Por Um Planejamento Linguístico Local

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Por um planejamento linguístico local1

Solange Aparecida Gonçalves


Doutoranda/Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Resumo:
Neste trabalho objetivo fazer uma reflexão sobre alguns dos fatores envolvidos na
elaboração e na condução de políticas / planejamentos linguísticos necessários para
o fortalecimento de línguas indígenas. Nesse percurso, enfatizo a importância de
planejamentos linguísticos locais e apresento algumas experiências voltadas para a
revitalização de línguas indígenas em nosso país e também no exterior.
Palavras chave: política linguística; planejamento linguístico local; fortalecimento
de línguas indígenas.

Abstract:
In this paper I briefly discuss some of the factors involved in formulating and carrying
out linguistic policies / planning necessary to strengthen indigenous languages. While
doing so, emphasis will be given to the importance of local linguistic planning. I
also present some experiences of indigenous languages revitalization in Brazil as
well as abroad.
Key-words: linguistic policy; local linguistic planning; strengthening of indigenous
languages.

Résumé:
Ce papier projette de refléter brièvement sur quelques facteurs impliqués dans
l'élaboration et mise en oeuvre de policies/plannings linguistique nécessaires pour le

1.
Recebido em 6 de junho de 2009. Aprovado em 1 de agosto de 2009. Texto apresentado para qualifica-
ção na área de “Multiculturalismo, Plurilinguismo e Educação Bilíngue” do Departamento de Linguística
Aplicada, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da Unicamp, sob orientação da Profª. Drª Terezi-
nha de Jesus Machado Maher, a quem agradeço a dedicação e o carinho. Agradeço também pela leitura
cuidadosa e sugestões à Profª. Maria Filomena S. Sandalo e ao Prof. Angel Corbera Mori (membros da
banca de qualificação).

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Revista Investigações

renforcement de langues indigènes. En faisant cela, les accentuations seront données à


l'importance d'organisation linguistique locale et quelques expériences de revitalisation
des langues indigènes au Brésil aussi bien qu'à l'étranger seront discutés.
Mots-clé: politique linguistique; organisation linguistique locale; renforcement
de langues indigènes.

Introdução

É consenso que exista, atualmente, entre 5000 e 6000 línguas faladas


no mundo (cf. Grenoble and Whaley 1998/1999). A despeito da variação
numérica encontrada na literatura no que se refere ao número de línguas hoje
existentes,2o que se percebe é que a distribuição dessas línguas é variável em
termos de localização geográfica e em relação ao número de pessoas que as
utilizam. Importa ressaltar, além disso, que dentre essas aproximadamente
6000 línguas há aquelas com grande vitalidade e que são utilizadas por um
grande número de falantes3e há outras que estão seriamente ameaçadas de
extinção (Hinton 2001).
De modo geral, Fishman (1991) considera uma língua em perigo
iminente de extinção quando ela não está mais sendo ensinada às crianças - a
morte dos últimos falantes idosos, nesses casos, leva ao desaparecimento das
línguas que se encontram nessas situações. Entretanto, isso não acontece
aleatoriamente; há por detrás disso, pressões para que a língua deixe de ser
transmitida de uma geração a outra. Zimmermann (1999:72) ressalta:

2.
Explicações para a tal variação se justificam, segundo a UNESCO, pela dificuldade de atualização dos dados
e pela existência de divergências entre pesquisadores no que tange à diferença entre dialetos e línguas (ver o
“Atlas da Unesco das Línguas em Perigo de Desaparecer”, atualizado em 20/01/2005 e disponível em http://
portal.unesco.org . O acesso a essa página eletrônica ocorreu em outubro de 2007).

Cabe ressaltar que a questão da vitalidade de uma língua não é, como pode parece à primeira vista, uma
3.

questão relacionada somente ao número de falantes que a utilizam. Atualmente, mesmo algumas línguas
com grande número de falantes podem ser classificadas como línguas ameaçadas. Zimmermann (1999:111),
por exemplo, afirma que “o grupo numericamente mais importante no México, os falantes de Náhuatl, com
mais de um milhão de membros também está com sua língua ameaçada” (tradução minha).

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As razões que levam a desprender-se do que foi sua própria língua


não são de modo algum desenvolvimentos naturais. Trata-se
de desenvolvimentos que tem a ver com relações de poder, de
desenvolvimentos provocados, ainda que nem sempre sejam os
efeitos dos desenvolvimentos planejados concretamente.

Também Albó (1988:101,102), referindo-se à opressão das


línguas nos Andes, sustenta que o futuro do que ele chama de ‘idiomas
oprimidos’ está relacionado com o futuro (econômico e político) dos
povos que os falam.
No Brasil estima-se que haja em torno de 180 línguas indígenas faladas4
(Rodrigues 1986) e assim como outras línguas indígenas faladas no mundo,
essas também estão ameaçadas e em perigo de extinção.5 Os povos indígenas
em nosso país sofreram (e ainda sofrem) as consequências da expansão da
sociedade majoritária e apesar de suas muitas formas de resistência, vivem
atualmente em situações de risco, não somente no que se refere à ocupação
de suas terras tradicionais, mas também no que concerne o exercício de
suas práticas culturais específicas e ao uso das línguas de seus ancestrais.
Muitos desses povos vivem, portanto, nos dias de hoje, assombrados pelo
fantasma do eventual desaparecimento de suas línguas, fato ocorrido com
inúmeras línguas minoritárias brasileiras.
Maher (1996:49) aponta como causa principal para as perdas
linguísticas ocorridas no país a política linguística que, historicamente,
elegeu o Português como “língua nacional”:

4.
Segundo Moore (2006) – pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi – há em torno de 154 línguas
indígenas distintas em nosso país. A diferença de seu levantamento em relação a outros (como o de
Rodrigues 1986) reside, segundo esse autor, principalmente “no problema da confusão frequente entre
línguas, dialetos e grupos étnicos”.
5.
Ainda para Moore (2006) “23% das 154 línguas faladas no Brasil estão ameaçadas de extinção em curto
prazo, devido aos seus números reduzidos de falantes e baixa transmissão à nova geração. A situação de
muitas outras línguas é também bastante precária. O grau de perigo foi subestimado no passado, devido
à falta de informações sólidas sobre línguas em regiões remotas e devido também a uma confusão entre o
número de falantes (ou semi-falantes) da língua de um grupo e o tamanho da população do grupo”.

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Sabemos que a política linguística no Brasil elegeu a língua


portuguesa como ‘língua nacional’, língua de prestígio.
Historicamente, tem sido ela a língua da escola. A literatura nela
produzida tem sido incentivada e cuidadosamente documentada.
Exclusivamente dela sempre se utilizaram o discurso legal, os
meios de comunicação de massa. A língua portuguesa impera,
portanto, no âmbito do formal, do oficial, do público e, por isso,
é ela a língua dominante no país. Desprestigiadas, às demais línguas
brasileiras restou o papel de línguas subalternas.

