1) O caso descreve Anna, um bebê prematuro de 27 semanas cuja mãe, Lise, parece distante emocionalmente. 2) Lise teve dificuldades com a gravidez não planejada de Anna e tentou um aborto tardio. 3) Lise revela ter nascido de um incesto e acredita que Anna também nasceu de circunstâncias similares, o que a deixa emocionalmente distante da filha.
1) O caso descreve Anna, um bebê prematuro de 27 semanas cuja mãe, Lise, parece distante emocionalmente. 2) Lise teve dificuldades com a gravidez não planejada de Anna e tentou um aborto tardio. 3) Lise revela ter nascido de um incesto e acredita que Anna também nasceu de circunstâncias similares, o que a deixa emocionalmente distante da filha.
1) O caso descreve Anna, um bebê prematuro de 27 semanas cuja mãe, Lise, parece distante emocionalmente. 2) Lise teve dificuldades com a gravidez não planejada de Anna e tentou um aborto tardio. 3) Lise revela ter nascido de um incesto e acredita que Anna também nasceu de circunstâncias similares, o que a deixa emocionalmente distante da filha.
1) O caso descreve Anna, um bebê prematuro de 27 semanas cuja mãe, Lise, parece distante emocionalmente. 2) Lise teve dificuldades com a gravidez não planejada de Anna e tentou um aborto tardio. 3) Lise revela ter nascido de um incesto e acredita que Anna também nasceu de circunstâncias similares, o que a deixa emocionalmente distante da filha.
Seu peso mais baixo foi registrado em 760 gramas e foi entubada, ventilada, perfundida. Sua mãe, Lise, tinha chegado de urgência à maternidade após uma hemorragia grave. O parto já havia começado, estava fora de questão tentar o que quer que fosse e Anna nasceu por via baixa após um trabalho de uma hora e meia, que não trouxe problemas particulares. A mãe de Anna viera à nossa secretaria no dia seguinte ao nascimento pedindo para encontrar o médico responsável pela hospitalização. Após ter-lhe falado, tinha entrado para ver a filha, mas tanto o médico quanto as enfermeiras tinham ficado espantados com a pequena reação daquela mãe. Obediente, tocara o bebê como lhe propunham. Bem- educada, havia agradecido ao médico por todo o trabalho que tinha, sem fazer nenhuma pergunta a respeito da filha. Parecia estar em outro lugar. Talvez esteja muito angustiada ou deprimida. Essa primeira consulta foi estranha. Depois que expliquei a Lise o trabalho da unidade e falei longamente de seu bebê, ela ficou silenciosa, como se tudo aquilo não lhe dissesse respeito. Sentada e resignada, parecia calma e disse não ter nenhuma pergunta a me fazer. Como eu lhe perguntasse se estava preocupada, respondeu-me: “Vamos ver, ela não é muito forte, não podemos saber o que vai acontecer”. Depois, levantou-se e deixou meu consultório como fizera na véspera com o médico, sem me fazer nenhuma pergunta e esquecendo a foto polaróide de Anna que eu acabava de lhe dar. Esse esquecimento, que só tomará sentido bem mais tarde, já nos havia questionado naquele momento. Um dos costumes que instauramos no serviço é dar a cada mãe uma foto de seu bebê para que possa levá-lo consigo para o quarto da maternidade. Da mesma forma, convidamos cada mãe a trazer para o bebê um objeto pessoal ou um brinquedo, ou ainda uma roupa, que deixamos junto da incubadora ou da cama da criança. As mães dizem ser muito apegadas a esse ritual de entrada, assim como ao outro ritual, que consiste em lhes propor, durante a primeira visita ao filho, explicar a este que não está abandonado, que o está confiando, para que seja cuidado, às enfermeiras cujo nome repete. Ela vai apanhar o filho de volta quando estiver curado para que venha viver em sua casa, junto dos pais, dos irmãos. Se esse ritual é importante para a criança, ele o é também para a mãe e para a equipe; todos nele se beneficiam do bom senso da