Caso Vila Primeiro de Maio AC597163518

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JPF

N 597163518
1997/CIVEL

AÇÃO REIVINDICATÓRIA. IMPROCEDÊNCIA.


Área de terra na posse de centenas de famílias, há
mais de 22 anos. Formação de verdadeiro bairro,
com inúmeros equipamentos urbanos. Função social
da propriedade como elemento constitutivo do seu
conceito jurídico. Interpretação conforme a
Constituição. Inteligência atual do art. 524 do CC.
Ponderação dos valores em conflito. Transformação
da gleba rural, com perda das qualidades
essenciais. Aplicação dos arts. 77, 78, e 589 do CC.
Conseqüências fáticas do desalojamento de
centenas, senão milhares, de pessoas, a que não
pode ser insensível o juiz. Nulidade da sentença
rejeitada por unanimidade.
APELAÇÃO DESPROVIDA POR MAIORIA.

APELAÇÃO CÍVEL SEXTA CÂMARA CÍVEL

N 597163518 CAXIAS DO SUL

JOSEFINA MARILE MAGNABOSCO APELANTE;

JOSÉ CARLOS MAGNABOSCO APELANTE;

MARCÍLIO R R DA SILVA E OUTROS


REPRESENTADOS POR SUA
CURADORA ESPECIAL HELENA
IGNES CORSO APELADOS

JOÃO ORILDO SOARES E OUTROS APELADOS

MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL INTERESSADO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

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Acordam, os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara


Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, negar provimento ao
recurso, vencido o Relator, o que decidem de conformidade e pelos
fundamentos constantes das inclusas notas taquigráficas que integram o
presente acórdão.
Custas, na forma da lei.
Participaram do julgamento os signatários.
Porto Alegre, 27 de dezembro de 2000.

DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER,


Presidente;

DES. JOÃO PEDRO FREIRE,


Relator, vencido;

DES. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA,


Revisor e redator para o acórdão.

RELATÓRIO

DES. JOÃO PEDRO FREIRE (RELATOR) – Trata-se de apelação interposta


por JOSÉ CARLOS MAGNABOSCO e sua esposa contra sentença que julgou
improcedente ação reivindicatória movida contra JOÃO ORILDO SOARES e
outros.
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Argumentam os apelantes, preliminarmente, nulidade da


sentença, eis que desatendida a norma do art. 458 do CPC. Dizem que inexiste
relatório e que o magistrado preferiu ler o parecer ministerial à todas as demais
peças do processo. A referência ao relatório do parecer do Ministério Público
não supre a lacuna apontada.
Alegam, ainda, nulidade sentencial, por falta de razões, posto que
também foram adotadas do parecer citado.
No mérito, asseveram que não foi colocada em dúvida a
legitimidade do título dominial dos apelantes, ao contrário, todos, no presente
feito, admitem que a área invadida é de propriedade dos demandantes e de
seus familiares. Alegam que os apelados são invasores e eles próprios dizem
que possuem condições e vontade de adquirir, através de compra, as terras
reivindicadas, tudo após a desapropriação e feitura de loteamento especial, ou
seja, regular. Tal demonstra uma subversão da ordem e da lei, não sendo justo
que tais invasores recebam a terra gratuitamente quando, de forma induvidosa,
têm condições de adquiri-la. Pedem a reforma do “decisum” para a procedência
da ação.
Realizado o preparo, os apelados ofereceram contra-razões.
O Ministério Público de 1º grau deixou de exarar parecer de
mérito no feito.
Os autos vieram a esta Corte e a Dra. Procuradora de Justiça
opina seja acolhida a preliminar de nulidade da sentença e, se assim não for,
seja dado provimento ao apelo.
É o relatório.

VOTO

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DES. JOÃO PEDRO FREIRE (RELATOR) – Senhor Presidente.


