Humanismo e Classicismo em Portugal
Humanismo e Classicismo em Portugal
Humanismo e Classicismo em Portugal
O Humanismo, o teatro de Gil Vicente, a lírica e a épica de Camões e suas contribuições para
a historiografia literária de Portugal.
PROPÓSITO
Compreender o contexto e as diferentes manifestações literárias do Humanismo e do
Classicismo em Portugal permite ampliar os estudos sobre arte, literatura e história cultural em
língua portuguesa.
PREPARAÇÃO
Tenha em mãos um dicionário de literatura para compreender o vocabulário específico da área.
Na internet você acessa gratuitamente o E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia, e o
Dicionário de Cultura Básica, de Salvatore D’Onofrio. No Portal Domínio Público na internet,
você pode ter acesso às principais obras estudadas neste conteúdo.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
MÓDULO 3
INTRODUÇÃO
O estudo da literatura de um povo é uma das formas de compreender os valores de sua
cultura, conhecer aspectos de sua identidade, revisitar sua formação histórica e perceber sua
contribuição no campo da arte. No caso da literatura portuguesa, esse estudo permite também
resgatarmos os laços históricos, culturais e literários entre nossa arte e a de Portugal. Ainda
mais quando apreciamos autores como Luís de Camões e Gil Vicente.
Por isso, vamos aprender acerca das vastas obras de Gil Vicente e de Luís de Camões, além
do contexto histórico-cultural que permeou o universo literário desses dois grandes autores
portugueses.
Vamos, então, nos aventurar na leitura e nos estudos da literatura portuguesa durante o
Humanismo e o Classicismo!
MÓDULO 1
O CONTEXTO DO HUMANISMO EM
PORTUGAL
Escolástica
Humanismo
Racionalismo pragmático-experiencial
Não há fronteiras nítidas entre esses três núcleos, e o mais atuante qualitativa e
quantitativamente é o terceiro, por ser a Cultura dos Descobrimentos.
Corresponde ao período final da filosofia medieval. Pode ser entendida como um método
para pensar e aprender que conciliava a fé cristã ao pensamento racional caracterizado
pela leitura e pelo estudo críticos de obras selecionadas.
O espírito renascentista português foi um fenômeno tardio, mas na primeira metade do século
XVI, 800 estudantes portugueses, que frequentaram universidades tais como as de Paris,
Louvain e Oxford, compuseram uma nata intelectual e desse grupo surgiu o Humanismo
Português. Cabe destacar Francisco de Melo, D. Miguel da Silva, D. Jerónimo Osório e os
Gouveias. A criação do Real Colégio das Artes, em Coimbra, em 1537, teve para esses novos
humanistas um papel de relevante importância.
Foto: Manuelvbotelho / Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0
Colégio das Artes em Coimbra (2017).
INDEX
O Index ou Index Librorum Prohibitorum (Índice de Livros Proibidos) era a lista das obras
proibidas pela Igreja, como reação à Reforma Protestante e à invenção da prensa. O
Index teve sua primeira edição oficial em 1559, com 550 obras proibidas, sendo
atualizado à medida que novas publicações consideradas hereges surgiam.
DIANTE DA INTENÇÃO DA COMPANHIA DE JESUS DE
ASSUMIR O CONTROLE DA EDUCAÇÃO EM TODOS
OS NÍVEIS, A RESISTÊNCIA DA UNIVERSIDADE DE
COIMBRA SOMOU-SE À DOS AGOSTINIANOS E
DOMINICANOS. AS CORTES DE 1562 PROTESTARAM
CONTRA ESSA INFLUÊNCIA CRESCENTE DOS
JESUÍTAS, ESPECIALMENTE QUANTO À ENTREGA DO
COLÉGIO DAS ARTES À SUA DIREÇÃO. MAS FOI
INÚTIL, POIS O FANTASMA DA HERESIA PARECIA
JUSTIFICAR AS CONSTANTES PERSEGUIÇÕES
CONTRA OS PROFESSORES, BEM COMO A
ESTAGNAÇÃO DO ENSINO, COMPLETAMENTE
ENQUADRADO NA METODOLOGIA ESCOLÁSTICA [...].
OS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES
Nesse aspecto, cabe ressaltar os estudos socioculturais de Luis Felipe Barreto, ao argumentar
que os Descobrimentos portugueses compõem uma parte importante da expansão planetária
da Europa. Os antigos conheciam o mar. Os renascentistas, sobretudo os portugueses,
enfrentaram os oceanos. Os portugueses dos séculos XV e XVI transformaram “o obstáculo de
silêncio e medo que é o grande mar oceano em via de comunicação planetária” (BARRETO,
1989, p. 11-12), e converteram o impossível em possível.
OS PORTUGUESES DO RENASCIMENTO SÃO O
CORPO E O OLHAR DO PLANETA, O INSTRUMENTO E
O SISTEMA COMUNICATIVO QUE ABRE OS
HORIZONTES DA HUMANIDADE À HUMANIDADE
EUROPEIA (E VICE-VERSA). OS PORTUGUESES DO
SÉCULO XVI DESEMPENHAM, NA LÓGICA DA
HISTORICIDADE UNIVERSAL, A MISSÃO DE TROCA
DO MUNDO E MUNDO DA TROCA [...].
SAIBA MAIS
Podemos dizer que Gil Vicente e Camões não estavam separados dessa autêntica e profunda
revolução sociocultural. De certo modo, entram em circuito, com as suas ideias, os três
grandes núcleos da cultura do século XVI em Portugal.
GIL VICENTE
Segundo Maria do Amparo Tavares Maleval (1992), os dados biográficos de Gil Vicente são
imprecisos.
