Guia Basico de Trauma Cranio Encefalico
Guia Basico de Trauma Cranio Encefalico
Guia Basico de Trauma Cranio Encefalico
Organizadores:
Ana Luiza de Oliveira Machado
Juliana Smidt
Mário Dornelas
Salma Sarkis Simão
2022
2022 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur
Editor Chefe:
Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas
Corpo Editorial:
Dr. Alaercio Aparecido de Oliveira (Faculdade
INSPIRAR, UNINTER, CEPROMEC e Força Aérea Brasileira) Dr. Guilherme Barroso Langoni de Freitas
Ana Karolina Santos Góes (Universidade Federal do Piauí - PI)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dra. Hanan Khaled Sleiman
Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues (Faculdade Guairacá - PR)
MSc. Aline de Oliveira Brandão (Universidade MSc. Juliane Cristina de Almeida Paganini
Federal de Minas Gerais - MG) (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
Dr. Durinézio José de Almeida MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira (Faculdade
Francisco Tiago dos Santos Silva Júnior Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
(Universidade Federal do Piauí - PI) MSc. Raul Sousa Andreza
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Renan Monteiro do Nascimento
Dr. Geison Eduardo Cambri MSc. Talita Cristina Moreira Moraes
MSc. Guilherme Augusto G. Martins (Centro Universitário Uniguairacá)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dra. Teresa Leal
3
CAPÍTULO 01 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 1
CAPÍTULO 02 ASPECTOS GERAIS DO TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO .............. 7
CAPÍTULO 03 ATENDIMENTO INICIAL DO PACIENTE COM TRAUMATISMO CRA-
NIOENCEFÁLICO ......................................................................................................................... 16
CAPÍTULO 04 CARACTERIZAÇÃO CLÍNICA DAS LESÕES NO TRAUMATISMO CRA-
NIOENCEFÁLICO ......................................................................................................................... 26
CAPÍTULO 05 AVALIAÇÃO E CONDUTA DO PACIENTE ................................................... 35
CAPÍTULO 06 PRINCIPAIS SEQUELAS DO TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO .... 49
CAPÍTULO 07 REABILITAÇÃO PÓS-TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO ................ 62
4
CAPÍTULO 01 INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 01
Marcelo de Araújo Lopes Júnior
Sarah Godoi de Carvalho
Paulo Henrique Takatsu de Oliveira
INTRODUÇÃO
Palavras-chave: Introdução; Lesão Encefálica Traumática; Lesões Primárias e Secundárias.
1
PALAVRAS-CHAVE: Introdução; Lesão Encefálica
Traumática; Lesões Primárias e Secundárias.
O Traumatismo Cranioencefálico (TCE) levam a alterações incapacitantes, que variam
consiste em uma lesão anatômica ou funcional de moderadas a graves, representando grande
do crânio, do encéfalo ou das meninges, cau- morbidade relacionada (THORNHILL, 2000;
sada por qualquer estímulo externo. A lesão VAN DER NAALT, 1999). Não obstante,
cerebral pode resultar de dois mecanismos: le- cerca de 10 a 20% são classificados como gra-
são primária, que corresponde ao dano causado ves, sendo que os casos leves apresentam bom
pelo impacto, como nos casos de contusões, le- prognóstico quando as complicações são rapi-
são axonal difusa (LAD), lacerações e frag- damente identificadas e tratadas
mentação óssea; e lesão secundária, que equi- (THORNHILL, 2000). Com relação aos casos
vale a injúrias causadas por edema, hematomas graves, 30% evoluem para o óbito quando a es-
intracranianos, hipóxia e isquemia por hiper- cala de coma de Glasgow (ECGla) confere va-
tensão intracraniana (HIC) ou choque. A ex- lor inferior a 13. Nos casos em que a ECGla é
tensão, o tipo e a gravidade das lesões vão de- abaixo de 8, a mortalidade pode ultrapassar
pender dos mecanismos físicos e da força de 50% após a reanimação, além de apresentarem
impacto de cada caso. Sendo assim, os TCEs desfechos piores a longo prazo, em que apro-
podem cursar com diferentes quadros clínicos, ximadamente 20% apenas conseguem boa re-
como concussão, deterioração tardia e edema cuperação (ANDRADE, 2015).
cerebral pós-traumático (BERTOLUCCI, A fisiopatologia do TCE pode ser discu-
2011; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015). tida em torno dos mecanismos de trauma e das
Segundo o Ministério da Saúde (2015), o alterações moleculares e morfológicas do en-
TCE é considerado um problema de saúde pú- céfalo (ANDRADE, 2015). O modelo clássico
blica e representa uma das causas mais fre- e mais frequente ainda hoje, para explicar as
quentes de morbimortalidade em todo o lesões encefálicas durante o trauma é a LAD.
mundo, gerando forte impacto social. No Bra- Trata-se de uma proposta de 1899, que relata
sil, ocorrem cerca de 500 mil hospitalizações lesões encefálicas difusas e, com o avanço de
por ano devido a traumatismos cranianos, 75 a estudos no tema, alterações macro e microscó-
100 mil evoluem para o óbito nas primeiras ho- picas também passaram a ser descritas, sobre-
ras, e 70 a 90 mil acabam perdendo alguma tudo no corpo caloso do quadrante dorsolateral
função neurológica de forma irreversível. Em da porção rostral do tronco cerebral — subs-
pacientes politraumatizados, configura-se na tância branca cerebral (MAXWELL, 1997).
principal etiologia de óbitos e sequelas, pos- Atualmente, o termo LAD não é o mais ade-
suindo maior prevalência em indivíduos entre quado, pois a lesão não é somente difusa, e sim
2 e 42 anos de idade, sobretudo jovens do sexo desigual, com áreas normais e outras acometi-
masculino. Entre os principais fatores que cor- das localmente, envolvendo neurônios de to-
roboram para o surgimento do TCE, estão os dos os locais do encéfalo. Dessa forma, o
acidentes mobilísticos, representando 50% dos termo lesão encefálica traumática (LET) seria
casos, e as quedas, figurando 21% (BERTO- mais ideal (MEYTHALER, 2001).
LUCCI, 2011; MINISTÉRIO DA SAÚDE, A LET gera mudanças morfológicas
2015). traumáticas nos neurônios, bem como mudan-
Ressalta-se que, 50% dos casos de TCE ças bioquímicas no encéfalo lesado. Ademais,
2
provoca alterações na homeostase iônica, o que de suporte, com a intenção de minimizar se-
acarreta em destruição direta ou indireta (en- quelas e identificar casos potencialmente fa-
trada de cálcio na célula) de neurônios. Essa tais. Ademais, é preciso rapidez e eficácia no
destruição leva à ruptura de organelas intrace- atendimento ao TCE na cena do acidente, para
lulares e à despolarização maciça da mem- garantir melhor prognóstico ao paciente. Deve-
brana neuronal, devido à perda da função mi- se seguir os passos preconizados pelo Advan-
tocondrial e à presença de ATP livre, o que al- ced Trauma Life Support (ATLS), que envol-
tera o funcionamento de bombas de sódio e po- vem controle do ambiente e delimitação de um
tássio. Em seguida, ocorre o influxo de cálcio perímetro seguro, garantir vias aéreas pérvias,
e a produção de radicais livres, induzindo a li- verificar se a respiração e o pulso estão presen-
beração de neurotransmissores e a degradação tes e preservados, além de avaliar a condição
da membrana celular de outros neurônios neurológica em que se encontra o paciente
(MAXWELL, 1977; ANDRADE, 2015). O (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015).
neurotransmissor mais estudado é o glutamato Em âmbito hospitalar, o atendimento ao
que ativa os receptores NMDA alterando o TCE é baseado nas linhas gerais mencionadas
fluxo de cálcio para dentro da célula, iniciando no Projeto Diretrizes, elaborado pela Socie-
um ciclo vicioso e levando à apoptose dade Brasileira de Neurocirurgia com a Asso-
(MAXWELL, 1977; ANDRADE, 2015). ciação Médica Brasileira e o Conselho Federal
As lesões cerebrais secundárias são de Medicina. Primeiramente, deve ser reali-
aquelas que não ocorrem no momento do zada avaliação primária, levando em conside-
trauma, mas sim em decorrência da interação ração sinais vitais e os mecanismos de trauma
de fatores intra e extracerebrais, levando à que acarretaram no traumatismo cranioencefá-
morte de células que não foram afetadas no lico. Em seguida, faz-se a avaliação secundá-
momento exato do acidente, mas que sofrem ria, sendo mais criteriosa e pormenorizada,
consequências posteriores. É o caso dos hema- com coleta de história clínica e avaliação neu-
tomas e dos edemas intracerebrais, por exem- rológica com estratificação de risco a partir da
plo, que podem causar aumento da pressão in- Escala de Coma de Glasgow em leve mode-
tracraniana, com consequente aumento da área rado e grave (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
lesada pelo TCE. Outra causa de lesão cerebral 2015).
secundária é em decorrência do choque hipo- A avaliação radiológica também é im-
volêmico, frequentemente observado em paci- portante para a definição da melhor conduta te-
entes politraumatizados, que limita o fluxo rapêutica a ser adotada, sendo o principal mé-
sanguíneo cerebral causando áreas de necrose. todo de imagem a tomografia computadorizada
Essas lesões secundárias podem ser causa de (TC) de crânio sem contraste. Quando compa-
sequelas pós-operatórias, perda de função cog- rada à ressonância magnética - apesar de não
nitiva e até mesmo morte cerebral (MINISTÉ- evidenciar tamanha clareza de caracterização
RIO DA SAÚDE, 2015) de tecidos - a TC de crânio é capaz de identifi-
Na fase aguda do trauma, o cuidado deve car grande parte das lesões causadas pelo TCE
ser orientado pela estratificação de gravidade e apresenta maior rapidez e menor custo de
do TCE e viabilização de transporte e medidas execução (BERTOLUCCI, 2011). Com a to-
3
mografia de crânio, também é possível separar de função cognitiva como o mini exame do es-
as lesões do TCE em: lesões do envoltório cra- tado mental (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
niano (escalpo e fraturas cranianas); lesões fo- 2015).
cais (contusões e hematomas cerebrais); e le- Os sintomas mais frequentemente en-
sões difusas (lesão axonal difusa, concussão e contrados em pacientes em reabilitação de
hemorragia meníngea traumática) (MINISTÉ- traumatismo cranioencefálico são: vertigem,
RIO DA SAÚDE, 2015). fadiga e sonolência do primeiro ao terceiro
A partir dessa avaliação geral do paci- mês; e sonolência, fadiga e dificuldade de con-
ente, pode-se definir a melhor conduta terapêu- centração do sexto ao décimo segundo mês. A
tica para cada caso isolado, a fim de minimizar irritabilidade e os transtornos de humor tam-
sequelas pós-traumáticas. Os TCEs leve bém são frequentes e podem influenciar o
(ECGla de 13 a 15) são mais frequentemente prognóstico do paciente (VAN DER NAALT,
resolvidos com conduta clínica e expec- 1999).
tante/ambulatorial e geram sequelas com me- O processo de reabilitação pós TCE, por
nos frequência, ao passo que os traumatismos sua vez, objetiva a capacitação e o alcance do
cranioencefálicos classificados como modera- máximo potencial de habilidades físicas, sen-
dos (ECGla de 9 a 12) ou graves (ECGla < 8) soriais, intelectuais, psicológicas e de funcio-
mais comumente necessitam de abordagens ci- namento social. Trata-se de um processo
rúrgicas, intubação orotraqueal e internações, longo, dividido, tradicionalmente, em três fa-
gerando sequelas pós-traumáticas com mais ses (aguda, subaguda e ambulatorial), com en-
frequência (MINISTÉRIO DA SAÚDE, foque no tratamento biopsicossocial e não ape-
2015). nas na remissão dos sintomas físicos e na esta-
As alterações comportamentais e cogni- bilização do paciente. Por isso, além de tratar
tivas, assim como as limitações físicas, que po- o paciente, o plano de reabilitação deve levar
dem decorrer do TCE, são diversas e muito va- em consideração a estrutura de apoio do paci-
riadas, designando prognósticos de reabilita- ente (familiares e amigos) preconizando a ca-
ção específicos a cada caso. Por conseguinte, pacitação de possíveis cuidadores e do empo-
torna-se importante uma avaliação adequada deramento familiar (MINISTÉRIO DA SA-
das condições neurológicas e do quadro clínico ÚDE, 2015).
geral do paciente, para que se adote o melhor Nesse sentido, faz-se importante a estru-
programa de reabilitação para cada caso, de turação de linhas de prevenção, diretrizes de
acordo com a gravidade e as características das manejo e de atenção ao traumatismo cranioen-
lesões. A avaliação deve ser interdisciplinar, cefálico, em todos níveis de atenção em saúde.
levando em consideração não apenas os défi- Deve-se adotar estratégias em centros hospita-
cits cognitivos e motores, que podem ser de- lares como: qualificação de pessoal para aten-
correntes do TCE, mas também as característi- dimento rápido e eficiente de pacientes com
cas físicas e sociais do paciente, os possíveis TCE; estratificação do risco de queda de todos
sintomas psiquiátricos, os fatores psicológicos os pacientes internados; e a instalação de ba-
e as variáveis psicossociais envolvidas. São nheiros acessíveis para prevenção do TCE.
ferramentas muito utilizadas: a Escala de Glas- Ademais, as Unidades Básicas de Saúde de-
gow, já mencionada anteriormente, e os testes vem atuar educando a população de sua área de
4
abrangência quanto ao risco de quedas e dos gãos do governo identificando rodovias peri-
acidentes automobilísticos e como evitá-los e, gosas dentro de seu território de atuação (MI-
ainda, atuar de forma conjunta aos outros ór- NISTÉRIO DA SAÚDE, 2015).
5
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, A.F, de et al. Neurotraumatologia. Rio de ves of physical medicine and rehabilitation, v. 82, n. 10,
Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. 396 p. p. 1461-1471, 2001.
BERTOLUCCI, P.H.F. et al. Guia de neurologia. In: VAN DER NAALT, J. et al. One year outcome in mild
Guia de neurologia. 2011. p. 1140-1140. to moderate head injury: the predictive value of acute
injury characteristics related to complaints and return to
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de work. Journal of Neurology, Neurosurgery &
Atenção à Saúde, Departamento de Ações Psychiatry, v. 66, n. 2, p. 207-213, 1999.
Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à
reabilitação da pessoa com traumatismo THORNHILL, S. et al. Disability in young people and
cranioencefálico. Brasília, 2015. adults one year after head injury: prospective cohort
study. Bmj, v. 320, n. 7250, p. 1631-1635, 2000.
MAXWELL, W.L. et al. A mechanistic analysis of
nondisruptive axonal injury: a review. Journal of YATES, P.J. et al. An epidemiological study of head
neurotrauma, v. 14, n. 7, p. 419-440, 1997. injuries in a UK population attending an emergency
department. Journal of Neurology, Neurosurgery &
MEYTHALER, J.M. et al. Current concepts: diffuse Psychiatry, v. 77, n. 5, p. 699-701, 2006.
axonal injury–associated traumatic brain injury. Archi-
6
CAPÍTULO 02 ASPECTOS GERAIS DO TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO
CAPÍTULO 02
Anna Karolina de Castro Fernandes
Bruna Arese Camara Silva Neto
Sâmia Daiene de Melo Lins
ASPECTOS GERAIS DO
Sabrina da Cunha Cavalcanti de Almeida
Victória Piantino.
TRAUMATISMO
Palavras-chave: Epidemiologia do TCE; Fisiopatologia; Classificação.
CRANIOENCEFÁLICO
7
PALAVRAS-CHAVE: Epidemiologia do TCE; Fisiopatologia;
Classificação.
DEFINIÇÃO TOS, 2020), com incidência elevada de morta-
lidade entre indivíduos do sexo masculino, ido-
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é
sos e crianças. Os acidentes automobilísticos,
um importante problema de saúde pública,
as perfurações por arma de fogo (PAF), as per-
uma vez que se configura como o maior causa-
furações por arma branca (PAB) e as quedas
dor de morbimortalidade dentre as lesões deri-
lideram o ranking de causas de TCE (AN-
vadas de acidentes traumáticos (GHAJAR,
DRADE et al., 2009; SILVA et al., 2018).
2000).