Os autores apelam da sentença de primeiro grau que julgou
improcedente a reivindicatória por eles ajuizada, fazendo referência à função
social da propriedade, com base no parecer Ministerial.
Em suas razões recursais, em preliminar, argúem a nulidade da
sentença porque esta não atenderia aos pressupostos do art. 458, do Código
de Processo Civil. Salientam os apelantes que falta relatório e que as razões
de decidir do magistrado foram adotadas do parecer do Ministério Público.
Tal nulidade inexiste, pois uma vez havendo nos autos relatório
em que se baseou o juízo, embora, não sendo elucidativo, foi o mesmo
adotado como consta do parecer do Ministério Público. Assim, não procede a
nulidade ventilada pelos apelantes.
Quanto ao mérito, a lide versa sobre reivindicação de área urbana
no Município de Caxias do Sul, que tramita desde 15 de setembro de 1983,
promovida por José Carlos Magnabosco e sua esposa Josefina Marilê
Magnabosco contra João Orildo Soares, sua esposa e, ainda, centenas de
outros réus.
Na realidade o problema envolvendo a Área Magnabosco, como
ficou conhecida, iniciou em 1959, quando a gleba de 62.730m2 foi decretada
de utilidade pública pelo prefeito da época, Sr. Bernardino Conte.
Em 1982, a situação teve vários encaminhamentos, com a
participação do Legislativo Municipal caxiense, ao prefeito Armando Biazus
para receber em doação a área de 57.000m2 – a mesma área do decreto
anterior – somente abatida do traçado das ruas.
Para que a municipalidade tivesse direitos sobre a zona
Magnabosco, foi firmado um contrato com os herdeiros, no qual a prefeitura
teria de urbanizar as áreas remanescentes dos moradores. Ocorre que durante
vários anos a área não recebeu qualquer atenção de parte do Município,
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acabando por ensejar uma ação de vistoria pelos herdeiros, que objetivavam
resguardar seus direitos.
Nesse meio tempo, a zona Magnabosco (hoje parte do Bairro 1º
de Maio), por tratar-se de área próxima ao perímetro central, proporcionando
fácil acesso à todas as vantagens do grande centro, foi sendo ocupada
gradativamente por pessoas oriunda dos mais diferentes lugares.
Eram migrantes em busca de um lugar para estabelecer sua
moradia na cidade grande, bem como a migração de favelados de outros
locais, que dada a localização privilegiada da área, estariam mais próximos das
facilidades que a cidade oferecia.
Diante da rapidez com que os moradores foram ocupando as
áreas ociosas, a prefeitura passou a tomar uma série de medidas, colocando
fiscais no local para impedir a proliferação de novas favelas.
Em 1978, com a área tomada por grande número de famílias, a
prefeitura encaminhou, ao Legislativo Municipal, um projeto de lei pedindo
autorização para devolver as terras aos herdeiros Magnabosco, instalando-se
a partir daí uma questão política, onde de um lado a classe política da cidade
apresentava divisões para a resolução do impasse, enquanto a prefeitura
utilizava-se de força policial para impedir a construção de novos barracos.
Feita esta explanação, ainda, consigno que há mais de 30 anos o
Município foi obrigado a devolver a área aos herdeiros Magnabosco, o que
foi feito, devido à ordem judicial, conforme a Escritura Pública de Resilição de
Doação, firmada no Cartório de Notas, 2º Tabelionato no Livro de Contratos nº
34 (fls. 90/91), não sendo contestado pelos autores.
Quando da invasão das terras, a área já havia sido devolvida pelo
Município aos herdeiros Magnabosco, que passaram a ter posse e domínio (fls.
1711/1738).

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Ocorre que no litígio não há mão única: em tema de reivindicação,


exige-se, ao lado da prova do domínio, pelos pretendentes, a demonstração da
posse injusta dos demandados (art. 524, “in fine”, do Cód. Civil).
Conforme lição de PONTES DE MIRANDA, sempre precisa:
“injustamente possuir é ter consigo o bem sem ius possidendi” (“Tratado das
Ações”, 1978, VII, p. 114).
Objeto de exame judicial, portanto, não é apenas o primeiro dos
pressupostos, o domínio, mas, também, o segundo, a injustiça da posse.
Os documentos de fls. 1711 a 1738 comprovam que os autores
possuem a titularidade do domínio.
Vieram aos autos, portanto, as provas incontestáveis do domínio,
documento oriundo do Registro Imobiliário da Comarca de Caxias do Sul com
validade erga omnes. A posse deve ser deferida a quem, à evidência, detiver o
domínio.
Em princípio, não se pode contemplar a pretensão das pessoas
que invadiram as terras reivindicadas, que se transmudem de invasores para
felizes proprietários de terras alheias, sem que, para tanto, tenham concorrido
com qualquer valor para a aquisição do imóvel.
E, ainda, com base na própria instrução do feito, observa-se que
ali os réus construíram suas casas, algumas delas com dois pavimentos e, a
maioria de alvenaria, demonstrando, assim, tratar-se de pessoas com certo
poder aquisitivo, inclusive, com organização, com força comunitária de grande
relevo e eficiência. O próprio patrono dos requeridos, ao contra-arrazoar (fls.
1654), foi incisivo ao afirmar que não se tratam de barracos, malocas, mas sim,
de casas de material, o que bem demonstra as suas sadias condições
financeiras, culminando com o conteúdo do documento de fls. 1606, emitido
pelo Presidente da Associação dos Moradores do bairro ao Sr. Prefeito

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Municipal, onde textualmente reafirma a intenção de adquirir os lotes, ao assim


se manifestar, in verbis:
“Em atenção a proposta encaminhada verbalmente por
Vossa Excelência através dos Vereadores Elói Frizzo e
Marino Kury e pelo Procurador do Município, o Advogado
Ambrósio Bonalume, cientificamos que a sua proposta,
qual seja: da saída dos ocupantes num prazo de 3 anos
para loteamentos populares, temos a informar que em
Assembléia Geral realizada sábado que passou, dia
22.03.92, a mesma por unanimidade rejeitou a proposta
na medida em que não contempla nossas reivindicações
históricas, que é de permanecermos no local através da
aquisição dos lotes”.

