Cirurgia-Medica-Ed.-I-2023

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CIRURGIA MÉDICA

PRINCÍPIOS E PRÁTICAS

Edição I

Organizadores
Guilherme Barroso L. De Freitas
Michele Emanuelle Barth
Vanessa Pizzino de Luca

2023
2023 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur

Editor Chefe:

Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:

Dr. Alaercio Aparecido de Oliveira (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)


(Faculdade INSPIRAR, UNINTER, CEPROMEC e Força Aérea Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas
Brasileira) (Universidade Federal do Piauí - PI)
Dra. Aldenora Maria Ximenes Rodrigues Dra. Hanan Khaled Sleiman
MSc. Aline de Oliveira Brandão (Faculdade Guairacá - PR)
(Universidade Federal de Minas Gerais - MG) MSc. Juliane Cristina de Almeida Paganini
MSc. Bárbara Mendes Paz (Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dra. Kátia da Conceição Machado (Universidade
Dr. Daniel Brustolin Ludwig Federal do Piauí - PI)
(Universidade Estadual do Centro-Oeste - PR) Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
Dr. Durinézio José de Almeida (FIOCRUZ - RJ)
(Universidade Estadual de Maringá - PR) MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
Dr. Everton Dias D‘Andréa (Faculdade Inspirar - PR)
(University of Arizona/USA) Dra. Márcia Astrês Fernandes
Dr. Fábio Solon Tajra (Universidade Federal do Piauí - PI)
(Universidade Federal do Piauí - PI) Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
Francisco Tiago dos Santos Silva Júnior (Instituto Federal do Espírito Santo - ES)
(Universidade Federal do Piauí - PI) Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Raul Sousa Andreza
Dr. Geison Eduardo Cambri MSc. Renan Monteiro do Nascimento
MSc. Guilherme Augusto G. Martins Dra. Teresa Leal

l Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)

FR862c FREITAS, Guilherme Barroso Langoni de.


CIRURGIA MÉDICA: Princípios e Práticas / Guilherme
Barroso Langoni de Freitas - Irati: Pasteur, 2023.
1 livro digital; 221 p.; ed. I; il.

Modo de acesso: Internet


ISBN 978-65-81549-92-3
https://doi.org/10.59290/978-65-81549-92-3
1. Medicina 2. Cirurgia 3. Ciências da Saúde
I. Título.

CDD 610
CDU 617
O livro Cirurgia Médica Ed. I fornece informações sobre novas técnicas,
abordagens e equipamentos utilizados na área. É possível observar contribuições
significativas e os avançoes ao longo dos anos. Com isso, o principal beneficiário
desta publicação é o leitor, o qual encontrará estudos que aproximam a teoria da
prática médica. Os capítulos cobrem diversas áreas da cirurgia médica, por exemplo,
vascular, cerebral, cardíaca, oncológica, do trato gastrointestinal e cirurgia geral.
Com a qualidade dessas redações e autores, esperamos encorajar que a série de
livros sobre cirurgia médica possa crescer cada vez mais e proporcionar uma
literatura rica para acadêmicos e profissionais da área e afins.

Guilherme Barroso L. De Freitas


Dr. Prof. Dpto. Bioquímica e Farmacologia
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
Diretor Científico do Grupo Pasteur

4|P á g i n a
Capítulo 1
COLANGIOPANCREATOGRAFIA RETRÓGRADA ENDOSCÓPICA EM PACIENTE
BARIÁTRICO: UM RELATO DE CASO ....................................................................................... 1
Capítulo 2
ABSCESSO DE BEZOLD ................................................................................................................ 7
Capítulo 3
MASTECTOMIA TOTAL COM ESVAZIAMENTO AXILAR ................................................... 15
Capítulo 4
FEOCROMOCITOMA: MANEJO PRÉ-OPERATÓRIO .............................................................. 23
Capítulo 5
CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA RECONSTRUTIVA NO CONTEXTO DE
DEFORMIDADES ANATÔMICAS NA SÍNDROME DE MARFAN. ....................................... 30
Capítulo 6
SEGURANÇA DO PACIENTE CIRÚRGICO: NORMAS E PROCEDIMENTOS PRÉ, INTRA E
PÓS-OPERATÓRIOS ..................................................................................................................... 39
Capítulo 7
SÍNDROME DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA SISTÊMICA E TROMBOSE VENOSA
PROFUNDA APÓS INFECÇÃO POR COVID-19 ........................................................................ 48
Capítulo 8
CIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA NA CORREÇÃO DE ANEURISMA DE AORTA
ABDOMINAL ................................................................................................................................. 54
Capítulo 9
MANEJO CIRÚRGICO DA HEMORRAGIA PÓS-PARTO ........................................................ 61
Capítulo 10
COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS NA RINOPLASTIA ................................................... 70
Capítulo 11
NEFROBLASTOMA: INDICAÇÕES E ABORDAGENS CIRÚRGICAS ................................... 76
Capítulo 12
INOVAÇÕES DAS CIRURGIAS VÍDEO ASSISTIDAS: REDUÇÃO DE TRAUMAS E
MELHORAS DO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO................................................................... 84

5|P á g i n a
Capítulo 13
TONSILECTOMIA PEDIÁTRICA: INDICAÇÕES E COMPLICAÇÕES PÓS-OPERATÓRIAS
......................................................................................................................................................... 89
Capítulo 14
PNUEMOTÓRAX ESPONTÂNEO RECENTE ............................................................................ 95
Capítulo 15
RECONSTRUÇÃO DE MAMA ................................................................................................... 101
Capítulo 16
PRINCIPAIS TÉCNICAS CIRÚRGICAS PARA CORREÇÃO DAS FISSURAS
LABIOPALATINAS: UMA REVISÃO DE LITERATURA ....................................................... 112
Capítulo 17
LOBECTOMIA NO CÂNCER DE PULMÃO ............................................................................. 120
Capítulo 18
OCLUSÃO DE APÊNDICE ATRIAL ESQUERDO NA FIBRILAÇÃO ATRIAL .................... 127
ABORDAGEM CIRÚRGICA ...................................................................................................... 127
Capítulo 19
COMPARAÇÃO DO FECHAMENTO TRANSCATETER VERSUS CIRURGIA
CONVENCIONAL DE COMUNICAÇÃO INTERATRIAL ...................................................... 135
Capítulo 20
CIRURGIA E MICROCIRURGIA RECONSTRUTIVA DAS MÃOS ....................................... 141
Capítulo 21
UMA COMPARAÇÃO ENTRE ARTROSCOPIA E ARTROTOMIA, PARA RECONSTRUÇÃO
DE LIGAMENTOS DO PIVÔ CENTRAL .................................................................................. 151
Capítulo 22
ESTIMULAÇÃO CEREBRAL PROFUNDA (DBS) NO TREMOR ESSENCIAL E DOENÇA
DE PARKINSON: REVISÃO DE LITERATURA ...................................................................... 157
Capítulo 23
TRATAMENTO CIRÚRGICO DE MALFORMAÇÕES ARTERIOVENOSAS E
ANEURISMAS INTRACRANIANOS - REVISÃO DE LITERATURA.................................... 168

6|P á g i n a
Capítulo 24
DESAFIOS BIOÉTICOS NA PRÁTICA DO ANESTESIOLOGISTA EM PROCEDIMENTOS
CIRÚRGICOS: REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................... 180
Capítulo 25
REAÇÕES DE HIPERSENSIBILIDADE PERIOPERATÓRIA: REVISÃO DE LITERATURA
....................................................................................................................................................... 190
Capítulo 26
ANDROPAUSA: DEPRIVAÇÃO ANDROGÊNICA COM O ENVELHECIMENTO
MASCULINO ............................................................................................................................... 202
Capítulo 27
RELEVÂNCIA DO CHECKLIST PARA A CIRURGIA PRÁTICA SEGURA ......................... 210

7|P á g i n a
Capítulo 1

COLANGIOPANCREATOGRAFIA
RETRÓGRADA ENDOSCÓPICA
EM PACIENTE BARIÁTRICO: UM
RELATO DE CASO
GABRIELA MARTINS VILLELA1
FERNANDA MARTINS VILLELA1
MATHEUS CALÁBRIA DA SILVEIRA1

1
Discente – Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora

Palavras Chave: Roux-en-Y gastric bypass, Endoscopic retrograde cholangiopancreatography, Cholelithiasis

10.59290/978-65-81549-92-3.1 1|P á g i n a
zados os ―MeSH Terms‖: ―Roux-en-Y Gastric
INTRODUÇÃO Bypass‖ AND ―Endoscopic Retrograde Cho-
Nos últimos anos, pela alteração dos hábi- langiopancreatography‖ AND ―Choledocho-
tos da população, que incluem a maior inges- lithiasis‖. Foram encontrados 54 artigos, e
tão de alimentos industrializados hipercalóri- após a aplicação dos filtros: artigos publicados
cos e o aumento do sedentarismo, a obesidade nos últimos 5 anos, e textos completos e gra-
passou a apresentar níveis crescentes em âm- tuitos, foram selecionados 27 artigos finais, e
bito global. A obesidade é uma doença crônica retirados os relatos de caso isolados. Na se-
que compõe a síndrome metabólica e atua po- gunda busca, após inclusão do termo ―Roux-
tencializando os riscos de diabetes mellitus en-Y Gastric Bypass‖ e aplicação dos filtros:
tipo II, hipertensão arterial sistêmica, infarto artigos completos e gratuitos, publicados no
agudo do miocárdio, apneia obstrutiva do último ano, foram encontrados 523 artigos,
sono, diversos tipos de câncer, entre outros sendo 1 deles selecionado. Por fim, foram in-
(MITCHELL & GUPTA, 2022). No Brasil, cluídos no estudo dados publicados pelo Mi-
dados recentes apontam que cerca de 22,4% nistério da Saúde que foram considerados re-
dos indivíduos apresentam IMC superior a 30, levantes para a discussão.
o que evidencia a necessidade mecanismos de
RELATO DE CASO
resolução desse cenário problemático de saúde
pública (BRASIL, 2021). Nesse sentido, como Mulher, de 45 anos, IMC de 24,6, com
ferramenta de tratamento, a Cirurgia Bariátrica histórico de Bypass Gástrico em Y de Roux,
ganhou popularidade e, atualmente, representa realizado sem intercorrências há 4 anos, de-
um dos principais e mais efetivos métodos de vido a quadro de obesidade mórbida refratária
manejo da perda de peso e dos distúrbios rela- ao tratamento clínico, deu entrada no pronto
cionados à síndrome metabólica, influenciando socorro com dor em quadrante superior direito
no aumento da qualidade de vida e na redução e icterícia discreta. Nos exames admissionais,
da morbimortalidade dos pacientes (KOGGEL foram identificados bilirrubina total de 5, fos-
et al., 2021). A partir disso, tem-se que a ana- fatase alcalina 205 e GGT 443, com enzimas
tomia pós-bariátrica representa um grande de- hepáticas tocadas, e após a realização de Co-
safio para manipulação de patologias abdomi- langioressonância Magnética, foi observado
nais, afetando, em especial, o acesso ao sis- um cálculo no colédoco distal com dilatação
tema pancreatobiliar por via endoscópica tran- dos ductos biliares intra-hepáticos e extra-he-
soral. Dessa forma, é necessário o uso de téc- páticos. Diante da sua anatomia modificada
nicas alternativas para permitir o acesso ao pós-bariátrica, foi realizada uma abordagem
estômago excluído, a fim de permitir o em- percutânea laparoscópica do estômago ex-
prego da Colangiopancreatografia Retrógrada cluso, com a introdução do duodenoscópio por
Endoscópica (CPRE). (KOGGEL et al., 2021). via transgástrica, o que possibilitou a visuali-
zação da Ampola de Vater para a realização da
MÉTODO papilotomia com drenagem da árvore biliar e
Realizaram-se duas pesquisas avançadas retirada do cálculo. Paciente recebeu alta após
de artigos científicos indexados na base de 2 dias, sem complicações no pós-operatório
dados PubMed. Na primeira delas, foram utili- imediato e tardio.

2|P á g i n a
DISCUSSÃO nose de anastomose gastrojejunal, fístula gas-
tro gástrica, hérnias internas, deficiências nu-
Dentre as diversas técnicas usadas na Ci- tricionais e síndrome de dumping (MIT-
rurgia Bariátrica, são possíveis diferentes CHELL & GUPTA, 2022). Outro fator é a
abordagens, as quais podem ser restritivas, própria perda de peso resultante, a qual ocorre
disabsortivas ou mistas. Nos procedimentos de forma muito rápida, o que está associado a
restritivos, ocorre uma diminuição da capaci- patologias do sistema pancreatobiliar, como
dade do estômago de receber alimentos, colelitíase e eventos adversos relacionados,
agindo de forma a gerar saciedade precoce aos que em cerca de 30% desses pacientes (MIT-
pacientes. Já a técnica disabsortiva envolve a CHELL & GUPTA, 2022; SCHULMAN &
redução da absorção de substâncias relacio- THOMPSON, 2018; SOMASEKAR et al.,
nada ao desvio do trajeto do quimo no intes- 2018).
tino delgado, que encontra as secreções bili- Nos pacientes com anatomia fisiológica do
opancreáticas em uma curta alça comum. As trato gastrintestinal, a Colangiopancreatografia
técnicas mistas apresentam uma associação Retrógrada Endoscópica (CPRE) usando o
dessas duas perspectivas, o que as tornam duodenoscópio padrão é o procedimento re-
muito eficientes na rápida perda de peso e, comendado para o tratamento de coledocolití-
assim, no tratamento de comorbidades relacio- ase e outros distúrbios que envolvem o ducto
nadas (MITCHELL & GUPTA, 2022). Como colédoco e o ducto de Wirsung. Nesse meca-
exemplo de mecanismo combinado restritivo e nismo, um endoscópio com cateter fino no seu
disabsortivo, temos o Bypass Gástrico video- interior é introduzido por via transoral e é pro-
laparoscópico, o qual é considerado, nos dias gredido até o duodeno, onde permite o acesso
atuais, como padrão ouro da Cirurgia Bariá- à Ampola de Vater. Em seguida, após a visua-
trica por muitos profissionais, justamente por lização radioscópica, podem ser feitos diversos
sua grande efetividade e segurança (MIT- métodos terapêuticos de acordo com a patolo-
CHELL & GUPTA, 2022). Tal procedimento gia do paciente, sendo que, no caso da cole-
cirúrgico é realizado pela criação do pouch docolitíase, faz-se uma papilotomia seguida da
gástrico (20ml-30ml), o qual é conectado ao retirada do cálculo. No entanto, em pacientes
intestino delgado pela reconstrução em Y de bariátricos, a anatomia alterada impede o
Roux, que envolve a formação de uma anas- acesso à papila duodenal maior, sendo os me-
tomose gastrojejunal e uma jejuno-jejunal. canismos convencionais de monitoramento e
Dessa forma, o resultado é a composição de tratamento endoscópico do estômago e do sis-
duas alças reduzidas, sendo o comprimento tema pancreatobiliar impossibilitados de utili-
variável - geralmente, 150 cm de ramo ali- zar (IVANO et al., 2019). Dito isso, tem-se
mentar e 50 cm de ramo pancreatobiliar -, o alternativas para a realização do procedimento
que vai resultar em uma menor absorção terapêutico nessas pessoas. Dentre as estraté-
(MITCHELL & GUPTA, 2022). Dito isso, o gias, a CPRE assistida por enteroscopia por
Bypass Gástrico apresenta vantagens e des- balão, CRPE transgástrica dirigido por Ultras-
vantagens para sua escolha como técnica ci- sonografia Endoscópica (EUS) e CPRE trans-
rúrgica. Como pontos negativos, quando com- gástrica assistida por laparoscopia (CHENG et
parado ao Sleeve Gástrico, considerado uma al., 2021).
técnica mais simplificada, o procedimento gera A CPRE assistida por enterostomia por
maior incidência de complicações cirúrgicas e balão é um método de menor relevância nos
alimentares, tais como úlceras marginais, este-
3|P á g i n a
dias de hoje, porém que ainda tem indicação bariátricos, e tem altas taxas de sucesso tera-
nos casos em que representa o único recurso pêutico (73-100%) (KOGGEL et al., 2021;
disponível no centro de atendimento (KRÖLL DALMONTE et al., 2019; AL MASRI et al.,
et al., 2020). Vale ressaltar que apesar da taxa 2022). No entanto, a CPRE transgástrica as-
de sucesso relativamente elevada, possui pio- sistida por laparoscopia demonstrou grande
res resultados em relação aos demais, devido número de eventos adversos (28%), sobretudo
ao maior comprimento navegado pelo apare- quando associada à colecistectomia no mesmo
lho, que obtém com dificuldade o acesso à tempo operatório (KOGGEL et al., 2021;
papila duodenal maior por via retrógrada WINDER et al., 2020; AL-TEMMI et al.,
(CONNELL et al.. 2022). Já a CPRE trans- 2018). Dentre eles, estão as complicações rela-
gástrica assistida por ultrassonografia endos- cionadas a aderências e sangramentos (47%), e
cópica (EUS) é um método de alta eficácia e nos casos mais graves, perfuração (5-19%)
baixas taxas de eventos adversos, disponível (KOGGEL et al., 2021; CHHABRA et al.,
em grandes centros de referência. Ele permite 2022). Como desvantagens adicionais, existem
o acesso a Ampola de Vater por meio da reali- desafios logísticos com necessidade de articu-
zação de uma fístula com colocação de stent lação entre as equipes, assim como tempo de
entre o pouch gástrico e o estômago excluído internação mais prolongado (PAPANIKOLAS
por meio de auxílio endoscópico (TYBERG et et al., 2020). Sendo assim, é um procedimento
al., 2020; ALI et al., 2018; BRUWIER et al., que requer um centro mais especializado, com
2020). O stent pode permanecer por dias ou acesso a salas cirúrgicas e disponibilidade de
semanas no local, permitindo acesso oportuno equipes de endoscopia, cirurgia e anestesia
para a realização de outros procedimentos, (ZAIGHAM et al., 2023; WISNESKI et al.,
como biópsias de lesões suspeitas, quando 2020; BAIMAS-GEORGE et al., 2020).
necessário (BARCLAY et al.. 2021; JAMES
& BARON, 2019; BRUWIER et al., 2020). CONCLUSÃO
Entretanto, além da pouca disponibilidade do Portanto, o acesso transgástrico laparoscó-
método, que é operador dependente, existe pico da árvore biliar se mostra como uma ex-
ainda o risco de patência do trajeto fistuloso celente opção para resolução de quadros pan-
que pode desencadear, em um momento poste- creatobiliares de pacientes com anatomia pós
rior, o reganho de peso dos pacientes, ainda Bypass em Y de Roux, com altas taxas de su-
que recentemente isto tenha sido relatado com cesso terapêutico, quando realizada por equipe
pouca frequência na literatura (BURES et al., experiente, com boa disponibilidade de mate-
2019; MOHAMMAD et al., 2020; ABURA- riais, em centros de excelência. Também, vale
JAB & DUA, 2018). ressaltar o progressivo aperfeiçoamento de
A CPRE transgástrica assistida por lapa- técnicas minimamente invasivas, como a
roscopia é realizada por meio de uma aborda- CPRE dirigida por USG endoscópica, que hoje
gem percutânea do estômago excluso. Então, aparece na literatura com qualidade equipará-
faz-se a introdução do duodenoscópio conven- vel à técnica transgástrica. Certamente, a me-
cional por via transgástrica, o que permite a lhor abordagem deve ser individualizada, con-
boa visualização da ampola de Vater para a siderando o centro de atendimento, com seus
realização da papilotomia (ROBALINO et al., recursos humanos e materiais, assim como a
2018). Essa técnica está associada à grande presença de situações particulares ao paciente.
visibilidade, segurança e eficácia em pacientes

4|P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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5|P á g i n a
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SCHULMAN, A.R. & THOMPSON, C.C. Abdominal WISNESKI, A.D. et al., Ampullary stenosis and chole-
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SOMASEKAR, K. et al., Choledocholithiasis after ZAIGHAM, H. et al., Laparoscopic transcystic common


Bariatric Surgery-More than a Stone's Throw to Reach? bile duct exploration versus transgastric endoscopic
Journal of Gastrointestinal Surgery, v. 22, n. 3, p. 529, retrograde cholangiography during cholecystectomy
2018. after Roux-en-Y gastric bypass. Surgery for Obesity and
Related Diseases, v. S1550-7289, n. 23, p. 00049-7,
TYBERG, A. et al., EUS-Directed Transgastric Endo- 2023.
scopic Retrograde Cholangiopancreatography
(EDGE):The First Learning Curve. Journal of Clinical
Gastroenterology, v. 54, n. 6, p. 569, 2020.

6|P á g i n a
Capítulo 2

ABSCESSO DE BEZOLD

JULIANA DE MONTEIRO CARVALHO FRIZON1


MARIA EDUARDA MARQUES MORET1
ANA CAROLINA XAVIER OTTOLINE2

1
Discente – Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense
2
Médica – Departamento de Otorrinolaringologia da Universidade Federal Fluminense

Palavras Chave: Bezold abscess; Bezold mastoiditis; Deep neck abscess.

10.59290/978-65-81549-92-3.2 7|P á g i n a
O primeiro relato literário sobre esta cole-
INTRODUÇÃO ção foi realizado em 1881, pelo otorrinolarin-
O abscesso de Bezold trata-se de uma co- gologista alemão Friedrich Bezold, o qual des-
leção purulenta localizada no espaço cervical creve casos de abscessos na região cervical
profundo, mais especificamente na porção profunda como complicações de OMAs. Outro
medial do músculo esternocleidomastóideo, marco importante na história da doença do
contido pela fáscia que circunda essa estrutura. abscesso de Bezold é a descoberta da penici-
É considerada uma grave complicação do lina. No final do século XIX, 50% dos paci-
curso evolutivo de otites e mastoidites. Este entes com OMA desenvolviam mastoidite e
tipo específico de coleção é responsável por 20% dos pacientes com mastoidite evoluíam
6% dos abscessos otogênicos (WINTERS et com este abscesso, com mortalidade de 70%
al., 2022; VALEGGIA et al., 2022; YOUNG em não tratados. A partir do século passado, o
et al., 2022). acesso generalizado a antibióticos permitiu o
A formação deste abscesso pode ocorrer tratamento eficiente de infecções otológicas,
em todas as idades, porém, crianças menores com redução drástica da incidência de compli-
de 5 anos correspondem pela menor parcela de cações. No entanto, o atual crescimento de
acometidos, em torno de 7%, por conta da cepas bacterianas multirresistentes pelo uso
proteção anatômica relacionada à incompleta indiscriminado de antimicrobianos pode acar-
pneumatização da mastoide. Adultos do sexo retar a volta do aparecimento de otomastoidi-
masculino representam mais de 70% dos ca- tes complicadas na prática clínica (WINTERS
sos. Em pacientes menores de 18 anos, não há et al., 2022; VALEGGIA et al., 2022; SILVA
diferença na prevalência entre os sexos como et al., 2020; KATAYAMA et al., 2017;
ocorre nos adultos, em que a relação de fre- MAHARANI et al., 2022; YOUNG et al.,
quência entre homens e mulheres é 4.69. De 2022).
acordo com a revisão sistemática realizada por O abscesso de Bezold, portanto, trata-se de
Kurtis Young et al. em 2022, dentre 49 casos uma complicação rara, porém, de extrema gra-
estudados, o abscesso de Bezold foi complica- vidade que cursa com apresentação clínica
ção em 38,8% de otites médias agudas heterogênea e insidiosa. Os médicos não espe-
(OMA), em 20,4% de otites médias crônicas cialistas formados na era pós-penicilina desco-
supuradas, em 2 casos de otites externas ne- nhecem ou não estão familiarizados com com-
crotizantes e em 1 caso de OMA associada a plicações como essa em sua prática. Fato que
otite externa. A incidência desta complicação, contribui para o atraso na suspeição e no diag-
no entanto, é rara, correspondendo a cerca de nóstico e, consequentemente, na implementa-
0,004% das OMAs nos Estados Unidos e 1,3% ção do manejo adequado. Além disso, a maio-
das otites médias crônicas supuradas (segundo ria dos estudos sobre o tema apresenta caráter
estudo retrospectivo realizado no serviço de observacional com descrição de poucos casos
otorrinolaringologia do The Dicle University clínicos, outra característica que corrobora
Faculty of Medicine, na Turquia) (VALEG- para o raso entendimento dos profissionais de
GIA et al., 2022; MAHARANI et al., 2022; saúde acerca da patologia.
YOUNG et al., 2022; YORGANCILAR et al., O objetivo deste estudo é descrever a fisi-
2013; MALIK et al., 2019). opatologia, a apresentação clínica, o diagnós-
tico e o tratamento do abscesso de Bezold a

8|P á g i n a
fim de enriquecer o conhecimento médico so- ao longo destes músculos e atingir os outros
bre este assunto pouco estudado. músculos profundos do pescoço, podendo es-
tender-se até os processos transversos das
MÉTODO vértebras tão baixos quanto à segunda vértebra
Este capítulo é uma revisão narrativa torácica. Ademais, a otite média comumente
acerca do abscesso de Bezold, com foco na dissemina-se para a mastoide. A hipertrofia
descrição da sua fisiopatologia, apresentação inflamatória subsequente da mucosa do aditus
clínica, diagnóstico e tratamento. Para tanto, ad antrum pode bloquear o processo supura-
fez-se uma busca ativa, em fevereiro de 2023, tivo para as células mastoideas, dando origem
por artigos científicos nas bases de dados Pu- à mastoidite coalescente (WINTERS et al.,
bMed, Portal de Periódicos Capes pelo acesso 2022; NASIR & ASHA'ARI, 2017; MAN-
da Comunidade Acadêmica Federada (Acesso SOUR et al., 2018).
Cafe), SciELO e LILACS. Foram utilizadas, Os processos supurativos da mastoide po-
em livre combinação, as seguintes palavras- dem se espalhar através da erosão óssea ao
chave: ―bezold‖; ―bezold abscess‖; ―otomas- longo de três caminhos diferentes: medial,
toiditis bezold‖; ―acute otomastoiditis‖; ―be- lateral ou póstero medial. Devido à anatomia
zold mastoiditis‖; ―mastoiditis complications complexa dos vários músculos do pescoço e
bezold‖; ―otitis complications bezold‖; ―deep das fáscias conectadas para a mastoide, o local
neck abscess‖ e ―neck abscess‖. Foram seleci- da erosão óssea determinará o caminho de di-
onados artigos de 2012 a 2022 escritos origi- fusão subsequente do processo supurativo que
nalmente em inglês e em português, disponi- eventualmente é classificado com diferentes
bilizados na íntegra, encontrados nas buscas e epônimos (VALEGGIA et al., 2022) como
nas referências bibliográficas desses. Foram pode ser observado na Figura 2.1.
excluídos os artigos duplicados.
Figura 2.1 Ilustração de abscessos otogênicos extracra-
nianos. Abscesso de Bezold (laranja), abscesso de Ci-
FISIOPATOLOGIA telli (amarelo) e empiema subperiosteal (marrom)

O abscesso de Bezold ocorre devido à dis-


seminação do processo infeccioso agressivo do
ouvido médio e da mastoide devido à erosão
na crista digástrica. A secreção purulenta es-
capa através do lado medial do processo mas-
toideo, na incisura digástrica/borda medial do
esternocleidomastóideo, formando um abs-
cesso nos espaços profundos do pescoço. A
coleção pode se espalhar ao longo do músculo
digástrico até o mento, preenchendo a fossa
retromaxilar e ao longo do curso da artéria
occipital. Se não for tratado, a extensão pode
ocorrer mais profundamente através do ester- Fonte: Traduzido de VALEGGIA et al., 2022.
nocleidomastóideo, trapézio e dos músculos
esplênicos. O processo infeccioso pode seguir

9|P á g i n a
O principal fator predisponente para a bilidade dolorosa prejudicada devido à neuro-
formação de abscessos é pneumatização da patia sensorial (NASIR & ASHA'ARI, 2017).
mastoide, a qual resulta no afinamento das
paredes ósseas e consequente facilitação de ETIOLOGIA
sua erosão. O processo de pneumatização da Há uma surpreendente heterogeneidade
mastoide conclui-se por volta dos 6 anos de nos organismos cultivados dos abscessos de
idade, fato que justifica a rara ocorrência do Bezold. De forma geral, a microbiota é a
abscesso de Bezold na primeira infância (MA- mesma implicada na mastoidite coalescente, a
LIK et al., 2019; YOUNG et al., 2022). partir da qual a coleção cervical profunda se
Outro fator de risco é a presença de coles- desenvolve, com crescimento de Streptococcus
teatomas, que são coleções de queratina e de- pneumoniae, Haemophilus influenzae e Mora-
tritos escamosos não neoplásicos, mas que são xella Catarrhalis. Os abscessos podem apre-
localmente invasivos e destrutivos para o osso sentar crescimento de um organismo único ou
temporal, particularmente para o ouvido médio polimicrobiano em, respectivamente, 51,3% e
e processo mastoideo. Tem por característica 25,6% das culturas segundo Kurtis Young e
serem massas de crescimento progressivo colaboradores (2022) e em, respectivamente,
lento, que geralmente aparecem na orelha mé- 51% e 28% das culturas segundo Silvia Vale-
dia, ocupando o espaço de Prussak, expan- ggia e colaboradores (2022) em suas revisões
dindo-se para cima e causando erosão óssea. sistemáticas. Podem ser encontrados gram
Na literatura, a presença de colesteatoma ipsi- positivos (49%), gram negativos (33%), anae-
lateral ao abscesso de Bezold foi relatada em róbios (12%), micobactérias (4%) e até fungos
cerca de 40% dos pacientes (VALEGGIA et (2%) (VALEGGIA et al., 2022).
al., 2022). Os detritos acumulados de quera- Os agentes etiológicos mais prevalentes
tina com osso erodido e tecidos moles danifi- em culturas isoladas são, em ordem decres-
cados caracterizam importante porta de en- cente de frequência, o Streptococcus spp
trada e ambiente propício para infecção. A (Streptococcus pneumoniae em 17,4% dos
presença do colesteatoma tende a piorar a gram positivos), seguido do Staphylococcus
ventilação da caixa timpânica, promovendo spp (Staphylococcus aureus em 13% dos gram
infecções recorrentes. Além disso, pode blo- positivos), Proteus spp (22,2% dos gram ne-
quear o caminho da coleção purulenta para o gativos), Klebsiella spp (16,7% dos gram ne-
meato acústico externo durante infecções, fa- gativos) e Bacteroides fragilis (16,7% dos
cilitando a erosão óssea e, consequentemente, gram negativos). Em um estudo observou-se o
o abscesso de Bezold (VALEGGIA et al., crescimento do Mycobacterium tuberculosis e,
2022; YOUNG et al., 2022). em outro, do Aspergillus sp (YOUNG et al.,
Pacientes imunocomprometidos, como di- 2022). É importante destacar que 23,1%
abéticos descompensados, são mais propensos (YOUNG et al., 2022) das culturas não revela-
a desenvolver complicações de infecções oto- ram qualquer crescimento e 20% (VALEG-
lógicas. Nesses casos, a otite média pode se GIA et al., 2022) das culturas foram inconclu-
deteriorar rapidamente, com o desenvolvi- sivas. Uma explicação para esse fato pode ser
mento de abscessos mastoideos e outras com- pela terapia antimicrobiana empírica realizada
plicações, devido a quimiotaxia prejudicada, previamente às culturas, o que dificulta o ade-
ação fagocítica e função dos leucócitos poli- quado crescimento e identificação do micror-
morfonucleares reduzidas, assim como sensi- ganismo.

10 | P á g i n a
APRESENTAÇÃO CLÍNICA infecção ao espaço retrofaríngeo e, conse-
quentemente, ao envolvimento torácico, com
A apresentação clínica do abscesso de Be- evolução para a mediastinite, o que aumenta a
zold é diversa e abrange desde achados de in- mortalidade em até 70%. Além disso, a estreita
flamação cervical até disfunções neurológicas proximidade das estruturas vasculares cervi-
como paralisia de nervos. Essa característica cais e cerebrais – como a veia jugular interna e
contribui para a dificuldade do reconheci- os seios venosos – pode explicar os quadros de
mento desta patologia através da análise estrita trombose e de disseminação infecciosa apre-
dos sinais e sintomas clínicos. Os sintomas sentados, que podem evoluir com complica-
iniciais relatados foram abaulamento cervical ções como crises convulsivas, déficit cogni-
(75,5%), que frequentemente está associado a tivo, infarto cerebelar, herniação cerebral e
dor/sensibilidade no pescoço (57,1%), limita- meningite. Este fato explica inclusive o caso
ção do movimento cervical (24,5%), febre de Síndrome de Lemierre (tromboflebite da
(49%), otorreia (53,1%), otalgia (34,7%), hi- veia jugular interna com êmbolos sépticos)
poacusia (22,4%), paralisia facial (14,3%), desencadeado por otite média complicada por
disfunção do nervo abducente (2%) e trismo abscesso de Bezold (MAHARANI et al., 2022;
mandibular (6,1%) (YOUNG et al., 2022). YOUNG et al., 2022; SECKO & AHERNE,
Otomastoidites supuradas podem evoluir 2012; YAITA et al., 2018).
com complicações intra e extracranianas, que
podem apresentar-se concomitantes ou não. DIAGNÓSTICO
Segundo estudo retrospectivo de Fang Wu et
O diagnóstico do abscesso de Bezold é ba-
al. (2012), foram observadas otites médias
seado em uma adequada anamnese e exame
agudas e crônicas com ou sem colesteatomas
físico, associados aos resultados de exames
que evoluíram com uma, duas e três complica-
laboratoriais e de imagem. Os parâmetros la-
ções em, respectivamente, 88,8%, 10,2% e 1%
boratoriais estão geralmente alterados e alguns
dos casos. O abscesso de Bezold faz parte do
achados podem indicar um desenvolvimento
grupo de complicações extracranianas, junta-
de uma complicação da otite média aguda,
mente com o abscesso zigomático, a paralisia
como valores aumentados de sedimentação
facial, a apicite petrosa, a labirintite, a fístula
eritrocitária, leucócitos e proteína C reativa.
labiríntica e a hipoacusia neurossensorial. As
Os pacientes com o abscesso de Bezold podem
complicações intracranianas incluem absces-
sofrer atrasos no diagnóstico e tratamento,
sos cerebrais (epidural, subdural, peri seio
devido a sua raridade, o que ocasiona seu des-
sigmóide e intraparenquimatoso), trombofle-
conhecimento por parte de muitos médicos,
bite do seio lateral, meningoencefalite e hidro-
principalmente não especialistas. Este fato
cefalia otítica (MAHARANI et al., 2022;
explica o tempo médio entre o início dos sin-
YORGANCILAR et al., 2013; MALIK et al.,
tomas e o diagnóstico ser de 20.9 dias, se-
2019).
gundo a revisão sistemática realizada por
O abscesso de Bezold pode percorrer as
Young et al. (2022) (YOUNG et al., 2022;
estruturas anatômicas adjacentes e disseminar
SECKO & AHERNE, 2012).
a infecção. Ao seguir trajeto anteromedial, a
Essa patologia deve fazer parte do diag-
coleção purulenta pode acessar a fossa infra-
nóstico diferencial em pacientes que apresen-
temporal e desencadear o trismo mandibular.
tam dor e edema cervical, pois sua profundi-
A extensão do abscesso pelo espaço parafarín-
dade faz com que haja dificuldade na palpação
geo através das fáscias, pode levar o acesso da
11 | P á g i n a
da região acometida, sendo facilmente confun- das trabéculas ósseas da mastoide, como pode
dido com linfadenopatias (SECKO & AH- ser visualizado na Figura 2.2. Este exame
ERNE, 2012). provou ser inestimável no diagnóstico, uma
A tomografia computadorizada (TC) dos vez que é capaz, em alguns casos, de detectar
ossos temporais e do pescoço com contraste é abscessos precoces clinicamente invisíveis.
o exame padrão ouro, capaz de evidenciar o Por isso, pacientes com otite média associada a
local da erosão óssea da mastoide, bem como abaulamento cervical devem realizar TC dos
o envolvimento dos tecidos moles, ou seja, a ossos temporais e do pescoço para o diagnós-
área anatômica ligada à coleção supurativa do tico de mastoidite aguda e estudo do trajeto da
pescoço. A TC dos ossos temporais mostra coleção purulenta (VALEGGIA et al., 2022;
tipicamente sinais de mastoidite, tais como a MALIK et al., 2019; NAWAS et al., 2013).
opacificação das células mastoideas e a erosão

Figura 2.2 (A) Tomografia computadorizada (TC) de crânio demonstra uma opacificação quase completa do ouvido
médio direito e das células aéreas da mastoide, compatíveis com otite média e mastoidite (B) TC de pescoço ao nível
da mandíbula demonstra uma pequena lesão hipodensa na área do músculo esternocleidomastóideo (seta) compatível
com abscesso

Fonte: Traduzido de SECKO & AHERNE, 2012.

A ultrassonografia (USG) é capaz de re- entes para a realização de exames de imagem


velar um complexo líquido hipoecoico- adicionais, poupando o uso de radiação, espe-
anecóico adjacente a mastoide e ao músculo cialmente em grupos de pacientes sensíveis,
esternocleidomastóideo, sugerindo o abscesso. como crianças e gestantes, caso o defeito ósseo
Pode ser benéfica como primeira ferramenta seja de fato excluído (SECKO & AHERNE,
de imagem antes da TC do osso temporal, por 2012; MANTSOPOULOS et al., 2015).
delinear com precisão o defeito ósseo do cór- O papel da ressonância magnética (RM) no
tex externo do osso temporal. Essa exclusão diagnóstico do abscesso de Bezold é geral-
ultrassonográfica de erosão pode ser útil na mente limitado. Seu papel é valorizado quando
diferenciação entre um processo inflamatório há complicações intracranianas ou quando se
na mastoide de um linfonodo reativo ou de um espera presença de doença óssea. Nesses casos
cisto dermóide com sinais locais de inflama- específicos, a imagem ponderada por difusão
ção. Dessa forma, a USG pode servir como (DWI) melhor diferencia o fluido não infecci-
bom exame de triagem para a seleção de paci- oso de abscessos bacterianos. Esse exame

12 | P á g i n a
também é capaz de evidenciar facilmente os sia ou paralisia e fístula labiríntica, a qual pode
colesteatomas que aparecem como massas cursar com labirintite e hipoacusia (VALEG-
ovóides exuberantemente hiperintensas em GIA et al., 2022; YOUNG et al., 2022; MUS-
DWI (VALEGGIA et al., 2022). TAFA et al., 2022).
O diagnóstico diferencial inclui principal- No pós-operatório, espera-se haver me-
mente linfadenopatias, cistos branquiais in- lhora clínica e queda dos marcadores laborato-
fectados, empiema subperiosteal do osso tem- riais de infecção. De 48-72 horas após a dre-
poral e outros abscessos cervicais. Os cistos nagem cirúrgica e antes da retirada dos drenos,
branquiais infectados podem ter uma apresen- é recomendada a realização de novo exame de
tação clínica e radiológica semelhante ao abs- imagem contrastado para avaliação de coleção
cesso de Bezold, mas a mastóide não está en- cervical. Pacientes que não evoluem com me-
volvida e a erosão óssea nunca é observada lhora mesmo após realização de mastoidecto-
(VALEGGIA et al., 2022). mia, podem apresentar infecção do ápice pe-
troso da mastoide e desenvolver a Síndrome de
TRATAMENTO Gradenigo, complicação grave que cursa com
O manejo do abscesso de Bezold segue otalgia, otorreia exuberante, dor retro orbitária
dois princípios: antibioticoterapia e abordagem e paralisia do abducente. Nesse caso, a abor-
cirúrgica. Os antibióticos de escolha devem ser dagem cirúrgica mais indicada é a petrosecto-
administrados por via venosa, ter boa penetra- mia, a qual tem como objetivo a remoção das
ção no sistema nervoso central e ter amplo células infectadas do ápice petroso e ao redor
espectro de cobertura, por conta da etiologia do labirinto (PIRANA et al., 2018).
heterogênea dos patógenos e da possibilidade CONCLUSÃO
de infecção polimicrobiana, a fim de abranger
infecções por bactérias gram positivas, gram O abscesso de Bezold trata-se de uma
negativas e anaeróbias. A cirurgia proposta é a complicação rara de otomastoidite, porém, de
mastoidectomia com miringotomia. Há 4 téc- extrema gravidade que cursa com apresentação
nicas de mastoidectomia que são utilizadas clínica heterogênea e insidiosa. Os médicos
conforme decisão do cirurgião: simples ou não especialistas formados na era pós-penici-
cortical, timpanomastoidectomia, mastoidec- lina desconhecem ou não estão familiarizados
tomia radical e mastoidectomia radical modifi- com complicações como essa em sua prática.
cada. Já a miringotomia consiste em uma inci- Dessa forma, essa patologia representa um
são timpânica de alívio para drenagem de grande desafio na prática médica, levando a
conteúdo purulento da orelha média, podendo atrasos no tratamento adequado e consequente
ou não apresentar inserção de tubo T de aera- aumento da morbimortalidade. Ademais, o
ção. O foco principal da cirurgia é realizar a crescimento de cepas bacterianas resistentes
drenagem da coleção purulenta e a limpeza pode favorecer o aumento do número de com-
radical do tecido granular obstrutivo das es- plicações de infecções otogênicas. Por isso, o
truturas infectadas, além da coleta de material conhecimento a respeito do abscesso de Be-
para a realização de cultura microbiológica, zold é essencial, a fim de capacitar o médico à
que possa guiar com mais precisão a antibioti- suspeição da doença e, desta forma, instituir o
coterapia. Os riscos inerentes aos procedi- manejo clínico precoce adequado.
mentos pela proximidade com estruturas no-
bres são a lesão do nervo facial, gerando pare-

13 | P á g i n a
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de Otite Média Aguda. Revista Médica de Minas Ge-
rais; v. 28, p. 1, 2018.

14 | P á g i n a
Capítulo 3

MASTECTOMIA TOTAL COM


ESVAZIAMENTO AXILAR

ANALUIZA GREGÓRIO BEUX1


LAIS SIQUEIRA MOREIRA1
RAFAELLA CAMPOI DE OLIVEIRA1
TATIANA QUINTANILHA SOARES DA SILVA1
VITÓRIA DA COSTA MELO VIEIRA1
YASMIM DE SOUZA FERRAZ1

1
Discente – Graduanda em Medicina na Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Câncer de mama; Mastectomia; Linfadenectomia axilar.·.

10.59290/978-65-81549-92-3.3 15 | P á g i n a
INTRODUÇÃO (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013). Em con-
trapartida, a Sociedade Brasileira de Mastolo-
O câncer de mama é apontado como o gia indica a efetuação do exame aos 40 anos
mais recorrente em mulheres no mundo e, con- (SBM, 2017).
sequentemente, um enorme protagonista em É sabido que câncer identificado é sinô-
número de óbitos. No Brasil, foram estimados nimo de câncer tratado e o método definitivo
cerca de 66 mil casos novos no ano de 2022 e mais usual é a mastectomia, na qual engloba
uma taxa de mortalidade de 17 mil pessoas no diferentes técnicas que dependem de uma ca-
ano de 2020 (INCA, 2021). deia de razões. (ALVES et al., 2010). A cirur-
A proliferação celular anormal da mama gia de remoção da mama agrupa-se em mas-
desenvolve um potencial tumor capaz de do- tectomia parcial na qual é retirada parte do
minar outros aparelhos. Existe uma gama de tecido mamário, a mastectomia simples que
tipos de câncer de mama com distintas evolu- extrai todo o tecido e pele, a mastectomia radi-
ções e tratamentos. Em geral, a maior parte cal que remove tecido, músculos do peitoral e
responde bem terapeuticamente, sobretudo linfonodos axilares. E por último, podemos
quando detectado e tratado de forma precoce citar a mastectomia radical modificada que
(ACS, 2019). concilia a simples com a remoção dos linfono-
Os sinais e sintomas mais relevantes na in- dos axilares, ou seja, não são removidos os
vestigação de uma neoplasia de mama são os músculos peitorais (ACS, 2019).
nódulos endurecidos, fixos e indolores. Além Será enfatizada a mastectomia radical com
disso, como sinais de alarme, podem apresen- linfadenectomia, na qual é indicada em tumo-
tar mamas hiperemiadas, alterações mamilares, rações maiores de 5 cm que fazem parte do
descarga papilar unilateral, dor mamária e nó- estádio III ou no estádio IV quando já possuem
dulos cervicais ou axilares (INCA, 2021). metástases. (INCA, 2021). O esvaziamento
Segundo o Instituto Nacional do Câncer, axilar é necessário quando o tumor invade o
os fatores de risco significativos são: sexo fe- sistema linfático e essa é a forma de alastra-
minino, histórico familiar de câncer de mama, mento mais habitual. A biópsia de linfonodo
idade avançada, menarca com menos de 12 sentinela ou a biópsia por aspiração com agu-
anos, menopausa tardia, gravidez pós 30 anos, lha fina ou grossa e análise histopatológica são
nuliparidade, uso de anticoncepcionais, terapia essenciais para verificar se existe necessidade
de reposição hormonal, mutação BRCA1 e de realizar a linfadenectomia (ACS, 2019a).
BRCA2, tabagismo, exposição à radiação, A técnica mais atual é a mastectomia radi-
obesidade após menopausa e hiperplasia duc- cal modificada onde apesar do esvaziamento
tais e lobulares (INCA, 2021). axilar e retirada da pele e mama, ainda é pos-
O câncer de mama é um obstáculo frente à sível manter os músculos peitorais (MADDEN
medicina por sua vasta incidência e singulari- et al., 1972).
dade na apresentação. Atualmente, o autoe- O objetivo deste estudo foi realizar uma
xame das mamas passou a ser desencorajado, revisão na literatura sobre a importância, con-
deixando assim a mamografia como o prota- sequências e aplicações da mastectomia com
gonista para o rastreamento precoce. O Mi- linfadenectomia axilar.
nistério da Saúde recomenda a realização da
mamografia dos 50 aos 69 anos bianualmente

16 | P á g i n a
MÉTODO como: idade, fatores endócrinos/história re-
produtiva, fatores comportamentais/ambientais
Trata-se de uma revisão de literatura base- e fatores genéticos/hereditários (ADAMI et
ada em um conjunto de literaturas coletadas de al., 2008). Sua incidência é relativamente rara
acordo com o tema selecionado ―Mastectomia antes dos 35 anos de idade, mas aumenta pro-
total com esvaziamento axilar‖, realizada no gressivamente após esta idade e apresenta fato-
período de março de 2023, por meio de pes- res de risco como obesidade, sedentarismo,
quisas nas bases de dados: PubMed, Scielo, alcoolismo, menarca precoce, menopausa tar-
Google Acadêmico, American Cancer Society, dia, terapia de reposição hormonal prolongada
Instituto Nacional do Câncer e Ministério da na pós-menopausa, alta ingestão de alimentos
Saúde. Desta busca foram encontrados 52 arti- gordurosos, nuliparidade, história familiar,
gos, posteriormente submetidos aos critérios radioterapia da parede torácica, genes, entre
de seleção. outros. Mulheres em idade mais avançada, em
Os critérios de inclusão foram: artigos nos especial após os 50 anos, apresentam maior
idiomas português e inglês; publicados no pe- risco, pois o acúmulo de exposições ao longo
ríodo de 1993 a 2021, que abordavam as te- da vida e as próprias alterações biológicas com
máticas propostas para esta pesquisa, estudos o envelhecimento aumentam a possibilidade
do tipo revisão, disponibilizados gratuitamente de desenvolver o câncer. Apesar de uma pato-
na íntegra. Os critérios de exclusão foram: logia de prognóstico relativamente satisfatório,
artigos duplicados, disponibilizados na forma a neoplasia segue com alto índice de mortali-
de resumo, fontes não confiáveis, que não dade, já que sua detecção e diagnóstico são
abordavam diretamente a proposta estudada e geralmente tardios (SOUZA, 2016).
que não atendiam aos demais critérios de in- O diagnóstico inicial é baseado em mani-
clusão. festações clínicas sugestivas de câncer, como
Após os critérios de seleção restaram arti- nódulos fixos, de consistência endurecida, com
gos 22 que foram submetidos à leitura minuci- progressão de tamanho, descarga papilar uni-
osa para a coleta de dados. Os resultados fo- ductal, unilateral e sanguinolenta, espessa-
ram apresentados, de forma descritiva, dividi- mento e hiperemia cutânea, linfadenopatia
dos em categorias temáticas abordando: fato- axilar, dentre outros. Como exames comple-
res de risco do câncer de mama, diagnóstico mentares, podem ser realizadas a ultrassono-
inicial e tratamentos, sendo a mastectomia grafia de mama, a mamografia, a ressonância
radical com retirada de cadeia axilar foi o tra- magnética com contraste, pesquisa de muta-
tamento discutido nessa revisão. ções genéticas BRCA1 e BRCA2, Punção por
Agulha Fina (PAAF) e Punção por Agulha
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Grossa (RAUPP et al., 2017). A ultrassonogra-
O câncer de mama é, atualmente, o tipo de fia de mama é indicada para pacientes jovens,
neoplasia mais comum dentre as mulheres, com mama densa. A mamografia deve ser rea-
excetuando-se o câncer de pele não melanoma, lizada a cada 2 anos por mulheres entre 50 e
e a segunda neoplasia maligna mais comum na 69 anos, segundo o Ministério da Saúde
população, no que se refere ao contexto mun- (2013), e é classificada segundo escala BI-
dial. Diversos fatores estão relacionados ao RADS para diagnósticos de normalidade, be-
aumento do risco de desenvolver a doença, tais nignidade ou malignidade, orientando suas

17 | P á g i n a
respectivas condutas. A ressonância magné- desenvolvidas no sentido de minimizar os de-
tica, por sua vez, é indicada para pacientes de feitos decorrentes da retirada da mama. Em
alto risco, anualmente. A pesquisa de muta- seguida, Veronesi et al., em 1981, publicaram
ções genéticas baseia-se na história familiar e pesquisa que marcou definitivamente a história
na idade de diagnóstico da doença. Já as pun- da cirurgia conservadora da mama. Os autores
ções permitem o diagnóstico de malignidade relataram os resultados de um estudo randomi-
pela coleta de células e/ou tecidos para exames zado, controlado, no qual a quadrantectomia,
citológicos e histológicos. O diagnóstico defi- procedimento conservador que consistia na
nitivo é dado pela malignidade ao exame his- ressecção de um quadrante mamário, dissecção
topatológico, sendo a biópsia excisional o de linfonodos axilares e radioterapia, é compa-
método padrão ouro (INCA, 2021a). rada à clássica mastectomia radical de Halsted.
Das estratégias de tratamento, a Mastec- Das 701 pacientes com tumores medindo me-
tomia Radical define-se como a completa re- nos de 2 cm de diâmetro e sem linfonodos
moção do tecido mamário. Os tipos de mas- axilares palpáveis (T1N0) avaliadas, 352 fo-
tectomia mais comuns são radical, radical mo- ram submetidas à quadrantectomia, com remo-
dificada, poupadora de pele, e poupadora de ção dos linfonodos axilares e remoção do pei-
pele e complexo mamilo areolar (CAM). A toral menor, e radioterapia com dose de 50 Gy
técnica cirúrgica varia de acordo com a quan- (5000 rads) com início 15 a 20 dias após a
tidade de tecido que será retirado, planejando cirurgia e duração de seis semanas. Os dados
ou não a reconstrução. O uso de antibióticos sobre cura e sobrevida total não mostraram
profiláticos deve ser realizado até 1 hora antes diferença entre os dois grupos após sete anos
da cirurgia. de acompanhamento (CASTILHO et al.,
A Mastectomia Radical de Halsted con- 2008).
siste na remoção de tumores e na retirada de Por fim, foram desenvolvidas a mastecto-
toda a mama, músculos peitorais maior e me- mia poupadora de pele, de incisão no limite
nor e conteúdo axilar em bloco, entretanto está externo areolar, com acesso aos linfonodos
associada a grandes deformidades e prejuízo axilares e reconstrução no mesmo procedi-
da estética. Para minimizar o aspecto defor- mento cirúrgico e a mastectomia poupadora de
mante, Patey e Dyson, em 1948, modificaram CAM, a qual se caracteriza por preservar a
esse procedimento e descreveram os princípios derme e a epiderme dos mamilos e remover os
básicos da mastectomia radical modificada, na ductos lactíferos maiores, quando não há com-
qual o músculo peitoral menor era removido prometimento do complexo (RAUPP et al.,
com preservação do peitoral maior (RICCI et 2017).
al., 2006). Mais tarde, em 1965, a técnica foi Quanto ao manejo axilar no câncer de
modificada por Madden, buscando-se remover mama, o princípio existente em Cirurgia On-
a mama e o conteúdo axilar em continuidade, cológica da ressecção em bloco do tumor pri-
mas preservando-se ambos os músculos peito- mário e da sua drenagem linfática ainda per-
rais. As estruturas referidas seriam removidas siste como uma parte importante no tratamento
apenas se tivessem sido diretamente invadidas do câncer, embora haja discordâncias literárias
pelo tumor (EISNER et al., 1967). A partir de em relação à extensão da dissecção linfonodal
então, diversas técnicas cirúrgicas para re- e seu valor para prognóstico, controle locorre-
construção da mama pós-mastectomia foram gional e sobrevida. Após a dissecção axilar

18 | P á g i n a
completa, o índice de recorrência axilar espe- A técnica de estadiamento axilar conhecida
rado é de 1 a 3%. Contudo, na ausência do como Linfonodo Sentinela visa à identificação
tratamento da axila com a cirurgia ou radiote- do primeiro linfonodo que realiza a drenagem
rapia, esse índice passa a ser elevado. Em es- linfática do tumor na mama. Se após tal identi-
tudos não randomizados, chega a variar de 19 ficação o exame histopatológico revelar que
a 21% nos pacientes não tratados (GRECO et não há comprometimento metastático, então se
al., 1996). É necessário evidenciar que a mor- infere mínima possibilidade de metástases em
bidade após dissecção axilar é significativa e outros linfonodos axilares distais. No entanto,
uma de suas maiores complicações é o linfe- se houver comprometimento positivo deste
dema, cujo risco é proporcional à extensão do primeiro linfonodo, sugere-se a necessidade de
esvaziamento e está associado à possibilidade esvaziamento axilar e a possibilidade de do-
de celulite local. Outras complicações citadas ença avançada (BRONDI, 2009). Ainda não há
podem ser as neuropatias, seromas, hemato- um consenso sobre o tamanho máximo do tu-
mas e infecções de ferida operatória. No en- mor para o qual a biópsia do linfonodo deva
tanto, sua consequência mais grave, apesar de ser empregada. Sabe-se que pode ser realizada
rara, é o linfangiossarcoma. Desta forma, as para tumores T1 e T2 com axilas clinicamente
morbidades acarretam uma discussão sobre o negativas e suas contraindicações absolutas
esvaziamento. Alguns autores questionam a são metástases axilares palpáveis, doença
necessidade de determinação do estado da multifocal na mama e cirurgias mamárias ou
axila, já que a maioria das pacientes é benefi- axilares anteriores de grande porte e radiotera-
ciada pela quimioterapia adjuvante e/ou tera- pia mamária ou axilar prévias (MCMASTERS
pia hormonal. Outros, por sua vez, defendem a et al., 1998). Das técnicas empregadas para a
realização prévia de amostragem axilar, assu- identificação do linfonodo sentinela, podem
mindo o risco de não estadiar corretamente a ser utilizados o corante azul vital e/ou radio-
axila e não reconhecer pacientes com axila fármaco tecnécio, de forma isolada ou associ-
positiva, aumentando as recorrências ados. A associação dessas duas modalidades
(BRONDI, 2009). O que se sabe é que o com- apresenta sensibilidade de 98% na identifica-
prometimento dos linfonodos axilares é o fator ção do linfonodo sentinela. No entanto, recen-
prognóstico mais expressivo para recorrência e temente vêm sendo descritas reações de hiper-
sobrevida e as informações da análise linfono- sensibilidade ao corante azul, numa incidência
dal podem modificar a terapia adjuvante em que varia de 0,1 a 2%, e alguns casos classifi-
pacientes com linfonodos não palpáveis ao cados como severos cursam com repercussões
exame físico (VERONESI et al., 1993). Ade- hemodinâmicas e necessidade de drogas vaso-
mais, estudos sugerem que a radioterapia após ativas (SHINZATO et al., 2006). A aplicação
a mastectomia em pacientes que apresentam de identificação do linfonodo sentinela no cân-
mais do que quatro linfonodos comprometidos cer de mama é promissora, com benefícios ao
possa ter algum benefício em termos de me- evitar o esvaziamento axilar sem comprome-
lhora da sobrevida. Logo, é possível que o timento metastático, reduzindo sequelas moto-
estadiamento acurado da axila possa beneficiar ras e reduzindo o tempo operatório e de inter-
não somente a quimioterapia e a hormoniote- nação. Entretanto, ainda é necessário que haja
rapia, mas também nas indicações da radiote- padronização para o emprego da técnica e
rapia (URBAN et al., 2001).

19 | P á g i n a
avaliações de sobrevida para pacientes estadi- qualquer atividade de lazer, sobretudo por dor,
ados por ela. exames frequentes, preocupação, entre outros.
A abordagem do assunto torna indispensá- Com relação às atividades profissionais, 50%
vel à discussão da relação entre a Mastectomia das mulheres que realizam trabalhos domésti-
e a qualidade de vida da mulher, uma vez que cos reduziram ou adaptaram estas atividades
a mama é um verdadeiro símbolo de identi- após a cirurgia em razão de dor, orientações
dade feminina. Desta forma, a retirada das em restrição de carga/peso, agilidade reduzida,
mamas interfere na autopercepção física, emo- edema no membro superior, preocupação, en-
cional, sexual das pacientes, que podem vir a tre outros. Já com relação à vida pessoal, so-
apresentar sentimentos de baixa autoestima, cial e familiar, 22% das pacientes revelaram
depressão, depreciação da imagem corporal, introversão, dependência, medo, vergonha,
incapacidade, inibição social, medo e até distanciamento interpessoal, problemas de
mesmo a prejuízos em seus relacionamentos sono e alimentação. Por fim, na auto avaliação
interpessoais, sociais e sexuais. Um estudo de qualidade de vida pós-cirúrgica, 18% avali-
realizado em Teresina, no Piauí, entrevistou 13 aram-na como ruim ou regular, expressando,
mulheres pós-mastectomia e constataram di- sobretudo medo de recidivas, problemas finan-
versos relatos de medo, acanhamento, desâ- ceiros e limitação das atividades (SALES et
nimo, tristeza e desolação após o resultado da al., 2001). Assim, nota-se que apesar da maio-
cirurgia (MOURA et al., 2010). O mesmo es- ria das mulheres ainda avaliar a qualidade de
tudo evidencia que a depressão e os senti- vida positivamente, há evidentes impactos para
mentos negativos tornam-se muito mais fre- o trabalho, lazer, relações sociais e familiares,
quentes no pós-mastectomia frente à difícil autoimagem e autoestima, exigindo adaptações
aceitação da nova condição. Outro estudo rea- e reabilitações multidimensionais e multipro-
lizado em Vila Velha, no Espírito Santo, en- fissionais para a reorganização de sua funcio-
trevistou seis mulheres as quais relataram sen- nalidade global.
tirem-se inibidas durante as relações sexuais,
com tentativas frequentes de ocultar a mama CONCLUSÃO
mutilada, além de tornarem-se mais tristes, Deste modo, conclui-se que o câncer de
isoladas do contato social e reservadas após a mama atualmente é o tipo de neoplasia mais
doença (DUARTE & ANDRADE, 2008). comum dentre as mulheres após o câncer de
Ademais, o câncer de mama, por si, é uma pele não melanoma, e a segunda neoplasia
doença estigmatizada, que acarreta grande maligna mais comum na população, no que se
carga emocional tanto para os pacientes quanto refere ao contexto mundial.
à família, repercutindo em sua saúde física e O diagnóstico inicial fundamenta-se em
mental. Todos os envolvidos vivenciam situa- manifestações clínicas indicativas de câncer,
ções de estresse, culpa, medo e raiva, passíveis como nódulos fixos, de consistência endure-
a uma desestruturação familiar e repercussões cida, com progressão de tamanho, descarga
físicas, psíquicas e sociais. papilar uniductal, unilateral e sanguinolenta,
Uma pesquisa realizada por Sales et al. espessamento e hiperemia cutânea, linfadeno-
(2001) observou alguns aspectos na qualidade patia axilar, dentre outros.
de vida de 50 mulheres mastectomizadas e Para o rastreamento precoce, a mamografia
evidenciou que 18% deixaram de realizar é considerada o método de escolha e, atual-
20 | P á g i n a
mente, o autoexame das mamas deixou de ser ciar que a morbidade após dissecção axilar é
estimulado. Segundo o Ministério da Saúde, a significativa e uma de suas maiores complica-
mamografia deve ser realizada a cada 2 anos ções é o linfedema e sua consequência mais
por mulheres entre 50 e 69 anos. Já para a So- grave, apesar de rara, é o linfangiossarcoma. O
ciedade Brasileira de Mastologia, é indicada a que se sabe é que o comprometimento dos
efetuação do exame aos 40 anos. A realização linfonodos axilares é o fator prognóstico mais
da ultrassonografia de mama é indicada para expressivo para recorrência e sobrevida, e as
pacientes jovens, com mamas densas e a res- informações da análise linfonodal podem mo-
sonância magnética, por sua vez, é para aque- dificar a terapia adjuvante em pacientes com
las pacientes de alto risco, anualmente. linfonodos não palpáveis ao exame físico.
Como exames complementares, podem ser Logo, é possível que o estadiamento acurado
realizadas a ultrassonografia de mama, a ma- da axila possa beneficiar não somente a qui-
mografia, a ressonância magnética com con- mioterapia e a hormonioterapia, mas também
traste, pesquisa de mutações genéticas BRCA1 nas indicações da radioterapia.
e BRCA2, Punção por Agulha Fina (PAAF) e A aplicação de identificação do linfonodo
Punção por Agulha Grossa. sentinela no câncer de mama é promissora,
Para o tratamento, o método definitivo com benefícios ao evitar o esvaziamento axilar
mais usual é a mastectomia. A cirurgia de re- sem comprometimento metastático, reduzindo
moção da mama agrupa-se em mastectomia sequelas motoras e reduzindo o tempo operató-
parcial, na qual é retirada parte do tecido ma- rio e de internação. Entretanto, ainda é neces-
mário, a mastectomia simples, que extrai todo sário que haja padronização para o emprego da
o tecido e pele, a mastectomia radical, que técnica e avaliações de sobrevida para pacien-
remove tecido, músculos do peitoral e linfono- tes estadiados por ela.
dos axilares e, a técnica mais atual, a mastec- Dentre todas essas possibilidades de técni-
tomia radical modificada, que concilia a sim- cas escolhidas e meios de intervenção, o cân-
ples com a remoção dos linfonodos axilares, cer de mama, por si, é uma doença estigmati-
ou seja, não é removido os músculos peitorais zada, que acarreta grande carga emocional
e, por fim, a Mastectomia Radical de Halsted, tanto para os pacientes quanto à família, reper-
que consiste na remoção de tumores e na reti- cutindo em sua saúde física, sexual e mental,
rada de toda a mama, músculos peitorais maior deixando-os com baixa autoestima, depressão,
e menor e conteúdo axilar em bloco, entretanto depreciação de imagem corporal, prejuízo em
está associada a grandes deformidades e pre- seus relacionamentos interpessoais. Deste
juízo da estética. modo, torna-se necessária sempre a individua-
Quanto ao manejo axilar no câncer de lização de cada caso, o apoio de toda equipe de
mama existem discordâncias literárias em re- profissionais para o acolhimento e a empatia
lação à extensão da dissecção linfonodal e seu com todos os pacientes, colocando sempre as
valor para prognóstico. É necessário eviden- expectativas deles em um plano de cuidados.

21 | P á g i n a
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22 | P á g i n a
Capítulo 4

FEOCROMOCITOMA:
MANEJO PRÉ-OPERATÓRIO

ANDRESSA RODRIGUES SANTANA1


BRUNO RODRIGUES SILVÉRIO1
LUIZ GUSTAVO BARBOSA FANTIN1
MARLON ALVES DE MESQUITA1
QUINTILIANO DUARTE ARAUJO1
RAFAEL CAMARGO KUKULKA1
EDUARDO MACIEL NARVAES2

1
Discente - Curso de Medicina da Universidade Federal de Rondonópolis - UFR
2
Docente – Departamento de Cirurgia e Urologia da Universidade Federal de
Rondonópolis - UFR

Palavras Chave: Feocromocitoma; Pré-operatório; Cirurgia·.

10.59290/978-65-81549-92-3.4 23 | P á g i n a
Para reduzir essas possíveis complicações
INTRODUÇÃO fatais, o manejo farmacológico pré-operatório
O feocromocitomas (FCC) é um tumor é essencial. Este, objetiva principalmente a
neuroendócrino derivado de células cromafins normatização da pressão arterial e da frequên-
que se desenvolve na medula adrenal. Essas cia cardíaca, o tratamento de arritmias e a res-
células também podem originar os paragangli- tauração do volume intravascular, prevenindo
omas (PGL), porém sua localização é extra- assim a instabilidade hemodinâmica peri/intra-
adrenal, normalmente nos paraglânglios sim- operatória.
páticos e parassimpáticos. O FCC é uma neo- Considerando a importância desse tema no
plasia rara, sendo sua incidência de 2 - 8 por tratamento dos feocromocitomas, este trabalho
milhão de habitantes (FISHBEIN, 2015). No tem como objetivo esclarecer as diversas eta-
entanto, essa incidência é subestimada, visto pas do manejo pré-operatório, discutindo sobre
que é uma neoplasia subdiagnosticada, tendo sua aplicação e resultados alcançados, além de
50% dos casos diagnosticados somente na au- trazer informações sobre o manejo farmacoló-
topsia (ROMÁN-GONZÁLEZ et al., 2020). gico e não farmacológico que pode ser apli-
Este tumor acomete principalmente indivíduos cado.
entre os 40 e 50 anos de idade, sendo sua inci- MÉTODO
dência semelhante entre homens e mulheres
(FARRUGIA et al., 2017). Este capítulo é uma revisão de literatura
Os FCCs e os PGLs podem ser tumores feita em março de 2023, utilizando, como ba-
produtores de catecolaminas, e gera uma sin- ses de dados, o PubMed, o LILACS e o Scielo
tomatologia que inclui picos hipertensivos para pesquisa de publicações científicas. Os
e/ou hipertensão persistente, palpitações, dia- descritores utilizados foram: ―pheochromo-
forese, cefaleia, dentre outros sintomas sim- cytoma‖, ―surgery‖ e ―treatment‖. A busca foi
patomiméticos. filtrada para artigos publicados nos últimos 10
O tratamento é realizado através da ressec- anos, compreendendo os anos de 2013 a 2023.
ção cirúrgica do tumor e diminui significati- Com isso, foram encontrados 378 artigos
vamente a morbimortalidade quando feito em correspondentes. Desses, foram selecionados
tempo hábil, sendo este tratamento curativo 25 artigos nos idiomas inglês, português e es-
em 90% dos casos (RAMACHANDRAN & panhol que possuíam informações relevantes
REWARI, 2017). Entretanto, a manipulação sobre o tema abordado. Sendo considerado
cirúrgica do tumor, pode gerar uma tempes- como critérios de inclusão abordar informa-
tade catecolaminérgica, ou seja, grande libera- ções sobre o manejo pré-operatório em feo-
ção de catecolaminas na corrente sanguínea, e cromocitomas e/ou fármacos utilizados nesse
consequente crise hipertensiva e/ou arritmia manejo. Artigos que não apresentavam infor-
intraoperatórias, sendo potencialmente fatal. mações sobre o tema proposto e/ou não se en-
Além disso, a estimulação catecolaminérgica quadravam nos critérios acima descritos, fo-
excessiva e crônica em pacientes com FCC ram excluídos.
gera uma depleção do volume intravascular, Após a seleção dos artigos, foram excluí-
podendo ocorrer hipotensão importante após a dos os artigos que estavam repetidos em dife-
remoção do tumor e subsequente diminuição rentes bancos de dados, e os restantes foram
abrupta das catecolaminas. utilizados nesta revisão.