simbolização. A mãe de Anna tinha recusado falar naqueles termos à filha: “Não adianta nada falar, ela não nos ouve, é melhor não dizer nada”. Em seguida tinha ido embora toda doce e sorridente, deixando as enfermeiras desamparadas, como eu mesma havia ficado ao constatar que ela havia esquecido a foto, após tê-la olhado como um olhar distraído. Na semana seguinte, o estado de Anna estava mais para o satisfatório, mas Lise preocupava muito o pessoal do hospital. Por que aquela mulher era tão distante? “É melhor não falar”, dizia ela; ou ainda, a respeito da filha: “Ela não ouve”. Mas quem não estava ouvindo? Que dificuldades tinha ela ou que resistências não podíamos ultrapassar que nos mantinham surdos àquele ponto? Marco uma consulta com a mãe. Ela aceita sem nenhum problema. Dessa vez ainda, sou eu quem falo da dificuldade que temos de compreendê-la. Anna segue uma evolução normal e por enquanto não estamos preocupados com a menina, mas ela, por outro lado, nos preocupa; parece-nos triste, distante e tentar trabalhar com ela para favorecer as progressões de Anna nos parece muito complicado: será talvez culpa nossa? Ela sorri: “Não, não, vocês não têm culpa nenhuma, toda a equipe é muito gentil, estou vendo bem que vocês fazem tudo o que podem pela criança”. Questiono-a ainda: “É engraçado, esta menina, a senhora fala dela como se não fosse sua? – Sim”, responde-me ela, “é verdade que não consigo me habituar a isso. Acabo de deixar a maternidade, tenho muito trabalho em casa, acho aliás que não vou mais poder vir. A senhora acha isso ruim?” Mãe já de duas meninas, Lise está casada há 4 anos. O marido tem um salário suficiente; ela não trabalha, fica em casa e cuida de Marie, 3 anos, e de Sophie, 9 meses. É muito trabalho e mais uma criança, agora, é realmente lhe pedir demais, ela não queria. Se ao menos tivesse sido um menino... Mas uma terceira menina, isso não lhe parece realmente possível; ela não conseguia nem mais pensar num nome. “Anna” é ideia da obstetra durante o parto. Ela era a mais velha de uma família de oito filhos. Havia tomado consciência da gravidez no último mês. Durante uma consulta com o clínico, como se espantasse por não recuperar a linha após o parto de Sophie, queria fazer algumas sessões de fisioterapia parar perder aquela barriga redonda. A ideia de que poderia ter ficado grávida não lhe passara pela cabeça; ela sempre ouvira dizer que nunca se podia ficar grávida quando se amamentava uma criança e ela ainda amamentava Sophie. O clínico prescreveu uma ultrassonografia e foi aí que ela ficou sabendo que estava esperando uma terceira menina. Decidiu, algum tempo depois, com o marido, entregar-se a uma mulher que dizia saber praticar abortos tardios. Foi o pânico da hemorragia provocada pelas manobras daquela “fazedora de anjinhos” que a levou ao hospital, onde não pensava dar à luz uma criança viva. Quando a obstetra lhe disse que a menina era pequena, mas que estava viva, ela compreendeu que ela a fatalidade. “Agora”, disse-me, “ela aí está, é assim, não há mais nada a fazer, vamos ver.” A mãe de Lise a pusera no mundo quando tinha 15 anos. Ela nunca conhecera o pai; sua mãe não falara de seu pai de nascimento. Só adolescente é que ela diz ter-se feito perguntas. Não conhecia ninguém da família da mãe, nem mesmo seu nome de solteira, que ela havia usado durante 7 anos e depois esquecido, só redescobriu por acaso na certidão de nascimento. Não sabia de que cidadezinha vinha a mãe, nem de que meio era oriunda. Esta fugira, grávida de Lise, e nunca mais falara de sua vida, a partir daquele momento. Lise pôs-se a chorar murmurando que tudo a levava a crer que tinha nascido de um incesto: – o pai de sua mãe? – o irmão talvez? A mãe, hoje falecida, havia levado esse segredo para o