Concessão de Infraestrutura e o Risco Do Custo de Capital
Concessão de Infraestrutura e o Risco Do Custo de Capital
Concessão de Infraestrutura e o Risco Do Custo de Capital
Vitor Soliano1
1. Introdução
1
Doutorando em Direito do Estado (USP). Mestre em Direito Público (UFBA). MBA em Parcerias Público-
Privadas e Concessões (FESPSP). Professor da Faculdade Baiana de Direito. Advogado e consultor jurídico.
2
Existem outras: mecanismo delegação de incumbências públicas, instrumento de regulação econômica etc.
Versão para discussão (19/12/2022)
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2
3
MINISTÉRIO DA FAZENDA. Metodologia de Cálculo do WACC. Brasília, 2018, p. 5. Disponível em
https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/guias-e-manuais/metodologia-de-calculo-
do-wacc2018.pdf. Acesso em 24/11/2022: “o conceito de custo de capital pode ser entendido como: taxa de
demanda da empresa pelas suas fontes de capital; taxa mínima de retorno que os projetos de investimentos
devem auferir; taxa de desconto utilizada para converter o valor esperado de fluxos de caixa futuros em valor
presente; e taxa de retorno que deixa o acionista indiferente à aceitação ou não de um projeto”.
4
GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza. Rentabilidade e equilíbrio econômico-
financeiro do contrato. In MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.). Contratos administrativos, equilíbrio
econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das concessões e parcerias público-privadas. Belo
Horizonte: Fórum, 2016, p. 364.
5
Cf. https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros. As causas para essa variação são, obviamente,
variadas (política fiscal, pandemia, aumento da inflação, guerra na Ucrânia etc.). O propósito aqui é apenas
destacar a sua volatilidade.
6
MATTOS, Cesar. Concessões e parcerias público-privadas (PPPs). In PINHEIRO, Armando Castelar; PORTO,
Antônio J. Maristello; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro (Coord.). Direito e economia: diálogos. Rio de
Janeiro: FGV Editora, 2019, p. 646.
7
Cf. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/custos-financeiros/taxa-juros-longo-
prazo-
tjlp#:~:text=A%20TJLP%20foi%20substitu%C3%ADda%20pela,1%C2%BA%20de%20janeiro%20de%202018
e https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/custos-financeiros/tlp-taxa-de-longo-prazo
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3
8
Cf. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/custos-financeiros/metodologia-de-
calculo-da-tlp
9
RIBEIRO, Maurício Portugal. Como lidar com o risco de financiamento de concessões e PPPs em períodos de
normalidade e de crise. Disponível em https://www.portugalribeiro.com.br/wp-content/uploads/risco-de-
financiamento-em-periodo-de-crise-4.pdf. Acesso em 08/12/2022, p. 5
10
Sem necessariamente afetar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, já que o risco de custo de capital é
normalmente alocado ao concessionário. Voltaremos a essa questão adiante.
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4
Para enfrentar essas perguntas, o artigo foi dividido em três partes além dessa
introdução e da conclusão. Na seção seguinte serão explicitadas as razões que levam à
compreensão de que as concessões de infraestrutura são contratos públicos de investimento.
Na seção 3 serão explorados os conceitos financeiros essenciais para entender a centralidade
do custo de capital nesse tipo de contrato. Na seção 4 procura-se refletir sobre as perguntas
que moveram o artigo.
11
Cf. CARVALHO, André Castro. Direito da infraestrutura: perspectiva pública. São Paulo: Quartier Latin,
2014, p. 178 e BERCOVICI, Gilberto. Infraestrutura e desenvolvimento. In: BERCOVICI, Gilberto; VALIM,
Rafael. Elementos de direito da infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015, p. 18.
12
IPEA. Infraestrutura econômica no Brasil: diagnósticos e perspectivas para 2025 / Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada. – Brasília: Ipea, 2010, p. 15, aborda múltiplos conceitos de infraestrutura, apontando os
vários tipos de equipamentos e serviços que são ou já foram considerados infraestrutura pela literatura
especializada.
13
FRÓES, Fernando. Infraestrutura pública: conceitos, importância e intervenção governamental. In
CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes; SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos.