24 | P á g i n a
RESULTADOS E DISCUSSÃO xísticos podem ser desencadeados por diversas
situações, como o consumo de álcool, aumento
Apresentação Clínica da pressão intra-abdominal, mudanças rápidas
Os FCCs produzem principalmente epine- de decúbito, uso de medicações, dentre outros.
frina e norepinefrina, podendo também ser O excesso de catecolaminas no organismo
produtores de dopamina. A norepinefrina gera pode ainda, em longo prazo, ocasionar diver-
a ativação, principalmente, dos receptores α1 e sas sequelas, como intolerância a glicose, dia-
β1, causando hipertensão por vasoconstrição e betes e insuficiência cardíaca, além de, agu-
a taquicardia; já a ativação dos receptores β2, damente, poder ser a causa de AVC, IAM e
principalmente pela epinefrina, gera vasodila- óbito (WISEMAN et al., 2019).
tação, tendo efeito hipotensivo, podendo tam-
bém gerar taquicardia. A dopamina age em Manejo pré-operatório
seus receptores e também possui efeito hiper- O tratamento definitivo para o FCC é a
tensivo (AZADEH et al., 2016). Sendo assim, ressecção cirúrgica do tumor. Este deve ser
a estimulação constante das catecolaminas instituído o mais rápido possível, visto que,
induz, no geral, a hipertensão por vasoconstri- antes do tratamento, há o risco de que haja
ção e taquicardia, o que, em longo prazo, gera uma crise hipertensiva letal a qualquer mo-
uma depleção do volume intravascular, na mento. No entanto, durante a cirurgia, proce-
tentativa de controle pressórico. dimentos como a anestesia, a intubação, o
Logo, essas neoplasias podem possuir uma pneumoperitônio induzido em cirurgias lapa-
apresentação clínica extremamente variada, roscópicas, a manipulação direta do tumor,
dependendo, especialmente, da quantidade, do etc., causam a liberação de uma grande quan-
tipo e do padrão de catecolaminas secretadas tidade de catecolaminas na corrente sanguínea.
(MIGUEL et al., 2015); podendo, até mesmo, Essa tempestade catecolaminérgica pode de-
ser completamente assintomáticos e serem sencadear hipertensão grave e arritmias malig-
encontrados como incidentalomas em 10 a nas que são potencialmente fatais. Além disso,
40% dos casos (RAMACHANDRAN & RE- após a remoção do tumor, a redução abrupta
WARI, 2017). Quando sintomáticos, podem dos níveis plasmáticos de catecolaminas, jun-
apresentar sintomas inespecíficos que mimeti- tamente com a hipovolemia existente nesses
zam diversas outras doenças, como meno- pacientes, pode culminar em uma hipotensão
pausa, tireotoxicose, angina, ansiedade, etc grave e choque no período pós-operatório.
(ROMÁN-GONZÁLEZ, et al., 2015). Dessa maneira, antes da aplicação do manejo
A tríade clássica de sintomas são palpita- pré-operatório, as taxas de mortalidade nesse
ções, cefaleia e sudorese, ocorrendo em procedimento cirúrgico eram de aproximada-
58,1%, 51,9% e 48,8% dos casos, respectiva- mente 30 a 40%. Porém, com a realização do
mente (FARRUGIA et al., 2017). Vários ou- preparo pré-operatório realizando o bloqueio
tros sintomas, relacionados à hiperatividade adrenérgico, essa taxa de mortalidade reduziu
simpática, podem estar presentes, como hi- para menos de 3% (FISHBEIN, 2015).
pertensão, tremores, dispneia, vertigem, náu-
seas, dentre outros. Esses sintomas costumam Alvos do manejo pré-operatório
ser paroxísticos, no entanto, a hipertensão O principal objetivo do manejo pré-opera-
pode ser sustentada em até metade dos casos tório é normalizar a pressão arterial, a frequên-
(WISEMAN et al., 2019). Os sintomas paro- cia cardíaca, a volemia e controlar outras mor-

25 | P á g i n a
bidades que o paciente possa apresentar. Para alfas bloqueadores, beta bloqueadores e blo-
atingir esses objetivos, o ideal é que haja uma queadores dos canais de cálcio, são as classes
abordagem multidisciplinar em um centro es- de drogas mais frequentemente escolhidas para
pecializado. esse manejo. Porém, apesar dessas classes se-
Devido à baixa incidência dos FCCs, há rem praticamente um consenso, também há
poucos estudos bem estruturados avaliando a variações sobre quais fármacos, especifica-
melhor maneira de se realizar o preparo pré- mente, seriam a melhor escolha.
cirúrgico. Logo, não existe um consenso sobre
alguns aspectos, como quando iniciar esse Alfabloqueadores
preparo, qual/quais drogas usar ou quais são os Os antagonistas dos receptores alfa adre-
alvos específicos a serem alcançados. nérgicos são a primeira linha de tratamento
Em 2007, a sociedade de endocrinologia pré-operatório dos pacientes com FCC. Devido
recomendou que pressão arterial atingida fosse sua capacidade de bloquear a vasoconstrição
inferior a 130/80 mmHg quando o paciente induzida pelos receptores α1, esses fármacos
estivesse sentado e maior que 80/45 mmHg são eficazes na redução da PA e permitem a
quando estivesse em pé, e que a meta de fre- adequada reposição volêmica posteriormente.
quência cardíaca fosse entre 60 a 70 batimen- A fenoxibenzamina é considerada por
tos por minuto sentado e 70 a 80 bpm em pé muitos a droga de escolha. Esta é um antago-
(FANG et al., 2020). Essa recomendação tem nista irreversível e não seletivo, realizando
sido bastante usada, porém também se reco- uma ligação covalente com os receptores α1 e
menda uma avaliação individualizada do paci- α2. Por ser irreversível, possui efeito longo,
ente. durando de 24 a 48 horas.
No entanto, alguns especialistas utilizam A fenoxibenzamina pode ser iniciada com
os critérios de Roizen. Descritos em 1983, doses de 10 mg duas vezes ao dia, aumentando
esses critérios avaliam a adequação do blo- em dias alternados até atingir a meta de PA; a
queio alfa adrenérgico e estão descritos a se- dose usual costuma chegar a 20 a 40 mg de 2 a
guir (AZADEH et al., 2016): 3 vezes ao dia, sendo a dosagem máxima de
1. Nenhuma pressão arterial 240 mg por dia (YOHAM & CASADESUS,
>160/90mmHg deve ser evidente por 24 horas 2022).
antes da cirurgia; Os antagonistas seletivos do receptor α1
2. Para pacientes com hipotensão ortostá- também são bastante utilizados, seus principais
tica, leituras >80/45mmHg devem estar pre- representantes são a daxazosina e a prazosina.
sentes; A prazosina geralmente é feita em dose de 0,5
3. Nenhuma alteração ST-T está presente a 1 mg a cada 4 a 6 horas e pode ser aumen-
no eletrocardiograma por pelo menos uma tada até doses máximas de 20 a 24 mg/dia
semana; (RAMACHANDRAN & REWARI, 2017). Já
4. Não mais do que uma contração ventri- a doxazosina pode ser iniciada com 2 mg/dia e
cular prematura a cada 5 minutos. aumentada até a dose máxima de 32 mg/dia
Em relação ao tempo de tratamento, as re- (AYGUN & ULUDAG, 2020).
comendações encontradas em diversos estudos Há diversos estudos comparativos entre os
variam entre 7 e 21 dias antes da cirurgia, usos de bloqueadores alfa seletivos e os não
normalmente sendo feito de 7 a 14 dias. No seletivos. Em geral, eles concluem que o con-
que se refere aos medicamentos usados, os trole da PA no uso de fármacos não seletivos é

26 | P á g i n a
superior aos seletivos, estando relacionado a tropismo mediado pelos receptores beta antes
um menor número de picos hipertensivos in- da inibição da vasoconstrição mediada pelos
traoperatórios e menor necessidade associação receptores alfa pode causar uma crise hiperten-
de outras drogas. Porém, esses estudos diferem siva grave, insuficiência cardíaca e edema
quando se referem à frequência e gravidade de agudo de pulmão.
casos de hipotensão pós-operatória. Um estudo Os betabloqueadores cardiosseletivos
de controle randomizado realizado em 2020, como metoprolol e o atenolol são preferíveis,
concluiu que a fenoxinbenzamina é superior à pois possuem menos efeitos colaterais do que
doxazosina por oferecer melhor controle da os não seletivos. A dosagem do metoprolol é
PA e não diferir no tempo de hipotensão ou de 25 a 50 mg de três a quatro vezes por dia; o
em casos de hipotensão grave pós-operatório, atenolol pode ser feito de 12,5 a 25 mg de duas
desde que a reposição volêmica pré-operatória a três vezes ao dia e o propranolol (não sele-
tenha sido realizada (BUITENWERF et al., tivo) é usado em doses de 20 a 80 mg de uma a
2020). Uma revisão sistemática e meta-análise três vezes ao dia (GARCÍA et al., 2019).
realizada com 11 estudos em 2021, também O labetolol também pode ser usado para o
chegou a conclusões semelhantes (ZA- bloqueio adrenérgico, sendo que possuía ação
WADZKA et al., 2021). Já outra revisão reali- sobre os receptores alfa e beta. No entanto, ele
zada em 2014, chegou à conclusão de que ape- bloqueia esses receptores na proporção 1:7
sar da fenoxibenzamina oferecer melhor con- (relação alfa e beta). Logo, não deve ser a pri-
trole da PA, ela estaria relacionada a mais ca- meira escolha, pois está relacionado a mais
sos de hipotensão grave e prolongada no pós- casos de crises hipertensivas (GARCÍA et al.,
operatório, quando comparada a doxazosina 2019).
(ZEE & BOER, 2014). No entanto, todos os
estudos concordam que o uso dos alfabloquea- Bloqueadores dos canais de cálcio
dores não seletivos causam mais taquicardia Os bloqueadores dos canais de cálcio são
grave, pois, ao bloquear os receptores α2 pré- muito utilizados quando as metas de PA não
sinápticos, induzem a liberação de norepine- são atingidas com o uso de alfa bloqueadores.
frina. Já, a taquicardia que pode ocorrer com o Mas, também podem ser recomendados para a
uso dos bloqueadores seletivos seria em res- prevenção de espasmos coronarianos induzi-
posta a vasodilatação, tendo assim menor in- dos pelas catecolaminas e em pacientes que
tensidade. apresentam hipertensão paroxística, visto que
não causam hipotensão quando os pacientes
Betabloqueadores estão normotensos.
O bloqueio dos receptores alfa costuma A nicardipina, amlodipina, nifedipina e ve-
cursar com aumento da frequência cardíaca, rapamil são os fármacos mais usados. As doses
seja por liberação de norepinefrina ou em res- são: nicardipina de 60 a 90 mg/dia; amlodipina
posta a vasodilatação. Logo, 3 a 4 dias após o de 10 a 20 mg/dia; nifedipina de 30 a 90
início do bloqueio alfa adrenérgico, é indicado mg/dia e verapamil de 180 a 540 mg/dia
a realização do bloqueio beta adrenérgico para (GARCÍA et al., 2019).
controle da FC.
O uso de betabloqueadores antes do blo- Inibidores da tirosina hidroxilase
queio dos receptores alfa não deve ser reali- Os inibidores da tirosina hidroxilase têm
zado, pois a perda da vasodilatação e do ino- como mecanismo de ação o bloqueio da sín-

27 | P á g i n a
tese de catecolaminas. Sendo assim, seu uso é risco de tempestade catecolaminérgica durante
recomendado para pacientes que possuem alto o procedimento cirúrgico.
risco de tempestade catecolaminérgica intrao- Além do tratamento farmacológico, medi-
peratória, como pacientes em que já se prevê das não farmacológicas devem ser tomadas
uma ressecção difícil do tumor ou pacientes para evitar a liberação de catecolaminas antes
que possuem metástases. Também pode ser da cirurgia. Por exemplo, o paciente deve ser
indicado para pacientes que não toleraram o orientado a evitar atividades físicas intensas, a
uso de alfabloqueadores ou de bloqueadores evitar o uso de tabaco e/ou álcool, não utilizar
dos canais de cálcio. No entanto, infelizmente fármacos que possam aumentar os efeitos ca-
esse não é um fármaco muito disponível, de- tecolaminérgicos ou induzir sua liberação, etc.
vido seu alto custo (CALISSENDORFF et al., Medidas intraoperatórias também são de
2022). extrema importância na redução de liberação
O fármaco mais utilizado dessa classe é a de catecolaminas, como por exemplo: reduzir
metirosina, ela deve ser iniciada de 1 a 3 se- ao máximo a manipulação ou compressão do
manas antes da cirurgia e sua dosagem reco- tumor; diminuir a pressão do pneumoperitônio
mendada é de 250 mg de 3 a 4 vezes por dia, gerado em cirurgias laparoscópicas e realizar a
podendo ser aumentada a cada 2 ou 3 dias até ligadura precoce da veia adrenal (GARCÍA et
aproximadamente 2 gramas por dia (GARCÍA al., 2019).
et al., 2019).
CONCLUSÃO
Reposição volêmica O manejo pré-cirúrgico adequado é essen-
Os pacientes com FCC possuem um vo- cial para redução da morbimortalidade na res-
lume intravascular reduzido. Logo, para dimi- secção dos FCCs, devendo ser realizado em
nuir a incidência de hipotensão grave e/ou todos os pacientes com tumores funcionantes.
prolongada e até mesmo o choque no pós-ope- Nesse manejo, o mais importante é o adequado
ratório, esses pacientes devem ter sua volemia bloqueio dos receptores alfa adrenérgicos, que
restaurada após o início do bloqueio adrenér- é a primeira escolha para o controle da PA e
gico. Para isso, pode ser indicada uma dieta redução de crises hipertensivas no intraopera-
rica em sódio, aproximadamente 5g por dia, e tório. No entanto, o papel dos betabloqueado-
a ingestão de 2,5 litros de água por dia ou pode res e bloqueadores dos canais de cálcio tam-
ser realizada a reposição volêmica EV com bém já está muito bem estabelecido, e esses
solução salina (AYGUN & ULUDAG, 2020). devem ser usados sempre que necessário para
melhor controle da PA e da FC. Além disso, a
Outras recomendações reposição volêmica deve ser sempre realizada,
Pacientes que se apresentam normotensos
juntamente com as outras medidas não farma-
e que possuem tumores funcionantes também
cológicas indicadas, evitando assim possíveis
devem receber o manejo pré-operatório, seja
alterações importantes da PA no período pré e
com alfabloqueadores ou com bloqueadores
pós-operatório.
dos canais de cálcio, pois também possuem o

28 | P á g i n a
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29 | P á g i n a
Capítulo 5
CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA
RECONSTRUTIVA NO CONTEXTO
DE DEFORMIDADES ANATÔMICAS
NA SÍNDROME DE MARFAN.

ISABELA FRANCO FREIRE1


MANUELA CAVALCANTE COLING LIMA1
ARTHUR MENESES BEZERRA1
BRUNA VIANA TELES REBOUÇAS1
DARA MARIA DE SÁ BONFIM1
RIAN VILAR LIMA1
LETÍCIA PINHEIRO PONTES1
YURI MARQUES TEIXEIRA MATOS1
LUÍSA BEDÊ BRUNO1
MILENA AGNES SANTOS BUENO1
VÍCTOR QUEIRÓS CALHEIROS CAMPELO MAIA1
MARCOS TÚLIO MONTEIRO TAVARES1
THAYLANDIÊ BASÍLIO CAVALCANTE CRUZ2
SALUSTIANO GOMES PINHO PESSOA3
1
Discente – Medicina na Universidade de Fortaleza
2
Discente – Residência Médica em Cirurgia Plástica no Hospital Universitário Walter
Cantídio
3
Docente – Departamento de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva do Hospital Universitário
Walter Cantídio

Palavras Chave: Síndrome de Marfan; Cirurgia plástica; Autoimagem.

10.59290/978-65-81549-92-3.5 30 | P á g i n a
reconstrutivas no contexto de pacientes porta-
INTRODUÇÃO dores de SM que possuem deformidades ana-
A síndrome de Marfan (SM) é uma doença tômicas que podem acarretar diminuição de
genética autossômica dominante de penetração qualidade de vida e de autoestima.
variável do tecido conjuntivo. Ela resulta da
EPIDEMIOLOGIA
mutação do gene FBN1, responsável pela co-
dificação da fibrilina 1, elemento das microfi- A incidência da SM varia de 1 entre
brilas da matriz extracelular. Trata-se de uma 10.000 a 20.000 indivíduos e apresenta inci-
patologia de caráter multissistêmico, cujas dência semelhante entre o sexo masculino e o
manifestações acometem, sobretudo os apare- sexo feminino. Com o avançar da idade os
lhos musculoesquelético, visual e cardiovas- sinais clínicos se tornam mais visíveis (SHIR-
cular (ARAÚJO et al., 2016; LEBREIRO et LEY et al.; 2009).
al., 2010; VENÂNCIO, 2016). A expectativa de vida desses pacientes va-
Em 1996 foram estabelecidos os critérios riava em torno de 48 anos, menor que a popu-
diagnósticos de Ghent, os quais foram revistos lação geral, devido a complicações cardiovas-
em 2010 visando uma maior ênfase ao com- culares, em dados reportados em 1972. Entre-
prometimento cardíaco e ocular e no estudo tanto, com os avanços no tratamento e no di-
molecular. Dessa forma, pode-se facilitar a agnóstico precoce, houve uma redução nas
investigação clínica e aprimorar o diagnóstico taxas de mortalidade e indivíduos com SM
diferencial. Alguns dos parâmetros utilizados conseguem chegar até idades avançadas, rece-
para a identificação da síndrome são: presença bendo tratamento médico apropriado (SHIR-
de deformidades no tórax, escore Z da raiz LEY et al.; 2009).
aórtica, ectopia lentis, presença de mutação
genética FBN1 e história familiar de SM. O FISIOPATOLOGIA
diagnóstico precoce é essencial para um me- As fibrilinas são grandes macromoléculas
lhor prognóstico e para a instituição da abor- que contribuem para a estrutura e função de
dagem terapêutica (ARAÚJO et al., 2016; todos os tecidos conjuntivos. Trata-se de gli-
FREY, 2015; VENÂNCIO, 2016). coproteínas ligantes de cálcio, se agregando
No tocante à abordagem da atenuação de para formar microfibrilas que fornecem su-
alterações anatômicas, a síndrome de Marfan porte estrutural e elasticidade aos tecidos, in-
representa um desafio especial para a cirurgia cluindo vasos sanguíneos, pele e ossos; se-
reconstrutiva. O sistema esquelético é afetado questram membros da família beta do fator de
pelo crescimento excessivo de ossos longos e crescimento TGF, contribuindo para a forma-
tubulares, o que leva a deformidades no tórax, ção e o reparo de órgãos; e ligam fibulinas,
como pectus excavatum, que fornecem uma ADAMTS, membros da família de proteínas
base distorcida para o reparo cirúrgico. Ade- semelhantes à ADAMTS, proteínas morfoge-
mais, as anormalidades de matriz extracelular néticas ósseas (BMPs) e fatores de cresci-
prejudicam a capacidade de adaptação à ex- mento e diferenciação (GDFs) (SAKAI et al.,
pansão do tecido, levando a formação de es- 2016; YUAN & JING, 2010).
trias atróficas (FREY et al., 2015). A causa da SM perpassa pelas variantes
O objetivo deste estudo foi estudar os im- patogênicas no gene FBN1, que codifica a
pactos das abordagens cirúrgicas estéticas e
31 | P á g i n a
fibrilina-1, gene este localizado no braço longo teinases (TIMP). A remodelagem progressiva
do cromossomo 15 (15q21.1). Mais de 1800 da parede arterial nos doentes com SM parece
variantes patogênicas já foram identificadas, associar-se a um aumento da atividade das
sendo as variantes missense as mais frequentes MMP-2 e 9, favorecendo a proteólise da MEC.
(relatadas em cerca de 66%). Pequenas inser- Vários estudos mostraram a existência de de-
ções, deleções ou duplicações foram relatadas sequilíbrio entre a razão MMP/TIMP em
em 10% a 15%. Erros de splicing foram rela- amostras de tecido aneurismático da aorta. O
tados em 10%-15%. Grandes rearranjos tam- tipo de MMP predominantemente presente
bém foram relatados e deleções genéticas in- parece correlacionar-se com o estágio de de-
teiras são raras. Cerca de 12% das variantes senvolvimento do aneurisma. Por exemplo, a
patogênicas no FBN1 são recorrentes. Alta MMP-2 é expressa em níveis elevados quando
penetrância é observada e a herança é autos- os aneurismas têm pequenas dimensões, en-
sômica dominante (SAKAI et al., 2016). Vale quanto a MMP-9 se encontra elevada nos ca-
mencionar que casos raros de variantes pato- sos de aneurismas de maiores dimensões ou
gênicas recessivas do FBN1 foram relatados em risco de ruptura (LEBREIRO et al., 2010).
(PEPE et al., 2016). Em síntese, variantes Os tecidos ricos em fibrilina, incluindo
patogênicas no gene FBN1 resultam em defi- aorta, tecido musculoesquelético, pulmão e
ciência ou anormalidade em fibrilina-1. córnea, são os principais afetados pela SM. O
Associações genótipo-fenótipo foram re- aneurisma e a dissecção da aorta torácica po-
latadas: a subluxação de cristalino é mais co- dem ser causados por matriz extracelular en-
mum em pacientes com substituições de cis- fraquecida e sinalização aberrante de TGF-
teína no domínio do fator de crescimento se- beta. Defeitos estruturais nos tecidos muscu-
melhante ao EGF e mutações nos primeiros 15 loesqueléticos levam a achados físicos e de-
éxons; mutações nos éxons 24 ao 32 foram formidades esqueléticas. A subluxação do
associadas à doença neonatal grave; códons de cristalino é causada pela fraqueza estrutural da
terminação prematura foram associados a es- zônula ciliar (ligamento suspensor da lente),
trias cutâneas e hipermobilidade de grandes levando ao deslocamento, que é tipicamente
articulações; e variantes de splicing são mais para cima e temporal, mas pode ocorrer desvio
comuns em pacientes com eventos aórticos em qualquer direção (PEPE et al., 2016).
(SAKAI et al., 2016).
Considera-se que a ativação aberrante da QUADRO CLÍNICO
via de transdução do sinal do TGF-beta, vin- As manifestações clínicas da SM se tor-
culada à deficiência ou à anormalidade de nam mais evidentes com a idade e estão rela-
fibrilina-1, pode ser um dos principais meca- cionadas a três sistemas principais: o esquelé-
nismos envolvidos na patogenia da síndrome, tico, o cardíaco e o ocular. No sistema esque-
nomeadamente através da ativação de metalo- lético, as manifestações mais comuns são a
proteinases (MMPs), as quais promovem a estatura elevada, escoliose, dedos alongados
proteólise da MEC. As MMPs constituem uma (aracnodactilia) e deformidades torácicas
grande família de enzimas que processam e (pectus carinatum e pectus excavatum). No
degradam inúmeros substratos extracelulares, sistema cardiovascular, é comum observar
como o colágeno e a elastina, e são reguladas prolapso da válvula mitral, dilatação da aorta e
por quatro inibidores teciduais de metalopro- sopro cardíaco. No sistema ocular, os achados
32 | P á g i n a
são miopia, luxação do cristalino e descola- aorta, os pacientes são aconselhados a evitar o
mento de retina (CIPRIANO et al., 2011; uso de tabaco, monitorar a pressão arterial e
SALLUM et al., 2002). evitar a prática de exercícios de alta intensi-
As alterações do sistema esquelético são as dade e de esportes de contato. Apesar disso, as
mais frequentes e marcantes. Além dos im- atividades físicas moderadas devem ser incen-
pactos sistêmicos causados pela deformidade tivadas para a maior parte dos pacientes (CO-
torácica, há também o componente estético e ELHO & ALMEIDA, 2020; MARX et al.,
emocional que é sensibilizado, principalmente 2017; LEBREIRO et al., 2010).
em mulheres acometidas pela síndrome. O O tratamento medicamentoso mais utili-
aspecto disforme, tanto no pectus excavatum zado para prevenir as complicações aórticas
(posteriorização do esterno), quanto no pectus dessa doença se dá pela administração de be-
tabloqueadores, que estão associados a um
carinatum (anteriorização do esterno), alteram
menor risco de dilatação da raiz da aorta, de
a qualidade de vida da paciente, sendo neces-
dissecção e de outros distúrbios cardiovascula-
sária à correção cirúrgica do tórax e em alguns
res. Ademais, estudos recentes têm apontado
casos, a realização de mamoplastia (FREY et
para um possível benefício adicional da asso-
al., 2015).
ciação desses fármacos aos bloqueadores dos
No contexto da reconstrução mamária, as
receptores de angiotensina II (BRAs), no en-
manifestações cutâneas e esqueléticas da SM
tanto, maior evidência é necessária (LE-
são as mais pertinentes, havendo risco au- BREIRO et al., 2010; CANTARINO et al.,
mentado de hérnias cirúrgicas e de estrias pro- 2021).
eminentes atrofiadas em áreas incomuns (JU- O tratamento cirúrgico se dá através da ci-
DGE & DIETZ, 2005; FREY et al., 2015). rurgia profilática da aorta, que é indicada aos
pacientes que apresentam a raiz aórtica com
TRATAMENTO
uma medida próxima ou maior que 5 cm, au-
Apesar de não possuir tratamento definido, mento progressivo do diâmetro de meio a um
a SM é uma doença hereditária que acomete centímetro por ano, ou regurgitação aórtica
diversos sistemas, dos quais o sistema cardio- grave. Nesse procedimento, substitui-se a raiz
vascular e o músculo esquelético se destacam, da aorta, a válvula aórtica e a aorta ascendente
fazendo-se necessária, então, uma equipe pro- por uma prótese (COELHO & ALMEIDA,
fissional multidisciplinar para que o manejo 2020; CANTARINO et al., 2021).
adequado e eficaz seja realizado (CANTA- Em relação ao sistema musculoesquelético,
RINO et al., 2021). são múltiplas as manifestações características
A principal manifestação da SM associada da SM que podem ocorrer, como escoliose,
ao sistema cardiovascular consiste na dilatação pés planos e pectus excavatum ou carinatum.
da aorta, que pode ser encontrada em até 80% A escoliose está presente em aproximada-
dos pacientes e é associada a uma das maiores mente 60% dos portadores da doença e, em-
causas de mortalidade nos portadores dessa bora a maior parte dos casos seja composta por
doença: a dissecção de aorta. Assim, após o curvaturas sutis da coluna que não requerem
diagnóstico, deve-se realizar a monitorização tratamento, durante os picos de crescimento
do diâmetro aórtico por ecocardiograma, angio essa condição pode sofrer uma rápida evolução
TC ou angioressonância frequentemente. Além e conduzir a deformidades graves. Dessa
disso, devido aos riscos de dissecção aguda de forma, o colete ortopédico é recomendado para

33 | P á g i n a
pacientes com escoliose moderada em fase de de abortamento nessas gestantes em compara-
crescimento, a fim de evitar seu agravo. A ção a mulheres não portadoras (CANTARINO
correção cirúrgica da escoliose, por sua vez, é et al., 2021; COELHO & ALMEIDA, 2020).
indicada a adultos e adolescentes que possuem
curvatura espinhal acima de 45 e é feita pelo RELATO DO CASO
realinhamento e fusão de vértebras curvas, que M.A.S., gênero feminino, 22 anos, natural
cicatrizam como um osso único (CANTA- de Itapipoca-CE e procedente de Fortaleza-CE.
RINO et al., 2021; LEBREIRO et al., 2010). É acompanhada em hospital pediátrico de refe-
As deformidades torácicas típicas da do- rência na capital desde os 3 anos, quando mãe
ença podem acarretar dificuldade de respiração percebeu que a filha era mais alta que as de-
em casos de retração esternal grave, sendo mais crianças e não possuía firmeza ao andar.
recomendada cirurgia para levantamento do Iniciou seguimento com a ortopedia devido a
esterno e realinhamento das costelas. Nesse tórax excavatum, sendo encaminhada ao gene-
caso, importa também uma avaliação estética ticista que fez o diagnóstico de SM.
no caso de a deformidade ocasionar impacto Aos 6 anos, realizou a correção cirúrgica
psicossocial no paciente portador. Outra mani- do tórax excavatum, que já cursava com oste-
festação comum no sistema musculoesquelé- omielite, tendo sido realizada limpeza cirúr-
tico é o pé plano, que na síndrome de Marfan gica. Prosseguiu com dispneia aos médios
ocorre pelo afrouxamento dos ligamentos que esforços, sendo posteriormente identificada
sustentam o arco plantar, podendo gerar dor. pela cardiologia como fruto de um prolapso de
Esse quadro é tratado através do uso de pal- valva mitral, confirmada via ecocardiograma.
milhas ortopédicas com moldes de arco, que Teve puberdade induzida por estrogênios
aliviam o desconforto dos pés (CANTARINO aos 10 anos, evoluindo satisfatoriamente com
et al., 2021). menarca aos 12. Posteriormente, passou a
A administração de estrogênio diário antes apresentar escoliose e pé plano doloroso à
da menarca induz precocemente a puberdade e direita. Além disso, apesar da correção cirúr-
o fechamento epifisário, configurando uma gica do tórax excavatum, este passou a inco-
opção de tratamento para meninas com chan- modá-la esteticamente, iniciando o acompa-
ces de atingir alturas excepcionalmente altas nhamento com cirurgia plástica para avaliar a
(CANTARINO et al., 2021). viabilidade do procedimento estético.
Uma vez que há risco de transmissão de Foram solicitados os exames laboratoriais
50% nos casos em que um dos pais é afetado pré-operatórios convencionais e os seguintes
pela doença, o aconselhamento genético é exames de imagem: radiografia simples de
fundamental para o portador de SM, já que tórax, que evidenciou escoliose destroconvexa;
fornece informações que ajudam na tomada de ultrassonografia de parede abdominal, eletro-
decisões médicas e pessoais, como a etiologia cardiograma, ultrassonografia de mamas e
da doença: hereditária ou mutação. Além ecocardiograma, que mostrou dilatação dis-
disso, é importante alertar às pacientes do sexo creta de ventrículo direito e prolapso de ambos
feminino em idade fértil que na gestação há os folhetos da valva mitral sem refluxo.
maior risco de complicações cardiovasculares, Foi indicada mamoplastia de aumento pe-
principalmente o de dissecção de aorta a de- riareolar com prótese de perfil moderado, a
pender do seu diâmetro antes da gravidez. fim sanar queixas estéticas disfarçando defor-
Além disso, estudos mostram uma maior taxa

34 | P á g i n a
midades torácicas e evitar novo procedimento para o pectus escavado vêm evoluindo no de-
em região torácica. correr dos anos. Esse procedimento foi reali-
zado pela primeira vez em 1911. A técnica de
DISCUSSÃO DO CASO retirada das cartilagens costais deformadas e a
O crescimento exagerado dos ossos longos separação do apêndice xifóide com os feixes
característico da SM é uma das alterações intercostais foram introduzidas. Então, houve
típicas da doença, e na parede anterior do tórax uma evolução para uma osteotomia esternal
esse aumento é evidenciado pelo crescimento em que o esterno fosse mantido anteriormente
exagerado das costelas, com consequente de- por meio do fio Kirschner de fixação. Com o
formidade torácica anterior. A assimetria do tempo, REHBEIN e WERNICKE introduzi-
tórax pode ser manifestada de duas formas: ram a fixação por meio de uma estrutura me-
com posteriorização do esterno (pectus exca- tálica, que demonstrou sucesso dentro dos
vatum), ou com anteriorização deste (pectus procedimentos cirúrgicos (SHAMBERGER,
carinatum - mais típico na SM e com maior 2019).
pontuação no escore diagnóstico de Ghent que Em 1998, uma revisão foi publicada por
o tórax escavado). O escore nosológico de NUSS et al., fazendo observações sobre a
Ghent leva em consideração diversas possíveis técnica minimamente invasiva para correção
manifestações da SM nos principais sistemas do pectus excavatum, que consiste em um
afetados conforme antecitado a fim de promo- procedimento que não promove incisão ou
ver o diagnóstico sem a necessidade de testes modificação das cartilagens costais a fim de
diagnósticos biomoleculares (BARRIL et al., chegar à correção desta condição.
2020). Atualmente, o procedimento cirúrgico de
De modo geral, o achado de pectus exca- correção do pectus escavatum apresenta boa
vatum ocorre entre 1 a cada 400 nascimentos margem de sucesso, mas deixa cicatriz e pode
ou 1 a cada 1000, enquanto na SM dois terços promover no paciente a necessidade de proce-
dos pacientes vão apresentar a alteração. Sem dimentos estéticos posteriores (SHAMBER-
predileção por sexo, a SM tem prevalência de GER, 2019; REHBEIN, WERNICKE, 1957;
1 a cada 10.000 ou 20.000 indivíduos, valor NUSS et al., 1998).
esse provavelmente subestimado em razão do Após a correção da escavação do tórax, foi
subdiagnóstico, visto que além de a doença sugerida para a paciente a mamoplastia de
possuir características presentes em grande aumento periareolar, que consiste em incisão
parte da população saudável, a maioria das periareolar pela qual é inserida de prótese de
manifestações só ocorre a partir do início da silicone. Essa técnica é a mais recomendada
puberdade (MARX et al., 2017; COBBEN, et para pacientes com mamas pequenas (bastante
al., 2010; REDLINGER JR et al, 2010 COE- comum na SM), aréolas grandes e assimetrias
LHO & ALMEIDA, 2020; ARAÚJO et al., de diâmetro, com uma cicatriz periareolar dis-
2016; BARRIL et al., 2020; CANTARINO et farçada, contribuindo para a satisfação estética
al., 2021). da paciente. Em relação ao quadro da paciente,
Principalmente em mulheres, é comum o compreende-se que, devido à síndrome, as
incômodo estético causado pelo tórax esca- alterações ósseas e do tecido conjuntivo cos-
vado, levando à procura de cirurgiões plásticos tumam ser bastante perceptíveis. Segundo
para a correção dessa anomalia, como no pre- achados em estudos recentes na Alemanha, um
sente caso. As técnicas de tratamento cirúrgico número significativo de indivíduos com a sín-

35 | P á g i n a
drome apresenta insatisfação em relação ao Reconhecendo o quão comum é o achado
próprio corpo, com a tendência de fazer avali- de pectus excavatum nesses pacientes e as
ações muito mais negativas em relação à pró- deformidades que podem estar associadas,
pria estética que pessoas sem a comorbidade. como abdome protuberante, cifoescoliose, a
Além disso, há elevadas taxas de ansiedade própria hipomastia e, mais raramente, patolo-
que permeiam os acometidos pela Síndrome de gias cardiorrespiratórias, o tratamento estético
Marfan, que promovem ainda mais o senti- visa contribuir com a satisfação do paciente
mento de ameaça pela doença e de insatisfação quanto ao seu próprio corpo e mitigar reper-
pelo próprio corpo. Ao ser introduzido o im- cussões psicossociais negativas (FAGUNDES
plante mamário, busca-se uma suavização do et al., 2023; BILLAR et al., 2021; PINTO et
impacto estético da deformidade esternal de- al., 1997; ALMEIDA et al., 2012).
vido ao aumento de volume mamário bilateral,
dessa forma, procura-se um impacto positivo CONCLUSÃO
na forma em que o paciente enxerga a própria A Síndrome de Marfan, hereditária e mul-
condição (HANSEN, 2020; NUSS, et al., tissistêmica, tem como principais característi-
2008.; PINTO et al., 1997). cas as alterações esqueléticas e cardiovascula-
Existe pouco material na literatura quanto res do paciente portador da mutação do gene
à mamoplastia no paciente com SM, porém, os FBN1 e vem apresentando avanços no seu
riscos desse procedimento são evidenciados diagnóstico e tratamento.
pela doença do tecido conjuntivo que acompa- Nesse contexto, uma das alterações possí-
nha a patologia. A perda da complacência e da veis em pacientes com a SM é o Pectus Exca-
expansão da pele, decorrente da expressão vatum, o qual consiste na retração do osso
cutânea da doença, bem como possíveis co- esterno, causando uma depressão torácica. Tal
morbidades cardiovasculares provenientes da alteração estrutural pode causar estresse psi-
síndrome se tornam uma barreira a ser enfren- cológico e incômodo estético nos indivíduos
tada. Os riscos de qualquer procedimento ci- portadores dessa deformação congênita, o que
rúrgico em um paciente acometido pela Sín- exige uma intervenção cirúrgica como uma das
drome de Marfan devem ser cautelosamente formas de tratamento com o fito de minorar
avaliados. No manejo de uma mamoplastia, há esse cenário adverso, haja vista que a cirurgia
possibilidade de ocorrência de pneumotórax, plástica exerce um papel importante nesse
assim como derrame pleural dentre outras contexto, servindo como um meio para aliviar
complicações, conforme já foi relatado por toda a questão psicológica e estética que en-
HINDLE et al (2002). Apesar disso, a corre- volve o indivíduo portador da síndrome.
ção do pectus excavatum e reconstrução bilate- Por conseguinte, estudos demonstram que
ral das mamas já foi possível e relatado em a correção cirúrgica estética do pectus exca-
estudo por MASHIRA, demonstrando sucesso vatum bem como das mamas em pacientes
no pós-operatório, porém, realizando-se um portadores da síndrome genética abordada
procedimento diferente do que poderia ser pode melhorar, substancialmente, a imagem
realizado na paciente do caso relatado neste corporal do paciente e suas limitações físicas,
texto, haja vista ela já ter realizado a correção visto que tal condição pode interferir na saúde
do pectus (FREY et al., 2015; MISHRA, 2011; física e mental do indivíduo acometido
HINDLE et al., 2002). (SHAMBERGER, 2019; KELLY JR, 2008;
LEBREIRO, 2010).

36 | P á g i n a
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38 | P á g i n a
Capítulo 6

SEGURANÇA DO PACIENTE
CIRÚRGICO: NORMAS E
PROCEDIMENTOS PRÉ,
INTRA E PÓS-OPERATÓRIOS
FELIPE ALBUQUERQUE COLARES1
GABRIEL LIMA ABREU1
MARCOS TÚLIO MONTEIRO TAVARES1
YURI MARQUES TEIXEIRA MATOS1
LINCOLN MEDEIROS DANTAS DE AGUIAR1
NICOLAS ANDRADE MOREIRA1
MARDHEN CATUNDA ROCHA MELO1

1
Discente – Curso de Medicina da Universidade de Fortaleza

Palavras Chave: Gestão de riscos; Cirurgia segura; Centro cirúrgico.

10.59290/978-65-81549-92-3.6
39 | Página
INTRODUÇÃO o que mais possui evidência, no que tange ao
bem-estar do paciente e redução direta da
Há uma preocupação global para a manu- morbimortalidade não cabe somente ao profis-
tenção dos níveis de segurança em ambientes sional médico cirurgião, mas sim a toda coesão
cirúrgicos. Por conta disso, diversas medidas e harmonia exercidas anteriormente, durante e
são tomadas com o objetivo de fomentar pro- posteriormente ao ato cirúrgico por toda a
fissionais qualificados e paramentados para equipe, de instrumentadores, anestesistas, cir-
prover o melhor e mais seguro atendimento ao culantes e o próprio cirurgião esses fatores
paciente cirúrgico, sendo essas medidas uma serão discutidos de forma mais aprofundada no
tentativa de se alcançar o padrão de cirurgia decorrer do capítulo (VENNERI et al., 2021).
segura, procurando reduzir ao máximo os ris- A dificuldade de implantação de certas
cos que procedimentos com essa característica medidas de segurança também é uma barreira
apresentam. a ser superada pelas organizações de todo o
Em todo o mundo, são realizados cerca de mundo. Há mais de dez anos a OMS lançou a
234 milhões de grandes procedimentos cirúr- lista de verificação de segurança cirúrgica,
gicos, destes, cerca de 63 milhões são devidos visando auxiliar os profissionais para reduzir
a traumas, 10 milhões a complicações da ges- os danos ao paciente. Com ela, haveria uma
tação e 31 milhões para o tratamento de ma- maior facilidade de aplicação, uma simplifica-
lignidades (WHO, 2008). Nos países industri- ção do que é necessário para cada procedi-
alizados, complicações nesses procedimentos mento, assim como uma mensuração do im-
tendem a ocorrer em 3-16% das cirurgias, com pacto das medidas utilizadas. (CBC, 2014).
mortalidade de cerca de 0,4 a 0,8%, nos países
subdesenvolvidos, essa mortalidade pode che- MÉTODO
gar a 10% (WHO, 2008), na África Subsaari-
Esse estudo é uma revisão integrativa de
ana, por exemplo, ocorre uma morte a cada
literatura, realizada no período de fevereiro e
150 anestesias, sem contar os riscos do ato
março de 2023. Para a elaboração deste capí-
cirúrgico em si (CBC, 2014).
tulo, buscou-se embasamento na literatura a
Portanto, a morbimortalidade do ato cirúr-
partir de artigos nas bases de dados National
gico ainda é alta e desigual, com os países po-
Library of Medicine (Pubmed), originalmente
bres tendo maior morbimortalidade (WHO,
nas línguas inglesa e portuguesa.
2008) tendo esse panorama em vista, a Orga-
A análise do banco de dados foi feita de
nização Mundial da Saúde (OMS) fundou a
forma exploratória e seletiva dos estudos pu-
Aliança Mundial pela Segurança do Paciente,
blicados. Ao todo foram utilizados 11 estudos
em 2008 lançou o Segundo Desafio Global
publicados, encontrados diante da pesquisa de
para Segurança do paciente, definindo padrões
palavras chaves, como ―Safe surgery‖, ―Pos-
simples de segurança, que podem ser repetidos
toperative Care‖, ―Postoperative period‖,
em todo o mundo (CBC, 2014), que serão dis-
―Preoperative Period‖ e ―Preoperative Care‖,
cutidos durante o capítulo.
o que disponibilizou cerca de 550.000 artigos.
A postura do cirurgião é permeada por
Os estudos os quais não tinham seu enfoque ou
valores individualistas, devido ao componente
relevância para o desenvolvimento deste ca-
manual diretamente relacionado com o treina-
pítulo foram excluídos.
mento e a experiência do profissional, todavia,

40 | Página
Além disso, utilizaram-se diretrizes do tamento adicionais no período perioperatório.
Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) e do Em casos específicos e quando possível, deve-
Ministério da Saúde, bem como de publica- se adiar procedimentos eletivos quando certas
ções da Organização Mundial da Saúde (OMS) doenças subjacentes estejam descontroladas
e da American Society of Anesthesiology (como hipertensão, diabetes, alterações hema-
(ASA). tológicas) para que possam ser controladas de
Os resultados encontrados com a pesquisa forma ideal. Em outros casos, os pacientes
por meio dessas fontes foram, de maneira des- considerados de risco elevado para cirurgia de
critiva, exposto nos resultados e discussão. Os grande porte podem ser identificados no pré-
temas foram abordados de maneira integrativa operatório como candidatos a intervenções
expõem a importância de uma cirurgia mais menos invasivas (BRASIL, 2008).
segura, abordando protocolos pré-cirúrgicos, Uma boa abordagem pré-operatória é ne-
antibioticoterapia e assepsia adequada. cessária em todos os pacientes cirúrgicos,
sendo que esta deve abranger a avaliação di-
RESULTADOS E DISCUSSÃO agnóstica em si, assim como uma avaliação do
Assegurar a segurança do paciente no cen- estado geral do paciente. A avaliação clínica
tro cirúrgico é crucial para garantir o sucesso do paciente é uma etapa crucial para identifi-
da cirurgia e uma recuperação sem complica- car possíveis problemas de saúde que possam
ções. Para minimizar o risco de lesões, infec- comprometer a realização da cirurgia, como:
ções e outras complicações, bem como reduzir doenças crônicas, alergias, problemas cardía-
o tempo de internação hospitalar e os custos cos, respiratórios, entre outros. Para isso, é
associados, é fundamental seguir rigorosa- necessário realizar uma anamnese completa,
mente as normas e procedimentos pré, intra e com coleta de informações sobre o histórico de
pós-operatórios. Além disso, implementar me- saúde do paciente. (BRASIL, 2008).
didas de segurança do paciente no centro ci- Para uma coleta efetiva e qualitativa dos
rúrgico aumenta a confiança e a satisfação dos dados do paciente, não permitindo a ausência
pacientes em relação aos serviços de saúde de informações importantes para um bom
(HAYNES et al., 2009). prognóstico pós-cirúrgico, utiliza-se, há mais
Antes de procedimentos cirúrgicos eleti- de 60 anos, os critérios da classificação da
vos, em pacientes internados ou não, é impor- American Society of Anesthesiology (ASA),
tante realizar uma avaliação pré-operatória presentes da Tabela 6.1. Essa classificação já
multidisciplinar. O objetivo é identificar pos- recebeu diversas atualizações, em prol de tor-
síveis riscos cirúrgicos, corrigir anormalida- nar a cirurgia um procedimento cada vez mais
des, estabelecer medidas profiláticas e deter- seguro e de melhor prognóstico, sendo a mais
minar a necessidade de monitoramento e tra- recente em 2020.

41 | Página
Tabela 6.1 Classificação da American Society of Anesthesiology (2020)
Classificação da ASA Definição Exemplos

● Saudável;
I Paciente normal e saudável ● Não fumante;
● Nenhum ou uso mínimo de
álcool.

Apenas doenças leves, sem limi-


taç es funcionais significativas,
como:
● Fumante atual;
● Ingesta social de álcool;
II Paciente com doença sistêmica leve
● Gravidez;
● Obesidade (30 < IMC < 40);
● Diabetes hipertensão bem con-
trolada;
● Doença pulmonar leve.
Limitaç es funcionais significativas,
com uma ou mais doenças modera-
das a graves, como:
● Diabetes ou hipertensão mal
controlada;
● DPOC, obesidade mórbida
(IMC ≥ 40);
● Hepatite ativa;
● Depend ncia ou abuso de
Paciente com doença sist mica álcool;
III
grave ● Marca-passo implantado;
● Redução moderada da fração de
ejeção;
● Doença renal em estágio termi-
nal submetido a diálise progra-
mada regularmente;
● Prematuro com PCA < 60
semanas;
● Histórico ( 3 meses de IM,
AVC, AIT ou DAC/stents.

● IAM;
● AVC;
● AIT ou DAC/stents recentes (<
3 meses);
● Isquemia cardíaca contínua ou
disfunção valvar grave;
Paciente com doença sist mica ● Redução grave da fração de
IV grave que é uma ameaça constante ejeção;
vida ● Sepse;
● Coagulação intravascular disse-
minada;
● Doença renal aguda ou em
estágio terminal não submetidos
a diálise regularmente progra-
mada.

42 | Página
● Ruptura de aneurisma abdomi-
nal ou torácico;
● Trauma maciço;
Paciente moribundo que não se ● Sangramento intracraniano com
V efeito de massa;
espera sobreviver sem a operação
● Isqu mia mesentérica devido
doença cardíaca significativa;
● Disfunção de m ltiplos
órgãos sistemas.

Paciente com morte cerebral decla-


VI rada, cujos órgãos estão sendo remo-
vidos para fins de doação
Fonte: Physical Status Classification System – ASA; 2020.

Essa avaliação deve ser realizada pelo garantindo uma maior segurança para o paci-
anestesiologista responsável e pode incluir ente nos períodos intra e pós-operatório.
exames laboratoriais e de imagem, avaliação A profilaxia antibiótica pré-operatória é a
cardíaca, pulmonar e renal, entre outros. administração de um ou mais antibióticos an-
Além dos exames, é necessário que o paci- tes da cirurgia para prevenir infecções no local
ente siga um período de jejum antes da cirur- cirúrgico e pós-operatórias, trata-se de um
gia, que pode variar de acordo com o tipo de protocolo padrão em muitas cirurgias, pois a
cirurgia e as recomendações médicas. Em pa- infecção é um dos principais riscos associados
cientes adultos saudáveis, recomenda-se um a qualquer procedimento cirúrgico. A escolha
jejum de pelo menos 8 horas para alimentos do antibiótico e sua dose dependem do tipo de
sólidos, 6 horas para alimentos leves e 2 horas cirurgia e do risco de infecção. Em geral, a
para líquidos claros, como água, chá e café profilaxia antibiótica pré-operatória deve ser
sem açúcar. Em crianças, o jejum pode ser iniciada cerca de 30 minutos à uma hora antes
reduzido para 6 horas para alimentos sólidos e da incisão cirúrgica para que o nível do anti-
4 horas para alimentos leves. Além disso, pa- biótico seja suficiente durante o procedimento.
cientes com comorbidades como diabetes mel- É importante destacar que a profilaxia antibió-
litus, insuficiência cardíaca, insuficiência re- tica pré-operatória não deve ser utilizada como
nal, doença pulmonar obstrutiva crônica e do- tratamento para infecções já estabelecidas,
enças neurológicas podem necessitar de um apenas para evitar infecções relacionadas à
jejum mais prolongado. O jejum é importante cirurgia. Além disso, a prescrição de antibióti-
para evitar complicações, como aspiração de cos deve ser feita com cautela para evitar o uso
conteúdo gástrico, durante a anestesia (ASA, desnecessário de e a seleção de bactérias re-
2017). sistentes (BRATZLER et al., 2004).
Assim, compreendendo a cirurgia como Dentre os diferentes tipos de antibióticos,
um trauma que irá induzir uma série de res- as drogas preferenciais são as cefalosporinas
postas metabólicas no organismo do paciente de 1ª e 2ª geração, devido à sua atividade bac-
(MEDEIROS & FILHO, 2017), podendo tericida contra uma ampla gama de bactérias
agravar ou descompensar alguma patologia gram-positivas e gram-negativas, bem como
prévia, entendemos a importância da realiza- ao seu baixo risco de efeitos colaterais. As
ção de uma correta avaliação pré-anestésica, cefalosporinas de primeira geração, como a

43 | Página
cefazolina, são frequentemente utilizadas em a clorexidina. Além dessas duas opções, há,
cirurgias limpas ou limpo-contaminadas, en- também, o álcool, o qual tem fácil aplicação,
quanto as cefalosporinas de segunda e terceira entretanto, essa solução tem pouca ação em
geração, como a cefuroxima e a ceftriaxona, microrganismos de maior resistência (WHO,
são preferidas em cirurgias que envolvem o 2008; TANNER et al., 2016).
trato respiratório ou o trato urinário. Além Antes da preparação cutânea, o paciente
disso, as penicilinas também são amplamente deve ser avaliado quanto a possíveis alergias a
utilizadas na profilaxia antibiótica pré-operató- antissépticos ou outros produtos utilizados na
ria, especialmente em cirurgias que envolvem preparação. Além disso, é importante garantir
o trato gastrointestinal ou o trato urinário, a que a área a ser operada esteja limpa e seca
ampicilina e a penicilina G são as mais comu- antes da aplicação do antisséptico. Para efetuar
mente utilizadas, e são eficazes contra muitas o procedimento duas etapas são realizadas. A
bactérias gram-positivas e gram-negativas. Os primeira envolve a limpeza da área a ser ope-
macrolídeos, como a eritromicina e a azitromi- rada com uma das soluções antissépticas pre-
cina, são utilizados em algumas situações em viamente citadas, seguida de enxágue com
que a alergia à penicilina é uma preocupação, água estéril ou solução salina. A segunda en-
ou quando uma cobertura adicional contra volve a aplicação de um antisséptico tópico na
bactérias atípicas é necessária. A vancomicina pele, que deve ser deixado para secar comple-
é um antibiótico usado para a profilaxia em tamente antes da cirurgia. Durante a prepara-
pacientes que têm alto risco de infecção por ção cutânea, é importante seguir as diretrizes
estafilococos resistentes à meticilina (MRSA), do protocolo cirúrgico estabelecido pela
como em cirurgias cardíacas, ortopédicas ou equipe médica para garantir que a técnica seja
neurocirurgias (BRATZLER et al., 2004). realizada de forma adequada e segura (WHO,
A preparação cutânea, por sua vez, en- 2008; TANNER et al., 2016).
volve a higienização e a antissepsia da pele do Alguns recursos podem ser utilizados para
paciente na área onde será realizada a incisão permitir um procedimento cirúrgico com grau
cirúrgica. Essa medida é fundamental para de segurança ao paciente mais elevado. Práti-
reduzir a carga microbiana na pele, a fim de cas perioperatória, como descolonização do
minimizar o risco de infecção durante o proce- paciente, lavagem das mãos, cuidados vascula-
dimento cirúrgico. Existem várias técnicas de res e higiene adequada do ambiente, são con-
preparação cutânea disponíveis, incluindo o siderados quatro pilares para um perioperató-
uso de antissépticos tópicos, como clorexidina rio com menos riscos de infecções primárias,
e povidona-iodo, a depender do tipo de cirur- as quais podem ser por meio de contaminação
gia, das preferências do cirurgião e do estado direta com a incisão, disseminação pelas regi-
da pele do paciente. Nessa perspectiva, a clo- ões adjacentes devido contaminação da pele
rexidina é considerada o antisséptico mais efi- em decorrência de paciente colonizado, aeros-
caz contra bactérias gram-positivas e negati- solização de partículas contaminadas devido
vas, além de possuir uma ação residual de má higiene do ambiente e uso de materiais
longa duração. Já a povidona-iodo é eficaz contaminados para realizar procedimentos
contra uma ampla gama de microrganismos, (CHARNIN, 2022).
incluindo bactérias, vírus e fungos, mas tem A descolonização do paciente deve ser re-
um potencial de irritação cutânea maior do que alizada para diminuir os riscos de infecção da

44 | Página
incisão cirúrgica por meio de patógenos que para guiar os responsáveis pela fase pós-ope-
colonizam a pele, como o Staphylococcus au- ratória segundo as necessidades e prioridades
reus, o qual é o principal agente responsável no tratamento de cada paciente de forma indi-
por infecção de incisão cirúrgica em pacientes vidualizada, bem como para traçar de forma
contaminados. Esse agente se estabelece prin- antecipada futuros planos de ação. O fato de
cipalmente nas narinas, nas axilas e nas viri- que essa troca de informações ocorra em am-
lhas. Para fazer a descontaminação há duas biente dinâmico e com profissionais responsá-
possibilidades. A primeira ocorre por meio do veis por diversas tarefas de forma simultânea
uso de duas doses de iodopovidona nasal a 5% aumenta as chances de ocorrência de algum
até 1 hora após a incisão cirúrgica e do uso de erro ou perda de conteúdo. Vale ressaltar que a
lenços umedecidos com gluconato de clorexi- comunicação falha durante o ato é responsável
dina a 2% na manhã da cirurgia. A segunda em muitos casos, segundo The Joint Commis-
opção é o uso no dia anterior da cirurgia e no sion, por eventos indesejáveis importantes no
da cirurgia de pomada nasal de mupirocina a período pós-anestésico. (ROSE, 2016).
5% e de lenços umedecidos com gluconato de
clorexidina a 2% ou xampu a 4% (CHARNIN, CONCLUSÃO
2022). Diante do que foi exposto nos tópicos ante-
A utilização de UTIs melhor equipadas e riores, observa-se a marcante importância da
equipes multidisciplinares mais capacitadas prática da cirurgia segura.
para atender as complicações de cirurgias ge- Dados expostos mostraram números não
ram uma maior segurança ao paciente, permi- condizentes com a realidade da medicina no
tindo uma menor morbimortalidade nos hos- século XXI, em decorrência, marcadamente,
pitais após procedimentos cirúrgicos. Um es- de disparidades tecnológicas, sanitárias e de
tudo comparou o pós-operatório da cirurgia qualificação profissional. Diante disso, foram
cardíaca com a das outras cirurgias no Reino planejadas estratégias possíveis de serem apli-
Unido e nos Estados Unidos, o que mostrou cadas em qualquer hospital, independente do
grande disparidade de cuidados e da mortali- nível de complexidade, ou seja, de forma que
dade, já que nesses países os pacientes subme- fossem aplicáveis independente das condições
tidos a cirurgias cardíacas tendem a ser trata- dos diversos centros de saúde.
dos com mais cuidados pós-operatórios. Esse Entretanto, estudos mostram que, apesar
trabalho mostrou uma mortalidade de 4% após do conhecimento dos profissionais acerca de
cirurgias não cardíacas, enquanto as cirurgias táticas estabelecidas para a correta realização
cardíacas apresentaram mortalidade de 2% dos procedimentos de formas seguras e univer-
(FLETCHER & ENGELMAN, 2020). salizáveis, elas não fazem parte integral da
Ademais, o processo de transferência do rotina de procedimentos em alguns hospitais.
paciente da sala operatória até qualquer que A maior parte dos cirurgiões (81,3%) indicou
seja a unidade para a qual ele esteja destinado que já vivenciou falha cirúrgica grave, como
após o término do procedimento cirúrgico e corpo estranho, erro na lateralidade, falta de
indução anestésica é de suma importância no reserva de sangue, quando era fundamental,
que tange à segurança do enfermo. Trata-se de falha de material cirúrgico (CORREIA, 2019).
um processo complexo, com vasta transferên- Além disso, resultados concretos já foram de-
cia de informação entre as equipes, que servirá monstrados. A revista New England Journal of
45 | Página
Medicine publicou, em 2009, os primeiros jeitos, diminuição nas chances de falhas e
resultados das aplicações dos checklists da maior garantia de segurança (PANCIERI et
OMS para cirurgia segura em algumas cidades al., 2013), denotando não apenas a importân-
nos EUA, demonstrando redução de grandes cia do conhecimento das estratégias estipula-
complicações (de 11 para 7%) e mortalidade das, mas também de efetivamente permeá-las
(de 1 para 0,8%) (FERRAZ, 2009). Equipes na prática cirúrgica nos diversos hospitais.
multidisciplinares relataram, em 80% dos su-

46 | Página
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2008.

47 | Página
Capítulo 7

SÍNDROME DA RESPOSTA
INFLAMATÓRIA SISTÊMICA E
TROMBOSE VENOSA PROFUNDA
APÓS INFECÇÃO POR COVID-19
INGRID CRISTHINE PINHEIRO1
GIORDANO LORENZO DE SOUZA BIAGIONI1
BIANCA LIMA MENDES1
PAULO JÚNIOR MARTINS SANTOS1
REBECA SILVA SOUSA1
MARIA ELOISA OLIVEIRA NOVAES1
HENRIQUE MONTEIRO BARBOSA1
JUAN JOSE MAMANI ANZE1
WADYSON WYNDERSON SILVA LEANDRO1
CAROLINA CARVALHO GUARNIERI¹
1
Discente – Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Trombose venosa profunda; COVID-19; Sepse·.

10.59290/978-65-81549-92-3.7 48 | P á g i n a
e contribuirão com a hipercoagubilidade com
INTRODUÇÃO trombose venosa profunda (COUTINHO,
Estudos vêm mostrando que o vírus causa- 2021).
dor da COVID-19 está intimamente associado A Trombose Venosa Profunda (TVP) é ca-
a um estado de hipercoagulação com prevalên- racterizada pela formação de coágulos de san-
cia de trombose venosa profunda (MUGUET, gue (trombos) nas veias profundas. É uma pa-
et al., 2022). Notou-se que a endoteliopatia e a tologia causada por diversos fatores, podendo-
ativação plaquetária, são fatores importantes, se citar a redução do fluxo de sangue, a ten-
os quais geram danos diretos nas células en- dência à formação dos coágulos sanguíneos e
doteliais e o desequilíbrio da resposta infla- lesões no revestimento das veias. Pode gerar
matória (TIBURI, et al., 2021). Além disso, há complicações como embolia pulmonar, insufi-
evidências na literatura médica que mostram ciência venosa crônica e isquemia. Seus sin-
essa relação entre o Tromboembolismo venoso tomas incluem dor torácica, dispneia e edema.
e infecções causadas por outros vírus, como Entretanto, cerca de metade dos pacientes são
Hepatite C, Imunodeficiência humana e até assintomáticos e seu diagnóstico geralmente é
mesmo, Influenza (MUGUET et al., 2022). confirmado por uma ultrassonografia com Do-
A resposta do organismo a essa infecção ppler (GARCIA et al., 2019).
pode ser de forma exacerbada e gerar uma É uma das complicações mais frequentes
grande liberação de citocinas, levando o paci- associadas à Covid-19. Isso se dá pela infla-
ente a uma forma grave de hiper inflamação mação sistêmica gerada pela doença, gerando
generalizada chamada de ―Síndrome da Res- uma disfunção endotelial, a qual infecciona a
posta Inflamatória Sist mica‖ (SRIS . Esta corrente sanguínea, aumentando as chances do
ativação descontrolada do sistema imunoló- desenvolvimento de trombose. Pacientes com
gico, conhecido também como ―tempestade de quadros graves de Covid-19 podem apresentar
citocinas‖ (TC , tem função pró-inflamatória e TVP e, estima-se que, dos pacientes admitidos
se manifesta caracterizando um quadro grave com esta doença, cerca de 16% evoluíram com
que causa um aumento das interleucinas, fator complicações trombóticas durante hospitaliza-
de necrose tumoral alfa, fator de crescimento ção. A mortalidade em pacientes com Covid-
fibroblastos e outros diversos fatores (COU- 19 é aumentada pela associação da patologia
TINHO, 2021). com a TVP, tornando-se indispensável medi-
Durante a infecção, os macrófagos são in- das de prevenção para ambas as patologias
fectados para replicação viral, induzindo a (CUNHA et al., 2021).
expressão do interferon alfa/beta, além de in-
MÉTODO
duzir as quimosinas e permitir a proliferação
viral descontrolada, recrutando monócitos e Trata-se de uma revisão narrativa da lite-
células progenitoras hematopoiéticos, potenci- ratura realizada no mês de março de 2023, por
alizando a linfopenia. Simultaneamente a isso, meio de pesquisas nas bases de dados National
ocorre a afetação do sistema linfático, corrobo- Library of Medicine (PubMed) e Scientific
rando para a imunossupressão, e aumento nos Eletronic Library Online (SciELO), além das
níveis de interleucinas IL-2, IL-10 e IL-6, fontes eletrônicas Repositório Universitário da
além de diversos outros pró-inflamatórios que Ânima (RUNA), Google Acadêmico e Arch
irão induzir a inflamação do endotélio vascular Cardiol Mex (Elsevier). Os descritores foram
49 | P á g i n a
obtidos através dos Descritores em Ciências da daria então o equilíbrio normal para efeitos
Saúde (DeCS) e foram: Trombose venosa pro- pró-inflamatórios e pró-trombóticos mediados
funda; Covid-19; Sepse. por Angiotensina II (HANFF et al., 2020).
Os critérios de inclusão foram: artigos nos Efeitos diretos e indiretos da doença, como
idiomas português e inglês; publicados no a severidade da resposta inflamatória e hipóxia
período de 2019 a 2023 e que abordavam as podem predispor os pacientes a eventos trom-
temáticas propostas para esta pesquisa. Os bóticos (TANG et al., 2020). Além disso, o
critérios de exclusão foram: artigos duplica- aumento dos efeitos sobre a Angiotensina II, e
dos, que não abordavam diretamente a pro- a liberação de citocinas induzidas pela sepse
posta estudada e que não atendiam aos demais podem caracterizar-se como gatilhos para a
critérios de inclusão. coagulopatias na COVID-19, a qual foi evi-
Após os critérios de seleção restaram 18 denciada em aproximadamente 50% dos paci-
artigos que foram submetidos à leitura minuci- entes com manifestações graves da doença
osa para a coleta de dados e os resultados fo- (MIESBACH & MARKIS, 2020). Dentre os
ram apresentados em tabelas e quadros ou, de eventos relatados se notou uma prevalência de
forma descritiva. eventos trombóticos associados aos desfechos
de óbito (POISSY et al. 2020).
RESULTADOS Foram observadas complicações trom-
Na análise dos artigos foi unânime que a boembólicas microvasculares e macrovascula-
COVID-19 se trata de uma doença que desen- res ou trombóticas in situ na rede vascular dos
cadeia uma resposta inflamatória importante, pulmões, baço, cérebro, intestino e periferias
estando diretamente relacionada com a fisio- (WICHMANN et al., 2020). Também foram
patologia da moléstia e sua gravidade. Alguns observados eventos trombóticos em pacientes
pacientes podem responder à doença com uma assintomáticos. Além disso, foram identifica-
exuberante ―tempestade de citocinas‖, e cito- das tromboses tanto no cenário agudo quanto
cinas pró-inflamatórias como Interleucina 6 nas semanas seguintes ao estado crítico, suge-
(IL-6), IL-17A e Fator de Necrose Tumoral rindo que o estado pró-trombótico pode durar
Alfa (TNF-α estavam elevados na maioria dos várias semanas ou até mais tempo, mesmo
pacientes com quadros graves (LIU et al., após alta hospitalar (HANFF et al., 2020).
2020; GRALINSKI et al., 2018). Em estudo realizado com 3.342 pacientes
A infecção por SARS-CoV-2 é desencade- com COVID-19, relata-se as taxas de incidên-
ada quando o vírus se liga à Enzima Conver- cia agrupadas em Embolia Pulmonar (EP) e
sora de Angiotensina 2 (ECA2). Sendo esta, Trombose Venosa Profunda (TVP), em 16,5%
uma proteína encontrada ligada à membrana (IC 95%) para EP e 14,8% (IC 95%) para
de muitos tecidos, incluindo pulmões, intestino TVP. Também relataram que a EP foi encon-
delgado, coração, cérebro, artérias e veias. trada com maior frequência em pacientes in-
Portanto o vírus aproveita o ECA2 para aden- ternados em Unidade de Terapia Intensiva
trar as células (HOFFMANN et al., 2020). Por (UTI), sendo estes cerca de 24,7% (IC 95%),
meio desse processo, é possível que a expres- em relação com os 10,5% (IC 95%) que não
são pulmonar do ECA2 ligado à membrana foram internados em UTI. Complementam
seja regulado negativamente. Assim, a regula- ainda informando que cerca de 42,4% dos pa-
ção negativa de ECA2 mediada por vírus mu-
50 | P á g i n a
cientes com EP cursaram com TVP (SUH et Tabela 7.1 Biomarcadores de inflamação, coagulopatia
e atividade do sistema renina-angiotensina de interesse
al., 2020). na COVID-19
Todos os estudos enfatizaram o importante Atividade do
papel do D-dímero no diagnóstico de trombose Inflamação Coagulopatia sistema renina
angiotensina
e no seu valor prognóstico diante da doença.
Tempo de Angiotensina
Testes de D-dímero em níveis maiores a IL-2R
protrombina II
500ng/L e maiores a 1000ng/L mostraram alta Tempo de Enzima con-
sensibilidade (96% e 91%, respectivamente), IL-6 tromboplastina versora de
mas baixa especificidade (10% e 24%, respec- parcial ativada angiotensina II
tivamente) no diagnóstico de EP (ALI & IL-8 Dímero-D
SPINLER, 2020). Cerca de 95% dos casos em Inibidor 1 do
IL-10 ativador do
que ocorreu algum evento trombótico, seu
plasminogênio
valor estava aumentado (HELMS et al., 2020). Contagem de
Sua elevação também está associada ao maior TNF- α
plaquetas
risco de necessidade do uso de ventilação me- Fibrinogênio
Ferritina
cânica, de admissão em UTI e de morte (BIK- (↑ ou ↓
DELI et al., 2020). Fator de cres- Produto de
cimento trans- degradação de
Dentre os pacientes admitidos em UTI, foi
formante- β fibrina
exposto que 31% apresentavam complicações Velocidade de
Fator Von
trombóticas (KLOK et al., 2020). Ademais, hemossedi-
Willebrand
destaca-se que a incidência de TVP e EP foi de mentação
aproximadamente 40% dos pacientes com ma- Proteína
Fator VIII
C-reativa
nifestações graves da COVID-19, apesar da
Fonte: Adaptado de HANFF et al., 2020.
dose padrão de Heparina de Baixo Peso Mole-
cular na maioria dos casos (MIESBACH &
MARKIS, 2020). DISCUSSÃO
Na descrição das principais vias bioquími-
Na maioria dos artigos revisados, a com-
cas pelas quais se apresenta o quadro de hiper-
plicação trombótica mais descrita era o Trom-
coagulabilidade causado pela COVID-19, a
boembolismo Pulmonar (TEP), muitas vezes
Coagulação Intravascular Disseminada
com poucos dados sobre a Trombose Venosa
(CIVD), se apresenta como um ponto comum
Profunda (TVP), dificultando a busca de in-
em doenças críticas. Mesmo que a CIVD não
formações estatísticas acerca da prevalência e
tenha um marcador específico para o seu diag-
outros aspectos epidemiológicos. No entanto,
nóstico, na maioria das vezes é caracterizada
podemos extrapolar para TVP esses achados
pela presença de produtos da degradação de
sobre TEP, visto que as duas patologias esta-
fibrina elevados, como é visto na COVID-19.
belecem relação direta de evolução ou conse-
Além disso, vários biomarcadores inflamató-
quência, não prejudicando assim a qualidade
rios inespecíficos estão muito aumentados em
dos dados.
pacientes hospitalizados com COVID-19,
Houve muitas semelhanças nos resultados
como demonstra a Tabela 7.1 (HANFF et al.,
dos estudos analisados, não ocorrendo confli-
2020).
tos de informações de maneira digna de nota.

