sistemática em 2017 e concluiu que o tratamento médi-
Veja a revisão
co com misoprostol e os cuidados expectantes são alternativas aceitáveis à evacua- sistemática na
ção cirúrgica de rotina, dada a disponibilidade de recursos do serviço de saúde para Biblioteca Cochrane
na íntegra aqui.
apoiar qualquer uma das três abordagens (expectante, medicamentosa ou cirúrgica).
Diagnóstico
de aborto
Aborto retido
Aborto incompleto
69
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Misoprostol
7/14 dias administrado via AMIU com
NICE vaginal, oral ou anestesia local
sublingual
Dose, via de
Duração administração,
Melhor
da conduta quantidade e
via de anestesia
expectante periodicidade de
repetições
Você viu até aqui as situações de abortamento espontâneo com foco em evidências
científicas e comunicação em saúde. Agora, vamos aprender sobre os procedimen-
tos, que podem ser cirúrgicos ou medicamentosos. Acompanhe!
Aborto medicamentoso
Agora você verá quais os procedimentos medicamentosos utilizados em casos de
abortamento.
Abortamento medicamentoso
O aborto medicamentoso é realizado por meio da administração de fármacos,
podendo ser realizado no primeiro trimestre, e é método de escolha no segundo
trimestre, complementado por esvaziamento cirúrgico se necessário. As medi-
cações utilizadas no aborto medicamentoso são: a mifepristona e o misoprostol.
Vamos entender cada uma delas a seguir:
Mifepristona
70
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Misoprostol
71
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Foi pela observação do uso desse medicamento entre mulheres brasileiras que se
passou a pesquisar farmacologicamente seu efeito abortivo e, a partir dessas inves-
tigações, descobriram-se seus inúmeros outros usos em ginecologia e obstetrícia.
Outros
usos:
Dilatação do colo uterino
antes de procedimentos como
histeroscopia e inserção de
dispositivo intrauterino (DIU).
72
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Conheça o estudo
Um estudo qualitativo feito na Suécia, nos anos de 2009 e 2010, avaliou a experi- Autonomy and
dependence – experiences
ência de casais que abortaram em domicílio e concluiu que essa possibilidade trou- of home abortion,
xe mais autonomia à saúde, possibilitou privacidade e controle da situação para contraception and
prevention para saber
poderem expressar sentimentos, além de permitir um atendimento respeitoso e mais sobre o assunto.
empático que compartilha informações e decisões com a paciente.
73
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Taxa de abortamento em
800 mcg cerca de 96,5% a 99,2%
com mifepristona.
(ou seja, 4 comprimidos
de 200 mcg) a cada
3 horas, em 3 repetições
(no total 2.400 mcg)
em gestação com Cerca de 90%
até 12 semanas. sem mifepristona.
74
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
A medicação pode ser utilizada via vaginal, sublingual ou bucal. Se administrada via
sublingual, o intervalo precisa ser curto (de três em três horas) e os efeitos colaterais
tendem a aumentar. Pela via vaginal, pode-se utilizar intervalos de três ou de 12 horas.
Vaginal
Bucal
Sublingual
75
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
MISOPROSTOL SOZINHO
REGIMES RECOMENDADOS 2017
76
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
MISOPROSTOL SOZINHO
REGIMES RECOMENDADOS 2017
Notas:
1
Se a mifepristona estiver disponível (preferencial),
siga o regime posológico prescrito para mifepristona + misoprostol.
2
Incluído na Lista Modelo de Medicamentos Essenciais da OMS.
3
No caso de aborto incompleto/inevitável, a mulher deve receber tratamento com base em seu
tamanho uterino e não na idade gestacional determinada por data da última menstruação (DUM).
4
Deixar surtir efeito durante uma ou duas semanas exceto no caso de hemorragia excessiva ou infeção.
5
Pode ser administrada uma dose adicional caso a placenta não tenha sido expelida
30 minutos após a expulsão fetal.
6
Vários estudos limitaram a dosagem a cinco doses; a maioria das mulheres apresentou expulsão
total antes da utilização das cinco doses, mas outros estudos continuaram para além das cinco doses
e obtiveram uma taxa de sucesso total superior sem problemas de segurança.
7
Incluindo rotura das membranas quando parto for indicado.
8
Seguir o protocolo local no caso de cesárea prévia ou cicatriz uterina transmural.
9
Se apenas estiverem disponíveis comprimidos de 200 μg, podem ser preparadas doses inferiores
dissolvendo-os em água (ver www.misoprostol.org).
10
Se não estiver disponível oxitocina ou se as condições de conservação forem inadequadas.
11
Opção para programas comunitários.
77
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
MISOPROSTOL SOZINHO
REGIMES RECOMENDADOS 2017
Via de administração:
VV: via vaginal
VSl: sublingual (por baixo da língua)
VO: oral
VB: bucal (entre a bochecha)
Cuidados em saúde
Na próxima aula deste curso, você verá quais são os cuidados antes e após o abor-
tamento. Antes disso, veja quais são os sinais de recuperação normal.
Recuperação normal
Você deve orientar a pessoa que passa por um abortamento medicamentoso sobre
o que é normal ou não na sua recuperação. Estar acompanhada por alguém e avaliar
a quantidade de sangramento são boas recomendações.
78
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Possíveis complicações
Mesmo com risco mínimo, algumas complicações podem ocorrer. Veja quais são elas:
O misoprostol, desde sua inclusão em 1998, segue até hoje em uma lista de
substâncias sujeitas a controle especial da ANVISA, o que cria dificuldades
de acesso até pelos hospitais. Nessa mesma lista há medicamentos
comprovadamente com efeitos mais inseguros se auto -geridos, como o
haloperidol e a morfina. No entanto, esses podem ser adquiridos em farmácia com
prescrição médica. O misoprostol, por outro lado, não está disponível para compra
em farmácias.
