Concessão de Infraestrutura e o Risco Do Custo de Capital

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Concessão de infraestrutura e o risco do custo de capital

Vitor Soliano1

1. Introdução

Como deve ser alocado o risco do custo de capital em contratos de concessão de


infraestrutura? O contrato deve atribuir integralmente os riscos de redução e aumento dos
custos de capital ao concessionário, permitindo que ele se aproprie integralmente dos bônus
do primeiro e se responsabilize integralmente pelos ônus do segundo? Ou deve estruturar um
mecanismo de compartilhamento desses riscos entre concessionário e concedente? Além
disso, assumindo que os riscos tenham sido inteiramente atribuídos ao concessionário, como
ocorre tradicionalmente nas concessões de infraestrutura no Brasil, o que deve ser feito
quando o custo de capital, especialmente o de terceiros, aumenta significativamente após a
apresentação da proposta? Deve-se confirmar e reafirmar a alocação originária de riscos e
forçar as perdas financeiras o concessionário, ou assumir que em contratos relacionais
sempre há algum nível de compartilhamento de risco? O presente trabalho pretende refletir
sobre essas questões.
Os contratos de concessão podem ser vistos como poliedros: possuem uma
diversidade de faces que, no conjunto, formam um objeto tridimensional. Ainda que não
possam ser observadas todas ao mesmo tempo por um observador humano, essas faces não
são excludentes entre si e são fundamentais para a existência do poliedro enquanto poliedro.
Uma das faces2 das concessões é a sua natureza de contrato público de investimento.
Como será explorado adiante, concessões de infraestrutura são arranjos contratuais
que atribuem ao concessionário o dever de disponibilizar capital próprio e de terceiros para
viabilizar a implantação, expansão e requalificação de bens, utilidades e infraestruturas sobre
os quais são prestados serviços ou exploradas atividades econômicas de interesse coletivo. A
remuneração desse capital disponibilizado, contudo, só ocorre ao longo de muitos anos.

1
Doutorando em Direito do Estado (USP). Mestre em Direito Público (UFBA). MBA em Parcerias Público-
Privadas e Concessões (FESPSP). Professor da Faculdade Baiana de Direito. Advogado e consultor jurídico.
2
Existem outras: mecanismo delegação de incumbências públicas, instrumento de regulação econômica etc.
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2

Da ótica do particular/licitante, aceitar esta incumbência só se justifica se o


empreendimento gerar valor para sua empresa. Logo, o custo de capital3 “constitui uma das
referências mais apropriadas para a avaliação das opções de alocação de recursos”4.
Exatamente por essa razão, o tema do custo de capital, sua alocação na matriz de risco
contratual e a tutela das suas variações ao longo da vigência de um contrato devem ser vistas
como questões centrais no estudo das concessões.
Além de ser um tema “naturalmente” importante nas concessões, a discussão sobre o
custo de capital se tornou ainda mais importante nos últimos anos por duas razões.
Em primeiro lugar, nos últimos 6 anos, a SELIC, Taxa Básica de Juros do mercado
brasileiro, variou de forma significativa. Em setembro de 2016, primeiro mês de mandato
definitivo do ex-Presidente Michel Temer, a SELIC se encontrava em 14,25%. Entre agosto e
dezembro de 2020, a taxa se encontrava em 2%, seu menor valor histórico. Na data de
finalização desse texto (dezembro de 2022), a SELIC já se encontrava em 13,75%5.
Essa volatilidade da política monetária gera impactos sobre as decisões de
investimento especialmente porque afetam o custo de capital. Embora historicamente o Brasil
não tenha uma política monetária estável, esse grau de variação, especialmente o seu “vale”,
não é comum.
Em segundo lugar, e talvez mais importante, em 2017 foi tomada uma decisão
institucional de reduzir o grau de subsídio público destinado aos empréstimos concedidos por
instituições financeiras federais. A Lei Federal nº 13.483/17 instituiu a Taxa de Longo Prazo
– TLP, que paulatinamente foi substituindo a Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP6-7. A

3
MINISTÉRIO DA FAZENDA. Metodologia de Cálculo do WACC. Brasília, 2018, p. 5. Disponível em
https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/guias-e-manuais/metodologia-de-calculo-
do-wacc2018.pdf. Acesso em 24/11/2022: “o conceito de custo de capital pode ser entendido como: taxa de
demanda da empresa pelas suas fontes de capital; taxa mínima de retorno que os projetos de investimentos
devem auferir; taxa de desconto utilizada para converter o valor esperado de fluxos de caixa futuros em valor
presente; e taxa de retorno que deixa o acionista indiferente à aceitação ou não de um projeto”.
4
GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza. Rentabilidade e equilíbrio econômico-
financeiro do contrato. In MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.). Contratos administrativos, equilíbrio
econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das concessões e parcerias público-privadas. Belo
Horizonte: Fórum, 2016, p. 364.
5
Cf. https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros. As causas para essa variação são, obviamente,
variadas (política fiscal, pandemia, aumento da inflação, guerra na Ucrânia etc.). O propósito aqui é apenas
destacar a sua volatilidade.
6
MATTOS, Cesar. Concessões e parcerias público-privadas (PPPs). In PINHEIRO, Armando Castelar; PORTO,
Antônio J. Maristello; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro (Coord.). Direito e economia: diálogos. Rio de
Janeiro: FGV Editora, 2019, p. 646.
7
Cf. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/custos-financeiros/taxa-juros-longo-
prazo-
tjlp#:~:text=A%20TJLP%20foi%20substitu%C3%ADda%20pela,1%C2%BA%20de%20janeiro%20de%202018
e https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/custos-financeiros/tlp-taxa-de-longo-prazo
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partir de 1º de janeiro de 2018, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –


BNDES, principal financiador de projetos de infraestrutura, iniciou um processo de transição
entre a TJLP e a TLP, transição esta que termina em 20238. Com isso, os custos dos
empréstimos realizados pelo BNDES se aproximarão mais dos custos de empréstimo no
mercado financeiro em geral. Como dentre as instituições que financiam projetos de
infraestrutura o BNDES é um marcante destaque, é intuitivo que o custo de capital de
terceiros para implantar projetos de infraestrutura estará mais alinhado a práticas de mercado.
Soma-se a essas duas razões o fato de a relação assinatura do contrato de concessão
X assinatura contrato de financiamento seguir uma dinâmica recorrente nas concessões
brasileiras: (i) declara-se o vencedor da licitação; (ii) adotam-se as providências necessárias
para a assinatura do contrato de concessão, especialmente a constituição de uma SPE; (iii)
assina-se o contrato de concessão; (iv) o contrato entra em vigência e o concessionário passa a
estar vinculado às suas obrigações, inclusive de investimento. Ocorre que (v) o contrato de
financiamento de longo prazo só é assinado um bom tempo depois, podendo variar entre 18 e
24 meses, (vi) período no qual o acionista da concessionária deve aportar capital próprio para
fazer frente aos investimentos iniciais ou (vii) contratar um financiamento de curto prazo
(empréstimo-ponte)9.
Ocorre que, especialmente no cenário macroeconômico e institucional atual, durante
o lapso temporal que vai da assinatura do contrato de concessão até a assinatura do contrato
de financiamento de longo prazo o custo de capital, especialmente o de terceiros, pode ser
significativamente alterado. Ou seja, o custo de capital considerado no momento da
modelagem pelo concedente e no momento de estruturação da proposta pelo então licitante
pode não estar mais disponível, o que afeta a lógica econômico-financeira que moveu o
projeto10.
Assim, as perguntas que movem esse estudo podem ser sintetizadas em duas: como
deve ser alocado o risco do custo de capital nas concessões de infraestrutura? Como deve ser
tutelada uma alternância significativa no custo de capital durante a execução do contrato?

