4clics PAULO LEMINSKI Rafael Fava Bel Zio Tese

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LITERÁRIOS

QUATRO CLICS EM PAULO LEMINSKI

Rafael Fava Belúzio

Orientador: Prof. Dr. Marcus Vinicius de Freitas

Belo Horizonte

2019

1
Rafael Fava Belúzio

Quatro clics em Paulo Leminski

Tese apresentada ao curso de Doutorado


em Estudos Literários da Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial à obtenção
do título de Doutor em Estudos Literários.
Área de concentração: Literatura Brasileira
Linha de pesquisa: Poéticas da
Modernidade
Orientador: Prof. Dr. Marcus Vinicius de
Freitas

Belo Horizonte

Faculdade de Letras da UFMG

2019
2
Ficha catalográfica elaborada pelos Bibliotecários da Biblioteca FALE/UFMG

Belúzio, Rafael Fava.

L554.Yb-q Quatro clics em Paulo Leminski [manuscrito] / Rafael Fava Belúzio.


– 2019.

301 f., enc.: il., fots. (p&b)

Orientador: Marcus Vinicius de Freitas.

Área de concentração: Literatura Brasileira.

Linha de pesquisa: Poéticas da Modernidade.

Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais,


Faculdade de Letras.

Bibliografia: f. 239-294.

Apêndices: f.295-301.

1. Leminski, Paulo. – Catatau – Crítica e interpretação – Teses. 2.


Leminski, Paulo. – Vida – Crítica e interpretação – Teses. 3.
Leminski, Paulo. – Metaformose – Crítica e interpretação – Teses. 4.
Poesia brasileira – História e crítica – Teses. 5. Poesia lírica – Séc.
XX – História e crítica – Teses. I. Freitas, Marcus Vinícius. II.
Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras. III.
Título.

CDD: B869.141

3
4
para meu pai
5
Agradecimentos

(Ao Nada que é tudo)

Ao Marcus Vinícius de Freitas, orientador, amigo, poeta e interlocutor durante o mestrado, o


doutorado e a vida.

Aos que avaliaram e discutiram comigo este trabalho ao longo das bancas e exames:
Constantino Luz de Medeiros, Gilberto Araújo, Jacyntho Brandão, Kaio Carmona, Maria
Amélia Dalvi, Maria Cecília Bruzzi Boechat, Mário Alex Rosa, Roberto do Carmo Said,
Sérgio Alcides Pereira do Amaral, e, especialmente, Wilberth Salgueiro.

A todos aqueles que participaram do percurso do doutorado. Professores com os quais cursei
disciplinas: Claudia Campos Soares, Luis Alberto Brandão, Marcelino Rodrigues da Silva,
Maria Cecília Bruzzi Boechat, Maria Zilda Ferreira Cury e Reinaldo Martiniano Marques.
Professora Aléxia Teles Duchowny, Professora Heloísa Penna, Tatiana Bernardes e toda
equipe do Apoio Pedagógico, com quem pude lecionar. Professora Viviana Bosi, pela
atenção. Secretaria do Pós-Lit, pela eficiência a toda prova. Capes e Programa de Apoio
Pedagógico, pelos auxílios. Amigos da Revista Em Tese: Aline Sobreira, Amanda Pavani,
Carolina Anglada, Cleber Araújo Cabral, Douglas Silva, Felipe Cordeiro, Felipe Oliveira de
Paula, Gustavo Cerqueira Guimarães, João Alves Rocha Neto, Josué Godinho, Melissa
Cristina Silva de Sá, Rafael Castro e Rafael Otávio Fares. Morvan Raad Martins, pela escuta
feita voz. Amigos que partilharam comigo esse percurso: Ana Amélia Neubern Batista dos
Reis, Ana Elisa Ribeiro, Bruno AF Lima, Cesar Augusto López Nuñez, David Ericeira, Edson
Ferreira Martins, Elaine Martins, Felipe Rodrigues, Fernanda Dusse, Geanetti Tavares
Solomon, João Batista Diniz Leite, Joelma Siqueira, Jonas Samudio, Jovino Machado,
Ludimila Beviláqua, Luísa Barbosa, Luiz Cláudio Sousa, Márcia Carvalho, Maria Isabel
Bordini, Ir. Maria Leonice Brondani, Marina Pelluci Duarte Mortoza, Mônica Pimentel,
Nathan Mathos, Otávio Ferreira, Paulo Bevilacqua, Renan Menicucci, Samia Souza, Thiago
Assis, Tiago de Holanda, Tiago Januário, Vinicius Rodrigues e Wilman Netto. Familiares,
sempre presentes, mesmo quando estou distante, em especial Fabiana Queiroz Belúzio,
Gabriel Belúzio Ramos, Luciana Schnetzer Fava, Jandira Rosa Fava, Marcelo Fava Borba e
Maria José Belúzio. Alice Diniz, pela felicidade. Paulo Leminski, pela obra.

6
literatura, para mim, (...)
sempre foi “una cosa mentale”,
arquitetura de ideias

vai e vem como coisa


de ou, de nem ou de quase

O papel é curto.
Viver é comprido.
Oculto ou ambíguo,
Tudo o que digo
tem ultrassentido.

São quatro modos de como a vida pode se manifestar

[Quatro fragmentos de Paulo Leminski]


7
Resumo

Esta tese analisa e expressa quatro formas de sínteses desenvolvidas na literatura de Paulo
Leminski. Capítulo 0: nada além de um clic. Capítulo 1: traça um breve conceito teórico de
“Poema de abertura”. Capítulo 2: propõe um balanço das abordagens das sínteses
leminskianas pela crítica literária; e, a partir da interpretação do poema de abertura
“contranarciso”, discute de que maneira Leminski tanto revisita a noção cristã de Deus Trino
quanto elabora sínteses que são independentes nas suas diferenças e iguais na sua unidade.
Capítulo 3: examina outras obras do escritor, a exemplo do romance Catatau, das biografias
reunidas em Vida e do ensaio Metaformose; lê uma carta-poema em que o autor se posiciona
enquanto comunista capitalista; constrói uma apreciação biográfica de um dístico; investiga
fontes novecentistas, orientais e franciscanas de um haicai. Assim são analisados e expressos
o zero, o breve, o par e a reunião do diverso, essas quatro sínteses em Paulo Leminski.

Palavras-chave: Paulo Leminski; sujeito-lírico; Trindade; poesia lírica moderna

8
Abstract

This thesis analyzes and conveys four ways of syntheses developed in the literary works of
Paulo Leminski. Chapter 0: nothing but a click. Chapter 1: a brief theoretical concept on
Opening poem [Poema de abertura]. Chapter 2: an overview of the approaches concerning the
Leminskian synthesis achieved by literary criticism; and a discussion, based on the
interpretation of the opening poem “contranarciussus” [“contranarciso”], about how Leminski
both revisits the Christian notion of the Triune God and elaborates syntheses that are
independent in their differences and equal in their unity. Chapter 3: analyses of other works of
the writer such as the novel Catatau, the biographies compiled in Life [Vida] and the essay
Metaformosis [Metaformose]. This chapter also includes a reading of a letter-poem in which
the author positions himself as a capitalist communist; a development of a biographical
appreciation of a couplet; and an investigation on Noucentist, Oriental and Franciscan sources
of a haiku. Thus, this thesis tries to analyze and express the Zero, the Brief, the Pair and the
Reunion of the Diverse that constitutes the four syntheses in Paulo Leminski’s work.

Keywords: Paulo Leminski; Lyric I; Trinity; Modern Lyric Poetry

9
Lista de ilustrações

Figura 1 – Poema “[lua na água]”.......................................................................................p. 96

Figura 2 – Poema “[dissabor]”..............................................................................................p. 97

Figura 3 – Poema “[da árvore]”..........................................................................................p. 104

Figura 4 – Poema “[palpite]”..............................................................................................p. 108

Figura 5 – Poema “[PARKER]”.........................................................................................p. 121

Figura 6 – Poema “[eu]”.....................................................................................................p. 135

Figura 7 – HQ “Com ele, com eles”...................................................................................p. 164

Figura 8 – Carta 25, página 1..............................................................................................p. 167

Figura 9 – Caderneta de rascunho.......................................................................................p. 193

Figura 10 – Certificado da Oficina de Haikai.....................................................................p. 205

Figura 11 – Apostila “Oficina de Haikai Alice Ruiz”, página 1..........................................p.205

Figura 12 – Anotações feitas em caderno............................................................................p.206

Figura 13 – Autógrafo de Alice Ruiz no livro Desorientais................................................p.208

Figura 14 – Autógrafo de Alice Ruiz no livro Outro silêncio.............................................p.208

Figura 15 – Detalhe..............................................................................................................p.209

Figura 16 – Leminski nu.....................................................................................................p. 225

Figura 17 – Carta 9, página 1..............................................................................................p. 296

Figura 18 – Carta 9, página 2..............................................................................................p. 297

Figura 19 – Carta 9, página 3..............................................................................................p. 298

Figura 20 – Carta 9, página 4..............................................................................................p. 299

Figura 21 – Carta 9, página 5..............................................................................................p. 300

Figura 22 – Carta 9, página 6..............................................................................................p. 301

10
Sumário

Página

Apresentação...........................................................................................................................14

Clic............................................................................................................................................19

Poema de abertura.....................................................................................................................21

2.1. Abordagens da síntese lírica leminskiana pela crítica literária..........................................38

2.2.1. “contranarciso” e a tradição do sujeito(-lírico) fragmentado..........................................54


2.2.2. Quatro sínteses em Paulo Leminski................................................................................85
2.2.3. As sínteses na lírica leminskiana....................................................................................89
2.2.3.0. Zero..................................................................................................................89
2.2.3.1. Breve..............................................................................................................103
2.2.3.2. Par...................................................................................................................117
2.2.3.3. Reunião do diverso.........................................................................................132

11
3

3.3. As sínteses em outros livros leminskianos.......................................................................149

3.2. As estátuas da liberdade & do rigor,


ou uma carta-poema sobre as sínteses da forma social e da forma literária...........................169
3.2.1. descolaram um programa:
introdução............................................................................................169
3.2.2. artilharia ligeira:
comentário...........................................................................................171
3.2.3. signos geram signos:
por zero, breve, par e reunião do diverso.............................................177
3.2.4. onde a guerra?:
alguns pares formais............................................................................181
3.2.5. é preciso deixar que a História chegue em você:
formas sociais em par..........................................................................186
3.2.6. que a estátua da liberdade
e a estátua do rigor
velem por todos nós..........................................................................191

3.1. Um clic biografemático,


ou “Uma vida é curta / para mais de um sonho”.....................................................................193
3.1.1. Perspectivas iniciais...............................................................................194
3.1.2. biogrAfema............................................................................................196
3.1.3. ponte conceitUal....................................................................................198
3.1.4. sujeito-Lírico dobrado...........................................................................199
3.1.5. arquivOs................................................................................................202

12
3.1.6. um catáLogo..........................................................................................205
3.1.7. um dEtalhe.............................................................................................209
3.1.8. um punctuM...........................................................................................210
3.1.9. um mínImo............................................................................................212
3.1.10 uma poNte conceitual...........................................................................213
3.1.11. um Sujeito-lírico dobrado....................................................................214
3.1.12. umas Kadências...................................................................................215
3.1.13. (in)concluIndo.....................................................................................217

3.0. A pobre nudez do haicai,


ou, “enfim, / nu, / como vim”.................................................................................................219
3.0.3. Enfim, o poema.....................................................................................219
3.0.2. Nu, ritmicamente...................................................................................222
3.0.1. Como vim..............................................................................................225
3.0.1.1. do século XX..........................................................................225
3.0.1.2. da tradição haicaísta................................................................228
3.0.1.3. da tradição franciscana...........................................................231
3.0.0. As roupas do poema nu.........................................................................238

Referências bibliográficas....................................................................................................239
Obras de Paulo Leminski............................................................................................240
Traduções realizadas por Paulo Leminski...................................................................243
Críticas, depoimentos e material jornalístico sobre Paulo Leminski..........................244
Outras referências bibliográficas.................................................................................274

Anexo: Carta 9......................................................................................................................295

13
Apresentação

14
O Paulo Leminski é um cachorro louco, lúcido e louco, caprichoso & relaxado,
vencedor distraído, ex-estranho, ex-seminarista, escritor, tradutor, professor, polemista,
freelancer, desempregado profissional, mestre em desastres, guardador de guardanapos,
militante de agências de propaganda, kamiquase, comunista capitalista, curitibano
cosmopolita, polilíngue paroquiano cósmico, caipira cabotino, epistoleiro dos pinheirais,
parnasiano chic, erudito pop, racionalista alucinado, usuário de literatura e outras drogas,
ópios, édens, analgésicos, especialista em generalidades, fotógrafo verbal, oblato de São
Bento, samurai malandro, guerreiro da linguagem, filho de militar, descendente de poloneses,
portugueses, africanos, indígenas, o bandido que sabia latim, grego, inglês, francês, russo,
japonês, judô, tarô, teoria literária, o bandido que se sabia fabbro, hippie, sixtie, híbrido,
heterodoxo, multifacetado, poliédrico, sintético.
Não fosse tanto e talvez fosse menos a sua obra. Nascido no final da Segunda Guerra
Mundial, viver com a intensidade da arte o levou à morte no ano da queda do Muro de
Berlim. Mas deixou muito escrito. O viver foi curto, o papel foi comprido. Dimensionam isso
os poemas de Quarenta clics em Curitiba (1976), Caprichos e relaxos (1983), Distraídos
venceremos (1987), La vie en close (1991), O ex-estranho (1996) e Winterverno (2001); as
prosas Catatau (1975), Agora é que são elas (1984), Guerra dentro da gente (1988) e Gozo
fabuloso (2004); as reflexões agrupadas nos Ensaios e anseios crípticos (2011) e em
Metaformose (1998); as biografias Cruz e Sousa (1983), Matsuó Bashô (1983), Jesus a. C.
(1984), Trótski (1986); as cartas publicadas no volume Envie meu dicionário (1999); as
histórias em quadrinhos presentes em Afrodite (2015); sem falar nos incontáveis versos em
papéis avulsos, plaquetes e mensagens espalhadas em vários arquivos públicos e privados, ou
perdidos ao longo do tempo.
No presente trabalho, direcionando os esforços para os livros acima referidos e
priorizando os textos líricos, reinterpreto um ponto fundamental da estética do lúcido cachorro
louco, aquilo que ele próprio e a crítica designam por “síntese”. Em minhas observações,
matizo o conceito e mostro serem, na verdade, pelo menos quatro as sínteses capazes de
organizar a bibliografia do multifacetado. Demonstro essas quatro estruturas sendo
independentes nas suas diferenças e iguais na sua unidade. Para tanto, iniciando com as
meditações do ex-seminarista no processo de construção de sua poética, discuto como ele
realiza consciente desleitura não de uma publicação apenas, ou de um autor particular, mas de
um sistema literário em relação ao qual as criações do paroquiano cósmico ganham
significação: a Trindade. Nesse sentido e em termos teóricos mais gerais, estou em diálogo

15
com “O escritor e seu ofício”, de Marcus Freitas; A angústia da influência, de Harold Bloom;
e “Tradição e talento individual”, de T. S. Elliot.
Valorizando a autoconsciência de uma poética, explicito, aprofundando, a
compreensão que ela possui de si mesma. E são muitos os momentos nos quais os autores
podem revelar o domínio de suas opções formais-conceituais, a exemplo de prólogos, poemas,
cartas, críticas, entrevistas. Entre essas alternativas, privilegio aqui o Poema de abertura e,
no capítulo 1, especifico esse importante espaço autoconsciente de obras da literatura
(brasileira) moderna. Ademais, o ensaio de abertura coloca no campo de visão hipóteses de
Roland Barthes e Gérard Genette, de modo que, ao refletir também a respeito dos
apontamentos desse par de estudiosos, ocorra certa homologia da tensão entre os caprichos
estruturalistas e os relaxos pós-estruturalistas, atrito ressoante em meu trabalho. Utilizando o
mecanismo de análise comparada e partindo de corpus que reúne variadas criações da poesia
brasileira, desenvolvo pressupostos teóricos para as discussões apresentadas adiante.
Em outro momento, indico pressupostos críticos. Na primeira seção do capítulo 2,
Abordagens da síntese lírica leminskiana pela crítica literária, realizo balanço da recepção
recebida pela poética do poliédrico. Passo pela reunião de diversas fontes, tais como
prefácios, biografias, jornais, revistas acadêmicas e não acadêmicas, dissertações e teses.
Centrando, principalmente, em Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Leyla Perrone-Moisés,
Fabrício Marques, Toninho Vaz, André Dick e Fabiano Calixto, evidencio que a síntese se
configura como uma pedra angular das elaborações artísticas do bandido que se sabia fabbro.
Por conseguinte, evito deixar a pesquisa decorrer apenas de intuição, pois, ao interagir com o
trajeto histórico de leitura, são fortalecidos certos raciocínios; porém, não coloco de lado
meus próprios apontamentos, uma vez que estou, inclusive, no organizar a história de
determinada recepção estética, sempre amparado por outros metacríticos.
Em seguida, ainda na parte 2, aparecem três seções. Na primeira, “contranarciso” e a
tradição do sujeito(-lírico) fragmentado, leio o poema de abertura em que é dito “em mim /
eu vejo o outro / e outro / e outro”; caracterizo o sujeito-textual sintético e fragmentado, o
qual foi desenvolvido pelo samurai malandro e estimado por um cânone; insiro o mesmo
sujeito na tradição do eu(-lírico) cindido, ampliando o repertório e fazendo notar o fato de o
problema da identidade fragmentada estar próximo da noção cristã de Deus. Com o
desenvolver do argumento, fica mais claro que a concepção de síntese, no erudito pop, aceita
ser fracionada, ocasionando princípios chamados de zero, breve, par e reunião do diverso. Na
seção Quatro sínteses em Paulo Leminski, a tentativa de definir cada um desses princípios;

16
e, em As sínteses na lírica leminskiana, apreciações de recursos capazes de figurar os quatro
fundamentos.
Já no último capítulo, conjugo tanto a análise ágil de obras não líricas do autor, em
3.3. As sínteses em outros livros leminskianos, quanto olhares detidos, ao focar
composições específicas. Uma das interpretações se volta à carta-poema enviada pelo
epistoleiro dos pinheirais, de modo que, pensando no conflito de visões da Guerra Fria, a
correspondência ajuda a entender o controverso posicionamento do comunista americanizado:
3.2. As estátuas da liberdade & do rigor. Outro exame, 3.1. Um clic biografemático, trata
biograficamente o dístico “Uma vida é curta / para mais de um sonho”. Ao final, em 3.0. A
pobre nudez do haicai, investigo o terceto “enfim, / nu, / como vim”, considerando,
sobretudo, os versos advindos de legados como o novecentista, o haicaísta & o franciscano.
Na parte 3, transversalmente, os enfoques desse quarteto de artigos remete a aspectos
arquivísticos e econômicos: o catálogo da produção do autor, catálogo este constituído por
obras preocupadas com questões ligadas ao dinheiro; a pesquisa formal de epístola lírica
capaz de problematizar a economia (novecentista); a ponte conceitual entre a vida e a obra, a
partir de fontes presentes em guardados pessoais e atinentes a nuances como o ofício do
poeta; a busca por arquivos fantasmáticos que revestem de pobreza um haicai nu.
Em termos amplos, espero realizar outros zeros, breves, pares e reuniões do diverso. O
vazio agudo é perceptível até mesmo na parte 0, meio cheia de tudo. Já o breve, está, por
exemplo, na tentativa de compor um ensaio coeso, apesar de engenhar capítulos fraturados,
diferentes em suas diferenças. É que os Quatro clics em Paulo Leminski são uma arquitetura
de ideias, pluribus unum. E expressão de certa angústia da totalidade, o desejo de apreender
abundante volume de livros do autor e de seus estudiosos e de outras bibliografias e em tudo
isso há reunião do diverso. Gostaria, ainda, que o trabalho não tendesse apenas ao capricho
acadêmico, mas também ao relaxo lírico; escrever com & escrever sobre o parnasiano hippie.
É com essa tensão que eu quero, leitor, encontrar na minha escrita a ferida de Leminski.

17
0

18
Clic

0. Palavra usada para representar barulho de máquina fotográfica.


1. Síntese.
2. Termo utilizado por Paulo Leminski no título de Quarenta clics em Curitiba. Termo
utilizado por mim no título de Quatro clics em Paulo Leminski.
3. Zero; breve; par; reunião do diverso.

19
1

20
1. Poema de abertura

[Epígrafe]

“[Para cantar de Amor tenros cuidados]” abre as Obras de Cláudio Manuel da Costa. “Lira I”
abre Marília de Dirceu de Tomás Antônio Gonzaga. “Canção do exílio” abre os Primeiros
cantos de Gonçalves Dias. “Um cadáver de poeta” abre a “Segunda parte” de Lira dos vinte
anos de Álvares de Azevedo. “Dedicatória” abre as Espumas flutuantes de Castro Alves.
“Profissão de fé” abre as Poesias de Olavo Bilac. “Flor azul” abre a Alma das cousas de
Alberto de Oliveira. “Primeiros sonhos” abre os Primeiros sonhos de Raimundo Correia.
“Antífona” abre os Broquéis de Cruz e Sousa. “Prólogo” abre a Dona mística de Alphonsus
de Guimaraens. “Monólogo de uma sombra” abre o Eu de Augusto dos Anjos. “Epígrafe”
abre A cinza das horas de Manuel Bandeira. “Eu sou trezentos...” abre o Remate de males de
Mário de Andrade. “Amor” abre o Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade.
“Poema de sete faces” abre Alguma poesia de Drummond. “Místico” abre O sentimento do
sublime de Vinícius de Moraes. “Epigrama nº 1” abre a Viagem de Cecília Meireles. “O
emigrante” abre As metamorfoses de Murilo Mendes. “A Augusto de Campos” abre os
Agrestes de João Cabral. “Uma didática da invenção” abre O livro das ignorãças de Manoel
de Barros. “Prefácio” abre O homem e sua hora de Mário Faustino. “[Escrevo diante da janela
aberta]” abre A rua dos cataventos de Mário Quintana. “XADREZ DE ESTRELAS percurso
textual” abre o Xadrez de estrelas de Haroldo de Campos. “Poética” abre os Epigramas de
José Paulo Paes. “Meu povo, meu poema” abre Dentro da noite veloz de Ferreira Gullar. “Um
prelúdio” abre A balada do cárcere de Bruno Tolentino. “Os passistas” abre o Livro de
Caetano Veloso. “Transposição” abre Transposição de Orides Fontela. “Branca de neve” abre
o Miserere de Adélia Prado. “contranarciso” abre os Caprichos & relaxos de Paulo Leminski.
“Recuperação da adolescência” abre as Cenas de Abril de Ana Cristina Cesar. “Loren ipsum”
abre as Formas do nada de Paulo Henriques Britto. “Guardar” abre o Guardar de Antonio
Cicero. “Ideias para um livro” abre O livro das semelhanças de Ana Martins Marques1.

1
Cf., respectivamente, COSTA, 1996, p. 51; GONZAGA, 1996, p. 573; DIAS, 1998, p. 105-106; AZEVEDO,
2000, p. 192-202; ALVES, 1997, p. 71-72; BILAC, 1997, p. 89-92; OLIVEIRA, 1978, volume II, p. 421-426;
CORREIA, 1948, p. 11-13; CRUZ E SOUSA, 1981, p. 5-6; GUIMARAENS, 2001, p. 161; ANJOS, 2005, p. 3-
9; BANDEIRA, 1993, p. 43; ANDRADE, 2005, p. 211; ANDRADE, 1991, p. 21; ANDRADE, 2002, p. 5;
MORAES, 1986, p. 61-62; MEIRELES, 1997, p. 3; MENDES, 1995, p. 313; MELO NETO, 1997a, p. 205-206;
BARROS, 2010, p. 299-304; FAUSTINO, 2002, p. 71; QUINTANA, 2005, p. 85; CAMPOS, 1976, p. 5-9;
PAES, 2008, p. 121; GULLAR, 1983, p. 217; TOLENTINO, 2016, p. 53; VELOSO, 1997, p. 2; FONTELA,
2006, p. 11; PRADO, 2014, p. 9; LEMINSKI, 1983, p. 12; CESAR, 2013, p. 17; BRITTO, 2012, p. 11;
CICERO, 1996, p. 11; MARQUES, 2015, p. 9.
21
Primeiro quarteto

A lista acima colocada menciona trinta e quatro poemas líricos de abertura2. Com isso,
entretanto, não desejo expressar a ideia de repertório infinito ou perfeito, supostamente
remetendo ao imaginário cristão alusivo ao número sete, decorrente da soma de três mais
quatro. São trinta e quatro criações, mas fora do elenco ficam inúmeras; no catálogo há
metonímia, não há totalidade. Os textos supracitados servem de horizonte a partir do qual
levanto algumas reflexões na tentativa de conceituar poema de abertura, ajudando, aliás, a
solucionar um duplo problema: se fosse traçar uma tentativa de teorização sem apresentar os
volumes a partir dos quais esboço minhas considerações, correria, acentuadamente, o risco de
falar diante de um vazio, sem uma delimitação clara da perspectiva escolhida, havendo
sempre a possibilidade de encontrar exemplos que, em vasta medida, escapam dos conceitos;
por outro lado, se escolhesse somente uma peça do rol e procurasse conceituar apenas a partir
dela, cairia no equívoco de minha reflexão tender mais à crítica, à análise de uma produção
específica, do que à teorização ampla. Assim, partindo de um conjunto – relativamente vasto,
porém metonimicamente circunscrito – de obras, consigo operar a definição, pois a proposta
se quer mais alargada do que a restrita explicação das composições catalogadas. Um caso
como o de Alphonsus de Guimaraens evidencia o gesto metonímico, uma vez que poderia
citar praticamente todos os livros líricos do autor. Kiriale, Dona Mística, Câmara ardente,
Setenário das dores de Nossa Senhora, Nova Primavera, Pastoral aos crentes do amor e da
morte. Em todos esses, há poemas de abertura. Não por acaso, poetas franceses ligados ao
contexto decadentista também costumam apresentar feitos semelhantes. Como “Au lecteur”,
em Les fleurs du mal, ou o “Prologue”, de Poèmes saturniens3. Falar de um poema de
Alphonsus é falar de mais realizações de Alphonsus, e falar de influências sofridas pelo rico
Alphonsus.

2
Com certa frequência, conceitos fundamentais são difíceis de serem delimitados. Investigando aqui a noção de
poema de abertura, uma primeira questão que pode haver é justamente “o que é um poema?”, ou “o que é um
poema lírico?”. Para avançar na reflexão que me interessa, isto é, a tocante tanto à autoconsciência quanto às
questões espaciais de uma obra, respondo à última questão mais ou menos próximo dos debates desenvolvidos
por um cânone formado, entre outros, por Poética, de Aristóteles; Cursos de estética, de Hegel; Conceitos
fundamentais da poética, de Emil Staiger; O arco e a lira, de Octavio Paz; e O estudo analítico do poema, de
Antonio Candido. Compreendo como poema lírico um texto, normalmente em verso (todavia admitindo a
possibilidade do poema em prosa, sobretudo quando sem verso há ritmo) no qual há, simultaneamente,
elementos como a musicalidade (uso de recursos sonoros, em alguma medida, regulares e organizados), a
subjetividade (uma voz, mesmo que plural, cantando os sentimentos, ou até a ausência de sentimentos, de um
sujeito-lírico) e a intransitividade (pois aceita evocar questões como as de ordem social, porém jamais deixa de
querer ser poema, coisa em si, ainda que além dessa finalidade sem fim haja algum outro objetivo sobreposto).
3
Cf., respectivamente, BAUDELAIRE, 2006, p. 110-113 e VERLAINE, 1931, p. 5-9.
22
Na medida em que dialogo com o catálogo portátil levantado, pretendo explicitar o
que estou chamando de poema de abertura – um espaço do exercício de autoconsciência em
obras da literatura (brasileira), maiormente do Romantismo aos nossos dias – a partir de
considerações de Roland Barthes e Gérard Genette4. Do primeiro, aproximo, sobretudo, do
conceito de livro, em oposição ao de álbum; do segundo, algumas noções sobre o “poema
inicial” são particularmente importantes, principalmente quanto à sua instância prefacial.
Cabe dizer que, no entanto, não há de minha parte adesão incontida a nenhum dos projetos
teóricos; tampouco o afastamento absoluto de cada um deles. Compete, na verdade, refletir
sobre os limites e as contribuições que os pensadores oferecem na minha tentativa de
conceituação, a qual está mais visível no segundo terceto desse soneto de abertura.

Segundo quarteto

a. Roland Barthes e o livro

Iniciando por Roland Barthes, é preciso situar a quem estou me referindo, dada a
complexidade e relativa variabilidade de seus debates. Citado ao lado de Gérard Genette,
talvez lembre o fato de ambos participarem da clássica Análise estrutural da narrativa. De
todo modo, analisando as fases pelas quais a escrita barthesiana passa, de acordo com o
apresentado em seu Roland Barthes por Roland Barthes, bem como nas reflexões de Éric
Marty, não estou exatamente próximo de Análise estrutural, ou Sistema da moda, nos quais o
Estruturalismo se mostra evidente5. Apesar disso, alguma nota do movimento permanece no
estudioso tardio, no autor interessado em rasurar, menos ou mais, as distâncias entre a teoria e
a literatura. Esse outro sujeito está nos ensaios como os de O rumor da língua, de resultado
um tanto mais afim do Pós-estruturalismo, e no segundo volume de A preparação do
romance, realizado pouco antes do falecimento do escritor. No entanto, dependendo do

4
O recorte temporal recair, com maior incidência, do Romantismo aos nossos dias se deve ao fato de ser este
movimento da literatura brasileira o começo da modernidade literária no Brasil. Procuro discutir um pouco essa
noção de modernidade literária em Uma lira de duas cordas. Quanto à inclusão daqueles tradicionalmente
classificados árcades – Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga –, em meus apontamentos, intento
mostrar características românticas e modernas vistas nos neoclássicos (a propósito, cf. a inclusão de “Marília” na
seção “Perfis românticos”, presente nas Sinfonias, de Raimundo Correia). Assim, espero, mais uma vez e de
alguma forma, relaxar os caprichos das classificações muito rígidas, bem como aproximar – como se criasse
binomia e/ou síntese – Uma lira de duas cordas e Quatro clics em Paulo Leminski.
5
Cf. BARTHES, 2003; e MARTY, 2009, p. 121-213.
23
ângulo pelo qual se observam as produções barthesianas, marcas de Estruturalismo
sobrevivem. É justamente no tensionamento entre um raciocínio ligado a dualidades
opositivas, ecoando o pensamento de Ferdinand de Saussure, e uma lógica que procura a
superação dessas dialéticas, caminhando para propostas que lembram os indecidíveis de
Jacques Derrida, o ponto em que, particularmente, me chama a atenção nos trabalhos de
Roland Barthes.
Nessa perspectiva, convém trazer indicações presentes no segundo tomo de A
preparação do romance, a “Aula do dia 5 de janeiro de 1980” e a “Aula do dia 12 de janeiro
de 1980”6. São produções um pouco elípticas, correspondem a anotações prévias, visando à
leitura em cada aula de um curso proferido, no Collège de France, em 1979-1980. Possuem
um traço sintético e organização por vezes confusa, no que diz respeito a elementos como
sintaxe e pontuação7. Ao mesmo tempo, os registros preparam um livro por vir, um suposto
romance que Roland Barthes iria escrever. Chega a dizer: “Parece-me – pois só disponho aqui
de meu próprio testemunho – que aquilo que eu fantasio é a fabricação de um objeto; eu me
imagino fabricando esse objeto, programando as fases de sua fabricação, como um artesão”8.
Conquanto o próprio romance não tenha sido realizado – mas apenas a preparação dele, por
motivos que podem ir do inesperado falecimento do autor até o fato de a preparação ter sido
um fim em si, e não uma efetiva elaboração prévia de algo a ser feito em momento posterior –
, as discussões realizadas pelo francês ajudam a circunscrever o tipo de livro que estou
pensando ser capaz de conter um poema de abertura. O debate ocorrido nas duas aulas de
janeiro de 1980 lembra um pouco outra querela barthesiana, encontrada em “Da obra ao
texto”, de O rumor da língua; entretanto, as aulas de 1980 procuram distinguir dois outros
conceitos: “livro” e “álbum”9. Ainda assim, é possível, em maior ou menor medida,
aproximar as noções de “obra” e de “livro”, tal como as de “texto” e de “álbum”, uma vez que
no primeiro par há certo acabamento, enquanto no segundo a ideia de abertura está mais
presente.

6
Cf. BARTHES, 2005, p. 99-163.
7
Sobre os processos de elaboração e características estilísticas dos dois volumes de A preparação do romance,
cf. MARTY, 2005, p. XI-XII; PERRONE-MOISÉS, 2005, p. XV-XVI; LÉGER, 2005, p. XIII-XXVI.
8
BARTHES, 2005, p. 104-105.
9
Sobre “Da obra ao texto”, cf. BARTHES, 1988, p. 55-61. É produtivo analisar o lugar dessa referência dentro
de O rumor da língua. O artigo se encontra na segunda seção do livro, homônima do escrito de 1971, e logo após
outra famosa e polêmica produção de Roland Barthes: “A morte do autor” (p. 49-53).
24
Avançando o debate e sintetizando as ideias – não raro elípticas e, ao mesmo tempo,
excessivamente detalhistas – de Roland Barthes, convém diferenciar “livro” e “álbum”. Desse
modo, vale lembrar que o “livro” se aproxima de noções de acabamento; é concluso, havendo
um fim buscado e não circunstancial; corresponde a algo arquitetado, premeditado; é
ordenado segundo uma estrutura, contém uma moldura que agrega o todo e organiza as partes;
pode ser infinito, somativo ou condensado, mas sempre expressa unidade; ainda que haja
partes, elas são cadenciadas de um modo premeditado, lembrando a música tonal; possui
hierarquização de seus elementos; lembra, portanto, uma filosofia monista, pautada por uma
estrutura, uma hierarquia, com determinada razão ou fé. O “álbum”, por sua vez, se aproxima
de noções como a de descontinuidade, lembrando estrofes reunidas aleatoriamente, sem a
meditação de um autor sobre a seleção e ordenação dos textos; é circunstancial, operando
certa recolha de circunstâncias; corresponde a uma coletânea de inspirações casuais, mesmo
que elas sejam maravilhosas, todavia são, por assim dizer, privadas de arquitetura prévia; não
é ordenado segundo uma estrutura, está mais para um conjunto de elementos arbitrários
quanto à ordem, presença ou ausência, como uma folha que se desloca ou se acrescenta ao
acaso; não expressa uma unidade; não possui uma cadência específica, lembrando a música
atonal; não possui uma hierarquização de seus elementos, é disperso, puro tecido de
contingências; lembra, portanto, uma filosofia pluralista, relativista10.
Compreendidas, em termos gerais, as diferenças entre “livro” e “álbum”, procuro não
adotar – não em extremo – o excesso de tipologias proposto por Barthes; visando meus fins,
tomo a categoria “livro” de modo mais abrangente, convergindo características que são, por
vezes, destrinchadas em subcategorias. Roland Barthes chega a dar o nome de “Uma tipologia
do livro” a essa conceituação, traçando comparações entre, por exemplo, “O Livro Total”, “O
Livro-Suma” e o “Livro Puro”11. Portanto, o pensamento barthesiano está colocado de
maneira bastante arquetípica, parece muito estruturalista, ainda que em A preparação do
romance haja um autor já tardio, distante do mencionado Análise estrutural da narrativa.
Contrariando um pouco a premissa estruturalista, contudo, enquanto a “Aula do dia 5 de
janeiro de 1980” tende a criar tipologias, a “Aula do dia 12 de janeiro de 1980” procura
embaralhar as classificações rígidas, mesmo que as retome e as avance. Exercendo posturas
relativistas, pronuncia:

10
Cf., respectivamente, BARTHES, 2005, p. 140-141; 117; 116; 117; 122; 127; 130; 131; 123; 123; 116; 124;
117; 123; 130; 127; 130; 131.
11
Cf. BARTHES, 2005, p. 108.
25
Com certeza vocês pensam que essa oposição, essa alternativa Livro/Álbum
é um pouco rígida, um pouco forçada; eu a disse como a estava vivendo,
segundo a convenção metodológica do Curso. Mas podemos descentrá-la,
generalizá-la, isto é, pensá-la não no nível daquele que escreve, mas no nível
da história, do devir das obras.12

O amontoado de notas, de pensamentos soltos, forma um Álbum; mas esse


amontoado pode ser constituído com vistas ao Livro; o futuro do Álbum é,
então, o Livro; mas o autor pode morrer nesse ínterim: resta o Álbum, e esse
Álbum, por seu desígnio virtual, já é o Livro.13

Na outra extremidade do tempo, o Livro feito volta a ser Álbum: o futuro do


Livro é o Álbum, assim como a ruína é o futuro do monumento.14

Embaralhando os conceitos de “livro” e de “álbum”, está próxima a noção derridiana de


indecidível, não sendo ocasional o fato de escolher falar justamente sobre “indecisão” logo
após fechar, de certa maneira, esse debate sobre as categorias até então esmiuçadas 15. Ao
concluir sua reflexão, o teórico procura mostrar que “livro” e “álbum” podem ser instâncias
fluidas, uma obra pode oscilar entre um tipo puro e outro, dependendo do momento e do
modo de ser observada.
Novo ponto que vale observação, mas que não é muito variável, diz respeito ao recorte
bibliográfico a partir do qual Barthes construiu a distinção – embora relativizada – de “livro”
e “álbum”, ou ainda o conjunto de títulos escolhidos para desenvolver o seu curso no Collège
de France. Na “Bibliografia dos autores citados com maior frequência”, colocada na primeira
aula do segundo volume de A preparação do romance, há uma pequena lista particularmente
importante aos meus fins16. Catálogo de literatos modernos – do Romantismo até mais ou
menos o momento em que preparava suas aulas – concernentes a uma tradição europeia.
Chateaubriand, Flaubert, Kafka, Mallarmé, Nietzsche, Rimbaud, Rousseau, Tolstói. Pode
causar estranhamento somente a presença de Rousseau, entretanto é preciso lembrar que, se
em estrito o setecentista não seria um romântico, serviu de base para a estruturação do
pensamento dos dionisíacos. Outros não listados são frequentes, especialmente nas duas
primeiras aulas de janeiro, as quais me interessam de perto: nomes como Balzac, Zola, Valéry

12
BARTHES, 2005, p. 132.
13
BARTHES, 2005, p. 132.
14
BARTHES, 2005, p. 133.
15
Cf. BARTHES, 2005, p. 135. O indecidível, em Jacques Derrida, corresponde a um elemento que possua uma
ambivalência, menos atinente aos binarismos opositivos, não redutível ao isto ou aquilo, mas podendo ser isto e
aquilo. Sobre o conceito, cf. Jacques Derrida (1972) e Silviano Santiago (1976).
16
Cf. BARTHES, 2005, p. 8-9.
26
e Proust. Assim, o desenho da distinção álbum/livro, de acordo com Roland Barthes, passa
pela observação de um conjunto de produções vinculadas, sobretudo, aos séculos XIX e XX.
Esse é também o meu recorte ao reverberar o poema de abertura, embora A preparação do
romance se volte para escritores mais ligados à Europa, enquanto prefiro recortar uma
tradição de brasileiros modernos, os quais, com frequência, são herdeiros da literatura do
velho continente.
Sistematizando: ao procurar traçar a definição pretendida, retomo Roland Barthes,
especialmente no que diz respeito a: (a) o conceito de livro – em oposição ao de álbum – é
próximo de uma obra conscientemente traçada, no todo e nas partes, arquitetada visando à
unidade, coerência interna; (b) a noção de que tais livros são recorrentes no período designado
como moderno, isto é, desde mais ou menos Rousseau, ou principalmente os influenciados
por ele, passando, ainda, ao longo dos séculos XIX e XX; (c) afora essas informações, o
pensamento barthesiano me interessa na qualidade de uma proposta que intenta se organizar
de maneira mais precisa, traçando com certa rigidez as caracterizações, partindo de um ponto
de vista estruturalista; mas sem deixar de notar a existência de margens dúbias, zonas
cinzentas, indecidíveis, correlatas de um olhar pós-estruturalista.

b. Gérard Genette e a instância prefacial

Encaminhando para as reflexões de Gérard Genette, é também comum associar ao


estruturalismo esse outro participante da obra Análise estrutural da narrativa. De fato,
Paratextos editoriais segue, em grau elevado, a perspectiva teórica, de maneira que a
produção de Genette chega a ser elaborada com menor variabilidade – considerando a
persistência de determinado raciocínio – do que a de Barthes. Seguindo essa consideração, o
leitor, ao se deparar com uma argumentação genettiana, se vê menos preocupado em
compreender o momento no qual foi realizada, uma vez que o teor estruturalista costuma ser
predominante.
Nesse sentido, publicado em 1987, em francês, sob o título de Seuils – que,
literalmente, corresponderia a “limiares”, em língua portuguesa – os Paratextos editoriais
saem, no Brasil, apenas em 2009, dentro da coleção Artes do Livro, organizada pela Ateliê
Editorial. O volume de 1987/2009 procura esmiuçar os paratextos, ou seja, “aquilo por meio
de que um texto se torna livro e se propõe como tal a seus leitores, e de maneira mais geral ao

27
público”17. Desde já, é possível constatar Gérard Genette operando um conceito de livro. Não
fazendo, aparentemente, uso de dicotomias, ao estilo de Roland Barthes ao distinguir o termo
em oposição a “álbum”, Genette prefere ressaltar exatamente o que é o seu tema: o paratexto.
Aqui, este é uma espécie de moldura capaz de tornar livro o livro; corresponde a um
enquadramento a balizar o dentro e o fora, demarcando que o próprio livro está dentro.
Sob tal prisma, o paratexto é encarado como um limiar, entre o dentro e o fora da obra;
um “vestíbulo, que oferece a cada um a possibilidade de entrar, ou de retroceder”, uma “zona
indecisa”18. Vista desse ângulo, a conceituação parece pós-estruturalista, afeita a indecidíveis,
ou lembrando Walter Benjamin, pensador entusiasmado pela ideia de limiar não como
fronteira19. Embora o desejo, Genette, após a problematização inaugural, desenvolve de
maneira bastante estruturalista, classificatória, a sua compreensão dos paratextos. Discute
elementos como o nome do autor, os títulos, as dedicatórias, as epígrafes, os prefácios e as
notas, sempre levando em conta conceituações, análises de funções e categorizações 20.
Interessante, por exemplo, o trato dado por Gérard Genette a “Os Títulos”. Nessa que é uma
das treze sessões de Paratextos editoriais, são problematizadas as “Definições”, ao pensar,
não só, o que é um título; o “Lugar” que eles ocupam, com variações como entre o
aparecimento na capa e na contracapa; o “Momento” no qual ele é, publicamente, visto pela
primeira vez, seja no dia do lançamento ou antes, se já não haveria certa divulgação;
“Destinadores” e “Destinatários”, quem teria, de fato, escolhido o título e qual público leitor
ele pretende atingir; as “Funções” exercidas, tais como identificar a obra, indicar seu
conteúdo, valorizar a produção e seduzir o seu leitor potencial. Pelo apanhado, distinguível o
traço estruturalista de Gérard Genette, o fato de realizar uma apresentação geral dos
paratextos; demonstrar, com relativa amplitude, cada um deles, suas possibilidades,
variabilidades, mas partindo de um descritivismo classificatório, inventariador. Logo,
conquanto pareça se atrair por indecidíveis, falta a Gérard Genette ultrapassar um pouco os
limites e perturbar as fronteiras de sua própria investigação.

17
GENETTE, 2009, p. 9.
18
GENETTE, 2009, p. 9-10.
19
Sobre a questão do limiar em Walter Benjamin, conferir Limiares e passagens em Walter Benjamin,
organizado por Georg Otte, Sabrina Sedlmayer e Elcio Cornelsen, em 2010.
20
Compreendo como elemento cada uma das partes de um todo. Pensando com relação a poemas, em particular,
ritmo, metro, rima, estrofe, sujeito-lírico, espaço, verbos, enfim, todos esses – além de inúmeros – são elementos
do todo. Em relação aos paratextos editoriais, o nome do autor, os títulos, as epígrafes, entre outros, também
estou compreendendo como partes de uma totalidade abstrata que corresponde ao conjunto geral dos paratextos
editoriais.
28
De todo modo, as discussões de 1987 oferecem boas recomendações. Na sessão dedicada à
“Instância prefacial”, o teórico discute o que chama de “poema inicial”, especialmente ao
abordar as formas dessa mesma instância:

Nada enfim proíbe de investir com uma função prefacial o poema inicial de
uma coletânea, como acontece com frequência em Hugo: “Prelúdio” (após o
prefácio em prosa) de Chants du crépuscule, “Função do poeta” no início de
Rayons et les Ombres, “Nox” e “Lux” no início e no fim de Châtiments,
“Visão de onde saiu este livro” no início de La Légende des siécles, entre
outros. É também o estatuto de “Ao leitor” de Fleurs du mal. A coletânea em
prosa de Huysmans, Le Drageoir aux épices, é até dotada de um “soneto
limiar” com função tipicamente prefacial, que inverte o contraste habitual –
e esse caso não é único: encontra-se uma espécie de prefácio em verso no
início de Treasure’s Island.21

Estou aproximando do que Gérard Genette chama de “poema inicial”, ou seja, o primeiro de
uma coletânea, ou reunião, ou obra em geral. Ele conteria, portanto, uma “função tipicamente
prefacial”; poderia aparecer abrindo tanto um volume de versos quanto de prosa; e, se
contextualizo as referências dadas pelo teórico francês – Victor Hugo, Charles Baudelaire,
Joris-Karl Huysmans e Robert Louis Stevenson –, noto que os poemas de abertura são
relativamente comuns a partir do Romantismo, momento em que, usualmente, a literatura
ocidental pode ser tratada como moderna e passa, com certa frequência, a cultivar prólogos.
Nesse sentido, à função prefacial do poema de abertura é possível agregar as outras discussões
que Gérard Genette faz, em termos gerais, a respeito da instância prefacial.
Contudo, em algumas ocasiões, ele acaba discutindo tal instância a partir de excessiva
classificação, gerando uma nomenclatura que, por vezes, acarreta mais problemas do que
soluções, pois evita reconhecer a fragilidade de uma taxonomia muito dura, pouco afeita,
justamente, aos limiares indecidíveis. Assim, recortando o que em particular me compete,
chamo a atenção para quando o teórico apresenta os preâmbulos como sendo “em geral
escritos após o texto a que se referem”, podendo ser originais, publicados junto à primeira
edição; posteriores, frequentemente apresentados em uma segunda edição; ou tardios, “lugar
de uma reflexão mais ‘madura’”, realizada anos após a primeira impressão dos livros22. Além
disso, levando em conta as funções dos proêmios – sobretudo os originais, pois são os que
notadamente interessam a meus fins – Genette destaca características: “garantir ao texto uma
boa leitura”; “mostrar a unidade formal” da obra, ou valorizar a diversidade da mesma;

21
GENETTE, 2009, p. 153.
22
GENETTE, 2009, p. 156.
29
fornecer o modo de usar o livro; indicar fontes ou mostrar as filiações; situar o leitor e criar
um pouco a imagem do leitor ideal; realizar um “comentário do título”; apresentar a
ordenação de leitura do volume, por vezes servindo de índice; designar o contexto de
publicação; declarar as intenções com a criação; apresentar conceitos fundamentais, uma
espécie de manifesto23. Retomo mais adiante essas características, de maneira a demonstrar
que são recorrentes nos poemas catalogados no começo deste ensaio.
Em suma, das reflexões de Gérard Genette, algumas precisam ser destacadas, visando
à percepção do que é um poema de abertura: (a) a compreensão do livro como sendo aquilo
que está dentro da moldura criada a partir dos paratextos editoriais; (b) o poema de abertura é
o primeiro conjunto de linhas a ultrapassar o limiar do paratexto, mas contém, ainda, certa
função paratextual em um tomo, sendo que esta obra pode ser em prosa ou em verso; (c)
enquanto texto que exerce uma função paratextual e/ou prefacial, o poema de abertura é
recorrente em obras originais, isto é, aparece já na primeira edição; (d) as funções que ele
pode exercer são várias, entretanto, no geral, caminham para a ideia de início, apresentação,
autoconsciência; (e) os poemas de abertura são frequentes a partir do Romantismo, ou seja, a
partir da modernidade, vistos em produções como as de Victor Hugo.

Primeiro terceto

Levantadas noções fundamentais a partir das considerações de Roland Barthes e


Gérard Genette, convém, agora, demonstrar como essas mesmas noções ajudam a
conceituação aqui enfocada, levando em conta, também, os trinta e quatro listados no começo
deste ensaio.
Seguindo o modo de operar, é importante ter em vista que um poema de abertura
precisa estar em um livro, porque parto da ideia segundo a qual este se contrapõe a um álbum.
O próprio teórico francês mostrou: as categorias ideais de livro e álbum são relativizáveis; de
todo modo, aquele requer certo grau de autoconsciência do autor, certo grau de acabamento
da obra. É preciso que os versos abram um conjunto relativamente coeso e arquitetado, tendo
em vista os atributos que viso encontrar. Assim, todos os trinta e quatro elencados pertencem
a livros de alguma maneira organizados por seus construtores; são, portanto, obras originais,
para lembrar o conceito genettiano. Nelas, os escritores traçam a ordem exata da sucessão de

23
Cf., respectivamente, GENETTE, 2009, p. 176; 179; 180; 186; 188; 189; 190; 194; 194; 196; 200. Genette
cita, nesse último caso, o exemplo de dois autores românticos, modernos, Wordsworth e Victor Hugo.
30
títulos ao longo das páginas; cruzam a autoconsciência com a disposição dos versos no
espaço-tempo das folhas. É justamente por essa possibilidade que há poemas de abertura: não
são composições ocasionais, jogadas aleatoriamente no começo dos livros; são escolhas
meticulosamente refletidas e ordenações cuidadosamente realizadas.
Se entendo o livro, a partir das considerações de Gerárd Genette, como aquilo que está
dentro da moldura criada a partir de paratextos editoriais, o poema de abertura está, de modo
relativamente indecidível, entre o paratexto e o primeiro texto: pode ser tanto uma epígrafe
escrita pelo próprio autor – o fez Manuel Bandeira, em A cinza das horas – quanto um
primeiro mais autônomo – “Antífona”, em Broquéis24. De toda maneira, o poema de abertura,
seguindo a ordenação paratextual elaborada por Genette, está, espaço-temporalmente, além da
capa, do título, do nome do autor, das dedicatórias, da epígrafe, do prefácio. Ou nem tanto.
Pode funcionar como espécie de oferecimento; o que ocorre em Agrestes, de João Cabral,
devido ao poema-dedicatória “A Augusto de Campos”25. Ou pode funcionar como epígrafe,
seguindo a via mostrada em Manuel Bandeira. Ou, ainda, trabalhar de prólogo: talvez seja a
realização mais frequente.
A função prefacial é muito recorrente, como indica Gérard Genette. Lembrando as
características prefaciais arroladas pelo teórico, é plausível as ilustrar a partir do catálogo com
o qual estou lidando neste ensaio. Por exemplo, uma primeira utilidade dos preâmbulos, de
acordo com os Paratextos editoriais, é a de garantir uma boa leitura do livro. De certa
maneira, muitos textos procuram realizar o preceito; como o “Lorem ipsum”, de Paulo
Henriques Britto, uma vez que busca mostrar ao leitor o que o eu-lírico oferece: “sinéreses,
cesuras, hemistíquios”26. Seguindo a lista de funções realizada por Genette, outra atribuição
importante é o proêmio revelar a unidade formal do livro; essa característica é também
habitual em quase todos os referidos na [Epígrafe]. Destaco “O emigrante”, que abre a sétima
publicação de poesias de Murilo Mendes27. Ali quiçá seja o lugar, em toda a produção lírica
muriliana, onde se encontra melhor expressa a sua poética, não só a de As metamorfoses: uma
busca pela condição emigrante, um eu-lírico que está em constante transformação. Não é um
Deus pronto e autocolocado, perfeito, encontrado no mundo porvir; é um sujeito em devir, um

24
Cf., respectivamente, BANDEIRA, 1993, p. 43 e CRUZ E SOUSA, 1981, p. 5-6.
25
MELO NETO, 1997, p. 205-206.
26
BRITTO, 2013, p. 11. Em alguns casos, contudo, é impossível reconhecer se há ironia da parte do autor,
quando este procura indicar/criar elementos que garantam a satisfatória leitura da obra.
27
MENDES, 1995, p. 313.
31
ser de papel e que se nomeia “aquela nuvem andante”. Esse viés talvez consiga explicar a
grande variabilidade formal encontrada no decorrer da criação de Murilo Mendes, oscilando
do clássico ao moderno, do soneto ao verso livre, da mística cristã à vanguarda tecnicista.
Assim, o poeta juiz-forano não apenas mostra a coesão, mas valoriza a diversidade, duas
funções prefaciais apontadas por Genette.
Continuando a pormenorizar as funções, o teórico dos Paratextos lembra outra:
fornecer o modo de usar o livro. Se lembro que há possibilidades indecidíveis na delimitação
de um poema de abertura, e observo A cinza das horas, onde está o mencionado “Epígrafe”,
vejo, logo na sequência, “Desencanto”28. O primeiro surge escrito em itálico; o segundo não é
marcado por esse recurso gráfico. Ambos podem ser poemas de abertura, se quiser pensar que
a epígrafe ainda não é exatamente o primeiro texto. Em “Desencanto”, o eu-lírico de Manuel
Bandeira orienta o modo de usar: “Fecha o meu livro, se por agora / Não tens motivo nenhum
de pranto”29. Outro modernista, Mário de Andrade, no seu famoso “Eu sou trezentos...”, segue
mais uma função prefacial apresentada por Genette: indicar fontes ou mostrar as filiações30.
Tudo bem que ali não está, como na epígrafe de “Profissão de fé”, de Bilac, uma referência
explícita a um autor31. No entanto, o eu-lírico marioandradino se filia, enquanto sujeito
fragmentado, a uma grande tradição da lírica moderna. Uma tradição que, no Brasil,
apresenta, dentre vários, o sujeito-lírico de Álvares de Azevedo, esse com duas almas nas
cavernas de um cérebro; ou Augusto dos Anjos, filho do carbono e do amoníaco, monstro de
escuridão e rutilância32. Mário de Andrade, em termos largos, tomando aqui a vinculação
lusitana da língua, está se filiando a um continuum que vai de, por exemplo, Sá de Miranda,
que consigo mesmo se desaveio, a Fernando Pessoa, criador de heteronomias33.
Para continuar na literatura europeia, o leitor ideal é, verbi gratia, colocado por
Charles Baudelaire, em “Au lecteur”; sendo que a demarcação da idealidade é lembrada por
Genette34. De certo modo, Manuel Bandeira, em “Desencanto” também segue a perspectiva

28
BANDEIRA, 1993, p. 43-44.
29
BANDEIRA, 1993, p. 43.
30
ANDRADE, 2005, p. 211.
31
BILAC, 1997, p. 89-92.
32
Cf., respectivamente, AZEVEDO, 2000, p. 190 e ANJOS, 2005, p. 38.
33
Cf., respectivamente, SÁ DE MIRANDA, 1516, p. fl. 109v e PESSOA, 1969. Discuto um pouco mais a
tradição no subcapítulo “2.2.1 “contranarciso” e a tradição do sujeito(-lírico) fragmentado”.
34
BAUDELAIRE, 2006, p. 110-113.
32
ao exigir um leitor choroso. Antes que caiamos em lágrimas, outra utilização, sendo ela bem
comum, é a realização do comentário do título. É o caso de O livro das ignorãças, de Manoel
de Barros, pois apresenta seu título bastante justificado, em “Uma didática da invenção” 35.
Sem falar em poemas que são homônimos do livro, e, nesse sentido, acabam comentando a
proposta geral do(s) título(s), como acontece com “Transposição”/Transposição, de Orides
Fontela, e “Guardar”/Guardar, de Antonio Cicero36. Haroldo de Campos, por sua vez, no seu
“XADREZ DE ESTRELAS percurso textual”, exerce mais uma atribuição: apresentar a
ordenação de leitura da obra37. Assim, estabelece um rol com os nomes dos textos que o leitor
irá encontrar ao correr das folhas, mas esse catálogo é disposto de modo que os títulos
realizem um novo poema. Não há sequer os números das páginas, igual seria rotineiro em um
suposto sumário, e sim o livre correr nos nomes, em atrito, tensionando as funções de índice e
poema.
Terminado de ilustrar essas possibilidades preludiais, Genette ainda menciona três:
indicar o contexto de publicação, declarar intenções com a obra e apresentar conceitos
fundamentais. A primeira delas é realizada por Gonçalves Dias, ao final da “Canção do
exílio”, quando lembra: “Coimbra – Julho de 1843”. A data e o local, nesse episódio, são
muito representativos38. O exilado em terras portuguesas está no verão do hemisfério norte e
sente saudade do Brasil. Essa postura é muito expressiva nos Primeiros cantos, uma vez que
este pode ser tomado como o primeiro grande lançamento lírico da poesia brasileira após a
Independência. Passando para a segunda função prefacial, declarar intenções, ela é um pouco
parecida com a apresentação de conceitos fundamentais. Todavia alguma diferença pode ser
vislumbrada, por exemplo, no momento em que José Paulo Paes diz em sua “Poética”:
“Aceito meu inferno, mas falo do meu céu”; essa intenção de falar do céu, colocada em um
poema com certas alusões a questões franciscanas, Paes realiza ao longo do livro, sobretudo
em “Il poverello”39. Por fim, o que Gerard Genette chamou de apresentar conceitos
fundamentais acredito que esteja em todos os trinta e quatro listados no começo deste ensaio.
Procuro levantar textos representativos dentro das obras dos elencados. Em um prólogo
comum, o autor costuma caracterizar, sem tanta intensidade formal, os vocábulos básicos a

35
BARROS, 2010, p. 299-304.
36
Cf., respectivamente, FONTELA, 2006, p. 11 e CICERO, 1996, p. 11.
37
CAMPOS, 1976, p. 5-9.
38
DIAS, 1998, p. 105-106.
39
Cf., respectivamente, PAES, 2008, p. 121 e 134.
33
partir dos quais opera. Acontece que, em um poema de abertura, muitas vezes, há mais uma
elaboração formal dos recursos estilísticos fundamentais do que exatamente uma declaração
explícita de quais são os conceitos operantes. Ainda assim, momentos como “Poema de sete
faces”, de Drummond, conseguem realizar as duas vias40. Nesse caso particular, os versos
drummondianos mostram a relação do sujeito-lírico com o mundo, vasto mundo, problema
que atravessa toda a produção do gauche, ao mesmo tempo que ele utiliza recursos estéticos
próximos das vanguardas europeias, declarando, por vias formais, elementos estruturadores de
sua escrita.

Segundo terceto

Em termos gerais, o poema de abertura se mostra um espaço autoconsciente da obra.


Do Romantismo (ou antes dele) até nossos dias, de Primeiros Cantos até O livro das
semelhanças, é, frequentemente, lugar propício à caracterização dos processos de
construtividade e autorreferencialização textual. Muitos poetas escolhem abrir suas edições
com linhas que conseguem mostrar o que haverá nas páginas seguintes. Algumas, inclusive,
apresentam, com amplitude, a visão de mundo do autor: a função prefacial, não raro, expressa
a poética do escritor como um todo, chegando a lembrar manifestos. Em certos casos,
esclarecem uma estética em sentido largo, não apenas dimensionam um livro, mas revelam
uma redução estrutural, ou seja, um núcleo nevrálgico a partir do qual o pensamento do
literato se estrutura. Assim operam os trinta e quatro poetas citados na [Epígrafe]. Seria
possível recortar versos fundamentais de cada um deles, trechos que vibram, em larga medida,
a poética de cada um dos escritores.
Neste breve ensaio, espécie de soneto inicial, almejo, portanto, somente apresentar
preliminarmente questões relativas ao conceito, uma tentativa de compreensão desse espaço
da obra. Não se trata de um esgotamento do tema, tampouco de uma investigação exaustiva de
cada poema a princípio listado. É, sim, um primeiro texto em que procuro colocar o problema
– e, enquanto abertura, clama por novas investigações. Algumas delas acontecem adiante.

40
DRUMMOND, 2002, p. 5.
34
[Estrambote]

O petrarquiano interessado nos penhascos “brasileiros”, Cláudio Manuel da Costa, tece um


soneto dizendo que “Para cantar de Amor tenros cuidados, / Tomo entre vós, ó montes, o
instrumento”. O romanticamente apaixonado por Marília, Tomás Antônio Gonzaga, cria uma
máscara irônica ao se revelar “De tosco trato, de expressões grosseiro”. O ufanista Gonçalves
Dias de “Nosso céu tem mais estrelas”. O binômico Álvares de Azevedo a compor a poética
de Ariel, na qual “os nervos convulsivos inflamava”, & a poética de Caliban, na qual “Resta
um poeta morto”. O militante da liberdade, Castro Alves, sonha que “A pomba d’aliança o
vôo espraia / Na superfície azul do mar imenso”. O trabalhado Olavo Bilac, que “Torce,
aprimora, alteia, lima / A frase”. O artista azul, Alberto de Oliveira, que gosta de “observar
com a lente”. O marmóreo sombrio Raimundo Correia, que faz sua “órbita escura”. O místico
Cruz e Sousa a desejar “Indefiníveis músicas supremas”. O noturno Alphonsus de
Guimaraens desenhando o “Áureo palácio de ebúrnea torre / Desamparado pelos mortais /
Enquanto a lua sublime corre / Por entre sombras de catedrais”. O eclético Augusto dos Anjos
consciente de que possui “simultâneas, / A saúde das forças subterrâneas / E a morbidez dos
/seres ilusórios”. O humilde, passional e melancólico Manuel Bandeira a dizer “Eu faço
versos como quem chora / De desalento... de desencanto...”. O poeta de características plurais,
do amálgama brasileiro às vanguardas europeias, e, por isso, sem nenhum caráter, Mário de
Andrade, autor de “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”. O ready-made-man Oswald
de Andrade, “Humor”. O gauche Drummond ouvindo “Vai, Carlos! ser gauche na vida”. O
sublime e cotidiano Vinícius de Moraes, “Que vêm do céu, que vêm do chão”. A musicista do
Vago, Cecília Meireles, a compor “uma sonora ou silenciosa canção: flor do espírito,
desinteressada e efêmera”. O devir demasiado humano e onírico Murilo Mendes, “aquela
nuvem andante”. O seco João Cabral a “escrever / tanto e de tão poucas coisas”. O sábio
ignorante Manoel de Barros, para quem “Poesia é voar fora da asa”. O humano-divino Mário
Faustino, que tem na sua poesia, “entre aurora / E meio-dia um homem e sua hora”. O místico
do hipogrifo e materialista da vaca, Mário Quintana, que “Mistura os tons”. O enxadrista da
imagem e do som, Haroldo de Campos, erguendo o “branco / mais menos / cristal”. O poeta
do mínimo, José Paulo Paes, afirma “só compreendo o pão se dividido”. O outrora esquerdista
Ferreira Gullar alegava “Meu povo e meu poema crescem juntos”. O transposto em Katharina
e no minotauro, Bruno Tolentino, avisa que “acabei indo morar // na Casa dos Homens Ocos”.
O poeta-músico, Caetano Veloso, aponta o nariz para “Onde quer que estejamos juntos /
Multiplicar-se-ão assuntos de mãos e pés / E desvãos do ser”. A silenciosa, entre o ser e o
35
nada, Orides Fontela, a criar “descontinuidade de planos”. A religiosa e profana Adélia Prado
reza que “cada país tem seu universal”. O sintético Paulo Leminski diz que “em mim / eu vejo
o outro / e outro / e outro”. A fingidora de memórias, Ana Cristina Cesar, preocupada com a
“recuperação da adolescência”. O autoconsciente Paulo Henriques Britto, sabedor de que
“todo consolo é metalinguístico”. O poeta dos espaços externos da cidade que não tem mais
fim, Antonio Cicero, conceitua que “Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la”. A
construtora de armadilhas, Ana Martins Marques, prefacia “Um livro de poemas / que sejam
ideias para livros de poemas”41.

41
Cf., respectivamente, COSTA, 1996, p. 51; GONZAGA, 1996, p. 573; DIAS, 1998, p. 105; AZEVEDO, 2000,
p. 192; ALVES, 1997, p. 71; BILAC, 1997, p. 90; OLIVEIRA, 1978, volume II, p. 421; CORREIA, 1948, p. 11;
CRUZ E SOUSA, 1981, p. 6; GUIMARAENS, 2001, p. 161; ANJOS, 2005, p. 31; BANDEIRA, 1993, p. 43;
ANDRADE, 2005, p. 211; ANDRADE, 1991, p. 21; ANDRADE, 2002, p. 5; MORAES, 1986, p. 61;
MEIRELES, 1997, p. 3; MENDES, 1995, p. 313; MELO NETO, 1997, p. 206; BARROS, 2010, p. 302;
FAUSTINO, 2002, p. 71; QUINTANA, 2005, p. 85; CAMPOS, 1976, p. 5; PAES, 2008, p. 121; GULLAR,
1980, p. 217; TOLENTINO, 2016, p. 53; VELOSO, 1997, p. 2; FONTELA, 2006, p. 11; PRADO, 2014, p. 9;
LEMINSKI, 1983, p. 12; CESAR, 2013, p. 17; BRITTO, 2012, p. 11; CICERO, 1996, p. 11; MARQUES, 2015,
p. 9.
36
2

37
2.1. Abordagens da síntese lírica leminskiana pela crítica literária

A síntese lírica se apresenta como um tema recorrente na crítica literária sobre a obra
de Paulo Leminski42. A origem dessa leitura está, provavelmente, em um pequeno comentário
presente em Invenção: Revista de Arte de Vanguarda, cujas páginas são editadas no começo
da década de 1960. No quarto volume do periódico, saem, nacionalmente e pela primeira vez,
os poemas do autor. Ali já incide a consciência de que o escritor realiza um trabalho sintético.
Assinada por Décio Pignatari, uma nota afirma, na íntegra:

Paulo Leminski, jovem poeta paranaense (20 anos) que se revelou na


“Semana Nacional de Poesia de Vanguarda” de B. Horizonte, combina, em
sua poesia, a pesquisa concreta da linguagem com um sentido oswaldiano de
humor. Leminski dedica-se ao estudo de idiomas (inclusive orientais) como
plataforma para suas experiências poéticas. Em Curitiba, organizou um
grupo de poesia experimental e dirige a página “Vanguarda” (Correio do
Paraná).43

Como é conhecida a história, o jovem paranaense viaja de Curitiba a Belo Horizonte, de


ônibus, para ver, em 1963, a Semana de Poesia de Vanguarda. Na capital mineira, se
aproxima de nomes relevantes da literatura brasileira de então e cria vínculos com, sobretudo,
os líderes do Concretismo. A afinidade faz com que, no ano seguinte, em 1964, publique
poemas no quarto número de Invenção, porta-voz do movimento paulista44. Tal número é
dedicado à obra de Oswald de Andrade e passa por produções de Haroldo e Augusto de
Campos, Décio Pignatari, Pedro Xisto, José Lino Grünewald, Affonso Ávila e José Paulo
Paes. A revista traz, ao final, explanações sobre os participantes do volume, contextualizações
de artes, notícias variadas. Na apresentação feita por Pignatari, vista acima, ocorre uma voz

42
Nessa parte do capítulo 2, um percurso de leitores de Paulo Leminski. A tarefa metacrítica é buscada por
outros estudos, dos quais me valho e em relação a eles procuro avançar. Cf., p. ex., André Dick (2004, tanto a
arquitetura do livro quanto os artigos), Fábio Vieira, (2010), Marcelo Sandmann (2010, p. 6-10), Lucas dos
Passos (2012), Ricardo Gessner (2013) e o “Apêndice” de Toda poesia. Por outro lado, estou distante de
considerações e procedimentos da tese de doutorado elaborada por Luciana de Moraes Sarmento Scheiner
(2014), uma vez que ela foca a representação da obra do ex-estranho na Internet – especialmente no Facebook,
no Twitter e no site Kamiquase – enquanto prefiro investigar um trajeto acadêmico-livresco, pois nele há maior
densidade teórica. Quanto ao recorte temporal, traço a recepção crítica até, aproximadamente, o ano de 2016,
data da redação dessa parte de meu trabalho, sendo que publicações posteriores foram incluídas apenas
ocasionalmente. O volume de material, a partir desses recortes, já é bastante extenso, o que também justifica
priorizar publicações brasileiras. Talvez haja quem, em outro momento, procure mapear a recepção
internacional.

