Notas Sobre o Ónus Da Prova e Danos Morais No Assédio
Notas Sobre o Ónus Da Prova e Danos Morais No Assédio
Notas Sobre o Ónus Da Prova e Danos Morais No Assédio
desbravar1
Ana Cristina Ribeiro Costa2
1) Introdução
Os temas em apreço beneficiam já de amplíssima apreciação no panorama
doutrinal e jurisprudencial nacional, o que adivinharia, à partida, uma especial
dificuldade em analisá-los sob novas vestes.
Ainda assim, quando nos propusemos iniciar este labor, depressa concluímos
poderem ainda ser desbravados (novos) trilhos.
Com efeito, sem prejuízo da análise do regime jurídico nacional e da sempre
pertinente comparação com outros ordenamentos a fim de percebermos se, afinal,
há assim tanto que nos separe, entendemos dever ainda revisitar alguns
instrumentos legislativos internacionais para cuidar de apurar da conformidade da
nossa legislação e das nossas práticas aos mesmos.
A título conclusivo, apresentaremos e problematizaremos algumas questões,
procurando responder a velhos desafios percorrendo esquecidos caminhos.
2) Ónus da prova
2.1. Análise do regime jurídico nacional: statu quo e entendimentos
doutrinais
1 O presente texto corresponde a uma súmula do estudo que foi apresentado no âmbito do IX Colóquio
sobre o Direito do Trabalho, subordinado ao tema «Assédio na relação laboral», organizado pelo
Supremo Tribunal de Justiça (doravante apenas STJ) e pela APODIT. Agradecemos o convite que nos
foi endereçado pelas duas instituições para fazer parte deste Colóquio, sendo certo que foi uma honra
estar entre tão ilustres oradores e convidados. Na apresentação que fizemos, em 18-10-2017,
procurámos revisitar, em particular, alguma doutrina sobre o tema, apreciando alguns problemas
atuais, tendo tentado conciliar os conhecimentos adquiridos por via da nossa investigação na
academia, com aqueles que recebemos pela via profissional, no exercício da atividade enquanto
advogada.
O texto agora apresentado cuida de transferir para o papel o estudo que serviu de suporte a tal
apresentação, sem preocupações demasiado exigentes quanto à forma, atenta a “informalidade” da
publicação. Ter-se-á em consideração a legislação, doutrina e jurisprudência publicadas até 17-10-
2017.
As decisões dos tribunais nacionais mencionadas ao longo do texto poderão ser consultadas em
www.dgsi.pt, a menos que seja indicada expressamente fonte diferente.
Todas as conclusões do Comité Europeu de Direitos Sociais (doravante apenas Comité) no âmbito do
mecanismo de relatórios que se irão referir ao longo do texto poderão ser consultadas em
http://hudoc.esc.coe.int/eng/#.
2 A autora é doutoranda e assistente convidada da Escola de Direito do Porto da Universidade
Católica Portuguesa, advogada na sociedade Gama Lobo Xavier, Luis Teixeira e Melo e associados
(Guimarães), e Membro da Academic Network on the European Social Charter and Social Rights.
A primeira questão a ponderar é a razão pela qual a matéria do ónus da prova
na hipótese de assédio merecerá uma análise diferenciada. Na verdade, porque se
defendem e são criados mecanismos de prova mais facilitados para o assediado?
Entre as vantagens de criação de tais mecanismos encontra-se a facilitação da
prova para um elemento que em regra mais dificilmente tem acesso a ela e está em
situação de maior fragilidade. Ademais, a conduta do assediador é muitas vezes
aparentemente lícita (em particular, quando isoladamente apreciada),
correspondendo não raramente a uma (suposta) natural concretização do poder
diretivo3. Acresce a dificuldade decorrente de a prova se alicerçar, em regra, em
testemunhas, sendo que estas ainda trabalham para o mesmo empregador ou têm
com ele interesses comuns4/5. Ademais, assinalava justamente JÚLIO GOMES que
“(…) em múltiplas situações será difícil encontrar quem esteja disposto a
testemunhar em favor da vítima de mobbing e isto por muitas razões: ou porque
muitos trabalhadores não se perceberam da real gravidade dos factos, ou porque a
estigmatização a que a vítima de mobbing é sujeita os persuadiu de que é ela a
pessoa verdadeiramente responsável pelo conflito, ou porque tomaram parte activa
no mesmo ou foram, pelo menos, cúmplices com o seu silêncio no agravamento da
situação ou ainda porque o mobbing provém do empregador ou de um superior
hierárquico e há um justo receio de represálias (…)”6.
Asseveram ainda autores argentinos que a razão pela qual é difícil ter
elementos probatórios é porque o exercício da violência é subtil, porque todo o
processo violento é negado mediante o engano e porque pretende encobrir uma
fraude7. A doutrina argentina assinala ainda que a especial dificuldade de prova se
acentua porque a própria vítima de assédio não conhece o direito de que é titular
perante aquilo a que esteve exposta8. Acrescentaríamos nós que a vítima
de trabalho vigente quando do depoimento não se pode olvidar que estas estão comprometidas com o
empregador e, certamente, amenizarão os factos ocorridos em favor da reclamada” . RODRIGO
WASEM GALIA; LUIS LEANDRO GOMES RAMOS; Assédio moral no trabalho. O abuso do poder
diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado – atuação do
Ministério Público do Trabalho, 2ª ed. revista e ampliada, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre,
2013, p. 125.
6 JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, «Algumas observações sobre o mobbing nas relações de trabalho
subordinado», Estudos Jurídicos em Homenagem ao Professor Doutor António Motta Veiga, Coimbra,
Almedina, pp. 165-184.
