Trabalho Urbanismo 2 Semestre
Trabalho Urbanismo 2 Semestre
Trabalho Urbanismo 2 Semestre
2016230129
COIMBRA, 2022
ÍNDICE
ABREVIATURAS E SIGLAS.................................................................................................... 3
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 4
CAPÍTULO I – Conceito de Expropriação e Aspetos Essenciais do Regime ........................ 5
1.1. O Direito à Propriedade Privada ............................................................................... 5
1.2. Conceptualização de Expropriação por Utilidade Pública e Regime Jurídico ...... 6
1.2.1. O conceito de Expropriação por Utilidade Pública .......................................... 6
1.2.2. O Regime Jurídico da Expropriação por Utilidade Pública ........................... 8
CAPÍTULO II – Implicações e Análise Crítica do DL N.º 15/2021 no Regime das
Expropriações por Utilidade Pública ...................................................................................... 11
2.1. Teleologia do DL n.º 15/2021 ......................................................................................... 11
2.2. Análise do Regime do DL n.º 15/2021 ........................................................................... 14
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 20
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................... 22
2
ABREVIATURAS E SIGLAS
Ac. – Acórdão
Al(s). – Alínea(s)
AR – Assembleia da República
Art(s).º – Artigo(s)
Cfr. – Conforme
Cit. – Citação
DL – Decreto-Lei
DR – Diário da República
N.º – Número
P(p). – Página(s)
Proc. – processo
ss. – Seguintes
Vd. – vide
Vol. – volume
3
INTRODUÇÃO
A pandemia da COVID-19 teve implicações diversas na saúde, trabalho e modo
de vida de todos os cidadãos e, de um modo geral, impactou significativamente a
economia mundial. Até ao presente são notáveis os vestígios da crise sanitária e financeira
gerada pela disseminação alargada do vírus. Assim, não restam dúvidas que este foi um
dos maiores desafios da história recente enfrentados a nível global, tanto pelas
populações, como pela economia e, naturalmente, pelo direito.
4
CAPÍTULO I – Conceito de Expropriação e Aspetos
Essenciais do Regime
Para conseguirmos realizar um estudo mais completo do DL n.º 15/2021, torna-
se premente que compreendamos em primeiro lugar o conceito de expropriação e, em
seguida, o regime clássico da mesma.
1
CANOTILHO, Gomes/VITAL, Moreira (2007) – Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I,
Coimbra, cit. p. 801.
2
Cfr. Art.º 62.º, n. º1 da CRP, através da expressão “à sua transmissão em vida ou por morte”.
3
Cfr., Ac. TC n.º 148/05, de 16.03, relator Conselheiro Vítor Gomes (proc. n.º 143/03) que afirma que o
direito de propriedade plasmado no art.º 62.º da CRP assume três vertentes: “(i) o direito de aceder à
propriedade; (ii) o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade; (iii) o direito de transmissão
da propriedade inter vivos ou mortis causa.”. Nesta linha, o direito de propriedade concede poderes
indeterminados ao proprietário, sendo este direito dotado de caraterística de elasticidade e perpetuidade.
4
A título de exemplo vd. Art.º 1306.º, n.º 1 do CC e art.º 1308.º do mesmo diploma.
5
Cfr. Art.º 334.º do CC.
5
Assim, o direito de propriedade não é um direito absoluto e pode ser limitado
sempre que “razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas,
de segurança, de defesa nacional”6 se imponham como prioritárias.
6
CANOTILHO, Gomes/VITAL, Moreira (2007) – Constituição (…) cit. p. 801.
7
Regulada nos arts. º 1550.º e ss. do CC cujo a área de eleição de regulamentação são as servidões. De
um modo geral, a expropriação por interesse privado afigura-se numa forma de mediar e solucionar
conflitos entre dois sujeitos individualmente considerados e os seus direitos de propriedade, traduzindo-se
não raras vezes, na constituição de uma servidão.
8
Plasmado no art.º 266.º, n.º 2 da CRP.
9
Fá-lo no seu art.º 165.º, n.º 1, al. e).
10
Nomeadamente através do seu art.º 1308.º que permite limitações ao direito de propriedade através do
instituto das expropriações realizadas de acordo com a lei.
11
Lei nº 168/99, de 18 de setembro.
6
do Território e do Urbanismo12 e pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão
Territorial13.
