Texto Gestãodesítioshistóricos Caio Queiroz

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE TECNOLOGIA – CT
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO - PPGAU/CT
MESTRADO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS DA UFRN PELO PPEUR
Disciplina externa no PPGAU
Gestão de Sítios Históricos

UM ENSAIO SOBRE O PERCURSO DO CONCEITO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO NO


BRASIL E DAS AÇÕES DE UMA POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO INTEGRADA

Texto apresentado a disciplina Gestão de Sítios


Históricos como requisito para avaliação final.

Professor Dr. Jose Clewton do Nascimento

Docente do departamento de arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte -


UFRN, e do curso de pós-graduação em arquitetura e urbanismo – PPGAU.

Francisco Caio Bezerra de Queiroz

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais – PPEUR, da


Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Resumo

Surgido inicialmente com a intenção de rememorar e de preservar uma história, as ações de


salvaguarda quase sempre se limitaram ao bem edificado e de relevância. Ao longo do tempo,
esse conceito amadureceu e englobou as manifestações e os bens materiais nesse rol.
Recentemente as ações que visam tais cuidados, como comenta a literatura e demonstram os
exemplos de aplicabilidade, devem ser pensadas de forma integrada. Desse modo, o presente
trabalho tem por objetivo realizar um resgate da evolução do conceito de preservação
patrimonial e das suas políticas no Brasil, dando ênfase aos três programas: Programa
Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas, o PCH (1973-1979); o Monumenta −
Programa de Preservação do Patrimônio Histórico Urbano (1999-2010) e o Programa de
Aceleração do Crescimento – Cidades Históricas – PAC – CH (2009-2016). Para isso, se vale de
uma metodologia qualitativa, com uma revisão bibliográfica narrativa. Observando
genericamente os programas PCH, Monumenta e PAC-CH, amplos programas implementados
em nível federal, observam-se visões diferentes na consecução de ações de salvaguarda do
patrimônio, ora beneficiando bens de uma dada natureza, ora beneficiando certas localidades
ou regiões.
INTRODUÇÃO

O conceito de patrimônio cultural sofreu modificações ao longo dos últimos anos.


Inicialmente, em meados do século XV, era tratado apenas como um mecanismo de
rememorações. Ganhou espaço nas discussões no campo do conhecimento com o movimento
renascentista, sua visão antropocentrista e os avanços científicos. A busca por sua salvaguarda
e proteção iniciam já no final do século XVIII, a partir de movimentos de cunho representativo
nacional associados à noção de herança (CHOAY, 2001). Nesse recorte temporal, o patrimônio
era limitado apenas aos monumentos, ou seja, ao que era físico. Com o passar do tempo, as
noções do conjunto urbano como detentor de valor e patrimônio imaterial foram incorporadas
nos debates sobre o tema. Recentemente tal conceito abarcou a natureza como patrimônio,
ampliando assim as possibilidades de ações de salvaguarda.

Os avanços ocorridos no campo conceitual implicaram em novas formas de gestão do


patrimônio cultural, agora aglutinando noções sociais, culturais, natural e sobretudo, o
entendimento de que tal bem é coletivo, devendo ser preservado e passado para futuras
gerações. Ao longo do tempo, diversos instrumentos e recomendações foram elaboradas a fim
de nortear a construção de programas de salvaguarda.

Nesse sentido, o presente texto tem por objetivo realizar um resgate da evolução do conceito
de preservação patrimonial e das suas políticas. Inicialmente faz-se um percurso histórico, em
âmbito nacional, da evolução do conceito de preservação. Posteriormente se discute a
estruturação de uma política de preservação patrimonial até culminar na concepção de
programas de preservação, sendo eles: o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades
Históricas, o PCH (1973-1979); o Monumenta − Programa de Preservação do Patrimônio
Histórico Urbano (1999-2010) e o Programa de Aceleração do Crescimento – Cidades
Históricas – PAC – CH (2009-2016). Para além disso, são apresentados o método, as
considerações finais e as referências.