túmulo. Nada jamais lhe foi dito de sua história. Ela ainda hoje não compreendia porque a mãe não havia abortado aos 15 anos. O que foi terrível, confiou-me, é que, no momento do nascimento de Anna, ela tivera a convicção de que ela mesma, Lise, tinha nascido nas mesmas condições, isto é, após um aborto tardio fracassado. Fôra no traumatismo desse nascimento e dessa repetição que Anna viera ao mundo. Anna, nas semanas que se seguiram, teve alguns problemas de alimentação. Foi alimentada por via venosa até o 45º dia de vida, mas apesar de tudo a curva de peso era regular. Era muito calma, dormia muito, parecia tranquila e resignada. Lise vinha vê-la mais ou menos duas vezes por semana e nunca ficava mais de dez minutos. Sorridente, mas continuava a não fazer pergunta alguma e não falava com Anna. Lise mostrava-se apagada, não criava nenhum problema e não pedia nada a ninguém. Não marcou consulta com a psicanalista e a equipe não falou mais dela. Não falávamos mais sobre isso e eu notava então, que se tornava cada vez mais difícil conversar com Anna. Sua atitude parecia estar em espelho com a da mãe_ ela não incomodava a equipe. Era dócil, não pedia nada. Quando ia vê-la, constatava que respondia muito pouco à minha presença. Ainda ventilada, passava horas a olhar fixamente para a esquerda, um ponto, talvez um reflexo da conexão de ventilação? Ficava cada vez mais difícil chamar sua atenção. Estamos sempre muito atentos quando as crianças ventiladas se põem, após alguns dias, a fixar um ponto preciso de um aparelho, ao qual parecem estar agarradas, como náufragos numa bóia de salvamento. Essas crianças doentes tentam provavelmente recuperar-se, recobrar-se, agarrandose a um ponto exterior, para lutar, talvez, contra o despedaçamento provocado pela dor e pelo pânico. Esses recém-nascidos nos ensinam como a mecânica pulsional, justamente se for apenas mecânica, isto é, ligada a um aparelho, não pode se instalar. Longas horas passadas com essas crianças, a falar-lhes mais e mais de sua história, dos cuidados a que estão sendo submetidas, de seus pais, permitem por vezes que voltem ao mundo. Palavras e ainda palavras, uma “música de palavras” escrita por uma “pluma de voz”, que permitiria que se construíssem, que lhes daria o continente que lhes falta. Saímos dessas sessões esgotados, esvaziados, num estado próximo daquele em que nos encontramos, ao fim de certas sessões com crianças autistas. Somente quando o contato foi estabelecido, o bebê de volta entre nós, é que tentamos decodificar cada um de seus sinais como sendo tentativas de comunicação. O essencial de nosso trabalho será, por conseguinte, permitir aos pais e mais particularmente, às mães, autorizarem-se a reconhecer elas mesmas, os apelos dessa criança e a elas responderem à sua maneira. Nada desse trabalho pôde ser efetuado com Lise. Trabalhamos sozinhas com Anna; sua mãe fugindo sistematicamente assim que um de nós se aproximava dela ou da incubadora. Por volta do 50º dia de vida, os médicos pensaram que Anna, seria capaz de respirar sozinha. Mas Anna era incapaz de respirar sozinha e, cada vez, era preciso ligar tudo novamente. Quando, numa manhã, chego ao serviço, anunciam-me que Anna, enfim, está desmamada! Encontraram uma solução mantendo o aparelho ligado ao lado dela. Anna dessa vez agarrada ao barulho do aparelho. Uma música de aparelho que não pode supor sujeito em Anna. Se o aparelho se tornasse a única possibilidade de identificação para ela, como vemos com frequência nos autistas, nada poderia veicular desejo. A impossibilidade de desejar nos remeteria à recusa de desejar essa filha pela mãe? Ou antes, o que nos parece mais provável, a infância damãe com um impossível de inscrever sua própria história, teve por consequência deixar de funcionar