O Papel Da Vitamina D, Na Dermatite Atopica.
O Papel Da Vitamina D, Na Dermatite Atopica.
O Papel Da Vitamina D, Na Dermatite Atopica.
a
Universidade Federal do Piauí, Curso de Nutrição, PI, Brasil
b
Universidade Federal do Piauí. Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição, PI, Brasil
*E-mail: [email protected]
Recebido: 30 de abril de 2015; Aceito: 28 de setembro de 2015
Resumo
A dermatite atópica é uma doença crônica e não contagiosa caracterizada por coceira intensa, ressecamento da pele e inflamação cutânea.
O grupo populacional mais acometido é de crianças nos primeiros anos de vida, em especial aquelas com histórico familiar e que possuem
contato com fatores desencadeantes como, por exemplo, alérgenos alimentares e aeroalérgenos. Nesse sentido, a vitamina D parece ter papel
importante na remissão da doença, pois estudos apontam uma relação inversa entre os níveis do micronutriente e exacerbação dos sintomas.
Pesquisas revelam ainda, a importância da ingestão de suplementos, com consequente benefício ao sistema imunológico. Portanto, o objetivo
deste trabalho é descrever os principais aspectos sobre dermatite atópica e vitamina D, nos quesitos metabólicos, alimentares e imunes.
Palavras-chave: Dermatite Atópica. Vitamina D. Sistema Imunológico. Suplementação Alimentar.
Abstract
Atopic dermatitis is a chronic, non-contagious disease characterized by intense itching, dry skin and skin inflammation. Children in early life
are the most affected population, especially those with a family history and with contact with triggers such as food and airborne allergens. In
this sense, vitamin D appears to play a role in disease remission, because studies show an inverse relationship between micronutrient levels
and exacerbation of symptoms. Research also indicates the importance of supplements intake, with a consequent benefit to the immune system.
Therefore, the objective of this study is to describe the main aspects of atopic dermatitis and vitamin D, with respect to metabolic, nutritional
and immune questions.
Keywords: Dermatitis, Atopic. Vitamin D. Immune System. Supplementation Feeding.
que pertence à família de peptídeos antimicrobianos, referida imunoglobulina, acometendo cerca de 70 a 80% dos
envolvidas na resposta imunológica aos antígenos, como vírus, indivíduos19.
bactérias e fungos. Ela age sinergicamente com mediadores Vale destacar que o sistema imunológico é subdividido
inflamatórios endógenos, aumentando a indução de efetores em inato e adquirido, este pode ser humoral (produção de
inflamatórios específicos de várias outras vias. Assim, são Linfócitos B e anticorpos) ou mediado por células {Linfócitos
fundamentais para a defesa do hospedeiro contra infecções T CD4 helper [células Th1 (IL-2 e INF-gama) e células Th2
cutâneas e também aumentam a secreção de moléculas (IL-4, IL-5 e IL-10)] e linfócitos T CD8 supressor}20.
sinalizadoras de células imunológicas ativadas12,13. As células T ativadas produzem, através do padrão Th2,
Portanto, a VD parece suprimir a resposta inflamatória a IL-4, que atua como anti-inflamatório, sobre os linfócitos
e aumentar à atividade dos peptídeos antimicrobianos e em B aumentando a expressão dos antígenos de superfície e o
consequência a suplementação pode ser uma intervenção útil volume celular, contribuindo no aumento da produção de IgE
no controle da DA14. através da conversão de linfócitos B em células produtoras
Destarte, pelos potenciais benefícios da vitamina D de IgE7.
à população com DA, esta pesquisa objetiva descrever Além disso, há também as células do tipo Th1, que ajudam
aspectos relacionados aos efeitos metabólicos, imunológicos as células CD8+ pré-citotóxicas a se diferenciarem em células
e da suplementação, atendendo-se, sobremodo o anseio da citotóxicas, e as células Th2, que auxiliam as células B a
literatura vigente, tendo em vista a escassez de estudos acerca se diferenciarem em plasmócitos secretores de anticorpos,
desta temática. reitera-se que as células Th1 e Th2 são produzidas pelo timo,
órgão do sistema de defesa, cuja principal função é a produção
2 Desenvolvimento
de linfócitos20.
Realizou-se consulta em base de dados do Medline - Assim, diversas anormalidades no sangue periférico têm
Medical Literature Analysis and Retrieval System Online sido notadas bem como modificações celulares e bioquímicas.