43
PIGNATARI, 1964, p. 136.
44
Uma versão dos acontecimentos está na biografia escrita por Toninho Vaz (2001, página 67 e subsequentes),
informando que vem de Augusto de Campos o convite da revista. Outra biografia, a escrita por Domingos
Pellegrini (2014, p. 11), começa mostrando um impacto dos textos publicados em Invenção.
38
entusiástica, que precisa justificar a inclusão de alguém desconhecido do público
especializado para o qual se dirige o periódico. Assim, o enfant terrible é caracterizado como
estudioso de incomuns idiomas, líder de corrente literária e capaz de conjugar recursos de alta
qualidade estética. À poesia leminskiana, o signo da síntese: opera combinações, reúne
Concretismo e Oswald de Andrade, línguas orientais e língua portuguesa, discussões
paulistanas e curitibanas, bem como o legado da Semana de Poesia realizada em Belo
Horizonte.
Entretanto, é preciso compreender o que há de contingencial na pequena nota de
Pignatari. Os nós assinalados falam não apenas de Leminski, mas também sobre o olhar de
quem os notou. A junção do Concretismo com o homem do Pau Brasil expressa, em vasta
medida, aquele olhar. Cabe dizer que o antropófago já havia sido devorado pela vanguarda
visual. O “Plano-piloto para poesia concreta”, de 1958, coloca Oswald de Andrade como um
precursor, ao lado de Stéphane Mallarmé, James Joyce e João Cabral de Melo Neto 45.
Portanto, a união das gerações de 1922 e 1956 opera uma espécie de dupla demarcação de que
Leminski tem os pés cravados no solo vanguardista. Algo reforçado pelo estudo de idiomas
orientais – as mesmas línguas investidas pelos poetas visuais, muito em função da obra de
Ezra Pound – e pela criação de um grupo de poesia experimental, tornando o movimento de
Curitiba um irmão da escola de São Paulo. O Concretismo é o ângulo a partir do qual o jovem
paranaense fica observado. Irrompe daí o fato de várias outras escolas influenciadoras serem
menos enfocadas pela crítica literária. O bardo do Winterverno é sempre sinalizado como
diluidor das propostas do Modernismo de 1922 e dos Noigandres.
Em 1983, quando saem pela Brasiliense os Caprichos & relaxos, o literato ganha,
nacionalmente, o reconhecimento que deseja: poeta. O livro é sucesso de venda, recebe
resenhas dos principais jornais do país, e o escritor, normalmente lembrado devido ao
Catatau, de 1975, passa a ser tomado como um autor de versos marcantes. A edição do
começo da década de 1980 traz um prefácio de Haroldo de Campos:

Foi em 1963, na “Semana Nacional de Poesia de Vanguarda”, em Belo


Horizonte, que o Paulo Leminski nos apareceu, 18 ou 19 anos, Rimbaud
curitibano com o físico de judoca, escandindo versos homéricos, como se
fosse um discípulo zen de Bashô, o Senhor Bananeira, recém-egresso do
Templo Neopitagórico do simbolista filelênico Dario Veloso.
Noigandres, com faro poundiano, o acolheu na plataforma de lançamento de
Invenção, lampiro-mais-que-vampiro de Curitiba, faiscante de poesia e de
vida. Aí começou tudo. Caipira cabotino (como diz afetuosamente Julinho
Bressane) ou polilingüe paroquiano cósmico, como eu preferiria sintetizar

45
Cf. CAMPOS, PIGNATARI, CAMPOS, 1982, p. 403-405.
39
numa fórmula ideogrâmica de contrastes, esse caboclo polaco-paranaense
soube, muito precocemente, deglutir o pau-brasil oswaldiano e educar-se na
pedra filosofal da poesia concreta (até hoje no caminho da poesia brasileira),
pedra de fundação e de toque, magneto de poetas-poetas.
Das primeiras invencionices ao Catatau, da poesia destabocada e lírica (mas
sempre construída, sabida, de fabbro, de fazedor) ao verso verde-verdura da
canção trovadoresco-popular, o Leminski vem chovendo no endomingado
piquenique sobre a erva em que se converteu a neoacadêmica poesia
brasileira de hoje, dividida entre institucionalizadas marginalidades plácidas
e escoteiros orfeônicos, de medalhinha e braçadeira. E é bom que chova
mesmo, com pedra e pau-a-pique. Evoé Leminski!46

O prefaciador estava no grupo que organizava a Invenção; figurou na capa do volume quatro
do periódico, aquele que trazia os primeiros versos do então jovem paranaense. A alusão à
revista, bem como à Semana de Poesia de Vanguarda, sugere que o criador de Galáxias
recorre ao comentário crítico escrito por Décio Pignatari. A semelhança entre os textos é
grande. Contudo, Haroldo, até por contar com um pouco mais de espaço do que permitia a
Invenção, consegue trazer novas contribuições à crítica.
Enquanto em 1964 incide o termo “combina”, em 1983 é dito “preferiria sintetizar
numa fórmula ideogrâmica de contrastes”. Evidentemente, não é usada ipsis litteris a
“síntese” para se referir à poética leminskiana, porém essa ideia impregna a introdução.
Ademais, não chegam a ser tão aproximadas perspectivas de esvaziamento, ou de uso de
recursos mínimos, ou talvez elas sejam cotejadas nas referências a Oswald de Andrade e
Matsuó Bashô; o polemista de O sequestro do Barroco prefere, com maior intensidade, avisar
que os Caprichos & relaxos criam junções de opostos (“caipira cabotino”, fabbro e popular) e
reuniões do diverso (Rimbaud curitibano que estuda Homero, discípulo de Bashô e membro
do templo neopitagórico, “polilingüe paroquiano cósmico”, “caboclo polaco-paranaense”). A
rede de influências sofrida pelo judoca, amalgamada por Haroldo de Campos, comunica
muito bem a pluralidade: além de Rimbaud, Homero e Bashô, estão Dario Veloso, Ezra
Pound, Dalton Trevisan (o “vampiro de Curitiba”), Júlio Bressane, Oswald de Andrade
(retomando uma tópica iniciada por Pignatari), Concretismo, Trovadorismo, música popular.
A inclusão de autores do Plano-piloto e o tom dessa mesma inclusão demonstram
pouca modéstia. Décio procurou avizinhar Leminski e os Noigandres, quando demarcou a
influência do movimento sobre o enfant terrible. Mas agora saltam aos olhos sentenças como

46
CAMPOS, 1983, p. 7. O texto depois reaparece em A linha que nunca termina e Toda poesia. Outras
apresentações – p. ex. orelhas, prefácios breves, quarta capa – abordam, variadamente, a síntese lírica. Cf.
Caetano Veloso (1983 e 2013); Alice Ruiz (1991, 1994, 1996, 2001, 2009, 2013a, 2013b e 2013d); Arnaldo
Antunes (1994 e 2001); Rodrigo Garcia Lopes (1994 e 2001); Wilson Bueno (1996, 1999, 2009 e 2013); Delmo
Montenegro (2004); Guilhermino Domiciano (2004); Elson Fróes (2006) e Paulo Ribeiro (2009).
40
“Aí começou tudo”, consoante à autoproclamada “pedra filosofal da poesia concreta (até hoje
no caminho da poesia brasileira), pedra de fundação e de toque, magneto de poetas-poetas”,
sentenças essas aliadas ao nome “Invenção”. As lendárias pedras filosofais, de acordo com o
pensamento alquímico medieval, teriam o poder de transformar metal em ouro: supostamente,
Haroldo assim imagina a pedra concreta, o Magnus Opus que teria metamorfoseado
Leminski, metal inferior, em um poeta que obteve o elixir da longa vida literária. Excede no
autor de A máquina do mundo repensada o ímpeto vanguardista, um gosto por dizer que está
inventando ou repensando a roda. Gesto tradicional na modernidade: desejo de ruptura. Em
1980, a pretensa novidade parece o caducar de 1956, essa diluição da diluição de 1922, que
vem a reboque do Futurismo, que se baseia, com extremo passadismo, nos exageros do Sturm
und Drang. Expressões consoantes à “pedra de fundação” pulsam de uma egolatria descabida,
e a própria estruturação dos parágrafos assinala a ideia de que o grupo Invenção teria moldado
o pensamento leminskiano: no primeiro parágrafo, o moleque de dezoito anos fazendo textos
pouco ajustados à época, preocupado com a desvalorizada estética de Dario Veloso; em
seguida, Noigandres acolhe o rapaz, “Aí começou tudo” e ele finalmente é “educado”; por
fim, Evoé, Leminski, aquele que recebe o sangue novo em suas veias e lança os seus
Caprichos & relaxos.
Grande parte dos estudiosos há muito procura reforçar a ideia de que a pedra de
fundação do vencedor distraído é uma pedra de concreto. Não obstante, o “paroquiano
cósmico” é tradutor, por exemplo, de poemas egípcios, em Fogo e água na terra dos deuses;
ensaísta dedicado ao universo grego antigo, em Metaformose; e, em Jesus a. C., analista da
influência literária das parábolas do Carpinteiro. Evidentemente, os antiquíssimos egípcios,
gregos e cristãos são muito mais “pedras de fundação” do que os concretos de ontem; apesar
de textos como a Epopeia de Gilgámesh colocarem em dúvida até mesmo a condição
fundacional de Homero47. No âmbito individual, desde seu ingresso no seminário menor,
Leminski está interessado em poesia: os salmos bíblicos e o canto gregoriano já marcam as
investidas intelectuais do estudante48. Assim, os Noigandres não podem ser vistos como o
princípio de Leminski, e muito menos como a aurora da tradição literária.
A desproporcional atenção colocada sobre os Noigandres é devida, em meio a
multíplices fatores, à importância de Haroldo de Campos no cenário da Literatura Brasileira
da segunda metade do século XX. O livro que ele prefacia alcança uma enorme vendagem, e

47
Sobre Gilgamesh, cf. o texto do Prof. Jacyntho Lins Brandão (2014) e sua tradução Ele o abismo viu.

48
Cf., p. ex., VAZ, 2001, p. 33-50.
41
jornais e revistas dedicam notícias. Uma das estudiosas que faz a recepção da obra em
periódico é Leyla Perrone-Moisés, que formula: “Leminski, samurai malandro”, para o
caderno Cultura, de O Estado de S. Paulo, em 1983; e “Leminski, tal que em si mesmo”, para
a Revista USP, de 1989, quando o cachorro louco falece49. Ambas as produções são reunidas
em Inútil poesia, de 2000, e, depois, reaparecem, juntas, em Toda poesia, em 2013.
Lembrando que são, portanto, da década de 1980 as redações dos ensaios – obtendo o
primeiro deles o maior impacto –, vale destacar que a pesquisadora, nessa época, já é
reconhecida. À sua tese de doutorado – Falência da crítica, lançada no começo dos anos 1970
– boas aceitações. Neste mesmo período, quando realiza pesquisas na França, Perrone-Moisés
ganha acolhida de Roland Barthes, Julia Kristeva e Tzvetan Todorov, pensadores que ressoam
na sua maneira de escrever. Assim, nos anos 1980, utilizando um estilo acadêmico e poético,
as resenhas da escritora de Altas literaturas são amplamente respeitadas, apesar de polêmicas
e, por vezes, contestadas.
Nos dois ensaios, comparece o estilo pós-estruturalista, aliado a uma interpretação
centrada no texto poético. Leyla Perrone-Moisés, mais do que Décio Pignatari e talvez mais
até do que Haroldo de Campos, mostra, desde os títulos de seus artigos, a importância da
síntese. Embora tomada como um conceito monovalente, a concepção organizadora é
matizada nas considerações da estudiosa. Uma das perspectivas possíveis é a de que o vazio
corresponde a um procedimento importante para o poeta:

Do rio de palavras, Leminski se ri, e à verborragia desatada ele pede,


exigente, um momento de silêncio. Para bom entende-dor, meia palavra
raspa; e para bom gozador, uma piscada basta. Leminski já foi e já voltou, e
quem não percebe a inteireza de suas meias palavras ainda nem saiu de
casa.50

49
Os diálogos de críticos com os ensaios dimensionam a repercussão destes. Cf., p. ex., Alessandra Siqueira
Santos (2004), Marcelo Sandmann (2010), Elizabeth Rocha Leite (2012), Lucas dos Passos (2012), Ana Érica
Reis da Silva Kühn (2013) e Toda poesia. Dinarte Albuquerque Filho (2009) chega a batizar de “Leminski: o
‘samurai-malandro’” o seu livro. Além de Perrone-Moisés, outros textos de jornais e revistas podem ser
mencionados nesse caminho de recepção. Cf. Domingos Pellegrini (1983), Philadelpho Menezes (1987),
Antônio Risério (1989), Rodrigo Garcia Lopes (1989, 1996 e 1997), Frederico Barbosa (1990), Régis Bonvicino
(1991; 1996; 1999, p. 203-204; 214-215; 217-218; 223-225, 226-228; 229-231), Miguel Sanches Neto (1995 e
1996), José Castello (1996), Josely Vianna Baptista (1996), Martha Mamede Batalha (1996), Nelson Ascher
(1996), Daniela Mata Machado (1999), Norma Couri (1999), Fabrício Marques (2001 e 2011), Altino Filho
(2013), Heitor Ferraz Mello (2013) e José Miguel Wisnik (2013).
50
PERRONE-MOISÉS, 2013, p. 397.
42
O momento de silêncio é pedido. A ausência de som, notada por Perrone-Moisés, de fato
participa com potência dos versos de Caprichos & relaxos. Essa é uma conformação do zero,
do nada, uma das variantes da síntese.
Outro caminho é o breve, o quase-nada, a “meia palavra”, “uma piscada basta”, “a
inteireza de suas meias palavras”. Intensificando o viés:

A forma breve não é um valor em si; o breve pode ser apenas pouco. (...) A
forma breve, por ele cultivada, oferece grandes riscos. O breve pode ser
apenas pouco, o menos obtido por subtração. O grande poema breve é
concentração sem perda, o máximo no mínimo.51

Considerando que as duas partes do trecho acima são retiradas, respectivamente, do ensaio de
1983 e de 1989, chega a haver certa repetição de ideias. No entanto, a autora sinaliza com
precisão duas dimensões do breve: o apenas pouco e o máximo no mínimo. A crítica coloca o
seu sinal de positivo na alternativa segunda, valorizando a densidade, a capacidade de
concentrar o excesso no escasso. Entretanto, a primeira variante também é utilizada ao longo
de Toda poesia. Por vezes, o texto leminskiano não se concentra com vigor, recusando fazer
mais com menos, mas deixando tudo em um morno mais ou menos. Por outro lado, assim
como Décio e Haroldo leem as obras do “discípulo”, observando o que nelas há de
Concretismo, a barthesiana, narcísica, se vê no cosmopolita sintético: Perrone-Moisés e
Leminski querem em poucas linhas dizer bastante. O livro, onde são reunidos quarenta e três
ensaios da escritora, soma cerca de trezentas e cinquenta páginas. O número médio de folhas
por texto é baixo. A concentração, enquanto máximo no mínimo, constituiu uma poética de
Inútil poesia e do inventor de que poesia é um inutensílio.
Fora o zero e o breve, Perrone-Moisés ressalta a junção dos opostos, um par. Um dos
títulos já diz: “samurai malandro”. A professora explica:

Samurai e malandro, Leminski ganha a aposta do poema, ora por um golpe


de lâmina, ora por um jogo de cintura. (...) Leminski é samurai em seus
caprichos e malandro em seus relaxos. Mas entre caprichado e caprichoso,
entre relaxamento e relaxo, “entre a pressa e a preguiça”, há comunicações e
passagens. (...) Ao assumir seu provincianismo, o poeta deixa de ser
provinciano, porque provinciano é justamente aquele que nem desconfia. (...)
Internacional e provinciano, Leminski é brasileiríssimo. (...) Ostentando as
insígnias da contracultura, ele era um poeta culto (...).52

51
PERRONE-MOISÉS, 2013, p. 397 e 402.
52
PERRONE-MOISÉS, 2013, p. 397-403.
43
A ensaísta nota que binomias formam a poética de Caprichos & relaxos. A junção dos golpes
de lâmina – talvez em alusão também à poesia de João Cabral – de samurai caprichoso com os
jogos de cintura de malandro relaxado. Esses jogos, entre outros aspectos, evidenciam o
nacional. O poeta “brasileiríssimo” está operando um raciocínio celebrado por Antonio
Candido, para rememorar aqui a dialética da malandragem53. Leyla Perrone-Moisés, a seu
turno, adota um percurso ambíguo, oscilando, por assim dizer, no convívio da ordem com a
desordem. Sua livre-docência, defendida em 1975, na Universidade de São Paulo, é intitulada
A crítica-escritura (um discurso dúplice). Já nos ensaios sobre Leminski, ficam bem evidentes
traços simultaneamente poéticos e acadêmicos do fazer crítica-escritura; por exemplo,
enquanto diz que ele ostenta as insígnias da contracultura ao ser culto, a ensaísta ostenta uma
escrita lírica ao fazer análise.
Mas nem só de binomias viveram os autores. Perrone-Moisés destaca o traço de
reunião do diverso, presente no curitibano:

Leminski era transcultural: polonês, caboclo, “japonês”, malandro e samurai,


provinciano e internacional. (...) A multiplicidade de tarefas, de línguas, de
gêneros, de veículos em que ele circulava deixa, paradoxalmente, a
lembrança de uma inteireza: a integridade de uma vocação de poeta que ele,
obstinadamente, cumpriu.54

Essa multiplicidade, aliás, é notada nas diversas influências sofridas pelo escritor. Além da
dicção cabralina, sugerida pela imagem da (faca só) lâmina samurai – imagem que
conjuntamente remete a Matsuo Bashô –, Leminski teria ouvido a lição do Plano-piloto,
possuído uma vivência beatnik e de filosofia zen, sonhado com Homero, imaginado ser
Arthur Rimbaud e Fernando Pessoa, se construído discípulo de Oswald de Andrade. O
repertório traz referências frisadas por Décio Pignatari e Haroldo de Campos, e avança, como
na alusão ao movimento beat e ao ortônimo de Mensagem. Afinal, a resenhista de O Estado
de S. Paulo utiliza mais linhas do que os concretistas, embora reafirme os repertórios por eles
indicados e também procure uma dicção sintética, semelhante à notada nos breves fragmentos
escritos pelos criadores de Poesia pois é poesia e Xadrez de Estrelas. Contudo, Perrone-
Moisés ainda circunscreve uma trajetória limitada, considerando a profusão de caminhos
percorridos por aquele que foi tal qual si mesmo e semelhante a muitos outros.

53
Cf. CANDIDO, 1993.
54
PERRONE-MOISÉS, 2013, p. 402 e 403.
44
Anos depois, em 1996, fazendo uso, entre certas fontes, das discussões de Leyla
Perrone-Moisés, Fabrício Marques defende um dos primeiros trabalhos acadêmicos acerca de
Paulo Leminski. O mestrado, orientado por Maria Zilda Ferreira Cury, é desenvolvido na
Universidade Federal de Minas Gerais, abrindo na instituição um legado leminskiano. Em
2001, Aço em flor sai em livro, com modificações55. Na primeira década do século, existem
poucas investigações sobre o pai do Catatau, sendo a maioria voltada a este romance56. A
escolha, quando o poeta e publicitário paranaense é pouco aceito academicamente, assinala o
olhar híbrido do pesquisador: graduado em Jornalismo, pela Universidade Federal de Juiz de
Fora, com mestrado e doutorado em Estudos Literários, pela UFMG, a binomia de
Comunicação Social e Literatura atravessa a formação e a atuação desse autor, finalista do
Jabuti de Reportagem e Documentário com Uma cidade se inventa: Belo Horizonte na visão
de seus escritores57. Quanto ao Aço em flor, nele são alocados panoramas que marcam os
leitores. Parte importante da bibliografia referencia o estudioso 58. Em particular, dois aspectos
frisados pelo crítico merecem atenção: (i) a síntese como ponto central da poética de
Leminski; (ii) Bashô e o haicai, Torquato Neto e a Tropicália, o Concretismo e o Modernismo
enquanto influenciadores dos versos do vencedor distraído.
O referido eixo nodal é enfocado por Aço em flor. Dos quatro modos de observar o
conceito, congruente ao mostrado em Leyla Perrone-Moisés, Fabrício Marques privilegia a
ideia de junção dos opostos, visível desde o título da publicação, e a de reunião do diverso59.
Ao final da introdução, chamada “O anarquiteto de desengenharias”, o crítico faz uma espécie
de balanço das duas perspectivas:

55
Priorizo a versão da Editora Autêntica, uma vez que é mais desenvolvida do que a dissertação. Outros livros
sobre Leminski poderiam ser aqui referenciados. Cf. Tarso Menezes de Melo (1997); Manoel Ricardo de Lima
(2002); Dinarte Albuquerque Filho (2009); Fábio Vieira (2010) e Elizabeth Rocha Leite (2012).
56
Manoel Ricardo de Lima, em 2002, relata “Uma certa ausência de estudos teóricos sobre a obra de Paulo
Leminski no meio acadêmico” (p. 11).
57
Em conversa com outros alunos que, por volta do ano de 1995, na UFMG, estão na graduação em Letras e/ou
na Pós-Graduação em Estudos Literários, escuto relatos de que Paulo Leminski era um marginal, pouquíssimo
lido. Sobretudo devido ao traço pop, muitos intelectuais, hoje esquecidos, afirmavam que aquela poesia menor
pereceria. Ainda agora não faltam professores me questionando – mas apenas oralmente – a validade dessa lírica
mínima.
58
Para se ter uma noção, cf. Maria Esther Maciel (2001), Fábio Vieira (2010), Marcelo Sandmann (2010), Lucas
dos Passos (2012) e Ana Érica Reis da Silva Kühn (2013).
59
Vale notar, em Aço em flor, a incidência de junção dos opostos (conferir, p. ex., as p. 9, 16, 24, 43, 58, 75, 76,
106, 116 e 117) e a reunião do diverso (p. 9, 10, 17, 19, 23, 25, 29, 30, 83). A brevidade foi explorada, p. ex., nas
páginas 30, 39, 75, 93, 94, 95.
45
Os poemas de Leminski são artefatos híbridos, elaborados em um campo de
tensão que promove atritos e afetos entre códigos e linguagens: uma
mixagem entre poesia de produção (ruptura com a tradição, vanguarda,
inventiva) e poesia de consumo (continuidade, literatura); entre o ordinário e
o extraordinário, entre cotidianos reles e raros; desierarquização e
hibridização de discursos (o poético e o factual), entre materiais pobres e
nobres, alto e baixo repertórios; troca de sinais entre Ocidente e Oriente.
Para Leminski, o poeta não é um escritor. É um artista. Poesia é ação entre
códigos: todo poeta é intersemiótico.60

Embora algumas considerações sejam questionáveis – no modelo de “todo poeta é


intersemiótico”, generalização bastante discutível diante da impossível tarefa de conhecer
efetivamente todos os bardos –, o crítico observa um duplo manejo da síntese: a união do
contraditório (tensão, atrito e afeto, produção e consumo, ordinário e extraordinário, reles e
raros, pobres e nobres, alto e baixo, Oriente e Ocidente) e a aglomeração de diversos
elementos, nos quais estão até os contraditórios listados. Utilizando, por vezes, um discurso
ambíguo, ao estilo de Leyla Perrone-Moisés, entre o ensaístico e o lírico, ressalta que, na obra
leminskiana, não há uma poética monovalente, porém uma escrita poliédrica. Aliado a essa
perspectiva, o crítico reconhece traços de brevidade e de vazio. O “nada”, talvez menos
enfatizado nas páginas de Aço em flor, aparece muito sob a égide do silêncio e em referências
à mallarmaica “página em branco”61. Já a abordagem da concisão, do condensamento, do
rigor é um tanto habitual no ensaio; essa faceta recebe o nome de “poética da brevidade”,
perdurando influência de considerações de “Leminski, samurai-malandro”62.
Outro item recorrente no texto de Fabrício Marques é a percepção de autores e
movimentos que influenciam poemas do paroquiano cósmico. Considerando que Aço em flor
é composto em cinco capítulos e uma introdução, é no primeiro, “Faces de Leminski”, o
momento em que mais se volta à verificação das influências. São elaboradas seções chamadas
“Convergência com Bashô e o hai-kai”, “Convergências com Torquato Neto e a Tropicália”,
“Convergências com a Poesia Concreta”. Mas também despontam com certa frequência
discussões sobre a relação com Oswald de Andrade, bem como ponderações a respeito de
Euclides da Cunha, Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, João Cabral, Haroldo de Campos,
Augusto de Campos, Décio Pignatari, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Edgar Allan
Poe, o Romantismo alemão, o mencionado Stéphane Mallarmé, Charles Baudelaire, Olavo
Bilac, a noção de Arte pela Arte, Nazim Hikmet, Theodor Adorno, e. e. cummings, Lewis

60
MARQUES, 2001, p. 25.
61
MARQUES, 2001, p. 93.
62
MARQUES, 2001, p. 39.
46
Carroll, John Cage. Pelo repertório diversificado, é possível novamente compreender que se
testemunha o escritor poliédrico, convergente, sintetizador de influências plurais. Nesse
sentido, Fabrício Marques avança em relação aos precedentes.
No mesmo ano em que é lançado Aço em flor, Toninho Vaz publica Paulo Leminski: o
bandido que sabia latim, influente biografia. Ao longo de sua carreira, o biógrafo se dedica
ainda às histórias de Torquato Neto, Darcy Ribeiro e Santa Edwiges, apontando para uma
espécie de proposta de escrita. O tomo aqui enfocado – embora não siga um viés acadêmico,
tampouco chegue a se propor enquanto exercício de reflexão estética – constrói um lugar
importante na crítica relativa ao poeta vencedor distraído63. Certifica na abertura: “Esta
biografia não pretende analisar o valor de sua obra e nem discutir a qualidade de seu trabalho
– tarefa esta que deve ser delegada a quem de direito: os críticos literários”64. O texto, de fato,
não tece muitas avaliações, conquanto sugira caminhos de leitura; deixando em paralelo,
ocasionalmente, poemas e a narrativa de vida65.
O lugar de onde fala Toninho Vaz possui outras marcas importantes. A primeira é o
prisma de um curitibano que conheceu tanto Leminski quanto elementos culturais presentes
na capital paranaense, de modo que, em muitos momentos, procura situar ambos, trazer
informações sobre o repertório regional das influências sofridas pelo cosmopolita das
araucárias. Vaz também interagiu com Alice Ruiz e é influenciado pela ex-mulher do ex-
estranho. Nas páginas iniciais, consta a dedicatória: “Para Naná, pelo amor / e Alice, pela
amizade”66. No mesmo caminho que segue o prefácio, “O tal das químicas”, onde revela que
“A ideia deste livro saiu da cabeça de Alice Ruiz”67. Em várias passagens, surgem detalhes
íntimos da autora de Navalhanaliga, suas reflexões subjetivas. Caberia até problematizar a
autonomia do discurso; ressoam perguntas quanto à sombra de Alice Ruiz na narração do
biógrafo, uma vez que ela desfruta de excessiva cordialidade68. Fico a me perguntar quais

63
Toninho Vaz chega a fazer, com amenidade, análises, como ao dizer que recursos leminskianos “traziam a
marca registada do novo, em detrimento do belo” (VAZ, 2001, p. 183); ou quando fala do “estilo sucinto” (p.
239).
64
VAZ, 2001, p. 7.
65
Cf., p. ex., VAZ, 2001, p. 27 e 189.
66
VAZ, 2001, p. 5.
67
VAZ, 2001, p. 13.
68
Cf. p. ex., VAZ, 2001, p. 97-100. Nessa sequência, Alice Ruiz manifesta que “sabia, de alguma forma
misteriosa, que tínhamos feito um filho”, cantarola “o que a gente não faz por amor?!...”, declara que ficou fora
do uso de drogas, e percebeu que estava se transfigurando em mãe sem que o pai estivesse perto de ser um pai.
Alice Ruiz, em momentos assim, beira a canonização. Cf. ainda as p. 105-106, 120, 129, 161, 167, 212, 230,
47
apagamentos são realizados em nome da amizade anunciada na dedicatória. Assim, é
necessária, o quanto antes e com vigor, uma voz biográfica forte e dissonante, a fim de que o
plurifacetado não esteja submetido a uma máscara mortuária monovalente69.
De toda maneira, o livro traz contribuições importantes. Desde o subtítulo, “o bandido
que sabia latim”, o conceito de síntese é aplicado e o sujeito civil & personagem Paulo
Leminski é construído por meio da fórmula sintética que vem se estabelecendo a partir de
Décio Pignatari, passando por Haroldo de Campos e Leyla Perrone-Moisés70. O “mito” que se
edifica é de “um especialista em generalidades”; descendente de poloneses, portugueses,
africanos e indígenas. Nasce em Curitiba, a cidade de fala “seca e concisa”; vive em tempos
que “trariam brisas aromáticas e poeiras radioativas numa mesma lufada durante as décadas”;
na época de seminarista, mora em uma cela monástica que ostenta o despojamento material; e,
ainda membro da Ordem de São Bento, coleciona imagens de mulheres nuas. Um pouco
depois, quando Alice Ruiz fica grávida, o casal sente alegria e apreensão. Em geral, o ex-
esposo “ou se interessava por temas muito populares ou muito eruditos”; “era erudito e
popular, arrogante e humilde, carinhoso e mordaz, trabalhador e preguiçoso, preto e branco”;
“uma mistura de farras e atividades culturais”; “um heterodoxo”71.
A síntese funciona como uma redução, embora antirredutora, a partir da qual Leminski
é construído personagem. O conceito fica entre os subsídios históricos e a ficcionalização, um
tanto retrospectiva, organizada em função de discursos críticos – alguns tecidos pelo próprio

267, 271, 274, 289, 293. Em contraponto, instantes, bem menos numerosos, mostram outras facetas de Alice
Ruiz. Cf. p. 138-139 e 152.
69
Outras informações biográficas sobre Leminski são vistas em Alice Ruiz (1989, 1994a, 1994b e 1994c),
Berenice Mendes (1989), Helena Kolody (1989 e 1994), Jaques Brand (1989 e 1999), José Maria Correia (1989),
Josely Vianna Baptista (1989 e 1996), Nautilio Portela (1989), Paulo Teixeira (1989), Peggy P. Distéfano
(1989), Sérgio Silbel Soares Reis (1989), Wilson Bueno (1989 e 1994), Antônio Tadeu Wojciechowski (1994),
Fabiano Camargo (1994a e 1994b), Ivo Rodrigues (1994), José Carlos Fernandes (1994 e 1999), Rodrigo Garcia
Lopes (1994 e 2004), José Miguel Wisnik (1994), Marcos Prado (1994), Moraes Moreira (1994), Alberto Puppi
(1996), Guilherme Mansur (1996), Régis Bonvicino (1996), Paulo Camargo (1999), Carlos Ávila (2004 e 2013),
Marcelo Tápia (2004), Neuza Pinheiro (2004), Toninho Vaz (2004), Jayro Schmidt (2006), Júlio César Suzuki
(2007) e Domingos Pellegrini (2014). Esses, no entanto, não possuem a mesma intensidade de “O bandido que
sabia latim”, além de o livro utilizar muitos dos relatos citados. Para observar na imprensa o impacto da
publicação de Vaz, cf., p. ex., Armando Antenore (2001) e Jotabê Medeiros (2001). Minhas lembranças de
Leminski, de Domingos Pellegrini, no entanto, rivaliza um pouco com o texto de Vaz. Cf. a resenha de Ricardo
Gessner (2015).
70
Nesse sentido, por dados apresentados por Toninho Vaz, é relativizada a hipótese de que Leminski primeiro é
publicado na revista Invenção. Vaz menciona “aquele que teria sido o [primeiro livro escrito por Leminski]: as
biografias dos principais santos da Ordem [de São Bento]” (p. 41). Ademais, “Aos 17 anos publicava crônicas e
poesias no boletim do Colégio Estadual do Paraná” (p. 55). Não obstante, a relevância de Invenção está além.
Quanto ao subtítulo, Vaz o retira de uma fala do amigo biografado, vista na p. 151.
71
As citações feitas são retiradas, respectivamente, de VAZ, 2001, p. 13; 19-22; 56; 23; 35; 42 e seguintes; 122;
66; 182; 83; 194.
48
autor-mito. Afinal, o subtítulo “O bandido que sabia latim” é retirado de uma fala do
biografado. Cabe sugerir, em meio a outros assuntos, a possibilidade de Paulo Leminski ter
influenciado até mesmo a composição da nota criada por Décio Pignatari para a revista
Invenção. As conversas entre os dois, os dias que passam juntos em Belo Horizonte, as
interações com membros do grupo concretista: tudo influencia na redação da nota. Não se
trata de uma recepção feita completamente a posteriori, sem que o ex-marido de Ruiz
influísse na elaboração do texto que o apresentou. Tampouco o conceito de síntese deve ser
dissociado do escritor e legado tão-só à crítica. O poeta, um debatedor de si. Esse viés
autoconsciente pode ser depreendido da leitura dos poemas, já que neles há um raciocínio
metacrítico, um exercício de reflexão sobre a escrita. Se esse sujeito metalinguístico interage
com alguns de seus comentaristas – Décio, Haroldo, Vaz –, a consciência acerca da obra
analisada resulta também da autoconsciência.
Além de ajudar a aprofundar as discussões em torno da redução estrutural, a narrativa
de vida cria um abundante painel das interações estabelecidas por uma personagem tão
poliédrica. Não se pode dizer que a biografia tece apenas uma rede de influências,
personalidades que marcaram a poesia leminskiana; entretanto, em medidas larguíssimas, Vaz
desenvolve uma lista de nomes com o quais o cachorro louco interage por inúmeros gestos, da
briga aberta à angústia da influência72. A extensão da lista talvez sugira, ademais, o fato de “O

72
Perdoe, leitor, a tabela excessiva, mas ela consegue mostrar a vastidão de interações possíveis – e inesgotadas.
Toninho Vaz não escrutina, efetivamente, as relações textuais estabelecidas entre a obra leminskiana e cada um
dos elencados. Na verdade, segue indicando os vários convívios que o sujeito civil constrói com o rol. Por mim,
este foi estabelecido, em maior ou menor medida, na ordem de aparecimento dos autores em “O bandido que
sabia latim”. Importante frisar que, ao final da biografia, consta um índice onomástico, porém ele não dá conta
de todas as pessoas mencionadas, deixando de fora, p. ex., Charles Baudelaire. Diante da ausência, acredito que
esta nota-catálogo aqui se justifique. Se quiser evitar vertigem, ou mesmo sono, ignore as próximas linhas: Bob
Dylan, Rita Lee, Caetano Veloso, Moraes Moreira, Itamar Assumpção, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes,
Ângela Maria, Jean-Paul Sartre, Jack Kerouac, Oswald de Andrade, Raul Bopp, Mário de Andrade, Tarsila do
Amaral, Guimarães Rosa, Padre Antônio Vieira, Luís de Camões, Homero, Antero de Quental, Euclides da
Cunha, São Bento, a Bíblia (especialmente os salmos), Baruch de Spinoza, Santo Agostinho, Giordano Bruno,
Telêmaco, François-René Chateaubriand, Platão, Virgílio, Salústrio, São Jerônimo, Champollion, Dario Vellozo,
Pitágoras, a dupla sertaneja Nhô Belarmino e Nhá Gabriela, os palhaços Chic-Chic e Otelo Queirolo, Poty
Lazarotto, Cacaso, Dalton Trevisan, Dante, Helena Kolody, Luiz Felipe Ribeiro, Maiakovski, Walt Whitman,
Ezra Pound, Affonso Ávila, Affonso Romano de Sant’Anna, Décio Pignatari, Pedro Xisto, Waldemar Cordeiro,
Roberto Pontual, Luiz Costa Lima, Augusto de Campos, José Lino Grünewald, Boris Schneiderman, Marcel
Duchamp, Anton Webern, Lezama Lima, Stéphane Mallarmé, Sousândrade, Cruz e Sousa, Almeida Garret,
Marcial, Joachim du Bellay, John Done, Robert Browning, Edgar Allan Poe, Volpi, Guilherme de Almeida,
Elvis Presley, Roberto Carlos, John Coltrane, Jean-Luc Godard, Alan Wats, Teitaro Suzuki, Thomas Merton,
Lewis Carroll, James Joyce, Haroldo de Campos, Jimi Hendrix, Janis Joplin, François Truffaut, Carlos
Drummond de Andrade, Oswald Spengler, John Cage, Allen Ginsberg, Leon Trótski, Gilberto Gil, Os Mutantes,
Nara Leão, Tom Zé, Gal Costa, Capinam, Rogério Duprat, Pier Paolo Pasolini, Glauber Rocha, Hélio Oiticica,
Chico Buarque, Sylvio Back, Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Alfred Hitchcock, Wlademir Dias Pino,
Lupe Cotrim, Adonias Filho, René Descartes, Tim Maia, Paulinho da Viola, Charles Peirce, Marshall McLuhan,
Otto Maria Carpeaux, Timothy Leary, Julles Laforgue, Santo Tomás de Aquino, Charles Baudelaire, Jorge
Mautner, Joe Cocker, Rolling Stones, Sônia Braga, Aldous Huxley, Antônio Marcos, Rose Marie Muraro, Adam
Smith, John Lennon, Geraldo Carneiro, Léo Gilson Ribeiro, Julio Cortázar, Cabrera Infante, Eduardo Milán,
49
bandido que sabia latim” não almejar um percurso crítico-acadêmico, o qual, comumente,
exige uma fala precisa; diante de um repertório de fronteiras tão distantes, discutível se todo
escritor não teria um catálogo – que tanto é passado como presente, alto e baixo, culto e
popular – sem que grande parte dos nomes elencados interfira esteticamente. O rol chega a
apontar núcleos de força: as literaturas universal (notadas ausências importantes, William
Shakespeare entre elas), brasileira (sobretudo o Barroco, o Parnasianismo, o Simbolismo, o
Período Eclético, o Modernismo, o Concretismo, os Marginais, o Tropicalismo e ainda algo
das gerações de 1980 e 1990), portuguesa (maiormente Camões e Pessoa), japonesa (muito
ligada ao haicai) e latino-americana (de verve construtivista e neobarroca); a MPB (em
especial vinculada ao Tropicalismo), o rock (com uma preferência por bandas notáveis,
Beatles e Stones, e por Bob Dylan), a música erudita (sendo John Cage o mais recorrente); o
cinema (com forte pendor para a virada dos anos 60); a filosofia (p. ex., a religiosa medieval,
além das tensões com ela, como Sartre e Descartes, sem falar nas presenças tanto de Karl
Marx quanto de Adam Smith). Com a dilatação do repertório, muitas ligações são
estabelecidas por Toninho Vaz; por outro lado, não há tanta sistematização de quais
influências são mais fortes, embora Oswald e o Concretismo, presentes desde as indicações de
Décio Pignatari, permaneçam vigorosos.
Os que se voltam para a lírica do afro-polaco também seguem uma crescente: o
escritor e sua obra são recebidos em revistas literárias, ganham prefácios críticos, resenhas
jornalísticas, estudos acadêmicos cada vez mais frequentes, biografias 73. Nessa expansão, em

Maria Bethânia, Pagu, Jom Tob Azulay, Duda Machado, Vinícius de Moraes, Waly Salomão, Sebastião Uchôa,
Domingos Pellegrini, Emiliano Zapata, Reinaldo Jardim, Buda, Millôr Fernandes, Márcio Borges, Milton
Nascimento, Karl Marx, Régis Bonvicino, Antonio Risério, Walter Franco, Olavo Bilac, Fernando Pessoa, Vitor
Hugo, José Celso Martinez Corrêa, Cora Rónai, Novos Baianos, Antônio Cícero, Marina Lima, Fred Góes,
Arrigo Barnabé, Luis Schwarcz, Bob Marley, Antonin Artaud, Caio Graco Prado, John Fante, Alfred Jarry,
Petrônio, Yukio Mishima, Lawrence Ferlinghetti, Charles Bukowski, Jesus, Roman Jakobson, Antônio Callado,
Thiago de Mello, Fernando Sabino, Josely Vianna Baptista, Sex Pistols, Mário Quintana, Werner Schumann,
José Miguel Wisnik, Sérgio Paulo Rouanet, Marilena Chauí, Adauto Novaes, Frank Zappa, Legião Urbana,
Renato Russo, Cid Campos, João Cabral de Mello Neto, John Ford, Woody Allen.
73
Pensando nas abordagens da síntese lírica por artigos isolados, publicados em livros, outros textos podem ser
mencionados. Cf. Flora Figueiredo (1988), José Maria Cançado (1988), Mário Sérgio Conti (1988), Régis
Bonvicino (1999, p. 9-10; 1999, 17-26), Fred Góes e Álvaro Martins (2002), Elson Fróes (2004), Marcus
Vinícius de Freitas (2005), Genilda Azerêdo (2010), Aurora Fornoni Bernardini (2012), José Miguel Wisnik
(2013), Wilberth Salgueiro (2013).

Quanto aos anais de congressos e revistas acadêmicas, cf. Angélica Soares (1989); Carlos Ávila (1989 e 1999);
Denise Azevedo Duarte Guimarães (1989); Lucio Agra (1994); Wilberth Salgueiro (1994, 2006 e 2011);
Fabrício Marques (1996 e 1998); Marcelo Sandmann (1996 e 2009); Ana Maria Abrahão dos Santos Oliveira
(1997); Régis Bonvicino (1999, p. 232-237); Alexandre Moraes (2002); Letícia Queiroz de Carvalho (2006);
Robison Benedito Chagas (2006); Maria Esther Maciel (2006); Bruna Paola Zerbinatti (2007 e 2008); Lidiane
Alves do Nascimento (2008 e 2014); Paraguassu de Fátima Rocha (2008); Laís Danielle Neman Santana e
Rosana Gonçalves (2009); Elisa Tonon (2010 e 2015); Robson Coelho Tinoco (2010); Lidiane Alves do
50
2004, por ocasião dos 60 anos de nascimento do poeta, sai a antologia A linha que nunca
termina: pensando Paulo Leminski. Devido ao caráter multifacetado da coletânea, ela avança
a recepção. Agora um único volume contém aproximadamente cinquenta produções bem
diversificadas: fragmentos textuais do paranaense, fotos, cronologia da vida, importante
reunião-lista de grande parte da bibliografia feita por Leminski e pela crítica sobre ele,
depoimentos de pessoas que o conheceram, poemas com homenagens, letras de música,
caricatura, ensaios analisando desde prosas até versos, passando por biografias e ensaios,
vendo ainda a repercussão na internet, as traduções que realizou, sem falar nos textos
panorâmicos. Desse conjunto poliédrico, são destacáveis, a partir de meus interesses, os
escritos de Eduardo Milán, Carlos Ávila, Ademir Assunção, Rodrigo Garcia Lopes, André
Dick, Mário Alex Rosa, Fabiano Calixto, Maria Esther Maciel, Fabrício Marques, Ricardo
Aleixo, Solange Rebuzzi e Antonio Risério.
Entre os doze nomes, estão André Dick e Fabiano Calixto, organizadores do livro. Os
dois, escritores e pesquisadores de poesia, são filiados a uma ou duas gerações posteriores a
Leminski, estando ligados aos anos 1990 ou 2000. O gesto de estruturarem uma seleta
dirigida ao cachorro louco – poeta vinculado aos anos 1960, 70 e 80 –, coloca os antologistas
próximos de um determinado ponto da tradição, um movimento de sinalização do lugar de
fala. Vale lembrar que o mestrado e o doutorado de André Dick abordam Mallarmé; ao passo
que o mestrado de Fabiano Calixto discute Torquato Neto. Tanto o francês oitocentista quanto
o tropicalista brasileiro são referências importantes em Paulo Leminski e são inclusos, por
exemplo, no catálogo criado por Toninho Vaz – o que, dada a extensão da lista, não é de se
admirar. Esse fato ajuda a compreender o repertório de interesses dos construtores de A linha
que nunca termina. A arquitetura de autores escolhidos para a composição do livro também
marca o direcionamento. Há intenções como a de procurar cobrir o maior número possível de
gêneros textuais pelos quais circula o paroquiano cósmico. A pluralidade buscada indica a

Nascimento e Solange Fiuza Cardoso Yokozawa (2011); Lucas dos Passos e Wilberth Salgueiro (2011); Rosimar
Araújo Silva (2011); Alex Fogal (2013); Lívia Mendes Pereira (2013); Lucas dos Passos (2013 e 2017); Rodrigo
Michell dos Santos Araújo (2013); Cláudio José de Almeida Mello (2014); Rafael Fava Belúzio (2014); Ana
Luiza Fernandes, Ana Paula Vitório e João Queiroz (2015); Lívia Mendes Pereira e Brunno Vinicius Gonçalves
Vieira (2015); Paulo Cesar Ferreira Soares e Wellington Gomes de Sousa (2015).

Além de A linha que nunca termina, o livro A pau a pedra a fogo a pique: dez estudos sobre a obra de Paulo
Leminski, organizado por Marcelo Sandmann, merece destaque. Dessa obra, no que toca em especial a síntese
lírica, cf. os artigos de Adalberto Müller, Charles Perrone, Guilherme Gontijo Flores, Marcelo Sandmann,
Maurício Mendonça Cardozo, Paulo Franchetti (sendo que este autor está aqui reproduzindo um artigo antes
publicado no livro Haikai: antologia e história) e Susana Scramin. Cf. ainda o texto de Rosimar Araújo Silva
(2014), resenha de A pau a pedra a fogo a pique. Por fim, importante mencionar obras mais gerais, histórias da
literatura, antologias e mesmo artigos panorâmicos. Cf. Alfredo Bosi (1994), Danilo Lôbo (1994), Afonso
Henriques Neto (2009), Rodolfo Witzig Guttilla (2009a e 2009b) e Wilberth Salgueiro (2013).
51
compreensão de Dick e Calixto sobre a síntese, bem como o feixe de influências literárias
recebidas por aquele que (não) é (apenas) tal qual si mesmo.
Observando somente os doze analistas mencionados acima, em todos eles, a síntese
lírica é, de algum modo, referendada e as influências indicadas por eles abrem muito o leque.
A se destacar um crítico, merece referência o trabalho do doutor em Mallarmé. Ele assina a
apresentação, organiza a antologia e inclui nela uma dupla de textos. Em ambos, estabelece
uma tradição de leitores da poesia leminskiana: Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Leyla
Perrone-Moisés, Fabrício Marques, Maria Esther Maciel e Toninho Vaz. Paralelamente, Dick
reforça as ideias de que (a) Leminski opera sínteses e (b) reúne um repertório diversificado,
passando por Homero, Horácio, Ovídio, Marcial, Catulo, Dante, Bashô, Vieira, Goethe, Lord
Byron, Rimbaud, Jules Laforgue, Tristan Corbière, Debussy, Mallarmé, Cruz e Sousa, Dario
Velloso, Sousândrade, Kilkerry, Hemingway, cummings, Blaise Cendrars, James Joyce, Ezra
Pound, Roman Jakobson, Paul Celan, Fernando Pessoa, Guilherme de Almeida, Drummond,
Graciliano Ramos, João Cabral, Guimarães Rosa, Beatles, Lennon, Rolling Stones,
Tropicalismo, Roland Barthes, Julia Kristeva, Michel Foucault, John Cage, Pierre Boulez,
além das recusas de Thiago de Mello e Ferreira Gullar.
Após a publicação de A linha que nunca termina, em 2004, e, principalmente, após o
lançamento de Toda poesia, em 2013, a recepção crítica sofre uma espécie de boom. Nesse
momento, chega a ser difícil apontar linhas de força seguidas pelos estudiosos. São meus
pares, o que talvez turve a percepção. Lembra Giorgio Agamben, em O que é o
contemporâneo: não constitui tarefa amena perceber o hoje no hoje. Entretanto, se me permito
considerações – ainda que mínimas e precárias – sobre os leitores acadêmicos, convém
partilhar certos dados: (i) a existência de conjuntos de pesquisadores com metódico interesse
sobre Leminski, com destaque para os trabalhos da Universidade Federal do Espírito Santo,
em grupos de estudo em torno de nomes como Wilberth Salgueiro; (ii) a tendência ao
comparatismo, nem sempre aprofundado com sucesso; (iii) a repetição da tópica “literatura e
sociedade”, tendendo a tornar apenas esquerdista o ex-colunista da Veja; (iv) o privilégio do
Concretismo e do Modernismo de 1922 como influências leminskianas; (v) um caudaloso
debate sobre a relação de Leminski com a Poesia Marginal; (vi) muitos estudos sobre o
humor; (vii) poucos sobre o ritmo74.

74
Considerando, no geral, teses e dissertações que, de alguma forma, passam pela discussão sobre a síntese
lírica, cf. Fabrício Marques (1996 e 2001), Robison Benedito Chagas (1998), Sandra Novaes (2003), Letícia
Queiroz de Carvalho (2004), Dinarte Albuquerque Filho (2005 e 2009), Patrícia Soares Oliveira (2005), Paula
Renata Melo Moreira (2006), Fábio Vieira (2007 e 2010), Gutemberg Alves Geraldes Júnior (2007 e 2014),
Elizabeth Rocha Leite (2008 e 2012), Nanci Maria Guimarães (2008), Rosimar Araújo Silva (2009 e 2015),
52
Diante desse panorama, prefiro fugir da estratégia de repetir o já falado, sem ignorar o
percurso crítico desenvolvido até o momento; evitar um comparatismo binarista, porém
desejando a percepção larga oferecida pela Literatura Comparada, pois uma criação poética
não é uma ilha de palavras, mesmo que possa ser lida assim; recusar a filiação (militante) ao
debate imediatista de literatura e sociedade, embora procure perceber que uma obra possui
sim os pés cravados no barro da História; driblar temáticas muito visitadas, como a questão do
humor, mas não abrir mão de, por exemplo, construir uma dicção humorada e interessada em,
formalmente, expressar nuances do riso. Se for necessário dizer qual é a tese de meu trabalho,
posso afirmar que consiste em analisar a presença de quatro princípios sintéticos capazes de
organizar a poética de Paulo Leminski. Assim, viso à síntese leminskiana legitimada por
Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Leyla Perrone-Moisés, Fabrício Marques, Toninho Vaz,
André Dick e Fabiano Calixto e muitos outros; contudo, matizando um pouco mais o
conceito, pensando estruturas como zero, breve, par e reunião do diverso, espero observar
outras fontes de influência recebidas pelo escritor.

Wilton Cardoso Moreira (2009), Helenice Fragoso dos Santos (2011), Ana Érica Reis da Silva (2012), Lucas dos
Passos (2012 e 2016), Carla Brogliato Cardoso de Moura (2013), Elton Linton Oliveira Magalhães (2013),
Lizaine Weingärtnet Machado (2013), Ricardo Gessner (2013), Roberta Trombini Pires (2013), Lidiane Alves
do Nascimento (2014), Rodrigo Michell dos Santos Araujo (2014), Keissy Guariento Carvelli (2015), Marco
Aurelio Furno Oliveira (2015), Alexandra Valéria Linhares Figueiredo de Andrade dos Santos (2016), Ana
Luiza Maia Gama Fernandes (2016), Bruna Kely de Jesus (2016), Everton de Oliveira Moraes (2016), João Vitor
Chaves Serpa Kosicki (2016), Joaquin Emanuel Correa (2016) e Vanderley José de Oliveira (2016).
53
2.2.1. “contranarciso” e a tradição do sujeito(-lírico) fragmentado

Ao longo de sua carreira, Paulo Leminski exercita marginalidades editoriais: publica


textos esparsos em revistas nanicas; endereça cartas valiosas a autores que as perdem de
modos nada convencionais; imprime cartões distribuídos, às vezes sem sistematização, a
amigos; escreve algumas de suas melhores canções em guardanapos de botecos; carrega as
páginas de seu principal romance amontoadas debaixo dos braços. Ao mesmo tempo, o autor
se dedica ao estudo ordenado de pensadores fundamentais e vai desenvolvendo plaquetes,
livretos, catálogos, artefatos de recursos estéticos bastante elaborados para o seu contexto.
Esse gesto ambíguo ocasiona conjuntos irregulares: poemas editados, nos anos 1960, nos
números quatro e cinco da revista Invenção; os Quarenta clics em Curitiba, obra que
apresenta, em 1976, as fotografias de Jack Pires e a literatura breve de Paulo Leminski; Não
fosse isso e era menos / Não fosse tanto e era quase, um livro que traz a produção do ex-
estranho, “de 1963 pra cá”, em um volume editado pela ZAP, de Curitiba, em 1980; mesma
data da publicação de Polonaises como Edição do Autor.
Em 1983, quando a Brasiliense lança Caprichos & relaxos, não é possível dizer, em
exato, que se trata de uma estreia, tampouco que o poeta é velho conhecido dos leitores
brasileiros. O grande romance do paranaense, Catatau, faz certo sucesso nacionalmente,
quando sai, em 1975; mas é prosa, mesmo que uma prosa poética talvez mais palatável a
amantes do gênero lírico do que ao público acostumado com a narrativa realista brasileira.
Considerando o trajeto editorial, Caprichos & relaxos, enquanto gesto, dimensiona as
experiências limites buscadas: é um primeiro livro, não sendo. O título, ademais, expressa o
tensionamento que há nos materiais anteriores: a marginalidade, relaxada, está no exemplar
que aglomera muito de uma feitura que vai sendo realizada, esparsamente, desde 1963, vinte
anos antes da publicação pela Brasiliense; a seleção e a ordenação, caprichosas, dos vastos
materiais construídos ao longo de duas décadas repletas de cartas e cartões, revistas e
plaquetes. Há seções nomeadas de “polonaises”, “não fosse isso e era menos não fosse tanto e
era quase”, “invenções”, além do que saiu nos Quarenta clics em Curitiba. Em estrito,
Caprichos & relaxos corresponde a uma antologia, e, pelo caráter sintético de uma coletânea,
consegue revelar a poética de Paulo Leminski.
Equivale a um “livro” e não a um “álbum”. Pelo que discute Roland Barthes, as duas
categorias evitam fixações; no entanto, friso a característica de livro, uma vez que o cachorro
louco privilegia uma consciência organizadora. Dificilmente seria circunstancial a escolha e a
arrumação dos escritos ao longo das páginas. Há uma arquitetura premeditada. São criadas
54
molduras – valorizadas por Gérard Genette –, como os títulos das seções e o nome do livro
em si, de maneira que o leitor encontra um resultado coeso. As seções, a propósito, possuem
uma cadência intrínseca, por vezes um ritmo mais ou menos regular de número de páginas.
Ao fracionar, hierarquias são concebidas. Esse engendramento se nota no poema de abertura,
no qual sobrevém uma atenção específica75.
Em Caprichos & relaxos, “contranarciso” funciona de prefácio em virtude de alguns
elementos, os quais são caros a Gérard Genette. Desde a edição inaugural, o poema está
dentro de uma moldura propícia; inserido nas páginas enfeixadas pelo título; alocado como
primeiro texto da seção inicial, a qual é homônima à obra. Antes de “contranarciso”,
precedendo até a seção à qual ele pertence, aparece a indicação “[Aqui, poemas para lerem,
em silêncio]”, que poderia ser proêmio76. Além dela, o “[de como / o polaco jan
korneziowsky / botou a persona/fantasia]” seria admissível enquanto poema de abertura77.
Contudo, minha escolha recai sobre “contranarciso” devido ao fato de este funcionar melhor
como prólogo. Das características prefaciais levantadas por Genette, o texto enfocado dispõe
de algumas: garante uma boa leitura, na medida em que prenuncia o que a obra como um todo
oferecerá; mostra a unidade/diversidade formal do volume, e está justamente no atrito dessas
duas possibilidades um dos pontos nevrálgicos da literatura do ex-estranho; indica fontes e
filiações, realizando, por exemplo, alusões à tradição. Ademais, situa o leitor e trama um
pouco a imagem do receptor ideal, o “você” mencionado nas linhas; realiza um comentário do
título do livro, pois há homologias entre a tensão de capricho-relaxo e a tensão de
contra/narciso; apresenta conceitos fundamentais, muitos deles trabalhados na elaboração do
eu-lírico.
A seguir, o poema de abertura do bandido que se sabia fabbro. Entrando nesse escrito
complexo, embora de simplicidade aparente, pretendo começar a mergulhar nas sínteses
traçadas pelo escritor. Realizo um comentário geral sobre a composição, visando clarear
trechos truncados e/ou expressivos, e, na interpretação, cabe também o gérmen da
caracterização do sujeito-lírico sintético. Muitos outros aspectos do poema poderiam ser
enfocados, todavia a opção é por direcionar a análise para a questão do “eu”.

75
Cf. a parte Poema de abertura deste trabalho.
76
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 31.
77
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 31.
55
contranarciso

(1) em mim
(2) eu vejo o outro
(3) e outro
(4) e outro
(5) enfim dezenas
(6) trens passando
(7) vagões cheios de gente
(8) centenas

(9) o outro
(10) que há em mim
(11) é você
(12) você
(13) e você

(14) assim como


(15) eu estou em você
(16) eu estou nele
(17) em nós
(18) e só quando
(19) estamos em nós
(20) estamos em paz
(21) mesmo que estejamos a sós78

78
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 32. A versão 2016, de Caprichos & relaxos, apresenta essa mesma
visualização do poema na página, exceto, é claro, pelos números entre parênteses, adicionados objetivando a
análise. Nas primeiras edições do livro, nos anos 1980, o título, contudo, é demarcado com uma tabulação extra,
em comparação com o corpo do poema, mas sem o uso do negrito. Prefiro utilizar a versão recente, pois me
parece mais clara. Ao longo do subcapítulo aqui presente, quando cito “contranarciso”, não menciono novamente
a referência bibliográfica da versão de Toda poesia, almejando a fluidez do ensaio.

A propósito, a edição mais utilizada em minhas análises é o próprio volume Toda poesia, publicado, em 2013,
pela Companhia das Letras. O texto obtém vendagens muito altas; chego a ouvir de Alice Ruiz, em 2016, que o
livro está além da marca de cem mil cópias vendidas, um número extremamente elevado para a realidade
editorial da poesia brasileira. Desse modo, hoje, a maioria dos leitores reconhece os poemas leminskianos a
partir do tomo de capa laranjada. Não obstante, como visto, há diferenças entre as versões dos textos
apresentados nesse volume e versões anteriores. Assim, quando necessário, apresento notas nuançando as
versões; entretanto, a opção por Toda poesia possibilita, ao meu texto, maior comunicabilidade. Os contratempos
editoriais, principalmente associados às características visuais dos poemas, podem ser contornados.
56
O vocábulo “contranarciso” remete ao mito de Narciso e – por extensão, além dos
demais registos da narrativa, como os de Cônon e Pausânias – às Metamorfoses, de Públio
Ovídio Naso79. Este escritor plural da Roma Antiga, de versificação rigorosa e riqueza
imagética, concebe, por exemplo, obras líricas, tragédias e uma coletânea de lendas
mitológicas. Esta última – uma antologia sintética, e, nesse sentido, semelhante a Caprichos
& relaxos – parte de certos princípios unificadores, p. ex., a mudança dos corpos e o amor; as
Metamorfoses criam uma espécie de catálogo, passando por questões como a cosmogonia, sob
a influência de Hesíodo, e por personagens indispensáveis da tradição ocidental, dentre eles
Narciso, Eros, Baco, Orfeu e Midas80. O primeiro é um semideus belíssimo, desperta
pretendentes, contudo está sempre pronto para recusar tais interesses. Filho do deus-rio Cefiso
e de uma ninfa, Liríope, recebe uma profecia de Tirésias: Narciso viverá muito, desde que não
se descubra. Tempos depois, ao ver sua própria imagem refletida no lago, o jovem se
apaixona por si. Enamorado por seu reflexo, se contempla nas águas até definhar e morrer. No
lugar da personagem que se envaidece por sua imagem, nasce uma flor.
Paulo Leminski, por sua vez, propõe um “contranarciso”, título que fica claro
contrastando o mito de Ovídio e “em mim / eu vejo o outro / e outro / e outro”. Pelo menos
duas possibilidades de sentido para o substantivo “contranarciso” parecem, então, mais fortes,
sem que o texto prefira alguma delas: (i) uma nomeação do sujeito-lírico, aquele que em si vê
outros; (ii) ou os outros – os reflexos em um lago não mencionado? – podem ser eles mesmos
o contranarciso. Não havendo referência explícita ao espelho d’água, um “eu” vê outros em si.
Esse observador tensiona uma autoimagem supostamente inteiriça – ainda que a totalidade
seja mero reflexo líquido – e uma identificação individual constituída por diversos outros eus.
Se Rimbaud afirma “Eu é um outro”, o poliédrico paranaense multiplica por três a fórmula 81.
Apesar disso, conserva a perspectiva narcisista, inerente à lírica. Preocupado em falar de si, o
eu leminskiano se aproxima da característica central da personagem ovidiana. Embora possa
haver alteridades, quem está no cume da estrofe é o “mim”. Em primeira pessoa, a
autorreflexão psicológica e metalinguística marca o sujeito que é integral e em centenas de
estilhaços. O poema hesita: exclui Narciso e/ou é este; em atrito, a repetição de ideias do mito
e diferenças em relação a ele. Não é o mito, nem um outro, sendo ambos. Um terceiro lugar

79
Cf. OVÍDIO, 1997; CÔNON, 1803; PAUSÂNIAS, 1955. Vale lembrar a existência de Metaformose, discutido
no subcapítulo “I. 5. centenas: as sínteses em outros livros leminskianos” deste trabalho.
80
Cf. HESÍODO, 2012.
81
Cf. RIMBAUD, 2009.
57
em que as duas posições anteriores estão, mas faltam. O prefixo “contra-”, normalmente lido
enquanto “anti-”, admite o sentido de “situação de fronteira”82.
Os cinco versos da entrada também preservam relação com Raimundo Correia,
escritor brasileiro tratado como parnasiano, detentor de marcas de Romantismo e de
Simbolismo. Um dos sonetos de Correia valorizados pela tradição, “As pombas”, começa:

Vai-se a primeira pomba despertada...


Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.83

A semelhança dos versos (1) e (2) de “As pombas” com os cinco primeiros de Paulo Leminski
é muito grande. Para não haver dúvida de que o autor novecentista retoma o oitocentista, vale
ainda lembrar “rosa rilke raimundo corrreia”, presente em Distraídos venceremos:

Uma pálpebra,
mais uma, mais outras,
enfim, dezenas
de pálpebras sobre pálpebras
tentando fazer
das minhas trevas
alguma coisa a mais
que lágrimas84

Apresentando, no título, referência ao nome de Raimundo Correia, e retrabalhando tanto “As


pombas” quanto “contranarciso”, é criado um complexo jogo de espelhamentos intra e
intertextuais. Se lembro que o poema de abertura é um momento importante na construção de
um livro, lugar prefacial por excelência, convém destacar o fato de o poeta – que depois se
descreve “parnasiano chic” – abrir a sua obra em profundo diálogo com um escritor vinculado
à noção de arte pela arte. Há conexão com Raimundo Correia, autor extremamente
preocupado com aspectos métricos e rimáticos. Verdadeiro romântico parnasiano.
O eu-lírico de Paulo Leminski também possui afinidades com dezenas, centenas.
Aparece até a alusão a um comboio: “trens passando / vagões cheios de gente”. O trem, a
propósito, consegue expressar uma identidade próxima de um Brasil moderno 85. A partir do

82
Evanildo Bechara (2009, p. 366) observa o prefixo “contra-” atuando no sentido de “situação de fronteira”. É
notável, por exemplo, na palavra “contrato”, o ato de dois, ou mais, acordarem, estabelecerem um documento
fronteiriço. Estou aproximando essa noção à de indecidível, de Jacques Derrida.
83
CORREIA, 1948, vol. I, p. 38.
84
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 213.

58
XIX, as ferrovias brasileiras são construídas com o intuito de certo modo exploratório,
colonizador, levando ideais para regiões de mata virgem. Servem enquanto transporte de
produtos como minério e madeira, sem deixar de lembrar que, fora os materiais físicos, o
trem, naquela época, conduz esperanças de um mundo novo, notícias de regiões supostamente
mais avançadas entram nas veias abertas dos sertões. No entanto, quando “contranarciso” é
publicado, em Caprichos & relaxos, já na década de 1980, o país está sob o impacto da
indústria automobilística, sobretudo após os incentivos dos governos de Juscelino Kubitschek
e dos militares. A carga simbólica presente nas locomotivas oitocentistas, proporcional à
visível nos carros da segunda metade do século XX. Nesse segundo momento, o trem de ferro
não denota vanguarda; em 1980, o Futurismo férreo já não é mais como era antigamente.
Ainda que o cosmopolita das araucárias quisesse se aproximar de um símbolo caro aos
Modernistas, os “vagões cheios de gente” estão sem o encantamento de “O trenzinho do
caipira” – composto, em 1930, por Heitor Villa-Lobos –, da locomotiva de “Lavrador de café”
– pintado, em 1934, por Cândido Portinari – ou do “Trem de ferro” – escrito por Manuel
Bandeira para a Estrela da manhã, de 1936. No poema finissecular, os vagões talvez estejam
mais para velhos cargueiros de grandes massas populacionais do que para um novo mundo:
cheio de pessoas, o trem e Leminski são ligados a aglomerações, apesar das locomotivas
perderem alguma estima pública no Brasil do final do século XX. O biscoito fino come a
massa: “contranarciso”, que faz alusão ao mito clássico, come tantos, e tantos, e tantos, a
ponto de ver em si vagões cheios de gente, masscult.
Além de tomar e comer o número três. Este é o corpo trinitário que será observado por
nós, leitor. Faremos isso em memória daquele que vê, em si, pluralidade. Se, desde o começo,
já são notáveis as noções ternárias, na segunda das três estrofes elas obtêm reforço. Há uma
tríplice repetição do pronome de tratamento – “é você / você / e você” – gerando um
paralelismo com os versos (2), (3) e (4). Ademais, existem adicionais formas de três
espalhadas pelas linhas. O título já segue esse imaginário, uma vez que o poema tensiona
Narciso e o anti-Narciso. Em acordo com discutido, o prefixo “contra-”, da expressão
“contranarciso”, não faz o texto abrir mão de aspectos liricamente narcisistas, embora crie um
anti-eu, cheio de alteridades. Há uma terceira via: tudo é e não é; eu e não eu; narcisismo e
antinarcisismo. “Eu” é “você, você e você”. Pode ser três, sendo um, tendo a sua própria
consciência e consciências alheias. Em razão do número, várias possibilidades. Uma delas
remete à noção cristã de Trindade. Deus é um sendo três. De alguma maneira, parece que

85
Sobre as considerações a respeito do trem de ferro, cf. Trem-fantasma, de Francisco Foot Hardman.
59
Leminski, antigo seminarista da Ordem de São Bento, está indicando a presença de Deus, a
Trindade, no eu-lírico. Na estrofe seguinte, a hipótese ganha força.
Anunciando “assim como / eu estou em você”, desperta a última estância e acende
alternativas: quem é “você”? o leitor? Deus? Em (11), (12) e (13), a tríplice repetição sugere
uma referência à Trindade; no entanto, consegue, outrossim, indicar o receptor, o pronome
com quem o eu-lírico dialoga, o dissemelhante três vezes frisado. A voz está em você que a
lê, assim como o leitor está nela:

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós

Repetindo estruturas semelhantes, o texto cria alternativas de interpretação. Gostaria de


destacar duas: uma que exclui e uma que sobrepõe. Em “eu estou em você / eu estou nele”, o
posposto à barra exclui o anteposto, como se o sujeito-lírico dissesse: “eu estou em você, ou
melhor, eu estou nele”. É frequente esse cenário no discurso oral. A nova enunciação
corrigindo o enunciado precedente. Mas um segundo viés insinua a sobreposição: “eu estou
em você e eu também estou nele”. A elaboração é feita de maneira que não se decida qual das
duas opções, a que exclui ou a que superpõe, é a correta; prefere uma perspectiva dúbia,
plurissignificativa.
Abrindo vieses de sentido, o terceiro verso da sequência supracitada – “eu estou nele”
– lembra um versículo do Evangelho escrito por São João. A obra composta no final do
primeiro século da era cristã é o quarto livro do Novo Testamento da Bíblia. Mais poético do
que os restantes três evangelhos, a escritura joanina, como as de Mateus, Marcos e Lucas,
conta, com estilo próprio, a vida de Jesus. A passagem destacada se localiza na noite da
última ceia. O Filho está com seus discípulos. Lava os pés deles, realiza algumas falas
altamente literárias e divide o seu corpo e o seu sangue com os doze. Entre as mensagens de
Cristo, aparece a seguinte:

Eu sou a videira
e vós os ramos.
Aquele que permanece em mim e eu nele
produz muito fruto.86

86
Jo 15, 4. Bíblia de Jerusalém. A tradução da Bíblia utilizada neste trabalho é a Bíblia de Jerusalém. Vale
lembrar que são muitas as versões dos textos bíblicos no Português Brasileiro. Além disso, não se pode saber
com precisão se há um suposto texto bíblico original a partir do qual as versões brasileiras são compostas, dada a
60
Leminski disse “eu estou nele”; Jesus, “Aquele que permanece em mim e eu nele”. A
similaridade é larga. O poeta brasileiro, de certo modo, está Nele: no Evangelho, em Jesus,
em Deus. No eu-lírico se vê a fala do Cristo. Deus, que é a comunidade de Pai-Filho-Espírito
Santo, se faz comunhão com os homens: a videira que possui muitos ramos lembra o sujeito-
poético pelo qual passam vagões cheios de gente. Em nós.
Em geral, o poema apresenta uma dicção simples, são palavras facilmente
compreensíveis, entretanto em complexa organização; ou seja, no eixo da seleção dos termos,
há uma escolha de palavras comuns, porém, no eixo da ordenação, elas estão dispostas
tornando a estrofe bastante densa. A sintaxe, por assim dizer, ocasiona soluções mais
intricadas do que a morfologia. No entanto, uma expressão que merece comentário específico
é o “nós”, pois admite várias significações. Sentidos como (i) pronome pessoal, (ii) o
entrelaçamento de fios, (iii) o emaranhado de uma serpente em si mesma, (iv) unidade de
velocidade que corresponde a uma milha marítima por hora, (v) a trama de um romance. Se
lido na sequência da estrofe, “em nós” parece amarrar fios anteriores: “eu estou em você / eu
estou nele”. Funciona muito bem na qualidade de pronome pessoal ou trama entrelaçada no
passar dos versos. Contudo, leituras suplementares são admissíveis. Todos os sujeitos
evocados pelo poema podem estar andando a milhas por hora, acelerando em alguns nós. A
ideia de velocidade já havia ocorrido na primeira estrofe, quando trens estavam passando. Os
versos curtos, ágeis, também indicam essa viabilidade de seguir a milhas marítimas.
Composições de Paulo Leminski, como a intitulada “300 000 mil km por segundo”, seguem
na mesma direção87. Entretanto, a rápida sugestão sobre os “nós” enquanto medida de
velocidade não apaga esta nova: o oroboro. A cobra que morde a própria cauda, sem começo
e sem fim. O nó. A serpente amarrada em si mesma. Símbolo do inferno e do eterno.
Autofecundação. Eterno retorno. A roda da existência. Em nós, seguindo na esteira sibilante
da serpente, o poema se fecha sobre si e avizinha Deus e o Diabo. Afinal, o Deus cristão é
uma forma de nós: a Trindade. O “nós” encaminha o texto para uma pericorese, no sentido
que a tradição cristã lega ao vocábulo, a comunhão e a interpenetração de vida na comunidade
trinitária: Deus é Pai-Filho-Espírito Santo, verdadeiramente uno, verdadeiramente trino, um
nó, uma ciranda. A explanação cristã para o “em nós” é coerente; nos argumentos, devido ao
já comentado “eu estou nele”, a alusão ao dito por Jesus no Evangelho. Afirma o sujeito-

variabilidade de uma ampla coleção de escritos bíblicos, os quais passam por uma história de composição,
compilação e canonização extremamente complexa. De todo modo, a preferência pela Bíblia de Jerusalém se
deve às suas preocupações histórico-literárias. Nesse sentido, cf. os apontamentos de Johan Konings (2009) e
Júlio Trebolle Barrera (1996).
87
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 202.
61
lírico: “estamos em nós (...) mesmo que estejamos a sós”. Há um eu coletivo ainda que
ninguém esteja com ele, sozinho ele já não está sozinho.
Mas também está só: “eu estou você / eu estou nele / em nós / e só”. O verbete “só”
aceita significar “sozinho” e/ou “somente”. A ambiguidade enriquece. Substituindo o termo
“só” por ambas as alternativas, o texto faz sentido: (i) “assim como / eu estou em você / eu
estou nele / em nós / e [sozinho] quando / estamos em nós / estamos em paz / mesmo que
estejamos [sozinhos]”; (ii) “assim como / eu estou em você / eu estou nele / em nós / e
[somente] quando / estamos em nós / estamos em paz / mesmo que estejamos a sós”. É claro
que, na última linha, a sentença “a sós” abraça a opção “sozinho” bem mais do que a
“somente”. De toda maneira, as leituras se sobrepõem, enquanto o sujeito-lírico acumula em
si dezenas, centenas. Elaborar um poema com plurissignificações é uma forma de aproximar,
por isomorfia, o eu-poético e a sua fala, eles estão em nós, costurados. Porém esse eu está
desamarrado, fragmentado: “eu estou em você / eu estou nele”.
Fora de si, no outro; dentro de si, com o outro. Variadas possibilidades do sujeito-
lírico se desconstruir e reconstruir, sobretudo se advertido que, um pouco adiante, em
Caprichos & relaxos, aparece “desmontando o frevo”, que afirma: “certo / jeito mestiço de
ser / um jeito misto / de querer / isto e aquilo / sem nunca estar tranquilo / com aquilo / nem
com isto”88. O “jeito mestiço” atravessa todo o “contranarciso”: ser contra e narciso; ser só e
centenas; ser Trindade e Oroboro; ser milha náutica e pronome pessoal; ser leituras que se
sobrepõem. A todo o momento o poema quer isso e aquilo, sem ficar satisfeito com nenhum
dos dois, e não os querer e querer os dois e mais que os dois. O caminho mestiço evoca muito
das religiões afro-brasileiras, e/ou do brasileiro enquanto sujeito híbrido. O curitibano que se
afirma afro-polaco incide um viés étnico-cultural nas suas construções plurissignificativas.
Desenvolver uma estética que deseja isto e aquilo é uma expressão do jeito mestiço. As
centenas, dezenas que o eu-lírico vê podem ser de diversas origens, o trem revive um bonde
que passa cheio de pernas brancas pretas amarelas.
O eu-lírico, um ser congestionado; mas apto a estar “em paz”. A sentença grafada com
aspas sugere concórdia, tranquilidade, ausência de guerra, circunstância de silêncio. Antes que
essas alternativas briguem entre si, gostaria de destacar que “paz” e “silêncio” se admitem
sinônimos. Evidentemente, não há sinonímia perfeita; apesar da cordialidade aparente, os
termos assemelhados sempre guardam conflitos. Entretanto, silêncio é uma forma de paz
sonora, assim como o branco é uma forma de paz visual, assim como o zero é uma forma de

88
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 36.
62
paz numérica, assim como a ausência é uma forma de paz espacial, assim como o liso é uma
forma de paz táctil, assim como a repetição é uma forma de paz mântrica, assim como a
solidão é uma forma de paz em si. O curioso é que a paz leminskiana consente estar “em nós”,
amarrando os fios, estriando a superfície, ou ainda na interação entre as pessoas, ou dentro
delas. Esse modo de estar em paz sem estar sozinho remente a uma paz grávida de luta,
congruente à da Guerra Fria, vivenciada pelo comunista americanizado; um silêncio grávido
de sons, consoante à música de John Cage, admirada pelo escritor brasileiro89. “mesmo que
estejamos a sós”, arremata “contranarciso”, pode haver muitos em nós. Um zero grávido de
possibilidades numéricas; a sós, sozinho, em mim, estar com dezenas, centenas. É que
contranarciso acha outros no que é espelho. Quando se encara frente a frente, não vê só o seu
rosto. O eu-lírico canta sua monofonia polifônica.
Incontáveis vozes são audíveis nas águas de “contranarciso”. Em meu trabalho,
todavia, preciso encontrar um canto preciso. Em suma, o comentário inicial assente abrir
muitas trilhas de acesso ao texto. Não obstante, é preciso cortar esse oroboro. Sistematizar um
pouco as informações. Ressaltar que “contranarciso” apresenta um sujeito-lírico capaz de
observar em si alternativas de síntese: (i) estar em paz, em silêncio, um zero; (ii) um pequeno
sujeito, preocupado com o em mim, com estar só, um breve; (iii) fronteiras indecidíveis,
sendo capricho e relaxo, Narciso e antinarciso, um distinto que há em mim, ser só e centenas,
um jeito mestiço de querer isto e aquilo, um par; (iv) acumular vários eus, o outro, e outro, e
outro, você, você, e você, saques, piques, toques, baques, enfim dezenas, trens passando,
vagões cheios de gente, centenas, uma reunião do diverso. Ao se apresentar dessas maneiras,
logo no poema de abertura de Caprichos & relaxos, o sujeito-lírico dobrado de Paulo
Leminski avisa aos seus leitores, desde já, sobre certas maneiras de sua lírica ser elaborada.
Ademais, indica tradições nas quais autoriza sua inserção. Uma delas é a do sujeito
fragmentado.