80
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 3. Abortamento e evidências científicas
Outro estudo, chamado “Quanto mais perto você está, melhor você entende: a É científico!
reação dos ginecologistas-obstetras brasileiros à gravidez indesejada”, demons- Conheça na íntegra
trou que profissionais de saúde aceitaram duas vezes mais que o abortamento era o artigo The Closer
You Are, the Better You
necessário quando a gravidez indesejada era deles ou de suas parcerias do que Understand: The Reaction
quando era de uma paciente. of Brazilian Obstetrician—
Gynaecologists to
Unwanted Pregnancy.
Esse estudo nos mostra, portanto, que o vínculo e a relação de proximidade aumen-
tam a nossa empatia com a situação vivida por outras pessoas. Quanto mais nos
aproximamos do tema, maior é a nossa capacidade de ter empatia.
Ponto de reflexão
Nesta aula, você viu a importância do adequado acolhimento à pessoa que aborta
com base em evidências científicas e as indicações de procedimento medicamen-
toso. Na próxima aula você continuará estudando sobre o acolhimento das pessoas
em situação de abortamento e pós-aborto, além de entender sobre o procedimen-
to cirúrgico. Siga em frente!
81
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Aula 4
Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Procedimentos cirúrgicos
Os métodos de esvaziamento cirúrgico incluem curetagem e aspiração manual
intrauterina (AMIU), com anestesia local ou geral. Em ambos os procedimentos, o
objetivo é alcançar o esvaziamento uterino completo.
Curetagem uterina
Apesar de ser um procedimento arcaico, datado de 1843, a curetagem uterina
continua sendo amplamente oferecida como principal opção terapêutica para
abortos retidos e incompletos no Brasil.
82
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Segundo a OMS (2012), nos lugares em que a curetagem ainda é praticada ela deve ser
substituída por AMIU, porém, apesar dos pontos negativos e da recomendação contrária
da OMS, a curetagem pós-abortamento é ainda o segundo procedimento obstétrico mais
realizado na rede pública de serviços de saúde, superada apenas pelos partos normais.
Esse uso pode ser explicado pelo baixo custo e pelo exercício do poder médico discipli-
nador, ou seja, a curetagem é utilizada como forma de punição às pessoas que abortam.
Apesar disso, a maioria dos serviços no Brasil faz esse procedimento sob sedação
anestésica em ambiente hospitalar, mesmo que a OMS não o recomende, “Não se
recomenda a anestesia geral em forma de rotina para o abortamento por aspiração
a vácuo ou para dilatação e evacuação” (OMS, 2013, p. 6).
83
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
AMIU CURETAGEM
84
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Primeiro Após
trimestre 14 semanas
Pela necessidade de preparar o colo uterino (que significa proporcionar uma aber-
tura para a passagem de AMIU ou cureta), muitas vezes há um prolongamento
desnecessário do tempo de internação e também de espera pelo procedimento de
esvaziamento uterino.
Alguns hospitais têm protocolos de preparo uterino com múltiplas doses de miso-
prostol, o que não é recomendado pelo Ministério da Saúde ou pela FIGO, confor-
me apresentado anteriormente.
85
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Contudo, esse limite é motivo de críticas, pois não está estabelecido em lei e
restringe o direito das meninas e mulheres mais vulneráveis, que por vezes desco-
brem tardiamente a gestação e encontram diversas barreiras de acesso ao serviço.
É importante destacar aqui que os procedimentos para gestações com mais de 21
semanas devem ser realizados por profissional devidamente treinado com obser-
vação contínua por ultrassom.
86
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Agora chegou a hora de você aplicar o que aprendeu fazendo a atividade a seguir.
Curetagem
AMIU
Medicamentoso com
mifepristona e misoprostol
Medicamentoso como
misoprostol apenas
Expectante
Escolha do procedimento
A escolha do tratamento depende de preferências individuais, situação clínica, dispo-
nibilidade de métodos e treinamento da equipe. Lembre-se do Método Clínico Centra-
do na Pessoa (MCCP), que você viu na aula passada, e aplique-o nessas situações!
87
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Escolha do
Outras ainda talvez
tratamento
desejem uma resolução rápida,
mas queiram evitar cirurgia,
e para essas talvez o manejo
medicamentoso seja a
melhor opção.
Passar por uma situação de abortamento pode demandar que a pessoa tenha
algum tempo para considerar suas opções e talvez se beneficie de orientações por
escrito para poder pesquisar e então expressar sua vontade.
Se ela demonstrar preocupação sobre uma futura gravidez, explique que o proce-
dimento muito raramente pode afetar as chances de uma futura gestação e que ela
poderá voltar a tentar engravidar assim que tiver se recuperado e que assim o deseje.
88
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Segundo dados de um estudo feito por Kim et al. em 2017, não há diferença impor-
tante na fertilidade subsequente, satisfação ou bem-estar psicológico entre as
pessoas que se submetem aos diferentes procedimentos de aborto medicamento-
so, cirúrgico ou conduta expectante.
Ponto de reflexão
Nem sempre o tipo de procedimento poderá ser escolhido pela pessoa, mas é extre-
mamente importante ouvi-la e incluí-la no planejamento de seu próprio cuidado.
Como profissional de saúde, também é importante preparar-se para prestar as
informações necessárias e adequadas nesses casos.
89
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
O que é provável
Cuidados e que sinta (por
acompanhamento. exemplo cólicas de
tipo menstrual, dor
e sangramento).
Aborto séptico
Diante dos dados discutidos nas aulas anteriores, você já sabe que o abortamento
inseguro está entre as mais frequentes causas de morte materna e que o atendi-
mento digno e humanizado reduz complicações tardias e graves.