Indivíduos jovens são os que mais geram
É definido como qualquer agressão cere-
custos decorrentes de TCE, visto que a maioria
bral de ordem traumática, podendo essa ser
de suas lesões é grave, estando relacionadas
desde colisões de baixa energia à lesões perfu-
com o consumo exagerado de substâncias psi-
rocortantes e acidentes de alta energia, o que
coativas, como álcool e drogas, que podem
resulta em um comprometimento funcional,
predispor a comportamentos mais imprudentes
como alterações no estado de consciência e
e de risco. Entretanto, indivíduos idosos per-
comprometimento de habilidades cognitivas,
manecem internados por mais tempo, visto que
além de lesões no couro cabeludo, crânio, en-
apresentam uma recuperação mais lenta, de-
céfalo e em vasos cerebrais (GEORGES et al.,
vido às alterações próprias da fisiologia do en-
2021; SANTOS, 2020). O traumatismo ocorre
velhecimento. Uma das principais causas do
de forma brusca e traz consequências que per-
TCE nessa faixa etária é a queda da própria al-
duram por longo tempo, refletindo na socie-
tura pela perda total do equilíbrio postural, nor-
dade e na vida dos pacientes e familiares
malmente relacionada a episódios de síncope,
(NETO et al., 2016).
incoordenação motora ou hipotensão ortostá-
É referido na literatura mundial como
tica. Assim, idosos possuem prognósticos mais
uma “epidemia silenciosa”, uma vez que se
complicados em comparação aos indivíduos
trata de uma doença em que os efeitos socioe-
mais jovens. Contudo, a evolução do paciente
conômicos de sua elevada mortalidade e mor-
vai depender de inúmeros fatores, não apenas
bidade não são imediatamente percebidos
da idade, como: gravidade do trauma, tipo de
(RUNASK, 2013). Por esse motivo, estudos
lesão, doenças pré-existentes, tempo de atendi-
epidemiológicos são de extrema relevância
mento pós-trauma, dentre outros fatores asso-
para o levantamento de dados, os quais possam
ciados (NETO et al., 2016; RODRIGUES et
embasar políticas públicas para a conscientiza-
al., 2018).
ção de comportamentos de risco, causas e con-
Anualmente, nos Estados Unidos, são re-
sequências do TCE (PEETERS et al., 2015).
gistrados 500 mil novos casos de TCE. Destes,
aproximadamente 10% chegam a óbito antes
EPIDEMIOLOGIA DO TRAUMATISMO
do atendimento hospitalar. Dentre os que che-
CRANIOENCEFÁLICO
gam ao hospital, 3% a 4% vão a óbito após o
O TCE é um dos maiores problemas de atendimento e 10% evoluem com sequelas
saúde e socioeconômico do mundo, sendo a neurológicas de gravidade variada (DEWAN
principal causa de morte e sequelas em pacien- et al., 2018).
tes jovens adultos entre 18 e 45 anos (SAN- No Brasil, só na Bahia, que é considera-
8
da uma região com um alto índice de TCE, et al., 2019).
entre os anos de 2008 e 2017, foram registradas No país inteiro, entre os anos de 2010 a
no sistema de informações do DATASUS, 2019, foram registrados 1.045.70 casos de
64.134 internações em decorrência de TCE, le- TCE entre homens e mulheres, de todas as fai-
vando 8,7% dos hospitalizados a óbito. Assim, xas etárias, com uma taxa de mortalidade de
foi gerado um custo anual de aproximada- 19,85% entre idosos com 80 anos ou mais,
mente 65 milhões de reais em serviços hospi- muito em decorrência dos próprios processos
talares, devendo esse alto índice ser encarado fisiológicos advindos do avanço da idade (Ta-
como um problema de saúde pública (SILVA belas 2.1 e 2.2) (SANTOS, 2020).
9
Tabela 2.2 Taxa de Mortalidade por Traumatismo Craniano
10
o cisalhamento que ocorre por traumas que en- vias anaeróbicas, aumentando a liberação de
volvem movimentos de rotação, fazendo com glutamato e radicais livres (GOLDMAN,
que as estruturas neurovasculares se torçam e 2018; RODRIGUES et al., 2018).
ocorra estiramento axonal difuso, atingindo os No local do acidente, hipotensão arterial,
feixes de fibras mielínicas da substância hipercarbia, hipoglicemia, hipóxia anêmica
branca. Por último, as lesões penetrantes, na (também conhecido como choque hipovolê-
qual ocorre lacerações das estruturas neurais e mico), hipóxia respiratória e distúrbios hidroe-
vasculares do encéfalo (GOLDMAN, 2018; letrolíticos são as principais intercorrências clí-
RODRIGUES et al., 2018; ANDRADE et al., nicas que acarretam em lesões secundárias.
2010). Posteriormente, a presença de outros distúrbios
Nos casos de estiramento de axônios, sistêmicos e metabólicos, além dos mecanis-
ocorre lesão axonal difusa (LAD). Essa lesão mos de necrose e morte celular, neuronal e
ocorre em cerca de 8% dos pacientes com TCE glial estão relacionados à presença de lesões
grave e caracteriza um indivíduo que perde a secundárias (ANDRADE et al., 2010).
consciência e fica em coma acima de 6 horas Após o acometimento direto aos axônios
por TCE, normalmente com duração até 24 h, cerebrais, seja ele primário ou secundário, ini-
não secundário à lesão isquêmica ou expan- cia-se uma cascata de eventos bioquímicos, os
siva. Essa lesão pode ser leve, moderada ou quais deflagram ainda mais a morte celular,
grave, podendo o paciente evoluir com déficits podendo ocorrer tanto por necrose quanto por
neurológicos ou psicológicos (ANDRADE et apoptose celular. Com a lesão direta das célu-
al., 2010). las neuronais, há comprometimento das orga-
nelas, entre elas a mitocôndria, a qual perde
Lesões secundárias sua função, gerando depleção do ATP intrace-
lular e comprometimento da função de bombas
As lesões secundárias são aquelas decor-
iônicas de membrana, o que leva a uma despo-
rentes após o trauma, por diversos mecanismos
larização da membrana neuronal nos axônios.
neuropatológicos diretos e indiretos, os quais,
Essa despolarização maciça propicia o influxo
em conjunto, levam à piora do prognóstico do
de cálcio e produção de radicais livres, e esses
paciente, afetando a função das células neuro-
estimulam a liberação de neurotransmissores
lógicas antes saudáveis. Essas lesões iniciam-
livres, sendo o principal deles o glutamato, e a
se imediatamente após o TCE e podem perdu-
degradação dos lipídios que constituem a
rar durante um período prolongado, definindo
membrana celular (MAXWELL et al., 1997)
a maior parte do comprometimento neuroló-
O excesso do glutamato então ativa os
gico. Essas alterações agravam as lesões inici-
receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), res-
ais e provocam edema, formado pela ruptura
ponsáveis pelo aumento ainda maior do in-
da barreira hematoencefálica, gerando uma is-
fluxo de cálcio, gerando um ciclo que provoca
quemia tecidual. O aporte de oxigênio cerebral
a apoptose, sendo essa a morte programada das
é afetado por diversos fatores gerados pelo
trauma, entre eles hipovolemia e distúrbios de células neuronais derivada do estresse oxida-
tivo, por lesão do DNA ou pela ação da libera-
microvascularização, os quais dificultam as
ção de glutamato. A necrose, por sua vez, é o
trocas gasosas entre as hemácias. Essa dimi-
mecanismo de morte celular protagonista no
nuição da oferta de oxigênio cerebral ativa as
11
TCE, no qual existe uma falência energética e reparação tecidual devido aos mecanismos de
a célula se torna incapaz de manter sua ho- neuroplasticidade, etapa que poderá perdurar
meostase. Ela é fomentada pelo processo de durante toda a vida do indivíduo (FONTES et
excitotoxicidade decorrente da liberação extra- al., 2015).
celular exacerbada do glutamato associada à
lesão mecânica direta aos axônios neuronais, CLASSIFICAÇÃO DO TRAUMATISMO
ocasionando a despolarização de suas membra- CRANIOENCEFÁLICO
nas. Devido à hipóxia, ocorre a liberação de
Para a classificação de gravidade do TCE
Óxido Nítrico e radicais livres, responsáveis
utiliza-se uma escala chamada Escala de Coma
tanto pelo estresse oxidativo, quanto pela va-
de Glasgow (ECG) que é aceita e usada pelos
sodilatação das arteríolas cerebrais, aumen-
profissionais de saúde.
tando a permeabilidade de membrana cerebral
A 10ª edição do programa Suporte de
e gerando edema citotóxico. (ANDRADE et
Vida Avançado ao Trauma (ATLS) (2018)
al., 2009).
trouxe a nova mudança da ECG alterando a no-
A degradação dos axônios é derivada da
menclatura “ao estímulo de dor” por “ao estí-
ativação de lipases intracelulares e faz parte da
mulo de pressão”. Além desta mudança, foi
fase final da lesão secundária, na qual há de-
acrescentado o item resposta pupilar (ECG-P),
gradação dos lipídios de membrana e a ativa-
como mostra a Tabela 2.3.
ção do processo inflamatório. Por fim, ocorre
12
Tabela 2.3 Escala de Coma de Glasgow
14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, A.F. et al. Diagnóstico e conduta no mo cranioencefálico no Brasil. Revista Brasileira de
paciente com traumatismo cranioencefálico leve. Neurologia, v. 53, n. 2, p. 15-22, 2017.
Projeto Diretrizes AMB/CFM, 2001.
MAXWELL, W.L. et al. A mechanistic analysis of
ANDRADE, A F. et al. Lesões difusas no traumatismo nondisruptive axonal injury: a review. J Neurotrauma, v.
cranioencefálico: aspectos clínicos, fisiopatologia e 14, n. 7, p. 419-40, 1997.
classificação. Perspectivas Médicas, v. 21, n. 1, p. 32-
37, 2010. MORGADO, F.L. & ROSSI, L. A. Correlação entre a
escala de coma de Glasgow e os achados de imagem de
ANDRADE, A.F. et al. Mecanismos de lesão cerebral tomografia computadorizada em pacientes vítimas de
no traumatismo cranioencefálico. Revista da Associação traumatismo cranioencefálico. Radiologia Brasileira, v.
Médica Brasileira, v. 55, n. 1, p. 75-81, 2009. 44, n. 1, 2011.
AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS NETO, C.D. et al. Epidemiologia do traumatismo
COMMITTEE ON TRAUMA. Advanced Trauma Life cranioencefálico no Brasil. Temas em Saúde (Anais do
Support – ATLS. 10 ed., 2018. I Congresso Nacional de Especialidades em
Fisioterapia), p. 386-403, 2016.
DASH, H.H. & CHAVALI, S. Management of
traumatic brain injury patients. Korean Journal of PEETERS, W. et al. Epidemiology of traumatic brain
Anesthesiology, v. 71, n. 1, p. 12-21, 2018. injury in Europe. Acta Neurochirurgica, v. 157, n. 10, p.
1683–1696, 2015.
DEWAN, M.C. et al. Estimating the global incidence of
traumatic brain injury. Journal of Neurosurgery, v. 130, RODRIGUES, M.S. et al. Epidemiologia de
n. 4, p. 1080-1097, 2018. traumatismo cranioencefálico em um hospital. Revista
da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, v. 16, n. 1,
FONTES, R.B. et al. Fisiopatologia do Traumatismo p. 21-24, 2018.
Cranioencefálico. Neurotraumatologia. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2015. Cap. 4. p. 20-22. RODRIGUES, T.P. et al. Bases fisiopatológicas do
traumatismo crânio-encefálico e insuficiência
GAUDÊNCIO, T.G. & LEÃO, G.M.A Epidemiologia hipofisária pós-traumática. Biosaúde, v. 10, n. 2, p. 129-
do Traumatismo Crânio-Encefálico: Um Levantamento 146, 2008.
Bibliográfico no Brasil. Revista Neurociências, v. 21, n.
3, p. 427-434, 2013. RUSNAK, M. Traumatic brain injury: Giving voice to a
silent epidemic. Nature Reviews Neurology, v. 9, n. 4,
GERHARDT, S. et al. Trauma cranioencefálico. Acta p. 186–187, 2013.
médica (Porto Alegre), v. 37, n. 5, 2016.
SANTOS, J.C. Traumatismo cranioencefálico no Brasil:
GENTILE, J. K. et al. Condutas no paciente com trauma análise epidemiológica. Revista Científica da Escola
cranioencefálico. Revista da Sociedade Brasileira de Estadual de Saúde Pública de Goiás "Candido
Clínica Médica, v. 9, n. 1, p. 74-82, 2011. Santiago", v. 6, n. 3, 2020.
GEORGES, A.; DAS, J.M. Traumatic Brain Injury. SILVA, D.S. et al. Morbimortalidade hospitalar por
StatPearls Publishing, 2021. traumatismo cranioencefálico na Bahia entre 2008 a
GHAJAR, J. Traumatic brain injury. The Lancet, v. 356, 2017. Enfermagem Brasil, v. 18, n. 5, 2019.
n. 9233, p. 923-929, 2000. SILVA, L.O. et al. Análise das características de
GOLDMAN, L. Goldman-Cecil Medicina, v. 1, 25. ed. indivíduos com sequelas de traumatismo
Rio de Janeiro: Elsevier, 2018. cranioencefálico (TCE) em um centro de referência em
reabilitação (características de TCE). Revista Brasileira
MAGALHÃES, A.L. et al. Epidemiologia do traumatis- de Neurologia, v. 54, n. 2, p. 28-33, 2018.
15
CAPÍTULO 03 ATENDIMENTO
CAPÍTULO 03
INICIAL DO PACIENTE COM
TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO
ATENDIMENTO INICIAL DO
Hospitalar; ABCDE do trauma; Coma.
16
PALAVRAS-CHAVE: Atendimento Pré Hospitalar; ABCDE do
trauma; Coma.
ATENDIMENTO PRÉ-HOSPITALAR SISTEMATIZAÇÃO DO ATENDI-
MENTO
O tempo é algo primordial no que diz
respeito ao atendimento do paciente vítima de Primeiramente, deve ser feita uma im-
trauma e, portanto, a sistematização do atendi- pressão geral do paciente, detectando rapida-
mento pré-hospitalar (APH) torna-se funda- mente problemas de oxigenação, hemorragias,
mental (SILVA et al., 2019). Pacientes de grandes deformidades, nível de consciência e
trauma possuem um período de ouro, o inter- presença de movimentação espontânea. Nesse
valo de tempo após o incidente em que apre- momento, deve ser realizada a identificação do
sentam maiores chances de sobrevivência, emergencista para a vítima e iniciado o atendi-
sendo necessário um APH organizado e efici- mento inicial, seguindo o ABCDE do Advan-
ente para viabilizar o atendimento avançado ced Trauma Life Support (ABIB & PER-
dentro desse período de tempo, em geral, em FEITO, 2012).
torno de 1 hora (ANDRADE et al., 2015). O mnemônico é utilizado para determi-
Esse atendimento médico inicial tem nar as lesões de risco iminente de morte e se
como objetivo principal assegurar uma boa refere a: A (airways) - vias aéreas e controle da
oxigenação cerebral e estabilidade hemodinâ- coluna cervical; B (breathing) - respiração e
mica, visando reduzir de maneira significativa ventilação; C (circulation) - circulação e con-
a mortalidade das vítimas de trauma cranioen- trole de hemorragias; D (disability) - avaliação
cefálico (TCE) e seus danos cerebrais secundá- neurológica; e E (exposure) - exposição e con-
rios, decorrentes principalmente de hipóxia, hi- trole da temperatura (RODRIGUES et al.,
potermia e hipotensão (GAGLIARDI & TA- 2017).
KAYANAGUI, 2019). Após esse atendimento, é importante que
seja feita a comunicação com o hospital de des-
LOCAL DO ACIDENTE E SEGURANÇA tino, para que a equipe hospitalar se prepare e
DA CENA esteja disponível e pronta para o atendimento
avançado do paciente quando este chegar ao
O atendimento pré-hospitalar é realizado
local. Caso seja possível, deve ser realizada
em um ambiente possivelmente inseguro e cuja
uma avaliação secundária, seguida de trata-
realidade pode ser alterada. É frequente que
mento e imobilização para que a vítima seja
acidentes secundários ocorram no local, sendo
transportada com monitorização para o hospi-
necessária a constatação da segurança do aten-
tal (ABIB & PERFEITO, 2012).
dimento nessa cena.