12
Lei nº 31/2014 de 30 de maio; vd. em específico o art.º 34.º do referido diploma.
13
DL nº 80/2015 de 14 de maio; com especial enfoque no seu art.º 159.º.
14
Leia-se interesse comunitário ou público.
15
BARBOSA, Luís Alvarez/ PACHECO, Ana Isabel (2013) – Código das Expropriações anotado e
comentado, Almedina, p. 13.
16
Um sacrifício que é “recompensado” através da justa indemnização – art.º 62.º, n.º 2 CRP e art.º 1 do
CE.
17
De acordo com o art.º 1306.º do CC: “O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por
morte, usucapião, acessão e demais modos previstos na lei.” – sendo a expropriação um dos demais
modos através do qual este direito pode ser transferido.
18
Neste sentido, a título de exemplo, vd. CANOTILHO, Gomes/VITAL, Moreira (2007) – Constituição
da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, cit. pp. 806-807.
7
Já na categoria da expropriação por sacrifício não estamos em sede de uma
expropriação propriamente dita, uma vez que esta é um efeito e não o objetivo da atuação
de uma entidade pública. Neste caso, o direito de propriedade do particular sobre o bem
é de tal forma limitado ou suprimido por projetos de interesse público que surge a
necessidade de indemnizar o lesado, tendo estas ações de ser qualificadas como
expropriativas para que haja lugar à justa indemnização que se lhe acompanha19. O
exemplo paradigmático de expropriação por sacrífico reside nas servidões
administrativas, uma vez que estas oneram de tal forma o direito de propriedade que,
ainda que este não seja afastado do seu titular, perturba a normal utilização do bem e/ou
afeta o valor económico do mesmo20.
19
OLIVEIRA, Fernanda Paula (2001) – Direito do Urbanismo – Curso de Especialização em Gestão
Urbanística, 2.ª ed., CEFA, Coimbra, p. 81-82.
20
Como dispõe o n.º 2 do art.º 8 do CE, as servidões administrativas dão direito a indemnização nos casos
elencados nas alíneas.
21
Cfr. Gabinete dos Juízes Assessores - Assessoria Cível (2022) – A expropriação na jurisprudência das
Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça (Sumários de Acórdãos de 1996 a Março de 2022), cit. p.
3. Disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2022/05/expropriacao.pdf . Consultado a
20.06.2022.
8
Cabe-nos, todavia, versar sobre o primeiro, e principal, momento no âmbito das
expropriações por utilidade pública: o processo de expropriação. O procedimento
administrativo que dá lugar à expropriação tem de seguir disposições legais,
nomeadamente, as do CE. Logo no seu art.º 1.º, o CE estabelece que as expropriações por
utilidade pública devem versar sobre bens imóveis e sobre os direitos a eles inerentes
desde que, como já foi referido, estejam em causa interesses comunitários. Ademais, a
entidade expropriante deve ter “compreendida nas suas atribuições, fins ou objeto” esta
capacidade expropriativa que, como vimos, e em conformidade com o art.º 65.º n.º 4 da
CRP, cabe apenas ao Estado, regiões autónomas e autarquias.
As expropriações podem seguir dois rumos: um amigável, previsto nos arts.º 33.º
e ss. do CE, e um litigioso, regulado a partir do art.º 38.º do CE. Ora, a expropriação diz-
22
E no caso das expropriações por utilidade pública não falamos de um qualquer bem, mas de um bem
imóvel – algo que, à partida, é consensualmente reconhecido como passível de lesar o proprietário em
maior escala do que se falássemos de um bem móvel. Daqui decorre a especial sensibilidade de conflitos
de direitos em sede de expropriações por utilidade pública.
23
Vertido no art.º 18.º n.º 2 da CRP.
9
se amigável se houver concordância sobre os termos24 da mesma entre expropriante e
expropriado; torna-se necessariamente litigiosa quando não é alcançado um acordo entre
as partes, sendo a indemnização fixada por decisão arbitral da qual cabe recurso para os
restantes tribunais ditos comuns25.
Todavia, existe aqui uma exceção: a posse administrativa dos bens pode passar
automaticamente para as entidades expropriantes após a emissão da DUP nos casos de
expropriações de caráter urgente ou urgentíssimo30. De acordo com o art.º 15.º do CE, as
expropriações urgentes podem assumir esta forma desde logo no próprio DUP e, pelo seu
cariz especialmente oneroso para os direitos do expropriado, deve ser devidamente
fundamentado. Não obstante estas situações de cariz excecional, dispõe o art.º 11.º do CE
que a entidade expropriante, antes mesmo de requerer a DUP, deve tomar todas as
24
O art.º 34.º do CE dispõe sobre os assuntos que poderão ser objeto de acordo.