- PubMed Central, SciELO - Scientific Electronic Library No entanto, segundo Leung21 os mecanismos imunológicos
Online e Lilacs - Literatura Científica e Técnica da América ainda não estão totalmente esclarecidos, mas postula-se que na
Latina e Caribe, utilizando-se as seguintes palavras-chave, DA há uma resposta do tipo Th2 na fase adulta, caracterizada
dermatite atópica; vitamina D; e suplementação, nos idiomas pela atração de macrófagos e eosinófilos, com consequente
português e inglês. Foram selecionados artigos publicados no produção de interleucina 12 (IL-12), que por sua vez, ativa a
período de 2000 a 2014. resposta padrão Th1 e um misto de padrões de resposta Th2 e
Th1 nas lesões crônicas.
2.1 Dermatite atópica e imunologia
A pele com dermatite atópica também contém um
A dermatite atópica - DA ou eczema é uma doença do número maior de células de Langerhans, células dendríticas
sistema imunológico recidivante, de curso imprevisível que, derivadas da medula óssea situadas na maior parte dos
especialmente no primeiro ano de vida da criança, tem uma epitélios escamosos como a epiderme, com afinidade para
evolução crônica e cerca de 60% dos indivíduos apresentam IgE. Em contato com o alérgeno, como o ácaro, ocorrerá um
redução ou desaparecimento das lesões antes da adolescência. reconhecimento das mesmas pela IgE e uma consequente
Destaca-se que as lesões predominam na face e nas superfícies apresentação do antígeno às células Th2. Esta ativação
externas dos braços e pernas, já nas crianças maiores e nos dos linfócitos leva ao aumento na produção de IL 4, 5 e 13
adultos, as lesões acometem principalmente as dobras do conhecidas como citocinas padrão Th2, que também atuam
corpo, como as dos joelhos, cotovelos e pescoço. Contudo, ocasionando redução na produção de interferon gama (INF-γ),
nos casos mais graves, pode acometer ainda grande parte da aumentando os níveis de IgE sérica, eosinófilos e ativação de
superfície corporal8,15-17. macrófagos, e, consequentemente, a liberação de histamina,
Para Leung e Soter18 diversos outros fatores também estão aumento do prurido, e inflamação cutânea. Com todos esses
associados, dentre os quais a colonização cutânea pela bactéria processos, há uma lesão da barreira da pele, resultando em
Staphylococcus aureus, alterações da barreira da epiderme maior absorção de antígenos, contribuindo-se assim, para a
e da fosfodiesterase, desbalanço do sistema imunológico, hiperreatividade cutânea, que é o aspecto mais característico
características psicológicas e ambientais. da DA22.
Nesse contexto, a atopia está ligada a reações de
2.2 Aspectos nutricionais da vitamina D
hipersensibilidade mediada por Imunoglobulina E (IgE), em
resposta a antígenos comuns na alimentação. Além disso, a A vitamina D é um nutriente lipossolúvel, que atua como
DA tem uma fisiopatologia complexa, com participação ou hormônio esteroide. Seus receptores (VDR) estão distribuídos
não do sistema imunológico2. por diversos tecidos do organismo e é essencial para absorção
Assim, existem dois subtipos observáveis da doença: de cálcio pelo organismo. No entanto, estudos apontam a
a intrínseca, não associada à IgE e a extrínseca, em que presença dos mesmos receptores em tecidos não envolvidos
há forte ligação entre sintomas e níveis aumentados da no metabolismo do cálcio, como exemplo, o cutâneo23,24.
Este micronutriente pode ser obtido a partir de fontes cutânea endógena, que representa a principal fonte dessa
alimentares, por exemplo, óleo de fígado de bacalhau e peixes vitamina para a maioria dos seres humanos24-27. O Quadro 1
gordurosos (salmão, atum, cavala), ou por meio da síntese mostra algumas fontes alimentares de vitamina D.
