Tese - Versão Final Entrega Secretaria UFF
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NITERÓI-RJ
2016
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Orientadora:
NITERÓI-RJ
2016
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BANCA EXAMINADORA
NITERÓI-RJ
2016
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AGRADECIMENTOS
À minha família, pelo apoio incondicional, especialmente Cristina e Thiago, cujo incentivo
vem desde a primeira viagem ao Rio, para a prova de seleção, há quatro anos.
À professora Beth Chaves, pela acolhida tão generosa e pela oportunidade de desenvolver
minhas leituras, sob sua supervisão amável e encorajadora.
Aos professores André Dias e Lúcia Helena (UFF), pelas aulas que expandiram ideias e
reafirmaram, para mim, como ler literatura.
Ao professor Carlos Reis, pelo aceite na Universidade de Coimbra, onde pude redescobrir
Eça, explorando o universo português. Também pelos vários livros, gentilmente cedidos, que
alargaram minha percepção.
À amiga-irmã, Alice Riberto cujos cuidados e companheirismo irrestrito fizeram dos meses,
vividos em Niterói, uma fase que inspira saudade. Destaco também, nesse período, o convívio
feliz com Sofia, Olívia e Ibsen.
RESUMO
Este trabalho investiga como a construção de personagens leitoras, nas narrativas de Eça e
Machado, configura-se como um expediente de criação literária que elucida a composição dos
agentes ficcionais. Mediante as escolhas e modos pelos quais desempenham suas leituras, as
personagens revelam-se, pois sobressaem seus temperamentos, constituição moral,
preferências. Observam-se também, nos movimentos das personagens, diferentes acepções
para o ato de ler, considerando desde a leitura interpretativa de textos literários, como também
as leituras de mundo, de ambientes e até mesmo de comportamentos e expressões. A fim de
delimitar uma base teórica, foram destacados os elementos que compõem o foco de discussão:
leitura, personagem, compreensão do literário, mediante abordagens de Jouve, Iser, Eco, além
das contribuições de leitores críticos de Eça e Machado, como Reis e Bosi, respectivamente.
Na observação e análise da relação que as personagens mantêm com a leitura e do modo
como tal aspecto interfere no desenvolvimento das narrativas, destaca-se também a figura do
leitor real, como elemento central, cuja participação no desvendar das obras constitui-se
também como atividade de criação literária.
Palavras-chave: leitura, personagem, literatura.
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ABSTRACT
This work investigates how the construction of reading characters, in the narratives
of Eça and Machado, is configured as a literary creation expedient that elucidates
the composition of the fictional agents. Through the choices and ways by which
they perform their readings, the characters reveal themselves, for their
temperaments, moral constitution and preferences stand out. There are also, in the
actions of the characters, different meanings for reading, considering from the
interpretative reading of literary texts, as well as the readings of the world, of
environments and even of behaviors and expressions. In order to delimit a
theoretical basis, elements that make up the discussion focus were highlighted:
reading, character, literary comprehension, using approaches by Jouve, Iser, Eco, as
well as the contributions of critical readers of Eça and Machado, such as Reis and
Bosi, respectively. In the observation and analysis of the relation that the characters
maintain with the reading and of how this aspect interferes in the development of
the narratives, the figure of the real reader is also emphasized, as central element,
whose participation in the unveiling of the works constitutes also as literary
creation activity.
RESUMEN
Este trabajo investiga cómo la construcción de personajes lectores, en las narrativas de Eça y
Machado, se configura como un expediente de creación literaria que elucida la composición
de los agentes ficcionales. Frente a las elecciones y modos por los cuales desempeñan sus
lecturas, los personajes se revelan, pues sobresalen sus temperamentos, constitución moral,
preferencias. Se observan también, en los movimientos de los personajes, distintas acepciones
para el acto de leer, considerando desde la lectura interpretativa de textos literarios, así como
las lecturas del mundo, de ambientes e incluso de comportamientos y expresiones. A fin de
delimitar una base teórica, se destacaron los elementos que componen el foco de discusión:
lectura, personaje, comprensión de lo literario, mediante abordajes de Jouve, Iser, Eco,
además de los aportes de lectores críticos de Eça y Machado, como Reis y Bosi,
respectivamente. En la observación y análisis de la relación que los personajes mantienen con
la lectura y del modo cómo tal aspecto interfiere en el desarrollo de las narrativas, se destaca
también la figura del lector real, como elemento central, cuya participación en el desvendar de
las obras se constituye también como actividad de creación literaria.
Palabras-llave: lectura, personaje, literatura.
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SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................1
Conclusão.............................................................................................................156
Referências...........................................................................................................165
1
Introdução
Ainda no quarto capítulo, com base nos romances Esaú e Jacó e A ilustre casa
de Ramires, enfatizam-se, respectivamente, as imprecisões nos relatos e as diferentes
versões para um mesmo fato, para demonstrar de que maneira é incitada a participação
do leitor real, na elucidação dos eventos inscritos nas obras. Como expõe Compagnon
(2012), “escritura e leitura coincidem: a leitura será uma escritura, da mesma forma que
a escritura era uma leitura” (p. 142). De outro modo: o processo criativo origina-se de
leituras amplas, a obra literária, por sua vez, pressupõe o ato de ler e este se constitui
também como um ato de criação, um “entendimento produtivo [...], a realização de um
novo potencial do texto, uma visão diferente dele” (EAGLETON, 2006, p. 109). A
leitura, portanto, revela-se como coautoria, uma vez que requer a intervenção do
receptor, na construção de sentidos.
seres; e ainda, para além da realidade ficcional, uma vez que a leitura literária favorece
ao receptor o desenvolvimento, com certa independência, de uma pluralidade de
leituras.
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não mais rechaçar em absoluto as leituras romanescas, mas eleger aquelas de fundo
moral, engajando-se assim no moderno cenário repleto de formas impressas, “sob pena
de suicídio” (PAIVA, 1999, p. 418). Em um momento histórico marcado pelo
materialismo e pelas teorias científicas, a cultura não poderia mais se ordenar ao redor
apenas da crença religiosa, do dogma católico. Por isso, permitia-se a leitura, mas, era
imperativa a necessidade de se fazer uma triagem das obras, a fim de assegurar a
propagação da fé e a própria manutenção do poderio da Igreja.
O alvo dessas exortações era o público feminino, que representava grande parte
dos consumidores de romances. Ao mesmo tempo, havia uma preocupação com o que
era lido pela mulher porque cabia a ela a responsabilidade de zelar pela moralidade da
família, mediante a educação dos filhos. Quanto mais a estrutura romanesca se
desenvolvia e abria margem à inserção de temas variados – e até ousados para a época –
mais as obras representavam um risco, uma afronta a valores morais solidificados.
Convém, nesse sentido, expor as ressalvas feitas por Rosenfeld (1998) sobre o
fato de que a noção a respeito de um ser, construída por outro ser, será sempre
incompleta, fragmentada, afinal, “os seres são, por sua natureza, misteriosos,
inesperados.” (p. 56). Muitas vezes as ideias acerca de alguém têm origem em dados
superficiais, a exemplo de afirmações por ele proferidas, atos, breves informações
concedidas, a partir dos quais é elaborada uma caracterização, uma imagem ou mesmo
um juízo de valor sobre o indivíduo em questão. No tocante às narrativas, uma cena, um
comentário, um comportamento ou mesmo o "auxílio" do narrador, ao fazer uma
digressão ou avaliação de uma personagem, incita que se crie determinada impressão a
respeito dela. Mas, tal ideia não é definitiva, haverá, na leitura, sempre uma busca por
algo a se decifrar. Ao apresentar os fatos, dificilmente o narrador o fará de modo isento,
mas, ao contrário, deixará vestígios e enfocará aspectos que poderão influenciar o leitor
a acatar e aceitar, como se fossem suas, as formulações que na verdade vêm daquele que
conduz o fio narrativo.
[...] considerava D. Galateia como uma “beleza”. E por aquele nome literário,
pelo que sabia do seu amor por romances, do seu talento no piano, viera a
conceber uma mulher de olhos tristes e alma impressionável, sofrendo da
existência mesquinha da aldeia e desejando um amor. (QUEIRÓS, 1992, p.
127).
11
Ele esboça um perfil para a mulher e vai reunindo características com base em
algumas informações, que já possuía a seu respeito, mas também por atribuir, ao seu
nome, um ideal de beleza. É provável que tenha associado tal figura feminina à
personagem da mitologia grega, de mesmo nome, muito embora tenha mudado
drasticamente a referência, assim que a viu de fato: “atravessara o largo em chinelos,
com fitas verdes no cabelo, um cartucho de rebuçados na mão – e a sua conversa sobre
o leite da ama [...] e a canastra de marmelo que comprara, nesta tarde, revoltou Artur,
que a considerou uma vaca”. (QUEIRÓS, 1992, p. 127, grifo do autor). O aspecto físico
e o teor da conversa eram os critérios para a avaliação e enquadramento pejorativo da
personagem.
Observa-se, ainda, nessa relação entre nome e atributo físico, o contraste entre as
personagens Joãozinho Coutinho e Adrião – do conto No moinho (1902), de Eça.
Aquele que carrega um duplo diminutivo no nome é enfermo, vive acamado, aos
cuidados da esposa: “[...] e mesmo na vila tinha-se lamentado que aquele lindo rosto de
Virgem Maria, aquela figura de fada, fosse pertencer ao Joãozinho Coutinho, que desde
rapaz fora sempre entrevado”. (QUEIRÓS, 1951, p. 17). Já Adrião parece carregar no
nome uma expressão de vivacidade e disposição, sugeridas pela forma aumentativa,
harmônica à descrição que ele possuía: “sua fama, que chegara até à vila, num vago de
legenda, apresentava-o como uma personalidade interessante, um herói de Lisboa,
amado das fidalgas, impetuoso e brilhante [...]”. (QUEIRÓS, 1951, p. 18). Instaurava-
se, portanto, uma nítida assimetria entre as personagens que, inclusive, influenciará a
mudança de comportamento da esposa de Coutinho, atraída por uma imagem avessa à
figura masculina com quem convivia. O texto sugere a discrepância entre os homens,
exatamente pelo nome atribuído a cada um.
referência social que a definia e é o adjetivo que passa a ter a função de nomear: “O
fidalgo arremessou a toalha, limpou pensativamente as unhas”. (QUEIRÓS, 2010, p.
101, grifo meu). A carga semântica dos nomes por vezes auxilia a composição dos
agentes ficcionais, revestindo-os de informações que sinalizam, para o leitor real,
elementos importantes que auxiliarão na compreensão da obra.
Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe
dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom
veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. [...] também não achei
melhor título para minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro,
vai este mesmo. (ASSIS, 1995, p. 13)
[...] era uma loura, de perfil fino, a pele ebúrnea, e os olhos escuros de um
tom de violeta, a que as pestanas longas escureciam mais o brilho sombrio e
doce. Morava ao fim da estrada, numa casa azul de três sacadas; e era, para a
gente que às tardes ia fazer o giro até ao moinho, um encanto sempre novo
vê-la por trás da vidraça, entre as cortinas de cassa, curvada sobre a sua
costura, vestida de preto, recolhida e séria. Poucas vezes saía. (QUEIRÓS,
1951, p.17)
atitudes possam causar alguma surpresa ao leitor, são fundamentadas nas referências
encontradas na narrativa, numa relação de causa e consequência.
Em Machado, porém, a busca por decifrar a personagem é tarefa que exige ainda
mais do receptor, pois a configuração sinuosa e as ambiguidades, que sugerem uma
relativização do caráter, são aspectos marcantes na edificação dos seres ficcionais,
especialmente no que se refere a perfis femininos. Observe-se o caso de Marocas, do
conto Singular ocorrência (1884):
Convém destacar a observação feita por Vieira (2008) quando aponta que, no
romance, como há um amplo espaço narrativo que favorece a caracterização e o
entrecruzamento das personagens, cria-se uma ilusão referencial, não comparável à
novela ou ao conto, por exemplo. E no caso dos romances realistas, esse “efeito
ficcional da realidade” (VIEIRA, 2008, p. 538) é ainda mais marcante. Essa acepção
dialoga com aquela proposta por Barthes (2004) que, ao analisar o realismo literário do
século XIX, precisamente através da obra de Flaubert, destaca o emprego de recursos
descritivos na narrativa e afirma que “há ruptura entre a verossimilhança antiga e o
realismo moderno; mas por isso mesmo também, nasce uma nova verossimilhança, que
é precisamente o realismo (entenda-se todo discurso que aceita enunciações só
creditadas pelo referente)”. (p. 189). Referindo-se ao romance Madame Bovary (1857),
Barthes (2004) salienta que os pormenores contidos nas descrições do texto não têm um
emprego aleatório, mas possuem uma finalidade estética. Cria-se um “efeito de real” (p.
190) quando uma cena, um objeto ou um detalhe são apresentados ao leitor sob
determinados artifícios que sugerem uma mescla com o mundo real, como se “a
exatidão do referente, superior ou indiferente a qualquer outra função, ordenasse e
justificasse sozinha, aparentemente, descrevê-lo” (p. 186). Ainda que certos móveis ou
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utensílios de um cenário sejam úteis como indícios, por exemplo, de um padrão burguês
das personagens, observam-se, na literatura realista, muitas descrições que somente se
apresentam para sugerir esteticamente um efeito de real, inclusive no tocante à
pormenorização dos aspectos físicos dos indivíduos ali retratados.
No que se refere ao detalhamento dos espaços bem como dos traços físicos das
personagens, nota-se que tal aspecto foi duramente combatido por Machado de Assis,
na célebre crítica ao romance O primo Basílio (1878): “Porque a nova poética é isto, e
só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se
compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha” (ASSIS, 1994, p. 82). Para o
escritor brasileiro, naquele momento de sua trajetória literária, o desenvolvimento do
enredo deveria estar embasado nas motivações interiores das personagens, o que, por
sua vez, resultaria em ações coerentes com os modos de ser dos indivíduos que se
movimentam no enredo. Em outros termos, em vez da valorização do panorama exterior
como principal responsável pelo desencadear de fatos e comportamentos, estes
deveriam atrelar-se ao universo íntimo da personagem. É o que justifica a classificação
de Luísa como um títere, por deixar-se conduzir ora por Basílio, ora pela criada Juliana:
“Repito, é um títere; não quero dizer que não tenha nervos e músculos; não tem mesmo
outra coisa; não lhe peçam paixões nem remorsos; menos ainda consciência”. (ASSIS,
1994, p. 83).
Por outro lado, nas entrelinhas da crítica machadiana, vê-se uma preocupação
com os possíveis efeitos que a influência da criação realista/naturalista de Eça poderia
causar na literatura brasileira, uma vez que era eleita naquela ocasião, por Machado, a
obra O Guarani (1857), de Alencar, como referência literária no Brasil, além de textos
de Garret e Herculano, em Portugal. O próprio Machado acaba por descortinar que a sua
censura é muito mais de ordem moral que necessariamente atrelada a falhas de
construção de enredo e personagens, pois, ele declara que há no livro algo
“aproveitável”, desde que feitas as “devidas” ressalvas:
A arte “pura” seria, portanto, a que fosse desprovida de qualquer elemento que
“exalasse” sensualidade, erotização, pois estes, por si mesmos, não deveriam atrair a
atenção, deveriam estar sempre atrelados à trama, em perfeita consonância com os
perfis psicológicos traçados. Como observa Franchetti (2000), há uma “condenação da
sensualidade queirosiana” (p. 52), de modo que Machado faz uma direta correlação
entre ela e o acessório, o superficial. É como se as ações das personagens tivessem que
obrigatoriamente ser explicadas pelos seus caracteres psíquicos e/ou atributos morais,
quando o que ocorre, em textos de Eça, é a focalização de certos elementos, inclusive
físicos, sensuais, porque se revelam atrativos por si mesmos. “A arte de Eça encontra
nesse gosto pelo exterior, pela superfície, a sua modernidade, na medida em que se
liberta do compromisso com a introspecção, vivendo a profundidade da pele”.
