Trabalho Urbanismo 2 Semestre

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A INFLUÊNCIA DA PANDEMIA DA COVID-19 NO REGIME DAS

EXPROPRIAÇÕES POR UTILIDADE PÚBLICA:

Um olhar sobre o regime especial de expropriação e constituição de


servidões administrativas previsto no Programa de Estabilização
Económica e Social

Relatório no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito na Área de Especialização em Ciências


Jurídico-Empresariais – Menção em Direito Laboral na Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra para a disciplina de Direito do Ordenamento e do Urbanismo lecionada pela
Doutora Fernanda Paula Oliveira.

GHYOVANA LARA ANTONELLI CAETANO DE CARVALHO

2016230129

COIMBRA, 2022
ÍNDICE
ABREVIATURAS E SIGLAS.................................................................................................... 3
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 4
CAPÍTULO I – Conceito de Expropriação e Aspetos Essenciais do Regime ........................ 5
1.1. O Direito à Propriedade Privada ............................................................................... 5
1.2. Conceptualização de Expropriação por Utilidade Pública e Regime Jurídico ...... 6
1.2.1. O conceito de Expropriação por Utilidade Pública .......................................... 6
1.2.2. O Regime Jurídico da Expropriação por Utilidade Pública ........................... 8
CAPÍTULO II – Implicações e Análise Crítica do DL N.º 15/2021 no Regime das
Expropriações por Utilidade Pública ...................................................................................... 11
2.1. Teleologia do DL n.º 15/2021 ......................................................................................... 11
2.2. Análise do Regime do DL n.º 15/2021 ........................................................................... 14
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 20
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................................... 22

2
ABREVIATURAS E SIGLAS
Ac. – Acórdão

AIA – Avaliação de Impacte Ambiental

Al(s). – Alínea(s)

AR – Assembleia da República

Art(s).º – Artigo(s)

CE – Código das Expropriações

Cfr. – Conforme

Cit. – Citação

CPA – Código Procedimento Administrativo

CRP – Constituição da República Portuguesa

DL – Decreto-Lei

DR – Diário da República

DUP – Declaração de Utilidade Pública

LBGPPSOTU – Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento de Território e


Urbanismo

N.º – Número

P(p). – Página(s)

PEES – Programa de Estabilização Económica e Social

Proc. – processo

RJIGT – Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial

ss. – Seguintes

STA – Supremo Tribunal Administrativo

STJ – Supremo Tribunal de Justiça

TCAN – Tribunal Central Administrativo do Norte

Vd. – vide

Vol. – volume

3
INTRODUÇÃO
A pandemia da COVID-19 teve implicações diversas na saúde, trabalho e modo
de vida de todos os cidadãos e, de um modo geral, impactou significativamente a
economia mundial. Até ao presente são notáveis os vestígios da crise sanitária e financeira
gerada pela disseminação alargada do vírus. Assim, não restam dúvidas que este foi um
dos maiores desafios da história recente enfrentados a nível global, tanto pelas
populações, como pela economia e, naturalmente, pelo direito.

Em Portugal assistimos a uma panóplia de decisões que introduziram alterações a


regimes bastante consolidados no nosso ordenamento jurídico, de forma a responder às
necessidades criadas pela pandemia. Grande parte do nosso direito teve de se adaptar às
dificuldades introduzidas pela doença da COVID-19, de tal modo que, até mesmo o
Direito Administrativo, com especial enfoque no Direito do Ordenamento e Urbanismo,
sofreu algumas mudanças merecedoras de análise e ponderação. Referimo-nos em
específico ao DL n.º 15/2021, de 23 de fevereiro, aprovado como anexo à Resolução do
Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho, que cria um regime especial para a
expropriação e constituição de servidões administrativas no âmbito da execução de
projetos incluídos no PEES. Este diploma e as suas implicações constituirão o foco deste
estudo.

O presente relatório pretende então, num primeiro momento, versar sobre os


aspetos fundamentais do regime das expropriações, nomeadamente as expropriações por
utilidade pública. Num segundo momento, debruçar-nos-emos sobre o DL n.º 15/2021 de
forma a compreendermos as inovações do regime e procedermos a uma análise crítica do
mesmo.

A questão que move este estudo é a de tentar compreender de que forma o


interesse comunitário, em matéria de expropriação e do DL n. º15/2021 em específico,
pesa sobre o interesse individual e se a sua prevalência é justificável nestes casos. A
análise será feita de modo a nunca descurar do sensível e excecional contexto para o qual
o diploma foi pensado, de onde emergiram diversas polémicas respeitantes aos limites
dos direitos, liberdades e deveres pessoais dos cidadãos confrontados com o interesse
coletivo da comunidade.

4
CAPÍTULO I – Conceito de Expropriação e Aspetos
Essenciais do Regime
Para conseguirmos realizar um estudo mais completo do DL n.º 15/2021, torna-
se premente que compreendamos em primeiro lugar o conceito de expropriação e, em
seguida, o regime clássico da mesma.

1.1. O Direito à Propriedade Privada


O art.º 1305.º do CC consagra o direito à propriedade privada, no seguimento do
art.º 62.º, n.º 1 da CRP. Este direito afirma a capacidade pessoal de todos os sujeitos
jurídicos de ter propriedade sobre as mais diversas coisas e, consequentemente, decidir
sobre elas. Na esteira do pensamento de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, a
propriedade privada é composta por duas dimensões essenciais: por um lado, remete à
“relação privada de uma pessoa ou entidade com determinados bens”1 e, por outro, impõe
aos restantes sujeitos jurídicos, universalmente considerados, um dever de se absterem de
perturbar ou interferir com esse direito pessoal.

É um direito transmissível2 e com um largo âmbito de disposição3 4, todavia, e


como já seria expetável, possui limitações. Desde logo, podemos mencionar os limites
que recaem de modo generalizado sobre todo o ordenamento jurídico, como é o caso da
proibição do abuso de direito5, sustentada na exigência de uma ação conformada pela boa
fé, os bons costumes e o respeito pelo fim social e económico do direito em apreciação.
No caso concreto do direito de propriedade, e como alerta desde logo a Constituição no
n.º 2 do art.º 62.º, a expropriação por utilidade pública será, sem sombra de dúvidas, a
maior fronteira para além da qual o proprietário do bem expropriado não poderá passar.