Dessa forma, são preconizados os se-
VIAS AÉREAS E VENTILAÇÃO
guintes procedimentos: avaliação preliminar
dos perigos da cena e necessidade de suporte; Nas vítimas de TCE, o controle das vias
sinalização e isolamento do local; acionamento respiratórias torna-se ainda mais importante
dos meios para o atendimento; segurança da quando comparado a outros tipos de trauma.
cena e da equipe; acesso à vítima; e por fim, o Isso se deve à piora da lesão cerebral primária
atendimento pré-hospitalar (ABIB & PER- ocasionada por oxigenação ou ventilação ina-
FEITO, 2012). dequadas. Sendo assim, objetiva-se assegurar
17
uma via respiratória definitiva rapidamente. A craniana e edema cerebral, a manutenção da
hipoxemia, registrada por cianose, apneia ou PA sistólica > 90 mmHg deve ser prioridade
saturação de oxigênio inferior a 90%, deve ser nesses pacientes (ANDRADE et al., 2015).
evitada ou imediatamente corrigida (AN-
DRADE et al., 2015). Nessa etapa, é funda-
mental também a estabilização da coluna cer- AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA
vical, haja vista uma possível associação com
A avaliação neurológica é extremamente
trauma raquimedular.
importante para poder definir a conduta a ser
A manutenção das vias aéreas deve ser
tomada. A escala de coma de Glasgow
iniciada pela desobstrução destas, sendo obser-
(ECGla) é prática, rápida e consegue determi-
vada a presença de corpo estranho, como san-
nar de forma segura o nível de gravidade de um
gue, e complementada pelo deslocamento an-
TCE. Além disso, a ECGla facilita a comuni-
terior da mandíbula. A intubação deve ser rea-
cação de informações essenciais do paciente
lizada em pacientes com rebaixamento do ní-
entre prestadores de socorro. O uso de avalia-
vel de consciência associada à dificuldade res-
ções seriadas com o ECGla auxilia o médico a
piratória, e em todos que tiverem pontuação
analisar a evolução do paciente como a respon-
igual ou inferior a 8 na Escala de Coma de
sividade a terapêuticas implementadas. Uma
Glasgow (TCE grave). A intubação orotra-
maneira eficiente de se avaliar isso é o exame
queal é a indicada em pacientes inconscientes,
pupilar, no qual examina-se o tamanho e reati-
enquanto nos pacientes com pouca alteração
vidade à luz, e constatando-se ausência de rea-
no nível de consciência pode ser realizada a in-
ção a luz e uma pupila dilatada indica hernia-
tubação nasotraqueal, sendo evitada a máscara
ção encefálica. (DE ALMEIDA GENTILE et
laríngea em vítimas de TCE (GAGLIARDI &
al., 2011)
TAKAYANAGUI, 2019).
REAQUECIMENTO DA VÍTIMA
CIRCULAÇÃO
A temperatura corporal inferior a 35ºC é
A reanimação com fluidos é indicada em considerada uma hipotermia, e indica prognós-
vítimas de TCE para que a hipotensão seja evi- ticos piores em vítimas de TCE. Pode ser mul-
tada ou reduzida, visando manter a pressão de tifatorial, sendo causada pela exposição da ví-
perfusão cerebral adequada e limitar lesões ce- tima no local do trauma, disfunção do centro
rebrais secundárias. Nesse ambiente, a fre- de regulação térmica autógena por dano ence-
quência cardíaca e a pressão arterial (PA) são fálico, vasoconstrição periférica ou choque he-
os únicos parâmetros disponíveis para análise morrágico. E suas consequências envolvem hi-
hemodinâmica do paciente, devendo ser moni- poperfusão tecidual e danos neurológicos.
toradas. Portanto, medidas como evitar a exposi-
Os fluidos utilizados são o soro fisioló- ção corpórea além do necessário, cobrir o pa-
gico e o Ringer lactato em grande quantidade, ciente politraumatizado após sua avaliação e
com infusão inicial rápida de 2 l em adultos. evitar a infusão de soluções resfriadas, podem
Apesar do risco de aumento da pressão intra- ser estratégicas para impedir a queda da tempe-
18
ratura corporal da vítima. Além disso, podem de alerta comportamental que o indivíduo
ser realizadas infusões de soluções aquecidas apresenta (NITRINI et al., 2015).
para pacientes com TCE grave, como forma de A desorientação no tempo e espaço é o
reaquecimento de pacientes com hipotermia primeiro estágio de alteração da consciência,
acidental (GAGLIARDI & TAKAYANAGUI, podendo ser sucedido pela letargia, estupor e o
2019). coma. A sonolência ou letargia se caracteriza
por um estado de diminuição do nível de cons-
HIPERVENTILAÇÃO ciência em que o paciente consegue ser acor-
dado com estímulos brandos. Já o estupor é um
Pacientes que sofreram um TCE grave
estado de sonolência mais profunda em que o
podem se beneficiar da terapia de hiperventila-
indivíduo necessita de estímulos mais intensos
ção quando há sinais clínicos de herniação ce-
para despertar. Por fim, o coma pode ser defi-
rebral. Quando o paciente apresenta postura
nido como um estado de perda da percepção de
extensora, midríase, anisocoria e arreatividade
si mesmo e do ambiente, mesmo após diversos
à luz, ou deterioração neurológica progressiva,
estímulos físicos e sonoros. A evolução das al-
a hiperventilação é tratamento de 1ª linha. A
terações pode ocorrer em questão de minutos
hipocapnia, definida por valores de pressão
ou horas (ANDRADE et al., 2007).
parcial de CO2 (PaCO2) menores que 35
Lesões nas estruturas capazes de manter
mmHg, estimula a vasoconstrição cerebral,
o indivíduo alerta, como a região pontomesen-
consequentemente diminuindo a pressão intra-
cefálica e o diencéfalo (tálamo e hipotálamo)
craniana (PIC), a qual muitas vezes se encontra
podem levar às alterações do nível de consci-
elevada no TCE. Para poder induzir um quadro
ência ou até ao coma. Na maior parte das ve-
de hipocapnia, são necessárias 20 incursões
zes, a perda da consciência está relacionada à
respiratórias por minuto no adulto e 30 na cri-
redução do fluxo sanguíneo cerebral ou do me-
ança.
tabolismo. Quadros de hipóxia, hipoglicemia,
É necessário cuidado, pois a hiperventi-
acidose, alcalose, hipopotassemia, hipercalce-
lação pode iniciar um quadro de isquemia ce-
mia e intoxicação por drogas são as principais
rebral, causado pela vasoconstrição e conse-
causas de interferência direta no metabolismo
quente diminuição do fluxo sanguíneo cere-
das células neuronais.
bral. Por isso é necessário avaliação criteriosa
Lesões que causam efeito de massa como
para diagnosticar herniação cerebral (OLIVE-
abscessos, tumores e hematomas levam à alte-
RIA-ABREU & ALMEIDA, 2009).
ração do nível de consciência por distorção das
estruturas cerebrais profundas. Algumas lesões
AVALIAÇÃO DO PACIENTE EM COMA
também podem comprimir secundariamente o
Alterações da consciência tronco cerebral (ANDRADE et al., 2007).
As alterações do nível de consciência do
indivíduo podem variar desde uma desorienta- História e exame clínico
ção temporoespacial até um estado de coma Primeiramente, deve-se iniciar o atendi-
profundo, sendo o nível de consciência o grau mento do paciente comatoso pela identificação
19
da etiologia do coma, coletando informações díaca baixa sugere bloqueio cardíaco por me-
com as pessoas que possam ter presenciado a dicações como anticonvulsivantes ou antide-
evolução do quadro clínico. Deve ser feita a in- pressivos tricíclicos. Suor excessivo pode ser
vestigação da evolução dos fatos e condutas to- achado em pacientes hipoglicêmicos ou em
madas a partir do traumatismo sofrido. O choque. Já uma pele extremamente seca é ca-
exame clínico busca indícios de condições sis- racterística da cetoacidose diabética e uremia
têmicas que possam levar a alteração do nível (ANDRADE et al., 2007).
de consciência (CARDOZO, 2007).
Deve ser feito o monitoramento dos si- Nível de consciência
nais vitais e sempre descartar o uso de sedati- Durante a avaliação do nível de consci-
vos, hipovolemia, hipóxia e hipoglicemia. Es- ência do paciente deve-se englobar o estado de
coriações, epistaxe, otorragia e hematoma na alerta do paciente em resposta ao estímulo do-
região cefálica sugerem causa traumática para loroso e verbal. De maneira direta, uma ferra-
o coma. Entretanto, quando a causa do coma menta muito utilizada na prática clínica é a Es-
não é tão óbvia, há alguns sinais que podem ser cala de Coma de Glasglow (ECG) (Figura
observados. Uma temperatura muito elevada 3.1). Essa escala é usada para a avaliação do
sugere queimaduras e intoxicações por fárma- nível de consciência, sendo que originalmente
cos com efeito anticolinérgico. Frequência car foi elaborada para pacientes vítimas de trauma-
tismo crânio encefálico.
Figura 3.1 Escala de Coma de Glasgow
20
Alguns especialistas defendem a utiliza- Tamanho Pupilar e Reatividade à Luz
ção do reflexo fotomotor das pupilas junta-
É por meio da avaliação da reatividade
mente com a Escala de Coma de Glasgow, atu-
pupilar que é possível serem observadas alte-
alizando-a (ECG-P). Nesse sentido, o total de
rações como compressão ou estiramento do
pupilas não reativas seria subtraído da pontua-
nervo oculomotor (III par craniano) como re-
ção obtida inicialmente com a escala, tornando
sultado secundário a um processo expansivo.
assim a pontuação mínima 1. Dessa forma,
Dentro do sistema nervoso, estímulos
caso o paciente apresente 1 pupila não rea-
simpáticos e parassimpáticos são responsáveis
gente, será subtraído 1 ponto, caso apresente as
pela contração dos músculos dilatadores e
2 serão subtraídos 2 pontos e nos casos em que
constritores da pupila. Se ocorrer o comprome-
ambas apresentem o reflexo fotomotor a pon-
timento de alguma dessas vias de neurotrans-
tuação na escala permaneceria a mesma. Com
missão, o tamanho pupilar irá depender da via
essa atualização, a escala englobando tal refle-
do sistema nervoso menos acometida, ou seja,
xibilidade pupilar permitiria a avaliação de fa-
miose ou midríase irá depender do sistema me-
tores mais aprofundados e específicos, levando
nos acometido (Figura 3.2).
a uma melhor estratificação e uso dos protoco-
Parassimpático: contração de músculos
los adequados (DE ALMEIDA SILVA & CU-
constritores → miose.
NHA, 2020).
Simpático: contração de músculos
dilatadores → midríase.
Parassimpático + Simpático: em repouso
ocorre ação de ambos os sistemas.
21
Figura 3.2 Alterações pupilares
23
2. Herniação lateral ou uncal: ocorre o 3. Herniação das amígdalas cerebelares:
aumento da pupila ipsilateral e, consequente- nesses casos as lesões são infratentoriais e o
mente, a compressão do nervo oculomotor. Em efeito de massa afeta as amígdalas através do
casos mais graves apresenta ausência de reati- forame magno. Com isso, pode haver compres-
vidade à luz e dilatação completa da pupila, são do bulbo, levando ao colapso cardiorrespi-
conferindo uma deterioração rápida, podendo ratório.
afetar também os movimentos oculares.
24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABIB, S.C.V. & PERFEITO, J.A.J. Guia de Trauma. 1ª de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 2ª
ed. São Paulo: Manole, 2012. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.
ANDRADE, A.F. de et al. Coma e outros estados de NITRINI, R. et al. A neurologia que todo médico deve
consciência. Revista De Medicina, v. 86, n. 3, p. 123- saber. 3a ed. Atheneu, 2015.
131, 2007.
OLIVEIRA-ABREU, M. & ALMEIDA, M.L. de.
ANDRADE, A.F. de et al. Neurotraumatologia. Rio de Manuseio da ventilação mecânica no trauma
Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. cranioencefálico: hiperventilação e pressão positiva
expiratória final. Revista Brasileira de Terapia
CARDOZO, C.P. Respiratory complications of spinal Intensiva, v. 21, n. 1, p. 72-79, 2009.
cord injury. The journal of spinal cord medicine, v. 30,
n. 4, p. 307, 2007. RODRIGUES, M. de S. et al. Utilização Do ABCDE No
Atendimento Do Traumatizado. Revista de Medicina, v.
DE ALMEIDA GENTILE, J.K. et al. Condutas no paci- 96, n. 4, p. 278, 2017.
ente com trauma crânioencefálico. Rev Bras Clin Med.
São Paulo, v. 9, n. 1, p. 74-82, 2011. SILVA, Z.A. et al. Trauma cranioencefálico:
intervenções do enfermeiro no atendimento pré-
DE ALMEIDA SILVA, L.C. & CUNHA, J. Importância hospitalar. Revista Recien., v. 9, n. 27, p. 46-53, 2019.
Da Atualização Da Escala De Coma De Glasgow E
Inclusão Da Avaliação Pupilar Em Sua Aplicabilidade Universidade de Juiz de Fora. Escala de Coma de
Ao Protocolo De Manchester. In: Anais Do Congresso Glasgow - Importância E Atualização de 2018.
Regional De Emergências Médicas (Cremed-co). 2020. Neurologia, 11 Dec. 2018,
www2.ufjf.br/neurologia/2018/12/11/escala-de-coma-
DE SOUSA RODRIGUES, M. et al. Utilização do de-glasgow-importancia-e-atualizacao-de-2018/.
ABCDE no atendimento do traumatizado. Revista de
Medicina, v. 96, n. 4, p. 278-280, 2017.
GAGLIARDI, R. & TAKAYANAGUI, O.M. Tratado
25
CAPÍTULO 04 CARACTERIZAÇÃO
CAPÍTULO 04
CLÍNICA DAS LESÕES NO
TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO
DAS LESÕES NO
TRAUMATISMO
CRANIOENCEFÁLICO
26
PALAVRAS-CHAVE: Envoltórios Cranianos; Hematomas
Extracerebrais e Intracerebrais; Lesões Difusas.
LESÕES DOS ENVOLTÓRIOS near, diastásica, cominutiva, afundamento, ele-
CRANIANOS vação); o local anatômico (fraturas da base do
crânio ou da calota craniana), e o tipo (simples
Lesões de Escalpo
ou composta, relação com a integridade das es-
O escalpo, também conhecido como truturas que envolvem o escalpe e/ou envolvi-
couro cabeludo, age como uma proteção crani- mento interno de seios paranasais e mastói-
ana, sendo assim a camada mais externa que deos).
recobre a calota do crânio. Os tecidos moles Fratura Linear: é resultante, geral-
que recobrem essa área são ricos em vasculari- mente, de uma força de baixa energia empre-
zação, isso significa que suas lesões podem gada em área grande do crânio. O local impac-
causar grandes perdas sanguíneas, hemorra- tado fica edemaciado e a pele pode ou não so-
gias e até mesmo quadro de choque hipovolê- frer lacerações. As fraturas diastráticas são
mico. Desse modo, um trauma apenas do es- tipos de fraturas lineares que provocam sepa-
calpo é considerado um Traumatismo Crani- ração na altura das suturas dos ossos cranianos.
ano Menor (CARROL et al., 2010; CRUZ, Fratura em bola de "pingue-pongue":
1960; OLIVEIRA et al., 2010). ocorre em recém nascidos, o crânio é convexo,
As lesões do escalpo podem ser decor- mas, nesse tipo de fratura, sua estrutura sofre
rentes principalmente de cirurgias para retirada alteração e se torna côncavo após um trauma.
de tumores, queimaduras, feridas crônicas, tra- A lesão é caracterizada por depressão local no
tamento estético de alopecia (queda signifi- crânio, porém sem perder a continuidade ós-
cante de cabelo), e traumas. Nesse e-book va- sea.
mos abordar apenas as lesões por traumatismo. Fratura craniana de crescimento: a li-
Sendo assim, as lesões imediatas do es- nha de fratura diastásica sofre crescimento
calpo podem ser classificadas em ferimento: contínuo e ocorre a ampliação da deiscência de
inciso, contuso, lácero-contuso, corto-contuso seus bordos, provocando defeito craniano.
e perdas de substâncias. Já as lesões mediatas Ocorre mais comumente em menores de 1 ano
são observadas principalmente em traumatis- e até os 3 anos de idade, não é uma fratura
mos fechados, onde pode-se observar conges- aguda.
tões, edemas e hematomas do couro cabeludo. Fratura composta: as fraturas compos-
Essas injúrias podem acarretar em abrasões, tas (FC) podem afetar o couro cabeludo, crâ
hematomas e avulsão (é quando há a remoção nio, dura-máter e tecido cerebral. A FC pode
de uma parte ou total do escalpo, também co- ser linear, com afundamento (quando o frag-
nhecida como escalpelamento). (CARROL et mento fraturado penetra no cérebro), ou ele-
al., 2010; CRUZ, 1960; OLIVEIRA et al., vada (a porção fraturada está em nível superior
2010) comparada à parte do crânio que não foi afe-
tada). As características da FC dependem da
FRATURAS CRANIANAS superfície em que ocorreu o impacto e da quan-
Classificação tidade de energia cinética aplicada. Quando há
laceração do escalpe ou exposição do tecido
As fraturas cranianas são classificadas de cerebral, a lesão é chamada de composta
acordo com suas características e padrões (li-
27
aberta, já quando não ocorre laceração ou ex- e diminuição da acuidade visual. As fraturas da
posição do tecido cerebral, é chamada de com- fossa média implicam na região da fossa ante-
posta fechada. rior para média e a pirâmide petrosa com pre-
Afundamento craniano: ocorrem sença de sangue no meato auditivo externo, po-
quando fragmentos ósseos são deslocados para dendo provocar hipoacusia, paralisia facial pe-
o interior da caixa craniana, é o desalinha- riférica e, tardiamente, presença do sinal de
mento de fragmentos ósseos em relação à sua Battle. A fratura petrosa do osso temporal é de
posição primitiva. Os afundamentos cranianos dois tipos: longitudinal (golpe lateral; é para-
(AC) decorrem de uma concentração de ener- lela ao longo do áxis do osso petroso e extrala-
gia localizada que vence a resistência do crâ- birinto) e transversal (causada por golpe fron-
nio, em que sempre haverá lesão do escalpe. O tal ou parietal). As fraturas da fossa posterior
AC pode ser classificado como fechado ou são raras, e, quando ocorre fratura do côndilo
aberto (fratura composta). As características occipital, abrange os nervos cranianos baixos
do AC dependem da superfície do objeto que o (9° ao 12° pares cranianos). Com base na mor-
causou e a quantidade de energia cinética apli- fologia e no mecanismo da lesão, são divididas
cada. Objetos com superfície pequena dão ori- em três tipos. O tipo I é uma fratura cominutiva
gem a ACs restritos. Objetos com superfície do côndilo occipital, o tipo II é resultante de
grande originam fraturas curvilíneas e lineares um golpe direto e é mais extensa e o tipo III
radiais. resulta de uma força rotacional e curvatura la-
Fraturas da base do crânio: as mani- teral (SIQUEIRA, 2016).
festações clínicas desse tipo de fratura podem
incluir hemotímpano, sinal do guaxinim (he- LESÕES FOCAIS
matoma periorbitário) e sinal de Battle (equi-
mose retroauricular). Normalmente essas fra- As lesões focais são compostas por he-
turas são compostas. A característica da fratura matomas - intra ou extracerebrais - ou áreas is-
da base do crânio depende da força, da estru- quêmicas delimitadas que acometem apenas
tura óssea acometida, e do forame da base do uma região do encéfalo. Nas lesões puramente
crânio. Assim, são subdivididas anatomica- focais, presume-se que o restante do encéfalo
mente em fraturas da fossa anterior, média e mantenha suas propriedades de complacência
posterior. As fraturas da fossa anterior estão tecidual e vascular preservadas (ANDRADE et
associadas com escalpe, enfisema, hematoma al., 2009) (Figura 4.1).
periorbitário, epistaxe, anosmia, rinoliquorreia
28
Figura 4.1 Mecanismos de hematoma intracraniano uma área de edema ao seu redor, que pode cres-
cer durante vários dias e gerar importante
efeito de massa. O pico do edema costuma
ocorrer entre o 3º e o 5º dia após o trauma. De-
pois disso, a tendência da lesão é ser absorvida,
resultando em uma cicatriz atrófica local.