MÉTODO

O presente trabalho se trata de uma revisão bibliográfica narrativa. Rother (2007) explica que
esse tipo de pesquisa é apropriado para discutir o desenvolvimento de um ponto de vista
teórico ou contextual, não usando um método ou critério claro para a escolha de fontes de
informação e é estruturada, “basicamente, de análise da literatura publicada em livros, artigos
de revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor.”
(ROTHER, 2007, S.N). A leitura da Carta de Atenas (1933), Recomendação de Paris (1960),
Carta de Veneza (1964), Carta de Quito (1967) e a Recomendação de Nairobi (1976) foram
relevantes para a compreensão da construção do conceito do patrimônio e da preservação
integrada no contexto internacional. As obras de Ferreira (2010), Drummond e Rego (2021),
Veloso et al (2007), Fonseca (2005), Braga et al (2003), Nativa e Dos Reis (2017) e Mesquita e
Pierotte (2018) contribuíram para a compreensão da evolução e da construção do aparato
institucional e conceitual sobre a preservação patrimonial no contexto nacional. Já as obras de
Segundo Fridman, Araújo e Daibert (2019), Darling (2001), Giannechini (2014) e Sant’Anna
(2017) foram relevantes para a compreensão dos programas que versavam sobre a política de
preservação patrimonial no Brasil.

O PERCURSO DO CONCEITO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO NO BRASIL E DAS AÇÕES DE UMA


POLÍTICA DE PRESERVAÇÃO

As ações de preservação e salvaguarda do patrimônio cultural no Brasil foram diretamente


influenciadas por desdobramentos no contexto internacional, sobretudo pela segunda Carta
de Atenas (1933), Recomendação de Paris (1960), Carta de Veneza (1964), Carta de Quito
(1967) e a Recomendação de Nairobi (1976), resultadas de congressos e reuniões estratégicas
com pesquisadores, teóricos e gestores.

A segunda Carta de Atenas de 1933, desenvolvida no 4º Congresso Internacional de


Arquitetura Moderna (CIAM), pregava, em certos níveis, uma ruptura como os valores do
passado. A conservação do bem histórico estava associada diretamente ao seu valor estético,
desconsiderando por muitas vezes o seu valor histórico. A recomendação de Paris, em 1960,
inseriu o conceito de “salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e sítios a preservação”,
(RECOMENDAÇÃO DE PARIS, 1962, p.2) enquanto detentor de interesses culturais e estéticos.
Por conseguinte, a postulação da Carta de Veneza, em 1964, também influenciou nesse
percurso, apresentando como um marco divisor na interpretação da conservação do
patrimônio histórico, ela buscou aprofundar os conceitos postulados na Carta de Atenas de
1931 e ajustá-los às experiências modernistas – que não foram positivas. A Carta do Quito, que
introduz o tratado sobre a proteção de bens imóveis de valor histórico, traz como ponto
principal a delimitação de áreas de preservação (zoneamento), atrelando-as aos planos de
desenvolvimento nacional. Por fim, a Recomendação de Nairobi de 1976 alargou a discussão
sobre a salvaguarda do patrimônio histórico em uma visão multifacetada, abordando aspectos
culturais, sociais, arquitetônicos, arqueológico, natural ou construído, seja ele associado ao
meio urbano ou rural (RECOMENDAÇÃO DE NAIRÓBI, 1976).

Para Ferreira (2010), a efetivação das questões relacionadas à preservação do patrimônio


histórico no contexto nacional só começou, de fato, após 1936. Antes disso o cenário do
movimento modernista e o incentivo ao nacionalismo buscaram a estruturação de uma
identidade nacional. Esses ideais, refletidos sobretudo na semana de arte moderna de 1922,
geraram, em conjunto com iniciativas regionais, a criação, mais de dez anos depois, dos
primeiros esboços normativos para a preservação patrimonial (DRUMMOND; REGO, 2021).

Até 1945, fomentado pelas ideias nacionalistas do Estado Novo, os integrantes do movimento
modernista buscaram incluir as ações de preservação do patrimônio histórico (e nacional)
entre as obrigações do estado (VELOSO, et al., 2007). Saliente-se que esse movimento era
composto principalmente por intelectuais, artistas, escritores e arquitetos que carregavam
consigo um apreço pelas produções nacionais e, por tal motivo, as primeiras fases da
preservação patrimonial brasileira foram focadas nas produções dos colonizadores.

Movido por essa predileção pelas manifestações culturais advindas da colonização, o primeiro
feito sobre a preservação do patrimônio nacional, por meio da aprovação da primeira lei de
proteção aos bens culturais, em 1933, foi a elevação da malha urbana de Ouro Preto a
monumento nacional (NATIVA; DOS REIS, 2017). No entanto, este fato não torna diferente a
trajetória do movimento de preservação nacional do internacional.