90
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
PERDA
GRANDE MINAS
PESQUISA
91
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
2005, 8,8 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos e 0,6 mortes maternas por
100 mil abortos. Isso mostra que um parto pode ser até 14 vezes mais arriscado
que um aborto seguro (GITHENS, 1996).
No exame físico, pode-se observar saída de pus pelo orifício cervical e dor ao toque
vaginal.
92
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
( ) AMIU.
( ) Curetagem.
( ) Aborto medicamentoso.
93
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
A seguir, você verá os cuidados que deve ter com a paciente antes, durante e depois
do abortamento, começando pelos cuidados antes do procedimento. Vamos lá!
Cuidados pré-abortamento
O Manual de Abortamento Seguro da OMS e a Norma Técnica do Ministério da
Saúde indicam os exames que a equipe de saúde deve realizar antes do procedi-
mento. Esse é um importante ponto para que não se atrase o atendimento com a
solicitação de exames desnecessários e sem comprovação científica.
Ultrassom
Não é essencial realizar uma ultrassonografia previamente ao abortamento, mas se
houver disponibilidade, esse é um recurso que auxilia na identificação de aborta-
Gestação
mento retido, incompleto ou uma gestação anembrionada. anembrionada
Gestação na
O ultrassom também pode afastar a possibilidade de uma gravidez ectópica, apesar qual, embora haja
fecundação de
de haver sintomas clínicos que levam à suspeição desse tipo de gestação, como dor óvulo, durante o
e sangramento. desenvolvimento
não há formação de
embrião, sendo visível
É comum o relato de mulheres que se sentem vulneráveis ao realizar esse exame, ao ultrassom apenas o
saco gestacional.
seja pela reação da pessoa que examina, seja pelo impacto psicológico de presen-
ciar a viabilidade de uma gestação indesejada naquele momento.
Cuidados em saúde
Profilaxia antibiótica
Todas as pessoas que se submeterem a um abortamento cirúrgico, independente-
mente do risco de doença inflamatória pélvica, devem receber profilaxia antibióti-
ca antes ou durante a cirurgia.
94
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Controle da dor
É importante que você ou alguém da equipe ofereça medicamentos, como anti-in-
flamatórios não esteroides para aliviar a dor como parte da rotina.
A anestesia geral pode ser empregada em casos selecionados ou quando essa for a
opção da pessoa, que deve estar ciente dos riscos, dos aumentos dos custos e caso
se apliquem na permanência mais prolongada no hospital.
Exames laboratoriais
Os testes laboratoriais de rotina não constituem um pré-requisito para os servi-
ços relacionados ao abortamento quando não há suspeição de complicações, como
instabilidade hemodinâmica.
95
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Cuidados em saúde
Como você pode perceber, essa não deve ser a conduta de profissionais orien-
tados pela ética no atendimento a pessoas em situação de abortamento. Faça o
melhor, acolha e cuide de quem precisa de você!
Cuidados pós-abortamento
No seu dia a dia, você pode se deparar com situações de pessoas que chegam ao serviço
de saúde buscando cuidados para um abortamento em curso, um abortamento incom-
pleto ou, ainda, um abortamento completo que se deu fora do ambiente hospitalar.
96
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Beta HCG
HCG é a sigla de Human Chorionic Gonadotropin, hormônio que indica a possibilida-
de de gestação. A realização desse teste deve acontecer ao menos quatro semanas
após o abortamento para se evitar resultados falsos positivos. Caso o resultado
seja positivo ou inconclusivo após quatro semanas, deve-se realizar novo teste em
até sete dias (ou seja, cinco semanas após o aborto).
Sangramento
No caso de abortamento medicamentoso realizado fora do ambiente hospitalar,
deve-se orientar a pessoa a buscar o serviço de saúde se houver necessidade de
troca de mais que dois absorventes noturnos por hora, em duas horas seguidas, ou
seja, quatro absorventes em duas horas, ou se houver sinais de perda de sangue
excessiva como tontura ou desmaio.
97
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Escassa Leve
Sorologias
O contexto do cuidado pós-abortamento é um momento oportuno para oferecer a
realização de exames de sorologia de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs).
Converse com sua paciente sobre a importância desses exames e ofereça a ela esse
cuidado.
Tipagem sanguínea e Rh
Por muito tempo, recomendava-se que todas as pessoas com fator Rh negati-
vo recebessem imunização passiva com imunoglobulina Rh dentro das 72 horas
posteriores ao abortamento.
98
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Contracepção
Em sua maioria, pessoas que passam por um abortamento induzido não desejam
uma nova gestação a seguir. É importante que você informe que é possível recupe-
rar rapidamente a fertilidade, evitando colocar a pessoa em risco de nova gestação
não planejada ou indesejada.
Caso a pessoa opte por dispositivo intrauterino (DIU), este pode ser inserido
imediatamente após o procedimento cirúrgico (AMIU ou curetagem), desde que
não haja suspeita de infecção. Pode-se ainda oferecer a inserção posterior, em
consulta ambulatorial.
99
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 4. Abortamento, evidências científicas
e cuidados pré e pós-abortamento
Conheça o estudo
Um estudo feito em 2010 na Escócia demonstrou que as mulheres que engravi- Efeito do intervalo
entre gestações sobre
daram seis meses após um abortamento espontâneo tiveram melhores resultados os resultados da
(menor taxa de cesárea e parto prematuro) em comparação àquelas que engravi- gravidez após o aborto
espontâneo.
daram 24 meses após.
100
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Aula 5
Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Abortamento inseguro
O abortamento, mesmo quando realizado na clandestinidade, pode ser seguro.
A criminalização aumenta o risco de complicações, pois expõe mulheres e outras
pessoas que abortam a procedimentos inseguros por falta de alternativas, barrei-
ras socioeconômicas ou falta de informação.
