O parto é da mulher: Guia de preparação para um parto feliz
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Sobre este e-book
Cristina Balzano apresenta o essencial de seu conhecimento teórico e prático como obstetriz (formada pela USP), professora de yoga e fisioterapeuta no livro O parto é da mulher!. Nesta obra, fruto de uma longa experiência acumulada em mais de mil partos atendidos, a autora oferece aos leitores informação de qualidade, com base em evidências científicas. O conteúdo é ricamente ilustrado e traz orientações feitas de maneira didática e em linguagem acessível para tratar sobre a anatomia do parto, o papel fundamental dos hormônios, a preparação por meio da yoga, os tipos de parto, como elaborar o seu plano de parto, a presença decisiva da doula e como testar se o seu médico realmente vai respeitar as suas escolhas. A autora também conta com a colaboração de profissionais comprometidos com a humanização do parto, que assinam artigos sobre temas igualmente essenciais, tais como o papel do pai no parto, amamentação, hipnose no parto, homeopatia no parto e violência obstétrica. O livro ainda contempla as recomendações da Organização Mundial da Saúde para o parto normal e oferece uma lista com locais de encontros de gestantes e grupos de apoio em diversas regiões do país. O parto é da mulher! é um contraponto à realidade obstétrica do Brasil e visa fornecer à mulher as informações necessárias para que ela possa decidir qual é o parto que ela realmente deseja, tornando-se, assim, a grande protagonista desse momento.
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O parto é da mulher - Cristina Balzano
livro.
PREFÁCIO
Um novo modelo para o parto
"Todo ser humano é culpado do bem que não fez." Certamente a frase de Voltaire norteou a minha caminhada profissional desde os tempos de formação como médico na Faculdade de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes e de especialização como ginecologista e obstetra na Casa Maternal e da Infância Leonor Mendes de Barros. O sentimento de aprender e um dia poder repassar meus conhecimentos pelo bem de todos esteve sempre presente na minha vida acadêmica, tanto como aluno e residente quanto na defesa do mestrado na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Essa formação se transformou na grande missão que me acompanha no dia a dia, como médico, e na sala de aula em que leciono há trinta anos como professor assistente do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina.
Meu contato com a realidade obstétrica do Brasil começou logo cedo, quando eu fazia estágio, ainda como acadêmico de Medicina, em plantões na saudosa Associação Maternidade de São Paulo. Posso dizer que ao final do quarto ano de Medicina eu só não fazia
os partos (quase todos com episiotomia e com a utilização de fórceps). Ao final do quinto ano, logicamente sempre sob supervisão, eu já fazia operações cesarianas. Quando cheguei ao sexto e último ano da faculdade, em plantões tanto na Maternidade de São Paulo quanto na Santa Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes, eu já realizava esses tipos de cirurgia com uma certa desenvoltura. Durante a minha residência na Casa Maternal, pude aprimorar meus conhecimentos teóricos e práticos em Obstetrícia e Ginecologia. Pouco tempo depois, trabalhando em São Sebastião, me aproximei muito da Medicina Familiar, na qual atendia crianças, adultos, idosos e gestantes em postos de saúde. Intuitivamente eu já permitia que a criança, logo após o nascimento, ficasse no colo da mãe, algo não muito comum para aqueles tempos. Ao longo de todo esse período de formação nos bancos da universidade e no campo, havia algo que me incomodava cada vez mais: o grande número de intervenções cirúrgicas, ou seja, cesarianas, que éramos quase induzidos a realizar sem necessidade.
Ao voltar para São Paulo, fiz um estágio de cinco anos na disciplina de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina no Hospital São Paulo, quando ao final defendi o meu mestrado em Obstetrícia. Durante o meu fellowship na Alemanha, pude aprender técnicas pouco empregadas no Brasil, como a vácuo-extração (uma ventosa colocada na cabecinha do bebê para auxiliar na sua expulsão) e a versão cefálica externa (quando o bebê, ainda na barriga da mãe, está atravessado ou com o bumbum voltado para baixo, e virando-o com a cabeça voltada para baixo).
Com toda essa experiência teórica e prática, dotada de muitas técnicas revolucionárias para o nosso padrão obstétrico, retornei ao Brasil. Na bagagem, trouxe comigo uma inquietação quase paradoxal: o excesso de tecnologia, de certa forma, deixava a experiência do parto cada vez mais distante da humanização. Minha preocupação se acentuou diante da verdadeira epidemia de cesarianas, em geral desnecessárias, que infestava o Brasil.
