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RESUMO - Iguape (SP) teve sua fundação no século XVI ligada ao processo de
ocupação do território do Brasil colônia, próxima a Linha de Tordesilhas, e
economicamente associado às primeiras explorações auríferas, anterior às
consagradas pelas políticas de preservação do patrimônio cultural em Minas Gerais.
Neste sentido, o objetivo deste texto é discutir o processo de patrimonialização dessa
cidade-patrimônio pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
destacando o novo contexto das políticas de preservação no século XXI em que está
inserida e a metodologia de inventário adotado, preconizando ações de educação
patrimonial e a participação social.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural, Políticas de Preservação, Educação Patrimonial,
Participação Social, Iguape (SP), IPHAN.
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ABSTRACT - Iguape (SP) had your foundation in the sixteenth century linked to the
process of occupation of the territory of colonial Brazil, near Tordesillas Line, and
economically linked to the fi rst auriferous explorations, then consecrated by the
preservation of cultural heritage policies in Minas Gerais. In this sense, the objective
of this paper is to discuss the process of patrimonialization this city by the Historic
and Artistic National Heritage Institute, highlighting the new context of the twenty-
first century preservation policies and the inventory methodology adopted, advocating
heritage education and social participation.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo apresentar alguns elementos a cerca do debate atual
sobre o processo de eleição de cidades como patrimônio cultural no âmbito das
políticas federais, com ênfase no caso do tombamento da cidade paulista de
Iguape, que preconizou a participação social e a educação patrimonial.
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O órgão federal de preservação possuiu várias designações, o que mostrava o seu lugar na
estrutura política de governo. Foi criado como SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional) em 1937, assumindo a sigla de DPHAN (Departamento de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional) em 1946, IPHAN em 1970, voltando a ser SPHAN em 1979, IBPC
(Instituto Brasileiro de Patrimônio Cultural) em 1990 e, por fim, novamente IPHAN em 1995.
Contudo, por preferência, o órgão de preservação do patrimônio cultural federal será referido
sempre como IPHAN.
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Assim, estas não se constituíam mais como obra de arte, mas sim como um
documento que informa sobre a ocupação do território brasileiro e sobre os
processos históricos de produção do espaço. Tem-se, então, pela primeira vez o
tombamento de áreas consideradas sem valor artístico, mas que representavam
situações sociais e econômicas que marcaram a evolução das cidades brasileiras.
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Informação fornecida por Márcia Chuva, Técnica do IPHAN entre 1985 e 2005, em entrevista
ao autor (Rio de Janeiro, setembro de 2013).
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No período analisado entre 2001 e 2012, quando termina as gestões de Luis Fernando de Almeida
e Dalmo Vieira Filho, respectivamente, como Presidente do IPHAN e Diretor do Departamento
de Patrimônio Material e Fiscalização (DEPAM/IPHAN).
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institucionais, mesmo que essas noções anteriores ainda não tenham sido
totalmente superadas e eventualmente sejam percebidas nos discursos
institucionais de valoração. Conforme Porta (2012), a nova política nacional de
preservação do patrimônio prioriza as seguintes diretrizes: participação social;
reinserção dos bens culturais na dinâmica social; qualificação do contexto dos
bens culturais; e promoção do desenvolvimento local.
Figura 1 - Mapa das cidades-patrimônio tombadas por Unidade da Federação e por século.
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A escolha do Vale do Ribeira por essas técnicas se justificou por esta região
do estado de São Paulo apresentar características históricas e culturais que
reuniam comunidades caiçaras, quilombolas, indígenas, grupos de imigrantes
e pequenos agricultores familiares, por ser o lugar dos maiores remanescentes
de biodiversidade tropical e patrimônio espeleológico do estado, onde situam-
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Em 2009 a Portara nº 127 do Iphan institucionaliza a Chancela da Paisagem Cultural como
instrumento de seleção e valorização da paisagem cultural brasileira, definida na portaria
em seu Artigo 1º como “porção peculiar do território nacional, representativa do processo de
interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas
ou atribuíram valores” (IPHAN, 2009a, p.17).
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No que se refere ao pacto a ser firmado, a portaria nº 127, de 30 de abril de 2009, assim o define
nos Artigos 4º e 5º: A chancela da Paisagem Cultural Brasileira implica no estabelecimento de
pacto que pode envolver o poder público, a sociedade civil e a iniciativa privada, visando a gestão
compartilhada da porção do território nacional assim reconhecida. O pacto convencionado para
proteção da Paisagem Cultural Brasileira chancelada poderá ser integrado de Plano de Gestão
a ser acordado entre as diversas entidades, órgãos e agentes públicos e privados envolvidos, o
qual será acompanhado pelo IPHAN. (IPHAN, 2009a, p.17).