Como você viu nas aulas anteriores, fatores como classe social, gênero, raça e esco-
laridade influenciam o acesso a um método de abortamento seguro ou inseguro.
101
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
É científico!
Como o abortamento inseguro é uma das mais frequentes causas de mortalidade Conheça a publicação
Abortamento seguro:
materna – um grave problema de saúde pública para países de baixa e média renda, Orientação técnica e de
como você já viu neste curso – a OMS recomenda que sejam retiradas todas as políticas para sistemas
de saúde, da OMS.
barreiras legais e regulatórias ao abortamento seguro.
102
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Também é importante escutar e acolher essa pessoa de maneira sigilosa, pois esse
é um dever decorrente da ética profissional.
Omitir informações benéficas para a saúde de pacientes é ferir seu direito à auto-
nomia e à informação em saúde, que deve sempre ser respeitado como determina-
do pelos Códigos de Ética Médica e de Enfermagem.
103
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP, 2014), Bioética
os princípios fundamentais da bioética no acolhimento à gestação indesejada são: Ética aplicada à vida.
Sobre este item, veja o que dizem os Códigos de Ética Médica e de Enfermagem:
104
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Sobre este item, veja o que dizem os Códigos de Ética Médica e de Enfermagem:
105
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Código Penal:
É crime: “revelar a alguém, sem justa causa, segredo de que
1 tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão,
e cuja revelação possa produzir dano a outrem” (Artigo 154).
Constituição Federal:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
2 imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
material ou moral decorrente de sua violação” (Artigo 5º, X).
106
Código de Ética de Enfermagem:
“Dos deveres: Manter sigilo sobre fato de que tenha
2 imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização
material
Ampara. Acolhimento ou moral
de pessoas decorrente
em situação dee pós-aborto
de abortamento sua violação” (Artigo 5º, X). profissionais no acolhimento à gestação
Aula 5. Aspectos
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Observe que o não cumprimento da norma legal pode levar a procedimento crimi-
nal, civil e ético-profissional contra quem revelou a informação, respondendo por
todos os danos causados à paciente.
Cuidados em saúde
• não tomar decisões pelas pessoas de quem cuida, não impor escolhas e não
emitir juízo de valor;
107
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
108
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Primária
Evitar gestações indesejadas com
ações educativas de saúde sexual e
reprodutiva, promovendo informação
e acesso à contracepção e informação
sobre a possibilidade de
entrega voluntária para adoção
(Lei 13.509/2017), caso a pessoa opte
por manter a gestação. É importante
saber que a entrega está relacionada
a maior risco de sintomas depressivos
entre as mulheres.
Secundária
A maioria das pessoas que deseja
abortar encontrará os meios para
fazê-lo. Sendo inevitável, pode-se atuar
sob a perspectiva de Redução de
Danos (esse assunto será tratado a
Medidas de seguir), fornecendo informações
prevenção corretas e de fácil compreensão, para
que o abortamento seja seguro.
Terciária
Tratar rapidamente as complicações
do abortamento inseguro e fornecer
aconselhamento contraceptivo
logo após.
Quaternária
Evitar a realização de intervenções
desnecessárias como a curetagem após
um abortamento incompleto ou a
hospitalização para realização
de abortamento medicamentoso.
Você observou até aqui que são muitos os referenciais aplicados no estudo sobre
acolhimento ao abortamento: comunicação, epidemiologia, referenciais bioéticos
e jurídicos, método clínico centrado na pessoa, evidências científicas, prevenção e
promoção de saúde, redução de danos, entre tantos outros.
109
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Ponto de reflexão
Com base nas discussões propostas até agora, você se lembra, ao longo da
sua trajetória formativa, em quais momentos, além de saúde das mulheres,
estudou o tema abortamento?
Você já ouviu falar na entrega voluntária para adoção? Você sabia que gestantes
que decidem não exercer a maternidade, por quaisquer razões, antes ou logo após
o nascimento, têm o direito de entregar seu filho para adoção? Esse direito é garan-
tido pela Lei nº 13.509, de 2017, e oferece à gestante ou mãe o acolhimento por
Fique por dentro
equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude. Algumas mulheres,
Para saber mais veja
por desconhecer esse direito, acabam se submetendo a um abortamento inseguro o vídeo Entrega
e colocando sua vida em risco. voluntária para a
adoção e conheça a
Lei nº 13.509 de 2017.
Você, profissional de saúde, deve conhecer a lei e orientar quem precisa dela.
Redução de danos
A abordagem da redução de danos surgiu nos anos 1980 no contexto da discussão
sobre uma nova proposta de atenção às pessoas que usam substâncias ilícitas ou
danosas à saúde. Em pouco tempo, tornou-se uma estratégia de atenção à saúde
alternativa àquelas pautadas na lógica da abstinência ou da criminalização.
110
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
lhamento pré-abortamento às pessoas com gravidez indesejada, incluindo infor- Conheça a experiência
uruguaia em Iniciativas
mações sobre o abortamento medicamentoso, que já vimos em aula anterior, e sanitarias contra el
cuidados pós-abortamento. (FAÚNDES, 2006). aborto provocado em
condiciones de riesgo:
aspectos clínicos,
Uma das experiências mais conhecidas de acolhimento à gestação indesejada em epidemiológicos, médico-
legales, bioéticos y
risco de abortamento inseguro foi implementada no Uruguai pela organização não jurídicos.
governamental Iniciativa Sanitária.
Agora eram
Primeiro era Depois avaliadas as
realizada a determinada situações em
confirmação de a idade que o aborto
gestação viável. gestacional. seria permitido
por lei.
Era prestado o
Eram também fornecidas
aconselhamento sobre
informações sobre métodos
outras possibilidades
seguros e inseguros de
(incluindo a entrega
abortamento.
voluntária para adoção).