(SANTIAGO, 1978, p. 58). Seja em descrições com um apelo à sensualidade ou
naquelas que detalham processos orgânicos, o ponto de atenção muitas vezes é o
detalhe, o atributo em si mesmo, desarticulado da ação.
tinta da melancolia do defunto autor, cuja certidão de batismo data de 1880. Em outras
palavras: o leitor de O primo Basílio foi o autor de Iaiá Garcia (1878) e não o criador
das Memórias póstumas de Brás Cubas (1881).” (p. 109). Nesse sentido, compreende-
se que a criação machadiana, da década de 80, tornaria ultrapassados os critérios
estéticos e juízos de valor observados na censura ao texto de Eça.
Nesse sentido, o Machado, leitor de Eça, acaba por aprimorar suas produções,
mas não por eleger a obra portuguesa como modelo de criação e sim por ver nas
ousadias queirosianas uma possível provocação à releitura da sua própria narrativa,
renovando assim os seus procedimentos de composição bem como o horizonte temático
dos seus textos. “[...] uma consequência imprevista da reação machadiana ao romance
de Eça foi o resgate da noção clássica de aemulatio, que o levou a desenvolver a poética
da emulação.” (ROCHA, 2013, p. 11). Tal expediente de criação configura-se como
uma leitura inventiva de um texto clássico, tradicional, de maneira a reorganizar práticas
retóricas, produzindo algo novo, transformado. Nesse contexto, destacam-se os modos
de construção das personagens machadianas, como criações ambíguas, oscilantes, que
pressupõem a colaboração do leitor para serem, pelo menos até certo ponto,
desvendadas. E se a leitura dos romances de Eça contribuiu para reconfiguração da
escrita machadiana, depreende-se que a composição de personagens, à maneira do autor
português, também requer atenta investigação.
Por outro lado, convém trazer a lume uma observação feita por Reis (2015),
quando elucida que, apesar de a personagem realista de Eça estar bem demarcada,
inclusive por seus atributos físicos, podem surgir diferentes olhares, oriundos da própria
ficção, que favorecem novas perspectivas acerca de uma mesma personagem. Isto
ocorre, por exemplo, no modo como D. Felicidade (O primo Basílio) reage diante da
calva do conselheiro Acácio, pois, enquanto para o leitor em geral seria apenas uma
característica banal, as reações daquela senhora, ao observar tal peculiaridade, sugerem
que um mesmo dado pode parecer corriqueiro a alguns e extremamente relevante a
outros. “[...] mesmo que a personagem pareça aperreada pelas suas características
físicas, há mais vida para além daqueles atributos, como o sugerem Dona Felicidade e,
com ela, as Donas Felicidades da vida e das leituras que nela se fazem.” (REIS, 2015, p.
83). Nesse sentido, percebe-se que mesmo a formatação mais exata de uma personagem
pode abrir margem a leituras variadas, de maneira que a ênfase pode recair em um
determinado aspecto ou em outro, iluminando diferentes ângulos de observação e
demonstrando que os pontos que chamam a atenção do leitor também se diversificam.
Ou ainda, como adverte Manguel (2007): “algo de revelador sobre a natureza criativa do
ato de ler está presente no fato de que um leitor pode se desesperar e outro rir
exatamente na mesma página” (p. 113). Diferentes reações de leitura advêm, muitas
vezes, das configurações observadas nos modos de construção da personagem.
Iser (1979), revitalizando o conceito de Ingarden, trata dos “vazios” (p. 91) do
texto ficcional que se oferecem para a ocupação pelo leitor, em um processo de
interação que culmina em uma atividade de comunicação, marcada pela construção de
sentidos. Enquanto para Ingarden o preenchimento dos espaços de indeterminação do
texto, por meio do ato de leitura, diz respeito tão somente à atualização de dados
potencialmente inscritos no texto – e por isso mesmo previamente lançados em uma
perspectiva unidirecional – para Iser (1979), há entre o texto e o leitor uma assimetria
(p. 89) que vai justamente permitir variadas possibilidades de comunicação.
Jauss (1979) distingue três reações que a leitura de uma obra literária pode
suscitar: a transmissão de valores sociais dominantes, de modo a difundi-los, reforçá-
los; a legitimação de novos valores, apresentados de modo a promover uma evolução
25
nas mentalidades – embora muitas vezes sigam os moldes de uma determinada classe
social – e, finalmente, a ruptura com valores tradicionais, renovando o horizonte de
expectativas do público.
sombria, enfim, de algum modo convidativa, ainda que seja pela forma como tal
situação foi descrita, apresentada.
diferentes combinações de partes do texto, o que implicará uma atitude seletiva por
parte do leitor. Desse modo, é válido destacar que, ao reformular para si o traçado
textual que lhe foi oferecido, o leitor seleciona, com base nos seus saberes, habilidades e
estratégias, as opções de sentido que lhe pareçam mais propícias, o que constitui um
processo de representação criativa. Nesse sentido, pode-se perfeitamente pensar a
construção da personagem ficcional como um efeito do exercício de leitura que, ao ser
desempenhado, exige tanto a associação de ideias como o encadeamento das partes
textuais.
Sobre esse aspecto é válido apresentar a proposição de Iser (1979) quando este
enfatiza a atuação do leitor, equilibrando-a entre a plena liberdade de associação de
significados e a função comunicativa proveniente da própria linguagem literária, que
lança possibilidades de sentido. Desse modo, observa-se que há um horizonte implícito
de expectativas – leitor implícito – proposto pela obra e que se mantém o mesmo, já que
o texto comumente conserva-se sem alterações significativas; e há também os fatores
extraliterários – leitor explícito – condicionando modos de recepção, que variam de
acordo com as vivências pessoais e os códigos sociais de uma época. Todos esses
contribuem para a atribuição de ideias à obra, uma vez que poderão dialogar com a
produção literária. A concretização do sentido, portanto, desenvolve-se a partir desses
dois planos relacionados entre si: a elaboração textual que por si mesma já fornece
dados e informações, como também o contexto sociocultural em que a obra foi
produzida e recebida. Em ambas as abordagens, destaca-se a figura do leitor como
elemento preponderante nas construções de significado.
tempo divertir-se com o som de uma música, estando também atento aos ruídos que
porventura venham de outro cômodo da casa. Nesse sentido, quando se retém a atenção
a uma personagem literária – por meio de um processo ativo de leitura – é possível
envolver-se com seus conflitos e questões sem que se perca a consciência de que se trata
de um artefato.
Assim, é o leitor que reconhece o aspecto dual da personagem, ao notar que ela
se assemelha a um indivíduo real, sem ignorar o fato de que ela também é produto de
uma construção, de uma elaboração de linguagem. Nessa condição de artefato, a
personagem abre margem a efeitos de sentido que são produzidos pelo leitor, a partir do
modo como este a concebe e das associações que faz entre esse indivíduo “virtual” e o
universo ficcional em que está inserido. Para além disso, verifica-se também que o
indivíduo ficcional, a partir do leitor, também poderá criar conexões de significado com
a esfera real de existência.
formal, mas sem se subordinar a ela. Para além disso, observa-se que a percepção da
eficácia dessa junção forma/conteúdo vai depender das habilidades do leitor, do seu
desempenho na atividade de leitura.
Para além desses atributos, o exercício de ler pressupõe também ativar certas
“competências linguísticas”, seja no que se refere ao domínio do código linguístico
utilizado – “toda mensagem postula uma competência gramatical por parte do
destinatário” (ECO, 1993, p. 53) – ou ainda no que se refere ao conhecimento semântico
que permita, ao leitor, perceber que um termo é, em si mesmo, incompleto, pois, mesmo
os sentidos regulares, dicionarizados, carecem, muitas vezes, da contextualização e esta,
por sua vez, pode conduzir ao aflorar de outras “propriedades semânticas” (ECO, 1993,
p. 54) associadas ao termo. Assim, para que se dê a compreensão plena de uma
determinada construção textual, faz-se necessário ativar, além da competência
linguística, a capacidade de discernir e de notar que o emprego da linguagem adequa-se
à situação de uso – contexto discursivo – sendo relevante observar também que o
processo de elaboração textual está em consonância com o efeito de sentido desejado.
Tal habilidade é nomeada por Eco (1993) como “competência circunstancial
diversificada” (p. 56), já que considera a compreensão efetiva da linguagem em
diferentes contextos de leitura.
Sobre os domínios do ato de ler, Jouve (2002) esclarece que o receptor do texto
deve buscar desvendar a linguagem simbólica da obra: “É preciso que leve em
consideração os processos de deslocamento metafóricos e metonímicos” (p. 64). Em
outros termos, é preciso perceber e compreender as atribuições de sentido que se dão de
modo associativo, figurativo, contextualizando assim o que se lê. Esse exercício de
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leitura amplia-se para uma atividade criadora que revela novos potenciais do texto ou,
nas palavras de Sartre (1993): “o leitor tem consciência de desvendar e ao mesmo tempo
de criar; de desvendar criando, de criar pelo desvendamento”. (p. 37). Tal perspectiva
alarga as dimensões da operação do ler, permitindo uma participação mais efetiva, mais
livre e por isso mesmo mais convidativa. O fato de não se considerar uma possibilidade
única e restrita, para o que se lê, favorece que os meandros narrativos possam ser
reunidos de forma surpreendente e ainda assim harmônica.
A participação do leitor é que dá vida à obra artística, é por meio dele que o
texto pode transcender a subjetividade do autor, adquirindo dinamismo, expressividade.
Como descreve Sartre (1993), “o objeto literário é um estranho pião, que só existe em
movimento. Para fazê-lo surgir é necessário um ato concreto que se chama leitura, e ele
só dura enquanto essa leitura durar. Fora daí, há apenas traços negros sobre o papel”
(p.35).
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Com relação às criações de Eça de Queiros, afirma Cunha (2004) que “a leitura é
uma prática comum às personagens diretamente intervenientes na ação” (p. 270). A
variedade de temas, a escolha de autores e as influências, que as práticas de leitura
trazem, marcam o delineamento da personagem, fazendo transparecer, muitas vezes, as
características-base de sua formatação. É o que se nota no romance A Capital (1925) em
que, da apresentação do protagonista Artur, sobressai a sua intensa emotividade, o seu
gosto pelo tom lírico, exaltado por sentimentalismo. Os traços de sua personalidade vão
surgindo quase sempre combinados ao teor das obras de seu agrado:
[...] tinha a palidez, a graça nervosa duma menina. Uma porta que de repente
batia fazia-o despedir um grito. A sua sensibilidade era como a corda muito
afinada duma rabeca; uma história triste, um não de recusa, punham-lhe logo
nas pálpebras duas grossas lágrimas. A sua memória, que retinha longas
poesias, espantava sempre os amigos de casa; e já quando tinha oito anos, era
para o pai todo um orgulho ouvi-lo, nas noites de partida, entre o semicírculo
enternecido dos vizinhos, começar uma melopeia:
É noite, o astro saudoso
Rompe a custo um plúmbeo véu...
[...]
Já então os seus fins de tarde depois da aula eram passados encostado à janela
do quintal, lendo algum volume da pequena livraria do papá, um tomo de
Filinto Elísio, Os Mártires de Chateaubriand, sobretudo as novelas da
BIBLIOTECA DAS DAMAS. (QUEIRÓS, 1992, p. 100, 101, grifos do
autor).
36
Machado de Assis também explora essa relação entre leitura e estereótipo social,
apresentando a personagem Mariana, do conto Capítulo dos chapéus (1884), como uma
mulher extremamente metódica, que conservava sempre os mesmos hábitos, de modo
repetitivo e exaustivo, inclusive no que se refere à escolha de livros:
época. Quando, em Coimbra, ele é levado à meretriz mais cara da região – e que,
inclusive, “usava um robe-de-chambre cor de fogo e lia A dama das camélias” (p. 111).
– logo transfere, para o momento de que desfrutava, junto à mulher, as sensações que
obtivera com a leitura desse mesmo romance.
Na madrugada, em que ele saiu do seu leito, extenuado de amor, sentiu que
toda a melancolia daqueles meses passados se lhe dissipara como uma névoa:
a sua vida tinha agora um centro e uma significação: queria ser o Armand
Duval daquele anjo, regenerá-lo, e imortalizá-lo num poema como o
Intermezzo. (QUEIRÓS, 1992, p. 112).
O fato de a cortesã estar lendo A dama das camélias instigava Artur a uma fusão
entre a situação que vivia e o enredo desse romance, de maneira a traçar para a própria
vida a mesma trajetória lida na obra, assumindo para si o papel de Armand Duval, o
enamorado amante de Marguerite Gautier. Mais adiante, quando é abandonado, novas
referências de leitura guiam suas ações, ideias e sentimentos: “Lançou-se então
desesperadamente na Arte; considerou-se cínico à Musset e à Byron; quis como eles dar
à sua vida um delírio romântico; recomeçou a embebedar-se”. (p. 112). Considerava
suas leituras e as sensações que elas lhe despertavam como rotas a serem seguidas,
como modelos de ação, sendo que o estilo escolhido e admirado era o lírico-romântico,
pois a ele agradava deixar-se conduzir pelos sentimentos.
Por outro lado, à medida que vai se adaptando e descortinando os reais valores e
interesses burgueses, naquele ambiente, a personagem Artur oscila entre o amor e o
ódio àquela sociedade. Nos momentos em que se sentia rejeitado e hostilizado por
tantos com quem desejou afinar-se, passa a notar que a sua natureza emotiva e sua
predileção pelo lirismo destoavam daqueles indivíduos: “sentia circular em redor um
enorme egoísmo burguês, feito do orgulho do dinheiro e do desprezo das ideias; e os
rostos, como as fachadas, tomavam para ele um aspecto obtuso e duro que alguns
39
Cada indivíduo, nessa cena, se define pelo que lê, pelo modo como avalia o que
lê. A personagem Artur percebia nitidamente o contraste entre ele e o republicano, além
disso, acabava por revelar-se através dos seus gostos literários, seriamente afrontados
pela opinião do novo amigo. As referências portuguesa e francesa de literatura
romântica, tão apreciadas pelo protagonista, não encontravam ressonância na análise do
outro. Na sequência da cena, vê-se a tentativa de Artur de adequar o drama, que havia
escrito, ao perfil de leitor que reconhecia em Nazareno:
Tal era o sogro de Conrado; como supor que ele aprovasse o chapéu baixo do
genro? Suportava-o calado, em atenção às qualidades da pessoa; nada mais.
Acontecera-lhe, porém, naquele dia, vê-lo de relance na rua, de palestra com
outros chapéus altos de homens públicos, e nunca lhe pareceu tão torpe. De
noite, encontrando a filha sozinha, abriu-lhe o coração; pintou-lhe o chapéu
baixo como a abominação das abominações, e instou com ela para que o
fizesse desterrar. (ASSIS, 1994, p. 29).
O chapéu baixo era lido como um acessório que denegria a imagem. Fazia-se
necessário igualar-se aos homens de poder, identificar-se como integrante do mesmo
grupo, pelo uso do mesmo tipo de chapéu. A personagem Mariana também recodifica o
acessório a partir do momento em que ele passa a simbolizar, na leitura que ela fazia
dos fatos, a intransigência de Conrado, pois este não atendeu aos apelos dela, à
insistência para que voltasse a usar o chapéu de costume. Mariana sente-se humilhada,
julgando que o marido reagiu com sarcasmo diante do pedido que ela lhe fizera. Uma
simples peça do vestuário masculino passa a provocar amplas divagações, de modo que
a esposa de Conrado começa a reavaliar suas próprias atitudes, julgando-se injustiçada e
ao mesmo tempo passiva: “Chamava-se tola, moleirona; se tivesse feito como tantas
outras, a Clara e a Sofia, por exemplo, que tratavam os maridos como eles deviam ser
tratados, não lhe aconteceria nem metade, nem uma sombra do que lhe aconteceu”.