De fato, essa política linguística é histórica e teve seu início em 1757


quando o Marquês de Pombal estabeleceu o ‘Diretório’, tornando obrigatório
o ensino de Português nas escolas brasileiras, enquanto, paralelamente, proibia
o ensino e o uso das línguas indígenas e da língua geral (Cruz 2006: 43).
Considero importante também ressaltar, embora não seja foco principal
desse trabalho, outras questões referentes às causas de perda linguística e que
se aplicam a todas as comunidades de fala ameaçadas:

a) vários autores, tais como Grenoble e Whaley (1998/1999), por


exemplo, sugerem que efetivamente uma língua deixa de ser falada por
decisão do grupo, mas que, no entanto, isso que não significa dizer que
essa decisão é sempre consciente; na maioria das vezes desigualdades
sociais, econômicas e culturais estão por detrás dessa decisão;

b) o status ou prestígio da língua em questão é outro fator a ser


considerado. Uma língua utilizada em todas as instâncias governamentais,
nas escolas, na comunicação entre as pessoas, nas relações comerciais,
na escrita; claro que é uma língua que possui prestígio. Nesse caso,
normalmente ela se relaciona com o status de língua oficial, pois além
de ser usada amplamente na sociedade, ainda tem o aparato legal do
Estado, que normalmente assim a define;

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c) a repressão a uma língua, responsável pela diminuição ou impedimento


de seu uso precisa ser considerada nos processos de perda linguística;

d) aponta-se, muitas vezes, que a implantação de escolas possa se


constituir em uma das causas que acarreta a diminuição da eficácia
de uma língua em uma comunidade, pois introduz um contexto que
utiliza majoritariamente, senão exclusivamente, a língua oficial. A
escola, porém, também pode ser, segundo Hinton (2001) um espaço
de manutenção da língua de determinado povo;

e) introdução de novas tecnologias e tudo o mais que vem junto


com elas, por exemplo a televisão (e novelas...), o computador (e a
Internet...). Entretanto não se pode negar que tais tecnologias, se bem
utilizadas, podem ser úteis para a manutenção de uma determinada
língua.

Bobaljik e Pensalfini (1996:10-11) sintetizam assim a questão para a


perda linguística:

Línguas ameaçadas são precedidas por um declínio no status social e econômico


dos falantes. É acompanhada por contínua opressão dos falantes e/ou
disparidades econômicas entre falantes das línguas ameaçadas e falantes da
língua ‘colonizante’ (tradução minha).

Como se pode observar, não há, ou melhor, não se pode considerar um


único fator responsável pela perda linguística; há um conjunto de complexos
e graduais fatores envolvidos. Por isso é importante e necessário avaliar o
contexto sócio-histórico em que determinada comunidade de falantes está
inserida.
Apesar de as mudanças linguísticas ocorrerem, essas não podem ser
sempre consideradas processos irreversíveis (Maher 2006). Cabe ressaltar,
porém, que na reversão de tais processos vários esforços são necessários por

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parte das comunidades cujas línguas estão ameaçadas de não mais serem usadas
por esses grupos étnicos. Muitas variáveis estão presentes na consecução de uma
política linguística e na elaboração de um planejamento linguístico6voltados
para programas de revitalização7 de línguas nessa situação.
Assim sendo, e de modo a contribuir para empreendimentos dessa
natureza, minha proposta neste trabalho é inicialmente fazer uma reflexão
sobre os fatores envolvidos na elaboração e na condução de políticas /
planejamentos linguísticos necessários para o fortalecimento de línguas
indígenas, para em seguida focalizar algumas experiências e esforços locais em
nosso país e também outros como os empreendidos pelo povo Cochiti (que
vive no Novo México e fala a língua Keres) e pelo povo Mãori (que vive na
Nova Zelândia) nos processos para a revitalização de suas línguas ancestrais.

Política Linguística e Planejamento Linguístico

Vários autores fazem uma separação clara entre os conceitos de política


linguística e planejamento linguístico. Para Cooper (1989:45) a política
linguística diz respeito às metas estabelecidas a nível local ou governamental
para a língua ou para as línguas existentes em uma sociedade ou em um
determinado contexto, enquanto planejamento linguístico refere-se aos processos
de operacionalização de uma política linguística.
Segundo Cooper (1989:29), Haugen foi o primeiro a utilizar, em seu
artigo de 1959, o termo planejamento linguístico, por ele definido como “a
atividade de preparar uma ortografia, gramática e dicionário para orientação
de escritores e falantes em uma comunidade de fala não-homogênea”.8 O

6.
No Brasil é mais comum encontrarmos o termo ‘linguistic planning’ traduzido como ‘planificação
linguística’. Faço uma opção, entretanto, de manter o termo ‘planejamento linguístico’ como utilizado,
por exemplo, por Monserrat (2001; 2006).
7.
O termo ‘revitalização’ é aqui utilizado no sentido presente em Hinton (2001:5), englobando tanto o
restabelecimento do uso de uma língua que pode ter sido deixada de ser usada pela comunidade, quanto a
manutenção ou fortalecimento de uma determinada língua ainda em uso.
8.
Haugen buscava mostrar em seu trabalho a intervenção estatal na Noruega na construção de uma

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trabalho pioneiro de Haugen motivou vários estudiosos a se debruçarem


sobre a questão: Cooper (1989:30) enumera doze definições de planejamento
linguístico que vieram depois do trabalho do pesquisador norueguês, criticando,
entretanto, o fato de que muitas dessas definições restringem as intervenções
linguísticas a atividades ligadas a autoridades governamentais e suas agências,
o que excluiria outros níveis da sociedade da participação em decisões dessa
natureza.9 Tollefson (1991) compartilha essa preocupação, afirmando que,
embora uma definição comumente aceita de planejamento linguístico informe
que ele se refere a todos os esforços conscientes que afetam a estrutura ou
função da variedade linguística, a definição comumente aceita para política
linguística seria qualquer planejamento linguístico feito exclusivamente a nível
governamental. Para o referido autor (Tollefson 1991:16), no entanto,

A distinção clássica entre ações governamentais e não-governamentais


reflete uma perspectiva sócio-teórica acrítica porque ignora a estreita
relação entre o setor “público” e o “privado”. Além disso, a dicotomia
tradicional planificação/política reflete uma crença implícita na
possibilidade de escolhas e ações essencialmente ahistóricas e
“livres”. (...) Essa concepção não contempla a sustentação ideológica
ou estrutural da planificação/política linguística, nem a sua ligação
com questões de poder e hegemonia. Uma concepção alternativa
de política linguística (usada aqui para referir atividades tanto
governamentais quanto não-governamentais) procura localizar
políticas linguísticas no interior de uma teoria social ampla.

identidade nacional frente à dominação dinamarquesa através da implantação de uma língua nacional
(Calvet 2007:12).
9.
Geralmente os planejamentos e as políticas implementadas por Estados referem-se, na visão de Calvet
(2007:93-101), à defesa de línguas nacionais, como foi, por exemplo, o caso da França. Essas intervenções
governamentais terminam por influenciar as diversas comunidades de línguas consideradas não-
majoritárias e que não possuem o status ou o prestígio de língua nacional, tal como ocorreu em muitos
países da África. Porém, como destaca Hinton (2001:39), políticas e planejamentos linguísticos de
Estado podem também servir de ferramentas para grupos minoritários aumentarem a proteção para suas
próprias línguas.

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É, evidentemente, difícil entender políticas e planejamentos


linguísticos fora dos contextos sociais e históricos nos quais são produzidos
ou pensá-los à parte das condições sócio-históricas e culturais nas quais
se inserem as comunidades de falantes, quer essas se refiram a sociedades
nacionais ou grupos locais. Assim, quando utilizo o termo política /
planejamento linguístico, concordando com Cooper (1989), não estou me
referindo exclusivamente a empreendimentos ‘oficiais’, mas, sim, a um
conjunto de intenções e modos de implementação dessas intenções que
podem assumir formas localmente, de modo ‘caseiro’.
Não se pode negar, é certo, que decisões políticas governamentais têm
um grande impacto na preservação ou no desaparecimento da diversidade
linguística em uma sociedade.
Zimmermann (1999:30) argumenta:

A planificação linguística tem a ver com uma área de atuação


política, com uma atuação que tem como objeto mudanças nas
situações linguísticas. No entanto, as ‘situações linguísticas’ não
devem ser entendidas como algo coisificado. Trata-se somente
de uma forma abreviada de referir-se às situações sociais em
relação com a língua.