***

89
Cf. CAGE, 1985.
63
Octavio Paz, Hugo Friedrich e Luiz Costa Lima, entre outros estudiosos de literatura,
colocam o problema da fragmentação do sujeito como uma das marcas da Modernidade. O
primeiro, em Os filhos do barro, indica os alemães do Sturm und drang como o ponto
originário desse debate ocidental; o segundo, na Estrutura da lírica moderna, chega a dizer
que “Os fundadores e, ainda hoje, mestres da lírica moderna da Europa são dois franceses do
século XIX, Rimbaud e Mallarmé”, apesar de mencionar precursores como Rousseau e
Baudelaire; o brasileiro, na sua Lira & antilira, centra, entre nós, a questão em Mário de
Andrade, Carlos Drummond e João Cabral, admitindo alguma importância anterior a Manuel
Bandeira90. Concordando com a relevância da discussão – o problema da cisão (e/ou
esvaziamento) do sujeito –, intenciono aumentar o arco histórico da querela para compreender
melhor a obra de Paulo Leminski.
Ao procurar as fontes de um cânone, ao retirar, arqueologicamente, os véus, as
camadas e subcamadas de tempo impregnadas em um texto, voltando décadas, séculos,
milênios... difícil encontrar um começo. A origem aqui aportada, o Verbo morto de Deus,
vivo e desnudo, da tradição é a gênese por não ser, existindo. Uma lenda que escorre a entrar
na lírica e a fecundar a vida desses sujeitos fragmentados, que são cacos de um Nada que é
tudo. Partindo das reflexões anteriores sobre “contranarciso”, objetivo nesta seção apresentar,
primeiramente, uma possível causa do sujeito poético (não só) leminskiano fragmentado: a
Trindade. Em seguida, mostrar essa personagem judaico-cristã como formadora de uma
genealogia da poesia brasileira moderna. No terceiro momento, retorno ao poema de abertura
feito por Paulo Leminski, de modo a contrastar a tradição ao talento individual do escritor.
Aproximando uma série literária e um texto específico, “contranarciso” se mostrará relevante
enquanto produção que de fato apresenta a estética de Leminski, e funciona, portanto, como
poema de abertura.
Na Bíblia, em Santo Agostinho e no Catecismo da Igreja Católica, há uma
compreensão de que Deus é um e não é um, é três e não é três. Em alguma medida, ao
congraçar um poema do cânone brasileiro e uma questão (não apenas) bíblica, aproximo
contínuos literários; assim, lembro, por exemplo, o Código dos códigos, de Northrop Frye,
livro que trata como literatura a Bíblia91. A interpretação da escritura sacra é admitida em um
exercício de crítica poética, além de – mas não só, ou justo devido à possibilidade múltipla,
90
FRIEDRICH, 1991, p. 9.
91
Outros autores também abordam, de maneiras variadas, essa discussão. Cf., p. ex., as respostas à questão “Do
que é e do que abrange a Doutrina Sagrada”, de acordo com a Suma Teológica, de Santo Tomás de Aquino; bem
como a consideração de Moisés como o primeiro poeta, nas reflexões sobre “Origens e progressos da poesia”, de
Cândido Lusitano (1759).
64
dada a plurissignificação inerente ao texto com literaturidade – aceitar exegeses que passam
por formações de teólogos, ou mesmo por exercícios místicos92. Acompanhando a perspectiva
de Northrop Frye, lembro três citações, a seguir.
A primeira está no começo de Gênesis, em uma narração em que Deus revela a origem
do mundo, espécie de cosmogonia judaica relida por cristãos que veem ali uma revelação
antecipada do dogma trinitário; tudo vem ao mundo por meio da vontade do Criador, que é
anterior a tudo o que existe, e dá vida ao homem à sua imagem e semelhança; certas tradições
atribuem esse fragmento a Moisés, porém a crítica há tempos procura demonstrar que Gênesis
foi composto por diversas mãos e em diversos momentos históricos, fundindo mitos também
de diversas origens. O segundo trecho pertence ao Evangelho escrito com base em várias
fontes por São Lucas, sendo o evangelista um médico grego, do primeiro século da era cristã;
a obra relativamente objetiva é com frequência dividida em três partes, ou seja, uma inicial,
em que as figuras de Jesus e João Batista são próximas, a intermediária, em que o foco está na
vida terrestre do Filho, e a final, mostrando a vida da igreja após a ressurreição de Cristo; o
versículo selecionado se encontra na segunda parte, no momento em que Jesus está subindo
para Jerusalém, quando realiza um louvor93. O terceiro, trecho da segunda epístola de São
Paulo para os cristãos que vivem em Corinto, é um escrito da primeira década de 50 da era
cristã; nessa mensagem, o autor frequentemente lembra o fato de Cristo possuir em si
realidades muitas vezes contraditórias, como morte e vida, pobreza e riqueza, fraqueza e
força; o versículo é o último do livro, uma espécie de voto final para a comunidade, e uma
síntese ternária.

92
Estou preocupado com o que Boris Eichembaum (“A teoria do ‘método formal”) encara como sendo aquilo
que faz o texto literário ser literário. Há inúmeras respostas possíveis para essa questão, afinal abundam os
debatedores do Formalismo Russo, tanto contra quanto a favor do movimento teórico. De toda maneira, pensar
que o literário é – entre outras características – aquele que intensifica a forma, a torna bem mais do que um mero
envelope do conteúdo, algo que traz em si uma significação particular, esse cenário parece, ainda hoje,
interessante.
93
Considerando a divisão ternária do escrito lucano, estou levando adiante a hipótese de que o Evangelho e os
Atos dos Apóstolos compõem uma obra única, embora dividida. Assim, a terceira parte corresponderia ao livro
seguinte; espécie de lira de duas cordas.

65
Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e
que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais
domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra.94

Naquele momento, ele exultou de alegria sob a ação do Espírito Santo e


disse: ‘Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultastes
essas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos pequeninos. Sim, ó
Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue por meu Pai e
ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, e ninguém conhece quem é o
Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.95

A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito


Santo estejam com todos vós.96

Para muitos exegetas, algumas dessas passagens não expressam a noção de Trindade,
sobretudo o fragmento inicial. No capítulo inaugural da Bíblia, supostamente estaria apenas
um plural majestoso, e não a revelação do conceito em si. Por outra via, há tempos a
interpretação da sacra escritura procura passar pela observação de que no começo Deus já se
revela trino, um e três. Tal como aparece na exortação final da Carta aos Coríntios, quando
São Paulo deseja à comunidade a graça do Filho, o amor do Pai e a comunhão do Espírito
Santo, essas três pessoas são independentes nas suas diferenças e iguais na sua unidade. O que
fica mais claro – mesmo que, segundo São Paulo, sempre estejamos a ver por enigmas – a
partir do Evangelho de Lucas: “quem é o Pai senão o Filho”, ainda que exista, de forma
relativamente independente, a ação do Espírito Santo, o Senhor do céu e da terra e a exultação
de alegria do Filho97.
Santo Agostinho, alguns séculos depois dos textos bíblicos, elabora o tratado A
trindade. Nesse ínterim, em certo número de Padres da Igreja há o esforço de compreender e
revelar o conceito, sem contar com a sofisticação filosófica presente no bispo de Hipona.
Antes dele, nomes como São Clemente de Roma, Santo Inácio de Antioquia, São Justino,
Santo Irineu, Tertuliano, Santo Atanásio e São Gregório de Nazianzo procuram, em diferentes
momentos e de formas mais ou menos diversas, debater o problema. Desse modo, Santo
Agostinho não é um gênio a tirar de seu interior a revelação, além de ser questionável se o

94
Gn 1, 26 – Bíblia de Jerusalém, negritos meus.
95
Lc 10, 21-22 – Bíblia de Jerusalém, negritos meus.
96
2Cor 13, 13 – Bíblia de Jerusalém, negritos meus.
97
É enorme a lista de ocorrências sobre a Trindade em toda a Bíblia. Em meu pequeno percurso, escolho
algumas que parecem interessantes aos meus fins. Não pretendo esgotar os significados possíveis. Ainda mais
por que a Trindade não está apenas ligada ao cristianismo, cf. Carl Gustav Jung, em Interpretação psicológica
do Dogma da Trindade.
66
conhecimento produzido pelo autor seria resultado da Iluminação Divina; entretanto, o efeito
de um processo de amadurecimento da reflexão é perceptível nas obras, como as Confissões.
O religioso-filósofo, na arquitetura de seu sistema, sofre em graus variados influências como:
o Maniqueísmo e as orações de Santa Mônica; Platão e, ou via, Plotino; São Paulo e o
estoicismo. Nesse conjunto complexo que é o pensamento de Agostinho, A trindade também
não se apresenta de jeito fácil, mas em uma leitura por vezes árdua para críticos que se
preocupam com a razão. De toda maneira, se me permito arriscar uma síntese, no tratado o
autor está procurando dizer que o Pai é tão-somente o Pai, contudo o Deus verdadeiro não é
somente o Pai, mas é o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Cada uma das três pessoas da
Santíssima Trindade é Deus; todavia, cada uma não é Deus excluindo as demais pessoas da
própria Trindade. Todos os atributos absolutos estão em cada pessoa do Trino-unitário, porém
cada uma não possui todos os atributos relativos, uma vez que eles correspondem em
separado às distintas pessoas da Trindade98.
Diante dessas reflexões claras e truncadas, interessante pensar nas explicações dadas
pelo atual Catecismo da Igreja Católica, fonte que aparenta ser menos acadêmica.
Corresponde a um documento oficial da Igreja Católica Apostólica Romana. Em 1985, por
ocasião das comemorações dos vinte e cinco anos do Concílio Vaticano II, o Papa João Paulo
II convoca uma Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos. Nessa oportunidade, os
Padres sinodais propõem a criação de uma espécie de compêndio da doutrina católica, tanto
em termos de fé quanto de moral. Assim, no ano seguinte, Karol Wojtyla cria uma comissão
de doze cardeais para o engendramento do texto. Além da presidência de Joseph Ratzinger,
que posteriormente se torna o Papa Bento XVI, essa comissão faz vasta consulta aos bispos
católicos. Em 1992, a primeira redação está aprovada e promulgada, tendo sido um resultado
de trabalhos múltiplos. Na sua versão mais recente, o documento – um dos sistematizadores,
hoje, do dogma – coloca, sem historicização, tal quais muitos tratadistas, a Trindade. Sem
falar que há um grande número de parágrafos dessa carta apostólica voltados para a questão
trinitária. Visando à concisão indispensável aqui, cito somente o parágrafo 234, em função de
sua capacidade de tocar alguns traços específicos do tema. O excerto se encontra na Primeira

98
Para facilitar a compreensão do pensamento de Agostinho, somado à leitura do próprio Tratado da Trindade,
sugiro um comentarista como Evilázio Borges Teixeira, autor de Imago Trinitatis: Deus, sabedoria e felicidade:
estudo teológico sobre De Trinitate, de Santo Agostinho. Nas explicações acima, há um três resultante das
minhas aproximações tanto de Santo Agostinho quanto do comentarista.

67
Parte – “A profissão da fé” –, na Segunda Seção – “A profissão da fé cristã” –, no trecho “Em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”99:

O mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã.


É o mistério de Deus em si mesmo. É, portanto, a fonte de todos os outros
mistérios da fé, é a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e
essencial na ‘hierarquia das verdades de fé’. ‘Toda a história da salvação não
é senão a história da via e dos meios pelos quais o Deus verdadeiro e único,
Pai, Filho e Espírito Santo, se revela, reconcilia consigo e une a si os homens
que se afastam do pecado.

Como se vê no documento, Deus é, ao mesmo tempo, três – Pai, Filho e Espírito Santo – e
um. O Ser é coeso e fragmentado, simultaneamente. Ainda de acordo com o Catecismo oficial
da Igreja, essa verdade, misteriosa, é o núcleo da fé católica: todos os princípios cristãos
derivam desse primeiro: configura, portanto, “o ensinamento mais fundamental e essencial”.
Para observar modos da Trindade – matéria, por assim dizer, menos ou mais
extraliterária – ser exprimida por elementos literários, é necessário compreender que há, na
feitura estética, uma internalização própria, capaz de desenvolver formas que consigam
articular o conceito não apenas teológico. Autores diversos, ao longo da tradição, elaboram
suas lógicas de expressão da forma trina-unitária. Talvez o maior exemplo seja Dante
Alighieri, na Divina Comédia, pois busca estabelecer uma arquitetura com tantos três a ponto
de causar vertigem. Gostaria de chamar a atenção para nove questões. (i) A obra conta a saga
de três personagens: Dante, Beatriz e Virgílio. (ii) É composta de três “livros”. (iii) Cada
“livro” dá conta de um mundo pelo qual passam as personagens: Inferno, Purgatório e
Paraíso. (iv) E cada um dos três mundos pode ser subdividido em nove partes, como os nove
círculos do Inferno, sendo o nove a soma de três mais três mais três. (v) Desse três vezes
nove, resulta um número significativo, o vinte e sete: três elevado ao cubo, ou três vezes três
vezes três, ou o nove numerológico decorrente da adição de dois e sete. (vi) Cada um dos três
“livros” também é subdividido em trinta e três cantos. (vii) As estrofes que formam esses
cantos estão em terza rima, ou seja, tercetos na rima progressiva ABA BCB CDC... (viii) Sem
falar nas várias pequenas ocorrências de três espalhadas nas páginas, como a palavra “stelle”,
ao final de cada “livro”. (ix) Em esferas amplas, vale lembrar ainda que a obra pertence ao
Tercento italiano, por ter sido publicada entre 1304 e 1321.
Na passagem do século XVIII para o XIX, outra produção consegue expressar, por
vias particulares, a noção de Trindade. O Fausto, de Johann Wolfgang von Goethe, apresenta

99
Sobre a contextualização do CIC, cf. o texto assinado pelo Papa João Paulo II, na abertura do volume.
68
personagem homônima à história. O autor traça o perfil de um jovem que busca, com avidez,
o conhecimento. Fausto investe suas forças no estudo da filosofia, medicina, jurisprudência,
teologia... mas continua simplório, com um saber limitado. No começo do volume, o aprendiz
revela uma personalidade relativamente homóloga à coesa e fragmentária personalidade
divina, ao dizer:

Vivem-me duas almas, ah! no seio,


Querem trilhar em tudo opostas sendas;
Uma se agarra, com sensual enleio
E órgãos de ferro, ao mundo e à matéria;
A outra, soltando à força o térreo freio,
De nobres manes busca a plaga etérea.100

As duas almas no seio fáustico configuram uma personalidade ao mesmo tempo una e
variada. Por um lado, um espírito materialista, ligado aos órgãos de ferro e à dimensão
sensual da humanidade; em contrapartida, a busca da plaga etérea, a região impalpável do
universo. Assim, o mito alemão guarda em si dois espíritos, opostos, porém unidos, pois
ambos estão nas cavernas de um único peito. A dimensão profana da personagem, que se
encontra com Mefistófeles, está, entre os aspectos, em ser dois e ser um: Fausto é, com
diferenças e proximidades, formalmente homólogo ao Deus cristão, este que é três e um. Ou
se quisermos pensar mais em específico na figura de Jesus, verdadeiramente Deus e
verdadeiramente homem, o Filho possui em si tanto humanidade quanto divindade, tanto
Verbo quanto carne. De certo modo, uma das presumíveis influências para a construção do
Fausto é o próprio Cristo, em sua binomia humano-divina. Visto de uma perspectiva dilatada,
o Deus que se faz homem, Ele é também Verbo e Espírito. Não está só na personalidade de
Jesus a ideia de divisão-união do eu, mas Deus, enquanto Trindade, é, em si, pluribus unun.
Na tradição ocidental, a questão da identidade divina atravessa diversos autores e
períodos históricos. Agostinho, Dante e Goethe são momentos sofisticadíssimos em que o
problema se faz – em graus variados – verbo literário. Entretanto, seria impossível elencar
todos os tocados por esse debate. Problema similar ocorre na poesia brasileira: um grande
número de autores visita esse tópico. Advertido o risco e ciente da importância da discussão, é
fundamental mostrar que um elemento estruturante da estética individual de Paulo Leminski
se mostra em profundo diálogo com o cânone no qual se insere. Assim, talvez se evite certo
narcisismo em que o crítico supõe ser o autor por ele analisado um gênio que tira de si – com
100
GOETHE, 2014, p. 103-104. Muito já se disse sobre a influência do Fedro, de Platão, nessa construção da
personalidade de Fausto. Não passo pelo diálogo platônico, uma vez que procuro estabelecer um percurso de
leitura por assim dizer mais cristão, dada a necessidade do recorte.
69
um inadvertido ineditismo – um tema nunca antes discutido na história da lírica, de maneira
que o poeta possa ser classificado como um inventor. Quiçá dificulte a procura – não raro
fascista – de encontrar o melhor, o puro, o refinado texto que um sistema literário consegue
elaborar, de modo que se aprove descartar os autores menores, vistos, equivocadamente,
enquanto meros diluidores sem importância significativa. “contranarciso” – nem inventor,
nem diluidor – recoloca um tema visitado por Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos, Mário
de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, Paulo
Henriques Britto... e muitos outros além desses sete que poderiam ser setenta vezes mais.
Na tentativa de criar um continente, apesar de ele ser incapaz de conter o tema, há
ocasião para um raciocínio metonímico. Escolher alguns autores que – de maneira próxima a
Leminski – trabalham o eu fragmentário e preparam poéticas sintéticas. Ambos os pontos já
estavam em Álvares de Azevedo, primordial no percurso crítico que venho percorrendo101:

Cuidado, leitor, ao voltar esta página!


Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. (...)
Quase que depois de Ariel esbarramos em Calibã.
A razão é simples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas
almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de
poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.102

Inserido em um universo de papel, o leitor é advertido sobre o virar da página. O


excerto está no “Prefácio” à “Segunda parte” de Lira dos vinte anos. Corresponde a um
momento vital para a compreensão da estética romântica de Álvares de Azevedo. O autor
revela a lógica a partir da qual estrutura o livro, em particular, e a sua obra, no geral 103. Está,
nesse momento, encerrando a “Primeira parte” da Lira e iniciando a “Segunda”. Ocasião
propícia a despontarem oposições: daquele lado, o visionário e platônico, bem como o belo
anjo Ariel, de A tempestade; deste lado, Calibã, o escravo disforme da mesma obra
shakespeariana, e, por contraposição, o materialista, o encarnado. Ariel e Calibã, a seus
modos, são como duas almas que moram nas cavernas do cérebro do sujeito-lírico: fica
estabelecida uma homologia formal entre a estrutura cerebral desse eu-dobrado e a
composição que o leitor tem em suas mãos. Sem falar o quanto a passagem acima rememora o

101
Em 2015, pela Scriptum, tive a oportunidade de publicar Uma lira de duas cordas: o ritmo como elemento
construtivo da binomia de Lira dos vinte anos. Este estudo sobre a lírica de Álvares de Azevedo – uma segunda
versão de minha dissertação de mestrado – é o primeiro momento do percurso continuado aqui.
102
AZEVEDO, 2000, p. 190.
103
Embora diferenças entre a binomia, da Lira, e o dialogismo, de Macário, possam ser notadas. Cf. o estudo de
Andréa Sirihal Werkema (2012).
70
Fausto goethiano. “Vivem-me duas almas, ah! no seio”, diz o estrangeiro; ao passo que o
nacional indica as “Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro”. Não há dúvida de
que, no jardim das musas, a Lira é um arbusto que se nutre de fáustica seiva.
A produção azevediana é elaborada por meio de uma binomia: não se trata, na
verdade, de mera contraposição, de um lado Ariel, do outro Calibã; os dois espíritos estão em
apenas um cérebro, medalha de duas faces. Medalha sintética, a propósito. No mesmo lábio
em que beijava o anjo belo, está a mordida do escravo disforme. É “quase” depois de Ariel, e
não completamente depois, onde está Calibã: há espaços comuns coabitados por essas duas
personagens do cérebro-livro (e, é provável, cérebro e livro também compõem uma binomia).
O eu-lírico, portanto, é fracionado, todavia coeso; disperso, mas reunido; pode ser dois sendo
um. Uno e dúplice. Álvares de Azevedo está iniciando – e herdando – uma longa tradição –
ocidental e – brasileira que chega até a poética de Paulo Leminski e a ultrapassa: o problema
do eu-lírico cindido, mimetizador da identidade divina trinitária. É quase que depois da
binomia e da Trindade quando esbarro na síntese. Em mim, eu vejo os três, e outros, e outros
e...
Augusto dos Anjos, autor de “Psicologia de um vencido”, presente no Eu:

Eu, filho do carbono e do amoníaco,


Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —


Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,


E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!104

O título do livro, onde se encontra o poema acima, é, por si só, oportuno. Insere a
poética de Augusto dos Anjos dentro do cânon da subjetividade moderna. A expressão
“Psicologia de um vencido” novamente ajuda na construção de uma identidade subjetiva para
a lírica do escritor, sem falar no tom pessimista que marca esse Eu vencido. Eu cindido. Filho

104
ANJOS, 1995, p. 203.
71
do carbono – elemento que forma todo composto orgânico – e do amoníaco – composto
químico de estrutura piramidal, facilmente biodegradável e gerado por meio de uma síntese.
Monstro de escuridão, ausência de luz, e rutilância, excesso de luminosidade. O sujeito-lírico
de Augusto dos Anjos, portanto, resulta de uma aproximação de opostos; um eu material e
volátil, trevas e luz. E a reunião concentrada, ao fim e ao cabo, se limitará ao quase nada.
Depois que os vermes roerem as carnes desse sujeito, este ficará reduzido a um mínimo
múltiplo macabro: no frio inorgânico da terra, restarão apenas os cabelos.
O poeta do Período Eclético elabora a identidade sintética utilizando recursos formais
híbridos; um tanto ao estilo de sua época, quando, entre o ocaso de movimentos oitocentistas
e o advento do Modernismo, o ecletismo estético é difundido e vale por si mesmo, não sendo
mero pré-alguma-coisa105. No poema supracitado, ecoa certo barroco, o claro-escuro que
incide sobre o “Monstro de escuridão e rutilância”, traço presente no certo maniqueísmo de
Santo Agostinho e em algumas contraposições visíveis em cartas de São Paulo. O soneto –
forma tão prezada por árcades, parnasianos e simbolistas – é a estrutura escolhida para criar o
locus horrendus e o apreço – tão baudelairiano e simbolista – pelo soturno, assim como é
próximo de Cruz e Sousa o pessimismo e o gosto místico de quem sofre a influência má dos
signos zodiacais. Sofre, outrossim, marcas profundissimamente românticas, já se vê na
escolha por tematizar questões de um eu. As duas almas que Álvares de Azevedo – e Goethe
– notou nas cavernas subjetivas, as duas almas caem de incógnitas criptas misteriosas, vindo
da psicoestética e alta luta, sobre a psicologia literária de Augusto dos Anjos, ocasionando um
sujeito-poético repleto de dualidades. O ex-estranho de Curitiba continua essa tradição que
talvez tenha entrado – à meia-noite, metade dando para o sábado, outra metade, domingo –
imperceptivelmente em sua lírica.
Mas entre Augusto dos Anjos e Paulo Leminski há trezentos, trezentos e cinquenta
poetas, bem como o eu-lírico que se diz tantos. O modernista Mário de Andrade, na abertura
do Remate de males, afirma:

105
Em “Desconstruindo o pré-modernismo”, Marcos Rogério Cordeiro mostra a construção do estilo híbrido na
obra de Euclides da Cunha, revelando nuances barrocas, árcades, românticas, parnasianas, naturalistas e realistas
em Os sertões. Para além da leitura de uma obra, o crítico indica a possibilidade, por meio de Tristão de Ataíde,
de o Pré-Modernismo ser chamado de Período Eclético. Essa nomenclatura é aqui mais adequada, uma vez que
Augusto dos Anjos – e até Paulo Leminski – seria um sintetizador de diversas tendências formais, em contraste
com a expressão “Pré-Modernismo”, que procura dar centralidade à escola paulista. Grande parte dos recursos de
Mário e Oswald já está, há muito tempo, sendo realizada. Talvez pudéssemos chamar os “futuristas paulistanos”
de “Pós-Ecléticos”, diluidores de Augusto dos Anjos e Euclides da Cunha.
72
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,
Ôh espelhos, ôh Pirineus! ôh caiçaras!
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!

Abraço no meu leito as milhores palavras,


E os suspiros que dou são violinos alheios;
Eu piso a terra como quem descobre a furto
Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas seus próprios beijos!

Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,


Mas um dia afinal eu toparei comigo...
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,
Só o esquecimento é que condensa,
E então minha alma servirá de abrigo.106

O poeta que na Pauliceia desvairada se comove com a cidade de São Paulo, de cinza e
ouro, luz e bruma, e atravessa versos melódicos e harmônicos; o romancista que em
Macunaíma, o herói sem nenhuma característica fixa, cria uma personagem que muda de cor;
o missivista de faces instáveis, capaz de adular e dar cascudos em correspondentes como
Câmara Cascudo; Mário de Andrade aqui está dizendo que é trezentos, trezentos e
cinquenta107. O poema começa com o mesmo pronome pessoal do caso reto utilizado por
Augusto dos Anjos ao principiar a “Psicologia de um vencido”. No “eu” marioandradino, as
sensações não repousam. Os suspiros que dá são alheios. Os beijos são descobertos a furto.
Mas um dia – quiçá como Florbela Espanca, que, no seu “Eu”, disse ser aquela que veio ao
mundo para se ver e que nunca na vida se encontrou – topará consigo108. Um dia, quando
estiver condensado, sintetizado. Mário de Andrade dá prosseguimento, por conseguinte, à
tradição do eu fragmentado. Agora, muito mais disperso do que nas dualidades de Fausto,
Lira e Eu.
A escolha por “trezentos” sugere, talvez, a afinidade, assim como Dante Alighieri,
com o número três, elemento expressivo para esse cânone que tem na Trindade cristã um
momento, mitologicamente, fundador. Contudo, o modernista intensifica o esfacelamento da
subjetividade. Os trezentos ou trezentos e cinquenta cacos soam hiperbólicos e, ao mesmo
tempo, metáforas das várias influências sofridas. Tradições como o folclore nacional; a
história da música ocidental; as vanguardas europeias; Aleijadinho e o Barroco mineiro e

106
ANDRADE, 2005, p. 211.
107
Cf. o volume Câmara Cascudo e Mário de Andrade: cartas 1924-1944. E o romance Macunaíma.
108
Cf. ESPANCA, 1997.
73
português e espanhol; Álvares de Azevedo, estudado no ensaio “Amor e medo”109. No
paulistano desvairado, não apenas o recebimento de influências; por meio de uma vastíssima
correspondência, estende suas redes de poder sobre grande parte dos intelectuais brasileiros da
primeira metade do século XX.
Um dos influenciados é Carlos Drummond de Andrade. Ao longo do tempo, o mineiro
vai criando identidades variáveis. Por vezes maior que o mundo, por vezes menor; em alguns
momentos de mãos dadas com ele, em outros preferindo cultivar fazendas aéreas; busca tanto
o corpóreo amor natural quanto o abstrato claro enigma; a vida passada a limpo, mas sem
perder as impurezas do branco. No poema que abre o seu livro de estreia, já dimensiona essa
característica fragmentária de sua lírica, pois o texto contém sete faces:

Quando nasci, um anjo torto


desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens


que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:


pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode


é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste


se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,


se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer


mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.110

109
Cf. ANDRADE, 1935 e 2000.

74
Aqui, há uma sobreposição de temporalidades, recortadas um pouco ao estilo
einsensteiniano111. Em cada estrofe, um Carlos – eu-lírico dobrado – diferente, mas também
guardando semelhanças com os demais Carlos: verdadeira medalha de sete faces.
Inicialmente, o sujeito fala “Quando nasci” e prenuncia o que será em sua vida. Enquanto
Augusto dos Anjos sofre desde a epigênese da infância a influência má dos signos do zodíaco,
Drummond é marcado pela anunciação de um anjo que vive nas sombras; no Eu, havia um
monstro de escuridão e rutilância, ao passo que o anjo de Alguma poesia é torto e turvo e
assinala de gauche a criança. Na estrofe seguinte, “A tarde talvez fosse azul”, há uma quebra
do nascimento/manhã para os desejos juvenis/tarde. Mais ausente, o eu-lírico se mostra
naquilo que observa: espia as casas que espiam as corridas atrás de mulheres. Os olhos,
câmeras fílmicas no estilo da terceira estrofe, quiçá não perguntem nada; no entanto, os
globos oculares observam a contraposição entre o bonde e as pernas, esses dois meios de
locomoção. Sem falar que são pernas “brancas pretas amarelas”, remetendo à formação étnica
do país que, nas mãos de Mário de Andrade, ganha imagem de herói sem nenhum caráter, ou
com diversos caracteres. O itabirano, mesmo que por vezes macunaimicamente preguiçoso, é
sério, simples e forte. Fica atrás do bigode, agora bem mais maduro do que no momento em
que a tarde não é azul. Em seguida, o leitor observa duas outras fotografias desse eu-lírico: o
homem abandonado por Deus e o homem que possui um coração maior que o mundo. Quando
a lua aparece, sugerindo, decerto, a velhice, o eu-lírico, deixado de lado pelo divino, está
mefistofélico.
Está, além disso, com um grande número de recursos estéticos, lembrando certo
hibridismo eclético mostrado em Augusto dos Anjos. É um maniqueísta barroco a construir
jogos de oposições (“As casas espiam os homens / quem correm atrás das mulheres. / A
tarde talvez fosse azul / não houvesse tantos desejos”), e um romântico goethe-azevediano a
discutir a problemática de um sujeito com sete faces. Do Parnasianismo, ou contra a
caricatura dele, recusa a rima como solução, mais vasto é o coração. Do Simbolismo, o gosto
pelo soturno: o anjo torto, as sombras, a lua, o diabo. Do Primeiro Modernismo, a questão
nacional daquele bonde cheio de pernas, assinalando a diversidade étnica. Da Segunda
Geração, na qual está, para muitos, o próprio Drummond, os interesses por questões
metafísicas entre o abandono de Deus e a comoção diabólica, a linguagem metaliterária ao
falar que a rima não é solução, o verso livre misturado com o marcado.

110
ANDRADE, 2002, p. 5.
111
Sobre os recursos da montagem soviética, cf. Leandro Saraiva (2006).
75
Na geração seguinte, João Cabral de Melo Neto constrói um eu antilírico lírico;
ausente de si, mas presente na fragmentação. A faca só lâmina e os variados objetos de um
museu de tudo. A poética cabralina é bastante extensa, de modo que a reduzir a somente
noções da poesia do menos seria um problema, pois trairia a relativa diversidade que permeia
a estética do autor. Não obstante, é inegável que ele tenha buscado se aproximar do mal-
amado que come o poema, e/ou do engenheiro que calcula a lição de uma poesia exata, a
educação pelo silêncio da pedra, o cão sem plumas. Essa estética, que visa a certa síntese,
eclode, por exemplo, na primeira parte de “Psicologia da composição”:

Saio de meu poema


como quem lava as mãos.
Algumas conchas tornaram-se,
que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.

Talvez alguma concha


dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;

talvez, como a camisa


vazia, que despi.112

A filosofia da composição de Álvares de Azevedo menciona, ao estilo de Goethe, as


duas almas que moram nas cavernas de um eu; “A psicologia de um vencido” estilhaça o “Eu,
filho do carbono e do amoníaco”; Mário de Andrade, de modo similar, inicia com a palavra
“Eu”, embora fracione ainda mais o sujeito, dantescamente; Drummond coloca seu próprio
nome logo na estrofe inaugural, vindo da boca sombria de um anjo torto a expressão “Vai,
Carlos, ser gauche na vida”. João Cabral continua a tradição – essa “Poe tree” – dos que
desenvolvem uma “Philosophy of composition” ao pensarem, entre outros pontos, o eu.
No entanto, agora, o pronome pessoal, que principia as linhas de Augusto dos Anjos e
Mário de Andrade, está omitido justamente ao dizer que deixa o texto: “Saio de meu poema”.
Poderia haver aqui a construção “Eu saio de meu poema”, mas a elipse expressa o que a frase
anuncia. O (eu)lírico está de mãos lavadas. Observa “o corpo do gesto / extinto”. Sugere a
comparação com “a camisa / vazia, que despi”. Segue, assim, um sentido de esvaziamento da
intimidade. Esse mesmo esvaziamento é fragmentado, esfacelado, transubstanciado em
matéria, e, de alguma forma, repleto de subjetividade. O poeta transforma o observador nas

112
MELO NETO, 1997a, p. 60.
76
coisas observadas, pela virtude do muito imaginar; saindo de si de mãos lavadas, tem em si os
objetos desejados. Está e diz que migrou, se metamorfoseia em camisa vazia. Ou como o
Engenheiro, de livro e poema homônimos, é capaz de ganhar “um pulmão de vidro e
cimento”, mas também sendo “O lápis, o esquadro, o papel; / o desenho, o projeto, o
número”113. Naquilo que encosta sua mão oculta lavada, o eu-lírico, Midas ausente e
camaleônico e materialista, se transfigura. A antilira é, em consequência, profundamente
lírica. O “eu” cabralino é um museu de tudo e se vê em cada objeto arquivado nas suas
prateleiras que expandem.
As arestas supostamente figuram mais firmes na poética de Ferreira Gullar, apesar de,
em simultâneo, o sujeito-lírico do escritor dizer que procura diluir, por meio da tradução, os
continentes separados. Tais questões são vistas em “Traduzir-se”:

Uma parte de mim


é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim


é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim


pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim


almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim


é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim


é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte


na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?114

113
MELO NETO, 1997a, p. 34.
114
GULLAR, 1983, p. 437-438.
77
Retomando uma perspectiva que lembra a rutilância amoníaca de Ariel (aquele que
pesa e pondera, almoça e janta, é permanente) e a escuridão carbônica de Calibã (o disforme
que é estranheza, delírio, espanto, repente), Ferreira Gullar, na esteira de Álvares de Azevedo,
Augusto dos Anjos e Goethe, cria um eu-lírico que não chega a ser uno e trino, ou trezentos,
ao modo de Mário de Andrade, a ter sete faces, na via de Drummond, ou se ver em uma faca,
próximo de Cabral. Prefere, fáustica, binômica e sinteticamente, traduzir uma parte na outra
parte: aproximar contrários em um seio, nas cavernas de um cérebro, em si. Como se dentro
do eu houvesse dois tus e cada tu fosse o outro, iguais nas suas semelhanças e desiguais nas
duas diferenças. Como se o ninguém fosse todo mundo; a multidão fosse solidão; a reflexão
fosse delírio; a rotina fosse espanto; a vertigem fosse linguagem.
Ao longo dos livros do escritor maranhense, essas traduções vão sendo matizadas. Por
vezes, um autor mais visual, observado em Poemas concretos/neoconcretos; por vezes,
aparece o melopaico dos Romances de cordel. No começo da carreira, o poeta dos CPC’s e os
posicionamentos esquerdistas de Poema sujo; nos últimos tempos, o dedutível liberal de Em
alguma parte alguma e as posturas um tanto conservadoras do cronista da Folha de S. Paulo.
Talvez, progressivamente, Gullar tenha traduzido, de certa forma, uma parte na outra parte: a
visualidade neoconcreta nas imagens de uma lírica melódica, a militância esquerdista em
alguma parte alguma do periodista reacionário. Paulo Leminski, guerreiro da linguagem, se
afasta das posturas de Ferreira Gullar para se aproximar de Haroldo e Augusto de Campos;
em torno de 1960, quando a luta de classes poéticas está entre os concretistas paulistas e os
neoconcretistas cariocas, o cachorro louco prefere as trincheiras das Galáxias. No entanto, a
tradição brasileira do eu fragmentado ultrapassa as querelas imediatas e abarca, no seu
universo observável, constelações de autores múltiplos.
Ultrapassa até mesmo o momento de Paulo Leminski. No percurso aqui desenvolvido,
não estou criando um telos iniciado em Álvares de Azevedo e que atinge no autor de La vie en
close o seu ápice. Na verdade, a série literária por mim discutida é bem maior do que os sete
escritores brasileiros (contra)narcisicamente escolhidos. Tanto é que permanece a questão do
eu-cindido ainda hoje, em poetas do nível de Paulo Henriques Britto. No sétimo poema da
série “Biografia literária”, o autor problematiza a identidade do sujeito-lírico fracionado:

78
Nada disso foi do jeito que eu quis.
Se fosse como eu quis, não haveria
de ser tão sofrido, tão infeliz.
Mas eu – o eu que sou – eu não seria.

Assim, não me lamento. Até me sinto


como quem tem não o que foi pedido,
e sim o que, guiado pelo instinto,
não pelo querer, teria querido.

O que de mais duro a vida me deu


– que dura mais quanto mais me custou
dele me acostar, e torná-lo meu –

o que não escolhi, mas me escolheu,


é o que, ao fim e ao cabo, mais eu sou.
Não é o eu que eu me quis. Mas sou eu115.

O complexo eu de Paulo Henriques Britto é uma mistura de elementos conflitantes.


Estilhaçado pelos/entre os instintos pessoais, os desejos racionais e as vicissitudes da vida, o
sujeito não é o que se quis, mas não deixa de ser alguma coisa. Não há somente uma
polarização entre Ariel e Calibã, amoníaco e carbono, todo mundo e ninguém; tampouco uma
fragmentação em sete faces, ou em trezentas e cinquenta, ou em inúmeros objetos compondo
um museu de tudo. O sujeito-lírico brittiano é formado, em seu ponto mais íntimo, pelo que
de mais duro a vida – e não Deus – lhe deu, sem deixar de possuir adicionais escombros de si
em sua identidade. De um modo um tanto nietzschiano, acolhe o amor fati e o torna um
eterno retorno: o peso de sua existência particular é o que permite ao sujeito ser por si
encontrado. A incorporação do fado é o que faz, no fim das contas, o eu-lírico ser ele próprio
e, ao se voltar para as mazelas vivenciadas, se encontrar. Embora não as tenha escolhido, ele
agora é um outro, ele é o que antes era o mais difícil de acostar. Assim, o eu autônomo,
moderno, parece colocado em xeque, porém sobrevive, mesmo que esfacelado. “Nada disso
foi do jeito que eu quis”, há elementos que escapam do controle do eu na sua autoformação.
Nos demais autores, esse embate também ocorre: as duas almas no cérebro de Álvares
de Azevedo são “mais ou menos de poeta”, e não completamente, o que abre espaço para o
acaso; o verme, ainda que Augusto dos Anjos não o queira, haverá de roer os olhos do sujeito-
lírico; Mário de Andrade imagina que “um dia afinal” topará consigo; Carlos não chora, mas
tem o seu destino assinalado pelo anjo torto, independentemente de tornar o seu coração
maior ou menor que o mundo; João Cabral sai de seu poema de mãos lavadas e, talvez lhe
escapando da vontade, “Algumas conchas tornaram-se, / que o sol da atenção / cristalizou”;
115
BRITTO, 2012, p. 35. Essas linhas lembram “nada foi / feito o sonhado / mas foi bem-vindo / feito tudo /
fosse lindo” (LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 74).
79
Ferreira Gullar, além de si, ou em si, é multidão, delírio, espanto, algo que esquiva dos limites
impostos pelo eu que traduz – sem ter certeza de que será arte – cada uma de suas partes. Ao
longo da tradição do sujeito-lírico fracionado, estão em constante tensão um eu que se
autocoloca e o acaso; a arquitetura e a desengenharia; a construção meditada de si próprio e
um vento imprevisto que aviva onde quer; o capricho e o relaxo.
Esse é um dos núcleos organizadores da poética do ex-estranho. “contranarciso” está
no livro Caprichos & relaxos, uma obra com um título dúbio: cuidado e desmazelo, vontade e
acaso, obstinação e imponderável. Embora autocolocado, caprichando na sua construção, o eu
leminskiano compreende que algo lhe escapa. Esse é um dos pontos que irrompem do
proêmio, em específico, e da poética do autor, em geral: “em mim / eu vejo o outro / e outro /
e outro / enfim dezenas / trens passando / vagões cheios de gente / centenas”. O sujeito-
poético é, ao mesmo tempo, ativo, na medida em que elabora o seu discurso, se coloca
dizendo o que vê em si; e passivo, uma vez que há uma sugestão de que os trens estejam
passando sem que fique clara a demarcação do motor que os impulsiona. O eu-lírico vê os
vagões cheios de gente, mas não chega a se mostrar aquele que escolhe quem por ali passará,
ficando acachapado por centenas. Narcisicamente, autorreflexivo e senhor de suas escolhas,
moderno; antinarcisicamente, dono de um gênio não original e repleto de alteridades,
antimoderno. No tensionamento, uma das tradições que passam pelo sujeito-lírico é a do eu-
fragmentado.

***

Retomando o percurso aqui proposto, e em comparação com o poema de Paulo


Leminski, convém destacar que o eu-lírico de “contranarciso”, enquanto cindido e coeso,
muito lembra a noção cristã de Trindade, por exemplo via Santo Agostinho. O sujeito-textual
do ex-seminarista é um e não é só somente só um. Há o “eu vejo”, contudo nesse próprio “eu”
está o outro e outro e outro. Cada um dos três – ou das dezenas e centenas – está
profundamente identificado com o eu-lírico, porém cada um não é, em primeira instância, o
eu-lírico. Em simultâneo, é como se houvesse um “eu” com todos os atributos assimilados dos
outros; mas os atributos relativos, inerentes a cada um deles que, a princípio, não são o “eu-
lírico”, correspondem, em separado, a cada pessoa que é vista em “contranarciso”. O “nós”,
verificado no plural utilizado no livro de Gênesis, é próximo da primeira pessoa do plural
presente em “assim como / eu estou em você / eu estou nele / em nós”. Amarrados pela
tradição, os “nós” bíblicos e contranarcísicos indicam que, no eu-lírico e no Eu-divino, pode
80
haver a Trindade. O Catecismo da Igreja Católica, ademais, informa que a noção trinitária é,
por excelência, o mistério central da fé cristã. De certo modo, o equivalente se diria sobre o
eu-lírico de “contranarciso”: nesse prefácio, a maneira do eu se apresentar está colocando um
problema central da lírica do ex-oblato da Ordem de São Bento.
A homologia entre o Deus do cristianismo e o eu do ex-estranho se acentua ao
lembrarmos que os dois estão sob a égide do número três. São Paulo, em sua carta à
comunidade de Corinto, e São Lucas, no Evangelho, colocam as três pessoas da Trindade: o
Pai, o Filho e o Espírito Santo. Paulo Leminski, em um poema de três estrofes, repete: “o
outro / e outro / e outro”, “é você / você / e você”, e, criando lógicas ternárias ao falar de
questões ontológicas, remete à já comentada Divina Comédia, de Dante Alighieri. O grande
arquiteto trino faz vasta utilização de números três ao longo de Inferno, Purgatório e Paraíso,
mundos pelos quais passa o seu eu-personagem, junto com Beatriz e Virgílio. Dessa maneira,
o ex-beneditino se insere em um cânone que se apropria de elementos fundamentais do
cristianismo. Não se limita a repetir, tal e qual, copiando daqui ou dali, as soluções
apresentadas, por exemplo, pelo autor florentino; procura desenvolver, em diálogo com o
cânone, soluções diferentes para a mesma trama de fios.
Uma solução que certamente passa em alguma medida pelo Fausto. “Vivem-me duas
almas, ah! no seio, / Querem trilhar em tudo opostas sendas”, diz a personagem. Essa
dualidade, que também rememora, em incerta medida, o maniqueísmo presente em Santo
Agostinho, é uma das formas, e não a única, de expressão do eu caprichoso-relaxado: a
afinidade com as antíteses e paradoxos, querer ser Narciso e antinarciso. Nessas duplicidades,
Fausto e Leminski são correlatos. Outrossim, a tentativa de elaboração de uma identidade
cindida e unificada, tal como a Trindade, é verdadeiramente una, verdadeiramente trina. O
Deus – profanado por Fausto, este que conheceu Mefistófeles ao querer o conhecimento, o
perigoso fruto da árvore edênica – é, no cachorro louco, mantido em sua sacralidade, mas, em
sincronia, rebaixado à convivência com dezenas, centenas, legião.
E são muitos os que se acercaram dessa maneira de criar uma homologia em relação
ao Deus cristão. Álvares de Azevedo é quem, nesse particular, mais se aproxima da estética
do autor alemão, na medida em que encontra dois espíritos nas cavernas do eu. Em
contrapartida, nos vagões que atravessam o sujeito de Leminski, parece haver a Lira dos vinte
anos. Os caprichos angelicais de Ariel são encontrados no eu-lírico que dialoga com a Bíblia,
“eu estou nele”; e são vistos no idealismo presente no sujeito que mimetiza Deus, uno e
múltiplo; sem falar que é contíguo a Ariel o “estamos em paz”, a tranquilidade, o silêncio. Os
relaxos de Calibã, todavia, mordem o poema com versos de variada organização métrica,
81
relativamente disforme; com o peso materialista de em si conter trens, vagões, centenas; com
os “nós” que não deixam o texto liso, harmônico, mas lembram elementos como o Oroboro.
Próximo desse modo de operar, Augusto dos Anjos, outro que tem duas almas em seu seio,
consoante a Goethe, ou em seu cérebro, como ultrarromântico: afinidades de dialéticas
binômicas atravessam a escrita desses autores que, de alguma forma, lembram o título
Caprichos & relaxos. Ferreira Gullar também se aproxima dessa estética, já que estabelece
pares de termos em “Traduzir-se”. Enquanto Goethe, Azevedo e dos Anjos situam binomias
entre pontos, menos ou mais, unívocos, Gullar adversa ninguém e multidão. As centenas que
constituem o eu leminskiano são outra forma de dizer multidão, simultaneamente ao fato de
“estamos em paz / mesmo que estejamos a sós” induzir à noção de “estranheza e solidão”,
vista no escritor maranhense.
Para além de possibilidades binômicas, em trezentas partes um eu-lírico já se dividira.
Esse número hiperbólico escolhido por Mário de Andrade corresponde a um três acrescido de
dois zeros e qualquer semelhança com a Trindade não se presume ocasional. Assim, o ex-
seminarista não é o primeiro, em uma perspectiva um tanto cristã, a consentir “eu estou nele /
em nós”. Tampouco o primeiro a sequenciar trilogias, pois versos como os marioandradinos
“Ôh espelhos, ôh Pirineus! ôh caiçaras!” e “Nas esquinas, nos táxis, nas camarinhas” já
haviam sido feitos. De todo modo, o eu do paulistano desvairado se diz trezentos, trezentos e
cinquenta; Leminski trama suas hipérboles ao dizer que vê, em si, o três, “o outro / e outro / e
outro” e as centenas. São recursos análogos.
O número sete é mais um algarismo ligado ao universo cristão: o mundo é criado em
sete dias (Gn 2, 2), são sete os caminhos pelos quais os inimigos fogem (Dt 28, 7), a mesma
quantidade das fortes tranças de Sansão (Jz 16, 19), e dos dias de brilho solar eterno (Is 30,
26), Jesus multiplica cinco pães e dois peixes (Mt 14, 19) e pede para perdoarem setenta vezes
sete (Mt 18, 21-22), ao passo que João destina o livro de Apocalipse às sete igrejas (Ap 1,
4)116. O eu-lírico e o poema de Drummond têm sete faces; mas são muitas, inúmeras, setenta
vezes sete faces possui o itabirano ao longo de sua extensa poesia, sem sequer mencionar
crônicas ou cartas. Ser um e ser sete: anunciado por um anjo torto, comovido como o diabo,
abandonado por Deus. Curiosamente, ao afirmar que foi desamparado pelo Pai, o eu-lírico
assume uma faceta de Cristo, aquele que diz “Meu Deus, porque me abandonaste” (Mc 15,
34). Pois quando é um cristão fraco, é um cristão forte: o verbo de Cristo habita a voz do eu-
lírico drummondiano. Aí reside uma homologia em relação a Leminski, pois o eu-lírico do

116
Cf. Bíblia de Jerusalém.
82
paranaense diz “eu estou nele”: a voz do poema está em Deus; verdadeiramente una em um
nó, verdadeiramente distinta, a sós. Assim, o itabirano e o curitibano não elaboram apenas
sujeitos cindidos e reunidos, os dois autores novecentistas assumem o verbo de uma das
pessoas da Comunidade Perfeita. O sujeito-poético leminskiano, portanto, continua relendo,
na esteira de gauche mineiro, o Sujeito pluribus unun.
Por sua vez, multiplicado nos objetos que encosta, está João Cabral; gesto um tanto
semelhante ao de Paulo Henriques Britto: este é, sobretudo, aquilo que foi mais difícil de
acostar. O ex-estranho não fala sobre ter se aproximado ou não de objetos e durezas da vida,
tampouco se foi encostado em facas ou lâminas. Já vê dentro de si outros e trens, vocês e
vagões. Não dá indícios sobre como eles entraram. Parte do momento em que já os nota
compartilhando da sua identidade. Além disso, em Cabral e Britto, o Deus cristão é bem
menos presente do que era em Dante, Goethe, Álvares de Azevedo, Augusto dos Anjos,
Mário de Andrade, Drummond e Leminski. A faca laminar – ainda que o autor de Morte e
vida severina tenha utilizado o verbo “cristalizou” em sua “Psicologia da composição” –
parece ter cortado um pouco a relação da poética com a metafísica cristã. O mesmo se assente
dizer sobre as Formas do nada. Aqui talvez figure uma forma do Nada, ao estilo de
Heidegger117. Ao cachorro louco, entretanto, não é estranha a eventualidade de “estar em
paz”, sem a Trindade por perto. O vazio é uma vereda – budista ou agnóstica – não raro
percorrida pelo bandido que se sabe cristão.
O vazio; o breve; o par; a reunião do diverso. Todas essas vias são admissíveis
enquanto expressões da ideia de síntese. Ao desenvolver sua dicção autoral passando pela
tradição do sujeito fracionado, o escritor elabora sua lírica sintética. A Trindade se faz
sínteses e habita o sujeito(-lírico) fragmentado de Paulo Leminski. Um sujeito-poético que vê
outros e outros e outros em si. No entanto, o próprio conceito de síntese é sintético, acumula
alguns sentidos já vislumbrados ao longo do cânone aqui percorrido:
o zero, o estar em paz, em silêncio, o silêncio da pedra, o gesto extinto, os vazios da
camisa, os olhos que não perguntam nada, o abandonado por Deus, Deus morto, não
encontrado, forma do nada, o que não escolhi;
o breve, um pequeno sujeito, um eu, o eu que sou, um vencido, um herói com nenhum
caráter, andorinha curta, um cérebro pouco mais ou menos de poeta, um anjo torto, o homem
atrás do bigode, o homem quase não conversa, o fraco, o comovido como o diabo, preocupado
com o em mim, com estar só, ter restado apenas os cabelos, a frialdade inorgânica da terra, a

117
Discuto um pouco a relação entre Martin Heidegger e Paulo Henriques Britto em Belúzio (2014).
83
lua, o conhaque, a faca só lâmina, o cão sem plumas, a mão lavada, a camisa vazia, ser
condensado pelo esquecimento, Oroboro;
o par, fronteiras indecidíveis, binomia, traduzir-se, ser só e centenas, um jeito mestiço
de querer isto e aquilo, capricho e relaxo, Narciso e antinarciso, órgãos de ferro e plaga etérea,
Ariel e Calibã, carbono e amoníaco, em tudo haver opostas sendas, um outro que há em mim,
no suspiro há violinos alheios, o amador e a coisa amada, cinza e ouro, harmônico e melódico,
a vida passada a limpo e as impurezas do branco, a tarde azul e os tantos desejos, os vazios da
camisa e a camisa vazia, todo mundo e fundo sem fundo, multidão e solidão, permanente e de
repente, instinto e querer, autocontrole e acaso, arquitetura e desengenharia, modernidade e
antimodernidade;
a reunião do diverso, acumular inúmeros eus, o outro, e outro, e outro, você, você, e
você, saques, piques, toques, baques, enfim dezenas, trens passando, vagões cheios de gente,
centenas, Pai-Filho-Espírito Santo, a influência dos signos do zodíaco, outros deuses buscados
no Piauí, Inferno e Purgatório e Paraíso, Dante e Beatriz e Virgílio, três e nove e vinte e sete,
ser trezentos, trezentos e cinquenta, macunaímico, um clã, poema de sete faces, o bonde que
passa cheio de pernas brancas pretas amarelas, mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu
coração, o museu de tudo, verbivocovisual, galáxia, todo mundo, multidão, sentimento-
instinto-desejo.
No próximo subcapítulo, pretendo avançar um pouco mais nas reflexões sobre estética
fragmentária de Paulo Leminski, a fim de continuar esclarecendo esses sentidos plausíveis da
síntese e os observar na profusa lírica do escritor.

84
2.2.2. Quatro sínteses em Paulo Leminski

O termo “síntese” é utilizado em múltiplos contextos. Desde o procedimento


executado por cirurgiões até o instrumento musical que reúne grande quantidade de recursos
sonoros; desde o gênero textual que atrapalha a vida dos estudantes prolixos até a produção
medicamentosa; desde uma etapa do raciocínio dialético até as possibilidades cotidianas para
o emprego vulgar da palavra. Diante da dificuldade de escolher um só sentido, resolvo não
optar por nenhum ao me apoiar em vários; diria Paulo Leminski: resolvo trair todas as áreas
para não trair nenhuma. Procuro, sobretudo, na própria obra do cachorro louco, alternativas
adequadas às noções de sínteses. O caminho me parece coerente, tendo em vista que objetivo
compreender melhor a poética do escritor. Por isso as escolhas devem ajudar a esclarecer os
poemas analisados, os quais se sustentam nesse conceito que contém outro e outro e outro... A
proximidade com os versos – essa forma de, com eles, criar sínteses – deixa também a minha
conceituação um tanto mais lírica, sem abandonar a procura pela clareza. Não nasce para ser
apenas dicionário, tampouco mero plágio de uma filosofia. Conceituação que leva alguns
quandos: cinco lendo o ex-estranho, mais cinco estudando teoria, quatro usando a internet da
vizinha, seis levando porrada, sete andando sozinho, três observando a concepção
“Romantismo” em Isaiah Berlin, dez aprendendo com Ernest Robert Curtius a desenvolver
tópicos, sete visitando a recepção crítica do poeta. Uma eternidade eu e as sínteses
caminhando junto.
Isaiah Berlin, em As raízes do Romantismo, efetua, com determinado estilo, uma
conceituação de Romantismo: uma definição ampla o bastante para dar conta de um verbete
tão largo, mas precisa a ponto de revelar a densidade do termo; sem deixar de ser lírica e
parecer poema em prosa, a conceituação está um ensaio teórico118. Ernest Robert Curtius, por
sua vez, em sua Literatura Europeia e Idade Média Latina, desenvolve argumentação a partir
de topos. Noção que, de acordo com o comentarista Segismundo Spina, pode ser tratada como
“certas formas de conduta, cristalizadas em fórmulas que se tornam chavões, lugares-
comuns”119. Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Leyla Perrone-Moisés, Fabrício Marques,
Toninho Vaz, André Dick e Fabiano Calixto e muitos outros procuram, de modos diversos,
delimitar a noção de síntese enquanto procedimento fundamental da poética leminskiana. De
118
Cf., especialmente, as p. 42-45 de As raízes do Romantismo. Cf. também “Poesia e poema”, presente em O
arco e a lira, de Octavio Paz.
119
SPINA, 2013, p. 18. Na Retórica de Aristóteles, também é discutida a noção de “tópico”. Vale ainda
observar a questão em Verdadeiro método de estudar, de Luís Antônio Verney. Sobre os autores, cf. as
considerações, em notas, de Roberto Acízelo de Souza (2014, p. 716; 353 e 365).
85
minha parte, espero que em 2.2.2. Quatro sínteses em Paulo Leminski as conceituações
sejam relativamente próximas do estilo de Isaiah Berlim, uma vez que pretendo concentrar
informações capazes de expressar os conceitos trabalhados; já na seção 2.2.3. As sínteses na
lírica leminskiana, pretendo, ainda que de um modo particular, estar próximo dos modelos
de tópicas de Ernest Robert Curtius, pois tais modelos ajudam a esmiuçar as estratégias
utilizadas por Leminski em seus poemas. Em geral, nos dois subcapítulos, dialogo com a
recepção crítica do poeta, discutida em 2.1. Abordagens da síntese lírica leminskiana pela
crítica literária, e procuro avançar na percepção de que há, na verdade e pelo menos, quatro
procedimentos fundamentais na poética de Paulo Leminski.
A síntese é aqui compreendida como (a) o zero, (b) o breve, (c) o par, (d) a reunião do
diverso. São alternativas que convém ser tratadas, no início, com independência uma da outra;
com doses de estética e didática. No entanto, ao analisar os textos, cabe notar que estamos
diante de um jardim das sendas que se bifurcam, trifurcam, polifurcam, reúnem, desfazem e
reconstroem constantemente. Os quatro princípios do pensamento leminskiano se associam e
dissociam de inúmeras maneiras, se fragmentam, se multiplicam, se concentram, se negam,
somem, pairam, sintetizam. São independentes nas suas diferenças e iguais na sua unidade.
Em verdade, não se trata de um conceito inteiramente circunscrito pelo autor. Não há uma
demarcação definitiva, localizável em obras tão poliédricas. Existem, isso sim, variadas
considerações, entretanto na ausência de um esclarecimento monovalente. Nessa lacuna, está
a relevância de imaginar o que seria a síntese, ou melhor, as sínteses. Não ignoro que possa
haver mais alternativas de definição, contudo pretendo efetuar tal recorte.
Zero é nada. Vácuo. Falta Vão. Ausência. Branco. Página pálida. Tudo escuro.
Anterior ao começo. Universo ficcional. Lenda. Conto de fada. Sonhos impossíveis. Um dia,
quem sabe, talvez. Como se fosse. Conjunto vazio. (

). La vie en close. Império extinto. Posterior ao fim. Silêncio. Segredo. Sumiço. O frio mais
frio. Winterverno. Antártida. Saara. Pasárgada. Totalmente rarefeito. Palavras apagadas contra
um papel em branco. Não. Oco. Nem. Corpo sem. Vagina vazia. Sede. Nu. Cabeça cortada.
Morte. Fantasma. Mas esse zero, que aqui aportou, pode, no não ser, ser, existindo. O nada
que é tudo. Branco da página enquanto soma de todos os textos. Pálida de tanto. Vazio agudo
meio cheio de tudo.
A ideia de breve está ligada ao singular. Um. Uma. O. A. O quase nada. O específico.
O fragmento. O que gasta pouco espaço. O que toma pouco tempo. O que possui pouco peso.
Um átomo. Um átimo. O que é exato. Conciso. Preciso. Escasso. Sucinto. Resumido.
86
Condensado. Concentrado. Superconcentrado. Supersuperfície. Mínima. Lágrima. Pálpebra.
Isso. Aqui. Já. A pedra. A pétala. A estrela. Mira telescópica. Lindésimo de centésimo de
segundo. Por um fio. O pó. A taça. O beco. O breve pode ser leve, fugaz, frágil, fácil,
efêmero; mas também denso, muito em pouco. No interior do mais pequeno, a flor do espaço
mais imenso. Um cisco de pão sendo a carne e o nunca visto de Cristo. No coração de uma
consoante, um trem para Oslo. Om. Não fosse isso e era menos. Ais ou menos. Menor. Pique.
Toque. Só. Tudo psiu.
Quanto ao par, ele opera a conjunção de dois elementos. Entre as duplas, são
admitidas relações várias, simultaneamente ou não. Adição, alternação; fusão, divisão. E. Ou.
Entre A e B. Luta de classes. Coração comercial. Versus. Oposição. Trato. Contrato.
MAIÚSCULAS; minúsculas. Caprichos & relaxos. Merda & ouro. Ana Alice. pauloleminski.
Leon e Natália em Coyoacán. Centauro, sereia; anjo, sapo. Palavra-valise gerada por dois
termos. Ideolágrima. Kamiquase. Amórdio. Am/or. Eu e ela. Amor e amizade. Átonas e
tônicas. Bemol e sustenido. Prosa e poesia. Poema em prosa. Meio dia. Meia noite. Ínterim.
Binomia. Entre-lugar. Dobra. Símile. Antítese. Paradoxo. Oximoro. Parnasiano beatnik.
Negro branco. Paixão e revolução. Narciso/espelho. Liberdade e rigor. Tensão rítmica.
Transcriação. Ensaio & anseio lírico. Crítica & teoria. Acaso arquitetado. Fogo e água na terra
dos deuses. Justaposição e/ou aglutinação. E/ou. Um mais um, noves fora nada. Um amigo
para ficar em silêncio comigo. 1 + 1 = 1. Uma fábula.
Reunião do diverso: de uma só vez, conter três ou mais elementos distintos por si
mesmos e/ou reunidos em forma de zero e/ou de breve. Neologismos colecionadores.
Yesternighteternidades papajoyceatwork mustmakesomething. Não é querer estritamente o
Nada, um resumo do livro, ou somente o Gênese e o Apocalipse; porém, querendo o silêncio
e/ou a unidade e/ou a dualidade, desejar Bíblias, Gitas, Cabalas, Koans, Alcorões, Tarôs.
Listas, catálogos, números. Trindades, os quatro elementos, cinco bares, sete quedas, dez
conhaques, quarenta clics, mil e uma noites. Ter todas as vinte e três patas, ou quase, do bicho
alfabeto pisando no corpo da frase. Saques, piques, toques & baques. Muitas teses, antíteses e
sínteses em um só tesão máximo múltiplo comum. Até que tudo ex
pl
ode
e
metaformose
ontem antes amanhãs nesse poeta afro-polaco-xavante-
nipônico-soviético-americano-greco-egípcio-babélico que é clássico-medieval-moderno-pré-
87
moderno-pós-moderno-ultra-moderno sem sair do lugar, estando em Nova Iorque e Moscou e
Paris e Madagascar com seu estilo trovadoresco-barroco-árcade-romântico-parnasiano-
simbolista-eclético-modernista-beatknik-concretista-marginal-(... ... ...)-tropicalista na sua
poesia universal progressiva...

88
2.2.3. As sínteses na lírica leminskiana

As quatro possibilidades de síntese – e decerto outras – aparecem nos livros de poemas


de Paulo Leminski: Caprichos & relaxos (1983), Distraídos venceremos (1987), La vie en
close (1991), O ex-estranho (1996), Winterverno (2001). Não estou mencionando – embora
apareçam considerações a respeito – os livretos independentes, plaquetes, páginas dispersas e
canções, uma vez que, em grande medida, eles são incorporados pelas cinco edições
supracitadas, as quais se encontram reunidas em Toda poesia, publicação aqui enfocada120.
Além disso, apesar de haver variações específicas ao longo das obras, o zero, o breve, o par e
a reunião do diverso atravessam os escritos de Paulo Leminski, desenvolvendo repertórios
menos ou mais regulares com o passar dos volumes. Geralmente, priorizo abarcar grande
parte da lírica do poeta; por isso, prefiro pegar exemplos de livros diferentes, seções distintas
de cada obra, mas sem nuançar tanto as peculiaridades de cada seção ou publicação. Foco nas
incidências um tanto recorrentes de expressões, imagens, construções sintáticas, referências
intertextuais, métricas, rimas e estrofações capazes de articular os princípios da estética
leminskiana. Zero, breve, par e reunião do diverso interagem entre si de inúmeros modos,
solvendo e coagulando alternativas de interpretação.