25
Cfr. Art.º 38.º n.º 1 do CE.
26
Cfr. Ac. STA, de 14.04.2005, relator Cândido de Pinho (Proc. N.º 047310) onde consta que “a
resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação constitui o primeiro passo do
procedimento expropriativo”.
27
Que só ocorrerá através do despacho judicial de adjudicação de propriedade, embora a DUP tenha de
ser obrigatoriamente publicada em Diário da República para efeitos de publicidade.
28
DRE Lexionário – Declaração de Utilidade Pública. Disponível em
https://dre.pt/dre/lexionario/termo/declaracao-utilidade-publica .
29
Cfr. Art.º 268.º, n.º 4 da CRP.
30
Nos termos do art.º 20.º do CE.
10
diligências para adquirir os bens por meio do direito privado, salvo nos casos de
expropriações urgentes e nos casos em que esse caminho se mostrar inviável.
Por fim, cabe-nos ainda fazer menção a alguns instrumentos que o legislador
colocou à disposição do expropriado, de forma a equilibrar as forças em conflito,
instrumentos estes que funcionam como garantias para os particulares. Desde logo e em
sede de DUP, o n.º 3 do art.º 13.º do CE prevê um prazo de validade para o documento,
determinando a caducidade do mesmo. O art.º 5.º do mesmo diploma prevê ainda o direito
à reversão da expropriação se se verificarem os pressupostos vertidos nas als. a) e b) do
n.º 1 do referido art.º.
11
• O DL n.º 354/93, de 9 de outubro que, em virtude da realização da EXPO
9831, consolidou um regime especial para os atos expropriativos de
imóveis e direitos a eles relativos;
• O DL n.º 21-A/98, de 6 de fevereiro, que estabeleceu um regime com
caráter especial que só se aplicaria às expropriações tidas como
necessárias para a realização do Empreendimento de Fins Múltiplos do
Alqueva;
• O DL n.º 314/2000, de 2 de dezembro que aplicava um regime excecional
de expropriação de imóveis e direitos a eles inerentes a imóveis sitos nas
zonas de intervenção fixadas pelo Programa Polis;
• O DL n.º 123/2010, de 12 de novembro, cujo regime fora especialmente
pensado para as expropriações necessárias para a concretização de
projetos infraestruturais incluídos no âmbito de candidaturas beneficiárias
de cofinanciamento por fundos comunitários.
31
Também conhecida como Exposição Internacional de Lisboa de 1998.
12
de limitar contágios impondo confinamentos obrigatórios e uso de máscaras em espaços
públicos. Ora, todo esta contextualização é importante para a análise crítica que faremos
do DL n.º 15/2021 e da jurisprudência a ele associada, uma vez que o direito e a sua
aplicação não podem ser separados da realidade experienciada pelos sujeitos jurídicos.
32
A sua vigência finda, à partida, no final do ano de 2022.
33
Cfr. Texto da Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020.
34
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime especial de
expropriação e constituição de servidões administrativas para a execução de projetos integrados no
Programa de Estabilização Económica e Social (Decreto-Lei n.º 15/2021, de 23 de fevereiro), in Revista
de Direito Administrativo N.º 12, AAFDL Editora, Lisboa, cit. p. 135.
35
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), cit. p. 135.
13
e o Estado decide legislar num sentido ainda mais gravoso para os particulares. A
justificação para esta ação do Estado encontra-se, novamente, na preponderância da
realização do interesse público. O legislador, através do PEES e do regime especial de
expropriações, primou por executar projetos que respondessem às necessidades e
interesses coletivos que, como já aferimos também, foram impactados pela pandemia.
Num contexto de reerguer a economia e tentar melhorar as condições de todos,
encontramos a justificação para tornar um regime (já bastante oneroso) ainda mais
gravoso para a parte mais frágil: o expropriado.
Uma das maiores críticas que os autores apontam e das quais comungamos é
exatamente o mobilizar exagerado do regime de urgência das expropriações por utilidade
36
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), cit. p. 136.