111
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
112
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
113
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
114
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Socorristas en Red
É uma rede nacional argentina
que fornece acesso e
informações por telefone e
acompanhamento pessoal e
reuniões de grupo.
Mama
Situada na África, é uma rede de
ativistas de base e organizações
feministas que trabalha para
ampliar o acesso à informação e
eliminar o estigma em torno do
abortamento. Fique por dentro
semelhança de ativistas em
muitos países da América Latina
e do Caribe, opera uma linha
direta de abortamento seguro
que oferece informações sobre
o método medicamentoso.
115
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Ponto de reflexão
Você trabalha como profissional de enfermagem em uma unidade básica de saúde na peri-
feria de Brasília. Em um dia de atendimento chega uma paciente trazendo resultado de
BHCG positivo.
Antes de iniciar o pré-natal você pergunta se aquela é uma gestação desejada. A paciente
desesperada diz: “não, não posso ter esse filho antes de terminar meus estudos, vou dar
um jeito! Tenho muito medo de me machucar, não sei o que fazer!”
Você, como profissional de saúde que se preparou para acolher situações de gestação
indesejada:
a) ( ) Diz que infelizmente não pode ajudá-la, pois o abortamento é ilegal no Brasil. Inicia o
pré-natal sem a autorização da paciente e agenda retorno com a equipe em 30 dias.
b) ( ) Acolhe, procura entender a situação e acalmá-la, mas afirma que não pode ajudá-la
por não ser um caso de abortamento previsto em lei.
c) ( ) Acolhe, escuta e após entender que a paciente poderia causar dano à própria vida,
fornece informações baseadas em evidências e cuidados pós-abortamento como
contracepção.
116
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
A necessidade de uma consulta médica para solicitação de um teste de gravi- Fique por dentro
dez (B-hcg) pode atrasar o diagnóstico e implicar em interrupções tardias, o que Para saber mais sobre
acomete meninas e mulheres de forma desigual. o teste rápido de gra-
videz, consulte o Guia
Técnico do Ministério
da Saúde.
Vale lembrar que, por outro lado, a interferência indevida do médico na tomada de
decisão da paciente é vedada pela Ética Médica (GIUGLIANI, 2019).
117
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Na APS, que é a porta de entrada do sistema de saúde, você deve realizar o cuidado
orientado pelos princípios de primeiro contato; longitudinalidade; integralidade;
coordenação; abordagem familiar e enfoque comunitário (STARFIELD, 2002).
118
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 5. Aspectos profissionais no acolhimento à gestação
indesejada sob a perspectiva da redução de danos
Como você pôde ver, o ambiente da APS proporciona maior satisfação às pessoas
que nele buscam cuidados em saúde quando acolhe, informa e proporciona acesso
e/ou informação sobre o abortamento seguro.
Você, profissional da saúde, deve ser capaz de fazer esse trabalho! Um estudo
conduzido nos Estados Unidos (SUMMIT et al., 2016) mostrou que muitas das
mulheres entrevistadas se surpreenderam em poder conversar sobre o tema do
abortamento com as pessoas que as atenderam na atenção primária de saúde. Isso
não deveria ser motivo de surpresa – o abortamento é um evento comum na vida
reprodutiva das pessoas e profissionais da saúde, em contato direto com pacientes,
devem se abrir para conversar sobre ele com conhecimento e competência.
119
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Aula 6
Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Não é apenas na relação sexual que a violência aparece marcando a trajetória existencial da
mulher. Também na relação médico-paciente, ainda uma vez o desconhecimento de sua fisio-
logia é acionado para explicar os sentimentos de desamparo e desalento com que a mulher
assiste seu corpo ser manipulado quando recorre à medicina nos momentos mais significati-
vos da sua vida: a contracepção, o parto, o aborto.
(GRUPO CERES, 1981, p. 349).
120
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Segundo esse estudo, cerca de um quarto das mulheres que passaram por um
parto relataram alguma forma de violência na assistência, o que também foi
mencionado por cerca da metade daquelas que passaram por um abortamento.
[...] a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissional de
saúde, que se expressa por meio de relações desumanizadoras, de abuso de medicalização
e de patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade
de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na quali-
dade de vida das mulheres.
(VENEZUELA, 2007, Art. 15.13)
Como você pôde perceber, a violência obstétrica é muito comum e pode se mani-
festar de diferentes formas, entre as quais podemos citar:
121
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Violência física.
Violência verbal.
Violência sexual.
Estigma e discriminação.
Realização de intervenções
obstétricas desnecessárias.
Violência
obstétrica
Negação do direito
a acompanhante.
Negação a privacidade.
Falta de confidencialidade.
Isso quer dizer que, caso uma paciente venha a sofrer uma lesão física ou psicológi-
ca, temporária ou permanente, em razão de violência sofrida no contexto de aten-
dimento obstétrico ou ginecológico, a equipe médica ou a própria instituição de
saúde podem ser responsabilizadas na esfera penal e obrigadas a reparar os danos
materiais e morais, na esfera cível.
122
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
1 2 3
Negação Discriminação Agressão
de tratamento social, de gênero, física, verbal
para dor. racial ou étnica. ou psicológica.
123
4
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
4
Violação dos direitos
à privacidade e à confidencialidade.
Hostilidade. Negligência.
Retardo do atendimento,
Indisponibilidade quando as equipes identificam
de serviços que realizam ou supõem que o abortamento
o abortamento previsto tenha sido provocado e negam
por lei. atendimento ou demoram
a realizá-lo.
Ou seja, existe uma relação direta entre violência obstétrica e abortamento insegu-
ro. Se as pessoas suspeitam que serão maltratadas, discriminadas e estigmatizadas
ao procurar o serviço de saúde em uma situação de complicação por abortamento,
elas deixarão de buscar esse cuidado e passarão sozinhas pela experiência.