8
Cf. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/custos-financeiros/metodologia-de-
calculo-da-tlp
9
RIBEIRO, Maurício Portugal. Como lidar com o risco de financiamento de concessões e PPPs em períodos de
normalidade e de crise. Disponível em https://www.portugalribeiro.com.br/wp-content/uploads/risco-de-
financiamento-em-periodo-de-crise-4.pdf. Acesso em 08/12/2022, p. 5
10
Sem necessariamente afetar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, já que o risco de custo de capital é
normalmente alocado ao concessionário. Voltaremos a essa questão adiante.
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4

Para enfrentar essas perguntas, o artigo foi dividido em três partes além dessa
introdução e da conclusão. Na seção seguinte serão explicitadas as razões que levam à
compreensão de que as concessões de infraestrutura são contratos públicos de investimento.
Na seção 3 serão explorados os conceitos financeiros essenciais para entender a centralidade
do custo de capital nesse tipo de contrato. Na seção 4 procura-se refletir sobre as perguntas
que moveram o artigo.

2. A concessão de infraestrutura como contrato público de investimento

A infraestrutura pública é entendida, para os fins deste artigo, como o conjunto de


equipamentos e instalações físicas artificiais que possibilitam e criam as condições para todas
as demais relações de mercado em uma economia moderna e complexa11. Todas as atividades
econômicas dependem, direta ou indiretamente, de algum ativo de infraestrutura, na medida
em que estes ativos são responsáveis por dar suporte, sustentação, ao desenvolvimento das
mais variadas operações econômicas.
Embora haja alguma discussão sobre o tema12, a infraestrutura pública é
normalmente associada a rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, saneamento básico,
transmissão e distribuição de energia elétrica, transporte e distribuição de gás natural,
equipamentos de telecomunicações. Como intuitivo, a concepção, implantação e operação de
infraestrutura pública são atividades de alta complexidade e que envolvem custo elevados e
“afundados” ou “irrecuperáveis” (sunk costs) 13.
Ao mesmo tempo, quase todas as infraestruturas econômicas possuem tendência de
constituírem monopólios naturais, situação que não é técnica ou economicamente viável a
concorrência, sob pena de destruir ambos os competidores, pois o retorno financeiro ou social
da infraestrutura duplicada é menor do que o custo da duplicação. Ademais, na ausência de

11
Cf. CARVALHO, André Castro. Direito da infraestrutura: perspectiva pública. São Paulo: Quartier Latin,
2014, p. 178 e BERCOVICI, Gilberto. Infraestrutura e desenvolvimento. In: BERCOVICI, Gilberto; VALIM,
Rafael. Elementos de direito da infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 18.
12
IPEA. Infraestrutura econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025 / Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada. – Brasília: Ipea, 2010, p. 15, aborda múltiplos conceitos de infraestrutura, apontando os
vários tipos de equipamentos e serviços que são ou já foram considerados infraestrutura pela literatura
especializada.
13
FRÓES, Fernando. Infraestrutura pública: conceitos, importância e intervenção governamental. In
CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos.
Direito administrativo econômico. São Paulo: Atlas, p. 257-340, 2011, p. 283: “custos irrecuperáveis são
aqueles investimentos realizados por uma companhia para os quais não se consegue quase valor algum em um
outro mercado” (destaques do original). Ou seja, os equipamentos de infraestrutura possuem baixíssimo uso
alternativo.
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restrições de uso, infraestruturas são ricas em oportunidades de criação do “efeito carona”


(free-rider)14, o que pode afastar o investimento privado autônomo.
Estas características dos ativos de infraestrutura revelam seu relacionamento direto
com o desenvolvimento econômico e social de um país. É vastamente reconhecido que a
existência de uma infraestrutura pública de qualidade é condição fundamental para o aumento
da produtividade e da competitividade da economia, para o aumento da rentabilidade dos
investimentos produtivos, para permitir articulação locais, regionais, nacionais e globais de
fluxos de comércio, para diminuir custos logísticos, enfim, para melhorar a qualidade de vida
geral15. O provimento de infraestrutura, portanto, possui alto retorno social e econômico.
Diante desse cenário, a disponibilização de infraestrutura econômica pode ser
considerada uma das principais funções do Estado contemporâneo. No caso brasileiro, pode-
se afirmar, inclusive, que esta função busca fundamento diretamente da Constituição Federal.
Embora o termo “infraestrutura” apareça explicitamente apenas uma vez na Constituição,
múltiplas atividades econômicas, serviços (públicos ou não) e utilidades sociais
expressamente mencionadas se relacionam diretamente com as infraestruturas ou são, elas
mesmo, infraestruturas16.
De forma ainda mais ampla, é possível extrair o dever de participação do Estado na
disponibilização de infraestrutura dos objetivos constitucionais fixados no art. 3º da
Constituição. Isso porque não parece ser possível, em uma sociedade plural e complexa,
garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais, sem contar com uma ampla e funcional infraestrutura
pública. Mais do que isso, construir uma sociedade livre, justa e solidária também depende,
como condição sine qua non, da disponibilização de infraestruturas econômicas.
Pelas suas características, dois dos principais desafios que devem ser enfrentados
pelo Estado na provisão de infraestrutura são o seu financiamento (financing) e o seu custeio
(funding). Aquele está associado à disponibilização de capital para viabilizar a implantação do
ativo, utilidade ou serviço, enquanto este está associado ao pagamento direto pela
disponibilização ou uso do ativo, utilidade ou serviço. Como se verá, em projetos de
14
BINENBOJM, Gustavo. Poder de polícia, ordenação, regulação: transformações político-jurídicas,
econômicas e institucionais do direito administrativo ordenador. 3.ed. Belho Horizonte: Fórum, 2020, p. 208: “a
falta de percepção clara do elemento ‘escassez’ no bem público pode ensejar subavaliações pelos seus
consumidores, o que representa um incentivo oportunista de não contribuição (free rider effect) que pode levar à
insuficiência de proteção do bem público”. Nessa passagem o autor utiliza a expressão “bem público” no sentido
econômico, não no sentido jurídico tradicional.
15
IPEA. Op. cit., p. 16-24.
16
Em especial, cf. art. 21, XI e XII; art. 23, IX; art., 25, §2º; art. 30, V, dentre outros dispositivos constitucionais.
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investimento o primeiro (financing) tem que ser quitado/devolvido com os recursos do


