Texto Gestãodesítioshistóricos Caio Queiroz
Texto Gestãodesítioshistóricos Caio Queiroz
Texto Gestãodesítioshistóricos Caio Queiroz
CENTRO DE TECNOLOGIA – CT
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO - PPGAU/CT
MESTRADO EM ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS DA UFRN PELO PPEUR
Disciplina externa no PPGAU
Gestão de Sítios Históricos
Resumo
Nesse sentido, o presente texto tem por objetivo realizar um resgate da evolução do conceito
de preservação patrimonial e das suas políticas. Inicialmente faz-se um percurso histórico, em
âmbito nacional, da evolução do conceito de preservação. Posteriormente se discute a
estruturação de uma política de preservação patrimonial até culminar na concepção de
programas de preservação, sendo eles: o Programa Integrado de Reconstrução das Cidades
Históricas, o PCH (1973-1979); o Monumenta − Programa de Preservação do Patrimônio
Histórico Urbano (1999-2010) e o Programa de Aceleração do Crescimento – Cidades
Históricas – PAC – CH (2009-2016). Para além disso, são apresentados o método, as
considerações finais e as referências.
MÉTODO
O presente trabalho se trata de uma revisão bibliográfica narrativa. Rother (2007) explica que
esse tipo de pesquisa é apropriado para discutir o desenvolvimento de um ponto de vista
teórico ou contextual, não usando um método ou critério claro para a escolha de fontes de
informação e é estruturada, “basicamente, de análise da literatura publicada em livros, artigos
de revista impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor.”
(ROTHER, 2007, S.N). A leitura da Carta de Atenas (1933), Recomendação de Paris (1960),
Carta de Veneza (1964), Carta de Quito (1967) e a Recomendação de Nairobi (1976) foram
relevantes para a compreensão da construção do conceito do patrimônio e da preservação
integrada no contexto internacional. As obras de Ferreira (2010), Drummond e Rego (2021),
Veloso et al (2007), Fonseca (2005), Braga et al (2003), Nativa e Dos Reis (2017) e Mesquita e
Pierotte (2018) contribuíram para a compreensão da evolução e da construção do aparato
institucional e conceitual sobre a preservação patrimonial no contexto nacional. Já as obras de
Segundo Fridman, Araújo e Daibert (2019), Darling (2001), Giannechini (2014) e Sant’Anna
(2017) foram relevantes para a compreensão dos programas que versavam sobre a política de
preservação patrimonial no Brasil.
Até 1945, fomentado pelas ideias nacionalistas do Estado Novo, os integrantes do movimento
modernista buscaram incluir as ações de preservação do patrimônio histórico (e nacional)
entre as obrigações do estado (VELOSO, et al., 2007). Saliente-se que esse movimento era
composto principalmente por intelectuais, artistas, escritores e arquitetos que carregavam
consigo um apreço pelas produções nacionais e, por tal motivo, as primeiras fases da
preservação patrimonial brasileira foram focadas nas produções dos colonizadores.
Movido por essa predileção pelas manifestações culturais advindas da colonização, o primeiro
feito sobre a preservação do patrimônio nacional, por meio da aprovação da primeira lei de
proteção aos bens culturais, em 1933, foi a elevação da malha urbana de Ouro Preto a
monumento nacional (NATIVA; DOS REIS, 2017). No entanto, este fato não torna diferente a
trajetória do movimento de preservação nacional do internacional.
Mesmo que a primeira ação tenha se voltado para a preservação de um conjunto urbano, os
exemplares isolados e os monumentos ganhavam mais destaque, sempre sendo considerado a
estética e excepcionalidade como um fator acima do histórico ou do cultural. Essa perspectiva
se prolonga até a década de 1970, quando, segundo Fonseca (2005), a concepção de
preservação dos núcleos urbanos não se restringia apenas à preservação material (sobretudo
as manifestações arquitetônicas), mas englobava todas as produções feitas no espaço.
Dando maior profundidade aos instrumentos da política nacional que criaram (ou
possibilitaram a criação de) arcabouços normativos e institucionais, pode-se citar a
promulgação da constituição de 1934 como um pontapé inicial, onde em seu artigo 10
sedimenta o dever da nação de conservar seu patrimônio histórico e cultural (BRASIL, 1934).