Direito administrativo econômico. São Paulo: Atlas, p. 257-340, 2011, p. 283: “custos irrecuperáveis são
aqueles investimentos realizados por uma companhia para os quais não se consegue quase valor algum em um
outro mercado” (destaques do original). Ou seja, os equipamentos de infraestrutura possuem baixíssimo uso
alternativo.
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5
17
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 115 e 121. No
mesmo sentido cf. ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Contrato administrativo. São Paulo: Quartier Latin,
2012, p. 262.
18
DAL POZZO, Augusto Neves. O direito administrativo da infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2020, p.
111-136.
19
A literatura sobre a natureza regulatória dos contratos de concessão é vastíssima. Por todos, cf. GÓMEZ-
IBÁÑEZ, José A. Regulating Infrastructure: Monopoly, Contracts and Discretion. Cambridge: Harvard
University Press, 2003, 18-36; GONÇALVES, Pedro António P. Costa. Regulação administrativa e contrato.
Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 9, n. 35, jul ./set. 2011. Disponível em:
<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=74724>. Acesso em: 17 mar. 2018; MARQUES
NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 371-372
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utilidade econômica de interesse coletivo cuja tutela é incumbida ao Estado; (ii) o contrato
sempre estará submetido a um regime de direito público, ainda que esse regime não seja único
e esteja permanentemente em contato com o regime de direito privado; (iii) este contrato
tutela o comportamento do concessionário, pretendendo guiá-lo/regulá-lo a atender interesses
coletivos e; (iv) incumbe-se ao particular o dever buscar capital para viabilizar a utilidade
pública, atribuindo-lhe o direito de receber valores em razão da prestação do serviço ou
exploração da atividade.
Como em qualquer operação financeira, os atores econômicos privados só possuirão
interesse em pactuar um contrato de concessão de infraestrutura com o Estado se o projeto
concedido remunerar o capital e a disponibilização de capacidade de endividamento de forma
adequada ao risco que será transferido ao particular. Desta forma, é preciso explicitar o juízo
econômico e financeiro que é feito na modelagem do projeto pelo concedente e na
estruturação da proposta pelo privado interessado. Ao fazê-lo, ficará clara a importância que a
Taxa Interna de Retorno e, consequentemente, o custo de capital possuem nas concessões de
infraestrutura. É o que se passa a fazer.
“Os aportes de recursos privados não são objeto de resgate imediato (o lucro não é realizado em curto prazo),
23
mas arcados pela receita tarifária paga ao longo de 10, 20 ou 35 anos. Por isso que, em termos econômicos, tais
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Há, portanto, um lapso temporal significativo (10, 20, 30 anos) entre o momento em
que o investidor renuncia sua liquidez presente em nome da realização de investimentos com
alto interesse coletivo e o momento em que ele será totalmente remunerado. Um juízo
financeiro minimamente racional, portanto, demandará que sejam comparados a rentabilidade
que o projeto pode ter e o custo de oportunidade de renunciar a liquidez para aquele projeto
específico25. Afinal, se o investidor possui liquidez naquele momento ele poderia utilizá-la
para outras finalidades, com projetos de riscos de mesmo nível.
Nesse sentido, a rentabilidade esperada do projeto – todas as suas obrigações, riscos,
direitos e receitas a serem recebidas26 – deverá ser maior do que o custo de oportunidade de
renunciar a liquidez com outro empreendimento. Essa rentabilidade pode ser compreendida
como uma taxa de juros que premeia a renúncia à liquidez, bem como constitui a taxa que
iguala no presente os valores do investimento a ser realizado pelo concessionário
(especialmente no início da concessão) e o resultado (receita menos despesas) esperado ao
longo de toda a concessão. Por sua vez, quanto melhor for a habilidade do concessionário em
fazer o resultado ser maior do que o investimento, maior será a rentabilidade efetiva do
empreendimento no término do prazo da concessão.
Por fim, é importante destacar que os recebíveis reais e os gastos reais do
concessionário serão altamente dinâmicos e dificilmente serão iguais aos projetados no
momento da decisão de investimento. Sua rentabilidade real vai se ajustando conforme as
receitas e despesas vão se alterando.