segundo (funding).
O enfrentamento desse desafio pode se materializar de diversas formas: provisão
direta através de recursos orçamentários (presentes ou futuros), provisão direta através de
recursos (presentes ou futuros) de empresas estatais não-dependentes, provisão indireta
através de subsídios e benefícios fiscais e creditícios, provisão indireta através da estruturação
de instrumentos jurídicos/regulatórios que atraiam e viabilizem o financiamento privado,
dentre outras.
De saída, é fundamental estabelecer que sempre haverá um grau de
complementariedade entre o investimento estatal (direto ou indireto) e o investimento privado
(possibilitado por arranjos jurídicos/regulatórios) em infraestrutura. Os mecanismos que
viabilizam essa complementariedade – fiscais, financeiros, creditícios, regulatórios – devem
ser vistos, portanto, como instrumentos alternativos e complementares de políticas públicas de
provisão de infraestrutura pública. Os contratos de concessão constituem uma espécie dos
arranjos jurídicos-regulatórios que viabilizam o financiamento (financing) privado, somado a
um custeio (funding) que pode ser totalmente privado, totalmente público ou público-privado.
Através dos contratos de concessão, uma parte, o poder concedente, atribui/outorga à
outra parte, o concessionário, um conjunto de deveres e direitos ligados à exploração de um
serviço, atividade ou utilidade pelo segundo. Esta exploração visa ao atendimento de “uma
necessidade, uma obrigação ou um interesse cuja tutela seja de responsabilidade do
outorgante” 17.
Nas concessões de infraestrutura18, além da regulação do comportamento do
concessionário através das obrigações contratuais19, o concedente incumbe a um agente
econômico a disponibilização do seu capital próprio ou de sua capacidade de endividamento
(contratação de capital de terceiros) para implantar, expandir, aprimorar e prestar um serviço,
explorar uma utilidade, um bem ou um empreendimento de interesse coletivo. Embora o

17
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 115 e 121. No
mesmo sentido cf. ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Contrato administrativo. São Paulo: Quartier Latin,
2012, p. 262.
18
DAL POZZO, Augusto Neves. O direito administrativo da infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2020, p.
111-136.
19
A literatura sobre a natureza regulatória dos contratos de concessão é vastíssima. Por todos, cf. GÓMEZ-
IBÁÑEZ, José A. Regulating Infrastructure: Monopoly, Contracts and Discretion. Cambridge: Harvard
University Press, 2003, 18-36; GONÇALVES, Pedro António P. Costa. Regulação administrativa e contrato.
Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 9, n. 35, jul ./set. 2011. Disponível em:
<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=74724>. Acesso em: 17 mar. 2018; MARQUES
NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 371-372
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escopo e o montante possam variar a depender de qual bem, serviço, utilidade ou


empreendimento que está sendo delegado, é certo que toda e qualquer concessão de
infraestrutura demanda a realização de investimentos pelo concessionário, especialmente no
início da sua vigência.
Dessa forma, as concessões são estruturadas de forma tal a atribuir ao concessionário
o dever de buscar financiamento (financing) para desempenhar a atividade pública que lhe foi
outorgada, mesmo nas situações em que o concedente realiza custeio (funding)
ordinariamente (concessões patrocinadas e administrativas). É o que se extrai não apenas da
estruturação prática destes contratos, mas das leis gerais que os regulamentam20.
Assim, não é correto afirmar que os contratos de concessão são “contratos de obra”
ou “contratos de prestação de serviços”. Em verdade, são contratos públicos de investimento
que envolvem a execução de obras viabilizadas pela disponibilização de capital de agentes
privados (financing) no início do contrato e cujas receitas auferidas pelo concessionário
(funding) através da prestação de serviços ou exploração econômica do ativo serão utilizadas
para, dentre outras coisas, custear os gastos operacionais da atividade (OPEX), quitar o
financiamento contratado, remunerar o capital do financiador e do acionista e gerar retorno
financeiro do Concessionário.
De forma simples, os contratos de concessão possuem todos os elementos típicos dos
contratos de investimento21: um investimento inicial que requer um desembolso a fim de
disponibilizar/expandir/requalificar uma infraestrutura, investimento este que será feito com
capital próprio e capital de terceiros (financing); um conjunto de previsões sobre receitas
futuras (funding) decorrentes da exploração do ativo ou prestação do serviço; um leque de
gastos que serão feitos pela concessionária (OPEX) e; um horizonte temporal de início e fim22
em que as receitas (funding) serão recebidas, o financiamento (financing) quitado e o capital
remunerado.
Fica claro, portanto, porque afirmamos que as concessões de infraestrutura são
contratos públicos de investimento (e não contratos de investimento público): (i) o ativo
delegado para o particular ou é em si um ativo público ou está associado a um serviço ou
20
O conceito de concessão comum precedida de obra pública definido no art. 2º, III da Lei Federal nº 8.987/95 e
o regramento do prazo das PPPs pelo art. 5º, I da Lei Federal nº 11.079/04 apontam para esta conclusão ao
vincularem a remuneração ou o prazo do contrato à amortização dos investimentos realizados.
21
MARTINS, António. Sobre o equilíbrio financeiro das concessões e a taxa interna de rendibilidade (TIR)
accionista: uma perspectiva económica. In In MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos administrativos,
equilíbrio econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das concessões e parcerias público-privadas.
Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 322.
22
Afinal, todos os contratos administrativos possuem prazo de vigência.
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utilidade econômica de interesse coletivo cuja tutela é incumbida ao Estado; (ii) o contrato
sempre estará submetido a um regime de direito público, ainda que esse regime não seja único
e esteja permanentemente em contato com o regime de direito privado; (iii) este contrato
tutela o comportamento do concessionário, pretendendo guiá-lo/regulá-lo a atender interesses
coletivos e; (iv) incumbe-se ao particular o dever buscar capital para viabilizar a utilidade
pública, atribuindo-lhe o direito de receber valores em razão da prestação do serviço ou
exploração da atividade.
Como em qualquer operação financeira, os atores econômicos privados só possuirão
interesse em pactuar um contrato de concessão de infraestrutura com o Estado se o projeto
concedido remunerar o capital e a disponibilização de capacidade de endividamento de forma
adequada ao risco que será transferido ao particular. Desta forma, é preciso explicitar o juízo
econômico e financeiro que é feito na modelagem do projeto pelo concedente e na
estruturação da proposta pelo privado interessado. Ao fazê-lo, ficará clara a importância que a
Taxa Interna de Retorno e, consequentemente, o custo de capital possuem nas concessões de
infraestrutura. É o que se passa a fazer.

3. A modelagem do projeto, a estruturação da proposta e Taxa Interna de Retorno: o


espaço e a função dos custos de capital

Como referido na seção anterior, contratos de concessão de infraestrutura são


marcados pelo dever de realização de altos investimentos pelo concessionário na implantação,
expansão ou requalificação de infraestruturas, especialmente nos primeiros anos da
concessão. Esses investimentos, contudo, são feitos sobre ativos que não compõem o
patrimônio do concessionário e cujo controle retornará para o concedente após o fim do
contrato.
Dessa forma, de um ponto de vista financeiro, o investidor renuncia ativos líquidos
presentes, como seu capital próprio e sua capacidade de contrair financiamentos, como
condição de ter o direito de receber, ao longo do tempo, receitas a serem pagas pelos usuários
do ativo/serviço, por contraprestações a serem pagas pelo concedente, ou ambas. Essas
receitas, contudo, são recebidas ao longo de muitos anos e não de forma imediata e no
decorrer apenas da execução das obras23-24, como ocorre nos contratos de obra comum.