(ASSIS, 1994, p. 30). E, ao encontrar a amiga Sofia e ouvir-lhe a opinião acerca do fato,
42
sentiu que a dimensão do problema era ainda maior, pois a amiga demonstrava que, na
sua rotina, algo assim jamais aconteceria:
Olhe; eu cá vivo muito bem com o meu Ricardo; temos muita harmonia. Não
lhe peço uma coisa que ele me não faça logo; mesmo quando não tem
vontade nenhuma, basta que eu feche a cara, obedece logo. Não era ele que
teimaria assim por causa de um chapéu! Tinha que ver! Pois não! Onde iria
ele parar! Mudava de chapéu, quer quisesse, quer não.
Mariana ouvia com inveja essa bela definição do sossego conjugal. (ASSIS,
1994, p. 31).
[...] uma só ideia deliciosa que o fazia tremer: ser o amante da rapariga, como
o cônego era o amante da mãe! Imaginava já a boa vida escandalosa e
regalada; enquanto em cima a grossa S. Joaneira beijocasse o seu cônego
cheio de dificuldades asmáticas – Amélia desceria ao seu quarto, pé ante pé,
apanhando as saias brancas [...]. Com que frenesi a esperaria! [...] a ideia
muito magana dos dois padres e as duas concubinas, de panelinha, dava
àquele homem amarrado pelos votos uma satisfação depravada! Ia aos
pulinhos pela rua – Que pechincha de casa! (QUEIRÓS, 2004, p. 80).
Com aquelas longas pestanas descidas, o beiço tão fresco!... Ignorava decerto
as libertinagens da mãe; ou, experiente, estava bem resolvida a estabelecer-se
solidamente na segurança de um amor legal! – E Amaro, da sombra,
examinava-a longamente como para se certificar, na placidez do seu rosto, da
virgindade do seu passado. (QUEIRÓS, 2004, p. 81).
nada mais natural! [...] cobiçava uma situação legítima e duradoura, o respeito das
vizinhas, a consideração dos lojistas, todos os proveitos da honra!” (p. 82). O casamento
representava o meio natural e aconselhável para a mulher obter respeito, dignidade. E,
logicamente, o pároco entendia que não seria possível proporcionar a Amélia os
protocolos sociais exigidos. Ainda assim, acabou por concluir que estava disposto a ir
em busca da realização dos seus desejos, pois “a sensação do amor místico que o
penetrara um momento, olhando a noite, passara; e deitou-se com um desejo furioso
dela e dos seus beijos”. (p. 83).
É válido destacar também que essa jovem constitui-se como leitora deficiente do
universo ao seu redor e, por isso, sofre as consequências desse seu comportamento – ela
não consegue ler a real figura de Amaro e ilude-se a respeito dos sentimentos que esse
homem nutre por ela. Apesar de toda uma série de evidências demonstrarem o caráter
manipulador do padre, Amélia decifra apenas o que a sua imaginação romântica e
sonhadora permite-lhe apreender. “[...] pensou que ele se fizera padre por um desgosto
de amor. Supunha-lhe uma natureza muito terna; fazia-se pálida à ideia de o poder
abraçar na sua longa batina preta! [...] Lia o seu livro de missa pensando nele como no
seu Deus particular.” (QUEIRÓS, 2004, p. 95). Eça representa em Amélia, bem como
em outras de suas personagens, a estreiteza de um perfil feminino, hegemônico à época
oitocentista e moldado, muitas vezes, em padrões românticos que fixavam a satisfação
feminina pelas vias da realização amorosa. No caso específico de Amélia, nota-se que,
mesmo antes de conhecer Amaro, ela já manifestava uma atração pela vida eclesiástica;
entretanto, a base dessa inclinação era o romantismo exagerado da personagem, pois
havia decidido ser freira por ter sofrido um desgosto amoroso e por ter ouvido uma
narrativa em que um homem buscara a vida religiosa pela mesma razão.
Pareceu-lhe então que não tornaria a ter alegria! Ainda lembrada daquele
moço da história do tio Cegonha, que por amor se escondera na solidão de
um convento, começou a pensar em ser freira: deu-se a uma forte devoção,
manifestação exagerada das tendências que desde pequena as convivências de
padres tinham lentamente criado na sua natureza sensível; lia todo o dia
livros de rezas. (QUEIRÓS, 2004, p. 68).
1
O termo “tradicional” é, nesse trecho, utilizado para definir a leitura como um exercício de
decodificação e entendimento do texto escrito. Busca-se diferenciar a prática convencional da leitura de
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uma acepção mais ampla que a considera como a compreensão de dados e informações não representados
graficamente.
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Casada com um homem enfermo, que havia aceitado como marido apenas para
livrar a si e aos pais da miséria, Piedade passava os dias a cuidar dos filhos, também
doentes, de modo que “aquelas existências hesitantes, que depois pareciam apodrecer-
lhe nas mãos, apesar dos seus cuidados inquietos, acabrunhavam-na” (QUEIRÓS, 1951,
p. 17). E sua rotina transcorria atada ao zelo com que se dedicava aos seus, ignorando a
si própria enquanto um ser dotado de emoções e desejos.
Às vezes só, picando a sua costura, corriam-lhe as lágrimas pela face: uma
fadiga da vida invadia-a, como uma névoa que lhe escurecia a alma.
Mas se o marido de dentro chamava desesperado, ou um dos pequenos
choramingava, lá limpava os olhos, lá aparecia com a sua bonita face
tranquila, com alguma palavra consoladora, compondo a almofada a um, indo
animar a outro, feliz em ser boa. Toda a sua ambição era ver o seu pequeno
mundo bem tratado e bem acarinhado. (QUEIRÓS, 1951, p. 17).
que revolveria a sua rotina já traçada: “E a brusca invasão daquele mundano, com as
suas malas, o fumo do seu charuto, a sua alegria de são, na paz triste do seu hospital,
dava-lhe a impressão apavorada duma profanação” (QUEIRÓS, 1951, p. 18).
Que paraíso, nós aqui ambos no moinho, ganhando alegremente a nossa vida,
e ouvindo cantar esses melros!
Ela corou outra vez do fervor da sua voz e recuou como se ele fosse já
arrebatá-la para o moinho. Mas Adrião agora, inflamado àquela ideia,
pintava-lhe na sua palavra colorida toda uma vida romanesca, de uma
felicidade idílica, naquele esconderijo de verdura: de manhã, a pé cedo, para
o trabalho; depois o jantar na relva à beira da água; e à noite as boas palestras
ali sentados, à claridade das estrelas ou sob a sombra cálida dos céus negros
de verão...
E de repente, sem que ela resistisse, prendeu-a nos braços, e beijou-a sobre os
lábios, dum só beijo profundo e interminável. (QUEIRÓS, 1951, p. 20).
O que a encantava nele não era o seu talento, nem a sua celebridade em
Lisboa, nem as mulheres que o tinham amado: isso para ela aparecia-lhe vago
e pouco compreensível: o que a fascinava era aquela seriedade, aquele ar
honesto e são, aquela robustez de vida, aquela voz tão grave e tão rica; e
antevia, para além da sua existência ligada a um inválido, outras existências
possíveis, em que se não vê sempre diante dos olhos uma face fraca e
moribunda, em que as noites se não passam a esperar as horas dos remédios.
Era como uma rajada de ar impregnado de todas as forças vivas da natureza
que atravessava, subitamente, a sua alcova abafada: e ela respirava-a
deliciosamente... (QUEIRÓS, 1951, p. 21)
- Para que servem tantos livros?, perguntou Cristina, que compreendia ainda
a posse dum livro, o livro que se relê, que se tem à cabeceira da cama, - mas
tantos, com tantos nomes...
- Nem todo o mundo se pode divertir com galinhas! – disse Artur excitado.
Ela calou-se para o não descontentar, mas pareciam-lhe bem mais
interessantes os seus pintainhos abrindo o biquinho ao grão – que todos
aqueles versos, queixando-se e gemendo. (QUEIRÓS, 1992, p. 131).
cidade, a arte – em especial os versos – eram considerados inúteis, pois o interesse era
todo voltado à administração da terra, à garantia do sustento, à praticidade das ações que
deveriam voltar-se a uma utilidade imediata: “[...] em lugar de perder tempo com
pieguices, devia entreter-se indo à fazenda olhar pelas terras, tirar as contas aos caseiros.
[...] E no fim não era preferível a todos os versos do mundo ir ver os pomares, as casas,
os celeiros, a criação, as colheitas?”. (QUEIRÓS, 1992, p. 135). A exortação de Cristina
era endossada pelas tias e pelos íntimos da família, de maneira que se entrevê o
questionar da utilidade da arte, especialmente em um contexto no qual se valorizava
unicamente os meios de sobrevivência.
Diante dos muitos livros que Artur recebe, sua tia chega a cogitar que ele venha
a se prejudicar, pelo “abuso de leituras” e faz-lhe um alerta: “– Tu vais tresler, menino...
Olha não te faça mal”. (QUEIRÓS, 1992, p. 131). Situação semelhante a que se vê em
D. Casmurro quando a mãe de Capitu justifica seu abatimento, julgando que “fora
excesso de leitura na véspera, antes e depois do chá, na sala e na cama, até muito depois
da meia-noite, e com lamparina...”. (ASSIS, 1995, p. 70).
ensino religioso – ler, escrever e contar eram processos secundários, como afirma Watt
(2007). A igreja católica teve um papel fundamental na repressão à leitura,
considerando-a uma prática perniciosa e advertindo seus fieis a ficarem atentos ao
perigo infiltrado nos livros. Tal preocupação levou os religiosos à proibição da venda,
posse, composição e publicação das obras consideradas prejudiciais. Abreu (1999)
chama a atenção para o fato de que já havia a percepção de que os livros têm a
capacidade de difundir ideias de maneira mais efetiva e discreta, pois, um orador em
praça pública ou homens confabulando entre si seriam mais facilmente identificáveis e
passíveis de perseguição do que um leitor solitário “fechado em seu gabinete com um
livro herético” (ABREU, 1999, p. 13).
[..] avistei, sobre a mesa, entre papéis, colarinhos sujos e um rosário - o meu
volume de Tennyson! Ele viu o meu olhar, o bandido! e acusou-se todo numa
vermelhidão que lhe inundou a face chupada. O meu primeiro movimento foi
não reconhecer o livro: como era um movimento bom, e obedecendo logo à
moral superior do mestre Talleyrand, reprimi-o; apontando o volume com um
dedo severo, um dedo de Providência irritada, disse-lhe:
− É o meu Tennyson...
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Não sei que resposta ele tartamudeou, porque eu, apiedado, retomado
também pelo interesse que me dava aquela figura picaresca de grego
sentimental, acrescentei num tom repassado de perdão e de justificação:
− Grande poeta, não é verdade? Que lhe pareceu? Tenho a certeza que se
entusiasmou... (QUEIRÓS, 1951, p. 15).
Observa-se, nas cogitações do narrador, uma visão elitizada da arte, que estaria
ao alcance apenas daqueles que possuíssem uma condição social mais favorecida. Por
outro lado, vê-se também uma explícita associação entre leitura literária e capacidade
intelectiva, ideia que transparece nas formulações de Jouve (2002), ao afirmar que são
necessárias, a um leitor, certas competências, no trato com o texto, como por exemplo: o
domínio do código linguístico, a compreensão do emprego de termos e expressões nas
suas relações contextuais e ainda a competência ideológica, de maneira que possa até
mesmo vir a confrontar a visão do autor ou, ao menos, compreendê-la em profundidade.
Nesse sentido, o narrador do conto percebia que o criado possuía habilidades para uma
leitura eficiente, prova disso eram os comentários lisonjeiros sobre os poemas.
O fragmento acima pode indicar, ao leitor do conto, dois aspectos que conduzem
a atenção ao ambiente ficcional em si mesmo, como também ao estilo, ao traço literário
de Eça. Primeiramente nota-se que a cena descrita reapresenta a realidade (no seu
caráter mais trivial e até mesmo com detalhes que denotam certa rudeza), contrastando
com o sublime da poesia. Todavia, observa-se também uma censura velada aos arroubos
românticos que se desprendem das construções metaforizadas, vistas nas expressões
poéticas da personagem. Nesse sentido, a referência aos detalhes mais ordinários
destaca a vertiginosa distância entre o universo idealizado e a crua realidade, sendo esta
última a que mais interessa a Eça de Queirós. É notória, inclusive, a sua rejeição às
construções literárias cujo foco são unicamente os enlevos do sentimento, como se
observa em uma das crônicas de As Farpas (1871-72):
E no meio das ocupações do nosso tempo, das questões que em roda de nós
de toda a parte se erguem como temerosos pontos de interrogação, estes
senhores vêm contar-nos as suas descrençazinhas ou as suas exaltaçõezinhas!
No entanto operários vivem na miséria por essas trapeiras, e gente do campo
vive na miséria por essas aldeias! E o Sr. Fulano e o Sr. Sicrano empregam
toda a sua ação intelectual em se gabarem que apanharam boninas no prado
[...], esfalfam-se os tipógrafos, arrasam-se os revisores, emprega-se uma
imensa quantidade de vida e de trabalho, para que o público saiba que o poeta
lírico [...] ama uma virgem pálida com olheiras! (QUEIRÓS, 1946, p. 27).
[...] sentia, por instinto, que para o interessar devia ser pálida, delgada, e
enternecer-se com o luar: mas debalde se apertava, era sempre “gordalhufa”,
como dizia o Albuquerquezinho; e a lua só lhe representava a influência
regularizadora da umidade ou das secas; então, para compensar estas
inferioridades, eram desvelos ansiosos – tratando da sua roupa branca como
uma devota dos paramentos da capela; passando manhãs na cozinha, a fazer
“os petiscos” de que ele gostava... (QUEIRÓS, 1992, p. 153).
Porém, àquele primo só interessava o que era ditado por sua experiência de
leitura, por ideias e imagens que retirava das obras e que eram tomadas como referência
para a vida, pois, “a Artur o que lhe valia eram os livros!”. (QUEIRÓS, 1992, p. 140).
Logo, um perfil como o de Cristina jamais o impressionaria. Enquanto ele lia a lua
como um elemento com intensa carga poética, ela considerava, conforme fragmento já
citado, que era apenas um astro que influenciava estados da natureza, o que faz lembrar
a provocação que faz Manuel Bandeira, décadas mais tarde, no poema Satélite, em
crítica ao sentimentalismo romântico. Bandeira usa a expressão “astro dos loucos e
enamorados” (1963, p.6), retirada de um verso de Raimundo Correia, para referir-se à
lua e em seguida afirma que prefere encará-la como satélite – “gosto de ti assim, coisa
em si, satélite” (1963, p.6). Revela, assim, posição avessa aos exageros sentimentais da
literatura anterior à modernista. A visão prática, objetiva, acerca do astro, era
semelhante à demonstrada por Cristina.
Enquanto tal personagem não modificou sua conduta e perspectiva de vida, com
a chegada de Artur e sua influência literária, observa-se que as características, descritas
na apresentação da personagem Piedade, no conto No moinho, são radicalmente
transformadas à medida que a narrativa avança. E isto se deve à chegada de Adrião que,
embora tenha passado brevemente pelo convívio dessa mulher, despertou-a para novas
possibilidades de vida, oferecendo-lhe a oportunidade de repensar sua existência, muito
embora ainda sob o prisma da realização afetiva, já que outros meios de satisfação
pessoal eram, à época, vetados às mulheres. Quando a narrativa avança, vê-se que a
58
presença física de Adrião já não era mais necessária, pois a mudança no íntimo da
personagem já havia se instaurado e o modo que ela encontrava para alimentar seus
devaneios e desejos era a leitura:
Piedade lia o amado através dos escritos dele, era como se o teor das obras a
aproximasse novamente daquele homem, de forma a trazer consolo e distração. A
identificação com as personagens dos romances também minimizava seu sofrimento,
pois ela via que não era a única a padecer. Mas, à medida que as leituras vão se
intensificando, Piedade volta a avaliar a própria existência, corroída pelo desgosto e
pela frustração. Como salienta Jouve (2002): “Existe de fato um nível de leitura em que,
por meio de certas ‘cenas’, o leitor reencontra a imagem de seus próprios fantasmas.