De origem humilde, teria nascido por volta de 1465 em Guimarães e falecido à roda de 1536.
Autor de vasta e intensa obra teatral, foi ator, ensaiador, cenógrafo e organizador de festas
públicas e palacianas.
Foi identificado com um ourives homônimo, autor da Custódia de Belém, com um “mestre de
retórica” de D. Manuel, com um alfaiate e com um carpinteiro, mas nenhuma dessas
profissões, não relacionadas ao teatro, é provável que lhe tenha pertencido. Seu nome era
bastante vulgar à época.
Nasceu no reinado de Afonso V, viveu na geração de D. João III e testemunhou a epopeia lusa
dos descobrimentos e navegações. Seus autos abrilhantaram as cortes de D. Manuel, D.
Leonor e D. João III, e deles recebeu doações e prêmios.
Imagem: António Nunes Júnior – Arquivo Municipal de Lisboa / Wikimedia Commons / Domínio
Público
Gil Vicente (c.1465 - c. 1536), dramaturgo e poeta português. Retrato no tecto do Salão
Nobre dos Paços do Concelho de Lisboa.
Sabemos que Gil Vicente trabalhou na preparação de uma edição completa de suas obras,
porém, em 1562, veio a lume a Copilaçam de todalas obras de Gil Vicente, efetivada por seus
filhos Luís e Paula Vicente. Há muitas falhas nesta “compilação”, omissões, emendas sem
justificativas, inclusive algumas peças que se perderam, mas foram mencionadas em índices
proibitivos da Inquisição.
Sabemos que Gil Vicente publicou em vida as suas peças em folhas volantes, e dessas obras
ainda temos impressões dos autos de Barca do Inferno, Inês Pereira, Dom Duardos, Físicos,
Lusitânia, Clérigo da Beira, de Amadis de Gaula e do Pranto de Maria Parda; contudo, há autos
que desapareceram.
Antônio José Saraiva (1970) e I. S. Révah (1973) nos dão uma classificação aproximativa e
genérica dos Autos – e uma cronologia, expurgando as falhas presentes na Copilaçam. Veja a
seguir:
39º) 1527 – Mistério Breve sumário da história de Deus; seguido pelo Diálogo sobre a
Ressureição de Cristo
Quanto à classificação das obras vicentinas, algumas propostas sistemáticas vêm sendo
testadas.
Restringiram a três grupos as obras de Gil Vicente: as farsas (episódicas), os autos de enredo
(desde os cavaleirescos aos cômicos) e os autos de atualidade (satíricos e alegórico-críticos).
Vejamos agora a influência do teatro de Juan del Encina (1468-1529) e Lucas Fernández
(1474-1541) na obra de Gil Vicente.
MISCELÂNEA
Obra dedicada a D. João III, escrita provavelmente entre 1530 e 1533, retrata em versos
importantes acontecimentos e personagens da Europa e de Portugal no período que
corresponde à metade do século XV e primeiras décadas do século XVI.
Partindo do pressuposto de que a influência de autores de expressão castelhana na obra
vicentina é um dado consensual, cabe investigar a extensão dessa influência.
Vamos aqui destacar três aspectos de confluências entre os autores leoneses e a obra de Gil
Vicente.
LEONESES
Imagem: Shutterstock.com
PRIMEIRO ASPECTO
É a associação entre o cômico e o sério: “o pastor é portador de um discurso sério que, ora não
se coaduna com o cômico da situação que envolve, ora emerge dele, através de um complexo
jogo de ligações contrastivas” (BERNARDES, 1996, p. 110).
Imagem: Shutterstock.com
SEGUNDO ASPECTO
No teatro salmantino, o pastor é correlativo de dois temas: o Natal e o Amor. Mas Gil Vicente
vai expandir esses âmbitos, “conferindo à figura do pastor todas as virtualidades de uma
personagem aberta, oscilando entre os estatutos da metonímia e da metáfora [...]”
(BERNARDES, 1996, p.111).
SALMANTINO
TERCEIRO ASPECTO
De acordo com Celso Lafer (1978), Gil Vicente viveu em uma época de transição entre a Idade
Média e o Renascimento. Porém, comportou-se como um autêntico espécie-medieval. Gil
Vicente cita e utiliza a cultura greco-romana clássica de forma pobre e desconexa: marca
modesta de um latinista, mas não de um humanista. Gil Vicente foi alheio às preocupações de
seu tempo e da expansão marítima, só interessaram a ele os efeitos perniciosos, a
desagregação da família, por exemplo. No Auto da Índia, uma das fortes contradições
vicentinas é de ter percebido a espoliação dos camponeses, atacado e combatido tal fato, sem,
no entanto, abandonar os valores do mundo feudal.
O MUNDO SAGRADO E O MUNDO DOS HOMENS
Quanto à posição crítica de Gil Vicente, Lafer (1978) a divide em dois aspectos: “mundo
sagrado” e “mundo dos homens”.
Imagem: Shutterstock.com
“MUNDO SAGRADO”
Gil Vicente apresenta duas posições. A primeira é a da análise social vigente nas suas farsas:
Inês Pereira, Juiz da Beira, Auto da Lusitânia. A segunda é encontrada nos dois textos em que
expressa claramente suas ideias: O Sermão de 1506 e a Carta a D. João III (LAFER, 1978,
p.30).
Na visão de Antônio José Saraiva (1942), os tipos vicentinos estão abaixo da alegoria e acima
do caráter individual. Exemplos:
A Morte aparece sob a forma de esqueleto, vestida de negro, com voz tumular.
Mas há figuras típicas fortemente idealizadas, como é o caso da personagem Inês, em a Farsa
de Inês Pereira. Inês é do latim Agnes: pura, santa. O que já é em si uma ironia em relação à
personagem.