Além disso, a contusão pode estar associada ao
pleno estado de consciência e à evolução clí-
nica favorável, desde que não ocorram compli-
cações e que não haja associação com a lesão
axonal difusa. As causas de morte, geralmente,
Fonte: Kumar et al., 2008. têm relação com as várias lesões associadas
(ANDRADE et al., 2009).
Contusões Encefálicas
A contusão encefálica é composta de Hematoma Extradural Agudo (Hema-
áreas hemorrágicas ao redor de pequenos vasos toma Epidural Agudo)
e tecido encefálico necrótico. Usualmente, a O hematoma extradural (HED) consiste
hemorragia inicia-se na superfície dos giros, no sangramento entre a dura-máter e o crânio.
que é onde ocorre o maior atrito entre o cérebro O HED, na maioria dos casos, resulta de im-
e estruturas rígidas. Os mecanismos de forma- pacto craniano com baixa energia cinética.
ção das contusões podem ser decorrentes da Para que o sangramento ocorra, é necessário o
agressão direta do parênquima, como no caso rompimento de estruturas vasculares localiza-
das fraturas com afundamento craniano; ou das no espaço epidural, o que normalmente
pelo movimento do encéfalo dentro da caixa ocorre junto a linhas da fratura. Embora as fra-
craniana, que pode levar ao esmagamento do turas cranianas ocorram em até 90% dos paci-
parênquima contra a base do crânio ou outras entes com HED, sua ausência não exclui a pre-
estruturas rígidas. Quando ocorre a ruptura na sença do sangramento. Pode apresentar déficit
altura da pia-máter, a contusão passa a ser cha- focal e intervalo lúcido (perda de consciência
mada de laceração. Os locais mais comuns das após o trauma, seguida do intervalo lúcido por
contusões nos traumatismos fechados são a minutos ou horas e, em seguida, coma e
base do lobo frontal, a ponta do lobo temporal morte). O intervalo lúcido e o aspecto bicon-
e a região ao longo da foice (ANDRADE et al., vexo são muito sugestivos de HED (AN-
2009; PITTELLA & GUSMÃO, 1999). DRADE et al., 2009; GENTILI et al., 2011)
Uma vez estabelecida a lesão, forma-se (Figura 4.2).
29
Figura 4.2 Hematoma Extradural Agudo edema ocorrem, a mortalidade e morbidade po-
dem ser significantes. A presença de sangue no
espaço subdural, em íntimo contato com o cór-
tex, pode desencadear lesões secundárias asso-
ciadas a excitotoxicidade (ANDRADE et al.,
2009; GENTILI et al., 2011).
Os sinais neurológicos são atribuíveis à
pressão exercida sobre o cérebro adjacente. Os
sintomas podem ser localizados, mas na maio-
ria das vezes são difusos, assumindo a forma
de cefaleia, confusão mental e deterioração
neurológica lentamente progressiva (AN-
DRADE et al., 2009) (Figura 4.3).
30
quetários ou anticoagulantes, ou naqueles com com hipertensão intracraniana, tendo seus si-
atrofia do cérebro) e estilistas. A consistência nais mais comumente observados cefaleia, vô-
desse hematoma é mais liquefeita. Em compa- mitos em jato e papiledema. A herniação
ração ao hematoma subdural agudo, edema e ocorre quando o cérebro não consegue aliviar
aumento da pressão intracraniana são inco- a pressão por retirada de líquidos, acarretando
muns. Os sintomas mais comuns são hemipa- em manifestações clínicas focais (COSTA et
resia e cefaleia, seguido de confusão mental, al., 2014).
náusea/vômito e, mais raramente, convulsões
(GENTILI et al., 2011; YASUDA et al., 2003) Figura 4.5 Hematoma Intracerebral
(Figura 4.4).
LESÕES DIFUSAS
Fonte: Hartung, 2020.
As lesões difusas são as que acometem o
cérebro como um todo e, geralmente, elas de-
Hematoma Intracerebral
correm de forças cinéticas, as quais vão levar à
O hematoma intracerebral consiste no rotação do encéfalo dentro da caixa craniana.
sangramento focal no parênquima cerebral. Nelas podem ser encontradas disfunções cau-
Ocorre geralmente em traumas cranianos de sadas por estiramento ou ruptura de axônios ou
média ou grande intensidade, associados a me- de estruturas vasculares em regiões distintas do
canismos de aceleração-desaceleração, cau- encéfalo. Dentre as lesões difusas, tem a con-
sando o impacto do encéfalo contra o crânio. cussão cerebral, lesão axonal difusa (LAD) e
Produz edema importante, gerando lesões de hemorragia subaracnóidea (ANDRADE et al.,
massa (efeito de massa) (ANDRADE et al., 2009).
2009). Os hematomas intracranianos cursam
31
Concussão justifique o quadro. A TC na LAD pode ser
normal ou apresentar pequenos pontos de he-
É descrita por perda temporária da cons-
morragia nos seguintes locais: subcortical
ciência associada ao TCE. A lesão ocorre por
(grau 1), núcleos da base, corpo caloso (grau 2)
alteração no movimento da cabeça, ou seja, a
e tronco cerebral (grau 3). O mecanismo que
cabeça se encontra em movimento e subita-
dá origem à LAD é o estiramento axonal de-
mente é detida por uma superfície rígida. Ela é
corrente do movimento de rotação do encéfalo
subdividida em leve e moderada de acordo
no momento do trauma, ocorrendo um blo-
com parâmetros clínicos (KUMAR et al.,
queio do transporte axonal desencadeado pela
2010). A concussão leve é relacionada com os
lesão das estruturas intracelulares, que vai le-
casos de distúrbios neurológicos completa-
var ao surgimento de edema local e ruptura do
mente reversíveis, sem perda da consciência, e
axônio. Contudo, somente após uma sequência
é dividida em três subgrupos. O primeiro sub-
de eventos que pode durar horas, que a lesão
grupo é composto pelos pacientes que apresen-
irá se desenvolver e estabelecer (ANDRADE
tam confusão e desorientação mental que du-
et al., 2009).
ram alguns segundos, sem amnésia. Entre-
Na LAD, além da superfície do encéfalo,
tanto, no segundo, os pacientes desenvolvem
região mais afetada, também podem ocorrer le-
amnésia retrógrada de cinco a dez minutos e no
sões nas regiões da substância branca profunda
terceiro subgrupo os pacientes vão desenvolver
(corpo caloso e áreas paraventricular e hipo-
amnésia retrógrada e anterógrada (ANDRADE
campal do compartimento supratentorial),
et al., 2009).
pedúnculos cerebrais, pedúnculo cerebelar su-
perior, colículo superior e formação reticular
Lesão Axonal Difusa (LAD)
profunda do tronco encefálico. Com isso,
Ademais, existe a lesão axonal difusa ocorre as tumefações axonais difusas e fre-
(LAD), caracterizada por perda de consciência quentemente assimétricas (KUMAR et al.,
por mais de seis horas, associada ao TCE, sem 2010) (Figura 4.6).
distúrbio metabólico ou lesão expansiva visí-
vel na tomografia computadorizada (TC) que
32
Figura 4.6 Lesão Axonal Difusa por Efeito Chicote
33
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, A.F. de et al. Mecanismos de lesão KUMAR, V. et al. Robbins e Cotran – Patologia – Bases
cerebral no traumatismo cranioencefálico. Revista da Patológicas das Doenças. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
Associação Médica Brasileira, v. 55, n. 1, p. 75-81, 2010.
2009.
KUMAR, V. et al. Robbins Patologia Básica, 9ª Ed. Rio
CARROLL, C.P. et al. The AIS-2005 Revision in de Janeiro, Elsevier. 2008.
Severe Traumatic Brain Injury: Mission Accomplished
or Problems for Future Research? Journal of Association MARTINS, H.S. et al. Medicina de emergência:
for the Advancement of Automotive Medicine, [s. l.], v. abordagem prática. In: Medicina de emergência:
54, p. 233-238, 2010. abordagem prática. 2016. p. 1509-1509.
COSTA, L.S. et al. Avaliação e reconhecimento da OLIVEIRA, I.B et al. Traumatismo cranioencefálico:
síndrome de hipertensão intracraniana. Acta méd., v. 35, considerações anatomofuncionais e clínicas. Revista
n. 6, 2014. Saúde e Pesquisa Cesumar, [s. l.], v. 3, n. 1, p. 99-106,
2010.
CRUZ, O.R. Traumatismos crânio-encefálicos:
diagnóstico e tratamento de urgência. Revista de PITTELLA, J.E.H. & GUSMÃO, S.S. Contusão
Medicina, [s. l.], v. 44, n. 1, p. 25-35, 1960. cerebral em vítimas fatais de acidente de trânsito:
frequência e associação com outras lesões
CUETE, D. Left Chronic Subdural Hemorrhage. cranioencefálicas. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 57,
Radiology Case, 2022. Disponível em: n. 3B, p. 848-852, 1999.
<https://radiopaedia.org/cases/23293/studies/23359?lan
g=us&source_of=https%3A%2F%2Fradiopaedia.org% RODRIGUES, M. Intracerebral Hemorrhage.
2Farticles%2Fsubdural-haemorrhage- Radiology Case, 2018. Disponível em:
summary%3Flang%3Dus>. Acesso em 15 Dez. 2022. <radiopaedia.org/cases/intracerebral-haemorrhage-
8?lang=us>. Acesso em 15 Dez. 2022.
DAMIANI, D. et al. Brain Concussion: New
Classifications and Current Physiopathological SIQUEIRA M.G. Tratado de Neurocirurgia. 1ª ed.
Knowledge of the Disease. Arquivos Brasileiros de Barueri: Manole, 2016.
Neurocirurgia, v. 38, n. 4, p. 284-291, 2019. WESTHUIZEN, S.B van der. Epidural Hematoma.
GENTILE, J.K.A. et al. Condutas no paciente com Radiology Case, 2020. Disponível em:
trauma crânioencefálico. Rev. Bras. Clin. Med. São <radiopaedia.org/cases/epidural-hematoma-
Paulo, v. 9, n. 1, p. 74-82, 2011. 9?lang=us>. Acesso em 16 Dez. 2022.
HARTUNG, M.P. Acute on Chronic Subdural YASUDA, C.L. et al. Hematoma subdural crônico:
Hematoma. Radiology Case, 2020. Disponível em: estudo de 161 pacientes operados e a relação com
<radiopaedia.org/cases/acute-on-chronic-subdural- alterações no coagulograma. Arquivos de Neuro-
hematoma-4?lang=us>. Acesso em 15 Dez. 2022. psiquiatria, v. 61, n. 4, p. 1011-1014, 2003.
34
CAPÍTULO 05 AVALIAÇÃO E
CAPÍTULO 05
CONDUTA DO PACIENTE
AVALIAÇÃO E CONDUTA DO
TRAUMATISMO
CRANIOENCEFÁLICO
35
PALAVRAS-CHAVE: Semiologia Neurológica; Neuroimagem;
Manejo Medicamentoso.
AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA COM- nenhuma alteração ou apenas uma leve desori-
PLETA entação temporo espacial até mesmo um es-
tado de coma profundo (ANDRADE et al.,
Após realizadas as etapas iniciais de con-
2015), portanto é essencial analisá-lo rapida-
duta e atendimento do paciente traumatizado,
mente para então estabelecer a melhor conduta
sua devida estabilização e avaliação clínica ini-
diagnóstica e terapêutica. Sendo assim, a
cial, deve ser realizado, assim que possível, um
forma padronizada para esta avaliação é a Es-
exame neurológico direcionado para a identifi-
cala de Coma de Glasgow (ECG) (Figura 5.1),
cação rápida de sinais e sintomas significativos
que consiste em uma medida clínica com 3 pa-
de comprometimento do sistema nervoso, indi-
râmetros avaliativos (abertura ocular; resposta
cando o estado de urgência do paciente
verbal; resposta motora) cuja pontuação pode
(CRUZ, 2005).
variar de 3 a 15 pontos.
Sendo assim, o primeiro passo nesta ava-
Escores:
liação neurológica consiste em investigar e
● 13-15: TCE leve;
classificar o grau de alteração no nível de cons-
● 9-12: TCE moderado;
ciência do paciente (CRUZ, 2005). No caso, o
● 3-8: TCE grave.
nível de consciência pode variar muito, desde
36
O exame dos nervos cranianos do paci- Figura 5.2 Alterações pupilares
ente, especialmente dos nervos óptico e oculo-
motor, é essencial e pode revelar diversas pos-
síveis assimetrias decorrentes do traumatismo
cranioencefálico (TCE). Por exemplo, pacien-
tes com rebaixamento de consciência ou coma-
tosos, entretanto, com os reflexos mesencefáli-
cos inalterados, provavelmente possuem uma
lesão cortical difusa (CRUZ, 2005).
Seguindo neste sentido, é essencial reali-
zar a avaliação do tamanho e simetria pupilar.
Alterações pupilares, embora muitas vezes su-
tis, podem ser eficientes indicadores do tipo e
localização da lesão (ANDRADE et al., 2015)
Geralmente, pupilas normais, quando ambos
sistemas simpático e parassimpático estão fun-
cionando, possuem um diâmetro de 3-7 mm
(SUKYS-CLAUDINO, 2015). No caso, os
processos de contração e dilatação pupilares
são dependentes da ação de neurônios paras-
Fonte: SUKYS-CLAUDINO, 2015.
simpáticos e simpáticos, respectivamente.
Dessa forma, um comprometimento da via Além do tamanho das pupilas, é impor-
simpática pode ocasionar falha na contração tante avaliar a sua reatividade, que pode ser fa-
dos músculos dilatadores da pupila, provo- cilmente testada ao analisar o reflexo pupilar.
cando um quadro de miose. Por outro lado, um É considerado normal quando em resposta ao
comprometimento da via parassimpática pode estímulo luminoso ocorre tanto a miose direta
provocar falha na contração dos músculos (pupila estimulada) quanto a miose consensual
constritores da pupila, determinando um qua- (pupila contralateral não estimulada). Outro re-
dro de midríase. flexo relevante é o corneopalpebral (CRUZ,
Paralelamente, essas vias do sistema au- 2005), de aferência pelo nervo trigêmeo e efe-
tônomo no tronco encefálico são adjacentes a rência pelo nervo facial, pode ser testado ao
algumas áreas relacionadas com a consciência passar uma gaze ou algodão sobre a córnea, a
e vigília, dessa forma a avaliação pupilar pode resposta normal é que ocorra o fechamento de
ajudar com o diagnóstico topográfico de dife- ambas as pálpebras com o rápido desvio dos
rentes pontuações da ECG. Lesões em áreas olhos para cima (fenômeno BELL) (SUKYS-
específicas também podem provocar altera- CLAUDINO, 2015).