Dito de outra maneira, não se pode perder de vista que decisões


políticas governamentais precisam considerar as questões sociais envolvidas
com e nas comunidades de fala, para se colocar em prática as ações de um
planejamento linguístico. Nesse sentido, as ações implementadas a nível local
e que efetivarão tais políticas serão responsáveis pelos resultados obtidos.
Autores como Romaine (2002:195), por exemplo, pensando nessa
questão de políticas governamentais, apontam que vínculos frágeis entre
política e planejamento linguísticos podem levar a políticas ineficazes. Nesse
mesmo caminho Zimmermann (1999:117-118) chama a atenção:

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Pode resultar que se realize uma política linguística direta com um


enfoque explícito e sincero de respeito pelas línguas ameríndias,
mas que se prossigam políticas econômicas que contradizem e
invalidam o pleno desenvolvimento da política linguística. O
respeito às línguas ameaçadas não se realiza somente com uma
política linguística mas com uma política integral.

De todo modo, penso que dificilmente as decisões políticas locais


e que não necessariamente estejam vinculadas a políticas governamentais,
deixarão de ter um impacto sobre esses povos. Se estas serão eficientes ou
não, dependerá de vários fatores, entre eles, de uma constante avaliação pelo
grupo das ações estabelecidas e, se necessário, de replanejamentos. A partir
de critérios de avaliação do nível em que se encontra uma determinada língua
em uma comunidade em termos de ameaça ou perigo de extinção é que se
pode planejar e implementar ações locais capazes de reverter tal situação.
Por isso, chamo a atenção para a necessidade de fortalecimento político e
organização dos povos indígenas no Brasil para defesa de seus direitos, dentre
eles, se assim o quiserem, na defesa da manutenção ou revitalização de suas
línguas ancestrais.
Assim, importa focalizar especificamente, neste artigo, os meios de se
atingir tal objetivo, i.e., planejamentos linguísticos.

Tipos de Planejamentos Linguísticos

Quando se trata de planejamentos linguísticos, vários aspectos são


considerados na sua elaboração, como os tipos de planejamento, etapas
de ‘pré-projetos’, formas de implementação de projetos, etc. Cooper
(1989) identifica três tipos de planejamento: 1) planejamento de status; 2)
planejamento de aquisição e 3) planejamento de corpus.
O planejamento de status diz respeito ao aumento de usos de uma
dada língua na comunidade (a nível local ou nacional). Pode incluir, por
exemplo, projetos para tornar a língua de um grupo a língua principal no uso

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diário dentro da comunidade ou incluí-la na escola como língua de instrução ou


em sua forma escrita. Por vezes, determina-se, como parte do planejamento
de status justamente a não utilização da língua para determinadas funções. O
povo Cochiti que vive no Novo México e fala a língua Keres, por exemplo,
determinou como política local que sua língua não será escrita. Segundo Pecos
e Blum-Martinez (2001), seus líderes sustentam que a tradição oral é um
importante elemento de manutenção de seus valores e de suas tradições. Para
eles, escrever sua língua significaria colocar em risco esses valores e tradições.
Existem, então, programas de ensino oral da língua nas escolas Cochiti com
atividades culturais e com a realização de tradicionais cerimônias nas quais
as crianças participam incentivando-se, assim, o uso e manutenção da língua
oral na comunicação.
Em relação de línguas indígenas com status nacional, Zimmermann
(1999:154) sugere que os governos dificilmente reconhecerão as línguas
indígenas em seus países com esse status, mas cita que em certas regiões, é
possível dar-lhes um status de co-oficialidade em certos domínios políticos
e sociais, como o Maya Yycateco na Península de Yucatán e certas línguas
Mayas na Guatemala. O autor também aponta, que é um caso exemplar, a
nova Constituição Política da Colômbia10 de 1991 que reconhece a diversidade
étnica em seus princípios fundamentais e estabelece o status de língua oficial
das línguas indígenas em seus respectivos territórios.
O planejamento de aquisição relaciona-se a esforços deliberados
para promover a aprendizagem de uma língua e envolve a manutenção ou
reorganização da língua por membros da comunidade. Inclui, por exemplo,
decisões sobre programas escolares de aprendizagem de línguas para crianças
e ou para adultos da comunidade e suas famílias.
O planejamento de corpus relaciona-se diretamente com a própria
materialidade linguística. Pode incluir, por exemplo, a criação de alfabetos
ou projetos de reforma de sistemas de escrita. Ou, ainda, esforços para a
“modernização da língua” de modo a atender novas demandas da comunidade,

10.
País que abriga 67 povos indígenas diferentes, segundo este autor (Zimmermann 1999:154).

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como o desenvolvimento de neologismo ou de gêneros de comunicação. Nas


escolas do povo indígena Hualapai (América do Norte), por exemplo, têm-se
desenvolvido gêneros escritos de poesias, pois embora a oralidade já exibisse
muitos elementos poéticos, tradicionalmente esse gênero escrito não existia
até o aparecimento da escola e isso tem, segundo Hinton (2001a) contribuído
para a manutenção da língua desse povo.11

Etapas de um Planejamento Linguístico (ou o que é preciso considerar


para que ele seja bem sucedido)

É muito importante o estabelecimento de um bom planejamento


linguístico antes de se tentar implantar um programa de revitalização
linguística. Hinton (2001a:51) elenca as vantagens de assim se proceder:

1. estabelecer processos e pesquisas para o planejamento linguistico


ajuda a comunidade a estabelecer metas mais realistas e estratégias mais
efetivas para atingir seus objetivos;

2. o planejamento linguístico ajuda a comunidade a ver os objetivos em


longo prazo e os vários projetos que podem ser realizados;

3. há o envolvimento da comunidade no estabelecimento de suas próprias


políticas linguísticas tanto quanto dos agentes externos que participam
do processo, como por exemplo, linguistas, pedagogos, agentes do
governo e de organizações não-governamentais;

4. o planejamento linguístico pode ajudar a coordenar o que poderiam


ser esforços desiguais ou conflitantes de diferentes pessoas ou grupos;

11.
Ver também o trabalho de Doutorado de Cesarino (2008) que faz o estudo e a tradução de exemplares
das artes verbais Marubo (falantes de língua Pano da Amazônia Ocidental) refletindo comparativamente
sobre as poéticas ameríndias e seus dilemas interpretativos. Apesar do pesquisador não ser indígena, a
contribuição à língua fica evidente, já que ele mostra que há uma literatura poética Marubo e que é de
grande importância para esse povo.

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5. um bom planejamento pode ajudar a prevenir ou reduzir faccionismos


e rivalidades que possam surgir em torno da língua sendo que tais fatores
são causas de redução da efetividade desses esforços de revitalização.

O processo de elaboração de um planejamento linguístico implica a


observância de etapas. Essas etapas incluem desde o diagnóstico e definição de
metas e objetivos até ações que serão implementadas e avaliações das diversas
fases envolvidas em um programa de revitalização linguística.