Mesmo que a primeira ação tenha se voltado para a preservação de um conjunto urbano, os
exemplares isolados e os monumentos ganhavam mais destaque, sempre sendo considerado a
estética e excepcionalidade como um fator acima do histórico ou do cultural. Essa perspectiva
se prolonga até a década de 1970, quando, segundo Fonseca (2005), a concepção de
preservação dos núcleos urbanos não se restringia apenas à preservação material (sobretudo
as manifestações arquitetônicas), mas englobava todas as produções feitas no espaço.

Dando maior profundidade aos instrumentos da política nacional que criaram (ou
possibilitaram a criação de) arcabouços normativos e institucionais, pode-se citar a
promulgação da constituição de 1934 como um pontapé inicial, onde em seu artigo 10
sedimenta o dever da nação de conservar seu patrimônio histórico e cultural (BRASIL, 1934).
Disso resultou o primeiro feito normativo acerca do tema, o Decreto-Lei Nº 25/1937, que criou
o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – atualmente denominado
como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) –, e os Livros do Tombo 1, e
institui o tombamento2 como o principal instrumento de preservação no Brasil. A criação desse
órgão marca o ponto inicial de criação de um aparato técnico para ações de preservação
(BRAGA et al, 2003).

Nos termos do decreto, o patrimônio histórico nacional é

o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação


seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da
história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou
etnográfico, bibliográfico ou artístico (BRASIL, 1937).

Nota-se que nos primeiros momentos da preservação patrimonial no contexto nacional foi
considerada tão somente a conservação dos bens materiais, restando a parte imaterial aquém
dos instrumentos.

Esse cenário se prolongou até a criação do Centro Nacional de Referências Culturais (CNRC) em
1975, quando se buscou dar ênfase à cultura viva, ao saber popular e ao debate conceitual
sobre cultura (MESQUITA; PIEROTTE, 2018). Cumpre salientar que é a partir da criação do
CNRC que ações para o conhecimento e catalogação da cultura popular foram de fato iniciadas
por meio de inventários e pesquisas (FONSECA, 2005).

1
De acordo com o decreto, eram quatro: “no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas
pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no
§ 2º do citado art. 1º. No Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica; no
Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira; no Livro do Tombo das Artes
Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras” (BRASIL, .1937)
2
“Tombamento é o meio pelo qual o Poder Público intervém na propriedade privada como intuito de proteger o
patrimônio histórico e cultural do país com a finalidade de preservação da identidade do local, ou seja, em busca de
um interesse coletivo” (XAVIER; CAMPOS, 2017, p.11).
As ações de preservação foram ampliadas a partir da década de 1980 com a redemocratização
do país, pautada, sobretudo, na participação popular. O povo passou a ser coautor dos
processos de produção cultural e participante da elaboração das políticas (MARINS, 2016;
MESQUITA; PIEROTTE, 2018). A promulgação da Constituição de 1988 aglutinou esses efeitos,
ampliando o conceito de patrimônio que agora abarca “os bens de natureza material e
imaterial, [...] individuais ou em conjuntos, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988).

Ainda de acordo com a Carta Magna, passaram a ser parte do patrimônio cultural e receber a
proteção do estado:

As formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações


científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-
culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1988).

Todos esses desdobramentos teóricos nortearam a criação de uma série de programas de


politica de preservação do patrimônio cultural. Concebido em 1973 e finalizado em 1979,
período marcado pela Ditadura Militar, o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades
Históricas, o PCH, tinha por objetivo defender os monumentos considerados relevantes aos
ciclos econômicos no Nordeste (cana-de-açúcar, couro e algodão) e dos exemplares presentes
nas cidades históricas que se configuravam como relevante repertório turístico; visava,
portanto, fomento da atividade econômica e geração de renda de maneira a minimizar os
índices de pobreza da região.