Pelo exposto, fica claro que a decisão de investimento em concessões será
prioritariamente guiada pelo nível de rentabilidade que o projeto pode gerar. Daí a
centralidade dos indicadores de rentabilidade como mecanismos aptos a permitir a
comparação entre oportunidades de investimento (custo de oportunidade). As metodologias de
mensuração da rentabilidade utilizam as taxas de remuneração oferecidas ao investimento
contratos são classificados como ‘investimentos de longa maturação’” (MOREIRA, Egon Bockmann. Contratos
administrativos de longo prazo: a lógica do seu equilíbrio econômico-financeiro. In MOREIRA, Egon
Bockmann. Contratos administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das
concessões e parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 84)
24
É verdade que a Lei Federal nº 11.079/04 autoriza a realização de aportes públicos em favor do concessionário
para a realização das obras e aquisição de bens reversíveis em marcos pré-estabelecidos. Contudo, os valores
recebidos a título de aporte nunca serão suficientes para quitar o financiamento ou remunerar o capital
disponibilizado pelo investidor.
25
GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza, op. cit., 361.
26
Ibidem, p. 360.
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pelo fluxo de receitas futuras27, que nas concessões serão as tarifas e contraprestações
públicas, principalmente.
A principal metodologia para avaliar a rentabilidade de projetos de concessão de
infraestrutura é o Fluxo de Caixa Descontado com a utilização da Taxa Interna de Retorno.
Segundo conceito consolidado, a TIR
é a taxa que torna o valor presente líquido de um fluxo de caixa igual a zero,
ou seja, é a taxa que aplicada como taxa de desconto aos valores de entradas
[receitas] e saídas [investimentos e OPEX] do fluxo de caixa do projeto é
capaz de torná-los equivalentes no momento inicial da concessão ou da
decisão de investimento28
De forma simples, a TIR consegue atuar como uma taxa de juros sobre o valor do
investimento realizado pelo concessionário e refletir o custo de oportunidade dos investidores,
considerando os riscos e obrigações assumidos.
Durante a modelagem, o concedente/a agência reguladora estima quais são os
investimentos necessários para atender à finalidade pública delegada, o montante de capital
necessário para tanto, os custos que serão incorridos pelo futuro concessionário no
cumprimento de suas obrigações, as receitas que serão auferidas ao longo do prazo de
vigência da concessão etc. Ou seja, a modelagem tem que antecipar (sempre com algum grau
de imprecisão, obviamente) o fluxo de caixa que o projeto a ser concedido vai gerar.
Nesse processo, também é definida o que Maurício Portugal Ribeiro e Felipe Sande
chamam de “TIR de Precificação”29: a rentabilidade mínima que o concedente/agência
regulatória entende necessária para atrair investidores com o perfil adequado para o projeto,
considerando as obrigações e riscos a serem atribuídos ao concessionário. Ao estabelecer a
TIR de Precificação, estabelece-se uma estimativa para o “preço de reserva”, que é o preço
que será disputado pelos licitantes (tarifa-teto, outorga mínima, contraprestação máxima, a
depender do modelo da concessão e do leilão). Afinal, o preço de reserva afetará o fluxo de
caixa do futuro concessionário, seja condicionando as suas entradas (tarifa e contraprestação,
principalmente), seja aumentando as suas saídas (outorgas), sejam ambos (tarifa e outorga).
27
Ibidem, p. 364.
28
Ibidem, p. 367.
29
RIBEIRO, Mauricio Portugal; SANDE, Felipe. Mitos, incompreensões e equívocos sobre o uso da TIR – Taxa
Interna de Retorno – para equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos – Um estudo sobre o
estado da análise econômica do direito no direito administrativo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP,
Belo Horizonte, ano 18, n. 71, out./dez. 2020, p. 159-160.
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11
30
Ibidem, p. 160-161.
31
MINISTÉRIO DA FAZENDA, op. cit., p. 5-6.
32
GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza, op. cit., p. 369.
33
MINISTÉRIO DA FAZENDA, op. cit., p. 7-10; GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de
Souza, op. cit., p. 370.