ções próprias (Figura 5.2). (ANDRADE et al., Outro parâmetro útil a ser avaliado são
2015). os padrões respiratórios (Figura 5.3), relevan-
37
tes para o diagnóstico topográfico da lesão. No Figura 5.3 Padrões respiratórios após TCE
caso, o padrão patológico mais comum é a res-
piração do tipo Cheyne-Stokes. Mesmo assim,
outros padrões como hiperventilação neurogê-
nica central, respiração apnêustica e respiração
atáxica também podem ser encontrados, em-
bora mais raros (CRUZ, 2005).
Respiração de Cheyne-Stokes: relacio-
nada geralmente com lesões bi-hemisféricas,
no diencéfalo, na ponte, ou por uma lesão cor-
tical difusa, é descrita como um padrão respi-
ratório periódico que alterna entre momentos
de hiperventilação, hipoventilação e apnéia
Fonte: SUKYS-CLAUDINO, 2015.
(CRUZ, 2005; MENDES et al., 2012).
Hiperventilação neurogênica central: re-
Outro passo essencial na avaliação neu-
lacionada com lesões mesencefálicas ou do te-
rológica do paciente com TCE é uma análise
gumento pontino, é caracterizada por uma rá-
mais profunda da sua capacidade de resposta
pida e rítmica hiperventilação com frequência
motora. Esta avaliação começa pela observa-
de 40 a 70 irpm (MENDES et al., 2012).
ção da postura do paciente em repouso, procu-
Respiração apnêustica: relacionada com
rando por movimentos espontâneos, como cer-
lesões nas estruturas do tegumento lateral da
tas contrações, mioclonias, tremores, e tam-
ponte médio-caudal (CRUZ, 2005), é caracte-
bém avaliar a resposta a estímulos dolorosos
rizada por um período de apneia de 2 a 3 se-
(CRUZ, 2005; MENDES et al., 2012)
gundos após cada inspiração (MENDES et al.,
Durante a análise postural do paciente é
2012).
possível observar diversos padrões extensores
Respiração atáxica ou de Biot: relacio-
e/ou flexores dos membros superiores e inferi-
nada com lesões no centro respiratório do
ores; embora a maioria destes achados sejam
bulbo ou em segmentos superiores da medula,
possíveis de testemunhar apenas após estimu-
é descrita como um padrão respiratório de
lação dolorosa, alguns também podem estar
ritmo frequente e amplitude irregular (MEN-
presentes de forma espontânea. No caso, a rea-
DES et al., 2012).
lização dos estímulos dolorosos deve ser dire-
Ausência de movimentos respiratórios:
cionada para o leito ungueal, no esterno ou na
pode indicar morte encefálica (CRUZ, 2005).
região supra-orbitária, sendo importante desta-
38
car que esse tipo de estimulação deve ter sua principais métodos de imagem utilizados
repetição evitada (MENDES et al., 2012). (GATTAS, 2011).
Neste momento é possível diagnosticar A radiografia simples não é capaz de ex-
quadros de decorticação e descerebração (Fi- cluir lesão intracraniana e também a presença
gura 5.4). No caso, a decorticação apresenta de fratura craniana não necessariamente indica
um padrão postural de adução dos ombros, fle- presença de lesão intracraniana, desse modo,
xão dos cotovelos e punhos, juntamente da ex- não deve ser usado como rastreamento de lesão
tensão dos membros inferiores. Enquanto isso, traumática intracraniana (GATTAS, 2011).
o quadro de descerebração é caracterizado por A RM mostra excelentes definições das
uma postura de extensão de membros inferio- estruturas encefálicas, superiores em relação à
res, concomitante com a extensão, adução e ro- TC, sendo mais sensível para detecção de le-
tação interna dos membros superiores (CRUZ, sões intracranianas, especialmente as não he-
2005; MENDES et al., 2012). morrágicas, hemorrágicas de pequeno volume,
ou de localização profunda ou infratentorial.
Figura 5.4 Posições de decorticação e descerebração No entanto, possui restrições que impossibili-
tam sua larga utilização no atendimento inicial
de vítimas de TCE (alto custo, menor disponi-
bilidade, maior tempo para execução do exame
e elevado campo magnético) (GATTAS,
2011).
A TC de crânio é o exame de imagem
mais adequado no atendimento inicial a víti-
mas de TCE (menor custo, maior disponibili-
dade e ótima sensibilidade para detecção das
Fonte: MENDES et al., 2012. principais lesões traumáticas intracranianas
agudas, permitindo rápida identificação de le-
Avaliação de Neuroimagem sões potencialmente fatais que necessitem tra-
Para uma boa conduta na avaliação do tamento cirúrgico imediato). É indicada em pa-
TCE, essas questões devem ser rapidamente cientes que tiverem Escala de coma de Glas-
respondidas (DE ALMEIDA, 2011): gow 15 com fatores de risco ou se Glasgow
1. Há lesão traumática intracraniana? menor que 15 sendo também necessária a ava-
2. Qual sua natureza? liação pelo neurocirurgião (BELÉM et al.,
3. Qual o tratamento? 2019). Essa avaliação não pode ser demorada
Dessa forma, os exames de imagem têm pois lesões secundárias podem ter evolução rá-
se mostrado essenciais para determinação de pida e comprometer a oxigenação cerebral (DE
diagnóstico de lesões traumáticas e definição ALMEIDA, 2011).
de conduta clínica ou cirúrgica emergencial. As fraturas cranianas estão presentes em
Radiografia simples de crânio, a tomografia 50-60% dos pacientes com TCE grave, sendo
computadorizada (TC) de crânio, a ressonância divididas em linear, complexas, com afunda-
magnética (RM) e a angiografia digital são os mento ou de base de crânio. A fratura craniana
39
mais frequente é a linear e sem desalinhamen- córtex cerebral, podendo ser necessária explo-
tos, frequentemente associada à presença de ração cirúrgica, principalmente se o afunda-
hematoma extradural. A fratura por afunda- mento for maior que 5 mm (GATTAS, 2011).
mento (Figura 5.5) pode levar a agressão do
40
Figura 5.6 Padrões tomográficos
Legenda: A – Hematoma subgaleal, caracterizado pelo aumento de volume e dos coeficientes de atenuação das partes
moles extracranianas parietal esquerda em ambas as imagens (setas). B – Fratura óssea da calota craniana, caracterizada
pelas soluções de continuidade no osso temporal esquerdo (seta 1) e fratura dos ossos da pirâmide nasal e do arco
zigomático à esquerda (setas 2 e 3, respectivamente). C – Fratura da base do crânio, caracterizada pelas soluções de
continuidade no rochedo temporal bilateral em ambas as imagens (setas 1 a 4) e no osso esfenoidal-clívus (seta 5). D –
Área de contusão cerebral com sufusão hemorrágica, caracterizada por áreas hiperdensas de permeio a áreas hipodensas
intraparenquimatosas nos lobos temporais bilaterais (setas 1 e 2) e nos lobos frontais bilaterais (setas 3 e 4).
Fonte: MORGADO & ROSSI, 2011.
41
Figura 5.7 TC: Ferimento por arma de fogo na admissão Nas hemorragias extra-axiais, os princi-
do pronto-atendimento (geração de artefatos que preju-
dicam a avaliação do parênquima encefálico) pais tipos são: hematoma extradural, hema-
toma subdural, hemorragia subaracnóidea e
hemorragia intraventricular, todas elas detectá-
veis com alta sensibilidade pela TC pela atenu-
ação do sangue na fase aguda, sendo geral-
mente hiperatenuantes em relação às outras es-
truturas encefálicas (GATTAS, 2011) (Figura
5.8).
A TC também é útil na avaliação de feri- Legenda: TCE grave com hematoma subdural agudo à
direita. Hematoma subdural hiperdenso determinando
mentos por arma branca ou objetos perfuran- herniação uncal e subfalcina (desvio das estruturas de
tes. Os ferimentos penetrantes tem potencial linha mediana) para a esquerda. Essa figura ilustra as 3
para causar lesões vasculares como lacerações, janelas fundamentais para análise da TC: janela para
avaliação óssea (figura da esquerda); janela para detec-
dissecação, pseudoaneurisma, fístula arterio- ção de hemorragias (imagem ao centro) e janela para
venosa e trombose venosa, sendo importante avaliação do parênquima encefálico (imagem da di-
reita).
nesses casos uma avaliação por angiografia Fonte: GATTAS, 2011.
(padrão-ouro) ou por angio-TC que além de
análise vascular, permite avaliação multiplanar
e 3D do crânio de forma a auxiliar o planeja-
mento cirúrgico (GATTAS, 2011).
42
A TC de crânio deve ser analisada em 3 Figura 5.10 TC com edema cerebral difuso
janelas fundamentais (Figura 5.8):
1. Janela para avaliação do parênquima encefá-
lico;
2. Janela para detecção de hemorragias hiper-
densas;
3. Janela para avaliação óssea.
43
produzido por estímulos biomecânicos traumá- constitui-se de pacientes com alto risco para le-
ticos, associado a demais fatores, tendo como sões cerebrais, como crianças vítimas de vio-
resultado lesões clínicas e patológicas (AN- lência física, gestantes e pacientes com doen-
DRADE et al., 2015). ças prévias, como distúrbio de coagulação. São
No entanto, a definição mais utilizada e considerados pacientes de alto risco aqueles
difundida é a de Ruff & Jurica (1999), a qual que apresentam sintomas importantes, como
considera o resultado da Escala de Coma de piora progressiva do nível de consciência, le-
Glasgow, como também é determinado no sões dermatológicas (petéquias sugestivas de
ATLS de 2018 (American College of Surge- embolia), sintomas de irritação meníngea, dis-
ons, 2018). De acordo com essa classificação, túrbios motores, déficit visual e lesões vascu-
uma pontuação entre 13 e 15, com perda de locerebrais, fístulas liquóricas e pacientes víti-
consciência em menos de 20 minutos, ausência mas de ferimentos por arma branca (DE AL-
de déficits neurológicos focais e amnésia após MEIDA GENTILLE et al., 2011)
o trauma com duração de menos de 24 horas. A conduta ao receber um paciente vítima
Os sintomas de pacientes com TCE leve po- de um TCE Leve é estabilização e monitora-
dem ser muito variados, desde cefaleias e ver- ção, caso seja necessário, e afastar a possibili-
tigens, a dificuldades de processamento de in- dade de lesões cranianas que necessitam de re-
formações e perda de memória. Exames com- paro cirúrgico. A sua avaliação deve ser inici-
plementares a serem requisitados em casos de ada com coleta de história clínica - relatada
paciente com TCE incluem a Tomografia pelo próprio paciente ou por um acompa-
Computadorizada em busca de lesões anatômi- nhante, em casos que o paciente não consiga se
cas e para auxiliar na definição de prognóstico comunicar por doença prévia ou decorrente do
e conduta (ANDRADE et al., 2015). acidente -, exame clínico geral e um exame
Após classificação em TCE Leve, há neurológico mais detalhado. De acordo com a
uma segunda classificação em TCE Leve de história clínica, podemos analisar alguns fato-
Baixo Risco, TCE Leve de Médio Risco e TCE res de risco para desenvolvimento de compli-
Leve de Alto Risco. Essa divisão ocorre de cações e de quadros mais graves, como idade
acordo com o mecanismo biomecânico do superior a 60 anos, amnésia, perda de consci-
trauma, sendo o primeiro mencionado relacio- ência após o trauma, déficits focais e alterações
nado com pacientes que sofreram mecanismos neurológicas (CRUZ, 2005).
de trauma leves, assintomáticos ou com sinto- O paciente que apresentar uma pontua-
mas discretos. Os pacientes de médio risco são ção de 15 na ECG e sem sintomas pode receber
aqueles envolvidos em traumas graves ou com alta médica com uma Folha de Protocolo de
vítimas fatais ou com história desconexa, po- Orientações após reavaliação médica, ficando
dendo apresentar lesões de couro cabeludo, a critério do médico realizar uma Tomografia
equimoses, intoxicação alcoólica ou abuso de Computadorizada de Crânio, sendo indicado
substâncias, cefaleia progressiva, perda de uma Radiografia simples para descartar lesões
consciência, vômitos e náuseas - sintomas que de face e de crânio (DE ALMEIDA GEN-
podem apontar risco moderado de lesão cere- TILLE et al., 2011). Em caso de lesão apresen-
bral. A terceira classificação, de alto risco, tada em Raio-x, deve-se realizar uma Tomo-
44
grafia e permanecer internado no serviço de sonolência excessiva, irritabilidade e ansie-
admissão até transferência para serviço especi- dade, desmaio, fraqueza, perda de força mus-
alizado e avaliação por neurocirurgião. Nos cular e parestesia, dificuldade na fala ou com-
doentes sintomáticos ou com pontuação menor preensão e memória, distúrbios de personali-
que 15 na ECG, deverão ser submetidos prefe- dade, confusão mental ou rebaixamento do ní-
rencialmente a uma TC se disponível, ou em vel de consciência, náuseas, vômitos ou tontu-
caso negativo, a uma Radiografia de Crânio, ras e déficit auditivo ou visual (DE ALMEIDA
sendo encaminhados para um serviço de refe- GENTILLE et al., 2011).
rência para realização da Tomografia quando
for possível a transferência. Esses pacientes se- CONDUTA NO TRAUMATISMO CRANI-
rão internados e somente receberão alta após OENCEFÁLICO MODERADO E GRAVE
melhora dos sintomas e resultados dos exames
O traumatismo cranioencefálico mode-
de imagem (TC) que devem ser realizados no
rado pode ser diferenciado do TCE grave por
3º e 5º dia (dias de pico de edema), em caso de
meio da Escala de Coma de Glasgow. Os paci-
lesão estabilizada, recebe alta de acordo com o
entes afetados pelo TCE moderado apresentam
protocolo neurocirúrgico (ANDRADE et al.,
ECG entre 9 e 12, representam aproximada-
2015).
mente 10% dos casos e manifestam confusão
A Tomografia Computadorizada de Crâ-
mental, sonolência, nível de consciência rebai-
nio deve ser o exame de escolha em casos de
xado e déficits neurológicos focais (GE-
TCE Leve sempre que possível, pois é o exame
RHARDT et al., 2016). Já no TCE grave a es-
de imagem de melhor custo x benefício para
cala é igual ou menor a 8 e os pacientes pos-
observação de lesões intracranianas. O resul-
suem um risco aumentado para o desenvolvi-
tado negativo desse exame à admissão do pa-
mento de lesões intracranianas e outras com-
ciente, indica maior chance de bom prognós-
plicações, o que exige uma conduta terapêutica
tico e evolução sem sequela ou complicação
imediata com estabilização hemodinâmica e
neurológica. Caso o exame demonstre altera-
suporte ventilatório (GAGLIARDI & TAKA-
ções, o paciente necessitará de atendimento es-
YANAGUI, 2019). Os traumatismos graves e
pecializado e exames de controle de acordo
moderados têm uma probabilidade aumentada
com a evolução do quadro clínico (AF GEI-
de desenvolver um quadro de incapacidade se-
JERSTAM et al., 2006; SMITS et al., 2008).
vera e é menor a chance de uma recuperação
A utilização de medicamentos deve ser
boa, sem sequelas, quando comparado ao TCE
realizada somente com sintomáticos, pois não
leve (LINO et al., 2008).
há uma terapêutica farmacológica definida
A determinação da estratificação de risco
para o tratamento de concussão. Os cuidados
desses pacientes é orientada pela história clí-
gerais de pacientes vítimas de Trauma Cranio-
nica, exame físico e detalhada avaliação neu-
encefálico devem estar relacionados ao suporte
rológica. Ademais, há a busca de outros trau-
ventilatório, sedação e analgesia, controle gli-
mas por meio da diretriz do ATLS (Advanced
cêmico, suporte hemodinâmico e nutricional.
Trauma Life Support), uma vez que nos está-
As orientações para retorno ao serviço após a
gios moderados e graves o rebaixamento do ní-
alta são os sinais de alarme ou caso apresente
vel de consciência impossibilita o paciente de
sintomas de piora do quadro, como cefaleia,
45
relatar os sintomas. Essa busca por lesões se- mmHg, a hipotensão piora o prognóstico do
cundárias ao trauma deve ser feita precoce- paciente, reduzindo o fluxo sanguíneo cere-
mente, já que apresentam altos níveis de mor- bral, entretanto, esse controle deve ser preciso,
talidade e morbidade (DE ALMEIDA GEN- uma vez que a hipertensão também traz danos
TILE et al., 2011). ao SNC (DE ALMEIDA GENTILE et al.