7 MARINÉS DOLORES BABUGIA, La prueba en el acoso laboral, Julio César Faira – Editor, 2015,
em Homenagem ao Professor Doutor Raúl Ventura, vol. II, Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, 833-847.
12 Caso contrário, permitir-se-iam despedimentos sumários, bastando que o empregador alegasse que
o trabalhador assediou um colega, sem ter que demonstrar justa causa no plano factual. RITA
Entre nós, a consagração do assédio moral no Código de Trabalho (CT) de
200313 viria a cingir reparação à vertente discriminatória do mesmo, sendo que o
assédio não associado a fatores discriminatórios seria tutelado através da
articulação do art. 18º (tutela da integridade física e moral) com o art. 24º (assédio),
de acordo com alguma doutrina14.
No art. 23º n.º 3 do CT de 2003 previa-se, para PEDRO BARRAMBANA
SANTOS, uma verdadeira inversão do ónus da prova, sendo que ao trabalhador
assediado (desde que assente em fator discriminatório) recaia a obrigação de
demonstrar a existência da pretensa situação discriminatória, cabendo ao sujeito
ativo demonstrar que tal comportamento não era assediante porquanto não se
encontrariam preenchidos seus requisitos, sendo a situação legitima e
objetivamente justificada15. Quanto a manifestações não discriminatórias,
inexistindo regime probatório especial, as mesmas ficariam sujeitas à regra
probatória geral16/17.
MAGO GRACIANO entendia então que no assédio não vigorava o regime da
discriminação, necessitando aquele de um regime próprio de inversão do ónus da
prova18. No mesmo sentido, ISABEL RIBEIRO PARREIRA defendia a criação de
presunções de culpa e inversões do ónus da prova, tal como REGINA REDINHA19.
Com o CT de 200920 foi consagrada uma alteração sistemática, passando o
assédio a fazer parte da divisão “proibição do assédio” (divisão autónoma) e já não
da “não discriminação”, embora ainda dentro da subsecção igualdade e não
GARCIA PEREIRA, Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho. Contributo para a sua Conceptualização,
Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 169, nota 327.
13 Lei n.º 99/2003, de 27-08.
14 Neste sentido, GUILHERME DRAY («Igualdade e não discriminação», in Código do Trabalho. A
Revisão de 2009, coord. Paulo Morgado de Carvalho, Coimbra Editora, Coimbra, abril 2011, p. 131),
JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES (Direito do Trabalho. Volume I. Relações Individuais de Trabalho,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 442), ROSÁRIO PALMA RAMALHO ( Tratado de Direito do
Trabalho. Parte II. Situações Laborais Individuais, 4ª ed. revista e atualizada, Almedina, Coimbra,
dezembro 2012, p. 162).
15 PEDRO BARRAMBANA SANTOS, op. cit., p. 304.
16 Ibidem. Seria necessário demonstrar-se existência de um conjunto de atos pluriofensivos e lesivos
dos direitos do assediado, nomeadamente do direito à integridade física e mental, e nexo entre esses
factos que permitisse integrá-los sob uma lógica unitária. Ibidem, p. 205.
17 Também a jurisprudência veio entendendo que as situações de assédio moral não discriminatórias
não beneficiavam do regime de prova do art. 23º n.º 3, cabendo portanto ao putativo lesado fazer prova
dos factos constitutivos do direito que se arroga – acórdão do STJ de 21-04-2010, relatado por Vasques
Dinis e do mesmo Tribunal Superior, de 23-22-2011 relatado por Fernandes da Silva.
18 MAGO GRACIANO DE ROCHA PACHECO, O Assédio Moral em Portugal. “O Elo mais Fraco”,
não correspondendo portanto a total inversão do ónus da prova. Lição ministrada no curso de Pós-
Graduação em Direito do Trabalho e da Segurança Social, 3º ed., lecionada na Escola de Direito do
Porto da Universidade Católica Portuguesa em 6-10-2017.
discriminatório decorre vantagem para o lesado27. Neste sentido, vejam-se, a título
de exemplo, MONTEIRO FERNANDES28 e SÓNIA KIETZMANN LOPES29.
ROSÁRIO PALMA RAMALHO criticou, ademais, a opção de autonomização
do assédio discriminatório em relação ao não discriminatório, atentas as dúvidas
que se geraram sobre a aplicação de regras procedimentais: “a questão que se
coloca concretamente é a de saber se esta regra é a aplicável às situações de
assédio, uma vez que tais situações não são agora formalmente qualificadas como
discriminação, ao contrário do que sucedia anteriormente”, sustentando que “(…)
ao menos nas situações em que assédio tenha um fundamento discriminatório, esta
regra deve continuar a ser aplicada, porque estamos de facto perante uma
discriminação, sendo que tal qualificação é além disso um imperativo comunitário
(Art. 2º n.º 2 a) diretiva 2006/54 de 5-0.7)”30.
Da aplicação da regra do art. 25º n.º 5 ao assédio assente em fator
discriminatório resulta que, não havendo discriminação, serão aplicáveis, como se
viu, as normas gerais em termos de distribuição do ónus da prova, ou seja, o art.
342º do Código Civil (CC), o que aliás terá sido sufragado pela jurisprudência 31.
A este respeito, importa referir brevemente a questão da prova atinente à
natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade emergente de assédio.
Note-se que, no que respeita à responsabilidade por assédio moral, a jurisprudência
nacional não encontra ainda consenso nesta matéria, sendo que o Tribunal da
requisitos enunciados no artigo 29.º continua a impender sobre a vítima.” SÓNIA KIETZMANN
LOPES, «O Assédio Moral no Trabalho», publicado inicialmente em Prontuário de Direito do
Trabalho, Centro de Estudos Judiciários, nº 82 (Jan-Abr. 2009), pp. 253-269 e atualizado pela Autora
para Cadernos do CEJ, O Assédio no Trabalho, Coleção de Formação Inicial, setembro de 2014, p. 164,
disponível (disp.) em
http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/trabalho/o_assedio_trabalho.pdf?id=9&username=guest.