Segundo Saraiva (1942), Gil Vicente não consegue encontrar uma unidade dramática. No seu
teatro, há tipos, mas faltam os caracteres; há casos, mas não há problemas ou dramas.
O teatro romanesco (Baseado nos romances de cavalaria) vicentino se distingue do
dramático. Vejamos essas diferenças conforme Saraiva (1942):
O dramático
O romanesco
Narra sucessivos acontecimentos, ao longo dos quais o caráter ou o tipo são observados e
descritos, mas sem implicar a situação.
O dramático
O romanesco
No teatro de Gil Vicente essa distinção se revela extremante verdadeira, já que em seu teatro
romanesco não encontramos nem a situação, nem o caráter.
SAIBA MAIS
Nas peças de Gil Vicente, nem os personagens principais são os mesmos no decorrer das
várias cenas. Porém, mesmo quando há coerência e permanência dos personagens principais,
é o processo narrativo que prolonga a ação ao longo dos episódios. Este é o caso de a Farsa
de Inês Pereira, em que há sucessivas fases, indo do namoro ao segundo casamento de Inês.
Os processos narrativos nas obras vicentinas abarcam espaços grandes de tempo e
acontecimentos que se engendram uns aos outros.
OS SIMBOLISMOS
O simbolismo na Idade Média era uma construção fechada e íntegra. O valor simbólico de cada
coisa resultava de que fazia parte de uma construção. A unidade estava no todo. Na
concepção simbólica partilhada pelo escritor florentino Dante Alighieri (1265-1321), por
exemplo, o universo visível é um reflexo da harmonia dos céus, como se fossem duas escalas
de notas musicais, uma das quais é uma aproximação limitada da outra (SARAIVA, 1942).
Para realizar no palco o universo simbólico, a técnica simbolista recorre à alegoria. O símbolo é
um sinal, a alegoria é uma representação, uma plastificação do símbolo.
Gil Vicente teve em mãos os recursos do teatro alegórico que herdou dos momos: a pompa
retórica e as alegorias decorativas.
MOMOS
EXEMPLO
O que vem fazer a Justiça na fornalha do Amor? Nesse momento, o aspecto poético congela e
vira um pretexto para a sátira.
I. A SABEDORIA DO MAR.
II. O CAMPO GÓTICO-ETNOLÓGICO.
III. A CULTURA HUMANISTA.
IV. A ESCOLÁSTICA.
V. A REFORMA PROTESTANTE.
A) I, II e IV.
B) I, II e V.
C) I, III e IV.
D) I, III e V.
E) I e V.
2. A MAIORIA DOS PERSONAGENS VICENTINOS TEM UM VALOR
REPRESENTATIVO E UMA DIMENSÃO COLETIVA. ESSAS
CARACTERÍSTICAS TRADUZEM-SE EM UMA DRAMATURGIA A PARTIR
DE TIPOS. TENDO ISSO EM VISTA, ANALISE AS PROPOSIÇÕES A
SEGUIR:
A) II, V e VI.
B) I, IV e V.
C) III, IV e V.
E) I, III e VI.
GABARITO
1. Segundo o historiador Francisco Falcon, existem alguns núcleos básicos da cultura
renascentista portuguesa. Observe a enumeração a seguir e depois assinale a
alternativa que traz corretamente a numeração correspondente a esses núcleos básicos.
I. A sabedoria do mar.
II. O campo gótico-etnológico.
III. A cultura humanista.
IV. A Escolástica.
V. A Reforma Protestante.
I. De acordo com Antônio José Saraiva, os tipos vicentinos estão abaixo da alegoria e
acima do caráter individual.
II. Embora os personagens sejam tipificados em Frágua do Amor, não há nessa peça
nenhum tipo de simbolismo ou alegoria.
III. Na perspectiva de Antônio José Saraiva, um teatro de tipos exige uma narrativa; pois
uma peça com apenas tipos não constitui um conjunto dramático.
IV. A diferença entre o dramático e o romanesco é que o dramático não necessita de
indivíduos, basta que existam tipos numa determinada situação.
V. Há nas peças de Gil Vicente uma constante coerência e permanência de personagens
ou tipos no decorrer das cenas.
VI. O tipo é uma característica do teatro medieval, época em que o individual e o
particular eram deliberadamente ignorados.
MÓDULO 2
Pouco se sabe da vida de Luís Vaz de Camões. Sua data de nascimento: 1524 ou 1525?
Local? Talvez em Lisboa, Alenquer, Coimbra ou Santarém. Acredita-se que tenha vindo de uma
família aristocrática da Galiza e que teve acesso à vida palaciana na juventude, onde
conseguiu algum benefício para a sua formação intelectual. Leu Homero, Horácio, Virgílio,
Ovídio, Petrarca, Boscán, Garcilaso e muitos outros.
Com o seu talento e sua cultura, dizem que provocou paixões em damas da Corte, entre elas a
filha de D. Manuel e D. Catarina de Ataíde. Provavelmente esses amores proibidos o levaram
ao exílio.
Foi soldado raso em Ceuta (1549). Perdeu um olho e regressou a Lisboa. Em 1522, na
procissão de Corpus Christi feriu um servidor do Paço e foi preso. Foi liberto com a condição
de engajar no serviço militar ultramarino.
Acredita-se que escreveu Os Lusíadas em Macau, naufragou na foz do rio Mekong, onde
perdeu a sua companheira Dinamene. Acusado de prevaricação, foi preso em Goa e solto
depois. A seguir, foi preso por dívidas em Moçambique. Levou, durante anos, uma vida
miserável até que Diogo do Couto o levou de volta a Portugal. Em 1572, publicou Os Lusíadas
e recebeu como recompensa uma pensão anual de 15 mil réis.