Ainda, a missiva visava encaminhar contraproposta no sentido de


que o município de Caxias do Sul, providenciasse na desapropriação da área
para o atendimento das reivindicações deliberadas em assembléia dos
moradores. Essa, talvez, fosse a melhor solução para desfazer o embaraço
causado pelos interesses econômicos e políticos tanto da família como da
classe política, cada qual mais insensata que a outra.
Neste caso, os próprios requeridos reconhecem que não possuem
qualquer título que embase a permanência no local, enquanto que, em
contrapartida, os autores comprovam o domínio da área sob litígio.
A sentença monocrática, por fim, reportando-se ao parecer
Ministerial somente traçou obstáculos à pretensão, de ordem social, sem
qualquer sustentáculo legal, sem macular o domínio dos apelantes, pois é tido
como certo, delimitado e não contestado.
Embora, decorridos tantos anos desde o princípio da questão, não
se pode ignorar de todo, a existência fática de um bairro que foi construído
pelos apelados, verdadeiros invasores que, a despeito de contarem com certa
estrutura pública, tal não serve para chancelar a perda da propriedade por
parte daquele que realmente é o proprietário.

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A ilegalidade da ocupação, configuradora do esbulho, não pode


ser admitida nem explicada, pois não se pode conceber tal desiderato em
nome da função social da propriedade, ou se estaria legitimando uma estrutura
ilegal de invasões sem número na nossa sociedade, colocando em risco a
ordem e a paz social.
Assim, indemonstrada a posse justa, não há como manter a douta
sentença.
Pelo acima exposto, dou provimento à apelação, para reformar a
decisão de primeiro grau, julgando procedente a reivindicatória, com custas e
honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00, corrigidos pelo IGPM.
É o voto.

DES. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA (REVISOR) – Senhor


Presidente. Ponho-me de acordo com o eminente relator quanto à alegação de
nulidade da sentença por falta de relatório. Embora não exaustivo, relatório
existe, e a sentença está fundamentada. Também rejeito a preliminar.
No mérito, porém, peço licença para desprover o apelo.
Inicio situando o problema no plano fático. Consoante a petição
inicial, datada de 15 de setembro de 1983, a área que se pretende reivindicar já
estava invadida “há pouco mais de cinco anos” (f. 16). Vale dizer, na melhor
das hipóteses, começou em 1978 a ocupação, tendo comemorado até agora
pelo menos 22 anos. De lá para cá, a invasão do imóvel, de início precária,
consolidou-se de tal forma que na antiga gleba rural se formou um verdadeiro
bairro, povoado de milhares de pessoas, com equipamentos urbanos, ruas,
casas, homens, mulheres, crianças, idosos, animais domésticos, sonhos e
esperanças.
Tal foi constatado por inspeção judicial realizada pelo
eminente Juiz de Direito Dr. Paulo Felipe Becker, em 14 de fevereiro de 1990,

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há mais de dez anos atrás (f. 1.535-1.536). Acompanhado do Escrivão, da Dra.


Promotora Pública, dos advogados das partes, do Secretário Municipal de
Obras Públicas, do Presidente da Associação Comunitária do Bairro e de
outras autoridades, o magistrado inspecionou o bairro. Consta da ata de
inspeção judicial mencionada: “Pelo Juiz foi dito que constatou a existência, no
Bairro, de inúmeras moradias, desde casebres paupérrimos, até residências de
alvenaria, denotando razoável nível sócio-econômico do proprietário ou
morador. Constatou a existência de iluminação pública, instalada e mantida
pelo poder público municipal, segundo informação do Secretário acima referido.
Foi informada, também, a existência de esgotos simultaneamente pluviais e
cloacais construídos em parte pelo próprio poder público e, segundo
informação do Presidente da Associação, em parte com materiais fornecidos
pelo poder público municipal e mão de obra em forma de mutirão, pelos
próprios moradores do local. Todas as residências são servidas de água pelo
SAMAE, com contadores individualizados. São também servidas de energia
elétrica pela CEEE, também com contadores individualizados. Segundo
informações dos moradores, algumas das ruas que cortam o bairro, dentro da
área em conflito, têm denominação oficial e outras, inclusive alguns becos não
têm esse caráter, sendo, entretanto, todas essas vias conservadas pelo poder
público municipal, tendo o juízo observado cobertura de praticamente todas
com cascalho. Uma das ruas separa a vila popular da região denominada
“Mato Sartori”, segundo algumas informações, próprio do município, estando
dito mato separada da rua em quase toda a extensão da vila por um muro de
alvenaria. Segundo informações dos habitantes não há escola dentro do Bairro.
Foram observados três templos de diversas confissões religiosas, bem como
uma construção em andamento, que, segundo o Presidente da Associação, é
uma capela da Igreja Católica Romana, em reconstrução e que pertence à
paróquia Sagrada Família, cuja matriz fica fora da área em conflito.
Retifica-se, além da capela em construção eram quatro os templos religiosos
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observados. Foram observados diversos bares e armazéns, informando o


Presidente da Associação os haver em número de onze (11) na área em
conflito. Foram observadas três oficinas de chapeação e pintura de veículos,
tendo em uma delas sido dada a informação ao Juiz de que também trabalho
com mecânica de veículos. Foi observada uma pequena indústria metalúrgica,
na qual o Juízo observou sete (7) operários trabalhando, no momento, em
acabamento de baixelas de aço inox. Pela Dra. Promotora foi observado que
se tratava de baixelas de fabricação pela empresa Tramontina, sendo no local
dado apenas o acabamento. Foi visitada a sede da referida associação,
construída em madeira, com aspecto já um pouco antigo, mas com uma
secretaria em alvenaria, de pequenas dimensões que, segundo informação da
secretária da Associação terminou de construir-se faz aproximadamente um
mês. Foi também observado pelo Juiz a existência de um salão de beleza e de
um estabelecimento de costureira, assim como placa indicativa de atividade de
um investigador particular. Na sede da Associação foi constatada a existência
de um telefone público e na referida agência de investigação, anúncio do
telefone particular de prefixo 221-37-15, informando o presidente da
Associação que, ao que parece, haveria mais um ou dois telefones particulares
instalados em residências dentro da área em conflito.”
Outros aspectos interessantes da diligência judicial: segundo
constatação do juízo, algumas das construções tinham idade que poderia
oscilar ao redor de dez a doze anos, algumas recentemente reformadas e
algumas com aspectos de bem recentes. A numeração das casas não é oficial,
realizada não pelo município, mas pela Associação de Bairro. Também se
detectou a existência de transformador novo em poste da CEEE, por ela
colocado, assim como de outros dois transformadores mais antigos.
A situação assim esboçada está perfeitamente corroborada pelas
fotografias aéreas de f. 471 a 473, pelas quais se constata a conformação nova

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da gleba, agora inteiramente formada de ruas e becos, com diversas


habitações e feição completamente distinta daquela descrita na petição inicial.
Penso que semelhante realidade, radicalmente diferente da
anterior, não pode deixar de ser considerada para o exato equacionamento da
controvérsia, pois tem imediato reflexo no próprio objeto da presente ação
reivindicatória.
Ela conduz, em primeiro lugar, à introdução no tablado das
discussões do elemento pertinente à função social da propriedade.
No dizer oportuno de Domingos Sávio Dresch da Silveira (A
propriedade agrária e suas funções sociais, in O direito agrário em debate,
Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, organizadores Domingos Sávio
Dresch da Silveira e Flávio Sant´Anna Xavier, p. 13), “Ouve-se, com grande
freqüência, que a propriedade não é mais um direito absoluto. Tal afirmação
costuma preceder, sobretudo, argumentações doutrinárias ou jurisprudenciais
que pretendem conferir, contraditoriamente, proteção absoluta à propriedade.
Talvez seja o momento de se afirmar o contrário. A propriedade tem algo de
absoluto. Algo de sagrado. E o sagrado (o que move as montanhas, como quer
o poeta), o absoluto da propriedade é a sua função social, que constitui, em
síntese, o seu perfil constitucional.”
Apoiando-se nos ensinamentos autorizados de Stefano Rodotà,
José Afonso da Silva, Eros Roberto Grau, Rafael Colina Gálea e Pietro
Perlingieri, observa o jurista, com inteira razão, que “a função social da
propriedade não deve ser visualizada como um conjunto de princípios
programáticos.” E salienta logo a seguir: “Temos que a melhor concepção é
aquela que afirma ser a função social elemento constitutivo do conceito jurídico
de propriedade. Importa dizer que a função social não é um elemento externo,
um mero adereço do direito de propriedade, mas elemento interno, sem o qual
não se perfectibiliza o suporte fático do direito de propriedade.”

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A lição de Pietro Perlingieri (Introduzione alla problematica della


´proprietà´, Napoli, Jovene, 1970, p. 71) mostra-se bastante elucidativa, in
verbis:
“Se Tício obteve reconhecimento pelo ordenamento jurídico da
propriedade de um determinado bem e essa propriedade tem uma disciplina
inderrogável fora dos poderes do titular, fora da autonomia privada, e se nessa
disciplina existem determinadas obrigações de comportamento por parte do
proprietário, isso significa que só recebeu do ordenamento jurídico aquele
direito de propriedade na medida em que respeite tais obrigações, na medida
em que respeite a função social do direito de propriedade. Se o proprietário
permanece inadimplente e não se realiza a função social da propriedade, ele
não é mais merecedor de tutela de parte do ordenamento jurídico: não existe
mais razão para tutela, não há mais razão para o direito de propriedade.”
E acentua o jurista italiano ser possível extrair tal conclusão no
âmbito de uma interpretação unitária e sistemática do ordenamento, onde o
dado constitucional apresenta-se como parte integrante e dominante, a
referendar o entendimento de que a função social é a própria razão pela qual o
direito de propriedade é atribuído a determinado sujeito.
Assim também se pronuncia Stefano Rodotà (verbete Proprietà
(diritto vigente), in Novissimo Digesto Italiano, vol. XV, 3a. ed., Torino, UTET,
1976, p. 125-146), ponderando que a inatividade do proprietário, quando
postos a seus cuidados obrigações e ônus, determina a superveniente carência
de legitimação à titularidade e ao exercício do direito de propriedade.
Entre nós, não é possível deixar de lado, no exame do caso, o
que dispõe o ordenamento constitucional brasileiro. Ao mesmo tempo em que a
Constituição da República garante o direito de propriedade (artigo 5º, inciso
XXII) estabelece, de forma clara e taxativa, que atenderá ela a sua função
social (inciso XXIII do mesmo artigo 5º). A par disso, trata da propriedade