30 Parte II, 3ª ed, pp. 178 e 179.
31 PEDRO BARRAMBANA SANTOS, op. cit., p. 306.
Na jurisprudência, veja-se o aresto do STJ de 23-11-2011 reportado por Fernandes da Silva: “ Não
tendo a autora alegado factologia susceptível de afrontar, directa ou indirectamente, o princípio da
igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer um dos factores característicos da discriminação,
o assédio moral por parte da ré, por ela invocado, tem de ser apreciado à luz das garantias
consignadas no art. 18.º do CT, segundo o qual o empregador, incluindo as pessoas singulares que o
representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral, aplicando-se o
regime geral de repartição do ónus da prova estabelecido no art. 342.º do Cód. Civil.”
Já no Acórdão do TRL da mesma data relatado por Isabel Tapadinhas diz-se ainda que “É que, fora do
domínio da protecção contra a discriminação, e no âmbito da tutela dos direitos de personalidade, não
se encontra norma que estatua presunção de causalidade idêntica à que se referiu, daí que o
denunciante de uma situação de assédio moral não discriminatório deva, nos termos do art. 342.º, nº 1,
do Cód. Civil, suportar o ónus de alegar e provar todos os factos que, concretamente, integram a
violação do direito à integridade moral a que se refere o art. 18.º”.
Relação de Lisboa, em decisão de 15-02-2012, da relatora Filomena Carvalho,
afirmou que “a qualificação como assédio moral traduz um ilícito contratual dado
que foi violado o dever de respeito e a integridade física e moral do trabalhador”32,
enquanto o mesmo Tribunal, em aresto de 21-03-2012, relatado por Ramalho Pinto,
assumia a “legitimidade passiva dos superiores hierárquicos e dos colegas de
trabalhadora numa ação também intentada contra empregador por assédio moral
perpetrado por superiores hierárquicos e colegas quando pedido indemnizatório se
fundamenta em responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade ”.
Não são exclusivas do ordenamento nacional as consequências de tal escolha a
nível de ónus da prova, de prazos prescricionais, de relação com o processo-crime,
entre outras33.
De todo o modo, a escolha a fazer não influi, a nosso ver, na repartição do
ónus da prova, já que ainda que a responsabilidade seja contratual, o que ocorrerá
será apenas a aplicação da norma do art. 799º do CC, ou seja, uma presunção de
culpa do assediador, competindo a este demonstrar alternativamente que o
incumprimento não procede de culpa sua. Assim, não há qualquer inversão do ónus
da prova mas uma presunção de culpa do devedor, demonstrado que seja o
incumprimento da obrigação. Logo, a vítima terá sempre que demonstrar o
incumprimento de parte do assediador, sem prejuízo de, provado esse
incumprimento, beneficiar de uma presunção de que o mesmo foi culposo.
32 No mesmo sentido ver o aresto do STJ de 12-3-2014, relatado por Mário Belo Morgado.
33 Sobre o assunto, veja-se RITA JORGE PINHEIRO, «A responsabilidade civil dos agentes perante a
vítima de assédio moral», Questões Laborais, n.º 42 - número especial comemorativo dos 20 anos da
Revista, janeiro 2014, pp. 427 e ss’.
34 PEDRO BARRAMBANA SANTOS, op. cit., p. 164.
35 Ibidem, p. 168.
jurisprudência do Tribunal Constitucional se mostrar rigorosa na consideração dos
indícios36, exigindo que o demandante aporte uma suspeita razoável, um indício
consistente, objetivo e razoável da violação alegada37, e por vezes acabar por negar
os dados demonstrados como indício de prova38.
No ordenamento belga, consagrou-se na legislação uma inversão ónus da
prova – o demandado tem que provar que não assediou nem atuou com violência 39.
Em particular, quando a vítima demonstra um interesse em estabelecer perante a
jurisdição competente os factos que pressupõem a existência de violência ou assédio
psicológico ou sexual no trabalho, o ónus de demonstrar que não houve tal violência
ou assédio é da responsabilidade do demandado. O legislador acrescentou ainda
uma outra disposição que diz respeito ao ónus da prova do empregador em caso de
despedimento ou modificação unilateral das condições de trabalho, quando estes
ocorram nos 12 meses posteriores ao trabalhador apresentar queixa ou ser
testemunha. Também será do empregador o ónus da prova quando tal
despedimento ou modificação ocorrer após a instauração de ação judicial ou até 3
meses após sentença com trânsito em julgado40.
Em França, o regime atualmente vigente consta do art. L1154-1 do Code du
Travail, que prevê que o trabalhador apresenta os elementos que fazem supor a
existência de assédio, cabendo à contraparte defender-se demonstrando que estes
elementos não constituem assédio e que a sua decisão foi justificada por elementos
objetivos que não configuram assédio. Portanto a prova do demandado poderá ser,
por exemplo, no sentido de que as medidas tomadas são justificadas pela
organização empresarial41. O juiz formará a sua convicção depois de ordenar, caso
necessite, todas as medidas de instrução que considere úteis.
A disposição seguinte (L-1154-2) afirma ainda que organização sindical
poderá substituir o trabalhador numa ação contra o empregador, desde que tenha
36 A propósito desta jurisprudência veja-se JOSÉ FERNANDO LOUSADA AROCHENA, «La prueba
de la discriminación, la lesión de derechos fundamentales y el acoso sexual y moral en el proceso
laboral español», Estudios financieros. Revista de trabajo y seguridad social: Comentarios, casos
prácticos : recursos humanos, 2016, n.º 400, pp. 22 e ss’.