1
CANOTILHO, Gomes/VITAL, Moreira (2007) – Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I,
Coimbra, cit. p. 801.
2
Cfr. Art.º 62.º, n. º1 da CRP, através da expressão “à sua transmissão em vida ou por morte”.
3
Cfr., Ac. TC n.º 148/05, de 16.03, relator Conselheiro Vítor Gomes (proc. n.º 143/03) que afirma que o
direito de propriedade plasmado no art.º 62.º da CRP assume três vertentes: “(i) o direito de aceder à
propriedade; (ii) o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade; (iii) o direito de transmissão
da propriedade inter vivos ou mortis causa.”. Nesta linha, o direito de propriedade concede poderes
indeterminados ao proprietário, sendo este direito dotado de caraterística de elasticidade e perpetuidade.
4
A título de exemplo vd. Art.º 1306.º, n.º 1 do CC e art.º 1308.º do mesmo diploma.
5
Cfr. Art.º 334.º do CC.

5
Assim, o direito de propriedade não é um direito absoluto e pode ser limitado
sempre que “razões ambientais, de ordenamento territorial e urbanístico, económicas,
de segurança, de defesa nacional”6 se imponham como prioritárias.

1.2. Conceptualização de Expropriação por Utilidade Pública e


Regime Jurídico
1.2.1. O conceito de Expropriação por Utilidade Pública
É sabido que existem duas categorias de expropriação: a realizada com base na
utilidade privada7 e a prosseguida com intuito de utilidade pública. Pela natureza da
disciplina em causa, focar-nos-emos em estudar a expropriação na sua vertente de
utilidade pública.

Um dos principais traços a considerar quando estamos em sede de expropriação


por utilidade pública é o previsto no n.º 2 do art.º 62.º da CRP, onde se impõe a obrigação
de pagamento de uma justa indemnização ao expropriado, até aí titular do direito de
propriedade sobre a coisa expropriada. Facilmente compreendemos a ratio esta imposição
que visa compensar o sujeito que forçosamente vê o direito de propriedade sobre o bem
afastado da sua esfera pessoal em prol de um interesse comunitário.

Ora, no art.º 62.º da CRP encontramos, além da justa indemnização, outros


pressupostos cumulativos para a realização de expropriações; são eles o princípio da
legalidade8 e a obrigatoriedade de proceder-se a uma declaração de utilidade pública.
Ademais, o art.º 65.º, n.º 4 do mesmo diploma dispõe que apenas o Estado e autarquias
têm competência para promover estas expropriações, reservando de modo absoluto a
capacidade de legislar sobre esta matéria à AR9. Note-se que, além da CRP e do CC10, as
expropriações estão tuteladas pelo CE11, pela Lei de Bases da Política de Ordenamento

6
CANOTILHO, Gomes/VITAL, Moreira (2007) – Constituição (…) cit. p. 801.
7
Regulada nos arts. º 1550.º e ss. do CC cujo a área de eleição de regulamentação são as servidões. De
um modo geral, a expropriação por interesse privado afigura-se numa forma de mediar e solucionar
conflitos entre dois sujeitos individualmente considerados e os seus direitos de propriedade, traduzindo-se
não raras vezes, na constituição de uma servidão.
8
Plasmado no art.º 266.º, n.º 2 da CRP.
9
Fá-lo no seu art.º 165.º, n.º 1, al. e).
10
Nomeadamente através do seu art.º 1308.º que permite limitações ao direito de propriedade através do
instituto das expropriações realizadas de acordo com a lei.
11
Lei nº 168/99, de 18 de setembro.

6
do Território e do Urbanismo12 e pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão
Territorial13.

O instituto da expropriação por utilidade pública prossegue diversos objetivos,


entre eles, surge como um mecanismo de resolução de conflitos que ocorram entre o
proprietário do bem e a comunidade14 15
, isto é, satisfaz o interesse público através da
utilização de bens de propriedade privada. Se a comunidade como um todo apresenta uma
necessidade que pode ser suprida através da expropriação de um bem particular, este
instituto sacrifica16 o direito de propriedade privada de um sujeito para prosseguir este
interesse público. Assim, esta figura jurídica deve ser entendida como uma forma de
aquisição da propriedade de bens17 por órgãos públicos com vista à satisfação de
interesses comunitários.

De forma generalizada na doutrina, a expropriação é definida como um ato


administrativo sendo, portanto, um ato de autoridade que suprime ou extingue um direito
pessoal sobre um determinado bem por motivos de utilidade pública18.

Na esteira de ALVES CORREIA, FERNANDA PAULA OLIVEIRA faz


distinção entre dois grandes tipos de expropriação: a expropriação em sentido clássico e
a expropriação por sacrifício.

A expropriação assumida no seu sentido clássico remete para os casos em que a


propriedade de um certo bem é retirada o particular para a esfera de uma terceira entidade
que não o órgão público de forma a realizar o interesse comunitário que justifica a
expropriação. Nesta categoria, temos em regra três sujeitos jurídicos que estabelecem
uma relação entre si, são eles: o expropriado, o expropriante e o beneficiário da
expropriação.

12
Lei nº 31/2014 de 30 de maio; vd. em específico o art.º 34.º do referido diploma.
13
DL nº 80/2015 de 14 de maio; com especial enfoque no seu art.º 159.º.
14
Leia-se interesse comunitário ou público.
15
BARBOSA, Luís Alvarez/ PACHECO, Ana Isabel (2013) – Código das Expropriações anotado e
comentado, Almedina, p. 13.
16
Um sacrifício que é “recompensado” através da justa indemnização – art.º 62.º, n.º 2 CRP e art.º 1 do
CE.
17
De acordo com o art.º 1306.º do CC: “O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por
morte, usucapião, acessão e demais modos previstos na lei.” – sendo a expropriação um dos demais
modos através do qual este direito pode ser transferido.
18
Neste sentido, a título de exemplo, vd. CANOTILHO, Gomes/VITAL, Moreira (2007) – Constituição
da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, cit. pp. 806-807.