14
pública sem que se lhe acompanhem mecanismos de revisão, celeridade e simplificação
de outros diplomas, documentos e procedimentos. A título de exemplo, os autores
expõem as situações em que é necessária a alteração de um plano municipal ou até mesmo
a realização de uma AIA no seguimento de uma DUP, e que são completamente
descuradas pelo regime em análise. Se estes procedimentos devem articular-se para, na
prática, os resultados fundamentados no interesse público estarem em conformidade com
o direito, não deveriam estes diplomas prever medidas no sentido de comprimir outros
procedimentos inerentes à normal execução dos planos? Na linha de GONÇALO PIRES
e MIGUEL FERREIRA, a nossa resposta só poderá ser afirmativa37.
Cumpre ainda mencionar que o CE necessita de uma revisão uma vez que não se
encontra em conformidade lógica com a LBGPPSOTU38 e com o RJIGT, nomeadamente
do que diz respeito à classificação, qualificação e consequente avaliação dos solos e o seu
uso em planos municipais de ordenamento do território. O art.º 25.º n.º 2 do CE explicita
o que é um solo apto para construção que é um conceito muito relevante, uma vez que o
cálculo do valor da justa indeminização dependerá da avaliação feita ao solo (objeto da
expropriação), solo este que pode ser classificado como “solo apto para construção” ou
“solo para outros fins”. Já a Lei de Bases utiliza outros critérios para efeitos de avaliação
de solos: o valor do solo dependerá da sua eventual classificação como terreno rústico39
ou terreno urbano40. Assim, fica claro a discrepância de critérios mobilizados em sede de
avaliação de solos o que, não raras vezes, tem conduzido a valorações bastante
dissonantes, situação que a nosso ver deve ser corrigida de modo a igualar critérios e
alcançar valores indemnizatórios mais uniformes.
37
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), p. 136.
38
Também referida como “Lei de Bases”.
39
O critério mobilizado nestes casos é o eventual produto ou resultado da sua exploração.
40
O critério de análise de valor destes solos é realizado em função das potencialidades urbanas que terá.
15
onerosa para o particular seja aplicado a projetos fora do âmbito do PEES41. Assim, a
fundamentação relativa à aplicabilidade do regime do DL n.º 15/2021 deve constar na
resolução de expropriar42 que, posteriormente, deve ser avaliada pela entidade
expropriante em sede de DUP.
Da análise art.º 2.º do diploma, que discorre sobre a “Utilidade Pública e Urgência
das Expropriações”, é possível tirar algumas conclusões. Primeiramente, o legislador ao
atribuir caráter de urgência às expropriações feitas no âmbito do PEES, e em linha com o
art.º 15.º, n.º 2 do CE, pretende transmitir a posse do bem expropriado o mais rapidamente
possível à entidade expropriante. Deste modo, o legislador não faz referência direta aos
restantes procedimentos que ocorrem nas expropriações, apenas se preocupando com a
posse administrativa do bem43 44
. Presumimos então que, no que diz respeito à
adjudicação da propriedade e determinação do valor indemnizatório, aplicar-se-á o
regime geral.
41
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), p. 138.
42
Realizada pela entidade beneficiária da expropriação.
43
Cfr. art.º 4.º do CE.
44
Note-se que, por este regime aplicar caráter urgente às expropriações feitas no seu âmbito, não é
exigido que a entidade interessada em expropriar recorra a diligências de adquirir os bens por via do
direito privado, como dispõe o art.º 11.º do CE. Portanto, esta possibilidade não é retirada por completo
aos expropriantes, todavia, não lhes é imposta.
45
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), p. 139.
46
Cfr. n.º 2 do art.º 2.º do DL 15/2021.
47
Cfr. Art.º 20.º do CE.
16
competência de realizar estes atos altamente gravosos para os proprietários dos bens
expropriados? É importante refletir sobre este assunto nomeadamente atendendo ao
contexto em que nasce o referido diploma. Estando os particulares já especialmente
fragilizados com os impactos da pandemia, não faz sentido algum implementar-se um
regime tão gravoso, ainda que com as melhores intenções de potenciar o desenvolvimento
do país, que passe por permitir que entidades privadas (que incontornavelmente defendem
os seus interesses privados) procedam a atos de expropriação por utilidade pública, com
caráter de urgência e possam celebrar contratos onerosos com entidades terceiras no
âmbito dessa expropriação48.