37 ASUNCIÓN GÓMEZ MARTÍN, «Aspectos procesales en relación con el tratamiento del mobbing»,
Diario la Ley, n.º 7612, Sección Tribuna, 15-04-2011, ano XXXII, ref. D-170, Editorial La Ley,
5896/2011.
38 M.ª DOLORES CASAS PLANES, op. cit., pp. 142 a 145.
39 MAGO PACHECO, op. cit., p. 184.
40 Artigos 32undecies e 32tredecies da Lei de 11-06-2002, relativa à proteção contra a violência e o
42 Este regime poderá considerar-se existente entre nós, por força da legitimidade processual que é
atribuída pelo 5º n.º 4 do Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99,
de 9-11. Com efeito, as limitações impostas pelo art. 5º do CPT configuram, para ALBERTINA
PEREIRA e JOÃO CORREIA, violação do art. 56º CRP, sendo que, perante a redação do art. 443º CT,
os autores entendem que há revogação de todas as normas do 5º que sejam mais rigorosas,
designadamente, que o art. 443º, n.º 1, al. d) CT, que prevê expressamente o direito de as associações
sindicais iniciarem e intervirem em processos judiciais e em processos administrativos quanto a
interesses dos seus associados, nos termos da lei. Logo o art. 5º deve entender-se revogado
tacitamente, admitindo-se tal intervenção mais ampla das associações sindicais. Cfr. JOÃO
CORREIA; ALBERTINA PEREIRA, Código de Processo do Trabalho. Anotado à luz da reforma do
processo civil, 2015, Almedina, p. 47.
Ainda assim, é nosso entendimento que entre nós não seria possível a desistência da ação pelo
trabalhador, já que este processualmente figuraria apenas como assistente (art. 5º, n.º 4 CPT).
ALCIDES MARTINS, Direito do Processo Laboral. Uma síntese e algumas questões , Almedina, 2014,
pp. 71 a 73.
43 ISABELLA DE ASMUNDIS, Il mobbing: il problema della responsabilitá civile, Edizioni
45 PHILIPP S. FISCHINGER, «”Mobbing”: the German Law of Bullying», Comparative Labor Law &
Policy Journal, vol. 32, n.º 1, 2010, p. 181.
46 Apud JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho…¸ cit., p. 441. JÚLIO GOMES, «Algumas
presumindo-se que houve represália quando ocorram dentro dos 180 dias seguintes à apresentação de
denúncia administrativa ou judicial, sendo o despedimento considerado abusivo.
49 MARINÉS DOLORES BABUGIA, op. cit., pp. 30 a 32.
50 Ibidem, pp. 146-149.
51 Ibidem, pp. 150-152.
e não discriminação, designadamente, estabelecendo um mecanismo probatório
cumpridor da Diretiva n.º 2006/54, que insta os Estados à implementação de um
sistema mitigado de ónus da prova mediante o estabelecimento de uma presunção
de discriminação (cuja atuação depende da demonstração pelo lesado dos factos
constitutivos dessa ilação), pertencendo ao presuntivo autor do ato o ónus de provar
a conformidade da atuação com o princípio da igualdade52. Não impõe, todavia, o
Direito da UE, qualquer mecanismo probatório de natureza idêntica para as
hipóteses de assédio.
Já no âmbito do Conselho da Europa, o Estado Português encontra-se
vinculado à Carta Social Europeia (CSE) e aos mecanismos de interpretação e
controlo da sua aplicação por parte do Comité dos Direitos Sociais,
designadamente, a emissão de conclusões na sequência dos relatórios apresentados
pelos Estados signatários da Carta, e as decisões proferidas no âmbito do
procedimento de reclamações coletivas.
A este respeito, cumpre referir que o Comité já analisou a conformidade das
legislações e práticas de alguns Estados ao art. 26º da CSE que, sob o manto do
direito à dignidade no trabalho, tutela os direitos dos trabalhadores em matéria de
assédio sexual e moral53.
A este propósito, o Comité assumiu que não há necessidade de referência
expressa ao assédio se a legislação permitir uma proteção efetiva contra várias
formas de discriminação54/55. Aquele órgão tem revelado preocupação com a tutela
de todos os trabalhadores ao serviço da entidade empregadora, independentemente
da natureza do respetivo vínculo, bem como a necessidade de a legislação prever a
faculdade de os trabalhadores reclamarem da violação dos seus direitos, solicitarem
compensação por tal violação e o direito a não serem discriminados por terem
perseguido o respeito destes direitos56.
Processualmente, uma proteção eficaz do trabalhador pode impor algum tipo
de inversão do ónus da prova, permitindo ao juiz que se pronuncie favoravelmente
à vítima com base em elementos presuntivos suficientes e na sua íntima convicção.
Esta posição viria a ser assumida pelo Comité nas conclusões de 2003 referentes à
prometida pelo art. 6º da aludida Lei n.º 73/2017 e ainda inexistente à data, apesar do prazo
anunciado ter já decorrido. Não compreendemos a menção neste preceito à intenção de regulamentar
os termos da aplicação da lei relativamente aos “acidentes de trabalho”, quando as normas anteriores
apenas haviam referido a reparação a título de doença profissional e não de acidente de trabalho.