“Os aportes de recursos privados não são objeto de resgate imediato (o lucro não é realizado em curto prazo),
23

mas arcados pela receita tarifária paga ao longo de 10, 20 ou 35 anos. Por isso que, em termos econômicos, tais
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Há, portanto, um lapso temporal significativo (10, 20, 30 anos) entre o momento em
que o investidor renuncia sua liquidez presente em nome da realização de investimentos com
alto interesse coletivo e o momento em que ele será totalmente remunerado. Um juízo
financeiro minimamente racional, portanto, demandará que sejam comparados a rentabilidade
que o projeto pode ter e o custo de oportunidade de renunciar a liquidez para aquele projeto
específico25. Afinal, se o investidor possui liquidez naquele momento ele poderia utilizá-la
para outras finalidades, com projetos de riscos de mesmo nível.
Nesse sentido, a rentabilidade esperada do projeto – todas as suas obrigações, riscos,
direitos e receitas a serem recebidas26 – deverá ser maior do que o custo de oportunidade de
renunciar a liquidez com outro empreendimento. Essa rentabilidade pode ser compreendida
como uma taxa de juros que premeia a renúncia à liquidez, bem como constitui a taxa que
iguala no presente os valores do investimento a ser realizado pelo concessionário
(especialmente no início da concessão) e o resultado (receita menos despesas) esperado ao
longo de toda a concessão. Por sua vez, quanto melhor for a habilidade do concessionário em
fazer o resultado ser maior do que o investimento, maior será a rentabilidade efetiva do
empreendimento no término do prazo da concessão.
Por fim, é importante destacar que os recebíveis reais e os gastos reais do
concessionário serão altamente dinâmicos e dificilmente serão iguais aos projetados no
momento da decisão de investimento. Sua rentabilidade real vai se ajustando conforme as
receitas e despesas vão se alterando.
Pelo exposto, fica claro que a decisão de investimento em concessões será
prioritariamente guiada pelo nível de rentabilidade que o projeto pode gerar. Daí a
centralidade dos indicadores de rentabilidade como mecanismos aptos a permitir a
comparação entre oportunidades de investimento (custo de oportunidade). As metodologias de
mensuração da rentabilidade utilizam as taxas de remuneração oferecidas ao investimento

contratos são classificados como ‘investimentos de longa maturação’” (MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos
administrativos de longo prazo: a lógica do seu equilíbrio econômico-financeiro. In MOREIRA, Egon
Bockmann. Contratos administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das
concessões e parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 84)
24
É verdade que a Lei Federal nº 11.079/04 autoriza a realização de aportes públicos em favor do concessionário
para a realização das obras e aquisição de bens reversíveis em marcos pré-estabelecidos. Contudo, os valores
recebidos a título de aporte nunca serão suficientes para quitar o financiamento ou remunerar o capital
disponibilizado pelo investidor.
25
GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza, op. cit., 361.
26
Ibidem, p. 360.
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pelo fluxo de receitas futuras27, que nas concessões serão as tarifas e contraprestações
públicas, principalmente.
A principal metodologia para avaliar a rentabilidade de projetos de concessão de
infraestrutura é o Fluxo de Caixa Descontado com a utilização da Taxa Interna de Retorno.
Segundo conceito consolidado, a TIR

é a taxa que torna o valor presente líquido de um fluxo de caixa igual a zero,
ou seja, é a taxa que aplicada como taxa de desconto aos valores de entradas
[receitas] e saídas [investimentos e OPEX] do fluxo de caixa do projeto é
capaz de torná-los equivalentes no momento inicial da concessão ou da
decisão de investimento28

De forma simples, a TIR consegue atuar como uma taxa de juros sobre o valor do
investimento realizado pelo concessionário e refletir o custo de oportunidade dos investidores,
considerando os riscos e obrigações assumidos.
Durante a modelagem, o concedente/a agência reguladora estima quais são os
investimentos necessários para atender à finalidade pública delegada, o montante de capital
necessário para tanto, os custos que serão incorridos pelo futuro concessionário no
cumprimento de suas obrigações, as receitas que serão auferidas ao longo do prazo de
vigência da concessão etc. Ou seja, a modelagem tem que antecipar (sempre com algum grau
de imprecisão, obviamente) o fluxo de caixa que o projeto a ser concedido vai gerar.
Nesse processo, também é definida o que Maurício Portugal Ribeiro e Felipe Sande
chamam de “TIR de Precificação”29: a rentabilidade mínima que o concedente/agência
regulatória entende necessária para atrair investidores com o perfil adequado para o projeto,
considerando as obrigações e riscos a serem atribuídos ao concessionário. Ao estabelecer a
TIR de Precificação, estabelece-se uma estimativa para o “preço de reserva”, que é o preço
que será disputado pelos licitantes (tarifa-teto, outorga mínima, contraprestação máxima, a
depender do modelo da concessão e do leilão). Afinal, o preço de reserva afetará o fluxo de
caixa do futuro concessionário, seja condicionando as suas entradas (tarifa e contraprestação,
principalmente), seja aumentando as suas saídas (outorgas), sejam ambos (tarifa e outorga).

27
Ibidem, p. 364.
28
Ibidem, p. 367.
29
RIBEIRO, Mauricio Portugal; SANDE, Felipe. Mitos, incompreensões e equívocos sobre o uso da TIR – Taxa
Interna de Retorno – para equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos – Um estudo sobre o
estado da análise econômica do direito no direito administrativo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP,
Belo Horizonte, ano 18, n. 71, out./dez. 2020, p. 159-160.
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Procedimento similar é feito pelos interessados na celebração do contrato. Os atores


econômicos que, em tese, possuem capacidade de receber a delegação pública, realizam seus
próprios estudos, estimativas e projeções quando o projeto é tornado público. Nesse processo,
os interessados também desenvolvem um fluxo de caixa esperado e utilizam a TIR para
calcular a proposta econômica que apresentará no leilão30 (oferecimento da menor tarifa-teto,
da menor contraprestação pública, da maior outorga ou da conjugação desses critérios).
Mais importante, contudo, é como exatamente a TIR é calculada. Conforme já
indicado múltiplas vezes nesse texto, o financiamento (financing) dos projetos de concessão
de infraestrutura nunca é feito com fonte única. Ao contrário, a regra é que ele seja
estruturado a partir do capital próprio dos investidores/acionistas da concessionária e do
capital de terceiros, normalmente através da contratação de empréstimos com instituições
financeiras, mas também através da emissão de debêntures.
Tendo isso em mente, a TIR é tradicionalmente calculada como uma média
ponderada da participação e custo entre o capital próprio e capital de terceiros. O Weighted
Average Cost of Capital – WACC (Custo Médio Ponderado de Capital – CMPC) “procura
refletir o custo médio das diferentes alternativas de financiamento disponíveis para o
investimento”31, ou seja, “reflete a política de composição de capitais de um projeto de
investimento ante a disposição dos credores e acionistas em alocar recursos no projeto,
considerando o custo de oportunidade e o risco intrínseco ao ativo”32.
Utilizando-se o Capital Asset Pricing Model – CAPM, metodologia mais tradicional
para essa finalidade33, o custo de capital próprio é calculado a partir de três elementos: uma
taxa livre de risco (ativo financeiro que seja livre de risco, possua liquidez e seja negociada no
mercado), o prêmio de mercado (definido como a diferença entre o retorno histórico da
carteira de mercado e o retorno histórico do ativo livre de risco) e um Fator Beta (indica o
grau de sensibilidade do projeto em questão às flutuações do mercado). Em países em
desenvolvimento, a formação do custo de capital próprio ainda deve considerar outras
variáveis34.