51 | P á g i n a
Torna-se válido então destacar a unanimidade com o potencial de predispor pacientes infec-
quanto ao papel das citocinas inflamatórias no tados a eventos tromboembólicos. Desde
desencadeamento da cascata de coagulação, e modo, constatou-se nos artigos estudados, de
como a COVID-19 resulta em um estado in- maneira uníssona, que a infecção pelo vírus da
flamatório no organismo, que propicia esse COVID-19 contém ação cujo resultado é uma
evento. Diante disso é possível estabelecer resposta inflamatória importante relacionada à
relação de causa e consequência com base na fisiopatologia da moléstia e à sua gravidade.
análise realizada. Foi também evidenciado que o aumento da
liberação de citocinas e da constante de efeitos
CONCLUSÃO sobre a angiotensina II pode subsidiar a evolu-
A pandemia de COVID-19 trouxe ao ção de coagulopatias na COVID-19, que se
mundo diversos desfechos clínicos, dentre apresentam de maneiras diversas e podem al-
eles, a sua própria associação com casos de cançar a vascularização dos pulmões, baço,
trombose venosa profunda (TVP) causada por cérebro, intestino e periferias. Foram estas as
síndrome da resposta inflamatória sistêmica conclusões encontradas em muitos dos paci-
(SIRS). Por meio deste estudo, ampliou-se a entes com quadros mais graves da doença cau-
análise da presença de consequências, diretas sada pela infecção do vírus SARS-CoV-2.
ou indiretas, da infecção pelo SARS-CoV-2,

52 | P á g i n a
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p. 271, 2020.

53 | P á g i n a
Capítulo 8

CIRURGIA MINIMAMENTE
INVASIVA NA CORREÇÃO DE
ANEURISMA DE AORTA
ABDOMINAL
INGRID CRISTHINE PINHEIRO1
ANA JÚLIA MARQUES1
NATÁLIA FURLAN WASZCZAK1
BEATRIZ ELISA DE CAMPOS1
WADYSON WYNDERSON SILVA LEANDRO1
FERNANDA CAUS CASTILHO1
CAROLINA CARVALHO GUARNIERI1
JOÃO FELIPE SANTOS COUTINHO1
MARIA ELOISA OLIVEIRA NOVAES1
PAULO JÚNIOR MARTINS SANTOS1

1
Discente – Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Procedimentos endovasculares; Aneurisma de aorta abdominal; Implante de prótese vascular.

10.59290/978-65-81549-92-3.8 54 | P á g i n a
A cirurgia endovascular, ao contrário do
INTRODUÇÃO tratamento aberto, é minimamente invasiva e
O aneurisma de aorta abdominal (AAA) torna-se a principal opção dos pacientes que
pode ser definido como uma dilatação maior possuem elevado risco para as cirurgias. Essa
que 50% do calibre normal da artéria, perma- troca é fruto de um menor tempo operatório e
nente, e localizado em sua porção infradia- internação, redução de perdas sanguíneas e
fragmática. Tem como característica um au- menores taxas de mortalidade pós-operatória.
mento gradual do diâmetro do vaso decorrente Entretanto, essa técnica não é aplicável em
de mudanças estruturais nas camadas íntima, todos os aneurismas, pois a depender de sua
média e adventícia. Os principais fatores de anatomia, em casos não favoráveis à sua reali-
risco para o desenvolvimento do AAA são: zação, a clássica cirurgia aberta acaba sendo
tabagismo, hipertensão arterial sistêmica, mais viável. Dentre esses casos, podemos citar
idade avançada, raça branca, sexo masculino, a presença de um colo infrarrenal reduzido e o
história familiar positiva, dislipidemia, doença acometimento de ramos viscerais. (ARAUJO
arterial coronariana e doença arterial periférica et al., 2014).
(AMARAL et al., 2021). Ademais, o objetivo deste trabalho é, pri-
Pacientes com AAA podem apresentar di- mordialmente, discutir as indicações da cirur-
versas manifestações relacionadas à doença, gia minimamente invasiva e compará-la com a
porém, em geral, ela se apresenta de forma cirurgia aberta, apresentando as principais ca-
assintomática, salvo nos cenários em que o racterísticas de cada uma, técnicas, limitações
aneurisma está muito dilatado ou próximo da e resultados, bem como, apresentar a fisiopa-
ruptura, no qual se observa dor lombar e/ou tologia do aneurisma de aorta abdominal, qua-
sensação de massa pulsátil na região abdomi- dro clínico e diagnóstico dos pacientes tam-
nal (ASSIS & DUQUE, 2020). A chance de bém são propósitos desta revisão.
sobrevida dos pacientes possui correlação di-
MÉTODO
reta com o tamanho da dilatação da aorta,
sendo 5,5 cm o tamanho ideal para realização Trata-se de uma revisão narrativa da lite-
da correção cirúrgica e 7,0 cm o tamanho que ratura realizada no mês de março de 2023, por
indica alta incidência de ruptura e morte (AS- meio de pesquisas nas bases de dados National
SIS & DUQUE, 2020). Library of Medicine (PubMed), Scientific Ele-
Classicamente, a abordagem cirúrgica do tronic Library Online (SciELO), além das
AAA é realizada de forma aberta com a inter- fontes eletrônicas, Google Acadêmico e Bibli-
rupção temporária do fluxo sanguíneo na arté- omed. Os descritores foram obtidos através
ria e sutura de uma prótese sintética acima e dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS)
abaixo da porção dilatada do vaso. Dessa e foram: Procedimentos endovasculares,
forma, o segmento afetado será substituído e o Aneurisma de aorta abdominal e Implante de
fluxo local reestabelecido, sem que haja pro- prótese vascular.
gressão da dilatação, reduzindo, portanto, o Os critérios de inclusão foram: artigos nos
risco de rotura do aneurisma, complicação idiomas português e inglês; publicados no pe-
mais comum e fatal para o caso. (SOCIE- ríodo de 2005 a 2023 e que abordavam as te-
DADE BRASILEIRA DE ANGIOLOGIA E máticas propostas para esta pesquisa. Os crité-
CIRURGIA VASCULAR, 2023). rios de exclusão foram: artigos duplicados, que
55 | P á g i n a
não abordavam diretamente a proposta estu- com morfologia e anatomia de aneurisma ade-
dada e que não atendiam aos demais critérios quadas (BATAGINI et al., 2016).
de inclusão. Considera-se que o êxito da técnica endo-
Após os critérios de seleção restaram 17 vascular depende da exclusão continuada do
artigos que foram submetidos à leitura minuci- saco aneurismático. Posicionamento e a libera-
osa para a coleta de dados e os resultados fo- ção da endoprótese para tal fim nem sempre
ram apresentados em tabelas e quadros ou, de são possíveis, destacando-se a importância dos
forma descritiva. exames complementares prévios à intervenção
que avaliam tal factibilidade, como a angioto-
RESULTADOS mografia e arteriografia. Por meio destes exa-
A evolução das técnicas endovasculares mes, a análise do diâmetro do aneurisma, a
disponíveis atualmente tornou mais pacientes avaliação anatômica do colo proximal e distal
elegíveis para este reparo menos invasivo, que e os acessos ilíacos e femorais são realizados,
tem menor mortalidade e morbidade em com- prática indispensável neste tipo de intervenção
paração com a cirurgia aberta com substituição (NOVERO et al., 2012).
da aorta (CALERO & ILLIG, 2016). A análise retrospectivamente de dois gru-
Quando identificados precocemente, os pos de pacientes com AAA tratados com
aneurismas devem ser monitorados quanto ao EVAR ou OR demonstraram aumentos seme-
tamanho, taxa de crescimento e outros fatores, lhantes dos diâmetros do colo aneurismático
como o tabagismo ativo, que podem aumentar (Quadro 8.1 e Figura 8.1). Apesar da dilata-
o risco de ruptura. O tratamento cirúrgico en- ção do colo aórtico ser um fenômeno comu-
volve uma abordagem multidisciplinar para mente observado após o reparo endovascular,
avaliar o perfil de risco do paciente e desen- chegando até a ser considerada uma complica-
volver um plano operatório envolvendo um ção específica pós EVAR, devido à força ra-
reparo cirúrgico endovascular ou aberto dial da endoprótese autoexpansível, a média de
(ANAGNOSTAKOS & LAL, 2021). variação de dilatação dos diâmetros aórticos,
Embora inicialmente utilizado em pacien- tanto por EVAR quanto por OR, foram muito
tes de alto risco para o reparo aberto (OR), o semelhantes. Isso sugere que a dilatação do
reparo endovascular de aneurisma (EVAR) colo aórtico pode ser causada por uma pro-
tornou-se a primeira linha de terapia para gressão natural da doença, e não por estraté-
aneurismas de aorta abdominal (AAA), sendo gias terapêuticas desviantes (OBERHUBER et
amplamente aplicado na maioria dos pacientes al., 2012).

Quadro 8.1 Comparação entre os grupos submetidos à OR ou a EVAR


Grupo submetido à OR (46 Grupo submetido à EVAR
pacientes) (103 pacientes)
Período de acompanhamento (em meses) 34,1 meses 39,4 meses

Alterações médias nos diâmetros suprar- 1,75 ± 3,50 mm 0.9 ± 2,3 mm


renais (em mm)
Alterações médias dos diâmetros infrar- 0,8 ± 2,9 mm 1,2 ± 2,5 mm
renais (em mm)

56 | P á g i n a
Tamanhos suprarrenal vs infrarrenal 29,7 ± 7,1 e 28,7 ± 6,8 mm 28,7 ± 3,2 e 28,5 ± 3,6 mm
absolutos (em mm)
Dilatação do colo aórtico (diâmetro aór- 9 dos 46 pacientes (19,57% ± 23 dos 103 pacientes (22,3% ±
tico > 2mm) 0,484%) 0,862%)
Aumento na alteração suprarrenal >2 14 de 46 pacientes (30,4% ± 21 de 103 pacientes (20,39% ±
mm 0,446%) 1,04%)
A taxa de reintervenção de pacientes com 11,1% (uma de nove) 31% (sete de 23)
aumento > 2 mm
Fonte: Adaptado de OBERHUBER et al., 2012.

Figuraa 8.1 Dilatações dos seguimentos infrarrenais e suprarrenais pós-reparo

Legenda: Alteração absoluta dos diâmetros suprarrenais e infrarrenais (em mm) ao longo do tempo em pacientes
submetidos à reparação aberta (OR) e reparação endovascular de aneurisma (EVAR). A linha horizontal no meio de
cada caixa indica a mediana; a borda superior e inferior da caixa marca o 75º e 25º percentis, respectivamente, e o
comprimento das linhas fora do retângulo o 90º e 10º percentis. Fonte: OBERHUBER et al., 2012.

Em estudo retrospectivo e longitudinal (IC tidos ao EVAR (3,0 vs 4,4 dias) e menor
= 95%) foram avaliados dados para compara- tempo de duração da cirurgia (111 vs 163 mi-
ção dos procedimentos endovasculares e re- nutos) quando comparado à OR (JESUS-
paro aberto. Notou-se uma sobrevida global SILVA et al., 2018). São descritas ainda uma
dos pacientes diferentes entre OR e EVAR, média de reintervenções pós EVAR de 18,8%,
tanto em 30 dias (37% vs 72%) quanto em 360 sendo realizadas para manter a função da en-
dias (37% vs 67%), respectivamente. Já a so- doprótese e em alguns casos para resolução de
brevida em casos eletivos em 30 dias (71% vs complicações remotas (NOVERO et al.,
76%) e 360 dias (ambas com 71%) foram se- 2012).
melhantes. Também demonstrou um menor Viu-se, após a realização do EVAR-1
tempo de internação para os pacientes subme- (GREENHALGH, 2004), que a reparação en-

57 | P á g i n a
dovascular apresenta uma comprovada redu- fato do maior número de reintervenções, ele-
ção da mortalidade perioperatória (4,7% para vando os custos, do tratamento endovascular e
reparo aberto vs 1,7% para o endovascular) da falta de um benefício de mortalidade (ob-
reduzida em dois terços, além de uma alta taxa servaram que em longo prazo, após 4 anos, a
de sucesso e menores complicações periope- vantagem de sobrevida do EVAR se perde).
ratórias em comparação ao OR. Sendo suas Porém reconhecem o EVAR como opção de
complicações geralmente relacionadas a algum primeira linha em AAA complexos (SPANOS
aspecto técnico, como dificuldade de acesso et al., 2020).
vascular e na colocação da prótese, integridade
estrutural, migração da prótese e endoleaks DISCUSSÃO
(vazamentos). Entretanto, a conversão para o A indicação de reparo endovascular, do
reparo cirúrgico aberto é rara e, quando ocor- aneurisma de aorta abdominal, é prevalente na
rem, as complicações tardias podem ser trata- grande maioria dos estudos e centros cirúrgi-
das por técnicas endovasculares. (GABRIELLI cos com capacidades de implementá-lo. Com
et al., 2004; MOULAKAKIS et al., 2010). morbimortalidades inferiores em relação ao
Quando se analisam os casos mais com- reparo aberto, oferecendo assim, uma recupe-
plexos, como os de AAAs rotos, a mortalidade ração mais rápida (menor tempo em ambiente
hospitalar sobe para 14,4% (GOSHIMA et al., hospitalar é igual a menor risco de infecção) e
2008). Em outro estudo, EVAR-2 (GREE- diminuindo o risco perioperatório ao paciente
NHALGH et al., 2010), onde os pacientes tri- (menos tempo sob anestesia e estresse dos
ados como inadequados para o reparo aberto tecidos causados). Contudo cabe pontuar o
foram randomizados para o tratamento endo- maior número de reintervenções aos pacientes
vascular ou acompanhamento clínico, a mor- submetidos ao reparo endovascular, princi-
talidade de 30 dias do grupo operado foi de palmente pela possibilidade de vazamentos.
9%. Reforçando a ideia de que casos mais Isso se observa pela variabilidade anatômica
complexos, mesmo quando submetidos ao dos vasos, que é inerente a cada paciente, onde
tratamento endovascular, podem apresentar uma prótese perfeita, para qualquer variação
taxa de mortalidade mais elevada. morfológica, ainda não tenha sido desenvol-
Em análise de recomendações das socieda- vida. Também se observa uma recomendação,
des vasculares (ESC, European Society of por parte das diversas sociedades de medicina
Cardiology; ESVS, European Society for Vas- vascular, quase que unânime sobre o EVAR
cular Surgery; JCS, Japanese Circulation So- como primeira escolha, principalmente dos
ciety; SVS, Society for Vascular Surgery), há casos de emergência ou dos pacientes mais
recomendação/aceitação do tratamento endo- graves.
vascular como primeira escolha para AAA.
Considera-se eficiente e seguro, principal- CONCLUSÃO
mente em casos de emergência, para a preser-
É convergente a ideia de que a cirurgia en-
vação de baixa morbimortalidade. Porém o
dovascular com toda sua evolução tecnológica,
NICE (National Institute of Health and Care
em vantagem a OR, é minimamente invasiva
Excellence) propõe o OR como modalidade de
e, com isso, figura-se como a principal opção
tratamento preferencial para pacientes com
dos pacientes com elevado risco às cirurgias.
AAA não rotos. Utilizando como argumento o

58 | P á g i n a
A EVAR possibilita, além de um menor tempo vasculares como a European Society of Cardi-
operatório e internação, redução de perdas ology, European Society for Vascular Surgery
sanguíneas e menores taxas de mortalidade e a Japanese Circulation Society em que a re-
pós-operatória. Todavia, por vezes, a técnica comendação vigente é o tratamento endovas-
não se mostra tão exitosa na abordagem dos cular como primeira escolha para AAA, o con-
aneurismas e a clássica cirurgia aberta é a sideram eficiente e seguro, principalmente em
melhor opção. Em face dessa dicotomia, re- casos de emergência, para a preservação de
força-se a ideia de que o tratamento cirúrgico baixa morbimortalidade. Mas, o National Ins-
envolve uma abordagem multidisciplinar que titute of Health and Care Excellence propõe o
avalie o perfil de risco do paciente e desen- OR como modalidade de tratamento preferen-
volva um plano operatório unidirecionado e cial para pacientes com AAA não rotos.
que considere a sua singularidade. Diante dessas considerações, podemos ar-
Existem evidências substanciais de que guir que a cirurgia menos invasiva, endovas-
complicações que outrora foram vistas ine- cular - EVAR, em casos de aneurisma de aorta
rentes ao pós da EVAR, como a dilatação do abdominal é uma excelente opção de interven-
colo aórtico, também são comuns aos proce- ção, no entanto, considerando sua potenciali-
dimentos de OR. Não obstante, diante de casos dade, são viáveis mais pesquisas e aperfeiçoa-
mais complexos, como AAAs rotos, a mortali- mentos técnicos que sejam capazes de pro-
dade hospitalar tem considerável elevação movê-la à melhor alternativa intervencionista.
quando abordados por EVAR. Há sociedades

59 | P á g i n a
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dominal aortic aneurysm (EVAR trial 1), 30-day opera- Therapy, v. 27, n. 6, 2020.

60 | P á g i n a
Capítulo 9

MANEJO CIRÚRGICO DA
HEMORRAGIA PÓS-PARTO

BEATRIZ ROCHA RODRIGUES1


ÉRICA AÇUCÊNA PEREIRA DE OLIVEIRA FREITAS1
GIULIA JUNQUEIRA BICCHIERI BONATO1
MARIANA SPISSO RAMPAZZO MOMPEAN1
MAYARA MENDES DE CARVALHO1
VANESSA PIZZINO DE LUCA1

1
Discente em Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Hemorragia pós-parto; Complicações do parto; Período pós-parto.

10.59290/978-65-81549-92-3.9 61 | P á g i n a
ocitocina, IV, com infusão de 250ml/h- caso
INTRODUÇÃO ocorra o controle do sangramento, manter em
A hemorragia pós-parto (HPP) é definida dose de manutenção;
como a perda de mais de 500 ml de sangue 3. Metilergometrina 0,2mg, IM – Não
após o parto vaginal, mais de 1000 ml após o utilizar em quadros hipertensivos;
parto cesáreano ou qualquer sangramento que 4. Misoprostol 800 ug, via retal;
gere instabilidade hemodinâmica materna. Ela 5. Traje antichoque não pneumático +
pode ocorrer desde o período do nascimento Balão de Tamponamento Intrauterino;
do feto até as 12 semanas após o parto. 6. Métodos Cirúrgicos – suturas compres-
Estima-se que hoje, no mundo todo, ocor- sivas, ligaduras vasculares, histerectomia.
rem cerca de 140 mil mortes por HPP, o que Dessa forma, as técnicas cirúrgicas serão
equivale a uma morte a cada 4 minutos e, as- realizadas quando as demais formas de con-
sim, a torna uma das principais causas de mor- trole da HPP não forem efetivas e a mulher
bidade e mortalidade materna. continuar com sangramento ativo. Tal manejo
Mesmo com esses elevados números de cirúrgico inclui o tratamento conservador, que
casos, a fim de evitar a HPP e suas consequên- possui como objetivo a preservação uterina e é
cias, diversas medidas podem ser tomadas, representado pelas ligaduras vasculares e pelas
desde o pré-natal, com o manejo de correto de suturas compressivas, sendo B-Lych a mais
anemias gravídicas, síndromes de hipertensão conhecida e utilizada.
e pré-eclâmpsia, até os protocolos e medidas Já a técnica não conservadora engloba a
(não cirúrgicas e cirúrgicas) adotados pré, intra histerectomia periparto, ou seja, a retirada do
e pós-parto. útero da cavidade abdominal no momento do
No que se trata das medidas assumidas no parto em até 24h após ele. A histerectomia é
manejo da hemorragia, durante o período pós- classificada como tratamento definitivo de
parto, deve-se seguir um protocolo pré-esta- sangramento uterino, no entanto, não propicia
belecido, a fim de controlar a hemorragia e a preservação da fertilidade (FEBRASGO,
preservar a saúde física e a fertilidade da mu- 2020a; MOLEIRO et al., 2022; BELFORT et
lher. Após avaliar qual a fonte do sangra- al., 2023).
mento, - atonia uterina, lacerações, retenção de Assim, o objetivo do estudo é discorrer so-
tecido placentário ou coágulos, coagulopatias, bre a hemorragia pós-parto e as principais téc-
dentre outras causas - as medidas devem ser nicas cirúrgicas utilizadas no manejo dessa
iniciadas durante a hora de ouro, priorizando condição.
as medidas não cirúrgicas e, caso necessário,
MÉTODO
as técnicas cirúrgicas devem ser realizadas
como última escolha (FIOCRUZ, 2019; FE- O estudo realizado trata-se de uma revisão
BRASGO, 2020a). narrativa sobre o manejo cirúrgico da hemor-
O protocolo estabelecido a partir da identi- ragia pós-parto, realizada durante o período de
ficação da hemorragia pós-parto, então, deve fevereiro e março de 2023.
utilizar a seguinte ordem: Foram selecionados artigos encontrados
1. Massagem uterina bimanual; nas bases de dados eletrônicas Pubmed, Scielo
2. Ocitocina 5UI IV lento (3 min), se- e Google Scholar, através da pesquisa com o
guido por 500 ml de SF0, 9% com 20-40 UI uso dos seguintes descritores ―uterine com-
62 | P á g i n a
pression sutures‖, ―peripartum hysterectomy • Macrossomia fetal (peso ao nascer superior a 4.000
compress‖, ―postpartum haemorrhage‖ e gl).
Questões maternas - Doenças hipertensivas da
―vascular ligatures‖.
gravidez
Os critérios de inclusão foram artigos em • Anemia;
português, inglês e espanhol, disponibilizados • Coagulopatia hereditária, como doença de Von
na íntegra e que abordassem os temas propos- Willebrand;
tos para a pesquisa. Os critérios de exclusão • Coagulopatia adquirida, como síndrome HELLP;
• Tentativa de trabalho de parto após cesariana;
foram artigos duplicados, artigos que não dis-
• Trabalho de parto prolongado;
corriam sobre o tema do estudo e pesquisas • Indução e intensificação do trabalho de parto;
que disponibilizavam apenas resumos. • Interrupção do progresso durante o segundo estágio
Após os critérios de inclusão e exclusão, do trabalho de parto;
os artigos restantes foram revisados e os re- • Terceiro estágio prolongado do trabalho de parto;
• Instrumentação durante o parto (fórceps .
sultados foram apresentados de maneira des-
Problemas placentários/uterinos
critiva.
• Descolamento da placenta;
• Placenta prévia;
DISCUSSÃO • Placenta retida;
• Corioamnionite;
A hemorragia pós-parto (HPP) é a princi-
• Inversão uterina aguda;
pal causa de morbidade e mortalidade materna, • Subinvolução do tero.
particularmente em mulheres de baixa renda, Fonte: AMERICAN COLLEGE OF OBSTETRI-
mulheres negras e em países subdesenvolvi- CIANS AND GYNECOLOGISTS, 2017.
dos. Como as ferramentas de avaliação de
risco para HPP identificam apenas 85% das Dentre tais etiologias, a mais comum é a
mulheres com a condição, todas as mulheres atonia uterina, responsável por até 80% de
grávidas devem ser consideradas dentro do todos os casos (AMERICAN COLLEGE OF
grupo com risco (WATKINS, et al., 2020). OBSTETRICIANS AND GYNECOLO-
A hemorragia pós-parto possui como prin- GISTS, 2017).
cipais etiologias alterações no tônus, lacera- Ele se dá devido à hipocontratilidade dis-
ções de canal de parto, retenção de fragmentos funcional do miométrio no puerpério imediato
placentários e coagulopatias. Tais causas po- e costuma ocorrer em mulheres com leiomio-
dem ser lembradas pelo método mnemônico mas, gestações multíparas, gestações com po-
dos 4 Ts: tônus, trauma, tecido e trombina lidramnia, com fetos grandes para a idade
(Tabela 9.1). gestacional ou macrossomia fetal, definida
como peso 4.000 g ou mais (WETTA et al.,
Tabela 9.1 Fatores de risco para hemorragia pós-parto 2013).
Histórico médico ou cirúrgico Além disso, existem alguns fármacos com
• Hemorragia pós-parto anterior; potencial risco de desenvolver atonia. Dentre
• Leiomiomas;
eles, estão inclusos o sulfato de magnésio,
• Parto cesáreo anterior ou outra instrumentação
uterina;
usado para neuroproteção fetal em pacientes
• Problemas fetais; com pré-eclâmpsia com características graves
• Gestação multifetal; e em pacientes com eclâmpsia, e nifedipina,
• Polidrâmnio; usado para hipertensão na gravidez (AMERI-
• Feto grande para a idade gestacional;

63 | P á g i n a
CAN COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND retidos, bem como os espectros de placenta
GYNECOLOGISTS, 2017). prévia e placenta acreta (OYELESE &
Por fim, a corioamnionite, descolamento ANANTH, 2010).
prematuro da placenta e uma placenta que se A placenta prévia é quando a placenta está
implanta no segmento uterino inferior podem aderida à parede uterina parcialmente ou co-
causar atonia uterina e subsequente hemorra- brindo completamente o orifício cervical in-
gia pós-parto (YIADOM & CARUSI, 2019). terno. Já a placenta acreta é uma condição na
Como outras etiologias da HPP, também qual a placenta invade anormalmente a parede
se pode citar o trauma, o qual pode ser decor- uterina. Essa condição é dividida em três cate-
rente da instrumentação de parto (SHEINER et gorias: acreta, increta e percreta, dependendo
al., 2005). da profundidade da invasão no miométrio. A
Dentre as causas encontra-se a ruptura ute- placenta percreta, o tipo mais invasivo, é ca-
rina, que pode ocorrer em pacientes submeti- racterizada pela placenta que cresce através da
das a um teste de trabalho de parto após cesa- parede do útero e pode até invadir órgãos (WU
riana, sendo que o risco aumenta significati- et al., 2005).
vamente se a paciente tiver uma incisão ute- Em relação às coagulopatias, podem-se
rina vertical baixa ou vertical alta em cesaria- citar causas hereditárias ou adquiridas
nas anteriores (OYELESE & ANANTH, (GILLISSEN et al., 2018). A doença de Von
2010). Willebrand é uma das coagulopatias
Outros fatores primários comuns incluem hereditárias mais comuns e pode ser causa de
lacerações cervicais e vaginais e inversão ute- hemorragia pós-parto (GOVOROV et al.,
rina (OYELESE & ANANTH, 2010). 2016). No contexto da coagulopatia adquirida,
A inversão uterina é uma emergência mé- inclui-se a síndrome HELLP (hemólise,
dica e requer atenção imediata de um profissi- enzimas hepáticas elevadas e plaquetas baixas)
onal de saúde treinado. Ela ocorre quando o e coagulopatia intravascular disseminada
fundo do útero é puxado para dentro da cavi- (JAMES et al., 2016), a qual pode ter como
dade uterina e, assim, o útero se vira do avesso fatores predisponentes o descolamento
(POON et al., 2016). Ao toque, ela pode ser prematuro da placenta, a embolia de líquido
palpável apenas no canal vaginal ou se projetar amniótico, sepse, morte fetal e síndrome
através do introito vaginal. HELLP (THACHIL & TOH, 2009) (FONG, et
Uma causa secundária comum é a subin- al., 2013).
volução do útero ou da placenta (AMERICAN
COLLEGE OF OBSTETRICIANS AND MANEJO CIRÚRGICO
GYNECOLOGISTS, 2017). Ela ocorre Após a realização das demais técnicas,
quando o útero não retorna ao seu tamanho caso seja necessário, deve-se utilizar o manejo
normal e pode ser causada por fragmentos de cirúrgico para conter o sangramento. Para rea-
placenta retidos ou endometrite (WATKINS, lizar o procedimento cirúrgico, é necessário
et al., 2020). que o cirurgião observe e analise os benefícios
Anomalias placentárias também podem e os malefícios de cada técnica para determi-
colocar uma paciente em maior risco de he- nar a melhor para a paciente em questão. Isso
morragia pós-parto (SHEINER et al., 2005). ocorre devido a muitas delas ameaçarem a
Esses fatores incluem fragmentos placentários

64 | P á g i n a
fertilidade da paciente e serem mais complexas
(MOLEIRO et al., 2022). Suturas uterinas compressivas
Dentre as possíveis abordagens cirúrgicas, As suturas uterinas compressivas são téc-
existem diversos tipos de técnicas utilizadas nicas conservadoras para controle da hemorra-
para o procedimento de hemorragia pós-parto. gia pós-parto. São suturas bem resolutivas,
As mais realizadas são as Ligaduras vascula- visto que a taxa de contenção da hemorragia
res; as suturas uterinas compressivas, sendo a pós-parto é de acima de 75%. Além disso, são
mais utilizada à técnica B-Lynch e a histerec- de grande eficácia por serem técnicas simples
tomia Periparto (MALLAPPA et al., 2010). e seguras de serem feitas em emergências
(MOLEIRO et al., 2022).
Ligaduras vasculares Tais suturas englobam as técnicas de B-
As técnicas cirúrgicas das ligaduras vas- Lynch, Cho, Pereira, Quahba, entre outras. A
culares fazem parte do tratamento conservador taxa de sucesso das cirurgias que realizam
no controle de uma hemorragia pós-parto, com essas técnicas é cerca de 91,7%, devido à
o objetivo da preservação uterina e, portanto, maior facilidade e do baixo risco de lesão do
da fertilidade. A principal técnica utilizada é a ureter e dos vasos (MALLAPPA et al., 2010).
ligadura bilateral dos ramos ascendentes das No entanto, não são todas as formas de
artérias uterinas – técnica de O‘Leary – utili- suturas que são seguras. Dos diversos tipos de
zada para reduzir a pressão de perfusão do Sutura Uterina Compressiva, a técnica mais
miométrio. Esta técnica não irá controlar com- utilizada é a B-Lynch. Ela permite a conserva-
pletamente a hemorragia no caso de uma ato- ção do útero, permitindo a fertilidade e resul-
nia uterina ou acretismo placentário, mas ajuda tados de gravidez de pacientes. Além disso,
a diminuir a perda sanguínea enquanto outras permite uma hemostasia satisfatória e rápida,
intervenções estão sendo realizadas (BEL- evita obliteração do lúmen cervical e uterino,
FORT et al., 2023; FEBRASGO, 2020). possibilita um risco reduzido de piometra e de
Nesse procedimento, o primeiro passo é a sinequias (MALLAPPA et al., 2010).
identificação do ureter. Após isso, com uma Os princípios básicos da técnica de sutura
agulha curva e um fio de sutura de ácido poli- B-Lynch são:
glicólico, é feita a ligadura ―baixa‖ bilateral 1- Posicionamento do paciente na posição
dos ramos ascendentes das artérias uterinas Lloyd Davis;
passando a sutura o mais próximo possível do 2- Compressão bimanual quando o útero
colo uterino e depois de volta através do liga- for exteriorizado;
mento largo que se encontra na região lateral 3- Incisão transversal no segmento infe-
aos vasos uterinos (BELFORT et al., 2023). rior na cavidade uterina;
Outra técnica muito usada nas ligaduras 4- Sutura B-Lynch é aplicada em tensão
vasculares é a técnica de Posadas, em que é uniforme, o que ajuda na realização da drena-
realizada a flexão da cavidade uterina em dire- gem do sangue;
ção ao osso púbico para obter uma melhor 5- Hemostasia;
visualização das artérias uterinas no trajeto 6- Abdome é fechado.
posterior do útero. Dessa forma, é feita a oclu- A sutura B-Lynch pode ser realizada inde-
são destas nas conexões útero-ovarianas no pendentemente de o tipo de parto realizado ser
mesossalpinge (FEBRASGO, 2020). vaginal ou cesariana. Inicia-se com duas inci-

65 | P á g i n a
sões: a Pfannenstiel do abdome e a incisão do portante ressaltar que outro estudo concluiu
segmento inferior do útero. Depois disso, o que à medida que o número de cesarianas au-
útero deve ser exteriorizado, permitindo a menta, também aumenta o risco de ruptura
avaliação da causa do sangramento. uterina devido ao aumento de cicatrizes uteri-
A sutura é iniciada inserindo a agulha na nas (FLOOD et al., 2009).
parede uterina anterior, abaixo do limite infe- Este tratamento cirúrgico, se possível, deve
rior direito da incisão uterina. Dessa forma, o ser evitado em mulheres jovens e férteis, pois
fio de sutura segue em direção à parede poste- não propicia a preservação da fertilidade. Po-
rior do útero, passando acima do fundo, inse- rém, a histerectomia também não deve ser rea-
rindo a agulha na parede posterior correspon- lizada com atrasos, principalmente após a fa-
dendo à saída anterior do fio. Então, a agulha é lha nos procedimentos para preservar a cavi-
inserida lateralmente ao ponto de entrada e o dade uterina, devido à importância de evitar a
fio segue longitudinalmente no fundo da pa- instalação da tríade letal: coagulopatia, acidose
rede anterior. e hipotermia (FEBRASGO, 2020).
Logo depois, a agulha é inserida acima da Nos casos de etiologias de hemorragia pós-
margem superior esquerda da incisão uterina, parto, como placenta acreta ou ruptura uterina,
saindo pela margem inferior. O auxiliar da a histerectomia precoce é o procedimento que
cirurgia deve comprimir o útero quando o ci- consegue reduzir mais a morbimortalidade
rurgião puxar o fio de forma firme e aplicar materna nesses casos. Na atualidade, o diag-
um nó forte da sutura, finalizando o fecha- nóstico pré-natal das alterações placentárias
mento da incisão uterina (MOLEIRO et al., ajuda a discutir a histerectomia planejada antes
2022). da cesárea (BELFORT et al., 2023).
A técnica cirúrgica mais recomendada em
Histerectomia periparto Compress uma histerectomia periparto é a histerectomia
A Histerectomia Periparto é definida como total devido ao risco de desenvolvimento de
a histerectomia realizada no momento do malignidade no colo uterino em um subtotal.
parto, até 24 horas após ele, ou, antes da alta Porém, alguns estudos relatam uma menor
hospitalar materna. Esse procedimento cirúr- perda sanguínea e menor necessidade de trans-
gico consiste na retirada da cavidade uterina fusão sanguínea intra e pós-operatórias. No
por via abdominal. A cirurgia é considerada de entanto, a decisão final de realizar uma histe-
grande porte e é realizada para o tratamento rectomia total ou subtotal depende da condição
definitivo de sangramento uterino (BELFORT de cada paciente (MACHADO et al., 2011).
et al., 2023). Após a realização desta cirurgia, a paciente
A indicação mais frequente de histerecto- não deve ser removida da sala cirúrgica a me-
mia periparto é por hemorragias, principal- nos que esteja hemodinamicamente estável. É
mente as causadas por placentas anormalmente necessário que seja transferida para uma UTI
invasivas, as lacerações e atonia primária para a reposição de hemoderivados em con-
(COLMORN et al., 2016). O estudo realizado junto com o monitoramento contínuo (BEL-
por Rossi et al (2010) mostrou que as mulhe- FORT et al., 2023).
res com maior risco de histerectomia são:
multíparas, história de cesárea prévia ou atual,
e placenta anômala (acreta e/ou prévia). É im-

66 | P á g i n a
Complicações
As principais complicações relacionadas às CONCLUSÃO
ligaduras vasculares e suturas uterinas com- Dessa forma, pode-se concluir que a he-
pressivas são as infecções, incluindo piomé- morragia pós-parto é uma das principais cau-
trio, endometrite e endomiometrite. Além sas de morbimortalidade materna no mundo.
disso, as necroses parciais isquêmicas, sulcos e Por isso, é necessário que se tenham protoco-
defeitos na parede uterina, erosões, sinéquias, los com etapas bem estabelecidas para o con-
hematométrio, síndrome de Asherman e rotura trole do sangramento. Essas etapas incluem o
uterina em gestação consecutiva também po- manejo inicial através de manobras e do trata-
dem ocorrer (FEBRASGO, 2020a). mento não farmacológico e, caso necessário, o
Já as principais complicações pós-cirúrgi- uso de técnicas cirúrgicas. Essa ordem é pre-
cas da histerectomia são lesão de bexiga, in- conizada, pois o manejo cirúrgico, além de
fecção do trato urinário, lesão retal, sensação mais invasivo, pode afetar a fertilidade da
de evacuação incompleta, obstipação intesti- mulher e trazer outras consequências, como
nal, infecção de cúpula vaginal, hematoma em lesão de bexiga ou infecção cirúrgica.
cúpula, embolia pulmonar, infecção pulmonar, Assim, devem ser realizados mais estudos
trombose venosa pélvica, coagulação intravas- para que sejam encontradas outras formas de
cular disseminada, hemorragia, choque hipo- manejo que não tragam tantas consequências
volêmico, sepse e anemia (FREITAS et al., para a mulher, além de maneiras efetivas de
2016). prevenção da hemorragia pós-parto.

67 | P á g i n a
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69 | P á g i n a
Capítulo 10

COMPLICAÇÕES
PÓS-OPERATÓRIAS NA
RINOPLASTIA
BEATRIZ DIONISIO MAIA1
GIOVANNA DIONISIO MAIA1
JÚLIA MARCONDES BARBOZA1
MARIA EDUARDA FREIRE BRUNINI1
MARTA ANGÉLICA SEVERO SOUSA1
PRISCILLA PEREIRA ALVARES1

1
Discente do curso de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Rinoplastia; Pós-operatório; Complicações.

10.59290/978-65-81549-92-3.10 70 | P á g i n a
manejo absoluto ao paciente (EYTAN &
INTRODUÇÃO WANG, 2022).
A Rinoplastia consiste no procedimento ci- Em vista disso, o objetivo deste estudo
rúrgico realizado nas estruturas nasais locali- consiste em discutir as complicações pós-ope-
zadas na região central da face. Ela pode ser ratórias mais comuns que decorrem da rino-
executada pelo cirurgião plástico ou pelo otor- plastia, onde se destacam o sangramento, a
rinolaringologista especializado em rinologia equimose e o edema periorbitário, causando
com o propósito tanto estético em modificar a maior tempo de recuperação. Além do mais, as
forma ou o tamanho do nariz, quanto funcional complicações pós-operatórias podem ser clas-
em corrigir uma condição patológica (ONG et sificadas em dois grupos maiores: as precoces
al., 2016). que se manifestam na primeira semana após a
Além de alcançar a harmonia facial e me- cirurgia e as tardias surgem semanas a meses
lhorar a autoestima do paciente, a rinoplastia depois da cirurgia e, algumas vezes, até
também é indicada para corrigir dificuldades mesmo anos após.
respiratórias causadas por anormalidades es-
MÉTODO
truturais do nariz. O objetivo desta cirurgia
visa remover o tecido em excesso, corrigir Trata-se de uma revisão bibliográfica rea-
deformações e assimetrias nasais e modelar os lizada por meio de pesquisas nas bases de da-
tecidos remanescentes para que eles se encai- dos: Pubmed e Scielo, no período de janeiro de
xem harmoniosamente com o restante da es- 2007 a dezembro de 2022. Os descritores utili-
trutura facial (EYTAN & WANG, 2022). zados foram Rinoplastia; Período Pós-Opera-
Essa prática cirúrgica é reputada como tório; Complicações Pós-Operatórias; Cicatri-
uma das mais desafiadoras devido a sua ele- zação.
vada exigência em relação a uma técnica im- Os critérios de inclusão foram: artigos nos
pecável por parte do cirurgião e, quanto mais idiomas inglês e português, publicados no pe-
delicada for a estrutura a ser segmentada maior ríodo de 2007 a 2022, e que abordavam dire-
será o risco de complicações pós-operatórias tamente a temática proposta. Os critérios de
que, por fim, causam insatisfação ao paciente exclusão foram: aqueles fora do período de
(EYTAN & WANG, 2022). publicação, artigos duplicados e disponibiliza-
Enquanto algumas complicações pós-ope- dos em forma de resumo, que destacavam as-
ratórias são facilmente tratadas, outras exigem pectos diferentes do presente tema e que não
inúmeros procedimentos reconstrutivos e, em atendiam aos demais critérios de inclusão.
outros casos, é impossível evitar um resultado Após análise dos critérios de seleção, res-
insatisfatório. Portanto, prevenir complicações taram 10 artigos que foram submetidos à lei-
é o melhor curso de ação (FELIPPE, 2022). tura minuciosa para coleta de dados e constru-
Posto isso, o cirurgião deverá orientar seu ção desta revisão. Os resultados foram apre-
paciente sobre os riscos e complicações espe- sentados de forma descritiva.
radas mediante uma rinoplastia, como também
conhecer bem a anatomia a ser explorada e RESULTADOS E DISCUSSÃO
possuir a experiência clínica. Assim como, ele Dentre os artigos utilizados nesse estudo,
deve estar apto para realizar abordagens de nota-se uma prevalência em algumas compli-

71 | P á g i n a
cações pós-operatórias, mesmo tendo em vista caso o sangramento persista por mais do que o
que cada artigo em si relatou inúmeras com- período esperado deve-se avaliar a possibili-
plicações. Sendo assim, juntamos as principais dade de ter sido atingido uma artéria, contudo
e as que aparecem com maior frequência para estudos mostram que essa condição ocorre em
realizar essa revisão. menos de 1% dos pacientes (EYTAN &
A rinoplastia é um processo cirúrgico cujo WANG, 2022).
corpo passa por modificações estruturais e Outra complicação que é comum de se
estéticas, nesse processo o cirurgião ocasiona ocorrer em qualquer tipo de cirurgia, incluindo
feridas e o organismo tende a tratar elas, po- a rinoplastia, é o edema ou popularmente co-
rém é possível causar complicações, sejam nhecido como inchaço. Esse processo ocorre,
elas iniciais ou tardias. As iniciais são as mais pois, após o corpo sofrer por um trauma (a
comuns e ocorrem nos primeiros 14 (quatorze) cirurgia) umas das formas dele lidar com isso é
dias após o processo cirúrgico, podem ser se- acionando o sistema imune, causando um pro-
paradas em hemorragia, alteração de pele cesso inflamatório, ou seja, há uma migração
(edema, hematoma e equimose) e infecção. As de células para o local da ferida através dos
tardias ocorrem após esse período de quatorze vasos havendo um aumento da permeabilidade
dias e podem ser separadas com alteração na (SABISTON et al., 2003).
técnica (deformidade de pollybeak), cicatriz Logo é notável que ocorre com muita fre-
desfavorável, desvio ou perfuração de septo, quência, assim muitas vezes não é considerada
obstrução nasal e insatisfação do paciente, uma complicação de fato. O inchaço pode va-
porém tudo depende da técnica usada pelo riar de paciente para paciente e sua duração
cirurgião e o tipo de pele do paciente também não possui um padrão, em média a
(HARSHA, 2009). maior parte do edema na ponta e no dorso na-
sal some de 6 a 12 meses, mas já foi notado
Complicações pós-operatórias iniciais inchaço presente em paciente após esse perí-
A hemorragia é uma das complicações que odo (HARSHA, 2009).
é inevitável nas cirurgias, devido à ruptura dos Hematomas e equimoses são similarmente
vasos. Quando isso ocorre, involuntariamente frequentes e podem também não ser conside-
o corpo responde com processo de hemostasia radas como uma complicação em si. Ambas
e coagulação, a fim de fechar a ruptura ao são consideradas acúmulo de sangue no in-
mesmo tempo em que tenta manter o fluxo terstício causado normalmente por lesão da
sanguíneo (SILVERTHORN et al., 2003). parede vascular (ROBBINS et al., 2005). O
Os sangramentos são comuns na origem da hematoma e as equimoses dependem da téc-
ferida da mucosa nasal e nos locais de incisão. nica usada e das estruturas modificadas. Tem
Caso ocorra após o procedimento, a literatura menos frequência quando usada osteotomia
mostra que a elevação da cabeça, descongesti- percutânea em forma de ponto comparada a
onantes tópicos e pressão nasal no septo po- técnicas convencionais. Equimoses (ou hemor-
dem resolver ou diminuir. Logo após a cirurgia ragia subconjuntival) são mais prevalentes no
pode-se usar tampões absorvíveis ou inabsor- segmento temporal do olho e tendem a ser
víveis (nesse caso deve fazer a retirada) du- reabsorvidas em torno de duas semanas (RET-
rante 2 a 4 dias. Geralmente esses sangramen- TINGER, 2007).
tos são devidos a rompimentos de veias, porém

72 | P á g i n a
A infecção é um problema comum nas ci- pré-operatório ou 3 doses perioperatórias,
rurgias, e induz dor e retardo na cicatrização, mesmo não havendo estudos que comprovam
onde uma das causas, além da própria infec- sua eficácia na diminuição de infecção no pós-
ção, é a liberação de moduladores pró-infla- operatório (EYTAN & WANG, 2022).
matórios. A contaminação das feridas por
bactérias originadas da pele, do ambiente e das Complicações pós-operatórias tardias
fontes autólogas do paciente são as causadoras A cicatrização é o reparo das feridas a fim
da infecção e suas complicações. A resposta de manter a função e a forma, em tese em to-
imune inata e adaptativa são essenciais e deci- dos os tipos de feridas ocorrem as três fases
sivas para a defesa do hospedeiro (NELIGAN básicas: inflamação, proliferação e maturação.
& GURTNER, 2015). Apesar disso, é comum que ocorra algumas
Quando se tem um agente ou micro-orga- intercorrências como excesso ou degradação
nismo estranho no corpo, como bactérias, fun- do colágeno, também chamadas de queloide e
gos e vírus, o mecanismo de defesa para matá- cicatriz hipertrófica, respectivamente (SABIS-
los podem juntamente danificar o tecido sau- TON et al., 2003).
dável do nosso corpo durante essa resposta Alguns pacientes já possuem uma predis-
protetora e involuntária do corpo, como já posição de tê-las e isso inclui histórico familiar
mencionado as respostas inatas e respostas ou pessoal e pele mais escura. Com isso, o
adaptativas. A resposta inata é a primeira a cirurgião deve se atentar em fazer o fecha-
atuar, e por conta disso não são específicos dos mento da ferida meticulosamente e sem tensão
antígenos, são compostas por macrófagos, na sutura, caso ocorra de mesmo assim surgir
neutrófilos, mastócitos e células dendríticas. A um queloide pode ser tratado com injeções
resposta adaptativa, oposto à inata, ocorre em intralesionais de esteroides e/ou 5- fluorouracil
um período mais tardio, e são caracterizadas (EYTAN & WANG, 2022).
por serem específicas dos antígenos e por pos- O desvio ou perfuração de septo pode ser
suírem memória, seus agentes principais são devido ao não tratamento de outras complica-
os linfócitos T e B (SABISTON et al., 2003). ções que ocorreram, como hematomas septais
Apesar de ser uma complicação frequente que não foram devidamente drenados, lacera-
em várias cirurgias, a literatura mostra que a ções simétricas da mucosa e necrose por pres-
taxa geral de infecção na rinoplastia é de 0% a são. O cuidado com essa complicação depende
4%, mesmo após alguns estudos mostrarem do tamanho da perfuração, a menores tendem a
que a maioria dos pacientes avaliados apre- cicatrizar de forma eficaz através da compres-
sentou. Sendo assim, pode-se manifestar atra- são da ferida, enquanto as perfurações maiores
vés de celulite dos tecidos moles a um abs- tendem a serem mais difíceis de tratar devido a
cesso, onde no primeiro caso é tratado com cicatrização da ferida ser mais complicada e é
antibióticos orais e observação e no segundo capaz de exigir que grandes retalhos septais
caso, por ser uma complicação mais grave sejam elevados (HARSHA, 2009).
pode ser tratado com drenagem e antibióticos A deformidade de pollybeak é uma com-
por via intravenosa. Para a prevenção de infec- plicação que causa uma mudança estética,
ção no pós-operatório alguns cirurgiões apli- também chamada de bico de papagaio ou ―su-
cam o antibiótico em um período perioperató- pratip‖. É uma complicação muito frequente, e
rio e outros cirurgiões aplicam uma dose no umas de suas causas é a ressecção insuficiente

73 | P á g i n a
da parte dorsal do septo caudal cartilaginoso,
nesse caso pode-se realizar uma ressecção do Colapso da válvula nasal externa e interna,
excesso de cartilagem septal projetando acima desvio septal e formação de sinéquias intrana-
da ponta nasal, a fim de corrigir essa deformi- sais são uma das causas de obstrução nasal no
dade (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE pós-operatório da rinoplastia, formas como
OTORRINOLARINGOLOGIA E CIRURGIA autospreaders, inspeção meticulosa da simetria
CÉRVICO-FACIAL, 2010). das narinas, posição do septo caudal, compre-
Além desse, a ressecção excessiva da pi- ensão da dinâmica da válvula nasal interna
râmide óssea, a ressecção insuficiente do terço podem ajudar a minimizar essa complicação,
médio cartilaginoso e a fibrose da supraponta além de enxertos expansores que são usados
profunda ao envelope de tecido mole são ou- para ampliar a potência da cavidade nasal in-
tras ocasiões que podem resultar na deformi- terna (SUROWITZ & MOST, 2013).
dade de pollybeak deixando o terço inferior do É possível que mesmo com um resultado
dorso mais projetado que a ponta, como mos- ideal para o cirurgião, ocorra de o paciente
tra na Figura 10.1. Alguns desses são evitá- ficar insatisfeito como em qualquer procedi-
veis durante o processo cirúrgico, porém a mento. O esclarecimento dos detalhes da ci-
fibrose da supraponta profunda ao envelope de rurgia, os cuidados no pós-operatório, riscos e
tecido mole pode ser devido a cicatrização no benefícios da cirurgia e as possíveis complica-
pós-operatório. Essa deformidade pode ser ções são essenciais para diminuir a chance de
tratada, segundo a literatura, com injeções de uma insatisfação. Além disso, devem ser abor-
Kenalog na derme (SUROWITZ & MOST, dadas juntamente as possíveis mudanças ao
2013). longo do tempo e se necessário a possibilidade
de procedimentos de revisão (EYTAN &
Figura 10.1 Ossos nasais ressecados após rinoplastia WANG, 2022).
prévia. Observe também o pollybreak proeminente
CONCLUSÃO
A Rinoplastia altera a estética e funciona-
lidade do nariz, estando associada a riscos e
complicações. É possível observar que as
complicações iniciais são as mais frequentes e
relatadas na literatura, sendo algumas relacio-
nadas a técnica do cirurgião, enquanto outras
têm relação com o processo de cicatrização e a
imunidade do paciente. Os profissionais de-
vem estar cientes das possíveis complicações
deste procedimento cirúrgico a fim de identifi-
car e prescrever o tratamento rapidamente caso
surjam, além de aconselhar de maneira correta
o paciente. O conhecimento e planejamento do
manejo pós-operatório de forma cuidadosa
pode levar a um resultado satisfatório.
Fonte: SUROWITZ & MOST, 2013.

74 | P á g i n a
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75 | P á g i n a
Capítulo 11

NEFROBLASTOMA:
INDICAÇÕES E ABORDAGENS
CIRÚRGICAS

ANA CLARA GONÇALVES MIOTTO RODRIGUES1


CAMILA BALDESSIN1
CAMILA SILVEIRA EHLKE1
GIOVANNA COSTA STAUT1
MARIA EDUARDA FRANÇA CHAVES1
NATHALIA CAROLINE DE MELO SALES1
RAFAELLA CAMPOI DE OLIVEIRA1

1
Discente – Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Nefroblastoma; Crianças; Tumor de Wilms·.

10.59290/978-65-81549-92-3.11 76 | P á g i n a
pia, dependendo do estágio do tumor (SPREA-
INTRODUÇÃO FICO et al., 2018).
O nefroblastoma, ou tumor de Wilms Dentro do tratamento cirúrgico, as princi-
(TW), é a neoplasia renal de maior incidência pais técnicas cirúrgicas para o tumor de Wilms
na infância, afetando principalmente crianças são nefrectomia radical e parcial. Na nefrec-
com menos de 5 anos (BRESLOW et al., tomia radical, são removidos o rim, a glândula
2018). Localiza-se predominantemente no adrenal, o ureter e o tecido adiposo ao redor do
córtex renal, onde começa a crescer podendo rim. Na nefrectomia parcial, é removida ape-
formar uma pseudocápsula que contém células nas a parte do rim contendo a massa tumoral,
necróticas, levando a hemorragias (GOMES & sendo essa técnica utilizada somente quando
FLORES, 2019). Geralmente surge em um não há necessidade de remover ambos os rins
único rim, no entanto, há casos que podem ser da criança (ONCOGUIA, 2014).
bilaterais, principalmente em crianças mais O tratamento cirúrgico também é impor-
novas (SZYCHOT et al., 2014). tante para a avaliação da extensão do tumor, a
As suas principais manifestações clínicas linfadenectomia regional é realizada para ava-
são hematúria e massa unilateral ou bilateral liar a presença de células cancerígenas nos
palpável com crescimento insidioso e dor ab- linfonodos ao redor do tumor. Estruturas e
dominal, podendo trazer um alerta de ruptura órgãos próximos também devem ser avaliados
tumoral que é associado à recidiva abdominal e caso seja necessário, a biópsia deve ser reali-
(PROVENZI et al., 2015), seguido de febre e zada (ONCOGUIA, 2014).
hipertensão arterial. Além disso, o tumor gera Existem casos em que ambos os rins preci-
pressão sobre a artéria renal, podendo causar sam ser removidos, assim, essas crianças se-
isquemia renal (GOMES & FLORES, 2019). guirão tratamento com diálise vários dias da
A massa tumoral pode se estender para a semana. O transplante renal pode ser realizado
pelve renal, vasos linfáticos e sanguíneos in- quando a criança se encontrar saudável (ON-
trarrenais, cápsula renal, átrio direito e pul- COGUIA, 2014).
mão. Sendo este o principal sítio de metástase, Por conseguinte, em um estudo de coorte
e quando acometido, pode causar dispneia, retrospectiva, no Serviço de Oncologia Pediá-
empiema, derrame pleural e embolia pulmonar trica do Hospital do Câncer I, do Instituto Na-
(GOMES & FLORES, 2019). cional do Câncer José Alencar Gomes da Sílva
O diagnóstico costuma ser realizado até o (HC I/INCA), no Rio de Janeiro, entre janeiro
terceiro ano de vida (KANYAMUHUNGA et de 2000 e dezembro de 2017, feito com 259
al., 2015) e envolve exames de imagem como pacientes de idade até 15 anos com tumor de
ultrassom, tomografia computadorizada e res- Wilms, a observação quanto ao procedimento
sonância magnética, além de análise de biópsia cirúrgico foi que a decisão era feita por avalia-
para confirmação do resultado (BRESLOW et ção radiológica após oito semanas de quimio-
al., 2018). terapias pré-operatórias, realizada em conjunto
O tratamento do TW é desafiador, tendo por equipes multidisciplinares. Desse modo,
em consideração a apresentação do tumor em cada rim era tratado de maneira individual,
idade mais jovem (AYDIN et al., 2019). Nor- começando pelo menos prejudicado e se-
malmente envolve a cirurgia (nefrectomia, seja guindo para o rim mais acometido. A finali-
total ou parcial), quimioterapia ou radiotera- dade disso era sempre a abordagem cirúrgica

77 | P á g i n a
mais conservadora, para assegurar a melhor modo de apresentação, tratamento do ne-
função renal possível (OLIVEIRA et al., froblastoma infantil e conclusão.
2018).
Visto a neoplasia ser tão comum no cená- RESULTADOS E DISCUSSÃO
rio pediátrico, os resultados atuais das pesqui- Epidemiologia
sas e tratamento resulta de uma colaboração O tumor de Wilms, ou nefroblastoma,
entre cirurgiões pediatras, oncologistas, radi- mesmo sendo relativamente raro, é a maligni-
ologistas e patologistas a fim de um sucesso dade renal mais comum nos pacientes pediátri-
terapêutico (SKYCHOT et al., 2014). cos e seu prognóstico melhorou nas últimas
décadas com uma taxa de sobrevida em 5 anos
MÉTODO
de 90% de 2003 a 2009. (PATER et al., 2020).
Trata-se de uma revisão integrativa reali-
zada no período de março a abril de 2023, por Diagnóstico
meio de pesquisas na base de dados: Scielo e A apresentação do tumor ocorre geral-
PubMed. Foram utilizados os descritores: cri- mente com um diagnóstico acidental durante
anças, tumor de Wilms, nefroblastoma. Desta palpação de massa assintomática no abdome
busca foram encontrados 15 artigos, posteri- da criança, podendo cursar em 20% dos casos
ormente submetidos aos critérios de seleção. como dor, febre, hematúria macroscópica, hi-
Os critérios de inclusão foram: artigos no pertensão renal e mal-estar e, raramente, como
idioma português e inglês publicados no perío- um quadro de abdome agudo (THEILEN et
do de 2006 a 2023 que abordavam as temáticas al., 2022).
propostas para esta pesquisa, disponibilizados Levando em consideração diversos estudos
com textos completos. Os critérios de exclusão sobre o nefroblastoma concluiu-se que exames
foram: artigos duplicados, disponibilizados na de imagem sempre são feitos para definir a
forma de resumo, que não abordavam direta- presença, a localização do tumor e identificar
mente a proposta estudada e que não atendiam possíveis lesões metastáticas. Geralmente, a
aos demais critérios de inclusão. análise inicial pode ser realizada por meio da
Após os critérios de seleção restaram 13 ecografia abdominal, que permite diferenciar a
artigos que foram submetidos à leitura minuci- massa sólida da cística, estabelece a origem do
osa para a coleta de dados. Além disso, tam- tumor e observa a presença de acometimento
bém foi objeto de estudo a tese Tumor de da veia cava inferior quando realizado com
Wilms: características clínicas e cirúrgicas por Doppler. Em seguida, pode-se realizar a tomo-
Eliziane E. Takamatu, o site ONCOGUIA, o grafia computadorizada de abdome, pelve e
Journal of Clinical Oncology, Rwanda Medi- tórax para obter mais detalhes da extensão do
cal Journal e também o livro Principles and tumor e identificar o acometimento de órgãos
Practice of Pediatric Oncology e o Instituto adjacentes, além de possíveis metástases (TA-
Nacional de Câncer do Ministério da Saúde. KAMATU, 2006).
Os resultados foram apresentados de forma O diagnóstico histológico é quase sempre
descritiva, divididos em categorias temáticas realizado na maioria das doenças oncológicas,
abordando: epidemiologia, etiologia, quadro porém, nos pacientes com Tumor de Wilms,
clínico, diagnóstico, abordagens cirúrgicas, ele não é recomendado devido ao risco de
contaminação local e, de acordo com o proto-

78 | P á g i n a
colo Children's Oncology Group (COG) só irão definir a necessidade de radioterapia pós-
deve ser realizado em casos de tumor irresse- operatória (PATER et al., 2020).
cável e naqueles em que há acometimento bi- Juntando os estadios segundo o Children's
lateral (TAKAMATU, 2006). De acordo com Oncology Group (COG) e segundo a Internati-
as recomendações da International Society of onal Society of Paediatric Oncology (SIOP) e
Paediatric Oncology (SIOP) o diagnóstico é fazendo uma explicação simplificada dos está-
clínico, associado a exames de imagem, não se dios sem incluir alguns critérios individuais de
devendo buscar pela histologia. (TAKA- cada um, o estádio I é o tumor confinado ao
MATU, 2006). Vale lembrar que alguns gru- rim e completamente ressecado, o estádio II é
pos de estudo como o United Kingdom Chil- o tumor que excede o rim, mas que foi com-
dren's Cancer Study Group recomendam a pletamente ressecado, estádio III é quando o
realização de biópsia percutânea para realizar a tumor não foi completamente ressecado, tem
confirmação histológica do diagnóstico, assu- metástase para linfonodos regionais ou pre-
mindo alguns riscos como o de sangramento sença de trombo tumoral, estádio IV é quando
intratumoral, fístula arteriovenosa, contamina- tem metástases hematogênicas ou extra-abdo-
ção tumoral no trajeto de inserção da agulha. minais e o estádio V é quando o tumor é bila-
(TAKAMATU, 2006). teral ao diagnóstico (TAKAMATU, 2006).

Estadiamento Histologia e prognóstico


Segundo o protocolo definido pelo Chil- O tumor de Wilms ao diagnóstico que
dren's Oncology Group (COG), o estadio da apresenta histologia favorável é composto por
doença local é determinado durante o ato ci- três tipos celulares, o blastematoso, estromal e
rúrgico, para ressecção do tumor e confirma- epitelial, sendo o blastematoso o tipo mais
ção histológica (TAKAMATU, 2006). Tumo- encontrado. O tipo histológico anaplásico,
res de muito baixo risco são definidos pela quando presente, é classificado como histolo-
COG como aqueles que ocorrem em crianças gia desfavorável. A instituição de tratamento
menores de 2 anos, com histologia favorável, quimioterápico antes da cirurgia induz altera-
tumores com peso inferior a 550g que estejam ções histológicas, e as características histoló-
confinados na cápsula renal e sem a presença gicas nos permitem classificar os nefroblasto-
de perda de heterozigose (LOH) em cromos- mas em grupos de risco de recidiva (LESLIE
somos 1p/16q (PHELPS et al., 2018). et al., 2023).
De acordo com a International Society of De forma simplificada eles podem ser
Paediatric Oncology (SIOP) o estadiamento é classificados em baixo, intermediário e alto
definido pelo achado cirúrgico e patológico risco de recidiva após a quimioterapia, ou são
após um determinado período de quimiotera- classificados dessa mesma forma após a ne-
pia pré-operatória (TAKAMATU, 2006). Pela frectomia primária sem exposição prévia a
SIOP, tumores são classificados como de quimioterapia (LESLIE et al., 2023).
baixo, intermediário ou alto risco, dependendo Os pacientes que apresentam piores prog-
da sua histologia. Os estadios utilizados são nósticos são aqueles com presença de anapla-
baseados na extensão do tumor além do rim, sia, invasão linfonodal, estádios avançados
ruptura do tumor, linfonodos e da dissemina- como o estádio III e IV, perda de heterozigosi-
ção tumoral para o peritônio e para o sangue e dade nos cromossomos 1p e 16q. Também se

79 | P á g i n a
leva em consideração o peso do tumor e a rante o ato cirúrgico para que não ocorra dis-
idade do paciente, sendo de pior prognóstico o seminação e o aumento do risco de recidiva
tumor com peso acima de 550 gramas e o pa- local (TAKAMATU, 2006).
ciente acima dos 4 anos de idade que possuam No ato cirúrgico realizamos a ressecção do
tumor em estádio I (LESLIE et al., 2023). rim e do ureter após verificar que não existe
trombo na veia renal e na cava. Os linfonodos
Tratamento da região hilar, para aórtica e pericava devem
Atualmente, as duas formas de tratamento ser sempre biopsiados para correto estadia-
preconizadas seguem os protocolos da Chil- mento tumoral, evitando subestadiamentos e
dren’s Oncology Group (COG) e da Internaci- subtratamentos (TAKAMATU, 2006).
onal Society of Paediatric Oncology (SIOP), Nos casos de tumores unilaterais a cirurgia
sendo que ambas as instituições se baseiam no preconizada é sempre nefrectomia total, mas
conceito de uma terapia adaptada para o risco indica-se a nefrectomia parcial nos casos de
e poderão incluir abordagem cirúrgica, quimi- tumores pequenos na possibilidade de ocorrer
oterapia e radioterapia (THEILEN et al., uma disfunção renal posterior, no entanto,
2022), ainda que buscando limitar o uso de RT ainda existem poucos estudos e essa questão se
para reduzir a toxicidade do tratamento e me- encontra em discussão constante. Pois os bene-
lhorar as taxas de cura (PATER et al., 2020). fícios de uma nefrectomia parcial em tumores
unilaterais são muito baixo quando compara-
Papel da cirurgia dos com o risco de recorrência tumoral local
Nos tumores unilaterais, o papel da cirur- (TAKAMATU, 2006).
gia inclui a ressecção primária do tumor, com- Nos pacientes que apresentam acometi-
pleto estadiamento nodal e providenciar tecido mento bilateral, é preconizada a nefrectomia
para completar a classificação de risco do tu- parcial, a fim de evitar a insuficiência renal.
mor, que influenciará na escolha da realização Essa estratégia também é utilizada nos paci-
de quimioterapia e radioterapia adjuvantes entes que apresentam rim único. A tumorec-
(PATER et al., 2020). A nefroureterectomia tomia, retirada apenas do tumor, se existem
por abordagem transabdominal é o tratamento margens cirúrgicas, é contraindicado, pois
cirúrgico padrão preconizado pelas duas insti- apresenta grande recidiva (TAKAMATU,
tuições (THEILEN et al., 2022). 2006).