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Para atender tais demandas, e em virtude das comemorações dos 100 anos
da imigração japonesa para o Brasil, os estudos da equipe técnica voltaram-se
para essa temática, resultando no Dossiê de Tombamento dos Bens Culturais da
Imigração Japonesa no Vale do Ribeira6 e no Dossiê de Registro da Celebração
do Tooro Nagashi7. Ambos foram encaminhados respectivamente ao DEPAM
e ao Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) em 2008, contudo, apenas
o primeiro foi reconhecido como patrimônio nacional, o segundo não recebeu
parecer favorável, justificado pela falta do caráter de ancianidade, visto que a
celebração ocorre apenas desde os anos 1950.
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Conjunto de 14 bens culturais nos municípios de Iguape e Registro, importantes testemunhos
da ocupação do território brasileiro através da implementação de três colônias japonesas no
país: Katsura, Iguape e Sete Barras.
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Rito celebrado por descendentes de imigrantes japoneses que lançam nas águas do rio Ribeira
velas acesas em respeito ao Dia de Finados.
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Logo, vale ressaltar que Iguape, mesmo se constituindo como cidade colonial,
foi tombada não repetindo a lógica das cidades-monumento como relíquia e
paradigma da civilização material que a nação brasileira construiu, mas como
um bem que explica a formação territorial de uma região – o Vale do Ribeira –
ou mesmo do país, ao se vincular ao processo de fundação de cidades a partir
da exploração econômica do ciclo do ouro anterior a descoberta das “minas
gerais”, ou seja, como cidade-território.
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O Setor do Núcleo Urbano, o centro antigo da cidade, que caracteriza-se pela singularidade do
seu traçado urbano em forma de elipse de pontas alongadas, dominado pela Praça da Basílica,
pela composição da arquitetura que lhe confere aspecto de conjunto e ao mesmo tempo são
testemunhos dos sucessivos processos históricos e culturais de sua ocupação, além da riqueza
dos marcos naturais que a circulam e dela fazem parte(IPHAN, 2009b).
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Setor do Morro da Espia, um maciço cristalino litorâneo de constituição granítico-gnáissico
que aparece em posição isolada em meio a vasta planície de Iguape-Cananeia . Esse patrimônio
natural possui relação intrínseca com a história da ocupação humana em Iguape, primeiramente
por constituir-se como fonte de água doce que abasteceu os primeiros grupos humanos que se
instalaram no local, e também do ponto de vista simbólico-religioso, pois em 1646 foi lavada
em suas águas a imagem do Bom Jesus, achada na Praia da Jureia. O local, um pequeno riacho
circundado de rochas, ficou consagrado como local mítico (IPHAN, 2009b).
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Setor Portuário, um conjunto formado por áreas do antigo Porto da Ribeira, o Canal do Valo
Grande, o Porto Grande e suas respectivas margens e zona de orla marítima, até o canto do Morro
da Espia. O primeiro corresponde aos remanescentes do porto fluvial do século XVII, algumas
poucas ruínas e a Capela de São João Batista, construção de 1946 em substituição à antiga, de
1870. Já o Valo Grande corresponde a uma obra de engenharia do século XIX que teve como
objetivo ligar o porto fluvial ao marítimo e o Porto Grande às margens do Mar Pequeno, junto
à cidade de Iguape (IPHAN, 2009b).
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Vale ressaltar que esse conjunto variado e rico de prática que aparecem nas falas da
comunidade não possuem aspecto de folclore, mas sim como práticas arraigadas e
disseminadas no cotidiano, características vivas do modo de ser iguapense.
Tal fato mostra-se muito preocupante, pois, ainda segundo o que foi aferido
em campo, o patrimônio cultural e natural de Iguape é associado, por muitos, a
um processo de estagnação econômica, ou seja, para estes tais bens representam
um testemunho no espaço de um momento que muitos desejam superar, o que
tem gerado conflitos na atualidade em relação à salvaguarda desse patrimônio.
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Informações concedidas por Valéria Gafazi, arquiteta da Casa do Patrimônio do Vale do
Ribeira, em entrevista ao autor (Iguape, outubro de 2013).
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Informações concedidas por Anísia Lourenço, presidente da Associação de Artesãos de Iguape,
em entrevista ao autor (Iguape, outubro de 2013).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, é preciso que a cultura seja entendida como uma dimensão maior
desses lugares patrimonializados e das sociedades que as produzem, aumentando,
assim, o caráter estratégico da preservação das cidades-patrimônio como fator de
desenvolvimento social e econômico no século XXI, e, sobretudo, é necessário
que políticas como as de “aumento do estoque patrimonial” e de “melhoria da
representatividade do patrimônio cultural”, apreendidas nos primeiros anos do
século XXI, tenham continuidade para que se possam alcançar a democratização
do patrimônio cultural e para garanti-lo como um direito social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS