Elana Costa Ramiro

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Elana Costa Ramiro

A intergeracionalidade na preparação para o casamento

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP

Elana Costa Ramiro

A intergeracionalidade na preparação para o casamento

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora


da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção
do título de Mestre em Psicologia Clínica sob a
orientação da Profa. Doutora Ceneide Maria
de Oliveira Cerveny.

SÃO PAULO
2014
__________________________________________________________

RAMIRO, Elana Costa

A intergeracionalidade na preparação para o casamento; Elana Costa Ramiro,


orientação Ceneide Maria de Oliveira Cerveny. São Paulo, 2014.

121 fls.

Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade


Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica.

“The intergenerationality in preparation for marriage”

1. Terapia familiar, 2. Noivos, 3. Preparação para o casamento, 4.


Intergeracionalidade, 5. Ciclo de Vida Familiar.

I. CERVENY, Ceneide Maria de Oliveira, orient.

__________________________________________________________
Banca Examinadora

__________________________

__________________________

__________________________
Dedicatória

À minha família de ontem,


Pelo cuidado, legado e heranças;

À minha família de hoje,


Pelo afeto, oportunidades e esperança.
Agradecimentos

A Deus pelo seu imensurável amor e


a maneira maravilhosa como tem cuidado de mim;

Ao meu marido Alexandre pelo amor,


confiança, encorajamento e compreensão;

Aos meus filhos, Mateus e Eloise, por me ensinarem tanto e


pela diversão diária que faz a minha vida ficar mais leve;

A minha mãe, minha heroína,


está sempre por perto quando estou em apuros;

Ao meu pai pelo lugar que me deu na sua vida;

Ao casal de noivos que se doou incondicionalmente


para que esta pesquisa fosse realizada;

À professora Ester Dantas Paschoa “orácula”


pela correção ortográfica;

À minha orientadora, Profª.Dra.Ceneide Maria de Oliveira Cerveny,


pela generosidade com que partilha seus conhecimentos.
RESUMO

A INTERGERACIONALIDADE NA PREPARAÇÃO PARA O CASAMENTO

O objetivo desta pesquisa foi compreender o processo da construção da


conjugalidade a partir do compartilhamento das histórias intergeracionais de
um casal em fase de preparação para o casamento. Como forma de
contextualização este estudo apresentou uma breve descrição histórica do
namoro no Brasil desde o período colonial até os dias atuais; uma discussão a
respeito das principais tarefas desenvolvidas desde a formação do casal até o
final da primeira fase do ciclo de vida familiar e ainda uma apresentação do
que é a família dentro de uma perspectiva sistêmica intergeracional. Tratou-se
de uma pesquisa qualitativa com delineamento em estudo de caso
instrumental. Foi escolhido um casal de noivos por indicação da rede de
contatos da pesquisadora. Foram realizados três encontros com o objetivo de
conhecer as histórias intergeracionais e de que maneira este conhecimento
poderia ser usado no processo de construção da conjugalidade. Nos
encontros foram utilizados como instrumentos a entrevista semiestruturada e o
genograma. Este estudo evidenciou o fato de que o compartilhamento das
histórias intergeracionais durante o período de preparação para o casamento
é fundamental no processo de construção da conjugalidade. O quanto antes o
casal passar por este processo, mais tempo ele terá para amadurecer o
projeto conjugal. Este estudo também constrói um caminho para o trabalho
preventivo com casais e famílias que pode ser estendido aos consultórios,
instituições e comunidades.

Palavras chave: Terapia familiar, Noivos, Preparação para o casamento,


Intergeracionalidade, Ciclo de Vida Familiar.
ABSTRACT

THE INTERGENERATIONALITY IN PREPARATION FOR MARRIAGE

The objective of this research was to understand the process of the


construction of the conjugal relationship from the sharing of intergenerational
stories of a couple while preparing for marriage. In order to contextualize this
study, a brief historical description of dating within the Brazilian context was
presented; from the colonial period in Brazil to the current days including a
discussion of the main tasks undertaken since the formation of the couple up
to the of the first stage of the family life cycle and yet a presentation of what
the family within an intergenerational perspective consists of. This was a
qualitative research with an instrumental case outline. An engaged couple from
the researcher's network of contacts was appointed and three meetings were
conducted with the purpose of investigating the intergenerational stories and
how this knowledge could be used in the construction process of conjugal
relationship. In the meetings the instruments used were the semi-structured
interviews and the genogram. This study highlighted the fact that the sharing of
intergenerational stories during the marriage preparation period is essential in
the process of building the conjugal relationship. The sooner the couple goes
through this process; it will take more time to mature conjugal project. This
study also paves the way for preventive work with couples and families in
clinics, institutions and communities.

Keywords: Family Therapy, Engaged Couples, Preparation for Marriage,


Intergenerationality, Family Life Cycle.
SUMÁRIO

RESUMO

ABSTRACT

INTRODUÇÃO........................................................................................................ 11

OBJETIVOS............................................................................................................ 15

CAPÍTULO 1 – NAMORO E NOIVADO NO BRASIL: ONTEM E HOJE ............... 16


1.1 Período Colonial ................................................................................................ 16
1.2 Século XIX ........................................................................................................ 20
1.3 Século XX .......................................................................................................... 24
1.4 Século XXI ......................................................................................................... 30

CAPÍTULO 2 – NASCE UMA NOVA FAMÍLIA – A PRIMEIRA FASE DO CICLO


DE VIDA FAMILIAR ................................................................................................ 34
2.1 A escolha do parceiro ........................................................................................ 35
2.2 A transição para o casamento ........................................................................... 37
2.3 A construção da conjugalidade .......................................................................... 39

CAPÍTULO 3 – A INTERGERACIONALIDADE ..................................................... 42


3.1 Diferenciação .................................................................................................... 45
3.2 Triangulação ...................................................................................................... 46
3.3 Regras Familiares .............................................................................................. 47
3.4 Delegação .......................................................................................................... 48
3.5 Repetições intergeracionais .............................................................................. 49
3.6 Lealdade ............................................................................................................ 49
3.7 Mitos familiares .................................................................................................. 50
3.8 Rituais familiares .............................................................................................. 52
3.9 Hierarquias familiares ........................................................................................ 53
CAPÍTULO 4 – MÉTODO ...................................................................................... 55
4.1 Participantes .................................................................................................... 56
4.2 Instrumentos .................................................................................................... 56
4.3 Procedimento ................................................................................................... 57
4.4 Cronograma ..................................................................................................... 59

CAPÍTULO 5 – APRESENTAÇÃO DOS PARTICIPANTES ................................ 60


5.1 O noivo ............................................................................................................ 60
5.2 A noiva ............................................................................................................. 63
5.3 O casal ............................................................................................................. 66

CAPÍTULO 6 – ANÁLISE DAS ENTREVISTAS NARRATIVAS .......................... 69

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 84

REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 86

ANEXOS
1. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE....................................... 94
2. Transcrição da primeira entrevista .................................................................... 95
3. Anotações de campo da entrevista do genograma ........................................... 108
4. Transcrição da segunda entrevista e anotações de campo ............................. 113
5. Livro de códigos qualitativos .............................................................................. 116
INTRODUÇÃO

Olhar a família por uma perspectiva sistêmica é compreendê-la como um


sistema aberto e complexo, mergulhado em diversificadas interações; instável, pois
opera com mudanças em constante andamento, e intersubjetivo, pois possui
realidades múltiplas decorrentes das diversas interações tanto entre os seus
membros, como também com sistemas extrafamiliares - no meio social. (Esteves de
Vasconcelos, 1995, 2002, 2005)
Como um sistema aberto a família está sujeita a certas propriedades como a
globalidade, que faz com que qualquer alteração ou mudança em um dos
componentes seja sentida no sistema total. O mecanismo de retroalimentação, ou
feedback, permite a circularidade da informação dentro da família e o
comportamento de um membro afeta e é afetado pelo comportamento de cada um
dos demais. Além disso, a família é um sistema que se autogoverna por meio de
regras que definem aquilo que é permitido ou não para o grupo. Qualquer desvio,
além do limite de tolerância, aciona mecanismos de controle para assegurar o
equilíbrio.
Um aspecto importante quando assumimos uma perspectiva sistêmica sobre
a família é a intergeracionalidade. Toda família traz dos seus antepassados,
oportunidades de múltiplas vinculações e modelos de interação que se repetirão na
geração atual ou nas futuras. Muitas vezes não existe a consciência da repetição e
apreensão que se faz desses modelos e de como as vivências atuais estão
invadidas pelas circunstâncias transmitidas e sugeridas por gerações anteriores - os
nomes, crenças e escolhas atuais, inclusive as relacionadas ao casamento, sofrem,
quase sempre, influência dos seus antecessores.
Cerveny (2000) diz que quando ampliamos os modelos de repetição para
diversos padrões de interação, podemos visualizar a transmissão dessa repetição,
suas significações e resignificações, e abrir a possibilidade de trabalhar de maneira
preventiva e não apenas curativa nos sistemas familiares onde atuamos.
O interesse por trabalhos de natureza preventiva sempre esteve presente
na minha forma de interagir com a Psicologia. Inicialmente o interesse estava ligado
à possibilidade de integrar psicologia e educação, minhas duas áreas de formação.
Esse interesse foi aumentando a partir da observação de casais e famílias, nas
diversas fases do ciclo vital, inseridos em programas de natureza educativa/
11
preventiva. A possibilidade de realizar intervenções com enfoque preventivo em
comunidades diversas, ONGs, Igrejas, UBS, universidades e não apenas no
consultório é muito atrativa para mim, uma vez que potencializa a ação do psicólogo
e alcança uma população que, por diversos motivos, não chegariam à clínica
psicológica.
A preparação pré-matrimonial tem sido muito pouco explorada nas
pesquisas de Terapia Familiar no Brasil, talvez por isso, em nosso país, ainda esteja
muito restrita ao circuito religioso. Neste circuito, a preocupação é mais dogmática
com manutenção de valores e tradições. Os apelos são muito mais informativos que
formativos e, muitas vezes, a intervenção é feita sem considerar, num sentido mais
amplo, a história de vida de cada casal.
A maioria das intervenções, seja em igrejas, em programas de saúde pública
ou mesmo no sistema judiciário, quando existem, funcionam como salas de aula,
onde os noivos serão instruídos sobre como deverão agir nesta nova fase da vida.
Entretanto, quando esta nova vida começa efetivamente, as informações que eles
usarão não serão as obtidas no curso, e sim, as que eles obtiveram ao longo de toda
sua história. As experiências que vivenciaram em suas famílias de origem é que
servirão de base para a nova fase que irão viver.
Durante algum tempo tenho trabalhado com noivos no consultório e numa
comunidade religiosa. Com o tempo percebi que intervindo em casais no período de
noivado, estava, de certa forma, atuando preventivamente. Isso significa, em muitos
casos, que este casal ainda não mora junto e está na fase de planejamento ou de
construção de um projeto de vida a dois que se iniciará formalmente a partir de uma
cerimônia, seja ela civil ou religiosa ou, ainda, qualquer outro rito de passagem.
Para Sager (2009) todos os momentos de mudança ao longo do ciclo de vida
conjugal são excelentes oportunidades para a intervenção profilática. Atuar na fase
de preparação para o casamento significa colaborar de maneira preventiva na
formação e desenvolvimento de famílias com mais recursos emocionais, recursos
estes advindo, no caso desta pesquisa, do conhecimento de suas histórias
intergeracionais.
O autor segue dizendo que “o aconselhamento pré-nupicial, como
habitualmente é praticado, não é uma abordagem eficaz, a menos que o par esteja
disposto a procurar ajuda para problemas específicos durante o período de namoro”.
(SAGER, op.cit, p. 323). Após a decisão de se casar, nos meses que antecedem ao
12
casamento, a maioria dos casais não está disposto a examinar e questionar seus
próprios sentimentos e motivações ou a maneira como eles interagem. Eles tendem
a negar qualquer tipo de alarme que ameace a relação.
Para este autor, os noivos agem como se estivessem na reta final de uma
corrida, pressionados pelas demandas dos preparativos da cerimônia de casamento
e pelo medo de perder qualquer oportunidade. O desejo de estar apaixonado, a
compulsão social para realizar o casamento e cumprir os planos que já foram
iniciados são muito fortes. Eles estão demasiadamente ocupados para examinar
cuidadosamente a si mesmos e sua inter-relação; a essa altura, temem examinar
condutas que, em outros tempos, seriam questionáveis, ou enfrentar seus próprios
receios.
Outra questão também discutida por Sager (2009) é que, nos momentos em
que se aproxima o casamento, a maioria dos indivíduos ou casais não tem acesso a
uma pessoa ou grupo com quem possam discutir seus medos, as causas
subjacentes de suas dúvidas, encarando-as a partir de uma perspectiva útil e
imparcial. Da mesma maneira como não tiveram, antes deste período, acesso a um
lugar ou instituição seja educativa, social ou religiosa, onde pudessem aprender e
explorar suas próprias ideias sobre o que querem ou esperam do amor, do
matrimonio, da sexulaidade e da intimidade. Não conseguem elaborar o que
desejam realmente de um companheiro no casamento e muito menos o que podem
oferecer a alguém na relação conjugal.
Ao buscar publicações específicas de preparação para o casamento ou
orientações gerais para noivos, ficou notório o investimento que as comunidades
religiosas estão fazendo neste sentido: Roberts & Wright (1997), Santos [et al]
(1998), Kemp (2004, 2005), Wright (2005), Silva (2009), Mendes & Merkh (2013),
Ventura (2013), Uchôa (2014), Ciribelli (2014), Devries & Wolgemuth (2014),
Wolgemuth & Devries (2014) entre os evangélicos; e Pastore (1991), Anjos (1999),
De Chiaro & Biffi (2002), Rêgo (2006), entre os católicos.
Religiosos em geral, no seu papel tradicional de conselheiros
prématrimoniais, têm tentado - com maior ou menor êxito - fortalecer os valores
humanistas, reforçar a importância deste valores para os noivos, lembrando-os de
seus novos deveres e responsabilidades para com Deus e consigo mesmos.
Entretanto, segundo Pastore (1991), Sager (2009), Ramiro (2008), muitas
igrejas que usam o aconselhamento prenupcial religioso, o fazem de forma breve,
13
normativa e por puro formalismo. Por outro lado, muitos clérigos sentem a
necessidade de abordagens mais eficazes, concordando, neste sentido, com
conselheiros matrimoniais e outros profissionais afins.

“O casamento está mudando com tanta rapidez, que é imperativo que


testemos um novo tipo de programa educacional, um programa que encare
de forma realista tudo que está implícito em uma relação de compromisso.
Desta forma, os jovens poderiam tomar consciência de suas obrigações
contratuais, de suas necessidades biológicas e intrapsíquicas.” (SAGER,
2009, p. 324)

Fora do circuito religioso foi encontrado um artigo relacionado à saúde


pública (Sciliar, 1997) apontando o exame pré-nupcial como uma espécie de rito de
passagem para a vida a dois. Foi encontrado, também, um relato de experiência
preventiva realizada pela vara de família no Recife (Fernandes, 2000). Nesta vara
judicial é realizado um encontro com noivos na véspera do casamento. Este
encontro é dividido em duas partes, sendo a primeira feita pela psicóloga ou
assistente social e é trabalhado o contrato emocional que irão celebrar. Na segunda
parte o juiz aborda os aspectos legais da união, ressaltando as responsabilidades
decorrentes do matrimônio estabelecidas no Código Civil.
Este estudo é uma tentativa de encontrar caminhos para esta emergente
necessidade – encontrar abordagens mais eficazes de preparação para o
casamento. Para isso, apresento, no primeiro capítulo, um breve levantamento
acerca da história do namoro e noivado no Brasil desde o período colonial até os
dias atuais. No segundo capítulo trato da construção do casal como o marco inicial
de uma nova família e como se dá a construção da conjugalidade e a vivência no
início da primeira fase do Ciclo de Vida Familiar. No terceiro capítulo abordo a
intergeracionalidade enquanto conceito inserido na teoria sistêmica. No quarto
capítulo descrevo o método utilizado para este estudo e suas implicações éticas. No
quinto capítulo apresento um caso demonstrativo e no sexto capítulo a análise
das narrativas apresentadas no caso. Encerro com as considerações finais.

14
OBJETIVOS

Objetivo Geral:

Compreender o processo de construção da conjugalidade a partir do


compartilhamento das histórias intergeracionais de um casal em fase de preparação
para o casamento.

Objetivos Específicos:

1. Identificar, no casal de noivos, padrões de intergeracionalidade tais como:


diferenciação, triangulação, regras familiares, delegações, repetições
intergeracionais, lealdade, mitos familiares, rituais e hierarquias na família de origem
que podem ajudar ou dificultar a construção da conjugalidade após o casamento.

2. Identificar possíveis pontos que o casal precisará fortalecer na primeira


fase do Ciclo de Vida Familiar.
CAPÍTULO 1 - NAMORO E NOIVADO NO BRASIL: ONTEM E HOJE

Inicio este estudo com uma breve contextualização a respeito das relações
de namoro e noivado no Brasil desde o período colonial até os dias atuais. Por
estarem inseridas em um contexto sócio histórico, estas relações vem sofrendo,
inevitavelmente, mudanças ao longo do tempo.
Minha intenção é passar, de maneira panorâmica, pelas principais
características dessas relações com o objetivo de chegar a uma melhor
compreensão deste fenômeno hoje.

1.1. Período colonial

Os portugueses desembarcaram no Novo Mundo para colonizá-lo trazendo na


bagagem concepções e vivências acerca do casamento, do amor e da família
trazidas da cultura europeia. Ao chegarem aqui encontraram um cenário social
completamente distinto daquele que fora deixado para trás.
Embora já circulasse pela Europa, principalmente por meio da literatura e da
arte, ideias de amor romântico, essas ideias ainda não haviam sido incorporadas,
nem eram capazes de promover mudanças no fato de que o casamento não estava
associado ao amor, mas sim aos interesses.
O livro A história do amor no Brasil, aponta para o fato de que a colonização
brasileira “consistiu numa verdadeira cruzada espiritual que tinha como objetivo
regulamentar o cotidiano das pessoas [...] sua ação fazia-se especialmente ativa no
campo da organização familiar e do controle da sexualidade”. (DEL PRIORE, 2012,
p.22)
Neste sentido, as relações eram marcadas pela tentativa da Igreja em
catequizar os índios nativos e dominar os impulsos sexuais dos portugueses,
extasiados pela nudez das índias, e também pela falta de recursos de toda espécie
(Souza & Novaes, 1997). O casamento ocorria principalmente nas classes mais
baixas, entre os camponeses, mas também, com menor frequência, entre
portugueses e indígenas.

16
Nas classes mais abastadas, este período foi fortemente marcado pelo regime
patriarcal e familista. Sendo assim, a escolha dos cônjuges e a regulação das
relações pré-matrimoniais eram um privilégio quase exclusivo do pater familias1.

“O casamento interessava à solidariedade e à integridade dos grandes


grupos de parentesco nos quais se apoiavam a ordem social, a economia, a
política, e a própria realização pessoal dos indivíduos. As crônicas
históricas, o folclore, a literatura de ficção, a documentação judiciária não
deixavam dúvidas a respeito, muito embora também registrem as
resistências e as insubmissões que o amor romântico sempre ofereceu ao
casamento arranjado pelos pais sem anuência prévia dos futuros cônjuges.”
(AZEVEDO, 1986, p.7)

Paixão, a atração física ou o amor, não eram critérios considerados para a


escolha do cônjuge, no período colonial, nas classes abastadas. O que era
considerado eram as razões pessoais do pater familias, “evidenciando, assim, a
assimetria nas relações, uma vez que a escolha era feita pelos homens, sendo o
papel da mulher passivo: ela era ou não escolhida”. (LEVY, 2009, p. 119). Os rituais
de casamento eram altamente convencionais, com o pai da noiva conduzindo-a ao
altar, o que representava a transferência do seu pátrio poder para o futuro marido.
Mesmo nos bailes, espaços privilegiados para preliminares e/ou consolidação
de namoros, a iniciativa para dançar cabia aos homens. “Todavia, em insinuando-se,
elas deviam agir com sutileza para não serem percebidas como assanhadas e
noções correlatas”. (TEIXEIRA, 2004, p.292).
Del Priore (2012) aborda que o fato de não ser considerada a existência de
atração entre os noivos para que as famílias contratassem os casamentos, deixavam
pouco espaço para as práticas galantes, que acabavam tendo que se adaptar às
proibições. Como os relacionamentos entre pessoas solteiras eram submetidos
sempre a constante vigilância, as cerimônias religiosas públicas foram se tornando o
palco perfeito para troca de mensagens com poemas, beliscões, piscadelas e tosse
que eram considerados gestos de afetividade no código amoroso deste período.
Dentro das famílias nada era dito ou conversado sobre namoro ou sexo,
especialmente diante da presença feminina. A moça tinha que ser virtuosa, honesta

1
O termo é Latim e significa, literalmente, "pai da família". Segundo a Lei das Doze Tábuas, o pater
familias tinha vitae necisque potestas - o "poder da vida e da morte" - sobre os seus filhos, a sua
esposa (nalguns casos apenas), e os seus escravos, todos os quais estavam sub manu, "sobre a sua
mão". PATER FAMILIAS. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2014.
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Pater_familias&oldid=38154674>. Acesso
em: 20 jun. 2014.

17
e honrada, mas estas qualidades não eram exigidas do marido. “A noção de honra,
para a mulher solteira, significava ser virgem. A perda da virgindade diminuía, e
muito, as chances de conseguir um bom casamento e muitas vezes até zerava as
chances de se casar”. (LEVY, 2009, p. 119)
“A visita regular do noivo a casa da noiva era motivo de temor da Igreja, que
receava que os prometidos tivessem relações sexuais”. (DEL PRIORE, 2012, p.45)
Entretanto, as práticas sexuais ocorriam efetivamente em todos os grupos sociais,
mesmo com os traços acentuadamente patriarcais vigentes.
Levy (2009) descreve que, apesar do patriarcado, a Igreja, especialmente os
Jesuítas, defendia a independência dos filhos na decisão do casamento. Por causa
desta concessão dos padres, era comum no Brasil colônia a mudança de residência
dos contraentes de uma capitania para outra para poderem se casar. Eles buscavam
oportunidades para se casar por escolha própria usando a boa vontade dos padres
que, de alguma maneira, fechavam os olhos para certas exigências da Igreja.
Coontz (2005) diz que nas classes mais baixas, os parceiros eram escolhidos
mediante seu valor de trabalho para a comunidade na qual iriam viver. Este tipo de
escolha tornava a união um assunto de interesse público. Mesmo assim, os
membros das classes subalternas conseguiam escolher seus cônjuges de forma
mais espontânea. “Os pobres da colônia não tinham interesses político-econômicos
para preservar e, por isso, podiam deixar aflorar os sentimentos.” (DEL PRIORE,
2012, p.26)
Almeida (1988/1989) fala dos manuais portugueses de casamento dos
séculos XVI e XVII. Um desses documentos é a Carta de Guia de Casados e
Adágios, de D. Francisco Manuel de Melo, onde afirma que deveria existir uma
proporção entre a idade dos cônjuges, sua condição social, física e moral para que
um casamento fosse considerado bom.
Del Priore (2012, p.24), também menciona que o princípio básico que
norteava a escolha dos cônjuges era o da igualdade. Isso era muito claramente
enunciado nos provérbios populares: “se queres bem casar, casa com teu igual”,
“casar e comprar, cada um com o seu igual”. Essa era a norma.
Contudo, os casamentos desiguais quanto à idade eram bem usuais, e até
tolerados, contrariando os moralistas de plantão. Já os casamentos desiguais nos
outros aspectos - social, econômico e moral - eram muito mal vistos em todo o

18
Brasil. A desigualdade de idade era tolerada por causa do dote e porque os
casamentos estavam sujeitos aos interesses dos pais e não dos nubentes. (Levy,
op. cit, Del Priore, op.cit).
Segundo Nazzari (2001), o casamento era a forma pela qual se estabelecia a
nova empresa produtiva, cuja premissa relevante era a escolha do cônjuge. O dote
era parte crucial nesse arranjo, proporcionando ao futuro marido a aquisição de
recursos independentes. De fato, o casamento, nas classes abastadas, era um
arranjo econômico e/ou político, que privilegiava ambas as famílias dos noivos, fosse
por meio de vantagens financeiras ou de status social.
Ainda falando sobre o dote, Nazzari (op. cit.) afirma que ele era obrigação dos
pais da noiva, que davam ao futuro marido da filha escravos, animais, lotes de terra,
dinheiro, enfim, parte da herança dos pais a qual a filha teria direito na ocasião da
morte destes, além do enxoval, que incluía artigos pessoais de vestuário, inclusive o
vestido e a camisola de núpcias, roupas e artigos do lar como mobiliário e têxteis de
cama, mesa e banho, ricamente bordados pelas mulheres da família e escravas. O
tamanho do enxoval estava diretamente relacionado ao status e a situação
financeira da família da noiva.

“Como casar era uma certeza, a parte do enxoval composta por peças para
uso regular podia começar a ser providenciada mesmo quando as futuras
esposas ainda eram crianças ou quando as moças nem tinham namorado. E
por razões bem práticas: diluição de custos; maior tempo para confecção;
antecipar a preparação das núbeis. Por conta disso não era incomum que
desde cedo já fosse providenciado o chamado ‘baú da noiva’, para nele
guardar o enxoval em elaboração.” (TEIXEIRA, 2004, p.311)

Perrot (1989) descreve que a fabricação do enxoval tinha início com a


fabricação dos fios pelas próprias mulheres nas antigas rocas de fiar, depois de
prontos os fios eram tecidos em teares manuais e só então começavam a ser
bordados. Segundo Duby (1989), o enxoval traduzia o rito de passagem que
transformava as filhas meninas em mulheres, donas de suas próprias casas. “Ele se
inscreve num mundo em que o privado é o lugar da felicidade e estabelecia um
legado de saberes e segredos, do corpo e do coração, numa longa história entre as
mães e filhas”. (Perrot, op. cit. p.14)
Levy (2009) mostra que segundo o Direito Romano e o Canônico, a idade ao
casar em Portugal e no Brasil, no período colonial, era de 12 anos para as meninas

19
e 14 anos para os meninos. Essa era a idade oficial, todavia eram vigentes os
esponsais, que podiam ser: sponsalia de futuro, que consistia numa promessa de
casamento a ser contraído e que podia ser firmado a partir dos 7 anos de idade, e
que não era incomum acontecer até antes disso. O acordo era selado, muitas vezes,
com uma simples troca de anéis.

1.2. Século XIX

Segundo Levy (2009) foi a partir do século XIX, nas classes abastadas, que a
escolha do cônjuge foi se modificando, deixando de ser exclusividade do pater
familias, para uma participação mais ativa por parte dos interessados. Vale ressaltar
que, segundo Del Priore (2012) essa participação ainda era restrita e o casamento
ainda era visto como um negócio e deveria observar interesses por parte das
famílias envolvidas.
Ainda cabia aos homens a iniciativa de provocar o namoro “as moças ficam
em princípio, reduzidas a escolher apenas um entre aqueles que as provocam, já
que elas não devem se oferecer.” (AZEVEDO, 1986, p.67-68). Aqui ainda
permanece a regra de serem discretas e sutis para não serem vistas como
assanhadas ou coisas do tipo.
Antes do pedido oficial de casamento só restava aos pretendentes a troca de
olhares e os cochichos durante a missa. Era muito raro um homem ter oportunidade
ou ocasião para falar com aquela com quem queria casar. “Quando os pais da jovem
não eram muito severos, às vezes se conseguia conversar com ela. Mas só na
presença deles. Até o fim do século XIX o namoro será dificultado.” (DEL PRIORE,
2012, p. 125).
O namoro era secreto e se desenrolava na janela, na porta, no portão, mas
não dentro da casa, e sob a vigilância constante de algum membro da família, para
que não fosse comprometida a fama das jovens. “Em alguns casos a jovem se
debruçava na janela para ouvir o devotado admirador postado na rua, desfiando
declarações amorosas, impávido diante das interrupções ruidosas de passantes
curiosos”. (DEL PRIORE, 2012, p. 126).
O assunto namoro e os relativos ao sexo não podiam ser mencionados em
família, nem o namorado era admitido em casa dos pais da moça. O controle familiar

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era exercido pelo pai, pela mãe e por outros parentes ou agregados residentes,
sendo que os irmãos assumiam a obrigação de “defender” as irmãs de namorados
julgados mal-intencionados, muitas vezes até atacando fisicamente. Após o pedido
oficial, a vigilância continuava, porém mais discreta e com certas liberdades, como
poder o par se encontrar em público. (Azevedo,1961, 1986, Teixeira, 2004, Levy,
2009).
Segundo Levy (2009), o noivado propriamente dito, era precedido por duas a
três fases: troca dos primeiros e furtivos sinais de interesse recíproco e da
exploração das possibilidades de aproximação e de comunicação interpessoal direta
e próxima; associação deliberada ou namoro em sentido exato; e compromisso
preliminar ao noivado formal, também dito oficial.
Prática também comum, neste período, segundo Mary Del Priore (2012), era o
rapto da moça pelo pretendente, quando o relacionamento não era aprovado pelos
pais dela. Gilberto Freire (1987), no seu livro, Casa Grande & Senzala, mostra os
jornais brasileiros da época noticiando o assunto amplamente. Essas moças, a quem
os pais não consentiam o casamento, afirmavam seu direito de amar, independente
das situações de raça, dinheiro ou credo. Para Gilberto Freire foram essas fugas que
marcaram o declínio da família patriarcal e selaram o início da família romântica no
Brasil.
Thales de Azevedo (1986) fala que sob a influência da revolução sexual
ocorrida na Europa em fins do século XVIII, surge um novo modelo de namoro e
noivado, mas ainda com fortes ligações com os padrões e tradições patriarcais. Esse
novo modelo de namoro e noivado acontecia também fora de casa e tinha um
sentido mais afetivo que romântico. Aos poucos a felicidade do casal vai deixando
de satisfazer unicamente aos interesses da família.
Esse namoro que avança em espaços públicos, principalmente com o início
da iluminação pública por meio dos lampiões de gás e depois com a eletricidade,
ainda é fortemente contido, principalmente pela figura dos chamados chaperon, chá-
de-pera, doce-de-pera, vela, segura vela, alcoviteiros, onze letras, pau de cabeceira
entre outros2. (AZEVEDO, 1986; TEIXEIRA, 2004; LEVY, 2009; DEL PRIORE,
2012). Esses tinham a função de vigiar os casais para que não avançassem o sinal e
impedir que a moça ficasse mal falada. Sua principal função é a “preservação da

2
Nomes dados à ação de “tomar conta” dos noivos, favorecendo o namoro.

21
honra, da reputação, da pureza da moça representada, em última análise, pela
virgindade como supremo bem de troca para o matrimônio na família burguesa.”
(AZEVEDO, 1986, p.43).
A Segunda Guerra mundial trouxe uma acentuada crise nos costumes aqui no
Brasil, principalmente pela divulgação no rádio, cinema e contato com outros povos,
do modo de vida urbano mundial. Levy (2009) diz que o padrão “moderno” de
namoro – o colóquio intimista e, bem mais para frente, a paquera foram acentuados
por esta influência de costumes. Entretanto, surgiram muitos conflitos familiares na
sociedade brasileira, devido ao convívio destes novos costumes junto aos padrões
tradicionais ainda em voga nesta época, especialmente nas pequenas cidades e
vilas no interior do país.
Adiante, o “flirt”, “a institucionalização do ‘footing’ nas ruas, nas praças, em
todas as capitais brasileiras, nas ruas do comércio chic de modas, nas sorveterias,
nos cafés ou nos jardins, a frequência às matinées, ao teatro, modistas, dentistas.”
(AZEVEDO 1986, p. 71-76). O telefone e o automóvel também foram um marco na
transformação do namoro mais antigo, trazendo uma aproximação maior entre as
pessoas.
Aos poucos a iniciativa para o casamento foi se tornando assunto mais ligado
às partes interessadas do que aos pais dos pretendentes, uma vez que diminuía a
importância da grande parentela.
Segundo Levy (2009), o que se entendia como a verdade afetiva, afetividade,
nos séculos XVII e XVIII, pregada pela literatura, estava ligado ao racional; já na
literatura do século XIX, nasce o amor paixão, o carinho, a atenção, cuja verdade
afetiva se encontra no fundo do coração e passa a ser mais considerada que do que
a verdade racional.
Mesmo assim, o século XIX é descrito pela historiadora Mary Del Priore
(2012) como um século hipócrita, que iniciou com um suspiro romântico e fechou
com o higienismo frio de confessores e médicos. A proliferação de doenças como a
sífilis, por exemplo, sustentada pela dupla moral e que beneficiava principalmente os
homens afetou as relações pré-nupciais e, sobretudo, as relações conjugais.
As meninas eram educadas para cuidarem com todo rigor de sua reputação.
A mãe instruía a filha nesse princípio e depois a entregava a um homem. Para a
jovem, uma boa união de interesses era a apoteose de sua boa educação e a

22
entrada no mundo adulto. Discrição, delicadeza, amabilidade, tais princípios ditavam
a vida da mulher em sociedade. (Del Priore, 2012).
Del Priori (op. cit.) segue dizendo que a despeito de todo esse fundo
romântico, o casamento era organizado como uma verdadeira camisa de força
social: havia um ativo mercado matrimonial no qual muitas mulheres tiveram que se
curvar à vontade de sua família. A cerimônia de casamento acontecia depois de
curtos noivados, com pouco contato social, onde se valorizava a discrição e o
afastamento dos corpos e que acabava por se tornar, também, o comportamento
conjugal posterior. Os homens distinguiam dois tipos de mulher: a respeitável, feita
para o casamento, que não se amava, mas em quem se fazia filhos; e a prostituta,
com quem tudo é permitido e com quem se dividiam as alegrias eróticas vedadas,
por educação, às esposas.
Ingraham (1999) apresenta a origem do termo “casamento branco” a partir de
1840, com o casamento da rainha inglesa Victoria e o príncipe Albert. Neste período
aparecem na Europa alguns ritos que permanecem até hoje e que logo foram
incorporados pelos brasileiros. Anteriormente, o vestido de noiva, por exemplo, era
confeccionado em qualquer cor. Usado pela rainha Victoria na cor branca, passou a
ser copiado por diversas noivas, e recebeu o significado de pureza, virgindade,
inocência e promessa, além de poder e privilégio. As pérolas e diamantes, as flores
brancas, os longos véus também foram sendo popularizados neste período.
Souza & Novais (1997), no livro História da Vida Privada no Brasil, mostra que
a igreja católica dominou a instituição do casamento no Brasil até meados de 1860
quando o crescimento da imigração trouxe a necessidade de criação de uma lei que
regulamentasse o casamento de não católicos. Em 1890, um ano após a
Proclamação da República, a primeira constituição brasileira determinava o
casamento civil, daquele momento em diante, o único reconhecido pelo estado.
Apenas em 1934 é que o casamento religioso passou a ter efeito civil.
Levy (2009) traz a informação de que as leis no Brasil não fixavam a idade em
que os menores podiam se casar validamente, porém, a capacidade para casar
presumia-se aos 12 anos para as meninas e 14 para os meninos, idades que
marcavam a puberdade entre os romanos e com as quais o Direito Canônico
concede-lhes capacidade física e moral para casar. No caso de idades inferiores, era

23
necessário, além da autorização paterna, o suprimento de idade pelo juiz de órfãos,
mas não era proibido o casamento.
Não se casando entre 25 e 30 anos, a mulher recebia o qualificativo de
solteirona, termo com conotação pejorativa, denotando incapacidade de conseguir
um casamento, sendo relegada a viver de favor em casa de parentes, assumindo
papeis a essa figura destinados – cuidar dos sobrinhos, ajudar nas tarefas
domésticas, meio governante/meio parente pobre -, ou vivendo uma situação
indesejável de concubina ou prostituta.

1.3. Século XX

O início do século XX é marcado pelas grandes guerras, pelo crescimento da


indústria e a entrada das mulheres no mercado de trabalho. A visão a respeito do
casamento vai mudando gradativamente, como podemos ver nas palavras da
historiadora:

“Os casais começam a se escolher porque as relações matrimoniais tinham


que ser fundadas no sentimento recíproco. O casamento de conveniência,
aos poucos, passa a ser vergonhoso e o amor não é mais uma ideia
romântica, mas o cimento de uma relação”. (DEL PRIORE, 2012 p.231)

Segundo Del Priore (2012), o aparecimento do bonde favoreceu a


socialização dos namoros. Nas praças, alamedas, largos e avenidas circulavam
milhares de homens e mulheres entre o footing e o flirt. Passear de um café ao
outro, de uma loja chique a outra, de uma praça a um jardim era ocasião para um
primeiro comércio de olhares, sorrisos e gestos significativos, aparentemente
casuais. Seria a primeira vez que as moças estariam se expondo deliberadamente,
ainda que de modo dissimulado, à conquista tendo em vista o namoro.
Nestes passeios, a moça, geralmente em grupos, via diferentes rapazes e
avaliava seus tipos, tentava decifrar seus sinais e signos exteriores, comparava-os
até decidir-se por um deles e com ele estabelecer, sem que as companheiras
percebessem, uma relação preliminar.
Uma vez captada a atenção, o candidato passava a exibir uma variedade de
sinais, por meio dos quais se comunicava à distância, com sua amada: flores à

24
lapela do paletó (cada tipo de flor tinha um significado específico), lenço disposto de
maneira convencionada no bolso do peito, movimentos com a bengala, sinais com
cotovelo e rosto. As moças correspondiam, por sua vez, carregando flores de várias
espécies e também com diferentes cores de vestido – cada coisa com um significado
específico.
O próximo passo era o baile, uma festa, onde pudessem se encontrar e
conseguir uma forma de se tocar. Thales de Azevedo (1986) explica que o flirt nem
sempre se transformaria em namoro, isso só aconteceria a partir de um contato
direto, em que o assentimento discreto era dado pela moça concordando em
conversar. Depois disso, acontecia a permissão para ser acompanhada na rua,
marcando, por último, novo encontro à porta, à janela ou a certa distância da casa.
Muitas vezes este primeiro passo necessitava da ajuda de uma alcoviteira. O
processo podia acelerar-se com beijos furtados nas matinês dos cinemas.
Quando o namoro amadurecia e chegava a ser conhecido da família da moça,
assumia o caráter de compromisso, condicionado pelo consentimento dos pais.
Houve tempo em que, nessa altura, o rapaz tinha que se declarar, exprimindo
verbalmente seu amor, a paixão e a intenção de casar-se.
Segundo Levy (2009), o noivado, com o formato como era conhecido no
século XIX, que envolvia o pedido da mão da noiva ao pai dela, feito pelo pai do
noivo, advindo dos costumes romanos, praticamente já não subsiste. O que se
mantém, em geral nas classes abastadas, é o costume do futuro noivo pedir a mão
da namorada ao pai dela; porém, o que se torna mais usual no século XX é os
noivos comunicarem aos pais sua decisão de se casarem.
A partir da decisão de se casar, todo um dispositivo de controle se colocava
em funcionamento a fim de preservar a reputação e a honra da moça, representada
pela virgindade. Os passeios eram acompanhados e só duravam até às nove horas
da noite, limite para voltar para casa. Se houvesse qualquer deslize ou “passo falso”
era reduzida a zero a chance da festa com bolo, véu e grinalda.
Del Priore (2012) descreve que, durante o noivado, alguns passavam a usar
um anel de compromisso no dedo anular da mão direita. O casal, na sua nova
condição ganhava maior liberdade de ação, deixando de ocultar a relação, agora
exibida publicamente. Mesmo assim, o rapaz só podia frequentar a casa da noiva
em dia e hora estabelecidos. Um pretendente em boas condições financeiras podia

25
precipitar tudo e passar direto ao pedido de casamento. Acabar um namoro
adiantado era motivo de vergonha para a família e de crise emocional para a moça
que ficava desvalorizada. Das noivas era exigida pureza: virgindade e nada de
contatos com o sexo oposto. Já os noivos sérios tinham que se comportar como tal.
O noivado já era o compromisso formal com o matrimônio. Era um período de
preparativos para a vida em comum e o casal, se sentindo mais próximo do
casamento, poderia tentar avançar nas intimidades. “Cabia especialmente à jovem
refrear as tentativas desesperadas do rapaz, conservando-se virgem para entrar de
branco na igreja”. (DEL PRIORE, 2012, p. 286).
Segundo Perrot (1989), mesmo com todas estas mudanças, até 1930 a
obrigatoriedade do enxoval como parte do dote era condição essencial para a
realização do casamento. No caso de famílias pobres, se a humildade da noiva
fosse aceita pela família do noivo, os familiares, amigos e vizinhos se reuniam para
preparar o enxoval. Se a família do noivo não perdoasse a noiva pela falta do dote, o
casamento não se realizava e a noiva tinha que permanecer solteira ou ascender à
vida religiosa.
Desde muito cedo as meninas iniciavam a preparação do enxoval bordando
apenas a primeira letra dos seus nomes, a inicial do noivo era acrescentada apenas
quando o casamento já estava acertado. Como a indústria têxtil já estava
relativamente desenvolvida, a confecção do enxoval era muito mais rápida que no
século XIX. A educação feminina das classes alta e média incluía prendas de
costura e bordado.
O código canônico de 1917, no que se refere à idade ao casar, alterou-a para
14 e 16 anos, respectivamente, para a mulher e o homem, desligando a puberdade
da idade ao casar. Com o tempo, a argumentação se descolou do campo fisiológico
ou biológico e do comercial, para o social, intelectual e moral, predominando a ideia
de que o casamento era mais uma união de almas que de corpos, sendo necessária
maturidade de espírito para administrar o lar e educar a prole, além de ser a
expressão de consentimento dos nubentes e não da vontade dos pais.
Holanda & Cavalcante (2013) analisaram um livro intitulado: Do amor ao
casamento: a comunhão de vida segundo a natureza, escrito por Hans Wirtz, autor
alemão refugiado na Suíça e membro da Ordem Terceira de São Francisco, que
funcionou como um manual de costumes e civilidade católica para casais, com

26
vistas, sobretudo, a preparar as moças para assumir os deveres de esposa, mãe e
dona-de-casa.
O livro circulou no Brasil nas décadas de 40 e 50 e o seu conteúdo principal
eram regras morais e disciplinares, dirigidas à conduta sexual. Essas regras foram
estratégias encontradas pela Igreja Católica para manter a moral patriarcal imune às
repercussões do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, em meados do século
XX, ante a um processo de intensa migração, uma crescente urbanização e
industrialização que tendia a mudar a configuração familiar, como de fato mudou.
Aos poucos o poder patriarcal deu lugar a novos arranjos familiares, com novas
definições de papéis e grandes mudanças de valores.
Segundo Scliar (1997), ainda na década de 1940, como resultado da política
higiênica no Brasil, institui-se o exame pré-nupcial como desejável e, em alguns
casos, até obrigatório antes do casamento como uma forma de evitar doenças. Os
pais poderiam exigir do noivo ou da noiva de seu filho ou filha, antes de consentir no
casamento, certidão de vacina e exame médico, atestando que não tem lesão que
ponha em perigo próximo a sua vida, nem sofra de moléstia incurável ou
transmissível por contágio ou herança. Todas estas medidas partiam do pressuposto
de que as relações sexuais só se consumavam pelo casamento.
Del Priore (2012) assinala para o fato de que o tempo de namoro seguia
alguns padrões, não devendo durar muito, o que levantaria suspeitas sobre as
verdadeiras intenções do rapaz, nem tão pouco que precipitasse decisões sérias e
definitivas. O namoro muito longo comprometia a reputação da moça que se tornava
alvo de fofocas maldosas. O noivado já era o compromisso formal com o matrimônio.
Era um período de preparativos mais efetivos para a vida em comum. O casal, se
sentindo mais próximo, poderia avançar nas intimidades, mas cabia à jovem refrear
o rapaz conservando-se virgem para o casamento.
Pilla (2008) analisou manuais de administração do lar e livros de cozinha que
circulavam no Brasil da virada do século XX até meados dos anos 1960. Estes
manuais apresentam situações que evidenciam a valorização de uma conduta
controlada da “rainha do lar”, que como dona-de-casa, deveria manter o controle
sobre tudo e todos, demonstrando assim sua capacidade de governar a si, seu lar e
sua família, qualidade esta que poderia e deveria ser cuidadosamente aprendida.
Para as novatas, as jovens noivas ou recém-casadas, os manuais deveriam ajudar

27
na construção de seu novo lar, enquanto as mais experientes poderiam recorrer a
eles em caso de dúvidas.
Segundo Pilla (2008), estes manuais são unânimes em apresentar a cozinha/
despensa como a principal parte de casa e que deve, conforme a orientação dos
higienistas, ser cuidadosamente limpa, livre de germes, poeira, lixo e tudo aquilo que
pode vir a macular a imagem de lar ideal.
Segundo Neckel (2007) e Del Priore (2012), enquanto as moças consumiam
tal literatura, os rapazes devoravam os quadrinhos eróticos de Carlos Zéfiro 3 e
outros com seus títulos de duplo sentido que aguçavam a curiosidade e o erotismo
masculino. Essas literaturas mostram, contudo, os universos imaginários distintos
entre homens e mulheres.
A partir da década de 1970 a literatura passa a ter um contorno bem
diferenciado. As mudanças nos costumes e na relação entre os sexos foram
ocasionadas especialmente, mas não só, pela possibilidade efetiva de separar a
relação sexual da procriação – com a chegada da pílula anticoncepcional ao Brasil
entre as décadas de 60 e 70; mas, também, pelos efeitos das alterações das regras
e normas que regiam a escolha dos cônjuges, modificando a forma de namorar e
também noivar e pela valorização da pessoa e das relações de afeto.
Vale ressaltar que, o Movimento Feminista ganhou espaço a partir da década
de 60, reivindicando igualdade de direitos políticos e sociais, e trazendo grande
influência na produção literária deste período. Os textos divulgados pelas revistas
femininas mudam o discurso higienista e passam a adotar um discurso em torno da
sexualidade.
Segundo Neckel (2007), nestas revistas, direcionadas à classe média em
ascensão, a “educação sexual” passou a ser apresentada como uma maneira de
alcançar a “perfeita adequação sexual”, o “verdadeiro” indicativo da “felicidade
conjugal”.
Neckel (op.cit.) aponta para o fato de que, neste período, houve um aumento
no número de publicações de manuais sexuais. As redefinições que eram propostas
restringiam-se à preparação das mulheres para casar e ser mãe. As informações
que eram dadas deveriam evitar o desconhecimento a respeito das relações sexuais

3
Nos anos de 1950, os autores de “revistinhas de sacanagem”, que eram histórias em quadrinhos
extremamente explícitas, utilizavam pseudônimos. O mais famoso deles era Carlos Zéfiro utilizado
pelo pacato funcionário público Alcides Caminha.

28
para o fracasso do casamento. “Para muitas mulheres, somente a proximidade do
casamento permitia que elas recebessem algumas noções do que seria uma relação
sexual”. (NECKEL, 2007, p. 323)
Neckel (op. cit.) mostra que as revistas femininas começaram a incentivar as
mulheres a pensar na possibilidade de relações eróticas com prazer, a sentir mais
paixão e desejo pelo sexo oposto. Entretanto, este discurso convivia ainda com
outras literaturas que preparavam as mulheres para o casamento, informando sobre
“o que é preciso para um bom entendimento sexual”4.
Del Priore (2012) mostra como o sexo antes do casamento se torna um tema
recorrente nas novelas e o seu sentido vai se alterando lentamente na cabeça dos
expectadores. A mudança acontece também pela desvinculação do sexo à
procriação e ao casamento.
A essa altura a família deixa definitivamente para trás o patriarcalismo do
século anterior e está tentando consolidar o casamento romântico. Aos poucos, os
espaços onde se elegia o futuro marido ou esposa se ampliavam: nos clubes, no
emprego, na turma da rua, do bairro, nas escolas, nas faculdades, nos partidos
políticos, nas atividades esportivas entre outras.
Del Priore (2012) descreve como a iniciativa masculina de namoro já incluíam
olhares tórridos, mão na mão, rosto colado, braços dados, beijo na boca. Agora,
também era observada a capacidade de conversar, pois o diálogo passa a modelar
as relações de casamento. Extinguiam-se as relações verticais entre marido e
mulher. Agora era necessário o entendimento em torno da educação dos filhos, do
orçamento doméstico e da rotina cotidiana. As mulheres se sentem divididas entre o
desejo de trabalhar e o de continuar sendo a rainha do lar. Diminui a tolerância com
relação à infidelidade masculina. Os filhos, em número cada vez menor, começam a
ocupar o centro da vida familiar.
Nas últimas décadas do século XX teve início um novo movimento,
consequência de todas estas transformações e resultado da separação entre
sexualidade, casamento e amor. Ninguém mais queria casar-se sem “se
experimentar”; namoradas que negam o sexo são consideradas “frígidas” por seus
parceiros; as mulheres começam a discutir o orgasmo. O casamento que era “até

4
Neckel se refere a um artigo de Graciela Karman para a revista Claudia, ano 18, n. 202, agosto de
1977, p. 26. O título do artigo era: Tudo que você sempre quis saber sobre sexo.

29
que a morte nos separe”, com a legalização e desmistificação do divórcio, passa a
ser “infinito enquanto dure”5.

1.4. Século XXI

Giddens (2005) descreve o caminho percorrido pela família ocidental desde o


formato patriarcal até o século XXI. Para ele, o formato patriarcal, herdado de
séculos passados, alcançou em espaços urbano-industriais um delineamento
nuclear e, a partir daí se inseriu num processo de mudanças intensas. Ela deixa para
trás o modelo de prole numerosa e de submissão da mulher ao poder masculino. A
vida econômica passa a acontecer dentro e fora do espaço doméstico e as famílias
passam a ter uma convivência mais demorada e intensa entre pais e filhos.
Para Philippe Ariès, “a família transformou-se profundamente à medida que
modificou suas relações internas com a criança” (ARIÈS, 1981, p.154). Este
sentimento de infância cresceu ao mesmo tempo em que houve a diminuição das
preocupações com a linhagem, com a honra, com a integridade do patrimônio, com
a antiguidade e permanência do nome da família.
Passados quase quarenta anos do trabalho de Ariès, muitas outras
transformações foram se incorporando à família. Levy (2009) aponta para o papel da
escola, da mídia em geral, especialmente a TV por meio das novelas, e mais
recentemente o acesso à internet, principalmente às redes sociais, como tendo
grande influência na construção de novas formas dos jovens e das famílias se
relacionarem.
Os namoros que, no século passado, começavam em locais públicos, hoje
são firmados virtualmente, muitas vezes sem nenhum contato físico. As famílias não
exercem quase nenhuma interferência na escolha dos parceiros. A quantidade de
relacionamentos vivenciados antes do casamento e a duração destes, também
passaram por mudanças significativas.
Levy (2009) vai mostrando como, atualmente, muitos namoros ou noivados
pode se dizer que seriam os equivalentes aos relacionamentos que nos séculos
anteriores eram chamados de mancebia, amasia, concubinato entre outros. Não

5
Soneto de fidelidade - Vinícius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro,
1960, pág. 96.

30
podemos afirmar que são relações eventuais, sem compromisso, do tipo “amizade
colorida” de algumas décadas atrás, ou, mais atualmente, o “ficar”.

“O namoro de hoje, em geral, tem seu fundamento em uma relação afetiva,


amorosa, no companheirismo e implica compromisso entre os partícipes,
podendo mesmo existir coabitação entre eles, mas não obrigatoriamente
existe a intenção de constituir família. Isso poderá ou não acontecer, com
esse ou outro parceiro, mais para frente”. (LEVY, 2009, p. 128)

Embora a coabitação seja mais tolerada hoje, uma vez que o casamento é
uma escolha e não mais uma obrigação, ainda existe uma pressão social para que
as pessoas formem famílias ‘legitimadas’ pela união formal. Para Coontz (2005)
essa pressão social acontece pela perceptível importância do casamento, enquanto
ritual de passagem, e do seu significado para a vida das pessoas. Com o rito de
passagem vem o reconhecimento dos novos papéis sociais e da identidade dos
noivos enquanto casal. Neste sentido, a celebração do casamento traduz a
identidade e o status dos noivos e de seus parentes.
O dote já não faz nenhum sentido no século XXI, mas, permanece a
preparação de um enxoval para o casamento. Entretanto, a sua montagem tornou-se
uma atividade de consumo, um serviço de lojas e empresas especializadas,
articulando um ambiente social com amigas e familiares que rompeu a intimidade
dos antigos espaços domésticos femininos para se tornar um grande festejo coletivo.
As facilidades do comércio e da produção industrial transformou a preparação
manual do enxoval na preparação de uma lista de presentes em lojas
especializadas. Essas lojas, geralmente, possuem uma espécie de lista modelo para
orientar as noivas mais inexperientes nas questões domésticas.
Carvalho (2012) discute a intensa ligação entre as cerimônias de casamento e
a cultura do consumo vigente e que dispõe de uma variedade cada vez maior de
artefatos que prometem concretizar a ideia de “casamento dos sonhos”.
Não foi só o enxoval e as cerimônias de casamento que passaram a ser
produto de consumo neste século, segundo Bauman (2004), em seu livro Amor
Líquido, houve uma transposição da lógica das relações de consumo para as
relações amorosas. Neste sentido, o relacionamento é

“um investimento como todos os outros: você entrou com tempo, dinheiro,
esforços que poderia empregar para outros fins, mas não empregou,

31
esperando estar fazendo a coisa certa e esperando também que aquilo que
perdeu ou deixou de desfrutar acabaria, de alguma forma, sendo-lhe
devolvido – com lucro.” (BAUMAN, 2004, p. 28).

O investimento pressupõe “lucro” – uma relação firme e feliz capaz de gerar


satisfação para sempre –, todavia, não alcançando este resultado o que resta é uma
desolação de tempo perdido e trabalho desperdiçado como esforço inútil. A ideia de
compromisso duradouro pode causar sensações de aprisionamento, clausura e
opressão. O que se espera e deseja é viver a novidade, curtir o momento e não
perder as oportunidades.
Giddens (1993), também discutindo as mudanças nas relações na atualidade,
diz que as sociedades contemporâneas estão redefinindo valores e práticas ligadas
a afetividade e a conjugalidade. Para ele, as mudanças no estatuto social das
mulheres estão associadas à emergência de um amor confluência que tende para
relações mais igualitárias entre homens e mulheres.
Onde imperava o amor romântico, agora impera o que Giddens (1993) chama
de relacionamento puro e está diretamente ligado à sexualidade livre da obrigação
da reprodução. Dentro desta ordem, a autonomia torna-se o elemento definidor das
novas relações amorosas. A igualdade sexual acaba com a separação anteriormente
estabelecida entre as mulheres virtuosas e as mulheres impuras. Já não existe o
risco de ter sua reputação manchada por um relacionamento que se desfez ou que
terminou numa intimidade sexual.
Agora, as mulheres também podem seduzir, tomar iniciativa de
relacionamentos e a sedução via dominação masculina não tem lugar nessa ordem
democrática. O vínculo afetivo de duas pessoas e seus interesses são restritos à
própria relação, que pode ser desfeita com a insatisfação de uma das partes. O
amor confluente e o relacionamento puro não permitem a existência de termos como
“único” e “para sempre” e tendem a enfatizar o “relacionamento especial” em
detrimento da “pessoa especial”, sendo assim, eles trazem a possibilidade de não
serem monogâmicos. Neste sentido, a relação poderá ser exclusiva apenas se
considerada fundamental.
Levy (2009) assinala para o fato de que, de maneira geral, a idade média ao
casar foi se tornando cada vez mais tardia e a diferença de idade entre os cônjuges
foi se aproximando. Embora muitos casamentos venham se iniciando em idade
muito jovem, eles ocorrem, também, em idades mais avançadas, o que não era

32
usual no passado. Em 2002, a idade legal para contrair o matrimônio passou a ser
de 16 anos para ambos os sexos, podendo o casamento ser anulado caso não tenha
havido autorização dos pais. De maneira totalmente autônoma as pessoas só
poderiam casar-se ao atingir a maioridade legal, que passou a ser de 18 anos.
Diante de tantas mudanças poderiam se supor que o casamento e a família,
conforme concebido até meados do século XX, seriam extintos. Entretanto ambos
subsistem. É claro que não mais firmado nos mesmos pilares. De fato, convivemos
contraditoriamente com os dois modelos: o romântico e o confluente; o arcaico e o
moderno.

“Não há, propriamente, uma ‘nova família brasileira’. Ainda estamos longe
de uma família realmente nova (o que quer que isso signifique). No
momento, o moderno convive com o arcaico na família brasileira de modos
sutis e complexos, que só recentemente começaram a ser estudados.”
FIGUEIRA (1987)

Mesmo convivendo contraditoriamente esses dois modelos, há, segundo Da


Matta (1987), uma escolha por parte da sociedade brasileira de valorizar a família
como uma instituição fundamental à própria vida social.

“Uma reflexão mais crítica sobre a família permite descobrir que, entre nós,
ela não é apenas uma instituição social capaz de ser individualizada, mas
constitui também e principalmente um valor. [...] A família é um grupo social,
bem como uma rede de relações. Funda-se na genealogia e nos elos
jurídicos, mas também se faz na convivência social intensa e longa. É um
dado de fato da existência social e também constitui um valor, um ponto do
sistema para o qual tudo deve tender.” (DA MATTA, 1987, p. 125)

Apesar de tantas mudanças ao longo da história do Brasil, o casamento e a


família subsistem e por isso devem ser valorizados e cada vez mais pesquisados.

33
CAPÍTULO 2 – NASCE UMA NOVA FAMÍLIA: A PRIMEIRA FASE DO
CICLO DE VIDA FAMILIAR

Quando começa uma família? Como uma família se desenvolve? Quais são
as fases de uma família? Uma família pode acabar? Tentar responder a estas
perguntas é tentar compreender a família pela perspectiva do Ciclo Vital.
Para Cerveny (2002, p.20) nós “podemos compreender o ciclo vital da família
como etapas evolutivas do desenvolvimento da vida familiar, ou seja, fases que a
família vivencia enquanto sistema, movendo-se através do tempo”. Carter e
McGoldrick (1995) afirmam que o ciclo de vida familiar é um fenômeno complexo e
que pode ser entendido como uma espiral da evolução da família, na medida em que
as gerações avançam no tempo a partir de seu desenvolvimento, do nascimento à
morte.
Os diversos estudiosos do assunto dividem o ciclo vital em fases ou etapas
diferentes. Cerveny (op. cit) cita vários deles como Duvall (1957) que divide o ciclo
familiar em oito estágios; Hill (1964) que divide o ciclo em cinco estágios; Minuchin e
Fishman (1990) que dividem em quatro estágios; Carter e McGolgrick (1989) que
dividem em seis estágios e Cerveny (1997), observando a realidade brasileira, o
divide em quatro etapas.
Os autores não são unânimes em relação ao início do ciclo familiar, se ele se
inicia na formação do casal ou quando jovens solteiros saem de casa, por exemplo.
Por se tratar de pesquisa brasileira, vamos adotar, neste estudo, a divisão de Ciclo
Vital da Família apresentada por Cerveny (1997) e sendo esta uma pesquisa sobre
preparação para o casamento, daremos ênfase às primeiras tarefas da primeira fase
do Ciclo Vital da Família.
Segundo esta autora, a primeira fase do Ciclo de Vida Familiar é a Fase de
Aquisição. Nesta fase existem diversas tarefas a serem cumpridas, como por
exemplo: a escolha do parceiro, a formação de um novo casal – no caso desta
pesquisa: a transição para o casamento –, a chegada do primeiro filho, que
transforma o jovem casal em nova família, e a vida com filhos pequenos.
A principal tarefa desta fase é adquirir. Adquirir em todos os sentidos:
material, emocional e psicológico. É este o momento no qual os indivíduos estão

34
bastante envolvidos no complexo movimento de dar e receber; conquistar e ceder;
ser e vir a ser.

2.1. A escolha do parceiro

A primeira tarefa desta fase é a escolha do parceiro. Dependendo da fase do


Ciclo Vital que o indivíduo se encontre, esta escolha procederá de formas diferentes.
Angelo (1995) trata a respeito do contexto e do tempo em que esta escolha
acontece. As expectativas para um relacionamento entre um casal jovem adulto será
completamente diferente de um casal de adolescentes. As expectativas em relação
à escolha do parceiro vão se modificando com o passar das fases de
desenvolvimento do indivíduo.
Entretanto, independente da idade ou da fase do Ciclo Vital, todo ser humano
tem uma necessidade intrínseca de unir-se a outro ser humano. Segundo Berthoud e
Bergami in Cerveny e Berthoud (1997) a menos que haja algum comprometimento
no desenvolvimento da personalidade, todo indivíduo irá buscar ao longo da vida
desenvolver vínculos poderosos e duradouros com pessoas do seu convívio. Formar
um casal e constituir uma nova família é uma das possibilidades que o indivíduo tem
de construir esses vínculos duradouros. Estas autoras ressaltam um aspecto muito
importante acerca da escolha do cônjuge que é o fato de ser esta a única escolha
familiar que se pode fazer livremente. Nós não escolhemos filhos, pais, irmãos,
parentes, mas o parceiro é fruto de nossa escolha.
Martins (2012) ressalta o fato de que na atualidade, em nossa cultura, tal
processo é de “livre e espontânea vontade”, como afirmam os noivos diante do altar.
Para Levy (2009), embora esta escolha seja “livre”, ela possui regras bem definidas
em todas as sociedades humanas, sejam tribais, civilizadas, rurais, urbanas,
tradicionais ou modernas. Martins (op. cit, p. 28), diz que “esta escolha vem unida
por muitos fatores que a corroboram, sejam eles conscientes ou como na maioria
dos casos, inconscientes”.
Para Angelo (1995) quanto mais elementos conflitantes resolvidos na família
de origem, mais “livre” será a escolha do parceiro, uma vez que diminui a
necessidade de se ligar a um determinado tipo de parceiro para tentar resolver
conflitos pendentes nas gerações anteriores.

35
Anton (2012), buscando um entendimento sistêmico e psicodinâmico da
escolha do cônjuge, apresenta a atração, a indiferença ou a repulsa interpessoal,
bem como as alianças estabelecidas entre si, como são processos essencialmente
instintivos. Os alicerces da escolha de um parceiro estão na integração de
conteúdos inconscientes, psicodinâmicos com as pressões sistêmicas de grande
efeito.
Bowen (1991) fala sobre como, muitas vezes, o indivíduo se une a uma
pessoa tentando recriar a própria família de origem e como, inconscientemente, ele
torna o outro responsável pelas injustiças e méritos recebidos de sua família original.
Isso porque a família de origem funciona como uma grande transmissora de mitos e
crenças que serão utilizados pelo casal na formação do novo núcleo familiar.
Lewis y Spanier (1979) apud Bagarozzi & Anderson (1992) falam sobre a
seleção consciente de parceiros. Para eles, este é um processo ativo em que ambas
as partes buscam alguém que se ajuste a seus ideais cognitivos. Na etapa inicial da
relação, a atração física e as semelhanças são muito importantes (raça, valores,
religião, entre outros). Com o passar do tempo os fatores sutis e mais difíceis de
serem identificados, vão se tornando fundamentais para determinar se a relação
progride ou acaba.
Estudos anteriores de Bagarozzi & Anderson realizados em conjunto com
Giddings (1986) apud Bagarozzi & Anderson (1992) apresentam sete fatores que as
pessoas consideram conscientemente em sua intenção de avaliar os futuros
cônjuges segundo seus ideais cognitivos. São eles: 1) Gratificação e apoio pessoal;
2) Orientação sexual e atração física; 3) Satisfação; 4) Identificação com os pais e
irmãos; 5) Maturidade emocional; 6) Inteligência e 7) Homogamia sociológica. O
cônjuge perfeito e o casamento perfeito, assim como a relação que se tem consigo
mesmo, tornam-se questões centrais quando alguém se prepara para o casamento
ou procura ativamente por um parceiro.
Ainda tratando do processo de união de um casal, Bagarozzi & Anderson
(1992) afirmam que, se a conduta do futuro cônjuge está em conformidade com o
ideal, é mantido um equilíbrio no relacionamento do casal. Mas, quando a conduta
do futuro cônjuge se desvia do modo ideal (de forma significativa) se produz um
desequilíbrio na relação.

36
Para corrigir essas discrepâncias, a pessoa pode utilizar várias estratégias,
tanto cognitivas quanto comportamentais, como: 1) Terminar a relação com o
candidato inadequado e começar nova busca de uma pessoa que se aproxime mais
do cônjuge ideal; 2) Alterar o ideal de cônjuge e acomodar-se a realidade externa.
Deste modo, as discrepâncias diminuem e o ideal se adéqua ao futuro cônjuge tal
como é percebido. 3) Tentar provocar mudanças no futuro cônjuge, de modo que
este se pareça mais com o ideal. Vale ressaltar que o ideal não está associado
necessariamente a atributos positivos, mas sim a processos cognitivos e padrões
comparativos, como por exemplo: um modelo recebido dos pais na infância que na
vida adulta será buscado ou evitado, podendo este processo ser consciente ou
inconsciente.
Berthoud e Bergami in Cerveny e Berthoud (1997), falam do “nascimento
emocional da família” que se refere ao processo de construção gradual de um
vínculo que propicie apego e cumplicidade e também independência e autonomia
emocional.

2.2. A transição para o casamento

O que marca a entrada na fase de aquisição é o fato de duas pessoas


estarem iniciando uma nova configuração familiar, independente da idade, da
experiência prévia do casal, do contexto e da rede de apoio social e familiar. As
adaptações a essa nova fase da vida familiar exigem maturidade e demandam
tempo e, como veremos, é da resolução dos conflitos típicos que aqui ocorrem, que
as fases futuras irão depender.
Quando um casal se une, estão sendo unidos, também, dois complexos e
intrincados sistemas familiares. “Ao partirem em lua de mel levando suas duas
malas, ao jovem casal cabe a árdua e difícil tarefa de começar a tentar, dali em
diante, arrumar uma única mala que contenha e acomode o conteúdo de ambos.”
(BERTHOUD e BERGAMI in CERVENY e BERTHOUD 1997, p.53)
Sager (2009), no livro Contrato Matrimonial y Terapia de Pareja, apresenta o
conceito central de que cada cônjuge traz para o casamento um contrato individual
não escrito, um conjunto de expectativas e promessas conscientes e inconscientes.
Embora estes contratos individuais possam modificar-se durante o casamento, eles

37
não se unirão a menos que ambos os cônjuges tenham a sorte de estabelecer um
contrato conjunto, único, “sentido” e aceito em todos os níveis de consciência, ou
buscarem chegar a um único contrato, com a ajuda de profissionais.
Segundo Menezes e Lopes (2007), o período que compreende os meses
anteriores e o primeiro ano de relacionamento conjugal é bastante relevante e
especial. Neste período, o casal depara-se com uma mudança de status social,
aparecendo a necessidade de administração da conjugalidade com a individualidade
(que será mais explorada no tópico seguinte). Também neste período as
expectativas e as motivações anteriores são postas em prática (ou não), e aparece a
necessidade de organizar os relacionamentos com a família de origem de cada um
dos cônjuges.
Há muitas expectativas depositadas no casamento, sendo que elas têm um
papel importante, tanto no momento da escolha do futuro cônjuge, quanto no
estabelecimento da relação conjugal propriamente dita. Neste sentido, Whitaker
(1990), desenvolveu uma teoria de que toda união conjugal tem início na crença
ilusória, de cada um dos seus membros, de tornar-se um todo e ser satisfeito de
forma completa em suas necessidades. Para este autor, o casal deve se
desenvolver em direção a uma construção do “nós” acima da individualidade para
que haja possibilidade de êxito e de sucesso na relação conjugal.
Cada membro do casal possui um histórico de vida onde se encontram os
padrões, crenças, percepção do mundo, desejos, expectativas e outros, que, de
certa forma, determina como o casal irá montar uma nova história que mantenha a
individualidade de cada um e ao mesmo tempo tenha uma construção comum que
vai estrutura-los como casal. (Berthoud e Bergami (1997).
Outro aspecto muito relevante no processo de transição para o casamento é a
influência que as famílias de origem têm na construção de expectativas e na forma
dos indivíduos se relacionarem como casal. Em relação a este tema, diversos
autores (Carter e McGoldrick,1995, Cerveny, 1997, 2000, Boszormenyi-Nagy &
Spark, 2012, entre outros), acreditam que os mitos e as atitudes sobre a família e
casamento são passados de geração para geração – este tema será mais explorado
no capítulo 3 deste estudo. O estabelecimento das fronteiras dos novos casais,
tanto com as famílias de origem, quanto com os próprios membros do casal, seria
uma tarefa crítica durante a transição para o casamento e o início da vida conjugal.

38
Extremamente importante é o que cada um traz em sua bagagem individual.
Os sonhos, desejos, metas e muito especialmente a história de vida de cada um,
vão determinar, de certa forma, a possibilidade ou não de essa união realmente se
efetivar. Formar um vínculo tão estreito com alguém na entrada para a vida adulta
vai exigir acima de tudo, um continente de confiança e disponibilidade para se abrir e
acolher o outro, que tem suas mais profundas raízes na história dos vínculos feitos,
desfeitos e refeitos na infância de cada um de nós.

2.3. A construção da conjugalidade

Para Carter e McGoldrick (1995), no processo de transição para o casamento


haverá duas exclusões: a primeira é a família de origem e a segunda é a da
possibilidade de haver outros relacionamentos, isso em nome da construção de um
projeto comum que deverá ser ajustado aos projetos individuais e ao dia-a-dia do
novo casal. Este processo pode ser muito trabalhoso e trazer consigo alguns medos
e expectativas. Separar-se da família de origem e se unir ao companheiro, sem
perder a indivualidade, enfrentar o medo do fracasso e os receios das obrigações
não é uma tarefa fácil.
Há um difícil equilíbrio que os indivíduos precisam alcançar entre as
dimensões da conjugalidade e da individualidade, a oscilação entre a fusão e a
diferenciação nos membros de um casal. Trabalhando este tema específico, Féres-
Carneiro (1998) afirma que a individualidade diz respeito ao indivíduo, seus desejos,
suas inserções e percepções de mundo, suas histórias, seus projetos de vida, sua
identidade. A conjugalidade, por outro lado, só pode existir numa relação amorosa e
seria um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal,
ou seja, uma identidade conjugal.

“Costumo dizer que todo fascínio e toda dificuldade de ser casal, reside no
fato de o casal encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas
individualidades e uma conjugalidade, ou seja, de o casal conter dois
sujeitos, dois desejos, duas inserções no mundo, duas percepções do
mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades
individuais que, na relação amorosa, convivem com uma conjugalidade, um
desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal,
uma identidade conjugal.” (FÉRES-CARNEIRO, 1998, p.382)

39
Ferés-Carneiro (op. cit) aborda o que ela chama de forças paradoxais, com as
quais o casal contemporâneo é confrontado, o tempo todo. Isto significa que de um
lado ficam os ideais individualistas que estimulam a autonomia dos cônjuges,
enfatizando que o casal deve sustentar o crescimento e o desenvolvimento de cada
um, e do outro lado está a necessidade de vivenciar a conjugalidade, a realidade
comum do casal, os desejos e projetos conjugais.
Os ideais contemporâneos de relação conjugal são cada vez mais
influenciados por valores individualistas que enfatizam mais a autonomia e a
satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Entretanto,
constituir um casal demanda a criação de uma zona comum de interação, de uma
identidade conjugal.
Para Berthoud e Bergami in Cerveny e Berthoud (1997) o equilíbrio na relação
do novo casal só acontece quando eles conseguem uma diferenciação emocional de
suas famílias de origem tanto como indivíduos quanto como casal. As autoras
também apontam para outro aspecto no processo de construção da identidade do
casal que são os motivos da união. As pessoas podem se unir por diversos motivos,
como por exemplo: coesão em torno de objetivos comuns ou em torno de inimigos
comuns. Neste sentido um casal pode se unir em torno de objetivos comuns como o
amor, amizades, filhos, família, ou também pode se unir para agredir as famílias de
origem, instituições ou a sociedade.
Embora possam existir outros motivos para um casal se unir e também haja o
fato de que estes objetivos podem ser revistos e alterados ao longo da relação,
aquilo que originou a relação será significativo para o tipo de estrutura conjugal que
será estabelecida. Neste sentido, seria possível predizer o ajustamento conjugal de
um novo casal a partir da percepção dos motivos da união e das circunstancias em
que a escolha do cônjuge ocorre.

“Em nossa sociedade, o casamento tem sido erroneamente visto como a


finalização de uma fase de encontro, conhecimento e reconhecimento
mútuos, muito mais como o início de um longo e difícil período de transição.
[...] Os noivos, especialmente quando apaixonados, tendem a superestimar
as vantagens da união e a negar as dificuldades inerentes ao processo.”
(BERTHOUD e BERGAMI in CERVENY e BERTHOUD 1997, p. 54 e 55)

40
Holmam e Li (1997) aplicando um instrumento de avaliação de prontidão para
o casamento consideraram como importantes o desenvolvimento, antes do
casamento, aspectos tais como: a diferenciação emocional do casal, de seus pais,
seu preparo para a exclusividade sexual, e seu desejo de assumir responsabilidade
em uma relação. Para Bowen (1978), os recém-casados deveriam dar maior
prioridade à relação com o cônjuge e se individuar e diferenciar de alguns vínculos
próximos que possam ter estabelecido com pais e parentes em geral.
Para conseguir realizar todas as tarefas desta fase do Ciclo de Vida Familiar é
necessário haver, em algum momento, uma parada para a construção do projeto
conjugal. Cada membro do casal precisa olhar para sua família de origem tentando
encontrar elementos que o constituíram, elementos que precisam ser conhecidos e
elaborados nesta nova fase. Uma das maneiras que temos para fazer isso é olhar
para a família sob uma perspectiva intergeracional, conforme veremos no capítulo a
seguir.

41
CAPÍTULO 3 – A INTERGERACIONALIDADE

Antes de trabalhar o conceito de intergeracionalidade dentro da perspectiva


da Terapia Familiar, gostaria de fazer um breve passeio no pensamento do
sociólogo Karl Mannheim, cujo ensaio Das problem der generationen, de 1928, ainda
é considerado o mais completo esforço de caráter sociológico para a constituição de
uma “teoria das gerações”.
A concepção de geração apresentada por Mannheim (1982) corresponde a
um fenômeno cuja natureza é essencialmente cultural. Sendo assim, uma geração
reúne pessoas que, nascidas numa mesma época, partilham de uma mesma
experiência histórica, uma vez que viveram acontecimentos históricos semelhantes.
Nesta experiência comum, surge uma consciência que permanece presente ao
longo da vida do indivíduo e influencia a forma como ele percebe e experimenta os
acontecimentos.
Embora este conceito tenha sido trabalhado pelo sociólogo como um
fenômeno cultural, não se pode negar que gerações familiares e gerações sociais
estão diretamente relacionadas. Do mesmo modo que as pessoas de uma família
estão ligadas por laços de parentesco, também estão ligadas por um sistema social
e histórico. Tomizaki (2010), abordando o pensamento de Mannheim, afirma que
diferentes gerações familiares podem coincidir com gerações sociais também
diversas, redundando em conflitos que vão do espaço íntimo da família ao espaço
público e social. Este mesmo autor afirma que a dinâmica intergeracional – que
acontece quando uma geração se vira para o passado - encontra apoio nos
processos de socialização transmitidos por diferentes instancias socializadoras,
dentre elas a família.
Para Mannheim “o essencial em todo processo de transmissão é que a nova
geração cresce imersa em comportamentos, sentimentos e atitudes herdadas.” E
essa herança será transmitida para a nova geração em um processo de “mão dupla”.
“As gerações se influenciam mutuamente”. (MANNHEIM, [1928] 1990, p.54 e 56)
No pensamento de Mannheim encontramos uma nítida diferença entre o que
é aprendido por meio da “instrução” ou ensino e toda a gama de “conteúdos e
atitudes” transmitidos e herdados de modo inconsciente, que seriam mais
importantes para o fenômeno geracional.

42
“Transmitir e herdar são duas facetas de um mesmo movimento que coloca as
gerações diante do desafio de definir como devem se conduzir em relação a sua
herança, que pode ir dos bens estritamente materiais aos totalmente simbólicos.”
(TOMIZAKI, 2010, p. 329)
Neste ponto podemos fazer um entrelaçamento entre a “teoria das gerações”
de Mannheim e a intergeracionalidade como conceito tecido a partir dos estudos dos
teóricos iniciais da terapia familiar e que vieram de abordagens psicodinâmicas, tais
como Bowen, Boszormenyi-Nagy, Stierlin e Framo. Estes autores integraram a
psicodinâmica com o sistêmico e o fenomenológico e trabalharam no sentido de
articular os conceitos cibernéticos produzindo contribuições que resgatam as
histórias familiares, suas relações e seus desdobramentos ao longo do tempo.
Os estudos psicodinâmicos que mais contribuíram para o conceito de
intergeracionalidade trazem a ideia de que o grupo familiar compartilha um aparelho
psíquico inconsciente que envolve todos os seus membros e que são transmitidos
de uma geração para a outra.
Dentro desta perspectiva, Kaës et.al. (2001) diz que a transmissão
intergeracional permite continuar a identidade de uma família através de um legado
estruturante de rituais e mitos, por exemplo. O processo de transmissão é importante
para o universo grupal, porque é uma função de base na construção de uma
identidade de grupo, da mesma maneira como permeia a subjetividade de cada um
dos seus membros.
Lisboa et.al. (2007) se referindo aos estudos de Kaës (op.cit), Magalhães &
Féres-Carneiro, (2004) e ao de Ruiz Correa (2000) diz que o conceito de
transmissão intergeracional compreende a travessia de uma geração à seguinte de
legados, rituais e tradições, a qual pode ser consciente ou inconsciente.
Num grupo familiar, o sentido de transmissão ganha estatuto de travessia de
uma história particular, de acontecimentos circunscritos nessa história e dos laços
estabelecidos de uma pessoa para outra ou de uma geração para outra (Ruiz
Correa, 2000)
A título de uma contribuição teórica, ainda na perspectiva psicanalítica,
Trachtenberg et.al. (2005), postula que heranças psíquicas arcaicas podem se tornar
poderosas na forma de fantasmas que habitam um ou mais membros de um grupo,
predominantemente o familiar, pela impossibilidade de um luto ou por falhas nas

43
regras de filiação: trata-se da transgeracionalidade, sendo esta, uma modalidade de
transmissão que ocorre através dos sujeitos das gerações. Segundo essa teoria,
alguns afetos e algumas representações significativas ligadas a um objeto, são
transmitidos através das gerações. Para esta autora se pode entender como
intergeracional “o que acontece entre gerações, desde que haja uma distância entre
o transmissor e o receptor, preservando, assim, as bordas da subjetividade”
(TRACHTENBERG et.al.,2005, p.121).
Na teoria sistêmica da família, segundo a perspectiva de Bowen (1978), os
membros familiares são profundamente influenciados pelos pensamentos, ações e
emoções dos outros membros. Assim, ocorre a transmissão intergeracional entre
pais e filhos em vários níveis interligados entre si, numa escala desde o ensino à
aprendizagem da informação (modelagem), até à programação automática e
inconsciente das reações emocionais e dos comportamentos dos indivíduos.
Segundo Costa (2010), o conceito de transmissão geracional, discutido por
Murray Bowen, trata dos processos de projeção familiar repetidos de geração a
geração, permitindo, ou não, níveis de diferenciação, conforme veremos mais
adiante neste capítulo. Para Boszormenyi-Nagy, Helm Stierlin e Murray Bowen, o
que está em jogo, neste processo de transmissão, é tanto a individuação como a
dependência emocional que une todos os membros da família em suas histórias.
Como cada pessoa se posiciona individualmente nessa trama, entre o individual e o
familiar surge a condição de realizar e manter a separação com relação à
dependência emocional que une a todos os membros da família.
Toda família possui ascendentes que ofereceram a oportunidade de
múltiplas vinculações e deram em todo o tempo seus modelos de interação. Muitas
vezes não existe a consciência da repetição e apreensão que se faz desses modelos
e de como as vivências atuais estão invadidas pelas circunstâncias transmitidas e
sugerida pelo passado - os nomes, crenças e escolhas atuais são quase sempre
sugeridos pelos antecessores.
No texto, Família e Intergeracionalidade, Cerveny (2012), diz que “o
pertencimento a uma determinada cultura familiar, a um grupo específico, significa
tomar nosso lugar nesse mundo e nos apropriarmos dessa identidade familiar [...]”.
Para isso é necessário um olhar crítico sobre esses legados e um enfrentamento dos
conflitos de lealdade familiar para trabalhar a diferenciação na construção desta

44
identidade. Essa transmissão se dá na dupla ação de apoderar-se do recebido das
mãos de antecessores e ao mesmo tempo imprimir a esta herança sua própria
marca antes de passá-la às novas gerações. Desta forma, “perder parte desta
história é se defrontar com o sofrimento de não saber de onde viemos, do
rompimento com a memória familiar, e lidar com o vazio da origem”. (Cerveny, op.cit,
p.43)

“Assumir o paradigma da intergeracionalidade é acreditar que a nossa


história relacional é construída com os ‘nossos outros’ com a nossa herança
biopsicosociocultural, embora essa história possa ser reescrita e
retransmitida aos nossos descendentes de outra maneira. É neste aspecto
que a intergeracionalidade e prevenção se conectam: na retransmissão de
heranças reescritas.” (CERVENY,2012, p.42)

Tendo feito este breve panorama sobre intergeracionalidade, gostaria de


dedicar parte deste capítulo na apresentação de alguns conceitos importantes para
esta perspectiva, e que serão usados como categorias para a análise a que estamos
nos propondo, são eles: diferenciação, triangulação, regras familiares, delegações,
repetições, lealdades, mitos, rituais e hierarquias.

3.1. Diferenciação

O conceito principal da teoria de Bowen é o de Diferenciação. De acordo com


esta teoria, as pessoas se classificam pelo grau de fusão e diferenciação em relação
à unidade emocional familiar, tanto no âmbito intrapsíquico quanto no relacional.
Para Bowen não há como fugir desse processo, ele é presente em todas as famílias.

“O conceito de diferenciação de si mesmo se relaciona com o grau em que


uma pessoa vai se diferenciando emocionalmente dos pais. Em um sentido
amplo, o filho se separa fisicamente da mãe no nascimento, mas o processo
de separação é lento, complicado e incompleto. Inicialmente depende muito
de fatores inatos da mãe e de sua capacidade de permitir ao filho crescer
separando-se dela, mais do que de fatores inatos do filho. Existem também
muitos outros fatores, como o grau que a mãe foi capaz de se diferenciar de
sua família de origem, a natureza de sua relação com o marido, com seus
pais e com outras pessoas significativas, e por último, como se apresenta a
realidade e sua capacidade de suportar a tensão.” (BOWEN, 1978, p.70).

45
A teoria de Bowen (1978) descreve também que, a partir do processo de
transmissão intergeracional, a ansiedade perpassa de geração para geração e em
cada uma delas o filho mais envolvido na fusão familiar avança para um nível mais
baixo de diferenciação do self6 e para uma ansiedade crônica; enquanto o filho
menos envolvido avança para um nível mais elevado de diferenciação e maior
ansiedade.
A maneira como o self é construído influencia na maneira como o sujeito faz
escolhas, inclusive a escolha do cônjuge. Além disso, repercute diretamente na
capacidade de assumir as consequências e responsabilidades pelas escolhas feitas
e na maneira como são incorporadas as crenças e convicções.
Para Bowen, um alto nível de diferenciação da família de origem seria
necessário para o desenvolvimento de vínculos afetivos novos e saudáveis.
Também o é necessário quando os indivíduos se propõem a construir e a pertencer
a novos subsistemas, como é o caso de um casal em fase de preparação para o
casamento.

3.2. Triangulação

Outro conceito trabalhado por Bowen é o da triangulação. Andolfi (1996, p.31)


citando Bowen, descreve que “o triângulo é um modo natural de ser [...]”, e como tal,
é compreendido como um instrumento que permite descrever a natureza dinâmica
das relações dentro de um sistema emocional, com suas tensões e seus equilíbrios.
Isso porque o triângulo está sempre em movimento e funciona de maneira
semelhante em todos os sistemas emocionais.
Um triângulo, ou tríade, se forma sempre a partir de uma díade, pois ela é
mais facilmente influenciada por forças emocionais externas e internas e, também, é
uma relação naturalmente instável. Quando a tensão aumenta entre a díade, para
aliviar a tensão, o sistema envolve uma terceira pessoa, formando um triângulo, e
permitindo que a tensão se mova dentro da tríade.
Minuchin (1982) diz que a triangulação na família perpassa por um problema
anterior que é o de fronteira familiar. Se as fronteiras não são nítidas, porém

6
O conceito de self é visto aqui como aquilo que define a pessoa na sua individualidade e
subjetividade, isto é, a sua essência.

46
flexíveis, a família pode negociar nos seus subsistemas e impedir a formação de
tríades rígidas e manter a sua funcionalidade. Entretanto, se as fronteiras numa
família são difusas e rígidas, podem se formar subsistemas triangulares que agirão
em favor da disfunção familiar. Quando o triângulo envolve pais e filhos, ele pode
assumir tanto o aspecto de aliança (proteção), quanto o de coalizão (destruição),
mas, em ambos os casos, estará a serviço de uma disfunção do sistema conjugal.
Para Andolfi et.al.(1984), a relação triangular é a unidade mínima que constitui
uma ligação estrutural que ajuda a determinar o processo de diferenciação/
indiferenciação individual. A maneira peculiar como cada família experimenta a
formação e destruição de seus triângulos relacionais influencia a transformação de
sua estrutura e dinâmica. Esse movimento dependerá dos recursos de cada membro
da família e de como experimentou e significou esta forma de se relacionar na
família.
O triângulo é fundamental para a terapia da família por que, segundo Cerveny
(2012), a sua compreensão pode ser aproveitada pelo terapeuta ou qualquer
membro da família para mudar, previsivelmente, o funcionamento do sistema
emocional. Neste sentido, ao visualizar os triângulos emocionais um terapeuta pode
compreender o processo dinâmico interno dos sistemas emotivos que envolvem a
dinâmica familiar, caracterizando-se como um recurso viável para a construção de
novas possibilidades de mudança.

3.3. Regras Familiares

Muitos elementos, conscientes ou inconscientes, podem atuar como


reguladores ou protetores no sistema relacional familiar, entre eles estão as regras.
Elas podem, também, ser chamadas de normas e sempre irão prescrever e delimitar
as condutas dos membros da família. Minuchin (1982) fala de regras universais que
governam a organização familiar e regras mais específicas que definem quem
participa e como participa de um determinado sistema.
Boszormenyi-Nagy; Spark (2012, p.22) dizem que “Em termos gerais, um
sistema é um conjunto de unidades caracterizadas por sua dependência mútua. [...]
Muitas das regras que governam os sistemas de relações familiares se dão de forma
implícita, e os membros da família não são conscientes delas”.

47
Para Cerveny (2000, p.61) as “regras familiares são um conjunto de acordos
explícitos e implícitos que é compartilhado e conhecido por um grupo familiar, que
faz parte da história da família e se mantém por meio do uso.” Todo grupo familiar,
independente da cultura, possui regras, pois são elas que, de alguma maneira, torna
possível o seu funcionamento.

“Algumas dessas regras são mais explícitas e fazem parte do sistema mais
geral, que envolvem regras quase universais de organização familiar. Essas
regras, apesar de sua universalidade, têm características específicas que
dependem da cultura própria em que a família se insere. Outras regras são
ainda mais pertinentes a cada grupo familiar e formam-se através de anos
de implícitas negociações entre os membros, sobre acontecimentos
cotidianos.” CERVENY (op.cit)

As regras possuem, ainda, uma função protetora do sistema familiar. Mesmo


podendo estar a serviço do “mau” funcionamento da família, as regras servem como
proteção. A família, seguindo o princípio de manutenção da homeostase, tende a
perpetuar suas regras, reagindo às mudanças.

3.4. Delegação

Outro conceito importante dentro da perspectiva intergeracional é o de


delegação. Stierlin [et.al.] (1993), partindo de uma perspectiva psicodinâmica,
discutem o processo de transmissão de delegações de uma geração para outra. O
legado familiar é definido por eles como uma obrigação, um compromisso que se
mantém por várias gerações. No cumprimento destas delegações são manifestas,
também, relações de lealdade na família.
Santos (2011), discutindo o pensamento de Stierlin diz que a delegação é
onde se ancoram as obrigações transmitidas através das gerações. Ao cumprir uma
missão que lhe foi confiada, é possível que essa realização gere sentimentos de
autoestima naquele que a cumpriu.
Stierlin et.al. (1993) e Cerveny (2012), dizem que a delegação pode direcionar
os filhos para objetivos saudáveis, entretanto, pode ser conflitiva e patológica se
acontece de maneira excessiva ou incompatível com a vontade e as crenças dos
cumpridores. Outras situações onde podem aparecer conflitos de delegação são:

48
quando se apresentam duas missões contraditórias; quando há dois delegantes e
não se pode ser leal a um sem ser desleal ao outro e quando há delegações
inadequadas ao meio social em que aquele que a recebeu vive.

3.5. Repetições intergeracionais

Para Cerveny (2000 p.45) “toda família repete e há repetições que mantém a
família como um sistema, podendo, inclusive, prover esse sistema de uma
identidade específica que o diferencia dos outros.” Embora a repetição tenha esta
função de conferir uma identidade ao sistema, ela pode, também, assumir outra
dimensão e impedir o sistema familiar de mudar e crescer. Neste sentido, a
repetição estaria a serviço da disfunção familiar. Todo sistema seleciona do passado
o padrão repetitivo que vai incluir na sua história.

“Existem sistemas familiares em que os padrões são repetidos exatamente


como se deram no passado, podendo ainda assim, em muitos casos, não
haver percepção da repetição. Em outros sistemas, as repetições aparecem
de forma camuflada e quase irreconhecível para o sistema atual.”
(CERVENY, 2000, p. 45)

Cerveny (op.cit.) trata também da repetição a partir da adoção do antimodelo,


que pode acontecer quando os modelos anteriores foram rejeitados. Entretanto, a
adoção do antimodelo é tão forte como a adoção do próprio modelo, pois, de
qualquer forma, este continua sendo a referência e, muitas vezes, a simetria se torna
a lembrança daquilo que se queria anular. Frequentemente, podemos observar que,
no decorrer do ciclo vital, aquilo que era antimodelo em uma geração pode ser
deixado de lado e trocado pelos modelos aprendidos originalmente.
Quando ampliamos os modelos de repetição para diversos padrões de
interação, podemos visualizar a transmissão dessa repetição, suas significações e
resignificações, e abrir a possibilidade de trabalhar de maneira preventiva e não
apenas curativa nos sistemas familiares onde atuamos.

3.6. Lealdade

49
Os conceitos de lealdade e parentalização, desenvolvidos por Boszormenyi-
Nagy (2012), tratam dos processos inconscientes que formulam compromissos entre
os membros da família ao longo de gerações e que, em última análise, visam
garantir a união e a manutenção do sistema. Existe um desejo implícito de que as
novas gerações quando forem constituir suas famílias deem continuidade à linhagem
familiar que a antecedeu. A família, durante todo o tempo, administra a tensão entre
união e distanciamento emocional, proporcionando separação e crescimento
funcional no devido momento.
O fato de todos nós termos sido gerados por progenitores, já nos insere
automaticamente num processo de lealdade familiar, uma vez que este processo se
inicia a partir de algo que se deve aos seus progenitores: a própria vida, cuidados,
solicitude, educação – e tudo isso deve ser, de alguma maneira, retribuído.
Esses aspectos são perpetuados por meio das lealdades invisíveis
(Boszormenyi-Nagy & Spark, 2012), isto é, de compromissos assumidos de forma
não consciente entre os membros da família.

“Os compromissos de lealdade são como fibras invisíveis, mas resistentes,


que mantém unidos fragmentos complexos de “conduta” relacional, tanto
nas famílias como na sociedade em seu conjunto. Toda pessoa contabiliza
sua percepção dos balanços do toma lá dá cá passado, presente e futuro.”
(BOSZORMENYI-NAGY, 2012, p.63)

Boszormenyi- Nagy, (2012), formula o conceito de “livro de contas”, segundo


o qual, tudo que foi depositado na relação, seja por meio material ou afetivo, o que
foi retirado ou percebido como qualquer forma de exploração ou dano está escrito
nas contas invisíveis de obrigações. Este “livro de contas” da família consiste em um
sistema multigeracional de obrigações e dívidas que devem ser pagas com o tempo.
“Não importa quando ocorreu a dívida, a injustiça, pois sempre, em algum ponto
futuro, haverá um movimento tendendo à retribuição ou pagamento, ainda que não
necessariamente pelo devedor original.” (CERVENY, 2012, p.23)

3.7. Mitos familiares

Antonio Ferreira (1963) foi o primeiro teórico que utilizou o termo mito familiar.
Ele definiu o mito familiar como um conjunto de crenças bem integradas, que são

50
compartilhadas por todos os membros da família. Estas crenças determinam as
relações e os papéis de cada membro da família e em relação aos demais. Para
Ferreira, o mito da família era o ponto central em torno do qual giram todos os
processos familiares.
Autores como Andolfi (1987); Bagarozzi & Anderson (1992), diferem do
conceito de Ferreira, pois não acreditam que os mitos permaneçam estáticos e que
seu único propósito seria para manter a homeostase familiar. Para eles os mitos
seriam estruturas móveis que se constroem e se modificam com o tempo. As
famílias têm uma variedade de mitos que mudam constantemente com o passar do
tempo e com o desenvolvimento do ciclo vital. Andolfi (op.cit.) apresenta a ideia de
mito familiar como um conjunto de leitura da realidade, que é construído numa
parceria entre as heranças da família de origem e as necessidades emotivas da
família atual.
Os mitos familiares, segundo Bagarozzi & Anderson (op.cit.) compreendem
diferentes componentes e processos inter-relacionados que partem, primeiramente,
dos mitos pessoais de cada um dos cônjuges; depois os mitos conjugais que
começam adquirir forma ao longo do ciclo vital e, por fim, os mitos familiares que
nascem da mistura e integração dos mitos pessoais, conjugais, as expectativas dos
pais sobre seus filhos e as experiências compartilhadas entre os membros da
família.
Bagarozzi & Anderson (1992) também afirmam que a criação do mito conjugal
começa com a seleção do par para compor o casal. Neste sentido, a base da
mitologia conjugal é a junção das mitologias pessoais do casal que se formou.
Quando o casal de fato se casa o anteprojeto da mitologia conjugal já foi traçado.
Esse processo começa durante as etapas do desenvolvimento da relação
como a escolha do namorado e o noivado. Os indivíduos buscam ativamente casar
com pessoas que se comportam de acordo com seus ideais cognitivos internos,
conforme já foi apresentado no capítulo anterior.
Cerveny (2000) apresenta ainda outro aspecto que é o fato dos mitos
familiares manterem os padrões de interação, mesmo a despeito das lutas internas e
conflitos familiares. O mito é um padrão que persiste e é transmitido através de
muitas gerações. “Percebendo ou não a sua existência, achamos que a família
protege o mito assim como o mito protege a família.” (Cerveny, 2000, p.65).

51
Krom (2000) apresenta a ideia de “mito espinha dorsal” que nortearia a
estrutura e o funcionamento do sistema familiar. Associado a este mito estariam os
“mitos auxiliares” que se ajustariam com o tempo aos primeiros. A autora apresenta
alguns mitos que são comuns nas famílias, como por exemplo: 1) Mito da União –
pressupõe uma proximidade e afetividade que garantiria a perpetuação da família; 2)
Mito da Propriedade – relações onde a prioridade é preservar o patrimônio, manter
os bens e a estabilidade familiar; 3) Mito da Conquista – a família estabelece com
prioridade a conquista de bens, coisas ou pessoas que lhes enriqueça; 4) Mito do
Sucesso – a família, ou membros selecionados, precisam se sobressair, serem
admirados e imitados; 5) Mito da Autoridade – cada pessoa da família recebe
determinada função dentro de uma hierarquia e deve exercê-la com o objetivo de
manter a autoridade, mas com algum espaço para negociações; 6) Mito do Poder –
uma versão autoritária do mito da autoridade, onde não há espaço para o diálogo ou
discussão de assuntos, tudo é definido por quem tem o poder; 7) Mito da Religião –
está relacionado com a prática de uma determinada religião, exercendo esta, uma
grande influencia nas escolhas que a família faz.
Para esta autora, assim como para Bagarozzi & Anderson (1992), no início da
vida a dois os casais terão como tarefa ajustar os mitos que trouxeram de suas
famílias de origem.

3.8. Rituais familiares

Cada família tem uma vida cotidiana com um estilo de “estar junto”,
apresentando diversas maneiras de encontros, sejam eles por gestos de
afastamento ou de aproximação, envolvendo toques corporais, que por sua vez
tornam-se mais significativos que as palavras. É nesse processo vital que prevalece
um meio de expressão particular da cultura familiar, mesmo estando inserida num
contexto sociocultural mais amplo.
Os rituais familiares são processos vitais, que garantem formas de expressão
e de comunicação dos afetos, das lembranças e da história propriamente dita
através das gerações. Esses processos não surgem numa família isoladamente,
eles são constituídos por práticas sociais carregadas de simbolismo que são
transpostas e adquirem um significado singular em cada sistema familiar.

52
Além disso, os rituais possuem funções, apontando uma defesa contra a
angústia diante das mudanças e, em certos casos, estabelecendo um intercâmbio
com o divino para amenizar esta angústia e reafirmar uma aliança social, valendo-se
da prática do sentimento de pertença, em que o “nós” pode ser praticado (Ruiz
Correa, 2000).

“As semelhanças que aparecem nas rotinas são previsíveis, esperadas e


significativas. Os significados tornam-se relevantes porque aparecem com
uma ação de afeto que pode ser um beijo, tons de voz, cuidado,
compreensão, apoio; por exemplo, um ritual de cumprimentos no cotidiano.”
(ASSIS 2006 p. 40).

Pequenos atos carregados de significado afetivo e que ocorrem regularmente


vão constituindo um arcabouço de rituais próprios de um sistema familiar. Um
exemplo disso é o ritual das refeições que se tornam momentos de compartilhar o
alimento, a companhia e a troca de ideias e diferenças entre outros.

3.9. Hierarquias familiares

O conceito de hierarquia familiar está diretamente ligado às noções de poder


dentro da família. Autores como Haley (1979), Madanes (1981), Minuchin (1982), da
terapia estrutural, trabalham com este conceito como forma de diferenciar os papéis
entre pais e filhos e das fronteiras de gerações.
Sempre que se forma um grupo ou sistema, as questões de poder serão
manifestas de alguma maneira e com isso, também, as hierarquias. Haley (1979)
trabalha o fato de que a manutenção da hierarquia é feita por todos os membros do
sistema e todos, sejam os que estão embaixo ou em cima do ponto de vista
hierárquico, são ativos nesse processo.
Cerveny (2000), apresentando o pensamento de Haley (1979), diz que a
hierarquia está claramente ligada às funções dentro da família, sendo que a
organização hierárquica mais elementar envolve a linha geracional, ou seja, filhos
embaixo e pais em cima. Deve haver uma saudável separação de gerações em
relação ao poder, entretanto, essa separação não pode se enrijecer. Este autor
ressalta, ainda, que os modelos hierárquicos podem variar de acordo com a cultura,
pois há culturas que privilegiam os avós em detrimento dos pais, ou ainda, culturas

53
onde o poder é determinado pelo gênero ou pode ser atribuído a um sujeito fora do
núcleo familiar.
Haley (1979) trabalha a respeito de sintomas que podem surgir na família em
consequência de uma hierarquia confusa e ambígua. Minuchin (1974) descreve a
inversão de hierarquia como a grande força destruidora da família e poderia ser
considerada uma patologia. Neste sentido, a terapia teria como função reordenar
hierarquias confusas na família.
O que mais nos interessa dentro deste conceito é o fato de que estruturas
hierárquicas rígidas ou confusas podem aparecer em gerações posteriores, num
padrão de repetição ou desencadear outros elementos como triangulações, por
exemplo.
Gostaria de fechar todos estes conceitos buscando a ideia de herança como
um grande fio condutor por onde passam todos os outros. Recebemos
intergeracionalmente heranças que nos são passadas por meio de repetições,
lealdades, rituais, regras entre outros. Temos também a responsabilidade em passar
adiante estas heranças para as gerações que nos sucederão.
Cerveny (2012) fala da importância de receber uma herança e questiona-la
para não ficar preso somente ao papel designado. Isso significa trabalhar a herança
de maneira a construir novas histórias e, também, “aceitar ser o elo de uma corrente
intergeracional que é reconstruída, por meio de novos significados, de geração em
geração.” (CERVENY, 2012, p.39).

“A pessoa não só é herdeira de uma herança que lhe é transmitida, mas ela
também é construída dentro desse sistema em um movimento que vai
envolvendo, tanto o grupo familiar como a pessoa dentro desse sistema
recursivamente. Trata-se de um elo que vai formando tramas, redes e, às
vezes, é mantido por gerações”. (ASSIS, 2006, p.39)

Todos os conceitos apresentados neste capítulo podem ser observados e


trabalhados por um casal antes do casamento. A cada membro do casal cabe
aceitar que é um elo numa corrente intergeracional e que está se propondo unir a
outra pessoa que também é um elo em outra corrente. Quando um casal em fase de
preparação para o casamento consegue questionar e elaborar suas heranças, então
ele se abre para a possibilidade de imprimir sua marca pessoal na nova relação que
estão construindo.

54
CAPÍTULO 4 – MÉTODO

Esta é uma pesquisa qualitativa com delineamento de estudo de caso


instrumental. Autores como Minayo (1996), Denzin e Lincohn (2006) e Creswell
(2007) descrevem a pesquisa qualitativa como uma atividade que localiza o
observador no mundo por meio de um conjunto de práticas materiais e
interpretativas que vão dando visibilidade ao mundo que é observado. As pesquisas
qualitativas trabalham com um universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, que correspondem a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.
Dentro do conjunto de ferramentas da pesquisa qualitativa está o estudo de
caso. Neste tipo de pesquisa a profundidade, o detalhamento e a peculiaridade de
cada situação são mais importantes que a universalização ou a generalização.
Yin (2001) diz que um estudo de caso é uma investigação empírica que
explora um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real,
especialmente quando limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente
definidos.
Stake (2004) afirma que há diferentes tipos de estudo de caso e que eles são
definidos a partir dos objetivos do pesquisador. Ele denomina de estudo de caso
instrumental um caso particular examinado para oferecer um olhar mais aguçado
sobre determinado assunto ou refinamento de alguma teoria, tem função de ilustrar,
mostrar (demonstrar) uma determinada construção teórica (Revault d’Allonnes [et.al.]
2004).
Para Stake (op.cit), o pesquisador examina vários interesses no fenômeno,
escolhendo um caso que tenha algo típico que pareça oferecer oportunidades para
aprendizagem. O potencial para a aprendizagem é um critério diferente e algumas
vezes superior a representatividade. Para ele é melhor aprender muito através de
um caso atípico do que pouco de um caso realmente típico. Neste sentido Patton
(1990) e Yin (2001) afirmam que a compreensão do fenômeno crítico pode depender
da escolha certa do caso.

55
1. Participantes

Os participantes desta pesquisa foram um casal de noivos.


A pesquisadora teve conhecimento do casal por meio de indicação de uma
pessoa da sua rede de contatos. O casal está se casando pela primeira vez. As duas
primeiras entrevistas foram realizadas dois meses antes do casamento e a última,
três meses após o casamento.

2. Instrumentos Utilizados

Os instrumentos utilizados foram os seguintes:

2.1 Entrevista semiestruturada com o casal – Foram realizadas duas


entrevistas semiestruturadas com o casal. A primeira teve como objetivo conhecer
melhor o casal e extrair algumas informações úteis para esta pesquisa. A segunda
teve o objetivo de fazer o fechamento da pesquisa.

2.2 Genograma do casal – Foi construído o genograma dos noivos. O


genograma é um mapa da genealogia da família que situa o sujeito na rede de
relacionamentos familiares e também mostra a sua posição dentro deste contexto.
Ele é um instrumento que retrata as informações de uma família por pelo menos três
gerações, apresentando as relações e os vínculos de forma visual e eficiente.

“Dentro da abordagem sistêmica, utilizamos um mapa instrumental, o


genograma que permite colher informações das dinâmicas relacionais,
assim como os dados históricos contextualizados, as investigações de
rituais para compreender as raízes familiares e como estas se formaram,
construindo, um olhar intergeracional da família. [...] O genograma permite
uma investigação que pode seguir uma sequência lógica ou não, mas
sempre analisa os relatos dos dados sobre um antepassado do qual a
família tem lembranças, dentro do contexto familiar.” (ASSIS 2006, p.44).

O Genograma é uma representação gráfica multigeracional da família que vai


além da simples genealogia, pois inclui também as relações e interações
familiares.(...) O genograma recolhe informações estruturais vinculares e funcionais

56
de um sistema familiar que pode ser analisado horizontalmente, por meio do
contexto familiar atual e verticalmente, através das gerações (Cerveny, 2011).

3. Procedimento

Os noivos foram contatados por telefone e convidados a participarem da


pesquisa. Aceitaram o convite com muito entusiasmo e foi marcada a data do
primeiro encontro.
As entrevistas foram realizadas, sempre com a presença do casal de noivos.
As conversações foram gravadas, mediante autorização prévia dos participantes, e
transcritas pela própria entrevistadora.
Preceitos éticos foram respeitados mediante a alteração de dados que
poderiam identificar os participantes na transcrição das entrevistas e, também, a
assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por parte dos
entrevistados para a utilização nesse trabalho dos dados obtidos nas entrevistas.
A pesquisa foi direcionada de modo a não causar danos aos participantes e
foi oferecido apoio e acompanhamento para o casal diante de qualquer evento
mobilizador que pudesse ser provocado durante ou pela coleta de dados.

3.1 Encontro de Sensibilização para o trabalho e realização da entrevista


semiestruturada. Esta entrevista foi gravada. No primeiro momento a pesquisadora
se apresentou, explicou a pesquisa e solicitou que fossem assinados os TCLE. Após
esta apresentação inicial a entrevista seguiu o roteiro: (1) Como vocês se
conheceram? Conte um pouco sobre a história do namoro e noivado de vocês. (2)
Como seus pais se conheceram e como foi a preparação para o casamento deles?
(3) Qual é a visão a respeito do casamento nas famílias de vocês? (4) Quais os
aspectos positivos mais relevantes vocês observam no casamento dos seus pais?
(5) Quais os aspectos negativos mais relevantes que vocês observam no casamento
dos seus pais?

3.2 Encontro para a elaboração dos genograma das duas famílias. Este
encontro foi gravado. Da gravação foram feitas as anotações de campo da

57
pesquisadora que serviram como informações complementares ao desenho do
genograma.

3.3 Encontro de fechamento. Este encontro foi agendado após o exame de


qualificação por indicação da Banca Examinadora. Teve como objetivo fechar
algumas questões que não ficaram muito claras nos dois primeiros encontros. Foi
realizada uma nova entrevista semiestruturada que seguiu o roteiro: (1) De tudo que
a gente conversou a respeito das famílias, eu gostaria de saber o que ficou para
vocês? (2) Vocês conversaram sobre isso? (3) O que mais marcou nos dois
encontros que tivemos? (4) Quais foram as influências deste trabalho na vida de
vocês? (5) Tem alguma dessas coisas que preocupam vocês? (6) Agora que estão
vivendo na prática, o que vocês acham que estão trazendo da família de origem? (7)
O que estão modificando? (8) O que vocês ganharam com este trabalho?
Este encontro foi gravado, entretanto, houve um problema no gravador e
ficaram salvos apenas 18 minutos da entrevista. A pesquisadora acrescentou ao
final da transcrição dos 18 minutos algumas anotações de campo sobre o que
aconteceu no restante da entrevista.
À medida que os dados começaram a ser coletados já foi dado início ao
processo de análise dos mesmos. Segundo Creswell (2010), a análise de dados
qualitativos é conduzida concomitantemente com a coleta de dados, a realização de
interpretações e a redação de relatórios.
Durante este processo, os dados foram transcritos e tratados utilizando os
passos de análise e interpretação apresentados por Creswell (op. Cit.):
1. Organizar e preparar os dados para análise – Isso envolveu a transcrição
das entrevistas, digitalização dos genogramas e a digitação das anotações
de campo.
2. Ler exaustivamente os dados – Neste passo, buscou-se uma percepção
geral das informações para refletir sobre seu significado global.
3. Agrupar os dados em função dos objetivos da pesquisa – Foi realizado um
processo de codificação a partir das categorias que foram descritas no
capítulo três deste trabalho. Para facilitar este processo foi desenvolvido
um livro de códigos qualitativos (anexo 5) - conforme sugere Creswell
(op. Cit.). Tratou-se de um quadro que contem uma lista de códigos

58
predeterminados numa coluna, e, em outra coluna, os momentos
específicos em que o código foi encontrado nas transcrições e nos
genogramas.
4. Descrição das categorias para análise. A partir do processo de codificação
descrito no passo anterior foram trabalhados cada tema de análise. Estes
temas foram delineados como os principais resultados deste estudo.
5. Foi realizada uma prévia de como a descrição e os temas seriam
representados na análise.
6. Extrair significado dos dados. Neste ponto foi feita a interpretação dos
dados e os temas levantados no passo quatro foram efetivamente tratados
para a análise à luz do escopo teórico apresentado nos capítulos iniciais.
O passo seguinte foi a análise das narrativas.

4. Cronograma

Este projeto de pesquisa foi submetido à Plataforma Brasil no dia 02 de


Novembro de 2012, após parecer favorável do Programa de Estudos Pós-graduados
em Psicologia Clínica da PUC SP e ficou registrado com o número CAAE:
06743712.0.0000.5482. O projeto foi aprovado em 16 de Abril de 2013 – número do
parecer 246.731.
O exame de qualificação foi realizado no dia 03 de Dezembro de 2013, sendo
a pesquisadora autorizada a continuar a pesquisa.

59
CAPÍTULO 5 - APRESENTAÇÃO DOS PARTICIPANTES

1. Noivo

O noivo é branco, tem 35 anos, mora com os pais e o irmão mais velho. Ele é
técnico em radiologia e trabalha como vendedor na área de saúde. O pai do noivo é
de origem italiana e veio de uma família muito rica do interior. Os avós paternos se
separam por causa de uma traição da avó, chegando o avô a dar três tiros na avó
que pegaram de raspão. Esta avó é descrita como amorosa e dedicada, porém
muito incoerente nas suas atitudes pessoais. Após este episódio a avó veio para
São Paulo com dois filhos e tiveram que recomeçar a vida. Por causa disso, seu pai
teve que começar a trabalhar cedo e passaram por muitas dificuldades.
A mãe do noivo é de origem portuguesa e morava na rua onde o pai tinha uma
‘vendinha’ de fogos, lugar onde se conheceram. Os pais estão casados há 51 anos e
tiveram três filhos, sendo o noivo o mais novo dos três. A mãe do noivo sempre foi
do lar e é descrita como uma pessoa insegura, negativa e muito ligada ao filho do
meio, que é solteiro. O pai é descrito como uma referência, um modelo de conduta.
O noivo relata que os pais tiveram um início de casamento muito bom. Neste
período a mãe é descrita como carinhosa e dedicada e o pai como um homem sábio
e provedor. O casal teve três filhos, sendo que, quando o noivo nasceu, seu irmão
do meio tinha 7 anos e a irmã mais velha tinha 15 anos. Por causa desta diferença
de idade a irmã mais velha exerceu uma função de cuidado para com o noivo. Ele
descreve que os dois dormiam juntos numa cama de casal, de mãos dadas. Quando
ele estava com 9 anos de idade a irmã casou e saiu de casa.
O pai sempre teve muito convívio com a família da mãe, que era muito unida até
que a união foi quebrada por questões de disputa por herança. Não há histórico de
divórcio na família da mãe, na geração de seus irmãos, porém, na segunda geração
(filhos dos irmãos) aparecem os primeiros divórcios.
A mãe do noivo não tem convívio com a família do pai, que era formada
basicamente pelo irmão mais novo dele. O pai do noivo possui um vínculo muito
forte com este irmão e a mãe tem sérios problemas de relacionamento com este

60
cunhado. O irmão do pai traiu a esposa e isso desencadeou um divórcio. Os filhos
dele, primos do noivo, também se divorciaram.
O casamento dos pais, depois de 30 anos, sofre uma ruptura quando a mãe se
sente traída, porque o pai pagou a fiança, sem consultá-la, para que o irmão dele
não ficasse preso. Por conta deste impasse a mãe resolveu não dormir mais com o
pai e passou a dormir no quarto do irmão do meio.
Nos últimos 18 anos o pai e o noivo dividem o mesmo quarto e desenvolveram
um relacionamento muito íntimo e de muita admiração por parte do filho. A irmã mais
velha é casada e vive em casa separada. Atualmente o pai está com Alzheimer, o
que tem trazido uma tristeza muito grande para o noivo, pelo distanciamento afetivo
apesar da presença física do pai. Durante a entrevista, o noivo se emocionou várias
vezes ao falar do pai. Tivemos que parar a entrevista para que ele pudesse se
recompor.
A irmã mais velha no noivo é casada, já teve que lidar com traição do marido,
mas perdoou e continuam vivendo juntos. Esta irmã tem dois filhos, sobrinhos do
noivo, sendo o mais velho casado, mas não mora com a esposa. Este sobrinho
casou-se escondido dos pais, aos 19 anos, e continuou morando na sua própria
casa enquanto a esposa ficou morando na casa dos pais dela. O casamento civil dos
dois foi descoberto pelo irmão mais novo que encontrou a certidão escondida num
armário. Os dois possuem um filho de 6 anos que vive com a mãe. A família justifica
a situação deste casal pelo fato dos dois não terem condições financeiras de
morarem juntos. A irmã do noivo não se dá bem com a nora e parte sempre em
defesa do filho criando atritos.
O irmão do meio do noivo é solteiro, 42 anos, e muito vinculado à mãe. O noivo
afirma que a sua mãe acha que ele precisa mais dela que os outros. O noivo rompeu
o relacionamento com este irmão próximo ao casamento e o irmão não compareceu
no dia da cerimônia, mesmo tendo sido convidado para ser padrinho.
O noivo dá um título no passado para a sua família materna foi unida. Para a sua
família paterna não dá nenhum título.
A seguir está o genograma do noivo. Vale ressaltar que todas as caixas de texto
do genograma foram falas do noivo durante a entrevista.

61
D. 1978
D. 1988 Portuguesa, batalhadora,
Morreu do guerreira
coração I ?
Carinhosa, sincera
F Trabalhador Morreu do coração e diabetes
Genograma - noivo Foi criado como filho do avô
Morreu do coração
Não sabe qtos filhos ele teve
Pedreiro Ele - Policial
1929 Madrinha, Do lar 1931
DEIC Morreu de Morreu de Câncer J
Batalhadora, 83 Ele - empresário 1951
85 Ela - contadora
guerreira Policial Chegou a Câncer 63
J Ela - Do lar
O Família exemplar Alcoolista apanhar do
M MZ S E A I A Família exemplar V
marido

? ?
1963
N C P A
51

M A E V L E
traição

Morreu de Efizema Pulmonar Família Fernandoca


Bruto, Ignorante, explosivo D. 1988
Amorosa, dedicada Já foi muito unida
Italiano Incoerente nas Família muito católica
R atitudes
O A
Alzeheimer
J L Cuidadora, Mãezona de todos
Traição da esposa Do lar - falência multipla dos orgãos
Faleceu 15 dias antes da entrevista
Inocente,
1945 teimoso 1941
69 Candomblé 73 1970
F A 1965 44

49 J
Traição do marido
V K
1968 1971
43
46

M AF
B B

1986 1988 1941


28 26 73
1939
Aposentado, dono de R N V
75 Do lar, sempre ajudou o marido
banca de revista
Fiel, batalhador, vencedor. L Guerreira, protetora demais Simbolos do Genograma
Espiritualista, intelectual Sentimental - sempre coligada com o L
Muito convívio com a Não teve convívio com a família do marido
família da esposa
51 anos - dormem separados

?
1961 1963 1971 1978
Masculino Feminino Desconhecido Falecimento
51 43 36
53
Do lar, segunda mãe, Vendedor em saúde
T R dormia com ela de mãos dadas L NOIVO
Técnico em radiologia
Inocente, Mãezona Contador/ Auditor
Teimoso, persistente, pensativo
26 anos - traição Fora da realidade Parceiro, Egoísta, A mãe acha que ele
Tem bastante atrito com o irmão
precisa mais dela que os outros
1988 1990 Legenda de relacionamento de família
26 24
Casamento
F V
Divorciado
Legenda de relacionamento emocional
Viúvo

2007 Relações cortadas / Brigado Noivos


7 Amizade / Proximo Noivos e vivendo juntos
M Fusionado Comprometidos e viendo separados
Hostil Relação casual (curto tempo)

62
2. Noiva

A noiva é mulata, tem 32 anos e tem um filho de 15 anos. Ela e o filho moram
com os pais dela e a sua irmã mais nova. O pai dela é negro e a mãe é branca de
origem húngara e espanhola. Seus pais se conheceram num baile, o interesse
primeiro foi da parte do pai. A mãe casou grávida dela e eles enfrentaram muitas
barreiras e preconceitos para ficarem juntos. O casamento dos pais é visto pela
noiva como uma relação de muita parceria e cumplicidade. Ela demonstra grande
admiração pelo relacionamento dos pais, pela maneira como superaram as
dificuldades.
O pai da noiva é compositor de samba-enredo e é descrito como um homem
muito parceiro, amoroso, romântico, brincalhão e trabalhador, porém desorganizado
em casa, folgado e, muitas vezes, grosseiro sem necessidade. O pai passou muitas
dificuldades na infância, chegando a passar fome. A noiva afirma ser mais parecida
com o pai do que com a mãe e demonstra muita emoção ao falar do pai, chega a
chorar e diz que é por amor. A família do pai é muito unida. A família é muito festeira
e gosta muito de uma mesa farta.
A avó paterna junta toda a família em torno de si e a família extensa passa
muitos momentos juntos. Esta avó é descrita pela noiva como um modelo por ser
uma mulher forte, que foi traída pelo marido, mas que teve coragem de se separar
numa época que ninguém se separava. Mesmo com a separação ela deu
continuidade à sua vida, criou os filhos, comprou casa, continuou trabalhando e
conquistou tudo sozinha. Por causa desta situação o pai da noiva guardou mágoa do
seu pai (avô da noiva), chegando a não convidá-lo para o seu próprio casamento.
Entretanto, teve um relacionamento de muita proximidade com o seu avó (bisavô da
noiva).
Todas as irmãs da avó, tias da noiva, se divorciaram e apresentam o mesmo
padrão de funcionamento familiar – continuar dirigindo a família mesmo sem um
companheiro ao lado, e a noiva diz que esse modelo de mulher forte a ajudou a ser
mãe solteira.
A noiva teve um filho aos 16 anos de idade e assumiu a maternidade do filho
com certa maturidade, esperando que os pais não a tratassem como irmã do próprio

63
filho. Ela procurou sempre meios para o sustento do filho e se orgulha disso. A noiva
se apresenta com muitas funções além da maternidade – gerente de TI, vendedora,
professora e síndica. Na família paterna ela e a irmã são as responsáveis por
organizar os eventos da família.
A mãe da noiva é dona de casa e é apresentada como mais fria e seca para
expressar os sentimentos, meio “grossa”. Ela é descrita pela noiva como sendo
muito racional, paciente, gosta mais de fazer do que de falar. A família da mãe é
muito unida, porém, depois que a avó da noiva faleceu a família ficou mais distante,
pois todas as coisas aconteciam na casa dela. Atualmente a família materna só se
reúne oficialmente por ocasião da Páscoa para uma comemoração. A noiva não faz
muitas referências a esta família nem demonstra emoção forte quando fala dela em
contrapartida à família do pai.
A irmã da noiva é solteira, descrita como mais parecida com a mãe, mais
fechada, não gostam de festas para elas, mas gostam de fazer festa para os outros.
A noiva dá o título de família guerreira para a sua família paterna e o título de:
Unidade no sofrimento – com muitas perdas para a família materna.
A seguir está o genograma da noiva. Vale ressaltar que todas as caixas de texto
do genograma foram falas da noiva durante a entrevista.

64
Gordo
S R M Espanhola, Gorda R
Dono de mercearia

Húngaro - Veio para o Brasil fugindo da 2ª guerra


? ? Com toda a sua família.
J Pedreiro, trabalhador Do lar, zelosa pela casa M Alcoolista, fechado. Espanhola, Alegre, não reclamava
Gostava de dançar Adorava receber e cozinhar para todos M
J Morreu de câncer há 25 anos
Cozinhava bem, gostava de fartura
Genograma - noiva
D. 1981 Super unidos - casamento exemplar
Morte recente
Um pelo outro
Circulção
19 Não dão espaço para ninguém
P M J J D Alccolista J S
A M interferir

Alcoolista O LA I
Trabalhou na M
construção 1953 D. 2007
P MC M
Empreiteiro Morte recente - Câncer 61
Festeiro, mulherengo, traiu a esposa AP A A Há 1 mês
E L
Tinha outras mulheres. B
M E
Trabalhador, falsificou documento para
não dar pensão para os filhos. E 40 anos
19
E 1929 JP
Aposentada -
trabalhou na FEBEM 85
N I S C
Guerreira, teatral
? E M
Tudo acontece na casa da avó L
V V
Símbolo - um elo entre todos
JC N K
Exemplo - Admiração pelos pais
11 anos - Traição do marido L Família Unida
T L R
no sofrimento
1963
L
Família guerreira 51 C
O
C CA Mulherengo L
MG J E
DR R F
C
Traição do marido R M E
? MS R
M ME
P P G LA
1956 1988 CE M
58 Muito 1955
Traição do marido 26
branco 59
A N H
2011
2009 I Casou com 26 anos -
3
5 Estava grávida
V I Casou com 25 anos Do lar/ confecção
B Aposentado, empresário, metalúrgico M Racional, paciente
MJ A AP
Tem mágoa do pai dele. Pau para toda obra
Rústico, de coração enorme. Seca (afetivamente)
E
A Amigo de todo mundo, parceiro, negro. Faz, mas não fala.
2013 Eu amo meu pai 32 anos
VH 1
A 1983
O S 1981
31
A 1978 33
L E C Trabalha com administrativo, formada em direito
36 NOIVA Legenda de relacionamento de família
Estressada, grossa, parceira.
F A Pau para toda obra - gosta de fazer as coisas.
Gerente de TI, vendedora, professora, síndica
Estressada, sincera, amiga, batalhadora 24 Casamento
2005 1998 Parecida com o pai - grosso, mas de coração grande
D K L LF Sabe passar a borracha 13 Divorciado
9 16 Simbolos do Genograma
Não sou dada a repetir nome, tenho criatividade 6 Viúvo
V L L
6 Noivos
Legenda de relacionamento emocional 1 Vivendo juntos legalmente

M V 2 Vivendo juntos
Fusionado 2 Relação casual (curto tempo)
Hostil ?
4 Relação casual e separados
Masculino Feminino Desconhecido Adotivo Falecimento
Amor

F L

65
3. O casal

O casal se conheceu há dois anos numa final de disputa de samba-enredo de


uma escola de samba. O casal tinha um amigo em comum que se recusou a
apresenta-los por conta de uma experiência ruim tida anteriormente. O noivo, então,
passou a frequentar os lugares onde a noiva normalmente estaria para ter uma
oportunidade de conhecê-la. Logo depois o noivo a procurou pelas redes sociais e
começaram a conversar através do Facebook por um período de um mês. Somente
depois deste período começaram a sair. No terceiro encontro iniciaram o namoro e,
no mesmo dia, ele a pediu em casamento e ela concordou. Na primeira semana de
namoro os dois abriram uma poupança para começar a juntar dinheiro para o
casamento. Este fato trouxe certa crise para o casal, pois foi quando se deram conta
de que estavam fazendo planos muito sérios.
A noiva havia adquirido um apartamento na planta e ele se prontificou a
ajudar a pagar, já que os planos eram de se casar em dois anos (período em que o
apartamento seria entregue). A princípio ela concordou, depois ficou em crise e
pediu três meses para pensar melhor. No final dos três meses ele apareceu com o
dinheiro da prestação e ela, ainda relutante, aceitou e decidiu ver no que ia dar.
Os dois marcaram o casamento numa igreja católica e fecharam o buffet para
a festa. Como iam casar numa igreja católica, decidiram participar do curso de
noivos da igreja e isso trouxe uma série de reflexões para o casal acerca da família
que iriam construir.
A família da noiva foi muito receptiva ao casamento, demonstrando apoio ao
casal. Foi oferecido à noiva suporte e apoio, caso a união não se concretizasse, e foi
ressaltado, para o noivo, o fato da noiva já ter um filho.
A família do noivo já não foi muito receptiva ao casamento, apesar de não
apresentar objeção direta. O noivo relata que a noiva acha que a mãe dele não
gosta dela e descreve duas situações que a mãe dele fez comentários em relação a
cor da pele da noiva e ao seu cabelo. A noiva não gostou dos comentários e passou
a apresentar resistência no contato com a sogra.
Os dois apresentam expectativas semelhantes quanto ao convívio familiar,
sabendo que casamento não é fácil e que nem tudo é festa. Eles esperam que haja

66
dificuldades, problemas e lutas, mas que juntos poderão superar tudo, se se
mantiverem unidos.
O casal apresentou um nível de estresse alto por conta da reforma do
apartamento e dos preparativos para a cerimônia que, na data das duas primeiras
entrevistas, aconteceria em pouco mais que dois meses. A maneira como o casal
estava envolvido com preparativos para a cerimônia foi anestesiando-os para o fato
de que havia algo muito maior que estava para acontecer. O noivo apresentou vários
momentos de lapso de memória e atribuía sempre ao estresse que estava
enfrentando. A noiva relatou diversos episódios de desentendimentos dos dois e
sempre atribuía isso a fase estressante que estavam vivendo.
A noiva ficou bastante irritada pelo fato do noivo ter se atrasado na primeira
entrevista e manifestou seu descontentamento logo na sua chegada, diante da
pesquisadora. Mesmo assim, o casal apresentou nas primeiras entrevistas
satisfação com a correria e o estresse.
No final da entrevista dos genogramas, quando questionados a respeito das
informações que estavam vendo, a noiva afirmou que foi muito bom reviver os
momentos da vida familiar, conhecer mais a evolução da família, tanto dela como a
do companheiro. Para ela a coleta de dados ajudou a conhecer melhor a pessoa
com quem iria casar e o aprendizado viria com a assimilação dos exemplos
familiares somando os pontos positivos e buscando eliminar os negativos. O noivo
afirmou que foi bom conhecer as histórias e que a partir daquele momento era para
escolher o que é positivo, carregar consigo os bons exemplos, deixar os pontos
negativos e se afastar dos maus exemplos. Ele disse se sentir como família ao olhar
para o genograma e que foi uma boa preparação para o casamento.
Na última entrevista que aconteceu um pouco mais de três meses depois do
casamento, o casal ainda aparentava muito estresse e, agora, atribuía à fase de
adaptação que estavam vivendo. Eles relataram também a dificuldade de ajustar os
papéis no convívio com o filho da noiva, que é adolescente, sendo mais uma fonte
de tensão no início do casamento.
Quando foram questionados se algo os incomodava quando olhavam para
suas histórias eles afirmaram que sim. O noivo afirmou que ficou preocupado com a
quantidade de divórcios na família do pai e reafirma que não casou para se separar.
A noiva afirmou que percebeu que para a sua família paterna “você não precisa

67
necessariamente estar casada, você não precisa necessariamente do homem”. Eles
afirmaram que esta já era uma preocupação deles, entretanto, olhar para as histórias
elucidou isso.
A coleta de dados serviu para eles como uma parada no meio do turbilhão
de compromissos para esta reflexão oportuna. Apesar disso, para eles não era
exatamente o momento mais propício para reflexões muito profundas.
Ao longo das entrevistas com o casal foi se evidenciando o quanto eles não
se preocuparam com uma preparação emocional para o casamento. Nas primeiras
entrevistas eles apresentaram uma visão romântica do relacionamento conjugal
muito ligado a um ideal de união que supera tudo. Na última entrevista, realizada
com eles já casados, já se apresentava um nível de estresse e as primeiras
dificuldades de ajustamento típicas da fase de aquisição.

68
CAPÍTULO 6 – ANÁLISE DAS NARRATIVAS

Partindo do que foi descrito nos três primeiros capítulos deste estudo,
passamos agora para uma análise da história intergeracional deste casal. A análise,
conforme prevista no método, seguirá a categorias explicitadas no capítulo três e
serão analisadas de maneira a entrelaçar as duas histórias familiares.

1. Diferenciação

O casal apresenta em vários momentos da entrevista uma ansiedade em


relação aos elementos de fusão e diferenciação de suas famílias de origem.
No caso do noivo há uma clara preocupação de absorver os valores
transmitidos pelo pai e se distanciar do referencial e do comportamento atual da
mãe.

Noivo – “...minha mãe é... não digo insegura... é meio pra baixo minha mãe, tudo é negativo
pra ela, e o meu pai eu vejo sempre como o lado bom (...), meu pai é a referência, minha
mãe é mais negativa, mais sentimentalista vamos dizer assim, mais sensível, tudo para ela é
“ai, porque o seu pai”... meu pai já não: “o casamento é isso, é família, vai ter desavenças,
vão ter turbulências aí tem que passar por cima de tudo”
Noivo - desde 95, que eu durmo com meu pai num quarto, minha mãe dorme com meu
irmão.

Embora a mãe tivesse apresentado um modelo de mulher idealizada para o


noivo, no início do casamento, seu comportamento nas ultimas décadas foi
totalmente reprovado.

Noivo - Minha mãe sempre foi muito apaixonada pelo meu pai, isso ela sempre chegou a
relatar e eu me lembro disso muitas vezes. Os dois conversavam muito, mas o meu pai era
muito mais... meu pai tinha muito mais razão, pé no chão “filho, eu amo sua mãe e nunca
vou mudar” coisa que minha mãe nunca fez, né? Não dormiu mais com ele por causa de
uma briga familiar. Aí que eu falo, aí que eu acho que foi um pouco exagerada, mas ela
sempre foi muito carinhosa, ela falava que perfumava a cama pra ele chegar, fazia uma
janta, que o casamento tem que ter esse temperos pra poder você superar as dificuldades.
O que eu não entendi depois, no final agora, depois de 30 anos de casada querer “ai
desisto”, porque a briga dela maior era sempre meu tio.

69
A noiva também fala da diferença entre seus pais, mas consegue ver em si
mesma características tanto de um como do outro.

Noiva – “A minha mãe, ela é meio grossa, às vezes... mas o meu pai também é, os dois são
meio grossos às vezes de uma forma tão desnecessária, e eu também tenho isso. Então os
dois são assim...”

Ela está muito mais fusionada ao pai e, assim como o noivo, deseja uma
diferenciação do modelo materno.

Noiva – “A minha mãe é mais fria, o meu pai faz palhaçada, manda beijo, compra flor, a
minha mãe já não é assim. Ele é mais romântico. A minha mãe não, a minha mãe tem uma
coisa, por exemplo, ela não fala que ama, ela acha que se falar a pessoa se sente muito e aí
acaba dando algum tipo de problema”.

Os pais, tanto da noiva como do noivo, apresentam características comuns


como, por exemplo, lealdade, valorização da família, amor incondicional e que cada
um deles procura no outro. Mesmo sem terem se dado conta disso, a maneira como
se escolheram e se vincularam pode ter recebido influência destes elementos da
relação.
Para Bowen (1978), um alto nível de diferenciação do eu da família de origem
seria necessário para o desenvolvimento de vínculos afetivos novos e saudáveis.
Também isto é necessário quando os indivíduos se propõem a construir e a
pertencer a novos subsistemas, como é o caso de um casal em fase de preparação
para o casamento.

2. Triangulação

Na família do noivo aparecem muitos triângulos significativos que nos


permitem observar a natureza das relações nesta família. O primeiro deles,
observado no genograma, é o triângulo formado pelos avós paternos e o amante da
avó. A traição da avó, que desencadeia a separação do casal, é encarada pelo avô
traído com muita violência. A tensão que circulava nesta díade é aliviada com a
entrada do amante, entretanto, o sistema conjugal não resiste.

70
O padrão de traição é mantido pelo filho mais novo, tio do noivo. Este também
forma um triângulo com a esposa e uma amante. Novamente o sistema não aguenta
e se rompe.
Outro triângulo é formado pelo pai do noivo, seu irmão (tio do noivo) e a mãe
do noivo. Neste caso, havia uma fronteira muito permeável na relação dos irmãos, o
pai do noivo permitia que o seu irmão interferisse direta ou indiretamente na sua
relação conjugal. A relação conjugal, por sua vez mantida numa fronteira rígida sofre
com a tensão causada e para não se romper efetivamente, faz um arranjo conjugal
diferente - a mãe se separa corporalmente do pai.

Noivo – havia sempre uma briga familiar entre minha mãe e o irmão do meu pai... a minha
mãe e o meu tio não se bicavam, sempre ele arrumava, sempre ele aprontava muitas coisas
pra querer provocar alguma coisa, alguma divergência entre a minha mãe e o meu pai, né,
eu até dou um pouco de razão, mas minha mãe dá muita ênfase para isso, ela é muito
rancorosa, guarda isso aí, eu acho que ela tinha que se ocupar mais com o meu pai, com a
família dela, e não ficar guardando isso.
Noivo – Desde 1995 que eu durmo com meu pai num quarto, minha mãe dorme com meu
irmão.

O outro triângulo que aparece na família do noivo é o do subsistema pai, irmã


mais velha e irmão mais novo. Como a mãe e o filho do meio estão fusionados, os
outros três membros da família se unem assumindo um aspecto de aliança
(proteção), mas que, de alguma maneira reforça a disfunção do sistema conjugal. A
irmã mais velha assume o papel de mãe neste triângulo. Durante a realização do
genograma, o noivo se referiu a irmã como uma segunda mãe. Quando ele nasceu,
ela tinha quinze anos e ajudou a cuidar dele. Ele dormia no quarto com ela até ela se
casar. Ele também faz referência ao fato da irmã ser muito ligada a ele e ambos ao
pai.
Também esta irmã mais velha traz para sua família atual muitos padrões das
gerações anteriores. O marido dela (cunhado do noivo) também fez um triângulo
com a esposa e amante. O sistema sofre uma forte pressão, mas não chega a se
romper. Esta irmã também repete o padrão da mãe e se une ao filho mais velho
contra a nora, formando um triângulo de coalizão que impede este subsistema de
criar autonomia. O filho e a nora são casados oficialmente, mas não conseguem

71
romper a barreira criada pelo triângulo e efetivamente morarem na mesma casa,
mesmo tendo um filho em comum.
Por outro lado, fica a díade mãe e filho do meio, sendo este solteiro aos 42
anos de idade. O noivo relata que a mãe acha que ele precisa mais dela que os
outros filhos. O noivo entra nesta relação formando uma tríade, onde ele fica na
posição de excluído do amor da mãe e incapaz de penetrar ou romper esta relação.
Este último triângulo nos faz pensar sobre o estresse apresentado pelo casal
na última entrevista. Depois do casamento eles passaram a morar no apartamento
que havia sido adquirido pela noiva junto com o filho adolescente. Neste sentido,
eles já iniciam a vida a dois triangulando.
Embora na família paterna da noiva muitos triângulos são formados em
função de traição e entrada de um terceiro na relação conjugal – foi assim com todas
as irmãs do pai, o triângulo também poderá ser considerado um padrão de
funcionamento.
O fato de a noiva ter tido este filho muito nova e o assumiu com muita força,
seguindo o modelo das mulheres da sua família, que “não precisam
necessariamente de homem” faz da relação mãe-filho algo, de certa forma,
ameaçador para o noivo. O lugar que cada um vai assumir dentro deste triângulo
poderá aumentar ou diminuir o estresse na primeira fase do ciclo de vida familiar.

3. Regras Familiares

Em relação às regras, há uma, na família do noivo, que se destaca. É um


acordo implícito, que é compartilhado e mantido pelo grupo familiar, que determina
seu atual funcionamento.

Noivo falando da mãe dele – mas, como mulher, uma guerreira, amável também com meu
pai, ela sempre passou isso: a mulher é o centro do casamento se tiver pendendo pra um
lado ou para o outro, ela falava isso, desvia.

De fato, o tom das relações familiares neste núcleo foi dado por esta mãe. Ela
é o centro deste casamento, quem define as regras, como elas devem ser cumpridas
e suas punições. Ao pai foi dada a punição de não dormir mais com ela, ao filho

72
mais novo a de dormir com o pai e ao filho do meio a de dormir com ela. A todos
cabem se adequar ao que foi estabelecido.
Esta regra especificamente tem certa função protetora neste sistema familiar,
mesmo estando a serviço de um funcionamento específico da família (dois núcleos
no mesmo sistema). Mas, para que se mantenha a homeostase familiar, o padrão de
funcionamento se perpetua.
A irmã segue a regra transmitida pela mãe e mantém este padrão
estabelecendo se o seu filho deve morar com a esposa ou não. Se o esposo merece
ser perdoado da traição e que lugar ele ocupa no núcleo familiar depois desta
situação.
Na família da noiva também há uma regra relacionada ao papel da mulher na
família e que se tornou um padrão – “se você quer você consegue [...] não precisa
estar necessariamente casada, você não precisa necessariamente do homem.”
Tanto a família da noiva quanto do noivo são famílias de mulheres muito
fortes e que assumem a liderança. A grande regra das duas famílias é que as
mulheres ditam as regras.
Como o novo sistema conjugal vai lidar com essa regra será um desafio. A
noiva assumirá as regras deste novo sistema? Como o noivo irá reagir caso isso
ocorra? Na última entrevista este elemento já começa a aparecer, uma vez que o
estresse está relacionado às regras que a noiva, agora esposa, está impondo acerca
das tarefas domésticas.

4. Delegação

Em termos de delegação o noivo está claramente na busca de cumprir o


compromisso assumido com o pai de casar, ter uma família e honra-la a qualquer
custo. O pai recebeu este legado pelo antimodelo do avô que não suportou a traição
da esposa e rompeu o casamento de maneira violenta. O pai decide manter o
casamento a qualquer custo. Essa missão é passada para o filho e este a aceita e,
possivelmente, sua realização lhe trará sentimentos de autoestima, uma vez que não
existe incongruência entre a delegação e o desejo e crenças do noivo.

73
Noivo - eu sempre quis eu achei até que to casando tarde, porque com 35 anos, já era pra
eu ser pai, a minha educação do meu pai foi assim. (...) o meu pai sempre disse: você tem
que ter uma família, você tem que ser homem, tem que honrar sua casa. Eu sempre busquei
isso, não que eu me desesperei encontrei aquela menina quero casar, não, tem que achar a
pessoa certa, e aí, nela eu vi a pessoa certa, o perfil da pessoa que eu queria, o jeito, o
gênio nem tanto... (risos)

Por outro lado, mesmo sem ter consciência disso, existe outra delegação
vinda por parte da mãe, que de alguma maneira, ele quer negar. A mãe delega a ele
o lugar de excluído no triângulo.
Quando o noivo casa com uma mulher que já tem um filho, o inserindo numa
relação triangular semelhante à vivenciada com sua mãe e irmão do meio, ele
poderá entrar numa crise de delegações. O pai delega que se tem que honrar a
família a qualquer custo, enquanto a mãe delega o lugar de exclusão na relação
triangular. Dificilmente o ajustamento destes elementos intergeracionais acontecerão
para o novo casal sem angústia.

Noivo - A minha mãe qualidade, uma guerreira, forte, uma rocha. Defeito? Sentimentalista
muito sabe, acho que ela é muito... “ai, sofro, ai eu, ai eu, ai eu”... eu acho ela muito assim,
se faz de coitada, vamos dizer assim. (...) a referência hoje que eu me lembro, assim, eu
não tenho muito, muita coisa que eu também nem quero pegar pra não me contaminar, eu
às vezes até evito. Não sei se contaminar é a palavra certa to dizendo só pra ilustrar bem.

Noivo - Eu conversei com ela, ela falou que ficou feliz, que espera que eu seja feliz, que
toda mãe deseja pra um filho a felicidade, que o casamento, o meu casamento não seja
igual ao dela, eu falei, jamais vai ser porque a minha, a minha educação não foi pra isso, e
assim vai. O meu pai infelizmente a gente não pode ter essa conversa com ele, mas toda
vez que eu falo de casamento ele fica feliz.

Na família da noiva a delegação vem pelas mulheres e parece trazer


sentimentos contraditórios. De um lado mulheres admiráveis e o desejo de ser forte
e independente como elas, do outro lado a insegurança do que pode vir a acontecer
nesta relação com uma delegação destas.

Noiva falando da sua família – Na minha é isso. A minha avó se separou numa época que
ninguém se separava, ela tem 85 anos, ela se separou ela tinha 20 e poucos. E ela se
separou e deu continuidade, criou os filhos, comprou casa, continuou trabalhando... Ela
deixa claro uma coisa assim: se você quer você consegue, o que não é uma coisa tão legal.

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Você não precisa estar necessariamente casada, você não precisa necessariamente do
homem. Ela conquistou tudo sozinha, ela não casou de novo, nunca mais namorou. Ela
gostava do ex-marido, ele morreu e ela continuou gostando dele, mesmo estando separada.
As minhas tias mantiveram isso também. Elas até chegaram a casar, mas em dado
momento elas se separam, todas.

Noivo – Eu conheci ela sabe como? Tem pessoas que nascem para casar e outras nascem
para não casar. Eu não nasci para casar. Eu conheci ela assim.
Pesquisadora – Ela falava isso?
Noivo – Quando ainda era paquerinha. E hoje, eu não sei se eu convenci ela, se fiz ela
mudar o pensamento. Isso me deixa uma interrogaçãozinha. Será que ela nasceu para
casar? De vez em quando, quando tem briga, fico até preocupado.
Noiva – (risos)
Noivo – É verdade, estou sendo sincero. Às vezes fico preocupado, na hora da briga ela
fala: eu não nasci para casar.
Noiva – Eu não falei mais isso não.
Noivo – Falou uma vez sim. Numa briga você falou.
Noiva – Falei?
Noivo – Falou.

5. Repetições intergeracionais

É interessante a cadeia de repetição observada na história dos pais da noiva


e a história dos noivos. Os pais da noiva se conhecem num baile de maneira muito
parecida com a maneira como o casal se conheceu.

Noiva contando a história dos pais dela – “Eles se conheceram num baile, na verdade meu
pai já via minha mãe há um tempo, a minha mãe não lembra (rs) é, via, ele fala que ele não
gostava muito dela, mas na verdade acho que ele queria desdenhar, ele desdenhava e aí
eles se conheceram num baile uma vez”.

Noiva contando a história deles – “... o R. já tinha me visto, a gente, o meu pai ele concorre
com sambas-enredo em escolas de samba, ele é compositor, (...) eu cumprimentei um
amigo que tava do lado que é um amigo comum e não vi o R. e aí ele já tinha visto já tinha
meio que se apaixonado falou “nossa, essa é a mulher da minha vida” (...) ele se interessou,
mas eu não tinha visto (...) Beleza aí ele me viu e teve a final e o R. foi. Não seria estilo, por
exemplo, que eu gostaria porque, mesmo sendo muito, sempre fui muito em escola de
samba com meu pai, sempre acompanhei, mas, não são pessoas que me atraiam.
Eu tenho um preconceito terrível, embora eu vá (a ensaios de escolas de samba), não é o
tipo de pessoa que eu goste de me relacionar, então o R. jamais chamaria minha atenção.
Mas aí, eu gostei do R. achei ele assim, tipo de boa, aí eu comentei com a minha irmã. Aí

75
meu pai no final ganhou, ele foi lá campeão do concurso e ficamos comemorando e mesmo
assim, depois de toda aquela comemoração, de manhã eu falei pra minha irmã: Quem era
aquele moço que tava com o A.?, que era o amigo em comum, aí ela falou não sei. Então
pergunta... Para aquele branquinho eu até abriria uma exceção.

Outra repetição é a questão do preconceito que os pais tiveram que enfrentar,


pelo fato dele ser negro e ela branca. O que chama primeiro a atenção da noiva é o
fato do noivo ser branco.

Noiva contando a história dos seus pais – “... meu pai é negro e minha mãe é branca e eles
sofreram muitos problemas pra eles se casarem porque a família do meu pai era muito
preconceituosa, assim como a da minha mãe também era. Minha mãe era filha de um
húngaro vindo da guerra era Heil Hitler mesmo, então assim, um negro na casa deles era
difícil. Assim como da parte da minha avó, minha avó era mineira, bem preconceituosa
também então, eles não queriam.”

Embora a repetição, neste caso, possa estar conferindo certa identidade a


este novo sistema, ela pode, também, assumir outra dimensão e perpetuar a
questão do preconceito nesta família que vem desde a geração anterior, tendo em
vista a diferença da cor da pele dos noivos.
Outra cadeia de repetição que aparece nas duas famílias é o divórcio em
decorrência de traição por parte de um dos cônjuges. Muitos casamentos acabam
pela traição e os que subsistem se mantém por determinação das mulheres.
O avô do noivo rompe o casamento com a avó de maneira violenta e
intolerante, chegando a dar três tiros que pegam de raspão. O pai do noivo faz uma
repetição pelo antimodelo assumindo a posição de jamais romper o casamento,
independente do que venha a acontecer. Ele assume uma posição passiva e aceita
todas as regras da esposa desde que permaneça casado. São dois modelos opostos
e igualmente rígidos que o noivo terá para se identificar. Embora ele assuma num
primeiro momento que deseja repetir o modelo do pai, poderá vir a repetir elementos
da história do avô. Isso poderá se dar pela percepção da ineficiência do modelo do
pai. Embora o pai tenha valores nobres como de fidelidade e preservação da família
a qualquer custo, estes valores não lhe garantiram uma família unida, nem a
satisfação no relacionamento conjugal.
A irmã do noivo repete o modelo da mãe de manter o casamento apesar da
traição, mas de acordo com as suas regras. Ela também repete este modelo quando

76
decide com quem o filho vai dormir, mesmo sendo ele adulto e casado e estabelece
uma relação conflituosa com a nora a fim de mantê-la afastada do filho.

6. Lealdade

A lealdade do noivo está sendo expressa no cumprimento da delegação que


o pai fez para ele. O compromisso que assumiu com o pai e que, provavelmente,
será transmitido para as próximas gerações poderá garantir a união e a manutenção
deste novo sistema.

Noivo - eu tenho de exemplo o meu pai, ele sempre falou: filho, olha, eu to aqui, hoje eu não
tenho mais nada com a sua mãe, ela chegou a se separar assim (...) e meu pai falou assim:
independente de tudo eu nunca vou deixar minha família. (EMOÇÃO) Hoje ele tá com
Alzheimer e quem tá sentindo muito isso pelo fato do casamento sou eu, né? (CHORO) (...)
Tudo que ele me ensinou eu queria que eu falasse pra ele “pai, eu consegui, né, mas
infelizmente ele.. a doença não vai permitir, sei lá, se ele vai ver ou se não vai ver eu já fui
no médico com ele, o médico falou “R. quem vai sofrer são vocês porque ele não vai lembrar
de nada” o meu sonho é que ele visse... só isso.

Existe um sofrimento claro no noivo de não poder dar ao pai a alegria de ver
sua manifestação de lealdade por meio do casamento e, também, ver a transmissão
do seu legado para esse novo sistema.

Noivo – Não tem mais o que falar, o exemplo dele foi sempre esse “filho, casar, honrar sua
mulher, ser leal, ser fiel em todos os momentos, você vai ter dificuldade financeira, vai ter
dificuldade sentimental, vai ter dificuldade familiar, mas você tem que honrar sua família”.
Minha mãe com esse todo esse entrevero todo com meu tio, eu nunca consegui enxergar
minha mãe como exemplo de casamento porque ela sempre ficou “ai, o teu pai fica do lado
do seu tio”, a preocupação da minha mãe era mais o meu tio do que a minha família, eu
sinto isso, eu vejo isso.

Apesar da felicidade do noivo em relação a sua lealdade para com o pai, de


alguma maneira, ele tenta se justificar por não ter a mesma lealdade para com a
mãe.

Noivo - a minha base de casamento, de família, é mais por causa do meu pai. Amo minha
mãe do mesmo jeito que eu amo o meu pai, mas alguns têm mais qualidades e mais

77
defeitos, a gente se apega mais a um lado, não sei, a gente se vê numa referência. Meu pai
sempre foi uma referência para mim. Hoje a minha maior dor é isso, meu pai esta com essa
doença e eu não consegui mostrar pra ele, né, que tudo que ele me ensinou eu vou fazer,
comecei a fazer, né, o casamento começa, mas o fim é só quando a gente morre né?

Na conversa que o noivo teve com a mãe sobre o seu casamento, ele põe
uma fronteira, limitando a sua “má” influência e reafirma sua lealdade aos valores do
pai. Estaria o sucesso neste casamento no livro de contas do pai e que este filho
terá que saldar?

Noivo - Eu conversei com ela, ela falou que ficou feliz, que espera que eu seja feliz, que
toda mãe deseja pra um filho a felicidade, que o casamento, o meu casamento não seja
igual ao dela, eu falei, jamais vai ser porque a minha, a minha educação não foi pra isso, e
assim vai. O meu pai, infelizmente, a gente não pode ter essa conversa com ele, mas toda
vez que eu falo de casamento ele fica feliz.

Em relação à noiva, há dois modelos de mulheres com as quais ela pode ser
leal: a mulher forte que dá conta sozinha – na família do pai – e a mulher forte que
rompe todas as barreiras e preconceitos para viver um grande amor e é capaz de
manter este relacionamento apesar das dificuldades. A quem ela será leal? A avó e
as tias paternas ou à mãe?

7. Mitos familiares

Este casal traz, de suas famílias de origem, mitos bastante arraigados. Na


família da noiva o mito da união conjugal parece ter iniciado antes mesmo do
casamento dos pais.

Noiva – ...O exemplo que eu tenho dos meus pais, que é alguém que tá sempre junto, os
nossos planos, tá o tempo inteiro junto. (...) Durante o período em que eles eram
namorados, noivado, entre aspas, eles já tiveram uns problemas..., teve um problema de
doença, a minha mãe teve tuberculose... ela teve que ficar em sanatório em Campos do
Jordão, em São José dos Campos, foi um período grande, 6 meses, 8 meses e eles se
correspondiam por carta, então, esse tipo de coisa que mostra que na verdade não era uma
brincadeira né, porque ele podia largar... (choro - é que eu tenho muita admiração pelo meu
pai, falar alguma coisa dele, eu acho incrível que ele tenha feito, fico assim), porque ele
mandava carta, eles guardam as cartas deles até hoje, que eles trocavam, ele não podia

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ficar indo muito porque não tinha dinheiro mesmo e além do problema minha avó não queria
que ele fosse. Eu até entendi, a mãe dele, minha avó, primeiro porque ela tinha medo do
filho pegar a doença, porque tuberculose é uma doença que pega no ar, né, por razão óbvia,
e também porque ela não torcia mesmo pra aquilo e aí ficava. Era uma mulher que na visão
dela não era a raça que ela queria, é super preconceituosa, e ainda era doente, né, então
que coisa boa que ela estava vendo naquilo tudo né, enfim.. enfim foi assim, é assim que eu
vejo eles.

O mito da união também é expresso na estrutura de funcionamento da


família da noiva por meio dos rituais, conforme veremos mais detalhadamente no
item seguinte.

Noiva - Da parte do meu pai... a gente ta junto sempre qualquer aniversário, o jantar é na
casa da minha avó aí vai todo mundo, no domingo a minha avó inventou que vai ter um
almoço, né, das comidas que a mãe dela gostava. Ela cria e, então, vai todo mundo. Esse
negócio de ter todo mundo junto eu acho muito legal

A noiva cobra o noivo pelo fato da sua família não experimentar a união nos
mesmos moldes que a dela e parecer não ser tão unida quanto a dela. Ele mesmo
identifica este mito como uma idealização sua, um mito que já foi forte na família da
sua mãe, e que foi destruído por disputas de herança.

Noivo - eu sou até um pouco cobrado pela C. por causa disso, da participação da minha
família, eu não posso fazer nada, eu não sei, eu não consigo, é... como se diz, é... tentar
alguma coisa, a minha família infelizmente se desmoronou com a doença do meu pai,
desestruturou, na verdade, balançou bastante. (...)
Eu adoro, eu sou de família de festeiro, a minha tia reunia lá no quintal da minha avó, eram
seis irmãs, cada uma com uma base de dois filhos, 12, fora os filhos dos filhos e assim vai...
só que infelizmente no meio rompeu, então eu não tenho muito o que falar, o que eu tenho
mais é recordar e ...

Na família do noivo o mito da união está bem misturado com o mito da


conquista. O casal se unia para conquistar mais.

Noivo - O que eu guardo mais é sempre as coisas boas, minha mãe sempre foi guerreira,
lutadora, econômica, segurou bem a onda em casa quando meu pai, meu pai sempre
trabalhou de gerente de supermercado então era ele que pagava o balanço, se o balanço
faltava era ele que pagava com o salário dele, então tem aquelas coisas da união, aquela
parceria que a C. falou, isso eu sempre vi na minha casa, minha mãe era muito parceira “L.
olha vamos economizar daqui, sei lá vamos trocar uma lâmpada vamos economizar”...

79
O casal ainda no início do relacionamento começa a experimentar como seria
o encaixe desses mitos. O fato da noiva já ter comprado um apartamento e o noivo
entrar junto neste projeto corrobora com esta ideia. Os dois no início do
relacionamento já abriram uma poupança para juntar dinheiro para o casamento.

Noiva - A gente na primeira semana de namoro a gente resolveu abrir uma poupança. Esse
eu acho que foi o cúmulo da loucura, eu tive uma dor de barriga o R. também porque a
gente sabia que ia dar um treco

Outro mito que aparece forte é o mito da religião. Embora não sejam famílias
religiosas, esse tema aparece bem forte no discurso e na prática dos noivos.

Noiva falando da relação dos pais dela – na verdade é assim, eu acho que toda relação
sobrevive se Deus fala olha é você com você, eu acho que na verdade todo casamento que
é abençoado por Deus ele vai acontecer e vai superar tudo, essa é a primeira coisa. Aí eu
acho que Deus é a estrutura, né, eu acho que em todo o momento, tudo que eles superaram
eu acho que foi porque em nenhum momento eles deixaram a fé deles ser abalada, então
eu acho que a fé conta e o amor que um tem pelo outro e o respeito que um tem pelo outro.

Noiva falando do seu relacionamento – Nós falamos assim, bom, é essencial, que a gente
vai casar na igreja porque a gente entende que é um compromisso, e que a gente ta
buscando uma benção de Deus. Então, o nosso compromisso com a igreja, então seria
assim não dá pra ficar na verdade sem ir. Nós demos uma falhada, mas a gente assumiu
esse compromisso. [...] Só que teve um momento na verdade que pegou pra gente, que foi
uma coisa que nunca me preocupou, tive filho com 16 anos e assim eu nunca vi problema
em ter relação antes do casamento, relação sexual antes do casamento, só que começou a
pesar isso, a pesar muito pra mim. Eu pensei, eu preciso falar, preciso arrumar um jeito de
falar isso pro R., que se é pra casar embora já tivesse feito alguma coisa, precisava passar
esse período limpo sabe, ficar mais próxima de Deus. E aí Deus usou o R. ele teve a atitude
de falar. Eu tava pedindo, pensando como é que eu ia falar, imaginando a cena o cenário, e
o R. falou “eu acho que a gente não deveria ter mais” eu acho que a gente tem que estar
(...) mais limpo né, mais próximo de Deus. Uma forma de a gente estar pecando menos eu
acho que vai ser melhor pra gente passar pelas coisas que a gente vai ter que passar.

O que a noiva traz da religião, o noivo encontra correspondente no legado de


seu pai, como veremos no trecho da entrevista a seguir.

Noivo – Detalhe, isso é um ensinamento do meu pai, também. Ele falava que sexo é bom, é
maravilhoso, mas tem que ser com amor e na sua época, ele falava, eu na minha época pra
eu sentar do lado da sua mãe era difícil. Não que era correto ou era incorreto o que ele

80
queria demonstrar é o seguinte: o amor é depois do casamento, antes do casamento pode
se haver amor, mas que não é o correto. Porque ele não era, ele nunca foi católico ele fala
que ele é um filosofista de vida, frequenta uma filosofia de vida, ele nunca acreditou em um
Deus, ele acreditava num ser supremo, mas não esse Deus que todo mundo fala (...) Só que
ele falava: sexo não pode ser antes, senão você estraga todo o ciclo de vida, tudo tem um
ciclo, tudo tem um momento e foi um dos princípios que ele também me ensinou.

Em relação ao dinheiro, acontece uma diferenciação nos mitos das duas


famílias. Ambos os pais passaram pela situação de passar fome em um período da
vida. Na família do noivo, essa situação deu origem a um mito de união e de
conquista, enquanto que na família da noiva, a mesma situação deu origem a um
mito de fartura.

Noivo - O meu pai era muito, muito voltado pra grana com medo de passar o que ele
passou. (...), aquela parceria que a C. falou, isso eu sempre vi na minha casa, minha mãe
era muito parceira “L. olha vamos economizar daqui, sei lá vamos trocar uma lâmpada
vamos economizar” essa necessidade de tudo, da grana de (...) não to falando isso por
causa de financeira mas o trauma que eles tiveram na infância, de passar fome, meu pai
passou fome, meu pai, sabe, não tinha banheiro, o banheiro era coletivo, então ele nos deu
e nos passou isso em termos de união de casal pra que a gente levasse pra frente.(...)

Noivo - não é que o homem é ligado ao dinheiro é que o homem é o centro da condição
financeira da casa, então pro homem se a grana cair é meio constrangedor, isso é. Acho
que é desde lá de trás, é instinto do homem, não sei, eu vejo como instinto porque eu sou
assim também, eu acho que o meu filho também vai ser, o L.(filho da noiva) é assim, tem
que ter o dinheiro na carteira, se não tiver não é ninguém (...) não é que você é menos que
as pessoas, mas você tem que ter, sem dinheiro você não come. Meu pai era muito
preocupado, por trauma de passar fome na casa.

Noiva – eu percebo que homem ele é sempre mais ligado ao dinheiro. Quando ele (o pai)
tava muito ruim de dinheiro, extremamente estressado, e minha mãe conseguiu segurar.
(...)
Meus pais também tiveram isso. Minha mãe menos, não tinha muito, mas não passou
fome... já o meu pai também foi assim, eles passaram fome, porque meu avô se separou,
mas eles não levaram pro lado do dinheiro, o negócio deles é a comida é tudo muito
exagerado na minha casa, tudo muito exagerado. Eles não têm esse negócio de dinheiro, de
guardar dinheiro fazer economia (...) Meu pai, no mercado, teve um dia que a gente teve
que proibir ele de ir ao mercado porque o que ele via ele ia colocando nas compras assim
“não, não pode passar vontade”. Então eu já não tenho isso, graças a Deus porque não
passei pela situação deles.

81
8. Rituais familiares

Os rituais são aparentemente mais experimentados na família da noiva. Eles


parecem já ter construído um estilo de “estar junto”, formando certa cultura familiar.
Existe uma adesão da família nos ritos, todos participam.

Noiva – É na parte da minha casa tem a sexta-feira santa que com certeza é a parte da
minha mãe que se reúne, é uma coisa delas, das irmãs da minha mãe, e assim é todo
mundo, vai a família inteira, a família se reúne, mas da parte da minha mãe.
(...)
Da parte do meu pai é muito mais comum, tudo muito mais comum, a gente ta junto sempre
qualquer aniversário, o jantar é na casa da minha avó aí vai todo mundo, no domingo a
minha avó inventou que vai ter um almoço, né, das comidas que a mãe dela gostava. Ela
cria e, então, vai todo mundo. Esse negócio de ter todo mundo junto eu acho muito legal (...)
eu adoro essa parte, adoro assim de ta sempre junto e toda semana tem o ritual de ir visitar
minha avó, a minha mãe tinha isso quando a mãe dela era viva, é que eu não lembro muito
(...) assim ela ia todo dia tomar café da tarde na casa da minha avó que era muito próxima
uma rua da outra. Quando a chaleira apitava, ela já sabia que tava na hora de tomar café.
Tinha esse negócio de estar sempre junto, toda semana visitar a mãe do meu pai, então
agora ela só visita a mãe do meu pai toda semana e se não vão minha avó até reclama ela
liga pra saber se aconteceu alguma coisa e também já virou quase que um ritual, estar lá.

Na família do noivo os rituais foram se perdendo ao longo do Ciclo de Vital da


Família. Na primeira fase eles foram ricos, embora sempre ligados à família da mãe
e não do pai. Logo em seguida foram rompidos por problemas de relacionamento na
família extensa.

Noivo – no meu caso é mais complicado, o meu irmão, o meu pai com o irmão dele não
tinha vínculo familiar, tinha mais com a família da minha mãe, a família eram seis irmãs, (...)
aí houve uma briga familiar, briga de herança, desmanchou então. Eu só peguei isso na
minha infância, na minha adolescência já não tinha tanto, então o que eu acompanho hoje é,
hoje é minha casa, minha irmã pouco vai porque também casou tem a sua vida e a minha
mãe com esse lado de cuidar do meu irmão, de cuidar do pai e assim vai. Sempre se
reuniam na casa da minha avó, que eram três casas, a da minha avó... e aí todo mundo se
reunia e fazia lá. Com a briga da herança... uma série de fatores da herança se separou e
ficou um bom tempo ninguém viu mais a cara de ninguém, então eu sinto essa falta tanto
que quando eu vou pra C. eu me sinto assim muito, eu me sinto na minha infância, né, esse
lado familiar que meu pai sempre falou “filho isso é importante, todo mundo tem defeito mas
o ambiente familiar, estar junto , o que nós vamos levar da vida é isso aqui, não é dinheiro,
não é comida, é o ambiente familiar, é se respeitar, é estar junto, ter os encontros de
domingo”.

82
9. Hierarquias familiares

Na família do noivo, a noção de poder está definida por meio de papeis e


lugares determinados para cada membro da família. A fronteira que deveriam
separar o sistema conjugal do sistema parental foi reformulada criando um sistema
hierárquico rígido onde cada filho está coligado com um dos pais. Toda a família se
acomodou nesta estrutura hierárquica e todos, de alguma forma, colaboram para a
sua manutenção.

Noivo - minha mãe tem certa proteção com meu irmão não sei por qual motivo e esse era
um dos exemplos que meu pai, eu conversava muito com meu pai, porque que ela é assim,
porque defende mais o L. e a R. e eu não. Aquelas coisas de família. Eu aprendi muito com
o meu pai porque ele falava assim “filho quando uma mãe cobre um filho é porque de
repente, você no caso é mais liberal, você é mais livre, você tem mais atitude, quem sabe
ele é mais dependente dela?”

Como essa estrutura hierárquica rígida irá aparecer no novo sistema que está
se formando será uma tarefa a ser observada na primeira fase do ciclo de vida
familiar.
Com as análises realizadas nesta pesquisa, podemos visualizar importantes
padrões intergeracionais que poderão permanecer na família que se formou e que
precisam ser cuidados, como as triangulações, lealdades e hierarquias - uma vez
que podem oferecer riscos para a continuidade desta relação.
Algumas repetições, delegações, regras e mitos podem ser positivos e
colaborarem para o fortalecimento do casal, outros, porém, podem servir de ameaça
e precisam ser refletidas e reconstruídas.
O casal encontrará muitos desafios na primeira fase do Ciclo Vital para
conseguir ajustar as expectativas e heranças que trouxeram de suas famílias de
origem. Esta análise poderá servir como um ponto de partida para esta tarefa. A
construção da conjugalidade deverá passar pela possibilidade dos dois construírem
um estilo de vida próprio, diferenciado, revendo os triângulos, os mitos, regras,
lealdades, hierarquias e rituais que estão trazendo intergeracionalmente.

83
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho proporcionou-me experiências muito agradáveis. Aprendi muito


lendo os textos, escrevendo os capítulos e interagindo com o casal de noivos. Senti
meu amadurecimento como terapeuta, pesquisadora e educadora ao longo de todo
o processo. Outra experiência agradável que tive foi a de entrelaçar a pesquisa com
a minha própria história conjugal que, em alguns pontos, ressoam com este estudo
de caso.
A primeira ressonância que encontrei foi a assertividade do noivo no início
do relacionamento, semelhante ao meu marido, que me pediu em namoro e disse
que se eu aceitasse o pedido já iríamos marcar a data do casamento. Assim como a
noiva, eu também fiquei um pouco chocada.
Outra ressonância que encontrei foi o fato do casal iniciar o casamento num
triângulo formado com a presença do filho adolescente. No meu casamento também
começamos com a presença da minha enteada, na época também adolescente.
Este estudo de caso corroborou com a minha experiência e fortaleceu o fato
de que o compartilhamento das histórias intergeracionais durante o período de
preparação para o casamento é fundamental no processo de construção da futura
conjugalidade. Mostrou ainda que quanto antes o casal passa por este processo,
mais tempo ele tem para amadurecer o projeto conjugal.
Como a construção da conjugalidade envolve certo amadurecimento
pessoal, muito diálogo e negociação, é muito interessante que grande parte do
processo aconteça antes do início do casamento. Quanto mais aberto o casal estiver
para negociar, quanto maior for a habilidade para expor seus desejos e quanto mais
conhecerem suas próprias origens, menor será o desgaste na primeira fase do Ciclo
de Vida Familiar.
Partindo do que foi pensado e analisado nesta pesquisa pode-se partir para
uma proposta de terapia pré-nupcial. Neste caso, os instrumentos que utilizamos
devem ser mais amplamente explorados. Naturalmente um processo terapêutico
levaria um tempo maior e, consequentemente, proporcionaria ao casal mais tempo
para elaboração e reelaboração das suas heranças intergeracionais.
O próprio casal poderia ser solicitado a fazer as conexões entre as histórias
e os genogramas das suas famílias. Fazendo eles mesmos as análises, com
circularidade promovida pelo terapeuta, estariam desenvolvendo um olhar mais
sensível a respeito de sequências e padrões de repetição em que venham a se
envolver nas várias fases do ciclo de vida familiar.
Os eventos mais significativos da história dos dois poderiam ser mais
explorados, principalmente em relação aos sentimentos, resoluções e
consequências que estes eventos tiveram para a família como um todo.
Além disso, outros instrumentos e recursos advindos das diversas
abordagens de terapia familiar sistêmica, como os rituais, esculturas, tarefas, entre
outros, podem ser acrescidos de acordo com a necessidade de cada casal.
Trabalhos com propostas preventivas possuem, naturalmente, mais campo
de aplicação em instituições como igrejas, centro comunitários, postos de saúde,
organizações não governamentais, escolas, universidades, varas de família, do que
nos consultórios. As pessoas, casais e/ou famílias em geral costumam procurar os
consultórios quando estão com algum tipo de problema e não porque desejam evitar
que problemas aconteçam.
Com esta pesquisa queremos abrir os olhos para este campo de intervenção
tão vasto e importante para quem lida profissionalmente com famílias em
consultórios, instituições e comunidades. O fato de um casal passar pela experiência
de uma terapia pré-nupcial poderá deixá-lo mais atento aos eventos futuros do
casamento e, consequentemente, mais aberto para procurar um processo
terapêutico se e quando se fizer necessário.
As instituições que promovem trabalhos de prevenção e/ou orientação
normalmente o fazem em grupos por uma questão de abrangência e praticidade.
Entendemos que esta proposta é perfeitamente aplicável a grupos, mesmo que
tenham uma proposta inicial apenas educativa e não terapêutica. Essas instituições
podem dividir o trabalho de preparação pré-matrimonial em módulos teóricos e
vivenciais trabalhando com equipes multidisciplinares. Nos módulos vivenciais
podem ser utilizados instrumentos semelhantes aos que usamos aqui e ainda muitos
outros disponíveis.
Espero, ainda, que outras pesquisas desta natureza surjam e que este
estudo tenha aguçado o interesse dos pesquisadores para a importância e
abrangência do trabalho preventivo, uma vez que trabalhos desta natureza podem
contribuir para programas de prevenção em todo tipo de comunidade.

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93
Anexo 1 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado a participar da pesquisa “A intergeracionalidade na


preparação para o casamento” realizada pela pesquisadora Elana Costa Ramiro. Trata-se de
uma pesquisa de intervenção, cujo objetivo é pesquisar a história intergeracional de casais de
noivos e as repercussões deste conhecimento para a preparação pré-matrimonial. Os
objetivos específicos desta pesquisa são:
 Encontrar recursos que o casal de noivos traz de suas famílias de origem e que podem
ajudar ou dificultar a construção da conjugalidade após o casamento.
 Identificar elementos de intergeracionalidade tais como: repetições, mitos,
triangulações, lealdades, diferenciação, narrativas, entre outros.
 Identificar possíveis pontos que o casal precisará fortalecer na primeira fase do Ciclo de
Vida Familiar.
Você participará de três encontros com duração entre 60 e 90 minutos. Solicito
permissão para que estes encontros sejam gravados para se obter um melhor registro das
informações. Esta pesquisa será direcionada de modo a não causar danos aos participantes,
no entanto, comprometo-me a realizar um acompanhamento caso seja necessário.
Seu nome será preservado e permanecerá em sigilo absoluto. Ao término desta
pesquisa, os resultados serão divulgados, ficando à disposição dos participantes junto à
pesquisadora.
Sua participação é voluntária, ou seja, você tem direito a não participar desta pesquisa
e, caso aceite participar, fica assegurada a sua liberdade de não responder às perguntas que
considerar inoportunas. Também fica garantido seu direito de desistir em qualquer momento
de participar da pesquisa sem qualquer penalização ou prejuízo à continuidade de
assistência. A sua participação na pesquisa não lhe trará nenhum custo ou compensação
financeira. No entanto, é importante que você participe, pois as informações fornecidas
podem refletir na melhoria da prevenção da saúde mental.
Esse “TCLE” foi elaborado em duas vias, uma ficando com o participante da pesquisa
e outra em poder da pesquisadora. Maiores esclarecimentos ou dúvidas sobre esta pesquisa
fale diretamente com a pesquisadora responsável Elana Costa Ramiro, pelo telefone (11)
2476 5255, 99557 7769, pelo e-mail [email protected], ou na Rua Caquito, 222 Penha
– São Paulo – SP.
Fui suficientemente informado sobre a pesquisa e concordo em participar.

____________________________ ___________________________
Nome de Participante Assinatura do Participante

____________________________
Assinatura do Pesquisador São Paulo, 06 de Setembro de 2013.

94
Anexo 2 – TRANSCRIÇÃO DA PRIMEIRA ENTREVISTA

P - Eu queria agradecer a vocês pela disponibilidade de participar desta pesquisa.


Explicação sobre o TCLE e o casal assina o documento.

P - Como vocês se conheceram, como é a história de vocês?

NO - Pode falar você gosta mais de falar, fala você depois eu falo....
NA - Tá é na verdade o R. já tinha me visto, a gente, o meu pai ele concorre com sambas-
enredo em escolas de samba, ele é compositor, então.... compõe enfim, em geral e também
samba-enredo que não é uma coisa muito fácil. Aí ele tava concorrendo na escola que a gente
torce que é a Nenê de Vila Matilde que é aqui próxima e o R. foi assistir essa final
NO - Começa antes
NA - Só que não... o antes na verdade é que ele torcia ou torce
NO - Torcia pro samba de um amigo meu
NA - Pra uma outra escola
NO - Que é um amigo de longa data
NA - Que é da Casa Verde e eu fui um dia e ele tinha me visto. Enfim, e eu cumprimentei um
amigo que tava do lado que é um amigo comum e não vi o R. e aí ele já tinha visto já tinha
meio que se apaixonado falou “nossa, essa é a mulher da minha vida”
NO - Nem tanto assim (risos)
NA - Não, mas então na verdade ele se interessou.
NO - Eu to brincando
NA - Se interessou, mas eu não tinha visto.
NA - Tinha me interessado já por ela tinha visto não antes tinha visto ela algumas vezes na
escola.
NA - Ah algumas vezes?
NO - Umas duas, duas
NA - Não foi só uma vez? Duas?
NO - Aí ela cumprimentou esse meu amigo e aí foi que eu perguntei...
(interrupção – para tirar o carro)
NA - Beleza aí ele me viu e teve a final e o R. foi. Não seria estilo, por exemplo, que eu gostaria
porque, mesmo sendo muito, sempre fui muito em escola de samba com meu pai, sempre
acompanhei, mas, não são pessoas que me atraiam eu tenho um preconceito terrível, embora
eu vá, não é o tipo de pessoa que eu goste de me relacionar, então o R. jamais chamaria
minha atenção. Mas aí, eu gostei do R. achei ele assim, tipo de boa, aí eu comentei com a
minha irmã. Aí meu pai no final ganhou, ele foi lá campeão do concurso e ficamos
comemorando e mesmo assim, depois de toda aquela comemoração, de manhã eu falei pra
minha irmã “quem era aquele moço?” que tava com o A., que era o amigo em comum, aí ela
falou não sei. Então pergunta... Para aquele branquinho eu até abriria uma exceção.
NO - Os dois preconceitos
NA - Não, cheia de preconceito...
NO - De ambiente e de raça...

P - E a sua versão da história?

NO - A minha versão foi que eu perguntei pro A., que era o amigo em comum, que era
namorado da K., na época não era, já tava numa fase final mas eles tinha relação de encontros
ainda,... eu falei me apresenta aquela menina lá cara, não sei o que... e aí eu não sabia da
história mas tinha uma história antes que um amigo dele namorou com ela e ele ficou meio
com trauma porque não deu certo por “n” fatores que não sei se cabe entrar no assunto, e aí
95
eu falei “me apresenta, me apresenta, me apresenta” e ele não me apresentava aí então eu
comecei a frequentar os lugares que ela ia ...
NA - Na nenê você foi...
NO - Na Nenê, com seu pai, eu já fui atrás de você
NA - Olha só, a gente conta essa história várias vezes... para todos os padrinhos a gente acaba
contando, padrinhos de casamento e aí cada vez eu descubro, de repente, algum ponto que
ficou faltando.
NO - Não é que tudo coliga, eu fui lógico pra ver o samba enfim, eu tinha, eu tenho, eu gosto
desse ambiente de samba-enredo, disputa, eliminatória, mas a intenção maior era pra vê-la
quando ele falou a vai ser do DA, tal, eu não sabia que era seu pai, no final tava perguntando
quem que é o pai, quem que é o pai? Eu cumprimentei seu pai duas vezes, eu não sabia e aí
aconteceu, aí... aí eu não lembro depois
NA - Não aí o que aconteceu, a gente, bom enfim, cada um foi pro seu lado, em dado
momento no qual eu tava lá embaixo que nem uma macaca pulando com meu pai aí o R. falou
para uma amiga minha
NO - Falei para uma amiga dela... F... até ela falou agora no encontro de padrinhos ela falou
“eu lembro que você falou viu R., vou casar com essa menina, eu falei é foi justamente, foi o
que eu falei pra ela. Não tava bêbado não, hein, F. Eu não tinha bebido naquela época, não
tinha bebido tomei um copo de cerveja, também não sou muito de carcá... e aí eu falei: “F., eu
vou casar com essa menina!”, a F. era prima desse A., a qual é amiga em comum e amigo dela,
amiga dela ... a prima do A. e amiga dela pessoal de faculdade e o A. é meu amigo... foi aí que
tudo começou.
NA - É e aí depois ele me adicionou no facebook
NO - Eu procurei ela no facebook e adicionei.
NA - Porque o A. não apresentava, não dava chance de jeito nenhum.
NO - É ele foi muito, eu até achei bonito isso da parte dele, preservou ela, já que não deu
certo com um eu não vou ficar me intrometendo.
NA - E aí eu, ele me adicionou e a gente ficou um mês conversando pelo facebook.
NO - Rede social...

P. - Vocês estão juntos há quanto tempo?

NA - Vai fazer dois anos agora em Novembro


NO - dia 1º de novembro
NA - Foi tudo, foi um processo em marcha, 5ª marcha... não foi não... acho que não tem
tempo, tem gente que na verdade casa, namora... o tempo realmente é relativo, mas é que a
gente não teve uma fase de namoro e noivado. A gente saiu numa sexta, sábado e domingo aí
a gente foi dar um beijo numa 3ª feira
NO - Não a gente ficou 30 dias pra tentar
NA - Ficou 30 dias conversando, a gente saiu 3 vezes e a gente foi dar um beijo na 3ª.feira e
quando foi na sexta daquela semana ele me pediu em namoro, e o dia que ele me pediu em
namoro ele já me pediu em casamento... hoje olhando fiquei passada... falei ok

P. - Como foi essa história de pedir em casamento no dia que pediu em namoro?

NO - É eu pedi em namoro e depois falei que casar comigo? Eu sempre tive isso... É, além da
paixão, do sentimento eu sempre busquei, através da educação do meu pai, uma família, e eu
nunca tinha encontrado. Hoje em dia, eu não sei, o mercado, o mercado de namoro vamos
dizer assim entre aspas é meio complicado, é meio conturbado, é meio atrapalhado, é bem
bagunçado, eu sinto isso não a minha geração, a de hoje, mas a minha geração que

96
acompanha a de hoje eu vejo, eu como pessoa, como homem, vejo isso, e eu sempre quis eu
achei até que to casando tarde, porque com 35 anos, já era pra mim ser pai, a minha
educação do meu pai foi assim. Minha mãe sempre falou não, dá tempo ao tempo, eu casei
muito cedo, minha mãe sempre foi um pouco mais insegura, o meu pai não, você tem que ter
uma família, você tem que ser homem, tem que honrar sua casa. Eu sempre busquei isso, não
que eu me desesperei encontrei aquela menina quero casar, não, tem que achar a pessoa
certa, e aí, nela eu vi a pessoa certa, o perfil da pessoa que eu queria, o jeito, o gênio nem
tanto... rs

P. - Gênio?
NO - É o gênio nem tanto, geniosa, mas isso é uma qualidade geniosa, verdadeira, o mais
importante é verdadeira... abusa um pouco né, por ser verdadeira ela abusa né...
P. - Como que é o relacionamento de vocês assim, quais são as nuances aí dessa relação, de
maneira geral?
Ela – como assim?
Ele – É hoje nós estamos numa fase muito estressada por causa de uma série de fatores, as
brigas eu vou dizer em si até aconteceu antes de vir pra cá, por causa de coisas bobas,
incompreensões de ambos, eu acho que tá sem pavio, tá estourando fácil, devido ao
casamento, convite, padrinho, novembro, reforma, vestido tem que ficar pronto, alugar
roupa, o pedreiro, até o motivo da escolha do pedreiro ta sendo motivo de briga, eu acho que
tá meio conturbado assim no sentido, é, emocionalmente falando, se fosse .... num modo
geral é normal os dois são muito teimosos, isso é normal, é qualidade, característica de cada
um.. é lógico defeito.... teimosia é defeito, acho que.... é meio, como é que eu posso dizer,
queria usar uma palavra mas não consigo... os 2 são teimosos, mas, porém são muito.... fugiu
a palavra agora .. fala alguma coisa a até vim, eu to assim também esquecido de tudo
(estresse) nossa tá uma fase de estresse, mas tá gostosa é tudo que eu busquei pra mim, é
estressante? É, é desgastante? É ... nossa tem dia que eu chego eu casa eu desmaio, não dou
boa noite pra ela, acho que tá sendo bom eu acordo no outro dia, putz, falta 71 dias, hoje
falta 71 putz amanhã é 70 daqui a pouco vira 2 meses cara, isso tá sendo bom, agora eu não
sei, eu não sei como se eu to sabendo lidar com isso ou se é normal num casal esse estresse
todo que nós estamos passando mas depois eu tento resgatar isso que está sumindo... fala
alguma coisa, me ajuda aí..

P - Como é o relacionamento, qual a sua visão?

NA – O relacionamento, acho que a gente é bem, eu acho que na verdade foi rápido eu acho
embora eu acho que o tempo seja relativo, tem gente que casa e namorou 3 meses, tem
gente que fica 10 anos, 2 anos. Logo no começo o R. chegou a perguntar se ganhasse na sena
se a gente casaria logo, eu falei não eu não mudaria nunca a data de casamento pra 2 anos
que é um tempo pra eu conhecer você, sua família independente de dinheiro. Acho que os
dois tem gênio forte acho que o R. consegue ser mais maleável, acho que tenho aprendido
com ele, mas tem mas eu acho que a gente consegue ser parceiro, eu acho que isso é o que
eu acho que é o mais essencial, acho que o tempo inteiro, na verdade, a gente consegue ser
parceiro, de vez em quando dá merda, sabe, de vez em quando dá confusão tipo ele fala uma
coisa eu falo outra, dá o maior barraco e depois mesmo assim a gente consegue voltar no
assunto e fazer o outro entender... não é a coisa mais simples do universo, mas eu acho que
essa parte de parceria porque eu acho que por mais errado, sei lá, que... um erro que um
cometa que o outro cometa o tempo inteiro não é pra a gente não faz nada pra machucar um
ao outro. A gente ta fazendo porque errou, paciência, é que às vezes a gente (?) na verdade
que errou ou fazer o outro entender que na verdade a intenção não era aquela, enfim, mas eu

97
acho que, sei lá em via geral acho que é OK. Acho que é um casal normal acho que o normal
que é normal pra mim? O que é normal? Para mim é o exemplo que eu tenho que é os meus
pais, que é alguém que tá sempre junto, os nossos planos, tá o tempo inteiro junto, eu não
tenho que fica eu nunca tive que (?) pro R. tem que por exemplo imaginar um sábado
combinar alguma coisa agora pra no sábado de repente não sair ou arrumar alguma coisa
sozinho. O tempo inteiro a gente é parceiro mesmo (?) eu acho que é uma relação, assim de
parceria.

P - Pegando o gancho, eu queria saber como que é o relacionamento dos pais de vocês, assim
a visão que vocês tem de casamento?

NA – a minha visão dos meus pais, bom os meus pais, eu acho que... a minha visão dos meus
pais. Bem, meu pai é negro e minha mãe é branca e eles sofreram muitos problemas pra eles
se casarem porque a família do meu pai era muito preconceituosa, assim como a da minha
mãe também era. Minha mãe era filha de um húngaro vindo da guerra era Heil Hitler mesmo,
então assim, um negro na casa deles era difícil. Assim como da parte da minha avó, minha
avó mineira, era bem preconceituosa também então eles não queriam, na verdade eles e eu
acho que pra mim assim de toda a relação deles, eles são casados a trinta e pouco anos eu já
acompanhei várias fases, fases em que, sei lá, o homem eu percebo que homem ele é sempre
mais ligado ao dinheiro. Quando ele tava muito ruim de dinheiro, extremamente estressado, e
minha mãe conseguiu segurar e numa outra fase em que a minha mãe tava muito mal, é tava
com depressão, ela teve um período de depressão bem grande, e ele tava lá (choro - eu me
emociono para falar dos meus pais, mas não se preocupe que não é ferida é emoção mesmo
de falar deles). Ele, o meu pai, de ser homem, de alguma coisa que não tem muito hoje. Eu
não consigo ver nos casais, de uma forma geral, por exemplo, de a noite, de repente, ela
acordar, se sentir sufocada dentro de casa e ele pegar o carro e sair com ela pra andar... eu
acho que isso é parceria, eu acho que toda relação na verdade ela sobrevive se eles são
parceiros (emoção) e na verdade é assim, eu acho que toda relação sobrevive se Deus fala
olha é você com você, eu acho que na verdade todo casamento que é abençoado por Deus ele
vai acontecer e vai superar tudo, essa é a primeira coisa. Aí eu acho que Deus é a estrutura,
né, eu acho que em todo o momento, tudo que eles superaram eu acho que foi porque eu
nenhum momento eles deixaram a fé deles ser abalada, então eu acho que a fé conta e o
amor que um tem pelo outro e o respeito que um tem pelo outro e aí eu consigo ver uma
relação normal porque não é melação o tempo inteiro, eles não são, eles vem de outra
geração que não fica falando eu te amo o tempo inteiro eles não fazem isso, eu e o R. a gente
manda por mensagem a gente se fala no telefone meu pai e minha mãe não tem isso
NO - (JEITO) é jeito, né?
NA - Na verdade eles demonstram um pro outro. De repente meu pai está na sala e ele faz um
coração, dá um beijo, assim, é diferente a forma deles se relacionar, mas. Assim, claro, já
tiveram um monte de briga de, um monte que eu ouvi, e já teve horas que ficaram sem se
falar de eu acho que um chatear o outro, mas eu acho que tem isso, na verdade, eu acho que
a história deles já começou na verdade de tendo que deixar claro: A gente vai ficar junto
mesmo? Porque a gente está enfrentando uma barreira, a gente não tá pra brincadeira, é
amor mesmo? Então, eu acho que a partir daí tudo que vem, eu acho que fica só mais uma
coisa, então essa é a visão que eu tenho deles, dos meus pais. É o quê que eu tenho pra minha
visão de casamento? Que nada é só arco-íris, que tem alguns momentos também de
turbulência, mas que tudo dá pra ser superado, tudo, tudo dá pra ser superado, desde que em
nenhum momento um largue a mão do outro, né? Se o tempo inteiro puder contar, sabe que
independente da situação por mais brigado ou não, você sabe que você pode contar com o
outro eu acho que tem tudo pra superar, é essa a imagem assim que eu tenho deles.

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P. - Você sabe como eles se conheceram?

NA - Sei, sei, eles se conheceram num baile, na verdade meu pai já via minha mãe há um
tempo, a minha mãe não lembra (rs) é, via, ele fala que ele não gostava muito dela, mas na
verdade acho que ele queria desdenhar, ele desdenhava e aí eles se conheceram num baile
uma vez. Eu não sei, na verdade, assim, como ele chegou até ela, mas eles se separaram um
período ficaram quase um ano separados. Ele odeia que fale essa parte, toda vez que eles tão
contando a história deles e alguém, ele abstrai essa parte, ele não gosta que conta e, se conta,
ele fica irritado, ele não gosta de saber dessa parte que ficou um tempo separado, ele é super
ciumento. Aí um dia ela que voltou atrás, ela falou, olha chegou um dia eles estavam saindo
de um baile que os dois estavam também e ela pegou e falou assim você vai me levar pra casa
ou eu vou ter que tomar um taxi? E aí foi quando eles voltaram, e aí não largaram mais, mas
acho que assim o tempo inteiro eles se gostaram. Foi uma iniciativa dela de voltar atrás,
então eles estão juntos quase 33... eu acho que uns 37 anos juntos, 38 anos juntos mais ou
menos. Durante o período que eles eram namorado, noivado, entre aspas, eles já tiveram uns
problemas também antes, teve um problema de doença, a minha mãe teve tuberculose, que
era uma doença da geração deles porque ele tem quase 60, ela teve que ficar em sanatório
em Campos do Jordão, em São José dos Campos, foi um período grande, 6 meses, 8 meses e
eles se correspondiam por carta, então, esse tipo de coisa que mostra que na verdade não era
uma brincadeira né, porque ele podia largar... (emoção - é que eu tenho muita admiração
pelo meu pai, falar alguma coisa dele, eu acho incrível que ele tenha feito, fico assim), porque
ele mandava carta, eles guardam as cartas deles até hoje, que eles trocavam, ele não podia
ficar indo muito porque não tinha dinheiro mesmo e além do problema minha avó não queria
que ele fosse. Eu até entendi, a mãe dele, minha avó, primeiro porque ela tinha medo do filho
pegar a doença, porque tuberculose é uma doença que pega no ar, né, por razão óbvia, e
também porque ela não torcia mesmo pra aquilo e aí ficava. Era uma mulher que na visão
dela não era a raça que ela queria, é super preconceituosa, e ainda era doente né, então que
coisa boa que ela estava vendo naquilo tudo né, enfim.. enfim foi assim, é assim que eu vejo
eles.

P. - E o seu lado como é que foi?

NO - Meu pai conheceu minha mãe num, meu pai tinha uma vendinha de fogos na rua....
M.C., minha mãe morava na rua ... e passava pra lá e pra cá e se conheceram, meu pai vinha
de uma família muito rica na época e aí os pais deles se separaram, meu avô era meio
calabrezão, filho de calabrêz e por motivo de traição, e por motivos de traição meu avô deu
três tiros na minha avó passou .. meu pai passou uns poucos bocados com a família, com os
pais, né, e aí eles vieram pra SP , ele era de Taquaritinga, ele nasceu em Taquaritinga e veio
pra SP com a minha avó solteira, os 2 irmãos né, os 2 filhos, meu pai faz..... de 39 e meu tio de
41 , o ano que nasceu (?) vieram pra cá, meu pai começou trabalhar cedo... aí pra poder
ganhar a vida abriu uma quitandinha, quitandinha não uma loja de fogos e minha mãe
passava pra lá e pra cá, se conheceram, casaram (?) tiveram minha irmã e .. nossa tá me
dando um branco, sabia (?) Ela como é que eles se conheceram e aí eles casaram.... se
conheceram, se casaram e tiveram nós, um monte filho. Nós somos em 3, minha irmã de 50,
meu irmão de 42 e eu de 35, a o exemplo que eu tenho deles de casamento da minha mãe a
referência é que minha mãe é muito... não digo insegura não consigo achar a palavra certa
ainda da minha mãe é meia pra baixo minha mãe, tudo é negativo pra ela, e o meu pai eu vejo
sempre como o lado bom o seguinte, meu pai é a referência, minha mãe é mais negativa
“olha, mais sentimentalista vamos dizer assim, mais sensível, tudo ela “ai, porque o seu pai”

99
... meu pai já não “o casamento é isso, é família, vai ter desavenças, vão ter turbulências aí
tem que passar por cima de tudo” aconteceu um fato muito ... havia sempre uma briga
familiar entre minha mãe e o irmão do meu pai, e o que eu aprendi com o meu pai é o
seguinte: família é tudo, e a minha mãe e o meu tio não se bicavam, sempre ele arrumava,
sempre ele aprontava muitas coisas pra querer provocar alguma coisa, alguma divergência
entre a minha mãe e o meu pai, né, eu até dou um pouco de razão, mas minha mãe dá muita
ênfase para isso, ela é muito rancorosa, guarda isso aí, eu acho que ela tinha que se ocupar
mais com o meu pai, com a família dela, e não ficar guardando isso, não sei se eu to certo mas
minha maneira de ver é, é dentro de casa que se resolve se o A. tá fazendo, problema dele, as
consequências estão aí da vida, né, o homem tarda mas não falha, então o que eu tenho de
exemplo o meu pai sempre falou “filho olha eu to aqui, hoje eu não tenho mais nada com a
sua mãe, acho que chegou a se separar assim, não de corpos mais viveram, vivem até hoje na
mesma casa e não dormem mais juntos a anos (?) eu não consigo me recordar o ano (?) eu
não vou recordar agora (...) desde 95, que eu durmo com meu pai num quarto, minha mãe
dorme com meu irmão, e meu pai falou assim, independente de tudo eu nunca vou deixar
minha família (EMOÇÃO) e hoje ele tá com Alzheimer (PAUSA) ai, ai, falar do véio é fogo....
onde eu parei? (Hoje ele tá com Alzheimer) e quem tá sentindo muito isso pelo fato do
casamento sou eu né? (CHORO)
NA - Quer que eu falo até você ter condição de falar? é que na verdade é assim (?) na verdade
ele queria que o pai dele estivesse vendo ele casando, na verdade, ele vai tá vendo mas não
vai tá lembrando.
NO - Tudo que ele me ensinou eu queria que eu falasse pra ele “pai, eu consegui, né, mas
infelizmente ele.. a doença não vai permitir, sei lá, se ele vai ver ou se não vai ver eu já fui no
médico com ele (?) o médico falou “R. quem vai sofrer são vocês porque ele não vai lembrar
de nada” o meu sonho é que ele visse... só isso? Não tem mais o que falar, o exemplo dele foi
sempre esse “filho, casar, honrar sua mulher, ser leal, ser fiel em todos os momentos, você vai
ter dificuldade financeira, vai ter dificuldade sentimental, vai ter dificuldade familiar mas você
tem que honrar sua família. Minha mãe com esse todo esse entrevero todo com meu tio, eu
nunca consegui enxergar minha mãe como exemplo de casamento porque ela sempre ficou
“ai, o teu pai fica do lado do seu tio”, a preocupação da minha mãe era mais o meu tio do que
a minha família, eu sinto isso, eu vejo isso. O meu irmão, eu tenho muito orgulho do meu
irmão também, apesar de ter divergência, mas a minha mãe tem uma certa proteção com
meu irmão não sei por qual motivo e esse era um dos exemplos que meu pai, eu conversava
muito com meu pai porque que ela é assim, porque defende mais o L. e a R. e eu? Aquelas
coisas de família. Eu aprendi muito com o meu pai porque ele falava assim “filho quando uma
mãe cobre um filho é porque de repente você no caso é mais liberal, você é mais livre, você
tem mais atitude, quem sabe ele é mais dependente dela? Então basicamente a minha base
de casamento, de família, é mais por causa do meu pai. Amo minha mãe do mesmo jeito que
eu amo o meu pai, mas alguns tem mais qualidades e mais defeitos, a gente se apega mais a
um lado,não sei, a gente se vê numa referência. Meu pai sempre foi uma referência para mim.
Hoje a minha maior dor é isso, meu pai esta com essa doença e eu não consegui mostrar pra
ele, né, que tudo que ele me ensinou eu vou fazer, comecei a fazer, né, o casamento começa
mas o fim é só quando a gente morre né? basicamente é isso.

P - Como que é que é retratado o casamento na família de vocês? Vou explicar melhor,
quando se fala de casamento na família, como é que se fala?

NA – na minha todo mundo que vai casar, todo mundo fica feliz. Tudo é festa, mas, mas é
sempre dessa forma que eu to falando, que eu falei mesmo, assim, o casamento não é fácil,
eles acham que a pessoa separa muito por causa de primeira briga, porque não, não tem

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maturidade. Na verdade, essa é a visão que eu tenho de casamento hoje. Se separam porque
não tem maturidade para lidar com o problema, mas se a pessoa souber lidar com isso o
casamento dá certo. Problema a gente vai ter, então, mas... Quando a gente foi falar que ia
casar, eles não falaram assim nada né .... minha mãe, ... minha mãe e meu pai, só meu pai
que, na verdade, falou com o R. que ele tinha, que ele gostava dele e tal e aí .. eu já tenho um
filho de 16 anos, que tinha o L. também, falou assim que ela estava pra apoiar, que ele torcia
que desse certo e que caso, de repente, até esse período de noivado a gente resolvesse que
não que não era pra casa, que não era pra chegar até este momento que ele estaria lá pra
apoiar e ele só gostaria que fosse avisado, e foi isso né, assim, não teve (?) eles se abraçaram
...
NO – Na minha família foi diferente, com essa doença do meu pai eu não sei se a minha mãe
acreditou, não sei se a minha mãe não tá vivendo esse momento, eu ainda até sinto um pouco
isso, eu R. ainda sou até um pouco cobrado pela C. por causa disso, da participação da minha
família, eu não posso fazer nada, eu não sei, eu não consigo, é... como se diz, é... tentar
alguma coisa, a minha família infelizmente se desmoronou com a doença do meu pai,
desestruturou, na verdade, balançou bastante. Minha mãe tá vivendo pra cuidar do meu pai,
e como ela é muito sentimentalista ela pega um probleminha desse tamanho e faz desse
tamanho, em vez de ela encarar o problema como eu vejo ela, ela deixa o problema tomar
conta dela, então, eu coversei com ela, ela falou que ficou feliz, que espera que eu seja feliz,
que toda mãe deseja pra um filho a felicidade, que o casamento, o meu casamento não seja
igual ao dela, eu falei, jamais vai ser porque a minha, a minha educação não foi pra isso, e
assim vai. O meu pai infelizmente a gente não pode ter essa conversa com ele, mas toda vez
que eu falo de casamento ele fica feliz.

P - Quando vocês conversam sobre casamento, ou mesmo na infância ou outros momentos


antes como era retratado? Sua mãe falava de maneira negativa sobre o casamento?

NO - não, não, minha mãe não. Minha mãe sempre foi muito apaixonada pelo meu pai, isso
ela sempre chegou a relatar e eu me lembro disso muitas vezes. Os dois conversavam muito,
mas o meu pai era muito mais... meu pai tinha muito mais razão, pé no chão “filho, eu amo
sua mãe e nunca vou mudar” coisa que minha mãe nunca fez né? Não dormiu mais com ele
por causa de uma briga familiar. Meu tio ia ser preso porque o nome tava sujo, nome de
família, aí meu pai foi lá fez o cheque, não consultou ela, e pagou pra ele não ser preso, ela
achou isso como desaforo. Eu concordo e discordo, ele também não podia deixar o irmão dele
ser preso se ele não fizesse e tinha que avisar minha mãe, tem que relatar eu até dou razão,
mas eu acho que pra uma separação, pra você não dormir mais com a pessoa que você ama...
Aí que eu falo, aí que eu acho que foi um pouco exagerada, mas ela sempre foi muito
carinhosa, ela falava que perfumava a cama pra ele chegar, fazia uma janta, que o casamento
tem que ter esse temperos pra poder você superar as dificuldades. O que eu não entendi
depois, no final agora, depois de 30 anos de casada querer “ai desisto”, porque a briga dela
maior era sempre o A., que é meu tio, mas a referência que eu tenho sempre foi... a base, é a
família é sempre a base de tudo pra gente, ou seja um casamento, uma estrutura familiar, um
filho, um neto que quando a gente vem para o mundo a gente não vem pra ser sozinho, ser
abandonado, acho que nada mais bonito, nada mais puro, e nada mais maravilhoso, divino
vamos dizer assim, que é o casamento, um laço familiar, isso eu tenho grande certeza que
meu pai ficaria muito feliz de ta ouvindo isso. Que tudo que ele me passou, ele me educou e
eu to pondo em prática.