O Pré-Planejamento ou Diagnóstico

Importante chamar a atenção para o fato de que todos os autores lidos


reportam sobre a necessidade de se fazer um bom diagnóstico, ou como
chamado por Hinton (2001:6), um pré-planejamento.
D’Angelis (2005:14-15) defende, com razão, um diagnóstico
cuidadoso:

Qualquer proposta ou ação de intervenção em apoio e defesa de


uma língua exige, antes de mais nada, um diagnóstico cuidadoso
e preciso da situação. Não é raro encontrar indigenistas, agentes
de ONGs e até linguistas que divulgam avaliações superficiais e
superestimadas a respeito da vitalidade da língua ou da cultura de
um determinado povo indígena.
As perguntas a se fazer, portanto, são:
- Temos um real diagnóstico da situação da língua na
comunidade?
- Estaríamos superestimando a vitalidade da língua, talvez pela
ilusão de um discurso indígena ‘oficial’ (de defesa e amor à língua),
sem dar atenção aos fatos do cotidiano na aldeia?

Como as metas de um programa de revitalização traçadas no


planejamento linguístico dependem da situação em que se encontra a língua,

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essa etapa inicial do diagnóstico pode ser uma das mais importantes, pois
verifica dentre outras coisas, o interesse dos membros do grupo na revitalização
da língua e quais projetos podem ser desenvolvidos a partir dos resultados
obtidos nesse levantamento. Segundo Hinton (2001a) várias perguntas
orientadoras podem ser feitas, como por exemplo:

i. A língua é usada nas atividades da casa todo dia (sempre), às vezes,


nunca?

ii. A nossa língua tem sido ensinada na escola? De que modo?

iii. As crianças utilizam a língua materna somente quando estão em


casa ou também na escola?

iv. Há diferença de conhecimento e uso da língua nas diferentes faixas


etárias dentro da comunidade, ou seja, as pessoas mais velhas utilizam
mais a sua língua do que os mais novos?

v. Em que atividades a língua está sendo utilizada no grupo? Em rituais


tradicionais, jogos, reuniões do grupo a língua é falada em tempo
integral?

vi. É importante ensinar a língua para quem não tem conhecimento


dentro da comunidade? Por quê?

Essas e outras questões poderão ser elaboradas nessa etapa e a reflexão


e discussões dentro da comunidade dos resultados encontrados podem ajudar
muito no comprometimento dos seus membros nas propostas que serão
implementadas. Pecos e Blum-Martinez (2001:75-82), em um artigo em
que relatam a experiência do planejamento linguístico do povo Cochiti para
revitalização de sua língua, comentam o impacto dos resultados das pesquisas
do grupo nos quais foram considerados além das questões linguísticas, aspectos
históricos, sociais e culturais dentro da comunidade. Ao serem apresentados

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aos membros, muitos lembraram eventos que tinham sido decisivos para que a
língua perdesse vitalidade e força de uso e acabavam se sentindo responsáveis
pelas mudanças. “A intensidade dessas memórias e a oportunidade de refletir
sobre o significado destes eventos levou-os a entender melhor os processos
de mudança que ocorreram em sua comunidade” (Pecos; Blum-Martinez
2001:78). Os autores completam dizendo que gradualmente, com as
discussões, os Cochiti puderam entender a fragilidade das línguas indígenas
diante das pressões do restante da sociedade. Só quando esse ‘auto-estudo’
foi completado, é que se começou a esboçar a conduta para seu programa
de revitalização.
Também nessa fase de diagnóstico ou pré-planejamento é necessário, de
acordo com Hinton (2001a), que sejam incluídas outros tipos de avaliações:

a) avaliação de recursos humanos – quem pode contribuir para a


implementação do projeto? Profissionais, como linguistas, linguistas
aplicados, pedagogos e antropólogos podem ajudar nessa fase, mas
cabe ressaltar que os membros da comunidade devem participar
ativamente desse processo.12

b) avaliação dos recursos culturais – quais são as tradições que ainda


se mantém na comunidade?

c) avaliação dos recursos de documentação – que tipos de materiais


e publicações existem na língua em questão e em que meios estão
divulgados (livros, vídeos, CDs).... Que pesquisas sobre o grupo
estão disponíveis?

12.
Um exemplo do envolvimento ativo de comunidades indígenas é a pesquisa (em andamento) condu-
zida por professores indígenas do Acre que, em seu Curso de Formação Continuada da CPI-Ac, “deram
início a um projeto com o objetivo de investigar: a) o modo como o conflito linguístico é vivenciado em
suas comunidades; b) o grau de vitalidade de sua língua tradicional em suas aldeias e c) as implicações des-
se conhecimento para o estabelecimento de políticas linguísticas locais que promovam o fortalecimento
de suas línguas indígenas” (Maher 2006a).

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d) avaliação de recursos institucionais – por exemplo, existe apoio


de Universidades e outros recursos materiais existentes, como
equipamentos (computadores, impressoras, software)?

Hinton (2001a) sugere, ainda, que se visite outros programas de


revitalização ou que se estabeleça comunicação com pessoas envolvidas em
trabalho com outros grupos, o que pode ser muito educativo e contribuir para
o programa de revitalização linguística da própria comunidade em questão.
Mas também é preciso cuidado, cautela nos diagnósticos. Maher
(2008:409-411) traz uma discussão sobre a “condução de pesquisas de cunho
sociolinguístico de professores indígenas do Acre13 e que esperam produzir
conhecimento que os ajudem a formular políticas linguísticas locais favoráveis
ao fortalecimento das línguas tradicionais de suas comunidades de fala”. Seu
artigo aponta que vários desafios estão sendo enfrentados por esses professores
em contexto de formação continuada e, segundo a autora, também por ela,
que é a responsável por orientá-los nessas investigações.
Ao sustentar, concordando com Fishman (1991) e Sichra (2003), que
“a eficácia de políticas linguísticas depende da realização de diagnósticos, tão
acurados quanto possível, do grau de vitalidade dessas línguas nos ambientes
e domínios em que elas são usadas, bem como das atitudes dos falantes em
relação às mesmas”, Maher (2008:412-422) enfatiza o que ela chama, citando
Cavalcante (2006), ‘armadilhas metodológicas’. A autora demonstra que “dar
importância à pesquisa local, não é o mesmo que o “fazer pesquisa” e que há
“determinantes culturais/étnicos” importantes e que, por isso mesmo, não
podem ser ignorados na condução de pesquisas locais” (Maher:418 e sg). Em
outras palavras, na experiência relatada com e pelos professores acreanos
neste texto, fica evidente que não é possível simplesmente e automaticamente
transportar metodologias e instrumentos de pesquisa para o ‘local’, sem
considerar as especificidades dos povos em questão. Instrumentos clássicos

Participam do curso de formação 40 professores de sete diferentes etnias: Kaxinawa, Yawanawa,


13.

Shãwãdawa, Katukina, Jaminawa, Asheninka e Manchineri.