Viveu na miséria, morreu pobre e abandonado a 10 de junho de 1580. Em linhas gerais, é isso
que nos informa Massaud Moisés (1970) sobre Camões.
Tudo nos leva a crer que os “primeiros biógrafos sabiam mais do que disseram, mas lá teriam
suas razões para não falar” (SARAIVA, 1994, p.17).
SAIBA MAIS
Quem publicou pela primeira vez uma vida de Camões foi o historiador e escritor português
Pedro de Mariz (1550-1615), em uma espécie de prefácio que antecede a primeira edição de
Os Lusíadas. Aliás, a história dessa primeira edição é bem esquisita. Pedro de Mariz conta que
havia um admirador de Camões chamado Manuel Correia, que passou muitos anos da vida a
fazer comentários sobre Os Lusíadas, mas morreu sem o publicar. Pedro de Mariz teria
comprado o livro em um leilão e o imprimiu; e o livro tinha um prefácio também do Manuel
Correia (SARAIVA, 1994, p. 17).
Pedro de Mariz escreve “ter pertencido Camões à nobreza de melhor sangue que Portugal
produziu” (SARAIVA, 1994, p. 17). O editor do livro diz outra coisa, afirma que os heróis da
obra são heroicos, mas “o autor humilde” (SARAIVA, 1994, p. 18). Essa edição já se deu 30
anos após a morte do poeta. Nessa época, da geração que conhecera Camões antes de
embarcar para as Índias, poucos havia vivos. E as controvérsias sobre o autor já começavam
aí.
No Brasil, o filólogo e professor Leodegário de Azevedo Filho (1927-2011) foi um dos principais
estudiosos da crítica documental da lírica de Camões.
Segundo Azevedo Filho (1973), Rodrigues Lapa nos disse em 1945, no livro Luís de Camões –
Líricas, que a obra de Camões passou por certo processo de deturpação, ainda que com a
intenção de melhorá-la ou mesmo corrigi-la. Essa deturpação da obra camoniana teria se dado
por não se respeitar uma ideia simples: empreender um esforço para compreender a língua do
poeta ou a língua de seu próprio tempo, além de entender as regras de sua versificação e seus
processos de estilo. Isso porque esses são aspectos que diferem do nosso tempo, de como se
apresentam na produção literária dos nossos dias. O equívoco, então, foi aplicar o princípio de
que Camões só poderia ser grande caso correspondesse ao gosto particular de cada época ou
tempo. Assim, os textos foram alterados, palavras foram substituídas, a ordem foi invertida –
tudo isso para agradar as pessoas de determinada época.
Imagem: GualdimG / Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0
Camões salvando Os Lusíadas, Francisco José Resende, 1867.
Desse modo, há um problema sério em relação à crítica textual camoniana, não estando até
hoje concluído definitivamente o trabalho de apuração da lírica de Camões.
Consequentemente, há várias edições e variações do texto camoniano, resultando em
miscelâneas e fragmentos de sua lírica.
SAIBA MAIS
A questão do cânone sempre foi de alguma forma debatida em razão da quantidade de textos
atribuídos a Camões. Os únicos documentos de que realmente dispomos são os “livros de
mão” da época. Suas obras líricas ficaram dispersas e fragmentadas, pois os textos autógrafos
se perderam (AZEVEDO FILHO, 1995).
Após edições sem rigor ecdótico e inserção de textos inautênticos na lírica de Camões, ao
longo do tempo, em 1932, houve louvável esforço para estabelecer um corpus mais uniforme e
coerente do vasto e heterogêneo universo lírico camoniano. Esse esforço foi realizado por José
Maria Rodrigues e Afonso Lopes Vieira, com o apoio dos estudos de Carolina Michaëlis de
Vasconcelos e Wilhelm Storck.
Outros trabalhos de grande valor foram feitos, mas cabe ressaltar o fato de o filólogo português
Álvaro Júlio da Costa Pimpão (1902-1984) e o crítico literário Hernâni Cidade (1887-1975)
terem dado passos bem definitivos para o início do trabalho de revisão crítica, sistemática e
necessária à análise dos manuscritos da época e dos textos impressos durante quatro séculos.
Já o filólogo Emmanuel Pereira Filho partiu da evidência de que todas as tentativas de fixar um
cânone máximo da lírica de Camões foram infrutíferas. Sendo assim, Pereira Filho partiu para
o conceito de cânone mínimo como uma base segura; para o novo cânone, fixou o critério de
tríplice testemunho quinhentista incontroverso. Em outras palavras, um texto atribuído a
Camões teria que ser comprovadamente do século XVI com três testemunhos quinhentistas.
Com isso, chegou com segurança a 65 textos em vários gêneros líricos (AZEVEDO FILHO,
1995).
Foto: Shutterstock.com
Apesar de tudo isso, no movediço terreno da lírica de Camões, os estudos dos manuscritos
ainda prosseguem, atualmente.
PETRARQUISMO
O petrarquismo de Camões tem sua fonte, assim como para boa parte dos poetas
quinhentistas, na obra de Pietro Bembo (1470-1547), ou na chamada hipercodificação
bembesca como uma depuração estilística.
HIPERCODIFICAÇÃO BEMBESCA
Corresponde ao ato de Pietro Bembo selecionar na poesia de Petrarca os elementos
considerados mais perfeitos, resultando em um texto literário a ser produzido altamente
refinado.
SAIBA MAIS
Podemos dizer que a “imitação” no Renascimento situava o poeta, tendo como antecedentes
de mérito reconhecido: Homero, Virgílio, Petrônio, Ovídio, Ariosto, Tasso, Petrarca, Sannazaro,
Pietro Bembo e Garcilaso. Esses eram os principais.