Esse medo pode perpassar até situações de aborto espontâneo, já que em geral
não há diferença visível no corpo de quem aborta entre um aborto espontâneo e
um aborto induzido de maneira segura com medicamentos. Devido a relatos de
maus-tratos, mesmo mulheres e pessoas que estão passando por um evento natu-
ral podem ter medo de buscar a assistência e o cuidado que precisam.
124
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Ponto de reflexão
Você viu até aqui um pouco da história do conceito de violência obstetrícia e suas reper-
cussões para o cuidado em saúde sexual e reprodutiva e, especialmente, o abortamento.
Além disso, adicionamos um item de orientação que ajuda a combater essas situações.
Incorpore essa reflexão e cuidado em sua prática e dissemine-a entre seus(suas) colegas!
Violência física
A violência física corresponde a qualquer ação física praticada sobre o corpo da
pessoa que aborta, causando-lhe dano ou dor. Um exemplo muito comum em aten-
dimentos de abortamento é não fornecer analgesia adequada na realização de
procedimentos como AMIU ou curetagem.
125
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Cuidados em saúde
Para evitar essa situação, ofereça analgesia adequada tanto nos procedimentos
de aborto medicamentoso quando nos procedimentos invasivos como AMIU.
Ofereça também um atendimento adequado e prontamente disponível, sem
atrasos e prolongação do sofrimento da pessoa que aborta. Respeite sempre a
integridade corporal da pessoa sob seus cuidados.
Cuidados em saúde
Para evitar essa situação, garanta um espaço seguro para um diálogo franco e
claro sobre os métodos de abortamento, para que a pessoa tenha condições de
decidir junto com você.
Referir-se às pacientes como “aquela que fez aborto”, deixar de garantir seu direito
à confidencialidade ou denunciar pacientes que realizaram abortamento a auto-
ridades policiais ou judiciais são também situações de abuso e violação de ética
profissional e do direito à privacidade.
Cuidados em saúde
126
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Cuidados em saúde
Cuidados em saúde
Para evitar essa situação, lembre-se sempre que pacientes merecem cuidado respei-
toso independentemente de raça, idade, classe, orientação ou identidade sexual. Os
cuidados que você oferece impactam diretamente nos indicadores sociais de saúde.
Além disso, como profissional de saúde, você sabe que o abortamento é um
evento comum na vida reprodutiva das pessoas. Por isso, deve ajudar a comba-
ter o estigma associado ao abortamento, e não promovê-lo.
127
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Cuidados em saúde
Para evitar essa situação, ofereça cuidado em tempo oportuno e com o melhor
nível possível de assistência. Garanta que a paciente seja atendida por outro
profissional quando se deparar com a objeção de consciência e não imponha
barreiras de acesso ao serviço de saúde.
A efetiva criminalização, por sua vez, ocorre quando profissionais de saúde iniciam
ou apoiam, por quaisquer meios, investigação ou processo criminal contra pessoa
que teve um abortamento.
Cuidados em saúde
Para evitar essa situação, lembre-se que cabe a você o cuidado ético e respeitoso
e não desempenhar o papel policial ou da justiça. Você não deve interrogar ou É científico!
confrontar paciente, tampouco investigar a veracidade ou validade de sua narra- Quer conhecer como
tiva. Como você viu em aula anterior, a pessoa que aborta é responsável por seu o Poder Judiciário tem
agido nestes casos?
relato, que tem presunção de veracidade.
Conheça decisão do
Tribunal de Justiça de
São Paulo: TJSP, Habeas
Corpus n. 2188896-
Como o serviço de saúde tem sido historicamente a principal porta de criminaliza- 03.2017.8.26.0000.,
julgamento em 8 de
ção das pessoas que abortam, o Poder Judiciário brasileiro tem agido para coibir
março de 2018.
essa forma de violência obstétrica.
Como você pôde concluir da análise das diferentes formas de violência obstétrica
em abortamento e pós-aborto, esse é um problema relevante e atual. Cabe a você,
profissional de saúde, mudar essa realidade, reafirmando a saúde como um trabalho
de cuidado. O papel da equipe multiprofissional é sempre acolher e nunca agir orien-
tada por preconceitos, estigma ou com intenção de criminalizar a pessoa que aborta.
128
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
A cor do aborto
129
A discriminação nos serviços de saúde tem sido registrada como recorrente para as mulheres
em situação de abortamento, de forma direta e indireta, com tratamento não digno, julga-
mento moral e constrangimentos que são revertidos em práticas violentas no momento do
atendimento destas mulheres. Ao que parece, isso é redobrado pelo racismo institucional e
passa a constituir uma barreira de acesso antes mesmo da entrada no sistema de saúde
A cor do aborto
Entre as do que
mulheres entre as
negras brancas
3,5% 1,7%
o índice de abortos
provocados é o
dobro
53% 41%
eram negras eram brancas
22%
negras
X
não tiveram acesso a
anestesia durante o
parto normal
16%
brancas
Além disso, segundo Goes et al. (2020), mulheres negras retardam a busca por
assistência de saúde em situações de abortamento, tanto pelo medo de serem
maltratadas ou denunciadas quanto pela falta de condições materiais para buscar
os serviços de saúde:
Essa expectativa negativa do atendimento no hospital, informada pela experiência de outras Fique por dentro
mulheres que relataram ter sido discriminadas pelo aborto nas unidades públicas de saúde, Leia o artigo
tem sido registrada em pesquisas realizadas em várias cidades brasileiras. O tratamento rece- Vulnerabilidade racial e
barreiras individuais de
bido nos hospitais termina inclusive por atingir as mulheres com abortamento espontâneo, mulheres em busca do
suspeitas de tê-lo provocado. Essas práticas, que envolvem desde o retardo na atenção, agres- primeiro atendimento
pós-aborto na íntegra.
são verbal e não informação sobre procedimentos, expõem as mulheres a complicações de
saúde. Nos últimos anos, isso tem sido agravado pelo aumento de denúncias das mulheres
com aborto, feita por profissionais de saúde à polícia, ocorridas ainda no momento da inter-
nação, documentadas pela imprensa, em um claro desrespeito ao sigilo previsto nos Códigos
de Ética das profissões de saúde
(GOES et al., 2020, p. 10).
131
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Ponto de reflexão
Fique por dentro
Em aula anterior, você conheceu a Política Nacional de Saúde Integral da Popu- Para saber mais sobre
lação Negra. Agora que você já sabe mais sobre cuidado em abortamento e a relação entre racismo
institucional e violência
pós-aborto, se estivesse gerindo uma unidade de saúde, que medidas imple- obstétrica, ouça o
mentaria para combater o racismo institucional? Podcast Vozes de
Criola.
Você trabalha em uma unidade básica de saúde e, percebendo a alta prevalência de relatos
de violência obstétrica no hospital de referência de sua região, resolve organizar uma ativi-
dade com profissionais e pessoas interessadas para um debate no qual produzirão material
educativo para orientar as pessoas sobre situações de violência obstétrica no abortamento.
Assinale todas as alternativas CORRETAS que você contemplará no seu material:
132
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Manual de
autodefesa feminista
Se você gostou da atividade anterior e se entusiasmou para realizar uma semelhan-
Violência obstétrica
te em seu ambiente de trabalho, acesse os materiais ao lado. no abortamento
A criminalização do abortamento
Como você viu em aula anterior, o abortamento é, de modo geral, criminalizado no
Brasil pelo Código Penal (BRASIL, 1940, Art. 124-127), sendo permitido apenas
nas situações em que há risco para a vida da pessoa gestante, quando a gestação é
fruto de violência sexual ou quando o feto é anencefálico.
Contudo, as leis penais não são aplicadas igualmente para todas as pessoas – raça e
classe social são fatores que impactam as chances de uma pessoa vir a ser proces-
sada e condenada criminalmente.
133
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
O fato de que essas mulheres nunca tiveram qualquer passagem pelo sistema penal
É científico!
e que o sistema de saúde é responsável por abrir essa porta é alarmante. Como
Conheça o relatório na
profissional em formação, você deve não apenas se abster de práticas como essa, integra “Entre a morte
moralmente condenáveis e ilegais, mas também contribuir para a conscientização e prisão: quem são as
mulheres criminalizadas
de colegas e, assim, para a humanização da atenção ao abortamento e pós-aborto. pela prática do aborto
no Rio de Janeiro”.
Criminalização
do abortamento Reproduz e aprofunda o estigma
social em torno do abortamento.
Encarcera pessoas.
134
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Fatores como classe social e raça devem, portanto, ser considerados centrais nas
políticas de enfrentamento do estigma e das barreiras de acesso impostas pela
criminalização do abortamento.
Mulheres jovens, negras, com baixa escolaridade e pobres não apenas são aque-
las que mais frequentemente recorrem a métodos inseguros, mas também estão
entre as mais investigadas e criminalizadas. Os serviços de saúde devem se mobili-
zar contra essa injustiça racial e social e fazer a sua parte.
Ponto de reflexão
O que você, como profissional da saúde, pode fazer diante desse quadro?
Já presenciou situações parecidas? Reflita sobre a sua prática profissional
nessa situação.
Uma das principais medidas a ser adotada por serviços e profissionais de saúde é o
oferecimento de cuidado e atenção, sem julgamento e sem denúncias.
135
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Aula 6. Violência obstétrica no
abortamento e no cuidado pós-aborto
Encerramento
Você chegou ao final da jornada!
Esperamos que este curso tenha contribuído para ampliar o seu conhecimento sobre
os diferentes aspectos dos direitos sexuais e reprodutivos, e especialmente sobre a
problemática do abortamento.
Você pôde conhecer um pouco sobre esse tema no mundo e se aprofundou no estudo
do caso brasileiro, porque, como profissional de saúde atuando no país, ocupa um lugar
estratégico para acolher pessoas em situação de abortamento de forma humana, digna
e respeitosa, fazendo assim do direito integral à saúde uma realidade.
Além disso, você também pôde compreender os efeitos danosos da legislação restritiva
ao abortamento, que, levando pessoas à realização de abortamento inseguro, contri-
bui para a morbimortalidade, aprofunda as desigualdades sociais e raciais, e criminali-
za, restringindo sua autonomia e dignidade.
Cabe a você, profissional de saúde, atuar de forma ética, comprometida com a efeti-
vação do serviço de abortamento previsto em lei e, essencialmente, orientada pelos
direitos humanos, de acordo com as melhores e mais recentes evidências científicas,
desencorajando métodos inseguros.
136
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
Referências
ABORTO é questão de saúde pública. Jornal da USP, São Paulo, 29 out. 2019.
Disponível em: https://jornal.usp.br/atualidades/aborto-e-questao-de-saude-pu-
blica/. Acesso em: 18 ago. 2021.
ASSIS, M. P.; LARREA, S. Why self-managed abortion is so much more than a provi-
sional solution for times of pandemic. Sex Reprod Health Matters. 2020. Disponí-
vel em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/26410397.2020.1779633.
Acesso em: 18 ago. 2021.
137
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
138
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
139
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
CALIMAN, B. Grávida morre após pagar R$ 800 por aborto clandestino no Sul do
ES. A Gazeta, Vitória, 3 jun. 2020. Disponível em: https://www.agazeta.com.br/
es/policia/gravida-morre-apos-pagar-r-800-por-aborto-clandestino-no-sul-do-
-es-0620. Acesso em: 21 ago. 2021.