O objetivo inicial do atendimento do pa- 2011).
ciente traumatizado é a sua estabilização em Dentre as diversas complicações e evo-
busca da prevenção de lesões secundárias. A luções do TCE, duas das mais preocupantes
realização da tomografia computadorizada é são as crises convulsivas e a hipertensão intra-
recomendada em quase todos esses pacientes, craniana. Com relação à hipertensão intracra-
porém o transporte para realização do exame niana, deve haver a monitorização pressórica,
de imagem só deve ser feito depois que o paci- principalmente nos pacientes com TCE grave
ente estiver estável. O TCE grave deve ser (GIUGNO, 2003). Já associada à Pressão de
abordado como um caso de comprometimento Perfusão Cerebral (PPC), deve ser mantida em
sistêmico, por isso a importância de exames de níveis adequados, para que haja preservação do
imagem e laboratoriais de emergência fluxo cerebral. Assim, diante de uma hiperten-
(AGUIAR,2018). Ainda, no atendimento ini- são craniana resultante do trauma, na tentativa
cial procura-se a manutenção e obtenção das de reduzir a Pressão Intracraniana (PIC) e es-
vias aéreas e avalia-se a necessidade da reali- tabilizar a PPC, são adotadas medidas farma-
zação de outros procedimentos, pois é necessá- cológicas. Como medida cirúrgica, uma alter-
rio garantir uma oxigenação adequada. Deve- nativa eficaz e capaz de reduzir a PIC é reali-
se atentar aos parâmetros hemodinâmicos do zação de cirurgia descompressiva, à exemplo
paciente e ofertar, caso necessário, substâncias da craniectomia descompressiva, em que re-
vasopressoras, cristalóides ou sangue. Outra tira-se parte da calota craniana com o objetivo
medida, consiste em colher o hemograma e, em de permitir a expansão do cérebro e, assim, o
pacientes do sexo feminino, o teste de gravi- alívio da pressão de maneira imediata (FA-
dez. Ainda, avalia-se a Escala de coma de LEIRO & MARTINS, 2014).
Glasgow, reatividade pupilar, alterações moto- A convulsão é uma complicação do TCE
ras e nos reflexos (DE ALMEIDA GENTILE que pode ser prevenida. Dentre os fatores clí-
et al., 2011). nicos mais associados ao desenvolvimento de
As consequências do paciente traumati- uma crise convulsiva estão a lesão cerebral se-
zado são inúmeras e podem levar ao compro- vera, pacientes do sexo masculino, indivíduos
metimento sistêmico. Esses pacientes costu- mais jovens, trauma com ferimentos penetran-
mam evoluir com uma instabilidade hemodinâ- tes e presença de hematomas, principalmente
mica, seja pela perda de volume, lesões mio- subdural (CARDOSO, 2004). As crises associ-
cárdicas ou alterações nas estruturas vascula- adas ao TCE não são apenas aquelas conside-
res, que culminam em uma redução ou perda radas imediatas, que ocorrem em até 24 horas
do controle da regulação cardiovascular. Para após o trauma, mas também as precoces que
estabilizar hemodinamicamente esse paciente, acontecem entre 24 horas e 7 dias, e aquelas
é necessário manter uma pressão arterial sistê- que surgem depois de 1 semana do trauma.
mica adequada, com a PA sistólica > 90 Para evitar a ocorrência dessas crises, em casos
46
de concussões e alguns HSAT, é preconizado difusa, sem hematomas, sem contusões e com
o uso de anticonvulsivantes (FERRAZ et al., TC sem alterações significativas não precisam
2015). A realização da profilaxia é baseada na do uso de anticonvulsivantes, essas drogas são
gravidade da lesão, nas alterações da TC e no mais usadas nos pacientes com lesão medular
exame neurológico, não sendo feita em todos (CRUZ, 2005). As drogas usadas estão repre-
os casos de TCE; pacientes sem lesão axonal sentadas na Tabela 5.1.
Midazolam Bolus 0,01-0,05 mg/kg seguido por Usar a menor dose efetiva.
infusão contínua de 0,02-0,1 mg/kg/h
(0,3-1,5 μg/kg/min).
Manitol 0,5-1 g/kg (média 0,7 g/kg). Não usar se osmolalidade sérica > 340
mOsm/L.
47
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, J.S., et al. Atendimento de Urgência ao GIUGNO, K.M. et al. Tratamento da hipertensão
Paciente Vítima de Trauma; Diretrizes clínicas; intracraniana intensiva. Jornal de Pediatria; 79(4):287-
Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo, 2018. 96, 2003.
AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS HSIANG, J.N. et al. High-Risk Mild Head Injury.
COMMITTEE ON TRAUMA. Advanced Trauma Life Journal of Neurosurgery, v. 87, n. 2, p.234-8, 1997.
Suport - ATLS. 10 ed., 2018.
LESUR, G.R. et al. Necessidade de tomografia
ANDRADE, A. F. et al. Neurotraumatologia. Rio de computadorizada em pacientes com trauma
Janeiro: Editora Guanabara Koogan LTDA, 2015. cranioencefálico de grau leve. Revista da Faculdade de
Ciências Médicas de Sorocaba, v. 19, n. 2, p. 76-80,
BELÉM, R.C. & NOGUEIRA, N.B. Manual de 2017.
condutas no trauma grave do Hospital de Base do
Distrito Federal / Instituto de Gestão Estratégica e LINO, J.C. Jr. et al. Abordagem do traumatismo
Saúde. Hospital de Base; Rodrigo Caselli Belém; Niedja cranioencefálico grave. Revista Médica de Minas
Bartira R. Nogueira, organizador. – Brasília: Gerais, v. 18, n. 3, p. 1-2, 2008.
IGESDF/Hospital de Base, 2019.
MCCRORY, P. et al. International Symposium on
CARDOSO, C.MF. - Fatores prognósticos para crise Concussion in Spot. Summary and agreement statement
epiléptica tônico-clônica generalizada na fase aguda do of the 2nd International Conference on Concussion in
traumatismo crânio-encefálico grave [TCC]. Sport. Prague 2004. Clin J Sport Med., v. 15, p. 48-55,
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005.
2004.
MENDES, P.D. et al. Distúrbios da consciência humana
CRUZ, J. Neuroemergências. São Paulo: Editora - parte 2 de 3: A abordagem dos enfermos em coma.
Atheneu, 2005. Revista Neurociencias, Viçosa, v. 20, n. 4, p. 576–583,
2012.
DE ALMEIDA GENTILE, J.K. et al. Condutas no
paciente com trauma crânioencefálico. Revista da MORGADO, F.L. & ROSSI, L.A. Correlação entre a
Sociedade Brasileira de Clínica Médica. São Paulo, v. 9, escala de coma de Glasgow e os achados de imagem de
n. 1, p. 74-82, 2011. tomografia computadorizada em pacientes vítimas de
traumatismo cranioencefálico. Radiologia Brasileira, v.
DO ESPÍRITO SANTOS, R.R. & COSTA, G. de L.C. 44, n. 1, p. 35-41, 2011.
Traumatismo cranioencefálico: um estudo das
proporções dos tratamentos conservadores no Brasil. RUFF, R.M. & JURICA, P. In search of a Unified
Pará Research Medical Journal, v. 4, p. 0-0, 2021. definition for mild traumatic brain injury. Brain Inj., v.
13, p. 943-52, 1999.
FALEIRO, R.M. & MARTINS, L.R.V. Craniotomia
descompressiva: indicações e técnicas. Revista Medica SABOORI, M. et al. Indications for Brain CT Scan in
de Minas Gerais, v. 24, n. 4, p. 509-514, 2014. Patients with Minor Head Injury. Clinical Neurology
and Neurosurgery, v.109, p. 399-405, 2007.
FERRAZ, V.R. et al. - Uso de anticonvulsivantes no
traumatismo cranioencefálico. Neurociências, v. 23, n. SMITS, M. et al. External validation of the Canadian CT
1, p. 150-3, 2015. Head Rule and the New Orleans Criteria for CT
scanning in patients with minor head injury. JAMA, v.
GAGLIARDI, R.J. & TAKAYANAGUI, O.M. Tratado 294, n. 12, p. 1519-25, 2005.
de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 2
ed. São Paulo: Guanabara Koogan, 2019. SMITS, M. et al. Outcome after complicated minor head
injury. Am J Neuroradiol, v. 29, p. 506-13, 2008.
GATTÁS, G.S. Imagem no traumatismo craniano.
Revista de Medicina, v. 90, n. 4, p. 157-168, 2011. STEIN, S.C. & SPETTELL, C. The Head Injury
Severity Scale (HISS): a practical classification of
GEIJERSTAM, af J.L. et al. Medical outcome after closed-head injury. Brain Inj., v. 9, p. 437-44, 1995.
immediate computed tomography or admission for
observation in patients with mild head injury: SUKYS-CLAUDINO, L. Coma e morte encefálica.
randomised controlled trial. BMJ, v. 333, n. 7566, p. Hu/Ufsc, 2015.
465, 2006.
GERHARDT, S. et al. Trauma Cranioencefálico. Acta
Médica, v. 37, n. 5, 2016.
48
CAPÍTULO 06 PRINCIPAIS SEQUELAS DO
CAPÍTULO 06
TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO
PRINCIPAIS SEQUELAS DO
Cranioencefálico.
TRAUMATISMO
CRANIOENCEFÁLICO
49
PALAVRAS-CHAVE: Epilepsia Pós Traumática; Cefaleia Pós
Traumática; Síndrome de Disfunção Autonômica
Pós-traumatismo Cranioencefálico.
INTRODUÇÃO As causas mais comuns de TCE no Bra-
sil são as quedas e os acidentes de trânsito, os
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é
quais deixaram inválidas mais de um milhão de
qualquer lesão decorrente de um trauma ex-
pessoas nos últimos 10 anos (MAGALHÃES,
terno, que tenha como consequência alterações
2017).
anatômicas do crânio, como fratura ou lacera-
Para Andrade et al. (2015), tendo em
ção do couro cabeludo, bem como o compro-
vista a relevância epidemiológica, o sofri-
metimento funcional das meninges, encéfalo
mento do paciente e os elevados custos socio-
ou seus vasos, resultando em alterações cere-
econômicos, é necessária a compreensão ade-
brais, momentâneas ou permanentes, de natu-
quada do TCE para que as sequelas sejam as
reza cognitiva ou funcional (MINISTÉRIO
menores possíveis.
DA SAÚDE, 2015, apud MENON et al.,
As incapacidades resultantes do TCE po-
2010).
dem ser divididas em três categorias: físicas,
Segundo Magalhães (2017), o TCE é
cognitivas e emocionais/comportamentais
considerado a maior causa de morte e incapa-
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015).
cidade em todo mundo, principalmente entre
adultos jovens. No Brasil, estima-se que mais
ASPECTOS FÍSICOS
de um milhão de pessoas vivem com sequelas
neurológicas decorrentes do TCE. As alterações físicas se manifestam em
Em relação ao gasto com a saúde pú- diversos sistemas, tais como aparelhos muscu-
blica, Magalhães (2017) descreve que, nos Es- loesquelético, cardiovascular, trato intestinal,
tados Unidos, quando considerados apenas ca- sistema endócrino, trato urinário, dinâmica res-
sos leves e moderados de TCE, o que corres- piratória, além de comprometimentos no sis-
ponde a 75% dos casos, são desembolsados tema sensório-motor. (MINISTÉRIO DA SA-
cerca de 17 bilhões de dólares anualmente. Já ÚDE, 2015 apud DELISA; GANS, 2002;
no Brasil, apesar dos escassos estudos, dados GEURTS et al., 1996; RADER; ALSTON;
de 2008 a 2012, revelam cerca de 125.500 in- ELLIS, 1989).
ternações hospitalares anuais relacionados ao Do ponto de vista musculoesquelético
TCE e, quanto ao impacto financeiro, apontam podem ser observados alteração do tônus e
que os custos diretos anuais com internações postura, podendo evoluir para um quadro de
somaram R$ 156.300.000. espasticidade e ataxia, cursando com dificul-
A recuperação dos sobreviventes ao TCE dade para coordenar movimentos. (MINISTÉ-
é marcada por sequelas neurológicas graves e RIO DA SAÚDE, 2015 apud CAVALCANTI;
por uma qualidade de vida muito prejudicada GALVÃO, 2007). Isto, somado ao período de
(GAUDÊNCIO & LEÃO, 2012). Segundo Je- imobilização pós-traumático, costumam de-
rônimo (2014), o TCE pode ocasionar incapa- senvolver contraturas/encurtamento da pele,
cidade ou óbito, mudar permanentemente as tendões, ligamentos, músculos ou cápsula arti-
habilidades e perspectivas do indivíduo e mo- cular (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015 apud
dificar a vida de seus familiares, além de deixar TROMBLY, 2005).
sequelas, perdas produtivas e despesas diretas Em alguns casos observa-se a presença
e indiretas. do padrão hemiplégico e ou hemiparético, que
50
são caracterizados pela abolição da função de tema nervoso central, causando ainda maior
um hemicorpo (hemiplegia) e diminuição da prejuízo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015
função de um hemicorpo (hemiparesia), com apud SPENCER et al., 2006; DYKSTRA;
alterações de marcha e mobilidade funcional HAKEL; ADAMS, 2007; GUO; TOGHER,
de membro superior e de membro inferior (MI- 2008; MUNJAL; PANDA; PATHAK, 2010a,
NISTÉRIO DA SAÚDE, 2015). 2010b).
Os distúrbios sensoriais decorrentes do Dessa forma, podemos dividir as princi-
TCE ocasionam a perda da capacidade de dis- pais sequelas nas seguintes categorias (MINIS-
criminação tátil, dor, temperatura, textura e TÉRIO DA SAÚDE, 2015):
propriocepção. Observam-se também déficits ● Alterações motoras, como tônus mus-
na percepção auditiva, gustativa, olfativa e vi- cular, postura, marcha, paresias coordenação
sual (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015 apud de movimentos e tremores involuntários;
CAVALCANTI; GALVÃO, 2007). ● Alterações sensoriais, como diminui-
Segundo Ministérios da Saúde (2015), a ção ou perda da sensibilidade tátil, térmica, do-
função de deglutição também pode ser com- lorosa, de propriocepção, assim como diminui-
prometida em decorrência do trauma cranioen- ção dos sentidos gustativo, olfativo, auditivo e
cefálico. Pessoas com TCE podem ter como visual, que podem diminuir a conexão do indi-
uma de suas sequelas sensório-motoras a dis- víduo com o mundo ao seu redor;
fagia orofaríngea, comprometendo aspectos ● Alterações musculoesqueléticas, como
clínicos, nutricionais e/ou sociais do indivíduo. encurtamento de pele, tendões e músculos e os-
Tal condição pode se complicar por aspiração sificação heterotrópica neurogênica, que geral-
de material para as vias aéreas podendo levar à mente acomete o quadril, joelho e cotovelo;
morte. ● Alterações sensório-motoras, como di-
Do ponto de vista físico, é comum ainda ficuldade de falar de forma correta, pelo dano
o comprometimento da fala do indivíduo aco- de regiões cerebrais responsáveis pelo controle
metido. Isso ocorre quando o trauma compro- nervoso e muscular desse ato, levando à disar-
mete áreas do cérebro responsáveis pelo con- tria e consequentemente menor comunicação
trole da execução dos movimentos necessários social;
à produção da fala, em especial o tronco ence- ● Alterações de trato gastrointestinal,
fálico, provocando um distúrbio neuromotor como problemas na deglutição, que podem le-
denominado disartria. O paciente acometido var à aspiração de alimentos, tosses e hipóxia.
pode apresentar dificuldade de produzir fala Esses estão presentes principalmente quando
inteligível, afetando sua capacidade de comu- há alteração cognitiva após o traumatismo.
nicação e interação social. Pode haver também Em relação aos tipos de sequelas mais re-
incapacidade na própria produção de palavras, levantes de um trauma cranioencefálico, pode-
conhecido como disfasia e afasia, comum mos citar a epilepsia pós-traumática, cefaleia
quando existe lesão nos locais de projeção da pós-traumática, síndrome de disfunção autonô-
fala. A dificuldade na fala pode ser acompa- mica pós-traumatismo crânio encefálica, es-
nhada ou não de danos à audição, devido à le- pasticidade pós-traumática e morte encefálica
são de estruturas periféricas ou mesmo do sis- (ANDRADE, 2015).