A síntese da vitamina D acontece na pele, a partir do que não é estritamente regulado, e que depende da combinação
precursor 7-de-hidrocolesterol (7-DHC)24,28 que durante de suprimentos cutâneos e dietéticos24.
a exposição solar, particularmente marcada pela ação dos Transformada em 25(OH)D, esta é transportada para os
fótons UVB (ultravioleta B, 290-315 nm) entram em contato rins pela DBP, local em que ocorre a conversão em calcitriol ou
com a epiderme e produzem o pré-colecalciferol, a partir 1,25 diidroxi-vitamina D [1,25(OH)2D]. Este é o metabólito
de fragmentação fotoquímica, seguida por isomerização mais ativo e responsável por estimular a absorção de cálcio e
dependente da temperatura, a qual converte esse intermediário fosfato pelo intestino. A produção de calcitriol é controlada
em colecalciferol10. estreitamente por retrorregulação, de modo a influenciar sua
O colecalciferol é transportado para o fígado pela Proteína própria síntese pela diminuição da atividade da 1α-hidroxilase,
Ligadora da Vitamina D (DBP), onde recebe a primeira que também é responsável por acelerar inativação por meio da
hidroxila, transformando-se em 25(OH)D, por um processo conversão da 25 (OH)D em 24,25(OH)2D28,24 ( Figura 1).
2.3 Vitamina D e sistema imunológico ao seu receptor VDR em células neoplásicas promovia a
Embora seja bem conhecido o papel da vitamina D no diferenciação e inibia a proliferação celular29.
metabolismo fosfocálcico, são as suas ações não clássicas Dentre as ações não clássicas mais estudadas, tem-se
que a têm colocado no centro da atenção da comunidade a participação no sistema imunológico. Nesse contexto, a
científica. Reitera-se que essas ações foram identificadas pela 1,25(OH)2D apresenta importante papel imunorregulatório
primeira vez há cerca de trinta anos, quando foi demonstrado autócrino em várias células do sistema imune como por
que a ligação da forma ativa da vitamina D, 1,25(OH)2D, exemplo, CD4+, CD8+, linfócitos T e células apresentadoras
A ação biológica da 1,25 (OH)2D3 é mediada pelo expressão da proteína do VDR que pode ser autorregulada em
receptor da vitamina D (VDR), que está relacionado com a uma determinada célula e, ainda, diferir em células ativadas e
não ativadas. Estes eventos imunes ocorrem nas fases aguda a suplementação de 1600 UI/dia de VD e 30 pacientes
e crônica da DA e podem ser influenciados pelos níveis de receberam placebo. A pesquisa foi realizada durante 60 dias
VD42. e demonstrou que o SCORAD teve melhora significativa,
Outro aspecto a ser considerado, diz respeito ao papel independentemente da gravidade inicial da DA (p < 0,05),
da VD ingerida na forma de suplementos, os quais, segundo o que resulta uma relação inversa entre a gravidade dos
Alves e Lima43 são definidos como substâncias utilizadas por sintomas e os níveis de vitamina D.
via oral, com o objetivo de complementar uma determinada Segundo Robl et al.53 a suplementação é muito importante
deficiência dietética. pois promove alteração da imunidade e da integridade da
A forma mais disponível de vitamina D para tratamento e barreira epidérmica, podendo levar à melhora clínica da DA.
suplementação é o colecalciferol ou vitamina D3, metabólito
que tem se mostrado mais efetivo, por apresentar vantagens 3 Conclusão
sobre a manutenção de concentrações mais estáveis em A dermatite atópica é uma doença crônica, onde
relação à vitamina D244. anormalidades da resposta imunológica e da barreira cutânea
As pesquisas mais recentes têm demonstrado que os exercem um efeito relevante nas crises da enfermidade. Dessa
portadores de doenças autoimunitárias, por razões genéticas, forma, a suplementação de vitamina D promove alteração da
são parcialmente resistentes aos efeitos do colecalciferol, imunidade e da integridade da barreira epidérmica, podendo
necessitando, portanto, de níveis ainda mais elevados levar à melhora clínica da doença supracitada. No entanto,
para estarem livres das agressões do seu próprio sistema pesquisas envolvendo esta temática ainda são escassas,
imunológico45,46. Dessa forma, as doses para tratamento portanto estudos são primordiais para esclarecer a real
variam de acordo com o grau de deficiência e com a meta a influência da carência de vitamina D sobre a dermatose.
ser atingida11.
Vale reiterar, que a suplementação deve ser utilizada com Referências
cautela, pois o consumo excessivo de vitamina D, pode causar 1. Ferreira BIALS, Freitas EN, Almeida PT, Mendes THC,
prejuízos à saúde dos pacientes, culminando em sintomas Nakaoka ES, Kashiwabara TGB. Dermatites: diagnóstico e
de hipervitaminose, os quais são fadiga, náusea, vômito, e terapêutica. J Surgery Clin Res 2013;5(2):22-6.
fraqueza causada pela hipercalcemia resultante. Por outro lado, 2. Rancé F. Quelle est l’utilite des examens complementaires
pour le diagnostic et la prise en charge de la dermatite
a exposição solar tem benefício preponderante, em detrimento atopique? Ann Dermatol Venereol 2005;132(1):53-63.
da suplementação, pois não é capaz de levar o indivíduo à
3. Coca, A, Cooke, R. On the classification of the phenomenon
intoxicação, tendo em vista que o excesso de vitamina D3 é of hypersensitiveness. J Immunol 1923;163-82.
destruído pela luz solar, sem prejuízos ao paciente54. 4. Hanifin JM, Rajka G. Diagnostic features of atopic dermatitis.