30
Ibidem, p. 160-161.
31
MINISTÉRIO DA FAZENDA, op. cit., p. 5-6.
32
GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza, op. cit., p. 369.
33
MINISTÉRIO DA FAZENDA, op. cit., p. 7-10; GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de
Souza, op. cit., p. 370.
34
MINISTÉRIO DA FAZENDA, op. cit., p. 9-10.
Versão para discussão (19/12/2022)
Versão para discussão (19/12/2022)
12

Por sua vez, o custo de capital de terceiros é calculado a partir de dois elementos:
uma taxa livre de risco e um prêmio pela classificação do risco do negócio (spread)35. De
forma geral, o custo de capital de terceiros é afetado pelo prazo (do projeto e do pagamento
do empréstimo), da existência ou não de linhas de crédito subsidiadas36, das condições
econômicas da empresa, por elementos macroeconômicos (expectativa de crescimento do
PIB, política monetária etc.), dentre outros fatores.
Uma vez composto o custo de capital é possível identificar a TIR mínima necessária
do projeto. Quanto maior o custo de capital (próprio e de terceiros) considerado no momento
da modelagem e da estruturação da proposta, maior deverá a TIR de Precificação.
Reversamente, quanto menor for o custo de capital de terceiros, menor precisará ser a TIR de
Precificação.
Observe-se, portanto, o entrelaçamento necessário entre os vários elementos
discutidos nessa seção e na anterior. O exercício de identificação e composição do custo de
capital próprio e de capital de terceiros e da sua ponderação com seu nível de utilização no
projeto é realizado tanto pelo Estado no momento da modelagem, quanto pelo particular
interessado no momento de análise do projeto e estruturação da sua proposta. O custo de
capital próprio e de terceiros, ponderados pelos seus níveis de utilização no projeto, é
estruturante para a determinação da Taxa Interna de Retorno do projeto. A TIR é, ao mesmo
tempo, a taxa que torna o valor presente líquido de um fluxo de caixa igual a zero e a taxa de
rentabilidade sobre o valor investido no projeto. Por sua vez, ela deve ser maior do que o
custo de oportunidade ou, no mínimo, igual a Taxa Mínima de Atratividade37. A perspectiva
de rentabilidade foi considerada pelo Estado no momento da modelagem e lançamento do
projeto ao público e a possibilidade (não garantia) de alcançar pelo menos essa rentabilidade
foi o que moveu a decisão de investimento do particular interessado. A decisão de
investimento do particular interessado é o que viabilizará a implantação, expansão e
requalificação da infraestrutura, bem como a adequada prestação dos serviços ou exploração
da atividade econômica que a infraestrutura viabiliza.

35
GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza, op. cit., p. 371.
36
Voltaremos a esse fator na sequência.
37
MOREIRA, Egon Bockmann; GUZELA Rafaella Peçanha. Contratos administrativos de longo prazo,
equilíbrio econômico-financeiro e Taxa Interna de Retorno (TIR). In MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.).
Contratos administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das concessões e
parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2016 p. 346: “o projeto será atraente quando sua TIR for
superior à TMA. Isso porque a TMA refletirá a rentabilidade mínima que o investidor considera necessária para
realizar o investimento e deve ser ‘maior ou igual ao custo de oportunidade e ao custo de capital’, análise que se
dá em observância às distintas fontes de recursos presentes no investimento”.
Versão para discussão (19/12/2022)
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13

Diante disso, e deixando de lado, por ora, a discussão sobre alocação de riscos, se o
custo de capital (especialmente o de terceiros38) aumenta após a apresentação da proposta,
cria-se um descompasso entre a TIR de Precificação e a TIR que de fato poderá ser buscada
pelo concessionário. Ou seja, por mais eficiente que o concessionário seja no manejo das suas
receitas e custos, a rentabilidade possível de ser alcançada será menor do que aquela que
moveu a decisão de renúncia de liquidez. E isso porque o custo de capital de terceiros é um
custo estruturante do investimento, formador da decisão de investimento.
Quanto maior o descompasso entre o custo de capital (de terceiros) que compôs a
TIR de Precificação e o custo capital (de terceiros) encontrado no mercado após a
apresentação da proposta, maior será a dificuldade de se alcançar a rentabilidade pretendida e
maior será a probabilidade de o projeto constituir, na verdade, mecanismo de destruição de
valor dos recursos do investidor.
No limite, essa situação pode ser ainda mais drástica e tornar materialmente
impossível o cumprimento adequado das obrigações assumidas pelo concessionário,
especialmente a de implantar, expandir ou requalificar a infraestrutura nos primeiros anos de
vigência do contrato. Contudo, esse risco também se coloca em anos mais avançados do
contrato de concessão quando se atingem marcos temporais de realização de novas obras ou
são disparados gatilhos de investimento. Independente do momento, a afetação do custo de
capital também poderá comprometer a adequação prestação do serviço delegado ou da
atividade econômica explorada.
Reversamente, se o custo de capital (especialmente o de terceiros) reduz
significativamente após a apresentação da proposta cria-se um descompasso entre a TIR de
Precificação e a TIR que agora poderá ser buscada pelo concessionário. Além dos ganhos que
o concessionário pode ter imprimindo sua eficiência empresarial, ele poderá ter ganhos muito
maiores do que o orginalmente havia previsto quando tomou a decisão de investimento.
Nesse momento, ressurgem as perguntas que moveram a elaboração deste trabalho:
considerando esses elementos, como deve ser alocado o risco do custo de capital em
concessões de infraestrutura? Ademais, o que deve ser feito quando custo de capital aumenta
entre o momento da apresentação da proposta e a celebração do contrato de financiamento e a
materialização desse evento é um risco alocado ao concessionário?

38
Porque é o elemento menos controlável pelo concessionário.
Versão para discussão (19/12/2022)
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14

4. O risco do custo de capital: alocação originária e sua tutela na execução contratual


4.1. Alocação originária: a qual parte deve ser alocado o risco do custo de capital?

Os contratos de concessão de infraestrutura no Brasil invariavelmente alocam para o


concessionário o risco do custo de capital. Para fins meramente exemplificativos, veja-se as
cláusulas de alocação de risco em contratos recentemente celebrados ou tornados públicos na
órbita federal (A realidade não é distinta nas concessões de infraestrutura celebradas por entes
subnacionais):

Setor econômico Contrato/Objeto Risco do concessionário


Aeroportuário 7ª Rodada 5.5.9. aumento do custo de capital, inclusive os
resultantes de aumento das taxas de juros;
Saneamento Região 34.2.9. indisponibilidade de financiamento e/ou
metropolitana do aumento do custo de capital, inclusive os resultantes
Rio de Janeiro de aumentos das taxas de juros;
Portuário Arrendamento em 13.1.10. Mudanças no custo de capital, inclusive as
Areia Branca resultantes de variações das taxas de juros;
(RN)
Ferroviário FIOL (xii) aumento do custo de capital, inclusive os
resultantes de aumentos das taxas de juros,
independentemente da extensão da variação;
Rodoviário BR-101/290/448/ 20.1.17. aumento do custo de capital, inclusive os
386/RS resultantes de aumentos das taxas de juros e
variação cambial.