O art.º 3.º do DL n.º 15/2021, dá algumas diretrizes sobre aspetos formais que o
procedimento expropriativo deve seguir. Neste âmbito cabe-nos realçar apenas que
continua a ser essencial fundamentar-se corretamente a DUP e atender-se aos restantes
documentos necessários à prossecução da expropriação por utilidade pública,
nomeadamente a AIA. Note-se que o legislador permite que, enquanto esteja a decorrer
o estudo de impacte ambiental, a DUP seja formulada e emitida antes mesmo do resultado
desse estudo ou de outros procedimentos relevantes49. Ora, mais uma vez, isto coloca o
expropriado numa posição excessivamente onerosa relativamente ao expropriante, isto
porque, como vimos, a DUP transmite automaticamente50 a posse administrativa do bem
para a esfera do expropriante, logo, o expropriado fica despido de poderes de disposição
sobre o bem em causa. É claro que, consoante o disposto pelo art.º 8.º do diploma, o
expropriado dispõe sempre do direito de reversão se se confirmar que os restantes
procedimentos relevantes à expropriação não a legitimam, todavia, não podemos ignorar
o quão gravoso é para o expropriado perder a posse sobre o bem logo no seguimento da
DUP.
A DUP, como dispõe o art.º 13.º e art.º 17.º n.º 1 do CE, tem de ser
necessariamente publicada em DR, de modo a notificar todas as partes intervenientes e
interessadas no processo expropriativo. Ora, face à urgência associada às expropriações
48
Neste sentido dispõe o art.º 36.º do CPA que fixa a irrenunciabilidade e inalienabilidade das
competências definidas por lei ou regulamento. Não estará este art.º a ser desrespeitado através do espaço
que a lei abre a estas entidades privadas de delegar funções, em sede de expropriação, a terceiros?
49
Falamos da AIA a título de exemplo de procedimentos obrigatórios a adotar em sede de execução de
projetos públicos, pelo que o mesmo valerá para outros procedimentos como a elaboração ou
revisão/alteração de instrumentos de gestão territorial, uma vez que a sua compatibilidade com o projeto
cuja expropriação tem base é impreterível para a sua legitimidade.
50
Como veremos à frente, não utilizamos a expressão “automaticamente” no seu sentido literal, uma vez
que existiram passos a ser tomados pela entidade expropriante antes dessa posse ser efetivada.
17
em sede do DL n.º 15/2021, não foi previsto nenhum prazo, especificamente um prazo
mais curto, de modo a acelerar estas questões formais e, indo de encontro com a ratio do
regime, executar mais celeremente as expropriações necessárias. Consideramos que,
também neste aspeto em que não se preveem mecanismos como a imposição de prazos
para a publicação da DUP em DR, é uma questão que deixa o regime em análise à quem
do expectável, por um lado, por não auxiliar na celeridade do processo, por outro, por não
promover esta garantia tão importante para todos os interessados na expropriação.
Olhando agora para o art.º 4.º do diploma em análise que versa sobre a posse
administrativa dos bens a expropriar, facilmente identificamos que esta norma em muito
se assemelha à do n.º 2 do art.º 15.º do CE, todavia, quando consultamos a autorização
legislativa dada ao Governo para legislar nesta matéria51, o seu art.º 2.º n.º 3 al. b) dispõe
que o Governo está autorizado a legislar sobre a “Possibilidade de conferir à entidade
expropriante, após obtenção da aprovação do respetivo projeto de construção, e sem
dependência de outras formalidades, a posse administrativa dos bens imóveis
identificados, nos termos previstos nos artigos 20.º e seguintes do Código das
Expropriações.”. Ora, a expressão chave neste sentido é “e sem dependência de outras
formalidades”, formalidades essas que não estão especificadas no próprio diploma. Neste
âmbito, comungamos da posição de GONÇALO PIRES e MIGUEL FERREIRA 52 que
defendem que, mesmo em sede de expropriações urgentes, a posse administrativa só
poderá efetivar-se com o cumprimento da al. a) e c), do n.º 1, do art.º 20.º do CE, sendo
dispensável a efetivação do depósito do valor dos encargos da expropriação53 – regime
que acreditam dever aplicar-se nas expropriações realizadas no âmbito do DL n.º 15/2021.
Facilmente se entende a necessidade de esclarecimento destes pormenores legislativo,
uma vez que se consubstanciam em garantias muito valiosas para os particulares.