7
Já na categoria da expropriação por sacrifício não estamos em sede de uma
expropriação propriamente dita, uma vez que esta é um efeito e não o objetivo da atuação
de uma entidade pública. Neste caso, o direito de propriedade do particular sobre o bem
é de tal forma limitado ou suprimido por projetos de interesse público que surge a
necessidade de indemnizar o lesado, tendo estas ações de ser qualificadas como
expropriativas para que haja lugar à justa indemnização que se lhe acompanha19. O
exemplo paradigmático de expropriação por sacrífico reside nas servidões
administrativas, uma vez que estas oneram de tal forma o direito de propriedade que,
ainda que este não seja afastado do seu titular, perturba a normal utilização do bem e/ou
afeta o valor económico do mesmo20.

Estas categorias de expropriação colocam problemas e causam divergência dentro


da doutrina e jurisprudência, problemas esses que, pela natureza e intuito do relatório,
não abordaremos.

1.2.2. O Regime Jurídico da Expropriação por Utilidade Pública


A expropriação por utilidade pública é composta em regra por dois grandes
momentos: um primeiro momento em que tem lugar um procedimento administrativo e
que carateriza a expropriação enquanto qual e, um segundo momento protagonizado por
um processo jurisdicional.

Este segundo momento, embora seja considerado uma possibilidade eventual da


qual as partes podem lançar mão em caso de discórdia, é muito frequentemente
mobilizado no nosso ordenamento jurídico devido às dificuldades na fixação do valor de
indemnização. Como refere o Gabinete dos Juízes Assessores do STJ “A temática
atinente à expropriação por utilidade pública, desde muito cedo, tem constituído objeto
de abundante jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (…)” a qual tem servido
“na própria modelação do respetivo regime jurídico, ponderando a sua íntima e
intrínseca ligação com o direito de propriedade privada que a todos os cidadãos
assiste.”21.

19
OLIVEIRA, Fernanda Paula (2001) – Direito do Urbanismo – Curso de Especialização em Gestão
Urbanística, 2.ª ed., CEFA, Coimbra, p. 81-82.
20
Como dispõe o n.º 2 do art.º 8 do CE, as servidões administrativas dão direito a indemnização nos casos
elencados nas alíneas.
21
Cfr. Gabinete dos Juízes Assessores - Assessoria Cível (2022) – A expropriação na jurisprudência das
Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça (Sumários de Acórdãos de 1996 a Março de 2022), cit. p.
3. Disponível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2022/05/expropriacao.pdf . Consultado a
20.06.2022.

8
Cabe-nos, todavia, versar sobre o primeiro, e principal, momento no âmbito das
expropriações por utilidade pública: o processo de expropriação. O procedimento
administrativo que dá lugar à expropriação tem de seguir disposições legais,
nomeadamente, as do CE. Logo no seu art.º 1.º, o CE estabelece que as expropriações por
utilidade pública devem versar sobre bens imóveis e sobre os direitos a eles inerentes
desde que, como já foi referido, estejam em causa interesses comunitários. Ademais, a
entidade expropriante deve ter “compreendida nas suas atribuições, fins ou objeto” esta
capacidade expropriativa que, como vimos, e em conformidade com o art.º 65.º n.º 4 da
CRP, cabe apenas ao Estado, regiões autónomas e autarquias.

O art.º 2.º do CE encarrega-se de elencar alguns princípios, como a “igualdade,


proporcionalidade, imparcialidade e boa fé”, que devem conformar a atuação de todos
os intervenientes no processo expropriativo. Desde logo, e como o próprio art.º dá a
entender, o elenco destes princípios é meramente exemplificativo, devendo as partes
atentar aos demais princípios em vigor no ordenamento jurídico. O art.º 2.º dá também
especial relevância aos “direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e
demais interessados”, reconhecendo expressamente a fragilidade da parte expropriada
que vê o seu direito de propriedade sobre um bem22 coativamente afastado.

A expropriação, embora fundamentada num interesse preponderante (o interesse


público) não é um instituto absoluto e ilimitado, tanto é que, no art.º 3.º do CE estão
plasmadas algumas fronteiras que o processo expropriativo não pode ultrapassar.
Primordialmente, a expropriação por utilidade pública deve obedecer também ao
princípio da proporcionalidade23, nomeadamente na sua vertente da necessidade (ou
exigibilidade), isto é, em linha com o n.º 1 do art.º 3.º do CE: “A expropriação deve
limitar-se ao necessário para a realização do seu fim”. Este art.º admite ainda a
flexibilização deste princípio quando em sede de projetos futuros “de acordo com um
programa de execução faseada e devidamente calendarizada”, mas alerta que este “não
pode ultrapassar o limite máximo de seis anos”.

As expropriações podem seguir dois rumos: um amigável, previsto nos arts.º 33.º
e ss. do CE, e um litigioso, regulado a partir do art.º 38.º do CE. Ora, a expropriação diz-

22
E no caso das expropriações por utilidade pública não falamos de um qualquer bem, mas de um bem
imóvel – algo que, à partida, é consensualmente reconhecido como passível de lesar o proprietário em
maior escala do que se falássemos de um bem móvel. Daqui decorre a especial sensibilidade de conflitos
de direitos em sede de expropriações por utilidade pública.
23
Vertido no art.º 18.º n.º 2 da CRP.

9
se amigável se houver concordância sobre os termos24 da mesma entre expropriante e
expropriado; torna-se necessariamente litigiosa quando não é alcançado um acordo entre
as partes, sendo a indemnização fixada por decisão arbitral da qual cabe recurso para os
restantes tribunais ditos comuns25.