34
MINISTÉRIO DA FAZENDA, op. cit., p. 9-10.
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Por sua vez, o custo de capital de terceiros é calculado a partir de dois elementos:
uma taxa livre de risco e um prêmio pela classificação do risco do negócio (spread)35. De
forma geral, o custo de capital de terceiros é afetado pelo prazo (do projeto e do pagamento
do empréstimo), da existência ou não de linhas de crédito subsidiadas36, das condições
econômicas da empresa, por elementos macroeconômicos (expectativa de crescimento do
PIB, política monetária etc.), dentre outros fatores.
Uma vez composto o custo de capital é possível identificar a TIR mínima necessária
do projeto. Quanto maior o custo de capital (próprio e de terceiros) considerado no momento
da modelagem e da estruturação da proposta, maior deverá a TIR de Precificação.
Reversamente, quanto menor for o custo de capital de terceiros, menor precisará ser a TIR de
Precificação.
Observe-se, portanto, o entrelaçamento necessário entre os vários elementos
discutidos nessa seção e na anterior. O exercício de identificação e composição do custo de
capital próprio e de capital de terceiros e da sua ponderação com seu nível de utilização no
projeto é realizado tanto pelo Estado no momento da modelagem, quanto pelo particular
interessado no momento de análise do projeto e estruturação da sua proposta. O custo de
capital próprio e de terceiros, ponderados pelos seus níveis de utilização no projeto, é
estruturante para a determinação da Taxa Interna de Retorno do projeto. A TIR é, ao mesmo
tempo, a taxa que torna o valor presente líquido de um fluxo de caixa igual a zero e a taxa de
rentabilidade sobre o valor investido no projeto. Por sua vez, ela deve ser maior do que o
custo de oportunidade ou, no mínimo, igual a Taxa Mínima de Atratividade37. A perspectiva
de rentabilidade foi considerada pelo Estado no momento da modelagem e lançamento do
projeto ao público e a possibilidade (não garantia) de alcançar pelo menos essa rentabilidade
foi o que moveu a decisão de investimento do particular interessado. A decisão de
investimento do particular interessado é o que viabilizará a implantação, expansão e
requalificação da infraestrutura, bem como a adequada prestação dos serviços ou exploração
da atividade econômica que a infraestrutura viabiliza.
35
GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza, op. cit., p. 371.
36
Voltaremos a esse fator na sequência.
37
MOREIRA, Egon Bockmann; GUZELA Rafaella Peçanha. Contratos administrativos de longo prazo,
equilíbrio econômico-financeiro e Taxa Interna de Retorno (TIR). In MOREIRA, Egon Bockmann (Coord.).
Contratos administrativos, equilíbrio econômico-financeiro e taxa interna de retorno: a lógica das concessões e
parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2016 p. 346: “o projeto será atraente quando sua TIR for
superior à TMA. Isso porque a TMA refletirá a rentabilidade mínima que o investidor considera necessária para
realizar o investimento e deve ser ‘maior ou igual ao custo de oportunidade e ao custo de capital’, análise que se
dá em observância às distintas fontes de recursos presentes no investimento”.
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Diante disso, e deixando de lado, por ora, a discussão sobre alocação de riscos, se o
custo de capital (especialmente o de terceiros38) aumenta após a apresentação da proposta,
cria-se um descompasso entre a TIR de Precificação e a TIR que de fato poderá ser buscada
pelo concessionário. Ou seja, por mais eficiente que o concessionário seja no manejo das suas
receitas e custos, a rentabilidade possível de ser alcançada será menor do que aquela que
moveu a decisão de renúncia de liquidez. E isso porque o custo de capital de terceiros é um
custo estruturante do investimento, formador da decisão de investimento.
Quanto maior o descompasso entre o custo de capital (de terceiros) que compôs a
TIR de Precificação e o custo capital (de terceiros) encontrado no mercado após a
apresentação da proposta, maior será a dificuldade de se alcançar a rentabilidade pretendida e
maior será a probabilidade de o projeto constituir, na verdade, mecanismo de destruição de
valor dos recursos do investidor.