Também é incompreensível para nós como será a entidade empregadora responsável, aparentemente,
em qualquer caso de assédio, independentemente da respetiva autoria, ou seja, incluindo-se
aparentemente os casos de assédio por terceiro e não obstante a entidade empregadora poder ter
atuado corretamente, designadamente, instaurando o agora devido processo disciplinar e
eventualmente aplicando a sanção correspondente. Temos, assim, dúvidas quanto ao funcionamento
dos mecanismos dos arts. 17º e 18º da Lei n.º 98/2009, de 04-09 (que regulamenta o regime de
reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais - LAT), aplicáveis às doenças profissionais
por força do art. 1º n.º 2 do diploma. Finalmente, temos curiosidade para perceber como se resolverá o
problema do acionamento da reparação pela Segurança Social: dependerá o mesmo da constatação de
que houve assédio por sentença transitada em julgado – como parece exigir RITA GARCIA PEREIRA,
de acordo com lição ministrada no curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da Segurança
Social, 3º ed., lecionada na Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa em 6-10-
2017. A reparação do trabalhador a este título não importará uma atuação mais célere por parte da
Segurança Social, contemporânea ao tratamento do dano, pelo menos no que respeita a prestações em
espécie (art. 104º da LAT)? Como impugnar a decisão da segurança social que tenha indeferido o
pedido, quando o assédio não tenha sido debatido judicialmente, eventualmente até por se ter
resolvido extrajudicialmente?
do Trabalho (ACT), o que constituirá mais um meio de prova62 (art. 394º n.º 2 f)
CT)63; e, finalmente, o aditamento do n.º 2 ao art. 66º do CPT, prevendo que as
testemunhas sejam notificadas pelo tribunal em processos em que a causa de pedir
a prática de assédio.
Assim, é evidente para nós que a legislação agora publicada introduz subtis
mas extremamente relevantes medidas que permitem atenuar a dificuldade
probatória que assiste à vítima de assédio.
Mas para além destas novas medidas, cremos que há (velhos) mecanismos a
que os agentes judiciais (advogados e magistrados) podem recorrer e que, sendo
utilizados com parcimónia, serão suficientes para cumprir os desideratos acima
identificados e responder satisfatoriamente às exigências internacionais nesta
matéria.
Senão vejamos: o nosso CC prevê a possibilidade de em determinados casos,
se inverter o ónus da prova. Com efeito, o art. 344º deste diploma consagra que
para além dos casos legalmente previstos, “há também inversão do ónus da prova,
quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao
onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente
aplicar à desobediência ou às falsas declarações”, permitindo-se, assim, que se o
onerado demonstrar que a contraparte impediu culposamente o acesso a
determinados meios de prova (por exemplo não dando acesso documentos na posse
daquele, ou omitindo a identificação de outros trabalhadores ou terceiros que o
trabalhador desejasse arrolar como testemunhas), possa inverter-se o ónus da
prova.
A propósito da apreciação da prova pelo julgador, recorde-se ainda o art. 396º
do mesmo Código, que determina que a prova testemunhal seja apreciada
livremente pelo tribunal.
Já no Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente ao processo
do trabalho ex vi do n.º 2 do art. 1º do CPT64, há mecanismos e meios de prova
disponíveis que permitem resolver alguns impasses em matéria probatória.
62 Embora seja a nosso ver discutível que tal denúncia deva preexistir para que a resolução ao abrigo
desta alínea possa ser lícita. Aliás, parece que se incentivam “corridas” à ACT e poderá até funcionar
em sentido algo perverso, levando alguns trabalhadores a apresentar queixa junto daquela
Autoridade apenas para ter um documento “oficial” que ateste a sua versão dos factos.
63 RITA GARCIA PEREIRA, lição ministrada no curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho e da
Segurança Social, 3º ed., lecionada na Escola de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa
em 6-10-2017.
64 A propósito desta subsidiariedade veja-se, a título de exemplo, ALBERTINA AVEIRO PEREIRA,
uma análise casuística, apurando todos os atos e apreciando o valor global de todas as condutas. Op.
cit., p. 220.
66 MARINÉS DOLORES BABUGIA, op. cit., pp. 128 e 129.
Finalmente, cumpre salientar o protagonismo que os princípios próprios do
direito processual laboral devem assumir nesta sede. Já SÓNIA KIETZMANN
LOPES afirmava que “(…) dúvidas não restam de que sobre o julgador nos
tribunais do trabalho impende um especial dever de apuramento da verdade
material, traduzido no amplo poder inquisitório previsto no Código de Processo do
Trabalho, detendo o juiz também as faculdades previstas na lei processual civil com
vista a criar condições para que as testemunhas deponham de forma livre (v.g.
chamando a depor quem a parte não arrolou ou criando condições propícias a que,
em audiência, as testemunhas não se sintam constrangidas)”67.
Com efeito, o direito processual laboral é detentor de um conjunto de
princípios que foram precisamente a causa da sua autonomização em relação ao
processo civil68. Entre eles, e sem prejuízo das distintas posições assumidas na
doutrina, encontra-se a garantia da igualdade real das partes69, a prevalência da
justiça material sobre a formal ou da igualdade real das partes sobre a jurídica 70, e
o princípio da prevalência do inquisitório sobre o dispositivo 71/72.
Neste sentido, veja-se a jurisprudência dos nossos tribunais, entre a qual o
aresto do Tribunal da Relação de Lisboa, 02-02-2000, relatado por Ferreira
Marques73: “Tanto no processo laboral como no processo penal, vigora o princípio do
inquisitório ou do apuramento da verdade material, atribuindo-se aos juízes dos
67 Embora a autora prossiga afirmando que “(…) também é verdade que tais poderes encontram
limites naturais, decorrentes, desde logo, do (por vezes falso) desconhecimento invocado pelas
testemunhas, mas também da circunstância de o julgador não ter como “adivinhar” quem possa ter
testemunhado os factos, a fim de oficiosamente determinar o respetivo depoimento. Ora, a vítima de
assédio, consciente desta limitação, tenderá a não querer correr o risco de alegar em juízo factos que
muito provavelmente não logrará demonstrar motu próprio ”. SÓNIA KIETZMANN LOPES, op. cit., p.