Vejamos os versos de Ondados fios d’ouro reluzente, em que Camões imita o modelo
bembesco de modo muito elegante.
SAIBA MAIS
Segundo Rita Marnoto (1996), os atributos femininos referidos por Bembo são os mesmos. A
sequência é a mesma: cabelos, mão, faces, olhos, riso, dentes e lábios e os motivos de louvor
com ligeiras alterações da effictio.
Effictio era um preceito medieval segundo o qual a enumeração dos atributos físicos seguia
uma ordem descendente: cabelos, olhos, faces, boca, mão. A matriz é a representação literária
da Laura de Petrarca. A figura feminina petrarquista é ela uma essência ao mesmo tempo
material e angelical, despojada de toda e qualquer conflitualidade. Ou seja, a poesia de
Petrarca reúne os dois elementos sem colocá-los em conflito ou sem reproduzir o conflito tão
comum.
A célebre composição de Bembo, que citamos, é pautada pelo retrato de Laura, ela não inspira
no amante qualquer inquietude.
A ideia da amada vista como angelical e de elevação espiritual, na Itália do século XIII, recebeu
o nome de dolce stil nuovo, que surgiu na Toscana com um grupo de poetas florentinos, entre
eles: Guido Cavalcanti e Dante Alighieri.
Camões fez a síntese entre a tradição peninsular representada pelo Cancioneiro Geral e o
seiscentista: ponte entre o estilo clássico renascentista, o gótico dos quatrocentos e o Barroco
dos seiscentos, aproveitando todos os materiais da escola petrarquista italiana, espanhola e
portuguesa. Nesse sentido, Saraiva e Lopes destacam duas grandes linhas na poesia
camoniana: o amor e o desconcerto do mundo.
O AMOR
BEATRIZ
Beatriz, provável referência à Beatrice Portinari (1266-1290), musa de Dante e sua paixão
platônica quando ainda muito novo.
SAIBA MAIS
Esse soneto de Camões estaria relacionado com a figura de Dinamene, que ele teria perdido
no naufrágio do Rio Mekong. Dizem que ele teria salvado no naufrágio Os Lusíadas, mas não
conseguiu socorrer a namorada. Existe outra lenda em torno desse soneto. O poeta
supostamente teria escrito à D. Joana Noronha de Andrade, uma dama nobre. Por não poder
usar o nome da verdadeira musa inspiradora, o dedicou à “Dinamene”, designação de uma
ninfa do mar.
(CAMÕES, Luís de. Lírica: redondilhas e sonetos. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo:
Publifolha, 1997. p. 99)
O DESCONCERTO DO MUNDO
Nas visões de Saraiva e Lopes (2005), Camões apresenta uma tendência maneirista ao
pensar a incomensurabilidade ou o desajuste entre as exigências íntimas da vida pessoal e os
meios que lhe são dados satisfazer ou realizar a própria vida.
Essa é uma temática que retorna constantemente tanto na lírica quanto na épica camoniana.
Nosso bardo lusitano a nomeou muito bem em suas oitavas Ao desconcerto do mundo:
MANEIRISTA
Cabe dizer que a temática do desconcerto está no âmago do próprio existir do poeta. Assim, o
poeta reage cônscio da sua experiência e da sua relação com o destino que lhe é opaco, onde,
às vezes, só os maus e medíocres “nadam num mar de contentamentos”.
Como exemplo dessa cosmovisão do desconcerto, vejamos ainda o conhecido soneto O dia
em que eu nasci, morra e pereça:
De acordo com Saraiva e Lopes (2005), esse soneto oscila entre uma inspiração platônica em
que a felicidade surge como uma reminiscência de um mundo idealizado e o resgate do
absurdo do mundo.
A LÍRICA DE CAMÕES
No vídeo, apresentaremos o contexto da lírica camoniana e comentaremos alguns sonetos a
partir de aspectos como a figura feminina petrarquista, o amor neoplatônico e o tema do
desconcerto do mundo.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. O AMOR E O DESCONCERTO DO MUNDO SÃO DUAS IMPORTANTES
LINHAS QUE ORIENTAM A LÍRICA CAMONIANA. EM QUAL DAS
ALTERNATIVAS A SEGUIR TEMOS VERSOS QUE MAIS SE APROXIMAM
DO TEMA DO DESCONCERTO DO MUNDO?
B) Não te esqueças daquele amor ardente / Que já nos olhos meus tão puro viste.
D) Roga a Deus, que teus anos encurtou, / Que tão cedo de cá me leve a ver-te.
E) Amor é fogo que arde sem se ver; / É ferida que dói, e não se sente.
B) em nenhuma das suas edições o corpus lírico de Camões foi abusivamente dilatado.
C) não há valor ou relevância, do ponto de vista ecdótico, nas edições de José Maria
Rodrigues e Afonso Lopes Vieira da obra camoniana.
E) para sorte dos estudiosos, Camões deixou sua obra lírica preparada para o prelo, antes de
morrer.
GABARITO
1. O amor e o desconcerto do mundo são duas importantes linhas que orientam a lírica
camoniana. Em qual das alternativas a seguir temos versos que mais se aproximam do
tema do desconcerto do mundo?
MÓDULO 3
Silvério Benedito (1997) nos diz que, no período quinhentista, a concepção de história que
vigorava em Portugal era a do gramático e historiador João de Barros (1496-1570), seguidor do
historiador romano Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.): a história seria uma verdade selecionada
cujos bons aspectos conferissem dignidade aos seus personagens.