o desejo de filiação? A solução “milagre”, trazida pelo aparelho, questionou- me enormemente e eu propunha à equipe uma reunião síntese para falar de Anna. Pedia-lhes então um esforço suplementar para tentar ver essa mãe de outra maneira, para conversar com as duas, para humanizar Anna e dar-lhe vontade de viver de outra maneira, sem o tal aparelho interposto. Após essa reunião, a equipe, muito motivada, mobilizou- se ainda um pouco mais em torno de Anna, mas fracassou mais uma vez no trabalho com a mãe. Tanto Anna, bela e fácil, gratificava os membros da equipe, tanto a mãe os desestimulava e lhes dava sensação de fracasso. Fui, pouco a pouco, entendendo que haviam renunciado a trabalhar com Lise. De novo, marquei uma consulta, mas ela não veio. Não veio tampouco nas outras três consultas que se seguiram. O médico-chefe, também preocupado, pediu para ver o pai. Este só viera uma única vez, quando Anna tinha duas semanas, mas não entrara na unidade. Ficara no corredor, por trás da vidraça. “Não tenho tempo”, dizia, “minhas duas filhas me esperam”. Viera consultar o chefe do serviço. Ali ainda, e como a mulher, mostrava-se resignado e cortês. Não tinha nada a dizer. Agradeceu a todos pelo interesse por Anna e confirmou que “tudo ia bem, e que a família estava pronta para receber o bebê em casa”. Bem rápido, Anna se tornara o bebê “queridinho” da unidade. Comportada e calma conforme a expressão das auxiliares de enfermagem, tornava a vida fácil. Quando passa para o leito, com 2,100kg, na ausência da mãe, as enfermeiras brigam pela possibilidade de carregá-la no colo. Gosta que brinquem com ela, mas, se a colocam no leito, adormece imediatamente; é tranquila e apegada. 8 Rapidamente o “bom gênio” de Anna lhe permite vir no babyrelax até a lanchonete da equipe. “Nunca hesitamos em pegála porque nunca reclama se, de repente, temos trabalho e somos obrigadas a deitá-la novamente”, dizem as auxiliares de enfermagem. O médico-chefe, que desaprova estas marcas de “preferência”, pede que não façam diferença entre Anna e os outros. Mas não adianta: _ “Anna está sempre só”, dizem as auxiliares de enfermagem; “_ela precisa de companhia”. Quando tento explicar à equipe que ela vai perder essa companhia, que o laço com sua família não deveria ser anulado pelo nosso zelo, não me ouvem; Anna está muito investida e a mãe esquecida demais, para que nossas injunções ou nossos avisos modifiquem a transferência da equipe com esse bebê. Antes da saída de Anna, preocupados, notificamos a P.M.I (Proteção Materna e Infantil), a fim de que uma puericultora visitasse seu domicílio, quando ela voltasse para casa. Ela tem 120 dias de idade, quando volta para casa. É a mãe que vai buscá-la. Ali ainda, um ritual de saída é tradicionalmente usado: as enfermeiras se dispõem a vir de uma em uma se despedir do bebê, outras fotos são tiradas, o médico recebe uma última vez os pais; referências simbólicas que permitam à criança e à sua família não apagar aquela passagem de sua vida, mas a partir dali, construir integrando-a à sua história. Mas, ainda dessa vez, a mãe recusa; não tem tempo, não é possível, da mesma forma que não fora possível o ritual de entrada. Lise está apressada demais: “_As duas filhas a esperam”. Um interno comenta, pouco antes da saída, que Lise nunca dizia “minhas três filhas”, mas sempre dizia: 9 “minhas duas filhas”. O que acontecia de fato com o lugar desta terceira? O último relatório médico, antes da saída, estipula que a criança está em perfeita saúde, sem nenhuma sequela visível da reanimação. A unidade de neonatologia pôde ficar satisfeita com o trabalho efetuado.
Referência MATHELIN, C. O sorriso da Gioconda: clínica psicanalítica com os bebês prematuros. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999.