Independentemente do tipo de expropriação, a lei, em linha com o STA26, coloca


como primeiro passo do procedimento administrativo, a emissão de uma resolução de
expropriar exigida pelo art.º 10.º do CE, devidamente fundamentada e cujo objetivo
principal é dar conhecimento ao expropriado a intenção e plano do expropriante para o
bem imóvel objeto de expropriação.

Esta resolução dá origem à DUP, explanada no art.º 13.º do CE, e que é


considerada como ato central do processo expropriativo. Falamos de um ato de caráter
administrativo que deve delimitar expressamente os bens que serão onerados com a
expropriação, concretizando as ideias plasmadas na resolução de expropriar, sendo
considerado um pressuposto obrigatório e legitimador destes procedimentos. Note-se que
a emissão de uma DUP não tem como efeitos a transmissão da propriedade dos bens
eventualmente expropriados27, nem tampouco, a posse administrativa dos mesmos pelas
entidades expropriantes28. Além disto, como verdadeiro ato administrativo que é, a DUP
pode ser impugnada contenciosamente com base em ilegalidade pelo particular lesado29.

Todavia, existe aqui uma exceção: a posse administrativa dos bens pode passar
automaticamente para as entidades expropriantes após a emissão da DUP nos casos de
expropriações de caráter urgente ou urgentíssimo30. De acordo com o art.º 15.º do CE, as
expropriações urgentes podem assumir esta forma desde logo no próprio DUP e, pelo seu
cariz especialmente oneroso para os direitos do expropriado, deve ser devidamente
fundamentado. Não obstante estas situações de cariz excecional, dispõe o art.º 11.º do CE
que a entidade expropriante, antes mesmo de requerer a DUP, deve tomar todas as

24
O art.º 34.º do CE dispõe sobre os assuntos que poderão ser objeto de acordo.
25
Cfr. Art.º 38.º n.º 1 do CE.
26
Cfr. Ac. STA, de 14.04.2005, relator Cândido de Pinho (Proc. N.º 047310) onde consta que “a
resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação constitui o primeiro passo do
procedimento expropriativo”.
27
Que só ocorrerá através do despacho judicial de adjudicação de propriedade, embora a DUP tenha de
ser obrigatoriamente publicada em Diário da República para efeitos de publicidade.
28
DRE Lexionário – Declaração de Utilidade Pública. Disponível em
https://dre.pt/dre/lexionario/termo/declaracao-utilidade-publica .
29
Cfr. Art.º 268.º, n.º 4 da CRP.
30
Nos termos do art.º 20.º do CE.

10
diligências para adquirir os bens por meio do direito privado, salvo nos casos de
expropriações urgentes e nos casos em que esse caminho se mostrar inviável.

Por fim, cabe-nos ainda fazer menção a alguns instrumentos que o legislador
colocou à disposição do expropriado, de forma a equilibrar as forças em conflito,
instrumentos estes que funcionam como garantias para os particulares. Desde logo e em
sede de DUP, o n.º 3 do art.º 13.º do CE prevê um prazo de validade para o documento,
determinando a caducidade do mesmo. O art.º 5.º do mesmo diploma prevê ainda o direito
à reversão da expropriação se se verificarem os pressupostos vertidos nas als. a) e b) do
n.º 1 do referido art.º.

Finalmente, e como já foi referido anteriormente, o expropriado dispõe ainda do


direito a uma justa indemnização, constituindo esta um verdadeiro pressuposto de
validade da expropriação propriamente dita. Esta indemnização, nos termos do art.º 23.º,
n.º 1 e n.º 5 (que remete para os critérios enunciados nos arts. º 26.º e ss.) do CE deve
corresponder ao valor de mercado, i.e., o real e corrente valor do bem que se pretende
expropriar, representando no fundo uma forma de compensar os danos e prejuízos que o
eventual expropriado sofrerá com a perda do direito de propriedade sobre o imóvel.

CAPÍTULO II – Implicações e Análise Crítica do DL N.º


15/2021 no Regime das Expropriações por Utilidade Pública
Feita esta breve explanação do regime jurídico das expropriações por utilidade
pública, importa agora analisar as alterações introduzidas pelo DL n.º 15/2021, a ratio
das mesmas e a sua compatibilidade com os princípios que regem este instituto à luz da
realidade influenciada pela pandemia que, como mencionamos, foi a causa de origem
deste diploma.

2.1. Teleologia do DL n.º 15/2021


Antes de mais, é importante referir que no passado outros regimes com caráter
especial foram pensados e implementados no âmbito da expropriação, particularmente de
forma a dar base a uma série de planos e projetos que precisavam ser executados e eram
tidos como relevantes para o interesse da comunidade ou revestiam uma especial
urgência. Exemplos de diplomas que previram regimes especiais para as expropriações
são:

11
• O DL n.º 354/93, de 9 de outubro que, em virtude da realização da EXPO
9831, consolidou um regime especial para os atos expropriativos de
imóveis e direitos a eles relativos;
• O DL n.º 21-A/98, de 6 de fevereiro, que estabeleceu um regime com
caráter especial que só se aplicaria às expropriações tidas como
necessárias para a realização do Empreendimento de Fins Múltiplos do
Alqueva;
• O DL n.º 314/2000, de 2 de dezembro que aplicava um regime excecional
de expropriação de imóveis e direitos a eles inerentes a imóveis sitos nas
zonas de intervenção fixadas pelo Programa Polis;
• O DL n.º 123/2010, de 12 de novembro, cujo regime fora especialmente
pensado para as expropriações necessárias para a concretização de
projetos infraestruturais incluídos no âmbito de candidaturas beneficiárias
de cofinanciamento por fundos comunitários.

Comparando os diversos corpos normativos mencionados, podemos concluir que


existem diversas afinidades entre si. Não obstante, as similaridades entre o DL n.º
123/2010 e o DL n.º 15/2021 são gritantes. Desde logo, ambos os diplomas são
fundamentados em programas estratégicos (um de políticas de desenvolvimento, outro de
combate à COVID-19) aprovados por Resolução de Conselho de Ministros. A semelhança
entre diplomas não se esgota aí, pelo que ambos, ainda que em distintos contextos, têm o
objetivo de alavancar o desenvolvimento económico do país e prosseguem esse objetivo
através de normas que facilitam as expropriações por utilidade pública com caráter
urgente.