Assim, de fato, ele que é ‘lido’ pelo romance – o que está em jogo é a relação do
indivíduo com ele mesmo, de seu eu com seu inconsciente” (p. 52). No caso da
personagem queirosiana, a leitura impulsiona o desnudar da realidade ao seu redor; o
que antes era aceito com resignação, agora é repelido intensamente:
Sentou-se ali mesmo com o Ivanhoé nas palmas, querendo ler e não lendo
nada. Os olhos iam até o fim da página e tornavam ao princípio, em primeiro
lugar, porque não apanhavam o sentido, em segundo lugar, porque uma ou
outra vez desviavam-se para saborear a correção das cortinas ou qualquer
outra feição particular da sala. Santa monotonia, tu a acalentavas no teu
regaço eterno. (ASSIS, 1994, p. 36).
rasgava-as.[...] este Colombo teimava em não crer na América”. (ASSIS, 1994, p. 82).
A indiferença para com os escritos chegava a incomodar a pessoa que redigia as cartas,
pois não era notada nenhuma mudança no comportamento nem na rotina de Maria
Olímpia. Tal estranheza também foi lida pela protagonista: "‘Parece que é melhor não
escrever mais, uma vez que a senhora se regala numa comborçaria de mau gosto’. Que
era comborçaria? Maria Olímpia quis perguntá-lo ao marido, mas esqueceu o termo e
não pensou mais nisso” (ASSIS, 1994, p. 82).
a herança do padrinho e partir para Lisboa, tinha cogitado aproximar-se dos cidadãos
mais ilustres e abastados da pequena cidade, onde vivia, para assim poder viabilizar um
vantajoso casamento e ascender socialmente.
Por que não aplicar o seu talento, as suas maneiras, a fazer a conquista de
Oliveira de Azeméis? Os seus dois anos de Coimbra, o nome respeitado das
tias, habilitá-lo-iam a conhecer o Carneiro, os Guedes, poderia ir-lhes às
soirées: lá, estava certo de fazer uma sensação pela sua conversa, os seus
versos recitados ao piano [...], poderia propor os Amores de Poeta... Talvez
fosse o meio de fazer um casamento rico? (QUEIRÓS, 1992, p. 162).
Neste caso, as habilidades intelectuais que ele julgava possuir, aliadas ao drama
que compusera (Amores de Poeta), seriam os elementos que o fariam ingressar na
intimidade da alta burguesia local. E por meio de um casamento, estrategicamente
articulado, suas questões financeiras e desejo de prestígio social estariam sanados. Às
mulheres que optavam por tal mecanismo de ascensão ainda cabia o pretexto de não
poderem traçar livremente sua trajetória de vida, pois as próprias regras sociais as
limitavam. Porém, no caso das personagens Gonçalo e Artur, a velha máxima da “lei do
menor esforço” parece elucidar a questão.
Pensava na Concha – e à ideia de a ter seminua nos braços, sentiu uma viva
contração no estômago: imaginava-a alta, pálida, de olhos árabes, com os
ardores dum sangue sevilhano, e as melancolias duma existência transviada.
Desejava-a tanto, agora, que quase a amava: [...] olhava vagamente as
vitrines pensando no presente que lhe daria, quando ela, desinteressada e
amorosa, recusasse dinheiro, só lhe pedisse felicidade. (QUEIRÓS, 1992, p.
283).
Mais adiante, as antecipações recaem sobre ele mesmo, quando projeta imagens
de triunfo. E, assim, configura-se famoso, notável, vindo mais uma vez a antegozar o
65
sucesso que imagina conquistar com a sonhada encenação pública do drama que havia
escrito.
Tinha imaginado que ela, ao ler a carta, devia ficar tão pasmada e agradecida,
que nos primeiros instantes não pudera responder a D. Rita; mas logo depois
as palavras sairiam do coração às golfadas. “Sim, senhora, queria, aceitava;
não pensara em outra coisa”. Escreveria logo ao pai e à mãe para lhes pedir
licença; eles viriam correndo, incrédulos, mas, vendo a carta, ouvindo a filha
e D. Rita, não duvidariam da verdade, e dariam o consentimento. Talvez o
pai lho fosse dar em pessoa. (ASSIS, 1999, p. 172).
A personagem cogita a morte como recurso para livrar-se dos dramas pessoais; a
alternativa, lida nos poemas românticos como um escape para a dor e melancolia, lhe
vinha à mente como modelo de ação. Mas não bastava morrer, era preciso criar todo um
67
enredo célebre para a ocasião, supondo as reações das pessoas e a repercussão do seu
ato, considerado por ele quase como uma deliberação heroica. Compunha os detalhes da
cena, como se escrevesse uma página romanesca e colocava-se na posição de receptor
da sua criação, enaltecendo-se. Porém, como é comum em textos queirosianos, a
circunstância física pesa mais que a resolução sentimental e, assim, Artur desiste do
intento por medo do frio, do encontro do corpo com a água gelada. A ação destemida,
que tencionava, perde força para o apelo do próprio corpo. Avulta ainda a sua habitual
passividade e ele começa a sentir saudade de si, fazendo transparecer a fragilidade das
suas decisões, característica que também reveste aquele ser. Agia movido pelo exagero
das emoções, mas, desde que elas não o levassem a situações de risco extremo, o que de
certo modo contraria sua afinidade com os heróis românticos.
aquilo que é passível de ser compreendido em uma dimensão mais ampla, ou seja, para
além daquilo que é visível.
[...] não lhe desagradava ser padre, lembravam-lhe os padres que vira em casa
da senhora marquesa, pessoas brancas e bem tratadas, que comiam ao lado
das fidalgas e tomavam rapé em caixas de ouro; e convinha-lhe aquela
profissão em que se cantam bonitas missas, se comem doces finos, se fala
baixo com as mulheres – vivendo entre elas, cochichando, sentindo-lhes o
calor penetrante – e se recebem presentes em bandejas de prata. (QUEIRÓS,
2004, p. 32).
— Aqui está como as cousas se passaram. Em primeiro lugar, não foi Deus
que criou o mundo, foi o Diabo...
— Cruz! exclamaram as senhoras.
— Não diga esse nome, pediu D. Leonor. (ASSIS, 1994, p. 32).
A partir da espantosa declaração, o sr. Veloso vai tecendo a sua narrativa acerca
da criação do mundo, detalhando aspectos que tornavam a sua versão tão convincente
quanto a original. E esta inclusive passa a ser rebaixada a uma condição de
inautenticidade, uma vez que a personagem afirma que “as cousas no paraíso terrestre
passaram-se de modo diferente do que está contado no primeiro livro do Pentateuco,
que é apócrifo”. (ASSIS, 1994, p. 34). Há uma nítida inversão de valores, de maneira
72
Eva estremeceu.
— Quem me chama?
— Sou eu, estou comendo desta fruta...
— Desgraçada, é a árvore do Bem e do Mal!
— Justamente. Conheço agora tudo, a origem das coisas e o enigma da vida.
Anda, come e terás um grande poder na Terra.
— Não, pérfida!
— Néscia! Para que recusas o resplendor dos tempos? [...] Que mais queres
tu? Realeza, poesia, divindade, tudo trocas por uma estulta obediência. Nem
será só isso. Toda a natureza te fará bela e mais bela.
[...]
Eva escutava impassível; Adão chegou, ouviu-as e confirmou a resposta de
Eva; nada valia a perda do paraíso, nem a ciência, nem o poder, nenhuma
outra ilusão da Terra. Dizendo isto, deram as mãos um ao outro e deixaram a
serpente, que saiu pressurosa para dar conta ao Tinhoso.
Deus, que ouvira tudo, disse a Gabriel:
2
Os autores Brandão e Oliveira (2011) esclarecem que fora o próprio Machado quem fez a associação
entre o ato de ler e o de ruminar. Na obra Esaú e Jacó, observa-se o seguinte alerta: “O leitor atento,
verdadeiramente ruminante tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os
fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida”. (ASSIS, 1999, p. 119).
73
— Vai, arcanjo meu, desce ao paraíso terrestre, onde vivem Adão e Eva, e
traze-os para a eterna bem-aventurança, que mereceram pela repulsa às
instigações do Tinhoso. (ASSIS, 1994, p. 35).
O conto machadiano parodia o mito bíblico: o primeiro casal que teria habitado a
Terra é destituído da culpa por todos os sofrimentos humanos; a ideia de “pecado
original” – crença clássica entre vários religiosos – deixa de existir. Desse modo, o texto
oferece ao leitor a possibilidade de divisar os escritos, considerados sagrados, como
uma narrativa que pode comportar tanto diferentes interpretações, como também
diferentes enredos. É ainda uma forma de relativizar o convencional contraste entre o
profano e o sagrado, atribuindo ao leitor a capacidade de ponderação, além do rasgo
crítico que lhe permita enxergar o que está instituído, sob novas leituras. Convém, nesse
sentido, apresentar o comentário final, feito pela personagem Veloso, em que este
apresenta as “vantagens” da sua versão para a criação do mundo, em detrimento do
formato tradicional:
Ainda que admita que sua tese não era verídica, ele sugere uma releitura acerca
do “pecado original”, uma vez que este passa a ser considerado como algo proveitoso.
Tal visão contradiz a crença religiosa que associa a falha de Adão e Eva ao sofrimento
do homem. Na ótica da personagem machadiana, “pecar” foi o meio pelo qual toda a
humanidade pôde ter acesso às delícias, aos prazeres do mundo; constitui-se, portanto,
como algo benéfico. Caso a proposta narrada fosse a verdadeira, a descendência de
Adão e Eva não teria povoado a Terra e desfrutado de seu esplendor, pois o obediente
casal teria ido habitar outras esferas. Assim, seja contrariando o sagrado ou atestando-o,
o texto machadiano permite a releitura dos seus significados, de forma bem-humorada,
satírica, bem ao gosto da paródia.
Advertiu que o homem, uma vez criado, desobedeceu logo ao Criador que,
aliás, lhe dera um paraíso para viver; mas não há paraíso que valha o gosto da
oposição. Que o homem se acostume às leis, vá; que incline o colo à força e
ao bel-prazer, vá também; é o que se dá com a planta quando sopra o vento.
74
Mas que abençoe a força e cumpra as leis sempre, sempre, sempre, é violar a
liberdade primitiva, a liberdade do velho Adão. (ASSIS, 1999, p. 76).
Ainda que a releitura do sagrado não seja relativa a ideias extraídas dos textos
bíblicos, como se verifica nos referidos textos machadianos, o romance de Eça de
Queirós, O crime do padre Amaro, também delineia as práticas religiosas do
protagonista (muitas delas associadas às suas experiências de leitura) de modo
contestador. As obrigações sacerdotais do jovem padre sofriam, muitas vezes, a
interferência do seu lado humano, carnal, o que o levava a colocá-las em discussão.
Amaro abriu o seu Breviário, ajoelhou aos pés da cama, persignou-se; mas
estava fatigado, vinham-lhe grandes bocejos; e então por cima, sobre o teto,
através das orações rituais que maquinalmente ia lendo, começou a sentir o
tique-taque das botinas de Amélia e o ruído das saias engomadas que ela
sacudia ao despir-se. (QUEIRÓS, 2004, p. 29).
Ainda que se esforçasse por ler o que lhe era devido, o padre não conseguia
resistir ao impulso de deleitar-se com os ruídos que ouvia do quarto de Amélia e que o
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Amaro deixou-se envolver pela linguagem apelativa que para ele tornou-se
sinônimo de sedução e, dessa forma, supôs para Amélia um efeito de leitura semelhante,
em que também ela interpretaria de maneira erotizada os escritos religiosos,
transformando as invocações, aparentemente fervorosas, em clamores lascivos. Tal
leitura poderia também influenciá-la a enxergar, no padre, a figura humana passível de
envolvimentos afetivos e desejos físicos.
Nota-se, no fragmento do romance, uma prática em que a associação de
significados é feita de forma livre e em consonância com os fatores (características
contextuais) que permeiam as personagens leitoras. E, para além do universo ficcional,
nota-se que a leitura de O crime do padre Amaro favorece que se observem as
construções linguísticas, delineadas de modo incisivo pela intrusão do narrador, levando
o receptor da obra a perceber a censura crítica atribuída a certos comportamentos de
religiosos, no que se refere ao trato com impulsos físicos, tão explicitamente expostos
por autores do realismo-naturalismo, como era o caso de Eça. Ler a obra permite a
percepção de que os desejos eram reprimidos publicamente – porque convinha ao
âmbito social – e instigados secretamente, inclusive através de práticas de leitura
representadas na trama e captadas pelo leitor real.
Ler o breviário, para Amaro, era muitas vezes uma ação penosa, o que indicava
sua inadequação aos preceitos da Igreja. Quando se viu obrigado a distanciar-se de
Amélia, passou a abrir mão das “leituras sagradas”, uma vez que elas representavam,
para ele, uma obrigação fatigante, custosa, e o pároco já se sentia injustiçado o
suficiente: “Deitava-se sem rezar às vezes; e não tinha escrúpulos: julgava que ter
renunciado a Amélia era já uma penitência, não necessitava cansar-se a ler orações no
livro; celebrara o ‘seu sacrifício’ – sentia-se vagamente quite com o Céu!” (QUEIRÓS,
2004, p. 106). Por outro lado, mais adiante, ao voltar a frequentar a casa da senhora
Joaneira, como visita ilustre, sentiu-se bastante satisfeito por poder retomar o contato
com Amélia e a leitura do livro de orações passava agora a funcionar como uma espécie
de amuleto que lhe traria sorte: “E antes de sair rezou cuidadosamente o seu Breviário –
porque em presença daquele amor adquirido, viera-lhe um susto supersticioso que Deus
ou os santos escandalizados o viessem perturbar; e não queria, com desleixos de
devoção, dar-lhes razão de queixa.” (p. 109-110, grifos do autor). A leitura, portanto,
associava-se a um ritual que lhe tornaria imune aos castigos celestiais relativos aos
sentimentos “ilícitos” que ele nutria por Amélia.
Embora o desabafo de Amaro fosse destinado apenas a si próprio, pois ele não o
dirigia às autoridades clericais acima dele, ainda assim, considerando a esfera
extraficcional, nota-se que o romance proporciona a oportunidade de se realizar uma
leitura reflexiva acerca de um tema ainda muito discutido. A fusão entre o narrador e a
personagem, nesse momento, favorece que o leitor perceba uma estratégia crítica da
obra que é a de contestar regras consagradas de conduta religiosa, incitando assim que o
ler transforme-se no pensar e/ou posicionar-se diante do que é colocado.
ocasião, ele, apavorado, receou sofrer os castigos da ira celeste, de modo que não
celebrou a missa no dia em que se sentiu pecador:
[...] acordara aterrado, por ter na véspera, pela primeira vez depois de padre,
pecado brutalmente sobre a palha da estrebaria com a Joana Vaqueira. [...]
Três vezes chegara à porta da igreja, três vezes recuara assombrado. Tinha a
certeza de que, se ousasse tocar na Eucaristia com aquelas mãos com que
repanhara os saiotes da Vaqueira, a capela se aluiria sobre ele, ou ficaria
paralisado vendo erguer-se diante do sacrário, de espada alta, a figura
rutilante de S. Miguel Vingador! (QUEIRÓS, 2004, p. 225).
Até esse momento, os escrúpulos do pároco ainda eram latentes, porém, o que o
fez libertar-se do desconforto, e até mesmo encarar com naturalidade seu posterior
interesse por Amélia, foi exatamente a leitura que fez do ambiente eclesiástico em que
se inseria:
- Ah! fez o doutor, é uma bela e grande coisa a paixão! O amor é uma das
grandes forças da civilização. Bem dirigida levanta um mundo e bastava para
nos fazer a revolução moral... – E mudando de tom: - Mas escuta. Olha que
isso às vezes não é paixão, não está no coração... O coração é ordinariamente
um termo de que nos servimos, por decência, para designar outro órgão. É
precisamente esse órgão o único que está interessado, a maior parte das
vezes, em questões de sentimento. E nesses casos o desgosto não dura.