P - E, se vocês pudessem descrever pontos positivos e negativos no casamento dos pais de


vocês, quais seriam? O que eu vejo de positivo e de negativo no casamento dos meus pais?

101
NA - Ai negativo que meu pai é muito folgado, nossa! Bom, problema deles né, que minha
mãe não trabalha fora. Ele é muito folgado, ele não ajuda em nada, não coloca a comida no
prato, não lava um copo, bagunceiro, de chegar e colocar calça de um lado, a meia no outro, a
camisa no outro, é assim mesmo, né, R.? Impressionante assim, de lavar o rosto no banheiro e
molhar todo o banheiro. Eu acho que falta um pouco, eu acho uma falta de respeito mesmo
pelo trabalho do outro.

P - A sua mãe reclama?

NA - não. Para mim é falta respeito, é ... pra mim né, eu olhando de fora, é o que eu acho,
então eu acho ele muito folgado. Ela não, ela acho tudo isso normal, ela não reclama.. A
minha mãe, ela é meio grossa, às vezes, assim, não, mas o meu pai também é, os dois são
meio grossos às vezes de uma forma tão desnecessária, e eu também tenho isso. Então os
dois são assim... que mais? A minha mãe é mais fria, o meu pai faz palhaçada, manda beijo,
compra flor, a minha mãe já não é assim. Ele mais romântico. A minha mãe não, a minha mãe
tem uma coisa, por exemplo, ela não fala que ama, ela acha que se fala a pessoa se sente
muito e aí acaba dando algum tipo de problema.
NA - Tem um mito aí, isso, ai esse negócio de ficar falando que ama i.... os casamento não dão
certo (rs), enfim né, é o que ela acha. (?) defeito dele, a minha mãe é meio grossa, às vezes
né, meio seca. E o meu pai é folgado, eu acho ele muito folgado, e grosso também, às vezes.
NO – O meu pai... meu pai sempre foi amoroso, carinhoso com a minha mãe, claro, muito
trabalhador acho que isso também... o trabalho nunca é demais mas também era muito,
muito voltado pra grana com medo de passar o que ele passou, mas muito carinhoso, muito
fiel, isso ele passava pra mim, fidelidade é importante.
NA - E os defeitos?
NO – eu vou falar dos negativos também, meu pai eu achava ele meio brutão também às
vezes, meio ignorantão, se focava num negócio que tava certo.... teimoso, isso ele é teimoso,
e hoje ele até hoje e mesmo com Alzheimer isso ele não esqueceu: a teimosia. Ele é teimoso e
quando ele quer fazer um negócio ele vai fazer. A minha mãe qualidade, uma guerreira, forte,
uma rocha. Defeito? Sentimentalista muito sabe, acho que ela é muito... “ai sofro, ai eu, ai
eu, ai eu”... eu acho ela muito assim, se faz de coitada, vamos dizer assim, mas como mulher,
guerreira, amável também com meu pai, ela sempre passou isso, a mulher é o centro do
casamento se tiver pendendo pra um lado ou para o outro ela falava isso, desvia. Hoje não
fala mais né, a gente nem comenta de casamento mais porque eu acho que com essa fase do
meu pai ela muito perdida eu acho, minha mãe tá perdida, e agora morreu recentemente uma
irmã dela muito ligada a ela, então minha mãe ta tomando até medicação, calmante que a
médica receitou, ela teve um surto, e minha mãe ela, a referência hoje que eu me lembro
assim eu não tenho muito, muita coisa que eu também nem quero pegar pra não me
contaminar, eu às vezes até evito. Não sei se contaminar é a palavra certa to dizendo só pra
ilustrar bem. O que eu guardo mais é sempre as coisas boas, minha mãe sempre foi guerreira,
lutadora, econômica, segurou bem a onda em casa quando meu pai, meu pai sempre
trabalhou de gerente de supermercado então era ele que pagava o balanço, se o balanço
faltava era ele que pagava com o salário dele, então tem aquelas coisas da união, aquela
parceria que a C. falou, isso eu sempre vi na minha casa, minha mãe era muito parceira “L.
olha vamos economizar daqui, sei lá vamos trocar uma lâmpada vamos economizar” essa
necessidade de tudo, da grana de (?) não to falando isso por causa de financeira mas o trauma
que eles tiveram na infância, de passar fome, meu pai passou fome, meu pai, sabe, não tinha
banheiro, o banheiro era coletivo, então ele nos deu e nos passou isso em termos de união de
casal pra que a gente levasse pra frente (?) mais ou menos é isso

102
NA – Meus pais também tiveram isso. Minha mãe menos, não tinha muito, mas não passou
fome... já o meu pai também foi assim, eles passaram fome, porque meu avô se separou, mas
eles não levaram pro lado do dinheiro, o negócio deles é a comida é tudo muito exagerado na
minha casa, tudo muito exagerado. Eles não tem esse negócio de dinheiro, de guardar
dinheiro fazer economia
NO - meu pai tem
NA - Nunca fizeram, isso mas tudo de muito assim. A hora de comer em casa tem que ter
muito, mesmo
NO – Nossa, é três panelas de arroz, é coisa exagerada...
NA - Na verdade eu percebo que gente que exagera muito assim, eu acho que é gente que
teve problema de ter passado fome alguma coisa assim mesmo, eu acho. Meu pai, no
mercado, teve um dia que a gente teve que proibir ele de ir ao mercado porque o que ele via
ele ia colocando nas compras assim “não, não pode passar vontade”. Então eu já não tenho
isso, graças a Deus porque não passei pela situação deles, então
NO – nossa, meu pai era o seguinte “L. acabou o arroz” ele mandava fardo de arroz, era 2, 3,
sempre foi exagerado aí depois (?) também que ele se aposentou isso deu uma baqueada,
não é que o homem é ligado ao dinheiro é que o homem é o centro da condição financeira da
casa, então pro homem se a grana cair é meio constrangedor, isso é. Acho que é desde lá de
trás, é instinto do homem, não sei, eu vejo como instinto porque eu sou assim também, eu
acho que o meu filho também vai ser, o L. é assim, tem que ter o dinheiro na carteira, se não
tiver não é ninguém (?) não é que você é menos que as pessoas, mas você tem que ter, sem
dinheiro você não come. Meu pai era muito preocupado, por trauma de passar fome na casa
dele e só ter uma moringa d´água e bacalhau que na época era barato, então ele sempre,
sempre pensou na gente. Era engraçado “pai compra um suflair?”, ele comprava a caixa de
bombom que dava pra todo mundo, “pai compra um sorvete?” ele comprava napolitano que
tinha os três sabores e todo mundo comia, satisfazia todo mundo, só que não comprava
picolé, comprava o pote de sorvete, que era mais econômico, então, essas coisas a gente vai
pegando, basicamente é isso.

P - Me diz uma coisa assim, como que são os rituais na família de vocês, quando a família se
encontra, tem uma coisa que é típico, que só na sua família... como que é assim?

NA – É na parte da minha casa tem a sexta-feira santa que com certeza é a parte da minha
mãe que se reúne, é uma coisa delas, das irmãs da minha mãe, e assim é todo mundo, vai a
família inteira, a família se reúne, mas da parte da minha mãe. Da parte do meu pai é muito
mais comum, tudo muito mais comum, a gente ta junto sempre qualquer aniversário, o jantar
é na casa da minha avó aí vai todo mundo, no domingo a minha avó inventou que vai ter um
almoço, né, das comidas que a mãe dela gostava. Ela cria e, então, vai todo mundo. Esse
negócio de ter todo mundo junto eu acho muito legal, eu só acho uma pena não poder ter
tantos filhos que nem eu podia ter antes porque ela só tem isso porque ela teve seis filhos,
cada filho teve os seus netos e ai vai, só de bisneto minha avó tem 11 então ela consegue. O L.
com um, coitado, já não vai ser a mesma coisa... uma mesa de seis lugares já vai encher. Lá
não fica todo mundo na mesa, fica na sala, no quarto, então eu adoro essa parte, adoro assim
de ta sempre junto e toda semana tem o ritual de ir visitar minha avó, a minha mãe tinha isso
quando a mãe dela era viva, é que eu não lembro muito ... assim ela ia todo dia tomar café da
tarde na casa da minha avó que era muito próxima uma rua da outra. Quando a chaleira, a
leiteira apitava ela já sabia que tava na hora de tomar café. Tinha esse negócio de estar
sempre junto, toda semana visitar a mãe do meu pai, então agora ela só visita a mãe do meu
pai toda semana e se não vão minha avó até reclama ela liga pra saber se aconteceu alguma
coisa e também já virou quase que um ritual, estar lá.

103
NO – no meu caso é mais complicado, o meu irmão, o meu pai com o irmão dele não tinha
vínculo familiar, tinha mais com a família da minha mãe, a família eram seis irmãs, eram, tia I.
morreu ficaram cinco, aí houve uma briga familiar através briga de herança, desmanchou
então eu só peguei, pegou a minha infância, a minha adolescência já não tinha tanto, então o
que eu acompanho hoje é, hoje é minha casa, minha irmã pouco vai porque também casou
tem a sua vida e a minha mãe com esse lado de L., de cuidar do pai e assim vai (?) Sempre se
reuniam na casa da minha avó, que eram 3 casas, a da minha avó, do meu tio S. e a tia L. e aí
todo mundo se reunia e fazia lá. Com a briga da herança, faleceu os dois ficou o tio S.
comprou a casa e foi morar em outro lugar e aí (?) tia L. e aí deu uma briga familiar também,
ela mudou e aí por causa de grana, uma série de fatores da herança se separou e ficou um
bom tempo ninguém viu mais a cara de ninguém então eu sinto essa falta tanto que quando
eu vou pra C. eu me sinto assim muito, eu me sinto na minha infância, né, esse lado familiar
que meu pai sempre falou “filho isso é importante, todo mundo tem defeito mas o ambiente
familiar, estar junto , o que nós vamos levar da vida é isso aqui, não é dinheiro, não é comida,
é o ambiente familiar, é se respeitar, é estar junto, ter os encontros de domingo, hoje é raro,
nossa minha tia V. eu fui ver agora porque é a irmã mais nova da minha mãe, to vendo ela
idosa, nossa a tia tá tão velhinha, porque passou o tempo e a gente não aproveitou esse
tempo. Então hoje é mais (?) a C. até fala “nossa é tudo minha família, né?” pra mim não, não
tem como, vou levar ela aonde? A tia V. faz anos que eu não vejo e até falou “poxa eu não
vejo tua família” , não tem mais clima, o clima não é mais o mesmo, minha madrinha se
afastou, é filha de portugueses, ela (?) ignorância né, troncuda, é aquilo e acabou, é lei. A C.
me cobra e tem toda razão, eu não tiro a razão dela, mas, infelizmente, o que eu posso dar é
só eu, a minha família, a minha família não tem, tem minhas primas? Tem, minhas primas são
sensacionais, hoje eu vi minha prima a L., se vê que troca de olhar fala nossa quanto tempo e
a gente era mais novo né, mas criou esse ambiente de distância, então. Eu gostaria muito,
mas eu não sei se vai voltar, mas como tem a família da C. ,fala que tem festa lá eu vou, eu
adoro, eu sou de família de festeiro, a minha tia reunia lá no quintal da minha avó, eram seis
irmãs, cada uma com uma base de dois filhos, 12, fora os filhos dos filhos e assim vai... só que
infelizmente no meio rompeu, então eu não tenho muito o que falar, o que eu tenho mais é
recordar e ... 22 anos pra trás, olha só quanto tempo passou até antes, não 22 eu pensei que
fosse... eu tinha 11, 23 anos atrás, 24

P - E a última pra gente fechar, como vocês falaram que ele pediu em namoro, já pediu em
casamento, vocês já estabeleceram que iriam casar com mais ou menos 2 anos, que eu
entendi,

NO - Isso, programado.

P - E como que vocês estão se preparando aí nesse período para o casamento?

NA - A gente na primeira semana de namoro a gente resolveu abrir uma poupança. Esse eu
acho que foi o cúmulo da loucura, eu tive uma dor de barriga o R. também porque a gente
sabia que ia dar um treco

P - Vocês foram ao banco os dois e fizeram uma poupança juntos?

NO - Isso.
NA - Na verdade ele colocou no meu nome numa conta que o R. já tinha
NO - Isso assustou ela
NA - Não, mega assustou, mas você também, você passou mal

104
NO - Eu passei mal, mas a reação da C. foi diferente da minha, eu me assustei com a situação,
nossa o negócio é sério. Pra C., o que eu senti e o que ela me contou, é ... nossa será que é
isso mesmo?
P. - Ficou na dúvida?
NA - Exatamente

P. - A ideia foi de quem?

NA - do R., (?) em novembro e a gente combinou que em Dezembro nós começaríamos a


ajuntar o dinheiro pra casar. Só que quando foi chegando Dezembro, foi me dando um pânico.
Ele ia começar a pagar, eu tinha comprado um apartamento na planta, em 2010, no final de
2010 e vinha pagando sozinha, e aí o R. falou “a gente vai casar e eu vou dividir então com
você também”, então eu achei no primeiro momento eu falei, ai que incrível! Aí depois não,
eu falei nossa, é melhor não, aí ei peguei e falei que não, falei não eu to acostumada a pagar
minha coisas sozinha, a resolver tudo sozinha, eu tive filho muito cedo e eu não quis ficar
dependente dos meus pais pra nada, fiz o meu papel de mãe, teve discussão por causa disso
em casa, eu não queria que eles me vissem como irmã do meu filho, era mãe do L. Então eu
quis fazer o papel de independente deles assim, eu não queria, e aí abrir esse espaço pro R.
era como se eu tivesse perdendo isso e eu precisava de um período pra maturar essa ideia de
que ele também era um novo entrante na minha vida e que eu não iria estar mais sozinha pra
fazer as coisas e isso também não foi uma coisa muito simples, não foi porque eu to
acostumada, alías, estava né, agora hoje eu não sei como é que seria, mas eu tava
acostumada a resolver todas as minhas coisas. E outra, resolver as coisas sozinha é fácil, você
não precisa consultar ninguém né, é simples, você resolve e faz se der errado, você vai fazer o
quê? Brigar com você mesma? Então, aí eu pedi pra passar pra março, o R. não gostou, mas
paciência, porque eu não vou fazer isso agora.
NO - Pra dividir as contas do apartamento
NA - A gente adiou 3 meses e eu nem ia falar nada quando deu os três meses, quando deu
março mas o R. chegou com o dinheiro do apartamento que era pra dividir. Então a gente ta
se preparando na verdade faz 22 meses que a gente ta se preparando, porque primeiro a
gente dividiu o Buffet em 22 vezes foi quando a gente foi né, em março do ano passado (é isso
né? – Ele – é) a gente foi na igreja marcar a igreja, fechar o buffet, faz 22 meses, mas eu
sempre acho que faltou coisa assim, eu acho que faltou mais alguma coisa que deveria ter
sido pensada. Eu fiz planilha e ai num momento a gente parou de seguir as planilhas

P - Você ta falando tempo de uma preparação financeira, e do ponto de vista afetivo e de


construção como que vocês foram se preparando?

NA – ah eu acho que essa parte, a parte financeira foi isso, agora da parte afetiva eu acho que
foi coisa de aos pouquinhos mesmo, não acho que é coisa que também é simples não, de ter
que... é bom você estar o tempo inteiro junto, saber que tem alguém do seu lado mas, na
verdade, eu acho que agora, mais próximo do casamento eu tive uma crise de choro um dia,
de medo de não dar contar né?. Por mais que venha se preparando, vai vendo vestido, vai
vendo roupa, vai se preparando, comprar tecido, chamar padrinho, é tudo envolvido nessa
parte sentimental e, é organizando, escolhendo coisa pro apartamento, e tal. Mas eu acho
que agora chegando mais perto da um receio de não dá conta, parece que nunca foi o
suficiente pra preparar pra aquele momento.

P - Vocês fizeram o curso de noivos?

105
NA – Fizemos

P - Como foi isso para vocês?

NA - Eu acho que aquilo foi essencial, foi essencial


NA - Na verdade, a gente decidiu que a gente ia casar. Duas coisas, que é importante falar, se
não eu vou esquecer. Nós falamos assim, bom, é essencial, que a gente vai casar na igreja
porque a gente entende que é um compromisso e que a gente ta buscando uma benção de
Deus. Então, o nosso compromisso com a igreja, então seria assim não dá pra ficar na verdade
sem ir. Nós demos uma falhada, mas a gente assumiu esse compromisso. Mais recentemente
a gente começou a ouvir na missa mesmo e aí uma amiga, não, um rapaz que trabalhava
comigo mandou um vídeo que era uma palavra do pastor Claudio Duarte, não sei se você
conhece. Ele é fantástico. A gente virou viciados assim, de ficar ouvindo mesmo a palavra
desse e de outros pastores sobre relações de casais e tal. Sábado a gente fica vendo o vídeo, a
gente não sai pra ficar vendo o vídeo. Só que teve um momento na verdade que pegou pra
gente, que foi uma coisa que nunca me preocupou, tive filho com 16 anos e assim eu nunca vi
problema em ter relação antes do casamento, relação sexual antes do casamento, só que
começou a pesar isso, a pesar muito pra mim, pesar muito e graças a Deus, (?) eu preciso
falar, preciso arrumar um jeito de falar isso pro R., que se é pra casar embora já tivesse feito
alguma coisa, precisava passar esse período limpo sabe, ficar mais próxima de Deus. E aí Deus
usou o R. ele teve a atitude de falar. Eu tava pedindo, pensando como é que eu ia falar,
imaginando a cena o cenário, e o R. falou “eu acho que a gente não deveria ter mais” eu acho
que a gente tem que estar, eu já estava com um monte de problema e eu acho que até é, e a
gente, se a gente tiver mais limpo né, mais próximo de Deus. Uma forma de a gente estar
pecando menos eu acho que vai ser melhor pra gente passar pelas coisas que a gente vai ter
que passar.
NO – detalhe, isso é um ensinamento do meu pai, também. Ele falava que sexo é bom, é
maravilhoso, mas tem que ser com amor e na sua época, ele falava, eu na minha época pra eu
sentar do lado da sua mãe era difícil. Não que era correto ou era incorreto o que ele queria
demonstrar é o seguinte: o amor é depois do casamento, antes do casamento pode se haver
amor, mas que não é o correto. Porque ele não era, ele nunca foi católico ele fala que ele é
um filosofista de vida, frequenta uma filosofia de vida, ele nunca acreditou em um Deus, ele
acreditava num ser supremo, mas não esse Deus que todo mundo fala. Ele dizia: é Deus, mas
eu não chamo de Deus, porque todo mundo elabora ele como um velhinho né, bonzinho, e
Deus não tem forma, era o jeito dele mas, mesmo um resumo de tudo é Deus só que ele
procurava sempre, pelo lugar que ele frequentava muito, ele procurava falar que não é um
Deus. Porque senão, Deus é injusto, como é que faz o pobre e o rico... uma série de coisas, e
algumas coisas eu concordava outras não e ele sempre respeitou. Só que ele falava: sexo não
pode ser antes, senão você estraga todo o ciclo de vida, tudo tem um ciclo, tudo tem um
momento e foi um dos princípios que ele também me ensinou. Isso eu sinto muita falta, das
noites de conversa que eu tinha com ele: “pai to com dificuldade no banco com isso, no
financeiro, o quê que eu faço? Ele falava, isso, isso. A falta do companheiro, não do instrutor
financeiro. “ Pai a C. me fez isso como que eu conduzo?”... “tem que ter calma, mulher é
assim”, meu pai sempre foi assim. To dando um exemplo, não to falando, “Poxa, mas a C. não
me deu um beijo no rosto” Ele me aconselhando. Isso eu sinto falta dele, essa educação né,
não sei o quê que eu falo, sentava comigo: “filho quando é que você vai casar hein? Você
precisa ter uma família” Eu sinto a falta disso, hoje eu não tenho, hoje eu falo “Pai, eu vou
casar, hein!” Pra tentar mexer com ele, vê se ele fala: “Poxa é mesmo, hein?”. Quantas coisas,
isso mês faz muita falta

106
NA – No curso de noivos falaram que a relação correta, ela é a três. Era um casal mais velho e
é o tema deles era falar de sexo, né, e aí eles falaram - bom quando ouvirem vão achar que eu
estava fazendo um bacanal - , mas bom é quando está a esposa, o esposo e Deus. Essa é a
forma correta, como se você tivesse celebrando alguma coisa e não chamasse ele pra festa. E
isso começou a ficar muito forte. Nessa parte a gente começou a ficar mais quieto e mais
forte, já que as outras coisas a gente não ia conseguir elaborar, porque a gente sabia que
tinha uma coisa que a gente tava fazendo um propósito que era um propósito que Deus quer,
que é honrar a família, que é ter família e que o óbvio que o tempo inteiro o inimigo ia tentar
ser contra isso porque é uma coisa que ta sendo a favor de Deus e automaticamente esta indo
contra ele. E o tempo inteiro ele ia tentar te pegar de alguma forma, então eu acho que foi,
acho que é mais isso mesmo. Como a gente se preparou? Acho que foi na fé e foi essa parte
financeira que a gente tentou de alguma forma. Então, acho que sentimento na verdade acho
que é complicado você falar como é que eu me preparei sentimentalmente pra isso eu não,
eu não parei pra pensar. Eu acho que foi, na verdade, acho que foi no piloto automático, de ir
comprando coisa, de ir convidando um, pensando como é que ia ser no dia do casamento.
Pensar como ia ser depois que a gente tivesse casado mas não sei se isso, não sei, nunca fiz
uma preparação, não sei.

P - A gente vai encerrar hoje aqui... eu queria agradecer a generosidade de vocês, vocês foram
muito generosos comigo, se abriram. Eu sei que isso sempre mexe com a gente falar da nossa
história. Queria também parabenizar vocês por que é uma história super bonita e a maneira
como vocês estão se encontrando e construindo uma história super bonita.

107
Anexo 3 – ANOTAÇÕES DE CAMPO DA ENTREVISTA DOS GENOGRAMAS

Genograma do Noivo:

Pai – L. 74 anos, Fiel, batalhador, vencedor.


Era dono de Banca de Jornal e gerente de supermercado, era gerente e aproveitou e comprou
a banca. Dono de banca que aposenta, é porque quis, porque quando não dá mais, para. Ele
aposentou por causa do Alzheimer, parou, se não ainda tava trabalhando... Vendeu, pra uma
tia minha.

Mãe – V. 72 anos, Guerreira, protetora demais, ...


Do lar, foi auxiliar do marido, na banca e no mercado. 51 anos de casados
No mercado ela parou um tempo. Mas quando eu nasci, ela deixou, mas ela ainda ficou um
tempo ainda, até porque a minha irmã é que me olhava. Depois quando meu pai comprou a
banca, ela voltou novamente. Minha irmã me olhava, era minha mãe praticamente, nós
dormíamos juntos numa cama de casal, de mãos dadas.

Irmã – R. 50 anos – Inocente e mãezona - Um pouco fora da realidade.


Do lar, casada com T. 52 anos, contador – 26 anos de casada, 2 filhos: 1º filho, F. 25 anos,
operador de marketing, casado, mas vivem separados, cada um mora com as famílias de
origem, com 01 filho, M. de 6 anos que mora com a mãe;
A justificativa para morar em casas separadas é que não tem vida financeira, não tem
condições. Ele mora na casa da mãe. Foi com 19 anos, que ele foi pai.
Eles são casados no papel. Eles resolveram casar um dia e não avisaram ninguém.
Meu sobrinho, o irmão dele, achou no armário escondido, dizendo que eles tinham casado
escondido, no papel.
Minha irmã teve um baque né. Teve uma série de fatores, a menina é geniosa, minha irmã
também, defende o filho, questão de mãe.

2º filho da irmã,V. 23 anos, noivo, bancário


Irmão – L., 42 anos, solteiro, contador, trabalha com auditoria.

Noivo, 35 anos, noivo da C. de 32 anos, Técnico em radiologia, a irmã cuidava dele, dormiam
juntos na mesma cama.
Características do pai: fiel, batalhador, vencedor.
Características da mãe: guerreira, protetora demais, sentimental.
Características da irmã R: inocente (fora da realidade), mãezona.
Características do irmão, L: parceiro, egoísta.
Características do Noivo: teimoso, persistente, pensativo.
Considera os pais separados, mas não divorciados, a mãe diz que está separada, o pai diz que
não, mas vivem na mesma casa e se cuidam.

Irmão do pai: A., 72 anos, casou 2 vezes: Incoerente, teimoso.


1º casamento com F., 68 anos e 02 filhos: A.F. (42), foi casado 2 vezes, 1º casamento com 2
filhos homens e 2º casamento com 01 filho; e M. (45), foi casada, separou e tem 2 filhos: R. 26
e N, 25 anos;
2ª união, sem filhos e ainda vivem juntos.
M. e os filhos vivem com a mãe, F. A mãe do noivo tem um conflito com o tio A.

108
Avós paternos: Vieram de Araraquara-SP
Pai do noivo é neto de Italiano, falecido com Enfisema pulmonar e avó O., filha de baianos,
falecida em 1988/89, com suspeita de Alzheimer, se separaram por traição da parte dela.
Características - Avô: bruto, ignorante.
Avó: amorosa, dedicada e às vezes incoerente (em atitudes pessoais).
Separação na infância dos filhos. O. veio para São Paulo com os filhos.
Pai: um pouco explosivo, carinhoso. Misto dos dois pais.
Tio A.: incoerente, teimoso.

Núcleo materno:
Avô, F., faleceu aos 98 anos, problemas cardíacos.
Avó, I., faleceu em 78, com diabetes. Veio de Portugal com um filho de 01 ano, J., barbeiro, foi
casado e teve vários filhos, não teve contato com eles. Já falecido com problemas cardíacos.
Conheceu o F., casaram-se e tiveram 06 filhos:
- J., do lar, 82 anos, casada com O.,empresário, 84 anos, .. e 03 filhas: N. (casada com L. e 2
filhos..); C. , solteira; P., viúva... e 02 filhos, T. e .. ;
-MI,.. anos, trabalhava no DEIC, casada com M., policial, tem 02 filhos: M., 50 anos (2
casamentos)com A. (que já tinha 01 filha e teve 01 filho: M., 18 anos, Teve mais 01 filho,de
M., M., 12 anos ; e M,.. anos casada, 03 filhas (15, 13 e 07 anos), separação por traição do
marido, que casou com outra. Os filhos ficaram com a mãe.
- I.,.. copeira, contadora, casada com A.,... falecido com câncer e 02 filhos: A., casado com 02
filhos e separados por desentendimentos e E, solteiro.
- V., mãe, filha mais nova de família de 07 filhos. (???)
- S.,.. pedreiro, falecido com câncer, foi casado com E., do lar, .. anos, sem filhos.
-L., do Lar, falecida à 15 dias da entrevista ( falência múltipla dos órgãos), foi casada com G. e
teve 02 filhos: K., 48 anos, casada com 02 filhos: B. e B. GJ, 43 anos, casado, sem filhos, mas a
esposa já tinha 02 filhos.
- V., 62 anos, casada com A. 02 filhas: V., casada 02 filhos e L., casada com E., 01 filha.
- J., barbeiro, casado e tem filhos, mas não se sabe quantos.

- Mais contato com a Tia L., cuidava do todos, mãezona de todos. Tia J., madrinha,
batalhadora, guerreira
- Houve um conflito familiar, por herança dos avós, casa deles. Venderam o conjunto de
moradia e depois repartiram.
- Convívio com o avô, muito bom
- Conflitos com o irmão e mais ligado ao pai. O noivo dorme com o pai e o irmão com a mãe. O
irmão tinha um relacionamento conflituoso com o pai. Sempre tomando o partido da mãe.

Exemplos de núcleo familiar, que influenciaram o noivo, tia J. e O., V. e A.

Características da família materna: Foi unida


Relacionamento da mãe com a família do pai, não tinha
Relacionamento do pai com a família da mãe: 100%, viviam sempre juntos.
O pai relacionava bem com os avós, avô casou novamente e conviveu até a morte.

- Como se sente no meio do desenho: Me sinto como família, tento carregar comigo, os bons
exemplos e me afastar dos maus, como: traição, brigas, indiferenças, alcoolismo. As tias foram
bons exemplos. A história do tio José é muito bonita, mas não teve contato com eles.

- O Tio A., era muito ligado com meu pai, quando ele morreu, meu pai ajudou bastante o meu
primo A.
109
- Religião predominante nas famílias: da Mãe, católica e do Pai, espírita ou espiritualista. Tio
A. era pai de santo no candomblé.
Eu ainda estou no meio, tipo 70% e 30%, mais para o lado mãe (católica).
- Tema familiar: Família Fernandoca.

Genograma da Noiva:

-Noiva: 32 anos, vendedora, professora, síndica, formação em Ciências da Computação,


namorou com A, ficou grávida, e teve 01 filho, L. de 15 anos, mas não viveram juntos. Hoje o
pai convive pouco com o L., dá ajuda financeira. O A. casou com F. que tem 01 filho de 08
anos, L.
- Características da noiva: centrada, sincera, amiga, batalhadora.
- irmã da noiva, C., 30 anos, estudante de Direito, trabalha na área administrativa da vivo,
grossa, parceira como a mãe.
- Pai da noiva: AL, 57 anos, metalúrgico e ao aposentar se tornou empresário. Características:
rústico, com coração enorme, amigo de todo mundo, parceiro.

- Mãe da Noiva: I, 58 anos, racional, seca, mostra as coisas, fazendo.


Pais são casados há 32 anos, a mãe estava grávida quando casou.

Avós maternos: Avô, J., veio da Hungria, fugindo da guerra, com toda a família, na época da 2ª
guerra mundial. A mãe falava bem do pai, a bisavó, R. e bisavô E., preservavam a cultura,
dançava e depois começou a ter problema de alcoolismo.

A Avó, M., origem espanhola, gostava de receber, cozinhar pra todos. Morreu de câncer. Foi
noiva e ele morreu, depois conheceu o avô, casaram.

-Irmãos da mãe:
- J., casado com S. e teve 02 filhos, A, casado e tem 01 filha, I; A, solteiro;
- S, foi casada com L e ficou viúva, 2 filhos, R, noivo e tem 01 filha e R., foi casado com M. e
teve 01 filha , separou e vive com outra pessoa e mais 01 filha.
- M., separada de O, depois teve um relacionamento homossexual com uma mulher e 02
filhos, .. e M. que teve a T.
- A, faleceu solteira com 19 anos com problema pulmonar.
- M, faleceu em 81 com câncer.
- L., faleceu à 06 anos, teve uma filha, K., casada com N., que tem 02 filhos, V. e J. que teve
uma filha, depois teve outro relacionamento com o R, que morreu de diabetes ela ficou viúva
e faleceu.
- E. (+/-) 60 anos, foi casada por mais de 40 com A. que faleceu de câncer a pouco tempo,
tiveram 07 filhos: E., casado s/filhos, M., casado c/02 filhos, F. casado com 02 filhos, L.,
solteiro, W., solteiro, R., solteira e L., solteiro.
- Mãe, I.
- I., casada com L.A. e tiveram uma filha, E, solteira.

- Pai, 3º filho de 06 irmãos:


Avó, E., 84 anos e avô, E., falecido, foram separados por traição dele, que era mulherengo,
trabalhava em construção, ficaram casados uns 10 anos, depois ele casou com uma mulher
que já tinha 01 filho e tiveram mais 01 filho juntos, C., casado e tem 02 filhas.

110
Característica da Avó: guerreira, teatral (de tudo faz cena), exemplo para a noiva, aposentada,
da antiga FEBEM e vendedora de Tupeware.

Irmãos do pai:
- ME, foi casada com M e teve 04 filhos, MJ, casou com V e teve 01 filho, VH, e teve outro
relacionamento com A que tinha 02 filhos, D e 01 menina e tiveram mais 01 filho.., moram...;
AP, teve um relacionamento e 01 filha, A depois casou e não tem filhos; É. teve 01 filha, E. e
depois casou com L. e teve 03 filhos, K., LF e L, separaram-se e ela mora com a mãe e todos os
filhos; V, casada com M tem 01 filho, F e tá grávida da L.
- MG, casada com M e separados por traição dele e teve 01 filha, P, teve 02 filhas, I, 2 anos e
de 06 meses de relacionamentos diferentes, mora junto com a avó da noiva.

- Pai
- MS, solteira e tem 01 filha de um namorado, N, 25 anos, que moram com a avó.
- DR, 01 casamento com J, tiveram 02 filhos, P e G, separou e casou novamente com H, e
adotou um filho, M, 04 anos.
- CA, casado com E, 02 filhos, CE, noivo e LA.

- Bisavós paternos, M., do lar e J.,pedreiro, falecidos, o pai da noiva gostava de dormir junto
com o avô (pai da mãe).