Em consonância com a estabelecida relação entre alocação de riscos e equilíbrio


econômico-financeiro dos contratos de concessão, esta opção regulatória implica que
condições adversas da economia ou alterações institucionais dos financiadores que aumentem
o custo de capital não possuem o condão de fazer emergir o direito a um reequilíbrio
econômico-financeiro. Afinal, se a ocorrência de um evento foi alocada como risco de uma
parte desde a origem do contrato, sua possível materialização já foi precificada no momento
de apresentação da proposta. Logo, não haveria desequilíbrio contratual, ainda que essa
alteração no custo de capital implicasse na redução da rentabilidade do projeto.
Versão para discussão (19/12/2022)
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15

Por que esta opção regulatória é tão comum?


É possível especular que a estruturação dos contratos desta forma deriva da noção de
que o custo de capital está ligado aos riscos empresariais ordinários de qualquer
empreendimento. Afinal, trata-se de elemento que é afetado por variáveis a que todos os
agentes econômicos estão sujeitos. Além disso, o custo de capital concreto e específico que
cada concessionário previu no momento da proposta está sujeito, ainda que em grau bastante
reduzido, a algum nível de ingerência sua ou é impacto por características suas. Por fim, não é
desprezível a possibilidade de que se assuma que as eventuais perdas sofridas por um
aumento do custo de capital devam ser compensadas pela maior eficiência do concessionário
com a gestão de outros custos (o que não resolve o problema, como visto na seção anterior).
Rodrigo de Losso, Felipe Sande e, Elias Cavalcante Filho afirmam que a alocação do
risco de custo de capital integralmente para o concessionário derivaria de um
desconhecimento sobre o conceito e suas consequências e da resistência à inovação de
melhores práticas39. Por sua vez, Maurício Portugal Ribeiro já sinalizou que uma das causas
para essa opção seria a pressuposição de que o financiamento seria contratado com uma
instituição financeira estatal que não só oferece um custo de capital mais baixo do que o
mercado em geral, como garante a estabilidade desse custo entre o momento de assinatura do
contrato de concessão e o fechamento do financiamento de longo prazo40.
Independente das razões que levam a esta escolha regulatória, fato é que um aumento
significativo dos custos de capital reduzirá a rentabilidade esperado do projeto, prejudicará a
capacidade de realização de investimentos e, no limite, poderá provocar destruição de valor
do concessionário e seus acionistas e inviabilizar o cumprimento das obrigações contratuais.
Deve-se lembrar que, diferentemente de empreendimentos totalmente privados, os
concessionários não podem simplesmente encerrar suas atividades, aumentar seus preços ou
reduzir a qualidade do serviço prestado sem sofrer punições administrativas.
Em um cenário macroeconômico estável e em que financiamentos realizados por
instituições financeiras estatais são subsidiados, o risco de o aumento do custo de capital
chegar a provocar essas consequências é, de fato, mais reduzido. Mas o que fazer com a

39
LOSSO, Rodrigo de; SANDE, Felipe; CAVALCANTE FILHO, Elias. Compartilhamento de risco de capital,
p. 16. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/360220976_Compartilhamento_de_Risco_de_Capital. Acesso em
02/05/2022. Acesso em 24/10/2022.
40
RIBEIRO, Maurício Portugal. Como lidar com o risco de financiamento de concessões e PPPs em períodos de
normalidade e de crise. Disponível em https://www.portugalribeiro.com.br/wp-content/uploads/risco-de-
financiamento-em-periodo-de-crise-4.pdf. Acesso em 08/12/2022, p. 4-9.
Versão para discussão (19/12/2022)
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16

modelagem de projetos que serão tornados públicos em um cenário macroeconômico instável


e em que não haverá subsídios em financiamentos?
Uma primeira alternativa é passar a prever que o risco de custo de capital é
compartilhado entre o concedente e o concessionário. Após constatarem que os efeitos
negativos de se alocar o risco do custo de capital exclusivamente ao concessionário geram, na
prática, prejuízos maiores para o concedente41, Rodrigo de Losso, Felipe Sande e, Elias
Cavalcante Filho sugerem que os contratos de concessão passem a prever o compartilhamento
do risco do custo de capital.
Segundo os autores, compartilhar risco de capital deve ser entendido como uma
“forma de acomodar variações macroeconômicas sobre o custo de capital que não são
controladas pelo concessionário”. Esse compartilhamento seria implementado através da
revisão periódica do custo de capital referencial a ser fixado no fluxo de caixa remanescente
do contrato através da utilização do ferramental financeiro do Valor Presente Líquido42.
É importante registrar que, acaso adotada esta alternativa, não apenas os aumentos,
mas as eventuais reduções do custo de capital também serão compartilhadas. Ou seja, há um
trade-off que Estado e agentes econômicos devem avaliar. Além disso, implantar um
mecanismo de compartilhamento do custo de capital entre concedente e concessionário
acarretar desafios institucionais para o Estado, já que a sua reavaliação periódica não é tarefa
trivial e pode demandar conhecimentos especializados que nem toda agência reguladora ou
estrutura de gestão do concedente possuem.
Outra alternativa que pode ser pensada para a modelagem de contratos, não
necessariamente excludente com o compartilhamento do risco de custo de capital, é alterar a
dinâmica que comumente se instala na relação assinatura do contrato de concessão X
assinatura do contrato de financiamento, dinâmica que foi explicada na seção anterior.
Esta alteração poderia se aperfeiçoar com a fixação, no edital da licitação, que a
celebração de contrato de financiamento de longo prazo é condição prévia à assinatura do
contrato de concessão ou, ao menos, da sua eficácia.

41
Absorção da integralidade dos ganhos no caso de redução; queda da qualidade do serviço, postergação de
investimentos e encerramento dos contratos, no caso de aumento.
42
LOSSO, Rodrigo de; SANDE, Felipe; CAVALCANTE FILHO, Elias, op. cit., p. 20. Os autores destacam que
essa opção regulatória já é utilizada nos contratos de concessão submetidas à regulação discricionária, como no
setor de distribuição de energia elétrica. Sobre a diferença entre regulação discricionária e regulação contratual,
cf. GÓMEZ-IBÁÑEZ, José A., op. cit., p. 157-243; CAMACHO, Fernando Tavares; RODRIGUES, Bruno.
Regulação econômica de infraestruturas: qual modelo escolher? Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 41, jun.
2014, p. 261-277.
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17

A vantagem desta nova dinâmica é garantir que haverá um financiamento de longo


prazo na concessão. Na medida em que o custo de capital de terceiros é mais baixo do que o
custo de capital próprio, essa garantia poderá ter retornos positivos para o concessionário, mas
para a perseguição das finalidades públicas que moveram a celebração do contrato.
É fundamental, contudo, que seja elaborado um regramento mínimo para esse
período que vai da adjudicação à celebração do contrato de financiamento. Será necessário
impor que o vencedor da licitação efetivamente se engaje na busca do capital de terceiros e
negocie condições vantajosas. Igualmente, é preciso criar algum sistema de incentivos
(positivos e negativos) para que o vencedor da licitação busque a celebração do financiamento
de longo prazo o quanto antes. Por fim, é preciso que se estabeleça prazo limite para a
assinatura do contrato.
Da mesma forma, é importante que se estabeleça um regramento sobre
responsabilidades pela não celebração ou atraso na celebração do contrato de empréstimo:
prever hipóteses em que haverá responsabilização do vencedor, hipóteses em que não haverá
responsabilidade, hipóteses de prorrogação do prazo para celebração do contrato de
financiamento etc.
Sobre o tema foco deste trabalho, a regulação pode prever que um aumento
extraordinário dos custos de capital é hipótese de encerramento do processo de celebração
contratual ou de necessidade de renegociação ou relicitação do contrato.
A desvantagem desta alternativa regulatória é a postergação do início das obrigações
contratuais. Se não há contrato ou não há contrato eficaz, o vencedor da licitação não se
encontra vinculado a essas obrigações. Ou seja, ainda não é obrigado sequer a utilizar capital
próprio para iniciar os investimentos necessários à perseguição da finalidade pública
delegada.
Uma alternativa final seria manter tudo como está. A reafirmação do paradigma
vigente seria uma forma de indicar para o mercado que os interessados em participar de
licitações e celebrar contratos de concessão devem considerar, nas suas propostas, um cenário
de custo de capital mais volátil e não subsidiado.
Essa opção deve implicar consequências tanto para os modeladores quanto para os
interessados. Para os primeiros, não se pode mais considerar custos de capital diferentes dos
custos de mercado nos estudos de viabilidade, na formação da TIR de Precificação e,
consequentemente, no preço de reserva (tarifa, contraprestação ou outorga). Caso contrário,