No limite, essa situação pode ser ainda mais drástica e tornar materialmente
impossível o cumprimento adequado das obrigações assumidas pelo concessionário,
especialmente a de implantar, expandir ou requalificar a infraestrutura nos primeiros anos de
vigência do contrato. Contudo, esse risco também se coloca em anos mais avançados do
contrato de concessão quando se atingem marcos temporais de realização de novas obras ou
são disparados gatilhos de investimento. Independente do momento, a afetação do custo de
capital também poderá comprometer a adequação prestação do serviço delegado ou da
atividade econômica explorada.
Reversamente, se o custo de capital (especialmente o de terceiros) reduz
significativamente após a apresentação da proposta cria-se um descompasso entre a TIR de
Precificação e a TIR que agora poderá ser buscada pelo concessionário. Além dos ganhos que
o concessionário pode ter imprimindo sua eficiência empresarial, ele poderá ter ganhos muito
maiores do que o orginalmente havia previsto quando tomou a decisão de investimento.
Nesse momento, ressurgem as perguntas que moveram a elaboração deste trabalho:
considerando esses elementos, como deve ser alocado o risco do custo de capital em
concessões de infraestrutura? Ademais, o que deve ser feito quando custo de capital aumenta
entre o momento da apresentação da proposta e a celebração do contrato de financiamento e a
materialização desse evento é um risco alocado ao concessionário?
38
Porque é o elemento menos controlável pelo concessionário.
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39
LOSSO, Rodrigo de; SANDE, Felipe; CAVALCANTE FILHO, Elias. Compartilhamento de risco de capital,
p. 16. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/360220976_Compartilhamento_de_Risco_de_Capital. Acesso em
02/05/2022. Acesso em 24/10/2022.
40
RIBEIRO, Maurício Portugal. Como lidar com o risco de financiamento de concessões e PPPs em períodos de
normalidade e de crise. Disponível em https://www.portugalribeiro.com.br/wp-content/uploads/risco-de-
financiamento-em-periodo-de-crise-4.pdf. Acesso em 08/12/2022, p. 4-9.
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41
Absorção da integralidade dos ganhos no caso de redução; queda da qualidade do serviço, postergação de
investimentos e encerramento dos contratos, no caso de aumento.
42
LOSSO, Rodrigo de; SANDE, Felipe; CAVALCANTE FILHO, Elias, op. cit., p. 20. Os autores destacam que
essa opção regulatória já é utilizada nos contratos de concessão submetidas à regulação discricionária, como no
setor de distribuição de energia elétrica. Sobre a diferença entre regulação discricionária e regulação contratual,
cf. GÓMEZ-IBÁÑEZ, José A., op. cit., p. 157-243; CAMACHO, Fernando Tavares; RODRIGUES, Bruno.
Regulação econômica de infraestruturas: qual modelo escolher? Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n. 41, jun.
2014, p. 261-277.
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4.2. Tutela durante a execução contratual: o que fazer quando o custo de capital previsto na
modelagem e na proposta não está mais disponível no mercado?
43
“É preciso enfatizar e distinguir o direito à busca pela rentabilidade em oposição ao direito à rentabilidade.
Quando da tomada da decisão pela participação em um projeto, o investidor tende a analisar a rentabilidade
esperada comparada com outros ativos de risco similar, considerando preços e custos de tarifa, contraprestação,
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operação, manutenção, capital e investimento, mas também as expectativas sobre o futuro. [...] A incerteza sobre
o futuro não possibilita garantias, ex ante, aos empresários quanto ao retorno esperado de seu investimento. Da
mesma forma, no caso de concessões e parcerias público-privadas, a rentabilidade efetiva dificilmente será igual
à prevista no estudo de viabilidade realizado no momento da licitação, por fatores que se traduzem nos riscos e
incertezas do projeto” (GALÍPOLO, Gabriel Muricca; HENRIQUES, Ewerton de Souza, op. cit., p. 358).