Adeus, espero que seja isso! (QUEIRÓS, 2004, p. 185).
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Por outro lado, a narrativa apresenta uma situação em que um dos líderes da
Igreja assumia sua condição de humano e entendia que a autoridade moral atribuída aos
clérigos não passava de mera convenção e/ou processo ritualístico. Entretanto, tais
posicionamentos eram admitidos apenas nos bastidores, em conversas íntimas e
desabafos:
Natário irritou-se:
- Então talvez me queiram dizer, gritou, que qualquer de nós, pelo fato de ser
padre, porque o bispo lhe impôs três vezes as mãos e porque lhe disse o
accipe, tem missão direta de Deus, - é Deus mesmo para absolver?!
[...]
- A confissão é a essência mesma do sacerdócio, soltou o padre Amaro com
gestos escolares, fulminando Natário. Leia Santo Inácio! Leia S. Tomás!
- Anda-me com ele! gritava o Libaninho pulando na cadeira, apoiando
Amaro. – Anda-me com ele, amigo pároco! Salta-me no cachaço do ímpio!
- Oh, senhores! berrou Natário furioso com a contradição, o que eu quero é
que me respondam a isto. E voltando-se para Amaro: - O senhor, por
exemplo, que acaba de almoçar, que comeu o seu pão torrado, tomou o seu
café, fumou o seu cigarro, e que depois se vai sentar no confessionário, às
vezes preocupado com negócios de família ou com faltas de dinheiro, ou com
dores de cabeça, ou com dores de barriga, imagina o senhor que está ali como
um Deus para absolver? (QUEIRÓS, 2004, p. 88).
conferido ao padre. Natário aponta a enorme distância que haveria entre o ser divino e o
ser humano e este, devido às limitações impostas muitas vezes pelo próprio corpo,
logicamente não teria autoridade moral para destituir as culpas alheias. Tal discurso
contradiz drasticamente os valores da Igreja e representa uma postura bastante
dissonante, considerando que os argumentos vinham de um membro do clero, ainda que
não fossem proferidos em público. Era uma releitura de dogmas consagrados e uma
visão bem à frente do tempo, já que as tradições religiosas eram amplamente
defendidas, nos oitocentos.
Depois ficou a olhar para a nota tão fresca, tão valiosa, nota que as almas
nunca viram sair das mãos dele. [...] De repente ouviu abrir a cancela em
cima, e uns passos rápidos. Ele, mais rápido, amarrotou a nota e meteu-a na
algibeira das calças; ficaram só os vinténs azinhavrados e tristes [...]. Na
83
igreja, ao tirar a opa, depois de entregar a bacia ao sacristão, ouviu uma voz
débil como de almas remotas que lhe perguntavam se os dois mil réis... Os
dois mil réis, dizia outra voz menos débil, eram naturalmente dele, que, em
primeiro lugar, também tinha alma e, em segundo lugar, não recebera nunca
tão grande esmola. Quem quer dar tanto vai à igreja ou compra uma vela, não
põe assim uma nota na bacia das esmolas pequenas. (ASSIS, 1999, p. 21).
Dias (2012) esclarece que um escritor lança à sua obra um olhar dissonante,
quando apresenta temáticas e ideias que desarmonizam as convenções, questionando
sua lógica e seus efeitos. Isso se aplica tanto ao contexto de produção e recepção de
obras literárias quanto às novas leituras que elas podem suscitar, pois, como sugere
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Ler pode significar muito mais que apenas decifrar palavras, ordenamentos
frasais, textos. É uma operação que exige sagacidade por parte de quem a desempenha,
de modo a desvendar informações que muitas vezes não estão explícitas, o que requer
maior atenção a certas minúcias ou mesmo caracteres que sinalizam para uma gama de
informações que, a princípio, poderiam não ser perceptíveis.
Amaro constitui-se como leitor de visão ampla, embora se utilize disso para
beneficiar-se, desconsiderando valores éticos; por outro lado, ele só consegue a
deferência e a amabilidade de toda a sociedade à sua volta porque esta não consegue
decifrá-lo, presa que está à sua restrita capacidade de leitura da realidade circundante.
Um dos poucos que consegue decifrar o caráter do padre é o abade Ferrão, pois a
personagem João Eduardo, ainda que desconfiasse das intenções que lia no
comportamento de Amaro, não tinha evidências que comprovassem suas suspeitas. O
abade, porém, realiza uma leitura de Amaro com base nas cartas que este escreve a
Amélia, já no fim da narrativa, quando a moça se isola para que a sua gravidez não
fosse descoberta. Entre os representantes do clero, descritos no romance, Ferrão é o
único que manifesta nobreza de caráter, auxiliando e confortando Amélia
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A leitura do artigo era feita em voz alta, pelo cônego Dias, e as reações às
informações demonstravam, por um lado, a indignação dos religiosos que ouviam e, por
outro, o terror que aquelas revelações causavam aos clérigos, já que as retratações eram
fiéis. O texto lido caracterizava cada um dos padres:
traria. Ainda que sua motivação fosse prejudicar Amaro, por sentir que o padre lhe
roubara Amélia, mesmo assim provocou enorme escândalo, ao alertar a sociedade
acerca da hipocrisia atrelada à fé e às práticas religiosas. É o que se nota, por exemplo,
no perfil do cônego Dias, traçado nas linhas do “liberal”: “Cônego bojudo e glutão [...]
que foi expulso da freguesia do Ourém, outrora mestre de Moral num seminário e hoje
mestre de imoralidade em Leiria”. (QUEIRÓS, 2004, p. 126).
O bom católico, como a tua pequena, não se pertence; não tem razão, nem
vontade, nem arbítrio, nem sentir próprio; o seu cura pensa, quer, determina,
sente por ela. O seu único trabalho neste mundo, que é ao mesmo tempo o
seu único direito e o seu único dever, é aceitar esta direção; aceitá-la sem
discutir; obedecer-lhe. (QUEIRÓS, 2004, p. 182).
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[...] todas as virtudes que não são católicas são inúteis e perniciosas. Ser
trabalhador, casto, honrado, justo, verdadeiro, são grandes virtudes; mas para
padres e para a Igreja não contam. Se tu fores um modelo de bondade mas
não fores à missa, não jejuares, não te confessares, não te desbarretares para
o senhor cura – és simplesmente um maroto. Outros personagens maiores que
tu, cuja alma foi perfeita e cuja regra de vida foi impecável, têm sido julgados
verdadeiros canalhas, porque não foram batizados antes de terem sido
perfeitos. Hás-de ter ouvido falar de Sócrates, dum outro chamado Platão, de
Catão etc... [...] Eu sou, segundo a doutrina católica, um dos grandes
desavergonhados que passeiam às ruas da cidade; e o meu vizinho Peixoto,
que matou a mulher com pancadas e que vai dando cabo pelo mesmo
processo de uma filhita de dez anos, é entre o clero um homem excelente,
porque cumpre os seus deveres de devoto e toca figle nas missas cantadas.
(QUEIRÓS, 2004, p. 183).
temas que, à época, não admitissem nenhuma espécie de contestação. Mas o fato de o
livro expor visões que oferecem um novo olhar diante das “verdades instituídas”, já
estimulava, à sociedade dos oitocentos, um movimento, mínimo que fosse,
considerando o leitor mais conservador, em direção à reflexão, pois como expõe Jouve
(2002), o leitor, de modo mais ou menos incisivo, é sempre interpelado e cabe a ele
ponderar acerca dos argumentos lidos.
discurso da personagem Amaro, quando este não admite que Amélia tenha hábitos de
leitura, pois, quanto menos interesses e informações ela tivesse, mais fácil seria enredá-
la na sua estratégia de submissão: “Proibia-lhe até que lesse romances e poesias. Para
que se havia de fazer doutora? Que lhe importava o que ia no mundo?” (QUEIRÓS,
2004, p. 242).
O crime do padre Amaro traz a lume o fato de que muitas vezes o ser humano se
reveste com uma imagem virtuosa, de modo tão sagaz e convincente, que se torna difícil
ler-lhe a real face, enxergar os elementos que lhe compõem o caráter. Apenas a
personagem João Eduardo conseguiu ler plenamente o clero de Leiria, descortinando
assim as posturas hipócritas adornadas pelo discurso religioso. Entretanto, tal dinâmica
de leitura não é usual, corriqueira, muitas vezes é necessária uma astúcia no ler ou, de
outro modo, somente uma explícita revelação poderia denunciar o que de fato existe por
trás da dissimulação.
É oportuno observar que o convívio social, muitas vezes, impõe certas “doses”
de dissimulação, a fim de que não se criem atritos a todo momento. É praticamente
impossível ser absolutamente sincero, mesmo porque a franqueza em excesso pode
ferir, desagradar ou mesmo gerar conflitos ainda mais drásticos, no trato social. Desse
modo, entende-se que a revelação fiel de tudo que vem à mente pode ser, no mínimo,
indelicada, inconveniente. Porém, no caso de Joaquim Fidélis, a questão é um pouco
mais complexa porque a dissimulação era uma constante, falseava as suas atitudes de
uma maneira geral. Somente quando o sobrinho Benjamin inicia uma leitura dos
escritos deixados por esse tio, a sua verdadeira face transparece.
A leitura pública dos escritos apenas reafirmava a imagem que Joaquim criara
entre os seus, ocasionando, inclusive, uma maior admiração e respeito por esse homem.
Mais adiante, é a personagem Benjamin quem vai descortinando a identidade do tio, à
medida que dá continuidade, sozinho, à leitura daquelas memórias. Vai percebendo
assim que havia minuciosas descrições sobre as pessoas do convívio de ambos e ele
teve a oportunidade de ler, pela ótica de Joaquim, os perfis traçados “com tal fidelidade
e perfeição, que a figura parecia fotografada”. (ASSIS, 2008, p. 128). A leitura que fazia
Joaquim acerca dos modos e feições de alguns indivíduos era tão precisa que indicava
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aspectos que o próprio Benjamin não havia notado anteriormente, tanto a respeito do
próprio tio, que se revelava através do que escrevia, como também a respeito das
pessoas que eram descritas. Convém observar que a leitura alheia, em certos casos, pode
ampliar a leitura íntima, ou seja, às vezes é o olhar do outro que permite que alguém
note algo que, de outro modo, não enxergaria.
conhecer a sua imagem na ótica alheia. Ter acesso a esse tipo de informação é algo
extremamente raro, uma vez que as convenções e, logicamente, as conveniências sociais
impedem que alguém possa saber, fielmente, quais as impressões que causa no outro. A
personagem, portanto, tem a chance de descobrir, sem qualquer esforço, o que o seu tio
pensava, secretamente, acerca dele, reconhecendo-se, inclusive, nessa opinião.
Ler a si próprio, na leitura alheia, foi incômodo para a personagem porque mais
uma vez evidenciava-se que Joaquim tinha a habilidade de traçar, com bastante
fidelidade, os perfis daqueles que o rodeavam, de maneira que não cabiam contestações.
As características descritas não correspondiam à expectativa positiva, lisonjeira que
muitas vezes cada indivíduo tem, acerca da própria imagem. A leitura das memórias
frustrava e ao mesmo tempo alertava o rapaz acerca das suas limitações e falhas; de
outro modo talvez essas informações poderiam não vir à tona. “[...] a relação do leitor
com o texto é sempre receptiva e ativa ao mesmo tempo. O leitor só pode extrair uma
experiência de sua leitura confrontando sua visão de mundo com a que a obra implica”.
(JOUVE, 2002, p. 127). Nesse sentido, nota-se que as memórias ditavam determinado
ponto de vista, mas este só foi aceito como legítimo, no decurso da leitura feita por
Benjamin, porque tal personagem projetou algo de si nos escritos do outro, viu-se
descrito de um modo que o convenceu a tomar aquilo como verdade.
[...] depois de umedecer os lábios, como para chamar a eles todo o veneno
que tinha no coração: — Ipiranga, você está hoje uma viúva deliciosa... Vem
seduzir mais algum marido?
A viúva empalideceu, e não pôde dizer nada. Maria Olímpia acrescentou,
com os olhos, alguma coisa que a humilhasse bem, que lhe respingasse lama
no triunfo. (ASSIS, 1994, p. 83).
Novamente são os olhos que revelam o conteúdo a ser lido, era o acréscimo às
palavras, no intuito não apenas de complementar as informações, mas também para
enfatizá-las. Não se tratava somente de um gracejo irônico, era um modo de revelar-se
ciente dos fatos, atenta e, principalmente, disposta a rebaixar, constrangendo a
“concorrente” ao extremo. Quem lê o conto também é convidado a ler esse olhar de
Maria Olímpia, traduzindo-o sem palavras, no exercício da construção de imagens que
se aproximem do significado que tal expressão facial deixaria transparecer.
Bosi (1993) destaca a efetiva comunicação, veiculada pelo olhar, quando afirma
que ele “condensa e projeta os estados e movimentos da alma. Às vezes a expressão do
olhar é tão poderosa e concentrada que vale por um ato.” (p. 78). Acrescenta-se às ideias
do autor o fato de que pode haver correspondência entre o olhar e um ato linguístico, de
modo que assim como este último é legível, aquele também o é. E a leitura do olhar se
faz mais desafiadora, pois requer que se capte um instante, retendo na memória uma
imagem fugaz que servirá de base para a elaboração de sentidos. Apesar de se constituir
100
É o que ocorre quando Bento (D. Casmurro, 1899) angustia-se ao pensar que os
olhos de José Dias revelar-lhe-iam algo grave acerca da doença de sua mãe:
Bosi (1993) explora os sentidos trazidos por expressões populares que em muito
revelam o estado de extrema atenção dedicada a alguém: “Estar de olho, ficar de olho,
não perder de olho e trazer de olho marcam um grau de interesse do sujeito que beira a
vigilância. O olho cioso é inventivo. A gelosia é uma grade estreita feita no olho da
parede pelo olho do amante que não suporta ver a amada sendo vista pelo olho do
outro.” (p. 78, grifos do autor). Assim, esse olhar inventivo equivale a um movimento
de leitura em que são criados sentidos, a partir daquilo que se tem sob observação
contínua, apurada. Restringe-se o campo do olhar, focando o objeto alvo de interesse e
criam-se suposições para o que se vê, alinhadas muitas vezes ao temperamento daquele
que está em “vigília”.
[Os olhos] Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que
arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca.
Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos
braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as
pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando
envolver-me, puxar-me e tragar-me. (ASSIS, 1995, p. 55).
Nesse duelo inglório o olho que, por um momento ainda de abertura ao outro,
fora capaz de prestar atenção ao rosto lívido, estupefato, indignado, confuso
e sofrido da mulher, preferiu cerrar-se por um ato de ciosa vontade, sem
atender a coisa nenhuma, encasmurrando-se nas suas razões de honra ou
(como dirão os que já decidiram o pleito) nos seus mórbidos ciúmes de Otelo
brasileiro. Os olhos abertos contemplam; os olhos fechados, sem atender a
coisa nenhuma, tipificam, julgam, decretam. (p. 36, grifos do autor).
Bento observa que o olhar de Capitu traduzia sua intenção de não concretizar a
separação, embora afirmasse que o faria; a ideia, na verdade, era instaurar o choque e a
seriedade da decisão que anunciava, na esperança de ver o recuo do outro. Essas eram
informações que ele encontrava na expressão que ela lhe lançava e não no que de fato
lhe dizia. Bento lia, portanto, no discurso da mulher, as entrelinhas que transpareciam
apoiadas nas informações fornecidas pelo olhar.