Ato cirúrgico Abordagem da COG


A abordagem cirúrgica preconizada por Levando em consideração o protocolo da
ambos os protocolos é a nefrectomia total ou COG, a nefrectomia deverá ser realizada assim
parcial, realizada por incisão transversa abdo- que for realizado o diagnóstico, como trata-
minal e transperitoneal e seguida por uma ins- mento inicial e providenciará a confirmação da
peção da cavidade para avaliar possíveis me- histologia e da extensão do tumor para auxiliar
tástases no fígado, linfonodos e retroperitônio na decisão a respeito da terapia adjuvante.
(TAKAMATU, 2006). Qualquer lesão suspeita Além disso, achados no pós-operatório pode-
deve ser ressecada ou biopsiada para realizar a rão auxiliar na identificação de fatores de risco
análise histológica e definir o estadiamento do para pior prognóstico, incluindo ressecção
tumor. Deve-se evitar a ruptura tumoral du-

80 | P á g i n a
incompleta, margens positivas e envolvimento tratamento do nefroblastoma, pois estudos
ganglionar (PATER et al., 2020). demonstraram que essa conduta diminuiria as
A definição do estadiamento tumoral de proporções de pacientes que desenvolveriam a
acordo com a COG surgiu após estudos que disseminação do tumor de 20 para 5% (PA-
analisaram que a quimioterapia adjuvante en- TER et al., 2020).
tre pacientes com tumores de muito baixo A quimioterapia seria realizada com as
risco e com histologia favorável não resultaria drogas vincristina e dactinomicina em crianças
em benefícios. No entanto, ainda que no está- com tumores localizados e, naqueles que de-
gio I, tumores com LOH em 1p/16q já deverão senvolveram metástases, seria adicionada a
ser considerados para seguimento com quimi- doxorrubicina (SZYCHOT et al., 2013). Ci-
oterapia neoadjuvante (PHELPS et al., 2018). rurgiões da SIOP demonstraram que as com-
Outros cenários clínicos nos quais será ne- plicações dessa abordagem foram menores do
cessário o uso da quimioterapia como trata- que daquelas relacionadas ao protocolo do
mento associado à nefrectomia de acordo com COG (SZYCHOT et al., 2013).
o protocolo da COG são: (1) extensão do Nesse protocolo realiza-se a quimioterapia
trombo do tumor acima do nível das veias he- por 4 semanas com Dactinomicina e vincris-
páticas; (2) invasão direta do tumor necessi- tina e por 6 semanas com a adição de doxorru-
tando a remoção de órgãos; (3) peso excessivo bicina para os tumores no estádio IV onde já
do tumor resultando em um indivíduo pouco há disseminação hematogênica. A radioterapia
candidato à cirurgia; (4) preocupação pela é restrita para os estádios mais avançados,
morbidade na cirurgia, derramamento do tu- como os III e IV (TAKAMATU, 2006).
mor no intraoperatório e/ou ressecção residual
seguinte (PATER et al., 2020). Complicações
Na quimioterapia, as drogas de escolha As principais complicações cirúrgicas ob-
utilizadas são a Actinomicina D e a Vincris- servadas foram: a obstrução intestinal, hemor-
tina, nos estádios I (com indicação) e II du- ragia intensa, infecção da parede abdominal,
rante 18 semanas. A Doxorrubicina é incluída dano vascular e dano aos órgãos adjacentes
nos pacientes em estádios mais avançados, (TAKAMATU, 2006). A ocorrência das mes-
como nos III e IV, e nesses também será asso- mas depende da disseminação do tumor intra-
ciada à radioterapia (TAKAMATU, 2006). vascular para a veia cava inferior, átrio ou am-
Pacientes tratados de acordo com o proto- bos, além da abordagem em flancos ou para-
colo da COG tem um risco de derramamento mediana e dimensão do tumor maior do que 10
tumoral intra operatório de 10% e, assim que a cm de diâmetro. Todas as questões de pos-
ruptura da cápsula do tumor torna-se evidente, síveis complicações devem ser devidamente
tumores de estágio I e II passam a ser estágio abordadas com os pacientes e principalmente
III e deverá, também, ser providenciada a familiares no momento do diagnóstico do tu-
quimioterapia neoadjuvante (THEILEN et al., mor, especialmente no momento da decisão da
2022). melhor abordagem para o caso, levando em
consideração todos os fatores e exames já re-
Abordagem da SIOP latados anteriormente (TAKAMATU, 2006).
No protocolo descrito pela SIOP, a quimi-
oterapia foi incluída antes da nefrectomia no

81 | P á g i n a
CONCLUSÃO pia e/ou radioterapia dependendo do estadio do
tumor. No ato cirúrgico é necessário inspecio-
Deste modo, conclui-se que o nefroblas- nar a cavidade a fim de avaliar possíveis me-
toma é a neoplasia renal de maior incidência tástases para órgãos adjacentes, como o fígado,
na infância, afetando principalmente crianças linfonodo da região hilar e para aórtica e retro-
com menos de 5 anos. peritônio. Deve-se evitar a ruptura tumoral
As principais manifestações clínicas são durante o ato cirúrgico com o objetivo de evi-
hematúria e massa unilateral ou bilateral pal- tar disseminação e consequentemente aumen-
pável com crescimento insidioso e dor abdo- tar o risco de recidiva local. Nos casos de tu-
minal. Além disso, o tumor gera pressão sobre mores unilaterais a cirurgia preconizada é a
a artéria renal, podendo causar isquemia renal. nefrectomia total, já nos casos de acometi-
O diagnóstico costuma ser realizado até o mento bilateral preconiza-se a nefrectomia
terceiro ano de vida e é feito através de exa- parcial a fim de evitar a insuficiência renal. O
mes de imagem como ultrassom, tomografia transplante renal deve ser considerado sempre
computadorizada e ressonância magnética, que possível.
além de biópsia para confirmação. As principais complicações cirúrgicas ob-
Os tumores são classificados em risco servadas foram: a obstrução intestinal, hemor-
baixo, risco intermediário e risco alto depen- ragia intensa, infecção da parede abdominal,
dendo da sua histologia. dano vascular e dano aos órgãos adjacentes.
Os tipos de tumor com histologia favorável Deste modo torna-se necessário a indivi-
e, consequentemente, bom prognóstico são os dualização do tratamento levando em conta
tipos: blastematoso, estromal e o epitelial. O sempre as particularidades de cada paciente.
tipo histológico anaplástico tem histologia Deve ser considerado durante todo o trata-
desfavorável e como resultado um prognóstico mento e trabalho da equipe multidisciplinar
pior. colocando como prioridade a qualidade de
O tratamento normalmente envolve cirur- vida do paciente e o acolhimento de toda a
gia (nefrectomia total ou parcial), quimiotera- família do mesmo.

82 | P á g i n a
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83 | P á g i n a
Capítulo 12

INOVAÇÕES DAS CIRURGIAS


VÍDEO ASSISTIDAS: REDUÇÃO
DE TRAUMAS E MELHORAS DO
PROCESSO DE RECUPERAÇÃO
INGRID SOUZA DE OLIVEIRA1
GIOVANNA CRISTINA ROCHA MACHADO1
THAIS ALESSANDRA SCRUPH1
BEATRIZ SABADIN PEREIRA1
JESSICA PEREIRA FONSECA1
MARIANA VALADARES AGUADO OZAKI1
WANESSA LOPES ROSA1

1
Discente – Medicina na Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Cirurgia pediátrica; Cirurgia vídeo assistida; Cuidados pós-operatórios.

10.59290/978-65-81549-92-3.12 84 | P á g i n a
No entanto, há algumas desvantagens: alto
INTRODUÇÃO custo do material cirúrgico de dimensão redu-
A cirurgia vídeo assistido é atualmente zida (no caso de Cirurgia Pediátrica), pouca
uma tecnologia muito utilizada pela pratici- disponibilidade em hospitais públicos, dificul-
dade e facilidade de acesso cirúrgico. Antes de dade de liberação por convênios, maior técnica
seu surgimento, toda afecção que fosse neces- para manuseio dos instrumentos, maior preo-
sária uma abordagem cirúrgica era realizada cupação com sangramentos – visto que atra-
através da abertura da cavidade (torácica - to- palha a óptica conectada a câmera (VELHOTE
racotomia ou abdominal - laparotomia), secção et al., 2012.).
dos tecidos, afastamento de estruturas, tudo A cirurgia por vídeo está cada vez mais di-
isso com maior risco de hemorragia, infecções, fundida na pediatria, sendo muito usada para a
aderências e complicações pós-operatórias remoção de órgãos inflamados, como o apên-
(ESTEVES et al., 2001). dice. Porém, necessita de técnicas diferentes
O primeiro relato de laparoscopia ocorreu de preparo pré e pós-operatório, e da aprova-
em meados de 1900 e em 1938, foi descrita ção dos pais para realização e divulgação de
por Veress. Já o primeiro relatório de cirurgia resultados dos estudos (FIGUEIREDO, et al.,
robótica em crianças foi feito por Nissen após 2021).
cirurgia de fundoscopia em uma menina de 10 O objetivo deste trabalho é analisar o
anos. A partir disso, discussões sobre indica- avanço proporcionado pelas cirurgias videola-
ções em cirurgia por vídeo expandiram por paroscópicas desde seu surgimento. São em-
todo o mundo, consolidando o seu sucesso pregadas técnicas que possibilitem uma via de
(PANDYA & JACOBSON, 2023). acesso menos traumática para os tecidos, o que
Essa inovação traz benefícios aos pacien- resulta em mais benefícios para a saúde do
tes, pois causa menos agressão aos tecidos - paciente, com menos intercorrências no intra-
consequentemente menos dor no pós-operató- operatório e uma boa recuperação no pós-ope-
rio – até a redução do tempo de internação ratório (ESTEVES et al., 2001).
hospitalar e de infecção, além de um resultado
MÉTODO
estético melhor (VELHOTE et al., 2012).
Dentre os benefícios, o endoscópio robó- Trata-se de uma revisão integrativa reali-
tico promove visualização tridimensional, am- zada no período de março de 2023, por meio
pliando imagens de dez a quinze vezes, com de pesquisas nas bases de dados: PubMed,
aumento exponencial de profundidade e am- Scielo e BVsalud, ademais foi realizada uma
pliação, sendo superior às lentes ou endoscó- busca livre nas referências dos artigos encon-
pios tradicionais. Além de não ser necessária trados das plataformas de bases de dados. Os
assistência cirúrgica, o cirurgião consegue artigos foram pesquisados a partir de diferen-
manipular diversos braços robóticos, simu- tes combinações utilizando os descritores: Ci-
lando o movimento dos pulsos humanos com rurgia Pediátrica, Cirurgia Videoassistida, Ci-
sete graus de mobilização, o que evita fadiga rurgia Torácica, Cuidados pós-operatório, La-
muscular do médico e promove maior acesso a paroscopia. De acordo com essa busca, foram
anatomia diminuta em crianças e neonatos encontrados 34 artigos, subsequentemente
(PANDYA & JACOBSON, 2023). analisados aos critérios de seleção.

85 | P á g i n a
Esta emenda foi elaborada através de pes- possuíam algum tipo de comorbidade (VE-
quisas bibliográficas de natureza informativa e LHOTE et al., 2012).
descritiva com base em artigos científicos es- No caso do tratamento de crianças com va-
critos nos idiomas inglês, português e espa- ricocele por meio da videolaparoscopia. Foram
nhol. Logo, foram incluídos estes e aqueles estudados 238 pacientes menores que 20 anos,
publicados entre 2001 e 2023, com foco nas durante 15 anos que utilizaram a técnica de
publicações mais atuais (2022/2023). Os crité- laparoscopia apresentaram a resolução de
rios de exclusão utilizados foram: artigos du- 97,7% da patologia primária, os desfechos
plicados, aqueles que não retratavam direta- negativos observados foram hidrocele, ador-
mente as temáticas propostas para essa pes- mecimentos e parestesia dos músculos anterio-
quisa e os que não atendiam os demais crité- res, dor referida e aumento do testículo ipsila-
rios de inclusão. teral nos anos de seguimento. Foi provada que
Portanto, 9 artigos que se enquadraram a técnica é menos dolorosa, mais fácil e rápida
nesses viés foram compilados e serão apre- e com uma taxa de recidiva de apenas 1% dos
sentados neste texto. Os resultados foram casos (MÉNDEZ-GALLART et al., 2023).
apresentados de forma descritiva com base na Em relação à parte torácica, resultados
âncora teórica de: cirurgias vídeo assistidas, apontaram que para patologias advindo do
redução de traumas e melhora no processo de trato respiratórios inferior, tais como pneumo-
recuperação. nite necrosante em estado agudo, empiema
pleural e pneumonia complicada, comprova-
RESULTADOS E DISCUSSÃO ram-se eficazes na melhora clínico do paci-
A videocirurgia foi de fato uma revolução ente, repercutindo nas condições respiratórias
na cirurgia pediátrica, pois traz uma técnica de forma satisfatória em um tempo inferior ao
minimamente invasiva, assim, permitindo, de comparado. Além disso, com a utilização da
forma geral, mais atenção à estética, diminui- técnica vídeo assistida, foi possível também
ção dos traumas e tempo de recuperação pós- diagnosticar casos de tuberculose (VELHOTE
operatório e menores incisões (PANDYA & & VELHOTE, 2006).
JACOBSON, 2023). Ainda, é importante ressaltar a técnica de
Com a fácil aderência a técnica, a videoci- cirurgia bariátrica de forma não invasiva como
rurgia trouxe também a expansão da faixa etá- chave para o tratamento de obesidade infantil.
ria pediátrica que eram submetidas a procedi- Ademais, é importante ressaltar a importância
mentos cirúrgicos (VELHOTE et al., 2012). deste tema para a área pediátrica, visto que
Em casos de megaesôfago infantil, temos a evidências em casos comprovaram-se como
laparoscopia em primeira indicação, pois apre- um procedimento seguro, sem dor, com rápido
senta resultados de menor permanência hospi- retorno às atividades de vida diária (VE-
talar. LHOTE & VELHOTE, 2006).
Cirurgias como colecistectomia e apendi- Já em casos de estenose hipertrófica do
cectomia apresentaram melhores resultados piloro, estudos com 9752 casos comprovaram
sendo vídeo assistida, sendo eles um pós-ope- que a técnica com laparoscopia representou
ratório sem intercorrências e sem necessidade um menor tempo operatório, infecções super-
de uma nova operação incluindo crianças que ficiais do sítio cirúrgico, complicações gerais

86 | P á g i n a
mais raras e diminuição do tempo de interna- mentos em pediatria, contudo há uma ressalva
ção (PARIKH et al., 2023). em relação há recém nascidos pré termo de-
Com o desenvolvimento da medicina e o vido a seu baixo peso e estatura. Por fim, é
passar dos anos, as novas técnicas cirúrgicas importante ressaltar que são necessários novos
evoluíram também as cirurgias assistidas por estudos, assim como a qualificação de novos
robôs (auxiliadas), que representaram um profissionais na abordagem com a utilização
grande avanço nas tecnologias não invasivas, de RAS (SHEN & TOU, 2022).
como principal representante hoje tem o Da
Vinci Surgical System, e, no Brasil já temos CONCLUSÃO
equipamentos presentes no Hospital Oswaldo Deste modo, pode-se concluir que, as ci-
Cruz e Albert Einstein (SHEN & TOU, 2022). rurgias vídeo assistidas pediátricas trouxeram
Outros tipos de sistemas robóticos impor- uma grande revolução na área de cirurgia pe-
tante são: The Hugo Robotic, Telelap ALF-X diátrica, onde foi possível lidar com uma
Robot, para visualização da pequena e com- maior variedade de patologias de conduta ci-
plexa anatomia da criança e a visualização de rúrgica de forma rápida e minimamente inva-
imagens em 3D (SHEN & TOU, 2022). siva. Como em exemplo, casos citados de
Atualmente, a inclusão de tecnologias está apendicectomia, varicocele e colecistectomia,
se tornando primordial para cirurgias pediátri- em que houve comprovadamente um processo
cas de urologia, cardiologia e demais tipos de de recuperação melhor.
cirurgias. O avanço da cirurgia por vídeo é de fato o
Uma das grandes vantagens da utilização futuro da medicina, provando-se de extrema
da tecnologia robótica é a manipulação cirúr- importância na cirurgia pediátrica, pois graças
gica de instrumentos para procedimentos de a avanço e criação de máquinas e protocolos
forma menos invasiva e sem agravos (SHEN eficazes como o robô Da Vinci é possível que
& TOU, 2022). cirurgias de grau de complexidade elevado
Além disso, deve-se ressaltar a possibili- sejam feitas com maior precisão e menor nú-
dade de imagens 3D, facilitando a abordagem mero e tamanho de incisões. Por tanto o pós-
anatômica. operatório é menos doloroso, o tempo de in-
Em suma, a utilização de RAS (robot-as- ternação é menor e o número de traumas é
sisted surgery) se provou vantajosa em relação reduzido, de forma que dor e analgesia podem
à videolaparoscopia tradicional em procedi- ser evitados.

87 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ESTEVES E. et al. Aplicações da cirurgia videolapa- PARIKH R.M. et al., A Contemporary Review of Sur-
roscópica em crianças. Jornal de Pediatria (Rio de Ja- gical Approach and Outcomes in Pediatric Hypertrophic
neiro [Internet], v. 77, n. 5, p. 407, 2001. Pyloric Stenosis, Journal of Surgical Research, v.285, p.
142, ISSN 0022-4804, 2023.
FIGUEIREDO, B.Q. et al., Aplicações da cirurgia vide-
olaparoscópica em pacientes pediátricos: uma revisão SHEN L.T. & TOU J. Aplicação e perspectivas da ci-
sistemática de literatura, 2021. rurgia robótica em crianças: uma scoping review. Jornal
Mundial de Cirurgia Pediátrica, v.5, p. e000482, 2022.
MÉNDEZ-GALLART R. et al. 15 years' experience in
the single-port laparoscopic treatment of pediatric vari- VELHOTE M.C.P. et al. Videocirurgia na criança:
cocele with Ligasure® technology. Cirugía Pediatrica. estado da arte. Experiência com 1408 procedimentos no
English, Spanish, v.36, n. 1, p. 33, 2023. Instituto da Criança Pedro de Alcântara, 2012.

PANDYA, S & JACOBSON, J. Pediatric robotic sur- VELHOTE C.E.P. & VELHOTE M.C.P. O papel da
gery: An overview. Seminars in Pediatric Surgery, v.32, cirurgia torácica vídeo-assistida - CTVA - no tratamento
Issue 1, 151255, ISSN 1055-8586, 2023. da pneumonite necrosante na criança. Revista do Colé-
gio Brasileiro de Cirurgiões [Internet], v.33, n. 1, p. 11,
2006.

88 | P á g i n a
Capítulo 13

TONSILECTOMIA
PEDIÁTRICA: INDICAÇÕES E
COMPLICAÇÕES PÓS-
OPERATÓRIAS
BÁRBARA LACERDA REZENDE1
BEATRIZ GONÇALVES DOS SANTOS1
JÚLIA FERNANDA PIAIA1
LUIZA CINTRA DANTAS1
MARIA TEREZA BARBIERI FAGUNDES1
MARIA VICTORIA DE OLIVEIRA CORREA SILVA1
MILENA FERNANDEZ MEZEI1
REBECA MAIDA SABBAG BARBOSA1

1
Discente – Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Tonsilectomia; Indicações; Complicações.

10.59290/978-65-81549-92-3.13 89 | P á g i n a
de dor no pós-operatório e tem menor risco
INTRODUÇÃO hemorrágico. Logo, o manejo pré-operatório e
A tonsilectomia é um procedimento cirúr- pós-operatório são importantes para garantir a
gico que consiste na retirada parcial ou com- segurança, o bom resultado e o conforto da
pleta das tonsilas palatinas, popularmente co- criança em todo o processo (MARTINS et al.,
nhecidas como amígdalas. Sendo a cirurgia de 2022).
médio porte mais comumente realizada em Dessa forma, alguns cuidados são possí-
crianças, uma vez que nessa faixa etária pode veis para evitar as complicações pós-cirúrgi-
haver um aumento do volume das tonsilas ge- cas, todavia, nem sempre são suficientes e
rando hipertrofia. Este bloqueio pode vir a oferecem risco a vida do paciente. Dentre vá-
causar infecções frequentes, roncos noturnos, rias complicações, como dor, disfagia, náuseas
dificuldade alimentar, sonos agitados, hipóxia e vômitos que podem atingir grande magni-
crônica, entre outros (MARCONDES et al., tude, a complicação mais comum e preocu-
2017). pante na criança é a hemorragia pós-operatória
Os critérios estabelecidos para a realização que, se detectada, é necessário buscar atendi-
da tonsilectomia são: sete ou mais episódios de mento médico rapidamente (WIIKMANN et
tonsilites no último ano, cinco ou mais episó- al., 2004).
dios nos dois últimos anos, três ou mais episó- Portanto, esse capítulo tem o objetivo de
dios nos três últimos anos. Além disso, distúr- evidenciar, por meio das atualizações da lite-
bios ventilatórios obstrutivos (DVO) como ratura científica, as indicações e complicações
hiperplasia das tonsilas ou apneia obstrutiva do pós-operatórias das tonsilectomias em crian-
sono (SAOP), e abscesso das amígdalas tam- ças.
bém são causas frequentes para a realização da
MÉTODO
cirurgia (CARVALHO et al., 2013).
Deve-se ponderar o benefício da cirurgia e Trata-se de uma revisão integrativa, reali-
sua indicação em relação à evolução natural zada e finalizada em Março de 2023, por meio
deste diagnóstico, considerando-se a evolução de artigos em português e inglês com palavras
benigna e remissão espontânea com o aumento chave de procura, publicados nas bases de da-
da idade. Em geral, a decisão de realizar uma dos eletrônicos: Scientific Electronic Library
tonsilectomia em uma criança depende da gra- Online (SCIELO) e National Library of Medi-
vidade dos sintomas e da frequência das infec- cine (PUBMED).
ções. O médico avaliará o histórico médico da Desta busca foram encontrados 25 artigos,
criança (dados de anamnese/ exame físico) e posteriormente submetidos aos critérios de
realizará exames para determinar se a cirurgia seleção. Como critério de exclusão, foi usado:
é necessária (MARTINS et al., 2022). idade dos pacientes - usados apenas os que
A técnica cirúrgica mais utilizada nas ton- abrangiam a faixa etária abaixo dos 12 anos - e
silectomias é a extracapsular ou total, que con- o desvio do tema principal.
siste na remoção de todo o tecido linfóide, Após análise minuciosa restaram 4 artigos
inclusive da cápsula. Porém, com o aumento que foram submetidos à leitura detalhada para
do índice destas cirurgias, outra técnica que a coleta de dados. Também foi utilizado um
vem ganhando espaço é a intracapsular ou guideline de otorrinolaringologia pediátrica
parcial, uma vez que ela apresenta diminuição como base para auxílio. Os resultados foram
90 | P á g i n a
apresentados de forma descritiva, divididos em As análises e os estudos feitos a partir da
categorias temáticas abordando: indicações e observação minuciosa de 332 crianças subme-
complicações pós-operatórias. tidas à amigdalectomia no Hospital das Clíni-
cas (HC) da Faculdade de Medicina de Botu-
DISCUSSÃO E RESULTADOS catu (FMB) mostrou que 42% dos pacientes
As amigdalites de repetição e os distúrbios apresentavam infecções recorrentes das vias
respiratórios do sono, como por exemplo, a aéreas superiores (VAS), porém apenas 14%
hipopneia e a apneia, são as indicações mais dos pacientes não possuíam nenhum sintoma
comuns da amigdalectomia. Essas alterações de distúrbios ventilatórios obstrutivos (DVO)
acontecem devido ao crescimento excessivo e (CARVALHO et al., 2013).
patológico das tonsilas, causando uma suces- Em contrapartida, esses dados são discre-
são de eventos danosos para a qualidade de pantes com as análises de Van Den Akker.
vida do infante, como baixo desempenho es- Neste estudo, observou-se que das crianças
colar, atraso do crescimento e estresse (MAR- que possuíam indicação de tonsilectomia, ape-
TINS et al., 2022). nas 25% dessas mostraram sinais e sintomas
Os distúrbios ventilatórios obstrutivos de distúrbios ventilatórios obstrutivos (DVO).
(DVO) de vias aéreas superiores possuem in- Sendo assim, o que mais levava a realização
dicações cirúrgicas crescentes para a tonsilec- da cirurgia de retirada das tonsilas era: hiper-
tomia, uma vez que esse quadro clínico pode trofia tonsilar (42%), amigdalite de repetição
gerar diversas repercussões devido à hipertro- (40%) e baixa ingestão alimentar (28%)
fia das tonsilas, visto que estas serão responsá- (CARVALHO et al., 2013).
veis por diversos impactos negativos para a Em relação aos sinais e sintomas associa-
qualidade de vida da criança como o sono dos aos distúrbios ventilatórios obstrutivos
agitado, infecções de repetição, dificuldades (DVO) foram achados: roncos (86%), obstru-
de aprendizagem, irritação, enurese, e até ção nasal (82%), respiração bucal (86%), pro-
mesmo desordens cardiovasculares como cor vocando perturbações ou distúrbios do sono,
pulmonale (CARVALHO et al., 2013). descritos como sono agitado por 72% das cri-
Descobriu-se que a obstrução intermitente anças (CARVALHO et al., 2013).
das vias aéreas na Síndrome da Apneia Obs- A partir da classificação de Brodsky é pos-
trutiva do Sono (SAOS) causa um déficit de sível categorizar o nível de preenchimento das
crescimento nas crianças, pois os despertares tonsilas em suas fossas. Essa escala varia de 1
noturnos fragmentados são gerados por hiper- a 4, sendo os graus ou níveis 3 e 4 avaliados
capnia e hipóxia crônicas em decorrência do como obstrutivos e, por isso, necessitam de
quadro, levando a uma diminuição dos níveis avaliação mais minuciosa. Nesses graus mais
de hormônio do crescimento (GH), onde o avançados, a hipertrofia das amígdalas causa
mesmo é liberado na fase IV do sono NREM um bloqueio das vias aéreas superiores impos-
(CARVALHO et al., 2013). sibilitando a passagem de ar, sendo assim, uma
Quando não achados de maneira isolada, o causa considerável da Síndrome da Apneia
sono agitado e o ronco noturno precisam ser Obstrutiva do Sono (SAOS). Em suma, obser-
reconhecidos como sintomas de alta sensibili- vou-se que, quanto maior for o grau da tonsila
dade para os distúrbios ventilatórios obstruti- de acordo com o Brodsky, melhor será o re-
vos (DVO) (CARVALHO et al., 2013).
91 | P á g i n a
sultado após a tonsilectomia (MARTINS et al., ente com SAOS e seu exame físico (MAR-
2022). TINS et al., 2022).
A tonsilectomia na faixa pediátrica é res- De modo geral, a tonsilectomia é a cirurgia
trita a algumas indicações, sendo que as mais mais frequente na prática otorrinolaringológica
comuns englobam os distúrbios respiratórios diária, onde em tese são procedimentos segu-
do sono, como já citado anteriormente, con- ros e que não requerem internação prolongada.
juntamente aos critérios polissonográficos e Porém, apesar desse fato, as complicações que
amigdalites recorrentes. Para isso os pacientes constituem essa cirurgia podem oferecer risco
devem preencher os critérios de Paradise, de vida ao paciente e tem se mostrado cres-
sendo eles: 7 ou mais episódios de tonsilites no cente na última década, como nos casos de
último ano; 5 ou mais episódios nos últimos 2 hemorragia pós-operatória, conhecida como
anos; 3 ou mais episódios nos últimos 3 anos primária (as que ocorrem em um período me-
(MARTINS et al., 2022). nor que 24 horas) e secundária (as que ocor-
Acompanhado aos critérios devem ser do- rem em um período maior que 24 horas),
cumentadas odinofagia associada a um ou sendo a primária a mais frequente, ocorrendo
mais sinais, tais como temperatura > 38.3°C, entre 6 e 8 horas de pós-operatório na maioria
adenopatia cervical, exsudato tonsilar ou teste das vezes (WIIKMANN et al., 2004).
positivo para estreptococo B hemolítico do Dentre outras complicações pós-operató-
grupo A. Crianças com infecções periódicas, rias mais comuns, se destacam náuseas
especificamente as que possuem como diag- (20,3%), vômitos (1,57% - 33%), febre
nóstico a síndrome de febre periódica, esto- (5,52%), inabilidade para digerir alimentos
matite aftosa, faringite e adenite cervical sólidos ou líquidos, otalgia devido à disfunção
(PFAPA), mas que não atendem aos critérios tubária e dor (WIIKMANN et al., 2004).
também devem ser avaliadas de acordo com As repercussões das tonsilites de repetição
seus riscos e benefícios, que irão justificar ou como perda ou diminuição do apetite, dificul-
não a retirada cirúrgica das amígdalas. Além dade no crescimento para a idade e funcionali-
disso, diagnósticos como linfoma espinocelu- dade física prejudicada, explicam a necessi-
lar, carcinoma e abscesso peritonsilar devem dade da realização da cirurgia de retirada das
ser considerados para o tratamento cirúrgico amígdalas. Além desses transtornos, a própria
(MARTINS et al., 2022). inflamação causa sintomas incômodos, como
Como citado anteriormente, os distúrbios dificuldade na deglutição e/ou trânsito dos
respiratórios do sono, como a SAOS, são uma alimentos, febre e formação de pus no trato
das principais indicações para a tonsilectomia. digestivo alto (boca, faringe e esôfago). Esses
Porém, é importante ressaltar que a realização sintomas causam o uso recorrente de antibióti-
da Polissonografia (PSG) é necessária para cos e como consequência disso, a criança tem
fechar o diagnóstico. Assim, quando a PSG sua resistência bacteriana mais acentuada que
confirma a Síndrome da Apneia Obstrutiva do o normal, impedindo o uso de antibióticos em
Sono (SAOS), a cirurgia pode ser feita. Além tratamentos que exigem a utilização de antimi-
disso, a Polissonografia (PSG) é realizada em crobianos (MARTINS et al., 2022).
pacientes que não têm plena certeza acerca da Os pacientes candidatos à tonsilectomia se
realização da amigdalectomia e/ou quando há apresentam com a saúde mais debilitada em
discordância entre a história clínica do paci- comparação a crianças saudáveis da mesma

92 | P á g i n a
idade, além de possuírem mais faltas escolares. tubária e vômitos são alguns exemplos dos
Esses fatos respaldam a necessidade da reali- sintomas majoritários nos pacientes submeti-
zação das tonsilectomias, visto que elas influ- dos a tal técnica cirúrgica. Dentre as complica-
enciam de maneira expressiva na qualidade de ções, é ressaltada a hemorragia pós-operatória,
vida dessas crianças (MARTINS et al., 2022). sendo ela a complicação imediata mais rele-
vante e com maior risco de evoluir para um
CONCLUSÃO choque hemorrágico.
Ocupando um predominante espaço no Assim, torna-se como obrigação do mé-
mundo pediátrico, a tonsilectomia, quando dico a investigação dos critérios para indicação
bem indicada e em conforme os seus critérios à cirurgia, além do período mais oportuno para
de inclusão, possui a capacidade de beneficiar realizá-la, deixando evidente ao paciente e a
a qualidade de vida do indivíduo em questão. sua família que, apesar dos diversos benefícios
Seja ela realizada pela técnica extracapsular ou observados, ela não é isenta de riscos e com-
intracapsular, cada qual com seus riscos e be- plicações. Portanto, torna-se uma decisão mú-
nefícios, a técnica intracapsular se mostra pre- tua entre o paciente, a família e o médico que
ferível, visto que há a diminuição de sangra- presta tal serviço.
mento pós-procedimento. A apropriação adequada das técnicas ci-
No entanto, apesar de ser uma cirurgia re- rúrgicas ao paciente diminui os devidos riscos
alizada há décadas, independente da técnica de complicações, além de garantir um melhor
escolhida, ela não é isenta de riscos e compli- desfecho pós-operatório, melhorando a quali-
cações. A dor, disfagia, náuseas, disfunção dade de vida dos pacientes pediátricos.

93 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO, R.P. et al. Perfil Clínico de Crianças com MARTINS, S.M. et al. Tonsilectomia e adenoidectomia
Indicação da Cirurgia das Tonsilas em um Hospital na otorrinolaringologia pediátrica: uma revisão narra-
Terciário Universitário. Archives of Health Investiga- tiva. Revista Eletrônica Acervo Saúde, v. 15, n. 9, p.
tion, [S. l.], v. 2, n. 2, 2013. e10974, 2022.

MARCONDES, T.M.C. et al. Perfil das crianças sub- WIIKMANN, V. et al. Complicações pós-operatórias
metidas à amigdalectomia e/ou adenoidectomia em um em tonsilectomias. Revista Brasileira de Otorrinolarin-
hospital geral de Taubaté-SP. Revista Univap, [S. l.], v. gologia, v. 70, n. 4, p. 464, 2004.
22, n. 40, p. 286, 2017. Disponível em:
<10.18066/revistaunivap.v22i40.743>. Acesso em: 10
mar. 2023.

94 | P á g i n a
Capítulo 14

PNUEMOTÓRAX
ESPONTÂNEO RECENTE

ALINE DE OLIVEIRA MENCK PRUDÊNCIO1


CAROLINA MEDRADO GUIMARÃES SILVA1
ENZO RUBIM STREB1
FERNANDO HARAOUI SCAFF1
JÚLIA ASTOLFI DOS REIS1
JÚLIA MARCONDES BARBOZA1
LARISSA MADEIRA TOZI RODRIGUES1
MARCELLE NATALI RAMOS1
MARIANE MATTOS BRAGA1
MIKAELA PIENEGONDA BRANCO1
1
MIKAELA BRANCO1
Discente – Medicina na Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Pneumotórax; Tabagismo; Cirurgia.

10.59290/978-65-81549-92-3.14 95 | P á g i n a
MÉTODO
INTRODUÇÃO
Trata-se de uma revisão sistemática, utili-
O pneumotórax é uma patologia clinica-
zando publicações científicas nos idiomas
mente recorrente, sendo definida de acordo
português e inglês, com base nas plataformas
com sua etiologia em espontâneo (primário ou
Scientific Electronic Library Online (SciELO),
secundário) e adquirido (traumático ou iatro-
National Library of Medicine (PUBMED) e
gênico) ou de acordo com sua fisiopatologia
Google Academy. Os descritores utilizados
(aberto ou fechado), com gravidade relativa à
foram: ―pneumotórax espontâneo recente‖ e
paciente. Sua definição relaciona-se com a
―intervenção cir rgica".
presença de ar acumulado no espaço pleural, o
Como critérios de inclusão, optou-se pela
que requer imediatismo de cuidados por apre-
escolha de artigos publicados nos últimos 7
sentar risco à vida (HALLIFAX & JANSSEN,
anos, excluindo aqueles datados em anos ante-
2019).
riores, e não pertinentes à temática escolhida.
O capítulo abordará com foco a primeira
definição etiológica tratada acima, sendo o RESULTADOS E DISCUSSÃO
pneumotórax espontâneo. O subtipo primário
(PSP) é resultado da ruptura de bolhas ou bo- Fisiopatologia do pneumotórax espontâneo
A fisiopatologia do pneumotórax espontâ-
lhas subpleurais sem a instalação de doença
neo pode ser explicada com a descrição das
pulmonar clinicamente aparente, já o subtipo
lesões enfisematosas, denominadas bleb ou
secundário (PES) se desenvolve como conse-
bulla, e subdividida em 3 tipos: tipo 1, pe-
quência de uma doença pulmonar focal ou
quena quantidade de tecido pulmonar hiperin-
difusa do parênquima pulmonar já instalada
suflado com base estreita e sem parênquima
previamente no paciente (LYRA, 2016;
pulmonar no interior; tipo 2, hiperinsuflação
NAVA & WALKER, 2022).
relativamente menor com base larga; e tipo 3,
Em relação ao manejo de cuidados para o
hiperinsuflação de uma grande porção do pul-
pneumotórax espontâneo, não foi definida uma
mão estendendo-se até o hilo pulmonar sem
estratégia ideal, contudo, há a evidência oti-
bolha definida e com parênquima evanescente
mista no manejo utilizando a aspiração com
em toda bolha.
agulha fina e inserção de dreno torácico, prin-
O enfisema é definido pelo aumento irre-
cipalmente na conduta inicial do pneumotórax
versível dos espaços aéreos, e dividido em
espontâneo primário, embora pacientes com
subtipos como enfisema centroacinar ou cen-
pneumotórax espontâneo secundário também
trolobular, que é a forma mais comum em ta-
possam se beneficiar (DEMAIO & SEMAAN,
bagistas e tem maior gravidade, pois está asso-
2021).
ciado a doenças subjacentes, e caracterizado
Havendo isso, o objetivo do capítulo é
pela destruição das paredes centrolobulares
abordar alguns tópicos da patologia sobre o
dos alvéolos e alargamento dos brônquios;
tema pneumotórax espontâneo recente, onde
enfisema panacinar ou panlobular, que aco-
apresentará a fisiopatologia, a conduta ideal
mete todo ácino; enfisema acinar distal ou
para tratamento, os requisitos de indicação
parasseptal, que se localiza distalmente, prin-
cirúrgica, e mostrará a correlação entre pneu-
cipalmente nos contornos dos lobos pulmona-
motórax e tabagismo.
res.

96 | P á g i n a
A bula, ou bolha, é uma lesão enfisematosa Nesse aspecto, diversos fatores podem estar
de mais de 1 cm, podendo chegar até vários associados ao seu desenvolvimento, incluindo
centímetros de diâmetro, que é bem delimitada o tabagismo, sendo destacado também em
e de parede fina. O enfisema bolhoso consiste Lyra (2016), que em uma revisão de estudos, a
em várias bolhas coalescentes, e a destruição prevalência de tabagismo entre pacientes com
do parênquima normalmente está associada a pneumotórax primário variou de 68% a 94%.
outros sinais de enfisema pulmonar, dos tipos De acordo com Tsai et al. (2022), pacien-
centrolobular ou parasseptal. A fisiopatologia tes com pneumotórax espontâneo primário
consiste no adelgaçamento da estrutura, pro- geralmente apresentam um histórico de taba-
movido pela menor tensão superficial de sua gismo significativo, enquanto o estudo de
parede, mas a patogênese ainda é discutível Wong et al. (2019) sugere que os fumantes
(LYRA, 2016). têm um risco 22 vezes maior de desenvolver
pneumotórax do que os não fumantes.
Figura 14.1 (C) Exemplo de vesícula enfisematosa O pneumotórax espontâneo primário é
subpleural (bleb). (E): Exemplo de bolha
mais comum em homens jovens, magros e
fumantes, com uma idade média de 20 a 40
anos (PLOJOUX et al., 2019) e acredita-se
que o tabagismo provoque danos às paredes
dos alvéolos pulmonares, o que pode levar à
ruptura e ao vazamento de ar para a cavidade
pleural (HALLIFAX & JANSSEN, 2019).
Além disso, o tabagismo também pode
promover um agravamento do pneumotórax
Fonte: LYRA, 2016. espontâneo e aumentar o risco de complica-
ções, como a recorrência. NAVA e WALKER
Figura 14.2 Fragmento de pulmão ressecado evidenci- (2022) relatam que os pacientes que continuam
ando as bolhas enfisematosas subpleurais
a fumar após um pneumotórax espontâneo
primário têm um risco maior de recorrência do
que aqueles que param de fumar.
Em resumo, o tabagismo é um fator de
risco bem estabelecido para o desenvolvi-
mento de pneumotórax espontâneo primário e
pode aumentar o risco de complicações e re-
corrência. Finalmente, é importante que os
pacientes que sofrem de pneumotórax espon-
Fonte: LYRA, 2016.
tâneo sejam aconselhados a parar de fumar, a
fim de reduzir o risco de recorrência e outras
Correlações entre o pneumotórax e o
complicações.
tabagismo
Segundo Lyra (2016), estima-se que a pre-
valência do pneumotórax espontâneo primário, Indicação Cirúrgica
ou seja, sem uma causa aparente, varia de 7,4 a De acordo com o estudo de HALLIFAX e
18 casos por 100.000 habitantes por ano. JANSSEN (2019), as diretrizes atuais para o

97 | P á g i n a
tratamento do pneumotórax espontâneo são ciclina. Essas técnicas podem ser realizadas
baseadas em evidências limitadas, e há uma por toracotomia, toracoscopia simples ou ci-
necessidade de novas diretrizes baseadas em rurgia torácica vídeo-assistida. Uma alterna-
evidências mais robustas. No entanto, algumas tiva é a pleurectomia parietal, que promove
indicações cirúrgicas comuns para o pneumo- uma aderência definitiva entre a pleura visce-
tórax espontâneo são descritas na literatura, tal ral e a parede torácica.
como: primeiro episódio com pulmão não ex- A combinação dessas técnicas é a medida
pandido/encarcerado após a drenagem fe- preferencial para evitar recorrências, pois há
chada, segundo episódio com fuga aérea per- uma obstrução do espaço pleural, impedindo o
sistente por mais de 5-7 dias, pneumotórax reacúmulo de ar.
bilateral, história prévia de pneumotórax con- No entanto, é importante salientar que cada
tralateral, profissão de risco, distância do cen- caso deve ser avaliado individualmente, le-
tro médico, primeiro episódio em pulmão vando em consideração a gravidade da condi-
único, primeiro episódio em paciente com ção, o histórico médico do paciente e outros
comprometimento funcional pulmonar grave, fatores relevantes. O estudo de DeMaio e Se-
presença de bolhas de enfisema e coexistência maan (2021) destaca que a abordagem cirúr-
de hemotórax de médio/grande volume. gica pode não ser necessária em todos os casos
O estudo de Wong et al. (2019) destaca de pneumotórax, e que a decisão de realizar a
que pacientes com pneumotórax espontâneo cirurgia deve ser individualizada para cada
recorrente, ou com pneumotórax bilateral, po- paciente.
dem se beneficiar da cirurgia. Além disso, o Em conclusão, embora haja algumas indi-
estudo de Cardillo et al. (2016) demonstrou cações cirúrgicas bem estabelecidas para o
que a videotoracoscopia é uma opção segura e pneumotórax espontâneo, é importante avaliar
eficaz para a prevenção de recorrência do cada caso individualmente e levar em conside-
pneumotórax primário. ração a gravidade da condição, o histórico mé-
Para tanto, o tratamento definitivo para dico do paciente e outros fatores relevantes.
pneumotórax consiste em remover as bolhas Novas diretrizes baseadas em evidências mais
subpleurais (blebs) e bolhas de enfisema (bul- robustas podem ajudar a orientar o manejo
lae) através de ressecção, sutura pulmonar desta condição no futuro.
e/ou segmentectomia, seguido de pleurodese
ou pleurectomia parietal. As técnicas utilizadas CONCLUSÃO
para a ressecção incluem ligadura simples, Após a análise dos artigos utilizados para
ligadura tipo "endoloop", endogrampeador elaboração do presente capítulo, conclui-se
linear cortante e ressecção com laser ou bisturi que o Pneumotórax Espontâneo requer cuida-
elétrico, embora os resultados destas últimas dos imediatos, considerando-se que apresenta
sejam controversos. risco à vida quando não diagnosticado e tra-
A pleurodese visa promover a aderência tado rapidamente de forma eficaz. Evidencia-
entre o pulmão e a pleura parietal, podendo ser se bom prognóstico no manejo utilizando a
realizada por meio de meios físicos, como aspiração com agulha fina e inserção de dreno
abrasão pleural, gaze seca ou tela de marlex, torácico no paciente, tanto nas apresentações
bisturi elétrico ou bisturi de argônio, ou quími- primárias quanto secundárias.
cos, como o talco estéril sem asbesto e a tetra-

98 | P á g i n a
O diagnóstico do Pneumotórax depende de tologias secundárias como Infecções Pulmona-
uma boa anamnese por parte do profissional da res e Insuficiência Respiratória Aguda e pa-
saúde, triando pacientes compatíveis com dor drão recidivante de episódios de Pneumotórax.
torácica ventilatório dependente com localiza- Ademais a história de tabagismo, indivíduos
ção no hemitórax acometido, irradiação frê- longíneos com diâmetro antero-posterior do
nica, dispnéia, tosse seca de importância, di- tórax reduzido, sexo masculino e faixa etária
minuição ou abolição de MV, frêmito tóraco de 20 aos 30 anos são fatores de risco em co-
vocal no hemitórax acometido e timpanismo à mum entre os pesquisadores para desenvolvi-
percussão. Já no que tange os achados de ima- mento do Pneumotórax espontâneo. Conclui-
gem, analisam-se nos artigos importante a in- se que o cessamento do tabagismo como MEV
vestigação radiografia torácica postero-ante- tem importância para menor recidiva da pato-
rior e perfil. logia.
Apesar de o tratamento ser invasivo, ele
evita a progressão do desenvolvimento de pa-

99 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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n. 3, p. 222, 2016.

100 | P á g i n a
Capítulo 15

RECONSTRUÇÃO DE MAMA

VANESSA PIZZINO DE LUCA1


FERNANDA BASTIANELLO JUNIOR1
PEDRO MELHEM SALEMI1
CAROLINA DE BARROS COKKINOS KEPPLER SILVA1
BEATRIZ THOMÉ BARBOSA1
RAYSSA NAVARRO DE SOUZA1
NATÁLIA CERQUEIRA TAPIAS1

1
Discente – Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Mastectomia; Reconstrução de mama; Breast reconstruction.

10.59290/978-65-81549-92-3.15 101 | P á g i n a
de mama para uma sobrevivente de câncer de
INTRODUÇÃO mama, com o melhor resultado estético possí-
As pacientes que irão ser submetidas à te- vel. As mulheres diagnosticadas com câncer
rapia ablativa da mama geralmente são abor- de mama ou portadoras do gene do câncer de
dadas com uma variedade de decisões em rela- mama durante seu tratamento são abordadas
ção a sua reconstrução mamária, estas que com muitas decisões complexas e difíceis de
incluem: o tipo de mastectomia (podendo esta fazer. A primeira e a mais importante é a de
ser parcial, total, com preservação da pele e/ou que o câncer precisa ser completamente erra-
preservação da aréola do mamilo, o tipo de dicado para garantir uma sobrevida livre de
reconstrução (com ou sem prótese, autóloga, câncer. O tema de reconstrução mamária após
oncoplástica, entre outras) e a necessidade de mastectomia total ou parcial é de extrema im-
terapia adjuvante (quimioterapia ou radiação). portância e é geralmente é abordado pelo mé-
Os parâmetros para a escolha de cada método dico em algum momento após o diagnóstico
são multifatoriais e requerem reflexão e acon- inicial para o planejamento terapêutico. Para
selhamento significativos por uma equipe alguns pacientes, a decisão de prosseguir com
multiprofissional. As opções terapêuticas são a reconstrução mamária é direta e sem questi-
individualizadas de acordo com cada caso e onamentos; no entanto, para outras é compli-
dependem de uma variedade de fatores, como cada e requer uma reflexão e pesquisa signifi-
tamanho e localização tumoral, comprometi- cativas. Existem diversos fatores que influen-
mento de linfonodos, presença de comorbida- ciam na decisão de prosseguir com a recons-
des, expectativas da paciente e características trução, que incluem o estágio que o câncer de
corporais individuais. O papel da cirurgia re- mama se encontra, a necessidade ou não de
construtiva é essencial para um bom resultado terapias adjuvantes, bem como o estado físico
e um componente integral do cuidado multi- e mental da paciente (NAHABEDIAN, 2015).
disciplinar da paciente e é diretamente influen- As mulheres que são diagnosticadas com
ciado pelas opiniões e recomendações de on- câncer de mama normalmente optam pela con-
cologistas cirúrgicos, médicos e radioterapeu- servação das mamas, um tratamento que en-
tas (NAHABEDIAN, 2015). volve a tumorectomia e radioterapia. Geral-
Para a maioria das mulheres, a mama re- mente em casos de tumores pequenos e não
presenta muitas coisas em suas vidas, como associados a uma mutação genética, estes são
um símbolo de feminilidade, autoestima e au- mais comumente tratados com tumorectomia,
toimagem. O diagnóstico de câncer de mama seguido por biópsia do linfonodo sentinela e
pode ser uma ameaça significativa a todos radiação. A cirurgia reconstrutiva geralmente
esses fatores e a possibilidade de perder uma não é necessária nestes casos em específico. A
mama pode resultar em depressão, isolamento, cirurgia de mastectomia pode vir a ser neces-
entre outras consequências que irão impactar sária quando há a presença de um tumor
gravemente em sua qualidade de vida. A mis- grande em relação ao tamanho da mama, em
são primordial da cirurgia reconstrutiva não é múltiplas áreas da mama ou ainda quando op-
apenas restaurar a mama de uma mulher, mas tado por preferência da paciente (FISHER et
também objetivar minimizar o impacto psico- al., 2002; VERONESI et al., 2002).
lógico desse terrível diagnóstico e facilitar esta A cirurgia de reconstrução da mama pode
dolorosa transição de uma paciente com câncer ser realizada imediatamente após a mastecto-

102 | P á g i n a
mia ou tardiamente dentre um período que minados de retalho ou reconstrução autóloga
pode variar de meses a anos. Alguns pacientes (NAHABEDIAN & SCHWARTZ, 2008).
optam por não realizar a reconstrução, por uma Através de muita engenhosidade e inovação,
variedade de razões que incluem relutância em os cirurgiões plásticos projetaram ao longo dos
realizar uma cirurgia adicional, medo da recor- anos uma variedade de retalhos que estão atu-
rência do tumor, fatores culturais, falta de dis- almente em uso, com o intuito de minimizar as
ponibilidade de cirurgia plástica ou sensação morbidades do local doador, além de objetivar
de que a reconstrução não é necessária. As manter uma alta qualidade estética. A compo-
cirurgias reconstrutoras de mama podem ser sição dos retalhos pode incluir diversos teci-
divididas em dois tipos, as protéticas e as au- dos, como pele, gordura e músculo. Os reta-
tólogas (NAHABEDIAN, 2009; ZHONG et lhos que possuem em sua composição apenas
al., 2013). pele e gordura são geralmente referidos como
A reconstrução protética consiste em um retalhos perfurantes, como por exemplo, o
procedimento operatório mais simples e é as- perfurante da epigástrica inferior profunda
sociado a uma recuperação pós-operatória (DIEP), o perfurante da artéria glútea superior
mais curta. Por outro lado, os dispositivos (SGAP). Já os retalhos que incluem pele, gor-
protéticos não duram para sempre e, em algum dura e músculo, estes são referidos como re-
momento, poderão precisar ser removidos ou talhos musculocutâneos (por exemplo, TRAM,
substituídos por outra prótese. A reconstrução LD). Os retalhos musculocutâneos e perfuran-
autóloga é um procedimento mais complexo, e tes são geralmente derivados de praticamente
possui um período de recuperação mais longo. todos os territórios do corpo, como do ab-
A vantagem da reconstrução autóloga é que, dome, tórax posterior e lateral, região glútea,
quando bem sucedida, irá durar para sempre e bem como a coxa medial e posterior. Alguns
não precisará de novas intervenções cirúrgicas desses retalhos são robustos e extensos, po-
(NAHABEDIAN, 2015). dendo fornecer grandes volumes de material
A reconstrução mamária através de dispo- para a reconstrução total da mama, enquanto
sitivos protéticos é a opção mais utilizada nos que outros são menos volumosos, mas ideais
EUA e realizada em quase 80% dos casos. para defeitos mamários parciais. Dada à exis-
Existem dois métodos aceitos pelos quais essa tência de uma diversidade de características
cirurgia é realizada, que inclui a opção da rea- dos possíveis flaps e os vários locais potenci-
lização em um estágio, também conhecida almente doadores, a capacidade de avaliar e
como direto ao implante, na qual um implante selecionar adequadamente os pacientes para
permanente é inserido imediatamente após a reconstrução autóloga é de extrema importân-
mastectomia ou a opção da realização em dois cia. Isso envolve a avaliação do corpo de
estágios, na qual um expansor de tecido é inse- forma geral da paciente, volume das mamas e
rido para primeiro esticar ou preservar a pele considerações sobre o local doador. As indica-
pós-mastectomia, seguida por um implante ções para a realização da reconstrução autó-
permanente colocado vários meses depois da loga são variáveis e incluem as mulheres que
primeira cirurgia (COLWELL et al., 2011). não desejam reconstrução protética, aquelas
O outro principal método de reconstrução que possuem uma quantidade suficiente de
mamária após a mastectomia é pela utilização tecido proveniente do local doador, pacientes
tecidos da própria mulher, comumente deno- que obtiveram falha na reconstrução protética

103 | P á g i n a
anterior ou realizaram radiação prévia na dia da cirurgia. Antibióticos pré-operatórios
mama ou na parede torácica (NAHABEDIAN, são indicados para pacientes submetidas à
2015). mastectomia, com ou sem cirurgia ou recons-
O objetivo deste estudo foi realizar uma trução axilar, para reduzir o risco de infecção
revisão bibliográfica sobre o panorama atual do sítio cirúrgico (GOETHALS, 2022).
das técnicas disponíveis mais utilizadas na A posição do paciente é em decúbito dor-
reconstrução mamária, seus principais resulta- sal na sala de cirurgia, e a mama, a parede to-
dos estéticos, funcionais e sua correlação com rácica, a axila e o braço são expostos após a
o impacto na qualidade de vida das pacientes indução da anestesia. Muitos cirurgiões podem
submetidas à cirurgia reconstrutiva de mamas. incluir a mama contralateral no campo opera-
tório preparado. O campo é preparado de
MÉTODO forma estéril com um agente para diminuir a
Trata-se de uma revisão sistemática reali- presença da flora da pele e reduzir os riscos de
zada no período de março de 2023, por meio infecção do sítio cirúrgico. Os preparados de
de pesquisas nas bases de dados: PubMed e pele à base de álcool, como o gluconato de
Scielo. Foram usados os descritores: recons- clorexidina, são agentes comumente escolhi-
trução de mama, mastectomia, TRM. Desta dos para a antissepsia cirúrgica (GOETHALS,
busca foram encontrados 21.548 artigos, pos- 2022).
teriormente submetidos aos critérios de sele- A reconstrução mamária é parte integral do
ção. tratamento do câncer de mama. Existem inú-
Os critérios de inclusão foram: artigos nos meras técnicas disponíveis para reconstrução
idiomas português e inglês; publicados no pe- mamária e a escolha da melhor técnica é influ-
ríodo de 2000 a 2023 e que abordavam as te- enciada por diversos fatores relacionados ao
máticas propostas para esta pesquisa, estudos tratamento oncológico como: o estadiamento,
disponibilizados na íntegra. Os critérios de a necessidade de radioterapia, o tipo de mas-
exclusão foram: artigos duplicados, disponibi- tectomia, a lateralidade (se unilateral ou bilate-
lizados na forma de resumo e que não aborda- ral); relacionados à paciente: IMC, comorbi-
vam diretamente a temática. dades, presença de áreas doadoras para re-
Após os critérios de seleção restaram 20 construção autóloga, preferência, expectativa
artigos que foram submetidos à leitura minuci- em relação ao resultado e estilo de vida. A
osa para a coleta de dados. Os resultados fo- seleção da técnica a ser utilizada deve ser es-
ram apresentados em de forma descritiva, di- pecífica para a paciente em questão e de
vididos em categorias temáticas abordando: acordo com a experiência do cirurgião plástico
mastectomia, reconstrução autóloga e recons- (COSAC, et al., 2023).
trução aloplástica. As técnicas de reconstrução de mama
evoluíram de forma significativa nos últimos
RESULTADOS E DISCUSSÃO 20 anos, com o intuito de proporcionar melho-
res resultados às pacientes, criando um resul-
Mastectomia
tado simétrico com maior naturalidade nas
A mastectomia é tipicamente um procedi-
mamas (DELLACROCE & WOLFE, 2013).
mento eletivo, e os pacientes geralmente se
A cirurgia inicia-se com a mastectomia. A
apresentam ao hospital ou centro cirúrgico no
mastectomia é um procedimento cirúrgico que

104 | P á g i n a
envolve a remoção total ou parcial da mama. possível, o centro do tumor. A linfadenectomia
O termo se origina da palavra grega mastos, axilar é obrigatória neste tipo de cirurgia. A
que significa ―seio de mulher‖, e do termo glândula mamária é separada da pele ao cortar
latino ectomia, que significa ―excisão de‖. A os ligamentos de Cooper, que se estendem da
mastectomia classifica-se em simples, dupla, zona mamária até a pele.
radical modificada e radical. Outras variações Havia uma discussão academia quanto à
na terminologia ou técnica incluem mastecto- quantidade de linfonodos a serem excisiona-
mia poupadora de pele e mastectomia aréolo- dos, porém com o avanço dos métodos diag-
papilar, que são técnicas que geralmente nósticos o método do linfonodo sentinela foi
acompanham a reconstrução da mama (GO- criado. O método consiste em detectar o pri-
ETHALS, 2022). Ela é realizada pela retirada meiro linfonodo a ser drenado da origem do
de uma ou das duas mamas da paciente. A sua câncer e pode predizer o estado da axila, po-
realização ocorre quando a quimioterapia e a dendo evitar o esvaziamento em pacientes sem
radioterapia não possuem mais eficácia no metástase (PLESCA et al., 2016).
tratamento (BRANDÃO et al., 2022).
O tipo de mastectomia realizada no paci- Mastectomia radical
ente influência de forma direta no resultado da A mastectomia radical é a prática mais uti-
reconstrução e da estética. O resultado da natu- lizada como forma de tratamento para o câncer
ralidade da mama está na localização da inci- de mama, e é uma cirurgia que causa grande
são e a porção da pele e, também, da preserva- impacto na vida da maioria das mulheres que
ção do complexo mamilo-areolar. Existem são submetidas a esse procedimento. Esse tipo
diversos tipos de mastectomia, são elas: Mas- de mastectomia é realizado através da retirada
tectomia radical modificada; Mastectomia ra- da mama, pele e complexo aréolo-papilar, e é
dical; Mastectomia dupla; Mastectomia pou- indicado em casos mais avançados do câncer
padora de pele; Mastectomia conservadora do de mama, por exemplo. Em alguns casos mais
mamilo; Reconstrução autóloga, Reconstrução complexos da doença, em que há disseminação
aloplástica; Estágio único, reconstrução direta do câncer ou até acometimento dos linfonodos,
ao implante; Reconstrução aloplástica de dois é necessária a retirada de mama, músculo pei-
estágios, expansor-implante; Matrizes dérmi- toral maior e menor, ou seja, é realizado um
cas acelulares alogênicas; Matrizes dérmicas esvaziamento da região axilar de forma radi-
acelulares xenogênicas; e Malha sintética cal. Em algumas mulheres, após as técnicas da
(DELLACROCE & WOLFE, 2013). cirurgia de mastectomia, os médicos realizam
uma reconstrução, para que o aspecto estético
Mastectomia radical modificada fique melhor e ajude nos processos psicológi-
A mastectomia radical modificada é mais cos da forma mais natural possível (PEREIRA
comumente usada em tumores multicêntricos, et al., 2019).
ou tumores extensos (doença localmente avan-
çada). Nesta técnica, ambos os músculos peito- Mastectomia dupla
rais menor e maior são preservados no proce- A mastectomia dupla, também conhecida
dimento. A cirurgia consiste em uma incisão como bilateral, é uma cirurgia em que a téc-
de forma elíptica entorno do seio e incluo o nica é realizada da mesma forma nas duas
complexo areolar, tendo como referência, se mamas. Esse tipo de mastectomia é indicado

105 | P á g i n a
para mulheres com alto risco de desenvolver rais, verticais e inframamárias são mais segu-
um câncer através de uma metástase em uma ras do que incisões periareolares para preser-
das mamas, ou seja, a mulher que já apresenta var o suprimento de sangue mamilar. A maio-
uma neoplasia em uma das mamas tem um ria dos estudos mostra que as incisões ao redor
risco maior de apresentar um câncer secundá- ou através do CAP aumentam as taxas de ne-
rio na outra mama. Dessa forma, a técnica bi- crose do mamilo (HIEKEN et al., 2016). O
lateral, acaba prevenindo a ocorrência de pro- principal suprimento sanguíneo para o com-
blemas maiores no futuro (PEREIRA et al., plexo aréolo- papilar (CAP) vem de ramos dos
2019). vasos mamários internos e torácicos laterais.
Após a MCM, o suprimento sanguíneo para o
Mastectomia poupadora de pele CAP é dependente do plexo subdérmico que
Na mastectomia poupadora de pele, como forma uma rede anastomótica ao redor da aré-
o nome já diz, o cirurgião preza por manter o ola. Uma incisão periareolar interrompe esse
máximo de pele possível na mama. Esse tipo suprimento de sangue.
de cirurgia é indicado para mulheres com tu- Com isso, dentre as preocupações com
mores menores que estejam em um estágio MCM podemos citar as oncológicas e cirúrgi-
inicial, ou seja, a doença ainda não chegou a cas. A principal preocupação cirúrgica é a ne-
acometer a pele e o mamilo, podendo ser pre- crose mamilar por comprometer a vasculariza-
servados durante o procedimento cirúrgico. O ção e causar isquemia durante a remoção do
benefício dessa técnica são os resultados esté- tecido glandular e ductal.
ticos e funcionais da mama (PEREIRA et al., Pacientes com maior risco de necrose ma-
2019). milar ou areolar pós-operatória incluem paci-
entes mais velhas, pacientes com índice de
Mastectomia conservadora do mamilo massa corporal (IMC) maior que 30, pacientes
A mastectomia conservadora do mamilo com mamas grandes ou ptose, radiação prévia
(MCM) é uma opção de técnica cirúrgica que da parede torácica ou mastopexia de redução
visa melhorar a satisfação do paciente com o ou aumento mamário anterior (DENT et al.,
resultado estético. Ela pode ser utilizada para 2014; HIEKEN et al., 2016). O diabetes tam-
diminuir os distúrbios da imagem corporal, bém é um fator de risco devido à má perfusão
preservando a pele da mulher e o complexo tecidual (DENT et al., 2014).
areolar (PARKS, 2021). Em relação aos bene- Depois da mastectomia, o cirurgião inicia a
fícios psicológicos, as mulheres submetidas à reconstrução mamária. A utilização da melhor
MCM afirmaram que se sentiam menos muti- técnica na paciente envolve diversos fatores,
ladas, tinham uma aparência mais natural e como o tipo de pele, a vascularização, a quan-
tinham maior bem-estar sexual do que as mu- tidade de tecido, o tipo da mastectomia feita e
lheres sem NSM (DENT et al., 2014; LONG, etc. Essas técnicas são divididas em autóloga e
2013; WEI et al., 2016). aloplástica, podendo ser imediata ou tardia.
É importante ressaltar que a extensão do Além disso, elas podem ser realizadas de
tecido mamário ressecado na MCM é a mesma forma única ou em dois estágios. Cerca de 50 a
de uma mastectomia total (HIEKEN et al., 66% das pacientes que submetem a mastecto-
2016). Em relação às incisões, a maioria dos mia realizam a técnica de reconstrução alo-
cirurgiões concorda que incisões radiais, late- plástica (CABALAG, 2016).