Neste seguimento, o DL n.º 15/2021 distingue-se dos restantes por diversos


motivos, o maior deles sendo a causa que lhe deu origem: uma pandemia mundial. Como
sabemos, a pandemia da COVD-19 teve impactos um pouco por todo o mundo e nas mais
diversas áreas da vida humana. Alguns desses efeitos passaram por um elevado número
de mortes por causa da doença, elevado número de contágio e sobrecarga dos serviços de
saúde. Os mercados também sofreram bastante uma vez que as atividades económicas
experienciaram diversas restrições de funcionamento. Já ao nível de direitos, liberdades
e garantias dos cidadãos, diversos países incluindo Portugal, tomaram medidas no sentido

31
Também conhecida como Exposição Internacional de Lisboa de 1998.

12
de limitar contágios impondo confinamentos obrigatórios e uso de máscaras em espaços
públicos. Ora, todo esta contextualização é importante para a análise crítica que faremos
do DL n.º 15/2021 e da jurisprudência a ele associada, uma vez que o direito e a sua
aplicação não podem ser separados da realidade experienciada pelos sujeitos jurídicos.

O DL n.º 15/2021, de 23 de fevereiro, aprovado em anexo à Resolução de


Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho, visa criar um corpo normativo com
cariz especial, excecional e temporário32 para as expropriações e servidões
administrativas relevantes no âmbito da execução de projetos incluídos no PEES. O
PEES, aprovado em Conselho de Ministros, é um documento que pretende apresentar um
conjunto de medidas que pretendem dar resposta á emergência sanitária criada pela
pandemia e que abrange sectores do país como a saúde, a cultura, o ensino superior e o
turismo. Este programa foi estruturado em três fases: uma primeira de emergência seguida
por uma de estabilização e terminando numa fase de recuperação económica “dirigida à
adaptação estrutural da economia portuguesa a uma realidade pós-COVID”33.

Assim, e como explica GONÇALO REINO PIRES e MIGUEL FARIA


FERREIRA, “a teleologia fundamental subjacente ao DL 15/2021 é dar consequência
normativa, ao nível do regime jurídico aplicável às expropriações, à urgência n execução
do PEES.”34. Os autores, na sua anotação ao regime, também explicam que a urgência
cujo diploma faz referência não remete especificamente à premência dos projetos visados
pelo PEES, mas “antes à urgência de nível macroeconómico”35.

Ademais, é relevante notar que o regime implementado pelo DL n.º 15/2021


demonstra-se tendencialmente mais gravoso para os expropriados do que o regime dito
comum ou geral das expropriações. A teleologia do diploma torna-se então muito
importante para perceber a justificação do regime. Como vimos, o regime das
expropriações na sua base coloca, desde logo, o expropriado numa posição frágil, uma
vez que, por interesses públicos (muitas vezes alheios aos seus interesses pessoais) o
expropriado perde direitos sobre um determinado bem. Ora, este diploma surge num
contexto de pandemia, contexto este que fragilizou ainda mais as famílias e a economia

32
A sua vigência finda, à partida, no final do ano de 2022.
33
Cfr. Texto da Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020.
34
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime especial de
expropriação e constituição de servidões administrativas para a execução de projetos integrados no
Programa de Estabilização Económica e Social (Decreto-Lei n.º 15/2021, de 23 de fevereiro), in Revista
de Direito Administrativo N.º 12, AAFDL Editora, Lisboa, cit. p. 135.
35
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), cit. p. 135.

13
e o Estado decide legislar num sentido ainda mais gravoso para os particulares. A
justificação para esta ação do Estado encontra-se, novamente, na preponderância da
realização do interesse público. O legislador, através do PEES e do regime especial de
expropriações, primou por executar projetos que respondessem às necessidades e
interesses coletivos que, como já aferimos também, foram impactados pela pandemia.
Num contexto de reerguer a economia e tentar melhorar as condições de todos,
encontramos a justificação para tornar um regime (já bastante oneroso) ainda mais
gravoso para a parte mais frágil: o expropriado.

2.2. Análise do Regime do DL n.º 15/2021


Uma das principais caraterísticas deste regime é exatamente a atribuição do
caráter de urgência aos atos expropriativos realizados no âmbito dos projetos do PEES.
Note-se que, na prática, a larga maioria dos processos expropriativos realizados no nosso
ordenamento jurídico revestem este cariz de urgência e, consequentemente, é-se-lhes
aplicado o procedimento previsto para as expropriações urgentes. A razão pela qual isto
acontece não reside apenas na preponderância que se dá ao interesse público defendido,
antes, reside também na celeridade e eficiência inerentes aos procedimentos de
expropriações urgentes.

Num contexto em que dinamizar projetos urgentes, diminuir os custos e a


burocracia jurídico-administrativa inerentes aos mesmos mostra-se prioritário, medidas
como propiciar a posse administrativa dos bens onerados pela expropriação através da
DUP, revelam-se coerentes com o objetivo a prosseguir. Facilmente se percebe que as
expropriações, ao tomarem o seu curso normal, i.e., seguindo o regime geral, demorariam
muito mais tempo a ser efetivadas e a recuperação económica ambicionada seria também
mais morosa. Neste âmbito, GONÇALO PIRES e MIGUEL FERREIRA alertam mesmo
para o perigo da “subversão mecânica do instituto da expropriação”36 pelo recurso
exagerado ao regime de expropriações urgentes. E não será exatamente isto que se passa
no caso do DL n.º 15/2021?

Uma das maiores críticas que os autores apontam e das quais comungamos é
exatamente o mobilizar exagerado do regime de urgência das expropriações por utilidade

36
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), cit. p. 136.