Perpétua acrescentou que, mudado o regime, era natural que Paulo chegasse
primeiro à grandeza, - e aqui espetou bem os olhos. Era um modo de apanhar
os sentimentos de Flora, acenando-lhe com a elevação de Paulo, pois bem
podia ser que viesse a amar antes o destino que a pessoa. Não achou nada.
Flora continuou a não se deixar ler. (ASSIS, 1999, p. 147).
reação marcada pelo impulso físico, orgânico, de um típico acesso de raiva, de fúria.
Logicamente, tal comportamento destoa do perfil cordato de Gonçalo, mas, ainda assim
remete à convencional ideia de que, mesmo um indivíduo pacífico e até medroso pode,
de repente, “explodir”, quando provocado repetidamente, negando assim uma
passividade perene.
[...] o coração lhe batia à ideia de ver o seu livro na vidraça dos livreiros com
uma capa cor-de-rosa; decidira juntar o seu retrato, numa atitude de cabeça
contemplativa; decerto uma mulher inteligente o amaria pela nobre
melancolia que os seus olhos revelavam, e a sua vida seria uma continuação
de beijos arrebatados e de rimas sonoras. (QUEIRÓS, 1992, p. 133).
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Artur tem plena convicção de quem é, do que sente. Por isso assume, para si
mesmo, que o seu olhar expõe, sem reservas nem dúvidas, a sua índole, as suas
preferências, os seus sentimentos. E muitas vezes supunha que outras pessoas também
exibiriam, na expressão facial, o seu temperamento:
[...] imaginava a vida dum mundo superior, em que as faces são pálidas da
emoção contínua dos sentimentos romanescos; aí diplomatas cujos sorrisos
têm a frieza da razão de Estado, trocam ditos à Talleyrand, [...] ideais figuras
de beleza patrícia respiram ramos de violeta com olhares onde brilha, sob um
fluido, o ardor dos adultérios [...]. (QUEIRÓS, 1992, p. 148).
Por outro lado, seja por seu temperamento romântico, que lhe despertava o
ciúme, ou porque realmente conseguiu, por um momento, alargar o seu olhar, o fato é
que ele capta estranhas reações no comportamento de Melchior, no instante em que este
se indignava com a sua passividade. Artur parece seguir o conselho anterior do próprio
Melchior, passando a “ter olho”:
111
Para além disso, percebe-se que, ao ler a cólera de Melchior e construir suas
suspeitas, nem mesmo assim Artur é capaz de interpelar o amigo ou ao menos insinuar-
lhe suas desconfianças, guardando-as para si, o que confirma sua natureza passiva e
temerosa. Outro ponto a destacar é o fato de o protagonista envergonhar-se da sua
amizade e do seu amor não necessariamente pela suposta traição, mas sim pelo fato de o
envolvimento não ter se configurado com as características lidas nos romances, pois
isso tornaria os fatos mais aceitáveis, justificáveis, no entendimento dele.
porque a expressão do suspeito o denunciava: “Foi então que eu avistei, sobre a mesa,
entre papéis, colarinhos sujos e um rosário – o meu volume de Tennyson! Ele viu o meu
olhar, o bandido! E acusou-se todo numa vermelhidão que lhe inundou a face chupada”
(QUEIRÓS, 1951, p. 15). Inquiria-se a culpa pelo olhar e este conduzia o acusado a
entregar-se pela expressão do rosto. Ainda que o perfil lírico e romântico de
Korriscosso, de certa forma, contribuísse para que não suspeitassem de sua atitude
ilícita, a leitura de sua face revelava o que de fato havia ocorrido. Quando são lidos os
olhares e expressões, decifram-se algumas peculiaridades das personagens queirosianas,
o que contribui para um entendimento mais pleno de sua formatação.
Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças às
relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os olhos
de Sancha não convidavam a expansões fraternais, pareciam quentes e
intimativos, diziam outra coisa, e não tardou que se afastassem da janela,
onde eu fiquei olhando para o mar, pensativo. A noite era clara.
Dali mesmo busquei os olhos de Sancha, ao pé do piano; encontrei-os em
caminho. Pararam os quatro e ficaram diante uns dos outros, uns esperando
que os outros passassem, mas nenhuns passavam. Tal se dá na rua entre dois
teimosos.
[...]
115
Quando saímos, tornei a falar com os olhos à dona da casa. A mão dela
apertou muito a minha, e demorou-se mais que de costume. (ASSIS, 1995. p.
157).
O olhar que convida, insinua ou mesmo seduz parece de fato atrair com uma
intenção específica, porém, não se pode negligenciar o fato de que o narrador que
“falava com os olhos à dona da casa” era o mesmo que interpretava os olhares daquela
mulher. Assim, há a incerteza com relação à expressão de Sancha – se de fato era ou
não convidativa – em razão de que apenas pelo olhar torna-se mais difícil precisar se
alguém realmente busca atrair o outro e, além disso, vê-se que o relato não é isento, pois
reflete a leitura que a personagem Bento mais uma vez realiza. Assim, a leitura do olhar
causa uma impressão no protagonista e suas ideias formatam-se como algo possível,
provável; entretanto, o simples fato de ele apresentar a cena a partir do que sentiu e
percebeu, já abre margem à dúvida. Também o mecanismo de leitura que ele utiliza – o
decifrar de olhares – não é absoluto, permite sempre uma lacuna, um espaço que foge à
exatidão.
Por outro lado, o sujeito que olha é o mesmo que processa, interpreta, sente,
fazendo-se portanto responsável pela leitura que opera. Como esclarece Chauí (1993),
116
“porque cremos que a visão se faz em nós pelo fora e, simultaneamente, se faz de nós
para fora, olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si.” (p.
33). Por mais que as imagens captadas pelo olhar “denunciem” algo àquele que observa,
ainda assim há toda uma construção interpretativa quando se lê o outro, ou aquilo que o
outro representa. Pode haver enganos e limitações nas criações de significado que se
processam, de maneira que, ao ler a imagem ou mesmo os comportamentos e
expressões de alguém, muitas vezes o observador em questão revela algo de si em maior
proporção que a descoberta feita sobre o outro. Considerando a personagem Bento, vê-
se que, ao longo de toda a trajetória narrativa, pouco a pouco transparece a sua
configuração como “indivíduo singular”, de que fala Bosi (2007):
Em outros casos, ainda que não haja um entendimento pleno de uma situação,
exatamente porque ela não se configurou apoiada em materializações de linguagem,
ainda assim provoca-se, instiga-se que se criem raciocínios e suposições, através da
leitura do olhar e/ou de comportamentos. Acrescenta-se a isso o fato de que o olhar,
quando astuto e esquadrinhador, configura-se como mecanismo de leitura, uma vez que
busca reunir dados, “pistas” que se converterão em ideias, sentidos. Todas essas
modalidades de leitura, como já demonstrado, destacam-se, na ficção de Eça e
Machado, como relevantes recursos, oferecidos ao leitor real, para a ativa compreensão
das obras, no tocante ao delineamento das personagens e à elaboração da sua trajetória,
na narrativa.
118
envolverem-se no enredo, como agentes. Não se está aqui fazendo referência à categoria
de narrador que, em certos casos, acaba por participar ativamente do enredo, não por
meio de ações propriamente, mas mediante comentários, digressões, emissões de juízo
de valor ou simplesmente por meio de irônicas sugestões, em uma tentativa de
manipulação do leitor (que se torna explícita aos que têm “olhos de ver”). Nesses casos,
pode-se perceber que, embora seja marcante essa participação, que muitas vezes se faz
como intervenção ousada e bem-humorada, ainda assim a função primordial é a de
narrar, a de apresentar os fatos e, logicamente, as personagens a eles relacionadas. Mas,
o que dizer de certos “entes” que surgem na narrativa, delineados sob características que
os aproximam de seres humanos reais, tal qual ocorre com as personagens, sem no
entanto, interagir com elas, ou seja, sem conviver com os agentes que se movem na
narrativa? Observe-se o que Rosenfeld (1998) define como recursos de caracterização:
mas são demarcados também perfis de leitores reais que possivelmente se debruçariam
sobre tais narrativas e que são traçados à maneira de personagens.
Sem referência direta ao leitor da obra, ainda assim pode-se notar que ele é
definido como alguém cuja malícia se percebe facilmente, destacando-se a interferência
dessa característica na interpretação do episódio narrado. É delimitado um
comportamento de leitura de modo preciso, possibilitando entrever, neste trecho,
características de personalidade atribuídas ao leitor. Como é destacada a sua suposta
“mente perversa”, faz-se também um alerta ao modo de conduzir a leitura, para que uma
“astúcia desenfreada” não venha a interferir no julgamento daquela cena descrita. Vê-se
que o texto machadiano explora, de modo inovador, a ideia de que a leitura é sempre
afetada pelas experiências e até mesmo pelo temperamento e/ou constituição moral de
quem lê. Nas palavras de Barthes (2004):
Ainda acerca desse fragmento, acrescenta-se que, não apenas nessa ocasião, mas
em várias passagens das narrativas de Machado, faz-se referência à mulher, como
leitora de romances. No século XIX, ler tal gênero era prática essencialmente feminina e
frequente nas classes sociais mais elevadas economicamente, pela maior disponibilidade
não só de tempo, como também pelo fato de possuírem maior poder aquisitivo para
comprar os livros. Outra razão apontada por Watt (2007) para o romance ser lido
constantemente por mulheres é a que está exposta a seguir:
Para além de supor a idade de quem o lê, nota-se que o narrador machadiano
também formata outro atributo que é o fato de a leitora não acreditar em adivinhações,
previsões. Tal aspecto é apresentado de modo mais incisivo, pois é assegurado que ela
não crê; é feita, portanto, uma afirmação em tom de convicção, o que não se vê na
referência à idade, em que ainda há alguma suposição. Mas, ao tratar do fato de a leitora
não se deixar enredar por profecias, nota-se maior segurança no relato, como se de fato
estivesse sendo delineada não a leitora, externa à obra e comumente desconhecida, mas
uma personagem com características próprias.
Convém esclarecer que, em termos literais, não há como definir quem lê a obra,
a menos que esta seja de antemão direcionada a alguém, como se vê por exemplo em
romances que se compõem mediante a estruturação de várias cartas – com destinatário
certo – mas que vão narrando os fatos e apresentando as personagens através desse
mecanismo. Nesses casos, é como se o leitor estivesse tendo acesso a uma
correspondência particular e desse modo conhecendo os agentes e os fatos ali narrados.
Mas, no caso das obras machadianas aqui referidas, a singularização do leitor é na
verdade um artificio de criação literária que, além de propiciar uma interação entre o
texto e o leitor real, atesta o fato de que são diversas as possibilidades de leitura, uma
vez que são também múltiplas as personalidades que a desempenham, cada uma a seu
modo e imersa em um contexto distinto. E isto não apenas se refere a diferentes
momentos históricos em que leitores se debruçam sobre a obra machadiana, mas
destaca-se também o fato de que, ainda que imersos em um mesmo panorama
sociocultural, variadas leituras ocorrem porque são também vários os temperamentos,
conhecimentos e experiências de quem lê, ou seja, constituem-se “personagens da vida
real”, com atributos e características singulares.
123
Aires concordou rindo. Para Natividade valia por uma tentativa nova.
Confiava na ação do conselheiro, e para dizer tudo... Não sei se diga... Digo.
Natividade contava com a antiga inclinação do velho diplomata. As cãs não
lhe tirariam o desejo de a servir. Não sei quem me lê nesta ocasião. Se é
homem, talvez não entenda logo, mas, se é mulher creio que entenderá. Se
ninguém entender, paciência; basta saber que ele prometeu o que ela quis, e
também prometeu calar-se, foi a condição que a outra lhe pôs. (ASSIS, 1999,
p. 74,75).
perspicácia feminina, segundo o narrador. Desse modo, verifica-se que embora o leitor
da obra machadiana seja particularizado em várias passagens, mediante caracterizações
bem específicas, há, em outros momentos, uma construção mais generalizada que
estabelece como se processa a leitura masculina e a feminina. Esta última teria a
vantagem de identificar certos pormenores mais sutis, embora bastante relevantes, que
poderiam passar despercebidos pelo leitorado masculino. Esse potencial feminino
estaria diretamente ligado à própria natureza da mulher, habituada a detectar
simultaneamente diferentes informações, “lendo as entrelinhas”.
Por outro lado, na mesma obra, pode-se encontrar uma alusão à leitora, em que
enfaticamente é definido o aspecto fulcral de sua leitura: “O que a senhora deseja,
amiga minha, é chegar já ao capítulo do amor ou dos amores, que é o seu interesse
particular nos livros.” (ASSIS, 1999, p. 58). Restringe-se, portanto, a leitura feminina à
mera expectativa pelo desenrolar de tramas amorosas, o que pode indicar que a
sagacidade em enxergar o que os homens não percebem, quando leem, está muitas
vezes associada a temas de cunho sentimental. O texto de Machado, como o Eça, em O
primo Basílio (1878), aponta as limitações do universo feminino que se estendem ao seu
comportamento como leitoras; a falta de espaço e de oportunidades de atuação na
sociedade oitocentista atrelava a perspicácia feminina apenas a temáticas afetivas, na
grande maioria dos casos. No texto do autor português, esse perfil de leitora é
construído na categoria de personagem e o desempenho desta, ao ler, acaba por definir
sua personalidade, seus modos e suas ações, o que irá interferir diretamente no enredo.
E, em relação ao perfil construído, nota-se que suas preferências de leitura e as reações
que manifesta ao ler são delineadas de modo mais detalhado, em que cada pormenor
faz-se útil à compreensão plena da personagem:
ela possuía um interesse por criações que revelavam sentimentalismo e que continham
aventuras heroicas; tais aspectos a conduziam para um universo mais encantador que
aquele configurado na rotina da vida que levava. Os temas que lhe chamavam a atenção
eram exatamente os que mais destoavam daquilo que a rodeava no cotidiano e, desse
modo, ela se projetava para o cenário lido.
pelo leitor empírico. A outra possibilidade é a de que esse leitor real também pode
esboçar uma “hipótese de autor” com base nas estratégias textuais que tem diante de si.
Eco (1993) esclarece que o “autor-modelo” pode ser construído com base nas
informações que o leitor possui acerca do autor empírico; neste caso, é necessário frisar
que a elaboração de um autor-modelo não pode confundir-se com a busca por descobrir
a intenção do autor real; quando tal busca se torna um método de leitura, esta se torna
restrita e vaga. Observa-se, portanto, que “a cooperação textual é um fenômeno que se
realiza entre duas estratégias discursivas, não entre dois sujeitos individuais” (ECO,
1993, p. 66). Nesse sentido, compreende-se a grande inovação machadiana ao
transformar a interação texto-leitor, pois além dos artifícios de construção, circunscritos
ao enredo, são também simulados traços de personalidade e comportamentos de leitura
para o leitor empírico, transcendendo assim a esfera textual.
"Olhe que o senhor ainda nos não mostrou a dama ou damas que têm de ser
amadas ou pleiteadas por estes dois jovens inimigos. Já estou cansada de
saber que os rapazes não se dão ou se dão mal; é a segunda ou terceira vez
que assisto às blandícias da mãe ou aos seus ralhos amigos. Vamos depressa
ao amor, às duas, se não é uma só a pessoa..."
Francamente, eu não gosto de gente que venha adivinhando e compondo um
livro que está sendo escrito com método. A insistência da leitora em falar de
uma só mulher chega a ser impertinente. Suponha que eles deveras gostem de
uma só pessoa; não parecerá que eu conto o que a leitora me lembrou,
quando a verdade é que eu apenas escrevo o que sucedeu e pode ser
confirmado por dezenas de testemunhas? Não, senhora minha, não pus a pena
na mão, à espreita do que me viessem sugerindo. Se quer compor o livro,
aqui tem a pena, aqui tem papel, aqui tem um admirador; mas, se quer ler
somente, deixe-se estar quieta, vá de linha em linha; dou-lhe que boceje entre
dois capítulos, mas espere o resto, tenha confiança no relator destas
aventuras. (ASSIS, 1999, p. 58,59).
criam-se dizeres para quem lê a obra, de modo nítido, preciso, como se de fato houvesse
um contato direto entre quem escreve e quem faz a leitura. Esta, portanto, não é passiva,
mas realiza interferências, solicita novo andamento à narrativa. A “fala” da leitora é
mais um dado que a aproxima da categoria de personagem, pois, não apenas sua
imagem é definida, com caracteres e contornos precisos, mas vê-se que há também uma
participação direta de quem supostamente lê a obra, dando ao narrador uma espécie de
feedback, um retorno, manifestando impressões e sugestões acerca da leitura feita.