106 | P á g i n a
nos efeitos após radioterapia, independente-
Reconstrução autóloga mente de ter sido feita antes ou após a recons-
A reconstrução mamária com tecido autó- trução (MÉLEGA et al., 2011).
logo consiste em retirar tecidos, como pele, As desvantagens são: ser uma técnica ci-
gordura e músculo de uma região do corpo rúrgica mais avançada, requerendo do cirur-
reconstruir, com os tecidos, a mama. O método gião mais experiência, uma adversidade da
possui baixa morbidade, além de ser funda- radioterapia e seu efeito estético na técnica é a
mentado e seguro e com resultados estéticos possibilidade de liponecrose no retalho, po-
favoráveis (DARODA et al., 2015). dendo ser confundida por recidiva do tumor ou
Há diferentes regiões em que os retalhos ainda mascará-la (DARODA et al., 2015).
podem ser retirados. Entre eles o TRAM, ou Os resultados desta abordagem ao ser
retalho do músculo transverso abdominal, que comparada com outras, tendem a ter menor
é muito semelhante ao tecido mamário, este mudança com o passar do tempo, sem a neces-
retalho pode ser livre ou pediculado. O retalho sidade de revisões periódicas (DARODA et
TRAM pediculado consiste em manter a vas- al., 2015).
cularização na área de origem, ligando os va-
sos epigástricos inferiores profundos, são utili- Reconstrução aloplástica
zados os músculos reto abdominais e ele- A reconstrução Aloplástica é a técnica
vando-os, é de extrema importância preservar mais utilizada em uma cirurgia mamária ime-
a aponeurose do músculo reto abdominal, já diata. Isso ocorre devido às diversas vantagens
que este permite um fechamento da parede que essa técnica possui como a melhora do
com menor tensão. TRAM livre utiliza pe- posicionamento do implante com uma defini-
quena porção do músculo reto inferior, no ção dos sulcos mamários infra e loterias, dimi-
músculo, passam as artérias perfurantes, na nuição de casos com migração do implante ou
técnica, não há necessidade de utilizar todo o expansor, reconstrução com expansor de te-
músculo inferior, poupando-o, além de não cido em menor tempo, reconstrução imediata
utilizar o DIEP (retalho baseado na artéria do implante com maior facilidade, melhores
perfurante epigástrica profunda), com isso, não taxas de contratura capsular, implante de más-
há perda funcional de músculo ou aponeurose, cara ondulação adicionando uma camada entre
deve-se ater atento há possibilidade de eventu- a prótese e a pele sobrejacente à mastectomia,
ais tromboses em anastomoses, levando a diminuição do desconforto na expansão pós-
perda parcial ou total do retalho (MÉLEGA et operatória, além do efeito protetor em pacien-
al., 2011). tes que necessitam de radioterapia. Essa téc-
As vantagens da técnica são: não haver ne- nica possui algumas desvantagens e preocupa-
cessidade do uso de implantes, a cirurgia ocor- ções, como riscos de infecção ou inflamação,
rer em somente um tempo cirúrgico, a possibi- seroma, custos altos e, também, de recorrência
lidade de criar um cone mamário macio com tumoral. Ela possui estágio único ou dois está-
ptose natural com simetria contralateral. Além gios: uso de expansores de tecido e a recons-
disso, a derme do tecido autólogo é mais es- trução direta ao implante (RDI) (CABALAG,
pessa, o que possibilita reconstruções do com- 2016).
plexo areolopapilar com excelente resultado
estético. Outra grande vantagem é sofrer me-

107 | P á g i n a
Estágio único, reconstrução direta ao preciso, fazendo com que tenha uma melhor
implante projeção do polo inferior e melhor estética.
O uso de AlloDerm (adjuvante aloplástico) Porém, existem vários estudos que mostram
como sling inferior na reconstrução pós-mas- preocupação em relação ao aumento da morbi-
tectomia imediata, direta ao implante foi des- dade relacionado ao uso de ADM nas recons-
crito por Breuing e Warren. Na técnica, o truções em dois estágios. Um estudo realizado
músculo peitoral maior é restabelecido, cri- por Chune mostrou que o uso de ADMs au-
ando uma bolsa que vai envolver o implante de menta as chances de seroma e infecção quando
AlloDerm. Esse procedimento é vantajoso, comparado ao grupo não ADM. Essa compa-
pois em uma única etapa pode ser feita a re- ração foi confirmada em uma meta-análise
construção, essa técnica direta ao implante, feita por Kime e outros em que comparando o
onde tem a capacidade de controlar a plenitude uso de ADM e nenhum ADM na reconstrução
do polo inferior ajustando a largura do sling, de mama em dois estágios, teve um resultado
podendo fornece uma camada a mais de tecido inferior no grupo ADM, em que teve maiores
entre a pele e o implante. A revisão de Maca- taxas de seroma, infecção e necrose de retalho
dam e Lennox mostrou que o uso de ADMs de mastectomia, mas houve menores taxas de
(AlloDerm) em reconstrução de mama, com- contratura capsular. Uma metanálise de Hoppe
parado com o não uso de ADM nas reconstru- e outros comparou o uso do AlloDerm em re-
ções de dois estágios, possui taxas mais baixas construção com implante expansor para técni-
de contratura capsular, seroma, infecção e cas submusculares tradicionais, em que foi
perda de implante. Porém, a taxa de necrose demonstrado um aumento de três vezes na
em retalho cutâneo é comparável com os ex- formação de seroma e um aumento de duas
pansores para implante sem o uso de ADM. vezes no grupo ADM de infecção. Entretanto,
Salzberg e outros mostraram que pacientes uma revisão sistemática de Sbitany e Serletti
submetidas ao estágio único com AlloDerm que compararam o uso de ADMs na reconstru-
tiveram baixo índice de complicações como ção em dois estágios com técnica padrão de
perda do implante, necrose do retalho, hema- cobertura subpeitoral, mostrou um perfil de
toma, exposição da ADM, contratura capsular complicação comparável, porém uma recons-
e infecção. Também com resultados favorá- trução mais rápida no grupo ADM. Houve
veis, anda sendo usado à malha de Vicryl em maior formação de seroma no grupo ADM e a
reconstruções imediatas de estágio único taxa de infecção foi semelhante. Além disso,
(CABALAG, 2016). não há diferença na dor pós-operatória, dor
durante a fase de expansão entre os grupos
Reconstrução aloplástica de dois está- (CABALAG, 2016).
gios, expansor-implante
O uso de ADMs em reconstrução de dois
Matrizes dérmicas acelulares alogênicas
estágios foi descrito em 2007 por Bindingna- Os tipos adjuvantes aloplásticos usados na
vele e outros. A vantagem dessa técnica é o reconstrução de mama compreendem ADMs
aumento dos volumes de expansão pós-operá- ou malhas sintéticas. Entre os ADMs, existem
ria, dessa forma, não é necessário elevar o os aloenxertos que são derivados de pele hu-
músculo serrátil anterior para fazer a cobertura mana cadavérica e os xenoenxertos.
lateral da prótese e seu posicionamento mais Entre os ADMs alogênicos temos:

108 | P á g i n a
1) AlloDerm - foi o primeiro produto de terminal, porém esta não é indicada para utili-
derme humana disponível e inicialmente ele zação em reconstruções de mama, pois ela não
era usado para reconstrução de queimaduras. É possui a frouxidão necessária para as técnicas
feito de pele cadavérica de espessura dividida, utilizadas nesse tipo de cirurgia;
na qual a epiderme e as células são removidas 3) Surgimend PRS: Ela difere dos outros
da pele para reduzir sua atigenicidade. Foi tipos, pois é um material composto por colá-
usado em 2005 pela primeira vez como tipoia geno dérmico bovino fetal e é esterilizado na
ínfero-lateral na reconstrução da mama, mas fase terminal (CABALAG, 2016).
agora é usado como expansor de tecido e na
reconstrução de mamilo. O AlloDerm é parci- Malha sintética
almente integrado ao tecido hospedeiro dentro As malhas sintéticas podem ser divididas
de 7 dias após a implantação. em três grandes grupos que possuem suas ca-
2) Flex HD – é uma matriz dérmica pré- racterísticas específicas:
hidratada, asséptica e cadavérica. Porém, 1) Malha Vicryl Mesh – a mais acessível
estudos mostraram que este produto possui em relação a custo e disponibilidade. Além
maiores taxas de complicação. disso, é uma malha que não apresenta proble-
3) Allomax – antes conhecido como Neo- mas de reação inflamatória, é alergênica e é
Form, é um produto estéril matriz dérmica resistente à produção de biofilme bacteriano;
cadavérica. Um estudo feito por Losken e ou- 2) Malha TiLOOP Sutiã – a mais usada na
tros não relatou nenhum problema de infecção, Alemanha. Esta é feita de polipropileno leve,
seroma ou reação de corpo estranho. não é absorvível e é revestida de titânio. Essa
4) Derma Matrix – produto de cadáver as- malha é encontrada em três tamanhos diferen-
séptico, liofilizado. Foi realizado um estudo tes de sutiãs. Ela é toda estruturada para es-
em que se comparou o Derma Matrix com truturas a cirurgia e impedir que o implante
AlloDerm, em que a única diferença observada chegue ao fundo nas mamas;
foi uma menor duração em que os drenos per- 3) Malha TIGR Malha Cirúrgica Matrix –
maneceram in situ para AlloDerm. é absorvível e tem resultados em longo prazo.
5) DermaCellName – matriz dérmica Essa é uma malha macroporosa e possui fibras
cadavérica pré-hidratada, pronta para o uso. de degradação rápida ou lenta, e que tem uma
Estudo realizado mostrou uma taxa baixa de característica de tornar-se invisível, mais ma-
complicações pós-operatórias. cia e flexível depois de 2 semanas implantada.
Alguns estudos mostram que essa malha é
Matrizes dérmicas acelulares xenogêni- altamente vascularizada, não tem grandes res-
cas postas inflamatórias e vai sendo substituída
As matrizes dérmicas acelulares xenogêni- por tecido conjuntivo ao longo do tempo, que
cas podem ser divididas em três técnicas mais o organismo vai reestruturando (CABALAG,
específicas: 2016).
1) Strattice: Originada na suína pré-hidra- A reconstrução mamária feita de forma
tada e esterilizada na fase terminal; imediata é a forma padrão. Isso ocorre devido
2) Permacol: possui as mesmas aos benefícios estéticos e psicológicos, melho-
características da Strattice, ou seja, é de ori- rando a qualidade de vida das pacientes. Usa-
gem suína pré-hidratada e esterilizada na fase se a reconstrução tardia em pacientes com al-

109 | P á g i n a
guma doença avançada ou que não tenham trução mamária através de dispositivos protéti-
comprometimento com o processo (FER- cos é a técnica mais utilizada no EUA. A re-
REIRA et al., 2022). construção autóloga é a outra principal técnica
Assim, é necessária uma abordagem cola- de reconstrução mamária.
borativa desde o diagnóstico, passando pela A mastectomia radical modificada é mais
oncologia, até a parte cirúrgica. Essa ação é utilizada em tumores multicêntricos ou exten-
essencial no desenvolvimento do melhor plano sos. A mastectomia radical é mais utilizada
de tratamento, a fim de estabelecer o cuidado para casos mais complexos e avançados de
do paciente em todas as etapas (DELLA- câncer de mama. A mastectomia dupla é utili-
CROCE & WOLFE, 2013). zada em mulheres que já possuem neoplasia
em uma das mamas e tem alto risco de desen-
CONCLUSÃO volvimento de metástase na mama sadia. A
A mama é um símbolo de feminilidade, mastectomia poupadora de pele é utilizada
autoestima e autoimagem. Existem atualmente para tumores menores em estágio inicial, tendo
diversas técnicas de reconstrução mamária, alta preservação da estética e da funcionali-
cada vez mais avançadas e modernas, visando dade da mama. A mastectomia conservadora
manter a integridade e aparência estética da de mamilo é utilizada para melhorar a satisfa-
mama. A decisão de qual técnica a ser usada é ção da paciente com o resultado estético.
multifatorial, sendo necessário decidir o tipo A reconstrução autóloga possui baixa mor-
de mastectomia, o tipo de reconstrução e a bidade, é um método fundamentado e seguro e
necessidade de terapia adjuvante. Essas esco- com resultados estéticos satisfatórios. O reta-
lhas são feitas pela paciente e pelos seus médi- lho TRAM é o mais comum e mais utilizado
cos. pelas semelhanças com o tecido mamário; é
A mastectomia consiste na retirada parcial um método eficaz que ocorre em um tempo
ou total da mama, o tipo de mastectomia em- cirúrgico e não necessita de implantes.
pregada influencia diretamente na reconstru- A reconstrução aloplástica é a técnica mais
ção e na estética da mama. usada em cirurgias mamárias imediatas, que
A mastectomia poupadora de mamilos é a são as mais comuns, devido ao melhor posici-
técnica mais fácil a ser reproduzida e que tem onamento dos implantes e a menor chance de
uma rápida recuperação atrelada a resultados migração dos implantes e expansores.
estéticos e reconstrutores melhores. A recons-

110 | P á g i n a
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111 | P á g i n a
Capítulo 16

PRINCIPAIS TÉCNICAS
CIRÚRGICAS PARA CORREÇÃO
DAS FISSURAS LABIOPALATINAS:
UMA REVISÃO DE LITERATURA

NATALIA TIEMI OHE¹


ALICE VITORIA OLIVEIRA DE OLIVARES¹
RAYSSA NAVARRO DE SOUZA¹
CAROLINA DE BARROS COKKINOS KEPPLER SILVA¹
CALLIZA CAPELLATO¹
LEONARDO SAITO DE MORAES¹
RAFAELA DE CALAIS¹
RENATO DE CASTRO RODRIGUES¹
FERNANDA MARIN DESTEFANO¹
1
Discente – Curso de Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Queiloplastia; Palatoplastia; Fissura labiopalatina.

10.59290/978-65-81549-92-3.16
112 | P á g i n a
A primeira etapa da abordagem terapêutica
INTRODUÇÃO do paciente com fissura labiopalatina é a ci-
A fissura labiopalatina (FLP) representa a rurgia reparadora primária e pode reduzir for-
anomalia craniofacial mais frequente na po- temente as sequelas estéticas e funcionais
pulação, afetando cerca de 1:650 recém-nasci- (SOUSA & RONCALLI, 2021). Os objetivos
dos vivos. Mundialmente, a prevalência média do tratamento operatório abordam as princi-
de FLP é de 9,92 a cada 10.000 nascidos vi- pais manifestações clínicas que o paciente
vos, podendo variar conforme a raça e o local apresenta na forma estética e funcional (MIA-
da população estudada. No Brasil, essa pro- CHON & LEME, 2014).
porção é estimada em 5,86 a cada 10.000 nas- Diferentes técnicas cirúrgicas são conside-
cidos (MARTELLI et al., 2012; SOUSA & radas e a escolha da técnica depende da exten-
RONCALLI, 2021). são da fissura, preferência do cirurgião que
As FLP resultam de falhas na fusão ana- realizará a operação e as possíveis complica-
tômica dos processos faciais, entre a 4ª e a 12ª ções dos procedimentos, como a formação de
semana da gestação, decorrente de fatores fístulas. Entre elas, podemos citar a técnica de
tanto genéticos quanto aos relacionados ao Millard, Spina, Fisher, Goteborg, Von Lan-
próprio indivíduo. Devido a isso, podem ser genbeck, Veau-Wardill-Kilner, Dois retalhos e
classificadas quanto à localização anatômica: Dupla Z-plastia de Furlow. Ademais é neces-
fissuras labiais, fissuras palatinas, fissuras la- sário que os pacientes realizem um acompa-
biopalatinas e fissuras raras de faces e também nhamento pós-operatório de longo prazo, com
quanto a sua extensão: Completas ou incom- a finalidade fazer uma avaliação do desenvol-
pletas, uni ou bilaterais (BORGES et al., vimento da fala e a funcionalidade motora em
2014). conjunto com uma equipe multidisciplinar,
As crianças que apresentam essa anomalia para que esses pacientes obtenham uma vida
craniofacial podem manifestar dificuldade para normal e produtiva (SILVA et al., 2022).
deglutir, desarmonia de fala, problemas de Após o tratamento cirúrgico inicial, é im-
audição, restrição de crescimento e desenvol- portante ressaltar que em muitos casos é ne-
vimento craniofacial, alterações dentais e con- cessária uma cirurgia adicional (tanto nasal
sequentemente alteração na mastigação, infec- quanto maxilar) para reduzir o impacto físico
ções recorrentes do trato auditivo e de vias nesses pacientes (SILVA et al., 2022).
respiratórias (SOUSA & RONCALLI, 2021). A principal finalidade desse estudo é a
O processo de reabilitação envolve um pe- análise e comparação das principais técnicas
ríodo longo com diversas etapas terapêuticas cirúrgicas para correção das fissuras labiopa-
de acordo com a idade e crescimento craniofa- latinas (queiloplastia e palatoplastia), no in-
cial, e envolve a atuação interdisciplinar. tuito de compreender as escolhas das mesmas,
Dessa forma, não há consenso definitivo na tendo por base comparações dessas técnicas.
literatura quanto ao protocolo a ser seguido
MÉTODO
devido à individualidade de cada caso. Ou
seja, a escolha da técnica cirúrgica vai depen- Trata-se de uma revisão narrativa de lite-
der do tipo de fissura e do estado de saúde da ratura realizada no período de fevereiro a
criança (MIACHON & LEME, 2014). março de 2023, utilizando as bases de dados
eletrônicos: National Library of Medicine (Pu-
113 | P á g i n a
bmed) e Scientific Eletronic Library Online
(Scielo). Foram utilizados os descritores: Fis- TÉCNICAS DE QUEILOPLASTIA
sura palatina, fenda labial, anormalidades cra- Técnica de Millard
niofaciais, anormalidades congênitas. Desta Em 1955, Ralph D. Millard Jr. introduziu a
busca foram encontrados 816 artigos, posteri- técnica de avanço e rotação dos retalhos labi-
ormente submetidos aos critérios de seleção. ais, com cicatriz resultante mimetizando a
Os critérios de inclusão foram: Artigos pu- crista filtral e respeitando o arco do cupido,
blicados em suas versões completas, nos idio- detalhes anatômicos de importância imensa na
mas português e inglês, conter no seu resumo estética labial. Sua técnica rapidamente se po-
ao menos 1 dos 4 descritores utilizados na pularizou e é até hoje, dentre outras diversas
pesquisa inicial, publicados no período de técnicas existentes, como Fisher, Le Mesurier,
2000 a 2023 e que abordaram as temáticas Spina, Randall, por exemplo, a mais usada em
propostas por esta pesquisa, estudos do tipo todo o mundo (MANLOVE & LINNEBUR,
revisão, disponibilizados na íntegra. Os crité- 2022).
rios de exclusão foram: Artigos duplicados, Muitas abordagens foram descritas, mas a
que não abordaram diretamente a proposta técnica de rotação-avanço descrita por Millard
estudada e que não atendiam aos demais crité- continua sendo uma das técnicas de reparo
rios de inclusão. mais populares para correção de fissura labial
Após os critérios de seleção restaram 11 (MANLOVE & LINNEBUR, 2022).
artigos que foram submetidos à leitura minuci- A técnica cirúrgica citada consiste na inci-
osa para a coleta de dados. Os resultados fo- são sobre os limites da fenda labial, confeccio-
ram apresentados de forma descritiva, dividi- nando um retalho dermogorduroso triangular
dos em categorias temáticas abordando: técni- infracolumelar na porção medial do lábio, que
cas cirúrgicas de queiloplastia e palatoplastia sofrerá rotação, e uma incisão perialar no lábio
associado a suas vantagens e desvantagens. da porção lateral à fenda, que fará um avanço.
São, então, dissecados os músculos orbiculares
RESULTADOS E DISCUSSÃO
labiais, os quais são desinseridos de sua posi-
As fissuras labiopalatinas são deformida- ção anômala, rodados e suturados com fio
des craniofaciais congênitas que necessitam de multifilamentar absorvível 3-0. A síntese da
correção cirúrgica para o tratamento. A quei- mucosa é feita com esse tipo de fio, mas de
loplastia e a palatoplastia são as primeiras ci- número 4-0, e a pele é coaptada com o de nú-
rurgias plásticas reparadoras executadas du- mero 6-0 (Figura 16.1) (MANLOVE & LIN-
rante o longo e complexo tratamento das fissu- NEBUR, 2022).
ras labiopalatinas. A queiloplastia consiste na Figura 16.1 Esquema da Técnica de Millard
cirurgia reconstrutora da fissura labial e a pa-
latoplastia na reconstrução da fissura palatina
(MIACHON & LEME, 2014).

Fonte: MÉLEGA, 2008, apud LOPES et al., 2018.

114 | P á g i n a
Técnica de Spina A execução cirúrgica é descrita por incisão
Entre 1959 e 1960, Victor Spina e Orlando contínua direcionada a partir da columela até o
Lodovici apresentaram a técnica de queilo- ápice do local desejado do arco do cupido,
plastia em Z apenas ao plano cutâneo utili- incisão triangular inferior prorrogando a fração
zando um retalho triangular, no qual o braço medial, incisão superficial triangular superior
superior é medial e o braço inferior é lateral no retalho oposto, rotação para aproximação
(Figura 16.2) (CARREIRÃO et al., 2021). das bordas triangulares (Figura 16.3) (FREI-
TAS et al., 2011).
Figura 16.2 Técnica de Spina e Lodovici
Figura 16.3 Demarcação da técnica de Fisher

Fonte: SPINA e LODOVICI, 1960, apud CARREIRÃO


et al., 2021.
Fonte: FISHER, 2015, apud PATEL et al., 2015.

A técnica foi baseada no método de Lemos


Técnica de Goteborg
(1956), porém com modificações próprias para
A técnica de Göteborg surgiu a partir de
obtenção de melhores resultados, reparando o
um convênio científico-cultural entre a Socie-
vermelhão sem a necessidade de ressecções e
dade Brasileira de Pesquisa e Assistência para
com o aproveitamento de toda a mucosa do
Reabilitação Craniofacial (SOBRAPAR) e a
paciente (CARREIRÃO et al., 2021)
Universidade de Göteborg em 1995. Ela foi
Spina foi responsável pela divulgação da
sendo praticada e aperfeiçoada, até que em
técnica em todo o Brasil, passou a ser conhe-
2000 passou a fazer parte do protocolo para
cida como técnica de Lemos & Spina e trata-se
tratamento da fissura labial unilateral e mais
de um procedimento muito utilizado até hoje
tarde sendo descrita por Buzzo, em 2010
(CARREIRÃO et al., 2021).
(SPENCER & BUZZO, 2017).
É vista como uma técnica cirúrgica fácil de
Técnica de Fisher
aplicar e com boa reprodutibilidade, pois apre-
Devido a complicações pós-operatórias
senta uma medida padrão para realizar a mar-
como encurtamento do lábio decorrente das
cação. O primeiro ponto é marcado na porção
técnicas iniciais em linha reta, o Dr. David M.
mais alta do lado não fissurado (ponto A) e em
Fisher em 2005 propôs a técnica geométrica
seguida, na projeção da crista filtral (ponto B),
adicionando um triângulo inferior facilitando a
ambos sobre a linha cutâneo-mucosa. Essa
rotação e avanço de retalhos. Reparando de
distância entre A e B será o padrão para as
forma unilateral aproximando as subunidades
demais marcações. O próximo ponto ainda
anatômicas (SALES et al., 2016).
segue sobre a linha cutâneo-mucosa em dire-
A técnica permite que a cicatriz encerre de
ção ao lado fissurado, e a partir desse é traçado
maneira paralela ao filtro labial alongando-o,
uma linha com a mesma distância de AB em
favorecendo-a anatomicamente (SALES et al.,
direção à borda lateral da base da columela do
2016).
lado não fissurado. Seguimos para o lado fis-

115 | P á g i n a
surado, onde também será marcado o local (Figura 16.5), visando diminuir a tensão nos
mais proeminente sobre a linha cutâneo-mu- tecidos e, consequentemente, reduzir a inci-
cosa, traçamos uma linha em direção perpen- dência de fístulas oronasais (RODRIGUES,
dicular e outra num plano paralelo ao plano 2015).
oclusal, ambas formando uma angulação de
90º (Figura 16.4) (BUZZO, 2010). Figura 16.5 Técnica de Von Langenbeck

Figura 16.4 Marcação da Técnica de Göteborg e da


medida AB

Fonte: VON LANGENBECK, 1861, apud ARANTES


et al., 2008.

Técnica de Veau-Wardill-Kilner
A técnica de Veau-Wardill-Kilner pode ser
definida como uma modificação que deriva da
técnica de Von Langerbeck. A técnica tem por
finalidade um reparo palatino em VY ―push-
back‖. Dentre as vantagens dessa técnica
pode-se destacar a possibilidade de um alon-
gamento ântero posterior do palato com repo-
O que se destaca dessa técnica é um ver- sicionamento do músculo elevador do véu pa-
melhão de tamanho adequado, devido aos re- latino tornando a posição mais favorável, di-
talhos que garantem um bom comprimento em minuindo complicações da cirurgia como a
relação à crista filtral do lado fissurado. Além insuficiência velofaríngea. Portanto essa téc-
disso, obtém uma boa profundidade do sulco nica pode melhorar a fala, porém essa conclu-
gengivolabial, graças ao reposicionamento são carece de comprovação (SILVA et al.,
anatômico do músculo orbicular da boca 2022).
(SPENCER & BUZZO, 2017). O procedimento compreende uma incisão
central em ―V‖ no palato duro, partindo do
TÉCNICAS DE PALATOPLASTIA rebordo alveolar até a altura do hamulus. Em
seguida as camadas fibromucosas são elevadas
Técnica de Von Langenbeck
A técnica de Von Langenbeck foi descrita subperiostalmente e suturadas entre si, fazendo
na literatura para reparo cirúrgico do palato, um fechamento do palato em linha reta na
em 1861, por Bernard Von Langenbeck e é forma de ―Y‖ (Figura 16.6). Essa movimenta-
indicada para o tratamento de fissuras do pa- ção permite uma movimentação medial-poste-
lato secundário. Consiste na utilização de re- rior dos retalhos e um aumento do compri-
talhos mucoperiostais bipediculados anterior- mento do palato. A liberação do periósteo a
mente e posteriormente para fechamento me- partir da dissecção diminui o risco de injúria
dial da mucosa oral e realização de incisões tecidual, devido à manutenção do aporte vital
relaxadoras laterais, que partem da tuberosi- do sangue a partir do estiramento dos vasos.
dade maxilar até o rebordo alveolar posterior Em relação ao palato mole, há o reparo das

116 | P á g i n a
margens da fissura e o fechamento transverso Figura 16.7 Técnica de dois retalhos
do músculo levantador do véu palatino
(SILVA et al., 2022).

Figura 16.6: Técnica de Veau-Wardill-Kilner


Fonte: BARDACH, 1984, apud ARANTES et al.,
2008.

Os retalhos mucoperiosteais são nutridos


pelos vasos palatinos maiores e dessa forma,
são muito mais adaptáveis e indicados para
fissuras palatinas completas unilaterais ou bi-
laterais. Atualmente, são as mais utilizadas
para fissuras transforame completas e em paci-
entes com idades mais precoces (ARANTES et
al., 2008; SILVA et al., 2022).
Fonte: VEAU et al, 1937 apud SATO et al, 2016.
Apesar da sua versatilidade, a técnica de
Ademais, além das vantagens previamente dois retalhos é incapaz de aumentar o compri-
citadas, a técnica de Veau-Wardill-Kilner pode mento do palato, podendo prejudicar na pro-
ser indicada para uma grande variedade de dução da fala do paciente (SILVA et al.,
fissuras e com fácil reprodutibilidade. Entre- 2022).
tanto essa técnica possui desvantagens como
uma grande exposição do osso palatino ao Técnica de dupla Z-plastia de Furlow
Por volta dos anos 1980, Leonard Furlow
levantar os retalhos mucoperiosteais, produ-
desenvolveu a técnica que descreve uma plas-
zindo um efeito negativo no crescimento ma-
tia dupla reversa em ―Z‖. Com a finalidade de
xilofacial. Além de um aumento na taxa de
fazer o fechamento do palato mole envolvendo
fístulas mais alta comparada a outras técnicas,
as superfícies oral e nasal alternando as plas-
principalmente em reparo de fissuras comple-
tias ―Z‖ e reposicionando o m sculo levanta-
tas (SILVA et al., 2022).
dor do véu palatino (Figura 16.8). Essa téc-
nica é utilizada no reparo de fendas submuco-
Técnica de dois retalhos (Técnica de
Bardach) sas e fendas isoladas do véu. A técnica obteve
A técnica de dois retalhos foi descrita por bons resultados iniciais tanto em relação à fala
Janusz Bardach, em 1967. Inicialmente, a pa- quanto ao crescimento ósseo e a insuficiência
latoplastia original envolvendo a liberação dos velofaríngea (SILVA et al., 2022).
retalhos mucoperiosteais era apenas indicada A técnica é descrita como um arranjo de
para as fissuras palatinas estreitas. Após algu- retalhos triangulares, produzindo uma zeta-
mas modificações, a técnica de Bardach per- plastia na mucosa oral e outra na mucosa na-
mitiu o tratamento de fendas mais largas a sal. Os retalhos contendo músculo são girados
partir da dissecção mais extensa e incisões de posteriormente e os retalhos compostos so-
relaxamento ao longo das margens alveolares mente por mucosa são transpostos anterior-
(Figura 16.7) (SILVA et al., 2022). mente (Figura 16.8). Dessa forma as fibras
musculares são posicionadas de uma forma

117 | P á g i n a
anatômica e favorável e faz um alongamento
do palato com retroposicionamento a tipóia do CONCLUSÃO
músculo elevador. A preferência é de que seja É possível concluir que existem diversas
feita uma incisão na margem da fenda e um técnicas para abordagem cirúrgica das fissuras
fechamento em duas camadas, sem necessi- labiopalatinas e devido à grande variabilidade
dade de incisão lateral, para o fechamento do e complexidade dessa malformação congênita
palato duro (SILVA et al., 2022). não existe um consenso sobre uma técnica
operatória ideal, apenas se tem um protocolo
Figura 16.8 Técnica de dupla Z-plastia de Furlow
comum de etapas e condutas terapêuticas no
tratamento.
Deste modo, este estudo indica que a es-
colha da técnica pelo cirurgião, deve basear-se
nos melhores resultados estéticos e principal-
Fonte: FURLOW, 1986, apud ARANTES et al, 2008.
mente funcionais para cada paciente. Abor-
Apesar de os resultados gerais serem favo- dando os seguintes aspectos: deformidade de
ráveis, existem desvantagens em relação a essa nariz, lábio e palato; linguagem, fala e audi-
técnica. Podemos destacar que ela não é ana- ção; função mastigatória e posicionamento dos
tômica e ignora o músculo longitudinal menor dentes; desenvolvimento psicossocial; cresci-
da úvula. Além disso, ao ser utilizada em fis- mento craniofacial e maturidade fisiológica do
suras palatinas muito amplas, a distância a ser paciente.
atravessada pela zetaplastia pode ser exces- Portanto, é visto a importância da indivi-
siva, entretanto existem algumas alternativas dualização do paciente e do acompanhamento
para superar o aumento de tensão. Pode-se a curto e longo prazo de cada procedimento,
fazer uma extensão da incisão relaxadora de com o intuito de aprimorar as técnicas utiliza-
forma a criar um retalho em ilha baseado nos das e reduzir possíveis complicações.
vasos palatinos. Outra forma seria o fecha-
mento da linha reta e reservar a zetaplastia
para um procedimento secundário (SILVA et
al., 2022).

118 | P á g i n a
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119 | P á g i n a
Capítulo 17

LOBECTOMIA NO CÂNCER
DE PULMÃO

ANELISA MOTTA BERTOLO1


CAROLINA MEDRADO GUIMARÃES1
DANIELLE ELEAMEN BAIMA1
ENZO RUBIM STREB1
GISELLE ANSCHAU SANTOS1
LUIZA PITTA1
MARCELLE NATALI RAMOS1
RAFAELLA LANA DE SOUZA1
STEPHANNY AGUILAR MORAES1
1
Discente – Medicina na Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Lobectomy; CTVA; Lung cancer.

10.59290/978-65-81549-92-3.17 120 | P á g i n a
utilizando modelos de realidade virtual e mo-
INTRODUÇÃO delos físicos e de animais (TERRA et al.,
O câncer de pulmão pode ser definido 2021).
como um crescimento celular descontrolado e O advento da técnica de lobectomia por ci-
anormal, capaz de invadir os tecidos vizinhos e rurgia torácica vídeo assistida (CTVA) trouxe
a distância. É a doença maligna mais comum novas perspectivas ao tratamento do câncer de
do mundo, segundo o Global Burden of Di- pulmão, uma vez que apresentou resultados
sease Study, sendo o que apresenta maior taxa notadamente superiores comparados à cirurgia
de mortalidade dentre todos os tipos de cânce- aberta: incisões menores, menor perda de san-
res (COELHO & FRANCO, 2019). As carac- gue, menor risco de infecção intra e pós-ope-
terísticas da circulação pulmonar, com seu ratória, menor índice de complicações venti-
vasto leito capilar e sua extensa rede de drena- latórias, com menor liberação de mediadores
gem linfática, fazem com que os pulmões se- inflamatórios, menor tempo cirúrgico e um
jam um foco potencial de metástases hemato- retorno mais precoce às atividades diárias
gênicas e linfáticas (VANNUCCI & RIVAS, (YAN et al., 2020).
2016.). A cirurgia torácica vídeo-assistida (CTVA)
O tratamento cirúrgico é o padrão ouro é a técnica preferencial para o tratamento do
para quadros de câncer de pulmão, conside- câncer de pulmão não pequenas células, pois
rado o único tratamento curativo em estágios permite satisfatória radicalidade oncológica,
iniciais. Nos últimos 20 anos, o desenvolvi- além de menor morbimortalidade em compa-
mento da cirurgia minimamente invasiva vem ração à cirurgia aberta. O procedimento pode
acelerando constantemente. O amplo uso da ser realizado através da utilização de vários
tecnologia da cirurgia videoassistida iniciado portais de trabalho ou, mais recentemente,
na década de 1990 foi um fator decisivo para através de um único portal (CAMPOS, 2000).
que a cirurgia minimamente invasiva ganhasse Atualmente, além das ressecções oncológicas
o destaque que assistimos atualmente (GO- pulmonares, são realizadas cirurgias do medi-
MES et al., 2021). A cirurgia torácica acom- astino, doenças benignas e até arterioplastias.
panhou esse processo, e, rapidamente, proce- Na CTVA os instrumentos irão ser iguais aos
dimentos pleurais e ressecções de baixa com- da cirurgia torácica clássica, porém serão es-
plexidade passaram a ser realizadas através da pecialmente arquitetados para concenir através
videotoracoscopia, inclusive em nosso meio. A de pequenas incisões e para que seja mais fácil
lobectomia pulmonar consiste na remoção de articular tanto proximal ou distal depen-
completa dos lobos pulmonares, esta cirurgia dendo da necessidade (CAMPOS, 2000).
vem demonstrando ser um procedimento se- Teremos duas formas de classificação da
guro e pode ser feita de maneiras oportunas, CTVA, o primeiro tipo será a forma de acesso
sendo um procedimento complexo especial- (número incisões), ou seja, veremos abaixo em
mente por conta da dissecação das artérias "incisão e acesso‖. Enquanto o segundo tipo
pulmonares e veias pulmonares, o que vai ser será o de anestesia, neste caso teremos intuba-
necessário à demanda de habilidades precisas. ção seletiva e a não utilização da intubação. A
Para que a lobectomia seja realizada, o currí- CTVA pode ser executada de duas maneiras:
culo do cirurgião deve incluir conteúdo téc- multiportal e uniportal (MANOLACHE,
nico, um largo treinamento técnico psicomotor 2021). Independente do tipo que for utilizado,

121 | P á g i n a
todos os procedimentos da CTVA terão as latórias, com menor liberação de mediadores
mesmas características: incisões mínimas, sem inflamatórios, menor tempo cirúrgico e um
alargamento das costelas e assistência de vídeo retorno mais precoce às atividades diárias
durante a operação. Da mesma forma que na (YAN et al., 2020).
cirurgia aberta, a operação irá servir para fins Além das cirurgias uniportais e multipor-
diagnósticos ou terapêuticos e cirurgias onco- tais, teremos a cirurgia torácica robótica, o
lógicas radicais para o câncer de pulmão e qual será efetuada com a aplicação do sistema
outras neoplasias torácicas, sendo indicada cirúrgico da Vinci (Institute Surgical EUA) -
para diagnósticos terapêuticos e cirurgia radi- sendo um dispositivo robótico de última gera-
cal/paliativa. Mas será contraindicado em situ- ção, vai possibilitar que o cirurgião obtenha
ações de ventilação monopulmonar impossí- acesso a cavidade torácica interna a partir de
vel, múltiplas aderências fortes e dimensões do pequenas incisões de 1 cm. Assim, o cirurgião
tumor (AL-AMARI et al., 2019). poderá monitorar os movimentos do robô com
Como foi dito anteriormente teremos dois a ajuda de um console dentro da sala de cirur-
tipos de CTVA, a uniportal e a multiportal. A gia. O benefício deste tipo de técnica vai com-
CTVA uniportal iremos realizar uma incisão binar com a visão 3D HD - movimentos cor-
única na parede torácica, está incisão será an- retos das pinças (TERRA et al., 2021).
terior de 2-4 cm no 4° ou 5° espaço intercostal, O objetivo deste estudo foi apresentar e
teremos um CTVA unipportal variante (modi- descrever as principais técnicas de lobectomia
ficado) que através da abordagem de Duke que por CTVA uniportal e multiportal e por cirur-
a será realizado uma incisão adjacente de 5 gia robótica no tratamento do câncer de pul-
mm no mesmo espaço intercostal, protegendo mão, compreendendo potenciais vantagens e
a câmera, separa o tubo torácico da ferida. desvantagens.
Sendo um processo natural de MITS, acesso e
imagem - assim como em uma cirurgia aberta MÉTODO
(MANOLACHE et al., 2021). Agora, na Este estudo foi construído por meio de re-
CTVA multiportal será utilizado três ou quatro visão bibliográfica de textos referência no as-
incisões na parede torácica (incisões de 1 cm). sunto e artigos indexados nas bases PubMed e
As imagens da sala cirúrgica são divulgadas Scielo. Trata-se de uma revisão literária refe-
em tempo real para um monitor HD, auxili- rente à lobectomia multiportal e uniportal. Os
ando os cirurgiões em como deverão manusear passos seguidos para a elaboração do capítulo
os instrumentos cirúrgicos, assim vai permitir foram (1) determinação das descrições das
com que seja examinada a cavidade torácica diferenças entre as técnicas de CTVA unipor-
(AL-AMARI et al., 2019). tal e multiportal; (2) busca literária na SciElo,
O advento da técnica de lobectomia por ci- PubMed e nas Diretrizes da Sociedade Brasi-
rurgia torácica vídeo assistida (CTVA) trouxe leira de Cirurgia Torácica (3) seleção dos arti-
novas perspectivas ao tratamento do câncer de gos (4) elaboração do capítulo com intuito de
pulmão, uma vez que apresentou resultados discutir potenciais vantagens e desvantagem
notadamente superiores comparados à cirurgia nas técnicas de lobectomia uniportal e multi-
aberta: incisões menores, menor perda de san- portal. A pesquisa foi realizada com os se-
gue, menor risco de infecção intra e pós-ope- guintes DeCS (Descritores em Ciências da
ratória, menor índice de complicações venti- Saúde): lobectomia; câncer de pulmão; multi-
122 | P á g i n a
portal; uniportal. Os autores não possuem con- pneumotórax e sangramento (GOMES et al.,
flito de interesse e objetivam que os conheci- 2021).
mentos sintetizados neste estudo sejam úteis Em contrapartida, a cirurgia toracoscópica
para a formação de profissionais de saúde. assistida por robótica, é um método promissor,
onde se usa uma analgesia epidural torácica ou
RESULTADOS E DISCUSSÃO bloqueio paravertebral neuroaxial para realizar
Existem poucos estudos que mencionam a ressecção pulmonar. É uma cirurgia mini-
acerca do assunto, até mesmo no que se refere mamente invasiva, portanto se tem recupera-
sobre uma cirurgia por videotoracoscopia ção rápida e pouca chance de conversão para
contrapondo uma cirurgia robótica e até cirurgia aberta, a única desvantagem seria em
mesmo uma cirurgia convencional. Não obs- relação à falha mecânica. Para auxiliar o pro-
tante, diante dos resultados obtidos se tem cedimento se utiliza uma microcâmera e a po-
comprovações de que a melhor opção é a ci- sição condizente para o paciente é em decúbito
rurgia robótica, porque se tem menor tempo de lateral fletido, insere-se um tubo endotraqueal
internação e menores taxas de complicações de lúmen único a fim de favorecer a broncos-
no pós-operatório. copia cirúrgica (DOURADO et al., 2022).
A cirurgia torácica videoassistida (CTVA) Os procedimentos podem ser executados
constitui de um novo conceito estipulado na por meio de uma cirurgia torácica assistida
área da cirurgia torácica: cirurgia torácica mi- (CTVA de porta única) ou através de múltiplas
nimamente invasiva (CTMI) se trata de um incisões (CTVA de multiportas), ambas não
procedimento orientado por videotoracoscopia, utilizam o afastador de costelas e sua visuali-
sem a necessidade de afastador de costelas, zação é realizada pelo toracoscópio. Contudo,
com pequenas incisões, sendo utilizado menos cabe ao cirurgião escolher a abordagem mais
portas de acesso. Proporcionando assim, uma conveniente para o paciente. Esses procedi-
recuperação rápida para os pacientes, com mentos estão indicados para pacientes com
retorno precoce às suas atividades diárias e câncer de pulmão em fase inicial, a CTVA de
menor taxa de complicações no pós-operató- porta única é um tipo de cirurgia que existe no
rio. É de grande importância, está preparado mercado há cerca de 5 anos e apesar disso, é
para qualquer intercorrência, por isso, se tem uma prática que está crescendo quando se trata
como princípio em uma sala cirúrgica para de ressecção pulmonar (GUERRERO & RI-
uma cirurgia deste tipo, se ter uma mesa auxi- VAS, 2017).
liar preparada para uma cirurgia convencional A CTVA não é realizada quando se en-
(COELHO & FRANCO, 2019). contram grandes massas tumorais, invasões
Em comparação com a cirurgia convencio- extensas ou metástases. Inicia-se a cirurgia
nal chamada toracotomia, essa se torna mais colocando o paciente em decúbito lateral e
invasiva, pois tem acesso a cavidade pleural e estabilizando-o. Próximo passo seria realizar a
secciona os músculos intercostais, realiza uma anestesia geral e logo em seguida, intubar o
abertura na pleura parietal e tem a necessidade paciente com um tubo seletivo monopulmonar
de usar afastador de costelas com lesão peri- chamado de tubo de Carlens, sua função é
osteal dos arcos costais. Salienta-se que se isolar o pulmão que irá ser operado, vale res-
pode ter complicações, tais como: pneumonia, saltar que o lado operado tem que está voltado
para cima (COELHO & FRANCO, 2019).

123 | P á g i n a
A cirurgia toracoscópica videosassistida mero de linfonodos ressecados na uniportal
tem como técnica cirúrgica uma incisão feita (AL-AMARI et. al., 2019).
por bisturi de 4 a 8 cm para a entrada da câ- Foi possível analisar por meio de um es-
mera e até 3 pequenas incisões para inserção tudo com 333 pacientes uma comparação das
de outros equipamentos, 5 mm de uma uni- complicações pós-cirúrgicas, U-VAST de
portal e multiportal com incisão a cerca de 1 certa forma mostra apresentar menor dano e
cm. A técnica cirúrgica utilizada para a reali- um pós-operatório melhor, porém não se ob-
zação da lobectomia é conhecida como técnica serva grande diferença em relação a M-VAST
de Thomas A. D‘Amico – Duke University, (AL-AMARI et al., 2019).
onde se insere um trocarte de 10 mm no 8º
espaço intercostal, juntamente com a linha Figura 17.1 Desfechos do pós-operatório após lobec-
tomia por VATS (CTVA) em casos de câncer de pul-
axilar média para introduzir uma microcâmera mão
para visualização óptica. Para o portal, é reali-
zada uma incisão de 0.5 cm na região do 4º ou
5º espaço intercostal, onde se cruza junto à
linha axilar anterior. Conseguinte, se realiza a
dissecção da veia pulmonar do lobo do pulmão
comprometido, resguardando a veia que irriga
os demais lobos. Subsequente se faz a dissec-
ção do tronco arterial após reconhecê-lo, se-
guindo de uma dissecção do brônquio e fina- Fonte: AL-AMARI et al., 2019.
liza com dissecção e retirada de linfonodos
que ficam a cerca do lobo afetado (COELHO Figura 17.2 Complicações após lobectomia em pacien-
tes com câncer de pulmão
& FRANCO, 2019).
A U-CVTA (porta única) em comparação
com a M-CVTA (multiportal) mostrou benefí-
cios em relação ao tempo de drenagem, menor
tempo de permanência do dreno torácico, alta
precoce do paciente e uma recuperação mais
rápida. Este é um método realizado através de
incisão intercostal, vai depender da região que
está acometida, se é inferior, superior, direita
ou esquerda (AL-AMARI et al., 2019). De Fonte: AL-AMARI et al., 2019.
acordo com o que foi mostrado em pesquisas,
viram um melhor resultado em U-CVTA em Atualmente em grandes centros foi visto a
relação a multiportal, só que nos estudos não implementação da Robotic-assisted Thoracic
mostram dados de diferença no tempo gasto no Surgery (RATS, cirurgia torácica robótica),
processo da cirurgia. A VATS uniportal é con- está técnica de certa forma oferece um melhor
siderada uma técnica viável e segura. Foi pos- resultado porque possuem um dispositivo que
sível analisar também que há uma melhor so- faz uma filtragem de tremor que possibilita um
brevida em procedimentos uniportais para procedimento mais eficaz e seguro (TERRA,
câncer de pulmão, visto que houve maior nú- 2021). Resultando em uma menor taxa de con-

124 | P á g i n a
versão cirúrgica, de complicação pós-operató- rados com a cirurgia aberta, sendo hoje a téc-
ria e também menor tempo de internação e nica escolhida para o tratamento de câncer de
reinternações hospitalares. Entretanto a RATS pulmão. As duas formas apresentadas, onde a
tem um custo alto e não é encontrada facil- CTVA pode ser executada: multiportal e uni-
mente em todos os lugares (TERRA, 2021). portal apresentaram a mesma eficácia na van-
tagem de uma cirurgia menos invasiva, com
CONCLUSÃO menor risco de infecção, menor complicações
O câncer de pulmão, por ser um do câncer ventilatórias, menor tempo cirúrgico e um re-
mais comum e agressivo, existe cura. Técnicas torno precoce às atividades rotineiras. A
cada vez mais atuais e modernas são implanta- CTVA não é realizada quando se encontram
das para que seja descoberto o diagnóstico grandes massas tumorais, invasões extensas ou
precocemente, assim evitando complicações e metástase, sendo assim, limitada.
a morte do paciente. A cirurgia torácica vi- Além das cirurgias uniportais e multipor-
deoassistida (CTVA), é o padrão de tratamento tais, a cirurgia torácica robótica (RATS), vem
para os quadros de câncer de pulmão, sendo sendo outro mecanismo cirúrgico adotado,
considerado o único tratamento curativo nos apresentando melhores resultados no trata-
estágios iniciais. A CTVA para o tratamento mento e com menores incisões cirúrgicas.
do câncer de pulmão está sendo cada vez mais Com ajuda de um robô, o cirurgião pode exe-
aplicada em todo o mundo nos últimos anos. cutar movimentos precisos para a execução da
Desde a sua introdução, muitas publicações cirurgia. Esse tipo de técnica é acompanhado
vêm fornecendo fortes evidências de que essa por uma visão em 3D HD, que mostra em
abordagem minimamente invasiva é viável, tempo real todos os passos executados durante
segura e oncologicamente eficiente; ofere- a cirurgia. Entretanto, é uma cirurgia de alto
cendo aos pacientes várias vantagens em rela- custo e não é encontrada facilmente em todos
ção à toracotomia aberta tradicional, particu- os lugares.
larmente para a doença em estágio inicial (I e Com isso, podemos concluir que diante
II). A aplicação do CTVA para o tratamento dos resultados obtidos de forma comparativa, a
de doenças localmente avançadas também tem CTVA é a cirurgia mais aplicada nos últimos
sido amplamente descrita, mas provavelmente tempos, em relação ao custo-benefício e a lo-
requer um nível adicional de experiência, que bectomia aberta. Agora em relação à precisão
é mais provável de ser encontrado em centros e segurança, a cirurgia robótica é a melhor
de referência, com especialistas qualificados opção, por ter menor tempo de internação e
(VANNUCCI & RIVAS, 2016). menores taxas de complicações no pós-opera-
A técnica de lobectomia por CTVA apre- tório, não sendo a escolhida por seu alto custo
sentou resultados muito mais positivos compa- e poucos lugares que têm essa técnica.

125 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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126 | P á g i n a
Capítulo 18

OCLUSÃO DE APÊNDICE
ATRIAL ESQUERDO NA
FIBRILAÇÃO ATRIAL
ABORDAGEM CIRÚRGICA
CAUE HENRIQUE DE SOUZA1
DAIANY TROIS1
GABRIELA STANO SIMÕES1
GABRIELLE DO NASCIMENTO LIMA1
KARLA LAÍSA LOPES DE OLIVEIRA1
VITÓRIA GALVÃO SIRQUEIRA1
WILLIAM NEGRÃO SALEMI1

1
Discente – Medicina Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Fibrilação atrial; Oclusão; Cirurgia.

10.59290/978-65-81549-92-3.18 127 | P á g i n a
ram utilizados os descritores: anticoagulantes,
INTRODUÇÃO apêndice, fibrilação atrial e procedimento.
A fibrilação atrial pode acarretar mortali- Desta busca foram encontrados mais de 30
dade e morbidade quando estão associadas ao artigos, posteriormente submetidos aos crité-
acidente vascular cerebral. Para o tratamento rios de seleção.
da patologia, a primeira escolha são os antico- Os critérios de inclusão foram: artigos nos
agulantes orais (no caso de FA não valvar), idiomas inglês, espanhol e português; publica-
porém, o uso do medicamento tem seus riscos, dos no período de 2012 a 2023 e que aborda-
como a hemorragia intracraniana. Além disso, vam as temáticas propostas para esta pesquisa,
diversos pacientes possuem intolerância ao estudos do tipo revisão, meta-análise, disponi-
fármaco, não adesão ao tratamento (principal- bilizados na íntegra. Os critérios de exclusão
mente na América Latina onde existem condi- foram: artigos duplicados, disponibilizados na
ções desfavoráveis e pouco acesso ao atendi- forma de resumo, que não abordavam direta-
mento médico), ou alto risco de sangramento mente a proposta estudada e que não atendiam
com o uso. Com isso, faz- se a Oclusão de aos demais critérios de inclusão.
Apêndice Atrial Esquerdo (OAAE) ser tão Após os critérios de seleção restaram 16
atrativa para o tratamento de pacientes com artigos que foram submetidos à leitura minuci-
fibrilação atrial (MUNOZ et al.; QUIZHPE et osa para a coleta de dados.
al., 2020). Os resultados foram apresentados de forma
A OAAE consiste no fechamento da auri- descritiva, divididos em categorias temáticas
culeta esquerda (local onde surgem mais de abordando a Oclusão do Apêndice Atrial Es-
90% dos coágulos sanguíneos no coração), querdo – OAAE.
com a inserção de cateter na região da virilha,
DISCUSSÃO
colocando uma prótese na entrada do Apên-
dice Atrial Esquerdo (AAE) impedindo a for- Fibrilação Atrial
mação e saída de coágulos. O procedimento é A fibrilação atrial é uma taquiarritmia ca-
feito sob anestesia geral, guiado por ecocardi- racterizada pela ausência de ondas P e R-R
ografia transesofágica, através de uma punção irregulares no Eletrocardiograma (ECG), que
venosa femoral direita. Após isso, a punção tem grande potencial cardioembólico. Dois
transeptal pode ou não ser feita (existem estu- principais mecanismos fisiopatológicos bási-
dos que mostram ser mais seguro o procedi- cos responsáveis pela Fibrilação Atrial (FA) –
mento), em casos de óstio esquerdo bilobados modificação difusa primária do tecido atrial,
é possível utilizar diferentes próteses com dife- funcional ou orgânica, ou então por uma alte-
rentes larguras para melhor tratamento e su- ração focal primária levando a uma fibrilação
cesso da cirurgia (CHAMIÉ et al., 2014). atrial. Pode ser desencadeada por diversos
fatores, sendo eles cardiovasculares, como
MÉTODO Insuficiência Cardíaca (IC), ou não, como dia-
Trata-se de uma revisão narrativa realizada betes, drogas ou acidente vascular cerebral
no período de 9 a 31 de Março de 2023, por isquêmico ou hemorrágico. Sua classificação
meio de pesquisas nas bases de dados: Pub- depende do seu comportamento clínico, po-
Med, Up to Date, Scielo, Intervcor e HCI. Fo- dendo ser definida como paroxística, persis-
tente ou permanente (LADEIRA et al., 2016).

128 | P á g i n a
A FA paroxística geralmente é autolimi- Tabela 18.1 Tabela do escore CHA2DS2-VASc
tada. Já a persistente é considerada dessa Descrição Pontos
forma quando ela não é revertida espontanea-
C Insuficiência Cardíaca 1
mente após 7 dias, necessitando de cardiover-
são, seja ela química ou elétrica. A FA é per- H Hipertensão 1

manente quando não é revertida, mesmo após A2 Idade (≥ 75 anos 2


a cardioversão, em que não se recupera o ritmo D Diabetes Mellitus 1
sinusal (LADEIRA et al., 2016). S2 AIT ou AVC prévio 2
A persistência da FA pode gerar um pro-
V Doença Vascular 1
cesso de remodelação muscular atrial, deter-
minando sua dilatação e favorecendo a persis- A Idade (65-74 anos) 1

tência dessa arritmia. Sendo o manuseio pau- Sc Sexo (se feminino) 1


tado em dois pilares: controlar os sintomas e
prevenir eventos cardioembólicos. Em virtude
Tabela 18.2 Tabela do risco de eventos tromboem-
disso, o tratamento pauta-se na reversão da bólicos
arritmia e no controle da resposta ventricular
Risco Baixo Intermediário Alto
(LADEIRA et al., 2016).

Indicações OAAE % de risco na


9,2 15,1 75,7
categoria
A Fibrilação Atrial (FA) oferece riscos de
eventos trombóticos ao paciente, além de estar
Eventos trom-
associada a um risco duplo de morte cardio- boembólicos 0 (0) 1 (0,6)
24
(3,0)
vascular e acidente vascular cerebral dentro de (%)
1 ano de observação (KAKKAR et al., 2013),
no entanto, nem todos apresentam risco se-
Contraindicações da anticoagulação
melhante de tromboembolismo. Diante disso, Os anticoagulantes orais são utilizados
o escore CHA2DS2-VASc, Tabela 18.1, pos- como a terapia de primeira escolha no que
sui um papel imprescindível para determinar o tange o tratamento de FA, visando reduzir o
risco de tromboembolismo em pacientes com risco de eventos tromboembólicos advindas do
FA, utilizando parâmetros como idade, sexo e apêndice atrial esquerdo. Alguns parâmetros
a presença de comorbidades como AVC tran- como idade, habilidade de linguagem, raça e
sitório, insuficiência cardíaca congestiva, hi- decisão do paciente são considerados quando
pertensão, diabetes mellitus e doenças vascula- se admite essa terapêutica. Todavia, apesar de
res. Ao dividí-los como fatores de risco maio- sua eficácia, os anticoagulantes apresentam
res e menores, Tabela 18.2, são atribuídos algumas contraindicações para seu uso, como
pontos e a sua totalidade é relacionada a uma alergia, hemorragia intracraniana prévia, gra-
porcentagem que indica a probabilidade de videz, sangramento prévio, recusa/preferência
desenvolver eventos tromboembólicos, classi- do paciente, incapacidade de aderir/monitorar
ficando-os em risco alto, moderado ou baixo a terapia, alto risco de sangramento, necessi-
(SHARIFF et al., 2012). dade de terapia antiplaquetária dupla, risco
ocupacional, quedas frequentes e fragilidade.
Os anticoagulantes orais necessitam do meta-

129 | P á g i n a
bolismo do CYP3A4 ou são substratos da no coração (Figura 18.1). Esse procedimento
bomba de efluxo da glicoproteína P (P-gp) e foi criado em 1949 e era realizado através de
estão suscetíveis a interações medicamentosas cirurgia invasiva de peito aberto, contudo, evi-
farmacocinéticas, sendo assim, fármacos que denciou-se que os riscos eram maiores que os
inibem o metabolismo do CYP3A4 ou o benefícios e passou a não ser utilizado. So-
efluxo da P-gp podem aumentar considera- mente a partir do início dos anos 2000 que o
velmente os níveis deste no organismo, já os procedimento foi aperfeiçoado, com a origem
fármacos indutores podem reduzir seu efeito, da técnica de fechamento transvascular do
podendo levar à falha terapêutica. Outras des- AAE, em que se baseia no acesso percutâneo e
vantagens do uso de anticoagulantes orais in- pouco invasivo.
cluem o escasso monitoramento dos níveis
sanguíneos de maneira fácil, adesão dos paci- Figura 18.1. Imagem ilustrativa de corte transversal do
coração
entes e alto custo terapêutico (MANNING et
al., 2022).
Ademais, há também os antagonistas da
vitamina K (AVKs) que serviram como base
para a prevenção de AVC na FA por várias
décadas. No entanto, há impasse em prescrevê-
los como profilaxia anticoagulante em parte da
população devido sua janela terapêutica es-
treita, múltiplas interações alimentares e medi-
camentosas e variabilidade interpaciente rela-
cionado a fatores genéticos, demonstrando que
o uso a longo prazo na prática clínica é inviá-
vel (KAKKAR et al., 2013).
Um estudo comparativo em pacientes com
FA que possuíam alto risco de AVC e hemor-
ragias e concluiu que a associação do OAAE Legenda: A imagem especifica a localização exata do
transcateter em relação ao uso de anticoagu- apêndice atrial esquerdo. Fonte: HCI, 2023.

lantes orais foi associado a um menor risco de


O primeiro dispositivo a ser criado foi o
AVC isquêmico, hemorragia e mortalidade
PLAATO, que possui uma membrana de poli-
(NIELSEN-KUDSK et al., 2021). Logo, di-
tetrafluoretileno em uma gaiola de nitinol au-
ante das contraindicações do uso dos anticoa-
toexpansível (BAJWA et al., 2017).
gulantes somado às falhas terapêuticas, torna-
Após esse, começaram a surgir outros dis-
se mais seguro optar pela oclusão do apêndice
positivos com a mesma finalidade e cada vez
atrial esquerdo visando à prevenção de eventos
mais aperfeiçoados. O Watchman - Boston
embólicos nos pacientes.
Scientific surge logo em seguida, sendo um
plugue em forma de guarda-chuva e apresenta
Procedimento
uma estrutura semiesférica de nitinol parcial-
A OAAE consiste no fechamento da auri-
mente revestida com uma membrana de teref-
culeta esquerda - local responsável pela ori-
talato de polietileno, a qual tem a função de
gem de mais de 90% dos coágulos sanguíneos

130 | P á g i n a
gerar uma estrutura permeável para bloquear a Buscando obter êxito no procedimento de
embolização do trombo enquanto fornece um OAAE, é necessário avaliar de forma deta-
andaime, onde a endotelização pode ocorrer. O lhada a conformação anatômica e hemodinâ-
tamanho do dispositivo precisa ser 10% a 20% mica do átrio esquerdo a ser tratado. Assim,
maior que o diâmetro do orifício Apêndice faz-se necessário adquirir as imagens pré-pro-
Atrial Esquerdo (AAE) para garantir um posi- cedimento mediante o uso do ecocardiograma
cionamento estável e suficiente (BAJWA et Transtorácico (ETT) e Transesofágico (ETE),
al., 2017). bem como a utilização de Tomografia Com-
Ademais, outro dispositivo com bastante putadorizada (TC) contrastada para avaliação.
destaque na efetivação da OAAE é o Amplat- A TC pré-procedimento pode ser realizada em
zer Cardiac Plug (ACP). Esse é composto por pelo menos 72 horas antes da cirurgia, en-
um dispositivo autoexpansível, é feito de niti- quanto a ETE pré-procedimento pode ser feita
nol e Dacron. Ele é dividido em 3 partes: o dias ou semanas antes e, até mesmo, no
lóbulo, o disco e o meio. O lobo distal e o mesmo dia do procedimento. A TC realizada
disco proximal são conectados por uma cintura nesse período limite é importante para evitar
articulada. O ACP tem apresentações variadas, acometimento renal (SO et al., 2021).
tendo até 8 tamanhos e a escolha é de acordo A partir dessas imagens, deve-se avaliar:
com o formato do AAE, como o seu implante as dimensões sistólica e diastólica do Ventrí-
em anatomias multilobulares e apêndices atri- culo Esquerdo (VE), massa do VE, volumes e
ais de menor profundidade, Figura 18.2 fração de ejeção do VE, dimensão do Átrio
(BAJWA et al., 2017). Esquerdo (AE), volume indexado do AE e
No Brasil, os principais dispositivos utili- grau de disfunção diastólica. Esses dados são
zados são o Amplatzer e o Watchman, sendo o de suma importância para escolha efetiva da
Watchman o único aprovado nos Estados Uni- técnica, do tamanho e do seguimento ade-
dos desde 2015. Dessa maneira, o dispositivo a quado do procedimento (BARBERATO et al.,
ser utilizado na cirurgia é de escolha do profis- 2013).
sional, que deve levar em consideração a ana- O tamanho do dispositivo pode ser deter-
tomia do AAE relacionado (BARBERATO et minado pelo diâmetro mais largo da zona de
al., 2013). aterrissagem medido por imagem de TC e se-
leção de acordo com as instruções de uso do
Figura 18.2 Imagem do Amplatzer Cardiac Plug dispositivo de escolha. Além disso, é necessá-
rio identificar o ângulo ideal de implantação,
profundidade da colocação, e o posiciona-
mento da ponta do cateter para otimizar a tole-
rância de concentricidade do implante do dis-
positivo com o AAE podem ser determinados
pela TC para orientação do procedimento.
Legenda: A) Lóbulo, B) Disco, C) Cintura, D) Guia de Somando-se a isso, é importante determinar a
estabilização, E) Marca radiopaca e F) Ganchos radio- curvatura do catéter e isso pode ser feito atra-
pacos. Fonte: BARBERATO et al., 2013.
vés de impressões tridimensionais da anatomia
específica do átrio esquerdo e do AAE do pa-
Pré-operatório
ciente. Outro fator importante a ser levado em

131 | P á g i n a
consideração para início do procedimento é a tido (BARBERATO et al., 2013; INTER-
pressão média do AE >10 mm Hg (SO et al., VCOR, 2023; HCI, 2023).
2021). O que se espera são: a separação evidente
entre lóbulo e disco, aspecto em ―pneu‖ do
Cirurgia lóbulo, aspecto côncavo do disco e alinha-
A cirurgia é realizada sob anestesia geral, mento ao trajeto anatômico do AEE. Após o
via veia femoral e com contínua monitorização final do procedimento, o paciente é extubado
do ETE bi e tridimensional e com paciente em ainda na sala de hemodinâmica e vai para a
jejum. O procedimento dura em torno de 30 sala de recuperação onde fica sob observação
minutos a 2 horas. O cateter, fino e flexível, é por 24 horas (BARBERATO et al., 2013; IN-
introduzido via veia femoral direita e caminha TERVCOR, 2023; HCI, 2023).
sob o leito até chegar ao átrio direito via veia As possíveis complicações do procedi-
cava inferior. Uma vez no coração, o cateter, mento são: trombos formados no local da pun-
guiado pelo ETE, perfura a membrana intera- ção da veia femoral, deslocamento da prótese,
trial onde acessa o AE para mobilização da nova formação de coágulos no local da pró-
prótese mecânica no AAE. Um cateter de tese, perfuração esofágica por conta do ETE,
Mullins é inserido no AE e a prótese, onde porém todos estes são raros de ocorrer (BAR-
será liberada no AAE e imediatamente che- BERATO et al., 2013; INTERVCOR, 2023;
cada com um ETE e angiografia. Concomi- HCI, 2023).
tante ao Mullins, um pigtail também está inse-
rido no AE onde irá liberar o contraste para Pós-operatório e seguimento
visualização do AAE. São feitos cortes eco- Em avaliação de registro pelo National
cardiográficos para a estimativa da dimensão Cardiovascular Data Registry, que foram
do AAE, usando como referências a Artéria submetidos ao OAAE com o dispositivo
Circunflexa (ACX) e a Veia Pulmonar Supe- Watchman entre 2016 e 2018, por meio de
rior Esquerda (VPSE) (BARBERATO et al., adesão ao protocolo de estudo pós-procedi-
2013; INTERVCOR, 2023; HCI, 2023). mento, incluindo acompanhamento padroni-
A distância interna do AAE entre a ACX e zado, exames de imagem e agentes antitrom-
1,0 cm abaixo da borda da VPSE define o bóticos. Concomitante, foram analisadas as
colo. A profundidade é estimada a partir do estratégias antitrombóticas usadas comumente
ponto médio do óstio, projetando-se uma linha e foram comparadas as taxas com os riscos de
até o fundo do AAE, paralela ao seu ângulo de eventos adversos por 45 dias a 6 meses. Dentre
inclinação. Tal profundidade deve atingir pelo 31.994 pacientes com sucesso no procedi-
menos 10 mm para possibilitar o procedi- mento, em volta de 12% destes receberam o
mento. Em seguida, as projeções radiográficas protocolo completo de tratamento com o pro-
ântero posterior e oblíqua anterior direita são tocolo mais comum de medicamentos anti-
realizadas para contrastação do AAE e medida trombóticos de alta (warfarina e aspirina, anti-
angiográfica de suas dimensões. A partir do coagulante oral direto - DOAC, e aspirina)
conjunto de medidas ecocardiográficas e angi- (FREEMAN et al., 2022).
ográficas, define-se o tamanho do dispositivo A oclusão do apêndice atrial esquerdo por
ACP a ser implantado, com lóbulo 2 a 4 mm meio do dispositivo Amplatzer Cardiac Plug
acima do maior tamanho do colo do AAE ob- (ACP), também obteve sucesso em 99% dos

132 | P á g i n a
procedimentos em estudo realizado pelo Car-
diovascular Department (University Hospital RESULTADOS
Bern – Berna, Suíça) e COMCEPT (Centro de Os resultados da cirurgia geralmente são
Cardiopatias Congênitas e Estruturais do Pa- positivos, com uma diminuição significativa
raná – Curitiba, PR- Brasil). Dentre 86 paci- no risco de formação de coágulos sanguíneos e
entes consecutivos com FA (fibrilação atrial) eventos cardiovasculares relacionados. Além
com contraindicação de anticoagulação oral, disso, a oclusão de apêndice atrial esquerdo
com seguimento clínico e exames de imagens pode reduzir a dependência de medicamentos
(ecocardiográfica) no mínimo 4 meses após anticoagulantes, que podem ter efeitos colate-
procedimento, 69 pacientes não apresentou rais indesejados. A recuperação da cirurgia é
AVCs nem embolizações tardias da prótese. geralmente rápida e os pacientes podem reto-
Houve 4 complicações maiores (tampona- mar suas atividades normais em poucos dias.
mento, AVCs transitório e embolização), e 2 No entanto, é importante lembrar que cada
menores (derrame pericárdico sem tampona- caso é único e os resultados da cirurgia podem
mento e uma pequena comunicação intera- variar de pessoa para pessoa. É fundamental
trial). Destaca-se 97% dos casos que o apên- que o paciente siga todas as instruções médi-
dice atrial esquerdo estava completamente cas e mantenha um estilo de vida saudável
ocluído, sendo assim, viável com um perfil de para garantir os melhores resultados a longo
segurança aceitável e com reduzidos eventos prazo.
durante o acompanhamento a longo prazo
(GUÉRIOS et al., 2012). CONCLUSÃO
Portanto, a redução de ocorrências tais
Com base nos artigos utilizados na revisão
como AVC ou eventos embólicos causadas
bibliográfica, foi possível compreender e con-
pela FA e possíveis complicações hemorrági-
firmar que a oclusão de apêndice atrial es-
cas quanto ao uso de anticoagulantes, será
querdo (OAAE) é uma opção de tratamento
principalmente ampliada associada a um alto
para pacientes com fibrilação atrial que apre-
índice de sucesso atrelado a um índice aceitá-
sentam alto risco de AVC e não podem usar
vel de complicações e resultados promissores
anticoagulantes. A técnica é minimamente
(FREEMAN et al., 2022; NESTELBERGER
invasiva e oferece benefícios em termos de
et al., 2022).
prevenção de AVC e redução do risco de san-
gramento. No entanto, mais estudos são neces-
sários para avaliar sua eficácia e segurança a
longo prazo.

133 | P á g i n a
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Medicina Intensiva para a residência médica. Medcel,

134 | P á g i n a
Capítulo 19

COMPARAÇÃO DO FECHAMENTO
TRANSCATETER VERSUS
CIRURGIA CONVENCIONAL DE
COMUNICAÇÃO INTERATRIAL
ANNA BEATRIZ VILLANI NOGUEIRA1
BEATRIZ ELISA DE CAMPOS1
CAROLINA GONÇALVES BARBOSA1
GIULIA VERNILLE1
JORGE MAURICIO BRONZE BATISTA JÚNIOR1
LUCAS BITTAR DE MORAIS1
MARIA FERNANDA BELCHIOR MINARI1
VITÓRIA SOUSA MAZZA1

1
Discente – Medicina da Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: Cardiopatias congênitas; Comunicação interatrial; Dispositivo para oclusão septal.