14
pública sem que se lhe acompanhem mecanismos de revisão, celeridade e simplificação
de outros diplomas, documentos e procedimentos. A título de exemplo, os autores
expõem as situações em que é necessária a alteração de um plano municipal ou até mesmo
a realização de uma AIA no seguimento de uma DUP, e que são completamente
descuradas pelo regime em análise. Se estes procedimentos devem articular-se para, na
prática, os resultados fundamentados no interesse público estarem em conformidade com
o direito, não deveriam estes diplomas prever medidas no sentido de comprimir outros
procedimentos inerentes à normal execução dos planos? Na linha de GONÇALO PIRES
e MIGUEL FERREIRA, a nossa resposta só poderá ser afirmativa37.

Cumpre ainda mencionar que o CE necessita de uma revisão uma vez que não se
encontra em conformidade lógica com a LBGPPSOTU38 e com o RJIGT, nomeadamente
do que diz respeito à classificação, qualificação e consequente avaliação dos solos e o seu
uso em planos municipais de ordenamento do território. O art.º 25.º n.º 2 do CE explicita
o que é um solo apto para construção que é um conceito muito relevante, uma vez que o
cálculo do valor da justa indeminização dependerá da avaliação feita ao solo (objeto da
expropriação), solo este que pode ser classificado como “solo apto para construção” ou
“solo para outros fins”. Já a Lei de Bases utiliza outros critérios para efeitos de avaliação
de solos: o valor do solo dependerá da sua eventual classificação como terreno rústico39
ou terreno urbano40. Assim, fica claro a discrepância de critérios mobilizados em sede de
avaliação de solos o que, não raras vezes, tem conduzido a valorações bastante
dissonantes, situação que a nosso ver deve ser corrigida de modo a igualar critérios e
alcançar valores indemnizatórios mais uniformes.

Relativamente ao art.º 1.º do DL n.º 15/2021 intitulado “Objeto”, a primeira coisa


que notamos é o facto de não estar identificado de forma clara e objetiva quais as áreas
de intervenção específicas do PEES passíveis de ter este regime especial de expropriações
a si aplicado. Neste sentido, esclarecem GONÇALO PIRES e MIGUEL FERREIRA que,
face a esta imprecisão do regime, caberá à Administração Pública proceder a um apertado
controlo e exigir que todos os processos expropriativos baseados neste diploma sejam
especialmente fundamentados, de forma a impedir que este regime de natureza mais

37
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), p. 136.
38
Também referida como “Lei de Bases”.
39
O critério mobilizado nestes casos é o eventual produto ou resultado da sua exploração.
40
O critério de análise de valor destes solos é realizado em função das potencialidades urbanas que terá.

15
onerosa para o particular seja aplicado a projetos fora do âmbito do PEES41. Assim, a
fundamentação relativa à aplicabilidade do regime do DL n.º 15/2021 deve constar na
resolução de expropriar42 que, posteriormente, deve ser avaliada pela entidade
expropriante em sede de DUP.

Da análise art.º 2.º do diploma, que discorre sobre a “Utilidade Pública e Urgência
das Expropriações”, é possível tirar algumas conclusões. Primeiramente, o legislador ao
atribuir caráter de urgência às expropriações feitas no âmbito do PEES, e em linha com o
art.º 15.º, n.º 2 do CE, pretende transmitir a posse do bem expropriado o mais rapidamente
possível à entidade expropriante. Deste modo, o legislador não faz referência direta aos
restantes procedimentos que ocorrem nas expropriações, apenas se preocupando com a
posse administrativa do bem43 44
. Presumimos então que, no que diz respeito à
adjudicação da propriedade e determinação do valor indemnizatório, aplicar-se-á o
regime geral.

Ademais, GONÇALO PIRES e MIGUEL FERREIRA clarificam o conceito de


“entidade expropriante” mencionada no art.º 2.º do diploma45. Esta entidade, em bom
rigor, corresponde à entidade beneficiária da expropriação e não à entidade expropriante
que, como vimos, tem o poder de emitir a DUP, onde delimita os bens a expropriar a
favor do beneficiário. Uma das maiores inovações deste diploma face ao regime geral é
o facto de as entidades beneficiárias da expropriação, muitas vezes de direito privado,
terem a competência de promover as diligências atinentes ao processo expropriativo46,
recaindo sobre elas a obrigação de pagar os montantes relativos aos encargos da
expropriação47 e ainda, a obrigação de pagar a justa indemnização devida ao expropriado.

A nosso ver, e em linha com os autores supramencionados, o maior problema em


dar este poder a entidades privadas reside mesmo na possibilidade que estas dispõem de
delegar funções a terceiros, seus funcionários ou não, e procederem ao pagamento destas
funções. Ora, não será demasiado perigoso colocar nas mãos destas entidades privadas, a

41
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), p. 138.
42
Realizada pela entidade beneficiária da expropriação.
43
Cfr. art.º 4.º do CE.
44
Note-se que, por este regime aplicar caráter urgente às expropriações feitas no seu âmbito, não é
exigido que a entidade interessada em expropriar recorra a diligências de adquirir os bens por via do
direito privado, como dispõe o art.º 11.º do CE. Portanto, esta possibilidade não é retirada por completo
aos expropriantes, todavia, não lhes é imposta.
45
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), p. 139.
46
Cfr. n.º 2 do art.º 2.º do DL 15/2021.
47
Cfr. Art.º 20.º do CE.

16
competência de realizar estes atos altamente gravosos para os proprietários dos bens
expropriados? É importante refletir sobre este assunto nomeadamente atendendo ao
contexto em que nasce o referido diploma. Estando os particulares já especialmente
fragilizados com os impactos da pandemia, não faz sentido algum implementar-se um
regime tão gravoso, ainda que com as melhores intenções de potenciar o desenvolvimento
do país, que passe por permitir que entidades privadas (que incontornavelmente defendem
os seus interesses privados) procedam a atos de expropriação por utilidade pública, com
caráter de urgência e possam celebrar contratos onerosos com entidades terceiras no
âmbito dessa expropriação48.