Se o texto de Machado, como foi visto, constrói uma imagem do leitor real com
perfil bem definido e supõe-lhe as reações de leitura, em Eça também se encontram tais
suposições, mas que se dão entre personagens leitoras. É relevante destacar o episódio
em que Gonçalo (A ilustre casa de Ramires, 1900) resolve escrever um artigo anônimo
para denunciar as atitudes do Governador Civil que, por não obter reciprocidade em um
processo de conquista amorosa, resolve vingar-se no irmão da jovem, transferindo-o de
seu posto de trabalho “para os confins do Reino, para a mais árida e escassa das
províncias, por o não poder empacotar para a África no porão sórdido duma fragata!”
(QUEIRÓS, 2010, p. 87). Ao compor o texto, Gonçalo exalta-se, imaginando quais as
reações das pessoas ao descobrirem o ocorrido e vendo na leitura a chance de todos, na
redondeza, terem a chance de desnudar o caráter de seu inimigo André Cavaleiro, o
governador. Supunha chocar a todos, inclusive e principalmente a irmã Gracinha, que
nutria sentimentos por tal homem:
Para além de presumir o que a leitura provoca, seja no leitor real ou nas
personagens leitoras que atuam diretamente no enredo, há, nas produções de Eça e
Machado, mais um ponto, nesse sentido, digno de nota: são expostas certas orientações,
de maneira que se percebe, embora de modo sutil, uma tentativa de manipulação do
leitor. Neste caso, tanto os textos do autor português quanto os do brasileiro dirigem-se,
direta ou indiretamente, ao leitor empírico. Observe-se primeiramente o caso da ficção
de Machado.
Aires não pensava nada, mas percebeu que os outros pensavam alguma coisa,
e fez um gesto de dois sexos. Como insistissem, não escolheu nenhuma das
duas opiniões, achou outra, média, que contentou a ambos os lados, coisa rara
em opiniões médias. [...] Mas este Aires, — José da Costa Marcondes Aires,
— tinha que nas controvérsias uma opinião dúbia ou média pode trazer a
oportunidade de uma pílula, e compunha as suas de tal jeito, que o enfermo,
se não sarava, não morria, e é o mais que fazem pílulas. Não lhe queiras mal
por isso; a droga amarga engole-se com açúcar. Aires opinou com pausa,
delicadeza, circunlóquios, limpando o monóculo ao lenço de seda, pingando
as palavras graves e obscuras, fitando os olhos no ar, como quem busca uma
lembrança, e achava a lembrança, e arredondava com ela o parecer. Um dos
ouvintes aceitou-o logo, outro divergiu um pouco e acabou de acordo, assim
terceiro, e quarto, e a sala toda. Não cuides que não era sincero, era-o.
Quando não acertava de ter a mesma opinião, e valia a pena escrever a sua,
escrevia-a. (ASSIS, 1999, p. 37).
Mais adiante, na mesma obra, tal artifício de criação é ainda mais persuasivo, já
que o leitor é alertado, a respeito do fato de estar equivocado nas suas conclusões a
respeito da personagem Flora:
O baile acabou. O capítulo é que não acaba sem que deixe um pouco de
espaço a quem quiser pensar naquela criatura. Pai nem mãe podiam entendê-
la, os rapazes também não, e provavelmente Santos e Natividade menos que
ninguém. Tu, mestra de amores ou aluna deles, tu, que escutas a diversos,
concluis que ela era... Custa pôr o nome do ofício. Se não fosse a obrigação
de contar a história com as próprias palavras, preferia calá-lo, mas tu sabes
qual é ele, e aqui fica. Concluis que Flora era namoradeira, e concluis mal.
Leitora, é melhor negar já isto que esperar pelo tempo. Flora não conhecia as
doçuras do namoro, e menos ainda se podia dizer namoradeira de ofício.
(ASSIS, 1999, p. 126).
empenha-se em refutar a suposta opinião de quem lê. Mais uma vez nota-se uma espécie
de embate entre criador e leitor, sendo que este é sempre singularizado, pois lhe são
atribuídos modos de pensar, juízos de valor, conclusões. Embora o receptor não atue
propriamente na narrativa machadiana, o apelo e o diálogo, que lhe são direcionados,
são tão marcantes e incisivos que, em vários momentos, ele assume funções de
personagem.
Esse mecanismo que acaba por, de certo modo, inserir o leitor real na narrativa,
ocorre em D. Casmurro, de forma bem específica, quando é apresentado um raciocínio
a ser considerado e, consequentemente, aceito por quem lê:
Ainda que admita ter tido uma reação motivada por ciúme, mesmo assim o
narrador induz o leitor a concordar com ele, no que se refere às atitudes de Capitu. E o
133
faz de maneira a inverter o raciocínio, pois estimula quem lê a deduzir os fatos por si
mesmo; mas, em contrapartida, caso tal dedução não se afine àquela pretendida por
quem narra, adverte que “escusado é ler o resto do capítulo e do livro” (p. 94). Ora, se
fosse de fato encorajada a liberdade de associação e de opinião do leitor, este não seria
desestimulado a dar prosseguimento à leitura, apenas por não concordar com as
conclusões que lhe foram apresentadas. Na verdade, há uma espécie de manipulação
velada que instiga o leitor a perceber o que de fato seria trocado entre Capitu e o
“peralta da vizinhança”, para que assim fosse aceito e compreendido o impulso do
narrador em cobrar explicações à moça. Portanto, para além do apelo que comumente é
entrevisto e direcionado ao leitor, encontram-se, nesta obra machadiana, recursos de
manipulação empreendidos pela personagem que narra e acaba por evocar, nos seus
relatos, a participação de quem o acompanha, incitando-o a fazê-lo cúmplice de suas
ideias.
Cabe ao leitor real a percepção das estratégias de persuasão que lhe são
destinadas e, a partir disso, construir sentido para o que lê. A respeito da liberdade do
leitor diante do literário, Jouve (2002) esclarece que, em geral, a obra aponta alguns
indícios que devem ser interpretados pelo leitor, em uma formulação de sentido que
considere o texto como um todo. Desse modo, elementos como a posição do narrador e
possíveis intervenções por ele realizadas, ao longo da obra, devem ser levados em conta
sempre com base na dimensão global do texto.
No fim da narrativa, por exemplo, evidencia-se que, mais uma vez, o leitor é
instigado a tomar para si as conclusões que lhe são expostas:
Todos os teólogos ensinam que a ordem dos sacerdotes foi instituída para
administrar os sacramentos; o essencial é que os homens recebam a santidade
interior e sobrenatural que os sacramentos contêm; e contanto que eles sejam
dispensados segundo as fórmulas consagradas, que importa que o sacerdote
seja santo ou pecador? O sacramento comunica a mesma virtude. Não é pelos
méritos do sacerdote que eles operam, mas pelos méritos de Jesus Cristo. O
que é batizado ou ungido, ou seja por mãos puras ou por mãos torpes, fica
igualmente bem lavado da mácula original, ou bem preparado para a vida
eterna. Isto lê-se em todos os santos padres, estabeleceu-o o seráfico concílio
de Trento. Os fiéis nada perdem, na sua alma e na sua salvação, com a
indignidade do pároco. (QUEIRÓS, 2004, 232).
determina a recepção das estruturas axiológicas da obra pelo leitor. Este, com efeito,
aborda o texto com seus próprios valores e pode, consequentemente, não aceitar a visão
ideológica do autor”. (JOUVE, 2002, p. 83). Acrescenta-se, a esta proposição, o fato de
que ela pode tomar dois caminhos: primeiramente, em uma perspectiva positiva,
observa-se que, confrontar a visão, exposta em um texto, pode revelar maturidade
intelectual, conhecimento e sensatez suficientes para não se aceitar passivamente o que
é lido, pois, para retrucar uma ideia, é necessário reunir argumentos e informações
relevantes. Entretanto, em uma segunda perspectiva, nota-se que a censura ou o
questionamento incisivo de uma abordagem, percebida por meio da leitura, pode revelar
um entendimento restrito, raso, a respeito de um tema, de modo que se impõe a seguinte
circunstância: o leitor acredita que o texto deve corroborar sua visão de mundo, do
contrário, ele rechaça combativamente o que leu, vetando a si mesmo a oportunidade de
renovar conceitos, ideias, crenças, opiniões.
Mas repugnava ao seu pudor de padre saber que aquela velha concubina de
autoridades civis e militares, que rolara a sua massa de gordura por todas as
torpezas seculares da cidade, conhecia as suas fragilidades, as
concupiscências que lhe ardiam sob a batina de pároco. [..] E o que o
incomodava era a ideia de ser observado por aqueles olhinhos cínicos, que
não se impressionavam nem com austeridade das batinas nem com a
responsabilidade dos uniformes, porque sabiam que por baixo estava
igualmente a mesma miséria bestial da carne... (QUEIRÓS, 2004, p. 225)
A voz do narrador mais uma vez se sobrepõe à das personagens, o que segundo
Abdala Jr. (2004), revela que elas “não têm autonomia: suas falas e pensamentos vêm
quase sempre circunscritos pelo seu discurso onisciente. [...] O narrador parece não
querer correr o risco de ceder à perspectiva de personagens que não teriam condições de
realizar a crítica social desenvolvida pela sua voz narrativa” (p.6). Seja por subestimar
as personagens, ou pelo simples fato de impor seu discurso, incorporando-o ao dos
agentes da narração – já que o atravessa – o fato é que o leitor é sempre interpelado,
“sacudido”, convidado à reflexão.
Apreender ou não aquilo que o texto propõe vai depender não apenas da rede de
significados ali inscrita, mas também dos modos pelos quais a leitura se desenvolve, isto
é, a maneira pela qual o leitor a exerce. Ele poderá, no exercício da recepção textual,
confrontar as próprias ideias com aquelas trazidas pela obra, de modo a transformar a
leitura em um ato que se realiza de modo particular. Nas palavras de Manguel (1997):
“Ler não é um processo automático de capturar um texto como um papel fotossensível
captura a luz, mas é um processo de reconstrução desconcertante, labiríntico, comum e,
contudo, pessoal” (p. 54).
Jouve (2002) enfatiza que o receptor está ao mesmo tempo “orientado” e “livre”,
no decorrer da leitura, porque a recepção de uma obra se desenvolve a partir de dois
polos: os “espaços de certeza e os espaços de incerteza” (p. 66). Os primeiros
correspondem às passagens mais explícitas do texto, mediante as quais se entrevê o
sentido de forma mais geral; já os “espaços de incerteza” remetem às passagens que,
para serem decifradas, solicitam a participação do leitor. Tais configurações de leitura
dialogam com a afirmação de Manguel (1997) de que “o papel dos leitores é tornar
visível aquilo que a escrita sugere em alusões e sombras” (p. 55). Essa escrita não
139
Em Esaú e Jacó (1904), verifica-se uma perspectiva sinuosa, uma vez que se
nota, a todo momento, um narrador que se despoja de uma posição onisciente e vai
apresentando os fatos e o interior das personagens com as ressalvas de alguém que não
ousa assegurar, confirmar o que diz. O relato ganha, quase sempre, ares de incerteza,
dúvida, a ponto de o narrador admitir que não sabe se realmente os acontecimentos
ocorreram como ele presume. É o que se nota, por exemplo, no momento em que as
personagens Pedro e Paulo resolvem acordar entre si um prazo para esperarem a opção
de Flora por um deles: “O céu parecia escrever o tratado de paz que ambos teriam que
assinar; ou, se preferes, a natureza corrigia as índoles, e os dois rixosos começavam a
ajustar o ser e o parecer. Também não juro isto, digo o que se pode crer só pelo aspecto
das coisas”. (ASSIS, 1999, p. 154). O narrador, assumindo uma posição de expectador
comum, admite que os dados apresentados baseiam-se naquilo que consegue observar e,
quando revela determinados aspectos, não tão visíveis, faz questão de ponderar que se
trata de uma suposição, um palpite.
Dessa maneira, nota-se que o ato de narrar acaba por definir-se não mais como
uma exposição plena de todos os detalhes e certezas acerca dos fatos, como era comum
nos oitocentos. A narrativa de Machado reveste-se de nuances menos esclarecedoras e
mais convidativas, uma vez que o leitor é desafiado a participar da construção de
sentidos, decifrando e atribuindo ideias ao que lê, como se observa no fragmento de
Esaú e Jacó (1904): “Ora, aí está a epígrafe do livro, se eu lhe quisesse pôr alguma, e
não me ocorresse outra. [...] um par de lunetas para que o leitor do livro penetre o que
for menos claro ou totalmente escuro”. (ASSIS, 1999, p. 38).
Outro ponto importante a destacar diz respeito ao fato de que se pode, à primeira
vista, associar um relato duvidoso ao mundo ficcional, em que não há compromisso de
fidelização com o real; entretanto, as incertezas expostas em Esaú e Jacó podem trazer
141
Flora é, como já lhe disse há tempos, uma inexplicável. Agora é tarde para
lhe expor os fundamentos da minha impressão; depois lhe direi. Note que
gosto muito dela; acho-lhe um sabor particular naquele contraste de uma
pessoa assim, tão humana e tão fora do mundo, tão etérea e tão ambiciosa, ao
mesmo tempo, de uma ambição recôndita... (ASSIS, 1999, p. 108).
É revelado um modo de criação que não se faz dogmático, não se impõe como
um modelo de acerto, pois há alternâncias, ao longo do romance, que permitem perceber
traços estilísticos diferenciados, embora componham o mesmo texto. Dessa maneira, o
143
leitor pode defrontar-se tanto com momentos em que o centro de atenção direciona-se
totalmente ao interior da personagem – e nessas ocasiões o pormenor parece ser
dispensável – mas também há momentos, ainda que não sejam tão frequentes, em que
cada detalhe que compõe a cena narrada é minuciosamente caracterizado.
isso mesmo, mais profundos, complexos e singulares. Por outro lado, o fato de haver
descrições pormenorizadas não inviabiliza a configuração de personalidades e suas
respectivas índoles na ficção; a questão é que os estilos de composição literária são
diferentes e as questões a serem enfatizadas, em uma obra, também se distinguem, de
autor para autor. Há, inclusive, situações em que os detalhes de um ambiente sinalizam
para um determinado temperamento que está sendo apresentado, como se houvesse uma
perfeita integração e uma interação entre a personagem e o ambiente/espaço em que ela
figura, como se observa em narrativas queirosianas.
Cólera contra a irmã que, calcando pudor, altivez de raça, receio dos
escárnios de Oliveira, tão fácil e estouvadamente como se calcam as flores
desbotadas de um tapete, correra ao Mirante, ao macho da bigodeira, apenas
ele lhe acenara com o lenço almiscarado! Cólera contra o Barrolo, o
bochechudo bacoco, que empregava os seus bacocos dias celebrando o
Cavaleiro, arrastando o Cavaleiro para o largo de El-Rei, escolhendo na
adega os vinhos mais finos para que o Cavaleiro aquecesse o sangue,
ajeitando as almofadas de todos os canapés para que o Cavaleiro saboreasse
estiradamente o seu charuto e a graça presente de Gracinha! Enfim cólera
contra si, que, pela baixa cobiça de uma cadeira em S. Bento, abatera a única
muralha segura entre a irmã e o homem da marrafa luzente – que era a sua
inimizade, aquela escarpada inimizade, sempre, desde Coimbra, tão rijamente
reforçada e recaiada!... Ah! todos três horrendamente culpados! (QUEIRÓS,
2010, p. 187).