2.2.3.0. Zero

O zero é a forma da síntese total. A redução chegou a ponto de não haver sobra. E tudo
acabou. E tudo fugiu. E agora é manifestado. Uma das técnicas é dizendo termos como
“vazio”, “nada”, “ausência”, “vão”, “vago” “falta”, “silêncio”, “branco”, “escuro”, em muitos
casos aflorando de maneiras comuns121. No entanto, há sentidos particulares. Cabe destacar o
Nada, por assim dizer, ontológico. Algo relativamente próximo do pensamento de nomes que
marcam o século XX, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre. Questão
observada no “abaixo além”122:

120
Sobre a opção por esse volume, cf. a nota 78, presente em “contranarciso” e a tradição do sujeito(-lírico)
fragmentado.
121
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 19, 20, 22, 34, 53, 69, 79, 87, 96, 101, 117, 118, 123, 149, 178,
181, 188, 203, 211, 213, 228, 256, 260, 264, 268, 277, 280, 301, 308, 313, 316, 319, 320, 334, 336, 337, 347,
366, 371, 372.
122
Cf., p. ex., Assim falou Zaratustra, de Nietzsche; “O que é metafísica”, de Heidegger; O Ser e o Nada, de
Sartre.
89
quem me dera
um céu vazio
azul isento
de sentimento
e de cio123

O “abaixo” admite ser uma ordem, semelhante a “Abaixo a ditadura”, máxima usual nos dias
de regime militar vivenciados pelo sixtie brasileiro. O “abaixo o além”, assim, caminha para o
declínio, um tanto nietzschiano, da transcendência, o crepúsculo do Ídolo, ou uma recusa de
qualquer feitio de vida por vir, “um céu vazio / azul isento”. A perspectiva é evidente em
poemas com títulos de “sem budismo”, em trocadilho com o zen budismo, e “são não”, de
tratamento (não-)cristão124.
Por essas via, Deus é compreendido na qualidade de uma história ficcional, invenção
humana para preencher, com sua presença não presente, a falta de um sentido metafísico.
Outros elementos ficcionais são também ligados ao zero, tais como a lenda e o conto de fada
de “rumo ao sumo”125:

Raros olham para dentro,


já que dentro não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada.126

A rima externa, na sua capacidade de ocasionar homologias além das sonoras, ajuda
aproximar o “nada” e a “fada” ou o “conto de fada”. O próprio ser mitológico é uma ausência,
inexistência no mundo de carnes e ossos. Papai Noel, Papai do Céu e Coelhinho da Páscoa
podem aderir ao conjunto vazio, onde inclusive está a sereia de “[para que leda me leia]”:

para que leda me leia


(...)
precisa lenda e certeza
precisa ser e sereia
para que apenas me veja127

123
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 285.
124
Cf., respectivamente, as páginas 196 e 322.
125
Cf. também as páginas 23, 50, 226.
126
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 267.
127
LEMINSKI, 2013, Toda poesia, p. 206. Interessante também é a ocorrência de “branca de neve”,
simultaneamente branca e ficcional (p. 177), bem como da “musa” (p. 92).
90
A “lenda” é o oposto da “certeza”. É o incerto: a dúvida ou o que não é garantido.
Congruentes às fadas dos contos infantis, são lendas as sereias, habitantes dos mares
mitológicos por onde passa Ulisses em sua Odisseia. O próprio “ser” cabe nessa agremiação.
O Ser é o Nada. Ou em harmonia com o que disse Leminski, “deus algum”: indu, ogum,
vishnu, o nunca visto de Cristo; o céu está vazio de sentimento e de cio128. Ainda rente a essas
formas, apesar de menos nobres do que os deuses, são os vazios personificados em
“ninguém”, no “náufrago”, no “ex”, em “fantasma” e no “império extinto”129.
Enquanto os fantasmas sofrem de abstenção de organismos, itens corporais constituem
importante tópico. Um exemplo é a concepção de “nu” do poemínimo:

enfim,
nu,
como vim130

Reduzido ao ínfimo, o poema está nu como a voz-lírica que o enuncia. O texto, sujeito de si,
diz que lhe faltam as vestes: restam, em todo o seu corpo, apenas seis sílabas. Uma a menos
do que tradicionalmente teria o segundo verso, o setissílabo, de um haicai. A falta de roupa é
comparável, nesse âmbito corpóreo, à falta de água, na sede, e às sensações menos tácteis,
tipo a saudade e a amnésia, e até mesmo à vagina vazia, à cabeça cortada e à morte131. Em
vários momentos de Toda poesia, o eu-lírico diz sobre a perda de sensações:

a perda do olfato
eu não lamento
(...)
o paladar eu perdi
mas não porque o perdesse
tirei da cabeça
o gosto do abacaxi132

128
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 374, 342 e 285.
129
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 18, 101, 107, 175, 190, 194, 299, 337, 368.
130
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 236. Cf. também a p. 316. O poema é analisado, mais detidamente, na
seção A pobre nudez do haicai.
131
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 44, 49, 76, 180, 229. Sobre a “morte”, mais habitual do que as outras
possibilidades, cf. p. 61, 74, 102, 132, 158, 178, 234, 287-288, 321, 346. A “morte” é um tema frequente,
sobretudo em La vie en close.
132
LEMINSKI, 2013, Toda poesia, p. 46.
91
Igual a vários outros textos, aqui não há título; ou está, por conveniência, perdido? Justifica,
em todo caso, a nomeação por meio das palavras iniciais, ou seja, “[a perda do olfato]”.
Lembrando “One art”, de Elizabeth Bishop, a arte de perder os sentidos não é nenhum
mistério. O olfato e o paladar – mais singelos do que “some realms (...), two rivers, a
continent” da escritora norte-americana – sofrem o acidente de serem perdidos133. E os
sujeitos-poéticos nem lamentam, nem levam a sério. O cachorro louco, por vezes, chega
voluntariamente a tirar da cabeça o sabor do abacaxi.
Entretanto, em outras situações, é impossível perder um determinado elemento; se fala
do que nem começou, em “aviso aos náufragos”:

Nasceu para ser praia,


quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.134

O “que não nasceu ainda” é um feto. Ou anterior. Uma espera, um plano. Um zero. Contíguo
a lugares ermos. A galáxia de Andrômeda, localizada ao lado da Via Láctea, mas a muitos
anos-luz daqui; Antártida, o extremo sul do planeta, o continente mais frio e mais seco;
Himalaia, a mais alta cadeia montanhosa do mundo. A utilização de lugares é costumeira.
Aparecem “orientes findos”, “deserto”, “abismo”, “países / que eu nem chego a madagascar”,
“Saara”, “pasárgada / xanadu ou shangrilá”, e também o “cemitério municipal”135. Aliás,
noções temporais fazem esse papel: “nunca”, “never”, “jamais”, “primeiro de abril”, ou o
terceto de um poema não batizado136:

soubesse que era assim


não tinha nascido
e nunca teria sabido137

133
Cf. BISHOP, 2006.
134
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 175. Ver também p. 98 e 223.
135
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 50, 59, 77, 105, 185, 211, 229, 295, 308.
136
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 48, 98, 109, 185, 187, 229, 259, 265, 342, 361.
137
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 101.
92
O eu-lírico se projeta em um vácuo temporal, um quando não haveria, a recusa do
nascimento. São relativamente análogas as construções “não tinha nascido / e nunca teria
sabido” e “a que não nasceu ainda”. O tempo em que não teria comemorado os dias de
aniversário, em que talvez fosse feliz por não ter nascido, é um nada. No quando nenhum,
nem sequer se saberia que não se sabe.
A estrofe anterior traz outras marcas. Uma delas é o verso começar com a palavra
“não”. Faz parte do estilo de Paulo Leminski iniciar negando. O corte se dá, mesmo quando
há enjambement, antes da negação. Para citar outra escrita inominada138:

a uma carta pluma


só se responde
com alguma resposta nenhuma
algo assim como se a onda
não acabasse em espuma
assim algo como se amar
fosse mais que bruma139

Repleta de vazios, a estrofe sugere “alguma resposta nenhuma”; assopra um som sibilino de
espumas flutuantes inexistentes, “como se a onda / não acabasse em espuma”. Acumulando
“como se”, lembra o que não é, ou que podia ter sido e que não foi, em concórdia com
“Pneumotórax” de Manuel Bandeira140. E “assim algo como se amar / fosse mais que bruma”,
sendo a própria bruma uma condição rarefeita. Mas a ocorrência para qual gostaria de chamar
a atenção é o “não acabasse”, o verso que inicia com o advérbio de negação seguido de um
verbo. É frequente o “não” anteceder verbo no infinitivo ou conjugado. Há casos específicos
mais utilizados, entre eles o “não saber”. Avança o rumo – por meio de recursos
morfossintáticos – da dissolução do conhecimento em, p. ex., uma quadrinha sem nome141:

O que o amanhã não sabe,


o ontem não soube.
Nada que não seja o hoje
jamais houve.142

138
Além do “não”, o “nem” é assíduo nesse caso. Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 15, 35, 68, 88,
122, 140, 158, 181, 214, 273, 317, 333, 352, 362, 381.
139
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 352.
140
Cf. BANDEIRA, 1993, p. 128.
141
Cf., p. ex. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 107, 178, 226, 229, 332.
142
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 342.
93
A dupla incidência de [advérbio de negação + verbo] dilui a ciência do amanhã e do ontem.
Nenhuma coisa que não seja o hoje – o agora, o percebido prontamente – não há. Leminski
prioriza o conhecimento imediato. E termina sugerindo o que “jamais houve”.
A rarefação da experiência, no entanto, é um modo de também erguer uma lacuna.
Lembra uma ocorrência mostrada duas citações atrás, o “como se”. Em muitos momentos,
sonhos impossíveis; paraísos artificiais; um dia, quem sabe; quem dera; ilusões; desejos;
projeções de um futuro improvável143. Abaixo, essa ausência presente se revela em uma
quadra que não tem título:

Quem me dera
um mapa do tesouro
quem me leve a um baú
cheio de mapas do tesouro144

“Quem me dera” abre o texto criando a expectativa, a ilusão, o desejo. Projeta um sonho, um
anseio lírico: um guia dos guias. A síntese patente no “mapa” é um breve, se penso que se
trata de um objeto apenas, possivelmente pequeno, a redução sintética de uma realidade. Ou
quem sabe uma reunião do diverso, pois o “mapa do tesouro” leva “a um baú / cheio de mapas
do tesouro”. Contudo, não existe, quem dera existisse. É um vazio. Um nada sonhando um
tudo.
A abstenção que projeta uma presença impossível; o avesso é a concretude que se
desfaz em zero. Vários poemas leminskianos trazem a melancolia da dissolução. O kamiquase
que um dia ia ser Homero e acabou pequeno poeta de província; aquele mesmo que se
apagou, diluiu, desmanchou, até não restar mais que o charme; escreveu desaparecenças,
como as nuvens brancas passam em brancas nuvens, a imagem de uma estrela cadente que
pousa na mão, a Torre do Tombo145. Algumas sessões de livros, no modelo de “Kawa cauim:
desarranjos florais”, são especialmente marcadas pelo signo crepuscular saturnino, pelo que
está só de passagem. Além desses haicais, a ideia do poente é forte em “minhas 7 quedas”:

143
Cf., p. ex, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 16, 31, 67, 90, 116, 179, 228, 247.
144
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 16.
145
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 48, 59, 71, 77, 84, 91, 101, 115, 145, 164, 194, 219, 282, 309,
343, 368, 373.
94
minha primeira queda
não abriu o paraquedas

daí passei feito uma pedra


pra minha segunda queda

da segunda à terceira queda


foi um pulo que é uma seda

nisso uma quinta queda


pega a quarta e arremeda

na sexta continuei caindo


agora com licença
mais um abismo vem vindo146

Sete são as quedas como são as faces drummondianas, ou como os setenta vezes sete perdões
sugeridos por Cristo. Uma hipérbole. E uma referência à cachoeira Sete Quedas, então
localizada em Foz do Iguaçu, no estado do poeta paranaense. No Rio Paraná, havia dezenove
cachoeiras, as quais costumavam ser divididas em sete grupos de quedas, ocasionando o nome
do lugar e do texto. Porém, com a construção da Hidroelétrica de Itaipu, a região foi alagada,
restringindo no tempo a informação utilizada pelo escritor147. Ao longo do poema, não
irrompem outras alusões à cachoeira, embora se edifique um percurso que leve a sete caídas.
Estas são desenvolvidas com diversidade: sem paraquedas, feito uma pedra, um pulo que é
uma seda, a quinta em arremedo da quarta e assim declinando ao abismo final: a página em
branco.
Revelando afinidades com o pôr do sol, grande parte dos poemas visuais desenha um
traço descendente na folha, rumo à página pálida. Lembrando o plano representacional
desenvolvido por René Descartes, que influencia o Catatau, vale destacar que as manchas
gráficas tracejam linhas do quadrante superior esquerdo para o quadrante inferior direito, o
final de um movimento parabólico148:

146
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 59.
147
Sobre as circunstâncias históricas da construção da Usina de Itaipu, cf. Edson Belo Clemente de Souza
(2005).
148
O texto a seguir está na página 154 de Toda poesia, 2013. Cf. também p. 37, 73, 97, 117, 138, 163, 238, 301,
375. Esse topos desenvolvido por Leminski é mais frequente em seus primeiros livros. Quanto ao poema abaixo,
ele é comparável a “De tanto pensar, Sem nome, me veio a ilusão”, presente no Sobre a tua grande face (1986),
de Hilda Hilst. Cf. HILST, 2017, p. 430.

95
Figura 1

Sugerindo os três versos de um haicai, o poema articula estratos sonoros e visuais e delineia
conceitos de síntese, indo do breve (“lua”) ou feito em par (“lua na água”) para o zero (“lua
alguma”). Na parte superior, uma progressão de uma bola negra em contraste com o fundo
branco, lembrando o negativo de uma fotografia. O globo está se deslocando: primeiro,
aparece inteiro e no centro da página; depois, cai um pouco e caminha para a lateral; por fim,
resta um pedaço do satélite, já bem ao canto. Apesar de o último retrato corresponder a apenas
uma parte do círculo, este poderia ser visto como uma lua crescente; embora caída, crescente.
Esse processo imagético é relativamente acompanhado pelos versos, dispostos na metade
inferior da página. São espécies de três pares: “lua na agua / lua na agua”; “alguma lua /
agua”; “lua alguma / lua”. Há uma sobreposição de diversidades e contradições. Mas, além
delas, permanece, ao final, solitário, o astro. Na primeira dupla, com a imagem espelhada (na
água?), as palavras são dobradas, de modo que, na parte de baixo, refletem os verbetes
colocados acima; em seguida, a “alguma lua”, em cima, contrasta com a “agua”, embaixo; ao
final, sobre a “lua”, “lua alguma”. A progressiva queda deixa o texto, em sua conclusão, um
céu deserto.
96
Aquém do satélite natural da Terra, determinados objetos. O “relógio parado” (uma
vez que não movimenta), o “lixo” (reunidor de descartados), o “inutensílio” (o utensílio
inútil), “coisas que nunca tive” e “leque de abismos” desse “[beco sem saída]”149:

no beco sem saída


caminhos a esmo
o leque de abismos
entre um eco
e seus mesmos150

O “beco” e o “leque” são também formas de breve, se enxergados isolados, pois são estreitos,
pequenos. Denotam uma brevidade meio vazia, principalmente devido às expressões que
acompanham os substantivos. Marcados por sinais de menos: “sem saída”, “de abismos”.
Beiram até imagens surreais, isso é, impossíveis no mundo real, não obstante parasitando o
universo concreto, com o intuito de esboçar uma figura improvável. Por exemplo, os abismos,
em estrito e em suas vastas extensões, estão impedidos de compor leques, feitos a fim de
flanarem em folhas por vazios aéreos modestos.
Outro importante vácuo é o métrico, ou seja, verso no qual não se pode contar
nenhuma sílaba poética. No geral, tais incidências correspondem a monossílabos átonos ou
dissílabos átonos, além de linhas constituídas apenas por consoantes ou sinais gráficos. Tais
casos são encontrados, sobretudo, nos poemas visuais, como em [dissabor]151.

Figura 2

149
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 114, 187, 223.

150
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 265.

151
O texto a seguir está em LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 132. Pensando não apenas nos textos visuais, mas
de modo geral, o metro zero pode ser visto em, p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 22, 40, 75, 97, 114,
162, 238, 299, 346 e 384.
97
Na última estrofe, o penúltimo verso é formado somente por um pronome pessoal oblíquo
átono, categoria gramatical que já traz em sua própria designação o indicativo de ausência de
tonicidade. Aliás, observando o enjambement, especialmente em “aqui / me / jazo”, é ainda
mais clara a percepção de que o “me” corresponde a uma sílaba fraca ladeada pelas tônicas
“-qui” e “ja-”. O sujeito-lírico, demarcado pelo pronome de métrica vazia, afirma estar morto,
jazendo no texto.
Algo semelhante é observado no poema a seguir:

a quem
interessa
esse
além
sem pressa
?

a mim
este
aquém

o
além
a
quem
interessar
possa152

Dos quinze versos, três apresentam metro zero: o ponto de interrogação, ao final da primeira
estância, e os monossílabos fracos da terceira, ou seja, as vogais “o” e “a”. A vogal feminina,
alocada entre as tônicas homófonas “-lém” e “quem”, tende a ser demarcada como átona; a
masculina, separada do termo “além”, pode com a primeira sílaba dele talvez criar uma elisão
de duas átonas, ou ser lida apenas como um segmento fraco isolado. Em consonância, a
estrofe assinalada por dois vazios está abordando o “além”, o que há de vir, um mundo que,
supostamente, existe depois deste aqui-agora, mas que talvez não passe de Vazio, ausência de
som e sentido. Essa dúvida metafísica é ainda demarcada pelo sinal de interrogação, capaz de
questionar a quem interessa o além sem pressa, como se perguntasse se há, de fato, algum Ser
interessado em algo do mundo aquém.
Assim como o verso de métrica vazia expressa o zero, linhas de poucas sílabas
poéticas por vezes também o fazem. Nesses casos, a curta extensão costuma indicar que ali,

152
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 291.
98
conjuntamente, está um silêncio grande e expressivo. A próxima quadra ajuda a compreender
essa alternativa153:

Com/pra a/ bri/ga/ das/ coi/sas E. R. 6 [1-3-6]


Gi/gan/te em/ vão E. R. 4 [2-4]
Con/tra a/ pa/re/de/ bran/ca E. R. 6 [1-4-6]
Pre/ga a/ pal/ma/ da/ mão154 E. R. 6 [1-3-6]

Constituído por três hexassílabos e um quadrissílabo, é justamente ao enunciar o “Gigante em


vão” que o poema traz o seu menor verso. Em uma alternativa de leitura, o gigante referido
pode ser pensado como um personagem ficcional, um ser na estirpe de Golias e Adamastor;
no entanto, ao contrário dessas criaturas enormes, Paulo Leminski formula um gigante que, na
verdade, é um anão155. Seu gigantismo é em vazios, assim como o segundo verso da quadra é
repleto de vão. Até mesmo visualmente se pode notar, por contraste, a falta de uma parte do
bloco gráfico do texto. Na segunda linha, o branco da página avança em direção ao verso
nanico.
Por vezes, o verso de curta extensão, enquanto expressão do zero, é colocado logo
abaixo de linhas maiores, organizadas de modo decrescente. A queda métrica, nesse sentido,
caminha para a expressão do vazio crescente, algo que lembra certa dissolução da concretude,
rarefação da experiência, imersão melancólica em um nada. Guardando afinidade com o
crepúsculo, esse modo de dissolver o som procura indicar a ausência que há logo após o
último verso, como no próximo haicai.

luz/ na/ noi/te E. R. 3 [1-3]


o es/cu/ro E. R. 2 [átona-tônica-(átona)]
foi-/se156 E. R. 1 [tônica-(átona)]

153
A partir desse momento, demonstro, em certas ocasiões, o Esquema Rítmico (E. R.) dos poemas. Para tanto, o
número colocado em destaque é o de sílabas métricas; entre colchete, segue a indicação de cada uma das sílabas
acentuadas, as quais estão negritadas no corpo do poema. Recorrendo a essas possibilidades de expressão,
procuro, principalmente, simplificar alguns apontamentos de Antonio Candido (2006, p. 82) e seguir, em certa
medida, o raciocínio de Norma Goldstein (2005, p. 14). Discuto um pouco esse modo de grafar o ritmo em Uma
lira de duas cordas, especialmente no segundo capítulo do livro.
154
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 15. Cf. também, p. ex., as p. 53, 154, 236 e 334.
155
Sobre Golias, cf. o capítulo 17 do Primeiro livro de Samuel, na Bíblia de Jerusalém; sobre o Gigante
Adamastor, cf., p. ex., o “Canto V” de Os Lusíadas, de Luís de Camões.
156
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 365. Cf. também, p. ex., as p. 53, 118, 144, 163, 235, 313, 345, 362. Em
outra poetisa um tanto contemporânea de Paulo Leminski, Orides Fontela, esse modo de dissolução métrica é
muito frequente. Procurei discutir o assunto no ensaio “Silêncio (o metro como elemento construtivo do vazio na
poesia de Orides Fontela)”, publicado, em 2018, na revista O eixo e a roda.
99
Enquanto um haicai tradicional conta dezessete sílabas, aqui são notadas seis; ademais, as
dezessete normalmente estão dispostas em cinco-sete-cinco, e aqui há três-dois-um, além do
branco da folha, observado na sequência da expressão “foi-se” (expressão que também pode
ser ouvida como “foice”). A queda métrica dialoga com o breu que se vai e encontra a página
pálida. Reforçando ainda o contraste do chiaroscuro sonoro, o verso “/u/ esc /u/ r /u/” é
marcado com três sons /u/, ao passo que, ao se dizer sobre a perda do negrume, há duas
incidências de /i/, iluminando o poema: “fo/i/ s/i/”.
Outra expressão do zero é o hiato dentro do verso. Contudo, é difícil demarcar o
momento em que ele está presente na obra de Paulo Leminski. Se o autor escrevesse apenas
versos regulares, mantendo um padrão silábico, o leitor conseguiria identificar, com maior
facilidade, quando hiatos e elisões são elaborados. Todavia, o cachorro louco muito se vale de
linhas polimétricas repletas de tensões entre as alternativas de leituras, dificultando a certeza
de que se está diante de um vazio sonoro. De todo modo, há ocasião em que o poeta utiliza a
palavra “hiato” e, no mesmo verso, constrói abismos audíveis, como se escuta nos “ais ou
menos”:

(1) Senhor,
(2) peço poderes sobre o sono,
(3) esse sol em que me ponho
(4) a sofrer meus ais ou menos,
(5) sombra, quem sabe, dentro de um sonho.
(6) Quero forças para o salto
(7) do abismo onde me encontro
(8) ao hiato onde me falto.
(9) Por dentro de mim, a pedra,
(10) e, aos pés da pedra,
(11) essa sombra, pedra que se esfalfa.
(12) Pedra, letra, estrela à solta,
(13) sim, quero viver sem fé,
(14) levar a vida que falta
(15) sem nunca saber quem é.157

O poema é polimétrico, e essa estruturação, como dito, dificulta demarcar elisões e


distanciamentos. Mas, centrando os ouvidos na questão dos prováveis hiatos, assinalo os
encontros vocálicos em (2), (5), (6), (7), (8), (10), (11) e (12). A priori, a elisão parece mais
provável em cinco dessas construções, pois nelas há proximidade de duas vogais átonas, ou de
uma átona seguida de uma tônica, e, no meio dessa espécie de ditongo, não há vírgula ou
referência ao termo “hiato”. Esses casos supostamente mais simples estão em (2), (5), (6), (7)

157
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 211.
100
e (11). Todavia, não se pode desprezar a possibilidade do hiato nem mesmo nesses episódios,
pois o poema como um todo interage com o que é dito entre os versos (6) e (8): “Quero forças
para o salto / do abismo onde me encontro / ao hiato onde me falto”. O sujeito-lírico,
destacando o “hiato”, recurso sonoro capaz de expressar o abismo, o vazio, o zero, e,
elaborando encontros vocálicos, cria tensões entre o abismo e o encontro, o hiato e a elisão.
Assim, apesar de toda a dificuldade de estabelecer com precisão quando o poeta engendra o
vão acústico, é admissível que esta estrutura seja buscada pelo escritor em certos momentos e
que tal procedimento consiga, a seu modo, expressar o zero.
Um pouco mais fácil é notar a ausência de rima, como em “ópera fantasma”:

Nada tenho A
Nada me pode ser tirado. B
Eu sou o ex-estranho, B’
o que veio sem ser chamado B
e, gato, se foi C
sem fazer nenhum ruído.158 D

Está desde o título a importância dada à noção de ausência e à sonoridade. No correr da


sextilha, a rima longa é utilizada em “tirado/chamado”. Continuando e rompendo com esse
pareamento sonoro, o termo “ex-estranho” se aproxima do som apresentado no final da linha
anterior, embora a nasalização cause algum estranhamento. Ademais, o sujeito-lírico, ao
afirmar “Nada tenho” e, ao dizer que vai embora “sem fazer nenhum ruído”, utiliza versos
brancos, espécie de forma acústica do zero. Ao terminar o texto sem deixar vestígios sonoros,
não cria rima externa.
Além de os escutar, Paulo Leminski os abismos viu e os compõe um amplo leque.
Sabia que “Poema que é bom / acaba zero a zero”. Encharcado de ausências. Em suma, por
meio de recursos como termos isolados, elementos ficcionais, corporais, espaciais, temporais,
referências a objetos, personificações, recursos sintáticos, sonhos impossíveis, dissoluções,
recursos visuais, versos de métrica vazia, linhas de curta extensão, estrofes com o metro em
queda, hiatos, versos brancos, entre outras viabilidades aqui silenciadas, o escritor
desenvolveu sínteses.
Esses zeros, no entanto, admitem assumir um branco que não é apenas vácuo, porém a
soma de todas as cores, “onde a forma perdida / procura seus etcéteras”159. Pálida de tanto, em
“[plena pausa]”:

158
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 278. Doravante, ao demonstrar rimas, negrito a sonoridade final do verso e
uso letra indicativa, mais à frente.
101
Nenhuma página
jamais foi limpa
Mesmo a mais Saara,
ártica, significa.
Nunca houve isso,
uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto.160

Todo o branco do polaco parece gritar por Cruz e Sousa, o negro branco biografado em Vida.
Contudo, “[plena pausa]” clama ainda por Mário Quintana, que havia dito sobre as páginas
pálidas de susto:

O TERRÍVEL INSTANTE

Antes de escrever, eu olho, assustado, para a página branca de susto.161

A página, que é pálida de susto, em Mário Quintana, é pálida de tanto, em Paulo Leminski. A
folha jamais foi limpa, está cheia das impurezas do branco, uma lacuna que sempre significa,
mesmo sendo Saara ou ártica. Assim, todo o repertório de vazios, elencado até aqui, pode
viver dentro de um par: a plena ausência e/ou as presenças que encharcam as pausas. O zero,
uma forma de nada, suporta ser tudo. A reunião do diverso. Quando em movimento, todo o
espectro de cores é apenas branco, sem deixar de ser todo o espectro de cores. O silêncio
grávido de sons. O breve, que será examinado a seguir, continua a trazer a possibilidade de no
mínimo conter o máximo. Por ora, antes de terminar a discussão, ou talvez justamente após
ela, e sem deixar de ser ela, o espaço em branco que há, ao término dessa frase, é semelhante
ao vácuo gráfico tão comum na lírica leminskiana; um outro zero:

159
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 223.
160
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 185.
161
QUINTANA, 2007, p. 360.
102
2.2.3.1. Breve

O breve é mais do que o zero e menos do que o par. Em geral, as possibilidades de


2.2.3.1. passam, de alguma forma, pelo uso do singular enquanto categoria gramatical. Não é
o nada, mas um quase nada, o pouco acima do vazio. Não chega a ser o plural, porque, se for
dois, será o par. E se acumular ainda mais, tenderá à reunião do diverso. Assim, sobressai o
“um”. Nesse particular, o “um”, tanto como artigo indefinido, quanto como numeral, é
frequentemente usado162. Na verdade, é muito comum Paulo Leminski se valer de tal
tensionamento das duas classes gramaticais. Indicar a quantidade escassa e, em simultâneo,
vaguidão, logrando referir a qualquer elemento, “um qualquer”. Por vezes, o “um” também
dimensiona singularidade. No feminino, em “[aves]”,

aves
de ramo
em ramo

meu pensamento
de rima
em rima
erra

até uma
que diz
te amo163

a palavra “uma” surge no primeiro verso da terceira estrofe. O vocábulo consente se referir a
mais de um dado visto no próprio poema. A questão é: quem diz “te amo”? Alguma ave,
devido ao discutido na primeira estrofe, ou alguma rima, em função da segunda estância? O
texto prefere tensionar as duas alternativas; a ambiguidade é arquitetada. Paralelamente,
ocorre a sobreposição entre artigo indefinido e numeral: (i) “uma” pode ser qualquer uma,
sem se definir claramente quem é o “uma”; (ii) bem como o “uma” pode equivaler a certo
número, a unidade singular, já que as estrofes anteriores sugeriam listagem quantitativa, “de
ramo / em ramo”, “de rima / em rima”; (iii) além da ideia de indefinição, típica do “uma”, o
termo figura ajustado à perspectiva de que se trata de um componente especial, posto ser
quem diz “te amo”.

162
Outros usos de “um” – alguns com tensão e outros sem, bem como o caso em língua francesa e o que utiliza o
algarismo arábico – aparecem em LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 16, 31, 69, 106, 113, 137, 158, 165, 177,
224, 234, 243, 306, 340, 351 e 363.
163
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 37.
103
Ademais, o artigo definido é recorrente, aparecendo, sobretudo, no singular, embora
suas incidências porventura dimensionem sentidos menos intensos, ordinários164. Em geral, o
que é posposto ao artigo merece maior atenção. Entretanto, vale destacar momentos quando
um verso – todo ele – é constituído por apenas um artigo definido singular, ou por letra única,
ou pouco mais que isso, palavra fracionada, enfim, minúcias. Acompanhando algumas dessas
alternativas, recursos associados à poética de e. e. cummings: a fragmentação e atomização
dos vocábulos, a microrritmia, as letras que exercem certo individualismo, lembrando também
Un Coup de Dés, de Mallarmé165. Por exemplo, um texto da seção “sol-te”, de Caprichos &
relaxos166:

Figura 3

164
Observar, p. ex., ocorrências em LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 15, 33, 68, 83, 115, 135, 158, 162, 179,
216, 236, 262, 316, 347, 354, 362, 378.
165
Sobre o poeta estadunidense, cf. os originais, as traduções, os estudos e as correspondências de Augusto de
Campos (2012). Quanto ao escritor francês, a edição de 2015 do volume Mallarmé, organizado pelos irmãos
Campos e por Décio Pignatari, ajuda a compreender a discussão. Nas obras leminskianas, cf. Toda poesia, 2013,
p. 33, 73, 97, 114, 138, 162, 238, 256, 299, 346, 361 e 378. Tais recursos são mais frequentes nos primeiros
livros do autor.
166
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 145.
104
Na primeira linha, o artigo está fundido à preposição, o que ocasiona o “da” enquanto [de +
a]. Assim, o eu-lírico localiza uma árvore específica, ainda que o outono seja repleto delas.
Logo após, os seis versos formados por artigos definidos masculinos singulares, seguidos por
letras de “OUTONO”, atomizam os caracteres, dão individualidade única às letras, ressaltam
a queda. Como visto no zero, aqui o traço gráfico da página vai do quadrante superior
esquerdo para o inferior direito da folha, assinalando o “tombo”. Este é anunciado no
penúltimo verso, antecedido pelo “um”, o qual funciona, concomitantemente, de pronome
indefinido e numeral. De modo amplo, alguns desses recursos gráficos viabilizam o breve.
Diferem da possibilidade do zero visual, pois não resultam, após a queda, em um nada, mas
geram uma reflexão sobre “um tombo / só”.
O último verso supracitado, o verbete “só”, ele admite significar “sozinho” e
“somente”, dupla expectativa apreciada em “contranarciso”167. Outros advérbios e pronomes
demonstrativos constroem a noção de breve agora enfocada, recurso intensificado na
quadrinha de Quarenta clics em Curitiba:

isso?
aqui?
já?
assim?168

O traço metalinguístico salta aos olhos em um poema questionador de algo breve e dono de
quatro palavras. A primeira, o pronome demonstrativo “Isso”, anteposto a uma interrogação,
denota certo ar de desprezo, como quem diz “Só isso?”, “Apenas isso?”, arguindo, com ironia,
a escassez que lhe é essencial. Sem falar que “Isso” mira um objeto que estaria próximo, a
uma pequena distância, a um curto trecho de espaço. A sugestão é reforçada pelo “Aqui?”,
advérbio que funciona tanto para a dimensão espacial – no sentido de “neste lugar”, conectado
ao “Isso?” – quanto para a dimensão temporal – em uma variante menos erudita da língua, no
sentido de “este momento”, mais ligada ao “Já?”. Dessa maneira, “Aqui” acaba sintetizando
ideias de tempo e espaço, funcionando muito bem de transição entre o primeiro e o terceiro
verso, uma vez que o advérbio “Já” salienta concepções na esteira de “imediatamente”, “agora
mesmo”. A última linha, “Assim?”, ela conclui, embora com a inclusão existente em uma
pergunta, o breve. Como se interrogasse: a concentração que foi empregue “Aqui”, nessa

167
Cf., ainda, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 40, 86, 313, 338 e 346. Quando à forma “sozinho(a)”, cf. p.
219, 253 e 320; a variante “solitário”, cf. na p. 286. O poema “contranarciso”, por sua vez, é analisado na parte
“contranarciso” e a tradição do sujeito(-lírico) fragmentado.
168
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 21.
105
quadrinha, “Já” está terminando? “Assim?”, meio de repente? Em todo esse resumido texto, a
síntese enquanto brevidade está bastante marcada.
Não só na indicação adverbial há questões relativas às medidas. O tempo curto, ou
específico, é ainda demarcado por proposições análogas a “este dia”, “um dia”, “dia
cinzento”, “noite”, “outono”, “segundo”, “ontem”, “esta manhã”, “de repente”, “instante”,
“este momento”, “outubro”169. O autor precisa um momento e testemunha velocidade. O que
passa rápido, o que acontece repentinamente. Algumas datas e ocasiões específicas também
servem ao poeta, “sexta feira / cinza”, “dia de reis”, “1º dia de aula”, “primeiro frio do
ano”170. O pequeno espaço segue mais ou menos a mesma toada. Leminski, fotógrafo verbal,
usa sua lente de palavras para focar detalhes, minúcias. Observa: “o beco”, “centímetros”,
“naco de carne crua”, “nesta pedra”, “na beira-mar”, “no chão”, “um círculo”, “em sua
bagagem”, “estão perto”, “distâncias mínimas”, “uma cidade”, “Mínimo templo”, “la vie en
close”, “o velho poço”, “quadra, quadrinha”, “jardim da minha amiga”, “bar das putas”, “a /
torre”171. Completando a lista de medidas espaço-temporais, o peso, constatado em “uma
grama depois” e no haicai a seguir, capaz de sintetizar172:

minha alma breve breve


o elemento mais leve
na tabela de mendeleiev173

A alma é breve, de pouca duração no tempo, resumida, concisa. Para além de noções
cronológicas, o espírito é “leve”, tranquilo, de pouco peso atômico; um elemento na Tabela de
Mendeleiev, este espaço-resumo. A conhecida Tabela Periódica é, por si só, sintética. Dispõe,
sistematicamente, todos os elementos químicos em uma única imagem. Espécie de guia.
Afora a Tabela de Mendeleiev, que, se materializada, impressa, corresponde a um
artefato, outros objetos são utilizados. O mapa é um deles. A quadra subsequente, comentada
ao discutir o zero que se faz por meio de sonhos impossíveis, anuncia:

169
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 24, 31, 311, 115, 113, 182, 188, 212, 329, 222 e
334.
170
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 54, 103 e 121, 238.
171
Cf. respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 23, 37, 60, 68, 107, 118, 148, 158, 165, 180, 229,
234, 243, 306, 334, 354, 365, 373.
172
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 184.
173
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 322.
106
Quem me dera
um mapa do tesouro
que me leve a um velho baú
cheio de mapas do tesouro.174

Um mapa é a síntese de um espaço da realidade. Miniatura do mundo. Representação


bidimensional de um ambiente tridimensional. Em conformidade com o poema, o mapa é um
artifício que, em pequena escala, diz sobre os caminhos amplos, como a poética. E o mapa
desejado pelo sujeito-lírico deve levar a um baú, outra feição da síntese: um lugar para
guardar objetos, roupas, comidas, armas, peças de valor e tesouros piratas. O tesouro
almejado na quadrinha é justamente um mapa das riquezas. Mise en abyme, a pequena
estrutura em abismo, sugere uma carta geográfica que leve a um baú de cartas geográficas:
uma síntese que leve a uma síntese de sínteses: um objeto mínimo que indica outro objeto
mínimo capaz de conter o máximo de objetos mínimos. E são muitos outros encontrados no
fundo do baú poético leminskiano: “um livro”, “a página”, “um papel”, “a máquina”, “o fio da
foice”, “o / vidro”, “um objeto”, “a porta”, “a linha clara”, “pó”, “um antigo caderno”, “a
pena”, “um táxi”, “taça”, “uma carta pluma”, “mesa”, “a lâmpada”175.
Um dos objetos mencionados é “uma carta”. Acontece de poemas lembrarem epístolas
– ou bilhetes, comunicados, avisos, orações, entre outros – não apenas as mencionando
textualmente, mas por meio da forma de organizar o texto. É comum o ex-estranho começar
utilizando a estrutura SVO da língua portuguesa, ou seja, apresentar a frase na ordem direta,
encadeando Sujeito-Verbo-Objeto. Com uma particularidade: o sujeito é isolado no primeiro
verso, de modo que, na quebra da primeira para a segunda linha, ainda que não haja uma
vírgula, é criada uma expectativa de que o sujeito funcione de vocativo. Ou mesmo termos
isolados, sem a sequência SVO, podem denotar a função de vocativo. Nesse processo, são
tramadas personificações e o poema admite ser lido como um texto endereçado176.

174
Leminski, Toda poesia, 2013, p. 16.
175
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 16, 49, 73, 91, 116, 135, 158, 165, 204, 222, 235,
302, 306, 340, 352, 366, 377.
176
Cf. também, p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 20, 38, 68, 95, 115, 204, 211, 239, 247, 308, 331, 363.
O poema colocado a seguir está na página 153.
107
Figura 4

A disposição das palavras no papel se vale do espaço em branco da folha. As letras são
grafitadas na página-parede. Nesta, o deslocamento do primeiro verso sugere a configuração
de uma carta: a linha um pouco adiantada na tabulação, se comparada com as outras duas, e
pertencente a uma estrofe anterior. Assim, o suposto vocativo “palpite” vira uma prosopopeia.
No singular, caminha ainda no sentido de breve. Essa perspectiva é a que destaco aqui. Pois a
estruturação de poemas enquanto epístolas dá singularidade a determinados termos, sendo que
grande parte das supostas missivas são remetidas a elementos incomuns. Consoante a isso, no
caso supracitado, o artigo definido singular, que antecede “graffite” e “limite”, também ajuda
a desenvolver brevidades.
108
O “palpite” é personificado. Ademais, há nomes ao longo de Toda poesia. No geral, os
indivíduos são tratados em suas singularidades. Provavelmente, Alice Ruiz seja a mais citada,
contudo ocorrem outros. Berenice, Caetano Veloso, Glabuer Rocha, Matsuo Bashô, James
Joyce, Leonardo Boff e vários, inclusive ele próprio: “o pauloleminski / é um cachorro
louco”177. Pronomes pessoais – como já mostrado em “contranarciso” – seguem adjacentes a
essa via.
No entanto, chamo a atenção para casos em que as pessoas são indefinidas, mas
singularizadas. Em situações, o cosmopolita das araucárias fala de alguém aparentemente
específico, porém o universaliza. Tensiona o breve e a reunião do diverso. Ou, até mesmo,
aquele e o zero, já que a dissolução da singularidade, embora singularizando, torna a suposta
presença uma ausência. Espécie de sinédoque, pois no trato do particular está a referência ao
geral, ao qualquer um. Como “Gente que mantém / pássaros na gaiola”, “um grande poeta
inglês”, “business man”, “todo bairro tem um louco”, “freguês distinto”, “prima”, “um amigo
que perdeu a memória”, “quem me queima”178. Em “[um homem com uma dor]”, de La vie en
close, com notas tristes, a universalização da experiência íntima:

um homem com uma dor


é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante179

O homem com uma dor: o bandido que se sabia alcóolatra não estava bem de saúde; e/ou
qualquer outro homem, um universal. O sujeito é indefinido e especificado, ganha atributos de
elegância, caminha de um modo próprio. Tudo isso sob a vaguidão da lírica, também a fim de
que o leitor consiga se identificar com o texto, reconhecer a si mesmo no alguém que não é
ninguém, sendo todo mundo.
Assim como o zero grávido de incontáveis números, o breve pode agrupar vastidões:

177
Cf., p. ex., p. 31, 67, 78, 102, 140, 157, 190, 226, 246.

Cf., respectivamente, p. 17, 31, 49, 73, 109, 131, 158, 180, 227, 247, 284. O poema “[business man]” dialoga
178

com a música “Too much monkey business”, de Chuck Berry, especificamente no verso inicial, mas também
com “Straberry fields forever”, dos Beatles, mais ao final.
179
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 284.
109
e no interior do mais pequeno
abre-se profundo
a flor do espaço mais imenso180

Nesse “in honore ordinis sancti benedicti”, a Ordem de São Bento sabe que no mínimo há o
máximo. Coincidente à ocasião menos religiosa em que o eu-lírico diz “pariso / novayorquizo
/ moscoviteio / sem sair do bar”181. Mesmo parado no boteco, vai a vários lugares. A
articulação do mínimo com o máximo é um dos mais importantes procedimentos da síntese
leminskiana. No breve, está a reunião do diverso; “quanto menor / mais do tamanho da china”
e “a sombra máxima / pode vir da luz mínima” 182:

tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu183

Acima, “por um lindésimo de segundo”. Em seu instante ínfimo, “tudo” está. E está no
sujeito-lírico: “tudo em mim”. No atrito, as relações entre o menor (marcado pela rima
fio/macio/psiu) e o maior (a anáfora de sete “tudo” no começo dos versos, exceto naquele em
que há o “mil”) são intensas e subjetivas: “tudo psiu”.
Não obstante haja a operação de tensionamento entre o único e o universo, o detalhe é
por si só importante. Quando destaca itens corporais, o gosto pelo close novamente se
apresenta. Mostra sua “mira telescópica”184. Assim, lança luz sobre “a palma da mão”, “este
dente”, os “cabelos que me caem / em cada um / mil anos de haikai”, “meu coração”, “a
mesma voz”, “uma pálpebra”, “uma lágrima”, além das muitas referências ao olho e ao ver185.

180
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 260.
181
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 105.
182
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 99 e 177.
183
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 182.
184
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 105.
185
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 15, 48, 121, 184, 363, 213, 259, 342, 366. Em sua
Metafísica, Aristóteles também destaca a visão. Talvez esteja aí uma importante afinidade materialista entre os
dois. Nesse particular, cf. p. 20, 32, 35, 83, 88, 191, 236. “contranarciso” faz uso do verbo “ver”. Pensando nesse
texto como poema de abertura, novamente convém destacar a importância de suas estruturas.
110
O que o eu-lírico insiste em observar é a paisagem. Nos haicais – ajustado, em vasta medida,
ao que acontece ao longo da tradição do gênero – a natureza e as estações do ano recebem,
praticamente, toda a atenção. Mas em Leminski essa afinidade ultrapassa os poeminhas de
três versos e se espalha por toda a lírica. Em grande parte dos casos, o close é direcionado a
pormenores: “pétala”, “uma estrela” – o que, frequentemente, pode sugerir a remissão ao
nome de uma das filhas do poeta com Alice Ruiz –, “o outono”, “chuva”, “a pedra”, “o sol
nascente”, “lua crescente”, “o milho”186. Alguns animais merecem destaque, por suas carcaças
ínfimas, “um passarinho”, “o inseto”, “um mosquito”, “a formiga” e o “bicho alfabeto”187:

o bicho alfabeto
tem vinte e três patas
ou quase

por onde ele passa


nascem palavras
e frases

Proporcional ao dito dois parágrafos atrás; aqui, uma articulação de duas formas de síntese: o
breve e a reunião do diverso. O bicho alfabeto é um, único, particular; no entanto, ele reúne
vinte e três patas e vai deixando um rastro de palavras e frases por onde passa.
O breve também possui modos métricos de ser expresso. Um deles é,
semelhantemente ao zero, utilizando linha de poucas sílabas poéticas. Entretanto, agora, a
estrutura do metro interage com sentidos mais ligados à ideia de brevidade, rapidez,
fragmento e/ou isolamento. Observe o haicai abaixo:

so/pran/do es/se/ bam/bu E. R. 6 [2-6]


só/ ti/ro E. R. 2 [duas tônicas]
o/ que/ lhe/ deu/ o/ ven/to188 E. R. 6 [4-6]

Comparado ao bambu, à flauta, à música, o verso, esse fragmento de bambu sobre a folha, é
soprado pela tripla repetição do som /s/ e batido pela ainda mais constante repetição das
oclusivas dentais (/t/ e /d/) e bilabiais (/p/ e /b/). Assim, o poema é reduzido a “/s/ó /t/iro”,
sopro e batida. O gesto mínimo é intensificado na segunda linha, a qual é dissílaba, em
oposição aos dois hexassílabos que a antepõem e sobrepõem. O termo “só”, além disso,

186
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 57, 91, 113, 177, 215, 236, 316 e 367.
187
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 70, 148, 316, 354 e 283.
188
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 86. Cf. também, p. ex., as p. 15, 40, 73, 122, 145, 163, 196, 218, 255, 299,
320, 354 e 367.
111
guarda consigo uma ambiguidade: enquanto adjetivo ou substantivo, designa o que está sem
companhia, em total solidão; enquanto advérbio, expressa ideias de “apenas”, “somente”.
Portanto, sozinho e fazendo exclusivamente sopros no bambu, o dissílabo sintetiza os
sentidos. Sem falar que o verso, como estrutura motivada, fica aqui evidente: a linha de
poucas sílabas poéticas segue as vias do breve e do zero, dependendo da carga semântica da
produção textual. O mesmo recurso melopaico se molda a determinadas intenções logopaicas,
o ritmo pode ser lido na perspectiva de elemento construtivo do texto189.
O verso de mínimas sílabas capaz de, por excelência, expressar o breve é o
monossílabo. E em Toda poesia, há mais ou menos 350 linhas dessa natureza. Caso
interessante para se observar é o seguinte:

só E. R. 1 [tônica]
lamente E. R. 2 [tônica-átona-tônica]
uma E. R. 1 [tônica-átona]
vez190 E. R. 1 [tônica]

A quadra supramencionada é constituída por unicamente uma frase dividida em quatro


segmentos. Lembra o primeiro verso de uma tradicional canção de bolero mexicana,
“Solamente una vez”, composta por Augustín Lara, nos anos 1940, e gravada por
significativos intérpretes como Luis Miguel, Roberto Carlos, Elvis Presley e os três tenores,
Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti. Paulo Leminski, por sua vez, tensiona a
memória auditiva com a nova disposição visual do texto, acarretando, especialmente devido à
métrica fragmentada, vieses particulares. A palavra “solamente”, em língua espanhola,
corresponde a “somente”; entretanto, fracionada e aclimatada à língua portuguesa, passa a
indicar “só” e “lamente”, ou seja”, “apenas”/“somente” e a conjugação do verbo “lamentar”.
O lamento ocorre no poema justamente quando o verso não é monossilábico; em todas as
outras ocasiões, há “só” “uma” “vez” o acento tônico. A lamúria e o suposto equívoco
métrico, portanto, estão harmonizados em uníssono.
Tal como o verso de poucas sílabas métricas, outra possibilidade formal é comum a
zero e breve: a estrofe com metro em queda. No entanto, expressando o zero, a queda caminha
em direção ao vazio crescente, algo que lembra certa dissolução da concretude; ao passo que,
expressando o breve, o afunilamento não dissolve por completo a experiência, não rarefaz até
o zero absoluto, mas lança um olhar para um ponto específico. Comparado a um close

189
Em Uma lira de duas cordas, especialmente no capítulo II, discuto a noção de ritmo motivado.
190
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 346. Cf. também, p. ex., as p. 21, 43, 78, 83, 117, 143, 161, 194, 236, 283,
362, 373.
112
cinematográfico, o gesto sonoro parte de uma ampla gama de recursos para um número mais
reduzido dos mesmos. Assim, há o foco na solidão:

1º dia de aula
na sala de aula
eu e a sala191

Para metrificar, é válido recorrer à transcrição por extenso, ocasionando:

pri/mei/ro/ di/a/ de au/la E. R. 6 [2-4-6]


na/ sa/la/ de au/la E. R. 4 [2-4]
eu/ e a/ sa/la E. R. 2 [1-3]

O verso de abertura, com suas seis sílabas e três tônicas, apresenta uma circunstância
vivenciada por inúmeros estudantes e professores, o primeiro dia de um curso, uma situação
ampla, que remete a inúmeras memórias e questões. Abaixo, com quatro segmentos sonoros e
duas sílabas fortes, há um filtro: o olhar para a sala de aula. De tudo o que envolve um
primeiro dia de estudo, desde o arrumar para sair de casa até o último sinal, desde os contatos
humanos com docentes e discentes até o lidar com os objetos ligados a variados tipos de
aulas, o sujeito-lírico focou sua câmera na sala. Por fim, direcionando ainda mais as lentes e
reduzindo o verso a três sílabas e duas tônicas, o poeta mostra a relação do “eu”, colocado no
começo da linha, com a “sala”; uma dialética por vezes angustiante, o relacionar com as
pessoas novas, com os objetos novos, com o novo aprendizado. A câmera realiza um close
que vai do geral ao específico; o recurso métrico, por seu turno, acompanha esse movimento,
encurtando o número de sílabas pela metade e elevando a porcentagem de tônicas, o que dá
ainda mais peso acústico para a linha mínima.
Se a queda métrica (um modo de dessonorização) pode direcionar os ouvidos do leitor
para um verso breve específico, em alguns momentos Leminski prefere manter um padrão
métrico em todo o poema. Ao levar em conta esses episódios de regularidade, estou
desconsiderando os monósticos, porque, evidentemente, terão apenas uma variante de número
silábico. Nos demais casos, por vezes o escritor músico produz, assiduamente, trissílabos,
quadrissílabos, pentassílabos, octossílabos e, com maior frequência, heptassílabos192. A

191
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 121. Cf. também, p. ex., as p. 163 e 235.
192
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 119, 240, 307 e 363 (trissílabos); 316 (quadrissílabos); 15, 312 e 351
(pentassílabos); 179, 184, 249 e 277 (setissílabos); e 312 (octassílabos). É perceptível como Paulo Leminski usa
menos o metro regular nos seus textos mais antigos, havendo grande variabilidade em Caprichos & relaxos.
113
redondilha maior é a constante, por exemplo, em “estrelas fixas”, texto no qual o metro é fixo
como os astros mencionados no título. Já em “tamanho momento”, o setissílabo permanece
invariável, eterno, “enquanto a sombra não vem”193. Com recurso análogo a essas duas obras,
“a lua no cinema” segue a métrica regular:

A/ lu/a/ foi/ ao/ ci/ne/ma, E. R. 7 [2-4-7]


pas/sa/va um/ fil/me en/gra/ça/do, E. R. 7 [2-4-7]
a his/tó/ria/ de u/ma es/tre/la E. R. 7 [2-4-7]
que/ não/ ti/nha/ na/mo/ra/do. E. R. 7 [2-3-7]

Não/ ti/nha/ por/que e/ra a/pe/nas E. R. 7 [1-2-5-7]


u/ma es/tre/la/ bem/ pe/que/na, E. R. 7 [1-3-5-7]
des/sas/ que,/ quan/do/ a/pa/gam, E. R. 7 [1-4-7]
nin/guém/ vai/ di/zer,/ que/ pe/na! E. R. 7 [2-3-5-7]

E/ra u/ma es/tre/la/ so/zi/nha, E. R. 7 [1-2-4-7]


nin/guém/ o/lha/va/ pra/ e/la, E. R. 7 [2-4-7]
e/ to/da a/ luz/ que e/la/ ti/nha E. R. 7 [2-4-5-7]
ca/bi/a/ nu/ma/ ja/ne/la. E. R. 7 [2-4-7]

A/ lu/a/ fi/cou/ tão/ tris/te E. R. 7 [2-5-6-7]


com a/que/la his/tó/ria/ de a/mor, E. R. 7 [2-4-7]
que a/té/ ho/je a/ lu/a in/sis/te: E. R. 7 [2-3-5-7]
– A/ma/nhe/ça,/ por/ fa/vor! 194 E. R. 7 [3-7]

Todos os dezesseis versos podem ser metrificados como redondilhas maiores. Para que isso
advenha, algumas concessões precisam ser feitas, ora preferindo a elisão e, em outros
momentos, optando pelo hiato, sem que, necessariamente, haja uma motivação semântica para
as oscilações específicas de cada linha, exceto a procura pelo padrão setissílabo geral. A
simetria, em sentido amplo, parece coincidida ao fato de o poema centrar a sua narrativa lírica
na personagem “estrela”, homônima à filha de Paulo Leminski e Alice Ruiz. Nascida em
1981, Estrela Ruiz Leminski tinha, aproximadamente, seis anos, quando houve o lançamento
do livro Distraídos venceremos. Em 1987, as duas estrelas, a de carne e a de papel, são,
portanto, bem pequenas e, provavelmente, sem namorado. São estrelas sozinhas, assim como
o setissílabo está desacompanhado de outros tipos de métrica. Há recusa até mesmo em variar
os modelos de estrofe, preferindo repetir por quatro vezes a quadra. A rima, a seu turno,
apesar de variar entre A e B, mantém a sequência de ABAB’s. Se for considerada a oscilação
dos acentos tônicos dentro dos versos, é notável também como há certa variação com o passar
das linhas, embora a sílaba dois seja, com grande reincidência, forte. Apesar dessas nuances

193
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 264 e 338.
194
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 199.
114
um tanto irregulares, o protótipo setissílabo salta aos ouvidos, lembrando que a métrica pode
ser uma estrela fixa, como em “estrelas fixas”, ou ainda pode a lua heptassilábica estar no céu
enquanto o dia não vem, rememorando os versos de “tamanho momento”, mais acima
referidos.
Outro elemento fixo recorrente em Toda poesia é o poema monoestrófico afinado à
noção de brevidade e/ou unidade. É um tanto incidente o uso de monóstico, dístico, terceto,
quadra, quintilha, sextilha, sétima e oitava, de modo que, nos textos de menor extensão,
costuma ser mais expressiva a ideia de breve, como se nota a seguir:

Eu, hoje, acordei mais cedo


e, azul, tive uma ideia clara.
Só existe um segredo.
Tudo está na cara.195

A expressão popular “está na cara” corresponde àquilo que é evidente, o que é oferecido
depressa, dado na superfície. Portanto, significa, supostamente, o oposto do termo “segredo”,
mencionado no verso anterior. Digo “supostamente” já que o segredo está na cara.
Demonstrado seu gosto por pares opostos, o caprichoso relaxado aproxima os contrários: o
imediato e o mistério, a madrugada e a ideia clara. Consoante aos dados semânticos, a
utilização de apenas uma estância faz tudo o que é dito no texto ser oferecido de uma vez só.
Não são necessários os longos cantos épicos. Só existe uma estrofe. Tudo está na quadra.
Em composições que não são monoestróficas, também existe a potencialidade de uma
estância expressar o breve, a exemplo de [a árvore é um poema]:

a árvore é um poema
não está ali
para que valha a pena

está lá
ao vento porque trema
ao sol porque crema
à lua porque diadema

está apenas196

195
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 189. Cf. também as p. 152 (monóstico), 15 (dístico), 236 (terceto), 286
(quintilha), 341 (sextilha), 343 (sétima), 234 (oitava).
196
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 45. Cf. também p. 68, 106, 115, 164, 253, 307.
115
O texto como um todo está preocupado com o traço singular da árvore (metáfora para o
poema), a sua condição de breve, de ser tão somente uma planta. A estância derradeira,
justamente por sua qualidade de monóstico e por trazer o advérbio “apenas”, ressalta a
brevidade focada. O último verso, isolado, paira na página. Desmitificado. Despojado. Assim
como a árvore-poema, admite possuir uma finalidade sem fim. Não está a serviço de uma
causa do vento, do sol ou da lua. A árvore-texto é uma desmissionária de atribuições. Talvez
fatigada de ter que valer a pena. É uma coisa em si. Está apenas.
Além da estrofe, o breve também é expresso por meio da rima. Em uma primeira
leitura, é possível imaginar que a homofonia, no geral, caminhe mais perto do par ou da
reunião do diverso, uma vez que sempre precisa de um segundo ou mais sons semelhantes
para conseguir se construir. Entretanto, em muitos casos, a sonoridade do final do verso segue
um padrão único. A voz vai se uniformizando. E essa sequência unívoca pretende indicar
ideias próximas de unidade. “erra uma vez” ajuda a compreender o ponto aqui discutido:

nunca cometo o mesmo erro


duas vezes
já cometo duas três
quatro cinco seis
até esse erro aprender
que só o erro tem vez197

A sextilha, no terceiro e quarto versos, realiza uma lista que termina no número seis. A
dimensão metalinguística ganha força, cabendo até mesmo perguntar (ou responder) qual
seria o erro sêxtuplo mencionado pelo sujeito-lírico. Nenhuma das palavras do poema é
grafada incorretamente, muito menos seis vezes. As seis linhas também não apresentam
métricas com seis variações/erros, e sim a sequência 7-3-7-5-7-6; no entanto, se consideradas
as posições das sílabas tônicas, é possível aceitar que não há nenhum verso idêntico a outro, e
sim um conjunto de seis equívocos. Ademais, a rima também apresenta “seis erros”. Sempre
se termina com o som /e/, embora nenhuma dessas ocasiões propicie rima longa. A propósito,
o poeta modula a contagem realizada nas linhas três e quatro de modo que as palavras “três” e
“seis” estejam dispostas no final das pautas. Ao longo da tradição, a rima toante, em certos
momentos, é considerada um erro. Olavo Bilac e Guimarães Passos, no Tratado de
versificação, comparando as rimas toantes e as consoantes, chegam a falar que estas “se
conformam perfeitamente no som”198, o que faz presumir que aquelas se conformam

197
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 265. Cf. também as p. 20, 90, 117, 144, 200, 240, 247, 314 e 366.

116
imperfeitamente, erradamente. Paulo Leminski, parnasiano hippie, não comete uma rima
toante no texto, comete logo duas, três, quatro, cinco, seis, até o som imperfeito aprender que
só o som imperfeito tem vez. Portanto, a sonoridade do final do verso segue um padrão único.
Essa espécie de ritornelo torto, ou forma com variações, tensiona a reunião do diverso com o
breve: só o toante tem vez.
Antes de terminar essa parte consoante ao quase-nada, cabe falar do jogo de raspas e
restos, pois interessam ao curitibano, tanto como breve quanto como reunião do diverso.
Tirante o rastro do bicho alfabeto e as dúvidas que ficam de pé mesmo depois que o vento
leva a fé, um poeminha que dialoga com as fábulas de Esopo199:

acabou a farra
formigas mascam
restos da cigarra200

2.2.3.2. Par

Ao se falar em a cigarra e a formiga, um par já se revela; existem dois elementos, o A


e o B, uma dupla. Mas também o um, o AB, a unidade, porque, juntos, os dois animais criam
uma coesão particular. Constatando, há pontos em que as categorias aqui propostas se
mesclam. As sínteses se sintetizam. Grosso modo, o breve e o par estão dizendo algo rente um
do outro. Os conceitos são, eles mesmos, pluribus unum. Por exemplo, o par e a reunião do
diverso não cessam de se constituírem caminhos de ver o breve; assim como este assente
conter pares e/ou múltiplos dentro de si: a cigarra e a formiga compõem uma fábula única. No
poema, dentro da trabalhadora, a cantora mastigada. Pensando mais especificamente no par,
ele parece sempre operar funções conectivas, lembrando as conjunções nos termos
gramaticais. Classificaria aqui os pares enquanto aditivos, alternativos, comparativos e
demais. Prefiro, no entanto, mostrar determinados tópicos a partir da leitura da obra
leminskiana, arquitetando categorias me valendo de um close reading, em vez de seguir uma
tabela específica, embora não ignore a classificação gramatical e outras.

198
BILAC e PASSOS, 1930, p. 80.
199
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 58, 72, 207 e 338. Cf. também ESOPO, 2013.
200
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 322.
117
Cabe inicialmente destacar o E, sobretudo exercendo função aditiva. Ele está em
“contranarciso”, pois ali o eu-lírico afirma “em mim / eu vejo o outro / e outro / e outro”,
sendo que a conjunção ainda desponta nas duas outras estrofes do poema. Entretanto, o “e”
interligava itens ternários, ao passo que no par interessa a relação aditiva estabelecida entre
dados formadores de uma dupla. Convém revisitar versos de “desmontando o frevo”201:

com certo
jeito mestiço de ser
um jeito misto
de querer
isto e aquilo
sem nunca estar tranquilo
com aquilo
nem com isto202

O “querer / isto e aquilo”, um jeito mestiço de reunir os diferentes. Leminski aborda um tema
da lírica de Cecília Meireles. A poeta chega a escrever o livro infanto-juvenil Ou isto ou
aquilo, no qual aparece um poema homônimo e repleto de oposições. Segue um trecho:

Ou se tem chuva e não se tem sol,


ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,


ou se põe o anel e não se calça a luva!203

Ao contrário das polarizações de Cecília Meireles, ou mesmo da pergunta que paira ao final
de seu texto, quando o eu-lírico da modernista afirma “Mas não consegui entender ainda /
qual é melhor: se isto ou aquilo”, o sixtie opta por ambos os lados, numa dicção mestiça,
híbrida, isto “e” aquilo, em vez de isto “ou” aquilo. Se me permito, em uma espécie de
comparação com tradições ontológicas, a modernista apresenta uma postura relativamente
semelhante à do cético Pirro: a suspensão da descrença, a dúvida absoluta, o não poder
escolher nem o Ser nem o nada, nem isto nem aquilo204. O caprichoso-relaxado, ao contrário,
um anticético: deseja o Ser e o nada, isto e aquilo, nunca estando tranquilo, lhe sendo talvez
impossível a ataraxia pirrônica.
201
Cf. também, p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 22, 68, 88, 121, 150, 189, 212, 240, 277, 312, 341,
352, 368, 375. Ocorre ainda a forma inglesa “and”, na p. 157.
202
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 36.
203
MEIRELES, 1997, vol 4, p. 278.
204
Sobre o pensamento de Pirro, cf. Marilena Chauí (2010).
118
Contudo lhe atrai não apenas o E. Convém notar o OU; a forma alternativa é
recorrente, propiciando à conjunção contrapor uma dupla205:

se amor é troca
ou entrega louca
discutem os sábios
entre os pequenos
e os grandes lábios206

A estrofe consegue obter diversos pares a partir de termos como “ou”, “e”, “entre”. O “e”,
analisado no parágrafo anterior, aqui surge avizinhando “os pequenos e os grandes lábios”. Os
elementos corporais mencionados são ambíguos: os lábios vaginais, mas também lábios orais
de pessoas menos ou mais experientes, os sábios discutem com eles. O “ou”, por sua vez,
alterna opções sobre o que é o amor: “troca / ou entrega louca”, de modo que a conjunção
alternativa indique a presença de um par. Quanto à estrutura [entre X e Y], proposição
anteposta a dois verbetes ligados pela conjunção aditiva, ela traz em si o próprio “e”. Todavia
essa possibilidade merece atenção em si, pois é muito frequente na obra de Paulo Leminski 207.
Ao longo dos livros, “entre um triunfo e um waterloo”208, a quadrinha:

entre a dívida externa


e a dúvida interna
meu coração
comercial
alterna209

Em uma espécie de entre-lugar, cindido entre a dívida externa e a dúvida interna, o coração
comercial: ao mesmo tempo, um item da parte de dentro do peito e de fora, da ação atinente
ao comércio. O eu-lírico, além disso, não se filia a uma visão de mundo só de esquerda, como
normalmente parece supor grande parte dos leitores. Apresenta um coração comercial, algo do
cotidiano de um bandido que se sabe publicitário. As linhas do texto, desenho gráfico

205
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 18, 35, 76, 105, 204, 213, 262, 338, 351, 363. Na p. 145,
admitir que a forma “o U” possa ser lida como “ou” parece sugestão bastante forçada; por outro lado, variações
de “ou” são encontradas na p. 378. Já na p. 317, “believe it or not”.
206
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 273.
207
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 23, 78, 135, 158, 194, 215, 238, 264, 312, 347 e 362.
208
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 76.
209
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 53. Chamo o texto de quadrinha, pois o quinto verso pode ser lido como
parte do quarto.
119
fundamental para as agências de propaganda, também alternam – justamente na hora em que
ocorre a palavra “alterna” – entre um alinhamento à esquerda e uma tabulação um pouco
liberal. Juntando a dupla possibilidade visual, unido ao conteúdo semântico, o poema realiza
uma síntese.
Nesse contexto, a luta de classes. Ela cria um par. Mas não só ela. O que é contra, o
que estabelece um versus, os opostos, os tratos – todos esses pontos se aproximam210. No que
diz respeito ao que ficou célebre devido a Karl Marx, um escrito em espanhol, o idioma de
Cuba:

en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas211

O texto traz uma reunião de elementos, já que todas as armas são boas e algumas delas são
listadas, indo do concreto ao abstrato: pedras, noites, poemas. Porém, a expressão “lucha de
clases” inscreve um par, pois remete à ideia marxista segundo a qual a história da humanidade
é a história da contraposição de determinados grupos sociais. Textos assim são
constantemente lembrados pela crítica, sobretudo quando ela quer mostrar o traço esquerdista
do colunista da Veja. No entanto, o posicionamento não compreende a diversidade inerente às
reflexões do poeta, uma vez que ele dispõe de um “coração comercial”, conforme mostrado
no parágrafo anterior, em convivência com as armas da luta de classes212.
Ademais, o escritor sabe que, do ponto de vista de uma economia globalizada e
observada aqui do terceiro mundo, o duelo comercial se organiza não apenas entre os donos
dos meios de produção e aqueles que só possuem a força de trabalho, mas também entre os
capitais estrangeiros e nacionais, entre os países que desenvolvem tecnologias avançadas e os
que fornecem matéria-prima barata. No século das reflexões de Caio Prado Jr., Florestan
Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, inserido em debates sobre a dependência e o
desenvolvimento econômico em sociedades periféricas, no mesmo ambiente em que aparecem
as poéticas dos irmãos Campos, o comunista americanizado gera sínteses assim213:

210
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 15, 165 e 321.
211
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 93.
212
Cf. Karl Marx (1994).

120
Figura 5

Originalmente publicados na Revista Invenção, os traços acima são feitos por um enfant
terrible antenado às vanguardas visuais. O texto pode ser dividido em duas metades:
contrapõe maiúsculas e minúsculas. Está coadunado a um repertório de poemas que acarretam
visualmente o par, seja pela oposição de estrofes (o que também vem a ser um recurso
sonoro), seja pelo desenho gráfico (como visto no analisado “[entre a dívida externa]”,
considerando o alinhamento à esquerda e as variações liberais da tipografia), ou ainda pelo
próprio tamanho da letra214. No caso da composição acima, no atrito entre a caixa alta e a
caixa baixa, o contraponto entre as EMPRESAS ESTRANGEIRAS e as “casas
pernambucanas”. O capital externo ocupa quase toda a foto, envolve atividades comerciais
que vão do petróleo à alimentação, da indústria farmacêutica à automobilística; mais abaixo,
na parte inferior do globo terrestre, na parte inferior da página, as “casas pernambucanas”, isto
é, tanto as lojas de uma rede assim nomeada, quanto as moradias localizadas no estado de
Pernambuco, região onde desembarca Descartes, no Catatau.

213
O poema a seguir consta em LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 164. Cf. ainda Caio Prado Jr. (1983);
Florestan Fernandes (1987); Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (2004). Convém notar que a edição da
História Econômica do Brasil citada, de Caio Prado Jr., sai pela mesma editora e no mesmo ano de Caprichos &
relaxos.
214
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 70, 91, 109, 133, 234, 298 e 373.
121
O jogo com noções espaciais não se limita ao uso do branco. Por vezes, ocorrem
ambientes e/ou objetos similares a “dobra” (em uma reportação também à série Star Trek),
“meiofio”, “aço em flor”, “beiracéu”, e à própria “página em branco e em brasa”215. Neste
último, os adjetivos é que auxiliam na construção do par; enquanto o “meiofio” contém em si
a ideia de ambiente duplo, entre a rua e a calçada. O corpo humano é outro espaço capaz de
abrigar o par. Há sentenças, no estilo de a “cabeça calva e cega”, a qual inclusive se apoia na
adjetivação; e vocábulos, p. ex. “mestiço”, a mistura de etnias, algo visto em “desmontando o
frevo”216. Seguindo adjacente, nomes de pessoas ou pessoas indeterminadas. Na primeira
situação, o enlace de “o velho leon e natália em coyoacán”, bem como as brincadeiras com os
nomes próprios em “[ana vê alice]”; na segunda alternativa, são fortes os episódios de “[dois
loucos no bairro]” e a alusão a um possível “vizinho”. Este termo, por si só, evoca a dimensão
de um par, entre o eu e o que mora ao lado217.
Outros seres sugerem a dialética aqui primordial. O “centauro”, a “sereia” e o “anjo da
guarda” são, por excelência, expressivos218. Correspondem à mistura, ou o ínterim, de homem
e cavalo; mulher e peixe; humano e divino. Neste último, a figura do “anjo” traz,
conjuntamente, a impressão de mensageiro, aquele que está entre o remetente e o destinatário
de uma informação. No caso dos animais, para além de suas formas híbridas com humanos,
Paulo Leminski faz referências a anfíbios, seres que vivem na terra e na água219. O “sapo” é
importantíssimo para o escritor influenciado pela estética de Matsuo Bashô. Até consta o
nome de “Kawásu”, sapo em japonês, na seção de haicais de La vie en close. Mas nem só de
sapos e anjos vivem os pares. Em outros momentos, o eu-lírico se contrapõe, embora nem
sempre rivalizando, a Deus220. Nesse sentido, vale incluir os poemas que consentem serem
lidos na qualidade de orações, ou ainda de cartas, bilhetes, de acordo com o mostrado ao
discutir o breve. Em geral, tais textos admitem o reconhecimento de um par, uma dialética
entre o eu e o outro a quem me refiro.