166.
68 ALBERTINA AVEIRO PEREIRA, op. cit., p. 27.
69 ISABEL ALEXANDRE, «Princípios gerais do processo do trabalho”», in Estudos do Instituto de
trabalho», Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XLVII, julho-dezembro 2006, n.os 3 e 4, p. 210.
Note-se que o autor o refere como sendo um princípio sufragado por Raul Ventura. Muito embora não
encontremos nos escritos deste autor tal princípio mencionado nos precisos termos que José António
Mesquita o cita, podemos de facto inferir tal princípio das afirmações do Professor Raul Ventura.
72 Na Argentina assinala-se que o juiz laboralista, ao contrário do civil, tem amplas faculdades para
averiguar a verdade real dos factos, podendo tomar medidas para colmatar as falhas da ação judicial,
como oficiosamente ordenar prova e investigar, ao abrigo dos princípios do inquisitório, da oralidade e
da imediação, não estando vinculado ao princípio do dispositivo, tendo faculdades inquisitivas.
MARINÉS DOLORES BABUGIA, op. cit., pp. 145 e 146.
73 Coletânea de Jurisprudência, 2000, I, 173. Apud ALBINO MENDES BAPTISTA, «Processo laboral
3) Danos morais
3.1. Análise do enquadramento nacional em matéria de danos morais
O segundo tema que nos foi proposto tratar diz respeito aos danos morais. A
este respeito, a nossa análise foi mais breve, por uma questão de não sobreposição
com as apresentações dos demais oradores.
De qualquer forma, recordamos que com o CT de 2009 se estabeleceu de
forma clara o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais nos
termos gerais (arts. 28º e 29º n.º 3 do CT)74, sendo certo de qualquer forma que a
jurisprudência nesta matéria tem tido decisões díspares, atribuindo valores a título
de danos morais que vão desde os 5.000,00 € (veja-se aresto da Relação de Lisboa
de 05-11-2013 relatado por Francisca Mendes) até aos 100.000,00 (Acórdão da
Relação de Guimarães de 14-05-2015, relatado por Moisés Silva).
A doutrina vem criticando os montantes atribuídos a este título 75. Com efeito,
RITA GARCIA PEREIRA criticava em 2011 as indemnizações por danos morais
que considerava “verdadeiramente ridículas”, particularmente os valores de 5.000
€76. Também PEDRO FREITAS PINTO assinalava as reservas da jurisprudência
em valorar danos não patrimoniais sofridos no âmbito da responsabilidade
contratual77.
decorrente de resolução lícita do contrato pelo trabalhador de ter que estar limitada pelo teto da
indemnização por antiguidade. PEDRO FREITAS PINTO, op. cit., p. 446.
JÚLIO GOMES assinalava de forma notável que “ A compensação a que a
vítima de mobbing terá direito pelos danos morais que sofreu não deve depender ou
ser limitada pelo montante da retribuição do trabalhador: o assédio a uma
empregada de balcão não deve ser mais barato, para o empregador, que o assédio a
um quadro superior. Impõe-se, ainda, que as sanções aplicadas neste contexto
tenham uma genuína eficácia preventiva. Pode ainda questionar-se se certos
princípios desenvolvidos em matéria de acidentes de trabalho, não deverão também
aplicar-se neste contexto, designadamente quando tiver sido afectada a capacidade
de trabalho ou de ganho – pense-se, por exemplo, na irrelevância de uma
predisposição patológica que não tenha sido propositadamente oculta”78.
A este propósito, cumpre referir que o legislador parece ter autonomizado esta
consideração na atual previsão do art. 283º do CT, prevendo o reconhecimento dos
danos decorrentes de assédio moral como doença profissional. Embora a expressão
do legislador seja a de que os “danos emergentes de doenças profissionais
resultantes da prática de assédio” serão da responsabilidade do empregador, esta
expressão tem implícita, evidentemente, a prévia consideração de que a prática de
assédio poderá resultar numa doença profissional.
Assim, esta reparação ao abrigo do regime das doenças profissionais implica
que as consequências para a saúde do trabalhador serão, à partida, ressarcidas por
essa via. Adiante veremos melhor que reflexos poderá esta solução ter para a
reparação do dano moral.
Finalmente, cumpre ainda assinalar que na contratação coletiva se preveem
algumas indemnizações tabeladas no seu valor mínimo. Por exemplo, no Acordo de
empresa entre a Morais Matias, SA e a Federação Portuguesa dos Sindicatos da
Construção, Cerâmica e Vidro – FEVICCOM, publicado no Boletim do Trabalho e
Emprego n.º 18/2015, de 15-05-2015, a violação da obrigação de respeito pela
dignidade da pessoa humana atribui o direito a que a entidade empregadora se
constitua “na obrigação de pagar ao trabalhador uma indemnização de valor nunca
inferior ao triplo da retribuição efectivamente recebida” , embora “sem prejuízo de
outras indemnizações por danos patrimoniais ou não patrimoniais a que houver
lugar”. Para PEDRO BARRAMBANA SANTOS trata-se de cláusulas penais,
estabelecendo valores mínimos admissíveis, sendo certo que se o trabalhador lograr
78 JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho…¸ cit., p. 442 e «Algumas observações…», cit., pp. 165-184.
provar que teve danos em montante superior, poderá exigir pagamento do
remanescente, à luz do 811º n.º 2 do CC79.
volume de negócios da empresa e grau de culpa), embora tais limites possam ser elevados para o
dobro em situação de violação de normas referentes a saúde e segurança e saúde no trabalho (como a
nosso ver poderá suceder no assédio) – art. 556º, n.º 1 CT.