Neste fragmento, ficam claras as ideias de Gonçalo: ele reprova a atitude da irmã
– que cedera às investidas do Cavaleiro – e condena também o Barrolo, por mostrar-se
incapaz de ler, nos gestos daquele homem, o interesse por sua esposa. Nota-se também a
autocensura de Gonçalo, ao reconhecer que pusera o interesse político acima das
questões familiares. Contudo, logo adiante, na passagem de um parágrafo a outro da
narrativa, o protagonista passa a refletir sobre o caso de modo reverso, procurando
atenuar as culpas alheias, como também a sua. Isto revela a flexibilidade dos
raciocínios, que não se fazem absolutos, imperiosos:
Gracinha, coitada, sem filhos, com tão molengo e insosso marido, alheia a
todos os interesses da inteligência, indolente mesmo para uma costura ou
bordado - cedera, que mulher não cederia? À crédula e primitiva paixão que
lhe brotara na alma, nela se enraizara, lhe dera as suas únicas alegrias do
mundo e (influência ainda mais poderosa!) lhe arrancara as suas únicas
lágrimas! O Barrolo, coitado, era o Bacoco – e como o "pilriteiro" da cantiga,
incapaz de mais nobres frutos, só produzia os "pilritos" da sua Bacoquice. E
146
Outro trecho marcante, nesse sentido, é aquele em que finalmente sai o resultado
da eleição e Gonçalo confirma sua vitória, mas esta, uma vez declarada, parece não
mais embevecê-lo:
ele descreve um ambiente, na sua novela, indica que tomava de “empréstimo” alguns
trechos de outros autores: “Gonçalo adornara a soturna sala afonsina com alfaias tiradas
do tio Duarte, de Walter Scott, de narrativas do Panorama. Mas que esforço!”
(QUEIRÓS, 2010, p. 48). O tio Duarte havia escrito um poema a respeito das façanhas
de Trutesindo Ramires, antepassado de Gonçalo, e a leitura dessa obra serviu como
modelo para a criação do texto do protagonista, sem qualquer constrangimento íntimo
por apropriar-se da iniciativa e da escrita alheias:
Gonçalo valia-se dos dados históricos reunidos pelo tio Duarte, porém, ainda
assim, a sua experiência de criação não transcorre com a tranquilidade que ele previu, já
que, em vários momentos, pesava-lhe a dificuldade de organizar a escrita, tornando-a
distanciada dos arroubos românticos do poema original e que já estariam ultrapassados.
Assim, “[...] no calor e silêncio de junho, labutava, empurrando a pena como lento arado
em chão pedregoso, riscando logo rancorosamente a linha que sentia deselegante e mole
[...].” (QUEIRÓS, 2010, p. 24). Ao longo do romance, em vários momentos, é exposto
o laborioso projeto de Gonçalo, ao tentar converter para um tom mais incisivo e robusto
os versos sentimentais do poema do tio:
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[...] levado no harmonioso sulco do tio Duarte, também ele, nas linhas
primeiras do Capítulo, esboçara o velho abatido sobre um escanho, com
lágrimas reluzentes sobre as barbas brancas [...]. Mas, agora, este choroso
desalento não lhe parecia coerente com a alma tão indomavelmente violenta
do avô Trutesindo. O tio Duarte, [...] romântico plangente de 1848, inundara
logo de prantos românticos a face férrea de um lidador do século XII, dum
companheiro de Sancho I! Ele porém devia restabelecer os espíritos do
Senhor de Santa Ireneia dentro da realidade épica. E, riscando logo esse
descorado e falso começo de Capítulo, retomou o lance mais vigorosamente,
enchendo todo o castelo de Santa Ireneia duma irada e rija alarma.
(QUEIRÓS, 2010, p. 119)
E para além dos obstáculos que encontrava, na sua prática de leitura e reescrita,
Gonçalo por vezes sofria interrupções que o transportavam do passado glorioso do seu
avô Trutesindo para o presente ordinário, trivial. E este lhe reclamava atenções e a
resolução de problemas cotidianos que muito destoavam das aventuras heroicas
descritas na sua novela:
consciência da abjeção presente, por contraste com um passado de fantasias.” (p. 473).
Tal experiência é partilhada com o leitor da obra, para quem avultam tais oposições.
Apesar de estar, a todo momento, envolvido com os atos de bravura do avô Trutesindo,
ele procura se safar de toda situação que denote algum perigo. É significativa, nesse
sentido, a cena em que se vê ameaçado pelo homem com quem havia travado um acordo
financeiro e depois desistido, faltando-lhe com a palavra dada:
Erguera o cajado... - Mas, num lampejo de razão e respeito, ainda gritou, com
a cabeça a tremer para trás, através dos dentes cerrados:
- Fuja, Fidalgo, que me perco!... Fuja que o mato e me perco!
Gonçalo Mendes Ramires correu à cancela entalada nos velhos umbrais de
granito, pulou por sobre as tábuas mal pregadas, enfiou pela latada que orla o
muro, numa carreira furiosa de lebre acossada! Ao fim da vinha, junto aos
milheirais, uma figueira brava, densa em folha, alastrara dentro dum
espigueiro de granito destelhado e desusado. Nesse esconderijo de rama e
pedra se alapou o Fidalgo da Torre, arquejando. (QUEIRÓS, 2010, p. 98)
Não, senhora minha, não pus a pena na mão, à espreita do que me viessem
sugerindo. Se quer compor o livro, aqui tem a pena, aqui tem papel, aqui tem
um admirador; mas, se quer ler somente, deixe-se estar quieta, vá de linha em
linha; dou-lhe que boceje entre dois capítulos, mas espere o resto, tenha
confiança no relator destas aventuras. (ASSIS, 1999, p. 58,59).
Outro ponto a destacar é o fato de que a referência à leitora pressupõe que ela
pode vir a bocejar, em alguns momentos da narrativa, por desinteressar-se de dados da
trama que não sejam aqueles relativos a aventuras amorosas. A leitura feminina, nos
oitocentos, estava fortemente relacionada a temas voltados à emotividade, às intrigas e
cenas em que o amor, os sentimentos fossem o conteúdo predominante. Entretanto, tal
predileção não determina o curso da narrativa, ao contrário, é rechaçada a possibilidade
de conotações românticas:
Ainda não lhes disse que a alma de Natividade era azul. Aí fica. Um azul
celeste, claro e transparente [...] Não, leitor, não me esqueceu a idade da
nossa amiga; lembra-me como se fosse hoje. Chegou assim aos quarenta
anos. Não importa; o céu é mais velho e não trocou de cor. Uma vez que lhe
não atribuas ao azul da alma nenhuma significação romântica, está na conta.
(ASSIS, 1999, p. 47).
A crítica feita por Machado ao romance O primo Basílio toca exatamente nessa
questão: a de a protagonista parecer-lhe absolutamente passiva, um verdadeiro títere,
muito embora tal perspectiva se aproxime mais de uma crítica de natureza moral que
propriamente da exposição de um defeito na construção da narrativa e da personagem,
conforme já comentado no primeiro capítulo. De qualquer modo, a ficção machadiana,
especialmente no que se refere a textos produzidos após 1878 (ano da publicação de O
primo Basílio), apresenta personagens que parecem agir de modo autônomo, o que pode
revelar uma criação literária distanciada de preceitos de época ou predileções do
leitorado. Simular a independência da personagem, como se fosse um indivíduo real,
com liberdade de ação, indica também uma forma livre de narrativa, sem amarras, sem
adequações às expectativas de quem lê.
Também eu, se é lícito citar alguém a si mesmo, também eu acho que a dança
é antes prazer dos olhos que dos pés, e a razão não é só dos anos longos e
grisalhos, mas também outra que não digo, por não valer a pena. Ao cabo,
não estou contando a minha vida, nem as minhas opiniões, nem nada que não
seja das pessoas que entram no livro. Estas é que preciso pôr aqui
integralmente com suas virtudes e imperfeições, se as têm. Entende-se isto,
sem ser preciso notá-lo, mas não se perde nada em repeti-lo. (ASSIS, 1999, p.
88).
Não apenas o leitor real é atraído a envolver-se com o que lê, mas as próprias
personagens sofrem um apelo, como se de fato pudessem ter a liberdade de decidir o
que e quando ler. É o que ocorre, por exemplo, quando Bento (D. Casmurro), após
expor reflexões íntimas, adverte uma das personagens do enredo, a respeito do teor de
suas conjecturas.
D. Sancha, peço-lhe que não leia este livro; ou se o houver lido até aqui,
abandone o resto. Basta fechá-lo; melhor será queimá-lo, para não lhe dar a
tentação de abri-lo outra vez. Se apesar do aviso, quiser ir até o fim, a culpa é
sua; não respondo pelo mal que receber. (ASSIS, 1995, p. 165,166).
Conclusão
Pensar a arte como “uma maneira particular de significar” (JOUVE, 2012, p. 14)
traz a lume dois importantes pressupostos, ao se considerar a criação literária: primeiro
a extraordinária potencialidade comunicativa da linguagem, elaborada de forma a
revelar e atualizar inesperadas possibilidades, dentro de um sistema linguístico. Em
seguida, destaca-se o fato de essa formulação, esse arranjo textual inédito e convidativo,
não prescindir da “cumplicidade” de um leitor, não apenas para fruir os efeitos estéticos
provocados, mas também para relacionar e potencializar, em diferentes desdobramentos,
os temas que a construção literária fomenta.
São exatamente essas questões que afastam a ideia de inutilidade da arte, pois,
embora não haja um ganho imediato, considerando fins práticos, torna-se possível, por
meio de produções artísticas, divisar aspectos da existência humana, que muitas vezes
passam despercebidos, pelo automatismo das rotinas. Por estar vinculado a uma cultura
específica, por desempenhar determinada profissão, vivendo em uma região e
pertencendo a certas comunidades sociais, muitas vezes o indivíduo encapsula-se,
mesmo sem se dar conta, e acaba por restringir o alcance do seu conhecimento de
mundo e da sua capacidade perceptiva. A arte, portanto, instiga a abertura de “canais”
que viabilizam o aflorar da sensibilidade, da criticidade e a ampliação da habilidade de
(res)significar dados da existência.
Com base nisso, é possível realçar dois pontos relevantes: primeiro a crucial
participação do leitor na busca pela compreensão ampla da obra, conectando segmentos
e fazendo associação de ideias, no decifrar do não-dito do texto. Depois, o fato de que a
operação do ler, desempenhada por personagens, no interior de certas narrativas,
também pode converter-se em elemento-chave para a identificação do perfil desses
indivíduos e dos seus modos de interação, no âmbito ficcional. Esse é, inclusive, um
ponto de contato entre as narrativas de Eça e Machado, pois, é possível entrever ali que
a construção das personagens embasa-se nos seus comportamentos como leitoras, ou
seja, elas se revelam a partir do que leem e do modo como o fazem.
descortina, para o leitor real, alguns indícios do temperamento deles e demais aspectos
de sua construção, como também contribui para a identificação de contrastes e lacunas
que incitam a imaginação de quem lê.
Tal raciocínio conduz à perspectiva de que a personagem pode ser pensada como
um efeito de leitura, uma vez que é o leitor da obra quem irá, a partir das informações
fornecidas pelo texto, reunir ideias a ponto de criar uma imagem mental representativa
do ser ficcional. Essa criação pode não ser permanente, em razão do próprio movimento
de leitura que vai iluminando novos aspectos relativos à constituição da personagem. O
leitor vai, portanto, concatenando os segmentos textuais, ativando ideias, fazendo
associações e selecionando as possibilidades de sentido mais coerentes, compondo
assim a figura ficcional, do modo como a concebeu.
leitura manifesto nas personagens de contos e romances aqui estudados, pois elas por
vezes contrariariam princípios consolidados, viabilizando uma releitura, uma
atualização de ideias. Mediante o questionamento incisivo e mordaz, verificado, por
exemplo, nas críticas de Amaro aos posicionamentos da Igreja, ou por meio do tom
paródico e bem-humorado de personagens do conto Adão e Eva ou do romance Esaú e
Jacó, o fato é que a maneira como são tratados alguns temas e valores socioculturais se
configura como uma reformulação de ideias, ou seja, como uma releitura. Esta,
inclusive, convida o leitor real a repensar, reavaliar ou ao menos conhecer novas
diretrizes de pensamento acerca de determinadas questões. Desarticulam-se, por
exemplo, certas visões acerca do sagrado, isto é, a respeito de concepções religiosas
estáveis que direcionam muitos adeptos até hoje. Curiosamente, no período oitocentista,
como se verifica nas obras em questão, tais temas – polêmicos – já levantavam
discussões, propiciando a contestação de crenças, em processos de releitura.
Configura-se, assim, mais uma dimensão da leitura, aquela que busca decifrar
informações e mensagens que não se codificam linguisticamente, mas que se constituem
fontes de significado: olhares, gestos, atitudes. E, para além disso, o olhar que
empreende um exame minucioso de fisionomias e expressões, a fim de encontrar ali
sentidos relevantes, corresponde a um ato de leitura, pois compreende uma ação em que
se combinam observação, inferências e construção de ideias.
personagens leitoras cuja relação com a leitura define a sua composição, mas, somente
nas criações do autor brasileiro, até mesmo o leitor real é particularizado, ganhando
atributos bem específicos, à maneira de uma personagem. Com essa técnica, faz-se uma
mescla entre as esferas ficcional e extraficcional, criando uma ilusão de veracidade, pois
é simulado, frequentemente, um perfil de leitor, como se a obra se destinasse a um
indivíduo específico. Porém, à medida que a narrativa avança, novos perfis surgem –
descritos brevemente, mas em interação com quem narra – como se, em diferentes
momentos, o narrador se dirigisse a um leitor em particular. Há, portanto, uma
singularização do leitor real, cujo delineamento o aproxima da categoria de personagem.
Sobressaem dados como idade, ofício que desempenha, temperamento, ou mesmo
crenças que possui; e todos esses aspectos interferem no modo de apresentação dos
fatos, pois estes são narrados considerando e simulando que se tem uma específica
configuração de leitor, acompanhando cada momento da trajetória narrativa.
O romance A ilustre casa de Ramires, por sua vez, convida o leitor a participar
em coautoria, porque em vários momentos há ali uma relativização de sentidos, por
meio da apresentação de raciocínios que se flexibilizam, oscilando entre uma e outra
perspectiva, em diferentes apreciações de um mesmo fato. Essa obra faz transparecer
um tom menos incisivo e menos combativo, na narrativa de Eça, caso se considerem
romances anteriores, como O crime do padre Amaro e O primo Basílio. Assim, por
meio da apresentação de visões diferentes associadas às mesmas circunstâncias, o leitor
vai construindo suas próprias conclusões, ainda que seja pelo fato de atestar o grau de
coerência de cada uma das versões que o texto apresenta.
A coautoria delimita-se não apenas como um processo que envolve o leitor real
em uma construção mais efetiva de sentidos para a obra, mas também, dentro da
narrativa, quando uma personagem, que atua como escritor, vale-se do ato de ler como
fonte de onde extrai dados para a sua produção escrita. Gonçalo (A ilustre casa de
Ramires) acaba estendendo à própria vida a experiência de reescrever cenas, adulterar
textos – que era afinal o seu recurso para a criação de uma novela – e assim modifica
também a apresentação das suas experiências pessoais, enaltecendo-se, em total
desacordo com os fatos.
Para além disso, outro ponto que justifica o estudo de obras “clássicas” é
exatamente o fato de o fenômeno da leitura se manifestar em diferentes dimensões,
desdobrando-se a ponto de permitir sempre algo a ser notado, a ser examinado e
discutido nos textos. Como afirma Calvino (2013): “um clássico é um livro que nunca
terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. (p. 11). E essa infinidade de temas,
apoiada em diferentes possibilidades de leitura, sempre atrairá novos interessados e
também estudos que se farão usuais e novos, ao mesmo tempo.
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