10.59290/978-65-81549-92-3.19 135 | P á g i n a
sultando em morte neonatal ou exigindo cirur-
INTRODUÇÃO gias complexas para correção ou amenização.
A comunicação interatrial (CIA) é uma Muitas vezes, o reparo fornece apenas uma
cardiopatia congênita acianogênica que resulta solução temporária e o paciente requer trans-
de uma falha no desenvolvimento adequado do plante de coração. Além disso, as cardiopatias
septo interatrial durante a gestação. Esta con- congênitas estruturais podem ser acompanha-
dição é relativamente comum, e estima-se que das por defeitos fisiológicos, como condução
afete aproximadamente 1 em cada 1.500 re- anormal de impulsos ou insuficiência cardíaca.
cém-nascidos vivos. Como resultado, o sangue As anomalias estruturais da patologia são fre-
oxigenado pode fluir do átrio esquerdo para o quentemente associadas a mutações nos regu-
direito, em vez de ir para o ventrículo es- ladores de genes que desempenham um papel
querdo e ser bombeado para o corpo. na cardiogênese muito precoce, incluindo TFs
Representa 35% dos casos em relação a (fatores de transcrição), fatores de remodela-
todos os defeitos cardíacos congênitos, sendo ção da cromatina e moléculas de sinalização
considerada a cardiopatia congênita mais pre- (NEES & CHUNG, 2020; MORTON et al.,
valente nos adultos. 2022). No entanto, as ligações entre as vari-
A CIA pode ser assintomática em muitos antes causadoras de doenças e o defeito cardí-
casos e pode passar despercebida até a idade aco resultante não são bem compreendidas.
adulta. Entretanto, quando significativa, os Neste trabalho comparamos duas diferen-
sintomas podem incluir fadiga, dispneia, pal- tes técnicas para o fechamento da comunica-
pitações e infecções respiratórias de repetição. ção interatrial (CIA), sendo elas, via transca-
Além disso, pacientes com CIA possuem risco teter e cirurgia convencional.
aumentado de desenvolver um acidente vas-
MÉTODO
cular cerebral, especialmente aqueles com ou-
tras condições de risco, como fibrilação atrial. Foi realizada uma revisão da literatura
O diagnóstico de CIA é geralmente feito através de consultas na base de dados do Nati-
através de exames de imagem, como ecocardi- onal Library of Medicine (PubMed) e Scienti-
ograma transtorácico ou transesofágico, que fic Eletronic Library Online (SciELO) com
permitem visualizar diretamente o septo inte- uso dos descritores ―atrial septal defect”,
ratrial e verificar se há uma abertura patoló- ―transcatheter closure” e ―cirurgical clo-
gica. O tratamento da CIA pode variar depen- sure”. Como critério de inclusão foram consi-
dendo da gravidade dos sintomas e do tama- deradas publicações entre 2013-2023, na lín-
nho da abertura. Em alguns casos, a CIA pode gua portuguesa ou inglesa, e como critério de
ser tratada com medicações, enquanto em ou- exclusão, publicações que fugiam à temática
tros casos o tratamento pode incluir cirurgia ou abordada.
dispositivos implantáveis, como um disposi-
tivo de oclusão septal. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Defeitos cardíacos congênitos são malfor- Morfologia das comunicações interatri-
mações do coração em desenvolvimento e ais
ocorrem em pelo menos um em cada 100 nas- A comunicação interatrial (CIA) caracte-
cidos vivos (VAN DER LINDE et al., 2011). riza-se pela presença de uma abertura que
A maior porcentagem é de casos graves, re- permite a passagem de sangue entre as duas
136 | P á g i n a
cavidades atriais, sendo classificadas conforme direito. O forame oval patente (FOP) ocorre
a localização do orifício. Entre os principais quando há permanência desse orifício mesmo
tipos de CIA, temos: ostium secundum, seio após o período fetal (O‘BYRNE & LEVI,
venoso e seio coronário (RIGATELLI et al. 2019).
2021).
Tamanho do defeito e indicações para o
Ostium secundum tratamento cirúrgico
O tipo ostium secundum ou, na fossa oval, O tamanho da CIA varia conforme o tipo
é consequência da defasagem na formação do de defeito e tem relação com a intensidade do
septo atrial primitivo durante a embriogênese shunt. A presença de shunt com importante
cardíaca. Os orifícios podem ocorrer na forma repercussão hemodinâmica é um aspecto im-
isolada ou múltipla, com fenestrações na lâ- portante na indicação do tratamento cirúrgico
mina da fossa oval. O tamanho do defeito os- (GEVA et al., 2014). Nesse contexto, podemos
tium secundum é variável, geralmente che- levar em consideração para um shunt intenso,
gando a 3 cm. Esse tipo é o mais indicado para uma razão de fluxo pulmonar e sistêmico
o fechamento não convencional, em decorrên- maior que 1,5. Ademais, para os defeitos seio
cia de sua anatomia mais favorável venoso e seio coronário, a possibilidade de
(O‘BYRNE & LEVI, 2019 . correção se baseia na cirurgia aberta convenci-
onal, em virtude da sua proximidade com boa
Seio venoso parte da veia cava e circulação da veia coroná-
A CIA do tipo seio venoso é mais atípica ria, respectivamente (WIKTOR & CARROLL,
quando comparada com a comunicação na 2018). O reparo via cirurgia aberta também
fossa oval, representando aproximadamente está indicada no caso de CIA associada com
4% das comunicações interatriais. Frequente- outros defeitos cardíacos congênitos, tal como
mente é encontrada próxima da veia cava su- ―cleft‖ de valva mitral, veias pulmonares anô-
perior, mas também pode ser encontrada pró- malas ou até mesmo uma importante regurgi-
xima da veia cava inferior (O‘BYRNE & tação tricúspide (MYLONAS et al., 2020). No
LEVI, 2019). entanto, para o defeito secundum há possibili-
dade de fechamento transcateter, considerado
Seio coronário atualmente uma terapia de primeira linha em
Essa comunicação interatrial está além dos virtude dos bons resultados e por não necessi-
limites da fossa oval, sendo consequência da tar de circulação extracorpórea e esternotomia.
ausência total ou parcial do teto do seio coro-
nário (O‘BYRNE & LEVI, 2019 . Idade x Indicação cirúrgica
Uma série de casos do Mid-Atlantic Group
Forame oval patente of Interventional Cardiology indicou uma
Durante a gestação, a passagem do sangue idade média de 6 anos para a realização do
oxigenado do átrio direito para o átrio es- procedimento percutâneo, com aproximada-
querdo se dá através do forame oval. No en- mente 34% dos casos sendo realizados em
tanto, após o nascimento ocorre o fechamento pacientes com menos de 16 kg. Outra série
fisiológico do forame como consequência da multicêntrica também corrobora com esse
diferença de pressão entre o átrio esquerdo e

137 | P á g i n a
dado, também indicando uma média entre 5 e FA/flutter ocorreu em 8,3% dos pacientes,
7 anos (O‘BYRNE et al., 2018). enquanto em outro, 40 pacientes apresentaram
novo início de FA aos 5 anos de acompanha-
Mortalidade mento (HORNUNG et al., 2013).
Se o defeito do septo atrial não for tratado,
há um aumento de aproximadamente 7-5% na Abordagem Cirúrgica Convencional
mortalidade anualmente na faixa dos 40 anos O procedimento cirúrgico segue a seguinte
de idade (GEVA et al., 2014)1. A observação sequência, independente da técnica abordada.
indica que 65% dos estudos examinados não Inicialmente, é realizada uma toracotomia me-
mencionam diferenças relevantes na mortali- diana, a qual será seguida pela dissecção do
dade entre as diferentes intervenções, enquanto tecido pericárdico e a entrada do paciente na
35% destacam uma incidência menor de mor- circulação extracorpórea. Posteriormente, o
tes na intervenção transcateter quando compa- paciente é posto sob um regime de hipotermia
rada ao método mais invasivo. Foram registra- e recebe infusão de cardioplégicos, tendo em
dos óbitos em uma proporção entre 0 e 0,015% mente que o tempo sobre CEC é limitado, com
nos casos em que se utilizou o método trans- a finalidade de evitar alto grau de isquemia
cateter, enquanto no procedimento cirúrgico a miocárdica.
taxa variou entre 0,3% e 0,9% (O‘BYRNE & Logo em seguida, abre-se uma janela no
LEVI, 2019). átrio direito, evitando lesar o nodo sinusal e
veia cava.
Presença de arritmias no pós-operatório Um enxerto, normalmente de pericárdio
As arritmias atriais, incluindo a fibrilação bovino, será meticulosamente selecionado e
atrial (FA), são comuns em pacientes adultos, implantado no forame oval persistente, iso-
mas não tão frequentes em crianças. Estudos lando-se as veias pulmonares para o átrio es-
randomizados mostraram que o fechamento do querdo. Assim é dada como ocluída, a comu-
forame oval patente (FOP) usando endopróte- nicação interatrial.
ses tem menor ou mesma chance de interferir Finalmente, o ecocardiograma avalia o re-
no ritmo cardíaco. Dentre os materiais usados sultado do procedimento.
nessa intervenção, temos o Amplatzer PFO
Occluder e o GORE Occluder, onde o primeiro Abordagem Percutânea
apresentou uma menor taxa de incidência de A oclusão de forame oval persistente via
FA em comparação ao segundo. A incidência percutânea pode ser realizada por múltiplas
de FA nos estudos randomizados com o dispo- abordagens, sendo a mais comum, em veia
sitivo Amplatzer foi de 3,93%, enquanto com femoral.
o dispositivo GORE foi de 6,57% (VUKA- Após a anestesia, antibioticoterapia profi-
DINOVIĆ et al., 2022)3. Em outra pesquisa, a lática, anticoagulação e a realização de exames
FA foi observada em apenas um paciente e a de imagem, será introduzido o cateter. O diâ-
radiografia de tórax mostrou cardiomegalia em metro da comunicação será mensurado por um
19 pacientes (ABID et al., 2013). Em outro catéter balão, avaliado quanto às suas bordas,
estudo, a taxa de incidência de FA recente foi por radiografia ou ecocardiografia com o color
de 0,18-0,48 com um intervalo de confiança de Doppler.
95% (LI et al., 2013)4. No mesmo estudo, a

138 | P á g i n a
A técnica varia de acordo com o implante shunt atrial que leva a instabilidade hemodi-
utilizado. Porém, há pontos comuns entre elas. nâmica. Este estudo realizou a comparação
Antes de sua utilização, a prótese estará imersa entre dois métodos distintos para realização da
em soro fisiológico, retirando o ar de sua ma- correção da CIA, sendo o tratamento cirúrgico
lha e retalhos. Para o procedimento, o disposi- aberto o mais indicado em casos de defeitos de
tivo será parafusado ao cabo liberador, intro- seio venoso e seio carotídeo, entre outros. En-
duzido no carregador e transferido para a bai- tretanto, o defeito secundum possibilita sua
nha de entrega, a qual está posicionada (previ- correção via transcateter e obtém bons resulta-
amente), na veia pulmonar superior esquerda. dos.
A ancoragem da prótese varia de acordo com o Comparando as duas intervenções também
seu tipo e confirmação, porém todas elas ga- é possível notar que há uma menor incidência
rantem que não haverá fluxo sanguíneo do de mortes na intervenção transcateter quando
átrio direito ao esquerdo, com o seu uso cor- comparada com o método cirúrgico convenci-
reto. Em seguida da comprovação de ausência onal. Além desse fato, por estudos randomiza-
de fluxo residual significativo e posição ade- dos pode-se concluir que o fechamento do
quada, o cabo liberador é solto. forame oval patente (FOP) usando endopróte-
O sucesso do procedimento será determi- ses tem menor ou mesma chance de interferir
nado na ausência de shunt residual no ecocar- no ritmo cardíaco, podendo resultar em pre-
diograma transesofágico e posicionamento sença de arritmias no pós-operatório.
adequado da prótese. O procedimento realizado é distinto, o
Na comparação entre as duas técnicas, fo- convencional é mais invasivo com realização
ram encontrada significativamente menos da toracotomia mediana, o tecido pericárdico é
complicações no grupo que passou por oclusão dissecado e o paciente é colocado em circula-
de CIA percutânea. Odds ratio de 0.45, 95% ção extracorpórea. Enquanto no procedimento
de intervalo de confiança, [0.28, 0.72], p < transcutâneo, são utilizadas diversas aborda-
0.00001) (CHAMBAULT et al., 2022). gens, porém, a mais comum é a veia femoral,
na qual é introduzido um cateter balão guiado
CONCLUSÃO por radiografia ou ecocardiografia com color
A CIA, responsável por mais de ⅓ dos ca- Doppler, sendo considerado um método menos
sos de cardiopatias congênitas, resulta em um invasivo.

139 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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v. 20, n. 6, p. 37, 2018.

140 | P á g i n a
Capítulo 20

CIRURGIA E
MICROCIRURGIA
RECONSTRUTIVA DAS MÃOS

SAMIRA DOS SANTOS FERREIRA DE FREITAS1


GIOVANNA RAJEVSKI ALVES1
EDUARDO DE OLIVEIRA SIDNEY DE SOUZA GOMES1
MARIA JÚLIA GODOY SIQUEIRA1
MELISSA FRANCIELY BATISTA MARQUES1
DENISE PAIA LAGASSE1
TAYNÁ ARIAS ROLIM1

1
Discente – Universidade Anhembi Morumbi - Campus Mooca

Palavras Chave: Lesão; Cirurgia; Tratamento.

10.59290/978-65-81549-92-3.20 141 | P á g i n a
aliviar a dor e restaurar a função (BELLOTI et
INTRODUÇÃO al. 2020).
A medicina possui diversas especialidades A tenossinovite de Quervain é uma patolo-
que visam tratar e curar diferentes partes do gia que afeta os tendões dos músculos abdutor
corpo humano. Uma dessas especialidades é a longo e extensor curto do polegar, resultando
cirurgia de mão e microcirurgia reconstrutiva, em degeneração do compartimento hospe-
que se dedica a tratar doenças e lesões que deiro. O tratamento inicial é com injeções de
afetam o membro apendicular superior. Com o corticóide e imobilização, mas em casos gra-
avanço da tecnologia e técnicas cirúrgicas, a ves pode ser necessária à cirurgia para libera-
área tem se mostrado cada vez mais eficiente, ção do compartimento dorsal das mãos, e téc-
promovendo resultados benéficos funcionais e nicas como reparo do retináculo extensor e
estéticos, além de reduzir o período de recupe- alongamento escalonado podem ser usadas em
ração dolorosa (IAMAGUCHI et al. 2022). casos mais complexos (ILYAS et al., 2007).
A Síndrome do túnel do carpo é um distúr- Fraturas de punho são comuns em quedas
bio sensorial nos membros superiores, cau- com a mão estendida e fletida para trás e sob
sando formigamento, dor e dormência nas traumas de alta energia. As fraturas mais co-
mãos devido à compressão do nervo perifé- muns são do terço distal do rádio e do es-
rico. A cirurgia pode auxiliar nos sintomas cafóide no carpo. O tratamento conservador é
(KOUYOUMDJIAN, 2000). indicado para fraturas estáveis e com desvio
Os cistos sinoviais, também conhecidos menor que 2mm, enquanto o tratamento cirúr-
como cistos gangliônicos, são comuns na mão gico é indicado para fraturas instáveis, irredu-
e no pulso, mas a maioria é assintomática. O tíveis, expostas, com perda óssea ou ruptura de
cisto sinovial volar pode ser encontrado entre tendão. Nesses casos, é necessária uma revisão
os tendões do flexor radial do carpo e do fle- das técnicas eficientes para tratamento dos
xor longo do polegar e a cirurgia pode resolver tecidos moles e ossos (SILVA & GIOSTRI,
os sintomas (GREGUSH & HABUSTA, 2021).
2023). O objetivo deste estudo foi abordar as do-
O dedo em martelo é uma lesão que ocorre enças e lesões mais comuns que afetam mão e
quando há avulsão do tendão extensor que se o braço contextualizando os seus sintomas,
insere na base da falange distal, podendo estar diagnóstico e tratamentos disponíveis.
acompanhada de fratura, danos em ligamentos
MÉTODOS
e cápsula articular. O tratamento pode ser con-
servador ou cirúrgico, dependendo da etiologia Consiste em uma revisão bibliográfica dos
e gravidade da lesão (ALMEIDA et al., 2018). últimos artigos, revistas relacionadas com a
Dedo em gatilho é uma condição que im- área e relato de casos, realizada durante o mês
pede a extensão ativa dos dedos, sendo mais de março de 2023, através de pesquisas inclu-
comum em pessoas acima de 60 anos e afe- indo as Síndrome do túnel do carpo, Cisto si-
tando principalmente o dedo anular. O trata- novial, Dedo em martelo, Dedo em gatilho,
mento geralmente começa com intervenções Tenossinovite de Quervain, Fratura de punho e
não cirúrgicas, mas em casos graves pode ser quinto pododáctilo. Através da pesquisa de
necessária intervenção cirúrgica precoce para artigos nas seguintes bases de dados: PubMed,

142 | P á g i n a
SciELO, The Lancet, Revista Brasileira de mulheres possuem uma predisposição três ve-
Ortopedia e livros de cirurgia e ortopedia. zes maior à formação de tais cistos em compa-
Como critérios de inclusão, foram utiliza- ração aos homens. Vale destacar, ainda, que
dos: revisões sistemáticas, relatos de caso, tais cistos são recorrentemente identificados
metanálises e livros em inglês ou português; em ginastas, em decorrência do trauma repeti-
publicados no período de 10 anos (2013 – tivo e do estresse sofrido pela articulação do
2023) e que incluíam as temáticas e descritivos punho durante a prática da modalidade em
propostos pela pesquisa. Alguns artigos fora questão (GREGUSH & HABUSTA, 2023).
do período de pesquisa foram incluídos para A cirurgia é indicada apenas para pacientes
corroborar com o estudo. com sintomas contínuos que falharam no ma-
Os critérios de exclusão foram: revisões nejo conservador ou queixas estéticas. Embora
ultrapassadas ou que não se adequaram ao existam controvérsias sobre qual é a melhor
assunto. Selecionados os artigos e capítulos foi técnica, a grande maioria das cirurgias realiza-
feita uma leitura criteriosa a fim de se obter das baseia-se no conceito de que não é neces-
informações relevantes para o estudo. Os re- sário remover o cisto, mas sim o seu conteúdo
sultados foram apresentados de forma descri- por meio da incisão do pedículo, diminuindo o
tiva e através da divisão de temas, divididos risco de recidiva (OLIVEIRA et al., 2019).
por quadro clínico e técnicas cirúrgicas. Atualmente, a artroscopia é amplamente
reconhecida como uma técnica consolidada no
RESULTADOS E DISCUSSÃO tratamento de patologias ortopédicas. Com o
Cisto Sinovial Volar avanço contínuo da tecnologia, a artroscopia
Os cistos sinoviais também chamados de das pequenas articulações permite o diagnós-
cisto gangliônico representam a massa de te- tico e tratamento imediato de lesões intra-arti-
cido mole mais prevalente encontrada na mão culares por meio de visualização direta tem se
e no pulso, sendo uma ocorrência comum na mostrado uma alternativa minimamente inva-
rotina ortopédica, vale ressaltar que a maioria siva à técnica aberta.
dos cistos ganglionares é assintomática. O Essa abordagem apresenta várias vanta-
cisto sinovial volar é observado sob a pele gens, como redução da dor no pós-operatório,
entre os tendões do flexor radial do carpo e do menor cicatrização, menor rigidez e retorno
flexor longo do polegar, A excisão cirúrgica mais rápido às atividades laborais, sem au-
pode propiciar a resolução dos sintomas apre- mento na incidência de complicações. Em
sentados pelos pacientes, contudo, faz-se ne- 2003 descreveram pela primeira vez a técnica
cessária uma compreensão acurada da anato- de ressecção artroscópica de cistos volares e,
mia subjacente ao cisto, a fim de se evitar le- desde então, foram publicadas poucas séries
sões em estruturas neurovasculares situadas avaliando essa modalidade de tratamento
nas proximidades do cisto gangliônico (GRE- (OLIVEIRA et al., 2019).
GUSH & HABUSTA, 2023). Embora o uso da artroscopia para o trata-
Embora a formação de cistos ganglionares mento dos cistos sinoviais ocorra mais por
possa ocorrer em indivíduos de todas as faixas razões estéticas, devido à cicatriz menor, a
etárias, é mais frequente em mulheres que se técnica é menos invasiva e pode apresentar
encontram na faixa etária compreendida entre diminuição da dor pós-operatória em alguns
20 e 50 anos, é importante ressaltar que as pacientes. Contudo, é importante ressaltar que

143 | P á g i n a
essa opção pode apresentar custos mais eleva- portal (Imagem 20.1) ou de dois portais (Ima-
dos em relação à excisão aberta (KIM & LEE, gem 20.2). Sugere-se que a abordagem por um
2016). portal seja mais efetiva na manutenção da in-
tegridade do nervo radial superficial (KANG
Tenossinovite de Quervain et al., 2011).
A tenossinovite de Quervain é uma patolo-
gia que resulta da resistência dos tendões dos Imagem 20.1 Liberação endoscópica em um portal
músculos abdutor longo do polegar e extensor
curto do polegar posto um processo degenera-
tivo em seu compartimento hospedeiro ou em
seu canal ósseo. Sua epidemiologia indica que
atinge em maior quantidade pacientes do sexo Fonte: KANG et al., 2013.
feminino.
Ainda que o tratamento com injeções de Imagem 20.2 Liberação endoscópica em dois portais

corticóide e a imobilização do polegar resul-


tem em um bom prognóstico, em casos resis-
tentes indica-se a cirurgia para liberação do
compartimento dorsal das mãos. Em pacientes
com maior refratariedade e em casos mais
Fonte: KANG et al., 2013.
complexos, podem ser aplicadas ainda técnicas
como reparo do retináculo extensor e o alon- Dentro do tratamento conservador pré-ci-
gamento escalonado (ILYAS et al., 2007). rúrgico, tem-se uma média de duas injeções de
Usualmente, as complicações adjuntas ao esteróides com continuidade de dor e perda de
tratamento cirúrgico incluem lesão do nervo eficiência. Uma taxa baixa de implementação
radial superficial, hipertrofia cicatricial, dor do tratamento conservador, o que pode corro-
residual e subluxação. Entre as técnicas cirúr- borar a taxa de complicação em tratamento
gicas descritas e tabeladas por metanálise es- cirúrgico (ROWLAND et al., 2015).
tão: ressecção parcial do retináculo extensor, A longo prazo, o impacto cirúrgico foi sig-
alongamento do retináculo extensor, liberação nificativo e favorável, com regressão de inca-
aberta e liberação endoscópica (BOSMAN et pacidade funcional e menores taxas de recidiva
al., 2022). quando comparado ao tratamento conservador.
A despeito de um bom resultado em ambas Os problemas residuais são, geralmente, rela-
as técnicas cirúrgicas, não foram apresentadas cionados a doenças associadas (GARÇON et
diferença de eventos adversos quando compa- al., 2018).
rada a cirurgia aberta e a cirurgia endoscópica.
Conquanto, a utilização de escala DASH em Cirurgia em Fratura de Punho e Pri-
ensaios clínicos randomizados indica melhora meiro Quirodáctilo
da dor mais proeminente em pacientes subme- Fraturas de Punho acontecem principal-
tidos à técnica endoscópica (KANG et al., mente em quedas com a mão estendida e fle-
2013). tida para trás e sob traumas de alta energia. As
mais comuns são do terço distal do rádio, em
Entre as abordagens endoscópicas são des- seguida, as fraturas de escafóide no carpo.
critas duas formas de liberação: através de um Fraturas estáveis e com desvio menor que 2

144 | P á g i n a
mm e sem angulação, realiza-se tratamento pela classificação de Albertoni, está classifi-
conservador por meio de redução e imobiliza- cada também quanto ao tipo de lesão. A inter-
ção, enquanto as instáveis, irredutíveis, ex- venção feita para corrigir tal deformidade está
postas, com perda óssea, ou rompimento de
diretamente ligada a estes fatores, podendo ser
tendão exigem um tratamento cirúrgico com
revisão de técnicas eficientes para tratamento conservadora ou cirúrgica (ALMEIDA et al.
dos tecidos moles e ossos (SILVA & GIOS- 2018).
TRI, 2021). Lesão de mão no geral representa 20% de
Em fratura de Ulna e Rádio devem ser todas as lesões vistas na emergência. Lesão do
avaliados os pulsos arteriais radial e ulnar, e tendão extensor representa 5.6% das lesões de
em seguida realizar imobilização na posição
em que são encontradas, usando uma tala do mão e punho (BARRIOS et al.,2020).
tipo a vácuo (STARKEY & RYAN, 2001.). A classificação de Albertoni divide a lesão
A fratura de escafóide não desviada e não de acordo com os achados de uma radiografia
consolidada pode ser tratada com fixação per- em perfil da articulação IFD, e categoriza em 4
cutânea com parafuso e injeção de enxerto tipos:
ósseo, enquanto a desviada exige redução
a) Lesão tendínea pura, sem fratura;
aberta com fixação interna, por meio de fios de
K ou parafuso compressivo enterrado sem ca- b) Lesão com avulsão óssea;
beça. Outra região da mão fraturada com fre- c) Lesão Associada à fratura da região dor-
quência é a Carpometacarpal do polegar. As sal da falange distal. Compreende ⅓ ou mais
mais comuns são: Fratura de Bennett, Fratura da superfície articular; e
de Rolando, Fratura extra articular e Fratura d) Descolamento epifisário em crianças.
epifisárias.
Nos quadros agudos de Fratura de Bennett Cada tipo ainda segue uma subdivisão 1 e
frequentemente é realizada redução com fixa- 2. Nos tipos A e B, o subtipo 1 é dado por uma
ção percutânea com pino atravessando o corpo deformidade em flexão menor que 30° e sub-
do metacarpo até o próprio fragmento ou tra- tipo 2 por uma deformidade maior ou igual a
pézio, abdução e pressão sobre o segmento 30°. No tipo C, os subtipos 1 e 2 classificam a
proximal do metacarpo, com pronação. En-
congruência articular. Sendo 1 para articulação
quanto as Fraturas de Rolando com grandes
fragmentos, podem ser corrigidas com redução congruente e 2 para subluxação ou luxação. E
aberta e fixação interna, e as com alto grau de por último, no tipo D, os subtipos 1 se referem
cominuição, realiza imobilização com gesso, ao descolamento epifisário (lesão de Salter-
tração ou redução aberta limitada com fixação Harris tipo 1) e 2 para fratura-descolamento
interna e imobilização com gesso (SKINNER (Salter-Harris tipo 3). Comparado com outras
& B.MCMAHON, 2015).
classificações, a de Albertoni define a progra-
Dedo em Martelo mação terapêutica. Lesão tipo A1 e B1 = Tra-
Dedo em martelo (mallet finger) é definido tamento clássico com imobilização. Lesões C1
como uma lesão ocasionada pela avulsão da e D são tratadas com redução e imobilização
parte terminal do tendão extensor que se insere com tala metálica. Lesão tipo A2, B2 e C2
na base da falange distal (RAMPONI & HEL- normalmente requerem tratamento cirúrgico
LIER, 2019). A lesão pode estar acompanhada (ALMEIDA et al. 2018).
de fratura, perda de congruência articular, da- Alguns métodos utilizam fios de Kirschner
nos em ligamentos e cápsula articular. Depen- para promover osteossíntese e ajudar a reduzir
dendo da etiologia, temos um grau de defor- a angulação patológica da falange distal, ou-
midade maior ou menor, este pode ser definido tros fazem uso de redução aberta e fixação
interna com placa-gancho e parafuso para tra-
145 | P á g i n a
tar fraturas que ocorrem no Dedo em Martelo, Figura 20.4 Placa e parafuso pré fabricado utilizado na
lesão óssea de Dedo em Martelo
este mostrou ser um método seguro e eficaz
(IMOTO et al., 2016). Temos também relatos
de fixação com parafusos, pinos absorvíveis,
parafusos.
Outro tratamento cirúrgico encontrado
para Dedo em Martelo crônico envolve re-
construção anatômica do tendão terminal e
Fonte: IMOTO et al. 2016.
banda lateral com enxerto de tendão palmar
longo (Figura 20.3) (Suzuki et al., 2018) As Figura 20.5 Radiografia pós-operatória na incidência
indicações para esse tipo de cirurgia envol- anteroposterior e perfil que evidencia o processo de
consolidação da fratura.
vem:
- Tentativa de tratamento não cirúrgico
com uma órtese durante mais de 3 meses desde
a lesão inicial;
- Dificuldade nas atividades diárias de-
vido à falta de extensão;
- Contra Indicação é feita para casos de
Dedo em Martelo crônico com lesão óssea de
fragmento grande.
Fonte: IMOTO et al. 2016.
Figura 20.3 Técnica cirúrgica. A O tendão PL é do-
brado em 2. B Extensão completa da Articulação Inter- A reconstrução anatômica do tendão ter-
falangeana Distal é confirmada puxando o tendão PL. C minal e banda lateral com a utilização de um
Tendões passam por baixo do ligamento retinacular
transverso e suturado na banda lateral da falange proxi- enxerto de tendão palmar longo é indicada
mal. D Tensão do enxerto é ajustada firmemente. para Dedo em Martelo Crônico. Esse método
oferece reconstrução anatômica do tendão,
trazendo o posicionamento da falange distal a
0° quando em extensão.
O procedimento visa trazer qualidade de
vida e melhora estética, visto que a deforma-
ção traz prejuízos a algumas atividades do dia
a dia.
Fonte: SUZUKI et al. 2018.
O enxerto coletado do tendão palmar longo
é dobrado e inserido a um remanescente do
O método utilizando placa-gancho e para-
tendão terminal original na articulação inter-
fuso (Figura 20.4) (pré-fabricado e usado
falangeana distal. Ambas as dobras tendíneas
nesse tipo de lesão) faz a fixação utilizando
são passadas por baixo do ligamento retinacu-
parafuso cortical de mini fragmentos de 1,2 ou
1,5mm de acordo com a espessura da falange lar transverso e suturado lado a lado à banda
acometida (IMOTO et al., 2016).(Figura lateral no nível da falange proximal. A articu-
20.5). lação interfalangeana distal é fixada em 0° de
extensão com fio de Kirschner de 1.0mm.
Após 4 semanas, este é removido.

146 | P á g i n a
Comentando a técnica de fio de Kirschner ses. Em pacientes com apresentação inicial
isoladamente, essa seria a melhor alternativa com deformidade de flexão ou incapacidade de
em relação à técnica de ancoragem para trata- flexionar o dedo, pode haver indicação pre-
mentos cirúrgicos inevitáveis, pois apresenta coce de tratamento cirúrgico devido à intensi-
menor gasto econômico e complicações (HU- dade da dor e incapacidade funcional (BEL-
ANG et al., 2021). LOTI et al. 2020).
De acordo com um estudo de Revisão Sis- Embora o tratamento com injeções locais
temática, a cirurgia para o caso de lesão de de corticosteróides pode ser usado visando o
partes moles pode ser um tratamento efetivo. controle de condições inflamatórias do dedo
Mas levando em conta alta avaliação de com- em gatilho, o tratamento mais indicado é a
plicações e aumento de despesas, imobilização cirurgia, de modo que possui eficácia superior
e tratamento consevador deve ser utilizado de em relação às taxas de cura e reincidência
preferência para a maioria dos casos. O mesmo (SATO et al., 2012).
estudo mostrou que não há grande nível de A cirurgia consiste na incisão da polia A1.
evidência que sustente a superioridade de ci- Ela pode ser executada via percutânea ou pela
rurgias sobre o tratamento do Dedo em Mar- forma tradicional aberta.
telo com órteses. Os mesmos podem oferecer O método percutâneo consiste em posicio-
resultados similares (LIN et al., 2018). nar a mão afetada do paciente em supinação.
Com uma caneta marcadora de pele, faz-se um
Dedo em Gatilho traço sobre o eixo longitudinal do dedo. Infil-
O médico francês, Alphonse Notta, em tra- se, no tecido subcutâneo e ao redor da po-
1850, foi o pioneiro em descrever o dedo em lia A1, 2 ml de anestésico local (lidocaína a
gatilho, também conhecido como tenossinovite 2%, sem vasoconstritor) (Figura 20.6a). As
estenosante, que ocorre como resultado do articulações metacarpofalangeanas e as inter-
impedimento da extensão ativa dos dedos, falangeanas dos dedos devem ficar em total
causada pela desproporção entre o diâmetro extensão com o intuito de deslocar dorsal-
dos tendões flexores e o sistema de polias mente os feixes neurovasculares, diminuindo a
(CLAPHAM et al., 2009). chance de lesionar essas estruturas durante o
Essa patologia acomete de 2 a 3% da po- procedimento. Deve-se posicionar o bisel da
pulação, a partir dos 60 anos. O dedo mais agulha no sentido do seu corte paralelamente
afetado é o anular, seguidos pelos dedos mé- ao eixo longitudinal do dedo (Figura 20.6b).
dio, polegar, mínimo e indicador. 70% das Introduzindo-se perpendicularmente uma
vezes a mão dominante é acometida. Sendo as agulha hipodérmica 40x12 na pele na região
mulheres duas vezes mais suscetíveis de apre- da polia A1. Confirmando-se o posiciona-
sentarem dedo em gatilho do que os homens mento da agulha no tendão flexionando o dedo
(N JHS et al., 2019). e observando o deslocamento concomitante da
Diabéticos possuem 15% a mais de chance agulha (Figura 20.6c). Logo depois, é feita a
de desenvolver tenossinovite do que a popula- retração da agulha até que ocorra a parada da
ção em geral (LIN et al., 2019). oscilação concomitante desta com a movi-
O tratamento do dedo de gatilho normal- mentação passiva do dedo. Em seguida, reali-
mente começa com intervenções não cirúrgi- zam-se movimentos longitudinais no sentido
cas que são instituídas por pelo menos 3 me- da polia, a fim de seccioná-la (Figura 20.6d).

147 | P á g i n a
Solicita-se ao paciente que realize movimentos Figura 20.7 (a) Incisão e abertura da polia flexora (b)
Tendão exposto
ativos de flexoextensão do dedo operado para
confirmar se houve liberação total da polia. Se
for preciso, se repete os movimentos longitu-
dinais com a agulha, até que se certifique a
liberação completa do gatilho. A seguir, retira-
se a agulha, encerrando o procedimento, e rea- Fonte: BELLOTI et al., 2022.
liza-se o curativo, não necessitando de imobi-
lização. Orientam-se os pacientes a evitarem Síndrome do Túnel do Carpo
atividades manuais e a realizar crioterapia com A síndrome do túnel do carpo é um distúr-
uma bolsa contendo pedras de gelo no dia da bio sensorial que causa formigamento, dor e
realização do procedimento. dormência nas mãos devido à compressão do
A técnica do método aberto consiste em nervo periférico e é considerada a neuropatia
deixar o paciente em decúbito dorsal, após a mais comum dos membros superiores. A epi-
aplicação da anestesia. Realiza-se uma incisão demiologia mostra predominância no sexo
transversal cutânea no local correspondente à feminino. Em relação à idade, tem grande in-
polia flexora. Então se identifica e afasta deli- cidência entre 31 e 60 anos. Os sintomas fo-
cadamente os nervos digitais de cada lado e a ram, em sua maioria, relatados bilateralmente
polia flexora é visualizada (Figura 20.7a) A (KOUYOUMDJIAN, 2000).
polia é incisada no seu sentido longitudinal e O tratamento cirúrgico mostrou regressão
expõem o tendão (Figura 20.7b). Após a su- significativa dos sinais e sintomas em relação
tura da pele, cobre-se a ferida com curativo ao tratamento com órtese noturna e infiltração
estéril, sem imobilização, por mais ou menos 1 de corticoide. São candidatos à cirurgia, paci-
uma semana. entes que não apresentaram melhora com o
tratamento conservador ou apresentam sinais
Figura. 20.6 (a) Anestesia da pele e do tecido celular de longa evolução. A cirurgia tem o propósito
subcutâneo, com o eixo longitudinal do dedo demarcado
(b) Posicionamento correto do bisel da agulha no mo-
de diminuir a pressão intra túnel através do
mento de sua introdução (c) Deslocamento da agulha ao aumento do seu volume, por uma secção do
se flexionar passivamente o dedo (d) Seccionando-se a retináculo dos flexores, assim liberando o
polia A1
nervo mediano.(CHAMMAS et al., 2014).
Existem três técnicas cirúrgicas usadas
para esse tratamento. Sendo a primeira, cirur-
gia aberta que acontece por anestesia local,
locorregional ou geral pela secção do retiná-
culo dos flexores, seguido da verificação do
nervo e fechamento. A segunda são técnicas
Fonte: BELLOTI et al., 2022. chamadas de mini open que podem ser com
incisão próximo ao RF (Retináculo dos Flexo-
res), incisão na dobra da flexão do punho e
com bordas duplas (CHAMMAS et al., 2014).
A última é por via endoscópica com a técnica
mais usada sendo a do estadunidense Chow,

148 | P á g i n a
no qual é usado um artroscópio e uma cânula e entes submetidos aos procedimentos. As técni-
pode causar compressão do nervo mediano cas são variáveis e amplamente significativas
pré-operatório. Dessa maneira necessita de em termos de cicatrização e dor a que os paci-
prática a fim de evitar complicações (ZU- entes são submetidos após a cirurgia.
MIOTTI & OHNO, 1994). As indicações para encaminhamento ao
Os melhores prognósticos são cirúrgicos, centro cirúrgico são indicadas após tratamento
em relação à imobilização. Entretanto, está conservador, em casos de refratariedade e re-
passível de complicações tanto menores como cidiva da patologia por métodos farmacológi-
mais graves. A dor cicatricial é a mais comum, cos e não invasivos. Dentre as metodologias
mas ainda é possível ter hematomas, infecções prévias ao tratamento invasivo, citam-se imo-
e lesões nervosas. Com o intuito de evitar es- bilização correta, drenagem, injeções de corti-
sas complicações deve-se avaliar o benefício coide, uso extensivo de analgésicos e medidas
cirúrgico para cada paciente (VERDUGO et fisioterapêuticas. A fisioterapia é indicada na
al., 2008). maioria dos procedimentos após a cirurgia
para promover uma recuperação bem-suce-
CONCLUSÃO dida.
Em relação às cirurgias reconstrutivas e Em suma, a avaliação do tratamento de
microcirurgias das mãos, é possível explicar cada paciente deve ser subjetiva e levar em
uma alta incidência de resultados positivos. consideração todas as aptidões individuais
Embora muitas patologias possam acometer as para um bom prognóstico. A manutenção de
mãos, o tratamento cirúrgico impõe bom prog- uma expectativa realista dentro de cada plano
nóstico, com menores taxas de recorrência, terapêutico é fundamental, assim como o co-
menos dor local, regressão das incapacidades nhecimento das abordagens prévias às que
funcionais e promoção da satisfação dos paci- conduzem ao centro cirúrgico.

149 | P á g i n a
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150 | P á g i n a
Capítulo 21

UMA COMPARAÇÃO ENTRE


ARTROSCOPIA E ARTROTOMIA,
PARA RECONSTRUÇÃO DE
LIGAMENTOS DO PIVÔ CENTRAL
LUCAS BITTAR DE MORAIS1
LUÍS FELIPE ALVARENGA SANTOS1
THAÍS VIEIRA DALLA PRIA1
VINICIUS SIMÕES NASCIMENTO COHN1
JOÃO PEDRO DA FONSECA SARMENTO1
GIOVANNA CAROLINA MAGALHÃES GIRO1
ISABELLE DE OLIVEIRA FAJARDO1
CAMILA GUARDIA SUTILO1

1
Discente – Universidade Anhembi Morumbi

Palavras Chave: ACL·, PCL, Arthroscopy.

10.59290/978-65-81549-92-3.21 151 | P á g i n a
mos as indicações, benefícios e riscos associa-
INTRODUÇÃO dos a cada técnica.
A artroscopia e artrotomia são duas técni- O objetivo desse capítulo se resume a des-
cas cirúrgicas diferentes usadas para tratar crição e comparação qualitativa das duas téc-
lesões nos ligamentos do pivô central do joe- nicas cirúrgicas abordadas.
lho, que incluem o ligamento cruzado anterior
MÉTODOS
(LCA) e o ligamento cruzado posterior (LCP)
(MCKEON et al., 2011). Os ligamentos do Este capítulo é uma revisão integrativa, na
pivô central são vitais para a estabilidade e o qual, foram selecionados artigos no PubMed,
movimento da articulação do joelho, e lesões livros de cirurgia ortopédicas, a biblioteca Co-
nesses ligamentos podem causar dor significa- chrane e Scielo, como um banco de dados para
tiva e limitar a mobilidade (CURY et al., detalharmos tanto as abordagens artroscópicas
2012). e abertas, para assessorar a reconstrução dos
A artroscopia é um procedimento cirúrgico ligamentos LCA e LCP. Para realização da
minimamente invasivo que envolve a inserção busca, foram utilizados os descritores: LCA,
de uma pequena câmera e instrumentos cirúr- LCP, arthroscopy, artroscopia, cirurgia aberta,
gicos através de pequenas incisões no joelho. ACL e PCL. Foram utilizados tanto estudos
A câmera permite que o cirurgião visualize o descritivos, quanto analíticos, para melhor
interior da articulação e os instrumentos são detalhamento e comparação entre as técnicas.
usados para reparar ou remover o tecido dani- Os critérios de inclusão foram: artigos no idi-
ficado. A artroscopia é normalmente realizada oma português ou inglês, que abordaram a
sob anestesia local ou geral, e os pacientes temática proposta para essa pesquisa. Os crité-
geralmente sentem menos dor e um tempo de rios de exclusão foram: duplicatas, que não
recuperação mais rápido em comparação com abordam a proposta estudada diretamente e
a cirurgia aberta tradicional (FERNANDEZ & que não atendem aos demais critérios de inclu-
PUGH, 2012). são.
Por outro lado, a artrotomia é um procedi- Após passarem pelos critérios de inclusão
mento cirúrgico aberto que envolve fazer uma e exclusão, restaram sete artigos os quais fo-
incisão maior na articulação do joelho. Isso ram destrinchados de forma minuciosa, para a
permite que o cirurgião acesse diretamente o coleta de dados pertinentes à análise e foram
tecido danificado e faça reparos. A artrotomia divididos entre os tipos de estudo: capítulos de
geralmente é realizada sob anestesia geral e livros pré-existentes, artigos descritivos e ana-
pode exigir uma internação mais longa e um líticos.
período de recuperação mais extenso Como uma limitação do estudo, pode ser
(KOPKE, 2013). colocada a amostra reduzida, dos estudos pri-
Tanto a artroscopia quanto a artrotomia mários selecionados. Isso é devido a sua pró-
têm suas vantagens e desvantagens, e a escolha pria natureza descritiva, em sua maioria.
da técnica cirúrgica depende das necessidades
específicas do paciente e da gravidade da le- RESULTADOS
são. Nesse contexto, compararemos a artros- Foram selecionados 10 artigos para a reali-
copia e a artrotomia para o tratamento das le- zação de uma revisão integrativa. A partir de-
sões do ligamento do pivô central e discutire-
152 | P á g i n a
les, os resultados obtidos evidenciaram que a avaliação pré-operatória pelo KT 1000, nove
incidência das lesões do LCP foi maior nos pacientes (64,3%) tinham translação posterior
homens com 78,8% e a média de idade de 32,9 acima de 10mm e cinco (35,7%) entre 6 e
anos, com um desvio padrão de 11,9. A maior 10mm em comparação com o lado contralate-
parte das lesões tiveram dois (43,5%) ou três ral. Pela avaliação pré-operatória do IKDC,
(41,2%) ligamentos lesados. Os danos de LCP quatro (28,6%) foram classificados como C
juntos a outros ligamentos reuniram 84,7% dos (normal) e dez (71,4%) como D (gravemente
casos, com maior número de envolvimento do anormais). Na avaliação final três pacientes
LCA (48,2%), seguido de LCP (22,4%) (21,4%) foram classificados como A (normal),
(KOPKE, 2013). Já as lesões por avulsão ós- dez (71,4%) como B (quase normal) e apenas
sea somaram 10,6%. A lesão isolada do LCP um (7,1%) se manteve como C. Seguindo a
teve uma prevalência de 15%. Evidenciou-se avaliação pela escala de Lysholm no pré-ope-
que os acidentes de trânsito foram os maiores ratório obteve uma média de 66 pontos, com
responsáveis pelas lesões, com 73,8%, seguido um paciente (7,1%) tendo bom resultado, nove
por acidentes de moto com 49,4%. Em relação (64,3%) razoáveis e quatro (28,6%) ruins.
às operações, em 85% dos casos os ligamentos (CURY et al., 2012) O levantamento realizado
do joelho foram operados nos primeiros oito para analisar a evolução dos pacientes de
meses após o trauma e 50% desses até três acordo com o IKDC e com o teste da gaveta
semanas após a lesão (KOPKE, 2013). posterior não pôde ser calculado. Contudo, foi
A partir de um estudo realizado com um notória a melhora clínica dos pacientes.
paciente com diagnóstico de ruptura do LCP Na avaliação pós-operatória pelo KT 1000,
foi realizada uma abordagem de tratamento oito pacientes (57,1%) tinham translação pos-
multimodal ao longo de 8 semanas. O trata- terior 0 e 2mm, cinco (35,7%) tinham entre 3 e
mento era constituído de fisioterapia, manipu- 5mm e um (7,1%) paciente tinha entre 6 e
lação quiroprática lombo-pélvica e programas 10mm. Já na análise pelo IKDC classificaram
de exercícios musculares, juntamente com três pacientes com grau A, dez com grau B e
estocadas, agachamentos de uma perna e exer- um com grau C. No pós-operatório a média da
cícios de estabilização do tronco. Essa terapia escala de Lysholm foi de 93 pontos, com oito
obteve um ótimo resultado ao paciente, na qual (57,1%) pacientes classificados como tendo
pode retornar as suas atividades esportivas ótimos resultados e seis (42,9%) bons (CURY
habituais (FERNANDEZ & PUGH, 2012). et al., 2012). Apesar do tamanho reduzido de
Na questão do pré-operatório da artrosco- amostra, concluiu-se que a reconstrução ar-
pia de LCP, nove (64,3%) pacientes tiveram troscópica com feixe duplo baseada no posici-
teste de gaveta posterior grau 3 e cinco onamento anatômico dos túneis, com tendão
(35,7%) grau 2, resultando em um pós-opera- duplo semitendinoso e único do quadríceps
tório com treze pacientes com melhora na es- gerou uma redução clinicamente evidente dos
tabilidade do ligamento, oito (57,1%) apre- sintomas e recuperou satisfatoriamente a esta-
sentando gaveta posterior final negativa e bilidade, embora não tenham sido encontradas
cinco (35,7%) desenvolvendo gaveta posterior diferenças relevantes.
grau 1. Apenas um (7,1%) paciente permane- Dois pacientes (14,3%) foram submetidos
ceu com a mesma graduação no teste da gaveta a uma segunda cirurgia devido a complicações
posterior que antes da cirurgia (grau 2). Na pós-cirúrgicas. Após um ano de cirurgia, o

153 | P á g i n a
primeiro paciente relatou dor e constataram-se minutos a mais em cirurgia, do que o grupo
duas lesões, sendo uma em corpo posterior do que realizou a técnica aberta (p < 0,001)
menisco medial e outra emcondral grau 4 no (RAAB et al., 1993).
côndilo femoral. O segundo paciente apresen- Outro relato de caso feito foi com um pa-
tou flexão limitada após três meses. Ambos ciente jovem praticante de atividades físicas na
realizaram a artroscopia e evoluíram sem qual teve lesão no LCA, LCP e ligamento co-
complicações, resultando em boas avaliações lateral medial. O mesmo foi submetido ao tra-
na escala de Lysholm e IKDC. Apenas um tamento conservador com fisioterapia e vinte
paciente manteve uma persistência no teste da dias após a lesão realizou a cirurgia artroscó-
gaveta posterior em grau 2 e com isso foi clas- pica. As avaliações foram divididas em objeti-
sificado como C pelo IKDC, mesmo sendo vas (goniômetro, fita métrica, KT 1000, Di-
classificado como bom pela escala de namometria Isocinética e análise de marcha e
Lysholm. Não pôde ser estabelecida uma asso- corrida) e subjetivas (questionários de capaci-
ciação estatisticamente significativa entre a dade do joelho). No pré operatorio o paciente
necessidade de uma segunda cirurgia e o pontou o Lysholm em 39 pontos e o IKDC em
IKDC (p = 0,627) e Lysholm (p = 0,165) 36,78, com uma evolução para 94 pontos e
(CURY et al., 2012). 71,26, respectivamente.
O teste de McNemar não pôde ser apli- Em relação a avaliação com o Dinamôme-
cado, mas a diferença foi estatisticamente sig- tro Isocinético realizado no 4º e 6º mês de pós
nificativa pelo teste de Wilcoxon (p = 0,02). operatório, obteve-se um aumento do pico de
Não houve associação estatisticamente signifi- torque com a musculatura extensora e flexora
cativa entre os resultados da escala de durante uma velocidade de 60°/s em ambas as
Lysholm e do grau de gaveta posterior pernas e um pequeno déficit do pico de torque
(p=0,486) ou a presença de lesões do menisco da muscultura extensora da perna esquerda à
(p = 0,139) e condrais (p = 0,999) (CURY et velocidade de 180°/s.
al., 2012). Para avaliação da lassidão ântero-posterior
Em relação às diferentes técnicas cirúrgi- do joelho usou-se o artrômetro conhecido
cas para reconstrução do LCA, foram observa- como KT 1000. Nessa avaliação, provou-se
dos 54 pacientes do sexo masculino e 16 do uma força manual máxima, sendo imposta
sexo feminino. Esses estudos explicitam a téc- trações de 15, 20 e 30 libras, tendo como dife-
nica artroscópica mais precisa, com menor rença entre os valores dos membros inferior a
variação que a cirurgia aberta quanto ao posi- 3 mm.
cionamento dos túneis ósseos, tanto femoral Quanto às análises de marcha e corrida, a
quanto tibial (MCKEON et al., 2011). avaliação teve auxílio do Software Apas e
Outro estudo realizado com pacientes com Dark fish, ilustrando inicialmente o retropé
diagnóstico de deficiência do LCA na qual com o paciente descalço e logo em seguida, a
foram divididos entre tratamento cirúrgico marcha e corrida com calçados em vista ante-
aberto e artroscópico com acompanhamento de rior, posterior, lateral direita e esquerda.
16 a 24 semanas que decorreu em achados que Quanto a marcha, foi observado uma dimi-
não foram encontradas diferenças estatistica- nuição na capacidade de flexão do joelho di-
mente significativas, com exceção de que o reito em relação ao lado contralateral durante a
grupo que realizou a artroscopia passou 13 resposta de carga em um primeiro momento.

154 | P á g i n a
Em uma próxima avaliação, percebeu-se uma dos pacientes apresentou excelentes ou bons
flexão excessiva da coxa direita e redução da resultados na escala de Lysholm e no IKDC,
extensão do joelho direito em relação ao lado com a melhora subjetiva dos psicopatas. No
contralateral durante o balanço terminal. entanto, dois pacientes precisaram de uma
Na primeira avaliação de corrida, realizada segunda cirurgia devido a complicações pós-
no 6º mês de pós-operatório, houve um mí- cirúrgicas. Não houve associação estatistica-
nimo aumento da rotação lateral da perna di- mente significativa entre a necessidade de uma
reita na fase de apoio em relação ao lado con- segunda cirurgia e as estimativas pelo IKDC e
tralateral. Na avaliação seguinte, realizada no Lysholm. Isso destaca a importância do acom-
8º mês de pós-operatório, não foram identifi- panhamento clínico e da avaliação individuali-
cadas alterações significativas. (SILVA et al., zada dos pacientes após a cirurgia de recons-
2010). trução do LCP. Por isso, sempre devemos ter
em mente que lesões no LCP de graus I e II,
DISCUSSÃO normalmente são recomendados ao tratamento
A relação entre artroscopia e artrotomia conversador (clínico) (RAJ et al., 2023).
para a reconstrução de ligamentos do pivô A baixa evidência de resultados no pre-
central ainda apresenta resultados inconclusi- sente estudo é resultado do poder estatístico
vos e de baixa evidência, principalmente no reduzido dos estudos primários escolhidos
que se refere à melhora prognóstica. De ma- para realizar a revisão deste capítulo. Devido à
neira objetiva, a artrotomia permite uma visão maioria dos estudos selecionados para sua rea-
ampla do local lesionado, apresentando uma lização são de natureza descritiva, com forte
recuperação mais lenta e maior probabilidade enfoque na técnica cirúrgica e na evolução dos
de complicações no pós-operatório. Enquanto pacientes avaliados.
a artroscopia é menos invasiva, o que favorece
CONCLUSÃO
uma recuperação rápida, entretanto não é ade-
quada para lesões mais graves. Ainda assim, Concluímos que o tratamento da lesão do
em análise mais profunda, não foram encon- LCA ou LCP tanto por artrotomia quanto por
tradas diferenças estatísticas significativas para artroscopia se mostrou satisfatório e com bons
apontar qual a técnica cirúrgica mais adequada ou excelentes resultados em ambas. No que se
quanto ao resultado de melhor prognóstico. diz ao pós-operatório, os pacientes submetidos
Porém, destaca-se que a abordagem multimo- ao tratamento artroscópico apresentaram uma
dal para o tratamento de lesões do LCP mos- recuperação consideravelmente mais rápida
trou-se efetiva em um dos estudos avaliados, em relação aos pacientes submetidos ao trata-
no que se refere à reabilitação completa do mento por artrotomia. Isso é mais evidente nos
paciente. casos de reconstrução do ligamento cruzado
A avaliação pós-operatória dos pacientes anterior. O procedimento aberto se mostrou
de reconstrução artroscópica de LCP com mais eficaz ao tratamento de lesão mais gra-
feixe duplo baseado no posicionamento ana- ves. Isso é fruto da necessidade de uma janela
tômico dos túneis, com tendão duplo semiten- de visualização mais ampla e maior liberdade
dinoso e único do quadríceps, mostraram uma dentro do campo intraoperatório, os quais não
redução clinicamente evidente dos sintomas e seriam possíveis na abordagem artroscópica.
recuperação satisfatória do joelho. A maioria
155 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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associacoes-mais-frequentes>. Acesso em: 18 mar.
2023.

156 | P á g i n a
Capítulo 22

ESTIMULAÇÃO CEREBRAL
PROFUNDA (DBS) NO TREMOR
ESSENCIAL E DOENÇA DE
PARKINSON: REVISÃO DE
LITERATURA
ELIANE ITALIANO MOREIRA URBANO DA SILVA1
GUILHERME REQUIÃO RADEL NETO1
JULIANA CORDEIRO FERREIRA1
ISABELLE CAMPOS CAMPI1
LAÍS TROVÃO DE CARVALHO1
LUANA CÁSSIA SOARES DE HOLANDA1
MARIANA MOREIRA SILVEIRA1
ROBERTA PASCAL POMPEO MADEIRA1

1
Discente – Medicina Humana da Universidade Anhembi Morumbi – Campus Mooca

Palavras Chave: Estimulação cerebral profunda; Doença de Parkinson; Tremor essencial.

10.59290/978-65-81549-92-3.22 157 | P á g i n a
ticada entre 1 e 2 anos após o início da doença,
INTRODUÇÃO sobretudo pelo fato dos pacientes só procura-
Dados estatísticos recentes do IBGE mos- rem o médico no momento em que percebem o
tram que o Brasil está passando por um perí- tremor (WEINER & GOETZ, 2003). Quanto à
odo de transição demográfica com inversão de sintomatologia clássica, se verifica tremor em
pirâmide etária. Até 2100 é esperado que a repouso, rigidez, bradicinesia e perdas de re-
média de vida da população, entre ambos os flexos posturais (SIQUEIRA, 2016).
sexos, seja de aproximadamente 81 anos na Para a definição do tratamento, é necessá-
América Latina (UN, 2022). Sendo assim, rio estar atento à condição clínica do paciente,
diante de uma população que tende a ficar tendo em vista que a conduta recomendada se
cada vez mais velha, a preocupação com doen- altera conforme alguns fatores, como: o início
ças neurodegenerativas incapacitantes que dos sintomas, as respostas do organismo ao
acometem o envelhecimento vem ganhando tratamento medicamentoso, a idade e a pro-
grande destaque no cenário mundial. gressão da doença.
Dentre os achados mais relevantes, estão Em casos de diagnóstico recente e sinto-
incluídos estudos referentes ao uso da estimu- mas leves, a farmacoterapia com levodopa é
lação cerebral profunda (DBS) como trata- altamente indicada. Por outro lado, desde que
mento para pacientes portadores da doença de o paciente tenha uma faixa etária adequada,
Parkinson e tremor essencial em estágio avan- resposta positiva ao tratamento medicamen-
çado, em que os detalhes serão abordados ao toso e DP em estágio mais avançado, o trata-
longo deste capítulo. mento cirúrgico por meio da DBS é uma opção
viável (LIN et al., 2021).
Doença de Parkinson O diferencial do uso do DBS na doença de
A doença de Parkinson (DP) é um distúr- Parkinson está na estimulação elétrica, reali-
bio crônico, progressivo e neurodegenerativo zada no núcleo subtalâmico e no globo pálido,
que está atrelado à incapacidade da produção a partir da introdução de um biomarcador na
de dopamina pelas células presentes na subs- área seccionada. O intuito é induzir a recupe-
tância negra (RAMANATHAN et al., 2022). ração dos sintomas que outrora eram incapa-
Segundo a Organização Mundial da Saúde citantes. Enquanto isso, o tipo de realização do
(OMS), é considerada uma das doenças neuro- procedimento pode ser feito tanto com o paci-
degenerativas mais prevalentes, na qual houve ente dormindo (método recente), como tam-
uma duplicação de casos nos últimos 25 anos. bém com ele sentado e completamente consci-
Apesar da etiologia desconhecida, sua mani- ente (método tradicional). Para a escolha do
festação ocorre predominantemente em pes- melhor método, se transfigura necessário
soas com idades compreendidas entre 58 e 60 prestar atenção às demandas pessoais do paci-
anos (WHO, 2022). ente e aos recursos tecnológicos disponíveis na
Os principais sinais da doença ocorrem de unidade hospitalar (VINKE et al., 2022).
forma lenta, e envolvem alterações na fala, na
fisionomia, no olhar e dificuldades em impedir Tremor essencial
a marcha de propulsão ou retropropulsão. De- O tremor essencial é um dos distúrbios de
vido seu aspecto insidioso e progressivo, ge- movimento mais comuns, com uma estimativa
ralmente a doença de Parkinson só é diagnos- de prevalência de 0,4 a 0,9% em todas as ida-

158 | P á g i n a
des. Acima dos 65 anos, esse número pode vância do procedimento como uma das alter-
subir para até 5% desse recorte populacional nativas disponíveis para o tratamento de ambas
(BERTOLUCCI et al., 2016). as patologias. Relatar os resultados obtidos
Geralmente, o tremor essencial é bilateral e com a utilização do DBS e analisar as vanta-
simétrico. Pode afetar a voz, face, cabeça e/ou gens, as desvantagens, os critérios de indica-
extremidades superiores e inferiores. Na maio- ção/exclusão e refletir sobre o melhor mo-
ria dos casos apresenta caráter postural, com a mento para a implantação do DBS durante a
intensidade dos tremores aumentando com evolução da doença.
algumas posturas específicas. Seu diagnóstico
é feito com exame físico, utilizando-se de tes- METODOLOGIA
tes e escalas de classificação para o tremor Revisão de literatura sobre o tratamento ci-
essencial (teste de extensão do braço, teste do rúrgico do tremor essencial e da doença de
dedo-nariz, teste calcanhar-canela). Também Parkinson por estimulação cerebral profunda -
são pedidos exames laboratoriais e de imagem DBS.
(tomografia computadorizada) para investiga- A pesquisa foi realizada por consulta na
ção de outros diagnósticos diferenciais. base de dados PubMed, no mês de março de
No que diz respeito à gravidade do distúr- 2023. As palavras-chave empregadas foram
bio, é importante a avaliação da intensidade do termos MeSh descritores em sa de: ―Deep
tremor. O paciente com tremor essencial pode Brain Stimulation‖ AND ―Parkinson Disease‖
ter comprometimento de atividades cotidianas AND "Essential Tremor".
e impacto na qualidade de vida. Ele é caracte- Os critérios de seleção para a pesquisa fo-
rizado como um tremor cinético regular de 8 a ram trabalhos publicados nos últimos 5 (cinco)
12 Hz, sendo cabível tratamento clínico ou anos; em língua inglesa ou portuguesa; do tipo
cirúrgico em pacientes que possuam uma fre- revisão sistemática e/ou meta-análise, bem
quência de tremor maior do que o regular. como ensaios clínicos randomizados; realiza-
O tratamento clínico inclui o uso de anta- dos no período de 1 de janeiro de 2018 até 12
gonistas beta-adrenérgicos, benzodiazepínicos, de março de 2023. Foram excluídos trabalhos
anticonvulsivantes, antipsicóticos de segunda retornados na pesquisa que não abordavam o
geração, antidepressivos e toxina botulínica. assunto, ou que não continham a metodologia
Enquanto isso, a estimulação cerebral pro- de interesse.
funda (DBS) passa a ser a intervenção cirúr- Um total de 35 artigos foi identificado por
gica. Geralmente, a DBS é feita no núcleo in- meio da pesquisa. Não houve duplicatas. Após
termediário ventral (VIM) ou ventrolateral aplicação dos critérios de seleção, 22 artigos
(VL). Os parâmetros modificáveis do local de foram excluídos, resultando em 13 artigos para
contato da estimulação e da densidade da fonte análise dos resultados.
da corrente elétrica ofertada afetam os efeitos
da estimulação (ANDERSON, 2020). RESULTADOS

OBJETIVOS Tremor essencial


Revisão de 2022 discutiu os principais
Apresentar as formas atuais de tratamento destaques na pesquisa do tremor nos dez anos
cirúrgico por DBS do tremor essencial e da anteriores, buscando elucidar a compreensão
doença de Parkinson, bem como avaliar a rele-
159 | P á g i n a
dos mecanismos fisiopatológicos, classifica- O tratamento medicamentoso para o TE
ção, com enfoque na oportunidade de desen- não apresentou avanços significativos nos úl-
volvimento de estratégias inovadoras de trata- timos anos, e o tratamento cirúrgico padrão
mento, com base nas peculiaridades do tremor, recomendado é o VIM DBS, com tecnologias
topograficamente, fisiologicamente e de forma capazes de ampliar a janela terapêutica de es-
sindrômica. Aborda classificação de 2018 que tímulo, minimizando efeitos colaterais (ERRO
se baseia em dois eixos: características clínicas et al., 2022).
(eixo I) e etiologia (eixo II), com o intuito de
favorecer a fenotipagem mais detalhada de Tremor relacionado à doença de Par-
pacientes com tremor. O tremor essencial (TE) kinson (DP)
foi conceitualizado como síndrome clínica Diferentes mecanismos fisiopato-lógicos
(eixo I), caracterizado por tremor de ação bi- podem estar relacionados aos diferentes tipos
braquial isolado com duração de 3 anos ou de tremor que ocorrem na DP. Há tremores
mais. Aqueles com doença menos duradoura refratários à levodopa, como o tremor postural
foram enquadrados em ―tremor indetermi- puro, com frequência maior do que o compo-
nado‖ (ERRO et al., 2022). nente de repouso. Evidências indicam que o
Para os pacientes que preenchem os crité- tremor resistente à dopamina se relaciona a
rios de TE, mas também manifestando tremor uma atividade cerebelar aumentada, enquanto
de repouso ou sinais suaves não suficientes no responsivo à dopamina demonstra aumento
para outro diagnóstico associado foram classi- da atividade cortical do VIM (ERRO et al.,
ficados como ―TE-plus‖, apesar das controvér- 2022).
sias envolvendo o tema, com alguns pesquisa-
dores alocando o ―TE-plus‖ como um estágio Fisiologia da estimulação cerebral pro-
posterior do TE, evidências indicam também a funda
Uma Revisão Sistemática de 2022 que
possibilidade de migração de ―TE-plus‖ para
buscou identificar os efeitos neurobiológicos
TE, com a finalização dos sinais suaves
da DBS nas patologias mais frequentemente
(ERRO et al., 2022).
aplicadas demonstrou que a utilização da téc-
Uma terceira via de classificação (eixo III),
nica de DBS está associada ao aumento dos
guiado pela fisiopatologia, surgiu para preen-
níveis de disparo neuronal regional, aumento
cher a lacuna entre os eixos I e II. O circuito
de fluxo sanguíneo cerebral e aumento do
cerebelo-talâmico-cortical (CTC), com inter-
metabolismo da glicose. Hipóteses mais atu-
conexão de outras regiões, como os gânglios
almente difundidas dos mecanismos de ação
da base, córtex motor e o tronco encefálico
envolvem ativação direta e inibição da ativi-
também podem estar afetados e possivelmente
dade neuronal, interrupção de fluxo de infor-
explicam as diferenças clínicas no TE, com
mações e filtragem sináptica (KOKKONEN et
evidências confirmadas em imagens eletroen-
al., 2022).
cefalográficas e magnetoencefalográficas re-
O desafio da neuroimagem de pacientes
velando modulação rítmica, tornando-se apa-
com DBS é uma realidade ainda não comple-
rente como tremor. Ainda há diferentes hipóte-
tamente contornada, ainda que a tomografia
ses sobre a origem das oscilações na rede do
por emissão de pósitrons (PET) e tomografia
CTC (ERRO et al., 2022).
por emissão de fóton único (SPECT) tem sido

160 | P á g i n a
usado com segurança há tempo considerável mulo e núcleos de gânglios da base conecta-
nos pacientes com DBS. Já a ressonância dos, ao passo que os efeitos remotos de NST-
magnética é limitada devido a questões de DBS dentro da rede motora parecem diminuir
segurança, porém técnicas de RM específicas, a captação de ligantes (KOKKONEN et al.,
como imagem gradiente-eco-eco planar, que 2022).
demonstra boas taxas de absorção e aqueci- Os 3 estudos que analisaram a VIM-DBS
mento mínimo do eletrodo. PET e SPECT detectaram que a estimulação aumentou a per-
também possuem limitações comparadas à RM fusão no local de estímulo no tronco cerebral e
funcional, como baixa resolução temporal, uso córtex occipital, e diminuiu a perfusão no ce-
de radiação ionizante, disponibilidade mais rebelo, córtex sensório-motor primário. Ou-
limitada e alto custo (KOKKONEN et al., trossim, a VIM-DBS demonstrou padrão de
2022). covariância com aumento da atividade meta-
Os exames de monitoramento disponíveis bólica no cerebelo, núcleo denteado e no cór-
podem ser usados para medir, por exemplo, tex motor primário (KOKKONEN et al.,
alterações no fluxo sanguíneo regional do cé- 2022).
rebro, metabolismo dos tecidos e função do Já no TE, a VIM-DBS mostrou aumento
neurotransmissor, provando uma oportunidade do metabolismo da glicose em regiões corti-
única para estudar de forma abrangente os cais motoras. No geral, a VIM-DBS em TE
efeitos neurobiológicos do DBS no cérebro aumentou a captação de ligante pontualmente
humano vivo (KOKKONEN et al., 2022). no local de estimulação e na rede motora
A grande maioria dos estudos incluídos na (KOKKONEN et al., 2022).
revisão de KOKKONEN et al., 2022, investi-
gou a DP (38 estudos, 61% de todos os estu- O fenômeno da tolerância na DBS
dos). Desses 38, o alvo de estimulação mais Efeito placebo, perda de efeito, progressão
comum foi o NST (29 estudos), seguido pelo da doença, estímulo inadequado e efeitos co-
globo pálido interno/externo (GPi/GPe) (3 laterais podem contribuir para a perda do
estudos), núcleo ventral intermediário do tá- efeito terapêutico da DBS a longo prazo. A
lamo (VIM) (3 estudos) e pedunculopontino tolerância normalmente caracteriza-se como
núcleo (PPN) (3 estudos). uma perda significativa do benefício anterior-
Dos 29 estudos que investigaram os efeitos mente observado na DBS, que pode ocorrer
do NST-DBS na DP, 41% dos estudos relata- meses após a DBS inicial. O simples aumento
ram aumento do fluxo sanguíneo ou do meta- da corrente não só é ineficiente na melhora do
bolismo no local estimulado (12 estudos) e os paciente, como ainda pode propagar a gravi-
relatos de diminuição da absorção do ligante dade do tremor e induzir efeitos deletérios
no local de estimulação foram nulos. Os efei- (PETERS & TISCH, 2021).
tos remotos incluíram efeito localizado nos Achados post-mortem confirmam a tole-
gânglios da base, regiões corticais sensório- rância por adaptação biológica à estimulação.
motoras e cerebelo (KOKKONEN et al., As causas e a prevalência do fenômeno ainda
2022). não estão completamente elucidadas, e a difi-
Desse modo, NST-DBS pareceu produzir culdade na condução da situação permanece.
aumentos significativos de captação de ligan- Outra questão que contribui para a diminuição
tes no cérebro, pontualmente no local de estí- do efeito terapêutico da DBS é a progressão da

161 | P á g i n a
doença/síndrome causadora do tremor. Regi- Parâmetros do procedimento
mes de interrupção da estimulação são a prin- Numa revisão bibliográfica sobre os avan-
cipal estratégia para evitar a tolerância. Educa- ços dos procedimentos na última década
ção em saúde e orientação do paciente quanto (KRAUSS et al., 2020), foi constatada que há
à possibilidade desse fenômeno permanece a 5 áreas potenciais de melhora da técnica,
medida mais importante a ser tomada para sendo elas: (1) biocompatibilidade; (2) novos
lidar com a situação, até que avanços tecnoló- formatos de onda de estimulação (Figura
gicos venham a permitir o direcionamento 22.1); (3) novos padrões de estimulação; (4)
pontual do estímulo, como a DBS dependente descoberta de biomarcadores neurais para au-
de fase ou sob demanda (PETERS & TISCH, mento da precisão de localização do implante
2021). e intensidade da estimulação (Tabela 22.1).

Figura 22.1 Imagem de ilustração sobre os possíveis formatos e padrões de estimulação cerebral profunda (DBS)

Legenda: Na estimulação cerebral profunda (DBS), as formas de onda são repetidas em intervalos interpulsos para
criar um padrão de estimulação. a) Forma de onda convencional assimétrica bifásica DBS com uma fase catódica de
curta duração e uma fase anódica de longa duração (recarga). b) Forma de onda DBS bifásica simétrica com fase
catódica de duração igual e fase anódica. c) Forma de onda DBS bifásica simétrica com atraso interfásico zero. d)
Reversão da ordem da fase de pulso padrão. e) Padrão temporal regular de estimulação com intervalos interpulsos
fixos. f) Padrão temporal não-regular de estimulação com intervalos aleatórios. g) Padrão de estimulação com vários
pulsos em intervalos curtos seguidos por um intervalo interpulso longo. h) Padrão de estimulação para rearme coorde-
nado com explosões de estimulação distribuídas por quatro contatos de eletrodo diferentes. Fonte: KRAUSS et al.,
2021.

Tabela 22.1 Tabela do número de biomarcadores neurais para implantação do dispositivo nas duas patologias
Biomarcador neural Localização de registro Patologia

Doença de Par-
Atividade gamma (~70 Hz) Córtex cerebral
kinson

Atividade beta (~20 Hz) Córtex cerebral Tremor essencial

Doença de Par-
Atividade beta (~20 Hz) Núcleo subtalâmico ou globo pálido interno
kinson

Atividade de ressonância relacionada a eventos Potencial evocado de estimulação de núcleo Doença de Par-
(~260 Hz) subtalâmico kinson
Fonte: Adaptado de KRAUSS et al., 2021.