83 PEDRO BARRAMBANA SANTOS, op. cit., p. 157.
84 DAVID. C. YAMADA, «Workplace Bullying and American Employment Law: a Ten-Year Progress
Report and Assessment», Comparative Labor Law & Policy Journal, vol. 32, n.º 1, 2010, p. 265.
mandatário deste, o trabalhador terá direito a indemnização correspondente a 20
salários mínimos (art. 66º n.os 2 e 3 da Lei de trabalho, Lei n.º 23/2007, de 01-08)85.
Devemos assinalar ainda que no Brasil foi apresentado um projeto de lei
federal (Projeto de Lei n.º 6.757, de 2010) que previa que na hipótese de prática de
assédio, ocorrendo “(…) rescisão indireta do contrato de trabalho [seriam] devidas
as verbas rescisórias em dobro. Além dessa indenização, o empregador é
responsável pelo pagamento de todas as despesas médicas decorrentes de lesões
físicas ou mentais causadas pelo assédio. Estabelece, ainda, que, para efeito de
cálculo da indenização por dano moral, deve ser considerada a posição social da
vítima, a situação econômica do ofensor e a sua culpa, as medidas de prevenção
adotadas pelo empregador, bem como o nexo causal verificado entre o dano sofrido
e o ambiente de trabalho.” Adianta a doutrina que se a rescisão do contrato pelo
trabalhador for motivada por coação moral do empregador, o juiz aumentará para o
dobro a indemnização devida em caso de culpa exclusiva do empregador 86. Já em
Timor Leste também se prevê a possibilidade de resolução do contrato trabalho com
justa causa, sendo nesse caso atribuída ao trabalhador uma indemnização entre 1
mês e um ano de remuneração por cada ano de antiguidade (o dobro da devida em
caso de despedimento ilícito)87.
assédio sexual.
legislação civil ou administrativa que permita que as vítimas acionem o
empregador ou colegas e solicitem uma indemnização por danos patrimoniais ou
morais perante os tribunais ou reintegração em caso de despedimento ilícito no
contexto de assédio sexual. Também nas conclusões de 2005 referentes à Lituânia,
o Comité solicitou informação sobre a dimensão dos danos reparáveis, tendo
esclarecido que a compensação tem que reparar todos danos e servir de sanção ao
empregador.
Já nas conclusões de 2014 em relação a Portugal, o Comité veio dizer que
aplaude as iniciativas das instituições nacionais nesta matéria, mas solicitou
informação sobre o resultado das mesmas, bem como informação sobre quais as
medidas tomadas em cooperação com parceiros sociais para prevenir o assédio nos
locais de trabalho. Relativamente às medidas tomadas em relação ao assédio, o
Comité reconheceu a existência de mecanismos ao dispor do trabalhador, mas
entende que na prática muito poucos casos chegam a tribunal, portanto quer ser
atualizado nesta matéria e sobre as medidas tomadas no sentido de facilitar e
aumentar as queixas. Solicitou, ainda, informação sobre quais as compensações
efetivamente pagas em casos de assédio, mais questionando sobre um trabalhador
pode obter compensação ou reintegração quando tiver sido forçado a sair devido a
assédio.
A este respeito, devemos assinalar, na esteira do alerta de PEDRO
BARRAMBANA SANTOS, que é importante perceber que a qualificação como
danos morais permite evitar tributação em termos de IRS e contribuições para
segurança social, pelo que as transações celebradas nos processos em que seja
invocado o assédio moral poderão não refletir de forma correta o efetivo
ressarcimento dos danos dos trabalhadores a esse título, qualificando-se muitas
vezes todos os valores pagos ao trabalhador como danos morais apenas como forma
de benefício fiscal do lesado, sendo certo que parte deles correspondem muitas
vezes a outros créditos laborais do assediado que estariam em dívida 89. Assim, a
informação a prestar ao Comité poderá não ser um reflexo exato da reparação dos
trabalhadores neste domínio.
Acrescente-se que, apesar das diversas informações solicitadas, o Comité
concluiu naquelas conclusões pela conformidade da legislação e práticas nacionais
ao artigo 26º da CSE.
sentido. Cfr., entre outros, o aresto do STJ de 10-07-2008, relat. Salvador da Costa. O conceito de dano
biológico tem sido fruto de enérgica produção doutrinal e jurisprudencial no ordenamento italiano.
Veja-se, exemplificativamente, MARCELLO PEDRAZZOLI, I Danni…., pp. 157 e ss’.
93 Para MESSIAS CARVALHO, «Assédio Moral/Mobbing», Revista TOC, n.º 77, agosto 2006, disp. em
para a responsabilidade civil e uma função reparatória para a responsabilidade penal», Revista de
Direito e de Economia, ano XV, 1989, 105-144. Relativamente ao ordenamento espanhol, vd.
CRISTÓBAL MOLINA NAVARRETE, «La tutela frente a la “violencia moral” en los lugares de
trabajo: entre prevención e indemnización», disp. http://cvu.rediris.es/pub/bscw.cgi/425661, p. 54,
consult. 28-11-2009.
100 Aproveitamos o ensejo para apreciar criticamente a nova sanção acessória de publicidade da
decisão condenatória, que parece passar a ser obrigatória em caso de assédio moral (art. 563º n.º 3).
Apesar de a medida em si nos parecer meritória, a verdade é que nada se diz quanto ao consentimento
do trabalhador, o que nos choca atendendo à matéria em causa, estritamente relacionada com direitos
de personalidade do trabalhador e muitas vezes até particularmente relacionados com a sua
intimidade.
estes, parece-nos ser inadequado estabelecer limites mínimos ou máximos, como
acontece noutros ordenamentos, devendo antes recorrer-se aos critérios adiantados
pela doutrina e jurisprudência.