Felizmente, uma resposta para lidar com as minhas inquietações não demorou a cruzar os meus caminhos. Meses após chegar às nossas terras, travei contato com um mundo que veio ao encontro da minha maneira de ser e deu eco às minhas inquietações sobre o excesso de tecnologia na Medicina: o movimento da humanização do parto. Conheci ativistas que defendiam a importância de a mulher ser a grande protagonista do nascimento, tendo direito a um atendimento diferenciado e com menos intervenções. O conceito de parto humanizado
, termo criado em 2001 pelo Ministério da Saúde e incentivado pelos órgãos públicos até hoje, logo me encantou. O grupo Amigas do Parto, formado por mulheres cheias de energia como Ana Cristina Duarte, então doula, assim como o entusiasmo de Cristina Balzano, também doula, fizeram com que eu me envolvesse cada vez mais com essa causa, que definitivamente se tornou minha missão de vida.
É verdade que desde o tempo da minha formatura já se falava na re-humanização da Medicina. Aliás, posso dizer que a Medicina sempre foi uma ciência humana. Podemos viajar até os tempos de Hipócrates, na Grécia Antiga, quando já se considerava o ser humano como o centro das preocupações. Seus grandes pensadores uniam a Medicina à Filosofia. Somente muitos séculos mais tarde, com o surgimento do microscópio, com o qual se viu o infinitamente pequeno
, é que a Medicina se voltou para a Biologia e deixou as humanas mais de lado. O médico transformou-se pouco a pouco em um tecnocrata, centrado em exames e procedimentos, ou seja, em cada vez mais tecnologia, esquecendo-se do lado emocional do paciente. Posso afirmar que a Medicina é uma ciência de humanas com conotações biológicas, e devemos, acima de tudo, seguir na luta pela sua re-humanização.
Essa preocupação com a medicalização do parto vem ganhando cada vez mais adeptos, tanto entre as autoridades da saúde como entre a imprensa. Trata-se de uma questão de conscientização. Não travamos uma batalha contra pessoas, mas sim contra ideias que ainda permeiam boa parte da nossa sociedade. Precisamos seguir praticando, divulgando e defendendo o modelo em que a mulher é a protagonista do parto, enquanto médico, obstetriz, enfermeira, doula e pediatra, entre outros, formam uma equipe coadjuvante desse momento tão especial.
Além desse foco crescente na mulher, temos que disseminar a Medicina Baseada em Evidências. Em um conceito ainda mais amplo, devemos falar em Saúde Baseada em Evidências, calcada em fatos comprovados por ensaios clínicos adequados, transparentes, legitimando determinadas condutas. É justamente a esse acompanhamento baseado em evidências científicas, fazendo da mulher o centro das atenções no nascimento, que chamamos de parto humanizado
.
No entanto, há ainda muita resistência, afinal o médico é muito arraigado às suas condutas. Ele acha que a intervenção por meio da cesariana é um caminho mais simples, pois foi o que sempre aprendeu e praticou. Por que então deveria mudar? Embora o número crescente de cesarianas seja um fenômeno mundial, a prática no Brasil é tão arraigada que somos hoje os vice-campeões nesse tipo de cirurgia. Segundo o Ministério da Saúde, em 2016, dos 3 milhões de partos feitos no Brasil, 55,5% foram cesáreas. Nas redes privadas, esse percentual atinge a incrível marca de 90%!
Nesse contexto marcado por pressões e muito desconhecimento, a mulher tem um só caminho a seguir: o da informação, que hoje está muito mais acessível a todos, mesmo às camadas sociais menos favorecidas.
Nesse contexto marcado por pressões e muito desconhecimento, a mulher tem um só caminho a seguir: o da informação, que hoje está muito mais acessível a todos, mesmo às camadas sociais menos favorecidas.
A mulher não pode deixar tudo para o médico decidir. Ela deve ter em mente que gestação, até que se prove o contrário, é normal. No caso de um quadro de apendicite, por exemplo, não há muito a se discutir, pois é inegavelmente uma situação emergencial. O parto, por sua vez, não o é: ele pode ser planejado com calma antes e durante a gravidez. Aqui aproveito para quebrar um paradigma muito importante: o pré-natal não deve ocorrer ao longo de nove meses, mas de, no mínimo, doze meses. Por isso, a mulher deve procurar um médico humanizado antes de engravidar. Hoje é muito fácil encontrar um profissional que entenda que a mulher é o centro do parto: basta colocar nos serviços de busca palavras-chave como parto humanizado
e atenção humanizada
. Em pesquisas como essa, além de médicos, obstetrizes, doulas e enfermeiras que seguem esse modelo, é possível encontrar cursos, palestras e os recomendadíssimos Grupos de Apoio. Nessas deliciosas rodas de conversa entre casais, mediadas por profissionais experientes, trocam-se saberes e são passadas orientações à luz da humanização. É um excelente ponto de partida para se decidir sobre o tipo de parto desejado.