51
EPILEPSIA PÓS-TRAUMÁTICA Fatores de risco para a ocorrência de cri-
ses pós traumáticas:
A epilepsia pós-traumática é uma com-
● Crise precoce:
plicação caracterizada por crises epilépticas se-
- Hematoma intraparenquimatoso agudo;
cundárias à lesão cerebral gerada por um
- Hematoma subdural agudo (em crian-
trauma, e pode ser classificada de acordo com
ças);
o tempo entre o trauma e a crise epiléptica. Cri-
- Jovens;
ses que são desencadeadas dentro de 24 h do
- Trauma grave;
TCE são chamadas de crises imediatas; as cri-
- Alcoolismo crônico.
ses desencadeadas entre 24h e 7 dias do TCE
● Crise tardia:
são chamadas de crises pós-traumáticas preco-
- Crise precoce;
ces; e aquelas desencadeadas após 7 dias são
- Hematoma intraparenquimatoso agudo;
chamadas de crises pós-traumáticas tardias,
- Hematoma subdural agudo (todas as
podendo ocorrer inclusive anos após o trauma.
idades);
As crises imediatas e pós-traumáticas precoces
- Trauma grave;
são consideradas crises provocadas, pois têm
- Idade > 65 anos.
como fator desencadeante o TCE. Já a crise tar-
Com o avançar dos tempos, a melhora no
dia pode ser provocada ou não, caso não haja
atendimento e a maior rapidez do diagnóstico
fator desencadeante associado. Além disso, es-
fizeram com que a taxa de mortalidade caísse
tima-se que 86% dos pacientes com crise pós-
de 50% para 30%, em 30 anos. Porém, ainda é
traumática tardia tiveram sua segunda crise em
uma causa de incapacidade. Em pacientes com
2 anos.
trauma leve, 10% apresentarão incapacidade
Segundo o Ministério da Saúde (ano?), a
permanente, da mesma forma que 66% dos pa-
definição de epilepsia requer a ocorrência de
cientes com trauma moderado e a maioria dos
pelo menos uma crise epiléptica. Entretanto, a
casos graves.
epilepsia pode ser definida por uma das seguin-
No geral, seu risco após o trauma varia
tes condições:
de 2 a 5%, entretanto, esse valor pode aumen-
● Ao menos duas crises não provocadas
tar para 7 a 39% caso seja um paciente com le-
ocorrendo com intervalo maior que 24 horas;
são cortical e sequelas neurológicas, e, ainda,
● Uma crise não provocada e probabili-
para 57% caso haja lesão dural. Em crianças, a
dade de novas crises ocorrerem nos próximos
incidência varia de 0,2% a 9,8%, tendo uma
10 anos;
predominância de crises precoces e imediatas
● Diagnóstico de uma síndrome epilép-
(Gráfico 6.1).
tica.
52
Gráfico 6.1 Risco de desenvolvimento de Epilepsia pós-traumática
53
Tabela 6.1 Classificação das cefaleias pós-traumáticas (CPT)
TIPO CARACTERÍSTICAS
54
agride ao invés de proteger, podendo causar in- Geralmente, a espasticidade é acompa-
clusive a morte do paciente. nhada de ativação muscular voluntária e inter-
Essas alterações autonômicas são inco- mitente, resultando em fraqueza e falta de des-
muns em pacientes com TCE e cursam com di- treza ao realizar movimentos voluntários.
sautonomia (síndrome de hiperatividade sim- Sendo claro a individualidade de cada paci-
pática e muscular paroxística). ente, pois a extensão e o tipo de espasticidade
● Hiperatividade autonômica: elevação podem variar de acordo com a postura, fadiga,
da frequência cardíaca, da frequência respira- estresse; além do fato de que a espasticidade de
tória, da temperatura corporal, da pressão arte- um membro pode ser diferente da espastici-
rial sistêmica e sudorese de maneira significa- dade de outro membro, em uma mesma pessoa.
tiva. A espasticidade pode ser dividida em ge-
● Hiperatividade muscular paroxística: neralizada, multifocal ou focal; mas é interes-
postura de descerebração ou decorticação, dis- sante lembrar que o termo “focal" não diz res-
tonia, rigidez e espasticidade. peito à espasticidade em si, mas sim a alteração
Essa síndrome, apesar de ser uma com- focal gerada pela espasticidade.
plicação pós-traumática conhecida, também Pacientes com espasticidade têm sua
pode ocorrer em casos de acidente vascular en- funcionalidade prejudicada, sentem muita dor
cefálico, hipóxia cerebral na ausência de outras e cursam com alterações de sono, sendo um
lesões, hidrocefalia aguda, tumores cerebrais, grande desafio para a equipe de reabilitação e
etc. para os cuidadores. Entretanto, é crucial co-
Estima-se que a incidência dessa sín- nhecer bem essa complicação, pois quanto an-
drome em pacientes com TCE grave seja de 8 tes o paciente for mandado para a reabilitação,
a 33%. Como resultado dessas alterações auto- maior e melhor será o resultado encontrado, re-
nômicas geradas, há um aumento significativo cuperando a funcionalidade do paciente e re-
da morbimortalidade e do tempo de internação duzindo o número de complicações.
dos pacientes. Apesar de a fisiopatologia não ser total-
mente conhecida, acredita-se que sinais aferen-
ESPASTICIDADE PÓS-TRAUMÁTICA tes dos membros e sinais descendentes de ori-
gem supraespinal sofrem alterações no nível
A espasticidade é definida como au-
medular por sistemas interneuronais. Porém, a
mento da disfunção motora caracterizada pelo
espasticidade não é causada por apenas um me-
aumento velocidade-dependente dos reflexos
canismo e está vinculada a diferentes manifes-
de estiramento tônicos, espasmos dos flexores
tações, como dito anteriormente neste capítulo.
e extensores, e reflexos cutâneos exacerbados.
Para fazer a avaliação do paciente com
Além disso, é uma complicação comum em pa-
espasticidade pós-traumática é importante
cientes do TCE, sendo a principal causa de in-
compreender qual a expectativa do paciente e
capacidade nos pacientes com trauma grave e
dos seus familiares quanto ao tratamento, de-
causadora de limitações funcionais. Pacientes
vendo ser feita em um intervalo de dias ou se-
que complicam com espasticidade têm o risco
manas, pois a intensidade da espasticidade va-
aumentado em 85% para desenvolvimento de
ria com o tempo. Essa avaliação pode ser feita
contraturas musculares deformantes.
com o auxílio de diversas escalas, que levarão
55
em consideração o reflexo do estiramento, au- ● Exame complementares obrigatórios
mento do tônus muscular, frequência dos es- que comprovem a ausência de atividade ence-
pasmos, o grau de dependência do indivíduo, fálica.
entre outros fatores. Os exames complementares a serem rea-
O tratamento da espasticidade pós-trau- lizados devem ser os seguintes: angiografia ce-
mática tem como objetivo a recuperação do pa- rebral, Doppler transcraniano, cintilografia
ciente, o controle da dor, e a melhora da quali- (SPECT) e eletroencefalograma. Esses exames
dade de vida, podendo ser feita de maneira me- devem comprovar pelo menos uma das seguin-
dicamentosa ou cirúrgica. tes condições: ausência de perfusão sanguínea
encefálica; ausência de atividade metabólica
MORTE ENCEFÁLICA encefálica; ou ausência de atividade elétrica
encefálica.
O TCE é uma das principais causas de Além disso, o laudo deve ser assinado
morte encefálica, que se caracteriza pelo es- obrigatoriamente por profissional com com-
tado clínico irreversível no qual as funções ce- provada experiência e capacitação para reali-
rebrais (telencéfalo e diencéfalo) e do tronco zação desse tipo de exame, não necessaria-
encefálico estão irremediavelmente compro- mente um neurologista ou neurocirurgião. Le-
metidas (MORATO, 2009). galmente, o horário da morte do paciente é o
Em 2017, o Conselho Federal de Medi- horário em que o último procedimento de de-
cina (CFM) definiu que para que os procedi- terminação da morte encefálica foi feito, regis-
mentos de determinação da morte encefálica tradas no Termo de Declaração de Morte En-
sejam iniciados, o paciente deve apresentar os cefálica (DME).
seguintes critérios: presença de lesão encefá-
lica de causa conhecida e irreversível; ausência ASPECTOS COGNITIVOS E COMPOR-
de fatores tratáveis que possam confundir o di- TAMENTAIS
agnóstico de morte encefálica; tratamento e
observação em hospital pelo período mínimo Alterações de atenção, memória e função
de seis horas (Encefalopatia hipóxico-isquê- executiva são as mais comumente encontradas
mica o período deve ser de 24 horas); tempera- após o TCE (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
tura corporal > 35ºC, saturação arterial acima 2015). Como consequência, pode ser obser-
de 94% e pressão arterial sistólica ≥ 100 vado nesses pacientes uma maior dificuldade
mmHg (menores de 16 anos há variação no va- de se manter em um emprego e de se relacionar
lor da pressão arterial). socialmente (FANN et al., 2009). Além disso,
Ademais, para que seja determinada a problemas psiquiátricos debilitantes, como de-
morte encefálica (ME), deve-se seguir os se- pressão, ansiedade e abuso de álcool, são co-
guintes requisitos: muns entre pessoas que sofreram TCE. Assim,
● Dois exames clínicos que confirmem os pacientes podem sofrer incapacidades cog-
coma não perceptivo e ausência de função da nitivas, emocionais e funcionais prolongadas,
morte encefálica; com impacto significativo sobre qualidade de
● Teste de apneia que confirme a ausên- vida (PAVLOVIC et al., 2019)
cia de movimentos respiratórios após estimu- A atenção está relacionada a processos
lação máxima dos centros respiratórios; mentais que possibilitam o estado de alerta,
56
além de ser essencial para outros processos controle das funções cognitivas (como a aten-
mentais. Após um TCE, o indivíduo fica mais ção e a memória), comportamento social, etc.
vulnerável para os déficits de orientação, aten- Desta forma, as alterações manifestam-se
ção e concentração, principalmente na fase como problemas nas atividades de vida diária,
aguda da lesão (MINISTÉRIO DA SAÚDE, incluindo comportamento social inapropriado,
2015; PODELL, 2010). dificuldades de planejamento, distraibilidade e
A memória, por sua vez, é uma das fun- dificuldades em situações envolvendo a me-
ções centrais da cognição humana, que envolve mória (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015).
a habilidade de adquirir, armazenar e evocar Os pacientes podem apresentar mais de
informações. Alterações nessa função podem um padrão de alteração, como evidenciado na
estar presentes em todas as fases da lesão: na tabela 6.2, e a gravidade do TCE será determi-
fase aguda, pode-se apresentar amnésia pós- nante se haverá ou não sequelas significativas.
traumática como resultado da concussão; na Após um TCE leve, pode-se apresentar altera-
fase crônica, as alterações estão associadas ao ções na fase pós-aguda que não irão se carac-
aumento da distração, comprometimento da terizar como sequelas permanentes, porém,
atenção, memória de trabalho, recuperação de embora muitos pacientes aparentam não ter al-
informações e disfunção executiva (MINISTÉ- terações cognitivas, estes poderão apresentar
RIO DA SAÚDE, 2015; FLYNN, 2010) dificuldades para retomar as atividades pré-
Funções executivas dizem respeito a di- vias. Já no TCE grave, podem-se observar
versos aspectos do comportamento humano, comprometimentos em diversos aspectos, sem
como criação e gerenciamento de metas, orga- que seja possível determinar um padrão único
nização, iniciativa, inibição, automonitora- de alterações (SPANHOLI, 2007; GOUVEIA,
mento, capacidade de resolução de problemas, 2004).
57
Tabela 6.2 Tipos de alterações cognitivas, linguísticas, comportamentais e emocionais após TCE.
ALTERAÇÕES CARACTERÍSTICAS
● Depressão;
● Ansiedade;
● Impulsividade ou desinibição;
● Apatia;
Comportamentais e ● Falta de iniciativa;
emocionais ● Irritabilidade;
● Agressividade;
● Distúrbio do sono;
● Agitação;
● Problemas na área sexual.
Fonte: Adaptada de Ministério da Saúde, 2015.
58
Neste momento, será fundamental defi- gow de 9 a 12 são considerados como TCE mo-
nir o valor da Escala de Coma de Glasgow em derado, e os abaixo de 9 são classificados como
que se encontra o paciente, para auxiliar a de- TCE grave, o que implica que todos são de alto
finir os pacientes que terão alta imediata, ou os risco (BRASIL, 2015).
que ficarão em observação (BRASIL, 2015). Portanto, o tempo e agilidade são cruci-
Pacientes pós-TCE que possuem Escala ais no atendimento em uma situação de TCE
de Coma de Glasgow entre 13 a 15 são consi- para tentar minimizar as consequências e inter-
derados TCE leve, dentro deste grupo, podem corrências que aquele paciente pode vir a ter, e
ser divididos em risco baixo, moderado e alto, que podem ser fatores agravantes, irreversí-
o que implicará no tempo de permanência, e na veis, causadores de um pior prognóstico e até
propedêutica. Aqueles que apresentam Glas- mesmo fatais (HÄRTL et al., 2006).
59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, A.F. et al. Guidelines for neurosurgical GAUDÊNCIO, T. & LEÃO, G.A Epidemiologia do
trauma in Brazil. World Journal of Surgery, v. 25, n. 9, Traumatismo Crânio-Encefálico: Um Levantamento
p. 1186-1201, 2001a. Bibliográfico no Brasil. Revista Neurociências,
21(3):427-434, 2014.
ANDRADE, A. et al. Neurotraumatologia, 1. ed.
Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2015. GOUVEIA, P.A.R. & Fabrício, A.M. Avaliação
Neuropsicológica em Traumatismo Cranioencefálico.
BAANDRUP, L. & JENSEN, R. Chronic post-traumatic Neuropsicologia Hoje. São Paulo: Artes Médicas, 2004.
headache–a clinical analysis in relation to the
international headache classification. 2nd edition. HÄRTL, R. et al. Direct transport within an organized
Cephalalgia, v. 25, n. 2, p. 132-138, 2005. state trauma system reduces mortality in patients with
severe traumatic brain injury. J. Trauma, [S.l.], v. 60, n.
BAGULEY, I.J. et al. Dysautonomia and heart rate 6, p. 1250-1256, 2006.
variability following severe traumatic brain injury.
Brain Injury, v. 20, n. 4, p. 437-444, 2006. JERÔNIMO, A. et al. Fatores relacionados ao
prognóstico de vítimas de traumatismo
BARNES, M.P. Management of spasticity. Age and cranioencefálico: uma revisão bibliográfica. Arquivos
Ageing, v. 27, n. 2, p. 239-245, 1998. Brasileiros de Neurocirurgia, 33(3): 165-9, 2014.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à KEIDEL, M. & RAMADAN, N.M. Acute Posttraumatic
Saúde. Departamento de Ações Programáticas Headache. In: Olesen J, Tfelt-Hansen P, Welch KMA,
Estratégicas. Diretrizes de atenção à reabilitação da editors. The Headaches. Philadelphia: Lippincott,
pessoa com traumatismo cranioencefálico. Brasília, Williams & Wilkins, 2000:765–70.
2015.
KRAUS, J.F. & NOURJAH, P. The epidemiology of
BRASIL. Resolução nº 2.173, de 23 de novembro de mild, uncomplicated brain injury. The Journal of
2017. Define os critérios do diagnóstico de morte trauma, v. 28, n. 12, p. 1637-1643, 1988.
encefálica. Diário Oficial da União, [2017]. Disponível
em: MAGALHÃES, A. et al. Epidemiologia do
https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20171205/ Traumatismo Cranioencefálico no Brasil. Revista
19140504-resolucao-do-conselho-federal-de-medicina- Brasileira de Neurologia, 53 (2): 15-22, 2017.
2173-2017.pdf
MAGALHÃES, F.N. et al. Considerações sobre a
BROCK, R.S. & CERQUEIRA DIAS, P.S.S. Trauma de síndrome da disfunção autonômica pós-traumatismo
crânio. 2008. cranioencefálico: fisiopatologia e tratamento. Arquivos
Brasileiros de Neurocirurgia: Brazilian Neurosurgery, v.
CAVENESS, W.F. et al. The nature of posttraumatic 31, n. 02, p. 75-80, 2012.
epilepsy. Journal of neurosurgery, v. 50, n. 5, p. 545-
553, 1979. NAMPIAPARAMPIL, D.E. Prevalence of chronic pain
after traumatic brain injury: a systematic review. Jama,
Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com v. 300, n. 6, p. 711-719, 2008.
traumatismo cranioencefálico / Ministério da Saúde.
Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações PAVLOVIC, D. et al. Traumatic brain injury:
Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da neuropathological, neurocognitive and neurobehavioral
Saúde, 2015 sequelae. Pituitary. 2019.
ELOVIC, E.P. et al. Outcome assessment for spasticity PODELL, K. et al. Neuropsychological assessment in
management in the patient with traumatic brain injury: traumatic brain injury. Psychiatr. Clin. N. Am., [S.l.], v.
the state of the art. The Journal of head trauma 33, n. 4, p. 855-876, 2010.
rehabilitation, v. 19, n. 2, p. 155-177, 2004.
RODRIGUES, M. et al. Epidemiologia de traumatismo
FEENEY, D.M. & WALKER, A.E. The prediction of cranioencefálico em um hospital. Revista da Sociedade
posttraumatic epilepsy: a mathematical approach. Brasileira de Clínica Médica, v. 16, n. 1, p. 21-4, 2019.
Archives of neurology, v. 36, n. 1, p. 8-12, 1979.
SPANHOLI, L.E. Efeitos Neuropsicológicos Do
FLYNN, F.G. Memory impairment after mild traumatic Traumatismo Cranioencefálico. Psychological online
brain injury. Continuum: Lifelong Learn. Neurol., [S.l.], Brasil, v. 12, n. 8, 2007.
v. 16, n. 6, p. 79-109, 2010.