O art.º 3.º do DL n.º 15/2021, dá algumas diretrizes sobre aspetos formais que o
procedimento expropriativo deve seguir. Neste âmbito cabe-nos realçar apenas que
continua a ser essencial fundamentar-se corretamente a DUP e atender-se aos restantes
documentos necessários à prossecução da expropriação por utilidade pública,
nomeadamente a AIA. Note-se que o legislador permite que, enquanto esteja a decorrer
o estudo de impacte ambiental, a DUP seja formulada e emitida antes mesmo do resultado
desse estudo ou de outros procedimentos relevantes49. Ora, mais uma vez, isto coloca o
expropriado numa posição excessivamente onerosa relativamente ao expropriante, isto
porque, como vimos, a DUP transmite automaticamente50 a posse administrativa do bem
para a esfera do expropriante, logo, o expropriado fica despido de poderes de disposição
sobre o bem em causa. É claro que, consoante o disposto pelo art.º 8.º do diploma, o
expropriado dispõe sempre do direito de reversão se se confirmar que os restantes
procedimentos relevantes à expropriação não a legitimam, todavia, não podemos ignorar
o quão gravoso é para o expropriado perder a posse sobre o bem logo no seguimento da
DUP.

A DUP, como dispõe o art.º 13.º e art.º 17.º n.º 1 do CE, tem de ser
necessariamente publicada em DR, de modo a notificar todas as partes intervenientes e
interessadas no processo expropriativo. Ora, face à urgência associada às expropriações

48
Neste sentido dispõe o art.º 36.º do CPA que fixa a irrenunciabilidade e inalienabilidade das
competências definidas por lei ou regulamento. Não estará este art.º a ser desrespeitado através do espaço
que a lei abre a estas entidades privadas de delegar funções, em sede de expropriação, a terceiros?
49
Falamos da AIA a título de exemplo de procedimentos obrigatórios a adotar em sede de execução de
projetos públicos, pelo que o mesmo valerá para outros procedimentos como a elaboração ou
revisão/alteração de instrumentos de gestão territorial, uma vez que a sua compatibilidade com o projeto
cuja expropriação tem base é impreterível para a sua legitimidade.
50
Como veremos à frente, não utilizamos a expressão “automaticamente” no seu sentido literal, uma vez
que existiram passos a ser tomados pela entidade expropriante antes dessa posse ser efetivada.

17
em sede do DL n.º 15/2021, não foi previsto nenhum prazo, especificamente um prazo
mais curto, de modo a acelerar estas questões formais e, indo de encontro com a ratio do
regime, executar mais celeremente as expropriações necessárias. Consideramos que,
também neste aspeto em que não se preveem mecanismos como a imposição de prazos
para a publicação da DUP em DR, é uma questão que deixa o regime em análise à quem
do expectável, por um lado, por não auxiliar na celeridade do processo, por outro, por não
promover esta garantia tão importante para todos os interessados na expropriação.

Olhando agora para o art.º 4.º do diploma em análise que versa sobre a posse
administrativa dos bens a expropriar, facilmente identificamos que esta norma em muito
se assemelha à do n.º 2 do art.º 15.º do CE, todavia, quando consultamos a autorização
legislativa dada ao Governo para legislar nesta matéria51, o seu art.º 2.º n.º 3 al. b) dispõe
que o Governo está autorizado a legislar sobre a “Possibilidade de conferir à entidade
expropriante, após obtenção da aprovação do respetivo projeto de construção, e sem
dependência de outras formalidades, a posse administrativa dos bens imóveis
identificados, nos termos previstos nos artigos 20.º e seguintes do Código das
Expropriações.”. Ora, a expressão chave neste sentido é “e sem dependência de outras
formalidades”, formalidades essas que não estão especificadas no próprio diploma. Neste
âmbito, comungamos da posição de GONÇALO PIRES e MIGUEL FERREIRA 52 que
defendem que, mesmo em sede de expropriações urgentes, a posse administrativa só
poderá efetivar-se com o cumprimento da al. a) e c), do n.º 1, do art.º 20.º do CE, sendo
dispensável a efetivação do depósito do valor dos encargos da expropriação53 – regime
que acreditam dever aplicar-se nas expropriações realizadas no âmbito do DL n.º 15/2021.
Facilmente se entende a necessidade de esclarecimento destes pormenores legislativo,
uma vez que se consubstanciam em garantias muito valiosas para os particulares.

O art.º 5.º do DL n.º 15/2021 limita-se a reforçar o disposto no art.º 23.º e ss. do
CE e art.º 62.º, n.º 2 da CRP, segundo os quais a justa indemnização é um direito
inalienável dos expropriados, que deve ser fixada conforme os termos gerais, e representa
uma forma de compensação do particular que perde o seu direito à propriedade em função
de interesses públicos.

51
Lei n.º 59//2020, de 12 de outubro.
52
PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime (…), p. 141.
53
Cfr. art.º 10.º, n.º 4 do CE.

18
O art.º 6.º do diploma em análise, assim como o art.º 7.º, dispõem em matérias que
não dizem diretamente respeito ao procedimento expropriativo e si, antes o art.º 6.º dispõe
sobre o “atravessamento e ocupação de prédios particulares” e o art.º 7.º sobre a
“constituição de servidões administrativas”. Ora estas matérias, na realidade prática,
poderão entrelaçar-se, todavia, pela natureza do presente relatório, não são de
impreterível análise.

O direito de reversão54 também foi reforçado no DL n.º 15/2021 através do seu


art.º 8.º que remete para o regime geral do CE. O direito de reversão, a par do direito à
justa indemnização, confere uma garantia importantíssima ao expropriado, uma vez que
permite que este recupere o direito à propriedade do bem expropriado 55. Novamente,
louva-se o legislador pela escolha de consagrar expressamente o direito à reversão com a
finalidade de não deixar margem para dúvidas no que respeita à valência deste direito em
sede do regime em análise.