140
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
https://www.scielo.br/j/csp/a/8vBCLC5xDY9yhTx5qHk5RrL/?lang=pt. Acesso
em: 18 ago. 2021.
CARTILHA idealizada pelo Coletivo Margarida Alves reúne informações para a luta
por justiça reprodutiva no Brasil. Coletivo Margarida Alves, 2 mar. 2020. Disponí-
vel em: https://coletivomargaridaalves.org/cartilha-idealizada-pelo-coletivo-mar-
garida-alves-reune-informacoes-para-a-luta-por-justica-reprodutiva-no-brasil/.
Acesso em: 18 ago. 2021.
CHANGING relationships in the health care context: the Uruguayan model for
reducing the risk and harm of unsafe abortions. Montevideo: Pan American Health
Organization, 2012. Disponível em: https://www.paho.org/en/documents/change-
health-relationships-uruguay-model-risk-and-harm-reduction-unsafe-abortions.
Acesso em: 21 ago. 2021.
CHU, J. et al. What is the best method for managing early miscarriage? BMJ 2020.
Disponível em: https://www.bmj.com/content/368/bmj.l6438. Acesso em: 18 ago.
2021.
141
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
DIEGO, Marcelo. Aborto mata 275 vezes mais onde é proibido. Folha de S. Paulo,
São Paulo, 14 mar. 1999. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/
mundo/ft14039911.htm. Acesso em: 21 ago. 2021.
DINIZ, D. et al. A verdade do estupro nos serviços de aborto legal no Brasil. Revista
Bioética, Brasília, v. 22, n. 2, p. 291-298, ago. 2014.
DINIZ, S. G. et al. Abuse and disrespect in childbirth care as a public health issue
in Brazil: origins, definitions, impacts on maternal health, and proposals for its
prevention. Jornal de revistas da USP, São Paulo, v. 25, n. 3, 2015. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/jhgd/article/view/106080. Acesso em: 18 ago.2021.
142
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
DINIZ, S.; D’OLIVEIRA, A. F. P. L.; LANSKY, S. Equity and women’s health servi-
ces for contraception, abortion and childbirth in Brazil. National Library of Medi-
cine, v. 20, n. 40, p. 94-101, 2012. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.
gov/23245414/. Acesso em: 18 ago. 2021.
EARLY Pregnancy Loss. The American Colleg off Obstetricians and Gynecologists.
2018. Disponível em: https://www.acog.org/clinical/clinical-guidance/practice-
-bulletin/articles/2018/11/early-pregnancy-loss. Acesso em: 18 ago. 2021.
FAÚNDES, A; RAO, K.; BRIOZZO, L. Right to protection from unsafe abortion and
postabortion care. International Journal of Gynecology & Obstetrics, v. 106, n.
2, p. 164-167, ago. 2009. Disponível em: https://obgyn.onlinelibrary.wiley.com/doi/
full/10.1016/j.ijgo.2009.03.032. Acesso em: 21 ago. 2021.
FAÚNDES et al. The closer you are, the better you understand: the reaction of
Brazilian obstetrician-gynaecologists to unwanted pregnancy. Taylor & Francis
143
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
FENG, W.; GU, B.; CAI, Y. The End of China’s One-Child Policy. Studies in Family
planning, v. 47, p. 83-86, mar. 2016. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/
doi/pdf/10.1111/j.1728-4465.2016.00052.x?casa_token=SXs2P3AuQIIAAAA-
A:vRMaNkgclCCqgh8Jk6byVy3GRMV0G2S1PaLaRWSICJk5biGEk0_apkE7v-
5ZilL2dQk_pdqV_h8fU. Acesso em: 18 ago.2021.
144
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
09 mar. 2023.
GITHENS, M. Reproductive rights and the struggle with change in Eastern Europe.
In: GITHENS, M.; STETSON D. M. Abortion politics: public policy in cross-cultural
perspective. New York: Routledge, 1996, p. 55–70.
145
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
KIM et al. Medical treatments for incomplete miscarriage. Cochrane Library, . 2017.
Disponível em: https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.
CD007223.pub4/full. Acesso em: 21 ago.2021.
LABANDERA, A.; GORGOROSO, M.; BRIOZZO, L. Implementation of the risk
and harm reduction strategy against unsafe abortion in Uruguay: from a universi-
ty hospital to the entire country. National Library of Medicine, v. 134, ago. 2016.
Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27577026/. Acesso em: 21 ago.
2021.
146
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
_________. Organização Mundial de Saúde. Safe abortion: technical and policy guid-
ance for health systems. Organização Mundial de Saúde, 2012. Disponível em:
http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70914/9789241548434_eng.
147
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
SINGH, S. et al. Abortion Worldwide 2017: uneven progress and unequal access.
Guttmacher Institute. 2017. Disponível em: https://www.guttmacher.org/sites/
default/files/report_pdf/abortion-worldwide-2017.pdf. Acesso em: 18 ago.2021.
148
Ampara. Acolhimento de pessoas em situação de abortamento e pós-aborto Referências
SUMMIT, A. K. et al. “Eu não quero ir a nenhum outro lugar”: experiências de aborto
em medicina familiar. Fam Med, v. 48, n. 1, p. 30-34, 2015. Disponível em: https://
www.stfm.org/FamilyMedicine/Vol48Issue1/Summit30. Acesso em: 21 ago. 2021.
THE SAFETY and Quality of Abortion Care in the United States. NCBI. 2018.
Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK507236/. Acesso em: 21
ago 2021.
TUDO sobre aborto legal no Brasil. Mapa do aborto legal. Disponível em:
https://mapaabortolegal.org/. Acesso em: 21 ago. 2021.
149