162 | P á g i n a
Apesar do aumento da drenagem da bate- Tremor essencial
ria, os pulsos bifásicos simétricos suprimem Em uma comparação direta entre a tala-
melhor os sintomas motores da DP do que as motomia por radiofrequência (RF) e a estimu-
formas de onda DBS assimétricas tradicionais. lação cerebral profunda (DBS) para controle
Em pacientes com ET recebendo estimulação do tremor, foi observada uma equivalência nos
no núcleo ventral intermediário (VIM), os pul- resultados alcançados. Entretanto, verificou-se
sos bifásicos simétricos suprimem melhor os uma incidência mais elevada de efeitos adver-
tremores do que as formas de onda assimétri- sos associados à RF, tais como ataxia, hemipa-
cas. De forma geral, aparentemente os pulsos resia, disartria e declínio cognitivo. Não houve
bifásicos simétricos ativam mais neurônios do diferença significativa no desfecho dos casos
que os pulsos assimétricos porque tanto as tratados por ambos os procedimentos num
partes catódicas quanto anódicas da forma de curto período de tempo. Conclui-se que os
onda do estímulo contribuem para a ativação pacientes submetidos à RF apresentaram com-
neural em rede. plicações mais frequentes e persistentes em
São utilizados sensores eletromiográficos comparação com a DBS, que não causa danos
ou cinéticos para mensurar a atividade de bio- duradouros ao tecido cerebral, contribuindo
marcadores neurais registrada a partir do NST, para popularizar esta técnica cirúrgica. A ta-
da superfície cortical ou do tálamo. Com a bela abaixo (Tabela 22.2) permite uma com-
extração desses dados tem sido possível deco- paração entre RF e DBS no tratamento do tre-
dificar e correlacionar os locais causadores de mor essencial, feito através de uma revisão de
bradicinesia, discinesia e rigidez presentes na literatura (DALLAPIAZZA et al., 2019).
DP e, no caso da ET, deflagrar o movimento
voluntário de acionamento do tremor.

Tabela 22.2 Tabela comparativa entre a talamotomia por radiofrequência (RF) e a estimulação cerebral profunda
(DBS)
RF DBS

Amostra 278 pacientes desde 1986 1093 pacientes desde 1998

Nível de evidência Níveis 2 - 4 Nível 2

Unilateral: 53,4% a 62,8%


Controle do tremor (12 meses de follow-up) Unilateral: 74% a 90%
Bilateral: 66% a 78%

Unilateral: 60% a 75%


Controle do tremor (follow-up de longo prazo) Unilateral: 74% a 90%
Bilateral: 75%

Melhoria de qualidade de vida 47% 57,9% a 82%

Disartria - 4,6% a 29% Disartria - 4,6% a 29%


Ataxia - 5% a 27% Ataxia - 9% a 17%
Complicações
Parestesia - 6% a 42% Parestesia - 5% e 5,9%
Hemiparesia - 0% a 34% Hemiparesia - 4,5% e 6,7%
Fonte: Adaptado de DALLAPIAZZA et al., 2019.

163 | P á g i n a
Doença de Parkinson infecção (1,8%), hemorragia intracraniana
A DBS é segura e eficaz para tratar uma (1,1%), convulsões (0,5%) e morte (0,1%).
variedade de sintomas motores da DP, inclu- Outros efeitos secundários incluíram: distúr-
indo bradicinesia, alterações de marcha e tre- bios da fala (11,1%), distúrbios da marcha
mor, uma vez que o procedimento diminui (10,9%), parestesias (8,8%), problemas neuro-
tanto os tremores de ação/posturais quanto o psiquiátricos (5,1%) e outros sintomas (8,3%).
tremor em repouso. O controle de tremor pode Entre todas as complicações, 76,6% eram tran-
ser alcançado por DBS visando tanto o globo sitórias e a satisfação pós-DBS é muito alta,
pálido interno (GPi) quanto o núcleo subtalâ- com uma média de 0,4% no prognóstico de
mico (NST), embora o controle via GPi seja tremores por ano (IORIO-MORIN et al.,
obtido mais lentamente. A frequência de esti- 2020).
mulação também afeta a eficácia terapêutica, Enquanto isso, uma meta-análise de 5 en-
com estimulações em NST superiores a 100 saios randomizados, incluindo 489 pacientes
Hz tendo maior impacto na sintomatologia do com DP, demonstrou redução de 23% no tre-
tremor. A estimulação do núcleo intermediário mor em vários pontos, sem diferença entre os
ventral (VIM) produz melhora consistente alvos do núcleo subtalâmico (NST) e globo
(70% em 1 ano e 48% em > 10 anos, p < 0,05) pálido interno (GPi). Após 12 meses aproxi-
e os pacientes expressam alta satisfação e madamente, a redução do tremor foi de 37-
maior qualidade vida ao conseguirem conti- 89% para NST e 25-79% para GPi (IORIO-
nuar com suas atividades diárias durante um MORIN et al., 2020).
follow-up de longo prazo (FUJIKAWA et al.,
2022). Complicações pós-cirúrgicas
Em outro artigo de revisão bibliográfica,
Desfechos gerais foram elencados os principais efeitos adversos
A estimulação cerebral profunda (DBS) é comuns ao procedimento de DBS (KOEGLS-
uma das opções mais eficazes para o trata- PERGER et al., 2019). Na estimulação de
mento de tremores essenciais (TE) e de doença NST as possíveis complicações decorrentes do
de Parkinson (DP). Em um estudo multicên- tratamento são: espasticidade, desvio do globo
trico e controlado, se provou a segurança e ocular (unilateral ou bilateral), náusea, sudo-
eficácia da DBS no núcleo ventro intermediá- rese, vertigem, parestesia, alterações de fala,
rio (VIM) para TE, foram analisados 122 paci- discinesia, instabilidade postural e efeitos neu-
entes e houve uma evolução de 2,49 x 0,96 na ropsiquiátricos. Enquanto isso, na VIM, pode
pontuação de gravidade em um ano após o ocorrer quadros de: parestesia, alterações de
tratamento. Em outra análise envolvendo 1714 fala, ataxia e o possível desenvolvimento de
portadores de TE mostrou uma melhora na tolerância à neuroestimulação.
pontuação do tremor de 61% em 20 meses Os efeitos cognitivos da estimulação cere-
(KREMER et al., 2021). bral profunda ainda permanecem controversos.
Algumas complicações, entretanto, foram Uma pesquisa exploratória constatou que, em-
relevantes no estudo de metanálise de 1996 a bora estejam presentes diversos fatores de con-
2019 em 1202 pacientes, após a DBS nos fusão para essa análise (como mudanças na
TE‘s. Entre eles: problemas com o chumbo posologia de medicação adjuvante), há evidên-
(11,4%), sintomas adversos locais (10,9%), cia de que existam efeitos decorrentes da tera-

164 | P á g i n a
pêutica com DBS (CERNERA et al., 2019).
No tratamento de tremores essenciais, podem DISCUSSÃO
ocorrer déficits em fluência verbal de intensi- De acordo com os resultados encontrados,
dade variável (dependentes dos parâmetros de o DBS mostra-se um procedimento cirúrgico
estimulação). Já na doença de Parkinson, os com alto grau de eficácia e segurança para os
resultados cognitivos se apresentaram alta- portadores de doença de Parkinson e tremores
mente heterogêneos, com uma frequência essenciais (MANSOURI et al., 2018). Na
maior – como no TE – déficits em fluência maioria dos artigos encontrados, a taxa de alí-
verbal. vio dos tremores é elevada enquanto a taxa de
efeitos adversos decorrentes do procedimento
Situações específicas e avanços é baixa (FLORA et al., 2010). Quando indi-
Algumas evidências também sugerem a cada, a intervenção torna-se um importante
eficácia do DBS em locais de gânglios basais adjuvante no manejo dessas condições crôni-
ou no núcleo pedunculopontino no tratamento cas e possibilita a melhora ou manutenção da
da doença de Parkinson. Isso se deve ao fato qualidade de vida dos pacientes.
de que, ao estimular tais regiões, seja possível Entre as vantagens encontradas para essa
uma ligação direta com o cerebelo. Entretanto, escolha terapêutica, pode se elencar a adição
pode haver efeitos adversos em habilidades de um tratamento de uso contínuo de forma
motoras. Em suma, a estimulação cerebelar conjunta com a farmacoterapia, possibilitando
invasiva (DBS) ou não invasiva (estimulação o uso de menores doses medicamentosas para
magnética transcraniana), embora promissora, controle das disfunções motoras da doença de
ainda precisam ser estudadas e ter seus efeitos Parkinson e do tremor essencial (MUTHU-
avaliados antes de qualquer definitiva (MI- RAMAN et al., 2018). Uma das desvantagens
TERKO et al., 2019). do tratamento é de que a maioria dos efeitos
A partir de estudos, o projeto de DBS está adversos decorrentes da estimulação cerebral
evoluindo cada vez mais. Em razão disso, uma profunda (DBS) resulta concomitantemente do
nova forma terapêutica está em desenvolvi- mecanismo responsável pelos efeitos benéfi-
mento: o DBS adaptativo de circuito fechado cos, ou seja, a eletroestimulação de algumas
(aDBS). Seu objetivo primordial é a identifi- estruturas cerebrais específicas em si. Além
cação de padrões patológicos e fisiológicos disso, por se tratar de um procedimento re-
normais, para adaptação de parâmetros altera- cente, muito ainda se fala sobre os riscos de
dos específicos para cada patologia. Por isso é desenvolvimento de tolerância à estimulação
tão importante o aprimoramento dessa técnica cerebral profunda no longo prazo, que vem se
revolucionária com potencial imersivo na ci- mostrando uma realidade e algo que deve ser
ência. Sua natureza modificável possibilita abordado com o paciente antes de qualquer
alterações de frequência, amplitude e largura decisão a fim de respeitar sua autonomia.
de pulso como alvo para o tratamento mais Com a evolução da técnica, a nova abor-
individualizado (NEUMANN et al. 2019). dagem terapêutica do aDBS vem ganhando
força e possibilitando pensar de forma mais
individualizada em como deverá ocorrer a es-
timulação em cada paciente, respeitando as
especificidades do seu organismo e sua pato-
165 | P á g i n a
logia. Além disso, estão surgindo novos alvos primeira, com diferenças mínimas. Ademais, é
para a neuromodulação feita por DBS, como a possível analisar uma evolução postural e no
estimulação cerebelar, que vem alcançando tremor. Os efeitos negativos foram parecidos
bons resultados no quesito de alívio sintomá- com os do TE, com ênfase para a fluência ver-
tico pelo fato da circuitaria cerebelar estar in- bal alterada.
timamente ligada ao controle de comporta- Em vista das complicações decorrentes do
mentos motores. Para um futuro direciona- tratamento da DP e TE com DBS, como os
mento de pesquisas sobre o tema, recomenda- déficits na fluência verbal, se faz necessários
se que as áreas de interesse para investigação estudos que permitam analisar o pós-cirúrgico
foquem num maior entendimento do motivo e o seguimento dessa população alvo. Através
pelo qual ocorrem os efeitos adversos, princi- deste conhecimento, é possível um aprimora-
palmente em relação à cognição, e como pode mento do procedimento, garantindo uma maior
ser feito o manejo dos mesmos sem que haja efetividade e melhor prognóstico aos pacientes
prejuízo no efeito benéfico pretendido. submetidos ao método.
A DBS é um tratamento em desenvolvi-
CONCLUSÃO mento, com potencial imenso e flexibilidade
A técnica de DBS foi satisfatória no trata- de técnicas, especialmente para as patologias
mento do tremor essencial, com uma taxa de de DP e TE. Seu mecanismo engloba áreas
mais de 50% na melhora dos tremores em um responsáveis por habilidades motoras, po-
ano. As complicações foram mínimas e os dendo obter resultados transitórios nesta re-
danos, em sua maioria, não foram permanen- gião. Ambos possuem taxas de êxitos signifi-
tes. cativamente altas. Portanto, são escolhas viá-
Na doença de Parkinson, ao utilizar a DBS veis para a melhora na qualidade de vida dos
no GPi e NST, foi observado um resultado portadores de TE e DP.
mais positivo na segunda estrutura do que na

166 | P á g i n a
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167 | P á g i n a
Capítulo 23

TRATAMENTO CIRÚRGICO DE
MALFORMAÇÕES
ARTERIOVENOSAS E ANEURISMAS
INTRACRANIANOS - REVISÃO DE
LITERATURA
GUILHERME REQUIÃO RADEL NETO1
BRUANY ANTONIOLLI BIANCHI1
JULIANA CORDEIRO FERREIRA1
LAÍS TROVÃO DE CARVALHO1
LIA MAYRA MIRANDA SANTOS1
MARIANA LIMA DE MOURA1
MARINA MAIOLINO DE CARVALHO1
NATHALIA APARECIDA CAVALCANTE SILVA1
PRISCILA COTI LEWIN1
SARAH MÍSTICA SIMPLÍCIO SILVA1
TAYNA VALERIANO DO AMARAL1
VINÍCIUS BERNARDES LISBÔA1
1
Discente – Medicina Humana da Universidade Anhembi Morumbi – Campus Mooca

Palavras Chave: Malformações arteriovenosas intracranianas; Aneurismas intracranianos; Cirurgia.

10.59290/978-65-81549-92-3.23 168 | P á g i n a
mento na parede devido ao impacto do fluxo
INTRODUÇÃO sanguíneo que pode contribuir para a formação
Malformações arteriovenosas (MAV) são de AI, como no caso das conexões das artérias
anomalias vasculares congênitas que se defi- cerebrais médias com as artérias carótidas in-
nem como uma conexão anômala entre artérias ternas. A prevalência de AI na população
e veias, sem a presença de capilares. Possuem adulta é de aproximadamente 2–5% com uma
uma incidência estimada de 1,12 a 1,34 a cada taxa de ruptura anual de 8–10 por 100.000
100.000 pessoas-ano (GRAFFEO et al., 2020). (XU et al., 2019).
Essas conexões diretas entre artérias e veias AI são classificados como rotos e não ro-
podem causar alterações hemodinâmicas, tos. AI rotos (AI-R) são extremamente letais,
como aumento do fluxo sanguíneo, diminuição cujo rompimento súbito resulta em hemorragia
da resistência vascular periférica, baixa da subaracnóidea aneurismática (HSA) (XU et
pressão arterial diastólica e da pressão venosa al., 2019) e morte entre 27-44% dos casos,
central. Tais mudanças podem ocasionar di- além de que, nas HSA não tratadas ao longo de
versas consequências, as quais incluem des- um ano, representam 65% de óbitos (MAR-
vios de fluxo, hipóxia de tecidos, dilatação das COLINI & HINE, 2019). Os aneurismas intra-
veias cerebrais, formação de trombos e hemor- cranianos não-rotos (AI-NR), são lesões relati-
ragia. Esse tipo de lesão representa cerca de 2 vamente comuns na população em geral, os
a 3% das hemorragias sintomáticas, e a taxa de quais podem comprimir os vasos e conservar a
hemorragia foi de 2 a 4% ao ano quando os ausência de sangramentos. Entretanto, quando
pacientes não foram tratados (JIANG et al., os AI-NR se rompem, aproximadamente 12%
2021). morrem imediatamente, mais de 30% em um
Dessa forma, as MAVs podem causar uma mês, 25% a 50% em seis meses, e aproxima-
série de consequências no organismo. Essas damente 30% dos sobreviventes permanecem
consequências dependem da localização, ta- dependentes (PONTES et al., 2021).
manho e número das malformações, bem Os AI são geralmente assintomáticos, isso
como da idade e saúde geral do paciente. Além dificulta muitas vezes a identificação da con-
disso, as MAVs cerebrais podem não só irritar dição. Independente da classificação, ambos
as células cerebrais próximas e desencadear afetam as camadas endoteliais das artérias.
convulsões, como também interferir no fluxo Dependendo do nível de comprometimento,
sanguíneo cerebral normal e levar a déficits derivados de fatores genéticos, idade e comor-
neurológicos (fraqueza muscular, perda de bidades associadas, podem se tornar mais sus-
visão ou de audição, dificuldade na fala e pro- cetíveis ou não a sua ruptura (XU et al., 2019).
blemas de memória) (TOUZÉ et al., 2020). Um dos primeiros sinais de alerta para a IA
Aneurismas intracranianos (AI) são dilata- dos dois tipos, é a cefaleia súbita e de forte
ções vasculares patológicas que ocorrem de intensidade. Como principais comprometi-
maneira característica nas paredes das artérias mentos finais, foram observados os déficits
e suas comunicações, geralmente ao longo do cognitivos em diversas áreas, entre elas, a fun-
polígono de Willis (AMBROSI, 2018). Estu- ção executiva (ZAKI GHALI et al., 2018).
dos bem documentados mostram uma maior Exames de imagem, como tomografia
incidência em bifurcações presentes nessa re- computadorizada de crânio, ressonância mag-
gião caracterizadas por alta tensão de cisalha- nética e angiografia cerebral, são os métodos

169 | P á g i n a
utilizados para diagnóstico de malformações mais sensíveis do parênquima encefálico, se
arteriovenosas e aneurismas intracranianos. comparado a tomografia computadorizada de
Essas ferramentas permitem a detecção e a crânio (AMBROSI, 2018).
confirmação de MAVs e AIs. Ademais, forne- Entretanto, o padrão ouro para diagnosticar
cem dados morfológicos e topográficos que MAV e AI é a angiografia cerebral por catete-
possibilitam à equipe de saúde julgar com qual rismo arterial - Figura 23.1. Nesse recurso,
técnica determinado AI pode ou não ser ope- um cateter fino é inserido na artéria aorta até
rado, (LINDGREN et al., 2018) viabilizando o atingir as artérias carótidas. O líquido radio-
monitoramento da evolução pós-cirúrgica de paco de contraste, normalmente à base de
pacientes submetidos à microcirurgia ou à em- iodo, irá atravessar esse tubo e, conforme o
bolização, por exemplo (SHAO et al., 2022). fluxo sanguíneo dos vasos é destacado, um
A tomografia computadorizada de crânio equipamento de raio X capta as imagens gera-
por contraste é uma técnica em que imagens das, o que permite realizar análises precisas da
do tecido neural, do líquor e do sangue são anatomia dos vasos observados (AMBROSI,
registradas a partir da passagem de feixes de 2018), além de monitorar os efeitos da clipa-
raios-X. Esse processo é utilizado em situa- gem (SHAO et al., 2022) e das taxas de oclu-
ções de urgência, pois a reprodução de tais são em aneurismas tratados por embolização
estruturas facilita a identificação e a avaliação por meio de desviadores de fluxo (ALWA-
de hemorragias agudas (SIQUEIRA, 2019). KEAL et al., 2021).
A ressonância magnética é uma ferramenta Os principais tratamentos cirúrgicos utili-
que se vale do princípio físico de geração de zados para MAV e AI são a microcirurgia (cli-
campos magnéticos para formar imagens tri- pagem cirúrgica) e a embolização endovascu-
dimensionais e de alta definição do encéfalo. lar (ou coiling), os quais podem ser realizados
Apesar de ser contraindicado em pacientes que isoladamente ou em conjunto. Ao longo do
possuem marca-passos cardíacos, implantes capítulo, também serão apresentados outros
cocleares, objetos metálicos nos olhos, clipes procedimentos cirúrgicos (como o by-pass e a
cirúrgicos provenientes de microcirurgias e radiocirurgia) que são pertinentes para alguns
espirais metálicas utilizadas na técnica de em- contextos específicos.
bolização, esse procedimento fornece imagens

Figura 23.1 Angiografia cerebral com subtração digital mostrando aneurisma sacular residual (seta branca), após
clipagem cirúrgica, localizado no complexo comunicante da artéria cerebral anterior, reconstrução em 3D (A). Con-
trole angiográfico imediato após tratamento endovascular com micromolas assistido com stent mostrando ―molde‖ de
micromolas e stent (B) (seta preta) e oclusão completa do aneurisma (C) (dupla seta preta)

Legenda: Imagens obtidas a partir da dissertação de mestrado. Fonte: SILVA JUNIOR, 2020.

170 | P á g i n a
OBJETIVOS RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esta revisão de literatura tem como obje- ANEURISMAS
tivo analisar os diferentes tratamentos cirúrgi- Clipagem cirúrgica
cos atualmente disponíveis para Malformações A clipagem cirúrgica (CC) é a técnica mais
Arteriovenosas e Aneurismas Intracranianos, tradicional no tratamento de aneurismas, o
como microcirurgia e tratamento endovascu- procedimento realiza-se através de uma crani-
lar. É importante pontuar que os tratamentos otomia e posterior clipagem do colo ou saco
devem seguir as características individuais de do aneurisma. A principal vantagem do mé-
cada paciente, visando a escolha da melhor todo é a redução da probabilidade de recanali-
técnica. zação do aneurisma, isto é, diminui a chance
do aneurisma recidivar. A microcirurgia apre-
METODOLOGIA senta uma gama de indicações, em síntese con-
siste em aneurismas com comprometimento da
Revisão de literatura sobre os tratamentos
artéria cerebral média, bifurcação da carótida
cirúrgicos de aneurismas intracranianos e mal-
interna, vasos ramificados ou rupturas do
formações arteriovenosas cerebrais. Foi consi-
aneurisma devido à complicação por hema-
derada principalmente a identificação das
toma, bem como em aneurismas mais comple-
principais técnicas e comparações de eficácia
xos que necessitam de revascularização
entre elas.
(SHAO et al., 2019).
A pesquisa foi realizada por consulta na
Apesar da extensa gama de indicações, o
base de dados PubMed, no mês de março de
procedimento apresenta diversas complica-
2023. As palavras-chave empregadas foram
ções. Um estudo analisou os efeitos adversos
termos MeSh descritores em sa de: ―surgery‖
intraoperatórios durante o reparo cirúrgico de
AND ―intracranial aneurysm‖ OR ―intracra-
aneurismas cerebrais rotos e constatou que 36
nial arteriovenous malformation‖.
dos estudos, de um total de 12.410, relataram
Os critérios de seleção para a pesquisa fo-
complicações na técnica. Em média 16,6%
ram trabalhos publicados nos últimos 5 (cinco)
apresentaram ruptura intraoperatória, 3,8%
anos; em língua inglesa ou portuguesa; do tipo
lesão arterial e 5,6% edema cerebral
revisão sistemática e/ou meta-análise; realiza-
(MUIRHEAD et al., 2020).
dos no período de 1 de janeiro de 2018 até 12
A ruptura intraoperatória é a complicação
de março de 2023. Foram excluídos trabalhos
mais presente nos aneurismas intracranianos
retornados na pesquisa que não abordavam o
rotos, e pode ocorrer em diversas fases intrao-
assunto, ou que não continham a metodologia
peratórias. Cerca de 1,1% durante a exposição,
de interesse.
15,2% durante a dissecção e 6,7% na aplicação
Um total de 49 artigos foi identificado por
ou manipulação do clipe. Entre os eventos
meio da pesquisa nas bases de dados. Não
sistêmicos mais relatados, destaca-se a transfu-
houve duplicatas. Após aplicação dos critérios
são de hemácias (17,7%), administração não
de seleção, 16 artigos foram excluídos, resul-
planejada de drogas neuroprotetoras (15,5%) e
tando em 33 artigos para análise dos resulta-
hipotensão induzida (44,6%). Tais eventos
dos.
foram associados a resultados ruins no prog-

171 | P á g i n a
nóstico dos pacientes (MUIRHEAD et al., completa para uma angiografia de follow-up
2020). (AFU) menor que 6 meses foi de 68%, para
uma AFU de 6 meses foi de 78%, e para uma
EMBOLIZAÇÃO ENDOVASCULAR AFU de 6-12 meses foi de 90%. A taxa de HE
Embolização endovascular de aneuris- foi de 2%, a taxa de IE foi de 5%, e a taxa de
mas não rotos mortalidade foi de 3%, sugerindo que a FD
Na seleção de artigos relacionados ao tra- urgente é segura e eficaz para os aneurismas,
tamento endovascular (TE) de AI-NR, a taxa sem diferenças significativas entre a circulação
de oclusão se mostrou eficiente em longo anterior e posterior (WANG et al., 2021).
prazo, ultrapassando 74% em 2614 pacientes Sob uma outra perspectiva de meta-aná-
(FIORELLA et al., 2020) e 87,4% em 148 lise, a eficácia do tratamento de FD também
amostras com aneurismas na artéria comuni- foi avaliada usando dados de 27 estudos e 384
cante anterior (CAGNAZZO et al., 2018c). aneurismas (CAGNAZZO et al., 2019). O
Enquanto isso, a porcentagem de ruptura, foco principal da análise, entretanto, foram as
considerando 100 pacientes-ano, foi equiva- artérias cerebrais médias (ACM), a artéria co-
lente a 0,48 (IC 95%, 0,45-0,51) no TE. Ou municante anterior (AcoA), e as artérias cere-
seja, no estudo em questão, de 4842 pacientes, brais anteriores (ACA). A taxa de oclusão ge-
após 2 a 3 anos, apenas 12 deles apresentaram ral a longo prazo foi de 82,7%, embora pro-
ruptura depois do tratamento endovascular. blemas associados à terapia tenham ocorrido
Todavia, dessa segunda amostra, 9 eram por- em 12,5% dos casos, com 5,4% de morbidade.
tadores de aneurismas grandes e ou incomple- Em comparação com os aneurismas de AcoA e
tamente tratados (RIZVI et al., 2020). ACA, a localização em ACM foi um fator in-
Por sua vez, a taxa de complicação relaci- dependente ligado às taxas de oclusão reduzi-
onada ao tratamento endovascular de ANRS, das e taxas de complicação mais altas. As
em um grupo de 148, foi de 8,6%. A maioria complicações foram prováveis de ocorrer em
delas estava relacionada com eventos trom- aneurismas grandes ou gigantes. Enquanto
boembólicos ou complicações hemorrágicas, isso, o resultado dos sintomas associados à
sendo o primeiro com evidência ligeiramente oclusão e ao estreitamento das artérias aprisio-
maior (CAGNAZZO et al., 2019a). Além nadas foi de 3,5% e 3%, respectivamente.
disso, o tamanho do aneurisma influenciou Em relação ao uso de FDs para o trata-
significativamente as complicações (OR= 6,6; mento de aneurismas da circulação posterior,
IC 95%, 1,3-15; P 02) (CAGNAZZO et al., uma revisão sistemática de 84 artigos (n =
2020). 301) analisou as seguintes localizações: artéria
vertebral extradural, artéria vertebral intradu-
Flow-diversion (desvio de fluxo) ral, artéria cerebelar posterior inferior proxi-
Numa meta-análise com seis estudos re-
mal (ACPIp), artéria cerebelar posterior infe-
trospectivos e 6695 a 7768 pacientes, avaliou-
rior proximal (ACPId), junção vertebrobasilar
se a segurança da técnica de desvio de fluxo
(JVB), tronco basilar, ápice basilar e artéria
ou flow-diversion (FD), urgente para trata-
cerebral posterior (ALWAKEAL et al., 2021).
mento de aneurismas, analisando a taxa de
Os aneurismas de tronco basilar e a JVB foram
eventos hemorrágicos (HE), eventos isquêmi-
ligados às maiores taxas de comorbidades e
cos (IE), e mortalidade. A taxa de oclusão
piores desfechos funcionais, sendo que os de

172 | P á g i n a
tronco basilar, JVB e ACPIp demonstraram implantados com sucesso em 97% dos casos,
uma menor taxa de oclusão angiográfica. Em com uma taxa geral de oclusão completa ou
66 casos (21,9%), ocorreram complicações quase completa de 88,3% após uma AFU de
importantes, dentre elas episódios hemorrági- 10 meses (CAGNAZZO et al., 2018b). A taxa
cos e episódios isquêmicos, deterioração neu- de mortalidade foi de 0,7% e a taxa global de
rológica e óbitos. A idade e o tamanho perma- complicações foi de 7,4%, com uma taxa de
neceram importantes preditores de oclusão complicações permanentes de 2,7% (a maioria
angiográfica, com idade mais avançada e delas sendo periprocedurais ou de curto
aneurismas maiores ligados a taxas de oclusão prazo), sendo as mais comuns: eventos isquê-
decrescentes, como demonstrado por regressão micos/tromboembólicos (2,4%) e trombose no
logística multivariada. Uma segunda meta- stent (3,2%).
análise acerca do mesmo tema identificou que
ser do sexo feminino também implica num Aneurismas muito grandes ou gigantes
maior risco para morbidade pós-cirúrgica A cirurgia endovascular vem se mostrando
(ABDEL-TAWAB et al., 2021). uma opção atrativa para aneurismas de larga
No que diz respeito aos aneurismas rotos, extensão. Entre as técnicas utilizadas, o coiling
os flow-diverters também se mostram muito simples traz uma menor taxa de complicações,
eficazes. Numa meta-análise de 20 estudos (n embora não seja tão eficaz quanto flow-diver-
= 223), uma oclusão angiográfica imediata foi ters ou o coiling assistido por stents. Procedi-
obtida em um terço dos casos, com uma taxa mentos na porção anterior do polígono de
de oclusão em longo prazo de 88,9% (CAG- Willis, de forma geral, tiveram uma taxa de
NAZZO et al., 2018). Houve, no entanto, complicações menor que na porção posterior
complicações decorrentes do procedimento em (CAGNAZZO et al., 2018a).
17,8% dos pacientes, com uma chance de re- É importante ressaltar também, a relação
corrência da hemorragia em até 4% dos casos entre o tratamento endovascular e o cresci-
nas primeiras 72 horas da intervenção. Aneu- mento do aneurisma não rompido. Ao observar
rismas rotos encontrados na circulação poste- 6325 pacientes, no total de 25 estudos de
rior e que requereram múltiplos stents se mos- meta-análise, a taxa de incidência de cresci-
traram mais suscetíveis a apresentarem uma mento (IR) relatou ser significativamente
maior taxa de complicações. maior em estudos de tratamento endovascular
(IR 52 por 1000 pessoas-anos, com um inter-
Stents autoexpansíveis valo de confiança de 95% (IC) 36-79) em
Os stents autoexpansíveis (como LEO e comparação com estudos de história natural
LVIS) mudaram progressivamente a estratégia (IR 28 por 1000 pessoas-anos, IC 95% 17 - 46,
de tratamento da maioria dos aneurismas intra- p = 0,01) (VOLOVICI et al., 2021).
cranianos, criando um suporte mecânico que
evita a protrusão dos coils e promovendo uma Woven Endobridge Device (dispositivo
maior neoendotelização. Eles permitem o tra- WEB)
tamento de pequenos vasos e aneurismas situ- Indicado para embolizar aneurismas de bi-
ados distalmente devido ao seu menor tama- furcação intracraniana de colo largo em seg-
nho. Uma revisão bibliográfica de 35 estudos mento anterior, como artéria cerebral média
(n = 1426) constatou que os dispositivos foram (ACM), artéria carótida interna (ACI), artéria

173 | P á g i n a
comunicante anterior (AcoA) ou segmento colocação de stents isolados (2,1%) e coiling
posterior (ápice basilar), variando no diâmetro assistido por stent (0%). O coiling assistido
de 3 mm a 10 mm, com um tamanho de colo por stent foi relatado como tendo uma taxa
de 4 mm ou maior. Em aneurismas rotos, a mais elevada de oclusão completa imediata
taxa de desfechos clínicos favoráveis foi de (SCERRATI et al., 2021).
85%, com uma taxa de complicações peripro-
cedurais e gerais de 13,2% e 3,2%, respecti- Clipagem cirúrgica vs. Embolização en-
vamente (ESSIBAYI et al., 2021). A taxa de dovascular
mortalidade relacionada ao procedimento foi Ao comparar clipagem microcirúrgica e
de 2,1% e a taxa de mortalidade geral de embolização endovascular, foram incertas as
11,5%. evidências relacionadas à morbidade, mortali-
No dispositivo intra-saccular, EndoBridge, dade e AVC, de forma que as informações se
em aneurismas de bifurcação de pescoço largo, apresentaram insuficientes para concluir qual
a taxa de oclusão foi significativamente posi- seria a melhor técnica a ser usada (PONTES et
tiva. Durante o estudo de 963 aneurismas, o al., 2021). No entanto, é preciso reconhecer a
percentual de oclusão foi de 83,3% (613/736; possibilidade de diferentes complicações em
IC 95% 80,4-85,8%). Além disso, foi consta- ambas as técnicas; enquanto a primeira pode
tada uma morbidade cumulativa de 2,85% e causar dano tecidual e aumentar a morbidade
mortalidade de 0,93% (VAN ROOIJ et al., cirúrgica por ser mais invasiva, a segunda
2020). apresenta maior taxa de recorrência e rema-
nescentes; apesar de que, após um ano do tra-
Tratamento de aneurismas do tipo “blis- tamento, não havia diferença nos resultados
ter” rotos das duas intervenções (FOTAKOPOULOS et
Um total de 32 estudos relatando 684 paci- al., 2020).
entes que foram submetidos à colocação de Foram encontradas diferenças importantes
stent, coiling assistido por stent, ou FD. A taxa em relação a complicações e riscos de acordo
de oclusão completa a longo prazo foi de com a região, e o método utilizado. O trata-
76,9%, e a taxa de complicações perioperató- mento neurocirúrgico apresentou um risco
rias foi de 8,9%; o resultado clínico no acom- diminuído com o tempo, enquanto o trata-
panhamento final foi satisfatório em 76,6% mento endovascular estava associado ao maior
dos pacientes. A taxa de mortalidade foi de risco de complicações clínicas (ALGRA et al.,
4,7%. Entre as diferentes técnicas, o coiling 2019). A técnica da clipagem apresentou me-
assistido por stents teve a maior taxa de oclu- nor incidência de ressangramento e melhor
são imediata (63,4%), mas também a maior oclusão, em casos de hemorragia subaracnói-
incidência de vaso-espasmos (10,6%) em dea (ZHU et al., 2021). Apesar disso, em outro
comparação com a colocação de stent e FD estudo, não foram encontradas diferenças im-
(0% e 0,1% dos casos, respectivamente). A portantes ao comparar ambas as técnicas em
taxa de sangramento, ao contrário, foi muito situações de ressangramento, infarto isquê-
baixa em todos os grupos (entre 0% e 0,6%). mico, vasoespasmo sintomático e hidrocefalia
A taxa de mortalidade perioperatória se apre- dependente de shunt. Porém, ainda assim, se
sentou 2 vezes maior no grupo de desviação de observou uma superioridade da clipagem ao
fluxo (5,2%), em comparação com os grupos

174 | P á g i n a
considerar oclusão completa (SHAO et al., que apresentam um colo frágil (LV et al.,
2019). 2018).
Mesmo que a incidência de sangramento a A técnica de by-pass, caso seja utilizada,
curto prazo se mostre similar em ambos os apresenta certa consideração no período pré-
tratamentos, não evidenciou maior segurança operatório, como a análise angiográfica das
em nenhuma das duas técnicas. Enquanto a artérias cerebrais, dos vasos da perna e braço.
embolização apresentou menor risco de com- Assim como o estudo do fluxo sanguíneo
plicações, a clipagem apresentou maior oclu- ofertado pelas artérias colaterais, através da
são completa (KANG et al., 2020). técnica de oclusão com o balão. Em suma, a
Em relação à localização do aneurisma e abordagem é utilizada para artéria carótida
complicações pós-operatórias específicas, com externa-artéria cerebral média (ACE-ACM,
a EE o risco de desfechos negativos foi redu- 81%) e artéria temporal superficial-artéria ce-
zido — comparativamente à CC — em 7% rebral média (ATS-ACM, 19%). Os enxertos
para participantes com aneurisma de circula- mais comuns utilizados foram da artéria radial
ção anterior e 27% para aqueles com um aneu- (74%) e da artéria temporal superficial (19%),
risma de circulação posterior. Entre 2 e 3 me- enquanto a veia safena foi a menos utilizada
ses após a intervenção, o risco de isquemia com apenas 7% (MELING & PATET, 2020).
cerebral tardia foi menor para a EE do que
para a CC. No entanto, num período de 1 e 10 MALFORMAÇÕES ARTERIOVENO-
anos, o risco de hemorragias foi maior para EE SAS
do que para CC. Em geral, a EE estava associ- Embolização endovascular
A embolização transvenosa (ETV) é uma
ada a um risco menor de desfechos negativos
nova alternativa para MAVs que demonstram
(morte, dependência ou perda de funcionali-
ser um desafio para o procedimento tradicional
dade) do que a CC, especialmente para os
por embolização transarterial (ETA). Uma
aneurismas na circulação posterior (LIND-
configuração plexiforme, localização distante
GREN et al., 2018).
do nidus e dificuldade de acesso arterial por
ramos sinuosos, são características que podem
Técnica de bypass
No caso de aneurismas periféricos, a opção indicar que uma malformação seja candidata
de tratamento mais comumente utilizada é a para a ETV. Numa meta-análise que envolveu
cirurgia de by-pass, a qual consiste na elabora- 7 estudos e uma amostra de 154 indivíduos,
ção de um novo trajeto para redistribuição do constatou-se que a ETV apresentou uma taxa
fluxo sanguíneo. Já os aneurismas cerebrais de 93% de oclusão total imediata, uma taxa de
rompidos, são classicamente tratados por meio 90,9% de bons resultados funcionais e uma
das técnicas de clipagem e embolização. En- taxa de 10,5% de complicações técnicas (DE-
tretanto, há certa limitação por meio dessas NIWAR et al., 2022).
técnicas mais clássicas, uma vez que os aneu-
rismas presentes são mais específicos, como os Radiocirurgia
Em contraste, a técnica de radiocirurgia
aneurismas do tipo bolha, aneurismas de
estereotáxica (RCE) reduz significativamente
grande extensão (grandes/gigantes), fusifor-
o risco de complicações relacionadas ao trata-
mes, dissecantes e particularmente naqueles
mento. O método não invasivo atinge exclusi-
mais distais com vascularização ineficiente, ou

175 | P á g i n a
vamente a área cerebral patológica, muitas
vezes lesões profundas. A intervenção foi es- CONCLUSÃO
tabelecida para MAVs intracranianas de até Este estudo verificou uma diversidade de
3,5 cm de diâmetro, de grande risco cirúrgico e tratamentos cirúrgicos para as malformações
alta complexidade (GRAFFEO et al., 2020). arteriovenosas (MAVs) e aneurismas intracra-
Contudo, essa opção terapêutica se limita a nianos (AI). A escolha do tratamento varia de
uma pequena parcela de pacientes, os quais acordo com a idade e comorbidades do paci-
muitas vezes são impossibilitados de realizar ente, além da dimensão e topografia da vascu-
as demais técnicas terapêuticas. latura anormal/lesionada.
O efeito da radiocirurgia estereotáxica não O tratamento endovascular de AI não rom-
é imediato, pois as MAVs obliteram-se cerca pidos, apresentou uma taxa de oclusão satis-
de 2 a 5 anos após o tratamento. Entretanto, o fatória. Obtendo, ainda mais pronunciado em
percentual de obliteração completa é de 65 - aneurismas de AcoA, uma taxa significativa-
85% dos pacientes. Em um estudo multicên- mente baixa de ruptura e complicações.
trico, analisaram 2.236 MAVs tratados com Quando comparados os tratamentos de cli-
radiocirurgia estereotáxica entre 1988 e 2013, pagem cirúrgica e embolização endovascular,
e constataram a obliteração completa (64,7%) foram observadas evidências incertas para
dos indivíduos, além de evidenciarem a baixa concluir qual técnica seria mais vantajosa em
taxa de hemorragia em média 7,4% com inci- variáveis de morbidade, mortalidade e AVC.
dência anual de 1,1% (CHINA et al., 2022). Porém, quanto a menor incidência de ressan-
Outra pesquisa analisou a taxa anual de he- gramento e melhor oclusão, a CC apresentou
morragia após o procedimento de radiocirur- melhores resultados quando comparada à EE.
gia, cerca de 1,38%. A taxa de letalidade foi de Já sobre riscos de desfechos negativos, os da-
0,46% e a taxa anual de mortalidade por outras dos mostram uma redução significativa do
causas foi de 0,67% (CHINA et al., 2022). risco para tratamento por ELE, no confronto
Em relação ao risco de déficits neurológi- com a CC.
cos de longo prazo, a RCE oferecida após uma A taxa de oclusão em AI, se mostrou efici-
EE (EE + RCE) possui um maior efeito prote- ente em longo prazo com tratamento endovas-
tor quando comparada à utilização exclusiva cular em aneurismas na artéria comunicante
da RCE. No entanto, a combinação está ligada anterior. A técnica de flow-diversion obteve
a uma menor chance de obliteração total da resultados seguros e eficazes para tratamento
MAV do que a RCE sozinha, sem mudanças dos aneurismas, assim como os stents autoex-
na probabilidade de recorrência de hemorra- pansíveis, os quais mudaram progressivamente
gias. O volume do nidus malformativo, a dose a estratégia de tratamento para AI, através de
de margem do tratamento, a sequência de in- um suporte mecânico, importante para o tra-
tervenções e o período de follow-up podem ter tamento de pequenos vasos. No que lhe diz
um impacto sobre o resultado do tratamento respeito, no tratamento de aneurismas rotos, o
combinado (EE + RCE) ou RCE-exclusivo em colina assistido por stents teve a maior taxa de
pacientes portadores de MAVs (JIANG et al., oclusão imediata, com mortalidade periopera-
2021). tória baixa. Ademais, o dispositivo WEB, pos-
sui taxa de desfechos clínicos favoráveis para
aneurismas rotos, já o dispositivo intra-saccu-
176 | P á g i n a
lar, EndoBridge, em aneurismas de bifurcação De forma geral, tanto a abordagem neuro-
de pescoço largo, a taxa de oclusão foi signifi- cirúrgica quanto o tratamento endovascular se
cativamente positiva. mostraram intervenções seguras, com resulta-
A embolização transvenosa apresentou dos eficazes e com complicações associadas a
bons resultados funcionais para oclusão das uma taxa de ocorrência relativamente baixa,
MAVs e uma taxa de complicações clínicas tendo em vista as variações dentro de cada
relativamente baixa. Já a utilização de radioci- método, de acordo com o local afetado. Diante
rurgia após EE apresentou um maior efeito disso, se observa a necessidade de uma abor-
protetor para complicações neurológicas e não dagem mais individualizada em cada caso para
alterou a probabilidade de recorrência de he- decisão de qual conduta terapêutica se faz
morragias, embora a última esteja associada a mais vantajosa para o quadro do paciente,
menor chance de obliteração total. atentando-se às suas particularidades.

177 | P á g i n a
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179 | P á g i n a
Capítulo 24

DESAFIOS BIOÉTICOS NA PRÁTICA


DO ANESTESIOLOGISTA EM
PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS:
REVISÃO DE LITERATURA

JULIANA CORDEIRO FERREIRA1


GABRIELLE DO NASCIMENTO LIMA1
ISABELA VENTURA FERREIRA1
MARIANA NAZARIAN RESENDE1
MARIA EDUARDA DOS REIS BERGAMI1
TAYNÁ VALERIANO DO AMARAL1

1
Discente – Medicina Humana da Universidade Anhembi Morumbi – Campus Mooca

Palavras Chave: Bioética;Anestesiologia; Cirurgia.

10.59290/978-65-81549-92-3.24 180 | P á g i n a
pacientes têm direito a um tratamento digno
INTRODUÇÃO (MENESES, 2001; UDELSMANN, 2006).
Bioética, é o estudo plural da ética e da bi- Em 1979, as discussões éticas na ciência se
ologia, norteando de forma prioritária os limi- tornaram mais evidentes com a publicação do
tes da ciência e da vida. A filosofia e a ética Principles of Biomedical Ethics, que de forma
são pilares fundamentais para a evolução da objetiva descreve o ‗―principialismo" os prin-
ciência. Na anestesiologia, como em toda a cípios de beneficência, prudência e perícia em
medicina, é guiada pela bioética de forma todo tratamento prestado ao paciente, assim
abrangente e positiva para os tratamentos e como o seu consentimento, que deve ser escla-
decisões possíveis, sempre visando o bem- recido, livre e autônomo, pautados em quatro
estar do paciente (MENESES, 2001; UDELS- teorias: duas delas de caráter deontológico
MANN, 2006). (não maleficência) e duas outras teleológicas
As relações humanas são pautadas em con- (beneficência); a declaração de Lisboa, por
fiança, para um bom ato médico é preciso de- exemplo, garante a liberdade do paciente de
senvolver uma relação semelhante à paterna- escolher qual profissional e ao médico arbitra-
lista, oferecendo conforto e respeito para as riedade em momentos de incapacidade do en-
decisões bilaterais, o paciente com seu direito fermo (MENESES, 2001; UDELSMANN,
de escolha e autonomia, tal qual o médico com 2006).
todo seu conhecimento e prática que discer- A Sociedade Brasileira de Anestesiologia
nem a benevolência e compromisso com a defende e orienta de forma branda uma medi-
saúde; a união do interesse individual e cole- cina humanizada e orientada pelas escritas de
tivo, também a homogeneização de relações Hipócrates, atualizações sobre o tema sempre
interpessoais na saúde e na autonomia com o são incentivadas em publicações, congressos e
estabelecimento de regras morais, definem avaliações anestésicas cada vez mais intimistas
bem o conceito do neologismo da bioética (MENESES, 2001; UDELSMANN, 2006).
(MENESES, 2001; UDELSMANN, 2006). A ética na anestesiologia é pautada numa
Com o avanço das práticas cirúrgicas, a linha tênue entre a beneficência do paciente e
anestesiologia se tornou uma grande aliada, sua autonomia. Conta com abordagens com-
em constante evolução e aprimoramento, jun- plexas apoiadas em discussões e pesquisas. Os
tamente com a tecnologia e a ciência. Hoje, a princípios éticos devem ser obrigatoriamente
anestesia conta com possibilidades diversas, seguidos: beneficência, não maleficência, res-
administrações de diferentes vias, como ina- peito à autonomia do paciente e justiça (ME-
latória e venosa, monitores cada vez mais mo- NESES, 2001; UDELSMANN, 2006).
dernos e precisos, técnicas e novas drogas que Desafios como o respeito à autonomia do
possibilitam que o anestesiologista ofereça paciente versus os demais princípios são fre-
segurança ao paciente (MENESES, 2001; quentes na prática do anestesiologista em pro-
UDELSMANN, 2006). cedimentos cirúrgicos. Exemplos como o
O médico anestesiologista deve fornecer atendimento às restrições de procedimento
cuidados éticos, morais e adequados para cada preconizadas por determinadas religiões, aten-
paciente de forma individual, mas sem distin- dimento à ordem de não ressuscitação, a dista-
guir em preconceitos e segregação, todos os násia, a ortotanásia e demais decisões do paci-
ente no exercício da liberdade de escolha são

181 | P á g i n a
objetos deste estudo (MENESES, 2001; É notório que discussões entre profissio-
UDELSMANN, 2006). nais da saúde sobre o acolhimento do paciente,
desde a relação médico-paciente até a análise
OBJETIVOS dos procedimentos clínicos e cirúrgicos, são
Analisar os resultados obtidos sobre bioé- essenciais para um atendimento de excelência.
tica no âmbito da anestesiologia, no sentido de Visando essa importância, deve-se pensar so-
identificar os desafios profissionais da especi- bre os aspectos éticos da relação do anestesista
alidade na atuação, com fulcro no respeito às com o paciente e até mesmo das eficácias de
normas e padrões éticos vigentes. determinados procedimentos, objetivando pre-
servar a integridade deste (SANTOS et al.,
METODOLOGIA 2013; JONAS et al., 2015).
Em primeira análise, cabe destacar que nas
Revisão de literatura que propõe a análise
relações profissionais, a ética é alcançada por
da produção científica referente ao tema Bioé-
alguns fatores, são eles o respeito ao paciente,
tica.
o tratamento humanizado, tratamento igualitá-
A pesquisa foi realizada por consulta nas
rio, sigilo profissional e o respeito à autonomia
bases de dados Scielo e PubMed, no mês de
do paciente. Visando esses cinco pontos, de
março de 2023. As palavras-chave empregadas
acordo com Santos et al., a humanização do
foram termos descritores em sa de: ―bio-
atendimento implica mudanças políticas e
ethics‖ AND ―anesthesiology‖.
subjetivas, na concepção do modo de ver o
Os critérios de seleção para a pesquisa fo-
paciente, pois negar as necessidades subjeti-
ram trabalhos publicados em língua inglesa ou
vas, culturais e pessoais do indivíduo conduz o
portuguesa; do tipo revisão, revisão sistemá-
profissional a prover um atendimento impes-
tica e/ou meta-análise; realizados no período
soal, dirigido para a doença, e não para a pes-
de 1 de janeiro de 2013 até 12 de março de
soa que sofre (SANTOS et al., 2013; JONAS
2023. Foram excluídos trabalhos retornados na
et al., 2015).
pesquisa que não abordavam o assunto, ou que
Além disso, o anestesiologista deve procu-
não continham a metodologia de interesse.
rar estabelecer com seu paciente uma relação
Um total de 34 artigos foi identificado por
respeitosa. Para isso, atividades simples do
meio da pesquisa nas bases de dados. Uma
cotidiano tem muito efeito, são elas: identifi-
duplicata foi descartada. Após aplicação dos
car-se como profissional da anestesia, pergun-
critérios de seleção, 20 artigos foram excluí-
tar o nome do paciente, explicar detalhada-
dos, resultando em 13 artigos para análise dos
mente o procedimento a ser feito e procurar
resultados.
respeitar sua intimidade (SANTOS et al.,
RESULTADOS E DISCUSSÃO 2013; JONAS et al., 2015).
Outro ponto importante é o tratamento
A revisão bibliográfica da Revista Brasi- igualitário, o qual implica valorizar a pessoa
leira de Anestesiologia identificou que a bioé- necessitada de cuidado, especialmente pelo
tica permanece pautada no principialismo (alu- anestesiologista. Além disso, no âmbito do
são aos 4 princípios éticos), no humanismo e sigilo médico, o profissional é apenas o depo-
no respeito ao Código de Ética Médica (SAN- sitário de uma confidência, que deve ser man-
TOS & FRANÇA, 2011). tida em sigilo, com objetivo maior de proteger

182 | P á g i n a
os pacientes, seus parentes e a sociedade em Em segunda análise, buscando respeitar a
geral. Nesse âmbito do cuidado à saúde, a au- integridade do paciente, o profissional da sa-
tonomia do paciente também deve ser tratada úde deve analisar a realização de qualquer
como um ponto crucial e é observada a partir procedimento médico de maneira individuali-
do Consentimento Informado, que é a concor- zada, visto que cirurgias e outros procedi-
dância deste em submeter-se a um procedi- mentos invasivos, muitos deles utilizados na
mento ou tratamento sugerido pelo médico. medicina atual como as endoscopias, têm efi-
Para que o exercício da autonomia se dê de cácias específicas, ou seja, em um cenário com
forma ideal, o médico deve ter uma boa rela- baixo índice de singularidade, o perfil de risco-
ção com seu paciente e fornecer de forma benefício alcança um padrão de ineficácia
completa e compreensível as informações ne- (SANTOS et al., 2013; JONAS et al., 2015).
cessárias, para que ele, ou seus familiares, pos- Nesse viés, a avaliação rigorosa e sistemá-
sam decidir acerca de seu tratamento ou cui- tica desses procedimentos é imprescindível
dado (SANTOS et al., 2013; JONAS et al., para melhorar o cenário da medicina atual e
2015). pode ser feita, por exemplo, por meio de pro-
De igual modo, para execução de um tra- jetos de pesquisas randomizados, ocultação de
balho de excelência, o anestesiologista deve alocação e controles cegos ou placebo que são
alcançar a excelências em diversos âmbitos, considerados padrão-ouro no quesito de inter-
como as habilidades práticas e teóricas volta- venções médicas. Ainda mais, de acordo com
das a funções médicas e anestesiológicas, a Jonas et al., em procedimentos simulados, que
impessoalidade e o bom senso, além do cum- avaliam a eficácia de determinado tratamento,
primento das normas éticas da medicina. observa-se muitos resultados ―não específicos‖
Ainda não se pode deixar de lado que a expe- no qual estão inclusos resposta placebo que se
riência, tanto de vida quanto profissional, alia- devem à história natural do estado do paciente
das às vivências do cotidiano, interferem na ou à regressão à média e a uma resposta ao
tomada de decisões, necessitando de uma ha- ritual de tratamentos médicos, como pílulas,
bilidade de dissociação muitas das vezes do agulha, bisturi e ambiente hospitalar. Diante
pessoal e do profissional (SANTOS et al., disso, os estudos sobre esses procedimentos
2013; JONAS et al., 2015). em questão visando à especificidade de cada
Ainda nesta senda, segundo Santos et al., caso são essenciais para análise da verdadeira
muitos dos conflitos relacionados ao desen- eficácia desses (SANTOS et al., 2013; JONAS
volvimento científico e tecnológico e aos con- et al., 2015).
flitos persistentes, que dizem respeito à falta O princípio da beneficência é muito prag-
de equidade no atendimento à saúde dos dife- mático, visa o bem-estar do paciente, minimi-
rentes indivíduos, independentemente de zando os possíveis riscos eventuais, ele visa
classe econômica, referem-se às vivências éti- principalmente à prevenção, como a avaliação
cas experimentadas pelos anestesiologistas. de risco e pré-anestésica. Por outro lado, o
Dessa forma, a ética médica, por não descrever princípio da não maleficência exige que o mé-
condutas a serem seguidas, apenas informar dico evite qualquer medida que traga risco ao
princípios que orientam a conduta humana, paciente, mas muitos procedimentos podem
não se encontra em total acordo legislativo trazer um risco inicial para depois oferecer
(SANTOS et al., 2013; JONAS et al., 2015). êxito na intervenção proposta, assim garan-

183 | P á g i n a
tindo benefícios ao doente, dessa forma a de- relação à RCP que é focado nas preferências e
ontologia é muito controversa na prática mé- vulnerabilidades específicas do paciente. Sem-
dica (MENESES, 2001; UDELSMANN, pre pensando em desenvolver um plano coe-
2006). rente e de respeito, de acordo com as suas
Ainda, são considerados os princípios do vontades no cenário crítico da cirurgia e anes-
respeito à autonomia e o consentimento infor- tesia (SUMRALL et al., 2016).
mado, que é um conceito novo na medicina, Um subconjunto de pacientes cirúrgicos
que assegura ao paciente o poder de escolha e com menor probabilidade de sobreviver, sendo
crenças, alguns países proíbem a transfusão ele crescente, possui maior probabilidade de
em pacientes Testemunhas de Jeová, com base sofrer complicações após RCP perioperatória,
no respeito e tolerância religiosa; em algumas estando diretamente relacionado à sua quali-
situações cabe ao médico trazer o paciente dade de vida. É identificado que não é apropri-
para a discussão do seu tratamento, mas sem- ado assumir isso como padrão, e que todos os
pre de forma pacífica e sem imposições; al- elementos ligados a ressuscitação estejam de
guns desses conceitos chocam com os princí- acordo com os objetivos e preferências dos
pios de Hipócrates, que visam à máxima "fazer pacientes de alto risco, e qual a sua conduta
o bem e cuidar do paciente‖, transformando para isso. Essas iniciativas enfrentam barreiras
assim em uma escolha unilateral. O direito de significativas e, em muitos casos, continuarão
autonomia é limítrofe a partir do momento em a cair sobre provedores individuais para identi-
que pode retroceder um bem coletivo (MENE- ficar pacientes de alto risco por meio de revi-
SES, 2001; UDELSMANN, 2006). são do prontuário e avaliação pré-operatória,
como esses pacientes de alto risco deve ser
Sobre a ordem de não ressuscitação definidos e identificados (ALLEN et al.,
(ONR) 2021).
A distanásia e ortotanásia abrangem for- Estudos mostraram que, as situações de
mas de terminalidade da vida, como o paciente eventos clínicos adversos e sequelas perma-
lida com a sua liberdade de escolha e quali- nentes, voltadas à tecnologia de sustentação à
dade dentro desse período vulnerabilidade. vida, colocam o paciente em uma posição de
Dentre esses conceitos, a ONR rege grande escolha e o profissional em uma posição de
preocupação no quesito de limitações da liber- julgamento, implicando a ética médica para
dade do paciente. É de extrema importância essas situações de conflito (ALLEN et al.,
que o médico (inerente interdisciplinar) con- 2021).
sidere primeiramente o que é o melhor e qual a O treinamento de simulação pode servir
vontade do paciente, comu-nicando claramente ainda para solidificar a consistência da reavali-
até que ponto a ressuscitação é aceitável, e, em ação perioperatória das ordens de ONR e levar
caso de dúvida, comunicar-se com os colegas a uma melhor compreensão dos problemas por
para chegar ao plano de cuidados mais ade- parte dos membros da equipe de saúde perio-
quado (SUMRALL et al., 2016; ALLEN et al., peratória. Dividido em 4 princípios da bioé-
2021). tica, sendo o primeiro direcionado a autonomia
Para médicos anestesiologistas, em âmbito do paciente, que reconhece e autodetermina a
da tomada de decisão perioperatória, devem base do consentimento informado. O segundo
implementar uma abordagem expandida em princípio é a não maleficência, um conceito

184 | P á g i n a
relacionado ao ato de não prejudicar, enrai- com base em sua preferência (SUMRALL et
zado na mente de cada profissional de saúde, al., 2016).
orientando-os a avaliar constantemente suas Um artigo de 2015 apresentou o estado da
intervenções, a fim de diminuir danos (SUM- RCP e o analisou do ponto de vista bioético.
RALL et al., 2016). Discorrendo sobre a ineficácia da RCP e as
A beneficência, que motiva prestadores de razões pelas quais hoje é um procedimento
cuidados de saúde para fazer o bem para seus universalmente aplicado, às vezes sem levar
pacientes, é o terceiro princípio, ainda agindo em consideração os desejos ou condição do
no melhor interesse do paciente também pode paciente. Foram propostos possíveis cursos de
criar um conflito para os provedores por causa ação para a melhoria contínua da ressuscitação
de sua perspectiva e interpretação sobre situa- cardiopulmonar, especialmente do ponto de
ção (SUMRALL et al., 2016). vista humanístico, encorajando um maior en-
Os autores Allen et al. citaram em um es- volvimento dos pacientes e suas famílias nas
tudo do Mayo Clinic, que ocorreu em 2013, no decisões médicas, particularmente no plane-
qual mais de 500 pacientes e 200 médicos en- jamento do tratamento médico em vez da fase
contrados que 30% dos médicos e 18% dos aguda da doença – como é o caso da RCP
anestesiologistas acreditavam que as ordens (GEMPELER & FRITZ, 2015).
ONR deveriam ser automaticamente suspensas Os indivíduos que são admitidos na uni-
intraoperatoriamente, podendo ser visto como dade de terapia intensiva (UTI) buscam confiar
o princípio de não maleficência. No entanto, naqueles responsáveis por restabelecer sua
tal curso de a ação efetivamente remove o pa- saúde. Essa confiança surge da necessidade,
ciente do processo de tomada de decisão e dado que a maioria destes não está estável o
erradica seu direito de autonomia. Dentre os suficiente para decidir alguns aspectos, como
500 pacientes relatados no estudo, 57% achava buscar atendimento em outro lugar. Entretanto,
que as ordens ONR deveriam ser suspensas, enquanto o bem-estar do paciente é o principal
mas 92% sentiu que deveria haver uma discus- interesse de um clínico, há diversos outros
são pré-operatória dos planos de ressuscitação interesses vigentes que são conflitantes no
(ALLEN et al., 2021). ambiente hospitalar (TURNBULL et al.,
Sobre as intervenções de ressuscitação, a 2018).
política reconhece que uma diretriz antecipada Um estudo de 2016 demonstrou que fa-
pode especificar o intervalo aceitável, também lência da ressuscitação cardiopulmonar (RCP)
prevê a reavaliação de uma ordem ONR exis- seguido do óbito do paciente é o desfecho mais
tente antes de cirurgia e anestesia, além de comum, dado que a taxa de sobrevida após alta
poder haver um substituto para esse momento hospitalar varia entre 6,5 e 24% e a maioria
delicado de decisão. O pedido de ONR perio- evolui com danos neurológicos. Em decorrên-
peratório só deve ser modificado por um pro- cia disso, surgiu ONR (GEMPELER-RUEDA
fissional autorizado, e a discussão deve ser & DE BRIGARD-PÉREZ, 2016).
conduzida pelo médico, cirurgião ou anestesi- Em um estudo de 2016, observou-se que
ologista. Sempre mantendo o paciente infor- os indivíduos possuem autonomia e o direito
mado da situação, conversando e o informando de compreender o próprio estado de saúde, de
sobre os recursos disponíveis, permitindo-o sua doença e decidir sobre o tratamento suge-
afirmar, esclarecer ou modificar a ordem ONR rido baseado em uma descrição clara da sua

185 | P á g i n a
atual situação e possíveis alternativas. Des- Portanto, as ONR não omitem outras ma-
tarte, deve-se haver um diálogo entre paciente neiras de atendimento ou intervenção médica e
e equipe médica acerca das decisões médicas a nem devem ser cessadas como condição de
serem estabelecidas. A decisão de alguns indi- acesso a alguns serviços. É fundamental que
víduos de não aceitarem a RCP e de outros haja informação clara para o exercício legítimo
optarem por manter as mínimas possibilidades do direito de decidir e este depende da com-
de sobrevida, independente da qualidade de preensão da resposta ao projeto de vida indivi-
vida, deve ser respeitada. Apesar disso, as dual do paciente (GEMPELER-RUEDA & DE
ONR não são definitivas e caso o paciente ou BRIGARD-PÉREZ, 2016).
familiar por ele designado opte por mudar sua Recursos como sala de cirurgia, equipa-
decisão, em qualquer momento da evolução, mentos e tempo e atenção do médico ou de
será respeitada (GEMPELER-RUEDA & DE outros médicos são limitados. Portanto, em-
BRIGARD-PÉREZ, 2016). bora o bem-estar do paciente seja a máxima
A parada cardíaca é reconhecida atual- prioridade de um intensivista, nem todos os
mente como a cessação da atividade espon- pacientes podem ser. Como muitos pacientes
tânea do coração, seja por assistolia, fibrilação de UTI se beneficiam de recursos limitados, a
ventricular ou atividade elétrica sem pulso. A UTI decide quais pacientes tratar primeiro,
ONR refere a quando massa-gem cardíaca ou dando prioridade aos pacientes com maior
desfibrilação em casos de PCR não são reali- probabilidade de benefício ou maior risco de
zadas. Dessa maneira, os procedimentos anes- morte, utilizando dessa estratégia como forma
tésicos, como intubação orotraqueal, ventila- de triagem (TURNBULL et al., 2018).
ção mecânica, uso de inotrópicos ou vaso- O gerenciamento de conflitos de interesse
constritores, são totalmente compatíveis com a de pacientes hospitalares geralmente não é
presença de ONR, se o paciente mantiver a reconhecido como uma questão ética, a menos
circulação espontânea. Caso, durante o proce- que outros fatores, como raça, gênero, religião,
dimento o paciente evolua para uma PCR, este tendências políticas, status de cidadania, ca-
deve ser interrompido, dado que sem atividade pacidade de remunerar por cuidados, relacio-
cardíaca o manejo clínico torna-se inviável namentos com a equipe do hospital ou orienta-
para o paciente. Neste caso, o médico aneste- ção sexual influenciem as decisões, configu-
siologista pode apresentar objeções de consci- rando infração grave e/ou crime. No entanto, a
ência, desde que haja o encaminhamento do priorização de cada paciente hospitalizado na
caso para outro anestesiologista (GEMPELER- UTI, por vezes, não é transparente o suficiente
RUEDA & DE BRIGARD-PÉREZ, 2016). para que um paciente esteja ciente das neces-
O respeito ao princípio da autonomia e be- sidades do outro (TURNBULL et al., 2018).
neficência são pilares imprescindíveis na rela- Na discussão atual sobre a ressuscitação,
ção médico-paciente. A autonomia do paciente uma dualidade entre seus benefícios e malefí-
define o benefício de todo tratamento e proce- cios para o paciente, existem algumas máxi-
dimento a ser realizado, pois nenhuma ação mas como afastar procedimentos desnecessá-
terapêutica – em questão a RCP - é, em princí- rios, embasamentos do prognóstico neuroló-
pio, benéfica para este, a menos que ele a con- gico para decisões tomadas, a participação de
sidere assim (GEMPELER-RUEDA & DE familiares no momento da ressuscitação, mas
BRIGARD-PÉREZ, 2016). ainda existem muitos debates sobre a bioética

186 | P á g i n a
e a ciência na ressuscitação que necessitam de que a equipe médica tem o dever de informar o
estudos e pesquisas (MENTZELOPOULOS et paciente e sua família sobre os riscos da re-
al., 2018). cusa, além de oferecer alternativas viáveis,
como o uso de hemoderivados (componentes
Sobre os pacientes com restrições religi- do sangue que não são as células sanguíneas
osas inteiras, como plasma e plaquetas), medica-
Os seguidores de crenças com restrições mentos que aumentam a produção de glóbulos
religiosas acreditam que a Bíblia proíbe o con- vermelhos ou procedimentos cirúrgicos que
sumo ou a ingestão de sangue, seja por meio minimizem a perda de sangue (TAKAS-
de alimentos, transfusões ou qualquer outra CHIMA et al., 2016).
forma. Eles baseiam essa crença em várias Outra opção seria transferir o paciente, se
passagens bíblicas, incluindo Gênesis 9:4, Le- o estado de saúde permitir, para hospitais que
vítico 17:10-14 e Atos 15:28-29 (RODRI- estabeleceram os programas de medicina e
GUEZ et al., 2009; TAKASCHIMA et al., cirurgia sem transfusão de sangue (PMCSTS).
2016). No entanto, é importante destacar que essas
Acreditam que a vida reside no sangue e, alternativas podem não ser suficientes em ca-
portanto, a transfusão sanguínea de terceiros é sos de emergência ou risco iminente de vida,
considerada uma violação da santidade da quando a transfusão sanguínea pode ser a
vida. Adicionalmente, elas consideram a trans- única opção para salvar o paciente (RODRI-
fusão de sangue como uma intervenção médica GUEZ et al., 2009; TAKASCHIMA et al.,
invasiva que pode apresentar riscos à saúde, 2016).
como infecções ou reações adversas. Em vez O Código Penal classifica como crime a
disso, optam, sempre que possível, por trata- omissão de socorro, estabelece que ―deixar de
mentos médicos alternativos que não envol- prestar assistência, quando possível fazê-lo
vam a transfusão de sangue, tais como terapias sem risco pessoal, à criança abadonada ou ex-
alternativas, uso de substitutos sanguíneos e traviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao
técnicas cirúrgicas que minimizem a perda de desamparo ou em grave e iminente perigo; ou
sangue. Essas alternativas são vistas como não pedir, nesses casos, o socorro da autori-
mais seguras e compatíveis com suas crenças dade p blica‖ é considerado crime e pode re-
religiosas (RODRIGUEZ et al., 2009; TAKA- sultar em detenção de um a seis meses ou
SCHIMA et al., 2016). multa, o que impõe ao médico a obrigação de
As resoluções do Conselho Federal de tomar medidas para salvar a vida do paciente,
Medicina (CFM) e o Código Penal se enqua- mesmo que isso vá contra a vontade dele. Com
dram no estabelecimento dos limites entre a base nessas evidências, o protocolo de atendi-
autonomia do paciente (vida, saúde e liber- mento sugere que a transfusão sanguínea seja
dade) e a obrigação legal do médico em trans- realizada em casos de emergência ou risco de
fundir em casos de risco de vida em cirurgias vida, mesmo sem a concordância do paciente
com chances de grandes perdas de sangue, ou seus responsáveis (TAKASCHIMA et al.,
como transplantes renais, de coração e ressec- 2016).
ções hepáticas (TAKASCHIMA et al., 2016). O protocolo de atendimento sugerido no
O CFM define que a recusa de transfusão artigo enfatiza que é fundamental que o anes-
sanguínea não deve ser considerada absoluta e tesiologista tenha uma conversa prévia com o

187 | P á g i n a
paciente com restrição religiosa e seus familia- onal de saúde deve ter para melhor atender o
res, caso haja a necessidade de transfusão san- paciente, sinalizam, de algum modo, os con-
guínea, esclarecendo que em situações de flitos da sociedade contemporânea que preci-
emergência ou risco de vida, o médico tem a sam ser superados. Para isso, o ponto de par-
obrigação legal de realizar a transfusão, tida deverá ser ultrapassar o discurso teórico-
mesmo que o paciente ou seus responsáveis ético-filosófico e partir para uma prática de
não concordem com a decisão (RODRIGUEZ cuidado que produza mudança na sociedade.
et al., 2009; TAKASCHIMA et al., 2016). Nesse viés, segundo os efeitos inespecíficos da
O protocolo também destaca a importância cirurgia e outros procedimentos invasivos são
da documentação adequada de todas as etapas geralmente grandes. Particularmente no cam-
do processo de atendimento, sendo funda- po das condições relacionadas à dor, é neces-
mental para a proteção legal do médico em sário mais evidências de estudos randomizados
caso de qualquer possível questionamento controlados por placebo para evitar a continu-
posterior. É sugerido que o anestesiologista ação de tratamentos ineficazes. Dessa forma,
faça uma documentação completa em pron- visando oferecer o maior risco-benefício para
tuário, incluindo as informações sobre a re- o paciente, ensaios cirúrgicos controlados por
cusa de transfusão sanguínea pelo paciente e simulação mais bem projetados são necessá-
as alternativas propostas, além da descrição rios para evitar o uso contínuo de tratamentos
detalhada do procedimento realizado e a jus- invasivos ineficazes, para assim preservar a
tificativa para a transfusão sanguínea, caso integridade do paciente.
tenha sido realizada (RODRIGUEZ et al., Com base no conteúdo apresentado neste
2009; TAKASCHIMA et al., 2016). trabalho, o anestesiologista deve tomar deci-
Também é recomendado que o médico sões que favoreçam a saúde do paciente e pre-
faça um registro de todas as conversas e dis- servem a sacralidade da vida. É primordial que
cussões com o paciente e seus familiares, bem ele entenda os limites entre a autonomia do
como da declaração de vontade do paciente em paciente e o próprio direito de aplicar trata-
recusar a transfusão sanguínea, bem como suas mentos necessários, ainda que isso contrarie a
alternativas, mesmo em emergências ou risco vontade do paciente. Essa decisão deve ser
de vida (RODRIGUEZ et al., 2009; TAKAS- baseada nos princípios da beneficência e não
CHIMA et al., 2016). maleficência, autonomia e justiça, ou seja,
sempre buscando o bem-estar do paciente e
CONCLUSÃO evitando qualquer dano a ele. Além disso, o
Diante do exposto, conclui-se que, para o médico deve fazer uso dos avanços da ciência
alcance de uma relação médico-paciente de médica em prol da vida do paciente, o que é
qualidade, o respeito ao paciente, o tratamento um aspecto fundamental da justiça na prática
humanizado, tratamento igualitário, sigilo pro- médica. Na anestesia, em particular, é comum
fissional e o respeito à autonomia do paciente que haja uma linha muito tênue entre a vida e a
são essenciais. No entanto, ressalta-se que as morte, o que torna a responsabilidade do
falas dos anestesiologistas, além de revelar sua anestesiologista ainda maior.
percepção a respeito da atitude que o profissi-

188 | P á g i n a
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MENESES, J.A.G. DE. Dilemas bioéticos na prática da interests in the care of critically ill patients. Intensive
anestesia. Revista Brasileira de Anestesiologia, v. 51, n. Care Medicine, v. 44, n. 10, p. 1628, 2018.
5, p. 426, 2001.
UDELSMANN, A. Bioética: aspectos de interesse do
MENTZELOPOULOS, S. D. et al. Ethical challenges in anestesiologista. Revista Brasileira de Anestesiologia, v.
resuscitation. Intensive Care Medicine, v. 44, n. 6, p. 56, n. 3, 2006.
703, 2018.