Disso resultou o primeiro feito normativo acerca do tema, o Decreto-Lei Nº 25/1937, que criou
o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – atualmente denominado
como Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) –, e os Livros do Tombo 1, e
institui o tombamento2 como o principal instrumento de preservação no Brasil. A criação desse
órgão marca o ponto inicial de criação de um aparato técnico para ações de preservação
(BRAGA et al, 2003).
Nota-se que nos primeiros momentos da preservação patrimonial no contexto nacional foi
considerada tão somente a conservação dos bens materiais, restando a parte imaterial aquém
dos instrumentos.
Esse cenário se prolongou até a criação do Centro Nacional de Referências Culturais (CNRC) em
1975, quando se buscou dar ênfase à cultura viva, ao saber popular e ao debate conceitual
sobre cultura (MESQUITA; PIEROTTE, 2018). Cumpre salientar que é a partir da criação do
CNRC que ações para o conhecimento e catalogação da cultura popular foram de fato iniciadas
por meio de inventários e pesquisas (FONSECA, 2005).
1
De acordo com o decreto, eram quatro: “no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas
pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no
§ 2º do citado art. 1º. No Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica; no
Livro do Tombo das Belas Artes, as coisas de arte erudita, nacional ou estrangeira; no Livro do Tombo das Artes
Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras” (BRASIL, .1937)
2
“Tombamento é o meio pelo qual o Poder Público intervém na propriedade privada como intuito de proteger o
patrimônio histórico e cultural do país com a finalidade de preservação da identidade do local, ou seja, em busca de
um interesse coletivo” (XAVIER; CAMPOS, 2017, p.11).
As ações de preservação foram ampliadas a partir da década de 1980 com a redemocratização
do país, pautada, sobretudo, na participação popular. O povo passou a ser coautor dos
processos de produção cultural e participante da elaboração das políticas (MARINS, 2016;
MESQUITA; PIEROTTE, 2018). A promulgação da Constituição de 1988 aglutinou esses efeitos,
ampliando o conceito de patrimônio que agora abarca “os bens de natureza material e
imaterial, [...] individuais ou em conjuntos, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (BRASIL, 1988).
Ainda de acordo com a Carta Magna, passaram a ser parte do patrimônio cultural e receber a
proteção do estado:
Com seu avanço, em 1975 foram incluídos também os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro
e Espírito Santo. Segundo Fridman, Araújo e Daibert (2019), as ações do programa até 1976 se
limitavam apenas à conservação e restauro de monumentos e imóveis. Nesse período apenas
dois planos diretores foram desenvolvidos e em desencontro com a Carta do Quito, que
pregava o conceito de conservação integrada. Ainda segundo os autores, apesar do alto
investimento e das ações executadas – em todo o programa foi investido um valor de US$ 17,3
milhões, sendo executadas 143 ações –, sua distribuição foi desigual, priorizando
determinadas regiões, o que resultou em “sistemas isolados de preservação federal, estaduais
e municipais” (FRIDMAN; ARAÚJO; DAIBERT, 2019, p. 626).
De acordo com Do Nascimento (2013), o PCH deixou para o seu sucessor – o Programa
Monumenta – o desafio da amplificação e modernização da institucionalização das ações
voltadas ao patrimônio, sobretudo associado à ideia de que tais ações não deveriam ficar
limitadas a atuação do IPHAN. O Monumenta foi estruturado seguindo as experiências obtidas
em Quito com a conservação integrada, conforme menciona o então coordenador do
programa em seu lançamento:
Sua atuação foi autônoma e externa às delimitações do IPHAN. Tais ações envolveram 101
sítios tombados, distribuídos em 26 cidades, em 17 municípios de todas as regiões do Brasil,
financiados com US$ 125 milhões envolvendo recursos do BID, da União e de contrapartidas
dos estados e Fundos Municipais de Preservação. Essas ações incluíam
Ainda antes da finalização, no segundo mandato do governo Lula, foi lançado o PAC, Programa
de Aceleração do Crescimento, que dentro de seu escopo possuía o PAC – Cidades Históricas
(2009-2016). Este braço do programa, por assim dizer, foi concebido por uma parceria entre a
Casa Civil e o Ministério da Cultura/IPHAN. Em contrapartida aos demais programas, o PAC-CH,
trazia consigo uma nova ideia:
aliar os instrumentos do planejamento urbano das municipalidades às ações
de restauração, não limitadas às intervenções físicas sobre os conjuntos
históricos. Podem ser destacados ainda os modelos de gestão participativa,
de estímulo econômico e de educação patrimonial no sentido de dilatar os
planos de conservação com projetos de longo prazo. (FRIDMAN; ARAÚJO;
DAIBERT, 2019, p.631)
Como primeira ação, em 2009 foram selecionados 188 municípios com centros ou conjuntos
urbanos tombados pelo o IPHAN e, entre estes, foram contempladas 173 localidades presentes
em 140 cidades - mais tarde essa quantidade seria reduzida para 44 cidades - de 22 estados,
com previsão de 4 386 ações, estas contavam com um montante de R$ 8 bilhões. Esse
financiamento realizou ações de restauro em monumentos e prédios públicos, recuperação de
imóveis privados, requalificação urbana e o incentivo a cadeias produtivas e de promoção
cultural em nível local (FRIDMAN; ARAÚJO; DAIBERT, 2019).