A história deveria ter uma finalidade moralizante e ser escrita seguindo as regras da Retórica,
com ordem, proporção e bom estilo. É esta visão de história dominante em Os Lusíadas,
porém acrescentada de um tom épico e monumental.
SAIBA MAIS
Vejamos alguns exemplos do que acabamos de expor, apoiados ainda em Benedito (1997).
Imagem: Shutterstock.com
O nascimento de Portugal
Portugal tem como passado a Lusitânia. Os lusitanos foram os seus “primeiros” habitantes.
Nessa terra, Camões exalta o pastor Viriato, usando uma falsa etimologia que faz derivar de vir
(homem, varão, viril). Viriato é o lendário guerreiro do povo luso que lutou contra a alta Roma.
Imagem: Shutterstock.com
Faz alusão ao Milagre: Cristo apareceu a Afonso Henriques e o aclamou rei legítimo.
Narra a vitória dos portugueses, que gerou a simbologia do brasão de Portugal com os
cinco escudetes, em sinal dos cinco reis mouros vencidos.
Imagem: Shutterstock.com
“Cinco reis mouros são os inimigos, dos quais o maior Ismar se chama”
Imagem: Shutterstock.com
“[...], gritando o céu tocavam, dizendo em alta voz: - Real, real, por Afonso, alto Rei de
Portugal!”
Imagem: Shutterstock.com
A batalha de Aljubarrota
D. Teresa, mãe do futuro primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, teria casado em
segunda vez com o fidalgo galego Conde Fernão Peres de Trava, deserdando o filho. Camões
compara essa mãe ignominiosa à Medeia da mitologia grega, mas não exalta a revolta do filho.
É um fato histórico D. Afonso ter combatido e vencido a própria mãe na batalha de S. Mamede.
Imagem: Shutterstock.com
Após cantar a bravura de D. Afonso IV na vitória de Salado, Camões se volta para a carga
sociotrágica da morte de Inês de Castro.
Inês de Castro era filha de um fidalgo galego. D. Pedro apaixona-se e mais tarde declara ter
casado com ela. Por interesses políticos, D. Afonso IV permite a execução de Inês de Castro,
que mais tarde seria vingada por D. Pedro. Conta a lenda que D. Pedro teria coroado Inês
depois de morta, “fato” que inspirou poetas, dramaturgos, artistas plásticos e músicos.
A alusão à “fonte dos amores”, na Quinta das Lágrimas, na margem esquerda do rio
Mondego.
O PLANO DO MARAVILHOSO
Imagem: Shutterstock.com
A mitologia greco-latina
A mitologia impôs-se no Renascimento, inclusive na arte protegida pela ação dos mecenas, por
exemplo, pelos papas da Igreja Católica Júlio (1503 a 1513) e Leão X (1513 a 1521). A
mitologia havia se tornado expressão privilegiada de valores ideais, sensuais e agradáveis à
vida sensível.
São inúmeras as alusões ao universo dos mitos greco-latinos, porém vamos abordar a riqueza
das visões polissêmicas do episódio da “Ilha dos amores”.
Imagem: Shutterstock.com
De acordo com Aguiar e Silva (1994), o episódio da “ilha dos amores”, com as suas 220
estâncias (estrofes), constitui 20% de Os Lusíadas. Para muitos, esse episódio foi o “fruto
proibido”, os adolescentes liam clandestinamente, os moralistas gostariam de retirá-lo em uma
edição ad usum delphini.
AD USUM DELPHINI
Edições de clássicos latinos, destinados à educação do delfim (filho do rei francês Luís
XIV), em que se omitiam trechos julgados impróprios.
MANUEL CORREIA
FARIA DE SOUZA
llha de Angediva
GOMES MONTEIRO
Ilha de Zanzibar
FREIRE DE CARVALHO
Ilha de Ceilão
CUNHA GONÇALVES
Ilha de Bombaim
TEÓFILO BRAGA
Houve, porém, comentadores que preferiram considerá-la uma ilha fantástica, um produto de
fecunda imaginação.
Foram muitas e graves as falhas metodológicas que proliferaram nos estudos sobre tal
episódio. Mas, de certo modo, há correspondências entre o episódio da “ilha dos amores” e
alguns episódios que podemos retirar da tradição clássica:
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Ecos da descrição dos Jardins de Alcínoo, que figura no Canto VII da Odisseia.
O início do episódio
O episódio “ilha dos amores” começa na estância 25 do Canto IX, em que o amor aparece
concebido como força ou princípio que corrige os desvios, erros e vícios da lei que impera no
mundo: os homens idolatram coisas que deveriam ser somente instrumentos ou meios. Sendo
assim, o amor deve reconduzir os homens até a Unidade Divina:
Já sobre os Idálios montes pende,
Onde o filho frecheiro estava então
Ajuntando outros muitos, que pretende
Fazer uma famosa expedição
Contra o mundo rebelde, por que emende
Erros grandes, que há dias nele estão,
Amando coisas que nos foram dadas,
Não para ser amadas, mas usadas.
(CAMÕES, L. V. de. Os Lusíadas. Edição organizada por António José Saraiva. Porto: Padrão,
1978. p. 373.)
Nessa estância, o filho de Vênus, Cupido, baixa sobre os montes da Idália e organiza uma
expedição com outros flecheiros para punirem os homens que amavam coisas que serviam
apenas para serem usadas.
Ao Amor (Cupido) cumpre assegurar a lei e a harmonia inscrita por Deus nos seres e nas
coisas, desempenhando a função de princípio unificador do universo. Esse é um tema
neoplatônico de primeira ordem.