- Irmãos da avó paterna, E.:


- Tio D., solteiro, falecido.
- Tia M., solteira, irmã mais nova e mora com a avó.
- Tio J., foi casado e 03 filhos, JP, casado com J, e teve a P e separou e depois faleceu, V.,
casada com JC e tem 03 filhas, L., casada com O e 03 filhos, V., M. e G.,
F., casada e teve 02 filhos ficou viúva e casou novamente, F; E., solteira.
- Tio P., era casado com M., falecida e teve 03 filhos, AP, solteira, P, casado e tem 02 filhos e
M.C., solteira.

- Bisavós maternos: - M. e R., ele era trabalhador, ela era zelosa com a casa, minha mãe
visitava. Meu avô tinha uma mercearia, eram espanhóis, gordões.

Noiva - Se acha mais parecida com o pai, é grosso, coração grande é mais apegada a ele.
- a irmã é mais parecida com a mãe, são mais fechadas, não gostam de festas pra elas, gostam
mais de fazer festa pros outros.
- Tem mais convívio com a avó E. Quando a avó faleceu a família ficou mais distante, porque
tudo acontecia lá.

- A família paterna era negra e havia preconceito com a outra parte que era branca. Havia um
preconceito.

Título familiar: A avó era um símbolo, tudo girava mais em torno dela. Família Guerreira.
O grande pilar da família era a Avó paterna, que era a matriarca..
- Meu tio descobriu a traição do avô por acaso, ... e contou pro pai.
- Meu pai tinha muita mágoa do meu avô, e não o convidou para o casamento dele.
- Separações: Problemas com álcool e infidelidades, traições...
- Havia um tio B. que tinha problemas com álcool.

Título da família materna: Unidade no sofrimento, com muitas perdas.


- Meu pai tinha 25 anos quando casou e minha mãe, 26 anos.
111
O pai tinha rivalidade com a família da mãe.

Conflitos do lado da mãe: S. não fala com a M.


Conflitos do lado do pai: Eu, minha irmã e minha mãe, não falamos com meu primo, C.E.

Religião: Muito diverso: da parte da mãe predominante e o católicos e da parte do pai é muito
diverso, católicos, protestantes, espíritas (umbanda), mas os pais não frequentam nenhuma
religião. Têm a fé, mas não frequentam nada. E com isso eu não também acho que não é
necessário ter um lado. Aceito a todos. Meu tio que é pastor, sempre faz uma oração quando
estamos em reuniões e todos gostam. Tia MS frequenta a umbanda. Minha avó não
desconsidera ninguém, se convidam, ela vai em qualquer uma.

Eventos familiares: A família de maneira geral gosta muito de eventos festivos. Eu e minha
irmã organizamos, tipo, quem leva o que, como vai ser.
- Leva da família muito da avó, que a mulher é capaz de se virar sozinha, sobreviver, adquirir
bens, na busca profissional e isso se repete com as minhas tias. Gosta de tomar as decisões
em tudo. Me ajudou a ser a mãe do L.

Pesquisadora - Para os dois, como foi viver esse momento de conhecer as famílias?

Noiva - foi bom reviver os momentos da vida familiar, conhecer mais a evolução da família,
tanto dela como a do companheiro, conhecendo a pessoa com quem vai se casar. O
aprendizado vem com a assimilação dos exemplos familiares, somando os pontos positivos e
buscando eliminar os negativos.

Noivo – Foi bom, pra escolher o que é positivo e deixar os pontos negativos. - Para o
casamento, foi uma boa preparação, conhecer as famílias um do outro.

112
Anexo 4 – TRANSCRIÇÃO DA SEGUNDA ENTREVISTA E ANOTAÇÕES DE
CAMPO

O casal chega para a entrevista 3 meses depois do casamento.


Mostram o vídeo da entrada dos dois no celular e falam da emoção da cerimônia.

P – Eu queria perguntar para vocês assim, daquilo que a gente conversou, que já foi muito
perto do casamento, o que ficou para vocês, o que foi mais marcante na história de vocês?

NA – tem algumas coisa do R. que eu não conhecia, mas acho que foi da parte da família que a
gente não tem muito contato. Até hoje a gente não tem. Acho que da parte que ele tinha
contato quando era mais novo, mas depois não tinha mais. Eu acabei conhecendo esta parte.
Eu com a minha, ficou muito nítido o quanto eu sou apegada com meu pai. Na verdade isso
não era nenhum segredo, só ficou mais nítido. Então, foi isso.
NO – Da minha parte ficou mais pela perda do meu pai, assim, perda que eu falo, por meu pai
não estar mais no estado normal dele. Da parte da C. eu já conheci bem, mas também ficou
algumas coisas mais nítidas, os caminhos da família, acho que isso acrescentou bastante.

P – Teve coisa que vocês ficaram pensando ou ficaram preocupados?

NA – A teve...
NO – Eu me preocupei com muitas separações na minha família. Será que... pelo amor de
Deus, né? Sei lá, se influencia ou não, porque eu não casei para me separar, então agora a
minha preocupação é essa.
NA – Na minha é isso. A minha avó se separou numa época que ninguém se separava, ela tem
85 anos, ela se separou ela tinha 20 e poucos. E ela se separou e deu continuidade, criou os
filhos, comprou casa, continuou trabalhando... Ela deixa claro uma coisa assim: se você quer
você consegue, o que não é uma coisa tão legal. Você não precisa estar necessariamente
casada, você não precisa necessariamente do homem. Ela conquistou tudo sozinha, ela não
casou de novo, nuca mais namorou. Ela gostava do ex-marido, ele morreu e ela continuou
gostando dele, mesmo estando separada. As minhas tias mantiveram isso também. Elas até
chegaram a casar, mas em dado momento elas se separam, todas.
NO – Esse ficou um ponto de interrogação para mim.
NO – A parte que ela se torna, não que eu queira que ela se torne dependente de mim, mas
essa independência acho que é até demais. Isso me preocupa. Isso fica na cabeça, não sei. Isso
me preocupa, esse lado: ai, eu não dependo, eu não preciso! Não é para depender ou
precisar, mas isso influencia, não sei se estou usando a palavra certa, mas isso me preocupa.
Eu vejo assim, a gente não vem no mundo para fazer uma casa sozinho, é a família. Não que
ela pense isso, mas eu me preocupo.
NA – É exatamente isso: Quando os maridos começaram a dar problemas, elas falaram – PT
Saudações, eu me viro sozinha. E não arrumaram outras pessoas também. Só a D. Tem uma
tia que casou depois, mas quando os filhos já eram grandes e tal.

P – Essa era uma coisa que você já pensava antes?

NA – Era uma coisa que eu já pensava.


NO – Eu conheci ela sabe como? Tem pessoas que nascem para casar e outras nascem para
não casar. Eu não nasci para casar. Eu conheci ela assim.

113
P – Ela falava isso?
NO – Quando ainda era paquerinha. E hoje, eu não sei se eu convenci ela, se fiz ela mudar o
pensamento. Isso me deixa uma interrogaçãozinha. Será que ela nasceu para casar? De vez
em quando, quando tem briga, fico até preocupado.
NA – (risos)
NO – É verdade, estou sendo sincero. Às vezes fico preocupado, na hora da briga fala: eu não
nasci para casar.
NA – Eu não falei mais isso não.
NO – Falou uma vez sim. Numa briga você falou.
NA – Falei?
NO – Falou.

P – Como foi para vocês ter este momento de parar, olhar a sua história antes do casamento?

NO – Para mim foi bom.


NA – Foi muito rico. Estávamos numa fase muito turbulenta, era muita coisa que tinha que
fazer junto, era pedreiro, era apartamento, nossa, era muita coisa. Tem hora que é um saco.
Todo mundo acha legal, mas é meio desgastante.
NO – Eu acho que não agrega nada, porque é muito turbulento. É legal, você sair da sua casa e
ter tudo arrumadinho...
NA – Mas pode ser mais demorado. Se fosse para voltar a trás, dava para casar no final deste
ano.
NO – Isso...
NA – Porque é muito desgastante.
NO – Móveis, materiais de construção, construcard, financiamento...
NA – É muita coisa junto. Poderia ter dado um tempo e acontecer esse ano. Não teria
problema e aconteceria tudo igual. Eu acho que veio num momento bom por causa disso
mesmo.
NO – Deu uma sacudida na gente. Deu um: Ops, você vai casar!

P – Tem outras coisas envolvidas além do pedreiro e reforma, né?

NA – Exatamente.

P – Deixa eu mostrar o genograma de vocês para vocês lembrarem. Esta é a família do R. e


essa é a da C. (Eles olham o genograma impressionados)

NO – O que é o verde e o vermelho, heim?


NA – Tem as legendas aqui, amor.
NO – Por que o meu tem muito verde e o dela vermelho, tecnicamente.

P – Vamos dar uma revisada. Aqui está a C, sua irmã, sua mãe, seu pai. Essas linhas vermelhas
nós vimos que são relações fusionadas - relações muito fortes. Ela com o pai, o pai com o avô
dele, a mãe muito ligada com a irmã mais nova. Esses que são vermelhos com pontinhas - são
relacionamentos que tem certa hostilidade. Ela relatou sobre um primo e que ela a mãe e a
irmã tem certa hostilidade com este primo.

ANOTAÇÕES DE CAMPO:

114
A partir deste ponto da entrevista a pesquisadora conversa sobre o genograma e o casal
começa a relatar as dificuldades que estão tendo de ajustamento.

O filho da Noiva é apontado pelo noivo como um ponto de conflito, pois ela não quer que ele
assuma o papel de pai. A noiva afirma que ele não é o pai. O noivo diz que ela superprotege o
filho.

O casal também relata as dificuldades que estão tendo para ajustar as tarefas domésticas. A
noiva se sente sobrecarregada, pois o noivo não a ajuda e nem o filho. O noivo discorda
dizendo que está se esforçando. Diz que na sua casa ele não tirava nem o prato da mesa e que
está sendo difícil para ele esta mudança. A noiva apresenta muita necessidade de manter o
controle da casa arrumada e também o controle de tudo que todos fazem dentro de casa. Ela
chega a elaborar planilhas atribuindo pontos para cada tarefa que é realizada e se mantém
vigilante para o cumprimento de tudo.

Outra situação que é trazida pelo casal é a questão financeira, pois ainda possuem muitas
dívidas do casamento. A noiva quer fazer coisas para complementar a renda da família, mas
entende que o noivo não colabora. Isso é interpretado como falta de compromisso.

O casal apresenta um nível de estresse alto nesta entrevista, chegando a apresentar até certa
agressividade. Eles chegam a relatar dois episódios em que houve uma agressão física dos
dois. No primeiro episódio a noiva que beliscou o noivo ao ponto de ficar roxo e no outro ele
chegou a empurrar ela.

115
Anexo 5 – LIVRO DE CÓDIGOS QUALITATIVOS

Noivo – “...minha mãe é... não digo insegura... é meio pra baixo minha mãe, tudo é negativo pra
ela, e o meu pai eu vejo sempre como o lado bom (...), meu pai é a referência, minha mãe é
mais negativa, mais sentimentalista vamos dizer assim, mais sensível, tudo para ela é “ai,
porque o seu pai”... meu pai já não: “o casamento é isso, é família, vai ter desavenças, vão ter
turbulências aí tem que passar por cima de tudo”
Noivo - desde 95, que eu durmo com meu pai num quarto, minha mãe dorme com meu irmão.

Noivo - Minha mãe sempre foi muito apaixonada pelo meu pai, isso ela sempre chegou a relatar
1. DIFERENCIAÇÃO

e eu me lembro disso muitas vezes. Os dois conversavam muito, mas o meu pai era muito
mais... meu pai tinha muito mais razão, pé no chão “filho, eu amo sua mãe e nunca vou mudar”
coisa que minha mãe nunca fez, né? Não dormiu mais com ele por causa de uma briga familiar.
Aí que eu falo, aí que eu acho que foi um pouco exagerada, mas ela sempre foi muito carinhosa,
ela falava que perfumava a cama pra ele chegar, fazia uma janta, que o casamento tem que ter
esse temperos pra poder você superar as dificuldades. O que eu não entendi depois, no final
agora, depois de 30 anos de casada querer “ai desisto”, porque a briga dela maior era sempre
meu tio.

Noiva – “A minha mãe, ela é meio grossa, às vezes... mas o meu pai também é, os dois são
meio grossos às vezes de uma forma tão desnecessária, e eu também tenho isso. Então os dois
são assim...”

Noiva – “A minha mãe é mais fria, o meu pai faz palhaçada, manda beijo, compra flor, a minha
mãe já não é assim. Ele é mais romântico. A minha mãe não, a minha mãe tem uma coisa, por
exemplo, ela não fala que ama, ela acha que se falar a pessoa se sente muito e aí acaba dando
algum tipo de problema”.

Noivo – havia sempre uma briga familiar entre minha mãe e o irmão do meu pai... a minha mãe e
o meu tio não se bicavam, sempre ele arrumava, sempre ele aprontava muitas coisas pra querer
provocar alguma coisa, alguma divergência entre a minha mãe e o meu pai, né, eu até dou um
pouco de razão, mas minha mãe dá muita ênfase para isso, ela é muito rancorosa, guarda isso
aí, eu acho que ela tinha que se ocupar mais com o meu pai, com a família dela, e não ficar
2. TRIANGULAÇÃO

guardando isso.

Noivo – Desde 1995 que eu durmo com meu pai num quarto, minha mãe dorme com meu irmão.

Triângulos que aparecem no genograma:


1. Triângulo formado pelos avós paternos e o amante da avó.
2. Triângulo formado pelo tio do noivo a esposa e uma amante.
3. Triângulo formado pelo pai do noivo, seu irmão (tio do noivo) e a mãe do noivo.
4. Triângulo formado pelo noivo, irmã mais velha e o noivo.
5. Triângulo formado pela irmã mais velha, seu marido e amante.
6. Triângulo formado pela irmã mais velha, o filho mais velho dela e a nora.
7. Triângulo formado pelo noivo, seu irmão do meio e a mãe.
8. Triângulo formado pelo noivo, a noiva e o filho da noiva (na família atual)

Na família paterna da noiva muitos triângulos são formados em função de traição e entrada de
um terceiro na relação conjugal – foi assim com todas as irmãs do pai.

116
FAMILIARES
Noivo falando da mãe dele – mas, como mulher, uma guerreira, amável também com meu pai,

3. REGRAS
ela sempre passou isso: a mulher é o centro do casamento se tiver pendendo pra um lado ou
para o outro, ela falava isso, desvia.

Noiva - se você quer você consegue [...] não precisa estar necessariamente casada, você não
precisa necessariamente do homem.

Noivo - eu sempre quis eu achei até que to casando tarde, porque com 35 anos, já era pra eu
ser pai, a minha educação do meu pai foi assim. (...) o meu pai sempre disse: você tem que ter
uma família, você tem que ser homem, tem que honrar sua casa. Eu sempre busquei isso, não
que eu me desesperei encontrei aquela menina quero casar, não, tem que achar a pessoa certa,
e aí, nela eu vi a pessoa certa, o perfil da pessoa que eu queria, o jeito, o gênio nem tanto...
(risos)

Noivo - A minha mãe qualidade, uma guerreira, forte, uma rocha. Defeito? Sentimentalista muito
sabe, acho que ela é muito... “ai, sofro, ai eu, ai eu, ai eu”... eu acho ela muito assim, se faz de
coitada, vamos dizer assim. (...) a referência hoje que eu me lembro, assim, eu não tenho muito,
muita coisa que eu também nem quero pegar pra não me contaminar, eu às vezes até evito. Não
sei se contaminar é a palavra certa to dizendo só pra ilustrar bem.

Noivo - Eu conversei com ela, ela falou que ficou feliz, que espera que eu seja feliz, que toda
mãe deseja pra um filho a felicidade, que o casamento, o meu casamento não seja igual ao dela,
eu falei, jamais vai ser porque a minha, a minha educação não foi pra isso, e assim vai. O meu
4. DELEGAÇÃO

pai infelizmente a gente não pode ter essa conversa com ele, mas toda vez que eu falo de
casamento ele fica feliz.

Noiva falando da sua família – Na minha é isso. A minha avó se separou numa época que
ninguém se separava, ela tem 85 anos, ela se separou ela tinha 20 e poucos. E ela se separou e
deu continuidade, criou os filhos, comprou casa, continuou trabalhando... Ela deixa claro uma
coisa assim: se você quer você consegue, o que não é uma coisa tão legal. Você não precisa
estar necessariamente casada, você não precisa necessariamente do homem. Ela conquistou
tudo sozinha, ela não casou de novo, nunca mais namorou. Ela gostava do ex-marido, ele
morreu e ela continuou gostando dele, mesmo estando separada. As minhas tias mantiveram
isso também. Elas até chegaram a casar, mas em dado momento elas se separam, todas.

Noivo – Eu conheci ela sabe como? Tem pessoas que nascem para casar e outras nascem para
não casar. Eu não nasci para casar. Eu conheci ela assim.
Pesquisadora – Ela falava isso?
Noivo – Quando ainda era paquerinha. E hoje, eu não sei se eu convenci ela, se fiz ela mudar o
pensamento. Isso me deixa uma interrogaçãozinha. Será que ela nasceu para casar? De vez em
quando, quando tem briga, fico até preocupado.
Noiva – (risos)
Noivo – É verdade, estou sendo sincero. Às vezes fico preocupado, na hora da briga ela fala: eu
não nasci para casar.
Noiva – Eu não falei mais isso não.
Noivo – Falou uma vez sim. Numa briga você falou.
Noiva – Falei?
Noivo – Falou.

117
Noiva contando a história dos pais dela – “Eles se conheceram num baile, na verdade meu pai já
via minha mãe há um tempo, a minha mãe não lembra (rs) é, via, ele fala que ele não gostava
muito dela, mas na verdade acho que ele queria desdenhar, ele desdenhava e aí eles se
conheceram num baile uma vez”.

Noiva contando a história deles – “... o R. já tinha me visto, a gente, o meu pai ele concorre com
5. REPETIÇÕES INTERGERACIONAIS
sambas-enredo em escolas de samba, ele é compositor, (...) eu cumprimentei um amigo que
tava do lado que é um amigo comum e não vi o R. e aí ele já tinha visto já tinha meio que se
apaixonado falou “nossa, essa é a mulher da minha vida” (...) ele se interessou, mas eu não
tinha visto (...) Beleza aí ele me viu e teve a final e o R. foi. Não seria estilo, por exemplo, que eu
gostaria porque, mesmo sendo muito, sempre fui muito em escola de samba com meu pai,
sempre acompanhei, mas, não são pessoas que me atraiam.
Eu tenho um preconceito terrível, embora eu vá, não é o tipo de pessoa que eu goste de me
relacionar, então o R. jamais chamaria minha atenção. Mas aí, eu gostei do R. achei ele assim,
tipo de boa, aí eu comentei com a minha irmã. Aí meu pai no final ganhou, ele foi lá campeão do
concurso e ficamos comemorando e mesmo assim, depois de toda aquela comemoração, de
manhã eu falei pra minha irmã: Quem era aquele moço que tava com o A.?, que era o amigo em
comum, aí ela falou não sei. Então pergunta... Para aquele branquinho eu até abriria uma
exceção.

Noiva contando a história dos seus pais – “... meu pai é negro e minha mãe é branca e eles
sofreram muitos problemas pra eles se casarem porque a família do meu pai era muito
preconceituosa, assim como a da minha mãe também era. Minha mãe era filha de um húngaro
vindo da guerra era Heil Hitler mesmo, então assim, um negro na casa deles era difícil. Assim
como da parte da minha avó, minha avó era mineira, bem preconceituosa também então, eles
não queriam.”

Cadeia de repetição que aparece nas duas famílias - divórcio em decorrência de traição por
parte de um dos cônjuges.

Repetição pelo antimodelo - O avô do noivo rompe o casamento com a avó de maneira violenta
e intolerante X O pai do noivo assume a posição de jamais romper o casamento, independente
do que venha a acontecer.

118
Noivo - eu tenho de exemplo o meu pai, ele sempre falou: filho, olha, eu to aqui, hoje eu não
tenho mais nada com a sua mãe, ela chegou a se separar assim (...) e meu pai falou assim:
independente de tudo eu nunca vou deixar minha família. (EMOÇÃO) Hoje ele tá com Alzheimer
e quem tá sentindo muito isso pelo fato do casamento sou eu, né? (CHORO) (...) Tudo que ele
me ensinou eu queria que eu falasse pra ele “pai, eu consegui, né, mas infelizmente ele.. a
doença não vai permitir, sei lá, se ele vai ver ou se não vai ver eu já fui no médico com ele, o
médico falou “R. quem vai sofrer são vocês porque ele não vai lembrar de nada” o meu sonho é
que ele visse... só isso.

Noivo – Não tem mais o que falar, o exemplo dele foi sempre esse “filho, casar, honrar sua
mulher, ser leal, ser fiel em todos os momentos, você vai ter dificuldade financeira, vai ter
6. LEALDADE

dificuldade sentimental, vai ter dificuldade familiar, mas você tem que honrar sua família”. Minha
mãe com esse todo esse entrevero todo com meu tio, eu nunca consegui enxergar minha mãe
como exemplo de casamento porque ela sempre ficou “ai, o teu pai fica do lado do seu tio”, a
preocupação da minha mãe era mais o meu tio do que a minha família, eu sinto isso, eu vejo
isso.

Noivo - a minha base de casamento, de família, é mais por causa do meu pai. Amo minha mãe
do mesmo jeito que eu amo o meu pai, mas alguns têm mais qualidades e mais defeitos, a gente
se apega mais a um lado, não sei, a gente se vê numa referência. Meu pai sempre foi uma
referência para mim. Hoje a minha maior dor é isso, meu pai esta com essa doença e eu não
consegui mostrar pra ele, né, que tudo que ele me ensinou eu vou fazer, comecei a fazer, né, o
casamento começa, mas o fim é só quando a gente morre né?

Noivo - Eu conversei com ela, ela falou que ficou feliz, que espera que eu seja feliz, que toda
mãe deseja pra um filho a felicidade, que o casamento, o meu casamento não seja igual ao dela,
eu falei, jamais vai ser porque a minha, a minha educação não foi pra isso, e assim vai. O meu
pai, infelizmente, a gente não pode ter essa conversa com ele, mas toda vez que eu falo de
casamento ele fica feliz.

Mito da União Conjugal - Noiva – ...O exemplo que eu tenho dos meus pais, que é alguém que
tá sempre junto, os nossos planos, tá o tempo inteiro junto. (...) Durante o período em que eles
eram namorados, noivado, entre aspas, eles já tiveram uns problemas..., teve um problema de
doença, a minha mãe teve tuberculose... ela teve que ficar em sanatório em Campos do Jordão,
7. MITOS FAMILIARES

em São José dos Campos, foi um período grande, 6 meses, 8 meses e eles se correspondiam
por carta, então, esse tipo de coisa que mostra que na verdade não era uma brincadeira né,
porque ele podia largar... (choro - é que eu tenho muita admiração pelo meu pai, falar alguma
coisa dele, eu acho incrível que ele tenha feito, fico assim), porque ele mandava carta, eles
guardam as cartas deles até hoje, que eles trocavam, ele não podia ficar indo muito porque não
tinha dinheiro mesmo e além do problema minha avó não queria que ele fosse. Eu até entendi, a
mãe dele, minha avó, primeiro porque ela tinha medo do filho pegar a doença, porque
tuberculose é uma doença que pega no ar, né, por razão óbvia, e também porque ela não torcia
mesmo pra aquilo e aí ficava. Era uma mulher que na visão dela não era a raça que ela queria, é
super preconceituosa, e ainda era doente, né, então que coisa boa que ela estava vendo naquilo
tudo né, enfim.. enfim foi assim, é assim que eu vejo eles.

Noiva - Da parte do meu pai... a gente ta junto sempre qualquer aniversário, o jantar é na casa
da minha avó aí vai todo mundo, no domingo a minha avó inventou que vai ter um almoço, né,
das comidas que a mãe dela gostava. Ela cria e, então, vai todo mundo. Esse negócio de ter
todo mundo junto eu acho muito legal

119
Noivo - eu sou até um pouco cobrado pela C. por causa disso, da participação da minha família,
eu não posso fazer nada, eu não sei, eu não consigo, é... como se diz, é... tentar alguma coisa, a
minha família infelizmente se desmoronou com a doença do meu pai, desestruturou, na verdade,
balançou bastante. (...) Eu adoro, eu sou de família de festeiro, a minha tia reunia lá no quintal
da minha avó, eram seis irmãs, cada uma com uma base de dois filhos, 12, fora os filhos dos
filhos e assim vai... só que infelizmente no meio rompeu, então eu não tenho muito o que falar, o
que eu tenho mais é recordar e ...

Mito da conquista - Noivo - O que eu guardo mais é sempre as coisas boas, minha mãe
sempre foi guerreira, lutadora, econômica, segurou bem a onda em casa quando meu pai, meu
pai sempre trabalhou de gerente de supermercado então era ele que pagava o balanço, se o
balanço faltava era ele que pagava com o salário dele, então tem aquelas coisas da união,
aquela parceria que a C. falou, isso eu sempre vi na minha casa, minha mãe era muito parceira
“L. olha vamos economizar daqui, sei lá vamos trocar uma lâmpada vamos economizar”...

Noiva - A gente na primeira semana de namoro a gente resolveu abrir uma poupança. Esse eu
acho que foi o cúmulo da loucura, eu tive uma dor de barriga o R. também porque a gente sabia
que ia dar um treco
MITOS FAMILIARES (continuação)

Mito da religião - Noiva falando da relação dos pais dela – na verdade é assim, eu acho que
toda relação sobrevive se Deus fala olha é você com você, eu acho que na verdade todo
casamento que é abençoado por Deus ele vai acontecer e vai superar tudo, essa é a primeira
coisa. Aí eu acho que Deus é a estrutura, né, eu acho que em todo o momento, tudo que eles
superaram eu acho que foi porque eu nenhum momento eles deixaram a fé deles ser abalada,
então eu acho que a fé conta e o amor que um tem pelo outro e o respeito que um tem pelo
outro.

Noiva falando do seu relacionamento – Nós falamos assim, bom, é essencial, que a gente vai
casar na igreja porque a gente entende que é um compromisso, e que a gente ta buscando uma
benção de Deus. Então, o nosso compromisso com a igreja, então seria assim não dá pra ficar
na verdade sem ir. Nós demos uma falhada, mas a gente assumiu esse compromisso. [...] Só
que teve um momento na verdade que pegou pra gente, que foi uma coisa que nunca me
preocupou, tive filho com 16 anos e assim eu nunca vi problema em ter relação antes do
casamento, relação sexual antes do casamento, só que começou a pesar isso, a pesar muito pra
mim. Eu pensei, eu preciso falar, preciso arrumar um jeito de falar isso pro R., que se é pra casar
embora já tivesse feito alguma coisa, precisava passar esse período limpo sabe, ficar mais
próxima de Deus. E aí Deus usou o R. ele teve a atitude de falar. Eu tava pedindo, pensando
como é que eu ia falar, imaginando a cena o cenário, e o R. falou “eu acho que a gente não
deveria ter mais” eu acho que a gente tem que estar (...) mais limpo né, mais próximo de Deus.
Uma forma de a gente estar pecando menos eu acho que vai ser melhor pra gente passar pelas
coisas que a gente vai ter que passar.

Noivo – Detalhe, isso é um ensinamento do meu pai, também. Ele falava que sexo é bom, é
maravilhoso, mas tem que ser com amor e na sua época, ele falava, eu na minha época pra eu
sentar do lado da sua mãe era difícil. Não que era correto ou era incorreto o que ele queria
demonstrar é o seguinte: o amor é depois do casamento, antes do casamento pode se haver
amor, mas que não é o correto. Porque ele não era, ele nunca foi católico ele fala que ele é um
filosofista de vida, frequenta uma filosofia de vida, ele nunca acreditou em um Deus, ele
acreditava num ser supremo, mas não esse Deus que todo mundo fala (...) Só que ele falava:
sexo não pode ser antes, senão você estraga todo o ciclo de vida, tudo tem um ciclo, tudo tem
um momento e foi um dos princípios que ele também me ensinou.

Mito de fartura. Noivo - O meu pai era muito, muito voltado pra grana com medo de passar o
que ele passou. (...), aquela parceria que a C. falou, isso eu sempre vi na minha casa, minha
mãe era muito parceira “L. olha vamos economizar daqui, sei lá vamos trocar uma lâmpada
vamos economizar” essa necessidade de tudo, da grana de (...) não to falando isso por causa de
financeira mas o trauma que eles tiveram na infância, de passar fome, meu pai passou fome,
meu pai, sabe, não tinha banheiro, o banheiro era coletivo, então ele nos deu e nos passou isso
em termos de união de casal pra que a gente levasse pra frente.(...)

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Noivo - não é que o homem é ligado ao dinheiro é que o homem é o centro da condição
financeira da casa, então pro homem se a grana cair é meio constrangedor, isso é. Acho que é
desde lá de trás, é instinto do homem, não sei, eu vejo como instinto porque eu sou assim
MITOS FAMILIARES também, eu acho que o meu filho também vai ser, o L.(filho da noiva) é assim, tem que ter o
(continuação) dinheiro na carteira, se não tiver não é ninguém (...) não é que você é menos que as pessoas,
mas você tem que ter, sem dinheiro você não come. Meu pai era muito preocupado, por trauma
de passar fome na casa.

Noiva – eu percebo que homem ele é sempre mais ligado ao dinheiro. Quando ele (o pai) tava
muito ruim de dinheiro, extremamente estressado, e minha mãe conseguiu segurar. (...) Meus
pais também tiveram isso. Minha mãe menos, não tinha muito, mas não passou fome... já o meu
pai também foi assim, eles passaram fome, porque meu avô se separou, mas eles não levaram
pro lado do dinheiro, o negócio deles é a comida é tudo muito exagerado na minha casa, tudo
muito exagerado. Eles não têm esse negócio de dinheiro, de guardar dinheiro fazer economia
(...) Meu pai, no mercado, teve um dia que a gente teve que proibir ele de ir ao mercado porque
o que ele via ele ia colocando nas compras assim “não, não pode passar vontade”. Então eu já
não tenho isso, graças a Deus porque não passei pela situação deles.

Noiva – É na parte da minha casa tem a sexta-feira santa que com certeza é a parte da minha
mãe que se reúne, é uma coisa delas, das irmãs da minha mãe, e assim é todo mundo, vai a
família inteira, a família se reúne, mas da parte da minha mãe. (...) Da parte do meu pai é muito
mais comum, tudo muito mais comum, a gente ta junto sempre qualquer aniversário, o jantar é
na casa da minha avó aí vai todo mundo, no domingo a minha avó inventou que vai ter um
almoço, né, das comidas que a mãe dela gostava. Ela cria e, então, vai todo mundo. Esse
negócio de ter todo mundo junto eu acho muito legal (...) eu adoro essa parte, adoro assim de ta
8. RITUAIS FAMILIARES

sempre junto e toda semana tem o ritual de ir visitar minha avó, a minha mãe tinha isso quando
a mãe dela era viva, é que eu não lembro muito (...) assim ela ia todo dia tomar café da tarde na
casa da minha avó que era muito próxima uma rua da outra. Quando a chaleira apitava, ela já
sabia que tava na hora de tomar café. Tinha esse negócio de estar sempre junto, toda semana
visitar a mãe do meu pai, então agora ela só visita a mãe do meu pai toda semana e se não vão
minha avó até reclama ela liga pra saber se aconteceu alguma coisa e também já virou quase
que um ritual, estar lá.

Noivo – no meu caso é mais complicado, o meu irmão, o meu pai com o irmão dele não tinha
vínculo familiar, tinha mais com a família da minha mãe, a família eram seis irmãs, (...) aí houve
uma briga familiar, briga de herança, desmanchou então. Eu só peguei, pegou a minha infância,
a minha adolescência já não tinha tanto, então o que eu acompanho hoje é, hoje é minha casa,
minha irmã pouco vai porque também casou tem a sua vida e a minha mãe com esse lado de
cuidar do meu irmão, de cuidar do pai e assim vai. Sempre se reuniam na casa da minha avó,
que eram três casas, a da minha avó... e aí todo mundo se reunia e fazia lá. Com a briga da
herança... uma série de fatores da herança se separou e ficou um bom tempo ninguém viu mais
a cara de ninguém então eu sinto essa falta tanto que quando eu vou pra C. eu me sinto assim
muito, eu me sinto na minha infância, né, esse lado familiar que meu pai sempre falou “filho isso
é importante, todo mundo tem defeito mas o ambiente familiar, estar junto , o que nós vamos
levar da vida é isso aqui, não é dinheiro, não é comida, é o ambiente familiar, é se respeitar, é
estar junto, ter os encontros de domingo”.
9. HIERARQUIAS

Noivo - minha mãe tem uma certa proteção com meu irmão não sei por qual motivo e esse era
um dos exemplos que meu pai, eu conversava muito com meu pai porque que ela é assim,
porque defende mais o L. e a R. e eu? Aquelas coisas de família. Eu aprendi muito com o meu
pai porque ele falava assim “filho quando uma mãe cobre um filho é porque de repente você no
caso é mais liberal, você é mais livre, você tem mais atitude, quem sabe ele é mais dependente
dela?

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