O art.º 5.º do DL n.º 15/2021 limita-se a reforçar o disposto no art.º 23.º e ss. do
CE e art.º 62.º, n.º 2 da CRP, segundo os quais a justa indemnização é um direito
inalienável dos expropriados, que deve ser fixada conforme os termos gerais, e representa
uma forma de compensação do particular que perde o seu direito à propriedade em função
de interesses públicos.
51
Lei n.º 59//2020, de 12 de outubro.
52
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), p. 141.
53
Cfr. art.º 10.º, n.º 4 do CE.
18
O art.º 6.º do diploma em análise, assim como o art.º 7.º, dispõem em matérias que
não dizem diretamente respeito ao procedimento expropriativo e si, antes o art.º 6.º dispõe
sobre o “atravessamento e ocupação de prédios particulares” e o art.º 7.º sobre a
“constituição de servidões administrativas”. Ora estas matérias, na realidade prática,
poderão entrelaçar-se, todavia, pela natureza do presente relatório, não são de
impreterível análise.
O penúltimo artigo do diploma, o art.º 9.º, esclarece que o CE deve ser a fonte
subsidiária de direito para o DL n.º 15/2021. É consensual, todavia que, embora não
estejam previstas expressamente outras fontes de direito subsidiárias, se existirem
diplomas que, pela sua especial força imperativa se apliquem, o DL n.º 15/2021 será por
eles influenciado.
Por fim, o art.º 10.º fixa a vigência do DL n.º 15/2021 que se iniciou a 24 de
fevereiro de 2021 e cessará a 31 de dezembro de 2022. A transitoriedade do regime
explica-se, como já foi mencionado, pela própria natureza do PEES que pretende
concretizar planos prioritários e urgentes como forma de potenciar a economia tão afetada
com a pandemia. Por ser um diploma com um regime mais gravoso que o geral, aqui
também reside a justificação para a sua vigência reduzida.
54
Previsto no art.º 5.º e 74.º e ss. do CE.
55
Nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do CE.
56
A título de exemplo vd. Ac. TCAN, de 19.02.2021, relator Luís Miguel Garcia (proc. n.º
00036/13.1BEPNF).
19
CONCLUSÃO
Ao longo deste relatório aferimos que a expropriação por utilidade pública é um
instituto que permite alinear o direito de propriedade sobre um determinado bem do seu
titular em função da prossecução do interesse comunitário. Este mecanismo permite que,
em troca de uma compensação monetária, a justa indemnização, a entidade expropriante
(ou o beneficiário da expropriação) possam adquirir a titularidade sobre certo bem de
forma a concretizar projetos de natureza pública que preponderam sobre os interesses
individuais dos particulares.
Ora, admitimos desde logo a importância que este instituto tem para o Direito do
Ordenamento e do Urbanismo no sentido que auxilia o Estado a executar planos que, de
outra forma, teria muita dificuldade por estar e jogo um direito tão tutelado como é o
direito de propriedade. O direito à propriedade privada, por ser um direito fundamental
previsto no art.º 62.º da CRP, só pode ser alienado nos termos da mesma que, por sua vez,
remete para as leis competentes. A expropriação por utilidade pública prevista no n.º 2 do
art.º 62.º da CRP surge então como uma forma de limitar este direito, aparentemente mas
não absolutamente pleno, em prol de obras, programas, planos e projetos que respondam
às necessidades de uma comunidade.
Não obstante, assumimos também que pela natureza sensível da matéria em causa,
o regime das expropriações por utilidade pública deve ser um regime que busque
equilibrar ao máximo as forças em conflito no processo expropriativo o que, a nosso ver,
o regime geral consegue fazer.
20
Posto isto, apesar das críticas dirigidas ao DL n.º 15/2021, na sua maior parte
fundadas na necessidade de clarificação para proteção do expropriado (parte mais fraca
no conflito), não podemos deixar de perceber e concordar com a implementação do
referido diploma.
21
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, Luís Alvarez/ PACHECO, Ana Isabel (2013) – Código das Expropriações
anotado e comentado, Almedina.
ACÓRDÃOS
Ac. TCAN, de 19.02.2021, relator Luís Miguel Garcia (proc. n.º 00036/13.1BEPNF).
Ac. TC n.º 148/05, de 16.03, relator Conselheiro Vítor Gomes (proc. n.º 143/03).
22