44
É o que Maurício Portugal Ribeiro e Felipe Sande chamam de “TIR para Reequilíbrio”: a TIR “usada apenas
como uma taxa destinada a deslocar valores no tempo com objetivo de neutralizar os impactos sobre a
rentabilidade do projeto da ocorrência de eventos de desequilíbrio” (RIBEIRO, Mauricio Portugal; SANDE,
Felipe. Mitos, incompreensões e equívocos sobre o uso da TIR – Taxa Interna de Retorno – para equilíbrio
econômico-financeiro de contratos administrativos – Um estudo sobre o estado da análise econômica do direito
no direito administrativo. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 18, n. 71, out./dez.
2020, p. 160).
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45
A resolução técnica seria complexa.
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21
46
RIBEIRO, Maurício Portugal; SANDE, Felipe. Estudo quantitativo e probabilístico sobre a combinação entre
as noções de previsibilidade de eventos e extraordinariedade dos seus impactos: Contribuição para a
compreensão da função e aplicação das regras sobre equilíbrio econômico-financeiro de contratos
administrativos. Disponível em https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4251145. Acesso em
18/10/2022, p. 6-7. O texto foi publicado como versão para discussão.
47
Ibidem, p. 7. Os autores alertam que, como se trata de uma visão nova, ela não deveria ser aplicada
imediatamente para lidar com problemas que surjam em contratos já em curso (p. 5). Não obstante, parece-nos
que as reflexões são suficientemente pertinentes para serem trazidas aqui.
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mercado. Parece-nos que a única forma de conjugar essas conclusões é entender que sempre
será necessário separar o aumento ordinário do aumento extraordinário do custo de capital.
Não é preciso grande esforço para concluir que esta identificação, quantificação e
separação entre o que seria um aumento ordinário – e, por isso, a ser absorvido pelo
concessionário – do que seria um aumento extraordinário – e, por isso, a ser absorvido pelo
concedente – transcende em muito o conhecimento meramente jurídico. Para realizar essa
tarefa, será necessário o engajamento de profissionais de áreas diversas, especialmente da
economia/econometria, estatística e finanças. Além disso, o ônus de demostrar que se está
diante de um aumento extraordinário dos custos de capital sempre será do concessionário.
Este entendimento gera, entretanto, um complicador para a própria compreensão dos
contratos de concessão. Explica-se. Se em um contrato em que o risco de variação de custo de
capital foi atribuído ao concessionário e o risco da ocorrência de eventos extraordinários ou
imprevisíveis foi atribuído ao concedente, e a ocorrência um evento extraordinário que afete
negativamente o custo de capital implica a necessidade reequilíbrio econômico-financeiro em
favor do concessionário, estar-se-á diante, em algum grau, de um compartilhamento do risco
do custo de capital.
No limite, considerar que eventos imprevisíveis (probabilidade de ocorrência),
extraordinários ou de consequências incalculáveis (grau de impacto) podem afastar ou
flexibilizar a responsabilidade de absorção da perda (ou ganho) pela parte a qual foi
expressamente alocado um risco específico implica, no limite, compartilhar todos os riscos
contratuais, ao menos em algum grau. Essa conclusão pode possuir alguma sustentação
quando se pensa nos contratos de concessão como contratos relacionais48. Mas essa é uma
tese a ser melhor trabalhada.
5. Conclusões
48
Nesta espécie, ao natural sinalagma contratual é acrescida a convergência de interesses. Nos contratos
relacionais as partes não possuem interesses conflitantes, mas se engajam em relações cooperativas de forma a
preservar a prestação do objeto contratual. A característica relacional dos contratos de concessão, por sua vez,
exige estruturas normativas que permitam a constante negociação e arbitramento dos múltiplos interesses,
disposição das partes nesse sentido e que os esforços interpretativos destes contratos se dirijam a enxergá-los
como plataformas de permanente adaptação. Sobre o tema, cf. DAL POZZO, Augusto Neves. O direito
administrativo da infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2020, p. 112-114; MARQUES NETO, Floriano de
Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 385.
Versão para discussão (19/12/2022)
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Referências
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Contrato administrativo. São Paulo: Quartier Latin,
2012
______. SANDE, Felipe. Mitos, incompreensões e equívocos sobre o uso da TIR – Taxa
Interna de Retorno – para equilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos – Um
estudo sobre o estado da análise econômica do direito no direito administrativo. Revista
Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 18, n. 71, p. 157-186, out./dez.
2020.