215
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 47, 53, 198, 249 e 281.
216
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 278, 36 e 68.
217
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 67, 96, 73 e 253. Observar também o poema que
utiliza os nomes de Dom Quixote e Sancho Pança, na p. 335.
218
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 95, 206 e 118.
219
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 115, 254, 302, 306, 315.
220
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 202 e 266.
122
A contraposição, o eu/outro, mais comum na poesia leminskiana, quiçá na tradição
ocidental, é entre o amador e a pessoa amada. A lírica amorosa é um tópico assíduo no ex-
esposo de Alice Ruiz e compõe a noção de par, porque pressupõe o enlace, mesmo que apenas
imaginário e por parte do eu-poético, de dois indivíduos221. De todo modo, vale notar que, nos
haicais, o hippie se entrega menos à temática do amor. Não obstante, há, certamente,
sugestões eróticas, como na imagem da palmeira que estremece e na vespa que pica uma
estrela222. Sem perder o erotismo, tampouco abandonando a perspectiva mais sentimental que
corporal, o eu-lírico, na quadrinha a seguir, anuncia

essa vida que eu quero,


querida

encostar na minha
a tua ferida223

Lembrando um pouco os poemas-cartas, porém agora colocando o vocativo no segundo verso,


o sujeito-lírico dialoga com a “querida”. Fala à amada o que deseja: encostar as feridas um do
outro; ou talvez achegar alguma outra coisa, sendo que a da “querida” está “ferida”, o que foi
sugerido também pela presença da rima, se considero que a homofonia indica uma
proximidade no plano do conteúdo da mensagem. Encostando um no outro, ou tendo na alma
do amador a pessoa amada, o texto cria um par.
O amor típico da lírica amorosa, no entanto, não é o único a aparecer. Há poemas
dedicados ao tema da amizade224. O amigo é aquele com quem se fica ou partilha um livro, o
calor das mãos. Ajuda a compor uma dupla, mas a mesma dupla pode formar um zero, um
silêncio, ou um breve, um praticamente não dizer nada, no jeito de “arte do chá”:

ainda ontem
convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo

ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo225

221
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 47, 67, 104, 144, 158, 196, 215, 235, 245, 335, 356 e 379.
222
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 114 e 115.
223
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 320.
224
Cf., p. ex, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 20, 51, 61, 77, 102, 180 188, 335 e 354.

123
A arte ou cerimônia do chá é uma atividade tradicional japonesa. Nessa espécie de rito, os
participantes cultivam, entre outras coisas, o convívio fraterno. No texto, o eu-lírico e seu
amigo dividem o momento, são um par. A narrativa mínima vai decaindo, tendendo à queda
discutida ao falar sobre o zero. Se, na primeira estrofe, há o “amigo” e o “comigo” dispondo
uma duplicidade; na passagem para a segunda estância, o “ele” é colocado em evidência,
numa transição do par em breve. Reforça esta última noção o fato de o amigo praticamente
não ter dito nada. Não é um silêncio, portanto; mas um muito pouco. Em seguida, a visita, e
decerto o poema, “ficou por isso mesmo”, esvaziado de ressonâncias. Assim, nas tensões
entre o par, o breve e o zero, Leminski demonstra alguns caminhos combinatórios na
realização de sínteses.
Estando juntas, as duas personagens acima trabalhadas vivenciam um meio tempo, um
ínterim. É um dos trâmites de temporalmente marcar o par, idealizando uma hora que está
entre duas outras. Despontam “meianoite” e “meiodia”, “o tempo / entre o sopro / e o apagar
da vela”226.

Quando o mistério chegar,


já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.227

Esse começo de “administério” lembra um evento narrado pelos três evangelhos sinóticos:
Jesus em oração no Getsêmani, antes de sua prisão e morte. No episódio relatado por Mateus,
Marcos e Lucas, Cristo, que é homem e Mistério, pede para os seus companheiros vigiarem
enquanto Ele ora adiante. Ao voltar até seus amigos, o Filho os encontra dormindo228. No
texto do ex-seminarista, o eu-poético, na suposta chegada do (M)mistério, estará dormindo em
um meio-tempo: metade dando para o sábado e a outra metade, domingo. A condição de
ínterim, cindida entre o fim e o começo da semana, deixa o sujeito-lírico fragmentado, como
certa tradição do eu ocidental, debatida no subcapítulo 2.2.1.
Os versos supracitados, aliás, trabalham com pares antitéticos: “chegar” e “dormindo”;
“sábado” e “domingo”. O movimento de sábado e o antimovimento dominical. Um dos
caminhos comuns para instituir pares é a utilização de antíteses. Aqui aparecem possibilidades
225
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 188.
226
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 23, 179, 235, 319 e 336.
227
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 179.
228
Cf. Bíblia de Jerusalém, Mt 26, 36-46; Mc 14, 32-42; Lc 22, 40-46.
124
congruentes a amizades, tempo, espaço, recursos visuais, seres, sensações corporais, entre
outras; algumas das alternativas que já foram examinadas229.

acordei bemol
tudo estava sustenido

sol fazia
só não fazia sentido230

Nesse específico, a contraposição entre bemol (nota musical meio tom abaixo) e sustenido
(nota musical meio tom acima) gera a antítese. Um dos fatores que causa estranhamento na
utilização dos vocábulos é o fato de “bemol” adjetivar “acordei”, procurando expressar que o
sujeito-lírico abriu os olhos e esteve um pouco para baixo, triste. A elaboração gera não
apenas o par bemol-sustenido, mas também um oximoro, pois a nota meio tom abaixo
adjetiva um verbo que sugere um movimento ascendente, um despertar. Simétrico ao acordar
é o dia, ensolarado, o qual estava sustenido, para cima, alegre. Em síntese, no poema, um
atrito entre o eu e o mundo.
Outro recurso frequentemente usado é o paradoxo, todavia ocorrendo mais
espaçadamente do que as antíteses231. O haicai ilustra:

viver é superdifícil
o mais fundo
está sempre na superfície232

A contradição interna presente no paradoxo acima se sustenta devido ao par antitético


“fundo”/“superfície”. O mais fundo está, evidentemente, no lugar profundo, e não no lugar
menos escavado, a superfície. Apesar disso, a lógica paradoxal desenvolvida se alinha à
poética leminskiana: no simples, superficial, questões complexas. Casos refinados são os
oximoros, vistos em “passarem paradas”, “minto verdades”, “surpresa pressentida” e no
mencionado “acordei bemol”233.

229
Cf., p. ex., sobre amizade, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 20; quanto ao tempo, p. 24, 46, 48, 108 e 333;
questões ligadas a noções espaciais, p. 68, 88, 92, 122, 137, 222, 252, 314, 345, 368 e 373; recursos visuais, p.
84 e 89; seres, p. 70, 118 e 380; sensações corporais, 120, 134, 196, 311 e 336; há outros casos ainda, como nas
p. 59, 72, 100, 115, 119, 177, 214, 236, 249, 307, 344, 353, 364 e 372.
230
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 104.
231
Cf. paradoxos em LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 57, 99, 113, 130, 175, 191, 235, 254, 318, 340 e 382.
232
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 346.

125
Além dessas figuras, símiles e metáforas também aproximam distantes, gerando pares.
Quando ocorre símile, o elemento comparativo mais veiculado é o “como”, mas não é o
único234. Mostro “razão de ser”:

Escrevo porque amanhece,


e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece235.

O “lembram” auxilia aqui a elaboração de símile. Vincula “as estrelas lá no céu” e as “letras
no papel”, gerando um par. Todavia, sem o item comparativo, outras transferências de sentido
ocorrem ao longo da lírica leminskiana. Acima, o mesmo “lembram” está ligado ao sujeito
“estrelas”, de modo que uma especificidade animal, a reminiscência, é atribuída a um ser
inanimado. Assim, há metáfora. A estrutura mais comum na organização das transferências de
sentido, porém, talvez seja a forma [X é Y], de maneira que o verbo iguale os diferentes. É
notável em “[eu] sou um rio de palavras”, onde o poeta diz, um tanto ao estilo do “Eu é um
outro”, de Arthur Rimbaud, uma síntese própria: uma articulação entre o breve (“um rio”) e as
diversas palavras.
O verso com dois hemistíquios é também uma forma de dentro de uma estrutura criar
duas. Em Paulo Leminski, esse tipo acontece, por exemplo, com hexassílabos, setissílabos,
octossílabos, eneassílabos, decassílabos e hendecassílabos236. Nas linhas ímpares em geral,
ocasiona uma sílaba morta (átona) entre o primeiro e o segundo hemistíquio; enquanto, no
caso do decassílabo heroico, há hemistíquios não proporcionais, pois o verso é fracionado
com a tônica na sexta sílaba. Um episódio interessante está a seguir, especialmente no que diz
respeito aos versos de arte maior:

(1) tão/ lon/ge eu/ lhe/ dis/se a/té/ lo/go


(2) um/ pou/co/ de/ tu/do/ pas/sou-/se ou/tra/ vez
(3) e/ foi/ u/ma/ vez/ to/da/ fei/ta/ de/ jo/gos
(4) a/que/la ou/tra/ vez/ que/ não/ sou/be/ ser/ vez
(5) pois/ vol/tou/ e/ vol/tou/ e/ vol/tou
(6) sem/ sa/ber/ que/ de/ du/as/ u/ma
(7) nun/ca/ são/ três237
233
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 92, 329 e 353.
234
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 18, 38, 71, 83, 200, 205, 250, 268, 322 e 357.
235
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 218.
236
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 196 (hexassílabo), 179 (setissílabo), 196 (octossílabo), 292
(eneassílabo), 272 (decassílabo) e 332 (hendecassílabo).

126
A métrica das pautas é, respectivamente, 8, 11, 11, 11, 9, 8, 4. E, ao longo do poema, há
repetições sonoras, performatizando a ideia de que “um pouco de tudo passou-se outra vez”.
Observando os pés, cabe notar, por exemplo, o eneassílabo com três trímetros anapésticos em
(5), pois ali o pé fraco-fraco-forte volta insistentemente no corpo da linha. Mas gostaria de
destacar o verso de arte maior também três vezes acionado: (2), (3), (4). Corresponde,
sobretudo em (2) e (4), ao hendecassílabo cujo esquema rítmico pode ser traduzido como 11
[2-5-8-11]. Há dois hemistíquios com segunda e quinta sílabas fortes, de modo que a sexta
fração seja, normalmente, átona posposta ao primeiro pentassílabo. Na Literatura Brasileira,
esse verso de origem galego-portuguesa é, em certos momentos, muito utilizado,
especialmente no Romantismo, por Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Castro Alves. E
não raro o bipentassílabo procura expressar a noção de par, repetição, dupla incidência de
determinada questão, como se nota em “Anjos do mar”, de Lira dos vinte anos. Em Paulo
Leminski, a dialética interna também assinala a carga semântica das linhas que me permito
dividir: “um pouco de tudo / passou-se outra vez”; “e foi uma vez / toda feita de jogos”;
“aquela outra vez / que não soube ser vez”. Por meio do metro, o poema também sugere o que
passou outra vez, a repetição, o jogo, aquela questão que não soube ser única.
Também não é o verso com dois hemistíquios a única forma de expressão do par.
Outra maneira de gerar um par métrico é tensionando o verso inteiro e o quebrado, espécie de
deslocamento espacial dos hemistíquios. Nesse sentido, há, p. ex., quadrissílabo, pentassílabo,
hexassílabo, setissílabo, octossílabo, eneassílabo e decassílabo, considerando que tais métricas
correspondem às supostas alternativas inteiras238. O haicai/dístico a seguir ajuda a
compreender a questão:

debruçado no buraco
vendo o vazio
ir e vir239

O poema muito lembra o zero. Há uma lacuna no segundo verso, acima de “ir e vir”, assim
como há uma lacuna abaixo de “vendo o vazio”; o pequeno texto também está com seis
incidências da letra “o”, essa forma gráfica de circunscrever o nada; e ainda se pode escutar a
consoante fricativa vozeada avivando o vento vazio que vai e volta. Além do zero, ou junto

237
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 98.

238
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 34 (quadrissílabo e octossílabo), 60 (pentassílabo e
hexassílabo), 189 (setissílabo), 203 (eneassílabo) e 198 (decassílabo).
239
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 118.
127
com ele, nos movimentos sonoros e visuais por ele realizados, o par está presente. A dialética
do ir e vir acontece tanto em termos semânticos, anunciada no terceiro verso, quanto métricos,
decorrendo da tensão entre as linhas dois e três. Metrifico:

de/bru/ça/do/ no/ bu/ra/co E. R. 7 [3-7]


ven/do o/ va/zi/o E. R. 4 [1-4]
ir/ e/ vir E. R. 3 [1 -3]

Sucede que, em uma primeira passagem de olhos, é possível imaginar que se trata somente de
um haicai constituído por um setissílabo, um quadrissílabo e um trissílabo. Todavia, a última
linha, um pouco à frente da anterior e semanticamente a completando, sugere que o verso três
também admite ser lido quebrado, o que é reforçado pelo duplo setissílabo que disso resulta. É
possível imaginar que se trata de um dístico:

de/bru/ça/do/ no/ bu/ra/co E. R. 7 [3-7]


ven/do o/ va/zi/o ir/ e/ vir E. R. 7 [1-4-5-7]

As duas leituras, a quebrada e a inteira, não se excluem; na verdade, estão tensionadas, são
dois caminhos admissíveis. Nesse particular, a ambiguidade métrica, buscada pelo autor que
deseja um texto capaz de ir e vir, expressa a noção de par. Destaco, ainda, o fato de também
haver ali uma tensão estrófica: o texto corresponde a um dístico ou a um terceto/haicai? A
possibilidade dupla é novamente obtida pelo autor dos “desarranjos florais”240.
Análogo ao verso quebrado, o tensionamento entre hiato e elisão é mais uma forma de
gerar duas metrificações. Ao analisar o poema “[Senhor,]”, demonstrei como isso pode
acontecer. Nas linhas a seguir, retiradas de composições distintas, há algo semelhante:

(1) entre a pressa e a preguiça

(2) entre um abismo, o começo

(3) silêncio, está tudo duplo241

É emblemático haver em (1) e (2) a palavra “entre”, capaz de suscitar um par [entre X e Y],
pressa e preguiça, abismo e começo; enquanto, em (3), há o termo “duplo”, sinalizando que o
verso almeja a produção de duplicidade. Em harmonia com o estrato semântico, em todas as

240
No geral, a maior incidência de estrofes ambíguas, em Leminski, talvez seja entre haicai e quadra. Cf., p. ex.,
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 117, 237, 315 e 362.
241
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 78, 217, 187, respectivamente.
128
três linhas, a tensão entre o hiato e a elisão proporciona dialéticas, como se nota a partir da
métrica:

(1’) en/tre a/ pres/sa e a/ pre/gui/ça E. R. 6 [1-3-6]


(1”) en/tre/ a/ pres/sa/ e/ a/ pre/gui/ça E. R. 9 [1-4-9]

(2’) en/tre um/ a/bis/mo, o/ co/me/ço E. R. 6 [1-4-7]


(2”) en/tre/ um/ a/bis/mo,/ o/ co/me/ço E. R. 9 [1-5-9]

(3’) si/lên/cio, es/tá/ tu/do/ du/plo E. R. 7 [2-4-5-7]


(3”) si/lên/cio,/ es/tá/ tu/do/ du/plo E. R. 8 [2-5-6-8]

Em (1’), (2’) e (3’), a escansão segue a elisão; já nos versos sinalizados com ”, o hiato é
utilizado. Dessa maneira, as construções ficam entre a pressa, que aproxima devido à rapidez,
e a preguiça, que afasta devido à lentidão. Ou, pensando em específico no hiato, ele cria um
abismo, um silêncio, capaz de duplicar a sílaba que, se fosse elidida, seria uma só. Nesse
sentido, a vírgula é fundamental em (1) e (2), uma vez que ela cria um abismo silencioso ao
separar os encontros vocálicos átonos, os quais seriam, normalmente, elididos. Paulo
Leminski, como se nota, repetiu o mesmo tensionamento algumas vezes, reforçando a ideia de
que não foi ocasional a utilização do recurso. O cachorro louco apresenta muita lucidez no
domínio da articulação entre a logopeia e a melopeia.
Um último par métrico tenso a ser mostrado diz respeito à possibilidade de haver
alternância entre dois versos ao longo do poema. Dois números de sílabas dançam no salão
das linhas, tornando o texto uma sonora gafieira.

(1) Vim/ pe/lo/ ca/mi/nho/ di/fí/cil, E. R. 8 [1-2-5-8]


(2) a/ li/nha/ que/ nun/ca/ ter/mi/na, E. R. 8 [2-5-8]
(3) a/ li/nha/ ba/te/ na/ pe/dra, E. R. 7 [2-4-7]
(4) a/ pa/la/vra/ que/bra u/ma es/qui/na E. R. 8 [3-5-6-8]
(5) mí/ni/ma/ li/nha/ va/zi/a, E. R. 7 [1-4-7]
(6) a/ li/nha,/ u/ma/ vi/da in/tei/ra, E. R. 8 [2-4-6-8]
(7) pa/la/vra,/ pa/la/vra/ mi/nha.242 E. R. 7 [2-5-7]

Na setilha acima, alternam o octossílabo (versos 1, 2, 4 e 6) e a redondilha maior (3, 5 e 7). A


partir da segunda ocorrência das oito sílabas, passam a estar cruzadas as duas possibilidades
métricas. O verso com uma tabulação a mais é sempre menor do que o tabulado mais próximo
do canto da página. As linhas dão passos para frente e para trás, um dois, um dois, como se
dançassem sobre a folha, como se o vazio gráfico fosse a oitava sílaba ausente no setissílabo.

242
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 178. Cf. casos parecidos em, por exemplo, p. 92 e 219.
129
Aliás, quando escreve somente sete fragmentos sonoros, o poeta fala da linha que bate na
pedra e não pode ir adiante alcançar o oitavo segmento; a mínima linha vazia, o menor verso
encontrado no poema; a palavra, no singular, a palavra apenas do sujeito-lírico. Por outro
lado, ao produzir oito sílabas, o texto anuncia a linha que nunca termina, é longa, como é
infinito um oito deitado; assim como a palavra quebra a esquina setissílaba e vai mais adiante;
e a linha alinha uma vida inteira, enorme, octossílaba.
As tensões rítmicas cultivadas por Leminski não se limitam à métrica e à estrofação.
Nas rimas, é frequente o choque entre os versos rimado e branco. Nesses momentos, o poeta
chega a desenvolver uma espécie de rima de ouro, isso é, um modo de concluir o texto
criando homofonia, fazendo o ouvido notar certa coesão sonora. Chave-de-ouro acústica243:

a todos os que me amam A


ou me amaram um dia B
deixo apenas um padre-nosso C
meio malpassado D
e essa espécie de ave maresia B

As rimas longas estão acima demarcadas, isto é, aquelas homofonias que coincidem, no final
dos versos, a partir da vogal tônica. Se for considerar a possiblidade curta, a dupla “amam” /
“malpassado” pode ser aceita como rima, apesar de soar um pouco forçada tal aceitação, já
que falta não apenas coincidência mais alongada, como também a vogal /a/ de “amam” está
nasalizada, ao passo que em “malpassado” o /a/ não está. Com tal organização, o poema segue
em pouco mais prosaico, sem repetir os sons finais das linhas, até que, na chave-de-ouro, há
uma retomada. Publicado no póstumo O ex-estranho, o texto enfatiza seu tom de despedida.
O sujeito-lírico trilha um percurso falando sobre o que deixará para todos que o amam, ou
para aqueles que o amaram: um padre nosso malpassado, como uma rima toante mal-feita, e
uma “ave maresia”, marcada pela rima longa. Em harmonia com o contraste qualitativo a
respeito do que será deixado no mundo, a tensão rimática.
Nos casos particulares de haicais e quadras, a rima cruzada também é um modo de
criar um par. Os tercetos apresentam com recorrência a forma ABA; ao passo que, nos
quartetos, cabe destacar as formas ABAB e ABCB.

243
O poema a seguir está em LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 338. Cf. também, por exemplo, as p. 23, 31, 70,
113, 131, 184, 217, 234, 265 e 363.
130
passa e volta A
a cada gole B
uma revolta A

no centro A
o encontro B
entre o meu silêncio A
e o estrondo B

meianoite A
o silêncio tine B
a sombra vira cena C
o sonho vira cine B

No haicai, a rima acompanha o movimento semântico244. Ela vai surgindo ao final de cada
linha, a cada gole. Primeiro, a terminação -olta; em seguida, essa sonoridade passa e aparecem
os sons de -ole; por fim, (re)volta a mistura de vogais e consoantes do verso inicial. Também
há certa harmonia de som e sentido na quadra ABAB que gera a estrutura [entre X e Y]245. E
não apenas na parte externa das sentenças se tramam nexos entre a logopeia e a melopeia, mas
também nas aliterações e rimas internas, na parte de dentro das linhas, “no centro” delas. O
sujeito-lírico chega a dizer que o texto é marcado pelo encontro entre o silêncio (assinalado
por homofonias sibilantes de “centro”, “silêncio”, “estrondo”) e o estrondo (marcante nos
encontros consonantais de “centro”, “encontro”, “estrondo”), de modo que a própria palavra
“centro” acumula o som que é sibilante e o que tem um “r” no meio do caminho. Quanto à
quadra ABCB, tine a sombra do cine246. A rima, assim como o filme, é uma projeção de luz e
sombra, vibra no segundo verso e é projetada mais adiante, na chave-de-ouro.
Além desse aspecto cinematográfico, outra referência é importante para a construção
dos pares leminskianos: Lewis Carroll. Ou “Lewisrockandcaroll”, como disse o autor
brasileiro247. A palavra-valise é um recurso bastante utilizado pelo polaco do Winterverno,
sobretudo na prosa. Ele, possivelmente, aprendeu a estratégia lendo Alice no país das

244
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 115. Cf. outros haicais ABA, p. ex., nas p. 23, 147, 236, 285, 311, 347,
354 e 368.
245
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 347. Cf outras quadras ABAB, p. ex., nas p. 17, 189, 238, 280, 315, 364 e
383.

246
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 319. Cf outras quadras ABCB, p. ex., nas p. 15, 263, 303, 343 e 366.
247
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 157.
131
maravilhas, e passando por James Joyce e Guimarães Rosa, outros a manipularem
hibridismos e a serem conexos ao repertório do Catatau. Entretanto, cabe destacar que, no
geral, o poeta não faz tão-só palavra-valise, mas variado repertório de neologismos. Ao longo
dos livros de poesia, ocorrem verbetes, por exemplo, gerados por justaposição
(“pauloleminski”), aglutinação (“kamiquase”) e prefixação (“transpenumbra”) 248. No primeiro
caso, o nome e o sobrenome do escritor são unidos, sem maiúsculas, reforçando a oralidade.
No segundo, os termos “kamicase” e “quase” são fundidos, havendo o ganho de uma
semivogal (kamic/w/ase). A última ocorrência corresponde à “penumbra” acrescida do
prefixo “trans-”, sendo que uma das leituras para este prefixo é o de “para além de”.

2.2.3.3. Reunião do diverso

Em outros momentos, os neologismos acumulam, na palavra nova, mais de dois


termos conhecidos. Assim, a reunião do diverso se manifesta. O que diferencia esse
procedimento e o par é o número de itens utilizados para que ocorra a união: se dois, a
segunda opção; se mais de dois, a primeira. Contudo, tais alternativas estão gerando sempre
uma unidade (até quando esvaziada, no caso do zero). Os conceitos aqui propostos gravitam
em torno da concepção ampla de síntese. São variações de uma voz lírica sintética. Afastando
por completo cada um dos quatro princípios – zero, breve, par e reunião –, há o erro de não
perceber que as possibilidades parciais podem expressar uma perspectiva geral; integrando
por completo as formas aqui fragmentadas, o equívoco caminha para um reducionismo que
impede de notar as sutilezas dos matizes desenvolvidos pelo poeta. Sob esses raciocínios, são
semelhantes e diferentes os neologismos que reúnem dois elementos e os que contêm mais do
que uma dupla. É interessante observar, por exemplo, “papajoyceatwork”, de Caprichos &
relaxos, pois realiza uma boa aglomeração de variadas palavras novas, umas tendendo ao par,
enquanto outras seguem a reunião do diverso. Desde o título, uma palavra-valise é
vislumbrada, justapondo “papa Joyce at work”, o que seria traduzido por “papai Joyce no
trabalho”. A referência ao criador de Finnegans Wake, obra que também traz vários
neologismos, é um bom modo de abrir o poema que conta com os vocábulos

248
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 102, 152 e 268.
132
“Mustmakesomething” (“deve fazer alguma coisa”), “yesternighteternidades” (“ontem à noite
eternidades”), e “Beforeblacksblanco” (“antes dos negros brancos”)249.
Pensando nas maneiras de operar, não é só a palavra-valise que gera novas alternativas
de sentido, as listas também o fazem. Ocorre o caso em “limites ao léu”, colocado na abertura
de La vie en close.

POESIA: “words set to music” (Dante via Pound), “uma viagem ao


desconhecido” (Maiakovski), “cernes e medulas” (Ezra Pound), “a fala do
infalável” (Goethe), “linguagem voltada para a sua própria materialidade”
(Jakobson), “permanente hesitação entre som e sentido” (Paul Valéry),
“fundação do ser mediante a palavra” (Heidegger), “a religião original da
humanidade” (Novalis), “as melhores palavras na melhor ordem”
(Coleridge), “emoção relembrada na tranquilidade” (Wordsworth), “ciência
e paixão” (Alfred de Vigny), “se faz com palavras, não com ideias”
(Mallarmé), “música que se faz com ideias” (Ricardo Reis/Fernando
Pessoa), “um fingimento deveras” (Fernando Pessoa), “criticism of life”
(Matthew Arnold), “palavra-coisa” (Sartre), “linguagem em estado de pureza
selvagem” (Octávio Paz), “poetry is to inspire” (Bob Dylan), “design de
linguagem” (Décio Pignatari), “lo imposible hecho posible” (Garcia Lorca),
“aquilo que se perde na tradução” (Robert Frost), “a liberdade da minha
linguagem” (Paulo Leminski)...250

Nessa espécie de poema em prosa, constam autores modernos, do Romantismo ao próprio


Paulo Leminski. Sob a perspectiva historiográfica, o que foge da classificação de moderno é
Dante, mas está dito “via Pound”, de modo a ser inserido no período histórico-literário que
unifica os catalogados. As definições arroladas pelo poeta brasileiro, além de, no conjunto,
figurarem uma reunião do diverso, caminham nas perspectivas de zero (cf., p. ex., os
fragmentos de Goethe, Fernando Pessoa e Robert Frost), de breve (Jakobson, Heidegger e
Novalis) e de par (Ezra Pound, Paul Valéry, Goethe, Alfred de Vigny e Sartre). Vão desde um
compositor popular, como Bob Dylan, até um filósofo de difícil compreensão das massas, a
exemplo de Martin Heidegger; visitando, ainda, além deste alemão, outros nomes da teoria
literária do século XX: Ezra Pound, Roman Jakobson, Octavio Paz. Por citar teóricos assim,
revelando a importância de tais escritores em seu repertório, o cosmopolita se demonstra
inteirado dos estudos literários novecentistas.
Os debates numéricos também são caros quando se fala no virginiano de Curitiba. Não
parece ocasional haver vinte e dois em “limites ao léu”, sendo que o último deles corresponde
ao “cachorro louco”. Se, em outros momentos, o número três evoca a Trindade – e destaco o

249
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 157.
250
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 246.
133
caráter de coesão e diferenciação que perpassa os membros da comunidade divina –, as vinte
e duas passagens são comparáveis aos arcanos maiores do Tarô de Marselha, essa espécie de
narrativa do percurso feito por um louco e seu cachorro251. Escolhendo, metonimicamente,
três lâminas, umas similitudes chamam muito a atenção. A décima terceira carta –
frequentemente não nomeada, e, em outras ocasiões chamada de “A Morte” – guarda
homologias em relação a Ricardo Reis, este que não é, sendo Fernando Pessoa (autor central
na tradição do sujeito-lírico cindido). A estruturação em torno da carta não dita remete, por
assim dizer, ao zero. Quanto à ideia de Um, sobretudo enquanto resultante de uma síntese, ela
marca a nona lâmina do tarô e a nona citação do texto. O eremita é uma personagem
normalmente associada ao afastamento e à sabedoria, pontos sempre presentes na obra de
Samuel Taylor Coleridge, criador de The rime of the ancient mariner. Agora, a noção de par é
um jeito de aproximar dois itens, motivando a unidade. Esse é um dos rudimentos de “Os
amantes”, a sexta carta; “a permanente hesitação entre som e sentido”, dita por Paul Valéry,
caminha, de certo modo, para uma profunda união entre os termos.
Além do número vinte e dois, importante em “limites ao léu”, e do três, organizador de
“contranarciso”, outros são capazes de marcar a reunião do diverso. Estratégia vista no verso
“cinco bares, dez conhaques”, de um haicai de La vie en close. Os algarismos demonstram um
tensionamento entre a variação (cinco, dez) e um específico (bar, conhaque). Porém, os
números não pretendem abarcar todos os estabelecimentos e doses existentes. A concepção de
totalidade não faz parte. Já o número quatro, indicado na máxima “os quatro elementos”, de
“[a perda do olfato]”, visa, de alguma forma, reunir um todo. Remete ao quarteto da arché,
elaborada pelo pré-socrático Empédocles. Indo da Grécia antiga para a tradição judaico-cristã,
nela há o número sete como infinitude, visto em “minhas sete quedas” e “sete dias na vida de
uma luz”, apesar de ser sempre complicado definir exatamente as intenções dos algarismos
nos textos. Com clareza, o número mais usado para expressar “grande quantidade” porventura
seja o recorrente mil, de “mil olhos de lince” e “mil e uma noites”. Portanto, aqui e na reunião
de histórias de Sherazad, a mesma função atribuída ao número mil, mil e um252.
A lista de “limites ao léu” lida não apenas com o número vinte e dois, mas também
com um sequenciamento de dados. Em muitos outros momentos, há poemas com sequências
de termos. Ao procedimento, é preciso dar visibilidade, pois molda o subtítulo da primeira
251
Para uma introdução ao tema, cf. a obra anônima Meditações sobre os 22 arcanos maiores do tarô, com a
apresentação do pensador Hans Urs von Balthasar.
252
Cf. LEMINSNKI, Toda poesia, 2013, p. 306, 46, 59, 258, 191 e 343 Cf. ainda p. 212, 264, 265, 283 e 312.
Permanecendo comparando a lírica leminskiana, enquanto criadora de sínteses via reunião do diverso, e As mil e
uma noites, cf. o mise en abyme do poema “vezes versus revezes” (p. 297).
134
seção de Caprichos & relaxos: saques, piques, toques & baques. Rotineiramente, existem
vocábulos correlatos em um único verso melopaico, separados por vírgula ou não253.
Retomando algo discutido ao falar sobre o par, é usual Leminski se valer de “E’s” e “OU’s”.
Nesse sentido, o par utilizava “e” e “ou” para contrapor; mas, ao realizar reuniões de diversos,
há o uso dos mesmos verbetes ao final de uma sequência. Sintaxe bastante comum na língua
portuguesa, é verdade. Contudo, aqui parece ocorrer com reincidência, visando ao efeito da
síntese254. Existem ainda os casos de recursos visuais empregados255:

Figura 6

Em sequências de substantivos próprios ou comuns, é habitual o catálogo trazer nomes de


autores e/ou obras literárias. Não é essa a conjuntura do poema acima, na qual a segunda
estrofe usa, no plural, três substantivos comuns femininos: “teses”, “antíteses”, “sínteses”. O
trio é associado ao coração do sujeito-lírico. Revela os amores de um “eu / tão isósceles”,
havendo homologia ao desenho do texto na página, uma vez que se criam triângulos. Assim,
seria inadequado imaginar que Leminski está interessado em trabalhar com somente um

253
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 41, 71, 100, 133, 164, 187, 213, 254, 340, 355, 374.
254
Sobre o “e”, cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 113, 189; quanto ao “ou”, cf., p. ex., p. 229 e 262.
255
O poema a seguir consta em LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 133.
135
modelo de síntese. Considerando, por exemplo, as alternativas tomadas aqui, as antíteses
quiçá admitam ser uma das formas fundamentais, pois elas vinculam pares opostos, já
discutidos. Enquanto as teses, embora ditas no plural, podem ser relativamente próximas do
que estou tratando pela noção de breve, porque uma tese indica uma proposição específica.
De alguma maneira, estou pensando as teses e as antíteses como sínteses particulares, e não
apenas elementos que desembocarão no terceiro ponto do raciocínio dialético hegeliano.
Além dos substantivos, adjetivos são sequenciados. Versos no estilo de “surdo, cego e
mudo” 256, por exemplo, tensionam a ideia de zero (três ausências de sentidos) e de reunião do
diverso (acumulação de vocábulos convizinhos). Mas as sequências de verbos são um pouco
mais comuns257. Por vezes, Leminski obtém o específico mediante uma perda progressiva,
certo pauis pessoano tendendo ao zero ou ao breve, à redução ao mínimo, melancolicamente:

apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme258

É claro que aqui há também um acúmulo do diverso. Uma sequência de ações marcadas pelos
verbos das três primeiras linhas: “apagar-me / diluir-me / desmanchar-me”. Bem como o
acúmulo “de mim / de nós / de tudo”, essa espécie de progressão da perda. Entretanto, ao fim
e ao cabo, resta tão somente o “charme”, um elemento breve e impalpável. Quanto ao verso
“de tudo”, visto acima, contém um pronome muito utilizado nos momentos em que se visa
reunir diversidades. A palavra “tudo” – e suas variações, “todo”, “todos”, “toda”, “todas” – é
empregada para significar a totalidade; em outras oportunidades, salienta uma grande
quantidade de opções, ainda que não esgotadas259.
Mais ou menos por essa via, enquanto o quase-nada é assiduamente aludido por meio
do singular, a reunião do diverso tende ao uso do plural.

256
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 178.
257
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 39, 78, 85, 219 e 279.
258
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 84.
259
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 20, 39, 72, 98, 158, 182, 215, 240, 262, 311, 338, 354, 364 e
371.
136
um homem com uma dor
é muito mais elegante
caminha assim de lado
como se chegando atrasado
andasse mais adiante

carrega o peso da dor


como se portasse medalhas
uma coroa um milhão de dólares
ou coisa que os valha

ópios édens analgésicos


não me toquem nessa dor
ela é tudo que me sobra
sofrer vai ser minha última obra260

O poema traz tópicos debatidos, como a sequência de substantivos (“ópios édens


analgésicos”), o número (“um milhão de dólares”) e “tudo”. Afora esses, os próprios
substantivos mencionados ajudam a atinar para o uso constante do plural, algo percebido nas
“medalhas”. Os termos tensionam suas relações com o indivíduo (o breve, “um homem”,
“uma dor”), aquele que caminha engenhando um par (“como se chegando atrasado / andasse
mais adiante”) sob a sombra do zero, da morte, do que há depois da última obra.
Em Toda poesia, outros verbetes encontrados no plural são usados para expressar
diversidade. Os elementos naturais mencionados seguem essa tendência: “estrelas”; “uma
chuva de estrelas”; “nuvem cheia da minha chuva”; “gotas de chuva”; o “universo”; mas
também o modo de dizer que “foi mar / pra tudo quanto é lado”261. Nunca é demais lembrar:
as estações do ano são estruturadoras dos haicais, daí serem comuns ocorrências desses itens
nos poeminhas.

luxo saber

além destas telhas


um céu de estrelas262

na mesa, súbita,
o cacho de uva
escuta os passos da chuva263

260
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 284.
261
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 114, 217, 218, 255, 270, 347 e 357; 120; 50; 346;
293; 68.
262
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 119.
137
No primeiro haicai, além das telhas, a diversidade do teto universal atapetado de estrelas
luzindo há muito tempo, sem cansaço. Os astros brilhantes são reunidos em “um céu”,
tensionando, assim, o breve e o acúmulo plural. Semelhante ao cacho que reúne as uvas nele
presas, no segundo haicai. O cacho de uva é, por sua vez, homólogo aos “passos da chuva”, as
gotas que batem no piso, numa heterogeneidade de estalos. Elementos consoantes à natureza,
portanto, são utilizados para reportar à reunião do diverso.
Algo ocorrido com os animais, apesar de estes aparecerem com menor insistência,
talvez. Os “pássaros” e os “passarinhos”, provavelmente devido aos seus imaginários de
bando, estão associados à reunião, embora, em outros momentos, o voo solitário seja a
imagem do breve264. A noção de coletivo, aliás, referencia insetos, análogos a “Mariposas e
mosquitos / pousam no texto incerto”265. Já no tratar do corpo humano, Leminski fala das
entranhas, das cicatrizes e de uma porção de corações266. Quanto aos objetos, o poeta
menciona o velho baú repleto de mapas; “os pássaros na gaiola”; a “cesta cheia” de roupas;
“arcas, arquivos, / súmulas de equívocos”267. Esses artefatos compartilham a capacidade de
guardar, reunir dentro de si panos e papéis e passarinhos e uma grande quantidade de coisas.
São formas de espaços. Também o são “Ruas cheias de gente”; “um rio de palavras”;
“labirintos de crina”; e essa taça de “dionísio ares afrodite” 268:

aos deuses mais cruéis

juventude eterna

eles nos dão de beber

na mesma taça

o vinho, o sangue e o esperma269

263
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 366.
264
Cf., p. ex., LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 17, 211 e 346.
265
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 179.
266
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 15, 19 e 28.
267
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 16, 17, 34 e 191.
268
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 17, 39 e 170.
269
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 340.
138
Os três deuses gregos listados no título são retomados na chave-de-ouro, uma vez que
Dionísio é o deus do vinho, Ares é o da guerra (metonimicamente representada pelo sangue) e
Afrodite a deusa do amor (por metonímia, o esperma). Aliados a tais divindades, os três
líquidos são ofertados na mesma taça. O objeto, comumente visto na qualidade de símbolo do
feminino, é o elemento capaz de sintetizar questões, como essas duas: formas do quase-nada,
posto que vinho, sangue e esperma são, no último verso, antecedidos por artigos definidos
singulares; formas de par, a dupla “o sangue e o esperma” (a guerra e o amor, a morte e o
nascimento).
Em outros momentos, sobretudo em poemas visuais, a reunião apresenta fragmentos
de palavras. Os recursos que lembram a lírica de e. e. cummings são lidos aqui, algumas
páginas atrás, como breves; no entanto podem ser o diverso270. Do um fazer três:

o poema
uma
esp
uma
doendo
ex
pl
ode271

É dito que o poema explode, o que é feito por meio da detonação da palavra, caindo duas ou
três letras em cada linha, gerando formas bastante contundentes: “ex” (uma redução de “ex-
pessoa”, como em “ex-namorado”, “ex-funcionário”, “ex-estranho”, dizendo respeito ao que
não é mais, em homologia ao poema que está terminando e talvez o “explode” seja uma ex-
palavra, agora que tudo foi para o ar), “pl” (as duas letras são muito utilizadas para significar
“plural”, viés representativo nesse texto de recursos múltiplos, e/ou seria “pl” um projeto de
lei poética? quiçá o próprio Paulo Leminski?), “ode” (gênero literário normalmente em
exaltação de alguém ou alguma coisa). Ao espalhar entre os versos os cacos, o poema exalta o
“explode”. Este possui uma síntese de factibilidades de sentido.
Em outras oportunidades, em concordância com o visto em “[PARKER]”, de
Caprichos & relaxos, ainda que não haja fragmentação das letras, a dispersão espacial dos
vocábulos, no branco da página, indica diversidades. Há também momentos em que a criação
de trocadilhos, ou metamorfoses dos verbetes, ocasiona uma reunião:
270
Cf. também LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 97, 114, 162, 256 e 375. A parte “Sol-te”, de Caprichos &
relaxos, apresenta, desde o título, muitas ocorrências: cf. p. 135, 138, 145 e 151.
271
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 75.
139
materesmofo
temasermofo
termosfameo
tremesfooma
metrofasemo
mortemesafo
amorfotemes
emarometesf
eramosfetem
fetomormesa
mesamorfeto
efatormesom
maefotorsem
saotemorfem
termosefoma
faseortomem
motormefase
matermofeso
metaformose272

As onze letras de “metamorfose” vão se metamorfoseando em dezenove formas-versos. O


próprio número dezenove insinua incompletude, do que não é finalizado, mas que está em
constante movimento, uma vez que o autor não permite que sejam vinte números, duas
dezenas completas. No correr das linhas, aparecem interessantes possibilidades. Como
“materesmofo”, que poderia ser lida “mater, és mofo”. O que é velho, a geração anterior, a
mãe, é mofo, não serve mais. É preciso continuar modificando as coisas. “Make it new”, diria
a máxima de Ezra Pound. Assim, porventura dissesse Leminski, “mortemesafo”, da “morte
me safo”, me livro do velho e do esquecimento. Em certo ângulo, as múltiplas veredas de
ordenar a palavra “metaformose” sugerem a oscilação entre um padrão e permutas. Esse
modo de composição muito lembra o que na música é chamado de tema com variações.
Em termos métricos, Paulo Leminski também se vale de tema com variações. Um
padrão, o tema, em geral o setissílabo, é sempre repetido ao longo do texto e, em certos
momentos, o metro regular cede espaço para alternativas métricas um tanto próximas, como o
hexassílabo e o octossílabo. Assim, no poema há um par entre o metro regular e os versos
polimétricos, e/ou uma reunião de diversas cadências que giram em torno de um mesmo
motivo inicial. Esse modo de composição é recorrente em Distraídos venceremos, obra cujos
poemas são escritos por volta da época em que o escritor compõe o romance-fuga Agora é

272
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 163.

140
que são elas273. O exemplo a seguir, por sua vez, é retirado do livro seguinte, La vie en close,
e apresenta um título capaz de sugerir o tema com variações: “mais ou menos em ponto”:

(1) Con/de/na/do a/ ser/ e/xa/to, E. R. 7 [3-5-7]


(2) quem/ de/ra/ po/der/ ser/ va/go, E. R. 7 [1-2-5-6-7]
(3) fo/go-/fá/tuo/ so/bre um/ la/go, E. R. 7 [1-3-5-7]
(4) lu/di/brian/do i/gual/men/te E. R. 6 [3-6]
(5) quem/ vo/a,/ quem/ na/da,/ quem/ men/te, E. R. 8 [1-2-4-5-7-8]
(6) mos/qui/to,/ sa/po,/ ser/pen/te. E. R. 7 [2-4-7]

(7) Con/de/na/do a/ ser/ e/xa/to E. R. 7 [3-5-7]


(8) por/ um/ tem/po es/cas/so, E. R. 5 [3-5]
(9) um/ tem/po/ sem/ tem/po E. R. 5 [2-4-5]
(10) co/mo/ se/ fos/se o es/pa/ço, E. R. 6 [1-4-6]
(11) e/xa/to/ me/ sur/preen/do, E. R. 6 [2-6]
(12) lo/san/go,/ me/tro,/ com/pas/so, E. R. 7 [2-4-7]
(13) o/ que/ não/ que/ro,/ que/ren/do.274 E. R. 7 [3-4-7]

Como se nota devido às expressões “losango, metro, compasso”, o texto se interessa por
formas geométricas, losango; por questões de escansão, metro; andamentos sonoros,
compasso. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que o poema desenvolve uma estrutura em
ponto, uma metragem regular, um tema, isso é, o setissílabo (versos 1, 2, 3, 6, 7, 12 e 13); o
texto trabalha com o que é mais ou menos, o irregular, a variação, ou seja, versos com cinco
(linhas 8 e 9), seis (10 e 11) e oito sílabas (5). Todavia, é preciso relativizar esses números
silábicos. Como já discutido, é difícil definir com exatidão a métrica ludibriante de Paulo
Leminski, repleta de elisões, um tempo sem tempo, e hiatos, como se fosse o espaço vazio
buscado pelo autor. Por vezes, o poeta sobrepõe os seus desejos sonoros, o que, ao modo do
seriado Chaves, é “sem querer, querendo”. Apesar de a escansão supraindicada evitar detalhar
ao extremo todas as alternativas métricas, é perceptível que há uma constante redondilha
maior e sua oscilação ao longo do poema. Desde o começo, o sujeito-lírico fala, utilizando um
setissílabo sem hiatos ou elisões, sobre a sua condenação à exatidão; e esse mesmo verso,
motivo, refrão, é repetido na abertura da segunda estrofe. Uma espécie de premissa a partir da
qual as variantes vão se abrindo. Como se abre a tensão entre o desejo de ser vago (um
oscilante fogo-fátuo) sobre um lago (água parada, constante): ao enunciar essa dialética, nos
versos (2) e (3), o poeta persiste no heptassílabo, porém varia internamente os modos de
organizar a distribuição das tônicas e átonas. Além disso, cabe notar, por exemplo, os

273
A fuga no romance Agora é que são elas é comentada na seção As sínteses em outros livros leminskianos.
274
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 254. Cf. casos parecidos em, por exemplo, p. 15, 163, 180, 204, 219 e
279.
141
pentassílabos, o menor metro do texto, tratando, justamente, de “um tempo escasso, / um
tempo sem tempo”. Ou ainda o longo octossílabo que lista, aglomera, quem voa, quem nada e
quem mente.
O tema com variações também acontece na estruturação rimática de alguns textos
leminskianos. Se na métrica se escolhe uma contagem silábica e são criadas gravitações em
torno desse número base; na rima, a opção é por determinado som e por oscilações dessa
sonoridade.

que dia é hoje?


um dia, eu soube
hoje me foge275

A letra “o” está no final das três linhas. No entanto, ela varia em diferentes sons. No primeiro
verso, corresponde ao fonema /o/, o mesmo presente no segundo aparecimento, apesar de que
agora tal acústica vem acompanhada pela vogal /u/, e, já na terceira ocorrência, a grafia
idêntica representa uma emissão de voz mais aberta. Desse modo, no haicai é percebido certo
padrão, a forma gráfica do “o”, a sofrer variações, como as emissões aberta e fechada. Nesse
caminho, a considerar a última palavra do terceto, a rima constrói uma fuga: semelhante ao
tempo, o hoje escorre e se modifica com o passar das sílabas, a homofonia vai sendo sempre
lembrada, mas nunca alcançada com perfeita igualdade.
A intranquilidade é ainda maior em outros episódios, especialmente no que diz
respeito à métrica. Os versos polimétricos são, relativamente, bastante utilizados ao longo de
Toda poesia, estando, a seguir, um desses momentos:

al/guém/ pa/ra/do E. R. 4 [2-4]


é/ sem/pre/ sus/pei/to E. R. 5 [1-2-5]
de/ tra/zer/ co/mo eu/ tra/go E. R. 6 [3-4-5-6]
um/ sus/to/ pre/so/ no/ pei/to E. R. 7 [2-4-7]
um/ pra/zo,/ um/ pra/zer,/ um/ es/tra/go, E. R. 8 [2-6-8]
um/ de/ qual/quer/ jei/to, E. R. 5 [4-5]
su/jei/to a/ ser/ tra/ga/do E. R. 6 [2-4-6]
pe/lo/ pri/mei/ro/ que/ pas/sar E. R. 8 [1-4-8]

pa/rar/ dá/ a/zar276 E. R. 5 [2-3-5]

275
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 315. Cf. também p. 19, 33, 75, 100, 113, 133, 180, 213, 234, 251, 292.
276
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 261. Cf. também p. 17, 36, 181, 235, 288-289, 311, 332.
142
Antes que chegue o azar, melhor analisar o poema, este que aboliu o ponto final. Tendo
vivenciado os anos de repressão da Ditadura Militar, o escritor sabe que alguém parado é
sempre suspeito de estar organizando algo contra a ordem tirana. E, por isso, pode sentir o
cassetete batendo no peito, e/ou ser preso. Sobretudo um sujeito de qualquer jeito, envolvido
com a ideia de portar e usar livremente a substância que desejar: “de trazer como eu trago”.
Nesse contexto, o eu-lírico prefere não o padrão métrico, a ordem, a estática social, mas a
variação, a dinâmica. Ao longo das nove linhas, não fica com os pés estáticos, mas
movimenta sem parar as sílabas: na oitava, 4, 5, 6, 7, 8, 5, 6 e 8 frações sonoras; no
monóstico, 5. Assim, o quadrissílabo “alguém parado”, que abre o texto e se constitui o
menor verso do poema, não é sequer repetido ao correr das duas estâncias. O poeta vai
compondo com grande liberdade, seguindo um andamento polimétrico, levando adiante a
proposta do ritmo textual ser “um de qualquer jeito”. Entretanto, não é tão de qualquer jeito.
A liberdade está planejada por uma arquitetura de ideias. O suposto caos sonoro está
subordinado à ordem conceitual. São reunidas diversas formas versíficas, amalgamada a
multiplicidade, e essa tarefa é intencional. De algum modo, o escritor realiza o verso livre,
mas este não é completamente livre, pois dança conforme a concepção de liberdade: a pauta
livre é uma expressão melopaica de uma logopeia, e, portanto, está motivada por ela. Possui
liberdade positiva, restrita, constrangida277.
Em outros momentos, parece mais claro o fato de haver uma lógica capaz de reunir a
diversidade. Uma dessas alternativas é o metro crescente. Embora faça cada linha, ou
conjunto de linhas, com um número de sílabas, os valores obedecem a uma progressão.

por/ um/ fi/o E. R. 3 [átona-átona-tônica]


o/ fi/o/ foi-/se E. R. 4 [2-4]
o/ fi/o/ da/ foi/ce278 E. R. 5 [2-5]

Três, quatro e cinco sílabas. A progressão expressa o que é semanticamente discutido.


Primeiro, “por um fio” indica o que é tênue, frágil, a linha mínima; e corresponde a somente
um anapesto, pé métrico contendo duas sílabas fracas e a terceira tônica. No verso
intermediário, é dito “o fio foi-se”, o que era ínfimo agora já não é mais; o poema passou de
três para quatro sílabas e de uma para duas tônicas. Por fim, o foco do sujeito-lírico se volta

277
Cf. o ensaio “Dois conceitos de liberdade”, de Isaiah Berlin, presente em Ideias políticas na era romântica,
bem como o Conflito de visões, de Thomas Sowell. Ideias desses textos foram trabalhadas no subcapítulo As
estátuas da liberdade & do rigor, ou uma carta-poema sobre as sínteses da forma social e da forma
literária.
278
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 116. Cf. também p. 16, 186, 239, 253, 273, 309, 347, 367.
143
para “o fio da foice”, a lâmina que possivelmente cortou o que estava por um fio e fez o
próprio fio ir embora, além de ser também a foice um objeto muito maior e mais pesado do
que a linha ínfima outrora enfatizada; em consonância, a redondilha, com duas sílabas fortes,
praticamente dobra o número de frações sonoras do primeiro verso. Portanto, seguindo a
progressão rítmica do haicai acima, é perceptível que, conquanto ele seja polimétrico, há uma
lógica reunindo a diversidade versífica. O verso é livre ma non tropo.
Observando a disposição gráfica do poema, pode ainda se pensar que se trata de um
verso único e dividido em três partes, não obstante essa alternativa seja aqui menos provável,
dada a quebra semântica entre as linhas. Algo que o próprio Paulo Leminski tratou como
sendo “hosomi”, o corte fino do haicai279. Entretanto, em outros momentos, o poeta tensiona
possibilidades de leitura. Isso acontece entre os versos inteiro e quebrado. Dialética mostrada
ao discutir o par, notadamente no que diz respeito ao atrito binário. Mas o mesmo pode
ocorrer entre três ou mais linhas, como em “cesta feira”, ou em segmentos um tanto
distanciados e alocados na mesma pauta, como em “sortes e cortes”280. A seguir, tensões
métricas múltiplas observadas em “sacro lavoro”:

as mãos que escrevem isto


um dia iam ser de sacerdote
transformando o pão e o vinho forte
na carne e sangue de cristo

hoje transformam palavras


num misto entre o óbvio e o nunca visto281

O ex-seminarista aqui recorre ao dado biográfico: “as mãos que escrevem isto / um dia iam
ser de sacerdote”. E percebe que a saga pessoal não o abandona quando realiza o poema, o
desejo de viabilizar a transubstanciação continua com o sujeito-lírico, mas, em vez de
transformar o pão e o vinho na carne e no sangue de Cristo, transforma palavras. O poeta é
um sacerdote do verbo. Religa a materialidade óbvia do mundo ao Nunca Visto. As frases
cotidianas se elevam à Poesia. Em seus feitos, o escritor multiplica veredas de interpretação,
sobrepõe nos versos o corpo e o pão, como se observa, por exemplo, ao escandir a última
linha do texto:

279
Cf. LEMINSKI, Ensaios e anseios crípticos, 2012, p. 377.
280
Cf., respectivamente, LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 34 e 204.
281
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 342. Cf. também p. 73, 97, 114, 150, 238, 256, 303, 314 e 374.
144
num/ mis/to/ en/tre/ o/ ó/b/vi/o/ e/ o/ nun/ca/ vis/to E. R. 16
num/ mis/to en/tre o ób/vio e o/ nun/ca/ vis/to E. R. 8

Em função dos muitos encontros vocálicos, os quais conseguem proporcionar alternativas de


escansão, potencializando as formas de manejar hiatos e elisões, o verso admite muitas
metrificações. Entre a opção de dezesseis sílabas, toda feita de hiatos, e a opção octossílaba,
toda feita de elisões, há enorme gama de metragens e oscilações de acentos, o que dimensiona
um pouco a dificuldade que é lidar com as criações de Paulo Leminski.
Procurando vencer tais dificuldades e, distraidamente, metrificar Toda poesia de um
autor repleto de caprichos & relaxos, alguns dados saltam aos olhos. Ao todo, os poemas
reunidos pela Companhia das Letras apresentam em torno de 26.050 sílabas distribuídas em
5.150 versos. Desse conjunto, a redondilha maior é a pauta mais frequente, ocorrendo
próximo de 800 vezes. Já quadri, penta e hexassílabos incidem cerca de 650 cada. Trissílabos
estão na casa dos 550 aparecimentos; dissílabos são por volta de 450; e monossílabos, 350.
Como se nota, há um gráfico crescente que atinge o ponto mais alto no setissílabo. Após este,
o número de linhas decai. São mais ou menos 350 os octossílabos; 200 os eneassílabos; 100
os decassílabos; 60 os hendecassílabos; 25 os alexandrinos; e ainda menos frequentes os
versos de treze ou mais sílabas. Portanto, se, por um lado, Paulo Leminski busca reunir
diversidade métrica em sua obra; por outro, privilegia versos populares, a exemplo da
redondilha maior. Isso também rememora a ideia de que, em alguns momentos, o poeta
desenvolve forma com variações, tomando o setissílabo enquanto tema a oscilar ao longo dos
livros.
Quanto à estrofação, algo semelhante acontece. No entanto, agora é o terceto a forma
ressaltada. Das aproximadamente 1.150 estrofes de Toda poesia, cerca de 300 são
configuradas com três versos. Os dísticos são mais ou menos 150, e os monósticos, 100. Por
conseguinte, há uma crescente que atinge o seu auge nos tercetos. Depois dele, começam a
cair os números. As quadras, segunda forma mais utilizada, giram em torno de 200. A
quintilha, por sua vez, é proporcional aos monósticos, estando na casa de uma centena.
Estâncias maiores são ainda menos utilizadas: 90 sextilhas, 40 setilhas, 50 oitavas, 20 nonas,
15 décimas e, de onze versos em diante, não há estrofação que ultrapasse dez ocorrências.
Desse modo, o terceto é o que salta aos olhos, estando próximo de 30% das estrofes
leminskianas. Para isso, o gosto do poeta pelo haicai certamente contribui. Em seus livros, é
comum haver seções dedicadas ao gênero nipônico.

145
Apresentados os dados quantitativos, é importante, por alguns motivos, relativizar os
números. O que se procura aqui não é o extremo rigor numérico, mas observar a relação entre
os valores e a construção qualitativa de uma poética. Outro fator que ajuda a relativizar um
pouco a matemática da literatura é o fato de a literatura não ser (apenas) matemática. Um
verso pode ser considerado redondilha maior por um intérprete e redondilha menor por outro,
caso entre as sílabas se encontrem hiatos que dependam mais da avaliação subjetiva do leitor
do que de precisão cirúrgica. Ainda assim, opto por expor certos números, afinal, ciente da
relativização necessária, os coeficientes auxiliam na compreensão de Toda poesia
leminskiana: conseguem revelar que há grande reunião de diversas alternativas métricas e
estróficas282.
Como dito, a contagem é artificial e, não raro, exige optar por um valor. No entanto,
há poemas que, de uma só vez, tensionam as leituras. Exemplo disso está em estrofe que
admite ser lida de pelo menos três maneiras:

madrugada bar aberto


deve haver algum engano
por perto283

O texto ocupa três linhas e está inserido na seção de haicais de La vie en close, o que o faz ser
lido como um terceto. Além disso, as tabulações contribuem para mais duas alternativas
estróficas, sendo uma coagulada, concentrada, e outra solvida, relaxada. Olhando por esse
prisma, “deve haver algum engano / por perto” pode ser lido como verso único cindido,
ocasionando a existência de um dístico; entretanto, se for lido em separado e, ademais, se for
considerada a existência de dois versos em “madrugada bar aberto”, devido à excessiva
tabulação abrindo a distância entre as duas partes, o escrito passa a ser tomado como uma
quadra. Como sugere o poeta, deve haver algum engano formal. Feito o bar, a obra está
aberta, admitindo várias tendências interpretativas. Não apenas durante as madrugadas.
Por falar nas madrugadas, termos temporais evidenciam reunião do diverso. Acontece
por meio de datas (no poema “rimas da moda”); sobreposição de momentos (na sequência
“depois de ontem / também foi assim / anteontem / antes / amanhã”); medidas cronológicas e

282
Ao metrificar Toda poesia, considero os conceitos de metro, rima e estrofe discutidos no segundo capítulo de
Uma lira de duas cordas.

283
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 319. Cf também, p. ex., o tensionamento entre dístico, haicai e quadra, na
p. 314; e o tensionamento entre haicai, quadra e quintilha, na p. 320.
146
outras medidas (na hipérbole “hesitei horas”). Os exageros, a propósito, são muito comuns
nesses casos. E também são expressos por números284:

um bom poema
leva anos
cinco jogando bola,
mais cinco estudando sânscrito,
seis carregando pedra,
nove namorando a vizinha,
sete levando porrada,
quatro andando sozinho
três mudando de cidade,
dez trocando de assunto,
uma eternidade, eu e você,
caminhando junto285

Um bom poema leva anos. Uma eternidade caminhando com o eu-lírico. Uma análise
de texto também demora jogos, estudos, namoros. Na busca pela compreensão de
possibilidades para as sínteses leminskianas, o tempo empregado sempre parece aquém da
caminhada necessária. De toda maneira, espero que, fragmentando o conceito, haja algum
avanço na leitura. E sempre será possível outra, outra e outra leitura... Certamente há mais
tópicos para destacar. Esboçadas algumas alternativas capazes de delinear o zero, o breve, o
par e a reunião, é importante cortar a linha que nunca termina. No subcapítulo seguinte, As
sínteses em outros livros leminskianos, entretanto, continuo a empreitada analítica, mas
focalizando outras obras de Paulo Leminski.

284
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 201; 21 e também 279 e 342; 18 e também 37; e ainda 22, 43, 183,
239, 277, 351 e 354.
285
LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 245.
147
3

148
3.3. As sínteses em outros livros leminskianos

ponte de conjunção de várias culturas


Paulo Leminski

Não apenas em seus poemas Paulo Leminski desenvolve o conceito, ou os conceitos,


de síntese. Em outras obras, a preocupação é recorrente, de maneira que se configura mais do
que uma característica de sua lírica, mas como um núcleo fundamental de sua poética, em
sentido amplo; ou ainda, a ideia de síntese – para ser propositadamente redundante – sintetiza
toda a produção do autor. Pretendo flanar – seguindo uma fala supostamente distraída, ao
estilo de cronistas com assunto-puxa-assunto – pelos livros leminskianos, objetivando indicar,
cuidadosamente, a amplitude da questão. Acredito que dessa maneira também é possível
mostrar um pouco a diversidade de repertórios do poliédrico. Sua singularidade, sua
pluralidade: do romance ao ensaio, da biografia ao quadrinho, o ex-estranho opera a reunião
do diverso, o par, o breve, o zero. Desde a arquitetura das tramas construídas nos romances
até o nível morfológico da engenharia de palavras-valise, desde os recursos visuais
aglomeradores de informações até os aspectos sonoros dos ritmos textuais, desde os projetos
autônomos até os trabalhos que executa para conseguir dinheiro. Espécie muito particular de
Midas, Paulo Leminski, ao criar, sintetiza.
Para começar, o seu livro de estreia: Catatau [1975], um suposto monólogo de René
Descartes286. O filósofo de O discurso do método supostamente vai a Pernambuco, durante o
período do domínio holandês, e, sob o efeito de alucinógenos, divaga a respeito da
inexistência da razão. De tal modo, aproximando o racionalismo e a irracionalidade, o
cosmopolita dos pinheirais sintetiza contrários. O romance – esse gênero onívoro – sobrepõe

286
Catatau possui quatro edições: 1975, 1989, 2004 e 2010. Quanto à crítica sobre o romance, ela é bastante
significativa e extensa. Cf. os trabalhos de Antônio Risério (1976 e 1988), Leo Gilson Ribeiro (1988 e 1989),
Haroldo de Campos (1989 e 1992), Reynaldo Damazio (1989), Sônia Régis (1990), Marcelo Paiva de Souza
(1996a e 1996b), Maurício Arruda de Mendonça (1996 e 2009), Carlos Cézar Mascarenhas de Souza (1997 e
2007), Régis Bonvicino (1999, p. 203-204), Rômulo Valle Salvino (1999 e 2000), Tida Carvalho (1997, 2000,
2014), Pablo Capistrano (2001), Claudio Roberto Souza (2002 e 2009), Carlos Ávila (2004), Paulo Bentancur
(2004), Mário Cámara (2004), Delmo Montenegro (2004), Carlos Augusto Novais (2005 e 2008), Cláudio José
de Almeida Mello (2005), William Teca (2005), Caio Ricardo Bona Moreira (2006), Jayro Schmidt (2006),
Daniel Abraão (2006 e 2007), Pedro Mandagará Ribeiro (2008), Francisco Fábio Vieira Marcolino (2010),
Bruna Paola Zerbinatti (2011, 2014 e 2015), Dalva de Souza Lobo (2011a, 2011b e 2013), Mauro Bartolomeu
(2011), Domingos Pellegrini (2014), Paulo César de Toledo (2014), Kleber Pereira dos Santos (2015), Cid
Ottoni Bylaardt e Saulo de Araújo Lemos (2016). É importante considerar, ainda, o fato de que a primeira versão
de Catatau é escrita por Leminski, em 1968, e se chama Descartes com lentes, obra publicada, em 1993, pela
Fundação Cultural de Curitiba. No entanto, estou considerando este livro como uma obra em progresso, como
algo que geraria o Catatau. Por isso, não incluo nesta seção de meu trabalho análises particularmente voltadas a
Descartes com lentes. Sobre esse ponto de vista, cf., p. ex., as considerações de Tarso M. Melo, 1999, p. 261.
149
ainda relatos de viajantes e recursos de poesia concreta, palavras-valise e aspectos
verbivocovisuais, explicações sobre o Brasil e debates metafísicos. A verve filosófica, sob a
égide da loucura cartesiana, chega a criar fragmentos como este:

Estou com Parmênides, fluo com Heráclito, transcendo com Platão, gozo
com Epicuro, privo-me estoicamente, duvido com Pirro e creio em
Tertuliano, por que é mais absurdo. Lanterna à mão, bati à porta dos
volumes mendigando-lhes o senso.287

Por esse pequeno trecho, é possível ter uma noção do traço sintético do Catatau. Descartes
(ou, em alguma incerta medida, Leminski) aproxima antagônicos para definir seu
posicionamento de racionalista alucinado. Ambiguamente, ele reúne diversas tendências
filosóficas, por vezes bastante contraditórias. Está com o imobilista Parmênides, para quem
tudo permanece sempre igual; e, ao mesmo tempo, flui com o seu opositor, o mobilista
Heráclito, para quem tudo está em constante movimento. Transcende com Platão, o idealista,
capaz de preferir o mundo das ideias ao mundo material; goza com Epicuro, para quem o
prazer terreno, o gozo, ainda que seja duradouro, é mais importante do que acreditar em um
suposto mundo porvir; priva-se, estoicamente, lembrando as concepções de, por exemplo,
Zenão de Cítio ou Sêneca, filósofos que recusam o prazer imediato e procuram a ataraxia.
Duvida com o cético Pirro, defensor da dúvida permanente e, portanto, contrário a Tertuliano,
pensador do mistério trinitário, ou seja, o dogma cristão a afirmar que Deus é Uno e Trino 288.
Assim, o ex-seminarista desenvolve um discurso uno e múltiplo – sintético.
Agora é que são elas, por sua vez, segue essa mesma poética, mas criando percursos
um tanto inusitados289. E são muitos os caminhos e descaminhos dessa obra peculiar.
Articulando Três e Um, são trinta e um capítulos que causam estranhamento a quem está
acostumado com a literatura realista dos oitocentos. No romance leminskiano, o enredo é
287
LEMINSKI, Catatau, 2013, p. 30.
288
Sobre os fragmentos pré-socráticos, cf. Gerd Bornheim (1977). Discussão sobre o imobilismo e o mobilismo
há em Marilena Chauí (2002). O idealismo de Platão está exposto, por exemplo, em A República; o pensamento
de Epicuro fica mais claro ao ler a Carta sobre a Felicidade; quanto aos estoicos, há algumas importantes
coleções de textos, como, por exemplo, o The fragments of Zeno and Cleanthes, de A. C. Pearson; Marilena
Chauí discute estes textos: os dois primeiros no volume I da sua Introdução à história da filosofia e o terceiro no
volume II da mesma série. Pirro não deixa obras escritas; por isso, sugiro a leitura da introdução feita por
Marilena Chauí (2010) ao pensador. Quanto a Tertuliano, cf. o Apologeticum.
289
Agora é que são elas tem a primeira e a segunda edições em 1984. Em 1999, a terceira, e, em 2011, a quarta.
Sobre o livro, cf. Eduardo Ramos Quirino (1988), Fernando Py (1988), Rosana Paulillo Ferroni (1988), Boris
Schnaiderman (1989 e 1999), Antônio Risério (1989), Cláudio José de Almeida Mello (2001, 2003, 2010 e
2014), Claudio Daniel (2004), Nelson de Oliveira (2004), Ricardo Silvestrin (2004), Gustavo Fritscher Lopes
(2009), Luciano Santos Neiva e Sandra Maria Pereira do Sacramento (2010), Luís Bueno (2010), Bruna Paola
Zerbinatti (2011).
150
apresentado por pontos de vista diversos, lembrando, mesmo que sutilmente, estratégias como
as de Gabriel García Márquez. Há ainda flashbacks que se misturam com os acontecimentos
de uma festa, sendo essa celebração talvez o centro da narrativa descentrada.
A essas sínteses elencadas em Agora é que são elas, há outras possibilidades de
leitura. Uma delas é alegórica: os trinta e um capítulos podem ser vistos em diálogo com os
capítulos de Morfologia do conto maravilhoso, do formalista russo Vladimir Propp290. As
funções levantadas por Propp conseguem ajudar na compreensão das tramas leminskianas. No
entanto, reduzir a obra à alegoria parece trair as polissemias de um livro tão diverso. Para se
ter uma ideia, até mesmo a personagem principal se envolve com Norma Propp, a filha de seu
analista, Vladimir Propp, homônimo do estudioso formalista291. Norma – esse nome que é
sinônimo de “regra”, “regulamento”, contribuindo talvez para a ideia mais ampla de capricho
– morre algumas vezes durante o enredo, mas reaparece, ressuscitada, em outros momentos,
em muitos dos quais está bastante sexualizada, sem tantos preceitos de famílias tradicionais.
As trajetórias dessa personagem demonstram algumas sínteses, como se fosse possível quase
chegar a um arquétipo da poética leminskiana: Norma-capricho-Descartes vive morrendo-
relaxando-fumando, criando tensionamentos na estrutura: não deixa de ser a norma, mas
morre; morre, mas não deixa de ser a norma, ressuscitando. Como diz o narrador, Norma até
que era lógica, mas a lógica dela não fazia sentido.
Os paradoxos são ainda marcados pela vontade de a protagonista se tornar, quiçá, não
apenas um eu-ficcional, mas sujeito real. Lembrando um pouco os Seis personagens à
procura de um autor, de Luigi Pirandello, a persona criada por Paulo Leminski está à procura
da liberdade, buscando sua existência, tentando fugir das normas impostas por Propp-pai292. A
ideia de fuga, por sinal, é fecunda; logo nas primeiras páginas, a obra é tratada como
“romance-fuga”293. Se lembro duas características fundamentais desse estilo de composição
que teve seu apogeu em Johann Sebastian Bach e George Friedrich Händel, músicos barrocos
por excelência, o romance do brasileiro parece mesmo criar uma homologia formal em
relação à música: (i) a estrutura polifônica da composição sonora é similar à estrutura do
romance em que diversas personagens assumem a fala e operam muitas intertextualidades; (ii)