Silvério Benedito (1997) nos diz que essa concretização da experiência amorosa glorifica, pela
memória da história, “a fama grande e o nome alto e subido”. Aqui, os modelos eram os deuses
que se destacavam por suas façanhas. Cabe aos humanos alcançarem a glória e a fama,
fugindo da indolência que torna as almas escravas.
Assim, “as Ninfas... Tétis, e a ilha... os deleites” representam os prêmios que os navegantes
receberão pelos altos feitos realizados; nitidamente uma imortalização pela glória (BENEDITO,
1997, p. 108).
O IDEAL QUINHENTISTA
No Canto VI, Estância 29, é apresentado o ideal português de virtu (Virtudes e habilidades.)
humana no quinhentismo: os barões, em espírito de cruzada, revisitados no tempo de Camões
pelo movimento da Contrarreforma. Naquele momento, a cristandade (católica) tinha sua
cabeça ameaçada pelos sarracenos e pelas facções protestantes e reformistas.
OS SEGREDOS DO MUNDO AINDA IGNOTO
Tétis não só entra em conúbio (Casamento, união íntima.) amoroso com o Gama, mas
também “declara que a finalidade da sua presença naquela ilha era revelar à Nação
portuguesa os segredos do mundo ainda ignoto” (AGUIAR E SILVA, 1994, p. 141). Isso ocorre
no Canto IX, 86:
(CAMÕES, L. V. de. Os Lusíadas. Edição organizada por António José Saraiva. Porto: Padrão,
1978. p. 393)
Tétis se apresenta, enquanto mãe do Oceano. Estava ali por influxo do Fado [Destino] para
ensinar a Vasco da Gama os segredos da esfera do mundo, da terra e do mar.
A MÁQUINA DO MUNDO
Tétis, no Canto X, apresentará ao Gama a imensidão das conquistas que serão realizadas
pelos portugueses.
É um grande canto épico em que futuras realizações portuguesas são indicadas, com
referências a costumes e produtos estranhos, além de aspectos religiosos.
DA VIAGEM
Os portugueses (os Lusíadas), Velho do Restelo, Vasco da Gama, Paulo da Gama, Fernão
Veloso, Monçaide, Catual e Samorim.
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DA HISTÓRIA
D. Afonso Henriques, D. Nuno Alvares, Inês de Castro, os portugueses (os Lusíadas).
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DA MITOLOGIA
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NARRADORES – NARRATÁRIOS DE OS
LUSÍADAS
OS EXCURSOS DO POETA
Gostaríamos aqui de fazer referência ao trabalho de José Madeira (2000), publicado no livro
Camões contra a expansão e o Império, que lê Os Lusíadas a partir das contradições, das
ironias e do humor fino do bardo lusitano destruidor dos “bons propósitos”, condenando,
inclusive, as guerras com objetivos de conquistas.
Proposição (Canto I)
Na proposição, o poeta expõe a matéria de que vai tratar o poema. O título Os Lusíadas
significa os lusos ou os portugueses. Camões não canta um herói individual como fizeram os
poetas da Antiguidade, aponta-nos um herói coletivo – o povo português. Uma personagem
coletiva, todos os portugueses que se notabilizaram pelas ações de valor.
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A invocação (Canto I)
Na mitologia clássica, as ninfas eram deusas filhas de Zeus e viviam nos campos e bosques.
Por serem divindades secundárias, eram muito populares, as pessoas lhes dirigiam súplicas.
No caso de Camões, o pedido de inspiração se dirige a uma ninfa do Tejo – “Tágides”. O poeta
pede a ela um “som alto e sublimado”, “um estilo grandíloquo e corrente”. A criação dessa ninfa
“Tágides” transfere a mítica Grécia para Portugal.
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Dedicatória (Canto I)
Declara que era evidente a importância do rei português em função do grande império que
governava. E pede com humildade que lance um olhar protetor para a obra épica que ele não
escreveu por interesses mesquinhos.
Camões destaca que não irá cantar as façanhas fingidas e mentirosas das epopeias
estrangeiras, mas oferecerá fatos verdadeiros.
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Como se pode cantar o “louvor e a justa glória” dos heróis portugueses? (Canto V)
Em Portugal, alguns artistas ofereciam os seus préstimos e possuíam mecenas. Sabemos que
Camões nunca encontrou, em vida, quem o julgasse digno de ser um poeta sustentado por
mecenatismo. E Camões se queixa de não haver, entre os homens de poder em Portugal,
apreciadores de poesias. Inclusive chega a acusar Vasco da Gama e seus descendentes de
nunca terem apreciado a poesia épica. Mas não desiste de oferecer os seus dotes para ser um
possível poeta oficial do rei D. Sebastião.
Neste momento do poema, Camões critica a ganância e a atitude interesseira do Catual, que
troca Vasco da Gama por uma quantia em dinheiro. A cena serve de motivo para uma crítica à
onipotência do dinheiro.
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O poeta aconselha D. Sebastião a ser mais humano e aliviar os vassalos de “rigorosas leis”.
Aconselha a cada um ocupar sua função específica, não exercendo funções que não lhe
competem. Aconselha a fazer com que os “Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses” não olhem para
Portugal como um país inferior.
OS DEZ CANTOS DE OS LUSÍADAS E SEUS
ARGUMENTOS
CANTO I
O poema inicia com a voz do poeta, o principal narrador de Os Lusíadas. Além dele, aparecem
outros narradores. Neste Canto, temos a proposição do poema, a invocação às ninfas do Tejo
e a dedicatória a D. Sebastião.