O programa possuiu uma segunda fase, o denominado PAC 2 – CH, já no governo Dilma
Rousseff, que possuía as mesmas delineações do anterior, porém agora com maior enfoque
nos bens tombados que apresentassem maior urgência em sua conservação. Nessa segunda
fase foram anunciadas 423 ações nas 44 cidades selecionadas, com um investimento de R$ 1,6
bilhão. Dessas cidades, 14 se tratavam de capitais de estados, sendo dessas 9 com bens
tombados como Patrimônio Cultural da Humanidade e 9 que também sediariam jogos da copa
do mundo de 2014. Além das intenções elencadas no PAC-CH, a segunda fase possuía forte
endosso para a criação de materiais didáticos, cadernos técnicos, bem como a criação e
estruturação de cursos especializados em turismo.
Ainda é um desafio avaliar o desempenho do PAC-CH uma vez que, mesmo com a paralisação
de suas atividades em 2016, ele não foi oficialmente finalizado. Até 2018, mais da metade das
ações previstas ainda não haviam saído do papel ou não entraram em fase de conclusão.
Sant’Anna (2017) explica que apesar de se propor a superar as lacunas dos programas
antecedentes, o PAC-CH se limitou a um programa de restauro de monumentos e de
requalificação urbana, o que acanhou a sua capacidade de reverter as situações de
deterioração e esvaziamento destes espaços.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução: Luciano Vieira Machado. São Paulo:
Estação Liberdade/Ed.UNESP, 2001.
Recomendação de Paris. Paris: 12º Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, 09 de novembro a 12 de dezembro de 1962.
Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Recomendacao%20de
%20Paris%201964.pdf
DRUMMOND, Rebeca Braga Gomes; REGO, Andrea Queiroz da Silva Fonseca. A importância da
educação patrimonial para o reconhecimento da APAC de Marechal Hermes, Rio de
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VELLOSO, Mônica Pimenta et al. Os intelectuais e a política cultural do estado novo. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de A. Neves. O Brasil Republicano: o tempo do nacional-
estatismo. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 148- 149.
NATIVA, Neide; DOS REIS, Alcenir Soares. Informação, patrimônio e memória institucional: a
experiência do Curso de Especialização em Cultura e Arte Barroca em Ouro Preto. Biblionline;
v. 13, n. 1 (2017); 142-155, v. 24, n. 2, p. 155-142.
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934. Casa
Civil/Subchefia de Assuntos Jurídicos, 1934. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm
BRAGA, Márcia et al. Conservação e restauro: arquitetura. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2003.
MARINS, Paulo César Garcez. Novos patrimônios, um novo Brasil? Um balanço das políticas
patrimoniais federais após a década de 1980. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.29, p.09-
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XAVIER, Laís Costa; CAMPOS, Yussef Daibert S. de. Tombamento, Legislação e Crescimento
Urbano. Revista Vianna Sapiens, [S. l.], v. 4, n. 2, p. 33, 2017. Disponível em:
https://www.viannasapiens.com.br/revista/article/view/89. Acesso em: 10 jan. 2023.
FRIDMAN, Fania; ARAÚJO, Ana Paula Silva de; DAIBERT, André Barcelos Damasceno. Políticas
públicas de preservação do patrimônio histórico no Brasil. Três estudos de caso (1973-
2016). Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 21, p. 621-638, 2019.
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sites – cultural roots for urban futures. Washington: The International Bank for
Reconstruction and Development/The World Bank, 2001. p. 195-201. Tradução de Romeu
Duarte Junior.