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da área de investigação sociolinguística para o diagnóstico mostraram-se não


adequados às realidades desses povos: no processo de levantamento de dados,
aponta-se, por exemplo, para as dificuldades, por parte dos professores
homens de etnias Ashaninka e Yawanawá, em se fazer entrevistas com
mulheres, já que isto não é uma prática cultural própria deles. Outra questão
diz respeito à própria entrevista que não é um ‘terreno confortável’ para os
pesquisadores indígenas e seus entrevistados (para nós, pesquisadores não-
indígenas também nem sempre o é). Sem falar do gravador, que dispensa
maiores comentários, pois sabemos que é uma dificuldade para muitos de
nós mesmos e principalmente para pessoas idosas nessas sociedades indígenas.
Há também questões éticas envolvidas na observação de outras famílias
da comunidade e todos estes fatos acabaram mostrando que mudanças
metodológicas precisariam ser feitas14 nesses levantamentos considerando-se as
diferentes perspectivas nas investigações e as diferenças culturais presentes.
Essa experiência acreana demonstra, retomando a questão acima, que
desde o diagnóstico até a implementação de um planejamento local é necessário
cuidado e atenção às problemáticas que surgem na especificidade de cada
comunidade indígena e que as avaliações em todas as etapas precisam ser
constantes, redirecionando o projeto e as ações implementadas quando for
o caso.

O Estabelecimento de Metas e Objetivos

A partir do diagnóstico ou pré-planejamento e dependendo das avaliações


feitas pelo grupo, podem surgir vários ou distintos objetivos para um
planejamento de curto, médio ou de longo prazo. Pode-se, por exemplo,
querer documentar a língua; promover a fluência da língua; fortalecê-la
através de programas escolares de imersão, etc. Entretanto, é sempre bom
notar que os objetivos ou metas precisam ser realistas, daí a importância de
um levantamento sociolinguístico bem feito e o mais próximo possível das

14.
Para outras informações sobre as mudanças implementadas e que estão em curso, ver Maher (2008).

220
Vol. 22, nº 2, Julho/2009

realidades em que vivem as comunidades. Em muitos casos a língua pode


estar quase ou completamente extinta e os esforços precisam ser avaliados,
pois às vezes as chances são pequenas, e, por isso, é preciso se estabelecer
metas menos ambiciosa, como, por exemplo, apenas documentar o que alguns
falantes idosos ainda se lembram da língua, sem necessariamente prever que
todos os falantes da comunidade voltem a ser fluentes. Há outras situações nas
quais o grupo pode desejar que se elabore material escrito da língua, apesar de
ela não ser mais de uso corrente na comunidade, porque esse material pode
vir a ser usado nas escolas, promovendo, assim, uma revitalização parcial,
apenas escolar. De qualquer modo, “um programa de revitalização de línguas
é complexo, difícil, mas possível, pelo menos em algum grau. É necessário
esforço e dedicação, principalmente do grupo” (Hinton 2001:6).
A partir do estabelecimento de metas realistas é necessário, também,
verificar as possíveis contribuições que serão necessárias para execução e
implementação das ações estabelecidas. Essas contribuições envolvem tanto
recursos financeiros, quanto recursos humanos - muitas vezes um treinamento
específico pode ser indispensável aos envolvidos no projeto (por exemplo, se
não há professores formados, é preciso formá-los).
Hinton (2001a) enfatiza, ainda, que decisões acerca dos direitos autorais
e direitos sobre o uso e veiculação de conclusões derivadas de pesquisas
linguísticas e sociolinguísticas feitas nas sociedades, poderiam ser também
incluídas em planejamentos linguísticos.

A implementação do projeto e a avaliação

Quando já se tem mais claramente a meta geral do grupo, estabelece-se


o detalhamento dos objetivos, as estratégias e os métodos para atingi-los. A
partir dessa elaboração, a etapa subsequente é a implementação propriamente
dita do projeto. Na execução de um planejamento um fator importante é a
avaliação. Muitas vezes quando se coloca a questão da avaliação pode se ter uma
ideia errônea que ela deva acontecer no final de todo o processo. Entretanto,
é vital para o sucesso de um programa de revitalização linguística, como já

221
Revista Investigações

visto anteriormente, que todas as etapas devam estar sob constante avaliação
e quando necessário, um ‘re-planejamento’ seja feito.15
Uma outra questão a ser considerada é a questão do tempo. Às vezes
o tempo pode ser um inimigo no caso de implementação de metas para a
revitalização de línguas e para a obtenção de resultados positivos. São dois
lados a serem analisados a esse respeito. Há, de certa forma e em determinados
casos, uma urgência em se fazer certos registros, pois os poucos falantes
podem ser já mais idosos e há o risco de se perder as últimas informações
ainda existentes, tanto no que tange à língua propriamente dita, quanto aos
conhecimentos sobre rituais e outros aspectos das tradições culturais. Por
outro lado, os resultados obtidos podem surgir de modo mais, ou menos,
lentamente. Deve-se ter em mente que programas desse tipo nem sempre
podem ser feitos em pouco tempo ou ter seus frutos colhidos em poucos
meses; geralmente os resultados aparecem somente após um espaço de
tempo maior. É preciso manter a motivação e não desanimar, ter persistência
e perceber cada mudança e a importância disso dentro da comunidade, re-
elaborando ou re-adequando o planejamento às novas situações.

Reiterando a importância de um ‘Planejamento Local’

Volto a enfatizar que quando se pensa na elaboração de um planejamento


linguístico em contexto indígena é necessário considerar as suas necessidades
distintas, vai daí que um planejamento pensado localmente pode ser um
caminho eficaz para esses grupos.

15.
Importante destacar que o apego a um planejamento rígido e fixo não auxilia na busca de resultados
efetivos. Mudanças ocorrem e é preciso estar atento para flexibilizar o planejamento a partir das avaliações.
Hinton (2001:16) chama a atenção para o fato de que “o sucesso dos programas de revitalização de línguas
tem um certo número de características, dentre elas, persistência, sustentabilidade e honestidade para
com ele próprio”. Isso também significa que é preciso ter clareza das metas estabelecidas pela comunidade
e uma avaliação constante do processo. Um planejamento pode e, muitas vezes precisará, mudar, pois
novas perspectivas e desafios se colocam a todo o tempo.

222
Vol. 22, nº 2, Julho/2009

Para fazer uma reflexão sobre esses aspectos apresento a seguir algumas
situações (steps) ou alguns fatores a serem considerados na elaboração e
consecução de um planejamento linguístico que busca reverter situações
de risco linguístico a partir das contribuições de Hinton (2001:6-7).16 Esta
autora apresenta e discute nove questões que precisam ser consideradas em
situações em que a língua está ameaçada, caso o que se almeje é a reversão
desse quadro:

1. a avaliação da situação linguística com vistas ao estabelecimento de


um planejamento;

2. a inexistência de falantes da língua ancestral;

3. a existência de apenas falantes idosos da língua ancestral no grupo;

4. a existência de pessoas ou parentes adultos que poderão ser


aprendizes de uma segunda língua;

5. a possibilidade de se enfatizar ou desenvolver novamente práticas


culturais que dêem suporte ao uso social da língua;

6. a possibilidade de se desenvolver propostas intensivas de 2ª língua para


crianças, preferencialmente como parte do componente escolar;

7. a utilização da língua como principal meio de comunicação na


família;

8. a expansão do uso da língua indígena para domínios mais amplos;

9. a expansão do domínio da língua para fora da comunidade local em


amplas populações.

16.
Como se poderão notar, em várias dessas situações, a comunidade poderá intervir localmente, sem
necessariamente demandar de outros esforços para se ter, a partir de seu planejamento, a efetivação das
ações propostas.