Além de sites, portais, vlogs e blogs sobre humanização e empoderamento feminino, bons livros certamente vão contribuir para que a mulher descubra a sua força e a sua capacidade de parir naturalmente. O livro O parto é da mulher!
Dr. Jorge Kuhn
Ginecologista e obstetra da Casa Moara
Professor assistente do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
INTRODUÇÃO
A realidade obstétrica no Brasil
Ter um bebê no Brasil é bem mais complicado do que parece. O cenário da assistência é muito heterogêneo pelo país afora. Não existe uma uniformidade. Porém, alguns elementos podem ser agrupados para fins didáticos, de modo a formar o que seria o cenário da assistência ao parto no Brasil.
É fato que temos índices alarmantes de cesarianas, de mortes maternas e de mortes perinatais. É fato também que não temos profissionais em quantidade adequada para a população e muito menos com o treinamento necessário para a boa assistência. A estrutura da assistência tanto física quanto de recursos humanos é inadequada, ultrapassada, subdimensionada e superlotada. O pré-natal é falho e as mulheres não estão sendo bem orientadas.
Nesse quadro, o resultado de nossa assistência ao parto dificilmente será diferente enquanto não focarmos na atenção básica às mulheres.
Dois cenários, duas realidades
Temos dois setores diferentes de assistência à saúde no Brasil: o SUS e o setor privado (planos de saúde, seguros de saúde e particular). Cada um deles apresenta enormes falhas e desafios para as próximas décadas. Na atenção à gestante, o SUS, de modo geral, está subdimensionado e lotado. Também há pouco enfoque na humanização, de modo que muitas mulheres que procuram o SUS terão experiências violentas e, por vezes, traumatizantes em seus partos.
No setor privado o foco é o lucro, porque sem lucro a instituição e os profissionais não se sustentam. Pelo foco no lucro, os resultados são secundários. As mulheres são mais bem tratadas
de forma geral porque há uma preocupação com a satisfação do cliente, porém, por ser menos lucrativo, o parto normal deixa de ser interessante ao setor. O que resta à mulher que usa um plano de saúde, portanto, é a cesárea marcada.
A cirurgia cesariana, em muitas ocasiões, é a única opção para salvar as vidas da mãe e do bebê. Mas nem sempre essa cirurgia tem sido usada dessa forma. Não parece razoável imaginar que 90% das pacientes de um determinado hospital tenham problemas para dar à luz. Dentro desse quadro atual, a expectativa é que em qualquer fase do trabalho de parto e, preferencialmente, antes de ele começar, o obstetra convença a mulher a marcar a cirurgia. Nessa hora, a mulher deixa de ser uma parturiente para se tornar uma paciente cirúrgica. Os cuidados com a assepsia são redobrados. As complicações e os riscos são maiores por se tratar de uma cirurgia de grande porte.
Em suma, se a taxa de cesarianas no setor privado chega a 90%, as mulheres que usam o SUS sofrem com outras questões, como apontado anteriormente. Se formos descrever em poucas palavras quais são as opções para a maioria das brasileiras, a escolha é entre um parto normal cheio de intervenções no SUS ou uma cesárea marcada pelo plano de saúde. Claro que existem exceções, e falaremos delas em seguida.
O parto como evento médico
Ainda que as mulheres tenham acesso ao parto normal, nossa assistência é de modo geral bastante intervencionista. Por ser baseada no trabalho médico, pela falta de parteiras profissionais nos serviços, pela medicalização crescente de todos os setores da saúde e pelo uso liberal de medicamentos e procedimentos, uma mulher dificilmente vai sair de um parto sem ter sofrido uma série de intervenções sobre um processo que poderia ser totalmente natural.
É como se em algum momento nós não pudéssemos mais comer e digerir sem a ajuda de procedimentos, aparelhos e medicamentos. Todos os procedimentos podem ser úteis em situações específicas, mas nenhum deles aumenta a segurança do parto quando aplicado em todas as mulheres. Até porque todos eles têm efeitos colaterais possíveis. O aumento das contrações com hormônio sintético, a ruptura artificial da bolsa das águas, a episiotomia (corte da vagina quando o bebê está nascendo) e a restrição de posições para o parto acarretam possíveis prejuízos para a mãe ou para o bebê. Esses são só alguns dos exemplos, mas a lista de intervenções é infinita.
Não há limites para a falta de confiança no corpo das mulheres.
Qual o futuro?
Algumas ações precisam acontecer no Brasil para que nosso cenário de assistência ao parto melhore, a saber:
Verdadeira inserção das enfermeiras obstetras e obstetrizes na assistência ao parto (deixando de as considerar como simples ajudantes
);
Controle das taxas de cesariana pelo Estado e por agências governamentais, com prêmios para índices atingidos e punições para a falta de iniciativa para melhorias;
Educação das gestantes para o parto;