189 | P á g i n a
Capítulo 25

REAÇÕES DE
HIPERSENSIBILIDADE
PERIOPERATÓRIA: REVISÃO
DE LITERATURA
AMANDA FERNANDES DA SILVA1
BRUNA PEREIRA DE MORAIS1
CAROLINA DE BARROS COKKINOS KEPPLER SILVA1
DANIELLE ELEAMEN BAIMA1
ELLEN MIDORI SHIMBA1
GABRIEL GONÇALVES DE ASSUNÇÃO GOMES1
GIOVANNA CANTUARIA CRUZ SANTOS1
JEFFERSON RIBEIRO AGUIAR1
JULIANA BADAOUI REIS1
JULIANA CORDEIRO FERREIRA1
JULIANA RODRIGUES KOHARA1
MICHAEL BENJAMIN PRADO MENDOZA1
1
Discente – Medicina Humana da Universidade Anhembi Morumbi – Campus Mooca

Palavras Chave: Hipersensibilidade; Período pré-operatório; Anestesia.

10.59290/978-65-81549-92-3.25 190 | P á g i n a
mortalidade quando comparada a outras cau-
INTRODUÇÃO sas, se torna um assunto relevante.
A hipersensibilidade é uma reação alérgica
causada por mecanismos imunológicos frente Mecanismos de anafilaxia
a um estímulo específico. No período periope- A anafilaxia pode ser classificada em 3 ti-
ratório o paciente está mais suscetível a essa pos, em imunológica, não imunológica ou idi-
reação, já que são administrados diversos me- opática com base no mecanismo associado. Os
dicamentos que podem desencadear eventos mecanismos imunológicos nas quais os basó-
alérgicos (SPINDOLA et al., 2019). filos estão implicados, se subdividem em de-
Os estudos recentes têm demonstrado que pendentes de IgE e não dependentes de IgE,
a incidência dos casos de hipersensibilidade enquanto o mecanismo não imunológico é
varia de 1:353 a 1:18.600 procedimentos reali- mediado por ativação direta do mastócito
zados, já a mortalidade está entre 3% e 9% dos (JAMESON et al., 2020; NGUYEN et al.,
casos. Além disso, os estudos apontam que o 2021; SOLÉ et al., 2020).
principal causador dessas reações é o bloquea- Independentemente do mecanismo os sin-
dor neuromuscular, sendo responsável por tomas são muito similares, resultado pela de-
mais da metade dos casos, seguido pelos anti- granulação de basófilos, mastócitos e eosinó-
bióticos responsáveis por aproximadamente filos. ―Os mastócitos e basófilos t m grânulos
40% das reações registradas (MISBAH & pré-formados contendo histamina, proteases
KRISHNA, 2019). (triptase, quimase), proteoglicanas (heparina) e
Os sinais cardiopulmonares são os primei- fator de necrose tumoral α (TNF-α , os quais
ros a aparecerem e com a progressão mais rá- são rapidamente liberados no tecido circun-
pida, sendo que a parada cardiorrespiratória dante mediante ativação celular, em um pro-
pode ser a única manifestação clínica no mo- cesso conhecido como degranulação. Mastó-
mento inicial. A ausência de manifestações citos, basófilos e eosinófilos também são fon-
cutâneas não exclui o diagnóstico, pois podem tes de produtos derivados do ácido araquidô-
aparecer apenas tardiamente, assim a hipoten- nico, os quais incluem cisteinil-leucotrienos,
são e taquicardia deve chamar a atenção do prostaglandinas e fator de ativação plaquetá-
anestesista para uma possível reação de hiper- ria‖ (JAMESON et al., 2020; NGUYEN et al.,
sensibilidade, devendo ser investigada imedi- 2021; SOLÉ et al., 2020).
atamente (SPINDOLA et al., 2019). Os sinais e sintomas são causados princi-
Além disso, vale ressaltar que o principal palmente pela histamina que causam rubor,
fator de risco para hipersensibilidade periope- urticaria, prurido/angioedema, rinor-reia, es-
ratória é um episódio anterior que não foi cor- pirro, estridor, aumento da permeabi-lidade
retamente investigado, mostrando a importân- capilar e sincope, enquanto os leucotrienos e
cia do correto diagnóstico e tratamento durante prostaglandinas causam bron-coconstrição e
a reação (SPINDOLA et al., 2019). aumento da permeabilidade capilar (JAME-
No período perioperatório o paciente está SON et al., 2020; NGUYEN et al., 2021;
mais suscetível a essa reação, pois são admi- SOLÉ et al., 2020).
nistrados diversos medicamentos que podem A Tabela 25.1 representa a classificação
desencadear eventos alérgicos. Pela elevada de gravidade e sinais clínicos da anafilaxia.
Verificou-se que o quadro clínico de grau I

191 | P á g i n a
compreende sinais cutâneos, podendo eles se dição pode-se levar o paciente a óbito. Vale
manifestar ou não, porém não se pode descar- mencionar que se pode utilizar a triptase sérica
tar o diagnóstico. As manifestações de grau II, para confirmar o diagnóstico, uma elevação
III e IV referem-se a sinais e complicações de maior que 25µg.L já é indicativo de uma ana-
origem cardiovascular e/ou cardiovasculares, o filaxia. Ao identificar qualquer um desses si-
colapso cardiovascular é a manifestação mais nais pode-se iniciar imediatamente o protocolo
comum e o marco inicial seria a parada cardi- de reações alérgicas (BERRÍO VALENCIA,
orrespiratória, como consequência desta con- 2015).

Tabela 25.1 Classificação da gravidade e sinais clínicos da anafilaxia


Gravidade Sinais clínicos
Sinais cutaneomucosos generalizados: eritema, urticária, com
Grau I
ou sem edema.
Agravo multivisceral moderado com sinais cutaneomucosos,
hipotensão arterial (queda sistólica > 30%), taquicardia (>
Grau II
30%), hiper‐reatividade brônquica (tosse, dificuldade ventilató-
ria).
Agravo multivisceral grave, ameaçador à vida, requerendo tera-
pia específica: colapso cardiovascular, taquicardia ou bradicar-
Grau III
dia, arritmias, broncoespasmo. Sinais cutâneos ausentes ou que
aparecem após correção da pressão arterial.
Grau IV Parada cardiorrespiratória.
Fonte: adaptado de SPINDOLA et al., 2019.

Anafilaxia imunológica IgE independente


IgE-dependente Essas reações podem estar mediadas por
As reações são causadas por alérgenos interação de um anticorpo com IgG ou sistema
comuns como amendoim/nozes, proteína do do complemento. Alguns estudos mostraram
ovo, soja, leite, fármacos (principalmente a reações anafiláticas de alguns fármacos com a
penicilina e bloqueadores neuromusculares) IgG a partir de outro receptor denominado
etc. Ao se ligar com a IgE são ativados os FcyRIII que se encontra na superfície de basó-
mastócitos e basófilos através de um receptor filos, macrófagos e neutrófilos, resultando
específico localizado em sua superfície assim na síntese e liberação da PAF, junta-
(FcεRI , assim são desencadeados vários mente ocorre à agregação plaquetária que in-
eventos inflamatórios dando início a uma duz a liberação de tromboxanos e serotonina
complexa cascata até a degranulação e libera- que levam a permeabilidade endotelial, vaza-
ção de mediadores recém-formados como his- mento e vasodilatação (JAMESON et al.,
tamina e triptase que levam a anafilaxia e cho- 2020; NGUYEN et al., 2021; SOLÉ et al.,
que anafilático. Em seguida vêm os produtos 2020).
pré-formados do ácido araquidônico que vem A reação mediada pelo sistema do com-
dos leucotrienos que tem efeitos muito mais plemento pode levara geração de anafilotoxi-
potentes vasculares em comparação com a nas (C3a e C5a) que são ativadas pelos recep-
histamina, assim potencializando a reação tores encontrados nos mastócitos e macrófa-
alérgica (JAMESON et al., 2020; NGUYEN et gos, resultando na liberação de histami-na e
al., 2021; SOLÉ et al., 2020). PAF, culminando em anafilaxia. ―Dentre as
causas mais comuns de reações anafiláticas

192 | P á g i n a
IgE-independentes incluem-se os meios de AND ―Hypersensitivity‖ AND ―Perioperative
contrate radiológicos, dextran e heparina con- Period‖ AND ―Anesthesia‖.
taminada com sulfato de condroitina supersul- Os critérios de seleção para a pesquisa fo-
fatado‖ (JAMESON et al., 2020; NGUYEN et ram trabalhos publicados nos últimos 5 (cinco)
al., 2021; SOLÉ et al., 2020). anos no PubMed e 10 (dez) anos no Scielo; em
língua inglesa ou portuguesa; do tipo revisão
Anafilaxia não imunológica sistemática e/ou meta-análise; realizadas no
A reação não envolve o sistema imune, período de 1 de janeiro de 2018 até 12 de
mas sim a ativação direta dos mastócitos. Essa março de 2023. Foram excluídos trabalhos
reação é desencadeada por vários fatores desde retornados na pesquisa que não abordavam o
contrastes radiológicos até fármacos como assunto, ou que não continham a metodologia
opioides, vancomicina e bloqueadores neuro- de interesse.
musculares. Na reação desencadeada pelo Um total de 14 artigos foi identificado por
opioide através do receptor MRGPRX2 que meio da pesquisa nas bases de dados. Uma
induz a liberação de histamina (JAMESON et duplicata foi descartada. Após aplicação dos
al., 2020; NGUYEN et al., 2021; SOLÉ et al., critérios de seleção, 4 artigos foram excluídos,
2020). resultando em 9 artigos para análise dos re-
As reações de hipersensibilidade periope- sultados.
ratória (RHP) ocorrem, principalmente, antes
ou depois de indução anestésica; atrelada a RESULTADOS
idade, doenças cardiovasculares e reações pré-
Agentes causais
vias às medicações, sendo mais comum em Os principais agentes causais são substân-
adultos. Os mecanismos fisiopatológicos, cias administradas no período perioperatório e
agentes desencadeantes e a abordagem diag- que estão envolvidas na estimulação direta de
nóstica são essenciais na conduta médica mastócitos, tais como bloqueadores neuromus-
(SOLÉ et al., 2020). culares, antibióticos, látex, opiáceos, analgési-
cos, anti-inflamatórios não-esteroidais, clo-
OBJETIVOS
rexidina, contrastes radiológicos, corantes,
Análise dos resultados obtidos para identi- óxido de etileno e dextran. Esse mecanismo é
ficar os fatores de risco, agentes causais, con- temporário e pode ser percebido por reações
dutas recomendadas, tratamento e demais in- cutâneas (SOLÉ et al., 2020).
formações relacionadas ao tema.
Bloqueadores neuromusculares
METODOLOGIA As respostas ao BNM podem ocorrer por
Revisão de literatura sobre reações de hi- meio de controle mediado por IgE ou não me-
persensibilidade perioperatória. diado por IgE. Estudos da relação estrutura-
A pesquisa foi realizada por consulta nas atividade evidenciam que o local de reconhe-
bases de dados Scielo e PubMed, no mês de cimento da IgE para agentes bloqueadores
março de 2023. As palavras-chave empregadas neuromusculares inclui grupos de amônia ter-
foram termos descritores em sa de: ―Surgery‖ ciária e quaternária e atendimentos relaciona-
dos (BALDO & FISHER, 1983).

193 | P á g i n a
Na França, um estudo retrospectivo entre des liberadores de histamina e parece não ha-
1999 e 2001 envolvendo 518 casos revelou o ver sensibilidade cruzada entre eles e deriva-
BNM como responsável pela anafilaxia em dos da morfina, difenilheptanos e fenantrêni-
58,2% dos casos, seguido por látex (16,7%) e cos. No entanto, as reações a essas substâncias
antibióticos (15,1%). Na Europa, por outro são excepcionalmente raras, considerando seu
lado, sabe-se que 50 a 70% dos casos de ana- amplo uso em anestesia (VOLCHECK &
filaxia estão relacionados ao BNM. Em todos MERTES, 2014).
os estudos analisados, houve concordância
quanto à maior incidência de anafilaxia em Hipnóticos
pacientes do sexo feminino (GARVEY et al., As reações aos hipnóticos foram mais fre-
2019). quentes com o tiopental (cujo uso atualmente
Há maior incidência de anafilaxia causada está em declínio) e com o propofol, que conti-
por fármacos do que por alimentos e venenos. nha em sua formulação o solubilizante Cremo-
Os Bloqueadores Neuromusculares (BNM) são phor EL. A Academia Americana de Alergia,
a causa mais comum de reações de hipersensi- Asma e Imunologia decidiu recentemente que
bilidade perioperatória. No Brasil, são respon- os pacientes com alergias a ovo podem ser
sáveis por 37,6%, sendo o principal causador. manifestados à anestesia com segurança sem
A via de ativação de BNM envolvem grupos queixas, e essa recomendação foi reiterada em
de amônio terciário e quaternário e moléculas uma revisão recente (DEWACHTER et al.,
adjacentes, presentes também em desinfetantes 2019).
e alimentos, sendo potencialmente alérgenos
(SOLÉ et al., 2020). Clorexidina
A clorexidina é um antisséptico ampla-
Látex mente utilizado no ambiente hospitalar, desde
Respostas reduzidas ao látex de borracha o uso na pele até como componente de gel em
natural de Hevea brasiliensis foram observa- anestésicos locais, lubrificantes ou curativos.
das como resultado de várias ações. Em grupos No período perioperatório, as reações podem
especiais de crianças submetidas a múltiplas ocorrer repentinamente, após a inserção de um
cirurgias, o látex foi a causa número um de cateter venoso central ou dentro de 20-40 mi-
anafilaxia perioperatória. A sensibilização nutos após o início do procedimento (VOL-
precoce ao látex deve ser evitada neste grupo CHECK; HEPNER, 2019).
de pacientes de alto risco (SOLÉ et al., 2020).
Contrastes radiológicos
Opioides Diferentes agentes de contraste iodados
Os opioides naturais (morfina e codeína) e têm uma estrutura comum: um anel aromático
os opioides semissintéticos (folcodina, hidro- de benzeno não qual estão fixados átomos de
morfona e diamorfina) são poderosos liberado- iodo, cuja sequência alergênica ainda não foi
res diretos de histamina que causam princi- identificada, mas o iodo não está envolvido.
palmente manifestações de rejeição, incluindo Os contrastes que resultaram em testículos
urticária, recepção e rubor. Os opioides semis- cutâneos negativos foram usados com segu-
sintéticos da classe dos fenilpiperidenos (al- rança em pacientes com reação prévia ao con-
fentanil, fentanil, remifentanil) não são opioi- traste iodado. Testes cutâneos são realizados

194 | P á g i n a
após uma reação de hipersensibilidade para Reações de hipersensilidade no periopera-
confirmar o agente suspeito e oferecer uma tório a colóides são raras, mas, quando occo-
alternativa segura (DEWACHTER et al., rem, são complicações graves, que necessitam
2009). de intervenção imediata. Apesar de serem difí-
ceis de detectar, é essencial uma avaliação pré-
Corantes anestésica eficiente e um trabalho rápido e
Os corantes tornaram-se substâncias con- eficiente de toda a equipe cirúrgica quando se
sideradas causadoras de reações de hipersensi- tiver uso de coloides (HANŽEK et al., 2020).
bilidade. As reações anafiláticas ao corante
aparecem mais tarde do que a administração Fatores de risco
intravenosa intraoperatória de antígenos de- As reações de hipersensibilidade podem
vido à absorção lenta pelo tecido subcutâneo e ocorrer em qualquer paciente submetido à
tecido linfático (MERTES et al., 2008). anestesia. O fator de risco mais específico para
reações anafiláticas é a história prévia de ana-
Coloides filaxia em anestesia. Entretanto, existem al-
Durante a anestesia, se torna muito mais guns outros fatores de risco que podem estar
díficil a precepção de sintomas clássicos de associados à anafilaxia ou reações anafilactói-
um quadro alérgico, como os sinais de pele e des no contexto anestésico (CANGIANI, et al.
carddovasculares. Essa dificuldade se dá na 2021). Os principais fatores de risco estão lis-
maiora dos casos devido ao uso de me-dica- tados a seguir.
mentos intra-operatórios que cursam com Histórico de alergias, com a predisposição
efeitos semelhantes aos de anafilaxia. Uma das alérgica a múltiplos fármacos e substâncias.
substâncias intraoperatórias que causam hiper- Pacientes com atopia ou doença asmática (so-
sernsibilidade são os coloides (expasores de bretudo mal controlada) estão em risco conhe-
volume), podendo ser natural (albumina) ou cido para reações de hipersensibilidade. Dessa
sntético (dextrano, gelantina e amido hidro- forma, pacientes com relato de crises recentes,
xietílico (HANŽEK et al., 2020). especialmente quadros graves com necessi-
Estudos apontam que a incidência de rea- dade de internação, devem ter a cirurgia adiada
ções alérgicas a coloides intraoperatória é de 3 quando possível (MANICA, 2018).
a 4%, sendo mais comuns as gelatinas. Albu- Idade avançada, exposição a fármacos ou
minas tem menor incidência de reações anafi- procedimentos cirúrgicos múltiplos, catete-
láticas, porém, já existiram relatos de casos em rismo vesical recorrente ou condições clínicas
que a albumina sérica humana foi a causadora que predispõem a sensibilização prévia e repe-
da anafilaxia. Já o dextrano, é responsável por tida a produtos como látex, bem como exposi-
muitos mais casos graves de anafilixia que ção ocupacional a diversos produtos, são fato-
outros coloides. Já as gelatinas possuem a res associados à ocorrência de anafilaxia grave
maior incidência de reações anafiláticas dentre (MANICA, 2018).
todos os coloides, por compor diversos outros Alergias alimentares, principalmente frutas
produtos, como alimentos, vacinas e cosméti- tropicais (banana, kiwi, abacaxi, mamão) de-
cos, pacientes que já tenham historico de aler- vido à possibilidade de reação cruzada ao lá-
gia a esses, tem maior predisposição a anafili- tex. Uso de medicações que alteram a cascata
xia intraoperatória (HANŽEK et al., 2020). inflamatória, como AINEs (formação de leu-

195 | P á g i n a
cotrienos), betabloqueadores (reduz a estabili- doenças crônicas, cirurgias anteriores, medi-
zação mastocitária mediada pela adrenalina) e camentos utilizados, entre outros. Também é
os inibidores da ECA (aumento de bradicinina importante realizar um exame físico completo,
sistêmica). Estresse físico e polimorfismo ge- que deve incluir avaliações do sistema cardio-
nético (CANGIANI, et al. 2021). vascular, respiratório e neurológico (AMERI-
É importante também saber que história CAN SOCIETY OF ANESTHESIOLOGISTS,
prévia de uso de antibióticos ou exposição a 2020).
bloqueadores neuromusculares, sem desenca- Além disso, é necessário avaliar o risco ci-
dear reações de hipersensibilidade não exclui o rúrgico do paciente, levando em consideração
risco de anafilaxia em nova exposição, pois o tipo de cirurgia a ser realizada e o estado
estas reações podem ou não acontecerem me- geral de saúde do paciente. A escala ASA
diante sensibilização anterior (MANICA, (American Society of Anesthesiologists) é fre-
2018). quentemente utilizada para classificar o risco
cirúrgico do paciente e ajudar a determinar o
Avaliação pré-anestésica em pacientes tipo de anestesia mais adequado (AMERICAN
com hipersensibilidade a diversos fatores SOCIETY OF ANESTHESIOLOGISTS,
A avaliação pré-anestésica é um compo- 2020).
nente essencial no cuidado do paciente que se Outra escala amplamente utilizada é a es-
submeterá a um procedimento anestésico. Em cala de Aldrete, que é uma escala de pontua-
pacientes com hipersensibilidade a diversos ção usada para avaliar o paciente após a cirur-
fatores, essa avaliação torna-se ainda mais gia. A escala avalia o nível de consciência, a
importante para identificar riscos potenciais e respiração, a pressão arterial, a pulsação, a
planejar a abordagem anestésica adequada. saturação de oxigênio e a dor do paciente. A
Este capítulo discute as principais considera- escala de Aldrete é útil para monitorar a recu-
ções e estratégias para realizar uma avaliação peração do paciente após a anestesia e identifi-
pré-anestésica eficiente nesses pacientes car possíveis complicações (APFELBAUM et
(AMERICAN SOCIETY OF ANESTHESIO- al., 2013).
LOGISTS, 2020). A escala de Mallampati é outra escala que
A avaliação pré-operatória é um processo pode ser utilizada para avaliar o risco anesté-
complexo e extenso que tem como objetivo sico em pacientes com hipersensibilidade. Essa
avaliar a condição médica geral de um paci- escala avalia a visibilidade das estruturas da
ente antes da realização de um procedimento orofaringe e é utilizada para prever a dificul-
cirúrgico. É especialmente importante para dade na intubação traqueal. Pacientes com
pacientes com hipersensibilidade, pois esses uma visibilidade limitada da orofaringe são
pacientes podem estar mais suscetíveis a rea- mais propensos a apresentar dificuldades na
ções alérgicas e outras complicações durante a intubação e podem exigir medidas de segu-
anestesia (AMERICAN SOCIETY OF rança adicionais durante o procedimento
ANESTHESIOLOGISTS, 2020). anestésico (APFELBAUM et al., 2013).
O tratado de Anestesiologia preconiza que A avaliação pré-operatória também deve
a avaliação pré-operatória deve começar com incluir a revisão dos medicamentos utilizados
uma revisão detalhada do histórico médico do pelo paciente, incluindo medicamentos pres-
paciente, incluindo informações sobre alergias, critos e não prescritos, bem como suplementos

196 | P á g i n a
e produtos à base de plantas. Alguns medica- necessário ao paciente caso evolua com com-
mentos podem interagir com a anestesia, au- plicação (GARVEY, et al., 2019a).
mentando o risco de complicações, enquanto Quando se refere aos fatores de risco, evi-
outros podem causar reações alérgicas. Por- denciou-se que a incidência de complicações
tanto, é importante informar ao anestesista graves causadas por hipersensibilidade perio-
todos os medicamentos que o paciente esteja peratória advém de reações mediadas por IgE.
tomando (APFELBAUM et al., 2013). Essas reações são um dos principais meios
A escolha da técnica anestésica deve levar para o desenvolvimento de uma reação alér-
em consideração o histórico de alergias do gica, que geralmente ocorre no início do pro-
paciente e a possibilidade de reações adversas. cesso anestésico, pois está ligado ao uso dos
Em alguns casos, pode ser necessário realizar bloqueadores neuromusculares (NMBAs) e
uma anestesia geral, enquanto em outros casos Antibióticos B-lactâmicos. Outro fator impor-
pode ser possível realizar uma anestesia local tante encontrado é a circunstância de pacientes
ou regional. É essencial planejar cuidadosa- com histórico de alergias prévias, como asma,
mente o procedimento anestésico, levando em rinite, alergia ao látex, alergia alimentar ou
conta as particularidades de cada paciente medicamentosa, que contribui para a possibili-
(APFELBAUM et al., 2013). dade de desenvolver esse tipo de hipersensibi-
Durante a cirurgia, é fundamental monito- lidade (DEWACHTER, et al., 2019).
rar o paciente cuidadosamente, com o objetivo O diagnóstico de RHP apresenta diversas
de detectar possíveis reações alérgicas e tomar limitações. Dentre elas, se destacam a incapa-
medidas imediatas para tratá-las, se necessário. cidade de o paciente sob anestesia relatar
Um plano de contingência deve ser desenvol- quaisquer tipos de sintomas; a difícil identifi-
vido para lidar com reações alérgicas impre- cação do agente causador pela multiplicidade
vistas durante a cirurgia. Isso pode incluir o de drogas sendo administradas por via intrave-
uso de medicamentos para controlar a reação nosa e em rápida sucessão; e o fato de que
alérgica, a interrupção da cirurgia ou, em casos muitas dos sinais e sintomas presentes durante
extremos, a reversão da anestesia (APFEL- a reação podem surgir em decorrência de me-
BAUM et al., 2013). canismos não imunológicos (MISBAH &
KRISHNA, 2019; HOPKINS et al., 2019).
DISCUSSÃO Um estudo foi conduzido por meio de um
Em estudo de 2019 foi possível averiguar consenso Delphi envolvendo especialistas
que o teste de provocação de drogas (DPT), multidisciplinares (anestesistas, alergistas e
mesmo sendo aceito como padrão-ouro em imunologistas) e, diante disso, um sistema de
investigações para confirmar ou excluir alergia pontuação clínico foi criado com os itens que o
a medicamentos em geral, não tem sido indi- compõe podendo ser classificados em uma
cado quando há suspeita de alergia periopera- escala de 1 (inapropriado) a 9 (adequado),
tória, sendo levado em ênfase que caso haja considerando índices de discordância entre o
escolha por realizar o DTP, deve ser efetivado painel de profissionais. Isso permitiu a criação
com estreita colaboração entre anestesiologis- de um novo sistema para investigar RHP com
tas e alergistas, assim como realizados em uma menor variabilidade entre os avaliadores
centros hospitalares, pois disponibilizam de (MISBAH & KRISHNA, 2019; HOPKINS et
estrutura e suporte para prestar todo auxílio al., 2019).

197 | P á g i n a
Visando complementar o sistema de pon- mento de uma anestesia futura segura para um
tuação clínica, a dosagem de Triptase de paciente com uma história prévia de RHP de-
Mastócitos também foi atribuída a investiga- pende da adequada investigação da reação e do
ção, mas esta ainda reflete incerteza para uma causador. Além disso, drogas alternativas se-
avaliação clínica de suspeita de RHP periope- guras da mesma classe do causador devem ser
ratória pela ausência de estimativas robustas identificadas (MISBAH & KRISHNA, 2019;
para a sensibilidade e especificidade das alte- HOPKINS et al., 2019).
rações desse exame complementar em suspeita A Anafilaxia Perioperatória (AP) é uma
de reações alérgicas perioperatórias. Além complicação adversa grave das RHP que pode
disso, foi identificado que manifestações cutâ- ocorrer durante procedimentos cirúrgicos. Os
neas constituem um discriminador ruim, pois óbitos relacionados à anafilaxia são infre-
podem ser omitidas por campos cirúrgicos ou quentes, mas ainda ocorrem em uma minoria
retardadas até que um paciente em choque seja considerável de pacientes. Uma auditoria re-
ressuscitado (MISBAH & KRISHNA, 2019; cente realizada no Reino Unido revelou, em
HOPKINS et al., 2019). um intervalo de 12 meses, 266 casos de anafi-
No estudo, verificou-se que a probabili- laxia de grau 3-5 de gravidade, dos quais 10
dade de uma RHP aumenta se, sinais e sinto- faleceram e 40 sofreram parada cardíaca, ne-
mas clínicos cardiovasculares, respiratórios e cessitando de cuidados intensivos, vasopresso-
de pele e mucosas estiverem presentes e, di- res ou inotrópicos (MISBAH & KRISHNA,
ante disso, os pontos do sistema foram conce- 2019; HOPKINS et al., 2019).
didos em cinco categorias, com recursos su- Os Antibióticos Beta-Lactâmicos, especi-
gestivos de RHP com valores de pontos positi- almente a Teicoplanina, suplantam os Bloque-
vos e recursos contra RHP com valores de adores Neuromusculares, se tornando a princi-
pontos negativos, ambos estabelecidos em pal causa da POP. A Clorexidina também se
cada categoria. A pontuação clínica geral é a tornou um gatilho alergênico significativo,
soma das pontuações líquidas de todas as cate- classificando-se em terceiro lugar depois de
gorias, tornado possível classificarmos o qua- antibióticos e BNMs (Suxametônio, Rocurônio
dro pela probabilidade de ser uma RHP (MIS- e Atracúrio, principalmente). Outro novo alér-
BAH & KRISHNA, 2019; HOPKINS et al., geno descrito é o corante azul Patente. O látex
2019). deixou de ser uma causa comum de anafilaxia
A avaliação desse sistema foi feita por perioperatória pela adoção de medidas sem
meio da comparação entre as pontuações feitas látex na sala de cirurgia e no ambiente hospi-
por diversos cenários clínicos reais ou hipoté- talar. No entanto, uma proporção significativa
ticos, investigados e classificados quanto a de pacientes não apresenta gatilho identificado
probabilidade de ser uma RHP. Foi possível e exige conselhos e condutas específicas
concluir que esse sistema de pontuação clínico (MISBAH & KRISHNA, 2019; HOPKINS et
será capaz de identificar, com alta probabili- al., 2019).
dade, RHP que apresentam sinais e sintomas Como já foi discutido, reações de hiper-
que envolvam dois ou mais sistemas, RHP sensibilidade imediata e posterior anafilaxia
com características clínicas mais graves limi- perioperatória são de difícil diagnóstico. Existe
tadas a um único sistema, além de auxiliar na um modelo específico recomendado pelo Ro-
descoberta do agente responsável. O forneci- yal College of Anesthetists no Reino Unido

198 | P á g i n a
que descreve a anafilaxia e a linha de tempo costeroides foram necessários no tratamento
dos sinais e sintomas clínicos. Este está pre- de crise asmática, a qual ocorreu na anafilaxia
sente nas cartas de encaminhamento anestési- ao vecurônio. O atracúrio ocasionou exantema
cas e nos prontuários anestésicos e valem a em um dos pacientes e broncoespasmo no ou-
análise para diagnóstico. Nesse contexto, vale tro. A reação ao rocurônio acarretou dor e
lembrar que a principal característica clínica queimação localizadas. No ensaio clínico
da anafilaxia é a hipotensão grave universal- mencionado, não houve mortes e os sintomas
mente (MISBAH & KRISHNA, 2019; foram controlados com medicação (FUEN-
HOPKINS et al., 2019). TES-BROQUEET et al., 2021).
Após uma AP, é recomendado aguardar de Um estudo de 2017 observou que reações
4 a 6 semanas para investigar alergia a medi- anafiláticas ao remifentanil são raras e os pos-
camentos, devido à possibilidade de resultados síveis sintomas e complicações podem ser re-
falso-negativos no teste cutâneo imediata- vertidos e devidamente controlados, desde que
mente após o evento. Contudo, não se trata de sejam tomadas as medidas adequadas para
uma conduta universal (MISBAH & cada caso clínico em tempo hábil. Para tanto, o
KRISHNA, 2019; HOPKINS et al., 2019). médico anestesista e a equipe cirúrgica devem
A investigação da anafilaxia perioperatória estar atentos aos sinais e reações que o paci-
frequentemente é baseada em informações ente possa apresentar, sobretudo nos primeiros
incompletas e apresenta determinados riscos. É minutos após a aplicação da anestesia, tendo
importante que as investigações sejam realiza- em vista que a maioria dos casos de anafilaxia
das em centros especializados com profissio- ocorre poucos minutos após a aplicação do
nais capacitados e experientes com quadros anestésico (AGUILERA-CASTRO, 2017).
clínicos de alergias à medicamentos. Além
disso, é imprescindível a documentação clara CONCLUSÃO
sobre a anafilaxia, bem como a linha de tempo No Brasil, ainda não existem muitos estu-
do quadro clínico e os resultados dos exames dos sobre os agentes causadores da anafilaxia
complementares (MISBAH & KRISHNA, perioperatória. O diagnóstico de hipersensibi-
2019; HOPKINS et al., 2019). lidade imediata deve ser estabelecido clinica-
Em um estudo de coorte transversal, publi- mente e sem esperar os exames laboratoriais,
cado na Revista Mexicana de Anestesiologia, que servem para confirmá-lo, apenas. A avali-
3431 pacientes receberam anestesi geral com ação pré-anestésica minuciosa, o estudo dos
uso de BNM, sendo os principais fármacos prontuários do paciente (pré-operatório, sala
utilizados o atracúrio em 90 pacientes, o vecu- cirúrgica e pós-operatório), análise de qualquer
rônio em 79 pacientes e o rocurônio em 39. O exposição perioperatória e cirúrgica são essen-
grupo era composto por pessoas de 37 a 76 ciais para diagnóstico de reações de hipersen-
anos, das quais 75% eram mulheres. Houve sibilidade, visto que são diversos causadores e
apenas quatro casos de reações adversas leves parâmetros associados. É fundamental o tra-
e moderadas, dentre as quais duas foram cau- balho multidisciplinar para a investigação di-
sadas pelo atracúrio, uma pelo rocurônio e agnóstica aprofundada e descoberta do agente
outra pelo vecurônio. Antihistamínicos e corti- causador, evitando reações futuras.
coides foram utilizados nos casos clínicos com Os estudos avaliados apresentam informa-
urticária, enquanto broncodilatadores e corti- ções relevantes e atualizadas sobre o manejo
199 | P á g i n a
de pacientes com suspeita de alergias ou con- testes de provocação de drogas. Enfatiza-se a
dições alérgicas pré-existentes durante proce- importância da avaliação pré-operatória deta-
dimentos cirúrgicos, assim como risco para o lhada e das estratégias para minimizar os ris-
desenvolvimento de hipersensibilidade perio- cos de reações alérgicas durante a anestesia.
peratória. Embora não traga informações ino- Em conclusão, a avaliação pré-operatória
vadoras em termos de técnicas ou procedi- em pacientes com hipersensibilidade envolve a
mentos, contribuem para a atualização de co- utilização de escalas de avaliação de risco
nhecimentos a fim de facilitar a definição de anestésico para identificar fatores de risco e
protocolos mais seguros e eficazes quanto ao ajustar o plano anestésico de acordo com as
manejo desses pacientes. necessidades de cada paciente. O objetivo é
Possível destacar a necessidade da revisão garantir uma anestesia segura e eficaz e mini-
das diretrizes existentes e a discussão sobre a mizar o risco de complicações relacionadas à
necessidade de padronização dos protocolos de hipersensibilidade.

200 | P á g i n a
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201 | P á g i n a
Capítulo 26
ANDROPAUSA: DEPRIVAÇÃO
ANDROGÊNICA COM O
ENVELHECIMENTO
MASCULINO
MATHEUS HENRIQUE PIZZOL1
ADRIALDO ALMEIDA CONRADO2
PAULA MAYARA BADAN FERREIRA3
HUGO RODRIGO LLATAS ZAPATA3
EUDO DE LIMA ASSIS NETO4
MARILENA CORRÊA DE MELLO4
JOSE WASHINGTON PAIVA BORGES FILHO4
LAYANA DE SOUZA REBOLCAS4
LUIZ HENRIQUE FERREIRA DAMIAN4
LORENA CAROLINE MARINHO DANTAS4
MATHEUS VIANA DE ARAUJO MUNHOZ4
FÁBIO LUIZ BARBOSA DE OLIVEIRA4
FERNANDO COELHO BARBOSA5
FERNANDO HENRIQUE FARIA DO AMARAL6
ISABELA FERNANDEZ AVANZI7
1
Discente – Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
2
Discente – Medicina da Universidad Privada del Estes (PY)
3
Discente – Medicina da Universidad Automa San Sebastian (UASS)
4
Discente – Medicina da Faculdade Metropolitana de Manaus (FAMETRO)
5
Médico – Formado pelo Instituto Tocantinense Presidente Antonio Carlos (ITPAC)
6
Discente – Medicina da Universidade Paulista (UNIP)
7
Discente – Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC)

Palavras Chave: Testosterona; Hipogonadismo; Reposição hormonal·.

10.59290/978-65-81549-92-3.26 202 | P á g i n a
minuição da concentração sérica total e livre
INTRODUÇÃO de testoterona em maior grau, refletindo em
A população brasileira está envelhecendo. um aumento da SHBG em virtude da alta afi-
Segundo o IBGE, em 2021, a população total nidade de sua ligação com o hormônio (WU et
era de 212,7 milhões, correspondendo a um al., 2008). Além disso, também há uma perda
aumento de 7,6% em relação a 2012. Nesse do seu ritmo circadiano: homens jovens apre-
período, a parcela de pessoas com 60 anos ou sentam aumento da testosterona pela manhã,
mais saltou de 11,3% para 14,7% da popula- com pico às 8h e maior variação diurna, en-
ção, isto é, passou de 22,3 milhões para 31,2 quanto os homens mais velhos têm níveis mais
milhões, havendo um crescimento de 39,8% baixos, um aumento muito atenuado pela ma-
no período. Com envelhecimento da população nhã e menor variação diurna (BREMNER et
brasileira, novas questões relacionadas à saúde al., 1983). Homens obesos apresentam níveis
começam a emergir frente à busca de propor- menores de testosterona total em relação aos
cionar uma melhor qualidade de vida e manu- não obesos na mesma faixa etária devido a um
tenção da capacidade funcional e autonomia nível mais baixo de SHBG e por um hipogo-
dessas pessoas. Assim como ocorre uma queda nadismo hipogonadotrófico pela presença de
dos níveis de estrogênio nas mulheres por níveis menores de testoterona livre não acom-
volta dos 50 anos, com o envelhecimento mas- panhado por aumento do hormônio luteini-
culino também há um declínio gradual da con- zante (LH) (WU et al., 2008). As concentra-
centração sérica da testosterona, o que pode ções séricas do hormônio folículo-estimulante
estar relacionado com algumas das alterações (FSH) e LH aumentam, mas esse aumento não
dos idosos: força muscular, densidade óssea e é tão grande quanto se esperaria da queda da
funções fisiológicas. Alguns estudos apontam testosterona, favorecendo a ideia de que a
que aumentar os níveis séricos desse hormônio queda da testosterona seja reflexo de um hipo-
pode trazer benefícios para um envelheci- gonadismo primário e secundário. Em relação
mento saudável, mas os riscos ainda precisam à espermatogênese, o aumento da idade não
ser calculados. parece implicar em alterações relevantes. Em
um estudo voltado para a função erétil, o
MODIFICAÇÕES HORMONAIS quartil mais velho (entre 56 e 80 anos) tinha
RELACIONADAS À IDADE características de sêmen semelhantes ao quartil
mais jovem (entre 45 e 47,8 anos) (HELLS-
Aproximadamente 8% dos homens entre TROM et al., 2006).
40 e 49 anos têm níveis de testosterona abaixo
do normal, aumentando para 12% entre 50 a QUADRO CLÍNICO DA ANDRO-
59 anos, 19% entre 60 a 69 anos, 26% entre 70 PAUSA
e 79 anos e 49% dos homens acima de 80 anos
(MANU, 2010). Do total da testosterona sé- O distúrbio androgênico surge de forma
rica, cerca de 2% está na forma livre, 60% está insidiosa e lentamente progressiva, sendo que
fortemente ligada à globulina ligadora de hor- as manifestações clínicas acabam sendo asso-
mônios sexuais (SHBG) e 38% albumina. A ciadas ao processo natural de envelhecimento.
forma livre e ligada à albumina são as biodis- As implicações clínicas ainda não estão bem
poníveis. Com o envelhecimento, há uma di- esclarecidas, mas há alguns paralelos com o

203 | P á g i n a
hipogonadismo secundário a uma causa co-
nhecida (hipófise ou testicular): redução da DIAGNÓSTICO DO HIPOGONA-
libido e atividade sexual, diminuição da massa DISMO EM HOMENS IDOSOS
e força muscular, aumento da gordura visceral,
A avaliação se baseia na presença de sin-
diminuição da vitalidade, humor deprimido,
tomas, exame físico e achados laboratoriais. O
diminuição da densidade mineral óssea e ane-
teste inicial deve ser uma medição de testoste-
mia. O exame físico costuma ser normal e ra-
rona sérica no início da manhã, em jejum. Se o
ramente pode encontrar redução do volume
resultado for baixo, o teste deve ser repetido
testicular, sinais de anemia, diminuição da
pelo menos uma vez, preferencialmente duas.
massa muscular, alterações de textura da pele e
Os valores de testosterona livre e a biodispo-
diminuição da pilificação (MANU, 2010).
nível podem ser calculadas através da fórmula
Em um relatório do European Male Aging
de Vermeulen, a qual se baseia na medida da
Study (EMAS), 2.966 homens com idades en-
testosterona total e SHBG, e utilizados para
tre 40 e 79 anos foram avaliados para determi-
confirmar a avaliação em casos suspeitos
nar esses paralelos (TAJAR et al., 2012). A
(MANU, 2010).
combinação de testosterona sérica baixa (<317
Ainda não há um consenso sobre o valor
ng/dL [11 nmol/L]) e três sintomas sexuais foi
de corte, mas considera-se normal um valor de
observada em apenas 2,1% (n= 63) dos ho-
testoterona sérica maior que 320 ng/dL (11,1
mens (n=63). Os homens hipogonádicos ten-
nmol/l) e diminuído quando a dosagem é infe-
diam a ser mais velhos e mais obesos e, pro-
rior a 200ng/dL (6,9 nmol/l) (MANU, 2010).
porcionalmente à deficiência de testosterona,
Se os resultados de testosterona forem consis-
tinham significativamente menos hemoglo-
tentemente baixos, o hormônio luteinizante
bina, densidade mineral óssea do calcanhar,
(LH) e o hormônio folículo-estimulante (FSH)
massa muscular e saúde geral mais frágil, além
devem ser medidos para determinar se o hipo-
de uma associação com resistência à insulina e
gonadismo é primário ou secundário. Se se-
síndrome metabólica. Quanto menor os níveis
cundário, outras deficiências hormonais da
de testosterona, mais forte são essas associa-
hipófise devem ser avaliadas, assim como a
ções (SNYDER, 2023).
investigação da sela túrcica por meio de uma
ressonância magnética (MANU, 2010). Essa
abordagem encontra-se esquematizada na Fi-
gura 26.1.

204 | P á g i n a
Figura 26.1 Abordagem do distúrbio androgênico do envelhecimento masculino

Fonte: MANU, 2010.

baixos de testosterona, a terapia não é reco-


TERAPIA DE TESTOSTERONA mendada. A presença de câncer de próstata e
Ainda não está bem elucidado se homens mama ativo também são contraindicações ab-
que apresentam baixos níveis de testosterona solutas. As contraindicações relativas são: po-
em decorrência do envelhecimento apresenta- licitemia, apneia do sono não tratada, insufici-
rão benefícios com a reposição de testosterona. ência cardíaca grave e sintomas obstrutivos
De forma sucinta, essa terapêutica deve ser severos do trato urinário inferior. A reposição
individualizada, em que os homens mais ve- androgênica deve prover uma quantidade fisi-
lhos, com impressão clínica sugestiva de defi- ológica de testosterona, mantendo seus níveis
ciência de testosterona e que os níveis séricos dentro da normalidade, com um padrão circa-
desse hormônio sejam consistente e inequivo- diano semelhante a indivíduos jovens saudá-
camente baixos após o balanço entre os riscos veis (SNYDER, 2023).
e benefícios potenciais. Na ausência de sinto- A reposição pode se dar a partir de prepa-
mas ou na presença de sintomas, mas níveis rações orais, transmucosa, transdérmicas e

205 | P á g i n a
injetáveis. Em relação às formas orais, as fór- deve ser repetido a cada 3 a 6 meses e, se au-
mulas esterificadas (undecilato de testoste- mentou mais de 1,4 ng/mL acima da linha de
rona) são absorvidas pelo sistema linfático e base ou mais que 4 ng/mL, o paciente deve ser
metabolizadas em testosterona, contudo sua encaminhado para avaliação urológica. Já o
absorção é variável, tem alto custo e depende hematócrito deve ser repetido a cada 3 a 6 me-
de várias tomadas diárias. As fórmulas alqui- ses pelo menos uma vez por ano, pois a tes-
ladas não são mais utilizadas pela alta hepato- tosterona estimula a eritropoiese (SNYDER,
toxicidade. Em relação às formas transmuco- 2023).
sas, usa-se um comprimido mucoadesivo de Os Testes de Testosterona (TTrials) foram
30mg de testosterona biodegradável e de alta projetados para implementar diversos ensaios
solubilidade que deve ser colocado sobre a clínicos randomizados e controlados por pla-
gengiva, duas vezes ao dia, acima dos dentes cebo para determinar quais são os reais benefí-
incisivos, alternando-se o lado. Após 4 a 12 cios com a reposição de testoterona para o
semanas, deve-se avaliar a testosterona plas- DAEM (SNYDER, 2023). No total foram sete
mática. Em relação às formas injetáveis, as ensaios clínicos para avaliar a eficácia de um
injeções intramusculares de testosterona de ano da testosterona na função sexual, capaci-
curta ação (cipionato, enantato e propionato) dade física, função cognitiva, anemia, densi-
podem favorecer a presença de efeitos colate- dade óssea e fatores de risco cardiovascular
rais (policitemia, apoptose de células neuro- em homens mais velhos com sintomas de hi-
nais e ginecomastia) em virtude das grandes pogonadismo e testosterona consistentemente
variações dos níveis hormonais, podendo che- baixa. Dos 51.000 homens selecionados, ape-
gar a valores suprafisiológicos de 1400 ng/dL nas 1,5% atendeu aos critérios de inclusão
no quarto dia após a aplicação. Já a testoste- (idade maior que 65 anos; testosterona sérica
rona de longa duração (undecilato de testoste- baixa, menor que 275 ng/dL, no início da ma-
rona) não atinge tais picos, tendo a vantagem nhã em duas ocasiões; disfunção sexual, dis-
de ter menos efeitos colaterais, devendo ser função física e/ou redução da vitalidade evi-
aplicada a primeira e a segunda injeção num dente). A concentração mediana de testoste-
intervalo de seis semanas e as seguintes a cada rona pré-tratamento foi de 232 ng/dL. Após
quatro meses (MANU, 2010). um ano de terapia com gel de testosterona, as
Antes de iniciar a reposição, deve ser feita concentrações séricas médias aumentaram para
uma avaliação inicial em relação à presença de a faixa média da normalidade para homens de
nódulo de próstata, antígeno prostático especí- 19 a 40 anos, cerca de 500 ng/dL, obtendo os
fico (PSA) maior que 4 ng/mL ou maior que 3 seguintes resultados:
ng/mL em homens com risco aumentado de • Função sexual: melhora moderada da
câncer de próstata (parente do 1º grau com atividade sexual, libido e função erétil em me-
câncer de próstata, afro-americanos) ou he- nor grau (CUNNINGHAM et al., 2016);
matócrito maior que 48%. O nível sérico da • Capacidade física: melhora das distân-
testosterona precisa ser monitorado e tem cias percorridas (SNYDER et al., 2016);
como valor alvo a faixa normal baixa para • Vitalidade: melhora do humor e menor
homens jovens (300 a 400 ng/dL [10,4 a 13,9 gravidade dos sintomas depressivos (SNYDER
nM]) visando a redução do risco de doenças et al., 2016);
que são estimuladas pela testosterona; o PSA

206 | P á g i n a
• Função cognitiva: ao analisar homens Outros estudos também observaram me-
com comprometimento de memória associada lhoras com a reposição de testosterona de al-
a idade, após 6 a 12 meses, não houve dife- gumas medidas da função sexual (libido, fun-
rença nos resultados dos testes de memória e ção erétil e satisfação sexual), mas sem efeito
outras funções cognitivas, mas houve melhora sobre humor ou vitalidade. Houve aumento do
da função executiva (RESNICK et al., 2017); risco de eritrocitose, mas sem efeito significa-
• Anemia: aumento de 1g/dL ou mais de tivo sobre sintomas do trato urinário inferior.
hemoglobina em homens com anemia inexpli- Alguns estudos, como o Framingham Heart
cável ou causas conhecidas (ROY et al., Study mostraram um número maior de eventos
2017); cardiovasculares em homens tratados com
• Densidade óssea: aumento da densi- testosterona em que os homens que estavam
dade mineral óssea volumétrica (DMOv) tra- no quintil mais alto (46 a 70%) em relação ao
becular média da coluna lombar, lombar peri- hematócrito tiveram maior mortalidade geral e
férica, trabecular e periférica do quadril, bem mortalidade cardiovascular do que aqueles nos
como o aumento da força média estimada des- dois quintis intermediários (GAGNON et al.,
ses mesmos locais (SNYDER et al., 2017). 1994). Outros não apresentaram os mesmos
resultados. Mediante às incertezas do cenário,
Eventos adversos a FDA (US Food and Drug Administration)
Ainda em relação ao TTrials, foram identi- passou a exigir em 2015 que os fabricantes de
ficados três importantes eventos adversos: produtos de testosterona incluíssem em seus
• Aumento das dimensões da placa da ar- rótulos um aviso de possível aumento do risco
téria coronária não calcificada (BUDOFF et de ataques cardíacos e derrames associados à
al., 2017); testosterona (NGUYEN et al., 2015). Em uma
• Eritrocitose, podendo estar relacionada meta-análise de 10 estudos de ésteres de tes-
a alguns eventos cardiovasculares (SNYDER tosterona intramusculares e lipídios plasmáti-
et al., 2016); cos em homens hipogonádicos, uma pequena
• Aumento das concentrações séricas de diminuição dependente da dose foi observada
PSA em um pequeno grau ao aumentar as con- no colesterol total, no LDL e HDL (WHITSEL
centrações séricas de testosterona de modera- et al., 2001).
damente baixas (230 ng/mL) para o intervalo A próstata é uma glândula que é estimu-
normal médio (500 ng/dL). Apenas 2,5% apre- lada pela testosterona, dessa forma, é razoável
sentaram aumento do PSA acima da linha de considerar que o aumento da concentração
base maior ou igual a 3,4 ng/ml, sendo que um sérica desse hormônio aumenta o risco de cân-
PSA maior que 4 ng/ml ocorreu em cerca de cer de próstata ou hiperplasia prostática be-
1,9% no braço de testosterona e 0,3% no braço nigna, tanto que o próprio tratamento da HPB
de placebo. Quatro cânceres de próstata foram é uso de inibidores da 5-alfa-redutase (Finaste-
diagnosticados durante os 12 meses de trata- rida, Dutasterida) para bloquear a conversão
mento e os 6 meses de seguimento, sendo três de testosterona em diidrotestosterona, seu me-
no braço de testosterona (dois dos quais cor- tabólito ativo dentro da próstata. Além disso,
respondiam ao câncer de próstata de alto grau) como já mencionado, a eritropoiese também é
e um no braço de placebo (CUNNINGHAM et estimulada pela ação da testosterona na me-
al., 2019). dula óssea e, principalmente se estiver em ní-

207 | P á g i n a
veis suprafisiológicos, pode causar eritroci-
tose. A apneia do sono também pode ser de- CONCLUSÃO
sencadeada pela reposição fisiológica de tes- Portanto, com o envelhecimento da popu-
tosterona em homens com hipogonadismo, que lação brasileira, é fundamental conhecer como
já é propensa em homens mais velhos. Con- abordar as modificações hormonais que ocor-
tudo, em uma meta-análise, a frequência não rem com o envelhecimento do homem, de
diferiu entre homens tratados com testosterona forma proporcionar uma melhor qualidade de
e placebo (CALOF et al., 2005). vida. Contudo, os riscos e os benefícios de
terapia de reposição de fisiológica de testoste-
rona ainda não estão muito bem elucidados,
havendo a necessidade de estudos com uma
amostra muito maior e uma avaliação por um
tempo mais longo.

208 | P á g i n a
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209 | P á g i n a
Capítulo 27

RELEVÂNCIA DO
CHECKLIST PARA A
CIRURGIA PRÁTICA SEGURA

ARTHUR ALVES BALDO1


RAISSA LEAL ROCHA2
JOYCE OLIVEIRA MATOS2
SOFIA CAMPOS DA ROCHA3

1
Médico formado na Universidade Vila Velha - UVV
2
Discente - Medicina pela Universidade José do Rosário Vellano - UNIFENAS/BH
3
Discente - Medicina pela Universidade FAMINAS BH

Palavras Chave: Checklist; Cirurgia; Pediátrica.

10.59290/978-65-81549-92-3.27 210 | P á g i n a
tivo de reduzir o risco de acidentes e falhas
INTRODUÇÃO relacionadas com a saúde. As dimensões de
A segurança do paciente é um dos princi- um protocolo de cirurgia segura devem cobrir
pais motivos para regulamentar o protocolo de qualquer hospital, independentemente da com-
checklists seguros para pacientes e funcioná- plexidade e da equipe cirúrgica que contém, a
rios do hospital. Após a 55ª Assembleia Mun- fim de obter as técnicas preconizadas. Relati-
dial da Saúde realizada nos Estados Unidos em vamente aos protocolos e formulários aplicá-
2002, a Assembleia decidiu adotar a resolução veis, existem várias formas que variam de
para incentivar outros países a fortalecer os acordo com os autores (MELO & NASCI-
sistemas de segurança e vigilância em saúde. MENTO; 2021).
Como resultado, a Organização Mundial da No Brasil, o checklist é implementado por
Saúde (OMS) assumiu a liderança no desen- meio do programa ―Cirurgia Segura Salva Vi-
volvimento de padrões globais para apoiar os das‖, que promove sess es de informaç es
esforços dos países na segurança do paciente e básicas relacionadas à segurança do paciente.
da equipe hospitalar (OMS, 2009). O checklist é dividido em três momentos: an-
No entanto, está bem documentado que as tes da indução anestésica, antes da incisão ci-
ferramentas de lista de verificação foram apli- rúrgica e antes da saída do paciente da sala
cadas pela primeira vez para lidar com o erro cirúrgica. Reduzir o risco de imperícia em ci-
humano, na década de 1930, e depois expandi- rurgia hospitalar é importante, mas sua imple-
das para ambientes industriais e médicos para mentação efetiva continua sendo um desafio
uma variedade de realidades. Estas mudanças na maioria dos hospitais.
decorrem de muitos fatores que tornam o pro- A implementação de listas de verificação é
cesso cirúrgico seguro, tais como: profissio- um importante programa de qualidade de aten-
nais bem treinados, ambientes adequados, dimento para pacientes, profissionais de saúde
equipamento e materiais que cumprem o pro- e instituições cujo objetivo principal é atender
tocolo e a legislação em vigor, etc. O proto- a essa necessidade por meio de serviços efica-
colo foi desenvolvido para a sistematização da zes e eficientes.
lista de verificação da cirurgia segura como Nesta necessidade, a equipe de enferma-
uma estratégia para reduzir o risco de aciden- gem estará na vanguarda da aplicação do che-
tes (ALMEIDA & RODRIGUES, 2019). cklist e dos protocolos, e estes profissionais
Em 2013, devido à alta incidência de pro- têm vindo a assumir as principais funções nas
cedimentos cirúrgicos, chegou ao Brasil o salas de operações, em termos de cumprimento
protocolo de cirurgia segura, preconizando o das normas de segurança a favor dos doentes,
uso de checklists, o que levou a um consenso incluindo as recomendações fornecidas pela
entre diferentes categorias de profissionais Resolução RDC n. 36 de 265 de julho de 2013,
cirúrgicos, com base na realidade que pode ser que incluem principalmente a autonomia dos
adaptada por cada hospital, pela participação cuidados para que os profissionais possam
no pré-operatório, intraoperatório e Aquisição compreender as necessidades deste procedi-
de Parâmetros de Profissionais de Saúde para mento (RINALDI et al., 2019).
Procedimentos Pós-operatórios (RINALDI et A Lista de Verificação de Segurança Ci-
al., 2019). r rgica (LVSC ou ―Checklist‖. Tratando-se
Pode ser implementado por gestores hos- de uma lista de verificação de itens de segu-
pitalares e profissionais de saúde, com o obje- rança dividido em três fases da operação, isto

211 | P á g i n a
é, antes da indução anestésica ou sign in, antes ança durante a cirurgia, incluindo boas práticas
da incisão cirúrgica ou time out e ao término no trabalho diário da equipe multidisciplinar.
da cirurgia, antes do paciente sair da sala ou Mais pesquisas sobre este tema são recomen-
sign out (ALMEIDA & RODRIGUES, 2019). dadas.
A OMS, a fim de promover uma cirurgia e
anestesia seguras para os pacientes, reduzir a METODOLOGIA
morbilidade e mortalidade, reduzir as compli- Para responder ao objetivo, realiza-se uma
cações cirúrgicas e também para integrar a pesquisa qualitativa. Este tipo de pesquisa não
equipe do hospital, foi estabelecida a ―Cirurgia trata da representação de números, mas sim de
Segura Salva Vidas‖ e foi desenvolvida uma aprofundar a compreensão de um grupo social,
Lista de Verificação de Segurança Cirúrgica organização etc (GOLDENBERG, 1997).
(LVSC) ou Checklist. É uma lista de verifica- Segundo Godoy (1995), classifica-se uma
ção de itens de segurança dividida em três fa- pesquisa como qualitativa quando deseja-se
ses de cirurgia, nomeadamente antes da indu- compreender determinado contexto com a
ção da anestesia ou do sign contr múltiplos análise de dados. A pesquisa qualitativa, por-
significa lesões extensas, produzidas por ação tanto, lida com inúmeros fatores reais, que
violenta de natureza física, externas ao orga- visam compreender e explicar a dinâmica das
nismo e acarreta agravos em pelo menos, dois relações sociais.
órgãos ou sistemas distintos. Para que uma pesquisa qualitativa se de-
No atendimento pré-hospitalar (APH) a senvolva é necessário uma sustentação teórica
respeito do paciente politraumatizado a equipe competente e rigor metodológico, mas a criati-
de saúde deve atuar de forma rápida, procu- vidade do pesquisador deve se fazer presente
rando e investigando a gravidade das lesões, em todo o processo da pesquisa. Em outras
sinais vitais e estado geral da vítima. palavras, embora o pesquisador qualitativo
A aplicação prática do Checklist Pediátrico deva sustentar a pesquisa por referenciais teó-
para Cirurgia Segura mostrou que tanto as ricos e metodológicos que norteiem todo o
crianças como os membros da família estavam processo de estudo é imprescindível cuidar
envolvidos no preenchimento dos artigos. As para que a técnica não prevaleça no processo
diferenças de conclusão e características entre da pesquisa como um todo, abrindo espaço
crianças e membros da família foram signifi- para a criatividade acompanhá-lo ao longo de
cativas apenas para um item, que estava rela- toda a pesquisa (MINAYO, 2008).
cionado com a remoção de ornamentos e a
idade, onde aqueles com uma idade média RESULTADOS
mais elevada completaram mais do que outros.
O estudo permitiu compreender a produção Ao caracterizar os estudos, verificou-se
científica nacional de cuidados sobre o as- que embora o número seja pequeno, as publi-
sunto, revelando que a implementação da lista cações sobre o assunto estão a aumentar. Em
de controle em cirurgia pediátrica é um ponto 2013, 2015 e 2016, houve uma publicação; em
alto para as instituições de saúde que prestam 2019 e 2020, houve duas publicações. A cons-
cuidados aos pacientes infantis no período trução de ferramentas para promover a segu-
perioperatório. rança dos pacientes em cirurgia pediátrica e a
Ressalta ainda que é uma ferramenta para validação de checklist foram os objetivos do
fornecer pontos importantes de cuidado à cri- estudo.

212 | P á g i n a
Neste estudo, a seleção dos itens relacio- Sabe-se que as crianças apresentam dife-
nados com a segurança das crianças submeti- renças anatômicas e fisiológicas, com diferen-
das à cirurgia baseou-se na experiência dos tes fases de desenvolvimento e necessidades
profissionais de saúde. Neste segmento, o che- específicas, pelo que requerem uma maior
cklist consistiu-se numa lista de medidas ou atenção por parte dos profissionais durante a
critérios sistematicamente organizados que assistência (OLIVEIRA & OLIVEIRA, 2018).
permitiram ao utilizador registar a presença ou Segundo Santos & Bonato (2020), o chec-
ausência de cada item descrito para garantir klist de cirurgia segura é uma ferramenta que
que todos os aspectos da medida tinham sido fornece verificação de pontos importantes de
abordados ou completados. auxílio durante o procedimento cirúrgico, que
Com isto em mente, os estabelecimentos inclui boas práticas em ambiente de equipe
de saúde podem implementar diretrizes que multidisciplinar.
promovam o trabalho interdisciplinar e colabo- O Protocolo de Cirurgia Segura pode ser
rativo para alcançar a segurança dos pacientes utilizado por qualquer profissional de saúde,
e melhorar a qualidade dos cuidados, estimu- podendo ser utilizado em todos os centros e
lando o desenvolvimento de uma cultura de estabelecimentos de saúde que realizem qual-
segurança em relação ao processo de hospitali- quer tipo de procedimento cirúrgico, seja de
zação de crianças. diagnóstico ou terapêutico, onde a cirurgia seja
realizada no corpo humano com recurso a má-
DISCUSSÃO quinas dentro ou fora da sala de cirurgia.
De acordo com a investigação, esta contri- Adoção de procedimentos, integração das
buição está associada à identificação de falhas, equipes cirúrgicas e prática clínica baseada em
normalização de técnicas e procedimentos, evidências de resultados de pesquisas contri-
melhoria da comunicação, melhoria do traba- buem para aumentar as chances de o paciente
lho de equipe e redução de erros e resultados cirúrgico não apresentar complicações decor-
negativos. Por conseguinte, a implementação rentes da não adesão normas.
de checklist nas instalações hospitalares pedi- CONCLUSÃO
átricas deve mobilizar os profissionais e enco-
rajar a participação das crianças e suas famí- A aplicação na prática do Checklist Pediá-
lias como estratégia para melhorar o cumpri- trico para Cirurgia Segura mostrou que tanto
mento da utilização destes instrumentos e para as crianças como os membros da família esta-
prevenir danos e eventos adversos (ALMEIDA vam envolvidos no preenchimento dos artigos.
& RODRIGUES, 2019). Foi visto que há resistência de alguns mem-
Dada a relevância da utilização de chec- bros da equipe de saúde em fazer um checklist
klist nos cuidados pediátricos, incluindo a ge- com o paciente, talvez por constrangimento ou
ração de indicadores de qualidade e segurança por verem como inútil.
para validar intervenções no ambiente de tra- As diferenças de conclusão e característi-
balho de saúde, foi apontada a necessidade de cas entre crianças e membros da família foram
mais investigação brasileira, particularmente significativas apenas para um item, que estava
sobre o tema dos protocolos básicos nacionais relacionado com a remoção de ornamentos e
(MELO et al. 2022). idade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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criatividade. 27th ed. Petrópolis: Vozes; 2008.

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ACL ....................................................... 151 Hemorragia pós-parto ............................ 61
Anestesia ............................................... 190 Hipersensibilidade ................................ 190
Anestesiologia ....................................... 180 Hipogonadismo..................................... 202
Aneurisma de aorta abdominal .............. 54 Implante de prótese vascular.................. 54
Aneurismas intracranianos................... 168 Indicações ............................................... 89
Arthroscopy .......................................... 151 Lesão..................................................... 141
Autoimagem ............................................ 30 Linfadenectomia axilar ........................... 15
Bezold abscess .......................................... 7 Lobectomy............................................. 120
Bezold mastoiditis ..................................... 7 Lung cancer .......................................... 120
Bioética ................................................. 180 Malformações arteriovenosas
Breast reconstruction ........................... 101 intracranianas ...................................... 168
Câncer de mama ..................................... 15 Mastectomia ................................... 15, 101
Cardiopatias congênitas ....................... 135 Nefroblastoma ........................................ 76
Centro cirúrgico ..................................... 39 Oclusão ................................................. 127
Checklist ............................................... 210 Palatoplastia......................................... 112
Cholelithiasis ............................................ 1 PCL ....................................................... 151
Cirurgia .... 23, 95, 127, 141, 168, 180, 210 Pediátrica ............................................. 210
Cirurgia pediátrica ................................. 84 Período pós-parto ................................... 61
Cirurgia plástica..................................... 30 Período pré-operatório ........................ 190
Cirurgia segura ...................................... 39 Pneumotórax........................................... 95
Cirurgia vídeo assistida.......................... 84 Pós-operatório ........................................ 70
Complicações.................................... 70, 89 Pré-operatório ........................................ 23
Complicações do parto ........................... 61 Procedimentos endovasculares .............. 54
Comunicação interatrial....................... 135 Queiloplastia ........................................ 112
COVID-19 ............................................... 48 Reconstrução de mama......................... 101
Crianças.................................................. 76 Reposição hormonal ............................. 202
CTVA .................................................... 120 Rinoplastia .............................................. 70
Cuidados pós-operatórios ...................... 84 Roux-en-Y gastric bypass ......................... 1
Deep neck abscess .................................... 7 Sepse ....................................................... 48
Dispositivo para oclusão septal ........... 135 Síndrome de Marfan ............................... 30
Doença de Parkinson............................ 157 tabagismo ............................................... 95
Endoscopic retrograde cholangiopancrea- Testosterona ......................................... 202
tography .................................................... 1 Tonsilectomia ......................................... 89
Estimulação cerebral profunda ............ 157 Tratamento ........................................... 141
Feocromocitoma ..................................... 23 Tremor essencial .................................. 157
Fibrilação atrial ................................... 127 Trombose venosa profunda .................... 48
Fissura labiopalatina ........................... 112 Tumor de Wilms ...................................... 76
Gestão de riscos...................................... 39

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