60
WIESENDANGER, M. Neurophysiological bases of orthopaedics and related research, n. 219, p. 93-96,
spasticity. In: Neurosurgery for spasticity. Springer, 1987.
Vienna, p. 15-19, 1991.
YOUNG, R.R. Spasticity: a review. Neurology, v. 44, n.
YARKONY, G.M. & SAHGAL, V. Contractures. A 11 Suppl 9, p. S12-20, 1994.
major complication of craniocerebral trauma. Clinical
61
CAPÍTULO 07 REABILITAÇÃO
CAPÍTULO 07
PÓS-TRAUMATISMO
CRANIOENCEFÁLICO
REABILITAÇÃO PÓS-
Reabilitação Neurocognitiva; Reabilitação
Comportamental.
TRAUMATISMO
CRANIOENCEFÁLICO
62
PALAVRAS-CHAVE: Reabilitação Física; Reabilitação
Neurocognitiva; Reabilitação Comportamental
INTRODUÇÃO Além do efeito lesivo, o próprio TCE in-
duz uma resposta neuro-regenerativa, inclu-
A ocorrência do traumatismo cranioen-
indo neurogênese, angiogênese e plasticidade
cefálico (TCE) pode causar um impacto signi-
cerebral. Entretanto, os mecanismos de regene-
ficativo na vida do paciente e de seus familia-
ração espontânea apresentam uma vida curta e
res, com prejuízos físicos e sociais devastado-
não conseguem competir de maneira satisfató-
res, de forma temporária ou permanente, sendo
ria com o agravamento dos danos. Nesse con-
uma importante causa de morbimortalidade em
texto, a reabilitação motora e neurocognitiva se
todo o mundo e o principal determinante de in-
destacam como terapêuticas fundamentais, ba-
capacidade dentre os traumas (HC-UFTM,
seadas em estratégias reparadoras e compensa-
2018; MANI et al., 2017).
tórias, que se adaptam aos recursos e aos défi-
De maneira geral, traumas leves tendem
cits dos pacientes. Estas atuam através do estí-
a cursar com uma recuperação sem maiores
mulo de circuitos neuronais sensoriais ou mo-
complicações e com a possibilidade de retorno
tores específicos, a depender do tipo e nível da
às atividades pré-trauma, dificilmente necessi-
lesão e de deficiência e, assim, promovem e
tando de reabilitação durante a internação.
potencializam os mecanismos regenerativos,
Traumas moderados ou graves tendem a evo-
com aumento do reparo e plasticidade do cére-
luir com sequelas e limitações mais significati-
bro após o trauma (MAGGIO et al., 2019).
vas (GAGLIARDI & TAKAYANAGUI, 2019).
A reabilitação pós-TCE costuma ser um
O TCE grave está associado a sequelas neuro-
processo longo e tem como objetivos a recupe-
lógicas graves e prejuízo significativo da qua-
ração funcional, a melhora da qualidade de
lidade de vida, com uma taxa de mortalidade
vida, e o restabelecimento da independência do
que varia de 30% a 70% (HC-UFTM, 2018).
paciente. O auxílio da equipe multidisciplinar
O TCE pode resultar em déficits que en-
é essencial para o planejamento de uma abor-
globam três esferas principais: física, cognitiva
dagem individualizada, de forma a abranger as
e comportamental ou emocional. As conse-
particularidades do caso e de cada indivíduo
quências físicas são as mais aparentes e in-
(BRASIL, 2015; ALMEIDA et al., 2012).
cluem distúrbios motores, visuais, sensoriais,
A reabilitação pode ser dividida em três
da fala etc. A esfera cognitiva está relacionada
fases: aguda, subaguda e ambulatorial. A fase
a déficits na atenção e concentração, memória,
aguda ocorre no hospital, sendo iniciada assim
aprendizagem e reconhecimento de objetos e
que o paciente estiver clinicamente estável, e
funções executivas, e a comportamen-
tem como metas garantir a sobrevida; minimi-
tal/emocional se relaciona com depressão, an-
zar lesões secundárias e deficiências; evitar de-
siedade, dificuldade de autocontrole etc. Defi-
mais complicações; e promover desmame pro-
ciências nestas áreas interferem, sobretudo, na
gressivo dos cuidados intensivos. A fase suba-
qualidade de vida do paciente a longo prazo. A
guda, ainda em ambiente hospitalar, tem como
identificação dos déficits e sua extensão, bem
objetivo auxiliar no processo de independência
como das funções e habilidades preservadas é
física, cognitiva e psicossocial, com redução
o primeiro passo no estabelecimento de metas
dos déficits ocasionados pelo TCE. A reabili-
para o processo de reabilitação pós-TCE (HC-
tação ambulatorial promove a continuidade do
UFTM, 2018; ALMEIDA et al., 2012).
63
acompanhamento e dos cuidados iniciados an- com fisioterapia motora e respiratória (BRA-
teriormente, a fim de restabelecer habilidades SIL, 2015; FREIRE, 2018). Ela tem o objetivo
cognitivas básicas e ganhos motores, reintegrar de prevenir futuras complicações e maiores se-
o indivíduo na sociedade e contribuir com a quelas provenientes do TCE (BRASIL, 2015;
qualidade de vida (FREIRE, 2018; BRASIL, CNOSSEN et al., 2017). Isso se dá, pois a le-
2015). são neurológica do TCE prejudica diversas
É importante que a reabilitação seja ini- áreas do sistema nervoso central, causando
ciada de forma precoce, pois se relaciona à oti- uma disfunção cerebral, e, consequentemente,
mização dos resultados, com menor tempo de impedimento da realização de suas funções,
internação e duração da reabilitação, e maior como a movimentação e a sensibilidade (BRA-
recuperação funcional. A continuidade do pro- SIL, 2015; DANG et al., 2017). Estudos atuais
cesso ambulatorialmente é um dos fatores de- mostram que a morte de neurônios e a ruptura
terminantes para que tais benefícios sejam al- dos vasos sanguíneos cerebrais são as princi-
cançados (FREIRE, 2018; BRASIL, 2015). pais causas de morte, por esse motivo, a reabi-
Nos primeiros 6 meses após o TCE, a terapêu- litação física tem como foco estímulos neuro-
tica potencializa a melhora do paciente, de nais e da angiogênese, o que se relaciona com
forma a estimular a restituição funcional até um melhor prognóstico, pois resulta em uma
cerca de 2 anos após a lesão cerebral. Entre- menor taxa de complicações, e maior quali-
tanto, à medida que as sequelas aparecem, a re- dade de vida (BRASIL, 2015; FREIRE, 2018).
cuperação ocorre de forma mais lenta, podendo É de grande relevância que sejam reali-
se prolongar por anos. Estima-se que 50% a zados cuidados multidisciplinares com em-
75% dos indivíduos que sofreram TCE apre- prego de fisioterapia, terapia ocupacional, fo-
sentam déficits comportamentais e cognitivos, noaudiologia, além do uso de dispositivos de
com acompanhamentos que duram até 15 anos assistência, favorecendo o fortalecimento fí-
(ANDRADE et al., 2015). sico desse paciente para o retorno às suas ati-
Dessa forma, a reabilitação se torna uma vidades cotidianas (GEORGES & BOOKER,
estratégia essencial na recuperação clínica do 2021). Esse processo pode incluir o uso de me-
paciente pós-TCE, de forma a promover uma dicamentos sistêmicos, em conjunto com as
melhora funcional e da qualidade de vida. Des- medidas funcionais. A espasticidade, por
tacam-se a reabilitação física e a neurocogni- exemplo, pode ser resolvida pelo uso de drogas
tiva e comportamental, cada uma com caracte- que diminuem o tônus muscular e, ainda, pelo
rísticas próprias no que diz respeito à forma de bloqueio químico neuromuscular, como a to-
avaliação e manipulação do paciente, bem xina botulínica (BRASIL, 2015). Quando as
como estratégias e planos de recuperação dis- medidas clínicas e medicamentosas não são su-
tintos. ficientes para a reabilitação do paciente, ele
deve ser referenciado para a avaliação de pro-
REABILITAÇÃO FÍSICA fissionais especializados quanto a um trata-
mento cirúrgico (BRASIL, 2015).
O processo de reabilitação funcional
A reabilitação física inclui diversas me-
deve ter início ainda no ambiente hospitalar,
didas com objetivos distintos (ROGER et al.,
tão logo o paciente apresente melhora clínica,
2017). Por exemplo: bom posicionamento no
64
leito, manter postura correta e treinar permane- REABILITAÇÃO NEUROCOGNITIVA E
cer na posição ortostática, auxiliam no alinha- COMPORTAMENTAL
mento postural e na inibição de reflexos tôni-
A reabilitação neurocognitiva consiste
cos primitivos; mobilização passiva dos mem-
em uma tentativa de garantir que o paciente
bros, ajuda na amplitude das articulações, no
que sofreu um TCE tenha uma melhor quali-
controle do tônus muscular e gera analgesia; e,
dade de vida, uma vez que tem como foco re-
além disso, estimular a mobilidade ativa, como
cuperar as habilidades perdidas e a adaptação à
rolar, uso de membros superiores, e troca de
sua nova realidade, sendo realizada de prefe-
posição e transferência de locais, auxiliam na
rência nos primeiros seis meses após o TCE
mobilidade e independência do indivíduo
(ABUHAMAD, 2016). Para tanto, é necessário
(BRASIL, 2015; FREIRE, 2018).
que os profissionais da saúde elaborem um
Esse processo envolve o tratamento da
plano de reabilitação a ser seguido pelo paci-
dor, o qual objetiva proporcionar qualidade de
ente, levando em conta o seu estilo de vida, sua
vida e evitar comprometimento da rotina do
profissão, seu ciclo familiar e sua rede de
paciente, principalmente, em se tratando de dor
apoio, com o intuito de aumentar o desenvol-
crônica. Recomenda-se a abordagem multidis-
vimento de habilidades que mais impactam em
ciplinar para o tratamento da dor, realizado por
seus hábitos e, assim, restaurar ao máximo o
meio de tratamento físico, terapêutico, medica-
desempenho nos âmbitos social e psicológico
mentoso e abordagem cognitiva comportamen-
(BRASIL, 2015).
tal. O tratamento medicamentoso também
As principais áreas afetadas pelo TCE
pode ser utilizado e abrange o uso de analgési-
são os lobos frontais e a matéria branca do cé-
cos, antidepressivos, anticonvulsivantes e neu-
rebro, responsáveis pela atenção e pelas fun-
rolépticos (BRASIL, 2015).
ções executivas, isto é, funções que regulam as
Outras terapias são utilizadas, tais como:
emoções e os pensamentos, regendo as habili-
oxigenoterapia hiperbárica, que fornece oxigê-
dades de socialização (ABUHAMAD, 2016).
nio a 100%, favorecendo o processo de recu-
Logo, a reabilitação neurocognitiva trabalha
peração do paciente, pois o principal meca-
para reinserir o paciente da melhor maneira em
nismo de lesão celular do TCE é a isquemia
seu ciclo social. Além disso, são priorizados
neuronal; a estimulação cerebral não invasiva
outros domínios cognitivos, tais quais a memó-
(estímulos diretos ou magnéticos), gerando
ria, a linguagem e a motricidade, realizando
respostas neuronais; a estimulação elétrica fun-
atividades para estimular essas áreas e criando
cional, estimulando funções de órgãos e mem-
estratégias para se adaptar às dificuldades pro-
bros que foram perdidas; e uso da realidade
vocadas pelo TCE, como, por exemplo, mos-
virtual que permite avaliar a função cerebral, a
trar fotos, textos e outros tipos de registros re-
evolução e definir o prognóstico do paciente
lacionados à história de vida do paciente, esti-
(GEORGES & BOOKER, 2020; DANG et al.,
mulando, assim, a plasticidade neuronal, com
2017).
65
a criação de novas sinapses (FREIRE et al., que possam compreender e lidar com as defi-
2011) Nessa perspectiva, torna-se importante, ciências, aprendendo como compensá-las, di-
também, mudar o ambiente no qual o paciente minuir ou superar (BRASIL, 2015).
vai viver, adequando-o de acordo com as suas A terapia para reabilitação comporta-
necessidades (BRASIL,2015). mental é designada especialmente para interfe-
Existem etapas a serem seguidas no pro- rir em qualquer fator que pode vir a afetar o
cesso de reabilitação, sendo a primeira a iden- comportamento do indivíduo que sofreu um
tificação de déficits cognitivos, realizada até TCE. Esse tipo de reabilitação se torna mais
um mês após o TCE. Depois, são estabelecidas efetivo quando aplicado em conjunto com a re-
metas, que envolvem o papel da equipe de sa- abilitação cognitiva (DANG et al., 2017).
úde, do paciente e de sua família, seguida pela O manejo antecedente é importante pois
execução dos planos traçados (ANDRADE et as modificações nos ambientes físico e social
al., 2015). podem prevenir e reduzir comportamentos in-
Manifestações comportamentais comuns desejáveis e aumentar a probabilidade de com-
após o TCE frequentemente incluem mudanças portamentos adaptativos apropriados se desen-
de personalidade, irritabilidade, raiva, depres- volverem, considerando que um ambiente bem
são, ansiedade, comportamento criminoso e estruturado e previsível dá espaço para a auto-
agressão física ou verbal (DANG et al., 2017; nomia (BRASIL, 2015).
PAVLOVIC et al., 2019) Dentre os exemplos Após o retorno para casa, uma rotina
citados, a depressão é uma das queixas mais deve ser sistematizada e organizada em even-
frequentes, aparecendo em 25-40% dos casos tos e atividades de forma consistente, com a fi-
de TCE (PAVLOVIC et al., 2019). O trata- nalidade de ajudar a estabilizar o comporta-
mento de pacientes com traumas mais severos mento. Devem ser realizadas avaliações siste-
é mais demorado, podendo durar anos ou a máticas das rotinas aplicadas e do estado in-
vida inteira. Além disso, as interações medica- terno do paciente, destacando as situações mais
mentosas que podem acontecer ao longo da re- comuns associadas a distúrbios comportamen-
abilitação também torna quadros assim mais tais (BRASIL, 2015).
complexos (MARKLUND et al., 2019). A terapia psicológica, individual e em
Essas sequelas dificultam o retorno à grupos, deve focar nos fatores emocionais e
vida diária em sociedade, ressaltando a neces- comportamentais. Nesse sentido, o treino das
sidade de uma intervenção. Por conta disso, as capacidades de copiar ações e controle de raiva
intervenções devem ter como objetivo a me- podem reduzir as tendências agressivas
lhora dos desfechos funcionais e da satisfação (DANG et al., 2017). Além disso, a musicote-
pessoal com a vida. Consequentemente, atua- rapia também é efetiva na melhora emocional
se na melhora dos déficits cognitivos e do hu- e da raiva do paciente (DANG et al., 2017).
mor, visando retorno à sociedade e redução das Vários medicamentos podem ser usados
chances de deficiências secundárias. Além na reabilitação comportamental, principal-
disso, todo o processo de reabilitação tem o ob- mente para tratamento dos impulsos agressi-
jetivo de capacitar pacientes e familiares para vos, como por exemplo: antipsicóticos, antide-
66
pressivos, estabilizadores de humor, anticon- É essencial que a equipe que esteja atu-
vulsivos, beta bloqueadores e clonidina (LEE ando na reabilitação esteja atenta às respostas
et al., 2019). A administração de amantidina de fadiga e cansaço, respeitando os limites do
também está relacionada com melhoras com- paciente, evitando o aparecimento de frustra-
portamentais, principalmente na agitação ções ou fadiga intensa (BRASIL, 2015). Ade-
(NASH et al., 2019). mais, nesse processo de recuperação, é impor-
Outras estratégias de reabilitação com- tante que a família e outras pessoas próximas
portamental, que interferem no bem-estar, in- sejam envolvidas diretamente, pois esses indi-
cluem: meditação; yoga; respiração; cópia de víduos saberão indicar com mais precisão
comportamentos; relaxamento; redução de es- quais são as maiores sequelas e como elas in-
tresse; diminuição de pensamentos autocríti- terferem no dia a dia do paciente, auxiliando na
cos; melhora na qualidade do sono; redução da formação de um plano de recuperação mais
fadiga e cefaléia; etc. (THOMAS et al., 2017). efetivo (GRAFF et al., 2017).
67
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
68
ABCDE do trauma, 16
Atendimento Pré Hospitalar, 16
Envoltórios Cranianos, 26
Epidemiologia do TCE, 7
Epilepsia Pós Traumática, 49
Fisiopatologia, 7
Introdução, 1
Manejo Medicamentoso, 35
Neuroimagem, 35
Reabilitação Comportamental, 62
Reabilitação Física, 62
Reabilitação Neurocognitiva, 62
Semiologia Neurológica, 35
Síndrome de Disfunção Autonômica Pós-traumatismo Cranioencefálico, 49
70