Com seu avanço, em 1975 foram incluídos também os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro
e Espírito Santo. Segundo Fridman, Araújo e Daibert (2019), as ações do programa até 1976 se
limitavam apenas à conservação e restauro de monumentos e imóveis. Nesse período apenas
dois planos diretores foram desenvolvidos e em desencontro com a Carta do Quito, que
pregava o conceito de conservação integrada. Ainda segundo os autores, apesar do alto
investimento e das ações executadas – em todo o programa foi investido um valor de US$ 17,3
milhões, sendo executadas 143 ações –, sua distribuição foi desigual, priorizando
determinadas regiões, o que resultou em “sistemas isolados de preservação federal, estaduais
e municipais” (FRIDMAN; ARAÚJO; DAIBERT, 2019, p. 626).

De acordo com Do Nascimento (2013), o PCH deixou para o seu sucessor – o Programa
Monumenta – o desafio da amplificação e modernização da institucionalização das ações
voltadas ao patrimônio, sobretudo associado à ideia de que tais ações não deveriam ficar
limitadas a atuação do IPHAN. O Monumenta foi estruturado seguindo as experiências obtidas
em Quito com a conservação integrada, conforme menciona o então coordenador do
programa em seu lançamento:

[...] o MONUMENTA nasceu de uma ideia e de uma experiência quase


fortuita. Em 1987 a capital do Equador, Quito, foi devastada por um violento
terremoto. Além dos enormes prejuízos sociais e econômicos infringidos ao
povo equatoriano, a humanidade viu-se na eminência de perder o Centro
Histórico de Quito, um tesouro de valor inestimável. O BID [Banco
Internacional de Desenvolvimento] destinou então um empréstimo para
mitigar os efeitos da catástrofe. [...] A recuperação do patrimônio histórico
do Quito foi o estopim de um processo surpreendente de revitalização
econômica, social e cultural. (TADDEI NETO, 2000, p.1)

O programa fez parte do plano plurianual (2000-2003) durante o segundo mandato do


Governo de Fernando Henrique Cardoso e fazia parte de uma serie de ações que tinha como
lema incluir os excluídos (FRIDMAN; ARAÚJO; DAIBERT, 2019). Como um todo, essas ações
buscavam a captação de recursos estrangeiros. O Monumenta foi executado com apoio
técnico da Unesco e com recursos advindos de um empréstimo feito pelo Banco Internacional
de Desenvolvimento – BID. Tinha como principal objetivo, segundo comenta Darling (2001),

desenvolver uma estratégia de conservação sustentável dirigida aos bens


imóveis tombados pelo IPHAN através do estabelecimento de prioridades,
do incentivo ao fortalecimento institucional das municipalidades e do
estímulo ao setor privado para a preservação do patrimônio, mediante a
conscientização do público quanto à sua importância e manutenção.
(DARLING (2001, p.195)

Sua atuação foi autônoma e externa às delimitações do IPHAN. Tais ações envolveram 101
sítios tombados, distribuídos em 26 cidades, em 17 municípios de todas as regiões do Brasil,
financiados com US$ 125 milhões envolvendo recursos do BID, da União e de contrapartidas
dos estados e Fundos Municipais de Preservação. Essas ações incluíam

realizar projetos de preservação integrada, os quais são revitalizadores da


economia local de forma a que se constituam como âncoras de
sustentabilidade para os sítios históricos. Isso dá a oportunidade ao
município do mesmo se considerar “dono” do projeto. Os projetos de
preservação integrada incluem a restauração do patrimônio tombado,
reparo e ampliação da infraestrutura urbana, criação de acessos viários,
melhorias no espaço público, criação de estacionamentos, iluminação
pública e segurança. (DARLING, 2001, p. 196)

Entre os pontos positivos elencados por Giannechini (2014), o programa Monumenta se


destacou pela inserção da participação e da gestão democrática no concebimento e execução
das ações, pela valoração e manutenção das manifestações tradicionais e o melhoramento dos
problemas habitacionais onde foram aplicadas, sobretudo para a população de baixa renda. Já
como pontos negativos a autora menciona a perda de robustez das instituições públicas em
virtude da realização de consultorias externas, a estrutura executada em paralelo na gestão
das coordenações dos projetos governamentais, o déficit em qualificação técnica, a não
estruturação de um aparato para a consolidação de politicas de preservação em âmbito
municipal e a aplicação das propostas sem a devida adequação a realidade local.