Apesar de não respeitar diretamente à matéria que nos foi proposto tratar, a
este respeito julgamos relevante apreciar os critérios indemnizatórios em caso de
cessação do contrato subsequente a situação de assédio. Note-se que não raras
vezes o assediado não resiste à pressão e acaba por fazer cessar o contrato
unilateralmente, seja por denúncia unilateral, seja por resolução com justa causa.
Nos casos em que seja atacado por via disciplinar poderá, todavia, vir a ser
dispensado por meio de despedimento como sanção disciplinar, podendo ainda ver a
sua relação terminar através de outros despedimentos como a extinção do posto de
trabalho, ou até por acordo revogatório do contrato de trabalho. Importa, pois,
verificar se todas as formas de cessação contratual terão tratamento
indemnizatório idêntico em caso de assédio.
O caso da denúncia unilateral e particularmente flagrante, já que o
assediado não só não terá direito a qualquer tutela indemnizatória, como será
inclusivamente prejudicado em matéria de tutela social, já que não auferirá
subsídio de desemprego. No entanto, naturalmente que, tendo optado por esta via
em detrimento da resolução do contrato com justa causa, nos parece que a este
respeito nada poderá ser feito em termos legislativos, sendo uma opção que deverá
ser devidamente ponderada pelo trabalhador, procurando as autoridades
competentes e os agentes a que eventualmente recorra informá-lo das respetivas
consequências. De igual modo, também o acordo revogatório do contrato de
trabalho terá, em princípio 101, idênticas consequências.
A propósito da cessação por resolução com justa causa pelo trabalhador,
quando comparada com o despedimento (ilícito) do trabalhador, já nos parece haver
real desigualdade em termos indemnizatórios, prejudicando-se o trabalhador que
“não aguentou” em relação àquele mais resistente, que veio a ser despedido, ainda
que ilicitamente.
Com efeito, a indemnização por resolução com justa causa pelo trabalhador é
calculada nos termos do art. 396º (“entre 15 e 45 dias de retribuição base e
diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da
101Sendo certo todavia que no âmbito da cessação por acordo revogatório poderá ser paga uma
determinada compensação ao trabalhador (que é facultativa), sendo ainda possível o acesso ao
subsídio de desemprego, mediante cumprimento da previsão dos arts. 10º ou 10-ºA do Decreto-lei n.º
220-2006, de 3-11.
retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo
ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades”), apesar de o n.º 3 do
396º consentir que a indemnização seja superior sempre que o trabalhador sofra
danos patrimoniais e não patrimoniais superiores.
Já no caso de despedimento ilícito, e atentas as recentes alterações
introduzidas pela Lei n.º 73/2017, o trabalhador terá direito a indemnização
majorada, por se tratar de sanção disciplinar abusiva, nos termos do n.º 3 do art.
392º aplicável por força da alínea b) do n.º 2 e n.º 4 do art. 331º (ou seja, “entre 30 e
60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de
antiguidade, nos termos estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo anterior, não podendo
ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e
diuturnidades”).
Ou seja, a resolução pelo trabalhador menos “resistente” permite-lhe aceder a
uma indemnização que, em princípio, será de metade daquela que lhe será
garantida caso seja especialmente resiliente e “lograr” ser despedido pelo
empregador. Porque há-de o trabalhador despedido ilicitamente beneficiar em
relação ao trabalhador que não aguentou e se despediu?
Recorde-se que o trabalhador despedido ilicitamente terá ainda direito às
retribuições intercalares (art. 390º n.º 1 do CT) e a sua antiguidade será calculada
até ao trânsito em julgado da decisão judicial (art. 391º n.º 2 CT), o que torna as
indemnizações a atribuir a este título particularmente díspares e desiguais,
situação que a nosso ver é desconforme ao entendimento do Comité Europeu dos
Direitos Sociais a este respeito e que, ademais, poderá configurar flagrante violação
do princípio da igualdade entre trabalhadores.
Finalmente, queríamos ainda assinalar que se vem debatendo que a
obrigação de prevenção de riscos profissionais que cabe à entidade empregadora
inclui o risco psicossocial assédio, o que poderá determinar, no limite, que haja
responsabilização daquela em termos objetivos, por violação da respetiva obrigação
em matéria de segurança e saúde no trabalho de garantia de um ambiente de
trabalho saudável e tutela dos trabalhadores especialmente vulneráveis102.
102Acerca do enquadramento jurídico dos riscos psicossociais veja-se o nosso «Statu quo y nuevas
estrategias de prevención de los riesgos psicosociales en el trabajo en Portugal», em co-autoria com
CATARINA DE OLIVEIRA CARVALHO, in AAVV, Anuario Internacional sobre Prevención de
Riesgos Psicosociales y Calidad de vida en el Trabajo. Nuevas Estrategias en Prevención de Riesgos
Psicosociales en el trabajo- Experiencias comparadas, Observatorio de Riesgos Psicosociales, Unión
General de Trabajadores, Fundación para la prevención de riesgos laborales, Secretaria de Salud
Laboral y Medio Ambiente UGT-CEC, 2015, 142-172, disp. em
http://portal.ugt.org/saludlaboral/observatorio/catalogo2015/publicaciones/revistas/028es/descargas/An
4) Conclusão
Em suma, queremos advertir para o facto de que nem sempre a criação de
novas soluções legislativas se afigura necessária ou adequada ao tratamento de um
problema, sem prejuízo de os caminhos a trilhar para alcançar diferentes soluções
exigirem dos intervenientes processuais (advogados e magistrados) algum arrojo e
uma interpretação criativa mas tecnicamente sustentada das disposições legais
existentes.