223
Revista Investigações

No que segue, comento cada uma dessas questões:

1. A primeira questão a ser considerada, como já discutido ao longo


deste trabalho, é a avaliação da língua com vistas ao estabelecimento de um
planejamento. Inicialmente um levantamento da situação sociolinguística
em que se encontram as comunidades indígenas é urgente e necessário
para a proposta e implementação de medidas que visem ao fortalecimento,
restabelecimento ou manutenção das línguas maternas e para as diversas
e diferentes intervenções que poderão ser feitas com vistas a atingir estes
objetivos.
2. Se não há mais falantes da língua em questão, pode-se pensar na
utilização de materiais didáticos para a “reconstrução” da língua, além do
desenvolvimento de uma pedagogia para o ensino da mesma. Um exemplo de
programa de revitalização que busca reverter essa situação é apresentado por
Hinton (2001b:419-424) em um trabalho intitulado The use of linguistic archives
in language revitalization: The Native California Language Restoration Workshop e
incluído no The Green Book.17 Nele, a autora mostra os esforços realizados para
disponibilizar materiais sobre línguas indígenas da Califórnia em processos
de revitalização das mesmas. Inicialmente a autora chama a atenção para o
fato de as Universidades e Faculdades norte-americanas exercerem papel
importante na assistência aos povos indígenas no que se refere à questão
da revitalização de suas línguas, por serem centros que possuem arquivos
e material linguístico acerca das línguas indígenas daquele país. Neste
texto, Hinton (2001b) descreve um ‘workshop’realizado na Universidade da
Califórnia / Berkeley para línguas Nativas Americanas que não tinham mais
falantes. As metas trabalhadas ao longo de 4 anos foram:

17.
‘The Green Book of Language Revitalization in Practice’ (2001) segundo seus editores, Hinton e Hale, é
uma resposta à outra publicação da Unesco, o ‘Red Book on Endangered Languages’. Esse último é um banco
de dados eletrônico originalmente compilado em 1993, disponível parte em http://www.tooyoo.L.u-
tokyo.ac.jp/ichel.html#Redbook e parte em http://www.helsinki.fi/tasalmin/endangered.html. Hinton
e Hale “esperam que o ‘Green Book’ possa ser utilizado por aqueles que não mais queiram ver suas línguas
listadas no ‘Red Book’” (Hinton; Hale 2001:xi).

224
Vol. 22, nº 2, Julho/2009

a) apresentar aos participantes os recursos disponíveis nas


universidades sobre suas línguas nativas;

b) dar aos participantes alguns conceitos linguísticos fundamentais


que pudessem ser utilizados posteriormente com os materiais
disponíveis, por exemplo, aprender a ler alfabetos fonéticos usados
nas transcrições; aprender fundamentos de morfologia e análise
sintática, etc.

c) ajudar os participantes a usar ferramentas de organização e análises,


tais como programas de dados;

d) mostrar e discutir com os participantes alguns caminhos para se


usar de forma produtiva esses materiais;

e) familiarizar os participantes com ensino de línguas e revitalização


de literatura.

No final do artigo, Hinton (2001b) apresenta os resultados obtidos


no workshop em questão: após anos de trabalho, alguns dos participantes
desenvolveram projetos sobre suas línguas (muitos com a participação de
alunos seus); outros decidiram escrever dicionários e lições na própria língua
apoiando-se em materiais linguísticos encontrados (às vezes, gravações em
fita de áudio ou vídeo); outros ainda conseguiram recursos e começaram
outros programas dentro de suas comunidades.
3. Se na comunidade a língua ancestral é falada apenas por idosos, a
proposta e sugestão de muitos autores é documentar a língua dos falantes
mais velhos, que poderá ser utilizada, posteriormente, em outros estágios
de programas implantados.
4. Há situações em que é possível e desejável desenvolver um programa
de aprendizagem de 2ª língua para adultos. Em um texto denominado “The
Master-Apprentice Language Learning Program”, Hinton (2001c:217-235)
apresenta um programa desenvolvido na Califórnia, cuja proposta é ensinar

225
Revista Investigações

falantes nativos e jovens adultos a trabalharem juntos intensivamente,


de forma que os membros mais novos possam desenvolver proficiência
conversacional (fluência) na língua. Esse programa, denominado ‘professor-
aprendiz’ (master-apprentice), foi desenvolvido, em 1992, pelo ‘Native
California Network’, baseado numa proposta de uma falante Karuk, Julia
Lang. Dentre os critérios de seleção das duplas, o mais importante, para a
seleção do professor, é a fluência e para o aprendiz, o interesse demonstrado
em aprender e ensinar a língua. As equipes são escolhidas a partir de membros
que já participaram de horas de trabalho na língua em anos anteriores e, então,
os pares ficam no programa por três anos. Há um estágio inicial de um final de
semana no qual as equipes iniciam o treinamento, com trocas de experiências
e o conhecimento das metas. São realizados treinamentos orientados para o
professor e para o aprendiz e avaliações periódicas mostram a evolução e o
andamento das metas. As interações são preferencialmente orais.18
Mas e os resultados? A meta do programa é que ao final dos três anos,
os jovens aprendizes sejam capazes de conversar fluentemente na sua língua
e estejam prontos para ensiná-la a outras pessoas.Salienta a autora que não
se espera que o aluno tenha a mesma fluência que o professor, mas que os
laços estabelecidos nesse processo pelo qual passaram possam ser mantidos e
que continuem no envolvimento de atividades para o futuro da manutenção
da língua. A partir da participação nesse programa, muitos jovens passaram
a trabalhar no ensino da língua e no treinamento de outras equipes de
‘professores-aprendizes’. Outro benefício que o programa trouxe foi retomar
o contato das pessoas com suas tradições. Além disso, programas escolares
frequentemente excluem os mais velhos e, como Hinton (2001c:225) observa,
“a cultura de sala de aula é fundamentalmente diferente da cultura tradicional
e do dia-a-dia dos idosos”. Nesse sentido, o programa traz os participantes
para o ambiente do seu cotidiano.

18.
Segundo Hinton (2001c:221) as experiências mostram que o ato de escrever diminui a interação
e comunicação real, trazendo consequências para o aprendizado da língua. Entretanto, sugere-se a
utilização de gravações para que o jovem aluno possa praticar depois.

226
Vol. 22, nº 2, Julho/2009

Mas há também problemas relacionados pela autora (Hinton 2001c:


225-226):

i. apesar do modelo basear-se em um conceito simples, é difícil de ser


realizado na prática, porque demanda muito das equipes participantes,
especialmente dedicação;

ii. para os propósitos do programa seria ideal que as equipes trabalhassem


juntas ao longo de todo o ano, mas por questões administrativas e de
financiamentos, isto muitas vezes não acontece;

iii. apesar da ênfase ser dada à aprendizagem oral, não se pode ignorar
que documentação e desenvolvimento de ensino de escrita também
precisa ser pensado (vários idosos desde que o programa foi implantado
já morreram e os aprendizes precisam prosseguir com o grande
conhecimento da língua deixado por eles).

5. Uma outra questão a ser pensada seria o caso de se pôr em prática


novamente ou enfatizar práticas culturais que dêem suporte e encorajem o
uso da língua em casa e em público, tanto como 1ª, quanto como 2ª língua do
falante. Um exemplo de esforços para se atingir esse objetivo é apresentada por
Pecos e Blum-Martinez (2001:75-82). Nele, são discutidos o planejamento e
programa de revitalização da língua do povo Cochiti do Novo México.
Os autores iniciam a discussão apontando que um aspecto importante
nesta comunidade é que ela mantém uma forma tradicional de governo,
apesar da pressão do governo federal para que isso mude. Segundo informam,
os líderes religiosos “servem” à comunidade por um ano mantendo, para o
futuro do grupo, suas crenças e práticas tradicionais (Pecos; Blum-Martinez
2001:75). Nessa função, os líderes devem ter considerável fluência na
língua,19 a qual, como já mencionado anteriormente, é mantida como uma

Há vários níveis de registro da língua falada na comunidade. Pessoas mais velhas falam um nível mais
19.

complexo e formal especialmente utilizado em cerimônias tradicionais religiosas.