290
Cf. Vladimir Propp (1984).
291
Se é que não seria a própria linguagem o que ocuparia o posto de protagonista em um volume que chega a ser
classificado como poema. Sobre a, no mínimo, polêmica – e recusada por mim – classificação do livro como
poema, cf. Andrea Maria Carneiro Lobo (2005, p. 36).
292
Cf. Luigi Pirandello (1986).
293
LEMINSKI, Agora é que são elas, 1984, p. 5.
151
e a espécie de guerra traçada na fuga, a qual geralmente começa com um esboço de regras
(tratado pela tradição de estudos musicais como “sujeito” ou “tema”) e, com o passar do
tempo, o compositor vai desenvolvendo sua liberdade, isto é, fugindo da morfologia inicial,
mais ou menos próximo da Norma de Agora é que são elas, a personagem que vive morrendo,
mas não morre294.
Por falar em guerra, Guerra dentro da gente é outro enredo elaborado pelo filho de
militar295. O texto admite ser classificado como uma novela, pois, em relação aos elementos
da narrativa – a ação, o tempo e o espaço, a extensão textual –, é mais complexo do que o
conto e menos do que o romance296. A história se centraliza no percurso do jovem Baita. Este
garoto caminha por uma estrada quando vê um homem que está em uma ponte. Kutala, um
antigo guerreiro, oferece a Baita o aprendizado da arte da guerra. Com o aceite do rapaz, o
senhor passa a ensinar, por caminhos um tanto incomuns, algumas questões da vida. Como
disse Kutala, “A guerra faz parte da vida. Se você quiser aprender mesmo a arte da guerra,
você tem de conhecer a vida. E a vida só se aprende vivendo”297. Nessa educação pela guerra,
Baita, entre outros percursos, deixa a casa de sua família, é vendido como escravo, trabalha
em um circo, alimenta elefantes e tigres, serve a um Reino poderoso, vira Chefe dos
Exércitos, sente paixão por uma princesa que tanto realiza os feitos quanto possui o nome do
fundador do Budismo, volta para casa e, já sem a sua família, segue sua trilha. Certamente,
nessa trajetória da existência e da estória, há alguns traços de romance de formação, embora
as cerca de cinquenta páginas e a pouca densidade psicológica das personagens impeçam, em
estrito, tal classificação. O tempo de Guerra dentro da gente, no entanto, abarca um grande
período da biografia de Baita, perpassando ainda lugares diversos, alguns muito expressivos:
como a ponte, que está na cena de abertura e na de fechamento da narrativa. Ao fim e ao cabo,
a moral dessa história – tratada pelo próprio Leminski como uma “fábula” – talvez não possa

294
Para ter uma noção inicial sobre a Fuga na música, cf. o Dicionário Grove de Música, 1994, p. 347-348; bem
como a definição de Newton Cunha (2003, p. 295). Considerações um pouco densas estão no estudo de José
Miguel Wisnik (2011). Quanto à fuga em Bach e Händel, cf. os apontamentos de Otto Maria Carpeaux (2009).
295
O livro infanto-juvenil conta com algumas edições: 1988, 1990, 1997, 2002 e 2006. A bibliografia sobre elas,
contudo, é mais escassa. Mesmo obras formadas por um expressivo conjunto de ensaios sobre Paulo Leminski –
como A linha que nunca termina, organizada por André Dick e Fabiano Calixto, e A pau a pedra a fogo a pique,
organizada por Marcelo Sandmann – não se dedicam de forma significativa a Guerra dentro da gente. De todo
modo, cf. Alessandra Belleti Figueira (2011). Quanto à classificação de “infanto-juvenil”, a edição de 1990, em
um encarte que suplementa o tomo, trata a obra desse modo, a dizendo adequada a “estudantes do primeiro grau
e início do segundo”; ao passo que a edição de 2006, na sua última capa, sugere a leitura “A partir de 11 anos”.
296
Cf. Massaud Moisés (2006, p. 103-156).
297
LEMINSKI, Guerra dentro da gente, 1990, p. 20.
152
ser firmada em uma única máxima298. Mas assim reflete o narrador, expondo também o seu
traço onisciente e exegético, quando a personagem principal está lidando, ao longo de seu
destino, com diversos animais: “Baita, que já conhecia o tigre e o elefante, ficou conhecendo
o cachorro”299. A pedagogia experimentada por Baita – esse nome que corresponde, em um
português brasileiro popular, a sinônimos como “enorme” e/ou “excelente” – está ligado ao
conhecimento acumulado, ao que se toma ciência saindo de casa, andando pelo mundo,
vivendo, sintetizando saberes.
Sem a mesma intensidade das prosas anteriores – em momentos abaixo, em qualidade,
inclusive, de Guerra dentro da gente – o último livro de narrativas escrito por Paulo Leminski
sai apenas em 2004, cerca de quinze anos após o seu falecimento. Gozo fabuloso apresenta
trinta e nove textos. Alguns deles podem ser mais facilmente localizados em periódicos, de
modo que o resultado final é relativamente comparável a Caprichos & relaxos, coletânea de
poesias publicada já nos anos 1980, mas que amalgama um conjunto de produções realizadas
durante 1960 e 1970300. Gozo fabuloso cria variações e tensionamentos entre a crônica e o
conto, por vezes preferindo narrar, e, em outras circunstâncias, está mais próximo do poema
em prosa, embora rara seja esta solução. Se me permitisse uma generalização extremamente
perigosa, diria que são pequenas histórias revisitando o velho tom realista do final do século
XIX. Um dos riscos da generalização se deve ao fato de o autor ter consciência de suas
escolhas, como demonstra em uma espécie de prefácio, chamado “Narrar”, em que afirma:
“Vanguardas e outras subversões à parte, nunca vai faltar amor para um canção bonita, aquela
história redonda, o retrato da pessoa amada”301. Nessas fabulações que excluem os
vanguardismos – como o Machado de Assis que, mesmo depois de ter escrito as Memórias
póstumas de Brás Cubas, parece voltar à Casa Velha em que habitam as formas então
tradicionais –, Paulo Leminski não abandona a realização de sínteses. Os tempos e espaços
textuais dimensionam um pouco o procedimento; por exemplo, uma sequência da segunda
metade do livro expressa a reunião da diversidade. Em “Gente do Conselheiro”, aparece
Euclides da Cunha transformado em personagem, vivendo possivelmente no Brasil de

298
LEMINSKI, Guerra dentro da gente, 1990, p. 3.
299
LEMINSKI, Guerra dentro da gente, 1990, p. 50.
300
A referência completa da edição de Gozo fabuloso consta na bibliografia. Sobre o livro, há ainda poucos
escritos, sendo um caminho para futuros estudos. De toda maneira, cf. Alice Ruiz (2004), Joca Reiners Terron
(2004a e 2004b) e Cláudio José de Almeida Mello (2014). Quanto aos textos publicados esparsamente ao longo
do tempo, cf. p. ex. Paulo Leminski (“Solange e seus eletrodomésticos”, 1985; “Wanka: o dia em que as pedras
pensaram”, 1989).
301
LEMINSKI, Gozo fabuloso, 2004, p. 13.
153
Antônio Conselheiro. Já o texto seguinte é “MKWD (Diálogo entre dois computadores de
gerações diferentes)”, o qual denota certo tom futurístico, devido ao diálogo entre os
aparelhos eletrônicos. Logo depois, em “Amon / Aton”, o espaço, como dito em caixa-alta na
primeira frase, é “AQUI, NO EGITO”; enquanto a primeira frase da estória seguinte, “O
imperador no aquário”, esclarece: “HIROHITO, IMPERADOR DO JAPÃO”. Dessa maneira,
o sixtie poliédrico sintetiza tempos e espaços diversos.
Também sintetiza existências, como se vê nas quatro biografias enfeixadas por
Vida302. Entre 1983 e 1986, por motivos que vão desde o interesse pelos biografados até a
necessidade de receber dinheiro de uma editora que paga adiantado, o ex-publicitário escreve
Cruz e Sousa – o negro branco (1983), Matsuó Bashô – a lágrima do peixe (1983), Jesus a.
C. (1984), Trótski – a paixão segundo a Revolução (1986). Em depoimentos encontrados em
fontes esparsas e em conversas com Domingos Pellegrini, Leminski afirma que pretende
publicar um volume único contendo os quatro livros: multiplicidade e unidade convivendo no
projeto editorial, ser quatro sendo um303. Analogamente a essa arquitetura, em cada escolha
das figuras enfocadas, há um traço bastante pessoal, pois, para o autor de “contranarciso”,
biografar é biografar-se; essa estratégia, no entanto, é recorrente no gênero biografia, em
sentido amplo304. O que torna esse procedimento peculiar em Vida é, entre outras questões,
pensar a atuação da síntese como redução estrutural: os quatro exemplares são organizados,
em alguma medida, a partir desse conceito: aproxima as vivências de Leminski e de seus
personagens: no biografar e no biografar-se, há também certa dosagem de biografarsa. Afinal,
as operações sintéticas são executadas conscientemente pelo cachorro louco lúcido, uma vez
que escolhe e ordena os traços das personalidades apresentadas, inclusive os da sua própria.
Além desse ponto comum, outros podem ser vistos nos quatro tomos. Por exemplo,
Cruz e Sousa, Bashô, Jesus e Trótski são, para Leminski, quatro produtores de literatura: os

302
A princípio, os quatro livros são publicados isoladamente, pela Brasiliense. Em 1990, pela Sulina, as quatro
obras são reunidas no volume Vida, o qual é republicado, em 2013, pela Companhia das Letras. Sobre Vida, no
geral, cf. Alice Ruiz (1990 e 2013), Frederico Barbosa (1990 e 2004), Arnaldo Antunes (1999), Sandra Novaes
(2003), Manoel Ricardo de Lima (2004), Fátima Maria de Oliveira (2004 e 2006), Jayro Schmidt (2006),
Roberta Trombini Pires (2013), Domingos Pellegrini (2014) Elisa Helena Tonon (2014), Maria do Rosário
Pereira (2015).
303
Cf., p. ex., Paulo Leminski, Vida, 2013, p. 10; Domingos Pellegrini, 2014, p. 124. Nesse particular, Vida é
comparável a livros como o Evangelho e os Atos dos Apóstolos, ambos de São Lucas (Cf. Bíblia de Jerusalém),
e Corpo de baile, de Guimarães Rosa.
304
François Dosse, em seu O desfio biográfico, chama a atenção para o fato de ser corriqueiro haver afinidades
eletivas entre o biógrafo e o biografado. Chega a se aproximar da ideia de que toda biografia é uma
autobiografia: “o biógrafo expõe em geral o seu ‘eu’, o percurso que ensejou o encontro com o sujeito
biografado, a relação pessoal entre ambos” (2015, p. 100). Imagino que, muitas vezes, o crítico de poesia
também é um crítico de si mesmo.
154
dois primeiros são, sobretudo, poetas; Cristo faz parábolas; e, entre outras criações, o ensaio
Literatura e revolução recebe a assinatura do político russo. O paranaense escolher escritores
de diferentes contextos históricos e geográficos revela a universalidade de seu – e dos
biografados – projeto literário; todos são sujeitos dos seus tempos e espaços, mas produzem
obras que ultrapassam as conjunturas imediatas. Outro ponto comum entre os quatro é o fato
de todos serem homens, ainda que Jesus seja homem-mulher-Deus, como citarei mais adiante.
Possivelmente, o ex-marido de Alice Ruiz se enxerga melhor em pessoas do sexo masculino;
não acredito que nisso chega a haver sexismo do autor, que esboça um Cristo macho e fêmea,
contudo.
Ademais, Jesus, que é um sendo três e que é Deus sendo humano, talvez seja uma
influência no projeto de Vida, que é um sendo quatro. Parece também aqui haver escolha
meditada na composição desse livro nomeado por uma palavra de quatro letras. São quatro os
sentimentos discutidos em Cruz e Sousa, Sabishisa, Spleen, Banzo e Blues; são quatro as
estações do ano, ligadas aos kigôs dos haicais de Bashô; são quatro os Evangelhos canônicos,
que retratam Jesus; são quatro os filhos do velho Karamázov, o ponto de onde parte a
biografia sobre Trótski. Então passemos, leitor, ao quarto parágrafo introdutório sobre o
quarteto leminskiano, depois desta frase inútil quarto de quarto cômodos.
O termo “biografia”, utilizado no parágrafo anterior, parece trazer problemas. É
preciso entender o gênero sem uma taxonomia excessivamente rígida; no entanto, sem perder
o capricho, compreender que se trata de algo que varia, por exemplo, no tempo e no espaço,
um pouco relaxadamente. Um gênero não é totalmente fixo, embora se reconheça nele alguma
estabilidade. Está mais para um modelo variável, que se organiza e se modifica, de formas
diversas305. Em vez de engavetar as produções em caixinhas fechadas, é interessante pensar os
textos, suas estratégias de elaboração de sínteses, notar que se aproximam e se distanciam de
inúmeros outros gêneros textuais. A biografia, esse gênero impuro, nas mãos de Paulo
Leminski, está próxima, principalmente, do ensaio e do jornalismo, da historiografia e da
crítica literária, traçando reflexões mais livres, que procuram discutir alguns elementos
fundamentais de cada um dos biografados. São livros que evitam criar o vasto painel das
minúcias vivenciadas pelos sujeitos306. As obras sabem, desde suas origens, as suas missões
sintéticas.

305
Nesse sentido, estou próximo de considerações de Leonor Arfuch (2010) e Mikhail Bakhtin (2003).
306
Michel de Montaigne, no capítulo II, do Livro III dos Ensaios, dizendo sobre a condição humana, fala que
não descreve o ser, mas a passagem. Não fixa o objeto, mas o descreve de maneira mais titubeante. Assim
também parecem proceder as biografias ensaísticas de Paulo Leminski. Ou ainda, como lembrou François Dosse,
155
Os elementos discutidos anteriormente podem ser vistos já na primeira biografia
escrita pelo parnasiano chic, enfocando a vida de outro poeta do sul do Brasil, Cruz e Sousa, o
negro branco [1983]307. Pelo título do livro já se pode ter novamente a ideia de que se está
sob o signo da síntese: um oximoro, o adjetivo “branco” qualifica o substantivo “negro”. Mais
do que isso, logo na abertura, o biógrafo afro-polaco desenvolve uma teoria, um tanto irônica,
sobre vidas regidas por figuras de retórica:

Cada vida é regida pelo astro de uma figura de retórica. Certas vidas são
hiperbólicas. Há vidas-pleonasmo. Elipses. Sarcasmos. Anacolutos.
Paráfrases.
A figura de retórica mais adequada para a vida de Cruz e Sousa é o oximoro,
a figura da ironia, que diz uma coisa dizendo contrário.
Que outra figura calharia a este negro retinto, filho de escravos do Brasil
imperial, mas nutrido de toda a mais aguda cultura internacional de sua
época, lida no original?308

No lugar de Peixes e Áries, ou Boi e Dragão, Paulo Leminski teoriza que supostamente as
vivências são regidas por figuras de retórica. Hipérboles e pleonasmos, elipses e anacolutos
podem influenciar, desde a epigênese da infância, a psicologia de um sujeito. Cruz e Sousa,
por sua vez, é um oximoriano, sendo que, no mapa astral talvez riscado pelo antigo oblato de
São Bento, o ascendente é um paradoxo, e a lua está em antítese. Ao longo das folhas, os dias
do poeta simbolista são tecidos com os contraditórios fios de cetim da miséria. O menino
João, filho do escravo Guilherme da Cruz, é adotado pelo proprietário de seu pai, o Marechal
Guilherme Xavier de Sousa. João assina os sobrenomes de ambos os Guilhermes, Cruz e
Sousa, marcando, como é recorrente no Brasil escravocrata, a origem pobre e a propriedade
de seu senhor. Mas o garoto nascido na senzala é educado pelo currículo branco da casa-
grande e desenvolve, ao longo de seus anos, uma poesia também sintética, mistura de banzo e
spleen, aproximação de som e significado realizada na seleção e ordenação das palavras nos
poemas. Seguindo essa perspectiva, a vida e a obra de Cruz e Sousa são abordadas por meio
de pontes conceituais elaboradas: o oximoro funde o oitocentista de carne negra e a sua escrita
em papel branco. Essa maneira de biografar o simbolista é, sem dúvida, uma forma de Paulo
Leminski biografar-se: o eu se torna um outro. Ou como preferiu dizer ao final:

“Gênero impuro, a biografia pode também se situar no ponto de interseção entre o ofício do jornalista e o do
historiador” (2015, p. 114).
307
Sobre a escrita historiográfica de Leminski em Cruz e Sousa, cf. o artigo de Everton de Oliveira Moraes
(2015).
308
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 21. Sobre a retórica, cf. Iniciação aos Estudos Literários, de Roberto Acízelo de
Souza.
156
Perfeição só existe na integração/dissolução do sujeito no objeto.
Na tradução do eu no outro.
É por isso que você gostou tanto deste livro.
Você, agora, sabe.
Você, eu sou Cruz e Sousa.309

Unindo o começo e o fim do livro, o leitor descobre que a vida oximoro de Cruz e Sousa,
negro branco, é, de alguma forma, a do cosmopolita curitibano, afro-polaco.
Outro sujeito-síntese a elaborar uma poesia sintética é Bashô, a lágrima do peixe
[1983]310. Nessa segunda biografia, Leminski, ainda mais do que na anterior, entra pelos
caminhos do ensaio. A vida do poeta japonês acaba servindo de mote para que o samurai-
malandro aborde temas como o haicai, questão por vezes mais explorada do que propriamente
a trajetória existencial de Matsuó Bashô. Até porque, sobre os dias do hajin nipônico “os
sinais nos chegam concisos e escassos”311, mesmo ele tendo cultivado em grande medida o
diário, considerado, no Japão de Sei Shonagôn, um importante gênero literário. Por sinal, as
tradições da cultura japonesa são revisitadas por Bashô, “estudou o tesouro de sua cultura,
clássicos chineses, com Itô Tana, e clássicos japoneses, sob a direção de Kigin Kitamura” 312.
Indo adiante, o poeta do país do sol nascente é comparado por Leminski a Euclides da Cunha,
assim como a Alfred de Vigny, Cícero, Tomás de Aquino, Francisco Xavier. Todos esses são
sintetizadores. No caso específico dessa biografia, Matsuó Bashô é visto como aquele que

concentrou num determinado lugar formal (as dezessete sílabas do haikai)


toda a herança da cultura oriental (...).
Como Cícero, como Euclides, Bashô buscou uma síntese. E a obteve.
Sob certos aspectos, seu haikai é a fina flor de tudo que de melhor o Extremo
Oriente produziu: transcendentalismo hindu, realismo e materialismo chinês,
simplicidade japonesa.
Confucionismo, pintura, arte do chá, teatro nô, zen.
Todos os rios de signos do Oriente correm e concorrem para fazer das
parcas sílabas do haikai de Bashô, sempre, uma obra-prima de humor,
poesia, vida e significado.313

A síntese é entendida aqui não apenas como o resultado de uma tese com uma antítese, ou
como “a conclusão de um silogismo da lógica grega aristotélica”314. Não que Paulo Leminski

309
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 75.
310
Sobre o livro, cf. Danilo Bernardes Teixeira (2008).
311
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 87.
312
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 95.
313
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 98-99.
157
desconsidere essas outras formas de síntese na elaboração de seu próprio projeto sintético;
contudo, no caso de Bashô, interessa mais a confluência de recursos plurais. Ou, pensando no
haicai como um todo, o foco talvez esteja no encontro de uma iluminação, o resultado sendo
um terceiro verso que opera com e além das lógicas do permanente (primeiro verso) e do
momentâneo (segundo verso). Porque

o tema central do zen é a superação das dualidades. A dissolução dos


maniqueísmos. A síntese dos contrários. Além do bem e do mal. Do sagrado
e do profano. Do espiritual e do material. Do transcendental e do imanente.
Do aqui e do além. Isso, Matsuó Bashô procurou nos seus haicais.315

Leminski, que é Cruz e Sousa, agora revela procurar o que Bashô procura: a síntese.
Lembrando a máxima refinada pelo nipônico, “Não siga os antigos. Procure o que eles
procuraram”316. O bandido que sabia japonês não se torna um mero imitador de Matsuó
Bashô, mas busca desenvolver a sua própria reunião de fontes diversas. O seu próprio mapa
do tesouro que leva a um baú cheio de mapas do tesouro.
E leva também a Jesus a. C. [1984], obra construída por meio de arquivos plurais317.
Esses vão, por exemplo, desde os evangelhos inclusos na Bíblia até os apócrifos; ou como
disse o próprio escritor, “estamos lidando com uma documentação heterogênea, advinda de
várias fontes, frequentemente contraditórias”318. Logo na abertura do livro, Leminski também
trata o lugar geográfico de Jesus enquanto “Ponto de cruzamento da influência dos primeiros
impérios”319. O Oriente Médio é encarado como um espaço-síntese por onde passam
“egípcios, mesopotâmios, hititas, fenícios, lídios”320. Esse ambiente multicultural ainda é
observado na sua diversidade linguística, pois no mundo de Jesus “sobrepunham-se três
idiomas: o aramaico do povo, o grego das classes cultas das grandes cidades da Ásia e o latim

314
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 112.
315
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 142.
316
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 109.
317
Sobre este livro, cf. os textos de Salma Ferraz (2015), Marcio Capelli e Danilo Souza Mendes de Vasconcelos
(2016).
318
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 164.
319
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 161.
320
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 161.

158
do dominador romano”321. Surgido nesse contexto diversificado, Jesus é biografado como
uma espécie de signo sobre o qual existe “abundância de superinterpretações”322. Desde o seu
nascimento, as exegeses se multiplicam: o menino-Deus é gerado por Maria, “Virgem/Mãe:
coincidência dos contrários”323. Mais que isso, em Jesus, “A Encarnação é o mistério supremo
da cristandade, a humanização de Deus e/ou a deificação do homem”324: essa é a síntese
humana-divina que eleva e rebaixa esse sujeito verdadeiramente divino e verdadeiramente
humano, mas sem esquecer que o biógrafo procura demonstrar até mesmo um “jesus macho e
fêmea”325. Encarnado, esse Deus-homem-mulher, “Em seus melhores anos, (...) deve ter
assimilado o repertório textual básico de qualquer judeu de sua época: a Torá, a Lei de
Moisés, os Profetas, tesouro escritural de sua tribo”326, sem falar no aprendizado da escrita
hebraica, estágio este sinalizado como “um processo sintético”327. Um pouco adiante, após os
anos de aprendizado de Jesus, ele passa a fazer, segundo os evangelhos, “basicamente, duas
coisas: curou doenças e pronunciou sentenças. Fez bem para o corpo. E para a alma”328. Nesse
trabalho capaz de deixar o corpo são e a mente sã, as frases são profundamente literárias: a
figura central do cristianismo “concentrou toda a sua doutrina em parábolas”329, “unidades
poéticas ficcionais, capazes de irradiar significados espirituais e práticos”330. Leminski
ressalta o traço de brevidade dessas obras literárias, a parábola como “uma unidade ficcional
mínima”331, uma narrativa miniaturizada, como o haicai de Bashô é um poemínimo. Todavia,
essa pequena unidade é capaz de irradiar para além. Na sua particularidade epifânica,

321
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 162.

LEMINSKI, Vida, 2013, p. 172. Cf. também p. 238, quando Paulo Leminski afirma que “Jesus é um
322

momento de significação ininterrupta: um signo de leitura infinita”.


323
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 182.
324
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 200.
325
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 207.
326
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 185.
327
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 185.
328
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 189.
329
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 201.
330
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 193.
331
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 194.
159
consegue “revelar ocultando”332, são “nós de histórias donde se desprende um princípio
geral”333.
Já a História, enquanto disciplina escolar, parece mesmo encantar o ex-professor de
cursinhos. Em Trótski [1986], há dois homens de letras – o biógrafo e o biografado, posto que
este era “sobretudo um grande escritor”334 – apaixonados por literatura e guerra, talvez por
isso o filho de pai militar tenha escolhido traçar a vida do autor de Literatura e revolução335.
Das quatro biografias, essa última é a com o maior número de páginas, mas possivelmente a
que menos se dedica ao cotidiano pessoal da sua personagem. Por isso o texto parece tão
estranho se pensado dentro apenas do gênero biografia; chega a lembrar mais um ensaio, uma
reflexão relativamente livre sobre determinado assunto. Logo na abertura, Paulo Leminski
anuncia que esse modo de operar o livro é programado, porque, ao falar de Lev Davidovich
Bronstein, “o fora é o mais dentro”336. O fora atua até mesmo no nome desse sujeito que
assume a alcunha de um de seus carcereiros, Trótski. Assim, focando a fração, por assim
dizer, externa dessa personagem, a obra procura, no início, traçar um painel histórico da
Rússia; para tanto, utiliza Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski, como espécie de
guia337. Um país no qual podem surgir Aliócha, Ivan, Dmitri e Smierdiakóv, esse lugar uno
pertencendo a dois continentes, corresponde a um ambiente por si só sintético: “A Rússia
resulta [entre outros] deste cruzamento com os mongóis e o Império Bizantino”338, uma nação
unificada a partir de uma cidade, Moscou339. Nesse contexto cultural – em que, ainda no
século XIX, passa por conflitos entre os inimigos de novidades estrangeiras e aqueles que
defendem a atualização do país, de certo modo o mesmo contraponto entre os irmãos Aliócha
e Ivan –, aparece Trótski, alguém que, comparado a Lênin e Stálin, sabe que “Seus interesses
eram mais plurais. Suas leituras, mais diversificadas. Seu horizonte, muito mais amplo”340. As

332
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 195.
333
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 195.
334
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 343.
335
Cf., p. ex., Paulo Leminski, Vida, 2013, p. 266. Cf., ainda, Marco Aurélio Garcia (1986).
336
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 246. Na página 310, Leminski afirma “Nunca saberemos o que Trótski
conversava com Natália quando voltava para casa, saindo de uma reunião no Smolny ou de um comício para
soldados operários”.
337
Cf. Fiódor Dostoiévski, 2012. Versão a partir da qual cotejo, por exemplo, os nomes das personagens.
338
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 250. Colchete meu.
339
Cf. Paulo Leminski, 2013, p. 252.

160
posturas políticas trotskistas também demonstram essa pluralidade, uma vez que tendem aos
mencheviques e não aos bolcheviques, admitindo a colaboração de classes médias e da
pequena burguesia no processo revolucionário341. O Trótski leminskiano chega a resultar em
um esquerdista liberal para quem “a força de um pensamento está em sua independência”342.
O próprio cachorro louco lúcido cria, ao longo das folhas, reflexões como essa: “O socialismo
precisava das conquistas do capitalismo para se implantar e crescer”343. De tal maneira é
revelado muito do posicionamento político de Leminski, esse comunista que trabalha em
agências de publicidade.
Esse lado pop do redator publicitário não esconde a sua verve mais erudita, visível, por
exemplo, em Metaformose: uma viagem pelo imaginário grego, obra na qual o autor não
deixa de criar sínteses ao avaliar como os helenos ajudam a formar o mundo ocidental344. O
livro é composto em duas partes. A primeira, redigida em 1987, apresenta uma espécie de
monólogo, ensaio poético, poema em prosa, reflexão de Narciso enquanto vê na água o seu
reflexo345. A segunda parte, do final de 1986, comenta algumas imagens importantes da
tradição helênica, bem como traz uma seção de subtítulo bastante expressivo para esse
escritor sintético, “A pluralidade dos jogos possíveis”. Aqui, o autor lembra a dicção das
biografias/ensaios de Vida; ao passo que, na fala de Narciso, parece bater muito da dicção
daquele Descartes do Catatau. A obra constituída por frações tão diversas sugere já indicar, a

340
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 265. Uma citação da página 332 também segue essa perspectiva: “Trótski era um
dispersivo, homem de mil interesses, que iam do político ao militar, do literário ao cultural”. Sobre a comparação
entre Aliócha e Ivan, cf. Paulo Leminski, Vida, 2013, p. 259; os capítulos iniciais de Os irmãos Karamázov
constroem perfis das duas personagens, de maneira que se pode compreender a comparação feita por Paulo
Leminski.
341
Cf. Paulo Leminski, Vida, 2013, p. 276-277.
342
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 277. “A bandeira trotskista ficou como uma espécie de horizonte utópico de um
comunismo sem as deformações soviéticas, um comunismo com mais liberdade individual, aberto a inovações
no plano artístico, contrário aos privilégios da Nova Classe burocrática, os aparátchik da Nomenklatura”
(LEMINSKI, Vida, 2013, p. 242-243).
343
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 320. Cf. também na página 343, quando Leminski comenta o levante dos
marinheiros de Kronstadt, concluindo que “os marinheiros estavam certos, pedindo mais liberdade e o fim da
ditadura bolchevique”. É claro que, no contexto brasileiro da década de 1980, frases assim ressoam o desejo do
fim da Ditatura Militar, porém, em perspectiva ampla, recusam qualquer ditadura, mesmo a bolchevique. Paulo
Leminski, liberal em certo sentido, advoga pelas liberdades individuais.
344
As edições de Metaformose são de 1994 e 1998. Sobre o livro, cf. Régis Bonvicino (1994 e 1999, p. 219-
222), Carlos Graieb (1994), Lígia Sávio (1996 e 1999), Alice Ruiz (1998), Benjamin Hollander (2000), Tida
Carvalho (2004 e 2007), Claudio Daniel (2004), Célia Pedrosa (2006), Wilton Cardoso Moreira (2009), Rodrigo
de Freitas Faqueri (2012), Lívia Mendes Pereira (2012), Lívia Mendes Pereira e Brunno Vinicius Gonçalves
Vieira (2014).

Vale lembrar que a ordenação das duas partes é uma escolha editorial, como se vê em “NOTA DOS
345

EDITORES”. Talvez Paulo Leminski tivesse preferido a ordem inversa.


161
priori, uma relação de unidade na multiplicidade: mistura de ficção e crítica histórica, poesia
e análise. Se Narciso é a personagem principal – espécie de narrador-eu-lírico – abrindo
Metaformose, alguns seres híbridos são evocados no decorrer das páginas, tais como o
“Minotauro, o híbrido com corpo de homem e cabeça de touro”346; Eros, esse que a tudo
“aproxima e mistura”347; “Cérbero, o cão de três cabeças”348; “O homem total,
dodecaedro”349; “Híbridos de homem e cavalo, os centauros”350; e, ainda, “Nos amores entre
Ares, deus da guerra, e Afrodite, a deusa da beleza e da paixão, os gregos intuíram e
significaram a íntima união entre os princípios da geração e da destruição”351. Quase ao final
do volume, Paulo Leminski provavelmente recomenda uma hipótese para esse seu constante
desejo de síntese, ou de tensionamento entre o que chama de “jogos, variações no interior de
estruturas fixas”352. Talvez haja na poética leminskiana o luto por uma unidade perdida, um
luto com pouco mais ou menos de melancolia, pois já não se reconhece o que se perdeu, mas
tão somente se sente a dispersão:

O fundo do imaginário mítico dos gregos é indo-europeu, os gregos, um dos


ramos da frondosa família indo-européia, que inclui indus, persas, hititas,
celtas, germanos, eslavos e italiotas, entre estes (oscos, úmbrios), os latinos.
Todos esses povos, um dia, foram um povo só. Onde, ninguém tem
certeza.353

A relação da unidade perdida com a variabilidade percebida: o tensionamento entre o capricho


da estrutura fixa, provavelmente mítica, de outrora, e o relaxo das variações, constantes como
a inconstância da água heraclitiana onde Narciso vê perder a sua face. Esse imaginário
sintético que atravessa a poética do autor brasileiro contemporâneo é também constituído por
outras temporalidades, como a grega, e por isso a viagem ao imaginário helênico se faz
possível, talvez ecoe algo de humano, universal.

346
LEMINSKI, Metaformose, 1994, p. 16.
347
LEMINSKI, Metaformose, 1994, p. 20.
348
LEMINSKI, Metaformose, 1994, p. 28.
349
LEMINSKI, Metaformose, 1994, p. 29.
350
LEMINSKI, Metaformose, 1994, p. 53.
351
LEMINSKI, Metaformose, 1994, p. 51.
352
LEMINSKI, Metaformose, 1994, p. 59.
353
LEMINSKI, Metaformose, 1994, p. 64.
162
Mas nem só de eterno vive o homem. Paulo Leminski trabalha também como
freelancer em editoras-gráficas como a Grafipar. Na Curitiba do final dos anos 70, a Grafipar
cria um leque de revistas, a maioria delas é voltada principalmente para temas sexuais. Dentro
das variedades dessas publicações, há espaço para histórias em quadrinhos eróticas. O sixtie
faz roteiro para algumas dessas HQs, como se pode ver nas páginas de Neuros, Aventuras em
quadrinhos e ainda Eros e de sua versão feminina, Rose, de nome gerado por meio da
recombinação das letras do periódico masculino354. No geral, os roteiros leminskianos são
acompanhados por desenhos de Flávio Colin, Júlio Shimamoto, Claudio Seto, Eros
Maichrowicz e Rodval Matias. Portanto, a produção é o resultado da síntese do trabalho de
dois artistas. Entretanto, também nos assuntos abordados nesses roteiros, Paulo Leminski
procura desenvolver questões sintéticas, como se pode ver na HQ “Com ele com eles”,
desenhada por Eros Maichrowicz. Já no início dessa estória, aparece uma mulher envolvida
em seus pensamentos. Ela comenta consigo a respeito do namorado, criando insinuações – um
tanto sexuais – de que seria um excelente rapaz. No centro da lauda, aparece, contudo, o
núcleo da trama: “Com o homem que você já tem são dois namorados e tanto...”. No quadro
seguinte, a questão é especificada: “Aí é que está o problema. Clóvis ou Jorge?”. Esse embate
entre A ou B está certamente muito ligado ao raciocínio geral da poética do caprichoso-
relaxado, a tensão entre dois (ou mais, “e tanto”) elementos. Ainda nessa página, a
personagem feminina, em suas reflexões, vislumbra um desejo: “Ah! Que bom se eu pudesse
juntá-los numa pessoa só”355.

354
Para se ter uma ideia sobre essas publicações, cf. Alice Ruiz e Paulo Leminski (2015). O “Prefácio” escrito
por Alice Ruiz ajuda a contextualizar um pouco essas produções. Cf. também o texto de Carlo Andrade (1994).
355
Citações retidas da página colocada a seguir. RUIZ e LEMINSKI, 2015, p. 78.
163
Figura 7

164
Tal anseio da síntese Clóvis-Jorge antecipa outra síntese que há nos quadros subsequentes:
Telma encontra Jorge e eles têm relações sexuais, apimentadas por desenhos de caras e bocas,
posições e palavras.
Como se nota diante dos desejos de Telma, os interesses leminskianos são
sintetizadores. Isso também se revela frente aos ensaios356. Em 1986, publica Anseios
crípticos; onze anos depois saem os Ensaios e anseios crípticos; e, já em 2001, aparecem os
Anseios crípticos 2. Mais recentemente, em 2012, a Editora Unicamp reúne os três livros sob
o nome de Ensaios e anseios crípticos, obra homônima à de 2001, mas agora com o aviso de
que se trata de segunda edição, ampliada. É ainda pertinente discutir o que não integra esses
tomos, cogitar se cabe uma terceira edição; assim como discutir o interesse editorial em tornar
coesa uma produção ensaística tão dispersa. Por exemplo, os prefácios/posfácios das
traduções de Leminski constam nos Ensaios e anseios crípticos, porém surgem ora divididos
em mais de um texto – como é o caso dos estudos sobre Lawrence Ferlinghetti –, ora
inteiramente iguais às introduções destinadas aos volumes traduzidos. De toda maneira, a
questão da síntese atravessa essa espécie de antologia. Isso é fácil de dimensionar observando
os debates sobre o haicai. Se o poeta faz biografia de Matsuó Bashô, realiza, além disso,
estudos mais teóricos sobre o poema. Em uma dessas prosas livres, chega a dizer que o gênero
literário japonês pretende “extrair o máximo de significado do mínimo de material,
ultrassegundos de hiperinformação”357; em outro artigo crítico lembra o “wabi”, a extrema
concisão do haicai, com seu horror ao grandiloquente e ao explícito”358. Essa perspectiva,
aprendida via haicai, o ex-judoca leva para toda a sua criação. Os próprios ensaios, por sinal,
são normalmente curtos. Não elabora longos tratados com pouco conteúdo – e sim breves
textos e repletos de propostas. Passa por assuntos muito diversos: desde autores como Bertold
Brecht, Arthur Rimbaud, Guimarães Rosa, Yukio Mishima e Jean Paul Sartre, até assuntos
como drogas, fotografia, Curitiba, pós-modernidade e musicalidade. Essa diversidade é
sintética na medida em que todos os fios levantados costuram a poética de Leminski. O seu
olhar seletivo encontra, sempre, aquilo que dialoga com sua escrita. Os temas elencados,
como há muito fazem os românticos, são aprofundamentos da estética do próprio poeta. Ao
dizer sobre Curitiba e musicalidade, parece mais fácil notar isso; não obstante, ao comentar,
por exemplo, a obra de Guimarães Rosa, o ensaísta analisa a adaptação do Grande sertão:
356
Sobre os ensaios de Leminski, cf. os trabalhos de Rita Lenira de Freitas Bittencourt (2010), Paula Renata
Melo Moreira (2008 e 2011), Lívia Mendes Pereira e Brunno Vinicius Gonçalves Vieira (2015).
357
LEMINKSI, Ensaios e anseios crípticos, 2012, p. 140.
358
LEMINSKI, Ensaios e anseios crípticos, 2012, p. 374.
165
veredas para a televisão, tensionando, tal como faz em Caprichos & relaxos, a dialética entre
o erudito e o popular, a oralidade de Riobaldo e a visualidade da telinha.
Aliás, a visualidade é fundamental nas cartas-poemas destinadas a Regis Bonvicino,
reunidas no volume Envie meu dicionário359. O ex-seminarista cria sessenta e oito epístolas
organizadas em linhas descontínuas, de modo a gerar versos (uns previamente caprichados,
outros, paraísos hellaxados). Folhas de formatos vários nas quais o epistoleiro dos Pinheirais
datilografa tantos bilhetes; páginas de tamanhos e geometrias mais ou menos múltiplos,
algumas trazendo brasões de empresas (como Raposa) onde trabalha o autor. Entretanto,
muitas delas contêm transbordamentos feitos à mão, provavelmente utilizando canetas
esferográficas, hidrográficas, nanquins. Os manuscritos vão de desenhos a palavras, de frases
avulsas a poemas, do mapa do Brasil a setas, quadros, grifos, tipos incomuns mesmo para um
bandido que sabia tipografia. Grande número dessas notas são assinaturas; o poeta coloca
manualmente o seu nome, mas também Alice Ruiz, muitas vezes, marca as missivas com
mãos de mulher. Leminski – e ela – realiza trânsitos verbivocovisuais. Verdadeiro layoutman
da epistolografia, como se observa na carta 25360:

359
A primeira edição desse material sai, em 1992, com o nome Uma carta uma brasa através: cartas com Régis
Bonvicino (1976-1981). No entanto, a segunda edição, em 1999, avisa que inclui mais epístolas e alguma crítica.
Quanto aos estudos sobre esse material, cf. Roseane Preciosa (1992), Bernardo Ajzenberg (1999), Marcelo
Sandmann (1999), Régis Bonvicino (1999, p. 9-10; 1999, p. 17-26), Júlio Castañon Guimarães (1999), Caetano
Veloso (1999), Solange Rebuzzi (2002, 2003 e 2004), Jayro Schmidt (2006), Vinícius Gonçalves Carneiro
(2011), Joacy Ghizzi Netto (2013 e 2014). A proposta da expressão “carta-poema” é utilizada por Solange
Rebuzzi (2003). De todo modo, é importante destacar o fato de “carta-poema”, ou mesmo “carta”, ser uma
expressão guarda-chuva. Como é dito na nota da editora, na p. 6 de Envie meu dicionário, “A todo material
enviado por Leminski a Régis demos o nome de ‘cartas’, mesmo no caso de poemas ou ensaios, pois o que faz
com que estejam nessa edição é o fato de terem sido remetidas em cartas”. Portanto, “carta”, por vezes, diz
respeito ao modo de envio, englobando, assim, materiais muito distintos. Além disso, de acordo com o
mencionado na “Introdução à primeira edição”, Leminski perde as remessas de Bonvicino e não possui o hábito
de criar cópias, por isso não há as passivas, somente as ativas. Cf. BONVICINO, 1999, p. 21.
360
LEMINSKI, 1999, p. 73.
166
Figura 8

167
A mistura de recursos pode ser notada nessa epístola de 23 de julho de 1978. O poeta discute
nela sua relação com os concretistas, assunto que atravessa grande parte de Envie meu
dicionário. As cartas são de 1976 a 1981, período no qual Leminski está, de certo modo,
matando, freudianamente, alguns de seus pais literários e procurando uma poética mais
propriamente autônoma, uma escrita “entre o verso e o universo”, capaz de pensar o “NÓS”
como uma grande síntese de dispersões. O desenho no canto inferior da página expressa essa
ideia. As dez setas que zarpam do “NÓS” sugerem que o eu-missivista, espécie de
desdobramento do eu-lírico de Caprichos & relaxos, traz em si uma grande quantidade de
interesses direcionais. Assim, o poeta afirma que está deixando de ser fascista, dogmático,
partidista, bitolado, limitado e quer criar – agora é que são elas! – uma norma: “chega de leis /
basta de normas”361.
Por ora, basta de livros leminskianos. Poderia ainda passar por muitas outras
produções... as letras de música, as entrevistas, as traduções, a publicidade, os vídeo-poemas,
os filmes realizados com o escritor, o extenso material produzido para revistas e jornais, o
trabalho como editor... E essa seção de meu estudo seria a linha que nunca termina... por isso
recortes se fazem necessários, embora em mim eu veja a angústia de querer dar conta da
totalidade. De toda maneira, diante desse enorme conjunto de material por onde não passo –
uma vez que priorizo, caprichosamente, obras editadas em livro – talvez caiba a outros
leitores preencher os, inevitáveis e programados, relaxos lacunares.

361
No próximo subcapítulo, analiso mais de perto a nona dessas epístolas enviadas a Régis Bonvicino.
168
3.2. As estátuas da liberdade & do rigor,
ou uma carta-poema sobre as sínteses da forma social e da forma literária

A forma é o social na arte,


observou o stalinista húngaro Lukács
Paulo Leminski

3.2.1. descolaram um programa: introdução

Entre a Literatura e os diversos campos das Ciências Humanas – a Sociologia, a


História, a Economia, entre outros – existem inúmeras afinidades. Ao analisar uma obra em
diálogo com determinada área, são muitas as maneiras de traçar convergências e/ou
alternativas recíprocas de esclarecimentos. No entanto, para construir exame de uma criação
artística, seria acanhado esboçar o pano de fundo sócio-político-econômico em paralelo ao
texto focalizado; é mais profundo procurar compreender os meios específicos de a produção
estética trabalhar questões de (não somente) ordens externas. Não me interesso, por
conseguinte, em pensar a sociedade apenas enquanto causa ou consequência de obras
artísticas; todavia, ao me deter na investigação de tais relações, contemplo, em menor ou
maior grau, as possibilidades de homologias que se estabelecem a partir da interação entre,
por assim dizer, “forma literária” e “forma social”, ainda que as distâncias entre ambas sejam
rasuradas.
Nesse sentido e neste subcapítulo, procuro me aproximar de tradição que, nos estudos
teóricos de modo mais amplo, integra ideias como as de Georg Lukács e Walter Benjamin, e,
no contexto brasileiro, tende aos métodos críticos de Antonio Candido e Roberto Schwarz;
esteira seguida por considerável parte dos debatedores da lírica leminskiana. Ao mesmo
tempo que me valho, metodologicamente, do ponto de vista formal-sociológico, procuro estar
um pouco afastado da dicção militante presente nos autores de O discurso e a cidade e
Cultura na política, e dos que se aproximam desses vieses ideológicos ao avaliarem a obra do
ex-estranho. Não raro, os exegetas marxistas filtram o cânone, deixando mestres divergentes
na periferia do academicismo; além dessa peneira, e em particular, os pesquisadores de tal
linhagem enquadram sob a bandeira comunista as posturas incomuns do caprichoso relaxado.
Ao leitor, as batatas ofertadas pela crítica são uma discutível sequência brasileira; faltando
antíteses às teses dos discípulos de Marx, a história da literatura nacional corre o risco de se
tornar a narrativa contada pelos parceiros de um rio não tão bonito, pois o seu leito é de
Procusto, que corta os corpos com foice e martelo. Por essas razões, convém aqui o exercício
169
de notar um Leminski mais complexo: não pretendo sequestrar o capitalismo na formação do
poeta, tampouco negar o seu incômodo com as relações de propriedade362.
Para tanto, pretendo investigar, mediante, sobretudo, elementos semânticos e
melopaicos, em quais condições uma carta-poema do cachorro louco elabora, estruturalmente,
questões (também) externas. Primeiro, faço comentário introdutório dos versos
epistolográficos, objetivando compreender o vocabulário e as referências delineadas pelo
autor, e procuro facilitar meu argumento (“b. artilharia ligeira: comentário”). Nas subdivisões
seguintes, demonstro como certos entendimentos da síntese, em especial a noção de par,
aparecem na correspondência, tanto semanticamente (“c. signos geram signos: por zero,
breve, par e reunião do diverso”), quanto levando em conta aspectos rítmicos (“d. onde a
guerra?: alguns pares formais”), se é que seria possível, exceto com intenções didáticas,
efetuar tais fracionamentos. Depois, no item “e. é preciso deixar que a História chegue em
você: formas sociais em par”, cabe inserir a noção estética de par em contextos mais amplos,
que são as visões de mundo presentes na modernidade; e, em seguida, pretendo sinalizar que
essas questões atravessam o datiloscrito/manuscrito configurando, por vias próprias, uma
dialética homóloga à concebida durante a Guerra Fria. Por fim, na seção “f. que a estátua da
liberdade / e a estátua do rigor / velem por todos nós”, mas não apenas nessas linhas finais,
espero avançar na compreensão da epístola lírica aqui enfocada e explicitar com mais nitidez
a postura político-econômica difusa assumida pelo sujeito-epistolográfico.
A carta discutida aparece no livro Envie meu dicionário, o qual traz mais sessenta e
sete expedidas a Régis Bonvicino, sem apresentar as remetidas por este interlocutor 363.

362
Cf. Georg Lukács (1972, 1975 e 2000), Walter Benjamin (1984 e 1993), Antonio Candido (1981 e 1993b) e
Roberto Schwarz (1987). Uma aproximação desses teóricos – com a exceção de Roberto Schwarz, mas incluindo
ainda Eric Auerbach e Theodor Adorno – está no texto de Marcos Rogério Cordeiro (2008). Quanto à crítica
sobre Leminski, cf., p. ex., Lucas dos Passos (2012) comparando Leminski com Walter Benjamin; Elizabeth
Rocha Leite (2008 e 2012) comparando com Gilles Deleuze e Jacques Derrida; e Nanci Maria Guimarães (2008)
com Ítalo Calvino, especialmente com a ideia de “resistência ao novo capitalismo”.
363
No subcapítulo 3.3., consta uma apresentação geral das correspondências. Como dito lá, a primeira edição de
Envie meu dicionário sai, em 1992, com o nome Uma carta uma brasa através: cartas com Régis Bonvicino
(1976-1981). No entanto, a segunda edição, em 1999, avisa que inclui mais epístolas e alguma crítica. Quanto
aos estudos sobre esse material, cf. Roseane Preciosa (1992), Bernardo Ajzenberg (1999), Marcelo Sandmann
(1999), Régis Bonvicino (1999, p. 9-10; 1999, p. 17-26), Júlio Castañon Guimarães (1999), Caetano Veloso
(1999), Solange Rebuzzi (2002, 2003 e 2004), que discute a expressão carta-poema, Jayro Schmidt (2006),
Vinícius Gonçalves Carneiro (2011), Joacy Ghizzi Netto (2013 e 2014). Importante destacar o fato de “carta-
poema”, ou mesmo “carta”, ser uma expressão guarda-chuva. Na nota da editora, na p. 6 de Envie meu
dicionário, é dito que “A todo material enviado por Leminski a Régis demos o nome de ‘cartas’, mesmo no caso
de poemas ou ensaios, pois o que faz com que estejam nessa edição é o fato de terem sido remetidas em cartas”.
Portanto, o termo, por vezes, diz respeito ao modo de envio, englobando, assim, materiais muito distintos. Além
disso, de acordo com o mencionado na “Introdução à primeira edição”, Leminski perde as remessas de
Bonvicino e não possui o hábito de criar cópias, por isso não há as passivas, somente as ativas. Cf.
BONVICINO, 1999, p. 21.
170
Grande parte das missivas leminskianas consiste em estrofes, trazendo notícias cotidianas e
mostrando as inquietações de um sujeito-textual muito próximo do sujeito-civil;
circunstâncias que direcionam à opção por mecanismos recorrentes em Na sala de aula, de
Antonio Candido, e Leitura de poesia, de Alfredo Bosi. Espero que a análise empreendida
leve em conta ainda dimensões problematizadas por Louis Hay, em A literatura dos
escritores, porque tensiono as fronteiras entre os textos poético e de arquivo, na medida em
que utilizo recursos de leitura de poema para investigar uma epístola.
Em anexo, seguem as imagens das páginas364.

3.2.2. artilharia ligeira: comentário

A carta-poema inicia com a data feita à caneta esferográfica: “28/leão/77”. O dia, vinte
e oito, e o ano, mil novecentos e setenta e sete, estão dentro do esperado. No entanto, o mês é
construído a partir de signo zodiacal. Seria julho, uma vez que, sob a regência de leão, o dia
vinte e oito só ocorre em tal mês. Contudo, essa não é a maneira de datação utilizada pelo
missivista em outras mensagens. Na “Carta 8”, a anterior à do final de julho, Leminski
também começa datando: “9/10/11/7/77”. Teria gastado três dias – “9/10/11” – redigindo uma
epístola de quatro páginas; e, logo de cara, chama seu interlocutor de “o epistoleiro mais
rápido do oeste”. Por contraste, o curitibano seria aquele que levou algum tempo escrevendo a
resposta; ele não atira suas palavras com tanta agilidade. Mesmo nos artifícios supostamente
relaxados de seu trabalho, há lentos caprichos, burilamentos. Assim, em julho de 1977, ao
optar por “leão”, o poeta demonstra sua afinidade com questões zodiacais, místicas,
religiosas. E o fogo leonino parece agitar a pena do autor que, após escrever o nome “Regis”
(“rei”, em latim), desenha um raio365.

364
Cf. Anexo presente no final deste trabalho. A referência das páginas é LEMINSKI, Envie meu dicionário,
1999, p. 46-51. As outras cartas citadas também constam nesse volume e podem ser facilmente localizadas, pois
menciono o número da epístola. No entanto, ao me referir às correspondências, em especial a essa “Carta 9”,
evito redizer a página de onde retiro a informação, pois já consta em imagem e meu comentário segue de perto a
leitura do texto. Assim espero que meu ensaio ganhe em comunicabilidade.
365
A astrologia, hoje, é pouco aceita na academia, de modo geral. No entanto, autores costumam utilizar
elementos astrológicos para compor suas obras. A besta dos pinheirais, por sua vez, escreve poemas como “o
esplêndido corcel”. Na mesma época, talvez seja ainda mais expressiva a obra de Caio Fernando Abreu. Cf. os
estudos sobre literatura e astrologia feitos por Amanda Lacerda Costa (2008) e a obra de Oskar Adler, La
astrologia como ciencia oculta. Os dados sobre o signo de leão estão em harmonia com essas fontes.
171
O remetente convoca o destinatário: “Aí, Regis!” – sem acento na vogal “e”. A
invocação ao “rei” é bastante informal. Diferente dos padrões “caro régis” e “caríssimo régis”
– com acentos agudos – adotados nas primeiras correspondências da série. Lembra mais o
“olha só, régis”, da “Carta 4”. Em todas essas alternativas, é delineada a alusão a Régis
Bonvicino, o interlocutor é trazido para dentro da discussão. O paulista – nascido em 1955 –
troca escritos com o paranaense, no final da década de 1970 e começo de 1980, antes que o
telefone substitua o costume epistolográfico366. Durante as redações, Bonvicino está em
princípio de carreira; formando em Direito, na Universidade de São Paulo, e publicando os
versos de Bicho de papel (1975) e Régis Hotel (1978), sendo que o livro seguinte, Sósia da
cópia, aparece em 1983367. Neste mesmo ano, Leminski publica Caprichos & relaxos, pela
Brasiliense; mas, quando redige as epístolas, é reconhecido publicamente pelo Catatau
(1975). Portanto, ambas as personagens estão inseridas em um contexto de grande agitação
cultural. E movimentado por pequenas revistas literárias e bandas de música.
Do ambiente repleto de mídias visuais e auditivas, parte a carta-poema. Leminski
afirma que está “transando”, interagindo, com vários “códigos/suportes”. Na época, ele está
trabalhando em agências de publicidade, escrevendo seus versos, colaborando em periódicos e
no programa de rádio organizado pela banda A Chave. O grupo curitibano de hard rock tem
grande influência leminskiana, chegando a gravar músicas do poeta368. Assim, quando A
Chave “descola” (consegue) espaço para realizar um programa radiofônico, o letrista de
“Verdura” produz esquetes. Lidas hoje, nesse momento em que os movimentos minoritários
talvez estejam com maior visibilidade, as “propagandas impropagáveis” parecem mais
inadequadas. A “POMADA MELECA”, por exemplo, pode soar homofóbica, na medida em
que é “produto farmacêutico” de pouca credibilidade (“meleca”, muco nasal) capaz de
transformar “bofe” (sujeito do sexo masculino e de gênero masculino) em “boneca” (termo
pejorativo usado para caracterizar o travesti)369. Ao findar a primeira página, o remetente

366
Segundo Régis Bonvicino, a comunicação via correio vai até 1981, “ano em que Leminski comprou seu
primeiro telefone e foi, gradativamente, perdendo o hábito” de remeter mensagens (BONVICINO, 1999, p. 21).
367
Sobre os três primeiros livros de Régis Bonvicino, cf. as considerações de Duda Machado (1995). Também
sobre a primeira trinca, João Adolfo Hansen (2010) destaca a influência concretista, a qual fica menos forte nos
livros líricos posteriores, publicados entre 1986 e 2006. A reunião Até agora, lançada em 2010 pela Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, ajuda a dimensionar essas considerações.
368
Basta citar “Me provoque pra ver” e “Buraco no coração”. Cf. a nota “a)” sobre a “Carta 9”, na p. 183 de
Envie meu dicionário. E também as referências discográficas na p. 367 da biografia feita por Toninho Vaz
(2001).

172
ainda avisa que as “propagandas impropagáveis” estão sendo trabalhadas por um cartunista,
com intuito de passar do apenas sonoro (radiofônico) para o visual (ícone).
Diante de textos como esse, Leminski abre a segunda lauda se vendo mergulhado nos
meios de comunicação de massa (“massmídia”). Rádio, cartoon, publicidade. Todavia sem
perder o foco de recursos tradicionais, o haicai, a quadra. Esse atrito ocasiona uma questão
para o vencedor distraído. Sua autoestima de mandarim – de suposto letrado a ocupar cargos
de alto funcionário na China – pergunta se a cultura pop deveria ser evitada por ele. Se em vez
de criar textos de importância menor, “letrinhas”, para rocks pouco sofisticados, “fuleiros”,
deveria escrever ensaios eruditos. Porém, recusa a segunda alternativa. Até grafa de caneta,
em caixa alta e dentro de pequeno retângulo o seu “NÃO!”. Afirma ter se libertado de vícios
letrados. O romper das amarras ele atribui às suas experiências com o “jornalismo cultural /
ou contracultural”. Exprime ainda o seu gosto pelo livre mercado, por se sentir “na corrente
sanguínea / do mercado”. Vivenciaria certa “nostalgia do intelectual pela ação”. Lembrando
um pouco a ideia de práxis, o trovador não quer apenas a teoria pura: “trabalhar nos meios de
massa / é a coisa mais parecida com ação que já vi”. Retomando considerações de Waly
Salomão, o remetente diz que já foi “erudito” (alguém que faz ensaios pesados) e hoje só
ataca de “artilharia ligeira” (estando mais ligado ao comentário breve). Seria comparável a um
“morteiro na guerrilha”, canhão de boca larga e capaz de lançar bombas menores. A
referência até recebe ilustração do autor, com a bala de canhão sendo lançada.
A menção anterior a Waly é uma das cinco procedidas na segunda página.
Exemplificam o raciocínio defendido: Leminski se vê culto, entretanto dedicado ao universo
pop. As outras quatro alusões ocorrem na última estrofe da lauda. Maciel, Ezequiel Neves,
Pignatari e Caetano. Esclareço as personagens. Waly Salomão: poeta baiano que estreia, em
1972, com Me segura qu’eu vou dar um troço370. Dono de estilo que almeja totalidades e
mutações, Sailormoon possui poética mais ou menos definida e envolvendo repertórios ditos
altos e baixos. O que é um pouco mais difícil de definir é quem seria “maciel”. Provavelmente
o filósofo e roteirista Luiz Carlos Maciel, que, nos anos 70, é conhecido guru da

369
Existem glossários do universo LGBT, os quais auxiliam na compreensão do haicai/propaganda visto acima.
Cf., p. ex., Aurélia, a dicionária da língua afiada. Esse material lembra, em certa medida, o “Indicionário”
realizado, nos anos 1970, por Luiz Carlos Maciel. Cf. VAZ, 2001, p. 127.
370
Me segura qu’eu vou dar um troço, de Wally Salomão, consta na Poesia total, editada pela Companhia das
Letras. Uma resenha dessa poesia completa, de modo a aproximar um pouco Leminski e Salomão, e ainda Ana
Cristina Cesar, está em BELÚZIO, 2017.
173
contracultura, muito em função de sua coluna “Underground”, em O Pasquim371. Nesse
sentido, ele está entre os chamados de “aqueles que aplicam um grande repertório nas coisas
‘pequenas’”. As aspas aqui tensionam o sentido literal e o irônico. As coisas “pequenas”
podem ser muito grandes. Assim, o produtor e crítico musical Ezequiel Neves teria voltado a
sua acumulação cultural para assuntos como o rock372. Quando a carta de 1977 é escrita, o
rock’n’roll, em estrito, e a música popular possuem reconhecimento cultural diferente de hoje.
Por um lado, os festivais brasileiros da canção, na época, dão ótimas repercussões; porém,
hoje, os letristas gozam de maior respeito diante dos estudos literários. Dimensionam esses
pontos tanto o fato de terem minguado os festivais quanto, somente em 2016, Bob Dylan
vencer o Prêmio Nobel. É compreensível por que cerca de quarenta anos antes se chegue a
mencionar Caetano Veloso enquanto modelo de homem culto que emprega seu legado em
causa “menor”, a MPB, se desconsidero aqui a possibilidade da afirmação ser irônica. Ao lado
do músico, o concretista Décio Pignatari aparece muito em função de, nos anos 60, redigir
crônicas sobre futebol, publicadas na Folha de São Paulo373.
O diálogo com os concretistas e Régis Bonvicino continua na página seguinte.
Leminski decerto recupera algo dito pelo autor de Sósia da cópia: é importante diferenciar o
que a nova geração está fazendo, em comparação com o “concretismo clássico” – expressão
que o cachorro louco frisa, em comentário à caneta: “horrível, não?”. O concretismo clássico
está para o supracitado Décio Pignatari e os irmãos Campos; ao passo que, mais adiante no
tempo, estão “as melhores inteligências como as nossas”, ou seja, uma pequena elite
intelectual formada, além do próprio criador de “contranarciso”, por “você caetano gil alice
waly duda pedrinho sebastião”, e eteceteras em declínio. Leminski se coloca ao lado do seu
interlocutor, você/Bonvicino, mas também de mais sete nomes, como os já mencionados
Waly Salomão e Caetano Veloso. Gilberto Gil é outro que está no rol, sem dúvida em função
de discos do nível de Tropicália ou Panis et Circenses, realizado com o artista de “Alegria,
alegria”. “alice”, por sua vez, corresponde a Alice Ruiz, poetisa e esposa oficial do hippie nos
anos setenta. “duda”, ou seja, Duda Machado, é mais um nome ligado ao tropicalismo e à
contracultura; o poeta, no mesmo 1977, lança o seu livro de estreia, Zil, e mais tarde se muda

371
Sobre Luiz Carlos Maciel e Leminski, Cf. VAZ, 2001, p. 126-128. Cf. também a tese O discurso da
contracultura no Brasil, de Marcos Alexandre Cappelari. Ajudam ainda a dimensionar a atuação de Maciel as
colunas “Geléia Geral”, de Torquato Neto; cf. Os últimos dias de Paupéria.
372
Cf. os apontamentos biográficos feitos por Antônio Carlos Miguel (2011), na ocasião do falecimento de
Ezequiel Neves.
373
Cf. PIGNATARI, 2014.
174
para Minas Gerais, virando professor de Teoria da Literatura, na UFOP 374. Já “pedrinho” é
Pedro Tavares de Lima, que editou, em 1975, o único exemplar da revista Poesia em greve.
Por fim, “sebastião” é Sebastião Uchoa Leite, tradutor; autor de livros líricos, como Antilogia,
de 1979; e, nessa mesma década, editor da revista José, periódico que publica concretistas e
marginais375.
Retomando, ao diferenciar os próprios Noigandres e os pós-concretos, o novelista de
Guerra dentro da gente estabelece duas espécies de batalhas. Em um primeiro plano, está o
corte contra o movimento paulista e, no segundo, a luta econômica de classes. Na esfera
inicial, é necessário que os pós-concretos marquem suas diferenças em relação aos seus
precedentes, os concretos clássicos. Os novos precisam carregar as tintas nos sinais
generacionais, o que provavelmente quer dizer a ultrapassagem do Concretismo. Este se
arquiteta apenas no campo de “arte/literatura/SIGNO”, havendo da parte dos pós-concretos o
imperativo alcance de outros âmbitos, como a música popular e a militância política mais
efetiva. Em um sentido mais amplo, Leminski deseja luta que, perpassada pelo plano
linguístico onde se encontra o “concretismo clássico” e a semiótica de Charles Sanders Peirce,
alcance a vida prática, o plano pragmático: eis o plano piloto do cachorro louco. Com discurso
bastante marcado pelo vocabulário típico da esquerda sixtie, o epistoleiro-poeta declara: “o
que interessa / o que a gente quer, no fundo, é MUDAR A VIDA / alterar as relações de
propriedade a distribuição das riquezas / os equilíbrios de poder entre classe e classe nação e
nação”. Essa revolução é o que seria “o grande Poema”, de modo que a escrita, os poemas,
seriam “indícios dele meramente”.
A próxima página continua a discussão, sobretudo nas duas primeiras estâncias. A
primeira frase/verso já enfatiza: “nossa poesia tem que estar a serviço de uma Utopia”. O
vencedor distraído está defendendo a criação marcada pelas questões e aspirações temporais.
A utopia mencionada segue a via de um desejo social, na perspectiva do “grande Poema”,
como dito anteriormente. Por isso, a ideia de que “o poeta para ser poeta tem que ser mais que
poeta”, ele demanda estar engajado na “ESPERANÇA” de transformar o mundo. A segunda
estrofe permanece no mesmo tom. Não é à toa o fato de ser “engaje” a última palavra dela. A
noção de poética engajada, empenhada em política, é aqui fundamental. O ex-professor de

374
Sobre a trajetória de Duda Machado, cf. o trabalho de Evanilson Oliveira Barbosa (2015). Quanto ao volume
Zil, consta na edição Crescente, que reúne os primeiros livros do poeta.
375
Sobre “pedrinho”, Cf. VAZ, 2001, p. 177. E as elucidações sobre nomes, na p. 174 de Envie meu dicionário.
Esta mesma página ajuda a compreender “sebastião”, o qual também aparece na p. 197 da biografia escrita por
Toninho Vaz.
175
História afirma que a história, o mundo, precisa dar choque, chamar, cotejar, envolver,
engajar “você”, sendo que este pronome pessoal convoca Bonvicino ou qualquer poeta.
Com o dístico, o autor muda um pouco a dicção: “uma coisa pode ter certeza: /
nascemos na classe errada”. O filho de militar fala sobre sua condição financeira e inclui nela
o interlocutor. Seria imaginável que ambos são colocados em uma espécie de classe média.
Contudo, pelo menos intelectualmente, o missivista vê a si e a Bonvicino em situação melhor
do que a faixa intermediária da pirâmide social brasileira. O poeta talvez se pense intelectual
de vanguarda, à frente das massas. A conjectura fica mais clara a partir das sentenças escritas
em inglês, as quais traduzo: “nós que temos o conhecimento necessário para fazer algo e
também o não conhecimento necessário / temos que ter esse quê / esse o que quer que seja /
você não pensa assim?”. Ao assegurar “que somos nós que temos” conhecimento, incide
diferenciação, segregação. Mais ou menos nesse mesmo sentido, o autor faz outras
considerações: “estou tomando o máximo cuidado / para que tudo isso que estou dizendo /
saia sem o mínimo resquício de stalinismo”. A busca por evitar a influência do pensamento de
Stálin, antigo chefe da União Soviética, é a tentativa de se ver acima do restante das pessoas,
isto é, não se querer “sectarista esquerdofrênico”, segregacionista. Conquanto Leminski
recuse a atitude intolerante de uma liderança esquerdista que se julga melhor do que o restante
da população, reconhece: “mas não dá pra jogar fora esse lance”.
Embora na passagem da quarta para a quinta página a grande anotação “vire”,
acompanhada por seta, dê a entender que haja intensa coesão, o ex-estranho parece instalar
quebras entre os temas. Continua discutindo as lutas – de classes e de linguagem –, mas entre
as estrofes não há uma relação muito cerrada, por vezes. Prefere criar trechos mais isolados,
com valor formal em si, sem dar tanto prosseguimento ao debate que vem sendo travado ao
longo da epístola. Consoante a isso, a segunda estância faz elogio à capacidade sintética
(“com meia dúzia de slogans”) e continua falando de batalhas (“ponho cerco às
fortificações”), porém é um pouco difícil de engenhar afinidades entre todas as informações.
A terceira estrofe segue esse viés, ao tecer quadrinha falando “estamos dentro de uma onda”.
Alguns fios parecem propositalmente soltos. Ou com valores em si mesmos.
Por outro lado, o dístico “os patriarcas já teorizaram bastante por nós / foi seu
martírio” reitera o debate sobre romper com os concretistas, propor novas alternativas. Ao
trazer os patriarcas, o ex-seminarista faz referência aos irmãos Campos e a Décio Pignatari.
Desse modo, recupera a questão sobre não fazer ensaios pesados, ou ficar teorizando demais
as questões. Chega a dizer que “talvez não haja mais tempo / para grandes e claros GESTOS
INAUGURAIS”. O poeta se diferencia de três movimentos, ou mesmo de uma tradição
176
brasileira: a Antropofagia, dos anos 20; o Concretismo, dos anos 50; e o Tropicalismo, dos
anos 60. Em todos eles, há preceitos, prefácios, normas, ou como diz Leminski, “certezas”.
No entanto, o escritor, já em 1977, percebe que “agora é tudo assim / ninguém sabe / as
certezas evaporaram”. Se tudo que é sólido se desmancha no ar, as correntes estéticas mais
firmes perdem o seu espaço. Analogamente, a missiva está se desmanchando, sendo conclusa.
O caprichoso relaxado termina praticando evocação (quase) religiosa: “que a estátua da
liberdade / e a estátua do rigor / velem por todos nós”. A liberdade do relaxo e o rigor do
capricho.
Na qualidade de post scriptum, decorrem duas informações. Primeiro, ainda na quinta
lauda, o pedido para que Régis Bonvicino “mande mais coisas”, no perfil das revistas Carne
Fresca (volume 8) e Forte. Em folha adicional, de tamanho menor, o remetente pede que o
destinatário mostre “o material” a outras pessoas: os mencionados “patriarcas”; “riso”, isto é,
o poeta e ensaísta Antonio Risério; novamente “pedrinho”, Pedro Tavares de Lima; e, agora,
“plaza”, Julio Plaza, artista plástico espanhol residente no Brasil. Esse conjunto de nomes
ajuda a mostrar que a mensagem não é apenas privada, mas, desde sua feitura, possui
dimensão pública. É para circular, chegar a todos os olhos. A recomendação segue
acompanhada até de ameaça: “SENÃO EU VOU DE NOITE / TRANSFORMAR OS TEUS
SONHOS / CONCRETISTAS / EM PESADELOS PARNASIANOS”. O gesto, por um lado,
opõe os concretos e o parnasos, estes com sinal de negativo e aqueles de positivo. Contudo,
vale notar que Leminski se atribui os poderes de “emparnasiar” os sonhos de Bonvicino. Isto
é, possui dotes de parnasiano, ou então não poderia assombrar os sonhos do interlocutor.