Com relação ao status da referida vitamina, verificou- Acta Dermatol Venereol 1980;92(1):44-7.
se que a deficiência orgânica pode estar associada com a 5. Freiberg IM, Eisen AZ, Wolff K, Austen KF, Goldsmith L,
gravidade da DA. Assim, observou-se com frequência níveis Katz SI, et al. Fitzpatrick’s Dermatol in general medicine.
reduzidos de VD no soro de pacientes com maior intensidade New York: McGraw Hill; 2003.
de sintomas (medidos pelo SCORAD - Score em DA que avalia 6. Porto A, Simão HML. Dermatite atópica. Tratado de pediatria:
extensão, gravidade da doença e sintomas subjetivos)47-50. Sociedade Brasileira de Pediatria. Barueri: Manole; 2007.
Em um estudo com 73 crianças, os níveis de VD de 7. Sampaio SAP, Rivitti, EA. Dermatologia. São Paulo: Artes
Médicas; 2007.
participantes com DA moderada e grave (aproximadamente
13 ng/mL) foram significativamente menores do que aqueles 8. Buske-kirschbaum A, Geiben A, Hellhammer D.
Psychobiological aspects of atopic dermatitis: an overview.
com doença leve (aproximadamente 22 ng/mL) (p=0,01)47-50. Psychopathology 2001;70(1):6-16.
Em outra oportunidade, Sidbury et al.51 relataram efeitos 9. Castro APM, Solé D, Rosário Filho NA, Jacob CMA, Rizzo
benéficos da suplementação oral com VD em crianças com MCFV, Fernandes MFM, et al. Guia prático para o manejo
DA, no período do inverno. Onze pacientes foram avaliados da dermatite atópica: opinião conjunta de especialistas
por meio de um sistema de pontuação denominado Eczema em alergologia da Associação Brasileira de Alergia e
Imunopatologia e da Sociedade Brasileira de Pediatria. Rev
Area and Severity Index (EASI) e foram suplementados Bras Alerg Imunopatol 2006;29(6):269-82.
diariamente com 1000 UI/dia de ergocalciferol ou placebo 10. Maeda SS, Borba VZC, Camargo MBR, Silva DMW,
durante 1 mês. Os pacientes foram autorizados a continuar Borges JLC, Bandeira F, et al. Recomendações da Sociedade
terapias anteriormente prescritas para DA, mas foram Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) para
instruídos a não iniciar novos tratamentos ao longo de 1 mês. o diagnóstico e tratamento da hipovitaminose D. Arq Bras
Endocrinol Metab 2014;58(5).
Houve melhora na pontuação EASI, favorecendo o grupo que
11. Lopez-garcia B, Lee PH, Yamasaki K, Gallo RL. Anti-fungal
usou vitamina D. activity of cathelicidins and their potential role in Candida
Amestejani et al.52 publicaram um ensaio clínico albicans skin infection. J Invest Dermatol 2005;125(1):108-15.
randomizado, duplo-cego controlado com placebo. 12. Braff MH, Gallo RL Antimicrobial peptides: an essential
Neste estudo, 30 pacientes foram randomizados para component of the skin defensive barrier. Curr Top Microbiol
for winter-related atopic dermatitis in Boston: a pilot study. J RM. Vitamina D e dermatite atópica. J Allergy Immunol
Dermatol 2008;159(1):245-7. 2013;1(5):261-6.
51. Amestejani M, Salehi BS, Vasigh M, et al. Vitamin D 53. Teresa Kulie, MD, Amy Groff, DO, Jackie Redmer, MD,
supplementation in the treatment of atopic dermatitis: a MPH, Jennie Hounshell, MD, et al. Vitamina D: uma
clinical trial study. J Dermatol 2012;11(3):327-30. revisão baseada em evidência. J Am Board Fam Med
52. Robl MD, Carvalho VO, Uber M, Abagge KT, Pereira 2009;22(1):698-706.