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18

estar-se-á estruturando um projeto em descompasso com a realidade, uma ficção jurídico-


econômica-financeira.
Para os interessados, esta opção se traduziria, obviamente, na apresentação de
propostas que refletem o risco de um cenário em que o custo de capital é volátil e não existem
mais financiamentos estatais subsidiados. A internalização e precificação desse risco terá
efeitos sobre a formação da TIR de Precificação e, consequentemente, na proposta econômica
final (tarifa, contraprestação ou outorga).
O lado negativo desta alternativa é a total absorção, pelo concessionário, do ganho
decorrente da precificação do risco de um custo de capital volátil e de financiamento não
subsidiados. Ou seja, se na licitação o interessado insere o custo desse risco em sua proposta e
o risco nunca se materializa, todo o provisionamento vira receita que não será compartilhada
com o concedente ou com os usuários.

4.2. Tutela durante a execução contratual: o que fazer quando o custo de capital previsto na
modelagem e na proposta não está mais disponível no mercado?

Como visto, um aumento no custo de capital após a apresentação da proposta pode


afetar a rentabilidade esperada pelo investidor no momento em que decidiu renunciar a sua
liquidez. No limite, este comprometimento financeiro pode prejudicar o adequado
cumprimento das obrigações contratuais assumidas. Nessas situações, há condutas que devem
ser adotadas pelo concedente?
Observe-se que a questão aqui não é afirmar que o concessionário tem direito
subjetivo à TIR que consta no seu plano de negócios e, por isso, que ele teria direito a acessar
financiamentos a um determinado custo de capital por ele considerado na sua proposta. Não é
este o caso, pois os contratos de concessão não atribuem ao concessionário uma “garantia de
rentabilidade”. No máximo, eles garantem o direito de o concessionário buscar a
rentabilidade estimada43, considerando os direitos, deveres, obrigações e riscos assumidos por
ele.

43
“É preciso enfatizar e distinguir o direito à busca pela rentabilidade em oposição ao direito à rentabilidade.
Quando da tomada da decisão pela participação em um projeto, o investidor tende a analisar a rentabilidade
esperada comparada com outros ativos de risco similar, considerando preços e custos de tarifa, contraprestação,
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19

A discussão é saber se eventos posteriores à apresentação da proposta (que


considerou um custo de capital e, portanto, uma TIR) que afetem o custo de capital podem
ensejar direito a um reequilíbrio econômico-financeiro do contrato que tornem nula ou
reduzam a afetação do custo de capital. Mais do que isso: se esse direito existe mesmo no
caso em que o contrato de concessão expressamente alocou ao concessionário o risco do custo
de capital, premissa adotada para este tópico. O debate é especialmente complicado pois o
reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão normalmente é realizado
considerando a TIR apresentada no plano de negócios44, TIR esta que considerou um
determinado custo de capital que, por sua vez, não está mais disponível no mercado.
Dada a complexidade do tema, as tentativas de respostas que seguem devem ser
compreendidas como tentativas provisórias de refletir sobre o tema.
Em primeiro lugar, parece-nos inescapável a conclusão de que nunca será dever do
concedente a assunção de toda a diferença entre o custo de capital previsto na modelagem ou
na proposta apresentada pelo licitante e o custo de capital efetivamente encontrado no
mercado quando da celebração do financiamento de longo prazo. Conclusão diferente não só
tornaria totalmente inócua a alocação de riscos realizada pelo contrato, como reduziria
bastante o sentido em se atribuir a um particular a incumbência de realizar o investimento de
interesse público.
Esta conclusão se mantém mesmo que a modelagem e a proposta tenham
considerado custos com financiamento disponibilizados por instituições financeiras estatais.
Se na elaboração da sua proposta o licitante optou por considerar um custo de capital que,
para sua existência, depende de subsídios, ele assumiu o risco de esses subsídios não mais
existirem quando da assinatura do financiamento de longo prazo. Afinal, a divulgação de
custos com financiamento pelas instituições financeiras não as vincula eternamente.

operação, manutenção, capital e investimento, mas também as expectativas sobre o futuro. [...] A incerteza sobre
o futuro não possibilita garantias, ex ante, aos empresários quanto ao retorno esperado de seu investimento. Da
mesma forma, no caso de concessões e parcerias público-privadas, a rentabilidade efetiva dificilmente será igual
à prevista no estudo de viabilidade realizado no momento da licitação, por fatores que se traduzem nos riscos e
incertezas do projeto” (GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza, op. cit., p. 358).
44
É o que Maurício Portugal Ribeiro e Felipe Sande chamam de “TIR para Reequilíbrio”: a TIR “usada apenas
como uma taxa destinada a deslocar valores no tempo com objetivo de neutralizar os impactos sobre a
rentabilidade do projeto da ocorrência de eventos de desequilíbrio” (RIBEIRO, Mauricio Portugal; SANDE,
Felipe. Mitos, incompreensões e equívocos sobre o uso da TIR – Taxa Interna de Retorno – para equilíbrio
econômico-financeiro de contratos administrativos – Um estudo sobre o estado da análise econômica do direito
no direito administrativo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 18, n. 71, out./dez.
2020, p. 160).
Versão para discussão (19/12/2022)
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20