O penúltimo artigo do diploma, o art.º 9.º, esclarece que o CE deve ser a fonte
subsidiária de direito para o DL n.º 15/2021. É consensual, todavia que, embora não
estejam previstas expressamente outras fontes de direito subsidiárias, se existirem
diplomas que, pela sua especial força imperativa se apliquem, o DL n.º 15/2021 será por
eles influenciado.

Por fim, o art.º 10.º fixa a vigência do DL n.º 15/2021 que se iniciou a 24 de
fevereiro de 2021 e cessará a 31 de dezembro de 2022. A transitoriedade do regime
explica-se, como já foi mencionado, pela própria natureza do PEES que pretende
concretizar planos prioritários e urgentes como forma de potenciar a economia tão afetada
com a pandemia. Por ser um diploma com um regime mais gravoso que o geral, aqui
também reside a justificação para a sua vigência reduzida.

Aqui chegados, deixamos a nota de que gostaríamos de ter encontrado algum


acórdão que fizesse menção expressa do DL n.º 15/2021 de forma a tentarmos averiguar
a maneira como o diploma impactou a resolução de conflitos nos tribunais. Todavia,
apenas nos deparamos com decisões que mencionavam o DL n.º 123/201056, decreto que
no começo do presente capítulo aferimos que em muito se assemelhava à lei em análise.

54
Previsto no art.º 5.º e 74.º e ss. do CE.
55
Nos termos do n.º 1 do art.º 5.º do CE.
56
A título de exemplo vd. Ac. TCAN, de 19.02.2021, relator Luís Miguel Garcia (proc. n.º
00036/13.1BEPNF).

19
CONCLUSÃO
Ao longo deste relatório aferimos que a expropriação por utilidade pública é um
instituto que permite alinear o direito de propriedade sobre um determinado bem do seu
titular em função da prossecução do interesse comunitário. Este mecanismo permite que,
em troca de uma compensação monetária, a justa indemnização, a entidade expropriante
(ou o beneficiário da expropriação) possam adquirir a titularidade sobre certo bem de
forma a concretizar projetos de natureza pública que preponderam sobre os interesses
individuais dos particulares.

Ora, admitimos desde logo a importância que este instituto tem para o Direito do
Ordenamento e do Urbanismo no sentido que auxilia o Estado a executar planos que, de
outra forma, teria muita dificuldade por estar e jogo um direito tão tutelado como é o
direito de propriedade. O direito à propriedade privada, por ser um direito fundamental
previsto no art.º 62.º da CRP, só pode ser alienado nos termos da mesma que, por sua vez,
remete para as leis competentes. A expropriação por utilidade pública prevista no n.º 2 do
art.º 62.º da CRP surge então como uma forma de limitar este direito, aparentemente mas
não absolutamente pleno, em prol de obras, programas, planos e projetos que respondam
às necessidades de uma comunidade.

Não obstante, assumimos também que pela natureza sensível da matéria em causa,
o regime das expropriações por utilidade pública deve ser um regime que busque
equilibrar ao máximo as forças em conflito no processo expropriativo o que, a nosso ver,
o regime geral consegue fazer.

Na segunda parte do relatório, procedemos a uma análise crítica do DL n.º 15/2021


que, pelo seu especial contexto de origem, mereceu atenção. Averiguámos que a COVID-
19 afetou as mais diversas áreas da sociedade e que o diploma que criou um regime
especial de expropriação e servidão administrativa no âmbito de projetos incluídos no
PEES mostrou ser um diploma ainda mais gravoso do que o regime geral. A nosso ver, o
Governo através da autorização legislativa dada pela Lei n.º 59/2020, fez uma opção
política e jurídica de, em meio a um cenário de crise criado pela pandemia, limitar
direitos, liberdades e garantias particulares a favor do bem comum. Fê-lo implementando
um regime transitório mais gravoso para os expropriados, mas mais célere e
eficientemente na prossecução dos objetivos a que se propôs com a elaboração do PEES.

20
Posto isto, apesar das críticas dirigidas ao DL n.º 15/2021, na sua maior parte
fundadas na necessidade de clarificação para proteção do expropriado (parte mais fraca
no conflito), não podemos deixar de perceber e concordar com a implementação do
referido diploma.

Em jeito de analogia, podemos mesmo considerar todas as restantes restrições


impostas aos cidadãos em plena pandemia, restrições essas que muitas vezes se
sobrepunham aos seus direitos fundamentais, mas que, motivadas por razões de saúde
pública, se mostraram essenciais no combate ao surto pandémico. Neste caso específico,
foi criado um regime mais oneroso para o expropriado, mas que possibilitou acelerar
processos e concretizar projetos extremamente importantes no caminho de recuperação
económica do país, o que, como é claro, é sempre louvável de uma perspetiva jurídica.

21
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, Luís Alvarez/ PACHECO, Ana Isabel (2013) – Código das Expropriações
anotado e comentado, Almedina.

CANOTILHO, Gomes/VITAL, Moreira (2007) – Constituição da República Portuguesa


Anotada, vol. I, Coimbra.

Gabinete dos Juízes Assessores – Assessoria Cível (2022) – A expropriação na


jurisprudência das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça (Sumários de
Acórdãos de 1996 a Março de 2022). Disponível em https://www.stj.pt/wp-
content/uploads/2022/05/expropriacao.pdf .

PIRES, Gonçalo Reino/FERREIRA, Miguel Faria (2021) – Anotação ao regime especial


de expropriação e constituição de servidões administrativas para a execução de projetos
integrados no Programa de Estabilização Económica e Social (Decreto-Lei n.º 15/2021,
de 23 de fevereiro), in Revista de Direito Administrativo N.º 12, AAFDL Editora, Lisboa.

OLIVEIRA, Fernanda Paula (2001) – Direito do Urbanismo – Curso de Especialização


em Gestão Urbanística, 2.ª ed., CEFA, Coimbra.

ACÓRDÃOS

Ac. TCAN, de 19.02.2021, relator Luís Miguel Garcia (proc. n.º 00036/13.1BEPNF).

Ac. TC n.º 148/05, de 16.03, relator Conselheiro Vítor Gomes (proc. n.º 143/03).

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