Ainda antes da finalização, no segundo mandato do governo Lula, foi lançado o PAC, Programa
de Aceleração do Crescimento, que dentro de seu escopo possuía o PAC – Cidades Históricas
(2009-2016). Este braço do programa, por assim dizer, foi concebido por uma parceria entre a
Casa Civil e o Ministério da Cultura/IPHAN. Em contrapartida aos demais programas, o PAC-CH,
trazia consigo uma nova ideia:
aliar os instrumentos do planejamento urbano das municipalidades às ações
de restauração, não limitadas às intervenções físicas sobre os conjuntos
históricos. Podem ser destacados ainda os modelos de gestão participativa,
de estímulo econômico e de educação patrimonial no sentido de dilatar os
planos de conservação com projetos de longo prazo. (FRIDMAN; ARAÚJO;
DAIBERT, 2019, p.631)

Como primeira ação, em 2009 foram selecionados 188 municípios com centros ou conjuntos
urbanos tombados pelo o IPHAN e, entre estes, foram contempladas 173 localidades presentes
em 140 cidades - mais tarde essa quantidade seria reduzida para 44 cidades - de 22 estados,
com previsão de 4 386 ações, estas contavam com um montante de R$ 8 bilhões. Esse
financiamento realizou ações de restauro em monumentos e prédios públicos, recuperação de
imóveis privados, requalificação urbana e o incentivo a cadeias produtivas e de promoção
cultural em nível local (FRIDMAN; ARAÚJO; DAIBERT, 2019).

O programa possuiu uma segunda fase, o denominado PAC 2 – CH, já no governo Dilma
Rousseff, que possuía as mesmas delineações do anterior, porém agora com maior enfoque
nos bens tombados que apresentassem maior urgência em sua conservação. Nessa segunda
fase foram anunciadas 423 ações nas 44 cidades selecionadas, com um investimento de R$ 1,6
bilhão. Dessas cidades, 14 se tratavam de capitais de estados, sendo dessas 9 com bens
tombados como Patrimônio Cultural da Humanidade e 9 que também sediariam jogos da copa
do mundo de 2014. Além das intenções elencadas no PAC-CH, a segunda fase possuía forte
endosso para a criação de materiais didáticos, cadernos técnicos, bem como a criação e
estruturação de cursos especializados em turismo.

Ainda é um desafio avaliar o desempenho do PAC-CH uma vez que, mesmo com a paralisação
de suas atividades em 2016, ele não foi oficialmente finalizado. Até 2018, mais da metade das
ações previstas ainda não haviam saído do papel ou não entraram em fase de conclusão.
Sant’Anna (2017) explica que apesar de se propor a superar as lacunas dos programas
antecedentes, o PAC-CH se limitou a um programa de restauro de monumentos e de
requalificação urbana, o que acanhou a sua capacidade de reverter as situações de
deterioração e esvaziamento destes espaços.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do contexto de formulação do conceito de patrimônio cultural e sua preservação, é


possível identificar a indissociável relação das conceituações realizadas em âmbito nacional
com as manifestações internacionais. É importante mencionar a relevância da Carta do Quito
como um elemento que norteou a criação de instrumentos e instituições que mais tarde
refletiriam na consolidação de uma série de programas nessa área.

Observando genericamente os programas PCH, Monumenta e PAC-CH, amplos programas


implementados em nível federal, observam-se visões diferentes na consecução de ações de
salvaguarda do patrimônio, ora beneficiando bens de uma dada natureza, ora beneficiando
certas localidades ou regiões. Apesar de sua proximidade e semelhanças, não se pode encarar
o Monumenta como uma continuidade do PCH, uma vez que estes foram formulados seguindo
agendas diferentes pelo modelo político a qual foram engendrados: enquanto o PCH possuía
forte apelo para a formação de um conceito de unidade nacional e combate a pobreza no
Nordeste, o Monumenta possuía agregação da recém participação democrática e tinha como
principal objetivo angariar recursos internacionais para a geração de empregos. Já com o PAC-
CH, o maior programa já realizado dentro da área da cultura no Brasil, ampliou a defesa do
patrimônio cultural, ambiental e alinhou a criação de instrumentos do planejamento urbano
que agora não incluíam apenas ações no meio físico, como a produção e divulgação de saberes
sobre o tema.

Em suma, ao longo de mais de quatro décadas de ações e postulações de programas de


preservação patrimonial no contexto nacional, tal política ainda enfrenta obstáculos,
sobretudo aqueles herdados do PAC-CH (ainda não finalizado) no que diz respeito ao
fortalecimento da gestão municipal e do papel desse ente federativo na consecução desta
política.

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