Por outro lado, descompassos excessivamente grandes entre o custo de capital


previsto na modelagem e na proposta e o custo de capital poderia atrair a incidência das
regras, legais e contratuais, que atribuem ao concedente o risco de eventos imprevisíveis ou
previsíveis de consequências incalculáveis e de impactos extraordinários ou configurados
como caso fortuito, força maior (“eventos extraordinários”)? Em tese, essa seria uma solução
jurídica45 simples, já que não haveria dúvidas de que as consequências danosas do evento não
deveriam ser assumidas pelo concessionário.
Entretanto, é juridicamente sustentável essa incidência? Em uma primeira leitura,
parece-nos que não. Afinal, como visto na seção anterior, o risco de variação do custo de
capital costuma estar explicitamente alocado ao concessionário na matriz de risco dos
contratos. Desta forma, pode-se defender que deveria ser aplicada a noção de especialidade:
se há norma específica tratando do tema, não há razão para invocar uma norma geral. Nessa
leitura, a cláusula que aloca ao concedente o risco de ocorrência de eventos extraordinários
funcionaria como uma cláusula residual para lidar com riscos atribuíveis ao concedente e que
não foram expressamente previstas no contrato.
Por outro lado, em texto recente, Maurício Portugal Ribeiro e Felipe Sande
apresentam uma nova leitura sobre o significado jurídico e prático da atribuição ao
concedente do risco de ocorrência de eventos extraordinário, alocação esta que é
tradicionalmente feita nos contratos de concessão e encontra positivação legal no 65, inc. II,
alínea “d”, da Lei Federal n° 8.666/93 e no art. 124, inc. II, alínea “d”, da Lei Federal n°
14.133/21.
Como se sabe, a teoria corrente sobre alocação de riscos em contratos de concessão
indica que os riscos devem ser preferencialmente alocados à parte que possui mais condição
de gerenciá-lo/controlá-lo. Esta prática permite uma gestão mais adequada dos riscos dos
empreendimentos, ao mesmo tempo em que alinha melhor os interesses das partes, bem como
contribui para precificações mais justas.
Por razões variadas, contudo, pode ocorrer de ser atribuído a uma parte um risco cuja
ocorrência não é (totalmente) controlado por ela. Nesses casos, segundo os autores, a
atribuição ao concedente dos riscos de ocorrência de eventos extraordinários deve ser

45
A resolução técnica seria complexa.
Versão para discussão (19/12/2022)
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21

compreendida como um limitador à transferência ao concessionário de riscos que não são


controláveis por ele46. Nas suas palavras

Os contratos administrativos transferem para o contratado o risco sobre


eventos que não são controláveis pelo contratado. Ao mesmo tempo, a regra
legal estabelece limites para as consequências dessa transferência de risco
sobre eventos não controláveis estabelecendo que se o evento for
imprevisível ou previsível de consequências incalculáveis e se tiver impactos
extraordinários, então, esse evento será considerado risco da administração
pública.

Dessa perspectiva, pode-se olhar as cláusulas legais e contratuais que


atribuem à administração pública o risco de eventos imprevisíveis, ou
previsíveis de consequências incalculáveis e de impactos extraordinários
como uma espécie de hedge, que dá limites à volatilidade dos impactos de
eventos cujo risco é atribuído aos contratados da administração pública
apesar de não serem controláveis por ele47.

Essa interpretação sobre os dispositivos legais e contratuais que tutelam eventos


extraordinários parece se adequar à situação dos custos de capital. De fato, a variação do custo
de capital é um evento cuja ocorrência não está sob controle total do concessionário, bem
como não depende completamente de suas características técnicas, econômicas e financeiras.
Diferente das condições de financiamento (nível de alavancagem, garantias a serem exigidas,
índice de liquidez etc.), o custo de capital do financiamento está muito mais associado a
condições macroeconômicas, notadamente a política monetária do país, e às políticas de
financiamento das instituições financeiras.
Assim, acaso se siga esse entendimento, parece possível sustentar, inclusive
juridicamente, que o concessionário pode ter a seu favor o direito de ter o contrato
reequilibrado em razão de desequilíbrio causado por aumento extraordinário do custo de
capital, mesmo nas situações em que o contrato aloque a ele o risco do custo de capital.
Ocorre que essa afirmação precisa ser lida em conjunto com a primeira conclusão
dessa seção: a de que o concedente nunca será responsável pela totalidade do descompasso
entre o custo de capital da modelagem e da proposta e o custo de capital disponível no

46
RIBEIRO, Maurício Portugal; SANDE, Felipe. Estudo quantitativo e probabilístico sobre a combinação entre
as noções de previsibilidade de eventos e extraordinariedade dos seus impactos: Contribuição para a
compreensão da função e aplicação das regras sobre equilíbrio econômico-financeiro de contratos
administrativos. Disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4251145. Acesso em
18/10/2022, p. 6-7. O texto foi publicado como versão para discussão.
47
Ibidem, p. 7. Os autores alertam que, como se trata de uma visão nova, ela não deveria ser aplicada
imediatamente para lidar com problemas que surjam em contratos já em curso (p. 5). Não obstante, parece-nos
que as reflexões são suficientemente pertinentes para serem trazidas aqui.
Versão para discussão (19/12/2022)
Versão para discussão (19/12/2022)
22

mercado. Parece-nos que a única forma de conjugar essas conclusões é entender que sempre
será necessário separar o aumento ordinário do aumento extraordinário do custo de capital.
Não é preciso grande esforço para concluir que esta identificação, quantificação e
separação entre o que seria um aumento ordinário – e, por isso, a ser absorvido pelo
concessionário – do que seria um aumento extraordinário – e, por isso, a ser absorvido pelo
concedente – transcende em muito o conhecimento meramente jurídico. Para realizar essa
tarefa, será necessário o engajamento de profissionais de áreas diversas, especialmente da
economia/econometria, estatística e finanças. Além disso, o ônus de demostrar que se está
diante de um aumento extraordinário dos custos de capital sempre será do concessionário.
Este entendimento gera, entretanto, um complicador para a própria compreensão dos
contratos de concessão. Explica-se. Se em um contrato em que o risco de variação de custo de
capital foi atribuído ao concessionário e o risco da ocorrência de eventos extraordinários ou
imprevisíveis foi atribuído ao concedente, e a ocorrência um evento extraordinário que afete
negativamente o custo de capital implica a necessidade reequilíbrio econômico-financeiro em
favor do concessionário, estar-se-á diante, em algum grau, de um compartilhamento do risco
do custo de capital.
No limite, considerar que eventos imprevisíveis (probabilidade de ocorrência),
extraordinários ou de consequências incalculáveis (grau de impacto) podem afastar ou
flexibilizar a responsabilidade de absorção da perda (ou ganho) pela parte a qual foi
expressamente alocado um risco específico implica, no limite, compartilhar todos os riscos
contratuais, ao menos em algum grau. Essa conclusão pode possuir alguma sustentação
quando se pensa nos contratos de concessão como contratos relacionais48. Mas essa é uma
tese a ser melhor trabalhada.

5. Conclusões

48
Nesta espécie, ao natural sinalagma contratual é acrescida a convergência de interesses. Nos contratos
relacionais as partes não possuem interesses conflitantes, mas se engajam em relações cooperativas de forma a
preservar a prestação do objeto contratual. A característica relacional dos contratos de concessão, por sua vez,
exige estruturas normativas que permitam a constante negociação e arbitramento dos múltiplos interesses,
disposição das partes nesse sentido e que os esforços interpretativos destes contratos se dirijam a enxergá-los
como plataformas de permanente adaptação. Sobre o tema, cf. DAL POZZO, Augusto Neves. O direito
administrativo da infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 112-114; MARQUES NETO, Floriano de
Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 385.
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O presente trabalho tentou refletir sobre um problema recorrente nos contratos de


concessão de infraestrutura, mas que nos últimos anos assumiu um novo contorno de
importância: o custo de capital e sua tutela contratual.
Foi explicitada a razão para se compreender as concessões de infraestrutura como
contratos públicos de investimento, a centralidade que o custo de capital possui para a
modelagem dos projetos a serem leiloados e para as propostas estruturadas pelos interessados,
a relação que este elemento possui com a rentabilidade do empreendimento e,
consequentemente, com as finalidades públicas que devem ser perseguidas.
Por fim, foram apresentadas reflexões e sugestões para lidar com o custo de capital
nas concessões de infraestrutura, seja durante a modelagem, seja durante a execução.

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