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urbana nos artigos 21, inciso XX, e 182, pautando a política urbana, cujo
objetivo deve ser ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Significa isso sublinhar o que
já estava na natureza das coisas: a cidade tem funções sociais que se impõem
desenvolvidas. Mais ainda: reafirma-se assim que qualquer propriedade
assentada na cidade há de possuir, por conseqüência, uma função social que
venha a se compatibilizar com as próprias funções interativas da cidade, tais
como ambiente ecologicamente equilibrado, vias de acesso e trânsito
razoáveis, edificações ventiladas e com distâncias mínimas, garantias de
habitação, recreação e trabalho, entre outras, de modo a assegurar boa
convivência entre os moradores (cf., a respeito, Kátia Magalhães Arruda, A
função social da propriedade e sua repercussão urbana, in Revista de
Informação Legislativa, 132(out/dez 1996):313-330, esp. p. 316).
Doutrinadores dedicados ao direito urbanístico moderno,
mostram-se atentos, igualmente, ao entorno social dos imóveis urbanos
titulados por propriedade privada, de forma a não permitir que tal direito
alcance eficácia de hierarquia superior a outros, alheios, em função dos quais
se legitima e justifica a própria intervenção do Estado na economia, em defesa
dos últimos. Em matéria de terra, essa conseqüência decorre da própria
natureza física do bem em disputa, como bem destaca Angel Sustaeta Elustiza
(Propriedad y urbanismo, Madrid, Montecorvo, 1978, p. 140-141), nestes
termos:
“O solo, em geral, não se concebe tão só como um objeto sobre o
qual se exercita um direito em função de economia privada, não é tão só um
conjunto de superfícies de bens imóveis. É, como afirma Martín Blanco, ´antes
do mais e preferentemente, uma unidade ou elemento orgânico que serve de
assento e fundamento da vida da comunidade ou núcleo sobre o assentado,
que implica fator essencial para a formação e desenvolvimento daquela
comunidade.` O solo se projeta mais e mais em função da comunidade, a que
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serve tanto de meio de sustento, como de suporte material. E é aqui onde se


produz a cada vez maior intervenção do Estado e demais entes públicos
menores na fixação do quando, do como e do para que deve utilizar-se o
mesmo.”
É nesse contexto, penso eu, que devem ser examinadas as
regras do Código Civil sobre posse e propriedade, ainda mais que esse
estatuto, como se sabe, começou a ser elaborado no século XIX, tendo entrado
em vigor em 1917, sendo agora um bom velhinho com mais 80 anos de idade,
já um pouco desgastado e caquético. Talvez seja um lugar comum, mas não se
pode deixar de atentar em que ao tempo da elaboração do Código Civil vivia-se
economia de base agrária, antiga, praticamente alheia ao meio urbano. Em tal
quadra da vida nacional, o direito constitucional brasileiro não reconhecera
ainda direitos humanos fundamentais para os quais a garantia da posse de
certas coisas é mais indispensável do que a dos direitos reais patrimoniais,
nem reconhecera a função social da propriedade.
Por isso mesmo, as regras que dizem respeito a tais conceitos
fundamentais não podem ser interpretadas hoje com os olhos do universo
cultural da época em que o Código foi promulgado. Quando se estabeleceu no
art. 524 do Código Civil o reconhecimento do direito de propriedade privada,
com contornos de gozo absoluto e ilimitado, estava-se embebido numa
concepção de mundo que hoje não mais vigora.
O mesmo deve ser dito a respeito do conceito de posse injusta.
Posse injusta, no contexto dos autos, especialmente depois do prestígio
conferido pelas Constituições modernas aos direitos humanos fundamentais,
não pode mais ostentar, à evidência, o sentido que se lhe atribuía nos idos de
1917. “Injusta” é hoje, antes de tudo, e principalmente em função da
urbanização acelerada ocorrida no mundo, inclusive no Brasil, a posse que fere
a justiça distributiva, fim último de todo o Estado que se pretenda Democrático