227
Revista Investigações

língua de tradição oral, sem escrita.20 Entretanto, interferências históricas,


especialmente a construção de uma barragem em suas terras, colocaram o
uso da língua nativa em perigo, porque com essa construção, as terras de
plantio foram alagadas e eles tiveram que se mudar, distanciando as famílias,
que tinham por hábito se visitarem. Além disso, “a introdução de casas com
formação familiar nuclear mudou drasticamente as relações entre os membros
do grupo” (Pecos; Blum-Martinez 2001:76). Também os autores apontam
que a escola (não-indígena) também teve um papel importante na perda do
Keres, a língua dos Cochiti. Antes, as escolas primárias ficavam dentro da área
geográfica da comunidade e apesar de as crianças não usarem sua língua nas
aulas, elas interagiam na língua materna nos intervalos e em muitos outros
momentos. Porém, no início dos anos 60, a escola foi removida para uma
área externa à reserva. Com isso também crianças hispânicas começaram a
frequentar as aulas o que reduziu as oportunidades para as crianças indígenas
interagirem em sua língua durante o dia.
Em 1985, iniciou-se um movimento para reestruturação de suas terras
e o povo Cochiti conseguiu, em 1991, um acordo financeiro aprovado pelo
Congresso dos Estados Unidos. Em 1992, em um encontro de membros
do Comitê de Educação Indígena Cochiti (‘Cochiti Indian Education
Commitee’ – CIEC) e da Força Tarefa para Educação Cochiti (‘Cochiti
Education Task Force’ – CETF), estabeleceu-se, após dois dias de discussões,
a revitalização de sua língua como meta prioritária (Pecos; Blum-Martinez
2001:77-78). Uma primeira decisão para esse projeto foi o desenvolvimento
de um projeto de avaliação da comunidade, um auto-estudo, que trouxe à
tona todo o processo que envolvia a perda do uso da língua pelo grupo. A
partir dos resultados obtidos, condutas que levaram a comunidade a enfatizar
a presença ou ausência do uso da língua em vários contextos puderam ser
avaliadas, ou seja, verificou-se qual a atitude dos falantes de diferentes idades
e em diferentes contextos. O CIEC e CETF apresentaram para o conselho

20.
A língua Keres desempenha um papel fundamental na vida do grupo e o Cochiti Keres é um dos sete
dialetos da língua Keresan falada no Novo México.

228
Vol. 22, nº 2, Julho/2009

tribal um plano de revitalização linguística para a comunidade e utilizando-se


de fundos recebidos, organizaram encontros, com diferentes segmentos da
comunidade, em um período de um ano e meio.
Os autores relatam que esses encontros tinham o objetivo de informar a
comunidade sobre a fragilidade da língua; perguntar à comunidade quais metas
de longo alcance poderiam ser estabelecidas para revitalização da língua; pedir
sugestões para a aprendizagem da língua e manter o grupo informado sobre
todo o processo. Quatro metas foram estabelecidas a partir desses encontros
(Pecos; Blum-Martinez 2001:79):

a) reestabelecer somente o uso do Keres nas atividades


tradicionais;

b) integrar jovens e pessoas mais velhas da comunidade;

c) reestabelecer o uso do Keres nos lares e nas atividades do dia-


a-dia;

d) tornar o aprendizado da língua prioritário para todas as


crianças.

Na tentativa de retomar certas tradições, reestabeleceram o hábito de


visitação entre as famílias e projetos de trabalho conjunto entre pessoas de
diferentes faixas etárias nos quais jovens e adultos fluentes estariam juntos.
Também foram realizados esforços para estabelecer a língua como oficial
nos escritórios tribais onde falantes fluentes ensinavam falantes não-fluentes
por períodos de 15 minutos antes do início de suas atividades diárias. Aulas
à noite e em finais de semana para adultos e adolescentes foram implantadas
e envolviam tanto conversas sobre assuntos do cotidiano, quanto aulas mais
convencionais de linguagem.
Anteriormente, as crianças tinham aulas de língua indígena nas escolas
uma ou duas vezes por semana, durante apenas 30 minutos e essa situação

229
Revista Investigações

precisava ser mudada. As crianças passaram, após o período de aula, a ter


atividades recreativas de artes relativas à sua cultura. Outros programas foram
implementados como o chamado Head Start, cujo objetivo era fazer as crianças
em idade pré-escolar ouvirem a língua sendo utilizada por falantes fluentes.
Estabeleceu-se a “escola de verão” (summer school program) que contava com
falantes que passavam por um treinamento prévio e somente utilizavam
Keres para se dirigir às crianças, o que não foi muito fácil no início.
A partir destas experiências os adultos também se interessaram em
desenvolver atividades referentes às suas tradições culturais e passaram a
ter encontros no período da noite para realizá-las.
6. A depender do diagnóstico e das metas estabelecidas é possível
desenvolver propostas intensivas de 2ª língua para crianças, preferencialmente
como parte do componente escolar. Quando possível, pode-se implementar
a utilização da língua ameaçada como língua de instrução.
Em um artigo denominado Te Kõhanga Reo (“Ninho Linguístico”),
King (2001:119) descreve o projeto de revitalização da língua Mãori.21
A autora aponta que a mudança progressiva para o Inglês como língua
principal foi formalizada em 1867 quando essa se tornou a língua oficial de
alfabetização nas escolas (King 2001:120). A proposição para reverter a
situação de perda que era grande em meados de 1970 se deu a partir de um
programa de pré-escola de imersão, o Te Kõhanga Reo, que foi desenvolvido
pela comunidade após a constatação de que poucas crianças estavam sendo
criadas como falantes da língua indígena. A ideia era propiciar um ambiente
no qual as crianças ouviriam somente o Mãori e cresceriam falando essa
língua. Esse movimento para implantação desses programas de imersão foi
incrementado nos anos 80 e espalhou-se pela Nova Zelândia e em 1998,
seiscentos programas já estavam instalados. Mas após alguns anos de sua
implementação, surgiu a necessidade em dar continuidade à experiência
desta etapa, pois os pais afirmavam que depois as crianças estavam tendo
dificuldades em acompanhar as aulas em outras etapas escolares. Uma das