3.2.3. signos geram signos: por zero, breve, par e reunião do diverso

A carta-poema admite múltiplas leituras. Por isso, é necessário delimitar um pouco o


recorte. Nesse sentido, em consonância com o discutido nos subcapítulos 2.2.2. Quatro
sínteses em Paulo Leminski e 2.2.3 As sínteses na lírica leminskiana, gostaria de observar
as maneiras de o escritor exprimir tópicos de noções como as de zero, breve, reunião do
diverso e, sobretudo, par. Ao último prisma, darei mais ênfase, demonstrando que o remetente
– organizando importante agrupamento de assuntos e a estrutura formal da epístola – passa
por ambiguidades próprias da noção de par.
Inicio pelo zero. Na “9”, há tópicos semelhantes aos utilizados ao longo de Toda
poesia. Como léxicos que remetem à noção de vazio: “sem o mínimo” e “vaga”. Alguns ainda
177
lembram a ideia de lenda ou ser ficcional – o “leão” astrológico presente na data – e sonho – a
“Utopia”, da página quatro, antecedida pelo desejo de “MUDAR A VIDA”, na terceira.
Vocábulos indicam noções de ausências corporais, a exemplo de a “fome”. Também
aparecem questões ligadas ao tempo passado – “já fui um erudito”, “como a poesia concreta
foi / como a antropofagia foi / como a tropicália foi” – e ao espaço –“Atlântida”. O “não” é
outro termo que ganha ênfase, havendo o “NÃO!” em caixa alta, dentro de um retângulo, na
lauda dois, e as formas “não sei” e “não deviam”. Palavras com prefixos de negação – a
“antipropaganda”, que é “impropagável” – são próximas desse sentido. Ademais, vale lembrar
a perspectiva de queda, presente no substantivo “kamikaze”, no verbo “chega”, ordem que
visa colocar um fim, e nas máximas “DEIXE DE SER” e “as certezas evaporaram”, pois,
apesar de esta última sugerir elevação aérea, caminha para o apagamento. Rasuras são
apagamentos que diferenciam as cartas-poemas dos poemas, por assim dizer, tradicionais. Na
missiva, Leminski efetua rabiscos, como os vistos no meio da primeira página e no canto
superior da quarta. O balão em formato de sonho, na abertura, lembrando a dimensão de
“Utopia”, prossegue as visualidades.
A noção de breve, por sua vez, também conta com recurso visual. Logo na abertura da
epístola, abaixo do nome “Régis”, aparece o relâmpago, descarga elétrica que dura instante e
cria risco no céu da folha. No começo do texto, há outra designação de tempo curto, a data:
“28/leão/77”. O remetente chega a confessar que só ataca de “artilharia ligeira”. Medidas
menores o cativam: “gosto de ver aqueles que aplicam um grande repertório / nas coisas
‘pequenas’”. A densidade de querer aplicar muito em pouco, concentrando, colocando a
reunião do diverso em apenas um breve. Este artifício é fundamental. Assinala “que o poeta
para ser poeta tem que ser mais que poeta”, tem que expandir a sua brevidade, se envolver
com as questões históricas, fazer poemas que sejam indícios de coisa única, um “grande
Poema”, a revolução social. O tom bélico atravessa a carta, tanto no sentido político-
econômico, quanto no âmbito linguístico. As duas instâncias aparecem na estratégia
assumida: “com meia dúzia de slogans verdadeiros na cabeça / cerco a montanha”. Seu
artifício é compor “meia dúzia” de frases fortes. A metade de doze está menos para a reunião
do diverso e mais para a expressão de conta minguada. Um quase-nada a partir do qual o
estrategista obtém os seus resultados.
Seguindo a progressão numérica, seria a hora de analisar tópicos do par, mas vou
deixar esse ponto para a sequência. Passo à reunião do diverso. Ela se dá por alguns
caminhos, com pluralidades. Logo no começo, o poeta confidencia que está “transando vários
códigos/suportes”. A intenção de misturar gêneros textuais e mídias aparece com frequência.
178
Já na primeira página, estão “transando”, entre outros, a epístola, o poema, a propaganda, o
haicai e os desenhos que lembram histórias em quadrinhos. A lista de recursos usados por
Leminski é grande. Sendo, a própria catalogação, reunião do diverso. Há sequências de
perguntas: “FOME? VONTADE DE COMER? APETITE?”. De pessoas: “você riso caetano
gil alice waly duda pedrinho sebastião”. De movimentos literários: “como a poesia concreta
foi / a antropofagia foi / a tropicália foi”. De verbos: “dê choque em você / te chame te eleja te
corteje / te envolva e te engaje”. A noção de diversidade também é manifesta por meios
numéricos, gerando hipérboles (“pensando como a responsabilidade de criar 10 filhos”). E
ainda por meio de objetos (“morteiros da guerrilha”) e espaços (as “fortificações”).
Na dimensão bélica, o par; especialmente sendo o combate entre dois. Há confrontos
ao longo das páginas. Já na segunda, o autor, após citar os “morteiros da guerrilha”, fala sobre
“abastecer as tropas no próprio terreno inimigo / com os frutos do local”. Na lauda seguinte,
duas defrontações ficam mais evidentes: “a guerrilha de signos” e a luta de classes.
Aproximando essas duas contendas, na penúltima folha, declara: “com meia dúzia de slogans
verdadeiros na cabeça / cerco a montanha / ponho cerco às fortificações / tomo a posição e a
defendo”. A nuance de conflito é permanente na conversação. Uma de suas tônicas
fundamentais. Mas as brigas são discutidas entre amigos, entre cúmplices. Com o passar do
tempo, considerando as 68 epístolas remetidas ao longo de aproximadamente cinco anos, os
laços vão se estreitando, embora na “Carta 9” já se notem camaradagens. A informalidade
com que “Aí, Regis!” é chamado. A vibração ao perceber que é “muito legal isso q v. falou”,
mostrando que “achei o achado digno de um estrategista”. A inclusão do amigo na lista de “as
melhores inteligências”. O pedido de “MANDE MAIS COISAS TUAS / CARNE FRESCA 8
FORTE / P/ EU PUBLICAR”. A brincadeira de “TRANSFORMAR TODOS OS TEUS
SONHOS / CONCRETISTAS / EM PESADELOS PARNASIANOS”. Portanto, a conversa
sobre batalhas se dá através de sentimentos fraternos. Das trincheiras dos pinheirais, Leminski
escreve para o amigo que mora na dura poesia concreta. Na correspondência sobre a guerra,
existe amor entre Curitiba e SP.
Nesse sentido, a carta edifica um par. Unidade entre dois interlocutores. Há outros
tópicos sendo utilizados. Um deles é o “E”, vide “hard rock e locução criativa”, “letrado e
escriba”, “o know-how e o dont-know-how”. Bem como o “OU”, visto em “jornalismo
cultural / ou contracultural”. Além desses, em relação ao tempo e ao espaço, advêm
pareamentos. O próprio modo de datar a missiva – “28/leão/77” – é ambíguo, mescla os
calendários gregoriano e astrológico. Já espacialmente, “beira” (estabelecendo proximidade
entre a “cultura pop” e a “bobagem”) e “até” (tramando ínterim entre “o pacífico” e “as praias
179
da Atlântida”) auxiliam a contrapor dois elementos. O uso de símile também exerce tal função
ao falar “como a poesia concreta foi”. Outra ordem de figuras de linguagem a aparecer são as
antíteses (“gosto de ver aqueles que aplicam um grande repertório / nas coisas ‘pequenas’”)
e os oximoros (“propagandas impropagáveis”)376.
Em termos visuais, há múltiplos pares. No âmbito datilográfico, as alternâncias entre a
caixa baixa e a CAIXA ALTA, em três das seis páginas. Aliás, ocorre oscilação entre o
datilografado e o manuscrito; por exemplo, na penúltima lauda, à frente do “até as praias da
Atlântida” surge “(a Terra Santa)”. Também existem variações entre os desenhos e as
palavras; as variáveis podem ser notadas no começo, na frente da expressão “os guris da
Chave”, quando são vistos parênteses contendo dois desenhos: guitarra e pauta musical. As
tabulações são outro artifício visual importante. No poema que vai sendo escrito, o
alinhamento se dá à esquerda, mas alguns versos adquirem organizações mais liberais,
sobretudo mais ao final. As linhas “velem por todos nós”, “amor abraços” e
“CONCRETISTAS” estão deslocadas da massa textual, mais adiante. Sem falar naquelas
ainda mais controvertidas, caso do balão “é o / lenhinismo”, o comentário “horrível, não?” e a
chave colocada após “signos geram signos”.
Uma importante estrofe da “Carta 9” se vale tanto de recursos gráficos, quanto de um
tópico, por assim dizer, semântico;

que a estátua da liberdade


e a estátua do rigor
velem por todos nós

Visualmente, há o contraste entre dois alinhamentos à esquerda e a tabulação avançada.


Ademais, o conectivo “e” aproxima contrários. Cria unidade entre opostos: a “estátua da
liberdade”, da autonomia, da maleabilidade, do relaxo; a “estátua do rigor”, da inflexibilidade,
da exatidão, do capricho. Outra oposição se dá entre o singular (a dupla ocorrência de “a
estátua”) e o plural (“todos nós”). Dois itens particulares velando por todo mundo; dos ídolos
mínimos, a força máxima. O verbo “velar”, que está conjugado na terceira pessoa do plural,
admite tanto significar cobrir com véu, esconder, tornar menos brilhante quanto fazer vigília,
estar de sentinela, resguardar de qualquer perigo. Acompanhado pela preposição “por”, no
entanto, a segunda acepção tende a ser mais adequada. O que Paulo Leminski parece buscar é
a proteção da “estátua da liberdade” e da “estátua do rigor”. Quer ser velado por elas, isto é,

376
Grifos meus.
180
receber a vigília delas, isto é, ter elas acordadas por ele, isto é, elas estarem por ele ou serem
por ele. Por elas, escreve e envia a carta. Por elas, declara uma carta-poema. Para que ele, por
sua vez, vigie as que o vigiam.

3.2.4. onde a guerra?: alguns pares formais

O ex-seminarista é vigilante em suas ações. E se mostra motivado pela liberdade e


pelo rigor em sua realização estética. Na “9”, essa dialética pode ser observada a partir da
métrica, da estrofação, da paginação e das rimas.
O número de versos, ao todo, é de quase cento e cinquenta, considerando verso tudo o
que está na mesma linha; incluindo data, elementos manuscritos e até rasura. Permito a
utilização de número aproximado, porque há casos difíceis de definir em exato, sendo mais
eficiente tensionar e compreender as possibilidades; evito recusar as plurissignificações
oferecidas pelo texto analisado. Um dos momentos especiais se deve ao colchete que nasce na
terceira estrofe da terceira página, trazendo três opções: “por cissiparidade / por hibridismo /
por mutação”. São problematizados justamente os signos gerando signos, palavras produzindo
palavras através da divisão binária (“cissiparidade”), da junção de dois ou mais (“hibridismo”)
e da mudança, transformação (“mutação”). Em tal episódio, essas entradas pertencem à pauta
da qual surgem – a sentença “signos geram signos” – ou seriam independentes dela?
Interessante perceber a homologia entre o visual e o semântico. Assim, o leitor tem diante de
si um verso dividido ou dois conjuntos versíficos fundidos em um só? O missivista-poeta está
criando alternativas que harmonizam o que se diz e o como se diz.
A métrica, ao longo da centena e meia de linhas, varia bastante, indo de
monossilábicas às que chegam a somar cerca de vinte sílabas. Todavia, o que mais salta aos
ouvidos é o uso do verso livre. Embora haja momentos em que se priorize a regularidade dos
acentos, a constante é a inconstância. Mesmo em episódios nos quais seria comum a
utilização de metros regulares, como nos poucos decassílabos encontrados, a acentuação não
privilegia as formas heroica ou sáfica, tradicionais. Parece, na verdade, ocasional o fato de
haver dez grupos de fonemas. Conquanto as alternativas mais canônicas sejam menos usuais
na carta, a extensão das linhas – em alguns momentos com realce – é moldada às intenções.
Há certo rigor no seio solto de la Liberté guidant le poète. Caso exemplar está no começo da
última estrofe da segunda lauda:

181
gos/to/ de/ ver/ a/que/les/ que a/pli/cam/ um/ gran/de/ re/per/tó/rio
E. R. 16 [1-4-6-9-12-16]
nas/ coi/sas/ pe/que/nas
E. R. 5 [2-5]

A sequência acima poderia ser fracionada de muitas maneiras, gerando dois, três, quatro ou
sabe lá quantos versos, ainda por cima se rememoro que a fragmentação das letras de uma
palavra, lembrando a microrritmia vista em e. e. cummings, é artifício usado por Leminski,
não obstante essa alternativa se ausente na “Carta 9”377. Entretanto, o escritor prefere colocar
o longuíssimo “hexadecassílabo” falando sobre o “grande repertório” e a breve redondilha
menor para dizer das “coisas pequenas”. Assim, por mais que os metros sejam livres – isto é,
irregulares, de variado número de sílabas – neles opera rigidez, um modo de costurar o que
está sendo dito.
Sobre a estrofação, as estátuas da liberdade e do rigor também atuam. No geral, as
estâncias não são muito longas. A maioria delas possui menos de dez versos, se considero, p.
ex., independentes as linhas da discutida estrofe três da página três. Mas o ex-estranho, na
verdade, prefere a síntese. A mensagem direta. A frase de efeito. Ou como ele mesmo
resumiu:

com meia dúzia de slogans na cabeça


cerco a montanha
ponho cerco às fortificações
tomo a posição e a defendo

Em quatro pautas, quatro verbos de ação: “cerco”, “ponho”, “tomo”, “defendo”. Se antes, ao
discutir o trabalho com os meios de massa, Leminski faz elogio à ação, agora ele aproveita
recursos desse mesmo meio: os slogans, ou seja, palavra, expressão e/ou frase capaz de ser
facilmente memorizada, servir de lema e ser vinculada a um produto. Acompanhando a dicção
publicitária, não faltam monósticos: “a cultura pop beira a bobagem”; “morteiros na
guerrilha”; “a guerrilha de signos!”; “A REVOLUÇÃO É SEMPRE NO PLANO
PRAGMÁTICO DA MENSAGEM”; “chega de sutilezas críticas”. São lemas líricos.
Também o são os dísticos ou até estâncias pouco maiores: “uma coisa pode ter certeza: /
nascemos na classe errada”; “POMADA MELECA / DEIXE DE SER UM BOFE / E PASSE
A SER UMA BONECA”. Assim, afora sejam versos livres, de métricas irregulares, as linhas

377
A relação de Leminski com a poética de e. e. cummings é mencionada na seção As sínteses na lírica
leminskiana.
182
são dosadas. O poeta lança máximas aparentemente à revelia, mas domina, enquanto lírico-
publicitário, a arte de reunir muita informação em poucas sílabas. Nessa época, o guerreiro da
linguagem trabalha em agência. E utiliza, em suas correspondências pessoais, o papel
timbrado da empresa. Ademais, incorpora no ritmo a dicção da Publicidade, exprimindo o
lugar de onde fala378.
Para se ter ideia, sendo, aproximadamente, cento e cinquenta o número de versos e
cinquenta o número de estrofes, a carta apresenta média de três versos por estrofe. Número
bastante baixo. É como se estivéssemos lidando com cinco dezenas de haicais. No entanto, a
forma fixa não é a preferida por Leminski. As estâncias variam bastante. A despeito de haver,
por exemplo, algumas com oito linhas, o autor as organiza fora da moda camoniana. Dentre
os poucos momentos em que a organização estrófica remete aos estilos tradicionais, destaco
duas quadras:

é preciso deixar que a História chegue em você


dê choque em você
te chame te eleja te corteje
te envolva e te engaje

estamos dentro de uma onda


uma grande vaga atlântica
me leva do pacífico
até as praias da Atlântida (a Terra Santa)

A primeira aparenta menor padronização, contudo possui lógicas. De imediato, já se pode


notar que há rimas emparelhadas: você/você e corteje/engaje. Na primeira homofonia, a
repetição de vocábulos. A esse fenômeno pode se dar o nome de Recorrência. Acontece
quando o termo, a frase ou o verso é repetido, havendo na repetição intenções semânticas e
sonoras379. Na literatura modernista de língua portuguesa, Mário de Sá-Carneiro, Augusto
Frederico Schmidt e Vinícius de Moraes muito se valeram do recurso380. No segundo caso,
corteje/engaje, embora a repetição se esquive da vogal tônica, após ela ocorre a reincidência
de “-je”. Pensando aqui a rima em sentido amplo, igualdade ou semelhança de sons na

378
Cf. O timbre da agência “Raposa” na p. 128 de Envie meu dicionário.
379
Cf. CANDIDO, 2006.
380
Cf. SÁ-CARNEIRO, 1995; SCHMIDT, 1956; MORAES, 1996.
183
terminação das palavras, posso admitir a presença de homofonia381. Quanto à métrica da
quadra, ela apresenta medidas variadas: 14, 5, 9 e 5 sílabas. Mas, de imediato, duas
ocorrências de redondilhas menores, em versos cruzados, são percebidas. A linha de catorze
grupos de fonemas, por sua vez, pode ser entendida como feita por duas estruturas menores,
com divisão em nove e cinco:

é/ pre/ci/so/ dei/xar/ que a/ His/tó/ E. R. 9 [3-6-9]


ria/ che/gue em/ vo/cê E. R. 5 [2-5]

Desse jeito, a disposição, aparentemente bárbara, revela a sua composição a partir de dois
arranjos muito recorrentes e harmonizados com outros elementos do texto. Falando sobre o
deixar a história chegar, o poeta se utiliza de eneassílabo de três trímetros anapésticos, isto é,
nove sílabas que podem ser fracionadas em três pés de fraca-fraca-forte. Ritmo marcial,
utilizado, p. ex., no “Hino à Bandeira Nacional”, escrito por Olavo Bilac382.
Além da divisão de versos por estrofes, é possível os segmentar por laudas. Não
obstante seja tarefa árdua definir o número de pautas, condiz notar certa regularidade rítmica
ao correr das páginas. Há cerca de trinta linhas nas três primeiras e na quinta, enquanto somo
mais ou menos vinte na quarta e dez na sexta: 30, 30, 30, 20, 30, 10. Andamento constante na
primeira metade; até que, no começo da segunda, decorre diminuição, seguida por tentativa de
retomada, e pelo término. Talvez a cadência indique o cansaço gradativo do autor. Quando
inicia a empreitada, com fôlego, está regular na sua produção; mas, caminhando para o fim,
vai fatigando. Vale lembrar que a carta anterior, redigida durante três dias, “9/10/11/7/77”,
apresenta menos anotações à caneta, e maior padrão datilográfico. O mesmo se pode dizer da
correspondência posterior, nomeada “EPÍSTOLA A RÉGIS”, feita em “outubro de 77”; aqui
parece haver sujeito ainda mais sóbrio, alguém que poderia ter passado rascunho a limpo. Já
essa Nona, de “28/leão/77”, está febril, cheia de rabiscos e rasuras, tempestade e ímpeto.
Nela, caberia pensar, o leitor encontra indivíduo que teria se filtrado menos enquanto
datilografava e manuscrevia e, quem sabe, permita encontrar características suas menos
evidentes.
Por fim, a rima segue o duplo movimento de padrão e não padrão. Nesse sentido, é
relevante a segunda página. Nela, alternam sílabas toantes com acento na vogal /i/ e variações

381
Nesse sentido, estou próximo de considerações de Manuel Bandeira. Cf. “A versificação em língua
portuguesa”.
382
Cf. BILAC, 1997, p. 344.
184
menos regulares. Como são muitos versos e, por vezes, muito longos, coloco, a seguir, apenas
a última palavra dos doze primeiros, facilitando a observação:

escriba A
demais B
massmídia A

bobagem B

letrinhas A
fuleiros C
ensaios B
filhos A
NÃO! D
erudito A

disse A
ligeira C

A constante de vogais marcadas como (A), correspondendo à rima toante em /i/;


paralelamente, a alternância menos regular de outros sons vocálicos, oscilando entre /a/,
indicado por (B), esse mesmo sendo nasalizado, (D), e /e/ referido por (C). É notável que se
alternem a padronização sonora, com o (A), e a oscilação entre (B), (C) e (D). Mesmo assim,
a regularidade típica de poemas é discreta. Há certo andamento que lembra a prosa; afinal, as
rimas são apenas toantes, curtas, e não consoantes, longas.
Em suma, além das tópicas de zero, breve e reunião do diverso, o par é o caminho
mais frequente nessa correspondência, texto que está entre o remetente e o destinatário.
Ajudam a reforçar tal perspectiva a permanente tematização sobre a guerra (linguística e
social); o uso dos conectivos “e” e “ou”; a marcação do tempo sobrepondo os calendários
gregoriano e astrológico; o espaço de ínterim; figuras de linguagem como símile, antítese e
oximoro; a convivência do texto verbal com o texto não-verbal; do manual com o
datilografado; do datilografado em caixa baixa e caixa alta; do alinhamento à esquerda e o
mais liberal; o verso livre e o verso regular; a estrofe irregular e a quadra; um constante
número de linhas por página e a oscilação desse padrão; a rima toante e os versos brancos.

185
3.2.5. é preciso deixar que a História chegue em você: formas sociais em par

Deixando que a História chegue ao ensaio, especialmente uma configuração da época


moderna na qual está inserido o poeta, importante lembrar que nesse período há grande
tendência a visões dualistas do mundo, guerras, contraposições, polarizações,
complementaridades, binomias; algo que Thomas Sowell chama de Conflito de visões entre
olhares restritos e irrestritos do mundo, mas que, a meu ver, pode assumir outras
características ignoradas pelo pensador383. Pares – que, não raro, estão cristalizados na
segunda metade do século XX, porém são resultado de ampla e secular formação cultural
ocidental e/ou brasileira – capazes de atravessar a política, a economia, a estética, a
linguística, a sociedade de modo geral e podem ser vistos em dialéticas variadas: esquerda e
direita; URSS e USA; Arena e MDB; Eixo e Tríplice Aliança; liberais e conservadores;
ditadura e democracia; militaristas e pacifistas; colônia e império; visão restrita e visão
irrestrita do mundo; Adam Smith e William Godwin; Jean-Jacques Rousseau e John Locke;
João Goulart e Castelo Branco; Constituição Soviética de 1977 e Constituição dos Estados
Unidos; primeiro e terceiro mundo; Estado mínimo e Estado centralizador; economias do
norte e economias do sul; capitalismo e comunismo; burguesia e proletariado; dependência e
desenvolvimento; dependente e universal; as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá;
nacional e estrangeiro; paixão recolhida na tranquilidade; poesia ingênua e sentimental; onde
queres o livre, decassílabo; Ariel e Calibã; Macário e Penseroso; as flores e o mal; Lucíola,
luz e Lúcifer; Esaú e Jacó; Hércules-Quasímodo; arte pela arte e arte engajada; eu, filho do
carbono e do amoníaco; parnasianos e modernistas; tupy or not tupy; verso melódico e verso
harmônico; Claro enigma; Grande sertão: veredas; Antonio Candido e Afrânio Coutinho;
nacionalistas e universalistas; O arco e a lira; Caprichos & relaxos; serialismo total e música
aleatória; dionisíacos e apolíneos; apocalípticos e integrados; figurativistas e abstracionistas;
tradição e talento individual; tradição e ruptura; violão acústico e guitarra elétrica;
Encouraçado Potemkin e Cidadão Kane; Vladimir e Estragon; estruturalistas e pós-
estruturalistas; textualistas e culturalistas; normativistas e descritivistas; significante e
significado; consciente e inconsciente; criacionistas e evolucionistas; TdL e RCC; antigos e
modernos...
383
Cf. Conflito de visões: origens ideológicas das Lutas Políticas. Fernando Amed, em Thomas Sowell: da
obrigação moral de ser cético, comenta essa obra, embora caia em certos equívocos. Procuro também a discutir
em “As visões de mundo, em Thomas Sowell, e a binomia, em Álvares de Azevedo”, comunicação apresentada
no V Seminário de Pesquisa Discente do Pós-Lit UFMG, em 2015. Ainda no que diz respeito às ideias do autor,
cf. Os intelectuais e a sociedade. Quanto à noção de modernidade, procuro compreender o conceito em Uma lira
de duas cordas. De algum modo, essa leitura da “Carta 9” almeja dar prosseguimento às discussões anteriores.
186
A lista poderia se alongar, vertiginosamente, infinitamente, em sua finalidade sem
fim... No entanto, apesar do emaranhado de batalhas modernas, acredito que a oposição que
melhor ajude a compreender a “Carta 9” é aquela estabelecida pelo próprio poeta, entre as
estátuas da liberdade e do rigor; dialética leminskiana capaz de expressar, por meios
particulares, alguns desses múltiplos conflitos existentes (não só) em torno do ano de 1977.
Ao escolher como imagem representativa a “estátua da liberdade”, contraposta à “estátua do
rigor”, o missivista aproxima, entre outras, dimensões estéticas e político-econômicas.
A escultura referendada corresponde à obra A Liberdade iluminando o mundo, massa
de quase cem metros, dividida entre o pedestal e a imagem feminina. O monumento é
elaborado pelos franceses Frédéric Auguste Bartholdi, que desenha a obra, e por Gustave
Eiffel, engenheiro que a realiza, no final do século XIX. O presente da França aos EUA está
localizado no porto de Nova Iorque e é formado pela representação de Libertas, a qual tem a
seus pés corrente arrebentada e, na cabeça, diadema de sete espigões. Em um dos braços, a
deusa romana segura tabuleta contendo a data da Declaração de Independência; com a mão
direita, é erguida uma tocha. Esses elementos simbólicos acumulam muitos sentidos
possíveis, que vão desde marcas da Maçonaria até à lembrança do apoio político dado pelos
ianques à França, no período da Revolução de 1789, sem falar na evocação da própria
Independência Americana. Em geral, os pontos afluem para o conceito de liberdade384.
Talvez mais do que as características imagéticas da escultura, Paulo Leminski esteja
ressaltando a própria noção de liberdade, atributo muito importante na constituição da
identidade estadunidense e que encontra, em Libertas, uma de suas demonstrações. Mas, além
do objeto gigantesco, a lírica do Tio Sam também é desenvolvida muito sob o signo de
Freedon. Convém lembrar que próximo do período de independência, ou pouco depois e sob
o impulso dos eventos históricos, Walt Whitman escreve um dos livros centrais dos cânones
pátrio e ocidental: Leaves of Grass. Desde a primeira edição, em 1855, até a edição do leito de
morte, de 1892, a obra vai sendo modificada, desenvolvida, como erva que se estende. De
todo modo, sempre permanece uma de suas marcas fundamentais, espécie de declaração de
independência da poesia americana: a elaboração do verso livre. Whitman, de alguma forma,
tem diante de si a tradição poética centrada no discurso metrificado e com rima. Escrevendo
as Folhas de relva, o nova-iorquino celebra a si mesmo se abrindo à manifestação da

384
Sobre a Estátua da Liberdade, cf. Yasmin Sabina Khan (2010).
187
liberdade, tanto em relação à poética, que até aquela época está muito vinculada à Europa,
quanto à política, sendo voz de novos paradigmas385.
Paulo Leminski, por sua vez, está apegado a esses prismas. Chega a prefaciar, com o
ensaio “Folhas de relva forever”, a tradução de Geir Campos, Folhas de folhas de relva. O
prefácio é incluído nos Ensaios e anseios crípticos e, logo na abertura, articula as noções de
liberdade e verso livre, tendo no horizonte questões ligadas à cultura made in USA, e
especialmente a Whitman, esta “antena da raça”386:

“Antena da raça”, o poeta capta, nos tempos de comoção social, a tremenda


energia vital liberada pelas grandes transformações coletivas, em seu
momento agudo, revolucionário ou insurrecional. Assim, se Maiakovski é o
poeta da Revolução Russa, não é exagero dizer que Walt Whitman (1819-
1892) é o poeta da Revolução Americana, ocorrida uma geração (1776)
antes do seu nascimento. Da revolução que expressa a poesia de Whitman
herdou todos os traços fundamentais: o libertarismo individualista, o
igualitarismo antifeudal, a vitalidade inaugural do capitalismo na América, o
otimismo ativista de um povo de vikings, a vertigem da abertura de
inimaginadas fronteiras geográficas, econômicas e técnicas. E também
emocionais, existenciais e pessoais. “This is a big country”. “This is a free
country”. Nessas frases, que decoramos em filmes de faroeste, condensa-se o
essencial da ideologia que informa os versos do pai do verso livre, o pai do
verso louco, o pai do verso novo.387

Com sua escrita bastante densa, o ensaísta lembra que em Walt Whitman a noção de liberdade
é fundamental. Conceito que chega ao poeta estadunidense como expressão das
transformações sociais vivenciadas na Revolução Americana e na ética individualista tão
presente no país do capitalismo: “This is a free country”. As perspectivas da independência e
de livre mercado são simuladas por meio do verso livre. A liberdade de composição métrica é
estátua poética erguida pelas Folhas de relva na baía do novo mundo. Sintetiza o publicitário:
“Whitman, a rigor, o primeiro poeta a fazer versos livres, é o libertarismo da jovem república,
fronteira aberta a oeste, projetado em plano formal”388.
Contraposta à “estátua da liberdade”, a estátua do rigor, lema guindado pelo
imaginário de Paulo Leminski. O monumento, que suponho ficcional, não é erguido por um

385
Cf. a edição de Folhas de Relva organizada por Rodrigo Garcia Lopes, bem como o longo posfácio por este
elaborado.
386
Na seção As sínteses em outros livros leminskianos, há uma apresentação geral de Ensaios e anseios
crípticos.
387
LEMINSKI, Ensaios e anseios crípticos, 2012, p. 272-273.
388
LEMINSKI, Ensaios e anseios crípticos, 2012, p. 273.
188
povo, em época específica, tampouco é encarnado pelo ianque de barbas longas e roupas
simples. Presentes as ausências e dando leveza à rigidez, poderia me permitir imaginar que
um grego antigo, ou pelo menos aquilo que alguns renascentistas e parnasianos imaginam ser
os gregos antigos, estaria na comunidade que elevaria escultura ao rigorismo; cidadão da
antiga Atenas, preso às suas obrigações com a polis, poderia talhar no mármore supostamente
monocromático o emblema de Zeus. Ou certos mosteiros medievais, enquanto as bruxas são
queimadas na praça pública, seriam ambientes nos quais se elaborariam ídolos da dureza.
Longe do turbilhão da rua, no claustro, um monge beneditino, entre as laudes e as vésperas,
trabalharia, e teimaria, e limaria a imagem sóbria do corpo crucificado, templo rígido onde se
leria Mateus 10, 15. Porventura caiba também conjeturar uma efígie inflexível, monumento de
granito, com mais de quinze metros de altura e mais de vinte metros de extensão, fixado sobre
o enorme pedestal maciço capaz de fazer mais que dobrar o tamanho da obra que ao todo
somaria mais de quinze mil toneladas, estando todo este volume exposto no espaço público de
Praga, durante os anos 1950, havendo na proa deste conjunto assombroso, com os braços
firmes e vestindo sobretudo sério, e sendo acompanhado por imagens de proletários, o corpo
titânico de quem controlaria a economia: Joseph Stálin.
Entretanto, inexistem essas estátuas do rigor fora desses passeios pelos bosques da
ficção, ainda que os bosques sejam alimentados pelo mundo real. Todavia, diante do contexto
bipolar de 1977, considerando a hipótese de que a estátua do rigor, contraposta à estátua do
“liberalismo”, possa ser a estátua do “comunismo”, vale lembrar como Paulo Leminski
compreende a ideologia vinculada à Revolução Russa de 1917, sem tomar a poética de
Maiakovski enquanto expressão do Outubro Vermelho, como sugerido na citação anterior.
Em Trótski – a paixão segundo a revolução, o biógrafo comenta389:

Entre fevereiro e outubro de 1917, a Rússia oscilou entre duas coisas: de um


lado, uma democracia, de tipo parlamentar, a burguesia no poder, com
instituições derivadas das revoluções inglesa e francesa; e de outro lado, uma
coisa nova, radicalmente nova, misto de despotismo asiático com
democracia de massas, rígido centralismo estatal com socialização dos meios
de produção, uma coisa que nunca tinha existido, essa coisa que, valha o que
valha a expressão, hoje chamamos de comunismo. Alguma coisa entre a
velha aldeia e o Império Bizantino... mas com eletricidade, ensino e
medicina gratuitos, alfabetização geral e democratização das oportunidades.
Mas um mundo ideologicamente fechado, como a Igreja ortodoxa, onde só
há lugar para uma verdade, um só jornal, um só projeto nacional.390

389
Na seção As sínteses em outros livros leminskianos, há uma apresentação geral das quatro biografias
escritas por Leminski.
390
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 300.
189
As massas, o Estado centralizado, os meios de produção coletivizados, certo eco da velha
aldeia, os bens democratizados, o fechamento ideológico, a verdade única: essas questões
podem figurar, de algum modo, o rigor, mesmo que não haja uma discussão sobre
configurações estéticas dessas estruturas.
Recolhendo no ensaio “Folhas de relva forever” noções que auxiliam na compreensão
da imagem traçada por Leminski, vejo o poeta brasileiro – ao caracterizar o movimento
quaker e seu vínculo com a formação dos Estados Unidos e com Leaves of grass – mostrando
que a ideia de liberdade se contrapõe à de autoridade:

Sem entender a fé “quaker”, não se entende Walt Whitman.


A seita fundada pelo inglês George Fox (1624-1691) caracterizou-se pela
recusa radical a toda liturgia religiosa e sacerdócio, confiando apenas na
presença do Espírito Santo na consciência individual. Na inspiração. Além
ou contra as autoridades. 391

Se me permito tecer aproximações, posso dizer que de um lado estão a recusa radical, a
consciência individual, a inspiração, a estátua da liberdade, o livre mercado, o relaxo; do
outro, a liturgia religiosa, o sacerdócio, a autoridade, a estátua do rigor, a economia
centralizada, o capricho. Nesse sentido, é possível preencher lacunas e imaginar dialéticas
formais leminskianas. Uma vez que sob o signo da Statue of Liberty estão Walt Whitman e o
verso livre; com as bênçãos do retrato do rigor se encontram as poéticas de metrificações
tradicionais. Ampliando a noção de verso para a de estância, o par é composto por libertárias
estrofes irregulares e por rígidas estrofes regulares. Talvez o mesmo possa ser dito em relação
à rima: a ausência e a presença dela. O acaso jamais abolido pelo lance do poema; a frase
limada, em arte maior.
O próprio Paulo Leminski deixa claro: os estilos de composição poética podem
expressar questões sociais. Tal como o verso livre de Whitman consegue atestar um sonho de
liberdade política e econômica, o verso regular sugere, feitas as devidas contraposições e
analogias, a imobilidade social e financeira. No entanto, no contexto em que o curitibano
escreve a sua nona mensagem a Régis Bonvicino, são outras, e as mesmas, as questões
exprimidas pela estátua da liberdade e pela estátua do rigor. Retomando o catálogo do começo
dessa seção, várias são as binomias que se estabelecem por volta do período em que a missiva
é escrita; seria mesmo difícil alinhavar todas as alternativas de sentido formal-sociológico
capazes de serem estabelecidas. Tendo em vista a necessidade do recorte, uma conformação

391
LEMINSKI, Ensaios e anseios crípticos, 2012, p. 274.
190
histórica que, no plano global, recebe maior atenção na sétima década do XX é a Guerra Fria,
estruturação – com especificidades – do Conflito de visões político-econômicas: entre as
ideias da liberdade social e capitalista e as ideias dos rigorosos autoritarismo e planificação
econômica. Voltando à carta, acredito que essas questões se tornem mais claras e ajudem a
compreender o controvertido posicionamento de Paulo Leminski.

3.2.6. que a estátua da liberdade


e a estátua do rigor
velem por todos nós

O poeta publicitário afirma:

gosto de me sentir na corrente sanguínea


do mercado e dos meios de massa
talvez seja um prazer de escriba
não sei

O poeta contracultural discorda:

o que interessa/o que a gente quer, no fundo, é MUDAR A VIDA


alterar as relações de propriedade e a distribuição das riquezas
os equilíbrios de poder entre classe e classe nação e nação

O poeta stalinista continua:

estou tomando o máximo cuidado


para que tudo isso que estou dizendo
saia sem o mínimo resquício de stalinismo
sectarismo esquerdofrênico
and so on

mas não dá pra jogar fora esse lance

O poeta parnasiano arremata:

por favor
MOSTRE O MATERIAL A TODO O PESSOAL
patriarcas riso pedrinho plaza
SENÃO EU VOU DE NOITE
TRANSFORMAR OS TEUS SONHOS
CONCRETISTAS
EM PESADELOS PARNASIANOS

191
Paulo Leminski é, de uma só vez e com particularidade, stalinista publicitário,
parnasiano contracultural. Capaz de exibir camisa Prada com estampa de Che Guevara, o
militante de agências de propaganda gosta de se sentir na corrente sanguínea do mercado,
transubstanciando, mefistofelicamente, papel em ouro, ao mesmo tempo que deseja
transformar as relações de propriedade, de classe, e redistribuir, de modo mais equilibrado, a
riqueza das nações. Enquanto o parnasiano redige as antipropagandas para o radiofônico
“Lenha”, vestindo sua camisa surrada do Tio Patinhas, datilografa algo a ser mostrado, sem
custos, a todo mundo; carta democraticamente aberta, embora acredite, com seu sectarismo
esquerdofrênico, na elite vanguardista que possui o know-how. Ferve no texto do lúcido
cachorro louco a ambiguidade da Guerra Fria: mundo que, no poeta, polariza e funde a
Estátua da Liberdade, USA, o livre mercado capitalista, o verso livre, a estrofe irregular, a
ausência de rimas e a rigorosa estátua de Stálin, URSS, o sectarismo comunista, o verso
regular, a estância regular, as rimas todas alinhadas em uma direção. Nas cavernas de um
cérebro pouco mais ou menos de ex-estranho, a moeda de duas faces.
Próximo e distante dos polos, próximo e distante do Brasil bipolarizado de hoje,
Leminski cria sua própria alternativa político-econômica. Rasura as distâncias, funde,
aproxima, sem perder, perdendo, as marcas que diferenciam os extremos. É comunista e
capitalista, dialética que pode ser vista – por meio de inúmeras camadas e subcamadas
formais que impedem uma relação muito direta, ou mesmo óbvia, de literatura e sociedade –
nas expressões rítmicas do texto. Não deixa claro se admitiria a social democracia, esse
relativo avanço do comunismo, permitindo mais liberdades às pessoas, ou se preferiria uma
democracia social, o avanço do capitalismo, freando as desigualdades geradas pelo sistema;
porém não deixa dúvida de que recusa limitados enquadramentos de apenas comunista ou
somente capitalista. Assim como o racionalista René Descartes está irracionalizando, sob os
influxos do fumo, no Catatau, a “Carta 9” sopra suas nuvens sobre os limites do poder e da
economia, habitando o poeta-correspondente a sua Utopia ideológica contracultural e culta.
No ano em que o Muro de Berlim cai, o caprichoso relaxado falece, mas as fronteiras entre os
dois regimes político-econômicos já estão porosas em seu pensamento pelo menos uma
década antes, naquele leão de 77, quando é composta a Nona de Leminski. Ode a Aporia.

192
3.1. Um clic biografemático,
ou “Uma vida é curta / para mais de um sonho”

Sobre sua vida, os sinais nos chegam concisos


Paulo Leminski

Figura 9

[e assim nesse sábado de incêndios súbitos e fumaça e fuligem nesse céu de agosto seco e no
corredor não na sala na passagem para a sala não estão menos névoas nesses sujos que se
assumem e misturam num só novelo estou sei lá se pela cerveja ou se por acaso com preguiça
de passar a vassoura entre um ensaio sobre a virada arquivística e esse caderninho de
rascunho quando acabei de lembrar de um dos qu “40 clics em Curitiba” sem a foto que o
acompanha

Uma vida é curta


para mais de um sonho

193
assim como lembrei, ao mesmo tempo, daqueles arquivos da oficina de haicai oferecida por
Alice Ruiz, certificado, apostila, autógrafo, anotações e nos manuscritos estão biografemas –
tem aquele que o Leminski não limpava o chão o quintal, ficava só escrevendo, porque a vida
é muito curta para ser pequena, porque a vida é curta para mais de um projeto, e talvez agora,
como em um salto, eu esteja aproximando o poema e seu ritmo, estrofe, métrica, pés,
enjambement e o biografema e este caderninho, tudo sendo um, mas sem deixar de ser f-r-a-g-
m-e-n-t-á-r-i-o e estabelecer uma ponte conceitual entre o sujeito-lírico e o sujeito Paulo
Leminski Filho, este que]

Acima, retrato de uma caderneta de rascunho e, na sequência, a transcrição.

O presente ensaio parte desse manuscrito e enfoca a parelha “Uma vida é curta / para mais
de um sonho”.

3.1.1. Perspectivas iniciais

Pensar a relação entre a vida de um escritor e a sua obra é, hoje, reatualizar tradições e
escolher caminhos possíveis. Como indica o historiador Peter Burke, as tentativas de
armazenar as vivências aparecem em muitas culturas e épocas. O próprio termo “biographia”
surge na Grécia, no fim do período antigo, momento em que há produções – bastante distintas
por sinal – como as de Suetônio e de Plutarco392. Afora as memórias de uma existência
qualquer, seja de imperador ou de indivíduo comum, a de um literato requer atenções
específicas e pode se configurar um importante procedimento teórico de análise estética. No
século XIX, já relativamente distante do universo grego, todavia ainda antes do surgimento
das modernas teorias formalistas, o modelo de crítica biográfica é Sainte-Beuve, que, por sua
vez, está próximo de Plutarco, na medida em que escolhe homens com marcas de
exemplaridade393. Nesse momento oitocentista, algumas questões, contemporaneamente

392
BURKE, 1997, p. 91. Nesse ensaio, o historiador mostra a relação entre o florescimento das biografias e do
homem moderno, considerando ainda que o texto biográfico renascentista se encontra na encruzilhada entre o
modelo antigo (priorizando generalidades) e o modelo moderno (priorizando singularidades). Cf. também
Suetônio (1956) e Plutarch (1988).
393
Cf. DOSSE, 2015, p. 80-95. Sobre Sainte-Beuve, cf. também Vítor Manuel de Aguiar e Silva, 1973, p. 491-
493; e Eduardo Prado Coelho, 1982, p. 247-252.
194
taxadas de problemáticas, são, em certa medida, frequentes. Uma primeira adversidade, a
ilusão retrospectiva: a teleologia em que a biografia de um autor é elaborada a partir de sua
bibliografia. Uma segunda, mas inversamente proporcional, está ligada a determinismos como
o de raça. Na crítica brasileira, é expressiva, nesse contexto, a leitura que Silvio Romero faz
de Machado de Assis; na História da literatura brasileira, chega a desprestigiar a produção
machadiana em função da etnia do romancista, criando afirmações discriminatórias: “moléstia
da cor”, “nostalgia da alvura”, “despeito contra os que gozam da superioridade da
branquidade”394. No ocaso do XIX, portanto, a crítica biográfica fica marcada por seus
reducionismos incapazes de nuançar as analogias dos escritores e das suas criações: seja na
equação em que a leitura de um livro determina a biografia; seja na operação em que torna a
trajetória de uma pessoa o vetor direto para a composição literária.
Quando Marcel Proust redige Contra Saint-Beuve, já no século XX, e quando, também
no começo dos novecentos, as teorias imanentistas estão buscando a autonomia da arte, o
determinismo biográfico começa a ser antiquado, chegando, mais adiante, ao ponto de Roland
Barthes afirmar que o autor – essa espécie de Deus do texto – está morto395. No entanto, o
final do século XX é marcado pelo retorno do sujeito por meio de questões como a virada
etnográfica396. Entretanto corresponde a um retorno com diferenças, além de marchas e
contramarchas existentes nesse percurso. Aparece, por exemplo, na Itália dos anos 1980, a
coleção Microstorie, organizada por Carlo Ginzburg e Giovanni Levi. Nessa mesma época,
Levi, em “Usos da biografia”, declara: “mais do que nunca a biografia está no centro das
preocupações dos historiadores”397. Importante lembrar que o artigo do italiano é, por assim
dizer, uma resposta ao provocador “A ilusão biográfica”, de Pierre Bourdieu, no qual este
pesquisador – consciente dos usos e abusos que cientistas sociais fazem das biografias,
naquela ocasião, em 1986 – quase “interdita” a utilização do gênero ao afirmar que o “eu” é
uma ilusão, “uma rapsódia heterogênea e disparatada de propriedades biológicas e sociais em
constante mutação”398. A extrema fragmentação à qual de certo modo está submetido o “eu”,
as suas diferentes variações ao longo do tempo, do espaço e de contextos sociais, torna essa

394
Sobre Silvio Romero leitor de Machado de Assis, cf. o livro de Hélio de Seixas Guimarães (2004); para uma
introdução mais geral ao pensamento romeriano, cf. o ensaio de João Cezar de Castro Rocha (2013).
395
Cf. PROUST (1954); EICHENBAUM (2013); BARTHES (1988).
396
Sobre a virada etnográfica, cf. KLINGER, 2012.
397
LEVI, 2006, p. 167.
398
BOURDIEU, 2006, p. 187.
195
noção uma “ilusão biográfica”: o nome enfeixa identidades múltiplas. Levi, por sua vez,
contrariando tais considerações de Bourdieu, procura demonstrar bons usos de biografias, a
fim de legitimar um lugar nos estudos de Humanidades. Desse modo, nas recentes visadas das
Ciências Humanas, existe a demanda por reflexões envolvendo as afinidades no âmbito de
uma pessoa/sua produção bibliográfica; na crítica, esse paradigma já está distante dos
determinismos oitocentistas, mas sempre conta com a possibilidade dos velhos equívocos
reaparecerem. Na teoria literária, em esferas mais amplas, o novo paradigma do estudo das
biografias é notado em inquietações como as de Philippe Lejeune, o qual se dedica, em 1973,
a investigar o pacto autobiográfico, bem como nos desdobramentos oriundos das discussões
do teórico francês399.

3.1.2. biogrAfema

A década de 1970 conta ainda com outros interessados em recolocar em pauta a


interação vida/obra. Se no emblemático ano de 1968 – quando os estudantes parisienses,
nietzschianos, querem matar qualquer tipo de Deus – Barthes lavra “A morte do autor”, a
década de 1970 configura, no percurso do teórico, uma espécie de retorno do sujeito. Não
obstante, é sempre um retorno com diferenças. Além das ideias de Friedrich Nietzsche,
reflexões de Sigmund Freud estão por trás das perspectivas: não cabe mais o “eu” totalizante,
completamente consciente de todos os seus atos400. Tampouco há espaço para uma biografia
integral; apenas biografemas, mínimas unidades significativas401. O que se tem ao longo da
produção barthesiana são espécies de biografemas do conceito biografema; aqui e ali vão se
tecendo considerações que compõem um enfoque, se não exato, capaz de ser relativamente
operado. Esses fragmentos de um conceito ardiloso estão relativamente distantes de um

399
Cf. O pacto biográfico, de Philippe Lejeune. Sobre os desdobramentos, cf., p. ex., os cinco atos descritos pelo
próprio Philippe Lejeune (2014b) e os questionamentos de Philippe Gasparini (2014) acerca da autoficção.
400
Sobre a relação entre a filosofia de 1968 e pensadores como Freud e Nietzsche, cf. Pensamento 68, de Luc
Ferry e Alain Renaut, especialmente “a dissolução da ideia de verdade” e “a historicização das categorias e o fim
de toda referência universal”, ideias fundamentais para o surgimento de biografemas em oposição às biografias.
401
Analisando o sufixo -ema, o gramático Evanildo Bechara (2009, p. 360) o coloca na lista de “Principais
sufixos formadores de substantivos”, mais especificamente na oitava categoria da lista, destinada a sufixos
vinculados “Para formar outros nomes técnicos usados nas ciências”. Bechara afirma que -ema “é utilizado nos
modernos estudos de linguagem com o sentido de ‘mínima unidade distintiva’”, presente em termos como
“fonema (menor unidade de som); morfema (menor unidade significativa de forma), lexema, semema, estilema,
etc.”. Cf. também a discussão de Vítor Manuel de Aguiar e Silva (1974, p. 648), sobre o contexto estruturalista,
no que toca a produtividade do sufixo -ema.
196
primeiro Roland Barthes, ligado ao Estruturalismo, porém vão se agrupando a partir da
caminhada do teórico no sentido do Pós-Estruturalismo. Na década que vai de Sade, Fourier,
Loyola (1971), passa por Roland Barthes por Roland Barthes (1975) e chega até A câmara
clara (1980), é quando o semioticista mais opera biografemas.
De toda maneira, procurando sintetizar e organizar os estilhaços textuais, noto que o
biografema é comparável a uma fotografia, porque fragmentário, enquanto a biografia
tradicional é comparável a um filme, pois, ainda que detenha um fracionamento inevitável,
abarca, se me permito a generalização no trato das questões fílmicas, uma dimensão mais
ampla. No entanto, tomando o retrato como uma totalidade (um studium) o biografema é um
elemento particular dessa integralidade, um punctum: um pequeno traço, um detalhe, um
objeto que chama a atenção dentro de toda a imagem, e, nesse chamar a atenção, consegue
dizer muito sobre a completude inalcançável. O termo aqui abordado, próximo, portanto, do
campo fotográfico, é uma ilustração fragmentária de um sujeito; para Barthes – depois do
“eu” fraturado por Sigmund Freud – não faz mais sentido a ideia de um eu-total, nem sequer
alinhavar a relação vida/obra com o controle absoluto do “eu” representado. O próprio
Barthes diz na introdução a Sade, Fourier, Loyola: “Se eu fosse escritor, já morto, como
gostaria que a minha vida se reduzisse, pelos cuidados de um biógrafo amigo e desenvolto, a
alguns pormenores, a alguns gostos, a algumas inflexões, digamos: ‘biografemas’”402. Esses
pormenores talvez consigam mostrar bastante de uma pessoa. O todo não se tem mais, a
fidelidade absoluta a uma suposta verdade parece já inalcançável; ainda assim, persiste o
desejo de falar sobre a biografia de um outro, e, nisso, um dizer muito sobre si 403. Não há,
portanto, nem uma dissolução absoluta do real, a personalidade sobre a qual se historia
realmente houve, nem uma supremacia acachapante da realidade, notas relativamente
ficcionais são autorizadas. Nesse ínterim, entre o esfumaçamento caprichoso das fontes e o
relaxo disciplinado da redação, pode ser composto um biografema.

402
BARTHES, 2005, p. XVII.
403
Procurar definir biografema é sempre uma tarefa escorregadia, pois ele não se define nunca, como lembra
Françoise Gaillard (1991). Assim, consciente da insuficiência – inevitável – de minha – e de qualquer outra –
definição, sugiro a leitura de Sandra Mara Corazza (2014), François Dosse (2015, p. 306-3014) e Ewerton
Martins Ribeiro (2015).
197
3.1.3. ponte conceitUal

Um pouco na esteira de Roland Barthes, no que tange ao retorno do sujeito, e


especialmente no que diz respeito ao contexto brasileiro, a Universidade Federal de Minas
Gerais tem uma participação; os trabalhos de Eneida Maria de Souza, nesse particular,
avançam. Em 2002, o ensaio “Notas sobre a crítica biográfica”, publicado no livro Crítica
cult, realiza um balanço de abordagens e propõe caminhos a serem seguidos. Quase dez anos
depois, em Janelas indiscretas, a pesquisadora apresenta “A crítica biográfica” e afirma que
nele está continuando as reflexões iniciadas anos antes. Seguindo mais de perto esses dois
ensaios, e, em escala mais ampla, a produção da estudiosa, gostaria de sinalizar,
sumariamente, alguns de seus apontamentos sobre a aproximação da vida do escritor com a
crítica literária. É preciso ressaltar, ainda, que o estilo da professora Eneida é, normalmente,
bastante escorregadio, e, por vezes, como fizera Roland Barthes, evita apresentar por vias
simplificadas as bases de suas arquiteturas de pensamento. Por conseguinte, a tentativa de
síntese me parece, apesar de arriscada, importante e, ao mesmo tempo, incapaz de revelar
todas as nuances.
Não obstante, as propostas de Eneida Maria de Souza suportam ser resumidas levando
em conta certos pontos nevrálgicos. Um primeiro é a compreensão de que a crítica não precisa
seguir com a expectativa extrema da verdade. É admissível – via Pós-estruturalismo –
eliminar a polarização entre o real e o ficcional, colocar a verdade em suspenso. Não na
perspectiva de se buscar uma fabulação também extremada – e nisso há persistência do
Estruturalismo nos artigos da teórica –, todavia deduzindo que as fronteiras de convívios,
como verdade/mentira ou vida/obra, são mais esfumaçadas do que conjecturadas outrora. O
escritor pode ser dessubjetivado enquanto é traduzido em texto biográfico. Não interessa cada
minúcia da existência de um homem, mas encontrar conceitos capazes de expressar com mais
profundidade as inter-relações dele com seus escritos, sem cair em uma chave determinista,
contudo estando ciente de que a totalidade de uma vivência não é capaz de ser exposta em
uma produção estética – posicionamento esse que, mais uma vez, aproxima Eneida Maria de
Souza e Roland Barthes404. Nessa via, o pesquisador deve procurar estabelecer pontes
metafóricas, ou pontes conceituais405. Encontrar estruturas compósitas, densas, capazes de

404
Cf., p. ex., SOUZA, 2002, p. 113. Aqui a autora caracteriza um pouco o biografema.
405
Na aula inaugural proferida pela professora Eneida Maria de Souza para o Programa de Pós-Graduação em
Estudos Literários da UFMG, em 2016, a estudiosa conta que lendo, hoje, alguns de seus artigos, fica com certo
espanto ao notar a recorrência do termo “deve”. Segundo a teórica, parece haver algo de programático em sua
198
aproximar vivência e invenção artística. Noções que atravessam tanto a existência de uma
pessoa quanto as linhas que ela traça. Consoante a um autor que trabalha em atividades
burocráticas e desenvolve romances que tematizam a burocracia; ou um negro que milita em
movimentos negros e engenha poemas ligados à afro-descendência. Nesses casos, entre a
realidade de um ser humano e a sua criação ficcional, existem manifestações próximas, não de
cunho determinístico, no sentido de que se A ocorre na vida, B ocorrerá na arte, mas
assentindo que o contexto – seja histórico, seja biográfico – de produção de uma obra
consegue, em incerta medida, realizar trocas com o texto literário.
Assim, a perspectiva de Eneida Maria de Sousa está ligada ao comparatismo. Não são
abordados rigidamente os territórios disciplinares, podendo convergir tarefas de historiadores,
antropólogos, arquivistas, linguistas, ficcionistas e outros. O crítico, convém frisar, inclusive é
um ficcionista. Ele possui liberdade imaginativa na gênese de um perfil biográfico. Consente
rearranjar a biografia para reler a bibliografia. Como já dito, não concordará, é verdade, em
inventar deliberadamente narrativas que os documentos contrariam; no entanto, está
desimpedido de reinterpretar os documentos na elaboração de novos monumentos verbais.
Seguindo esse prisma, o trabalho do exegeta é, ademais, um exercício literário. Ao realizar o
ensaio, o estudioso consolida uma tarefa que não dispensa metodologia academicamente
aceitável, tampouco esconde a viabilidade de criar preocupado com a forma em si.
O crítico biográfico escreve com a pena das normas técnicas e com a tinta da
literatura.

3.1.4 sujeito-Lírico dobrado

Lembro mais um teórico que joga com o esfumaçamento das fronteiras: Dominique
Combe. Próximo do Pós-estruturalismo, como acontece com Eneida Maria de Souza e com
Roland Barthes, e, como ambos, também mantendo parcela do próprio Estruturalismo, na
medida em que a suavização dos vértices não apaga a existência de polaridades, não obstante
as coloque em tensionamento. Mais uma faculdade comum relativa aos três autores se refere
ao contexto do retorno do sujeito. Roland Barthes propõe biografemas; Eneida Maria de
Souza retrabalha a crítica biográfica brasileira; Dominique Combe engendra reflexões acerca
das interações do eu-versífico com o empírico, especialmente no ensaio presente no livro

escrita tão dedicada aos percursos da crítica literária. Fui aluno desta aula inaugural e, por isso, permito aqui o
relato mais livre – ou, por assim dizer, biografemático.
199
Figures du sujet lyrique, organizado por Dominique Rabaté. Constando neste volume, “A
referência dobrada: o sujeito lírico entre a ficção e a autobiografia”406 é dedicado a criar uma
historicização do conceito de eu-lírico, revelando o desenvolvimento do termo no cânone
teórico alemão. Contudo, para além do historiográfico, Combe procura superar a dicotomia
existente no par ficcional/referencial, propondo a concepção de um “eu” dobrado no ínterim
da ficção com a biografia. Ainda que no desenrolar do raciocínio de Dominique Combe
apareçam importantes percalços, há, no resultado do itinerário, uma boa solução para o
problema da configuração do poeta em poesias.
Em linhas gerais, o debatedor mostra que, no Romantismo da Alemanha, há uma
espécie de fusão: o eu-textual é extensão direta do indivíduo. Em seguida, na crítica dessa
mesma escola – especialmente em Friedrich Nietzsche – e no fim de século XIX francês –
sobretudo em Charles Baudelaire –, a pessoa de papel passa por uma dissolução do “eu” –
mais ou menos como discutido por Hugo Friedrich em sua Estrutura da lírica moderna. É no
período decadentista que emerge o entendimento de sujeito-lírico, uma espécie de coisa em si,
pura, independente dos percursos do corpo que o gesta. Essa ideia persiste no século XX, por
exemplo nas Vanguardas Europeias, sobretudo no Futurismo de Marinetti. Na teoria da
literatura, permanece durante muito tempo a compreensão do elemento poemático como algo
descolado do âmbito empírico; Dominique Combe, terminando a primeira parte de seu ensaio,
historia esse olhar em teóricos alemães como Margarete Susman, Oskar Walzel, Hugo
Friedrich, Käte Hamburguer e Karlheinz Stierle.
À vista disso, são discutíveis subsídios do primeiro trajeto de Combe. Por exemplo, a
noção de Romantismo por ele elaborada é pouco densa. Considerando o alto grau de
subjetividade presente no estilo, é legítimo recordar a máxima de que existem tantos
romantismos quanto românticos, ou, como propõe Isaiah Berlim, é importante ressaltar o
caráter contraditório do (anti)movimento, uma vez que nele são amalgamadas distintas visões
de mundo e concepções de sujeito407. Assim, privilegiando algumas destas, Combe, em certo
arranjo, trai a multiplicidade do oitocentismo. Além disso, focalizando a teoria germânica, o
teórico também planifica outras vertentes relativamente plurais. Chega a afirmar que “O
objeto central da análise, tanto para o New Criticism como para o Estruturalismo francês dos

406
A edição francesa é publicada em 2001. Em 2009-2010, Iside Mesquita e Vagner Camilo apresentam uma
tradução do ensaio na Revista USP. Sobre Dominique Combe, cf. ainda, as obras Les genres littéraires e Poésie
et récit, além do ensaio “L’épopée à l’époque moderne”. Um balanço dessas produções pode ser observado no
ensaio de Francine Fernandes Weiss Ricieri (2018). Agradeço, ainda, à professora Francine o diálogo sobre o
assunto.
407
Cf. As raízes do Romantismo, de Isaiah Berlin.
200
anos 60-70 é, com efeito, a narrativa em prosa e suas técnicas de enunciação” 408; sem contar
generalização ainda mais homogeneizadora, ao continuar abordando as duas correntes
supracitadas: “se há um sujeito (em todos os sentidos do termo) digno de interesse, é
justamente aquele que se enuncia no romance e não no poema”409. Por reducionismos assim, o
trabalho de Combe se mostra um tanto discutível. Basta lembrar artigos do novo crítico
americano Allen Tate – vide “Tensão em poesia” – para notar que o romance não é “em todos
os sentidos” o único “digno de interesse” durante o New Criticism410.
Apesar dos pesares historiográficos, a solução encaminhada por Dominique Combe é
bastante razoável. Presumir o sujeito uma referência dobrada entre a ficção e a autobiografia
corresponde a um posicionamento, embora flutuante, consistente. Sugere o autor: “o ‘eu’ em
poesia, como em todo texto literário, não é ‘verdadeiro’ nem ‘falso’, na representação do
poeta”411, ou seja, “a poesia lírica (....) não é ‘menos mimética’ que a poesia épica ou
dramática (....), o mundo representado pelo poeta é tão ‘não-real’ quanto aquele que figura nas
obras dramáticas ou épicas”412. Nessa perspectiva, relativizando as polaridades do “eu”, no
intervalo do “empírico” puro e do “lírico” puro, é mais interessante pensar uma persona
autobiográfica ficcionalizada, ou em vias de ficcionalização, em trânsito contínuo, em um ir e
vir que trafega constantemente no convívio do real com o ficcional. O teórico propõe, ainda,
que o sujeito-poemático é metonímico, ou mais precisamente uma sinédoque, pois equivale a
uma espécie de desdobramento ampliado e ficcionalizado da pessoa real, de maneira que o
particular possa exprimir sentimentos gerais, de qualquer um: corresponde a um “eu” que
faculta dizer como um “nós”. Seguindo essa via, é ainda mítico ou autoalegorizado, já que o
homem real se intemporalizando e se universalizando, em um disfarce de si, mitifica a si
mesmo para que o leitor se reconheça naquela pessoa-textual que é – e não é – vazia de um
“indivíduo real”. Alegorizando o “eu real” por meio de uma “redução”, o escritor coloca a
persona verbal em lugar ambíguo entre a circunstância espaço-temporal imediata,
completamente materialista, de carne e osso, e a vaguidão absoluta de um sujeito
transcendental, completamente idealista, de um papel intangível. A solução proposta por

408
COMBE, 2009-2010, p 114.
409
COMBE, 2009-2010, p 114.
410
Terry Eagleton (2006, p. 77), em contrapartida, afirma que o New Criticism está preocupado, sobretudo, com
o poema. Cf. também On the limits of poetry, de Allen Tate.
411
COMBE, 2009-2010, p 123.
412
COMBE, 2009-2010, p 123.
201
Combe, no que diz respeito ao problema da unidade do eu-poemático, caminha para a “dupla
referência”, ou uma “referência dobrada”: a intencionalidade dupla por parte do bardo, o qual
tensiona – simultaneamente e sem jamais resolver por completo a tensão – o singular e o
universal. O sujeito-lírico é um terceiro posto: não é real e não é de papel, sendo real e sendo
de papel.

3.1.5 arquivOs

Dada a relativa porosidade nos muros entre o civil e o lírico, matizes da vida de um
autor podem figurar, mesmo que passando por diversas mediações, nas letras por ele
redigidas. Sendo assim, estando falecido o poeta enfocado, um caminho para se ter acesso às
questões fundamentais de sua existência – no sentido que Eneida Maria de Souza pensa as
pontes conceituais – é por meio de arquivos: cartas, manuscritos, relatos, gravações de vídeo e
de áudio são algumas das alternativas para se obter informações que contribuam para a leitura
de uma obra, a partir de uma clave biográfica. Nesse sentido, convém lembrar que os
arquivamentos, nos últimos anos, ganharam importância. Chamo a atenção, em particular,
para três aspectos: a virada arquivística, a ascensão dos arquivos literários e o excesso de
dispositivos.
Começando pela archival turn, ou virada arquivística, que surge após a virada
etnográfica, dos anos 1980413. O principal foco agora está em um novo status dos acervos.
Estes são compreendidos – seguindo a via de Michel Foucault e de Jacques Derrida – não
mais como apenas o lugar onde se guardam as fontes primárias, mas construtores de discursos
sobre o passado414. Desse modo, expressam, por meio de seus procedimentos, relações de
poder, valorizações e desvalorizações de determinados tipos de conhecimento. São encarados
não somente como continentes neutros onde estão os conteúdos significativos; os documentos
são privilegiados, porém, na própria forma de conservar, nela há fabricação de saber e
possibilidade de investigação. O arconte, nesse novo momento, salta de um status
aparentemente neutro, guardião passivo do transcorrido, para um poderoso agente do
discurso, elaborador vivo do passado415.

413
Sobre a virada etnográfica, cf. KLINGER, 2012.
414
Cf. Arqueologia do saber, de Michel Foucault, e Mal de arquivo, de Jacques Derrida.

202
Além da – ou paralelamente à – virada arquivística, acontece, desde o final do século
XX, uma ascensão dos acervos literários. A captação de bibliotecas e originais, as disputas
para que as instituições zelem e pesquisem documentos de autores – essas questões se
tornaram frequentes. Em termos temporais, no Brasil, é notável o crescente interesse desde
pelo menos o surgimento de instituições como o Instituto de Estudos Brasileiros, da
Universidade de São Paulo, em 1962; o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação
Casa de Rui Barbosa, em 1972; o Acervo dos Escritores Mineiros, da Universidade Federal de
Minas Gerais, em 1989. Assim, nos estudos literários, muito em função desse progressivo
acúmulo documental, ganharam importância as buscas aos depósitos. Até mesmo no campo
teórico, esse prestígio é sensível. Por exemplo, os trabalhos de Reinaldo Marques atestam a
necessidade de diferenciar, conceitualmente, as noções de (i) arquivo do escritor e (ii) o
arquivo literário416. A contraposição entre os dois está na passagem dos espaços privados
(como manuscritos de poetas, guardados em ambientes domésticos, configurando, assim, o
primeiro) para o local público (os mesmos manuscritos, agora alocados em repositórios
universitários, passam a ser tratados como o segundo). Certamente, nesse trânsito há
modificações não meramente na ordem topológica, mas também nomológica, pois os
documentos ganham novos arcontes, interferindo nas organizações e hermenêuticas.
Contudo, não está somente nos centros acadêmicos e entre os escritores a relevância
dos inventários, o excesso de dispositivos similarmente demonstra essa ascensão arquivística.
Digo excesso devido à intensificação da presença deles nesses dias de capitalismo avançado,
pois tais elementos, desde o surgimento do homem, teriam existido. Seguindo a perspectiva
de Giorgio Agamben, de O que é o contemporâneo? e outros ensaios, interpreto como
dispositivo “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar,
determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os
discursos dos seres viventes”417. Nesse sentido, Agamben está expandindo, quiçá
exageradamente, ainda mais o ângulo de Michel Foucault, que traça com amplitude o
vocábulo. O próprio filósofo italiano, continuando seu texto, demonstra a variabilidade de
alternativas:

415
Seguindo essa ótica, reflexões sobre a virada arquivística podem ser encontradas em Ann Laura Stoler (2002),
Diego Bissigo (2014) e Reinaldo Marques (inédito). No trabalho de Ann Laura Stoler, muito expressiva a frase:
“arquivos não como lugares de recuperação de conhecimento, mas de produção de conhecimento” (p. 9).
Tradução, livre, minha.
416
Cf. p. ex, MARQUES, 2014 e 2015.
417
AGAMBEN, 2010, p. 40.
203
Não somente, portanto, as prisões, os manicômios, o Panóptico, as escolas, a
confissão, ás fábricas, as disciplinas, as medidas jurídicas etc., cuja conexão
com o poder é num certo sentido evidente, mas também a caneta, a escritura,
a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os
computadores, os telefones celulares – e por que não – a própria linguagem,
que talvez é o mais antigo dos dispositivos, em que há milhares e milhares
de anos um primata – provavelmente sem se dar conta das consequências
que se seguiriam – teve a inconsciência de se deixar capturar.418

Esse catálogo corrobora as múltiplas opções de arquivamento presentes em nossos dias. Não
apenas as prisões, os manicômios e os Panópticos, esses três arcontes de corpos que fogem
dos padrões; tampouco apenas as escolas e as fábricas, esses catalogadores de corpos
disciplinados. Entretanto, p. ex., a grande lista de registradores portáteis funcionando como
dispositivos em nossos dias. A enorme gama de folhas e texturas, cadernos e livros
encontráveis aos montes em shoppings, a variabilidade de canetas e lapiseiras, em vasto rol de
cores e formas e tamanhos. Além, é claro, dos arquivos eletrônicos: computadores, telefones
celulares, câmeras digitais, pen-drives, tablets, televisores com memória. Ainda no terreno
digital, para além dos hardwares, há os softwares e as mídias digitais, redes sociais, blogs,
flogs, vlogs, sítios, aplicativos, programas, nuvens.

418
AGAMBEN, 2010, p. 40-41.
204
3.1.6 um catáLogo

Figura 10

Reprodução do Certificado da “Oficina de Haikai” feita com Alice Ruiz, dentro do projeto
Caro Leitor, nos dias 17, 18 e 19 de maio de 2016, no Sesc Palladium.

Figura 11

Foto da primeira página da apostila “OFICINA DE HAIKAI Alice Ruiz”, entregue no


primeiro dia do curso.
205
Figura 12

Retrato de anotações feitas em caderno, durante a oficina. A seguir, transcrevo o manuscrito:

206
Oficina

“A arte cavalheiresca do arqueiro zen”

“Ventos ao vento”

1 verso de cinco sílabas sobre a natureza

Folhas amarelas
tremem ao vento estas
fazem-se de rugas desta sobre
árvore esquelética tronco todo oco

[rasura] fazem-se de rugas sobre

Crepúsculo turvo Alice reclamou que


o Leminski não a
Sol frio de azul ajudava nos trabalhos
domésticos. Ele ficava
Estrelas no breu o tempo todo apenas
trabalhando seu os
Folhas que voam seus textos, deixava
tudo pra lá, o
noite nublada quintal sujo

sombras sobre o chão

gotas batucam

folhas secas caem

207
Figura 13

Autógrafo dado por Alice Ruiz, no livro Desorientais, no último dia de oficina.