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e de Direito, como aquele apregoado pela Constituição de 1988. Conclusão


que tanto mais se afirma quando se pensa que a escassez de terra não
decorre do fato da coisa, da própria natureza, suficientemente pródiga para os
brasileiros, mas origina-se de escandalosa concentração da terra em mãos de
poucos, da visão do direito de propriedade como ente absoluto e
incontrastável.
Não há, portanto, como afastar a consideração de que as
garantias e liberdades, que enchem de poder e eficácia concreta essas
disposições, haverão de se inspirar hoje em realidades e valores muito
diferentes daqueles que se buscava proteger nos longínquos anos vinte. Anos
em que o respeito ao direito alheio, pelo só exercício do próprio direito,
constituía apenas uma cogitação remota, a justiça distributiva uma lembrança
inconseqüente de Aristóteles, situada num ordenamento jurídico cuja
interpretação posterior nem por Weimar se deixou influenciar.
Na espécie em julgamento, no acirrado e complexo conflito de
valores entre os que desde muito abandonaram a propriedade, doando-a ao
município em busca de vantagens pessoais (a doação, lembro, estava
condicionada à realização de obras públicas em propriedades vizinhas também
do domínio da família Magnabosco), e as milhares de pessoas que habitam a
gleba, que lutaram e continuam lutando por sua urbanização, transformando-a
com seu trabalho, impondo a abertura de ruas, conquistando equipamentos
urbanos (luz elétrica, telefones, templos religiosos, casas de comércio,
fábricas), entendo que o Poder Judiciário deve se inclinar pelos últimos, de
forma consentânea com os princípios fundamentais da Constituição da
República.
Trata-se, a final das contas, de um direito básico e fundamental, o
direito de moradia, que se revela indispensável à proteção da vida. Vale a pena
reproduzir o que disse Maria José Añon Roig (Fundamentación de los derechos

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humanos y necesidades basicas, in Derechos humanos, organizador Jesus


Ballesteros Madrid, Tecnos, 1992, p. 102-103) a respeito, verbis:
“(...) reconhecer, exercer e proteger um direito básico significa, em
última instância, satisfazer uma série de necessidades consideradas iniludíveis
para o desenvolvimento de uma “vida digna”. Não elegemos nossas
necessidades e elas não são algo sobre o que possamos ter uma atuação
positiva ou não. Não temos por que justificar nossas necessidades com razões,
para dizer que uma necessidade existe. Elas nos colocam em relação direta
com a noção de dano, privação ou prejuízo grave para a pessoa — o prejuízo,
ou grave detrimento, manter-se-á exatamente nas mesmas condições, salvo o
caso de a necessidade ser satisfeita, cumprida ou realizada, pois não há
nenhuma possibilidade alternativa para se sair dela — assim, (na
necessidade) não se trata de contratempos, problemas ou prejuízos
passageiros, mas sim de uma “degeneração” permanente da qualidade de vida
que há de manter-se até que se obtenha uma satisfação.”
No que concerne à ponderação dos direitos em conflito, em casos
como o presente, o extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul teve
oportunidade de mostrar, em Embargos Infringentes julgados ainda na década
de 80 (1º Grupo de Câmaras Cíveis, Embargos Infringentes 100287119,
julgados em 18.11.1983), como pode ser reducionista a visão do direito de
propriedade como isento de qualquer controle público, inclusive judicial,
particularmente naquelas hipóteses em que a posse derivada de tal direito tem
de se curvar a direitos humanos fundamentais, para os quais a base física da
terra é indispensável. No voto vencedor e condutor do então Juiz de Alçada Dr.
José Maria Rosa Tesheiner, que depois tanto honrou este Tribunal, constam as
seguintes considerações, de grande significado:
“Lembra Helmuth Coing (Fundamentos de filosofia del derecho)
que três são as funções do juiz: a de aplicar as leis, que é a mais freqüente; a

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de integrar o direito, através da qual se colmam lacunas e, finalmente, a mais


importante, a de fazer justiça. Para o Juiz, o valor justiça deve estar no ápice
da hierarquia dos valores. Constitui, talvez, deformação, imputável ao
positivismo jurídico a circunstância de no foro indagar-se tanto a respeito da
solução legal, e tão menos da solução justa. Ora, colocado na balança da
justiça, de um lado os interesses de três casais, para os quais a área em litígio
representa muito, mas não é fundamental, e de outro, os de noventa ou mais
famílias, para as quais essa mesma área é condição de vida digna, parece não
ser difícil determinar para que lado pende a balança. O Judiciário, por ser um
Poder, não pode ficar apenas na posição subalterna de obediência a comandos
emitidos pelos demais Poderes. Deve colaborar com o Legislativo e o
Executivo, na solução dos problemas sociais, especialmente quando se
apresentam hipóteses que não se prestam à edição de normas abstratas,
exigindo solução concreta, caso a caso. Não pode o Judiciário ser injusto
aguardando que sobrevenha lei justa, máxime quando o legislador se omite,
temeroso das conseqüências que possam advir da emissão de norma geral,
perigo que o Judiciário pode enfrentar, porque suas decisões não são leis,
valendo apenas para o caso. Opus justitiae pax. É, então, de se perguntar
qual a solução mais consentânea com a paz social. E a resposta, mais uma
vez, pende para os “vileiros”, especialmente se levada em conta a crise
econômica que ora atravessamos, com levas de trabalhadores sem emprego,
sem casa e sem comida. Afirmou-se, no início, não se encontrar na lei solução
expressa para o caso dos autos, o que não é verdade, porque a Constituição
que é a Lei Maior e prepondera sobre qualquer outra, consagra a função social
da propriedade.”
Acresce notar, ademais, e aqui me inspiro em notável acórdão
unânime da 8a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, relatado
pelo Des. José Osório (AC 212.726-1/8, 16.12.1994, in Justiça e Democracia,
Revista Semestral de Informação e Debate, 1(1996):239-242), que o objeto da
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ação reivindicatória há de ser uma coisa corpórea, existente e bem definida.