Segundo o modelo épico, o poema começa in media res, ou seja, em plena ação. A armada de
Vasco da Gama está a caminho de Moçambique. Com a história já iniciada, ocorre o Concílio
dos Deuses. O deus Baco se opõe à chegada de Gama ao Oriente. Baco se considera o
senhor do Oriente e não quer que o ilustre navegador diminua sua glória. Vênus, a deusa do
amor, Marte, o deus da guerra, e Mercúrio, o mensageiro, se posicionam a favor dos
portugueses. Baco incita o rei da ilha de Moçambique contra os navegantes. Vasco da Gama
segue viagem até Mombaça (Quênia).
CANTO II
Baco continua influenciando os mouros contra os portugueses. Mas estes têm Vênus
intercedendo a seu favor. A armada chega a Melinde, cujo rei pede ao Gama que lhe conte a
história do seu país.
CANTO III
Narração da história de Portugal ao rei de Melinde, indo do primeiro rei à batalha de Salado e
ao episódio de Inês de Castro.
CANTO IV
Vasco da Gama narra ao rei de Melinde da história da segunda dinastia até o início da viagem
de Vasco da Gama. Portanto, a ascensão do Mestre de Avis ao trono; os sonhos proféticos de
Dom Manuel sobre a conquista das Índias. É neste capítulo que encontramos o célebre
episódio do Velho do Restelo.
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Vasco da Gama em pé na proa de barco a remo, Ernesto Casanova, por volta de 1880.
Imagem: João carvalho / Wikimedia Commons / CC BY-SA 3.0
CANTO V
CANTO VI
A armada parte de Melinde com um piloto que os guiará à Índia. Baco pede ajuda a Netuno
para que desencadeie uma tempestade. Vênus intervém com a ajuda das ninfas. A frota chega
a Calicute. Há outro excurso do poeta sobre os caminhos da honra e a ociosidade dos nobres.
Imagem: Biblioteca do Congresso / Wikimedia Commons / Domínio público
Ilustração da nau de Vasco da Gama com os deuses nas nuvens, Ernesto Casanova, por
volta de 1880.
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público
CANTO VII
CANTO VIII
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CANTO XIX
Os catuais procuram retardar a armada portuguesa, mas a frota parte de volta. Vênus
recompensa os feitos heroicos dos portugueses com uma ilha afrodisíaca. Os portugueses
possuem as ninfas e Vasco da Gama, Tétis, a paixão do gigante Adamastor.
CANTO X
OS LUSÍADAS
No vídeo a seguir, apresentaremos os planos mitológico e histórico d’Os Lusíadas, destacando
alguns episódios, além de comentarmos aspectos formais e estilísticos da obra.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
E) à alusão à fonte dos amores, espaço ligado ao lamento e sentimento trágico e de tristeza
diante da morte de Inês.
C) O plano mitológico relaciona-se com a transposição dos deuses gregos para o cenário
ibérico, enquanto o plano histórico apresenta guerreiros do mundo clássico greco-latino.
E) O plano mitológico abrange lendas e narrativas dos povos conquistados pelos portugueses,
enquanto o plano histórico narra a viagem de Vasco da Gama.
GABARITO
2. De acordo com a tradição Clássica, Os Lusíadas apresentam uma ação que é histórica
e outra que é mitológica. Assinale a alternativa que correlaciona esses dois planos da
épica camoniana.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudamos dois grandes autores da literatura portuguesa, começando por Gil Vicente, autor de
aparente vocação catequética, mas que nos apresentou de uma forma muito singular
elementos que configurariam uma gramática geral do teatro europeu.
Procuramos situar aspectos da sofisticada lírica camoniana, frente ao dolce stil novo, e o
mundo multifacetado que nos abre Os Lusíadas, obra épica que apresenta um plano mitológico
e outro histórico, consensualmente considerada o mais importante poema português,
independentemente de qualquer circunstância estética ou histórica.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel. Camões: labirintos e fascínios. Lisboa: Cotovia, 1994.
BEMBO, Pietro. Prose dela volgar lingua: Gli asolani. Rima. Ed. Carlo Dionisotti. Milano: TEA,
1989.
BENEDITO, Silvério. Para uma leitura de Os Lusíadas de Luís de Camões. Lisboa: Editorial
Presença, 1997.
BERNARDES, José Augusto Cardoso. Sátira e Lirismo: modelos de síntese no teatro de Gil
Vicente. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1996.
CAMÕES, Luís de. Lírica: redondilhas e sonetos. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo:
Publifolha, 1997.
CAMÕES, L. V. de. Os Lusíadas. Edição organizada por António José Saraiva. Porto: Padrão,
1978.
FALCON, Francisco. A cultura renascentista portuguesa. In: Semear, revista da Cátedra Padre
Antônio Vieira de Estudos Portugueses, Rio de Janeiro, PUC, v. 1, 1997. Consultado na
internet em: 15 jun. 2021.
LAFER, Celso. Gil Vicente de Camões: dois estudos sobre a cultura portuguesa do século
XVI. São Paulo: Ática, 1978.
MALEVAL, Maria do Amparo Tavares. Humanismo (1418-1527): Gil Vicente. In: MONGELLI,
Lênia Márcia de Medeiros; MALEVAL, Maria do Amparo Tavares; VIEIRA, Yara Frateschi.
(org.). A Literatura Portuguesa em Perspectiva, v. 1. São Paulo: Atlas, 1992.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 13. ed. São Paulo: Cultrix, 1970.
RÉVAH, Israël Salvator. Recherches sur les oeuvres de Gil Vicente. Lisboa: Institut Français
du Portugal, 1970.
SARAIVA, António José. Gil Vicente e o fim do teatro medieval. Sintra: Europa-América,
1942.
SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da Literatura Portuguesa. 17. ed. Lisboa:
Porto Editora, 2005.
SARAIVA, José Hermano. Vida ignorada de Camões: uma história que o tempo censurou.
Sintra: Europa-América, 1994.
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