Figura 14

Autógrafo dado por Alice Ruiz, no livro Outro silêncio, no último dia de oficina.
208
3.1.7 um dEtalhe

Figura 15

Alice reclamou que


o Leminski não a
ajudava nos trabalhos
domésticos. Ele ficava
o tempo todo apenas
trabalhando seu os
seus textos, deixava
tudo pra lá, o
quintal sujo

209
3.1.8. um punctuM

Nos dias 17, 18 e 19 de maio de 2016, durante a tarde, o Sesc Palladium, dentro do
Projeto Caro Leitor, oferece uma Oficina de Haikai com a escritora e ex-esposa de Paulo
Leminski, Alice Ruiz. Para ser aluno do curso, é necessário realizar uma inscrição no site do
Serviço Social do Comércio, preenchendo dados pessoais e explicando o interesse em
participar do evento, de modo que os organizadores possam selecionar os candidatos. Assim,
encaminho os procedimentos e, no outono daquele ano, frequento as aulas, como certifica a
primeira imagem colocada no catálogo de 3.1.6.
Ao longo dos três dias, a poetisa passa por cânones bem distintos, os quais possuem
elo comum na poética da própria Alice Ruiz. Discute um histórico e as características do
haicai; explica elementos fundamentais; incentiva que os participantes elaborem textos;
avalia, a partir de critérios por vezes mais tradicionais, por vezes mais idiossincráticos, as
produções dos inscritos. Um resumo das discussões propostas está presente na apostila, de
cinco laudas (a capa é vista na segunda ilustração do catálogo anterior), distribuída no
primeiro dia do curso. Similarmente, o material apresenta questões como um histórico do
gênero; atributos desse tipo de poema; listas de bibliografia e de autores. Em linhas gerais,
embora o livro contenha uma versão mais sintética, a apostila e a aula se aproximam da
“Apresentação” que consta em Outro silêncio.
Meu exemplar deste último livro, a propósito, Alice Ruiz autografa no terceiro dia de
oficina (conferir o quinto item do catálogo). Faz o mesmo em meu volume de Desorientais
(quarto item), sendo que, nessa obra, chega até mesmo a datar o documento. Transcrevo:

Rafael
haikais, poemínimos e senryus
com o beijo
da
Alice
19/05/2016

Além disso, como se pode ver no terceiro tópico de 3.1.6., realizo, durante os três dias
de curso, várias anotações, utilizando caneta esferográfica azul, em um caderno espiral de
formato 200 mm x 275 mm, 96 folhas, gramatura da folha interna 56 g/m², pautado. Em
certos momentos, também são adicionadas algumas notas. Para tanto, emprego papéis
adesivos, 52 mm x 38 mm, de cor verde, sem pauta, e canetas esferográficas azuis. Nas
páginas brancas do caderno, são colocados pontos mais ligados ao curso, isso é, informações
210
dadas por Alice Ruiz e composições realizadas durante as aulas. Paralelamente, adiciono, aos
meus manuscritos, e a título de curiosidade, umas poucas notas sobre o vencedor distraído.
Rápidos comentários feitos por sua ex-esposa durante os dias em que convivemos no Sesc.
Quando realizo essa coleta de material, estou no meu terceiro semestre de doutorado.
Já defini os rumos da pesquisa; no entanto, naquela época, não espero desenvolver este ensaio
um tanto biográfico e arquivístico. Minhas intenções em me matricular na oficina estão
ligadas a um constante interesse por haicais e ao fato de enfim conhecer Alice Ruiz,
personagem com quem Paulo Leminski dividiu um bom tempo. Assim, não é por acaso que o
caderno traz, simultaneamente, anotações de aula e peculiaridades da união de Alice e Paulo.
Ao todo, os registros realizados durante a oficina somam dez laudas. Desse conjunto, a
terceira imagem do catálogo de 3.1.6. é escolhida por conter um detalhe que muito ajuda a
compreender o poema “Uma vida é curta / para mais de um sonho” e a noção de breve, em
particular, bem como a vida e a obra do cachorro louco, no geral.
Um biografema, um puctum: “Alice reclamou que / o Leminski não a / ajudava nos
trabalhos / domésticos. Ele ficava / o tempo todo apenas / trabalhando seu os / seus textos,
deixava / tudo pra lá, o / quintal sujo”. É impensável que essa pequena observação dê conta de
apresentar por completo um sujeito que vive mais de quarenta anos, reside em casas e cidades
diferentes, trabalha em um vasto espectro de empresas, usa inúmeras drogas, lê incontáveis
livros, escreve textos de naturezas plurais, soma relacionamentos amorosos. Uma biografia,
mesmo que apresente as quase quatrocentas páginas de O bandido que sabia latim, não
consegue dimensionar todas as complexidades de Paulo Leminski Filho. Não é exequível
reconstruir esse “eu” em sua integralidade, tampouco ter controle caprichoso e absoluto sobre
as informações a respeito do curitibano relaxado. A mim chegam estilhaços de uma
existência. Assim, recolho raspas e restos presentes no lamento feito por Alice Ruiz. Esboço
completamente fragmentário, mediado pela visão de mundo da autora de Desorientais e pela
minha própria, ou mais exatamente, pela de quem sou ao anotar o que diz a poeta de Outro
silêncio. Não sei se o pormenor aqui escolhido é aquele que desejaria o ex-seminarista ao ver
seus quarenta e quatro anos reduzidos; de todo modo, essa informação não traz uma
dissolução absoluta do real.

211
3.1.9. um mínImo

O detalhe-punctum é também um breve, no sentido que procuro examinar horizontes


de sínteses presentes na poética leminskiana, de acordo com o discutido nos subcapítulos
Quatro sínteses em Paulo Leminski e As sínteses na lírica leminskiana. Um breve como a
minúcia arquivística e como um biografema.
Para o pesquisador de arquivo, o material sobre Leminski é enorme. Vasta coleção de
cartas, guardanapos de rascunhos, plaquetes, vídeos, fotos; uma dilatada bibliografia sobre o
poeta; muitas biografias; dezenas de relatos ligeiros espalhados em páginas de jornais e de
revistas. Poderia até mesmo dizer que, ao longo de minha investigação, um arsenal de pessoas
chega a me contar vários episódios. Casos confidenciados por nomes como Marcus Freitas;
Leonardo Boff; Cláudia Campos Soares sobre situações de Duda Machado; Carlos Ávila;
Alice Ruiz. De toda a extensa gama de roteiros para recompor as trajetórias do bardo, minha
escolha é pelo mínimo. A anotação de um comentário fugaz. Talvez feito ao vento. Ais ou
menos vindos de quem muito esteve com o cachorro louco. Um manuscrito com menos de
trinta palavras. Apressado. Usando caneta de ponta fina. Garranchos sobre um papel de vinte
centímetros quadrados. Algo singular, um quase nada, uma informação específica,
fragmentária, sintética.
Nesse sentido, o biografema é, ademais, um breve. Em ambos os conceitos estão
nuances como as de fração e pormenor. Não desejam a totalidade, mas uma estreita parcela.
Assim, um biografema pode ser uma lágrima, uma pálpebra, uma taça, esses mínimos tão
leminskianos. Bagatelas do percurso de um sujeito. Uma inflexão que resta de uma longa
vida. Vocábulos que procuram dar conta do conciso, preciso, escasso, sucinto, resumido,
condensado, concentrado, superconcentrado. Estando o kamiquase já morto, está no
biografema a tentativa de reduzir a sua história a um gosto, ao que lhe era peculiar. Desse
modo, quando Alice reclama, com brevidade, de uma atitude de seu ex-marido, revela um
lamento que muito diz sobre o poeta. No interior da informação menor, a flor de uma
existência enorme: ele fica o tempo todo apenas trabalhando seus textos, deixa tudo para lá,
sequer limpa o quintal da casa onde vivem. Atitude basilar da jornada desse homem: sonhar a
escrita literária.

212
3.1.10. uma poNte conceitual

O detalhe-biografema-breve aqui analisado é, aliás, uma ponte conceitual. A anotação


lembra quando Alice Ruiz afirma que Paulo Leminski se dedica integralmente aos seus textos:
um pormenor dentro de um arquivo, uma pequena imagem capaz de revelar um ponto chave
de uma vida, uma forma de apurar e realizar uma síntese.
Assim a memória do escritor está sendo dessubjetivada e traduzida em uma análise
biográfica. Não pretendo estabelecer uma longuíssima narrativa sobre uma pessoa; longe de
mim os romances de formação ou a infindável busca do tempo vivido. Priorizo o encontro de
um indício capaz de dimensionar a relação do sujeito com sua literatura. Nessa tentativa de
desenvolvimento de uma ponte metafórica, aproximo a vivência e a criação; um constructo
que atravessa la vie, en close. Um autor que se volta com toda a força para a literatura e que
concebe uma poética que trata, justamente, de elementos capazes de concentrar muito em
pouco, gerar sínteses, líricas mínimas como esse instantâneo

Uma vida é curta


para mais de um sonho

Em sua curta vida, o guerreiro da linguagem se volta para o sonho de ser poeta. Não se
absorve tanto com o quintal que precisa ser limpo, ou ainda com os vários outros afazeres
domésticos, que vão do lavar a louça a trocar uma lâmpada, do passar os panos pelos móveis a
pagar as contas mensais. Provavelmente, esse abandono das tarefas do lar dificulte as relações
mais pessoais com a sua ex-esposa e não cabe a mim fazer juízos morais sobre as posturas
diárias. Não é meu recorte a análise pela trilha da crítica feminista; porventura haverá quem,
em outro momento, assuma essa empreitada. A atitude do poeta, todavia, permite que ele se
volte, com vigor, para o cuidado com o seu engenho. Consegue lavar os substantivos e os
deixar sem adjetivações excessivas; trocar as palavras que já não iluminam as quadras; afastar
os ciscos de versos envelhecidos pelo vento; pagar as dívidas para com as tradições às quais
se filia. Entre a suposta realidade do ser humano e a sua lírica, há um vestígio próximo, a
síntese. No entanto, o princípio não pode ser operado por meio de um determinismo, como se
o que ocorre na vida ocorrerá necessariamente no texto, ou o contrário. A mim me parece
mais válido observar que as estrofes conseguem, em alguma incerta medida, realizar trocas
com o contexto biográfico de sua produção: Paulo Leminski e seus poemas foram sintéticos.

213
3.4.11. um Sujeito-lírico dobrado

O detalhe-punctum-breve-ponte conceitual evidencia um sujeito-lírico dobrado entre o


poema e o biografema. É claro que, ao dizer “Uma vida é curta / para mais de um sonho”, o
eu parece menos presente. Não diz “Minha vida é curta”, ou “para mais de um sonho meu”;
no entanto, ao escolher aquilo sobre o que irá falar, o eu-poético se revela. Deixa transparecer
a particularidade de uma pessoa que compreende o tempo terreno como artefato tênue, em que
não vale a pena empregar horas limpando o quintal. Alguém que só fica trabalhando o seu
sonho literário. Essa persona dual, portanto, não é menos mimética do que as presentes em
romances ou em peças teatrais. O poema é feito por um “eu” que assina a criação com,
praticamente, o mesmo nome de sua carteira de identidade, mas que escolhe, dentro das
questões fundamentais de suas preocupações cotidianas, um quesito específico para motivar a
sua estética.
Paulo Leminski (Filho), sujeito autobiográfico ficcionalizado, ou no ínterim onde
convivem, sem fronteiras rígidas, o real e o ficcional. O “Eu”, uno e duplo, passa por uma
sinédoque, na medida em que, ao se aproximar de “Uma vida é curta / para mais de um
sonho”, ao se ver expresso por ele, ao ser nele, comunica um sentimento geral. O que o eu-
lírico profere poderia ser dito por um “nós”. A individualidade dúplice se intemporaliza e se
universaliza, de tal maneira que o leitor consiga se reconhecer naquela voz poemática que é –
e não é – ausente de um “eu real”. O eu civil, autoalegorizando a sua história por meio de uma
“redução”, coloca o seu eu-textual na enseada ambígua entre a dimensão espaço-temporal
imediata – onde estão sua esposa, mulher com carteira de identidade, e o quintal sujo, lugar
localizável no espaço – e a vaguidão de um corpo feito de palavras – que está, não estando,
apenas na enunciação de que “Uma vida é curta / para mais de um sonho”. O escritor com o
qual estou lidando opera uma dupla intencionalidade, uma tensão irresolvível do singular com
o universal. Não é real e não é de papel – é um terceiro entre dois – sendo real e sendo de
papel.

214
3.1.12. umas Kadências

Mascando e remascando o mesmo novelo de questões: esse sujeito-lírico – que está,


binomicamente, nos pares vida e verbo, biografema e poema, detalhe de um arquivo e a
página de um livro – exprime a caracterização de síntese-breve, essa ponte que aproxima as
binomias. Além disso, o conceito-chave aqui trabalhado pode ser desdobrado nos aspectos
rítmicos de

Uma vida é curta


para mais de um sonho

Destaco, em particular, a métrica, a estrofação e o enjambement. O primeiro desses


pontos ocasiona duas alternativas para o esquema rítmico:

U/ma/ VI/da É/ CUR/ta E.R. 5 [1-3-5] ou E.R. 5 [1-3-4-5]


PA/ra/ MAIS/ de UM/ SO/nho E.R. 5 [1-3-5] ou E.R. 5 [1-3-4-5]

Os dois versos são metricamente idênticos. Ambos redondilhas menores, tamanhos muito
parcos. Se observados os pés que formam esses pentassílabos, novamente haverá a percepção
de que se trabalha, ritmicamente, com a noção de síntese-breve. Nesse sentido, cabe notar que
as redondilhas terminam em dissílabos paroxítonos, o que ocasiona uma sílaba átona ao final
de cada pauta; a primeira, a terceira e a quinta sílabas, aliás, são claramente tônicas, sem falar
na audição da segunda de cada verso enquanto átona. No entanto, nas duas linhas, a quarta
segmentação lança uma tensão: estando entre duas tônicas, talvez a respiração exija que ali
ocorra uma fraca, embora o acento agudo de “é”, bem como a forma “um”, tenham tendências
à tonicidade, apesar de não haver dúvida quanto ao fato de a quarta sílaba exigir uma elisão,
posto que “da”, do primeiro verso, e “de”, do segundo, são fracos e procuram se fundir com
“é” e “um”, fortes. Assim, a leitura pode ser mantendo um padrão trocaico ou acelerando.
Naquele caso, ratificando a quarta sílaba como átona, o leitor encontra seis pés formados por
uma forte e uma fraca:

215
U/ma
VI/da é
CUR/ta

PA/ra
MAIS/ de um
SO/nho

Na segunda opção, o leitor se depara com dois versos começando trocaicos, isso é,
constituídos por uma sílaba fraca e uma forte, e terminando com três acentos tônicos, o que
aumenta o número de batidas, ocasionando, assim, uma aceleração:

U/ma/
VI/
DA É/
CUR(ta)

PA/ra/
MAIS/
DE UM/
SO(nho)

Portanto, nos dois pentassílabos, mantendo padrão trocaico, ou acolhendo a (supostamente


improvável) aceleração, os pés do verso são diminutos, assim como é dito no texto: “Uma
vida é curta”.
O poema é sim muito sintético. A estrofação também é pequena, corresponde a um
dístico. Configuração mais reduzida do que um haicai tradicional, por exemplo, já que neste
há três linhas e dezessete sílabas. Menor que a parelha, apenas o monóstico. Todavia, a
criação analisada guarda certa semelhança com a estrofe de verso único, uma vez que contém
enjambement. Apesar de somar dois andares, o edifício soergue frase solitária: “Uma vida é
curta para mais de um sonho”. Evidencia essa leitura a presença de letra maiúscula somente
como o primeiro caractere. Se fosse um monóstico, o poemínimo seria um hendecassílabo;
contudo, a quebra em duas redondilhas menores evita a presença de resultado tão longo.
Em suma, o texto trabalha com uma informação exígua, direta, formada por uma única
frase. Esta é quebrada em duas sequências de cinco sílabas, as quais podem ser vistas
organizadas por meio de seis troqueus ou, em cima e em baixo, um troqueu seguido por três
sílabas tônicas. Por todos esses caminhos, formas breves.

216
3.4.13. (in)concluIndo

A vida de Leminski é sintética, o ritmo do poema é sintético: aquela é curta para mais
de um sonho, este é curto para mais de uma frase.
Como se vê na introdução deste ensaio, enquanto faço rabiscos avulsos em uma
caderneta, noto, em agosto de 2017, de uma só vez, o elo entre o biografema dito por Alice
Ruiz e um dos Quarenta clics em Curitiba. No momento em que essa ponte é estabelecida,
não há nem a memória determinando a interpretação do texto, nem este determinando a
“invenção” da reminiscência (ou estarei aqui inventando, com liberdades de ficcionista, uma
circunstância utópica para a crítica biográfica?). Fica, assim, clara – incêndio súbito – a
ligação do poeta com a sua obra. Ele volta seus anos para a elaboração de breves. Não vive
mais de dez décadas, tampouco foi Homero, com epopeias nada menos que Ilíadas. Em cerca
de quarenta agostos de existência, o pequeno poeta de província investe o seu tempo na
confecção de quadras, haicais, dísticos. Não fosse isso e era menos. A intensidade marca a
rotina de quem sequer limpa o quintal de sua casa, priorizando, com todo o vigor, a produção
literária, a ponto de incomodar sua esposa; a intensidade marca um poema feito com
redondilhas menores e troqueus.
Meu ensaio é curto, cabe apenas uma ponte conceitual. E ainda há outras, outras e
outras interpretações possíveis – mas até mesmo no breve há certo vazio: outro silêncio. Um
clic fotográfico no corredor onde se encontram arquivos e “Uma vida é curta / para mais de
um sonho”. Para se chegar a esse mínimo de análise, é necessário, arquitetar um dístico
crítico: certo percurso teórico que avança para mais de uma referência; e a espiral que sempre
volta para a mesma parelha. Espero que essa estratégia ajude a compreender uma relação
entre dados breves – dois versos e uma notinha de poucas palavras. Um trajeto que busca
pensar biografema, ponte conceitual, sujeito-lírico dobrado, arquivo, ritmo. Em uma única
análise, convergem repertórios, assim como na síntese leminskiana há mais de um sonho.
Espero, por esse percurso, mostrar, ainda, que artifícios rítmicos podem estar relacionados à
subjetividade. A crítica biográfica, por vezes, não chega a expressar as conexões entre os
elementos mínimos da feitura de um poema – p. ex., métrica, pé, estrofação e enjambement –
e a história íntima do autor. No biografismo é mais comum, quiçá porque mais fácil, uma
leitura temática, superficial cotejamento de temas que estão na vida e na obra, sem que os
recursos formais sejam avaliados quanto às particularidades do indivíduo que os desenvolve.
Na tentativa de entender a complexidade dos sentidos possíveis de um texto, e/ou de
uma poética, um caminho é recorrer à análise das estruturas formais, em diálogo com dados
217
biográficos, a partir de simetrias, pontes, que fazem interagir a lírica e os relatos sobre uma
vida. Mas o poema sempre está para mais de uma leitura.

218
3.0. A pobre nudez do haicai,
ou, “enfim, / nu, / como vim”

Francisco de Assis, um de seus momentos mais altos.


Paulo Leminski

enfim,
nu,
como vim

3.0.3. Enfim, o poema

No texto acima, logo à primeira leitura, o “nu” se reveste de uma característica


decisiva419. Para ele convergem aspectos sonoros, visuais e conceituais. Em razão disso,
comentar o brevíssimo poema parece uma tarefa simples, entretanto é complexa. O vazio
agudo é meio cheio de tudo, o silêncio é grávido de sons, a nudez é um disfarce sobre outros,
outros e outros disfarces. E um modo de começar a matizar as camadas do escrito é pensando
justamente a falta de roupa do sujeito-lírico. Em certos momentos, as personas de Paulo
Leminski tendem mais ao par, à reunião do diverso, entre demais alternativas que se
recombinam em variados arranjos. No caso específico do terceto aqui enfocado, o enunciador
caminha para o zero, mesmo que este se faça em tensão com o breve. Por vezes, é necessária
alguma presença que consiga explicitar a ausência. Se determinado elemento textual está
afastado por completo, é possível notar o que não se deixa notar? É factível saber que está
desvestido se não há nenhum indício do corpo? O vazio é perceptível mediante o contraste
com a ocupação. Assim o poemínimo expressa a carente situação do “eu”. A personagem dos
versos não chega a usar o pronome pessoal do caso reto, embora a primeira pessoa do singular
esteja implícita no verbo “vim”. Estando “nu”, opta por não demarcar, a não ser na flexão
verbal, o seu lugar na fala. As linhas dizem sobre a condição desse indivíduo de papel, desse
que ali está indicando sutilmente o seu comparecimento. A escassez de recursos linguísticos,
inclusive, é uma forma de reconhecer as marcas daquele que se noticia com refinada

419
A referência do poema é LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 236.
219
rarefação. Ele poderia declarar, com menos concisão, “enfim, estou nu, como eu vim”, mas
prefere se reduzir, e reduzir a criação poética, ao mínimo420.
Ele vem “nu”. Remete à síntese enquanto zero e às noções de “falta”, “escassez”,
“privação de roupa”. Em seu significado usual, “nu” corresponde a “sem cobertura”,
“descoberto”, “desprotegido”, “exposto”. Alude ao que está sem enfeites, sem maquiagem.
Pés e outras partes do corpo, por acepções metonímicas, também podem estar assim, como
sugerem palavras específicas: “descalço”, “descamisado”, “careca”. Ampliando o prisma, o
adjetivo “nu”, em certas ocasiões, qualifica não apenas o físico; pode designar a pessoa que
apresenta a alma, a interioridade, exposta. Ou até mesmo assinalar o indivíduo sem cortesia,
rude, capaz de fazer grosserias. Em uma dimensão econômica, é habitual atribuir nudez
àquele que está sem o necessário, o desprovido de bens, o desguarnecido. Ao falar das
árvores, em especial no outono, é dito que os galhos estão nus, desfolhados. Nas artes
plásticas, é uma recorrente representação corporal; modelos posam em gesto de “nu artístico”,
um dispositivo de dissimulação da ausência. O pintor escolhe pincelar sobre a tela a imagem
de uma carne artificialmente despida. Em questões religiosas, a nudez também é comum.
Tomando os pés, vale lembrar que estar descalço é condição para a entrada em mesquitas ou
templos, no islamismo e no hinduísmo. O lugar sagrado, onde Deus se faz presente, é um
espaço que exige os pés descalços, a realçar a humildade. Condição levada adiante no
cristianismo por santos como Francisco de Assis, o fundador da Ordem dos Frades Menores, e
por reformadores da Ordem do Carmo, isso é, dos carmelitas descalços Teresa de Ávila e João
da Cruz.
O sujeito-lírico de Paulo Leminski está pelado. E o termo “enfim” talvez possa indicar
que um itinerário está se rematando. O advérbio de conclusão evoca sentidos de “ao fim”, “ao
cabo”, abrindo a perspectiva de que se chega ao término do percurso. O que é peculiar, no
entanto, é o vocábulo ser o inicial. O receptor pode perguntar: o que está sendo concluso? O
vazio da folha, graficamente anterior ao “Enfim”, aceita tomar para si essa imaginária
conclusão; o texto repleto de brancos está “nu” como veio da página pálida. Ou ainda, ao
concluir o pensamento que vem sendo emitido ao longo de um suposto raciocínio prévio, o
dissílabo pode sugestionar certo fechamento para uma argumentação trilhada não apenas neste
terceto. Esse suposto raciocínio anterior estaria em poemas análogos, mesmo que o haicai
acima não seja o último da série em que está colocado. Tal leitura repercute se rememoro que
“enfim” pode corresponder às expressões “em suma”, “em síntese”. A síntese, procedimento

420
Sobre as noções de zero, breve, par e reunião do diverso, cf. a parte Quatro sínteses em Paulo Leminski.
220
fundamental em Toda poesia leminskiana, admite estar nua como veio. Porém, se há uma
origem, ela pode ter sido perdida. Quem sabe reste apenas o fragmento derradeiro, uma ruína,
as três últimas linhas de uma imaginária e longuíssima epopeia perdida? Por essa via, está o
leitor frente a um problema semelhante ao enfrentado por estudiosos de pré-socráticos.
Contudo, se os textos antigos chegam hoje fragmentários, os modernos, por vezes, nascem
assim. E as quatro palavras restantes – fragmento forjado, ruína arquitetada – podem ter sido
utilizadas para suscitar esses, e adicionais, caminhos de sentido.
“como vim”. Mas vem de onde? Dado o traço lacunar, é admissível conjecturar a
questão. Não é dito o trajeto feito pelo eu-poético, é apenas sugerido que ele está sem as
vestes. De todo modo, a produção é retirada da seção “kawa cauim – desarranjos florais”, da
obra Distraídos venceremos (1987), espécie de lugar imediato de onde emerge o texto. Regra
geral, essa parte do volume é composta por haicais, chegando a aparecer, logo na entrada, o
par de poemas “hai” e “kai”, embora estes dois não sejam, ou pelo menos não apenas,
constituídos por estrofes de três versos. Entretanto, os dois poemas de abertura e os seus
títulos são exceções que confirmam a regra. “kawa cauim” contém cerca de vinte haicais,
número difícil de precisar, uma vez que gêneros, a exemplo da quadra, tensionam as
possibilidades. De temática variada, a seção também difunde reuniões de diversas métricas,
estrofes, rimas e espaçamentos na página. Não obstante, os números de sílabas são baixos,
havendo apenas um decassílabo em todo conjunto. As estâncias costumam ser tercetos,
variante de pequena extensão. As rimas, por sua vez, são outro aspecto a oscilar bastante,
conquanto a forma ABA seja um pouco recorrente. Sobre a disposição das linhas na lauda, é o
padrão o jogo entre tabulações a mais e a menos. Todavia, a pepita poética está nua como vem
não somente dessa seção do livro, mas de longas e variadas tradições. Antes de ampliar a
discussão, avanço na mostra de que a nudez, esta alternativa de estética, é configurada
ritmicamente.

221
3.0.2. Nu, ritmicamente

Como visto, “enfim, / nu, / como vim” não chega a destoar em relação aos seus pares
de “kawa cauim”, apesar de que a noção de “nu” talvez marque esse texto com mais vigor do
que outros. No poemínimo aqui analisado, a nudez é intensamente colocada em termos
rítmicos, o que é notável em estrofação, métrica, rima, disposição na página e uso da vírgula.
Começo pelo terceto. Se me permito a redundância, ele é a terceira menor
possibilidade estrófica, maior apenas do que o dístico e o monóstico. É muito popular em
língua portuguesa. Até o século XIX, compõe, em geral, poemas maiores, como o soneto e a
terza rima, gêneros ainda utilizados na literatura contemporânea, sobretudo a composição de
origem petrarquiana. No entanto, feito com independência, é comum na literatura brasileira
depois da abertura japonesa do final dos oitocentos, quando ao Brasil chega o haicai. A
origem, por vezes, se dá mediante importações literárias francesas e lusitanas, e, por vezes,
devido à própria migração populacional-cultural nipônica. Aqui, em Leminski, o terceto
guarda sim proximidade com o cânone oriental, não é por acaso que está na seção “kawa
cauim”, cujo título mistura palavras asiática (“kawa”, isso é, “rio”) e indígena (“cauim”,
bebida alcóolica feita a partir da fermentação da mandioca e/ou do milho). Além disso, a
estância consegue reforçar a nudez. Comparando com a seção, nos “desarranjos florais”
também há estrofes de oito, seis, cinco e quatro linhas, e o caso único concebido por um
dístico e um monóstico421. Portanto, o “enfim, / nu, / como vim” está entre as menores
alternativas estróficas levantadas pelo poeta e pela literatura brasileira.
Prosseguindo a análise dessa tópica da nudez, a métrica é outro elemento que
evidencia a pequenez sonora com a qual estou lidando:

(1) en / fim, E. R. 2 [átono-tônico]


(2) nu, / E. R. 1 [tônico]
(3) co / mo / vim E. R. 3 [tônico-átono-tônico]

Um dissílabo (átono-tônico); um monossílabo (tônico); um trissílabo (com a primeira e a


terceira fortes). Os três menores versos do idioma de Camões. Ao todo, apenas seis segmentos
sonoros, não havendo nem mesmo sílaba após a última tônica de cada linha, dado o uso de
oxítonos. Ademais, a meia dúzia de frações é formada por quatro tônicas e duas átonas, o que
demonstra força, conquanto o número silábico total possa sugerir fragilidade. Há grande
concentração de tonicidade no pequeno conjunto. Mais que isso, é importante ressaltar que,

421
Cf. LEMINSKI, Toda poesia, 2013, p. 237.
222
normalmente, no cânone (não só) nacional, o haicai apresenta dezessete sílabas – divididas em
(1) cinco, (2) sete e (3) cinco. Essa configuração se notabiliza, no Brasil, via Guilherme de
Almeida, que procura criar uma pepita parnasiana, e persiste em escritores como Guimarães
Rosa, Abel Pereira, Olga Savary e Pedro Xisto422. No entanto, fugindo das dezessete
corriqueiras, o poema analisado se limita a seis frações, número menor do que o total do
segundo verso do haicai tradicional. A síntese é intensa.
Há também um agrupamento de nasalizações, já que pelo menos três das seis sílabas
são nasalizadas (“en”, “fim”, “vim”), sendo que duas delas estão no final de (1) e de (3),
ocasionando a rima “im”. Cabe lembrar que a forma “im”, muitas vezes, é tomada pelo
falante do português brasileiro como diminuitivo, uma contração do sufixo “-inho”:
“meninim”, “pobrim”, “piquininim”. Mesmo que em “enfim” e “vim” não esteja sinalizada a
minoração, o ouvido reconhece a semelhança entre as palavras e o jeito de o falante
apequenar aquilo que está tratando. Aliás, o diminutivo “-inho” ou “-im” pode demarcar
afetividade. Nem sempre está a reduzir o tamanho de nada, mas, por vezes, traz para perto dos
sentimentos do falante o objeto abordado. No clássico Raízes do Brasil, ao discutir a
cordialidade, Sérgio Buarque de Holanda aponta o fato de que “A terminação ‘inho’, aposta
aos vocábulos, serve para nos familiarizar mais com as pessoas ou os objetos e,
simultaneamente, para lhes dar relevo. É a maneira de fazê-los mais acessíveis aos sentidos e
também de aproximá-los do coração”423. Tal fenômeno acontece quando um dono de mansão
trata a sua casa por “casinha”, ou quando a namorada apaixonadíssima chama de “amorzinho”
o seu escolhido. No “enfim, / nu, / como vim”, o som do diminuitivo, embora não reduza
semanticamente o advérbio nem o verbo, permite trazer à memória, melopaicamente, as
noções de atenuação, pobreza e afetividade. Ademais, no entorno do “nu”, é frisada uma
afinidade entre o começo (marcado pelo “enfim,” verbete que denota finalização, acabamento,
fechamento de processo) e o percurso (“como vim”, expressão capaz de remeter ao trajeto
feito). O texto principia e finda de modo similar, rimando o caminho e a conclusão/abertura,
deixando tudo na mesma escassez.
A semelhança sonora de (1) com (3) está marcada, ainda, pela disposição imagética do
texto. Em termos rítmicos, são modulados também aspectos fanopaicos: o sapateado das
vogais e das consoantes sobre o tablado de papel. As linhas ímpares, com homofonia, estão
mais adiante na folha; o “nu” realiza um movimento na direção contrária. Justamente ao falar

422
Cf. ALMEIDA, 1947; ROSA, 1997; PEREIRA, 1990; SAVARY, 1998; XISTO, 2008.
423
HOLANDA, 1995, p. 148.
223
da “ausência de roupa”, o corpo do verso é menos adiantado, está um passo atrás nas
tabulações dadas pelo escritor. O som do /u/ também se movimenta nessa orientação.
Foneticamente, tomando a vogal /a/ como uma espécie de lugar neutro da posição da língua
na boca, o /i/, mesmo nasalizado, projeta a língua do falante para frente, enquanto a vogal /u/
projeta para trás. Portanto, semelhante à dança oral que acontece sob o céu da boca, no palco
da página, os versos ímpares realizam um développé devant, e o par realiza um développé
derrièrre.
Outra tensão pode ser notada no que diz respeito à utilização da vírgula, articulando
noções de zero e de breve. O sinal gráfico assinala um vazio sonoro. Tira algo, suspende a
leitura; e coloca algo, o seu traço, o seu desenho sobre a lauda. É o seu aparecimento fugaz o
que gera a fração de silêncio. Escrito no final de (1) e (2), não impede que exista um
enjambement, mas dificulta um pouco a fluidez da recepção. A pausa torna o texto
meditativo, exige uma respiração cadenciada, faz ser alongada a enunciação de obra tão curta.
Muitos leitores, ignorando o que seria um cavalgamento, costumam criar um intervalo sempre
ao término dos versos, respirando onde não se pede. Todavia, o terceto leminskiano evita que
desprezar o enjambement, a continuidade, seja legado ao erro, pois as vírgulas determinam
pequenas paradas. Em contrapartida, questiono se a pontuação seria, de fato, necessária. Se
ela não estaria impedindo que a estrofe se tornasse mais nua. Afinal, em composições sem
vírgula nenhuma, às vezes a quebra versífica pode ser lida como uma interrupção, ainda que
haja o cavalgamento: a quebra exerce a função sintática da vírgula, mesmo que a declamação
não faça a pequena pausa. Essa circunstância de pausa é, historicamente, muito comum a
partir do surgimento do metro livre. Assim, no poema em questão, a presença do sinal
acarreta certa redundância, reafirma um artifício que a própria quebra contém. De todo modo,
Paulo Leminski opta por escrever a pontuação e, nesse sentido, talvez ela possa ser lida como
uma nudez sonora desejada pelo autor. Com o recurso sinalizado, é armado um pequeno
invólucro de silêncio em torno da palavra “nu”.

224
3.0.1. Como vim

3.0.1.1. do século XX

O sujeito-lírico avisa que os movimentos rítmicos vêm despidos. Mas vêm de onde? A
resposta imediata, já indicada, recorda que o texto está em “kawa cauim – desarranjos
florais”, seção de haicais encontrada nos Distraídos venceremos, de 1987. No entanto, é
possível ampliar o cenário, e, enfim, ir alcançar outras respostas, outros silêncios, outros nus.
Escavar, sob a pele descoberta, as camadas da endoderme do tempo. Não limitar o olhar a
uma temporalidade muito restrita, como o ano de publicação do livro, mas notar que um
poema, por vezes, salta de sua realidade circunstancial e dialoga com as tradições.
De todo jeito, na conjuntura imediata de Paulo Leminski, a nudez é um dado
importante, e o poeta procura se aproximar dessa relevância. Convém situar um gesto, espécie
de performance realizada em 1975, ano em que sai a primeira edição brasileira da revista
Playboy. Para divulgar o lançamento do Catatau, o autor produz cartazes nos quais aparece
sem roupa, sentado sobre o chão branco e havendo fundo branco. Uma ambientação infinita.
A foto é tirada por Dico Kremer, companheiro do escritor na P. A. Z., agência de publicidade.
Em plena Ditadura Militar, a pose estratégica do marqueteiro dá visibilidade para a noite de
autógrafos, ocorrida na livraria Ghignone.

Figura 16424

424
A imagem é reproduzida na capa da edição de 2004, do Catatau. Esta versão do livro, bem como a imagem
acima, é resenhada por Carlos Augusto Novaes (2005).
225
Despido, com as pernas meio cruzadas a tampar o sexo, o gesto pode lembrar alguém
meditando em posição de lótus e ainda o Abaporu [1928] e A negra [1923], quadros de
Tarsila do Amaral. O tradutor de Um atrapalho no trabalho talvez também esteja evocando
outra fotografia de nudez: John Lennon e Yoko Ono sem as vestes, na capa do álbum
Unfinished Music no. 1: two virgins, gravado pelo casal em 1968.
Ampliando as lentes, o século XX é ávido por nus. Walter Benjamin, nas suas
Passagens, ao problematizar “O intérieur, o rastro”, compara o gosto dos anos de mil e
oitocentos por fechamentos e o gosto dos mil e novecentos por aberturas 425. O ensaísta, em
um relativamente longo trecho, adverte que os objetos do XIX são envolvidos por caixinhas,
estojos, capas protetoras. Não é por acaso que Machado de Assis chega a nomear de A mão e
a luva um de seus romances. Entretanto, o XX é um tempo de transparência e ar livre. Nesse
âmbito, se dá passagem da Art Nouveau para a Art Decó, os artistas estão buscando maior
austeridade estilística. É o momento da ascensão da Bauhaus e dos Modernismos, tendências
que preferem o vidro, a porosidade, o clean. A arquitetura rejeita o ornamento, opta pela
construção de edifícios econômicos e limpos, seguindo as palavras de ordem “menos é mais”
e “a forma segue a função”. A pintura também caminha, em grande medida, nessas
propensões. A redução do desenho ao seu mínimo, como no geometrismo de Pablo Picasso e
Piet Mondrian, e no White on White [1918], de Kazimir Malevich. Além dessa perspectiva, o
nu artístico, presente em diversas épocas, comparece com vigor. Do mencionado Pablo
Picasso, vale citar As senhoritas de Avignon [1907], pintado na mesma época do Nu azul
[1906-1907], de Henri Matisse, obra esta que, de algum modo, procura simplificar a estrutura
do corpo humano e se assemelha à fotografia tirada por Paulo Leminski para a divulgação do
Catatau. A lista de mencionáveis é muito extensa, assim basta indicar o Nu deitado [1917], de
Amadeo Modigliani; as Formas únicas de continuidade no espaço [1913], de Umberto
Boccioni; e o Nu descendo a escada [1911], de Marcel Duchamp, influências vanguardistas
que chegam, verbi gratia, nos anos 1960, até a Pop Art, com a qual tanto dialoga o poeta
publicitário da P. A. Z. O movimento da segunda metade do século gera séries como os
Grandes nus americanos, de Tom Wesselman.
Dimensões relativamente próximas da nudez imagética são perceptíveis na música.
Assim pode ser compreendido o aparecimento do atonalismo, assinalando um esgotamento
histórico do sistema tonal. Por exemplo, Arnold Schönberg, em seu Pierrot lunático [1912],

425
BENJAMIN, 2007, p. 255. Em Uma lira de duas cordas, especificamente no ensaio “Dança doméstica, ou
‘Ideias íntimas’”, procuro me fechar um pouco mais no livro de Walter Benjamin. Talvez, agora, esta análise do
“enfim, / nu, / como vim” possa formar uma binomia com o texto sobre o poema de Álvares de Azevedo.
226
procura evitar a harmonia diatônica e caminha para o dodecafonismo. A ausência de um eixo
harmônico central na composição ocasiona certa impressão de desvestimento de regras. A
noção de nu pode ser notada, mais tarde, em John Cage. A clássica 4’33” é talvez um dos
pontos altos do que aqui estou chamando de estética despida. Conhecida por “Quatro minutos
e trinta e três segundo de silêncio”, a obra de 1952 ajuda a repensar a nudez. A despeito de, na
peça, faltarem notas, a execução pode ser repleta de sons, ruídos ambientes, barulhos da
plateia, itens que fazem parte da apresentação. Cage, incorporado pelo repertório de Paulo
Leminski, é comparável a este no sentido em que partilham influências semelhantes, entre as
quais está o Zen. Afora o 4’33”, o compositor americano se associa à música aleatória, na
qual alguns elementos da composição surgem um tanto ao acaso, ou, como acontece com
frequência em Pierre Boulez, aparecem com mobilidade. Phillip Glass, nesse contexto do
desnudamento musical do século XX, é outro a ser inserido, sobretudo em função do
minimalismo, ainda que o estadunidense não goste do termo. No minimal, os tons são
executados por um longo tempo, causando certa ideia de estaticidade.
A poesia lírica novecentista, a seu modo, também expressa a nudez. No final do XIX,
Um lance de dados, de Stéphane Mallarmé, já reconfigura o branco da página, o que impacta,
no que diz respeito à espacialização, em Cummings e nas vanguardas brasileiras, tais como o
Concretismo, o Neoconcretismo, o Poema Processo e variadas ressonâncias contemporâneas.
Essa linhagem alcança e ultrapassa o curitibano publicado pela revista Invenção, aquele que,
ao dizer “enfim, / nu, / como vim”, diagrama as palavras que dançam sobre a folha. Quanto ao
trato melopaico da lírica, a intensificação do haicai no séc. XX é outro fato que está na rota de
um silenciamento, e o texto leminskiano aqui analisado pode ser visto sob tal prisma que,
novamente, o antecede e ultrapassa. Por volta dos anos 1920, o gênero japonês instiga Ezra
Pound, Rainer Maria Rilke, Rabindranath Tagore, Giuseppe Ungaretti, José Juan Tablada, e,
no Brasil, Oswald de Andrade, além de, nos anos 1930, chegar até a “Cota Zero”, de Carlos
Drummond426. Mas não se limita ao Modernismo. Segue atravessando os novecentos,
passando por Jack Kerouac e Haroldo de Campos, para lembrar os movimentos Beat e
Concretista, duas esteiras influenciadoras do hajin de Distraídos venceremos427. Nos versos
de “enfim, / nu, / como vim”, são notáveis a extrema redução sonora, presente em um haicai,
e o uso do branco da página, na espacialização do texto. Esses recursos formais são modos de

426
Cf. o poema de Carlos Drummond de Andrade (2002, p. 28) e também um livro como Pau Brasil, de Oswald
de Andrade.
427
Cf., p. ex., CAMPOS, 2013. Sobre os autores estrangeiros listados, cf., p. ex., as indicações de Alberto
Marsicano (2008).
227
representar a tópica nua que, enfim, vem atravessando certos campos estéticos do século XX:
passa por elementos visuais como a simplificação geométrica, mirada no White on White, e
sonoros, como o silêncio grávido de sons, no 4’33”. No entanto, é possível continuar
escavando o haicai e observar, sob a sua pele, outras fontes das ausências.

3.0.1.2. da tradição haicaísta

No clássico A history of Haiku, Reginald Horace Blyth delineia a dificuldade de saber


a origem do haicai, pois o surgimento deste se confunde com os mitos criacionistas nipônicos.
Ademais, o poemínimo oferece inúmeras possibilidades, variações no tempo, embora o feitio
mais reconhecido por tradições líricas seja a estabelecida pela escola de Matsuo Bashô, a
Shômon (séc. XVII). Mas se for para recortar o cânone a partir das configurações estéticas
bashonianas, cabe informar que o senhor bananeira é herdeiro de muitas tendências que vão se
tramando ao longo dos séculos, como a dialética entre a séria e nobre escola de Teitoku e a
humorada escola Danrin, duas linhagens líricas japonesas sintetizadas no autor de Trilha
estreita ao confim. Avançando, recordo que, antes da cristalização operada neste livro, o
haicai vem se desenvolvendo, passando por tanka, renga e haikai-renga. E, se for para
alongar as fontes, talvez possa ver relações com a poesia chinesa feita durante a Dinastia
Tang. Acontece que chineses como Li Bai – valorizador da espontaneidade e da liberdade
formal – e Du Fu – de tom grave e formalmente preciosista – levam adiante uma antiquíssima
estética que se ampara em uma língua rica foneticamente, cheia de sons fricativos,
monossilábicos, repleta de homófonos, com a métrica amparada pelas redondilhas maior e
menor. Por meio desse conjunto de recursos melopaicos, os escritores chineses desenvolvem
uma lírica de sutilezas fanopaicas, mostrando matizes da natureza, realçando questões da
corrente budista Chan (por assim dizer, o Zen), a meditação, a serenidade e a intensidade, a
iluminação. Muitas dessas prerrogativas são localizáveis em Bashô e Leminski, esses dois
poetas de redondilhas que buscaram sintetizar tanto o capricho de Du Fu e de Teitoku quanto
o relaxo de Li Bai e de Danrin428.

428
Cf. Signos em rotação, de Octavio Paz, bem como a obra de Reginald Horace Blyth. Ambas as produções são
referenciadas pelo brasileiro em Bashô, a lágrima do peixe, a biografia que o samurai malandro faz do japonês.
Em linhas gerais, a biografia está contextualizada na seção As sínteses em outros livros leminskianos destes
Quatro clics em Paulo Leminski. Além desses livros, no que diz respeito à tradição do haicai, estou levando em
conta, sobretudo, apontamentos de Roland Barthes (2005a), Paulo Franchetti (2012) e Roberson de Sousa Nunes
(2016); e, no que diz respeito à poesia chinesa, Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao (2013).
228
Na biografia Bashô, a lágrima do peixe, o polaco loco paca, a seu modo, assinala a
influência da tradição chinesa sobre o nipônico429:

Que via Bashô, quando olhava para trás?


Da China, os filósofos (embora a palavra seja tão grega que não tem sentido
empregá-la para sábios como Confúcio, Lao Tsé, Soshi, Hui-Neng). E os
poetas da dinastia Tang e Sung, Li-Tai-Po e Tu Fu (em japonês, Ritaihaku e
Tohô).430
(...) muitos poemas de Bashô, aparentemente motivados pela natureza,
sendo, no fundo, reminiscências de frondosos estudos da poesia chinesa ou
japonesa do passado.431

O fragmento compreende que as criações de Matsuo Bashô não nascem do nada. Pelo
contrário, o oriental é um grande sintetizador de tendências e, entre as assinaladas, estão
justamente o caprichoso Tu Fu (ou Du Fu, ou Tohô, ou Ritaihaku) e o relaxado Li-Tai-Po (ou
Li Bai). Acontece que o relaxo deste pode ser compreendido como uma expressão nua,
sobretudo se compreendido dentro das modulações que a lírica chinesa assume durante a
Dinastia Tang. A simplicidade formal é visível no gutishi (“estilo antigo”) de Li Bai – escritor
que é traduzido por Ezra Pound e por Haroldo de Campos, dois importantes ícones
intelectuais para Paulo Leminski – e aparece no poeta maior da literatura japonesa, Bashô.
O próprio ex-estranho, nos “rabiscos em direção a uma estética” do haicai, frisa o que
chama de “simplicidade silenciosa”, o wabi. Essa característica está presente no senhor
bananeira, e, de algum modo, é visível nos versos de Li Bai e até mesmo em hajins brasileiros
contemporâneos. Focando as reflexões do curitibano, recordo o texto “Ventos ao vento”,
incluído nos Ensaios e anseios crípticos432. As aproximadamente dez páginas apresentam, no
geral, a cultura nipônica, e, em particular, quesitos fundamentais da estruturação do haicai. O
cachorro louco, por vezes, efetua generalizações muito perigosas, historicizando pouco as
categorias utilizadas, mas aponta traços consideráveis do haicai 433. Assim, quando Leminski
sugere que wabi é um predicado um tanto intrínseco ao gênero, acaba não sinalizando as

429
Na parte As sínteses em outros livros leminskianos, constam análises mais gerais sobre Bashô, a lágrima do
peixe e sobre as outras biografias de Vida.
430
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 95-96.
431
LEMINSKI, Vida, 2013, p. 120.
432
Apontamentos sobre Ensaios e anseios crípticos, em sentido mais amplo, estão presentes no subcapítulo 3.3.
433
Ao discutir o gênero biografia, na seção As sínteses em outros livros leminskianos, problematizo a noção de
gênero a partir de Mikhail Bakhtin (2003).
229
sutilezas que o tempo e as séries históricas literárias podem imprimir. Entretanto, objetivando
a leitura de “enfim, / nu, / como vim”, vale apena observar o que diz o hippie:

WABI
(a simplicidade silenciosa)
“Wabishii” quer dizer, literalmente, “pobre”, “miserável”, “desolado”, “sem
conforto”. (...).
Não se vê muito bem como um conceito derivado dessa área semântica
consiga desempenhar papel importante como princípio de estilo.
Mas “wabi” é um dos conceitos centrais, presente na preocupação dos
praticantes de qualquer arte.
“Wabi”, como substantivo, significa “gosto pelo simples e tranquilo”.
Ao contrário dos chineses, amantes da pompa e do ornamento, do dourado e
do retorcido, o gosto japonês sempre privilegiou o conciso e o desafetado, o
elementar e o mínimo, o (falso) rústico e o quase tosco, palha de arroz e
peixe cru, espadas simples, quase só lâmina. (...).
Exige a recusa lúcida do acréscimo de qualquer elemento meramente
ornamental. A ‘beleza’ deve nascer de dentro da extrema simplicidade, belo
é o gesto contido, que tira beleza de sua tão só eficácia nua.
Para nós, ocidentais modernos, a essencialidade do “wabi” lembra a
concisão funcional da Bauhaus, com seus “designs” sintéticos, despojados,
beleza derivada da escrita funcionalidade do objeto, a beleza nascendo da
limpa eficácia da função.434

Que o leitor perdoe a citação cheia de camadas utilizada para falar do que é nu. Porém,
ela consegue dimensionar o prestígio da simplicidade estética no marqueteiro hippie. Logo no
início, é mirada a relação do haicai, via wabi, com o “pobre”, “miserável”, “sem conforto”.
Além disso, é destacado o fato de a “eficácia nua” desempenhar um importante papel
enquanto princípio do estilo haicaísta. Como focalizado, aqui o curitibano procura
universalizar demais um aspecto, chegando a elevar o “wabi” a uma preocupação “de
qualquer arte”. Aliás, também há generalização leminskiana ao opor o chinês e o japonês,
uma vez que, consoante ao já problematizado, a simplicidade de Li Bai contrasta com a
sofisticação de Du Fu. De todo modo, embora o caprichoso relaxado possa cair em equívocos
devido à abrangência que procura atribuir ao wabi, a interpretação que o escritor faz da
tradição ajuda a dimensionar o status dessa noção de “pobreza” para o gênero ao qual o poeta
se dedica. Em específico, a forma nua chega até a elaboração de “enfim, / nu, / como vim”;
afinal, cabe decifrar o poema pensando no fato de o sujeito-lírico proclamar que chegou, sem
as vestes, pobre, miserável, sem o conforto das roupas, tal como veio de um cânone
valorizador do wabi e capaz de lembrar a Bauhaus.

434
LEMISNKI, 2012, p. 373-374.
230
3.0.1.3. da tradição franciscana

A aproximação de noções diferentes e semelhantes – nu, wabi, pobre, simples – ajuda


a ouvir outros silêncios. No que diz respeito ao horizonte haicaísta de Paulo Leminski, na
biografia Bashô, a lágrima do peixe é citado um poema de Alice Ruiz; os versos em questão
se mostram extremamente importantes na elaboração do livro, uma vez que deles é retirado o
título da obra presente em Vida.

Francisco conseguia
entender
o que a ave dizia

Bashô enxergava
a lágrima
no olho do peixe435

Na medida em que o ex-estranho traz para sua produção o paralelo sintetizado por sua ex-
esposa, a aproximação é, benjaminianamente, leminskiana. Um tanto japonês, à moda dos
hajins, e um tanto italiano, à moda de Dante, o poema de Alice Ruiz é formado por dois
tercetos. E abre cada uma das duas estrofes uma personagem. A justaposição é traçada,
também no plano rítmico, uma vez que os termos ocupam lugares similares dentro das cadeias
sonoras construídas. São Francisco de Assis e Matsuo Bashô são relativamente semelhantes
dentro do imaginário do ex-seminarista. O santo cristão, cheio de zen, consegue entender o
que diz a ave, em uma possível alusão à pregação que o padroeiro dos animais faz aos
pássaros; o poeta natural de Tóquio, cheio do olhar ecológico franciscano, enxerga a lágrima
no olho do peixe436. As duas figuras históricas estão em profundo diálogo.
Francisco, Bashô e Leminski são três modos de pensar uma estética comparável: a
pobreza, o wabi, a nudez. Retomando outro texto do brasileiro, rememoro, nos Ensaios e
anseios crípticos, o debate feito em “Ler uma cidade: o alfabeto das ruínas”. O escrito
começa, em tom bastante lírico, elogiando os destroços, abordando ruas da capital paranaense
e espaços globais, e termina com os poemas “curitibas” e “claro calar sobre uma cidade sem
ruínas”. Entre os pontos levantados, apresenta a seção “Ruínas minhas de S. Francisco”.

435
RUIZ, apud LEMINSKI, 2013, p. 94.
436
Sobre a relação de São Francisco com os pássaros e outros animais, cf., p. ex., a Segunda Vida de São
Francisco, de Frei Tomás de Celano, p. 403-408.
231
Nestas ponderações acerca de sua (“minha”) suposta igreja franciscana não concluída,
presente na cidade de Curitiba, o autor de Jesus a. C. reflete:

Ruínas, ruínas da minha terra, qual de vós se compararia às franciscanas


pedras pardas do que, um dia, ia ser a igreja, mais uma igreja, dedicada ao
“poverello” de Assis?
(...)
Nunca houve uma igreja de S. Francisco naquele lugar.
Nossas são as ruínas que já nasceram ruínas.
Os franciscanos planejaram assim.
Um dia, o superior da Ordem chamou os irmãos e, dentro do espírito zen
daquele que, um dia, chamou de irmãos o Sol, a Lua, a Cinza e até a Morte,
aquele que, rico filho de um mercador, desprezou todos os bens do mundo e
afirmou a primazia do Ser sobre o Ter, o superior da ordem falou e disse:437

E então é relatado o evento da edificação de escombros, um templo planejado para não passar
das primeiras etapas.

E assim se fez.
E, assim, lá estão no Alto de S. Francisco as ruínas da igreja que poderia ter
sido mas não foi. Monumento sobranceiro a todas as nossas frustrações,
nossos fracassos, nossas pequenas derrotas, obelisco gritando a falência de
todos os nossos grandes sonhos.438

O trecho dedicado ao assunto é longo, por isso me permito os recortes, um dispositivo para
erguer ruínas textuais. Logo no começo, o ex-seminarista contextualiza a criação de uma
capela inconclusa, propositalmente inconclusa, e dedicada a São Francisco de Assis. Merece
atenção a intimidade com que o ex-oblato trata o santo. O italiano é denominado o
“poverello”, o “pobrezinho”. É aquele que chamou de irmãos o Sol, a Lua, a Cinza e até a
Morte, o que traz para o debate leminskiano a referência direta ao “Cântico ao Irmão Sol”,
poema feito pelo assisense439. Este é o homem que abandona as riquezas paternas e todos os
bens do mundo, segundo ressaltam, por exemplo, os primeiros biógrafos oficiais, Tomás de
Celano e São Boaventura440. Nas suas notas, Leminski, ao passear por informações das fontes
franciscanas, mostra estar ciente de importantes matérias da vida do mendicante, sobretudo de
um aspecto, um tanto zen, fundamental no carisma do “poverello”: o pauperismo, o

437
LEMINSKI, 2012, p. 172-173.
438
LEMINSKI, 2012, p. 173.
439
Cf. SÃO FRANCISCO DE ASSIS, 2014, p. 104-105.
440
Cf. as Fontes Franciscanas e Clarianas. P. ex., na “Introdução” é lembrado que “as obras de Tomás de
Celano e de São Boaventura foram escritas respectivamente por mandato do papa e do Capítulo geral” (p. 43).
232
despojamento, a simplicidade, algo decisivo para a leitura do haicai “enfim, / nu, / como
vim”.
De todo o percurso de vida do religioso europeu, atento para um episódio. No ensaio
“Ler uma cidade: o alfabeto das ruínas”, o escritor lembra “aquele que, rico filho de um
mercador, desprezou todos os bens do mundo e afirmou a primazia do Ser sobre o Ter”. Essa
ênfase, dada pelo poeta brasileiro, está, de algum modo, remetendo a uma cena crucial na
trajetória do pobrezinho, uma vez que a frase leminskiana aproxima elementos como “rico
filho de um mercador” e o desprezo pelos bens do mundo. Há um florilégio específico no qual
o santo despreza os bens diante de Pietro Bernardone, o seu pai terreno. O momento em que,
ficando pelado diante do bispo, troca o pai pelo Pai. O evento é relatado por inúmeras fontes,
entre as quais estão a Primeira e a Segunda vida de São Francisco, ambas de Frei Tomás de
Celano; a Vida de São Francisco, de Juliano Espira; a Legenda dos três companheiros; e a
Legenda maior de São Francisco, de São Boaventura441. Esta última assim narra a cena:

Em seguida, o pai da carne tentava conduzir o filho da graça, já despojado


do dinheiro, à presença do bispo da cidade para que, nas mãos deste,
renunciasse aos bens paternos e devolvesse tudo que tinha. O verdadeiro
amante da pobreza, pronto para fazer isto, apresentou-se e, chegando diante
do bispo, não suporta delongas nem hesita a respeito de qualquer coisa, não
aguarda nem diz palavra; mas imediatamente, tendo despojado todas as
vestes, devolve-as ao pai. Descobriu-se, então, que o homem de Deus tinha
um cilício junto à carne sob as vestes elegantes. Além disso, ébrio no espírito
por admirável fervor, tendo abandonado até os calções, desnuda-se
totalmente diante de todos, dizendo ao pai: “Até agora te chamei de pai
sobre a terra, a partir de agora, porém, posso dizer com segurança: Pai nosso
que estais nos céus (Mt 6,9), junto a quem guardei todo [meu] tesouro e
coloquei toda a fé e esperança.

É certo que a personagem não diz “enfim, / nu, / como vim”, o que tornaria demasiadamente
óbvia a relação entre a tópica franciscana e o poema leminskiano (enquanto o que estou
procurando é ler um silêncio, um zero). Ainda assim, a nudez, na qualidade de gesto
pauperístico, aparece em ambos os escritos. O acima narrado acontece em uma oportunidade
em que o filho de comerciante já está “despojado do dinheiro”, desinteressado pelas riquezas
familiares, o que causa furor no pai e o faz levar o filho à presença do bispo. Diante do
superior, “O verdadeiro amante da pobreza” é mais radical e promulga que “Até agora te

441
Cf. CELANO, 2014a, p. 207-208; CELANO, 2014b, p. 309; ESPIRA, 2014, p. 510; a Legenda dos três
companheiros, 2014, p. 804; e SÃO BOAVENTURA, 2014, p. 560. Uma introdução aos debates sobre tais
fontes pode ser vista no texto dos freis Ary Estevão Pintarelli OFM, José Carlos Correa Pedroso OFMCap e
Celso Márcio Teixeira OFM (2014).
233
chamei de pai sobre a terra, a partir de agora, [enfim, nu, como vim], posso dizer com
segurança: Pai nosso que estais nos céus”.
Avançando na reflexão, a questão da nudez/pobreza, na literatura franciscana do
século XIII, é um item não apenas temático, mas problematizado formalmente. Isso também
ocorre na principal biografia desenvolvida por São Boaventura, o livro supracitado. Observo
um fragmento presente logo no começo da obra, um excerto de sofisticada autoconsciência
textual:

Portanto, para que a verdade da vida dele a ser transmitida aos pósteros me
contasse mais certa e clara, dirigindo-me ao lugar de origem, de vida e de
morte do santo homem, tive um colóquio sobre estas coisas com os
companheiros dele que ainda sobreviviam e principalmente com alguns que
foram testemunhas e principais seguidores da santidade dele, aos quais se
deve prestar fé indubitável por causa da reconhecida veracidade e de
comprovada virtude. – E, na descrição daquelas coisas que Deus se dignou
realizar por meio de seu servo, julguei que se devia evitar o ornamento
rebuscado de estilo, já que a devoção do leitor progride mais com linguagem
simples do que com linguagem florida.442

Para falar do “verdadeiro amante da pobreza”, São Boaventura escolhe “evitar o ornamento
rebuscado de estilo”, criando, assim, uma homologia entre o objeto narrado e o modo de
narrar. Essa espécie de “linguagem simples” configura uma tópica da literatura franciscana. E
não apenas nos biógrafos, como também nos escritos do próprio São Francisco. O assisense,
durante sua vida convertida, produz diversos textos. Em alguns casos, são produções orais
anotadas por seguidores; e constam obras redigidas de próprio punho, as quais costumam
possuir breve extensão e elementos gramaticais pouco sofisticados. Relaxos que evidenciam o
capricho com o rebaixamento. Para se ter ideia dos recursos capazes de expressar formas
simples, convém notar que, nas Admoestações, feitas em poucas linhas, há um constante apelo
à pauperidade443. No “Cântico ao irmão sol”, a água é tratada como humilde, além de o poema
terminar transcrevendo, em sinal de respeito, um trecho bíblico em que é pedido “Louvai e
bendizei ao meu Senhor (cf. Dn 3, 85), / e rendei-lhe graças e servi-o com grande
humildade”444. Nas Cartas, é visível a maneira como o poverello se apresenta: “Frei
Francisco, homem desprezível e frágil, vosso pequenino servo”445.

442
SÃO BOAVENTURA, 2014, p. 553.
443
Nas Fontes Franciscanas e Clarianas, cf. as Admoestações de número XIV, XVII, XIX, XXIII.
444
SÃO FRANCISCO DE ASSIS, 2014, p. 105.

234
Capaz de assumir diferentes ajustes e estar presente nos escritos do santo e nas
biografias sobre ele, a tópica da pobreza franciscana chega a certa literatura brasileira do
século XX e alcança o “enfim, / nu, / como vim”, de Paulo Leminski. No Brasil, a relação da
poesia lírica com o autor do “Cântico do irmão sol” é longa e profunda 446. Desde o Período
Colonial até nossos dias, há liras que citam o frade menor, variando, ao longo do tempo, os
gêneros textuais e os enfoques de abordagem, contudo sendo recorrente a questão da pobreza.
Assim, cabe lembrar o fato de ele aparecer desde, pelo menos, José de Anchieta, que redige a
“Carta da Companhia de Jesus para o seráfico São Francisco”447. Manuel Botelho de Oliveira,
por sua vez, faz sonetos dedicados a vários santos, e um desses textos se volta às chagas
recebidas pelo estigmatizado do Monte Alverne, além de compor trinta oitavas “A São
Francisco”448. Já no século XIX, recordo o primeiro poema da “Segunda parte” de Lira dos
vinte anos. Sarcástico, Álvares de Azevedo está parodiando a parábola do bom samaritano e
faz passar por “Um cadáver de poeta” três comitivas: uma da realeza, uma clériga e uma de
enamorados. Ao caracterizar a segunda comitiva, à qual falta justamente a pobreza, são
mencionados “os corcéis de S. Francisco”, de modo a deixar mais irônica a condição opulenta
dos seguidores de Cristo449. Adiante, no Parnasianismo, outro aspecto franciscano é também
convocado por Humberto de Campos, em “O apóstolo das aves”: a relação com os animais,
mas sem perder de vista o foco na humildade450.
Quando chega o século XX, o santo italiano se torna um tópico muito recorrente na
poesia brasileira. Não parece ocasional a relevância do religioso na época em que Bauhaus,
música minimalista e haicai estão em evidência. No contexto modernista, a presença do frei é
muito forte na geração de 1930. Por exemplo, Drummond, em Claro enigma, se sente menor
diante do frontispício da suntuosa igreja de São Francisco, uma das “Estampas de Vila
Rica”451. Mais tardiamente, o itabirano cria o “Ultratelex a Francisco”, presente no Discurso

445
SÃO FRANCISCO DE ASSIS, 2014, p. 121. Cf. também as p. Cf. p. 109, 110, 113, 119, 121, 125. Além
desses exemplos, para maior contextualização da literatura franciscana do século XIII, cf. o ensaio de Andréa
Cristina Lopes Frazão da Silva (2009). Ademais, cf. Jacques Le Goff (2001).
446
Ao sinalizar alguns textos da tradição lírica brasileira, levo em conta as considerações de Sérgio Alves
Peixoto (2009), mas passo por obras não sinalizadas pelo professor.
447
ANCHIETA, 1989, p. 434-436.
448
BOTELHO DE OLIVEIRA, 2005, p. 307 e 331-341. Cf. também a edição fac-similar de 2005.
449
Cf. AZEVEDO, 2000, p. 192-202. Em Uma lira de duas cordas, faço uma leitura mais extensa do poema
“Um cadáver de poeta”.
450
Cf. CAMPOS, 1983, p. 254-257.

235
de primavera. Nos versos humildes – de forma oral, cotidiana – o eu-lírico conduz uma
conversa com o canonizado católico452. Também com estética menor, Cecília Meireles escreve
o seu Pequeno Oratório de Santa Clara, cujo título e extensão modesta dão prosseguimento à
noção de simplicidade. Nesse sentido, logo no começo do oratório, a poeta apresenta o
fundador das Clarissas. Ele está convidando Clara para uma vida de luxos ausentes e “Fala
com Dona Pobreza, / o homem que na noite passa”453. Quanto a Murilo Mendes, ele destaca o
pauperismo do homem “pobre da coisa perecível”, como é dito em uma espécie de rápido
poema em prosa que consta no Retrato-Relâmpago, livro de caracterizações elaboradas e
linhas breves454. Por fim, nessa geração vinculada aos anos 1930, Vinícius de Moraes. O
poetinha, em momento popular na tradição, aproxima do poverello e escreve o seu “São
Francisco”, usando metros “menores”, o pentassílabo e o quadrissílabo, além de costurar
rimas pobres:

Lá vai São Francisco


Pelo caminho
De pé descalço
Tão pobrezinho
Dormindo à noite
Junto ao moinho
Bebendo a água
Do ribeirinho.455

Após a geração de 1930, outros autores da literatura novecentista brasileira trazem


para suas obras a referência ao frade. Lembro nomes como Francisco Alvim e Mário Alex
Rosa, artistas vivos que se interessam, cada um a seu modo, por estetizações da simplicidade,
ao tecerem líricas sobre o santo456. No entanto, é preciso voltar e dar atenção especial ao
desvestimento de um poeta que influenciou Carlos Drummond, Cecília Meireles, Murilo
Mendes, Vinícius de Moraes, Francisco Alvim, Mário Alex Rosa e Paulo Leminski: Manuel
Bandeira. O São João Batista do Modernismo elabora um estilo humilde na configuração de
sua poética, em profundo diálogo com o cânone franciscano, e anunciando de maneira

451
DRUMMOND, 2002, p. 276.
452
DRUMMOND, 2002, p. 842-843.
453
MEIRELES, 1997, volume 2, p. 193.
454
MENDES, 1994, p. 1201.
455
MORAES, 1986, p. 365.
456
Cf., p. ex., ALVIM, 2004, p. 261; ROSA, 2012, p. 33.
236
decisiva a “minoridade” na lírica novecentista brasileira457. O autor de Estrela da manhã, ao
longo de seu percurso, vai se afastando um pouco de uma estética parnasiana e simbolista,
mas sem perder por completo essas tônicas, e traça um itinerário em que o tom grandiloquente
cede espaço. Prefere o escritor observar pequenas imagens como um beco, e não elementos
grandiosos como a Baía da Guanabara ou a exuberante paisagem carioca. O lírico refinado
chega a traduzir a oração atribuída a São Francisco de Assis 458. Faz também uma “Oração
para aviadores”, invocando Santa Clara e pedindo que seja afastado todo o risco de voo “Por
amor de S. Francisco, / Vosso mestre, nosso pai”459. Ademais, em seu “Testamento” o
pernambucano declara: “Sou poeta menor, perdoai!”460, sinalizando a forma humilde e
utilizando a palavra que marca a ordem primeira fundada pelo Poverello: a Ordem dos Frades
Menores.
O pai de Estrela Ruiz Leminski é leitor de Estrela da vida inteira e compreende, ao
que tudo indica, a relação entre as formas bandeiriana, franciscana e zen, a multiforme ideia
de pobre nudez, cristalizada em todos esses imaginários. No discutido “Ler uma cidade: o
alfabeto das ruínas”, texto que enfatiza a pobreza do santo cheio de “espírito zen”, o ex-
seminarista faz aproximação entre o frade menor e o poeta menor, especialmente ao elevar um
discurso sobre o que chama de “minha” igreja. O autor de Jesus a. C., de acordo com o já
mencionado, diz: “E, assim, lá estão no Alto de S. Francisco as ruínas da igreja que poderia
ter sido mas não foi”. A frase retirada de Ensaios e anseios crípticos traça uma
intertextualidade decisiva, alude ao segundo verso do poema “Pneumotórax”, de Manuel
Bandeira: “A vida inteira que podia ter sido e que não foi”461. Uma das mais famosas linhas
da literatura brasileira novecentista, o verso bandeiriano apresenta certo lamento, algum
desamparo do sujeito-lírico. Paulo Leminski, no alto de um escrito sobre a “sua” igreja
franciscana, grava Bandeira e evidencia a humilde ruína. Com esse gesto, aproxima universos
que podem parecer muito distantes, todos eles revestidos pela ampla perspectiva de nudez
formal.

457
O debate sobre o estilo humilde bandeiriano marca todo o Humildade, paixão e morte, de Davi Arrigucci Jr.,
como se nota, p. ex., nas p. 15, 48, 53, 85, 125, 128-132, 135, 140, 166-167, 260, 271 e 274-275.
458
Cf. BANDEIRA, 1993, p. 357.
459
Cf. BANDEIRA, 1993, p. 224.
460
Cf. BANDEIRA, 1993, p. 182.
461
Cf. BANDEIRA, 1993, p. 128. O poema é lembrado como um de Os cem melhores poemas brasileiros do
século, de acordo com a antologia de Italo Moriconi (2001, p. 57).
237
3.0.0. As roupas do poema nu

Voltando ao “enfim, / nu, / como vim”, há aqui a forma nua, humilde, pobre, repleta
de wabi. Estrofe menor, terceto; metro breve, apenas seis sílabas; rima que se assemelha ao
diminutivo. Esse texto pertence ao século XX, época em que tanto as artes visuais quanto a
música tendem a simplificações, geometrismos e silêncios, enfoques que, de algum modo,
conversam com esse poema de pequena extensão visual e pouca duração nos ouvidos.
Especificamente, se trata de um haicai, gênero marcado pela simplicidade silenciosa, faceta
fundamental na poética de Matsuo Bashô, o mais importante hajin, autor biografado por Paulo
Leminski e por este aproximado de São Francisco. Assim, é possível chegar à literatura
franciscana, a qual também configura uma forma humilde de escrever, espécie de contensão
que muito lembra o wabi haicaísta e a nudez novecentista. A forma humilde é abundante no
Modernismo brasileiro, este que é, de algum modo, anunciado e aberto pelo São João Batista,
poeta menor, Manuel Bandeira, autor citado por Leminski para caracterizar a paupérrima
igreja fransciscana. A pobreza, a vida seca tão marcante no século XX, não é somente tema
econômico, consciência de classe, mas também vida religiosa. Enfim, em função do terceto
aqui enfatizado, todo esse itinerário pode ser arquitetado. Enfim, o haicai está nu, como veio
de várias tradições.
Apesar de todo esse percurso, sempre se pode olhar para a obra e, tal e qual a criança
do conto de Hans Christian Andersen, dizer: o poema está nu! O tecido lido sobre sua pele,
quiçá uma enganação de um forjado alfaiate. Vestes transparentes cerzidas por relaxadas
linhas ficcionais; o crítico talvez esteja tramando notícias falsas, elaborando um ensaio
dissimulado. Tudo para convencer leitores de que a carne despida está coberta por um pano
que só os supostos inteligentes podem ver: o hábito franciscano. Todavia, nos novecentos,
diante da simplificação extrema dos objetos de arte, ganha cada vez mais crédito o que é
tecido em torno da nudez estética. Por isso, se faz necessário sim recuperar os rastros, rever os
arranhões que o escritor deixa em outros corpos. O terceto está desvestido, porém essa
ausência é consciente e, a respeito dela, o hippie costura aproximações aqui e ali, retalhos de
talvez uma trama fantasma capaz de assombrar com vivacidade. Olhando apenas o “enfim, /
nu, / como vim”, ou mesmo o mictório de Marcel Duchamp, o receptor, às vezes, fica com a
ideia de que no objeto não há nada; mas, compreendendo os paratextos em torno da obra, é
possível dimensionar diversos sentidos que a ela o artista atribui.
Os arquivos também são o poema.

238
Referências bibliográficas

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294
Anexo:
Carta 9

295
Figura 17

296
Figura 18

297
Figura 19

298
Figura 20

299
Figura 21

300
Figura 22

301

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