Afirmou com grande propriedade o eminente relator do caso mencionado, em
tudo semelhante à hipótese dos autos, pois lá como aqui se tratava de favela
consolidada, com ocupação iniciada há cerca de 20 anos, dotada pelo Poder
Público de equipamentos urbanos, verbis:
“No caso dos autos, a coisa reivindicada não é concreta, nem
mesmo existente, é uma ficção. Os lotes de terreno reivindicados e o próprio
loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração jurídica. A
realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se, dotada
de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas centenas, ou milhares, de pessoas.
Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis
sendo exercitados com naturalidade. O comércio está presente, serviços são
prestados, barracos são vendidos, comprados, alugados, tudo a mostrar que o
primitivo loteamento hoje só tem vida no papel.”
E mais adiante, acentua: “Loteamento e lotes urbanos são fatos e
realidades urbanísticas. Só existem, efetivamente, dentro do contexto
urbanístico. Se são tragados por uma favela consolidada, por força de uma
certa erosão social, deixam de existir como loteamento e como lotes. A
realidade concreta prepondera sobre a ´pseudo realidade jurídico-cartorária´.
Esta não pode subsistir, em razão da perda do direito de propriedade. Se um
cataclismo, se uma erosão física, provocada pela natureza, pelo homem, ou
por ambos, faz perecer o imóvel, perde-se o direito de propriedade. É o que se
vê do art. 589 do Código Civil, com remissão aos arts. 77 e 78. Segundo o art.
77, perece o direito perecendo o seu objeto. E nos termos do art. 78, I e III,
entende-se que pereceu o objeto do direito quando perde as qualidades
essenciais, ou o valor econômico; e quando fica em lugar de onde não pode
ser retirado.”

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Prossigo observando que não mais existe na espécie em


julgamento a gleba de terras objeto da reivindicação: transformou-se em
cidade, não apresenta mais as qualidades essenciais anteriores. Embora o
imóvel ainda lá permaneça fisicamente, para o direito a existência física não é
o fator decisivo, consoante denotam os mencionados incisos I e III do art. 78 do
Código Civil. O fundamental, como ressalta ainda aqui, o voto vencedor e
condutor do Des. José Osório, que estou reproduzindo em suas linhas
fundamentais, é que a coisa seja funcionalmente dirigida a uma finalidade
viável, jurídica e economicamente. Daí a conseqüência, para mim inafastável e
inarredável, o direito de reivindicar foi suprimido pelas circunstâncias
assinaladas.
Por último, não se pode deixar de reconhecer implicar o
desalojamento forçado das inúmeras famílias que compõem a comunidade
organizada do bairro, como ressaltou no caso trazido a confronto o Des. José
Osório, “uma correção cirúrgica de natureza ético-social, sem anestesia,
inteiramente incompatível com a vida e a natureza do direito.”
Com efeito, numa etapa da vida do direito, em que o fenômeno
jurídico não mais se circunscreve à norma, envolve também o fato e o valor,
em que impera não mais a lógica formal, mas uma lógica do razoável, uma
hermenêutica jurídica de feição crítica e dialética, o juiz não pode abstrair no
seu julgamento as conseqüências sociais da decisão. Já o nosso Carlos
Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 13a. ed., Rio de Janeiro,
Forense, 1993, nº 178, p. 165, nº 179, p. 166) falava de apreciação do
resultado no trabalho hermenêutico, instando ao intérprete, quanto possível,
evitar uma conseqüência incompatível com o bem geral, adaptando o
dispositivo às idéias vitoriosas entre o povo em cujo seio vigem as expressões
de Direito sujeitas a exame. E incisivamente afirmava o grande jurista: “É antes
de crer que o legislador haja querido exprimir o conseqüente e adequado à
espécie do que o evidentemente injusto, descabido, inaplicável, sem efeito.
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Portanto, dentro da letra expressa, procure-se a interpretação que conduza a


melhor conseqüência para a coletividade. Deve o direito ser interpretado
inteligentemente; não de modo que a ordem legal envolva um absurdo,
prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis.”
Com essas considerações, rogando vênia ao eminente relator,
nego provimento ao recurso, ressalvando aos apelantes o direito de pleitearem
indenização frente a quem de direito.
É o voto.

SR. PRESIDENTE – DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER – Quanto à


preliminar de nulidade, acompanho os Colegas. Quanto ao mérito, pretendo ler
o processo para trazer um voto de desempate oportunamente.

Apelação Cível nº 597163518, Caxias do Sul – “Por unanimidade,


rejeitaram a preliminar de nulidade. Após haverem votado o Relator, dando
provimento ao apelo, e o Revisor desprovendo-o, tomou vista o Presidente.