21.
Um grupo pequeno de línguas Polinésias pertencentes à família Austro-Ásia.

230
Vol. 22, nº 2, Julho/2009

soluções foi a implantação das chamadas ‘Kura Kaupapa Mãori’ (ou escola da
‘filosofia Mãori’), cuja política é também a total imersão na língua Mãori e
a orientação filosófica e curricular deste povo. A outra opção para atender
os alunos provenientes da Kõhanga Reo foram as escolas bilíngues.22
King ressalta, entretanto, alguns problemas que surgiram na experiência
Mãori e que precisam ser pensados em programas de imersão como esses.
Estudos sobre a eficiência do ensino de imersão foi uma meta avaliada dentro
do programa de revitalização linguística desse povo indígena e o fato de que,
em 1990, somente um terço dos professores de imersão em ambos os tipos de
escolas (escolas de filosofia Mãori ou escolas bilíngues) eram falantes fluentes,
demonstra que, para a implantação de programas desse tipo, há a necessidade
de programas contínuos de qualificação de professores.
Outro aspecto apontado por King (2001:126) é a necessidade de que
se dê atenção ao uso da língua pelos adultos e pais da comunidade. A autora
afirma que, apesar do desejo de proficiência na língua, os pais utilizam pouco
o Mãori em casa, o que não dá o suporte necessário para que a criança possa
aprendê-la.23
O programa proposto por King (aqui, muito resumidamente
apresentado), pode servir como ponto de partida para se refletir sobre vários
aspectos. O caso Mãori é um exemplo que os planejamentos iniciais nem sempre
dão certo e por isso precisam ser re-planejados. A partir dessa experiência
também se pode perceber que programas de revitalização linguística necessitam
de várias ações conjuntas para sua maior eficácia e bons resultados.
Outra questão que pode ser apontada é a necessidade de avaliação do
modelo de escola e o papel da escola dentro das comunidades indígenas. Os

22.
Nas escolas de filosofia Mãori, diferentemente das escolas bilíngues, as crianças recebem toda sua
instrução em Mãori e não há diferença na etnicidade dos alunos, enquanto nessa última há participantes
não-Mãori.
23.
King sugere que são necessárias estratégias para sanar essa dificuldade, tais como programas que dêem
apoio e suporte aos adultos. Tais programas são necessários para que se assegure que o que está sendo
realizado na escola continue sendo implementado em todas as instâncias da comunidade, especialmente
o uso da língua materna como meio principal de comunicação familiar, que é fundamental para a
transmissão da língua entre gerações.

231
Revista Investigações

Mãori fizeram uma opção por uma concepção de escola. Os grupos que acham
que a escola tem um papel a ser desempenhado na revitalização de suas línguas
precisam também avaliar que tipo de escola está sendo escolhido e para quê
eles querem escola.24
7. Já foi bastante mencionada a importância do uso e da transmissão
da língua pelos pais na comunicação com os filhos. A língua indígena como
língua principal de comunicação na família torna-se a primeira língua para
as crianças pequenas e é possível desenvolver aulas e grupos de suporte
para que os adultos mantenham, no âmbito familiar, o uso da língua com
as crianças que estão tendo um aprendizado dela na escola.
8. Pode-se pensar a possibilidade de expandir o uso da língua indígena
para domínios mais amplos incluindo órgãos governamentais, mídia,
comércio local etc.
Muitas vezes, pode não ser possível a expansão da língua a níveis mais
amplos como os governamentais, a menos que a língua adquira um prestígio
de língua nacional, o que não é o caso em nossas comunidades indígenas.
Entretanto, alguns programas podem ser empregados localmente para o
fortalecimento e a manutenção da vitalidade da língua. Por exemplo, grupos
de uma mesma etnia que se encontram em áreas distintas podem desejar a
instalação de programas de rádio em sua língua tradicional, para servir de
meio de informação e comunicação entre comunidades. Outras comunidades
podem optar pelo uso de computadores e Internet para pesquisa e divulgação
de suas línguas. Ainda pode-se pensar, por exemplo, em jornais ou revistas
elaborados por professores das comunidades relatando suas experiências nas
escolas que poderiam ser “trocados” entre as áreas daquela etnia.

24.
Ao chamar atenção para isso, estou pensando que a comunidade deve considerar se uma escola nos
moldes tradicionais, porém ‘adaptada’ à tradição indígena, pode ser realmente eficaz na manutenção de
sua língua. Essa escolha vai depender muito das metas estabelecidas pela comunidade, porém um cuidado
importante é saber quais os objetivos de se manter um determinado modelo de escola para o futuro do
grupo. A questão da revitalização pode passar por um planejamento escolar, mas cabe ressaltar que não é
preciso ter necessariamente a escola para uma língua ser mantida ‘viva’ e produtiva.

232
Vol. 22, nº 2, Julho/2009

Um exemplo brasileiro de estratégia local para o fortalecimento e


manutenção da vitalidade de línguas indígenas e de outros aspectos culturais
é o Jornal Yuimakĩ, um jornal indígena do Acre de publicação semestral e
fruto da realização de alunos indígenas das ”Escolas da Floresta” do Estado.
Circulando desde final da década de 80 entre as diferentes etnias da região,
o Yuimakĩ traz artigos em línguas nativas e em Português e é instrumento
para difusão de dados, informações e conhecimentos indígenas acreanos.
Há também outros esforços de políticas locais voltadas para
comunidades indígenas que são exemplos de expansão do uso dessas línguas
para outros domínios. O município de São Gabriel da Cachoeira (a 847
quilômetros de Manaus localizado na região do Alto Rio Negro) é uma
iniciativa de política visando o plurilinguismo no Brasil sendo o primeiro
município a aprovar uma lei de co-oficialização de Línguas Indígenas no
país. O município é território de 23 povos indígenas, que perfazem 95%
da população do município e que falam línguas que pertencem às famílias
linguísticas Tukano Oriental, Maku, Aruak, Tupi e Yanomami. A Lei
145/2002, apoiando-se na Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, determina que além do português, também as
línguas Tukano, Nheengatu e Baniwa – línguas usadas na região – devem ser
utilizadas nas diversas instituições públicas e privadas do município.25
9. A expansão do domínio da língua para fora da comunidade local em
amplas populações para promover a língua como um meio de comunicação
regional ou nacional parece uma realidade distante para os povos indígenas
brasileiros na atualidade, já que não se vislumbra vontade política nesse
sentido. Entretanto, como já visto nos itens anteriores, são possíveis

25.
Em uma reportagem 17/11/2006 Ivani Faria, coordenadora do IPOL (Instituto de Investigação e De-
senvolvimento de Política Linguística), afirma que “a lei foi aprovada pela administração do executivo
da época, mas não entrou em vigor porque carecia dos detalhamentos de como ela seria implementada.
Somente em abril de 2006, durante reuniões sistemáticas entre professores indígenas, professores univer-
sitários da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e IPOL, chegou-se ao texto definitivo para então
ser aplicada. As emendas voltaram para a Câmara Municipal até serem todas aprovadas no início de
novembro”. (acesso em setembro de 2008). Disponível em: http://www.agenciaamazonia.com.br/index.
php?Itemid=259&id=729&option=com_content&task=view

233
Revista Investigações

resoluções de caráter local que, certamente, terão grande influência na


manutenção de um direito básico dos povos que é escolher seus próprios
caminhos.

Considerações Finais

Procurei neste artigo, chamar atenção para o fato de que questões


relacionadas a políticas e planejamentos linguísticos não podem ser
descontextualizadas. Tanto no âmbito das políticas nacionais, quanto das
políticas locais é possível planejar a elaboração e a implementação de ações que
ofereçam chances reais de sucesso para a revitalização de línguas indígenas. Um
levantamento da situação sociolinguística em que se encontram as comunidades
indígenas em nosso país é urgente e necessário para a revitalização das línguas
e para as diferentes intervenções que poderão ser feitas com estes objetivos.
É preciso cuidado na avaliação do grau de vitalidade de uma dada língua, para
que não se superestime ou subestime o estado em que ela se encontra, pois
isso tem implicações para as ações a serem implementadas. Neste sentido,
um planejamento linguístico pode servir a grupos minoritários no aumento
da proteção de suas línguas e um planejamento local pode reverter o processo
de perda de diversidade linguística.

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