VISTA

SR. PRESIDENTE – DES. CACILDO DE ANDRADE XAVIER – Pedindo


vênia ao eminente Relator, que proferiu um brilhante voto, ouso divergir de S.
Exa. para acompanhar o não menos brilhante voto do eminente Des. Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira.
Pedi vista, embora houvesse recebido cópia dos votos, porque, na
minha antiga permanência nesta 6ª Câmara, antes de afastar-me há quatro
anos, em ações de reivindicação, seguidamente citava um acórdão do 2º
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Grupo, que é um dos muito bem lançados do Des. Antônio Vilella Amaral
Braga. Ao citar o acórdão do Des. Braga, fazia referência a que o aresto era
tão bom que estava publicado em duas Revistas, a nº 101 e a nº 103. Nele,
dizia o Des. Braga que o conceito de posse injusta do art. 524 do Código Civil é
bem mais dilargado de que aquela posse injusta para fins dos interditos
possessórios, coisa com a qual sempre concordei.
No caso concreto, o Des. Carlos Alberto, a meu juízo, demonstrou
que não é de se prover a apelação.
O Dr. Juiz, embora em sentença bastante sintética, e essa síntese
se explica, porque ele aderiu ao parecer do Ministério Público dizendo que toda
a argumentação do Ministério Público de 1º grau fazia parte integrante da
sentença, desatou o mérito da causa, a meu juízo, corretamente, pela
improcedência.
O Des. Alvaro de Oliveira começou a examinar desde o problema
no plano fático, dizendo que a inicial desta ação data de 15-09-83 e que a área
que se pretende reivindicar, em 1983, se dizia que já estava invadida há
pouco mais de cinco anos, ou seja, que, em 1978, na melhor das hipóteses
para os autores da reivindicatória, já havia começado a ocupação por essas
centenas de pessoas que hoje estão lá morando depois de terem construído
casas dos mais variados tipos - existem casas de alvenaria muito boas, casas
bem modestas, casas comerciais.
O eminente Revisor citou a inspeção judicial realizada pelo
eminente Dr. Paulo Felipe Becker, em 14-02-90, portanto, há mais de dez
anos. O longo auto dessa inspeção está às fls. 1.535 a 1536, muito bem
redigido pelo Dr. Paulo Felipe Becker, que, aliás, até já se aposentou em face
da sua longa vivência no Direito. O Des. Carlos Alberto citou tudo o que já
existe lá; é um verdadeiro bairro, com água encanada, esgoto feito pela

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autoridade municipal, ruas calçadas, energia elétrica e, por aí afora, todos os


melhoramentos.
O Dr. Juiz citou e apoiou-se no parecer do Ministério Público de
1º grau. Evidentemente, o Dr. Promotor da Comarca está rente com o local em
que se discute, conhece todas as situações do Município de Caxias.
Destaco que quem firmou o parecer foi o Dr. José Guilherme
Giacomuzzi, que é um Promotor de Justiça que todos conhecemos e sabemos
da sua alta qualificação. No parecer, à fl. 1.750, o Dr. Promotor já dizia que o
que os autores pretendem é reaver um terreno delimitado, o qual hoje já é
parte integrante do Município de Caxias do Sul, cuida-se do bairro 1º de Maio.
Aliás, o Des. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira mencionou também a prova
fotográfica mostrando as casas, as ruas, o calçamento.
Diz o Dr. Promotor, à fl. 1.750, que a discussão da terra é bem
antiga, mais antiga que este vetusto processo, que é de 1983.
Fala de recortes de jornal, fotografias e vai historiando que tudo
começou com uma doação em 27-08-66, portanto há 34 anos, pelos autores e
demais proprietários, ao Município de Caxias. Depois, a área virou litigiosa e
criou todo esse problema.
Portanto, tudo está a indicar que, devolver esse imóvel às
pessoas em cujo nome ele está no Registro Imobiliário, passado todo esse
vastíssimo tempo, seria de fato, como disse o Des. Alvaro de Oliveira,
praticar-se aqui uma injustiça.
Lembro que o Des. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira deixou claro
que fica em aberto a possibilidade de os autores dirigirem contra quem de
direito pedido indenizatório, se eles assim entenderem conveniente, mas
parece-me que, no caso concreto, a melhor solução é esta de negar
provimento, muito embora reconheça que o voto do eminente Des. João Pedro
é muito técnico e traz posição bem recente e até majoritária do Tribunal.
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Porém, como o Direito não é estático, é dinâmico, no caso,


parece-me que o eminente Des. Alvaro de Oliveira demonstrou que a sentença
está correta.
De tal sorte que, pedindo vênia mais uma vez ao eminente
Relator, acompanho o Des.-Revisor.

Apelação Cível nº 597163518, de Caxias do Sul – “Completado o


julgamento com o voto faltante, negaram provimento à apelação por maioria,
vencido o Relator. Lavrará o acórdão o Des.-Revisor.”

Decisor(a) de 1º Grau: Pedro Luiz Pozza.

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